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Escola Superior de Sade Egas Moniz
Estudo do DNA mitocondrial de um grupo de
imigrantes oriundos de Cabo Verde residente s
em Lisboa
Contributo para o conhecimento da origem e evoluo da populao de um
territrio integrado no ex-Imprio Colonial Portugus durante 500 anos
Paulo Jorge Sampaio Morais
Dissertao de Mestrado Lisboa, 2013
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Mestrado em Biologia Molecular em Sade
Ttulo : Estudo do DNA mitocondrial de um grupo de imigrantes
oriundos de Cabo Verde residentes em Lisboa: Contributo para o
conhecimento da origem e evoluo da populao de um territrio
integrado no ex-Imprio Colonial Portugus durante 500 anos
Dissertaco apresentada Escola Superior de Sade Egas Moniz com
vista obtenco do grau de Mestre em Biologia Molecular em Sade
Autor : Paulo Jorge Sampaio Morais
Orientadores: Especialista Superior de Medicina Legal Antnio
Amorim e Especialista Superior de Medicina Legal Helosa Afonso
Costa
Investigaco laboratorial realizada no Servio de Gentica e Biologia
Forenses da Delegaco do Sul do Instituto Nacional de Medicina Legal e
Cincias Forenses, I.P.
Data: Setembro 2013
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Agradecimentos
Ao meu orientador, Professor Antnio Amorim, por ter aceite a
orientao da presente Dissertao de Mestrado, por estar sempre disponvel
para qualquer assunto, dvida e correo, e pela enorme ajuda na elaborao
da tese.
minha orientadora, Mestre Helosa Afonso Costa, por ter aceite a
coorientao da presente Dissertao de Mestrado, por me ter transmitido todo
o conhecimento da rea e por contribuir sempre com uma boa dose de apoio e
otimismo.
Ao Rodolfo Santos, por me ter ambientado ao contexto laboratorial e
auxiliado nos primeiros passos a nvel tcnico. Dr. Manuela Marques, pela
ajuda na obteno de muitos dos artigos utilizados na elaborao da tese.
Ao Sr. Prof. Doutor Jorge Costa Santos, por permitir que realizasse o
meu projeto nas instalaes do INMLCF.
Dr. Rosa Espinheira e a todo o pessoal do servio de Gentica e
Biologia Forense do INMLCF, por toda a ajuda tcnica, simpatia e
disponibilidade.
coordenao do Mestrado em Biologia Molecular em Sade, Prof.
Dr. Alexandra Maia e Silva, por ter aceite este projeto.
Sara, por me fazer acreditar e lutar pelos meus objetivos, obrigada
pelo amor e carinho!
Aos meus pais, pelo incentivo e apoio constante, pelo suporte
financeiro e emocional.
Aos restantes colegas da 3 Edio do Mestrado de Biologia Molecular
em Sade, pelo convvio e amizade.
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2
Resumo
O DNA mitocondrial apresenta caractersticas particulares, tais como um
elevado nmero de cpias por clula, herana uniparental materna, elevada taxa de
mutao e ausncia de recombinao, que permitem a sua utilizao na clarificao
da origem e evoluo das populaes humanas. O objetivo deste estudo foi obter
informao sobre a origem, em termos genticos, da populao imigrante de Cabo
Verde residente atualmente em Lisboa. Para tal procedeu-se construo de uma
base de dados de DNA mitocondrial de forma a caracterizar a diversidade gentica
de 103 imigrantes oriundos de Cabo Verde, residentes em Lisboa.
A regio controlo do DNA mitocondrial foi amplificada e sequenciada, entre
as posies 16024 e 576, utilizando dois pares de primers (L15997/H016 e
L1655/H599). As sequncias obtidas foram inseridas na base de dados de DNA
mitocondrial com maior relevncia na rea das Cincias Forenses, a EDNAP
Forensic mtDNA Population Database - EMPOP.
A anlise da regio controlo revelou elevada variabilidade gentica, com
elevada frequncia de hapltipos nicos. A maioria das sequncias de DNA
mitocondrial corresponde a haplogrupos caractersticos de populaes africanas.
Uma pequena minoria corresponde a haplogrupos euroasiticos. Os resultados
obtidos so semelhantes aos resultados alcanados em estudos anteriores sobre a
origem e evoluo da populao de Cabo Verde, o que sugere que a composio
gentica da populao imigrante de Cabo Verde a residir atualmente em Lisboa
representativa da composio gentica do arquiplago. Os resultados obtidos no
contradizem a verso histrica da colonizao do arquiplago de Cabo Verde,
segundo a qual a referida colonizao envolveu escravas africanas e indivduos
portugueses do sexo masculino, mobilizados altura para a ex-colnia.
Palavras chave: DNA Mitocondrial; Cabo Verde; Lisboa; Gentica
populacional
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3
Abstract
Mitochondrial DNA presents peculiar characteristics that promote its use in
the clarification of the origin and evolution of human populations, such as maternal
inheritance, high mutation rate and absence of recombination. The aim of this study
was to obtain information about the origin of the immigrant population of Cabo
Verde currently living in Lisbon. As such, a database for mtDNA was built to
analyze the genetic diversity of 103 immigrants from Cabo Verde, living in Lisboa.
Mitochondrial DNA control region was amplified and sequenced between
positions 16024 and 576, using two sets of primers (L15997/H016 and
L16555/H599). Obtained haplotypes were submitted to the most important
mitochondrial DNA database in Forensic Sciences, EDNAP Forensic mtDNA
Population Database EMPOP.
The analysis of the control region revealed high genetic diversity, with a high
frequency of unique haplotypes. Most mitochondrial DNA sequences correspond to
African haplogroups. A minority of the sequences were linked to Euroasian
haplogroups. Obtained results are similar to results achieved in previous studies
that the
representative of the genetic makeup of the archipelago. The results do not contradict
the historical version of the colonization of the archipelago, which states the
colonization involved female African slaves and male Portuguese, mobilized by that
time to the ex-colony.
Keywords: Mitochondrial DNA; Cabo Verde; Lisboa; Population genetics
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ndice Geral
Resumo ............................................................................................................. 2
Abstract ............................................................................................................ 3
ndice Geral ....................................................................................................... 4
ndice de Figuras ............................................................................................... 6
ndice de Tabelas ............................................................................................... 7
Lista de abreviaturas ......................................................................................... 8
Introduo ...................................................................................................... 10
1. Cabo Verde .................................................................................................. 10
1.1. Generalidades....................................................................................... 10
1.2. O Imprio Colonial Portugus e a descoberta de Cabo Verde ............... 12
1.3. Colonizao e crescimento de Cabo Verde ............................................ 12
1.4. Destabilizao do estado econmico e Independncia de Cabo Verde . 13
1.5. Migrao em Cabo Verde...................................................................... 14
1.6. Atualidade de Cabo Verde .................................................................... 15
2. Mitocndria ................................................................................................. 16
2.1. Estrutura e funes ............................................................................... 16
2.2. Origem da mitocndria e semi-autonomia ............................................ 17
3. DNA Mitocondrial ........................................................................................ 18
3.1. Genoma mitocondrial ........................................................................... 19
3.2. Caractersticas do genoma mitocondrial ............................................... 20
3.2.1. Cdigo gentico ............................................................................. 21
3.2.2. Nmero de cpias.......................................................................... 21
3.2.3. Taxa de mutao ........................................................................... 21
3.2.4. Herana materna ........................................................................... 23
3.2.5. Ausncia de recombinao ............................................................ 24
3.2.6. Heteroplasmia ............................................................................... 25
4. Estudo do genoma mitocondrial .................................................................. 27
4.1. DNA mitocondrial e Gentica Populacional ........................................... 29
4.1.1. Origem do homem moderno ......................................................... 30
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5
4.1.2. Migraes humanas e disperso da populao africana................. 31
4.2. DNA mitocondrial e Cincias Forenses .................................................. 33
4.3. Outras aplicaes do genoma mitocondrial .......................................... 34
5. Bases de dados genticos de DNA mitocondrial ........................................... 35
6. Cabo Verde composio gentica atual ..................................................... 35
Objetivos ......................................................................................................... 36
Materiais e Mtodos ....................................................................................... 37
7. Procedimento experimental ........................................................................ 37
7.1. Tcnicas utilizadas ................................................................................ 37
7.2. Seleo de amostras ............................................................................. 38
7.3. Extrao de DNA ................................................................................... 38
7.4. Amplificao ......................................................................................... 39
7.5. Purificao dos produtos da reao de amplificao ............................. 40
7.6. Sequenciao........................................................................................ 41
7.7. Purificao dos produtos da reao de sequenciao ........................... 43
7.8. Deteo dos produtos sequenciados .................................................... 44
7.9. Anlise dos produtos sequenciados ...................................................... 45
7.10. Anlise estatstica e filogentica ........................................................ 47
Resultados e Discusso .................................................................................... 48
8. Resultados ................................................................................................... 48
8.1. Estudo dos hapltipos representados ................................................... 48
8.2. Estudo de heteroplasmias ..................................................................... 55
8.3. Clculo dos parmetros de diversidade................................................. 56
8.4. Estudo dos haplogrupos representados ................................................ 60
8.5. Anlise filogentica ............................................................................... 62
9. Discusso ..................................................................................................... 64
9.1. Estudo da totalidade da regio controlo do genoma mitocondrial ........ 64
9.2. Anlise dos resultados obtidos.............................................................. 69
9.3. Significado filogentico ......................................................................... 77
Concluses ...................................................................................................... 79
Bibliografia ...................................................................................................... 81
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6
ndice de Figuras Pgina
Figura 1. Mapa com a localizao das ilhas pertencentes ao grupo da Macaronsia ........................... 12
Figura 2. Mapa de Cabo Verde ............................................................................................................. 13
Figura 3. Fotografia da esttua de Diogo Gomes, um dos navegadores envolvidos na descoberta de
Cabo Verde, em Praia ..................................................................................................................................... 14
Figura 4. Representao esquemtica referente aos emigrantes cabo-verdianos por pas, em %, segundo
dados do Censo de 2000 ................................................................................................................................. 17
Figura 5. Representao esquemtica da estrutura da mitocndria ...................................................... 18
Figura 6. Representao esquemtica do genoma mitocondrial ........................................................... 21
Figura 7. Demonstrao esquemtica de um exemplo de herana materna de mtDNA para 18
indivduos ........................................................................................................................................................ 25
Figura 8. Mapa com uma representao esquemtica da expanso do ser humano pelas diversas regies
do globo e respetiva distribuio geogrfica de haplogrupos ........................................................................ 32
Figura 9. Tcnica de sequenciao com ddNTPs marcados com fluorocromos de diferentes cores ... 42
Figura 10. Esquema de purificao por Xterminator e aspirao automtica pelo capilar .................... 46
Figura 11. Imagem de electroferograma obtido aps a eletroforese capilar no 3130 Genetic Analyzer
......................................................................................................................................................................... 48
Figura 12. Imagem de um electroferograma de sequncia da regio controlo do mtDNA com
heteroplasmia de comprimento ....................................................................................................................... 50
Figura 13. Representao esquemtica das percentagens observadas por cada haplogrupo para os 103
indivduos com ascendncia cabo-verdiana .................................................................................................... 64
Figura 14. rvore resultante da anlise das distncias genticas obtidas entre as populaes referidas na
tabela 18 .......................................................................................................................................................... 66
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ndice de Tabelas Pgina
Tabela 1. Caractersticas discriminantes entre o DNA nuclear e o DNA mitocondrial ........................ 20
Tabela 2. Primers utilizados na amplificao da regio controlo total do DNA mitocondrial humano
......................................................................................................................................................................... 42
Tabela 3. Reagentes da reao de amplificao da regio controlo total do DNA mitocondrial humano e
respetivo volume por amostra ......................................................................................................................... 43
Tabela 4. Condies da reao em cadeia da polimerase para a regio controlo total do DNA
mitocondrial humano, efetuada no termociclador GeneAmp PCR system 9700............................................. 43
Tabela 5. Reagentes da reao de sequenciao e volume por amostra ............................................... 45
Tabela 6. Condies da reao de sequenciao efetuada no termociclador GeneAmp PCR system 9700
......................................................................................................................................................................... 45
Tabela 7. Condies da corrida electrofortica realizada no 3130 Genetic Analyzer ........................... 47
Tabela 8. Nomenclatura de bases nucleotdicas de acordo com os cdigos da IUPAC ....................... 50
Tabela 9. Cdigo do hapltipo, haplogrupo a que pertence, nmero de indivduos que apresentam o
hapltipo, nmero de alteraes polimrficas em relao rCRS e hapltipo .............................................. 52
Tabela 10. Nmero de hapltipos nicos, repetidos e diferentes, considerando a regio controlo total do
mtDNA dos 103 indivduos estudados ........................................................................................................... 54
Tabela 11. Nmero e tipo de alteraes polimrficas da regio controlo total do mtDNA detetadas nas
103 sequncias de mtDNA analisadas ............................................................................................................ 54
Tabela 12. Diferentes polimorfismos observados na zona de poli-C da regio HV1 do mtDNA, entre as
posies 16183 e 16193 e nmero de sequncias onde ocorreu heteroplasmia de comprimento .................. 56
Tabela 13. Frequncia absoluta de cada nucletido na regio controlo do mtDNA, considerando as
alteraes polimrficas relativamente rCRS ................................................................................................ 57
Tabela 14. Frequncia de hapltipos homoplsmicos e heteroplsmicos nas 103 sequncias analisadas e
regio hipervarivel de ocorrncia .................................................................................................................. 59
Tabela 15. Frequncia absoluta e frequncia relativa de cada nucletido nas posies polimrficas da
regio controlo do mtDNA, considerando as alteraes relativamente rCRS, apresentadas na tabela 9 .... 60
Tabela 16. Parmetros de diversidade da regio HV1 do mtDNA de populaes africanas e portuguesas
......................................................................................................................................................................... 62
Tabela 17. Parmetros de diversidade da regio controlo do mtDNA de populaes africanas ............. 62
Tabela 18. Populao do presente estudo e populaes selecionadas da literatura, utilizadas no estudo
filogentico ..................................................................................................................................................... 65
Tabela 19. Valores de Fsts entre as populaes do estudo filogentico ................................................... 65
Tabela 20. Valores de p relativos s populaes comparadas no estudo ................................................ 66
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Lista de abreviaturas
C: Graus Celsius
: Microampere
: Micrometro
: Microlitro
A: Adenina
ATP: Adenosina trifosfato
C: Citosina
CA: California
CRS: Cambridge Reference Sequence (Sequncia de Referncia de Cambridge)
dNTP: Desoxinucletidos trifosfatados
ddATP: Didesoxiadenina trifosfatada
ddCTP: Didesoxicitosina trifosfatada
ddGTP: Didesoxiguanina trifosfatada
ddNTP: Didesoxinucletidos trifosfatados
ddTTP: Didesoxitimina trifosfatada
D-loop: Displacement Loop (Lao de deslocamento)
Da: Dalton
DNA: cido desoxirribonucleco
EDNAP: European DNA Profiling Group
EDTA: cido etilenodiaminotetractico
EMPOP: EDNAP Forensic mtDNA Population Database
FST: Fixation index (ndice de fixao)
g: Fora gravitacional
G: Guanina
H: Heavy (pesado)
HV1: Hipervarivel 1
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HV2: Hipervarivel 2
HV3: Hipervarivel 3
INE: Instituto Nacional de Estatstica
IUPAC: International Union of Pure and Applied Chemistry
Km: Quilmetro
L: Light (leve)
LHON: Leber hereditary optic neuropathy (Neuropatia optica hereditria de Leber)
mL: Mililitro
mtDNA: DNA mitocondrial
N: North (Norte)
nDNA: DNA nuclear
NUMT: Nuclear mitochondrial DNA (Pseudogene mitocondrial no genoma nuclear)
OH: Origem de replicao
Pb: Pares de bases
PCR: Polymerase Chain Reaction (Reao em cadeia da polimerase)
rCRS: Revised Cambridge Reference Sequence (Sequncia de Referncia de Cambridge revista)
RFLP: Restriction Fragment Length Polymorphism
ROI: Intermedirio reativo de oxignio
rSAP: Recombinant Shrimp Alkaline Phosphatase (Fosfatase Alcalina Recombinante de Camaro)
SNP: Single nucleotide polymorphism (Polimorfismo de nucletido nico)
T: Timina
tRNA: RNA de transferncia
UK: United Kingdom (Reino Unido)
VNTR: Repeties em tandem de variado nmero
W: West (oeste)
http://en.wikipedia.org/wiki/Mitochondrionhttps://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&cad=rja&ved=0CD4QFjAB&url=http%3A%2F%2Fwww.tataa.com%2Fproducts-page%2Fquality-control%2Frecombinant-shrimp-alkaline-phosphatase-rsap%2F&ei=_sDyUcGuIpS7hAfcuIGYBA&usg=AFQjCNHz2SElZUlfTdmPJW6T5FuXq20jKQ&bvm=bv.49784469,d.ZG4
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Introduo
1. Cabo Verde
1.1. Generalidades
Cabo Verde um pas insular africano que em 2010 tinha 491,683 habitantes
(Instituto Nacional de Estatstica de Cabo Verde, 2010). Est situado ao largo da
costa Africana Ocidental, a 450-600 N
e na O seu nome tem origem na pennsula de Cabo
Verde, no Senegal, o ponto mais oeste do continente Africano. Est integrado na
Macaronsia (Figura 1), um grupo de 4 arquiplagos situados no Oceano Atlntico
(Aores, Madeira, Ilhas Canrias e Cabo Verde). Cabo Verde consttuido por dez
ilhas e oito ilhus de origem vulcnica. Atualmente no h registo de erupes,
exceto na ilha do Fogo, onde o seu vulco, altamente ativo, teve a sua ltima erupo
em 1955 (Ramalho, 2011).
Figura 1 Mapa com a localizao das ilhas pertencentes ao grupo da Macaronsia
Adaptado de http://www3.uma.pt/cem/aegro.ecpgr.symp/macaronesia.html
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As dez ilhas do arquiplago de Cabo Verde esto divididas, consoante a sua
localizao, em dois grupos. A norte situa-se o grupo Barlavento, consttuido pelas
ilhas de Santo Anto, So Vicente, Santa Luzia, So Nicolau, Sal e Boa Vista. O
grupo Sotavento, consttuido pelas ilhas Maio, Santiago, Fogo e Brava, situa-se a sul
do arquiplago (Figura 2). A capital, Praia, localiza-se na ilha de Santiago e
representa o maior aglomerado populacional do pas (Willie , 2001). O arquiplago
tem uma rea total de 4068 km2, sendo a maior ilha Santiago (rea de 991 km
2) e a
menor ilha Santa Luzia (rea de 35 km2). A distncia entre as ilhas varia de 8 km
(entre So Vicente e Santa Luzia) a 270 km (entre Santo Anto e Maio) (Ramalho,
2011).
O clima em Cabo Verde tropical seco com influncia ocenica, com chuvas
de caractr torrencial, particulamente nas ilhas de relevo acentuado. O territrio , na
sua maioria, montanhoso, rido e pobre em terreno frtil. As temperaturas so mais
elevadas em setembro (mdia de 26,7C) e mais baixas em janeiro e fevereiro
(mdias de 18,4C) (Ramalho, 2011). Foi em condies algo rduas, para os
navegadores, que Cabo Verde foi descoberto no sc. XV por portugueses que
exploravam a costa Africana Ocidental. A quando da sua descoberta, as ilhas no se
encontravam habitadas.
Figura 2 - Mapa de Cabo Verde;
Adaptado de Brehm et al. (2002)
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12
1.2. O Imprio Colonial Portugus e a descoberta de Cabo Verde
A descoberta de Cabo Verde resultou da expanso do Imprio Colonial
Portugus, que se iniciou em 1415 com a conquista de Ceuta e que se estendeu por
frica, sia e Amrica do Sul. A descoberta de uma rota martima atravs do Cabo
Bojador pelo marinheiro portugus Gil Eanes permitiu a exploradores e mercadores
Europeus partirem descoberta de novas rotas na costa de frica e, mais tarde, na
ndia.
O Infante Dom Henrique, uma eminente
personalidade histrica do Portugal quatrocentista,
lanou navegadores lusos para alm do Cabo
Bojador. Entre eles estava um grupo de
navegadores que contribuiu para a descoberta de
Cabo Verde. Lus Cadamosto, explorador italiano,
descobriu as primeiras ilhas do arquiplago, entre
elas Santiago, em 1458. Diogo Gomes (Figura 3),
Antnio de Noli e Diogo Afonso (1461)
descobriram as restantes ilhas. As ilhas de Cabo
Verde foram descobertas, por portugueses, sem
indcios de presena humana anterior. Acredita-se,
contudo, que os Mouros tenham procurado sal nestas
mesmas ilhas, nos sculos que se antecederam
(Carreira, 1983).
1.3. Colonizao e crescimento de Cabo Verde
Os primeiros colonizadores do arquiplago de Cabo Verde chegaram em
1462 ilha de Santiago e alguns anos depois ilha vizinha de Fogo. Foi em Santiago
que surgiu a primeira povoao, Ribeira Grande (atualmente denominada Cidade
Velha, de forma a evitar confuso com a cidade Ribeira Grande na ilha de Santo
Anto). Ribeira Grande foi a primeira povoao Europeia permanente nos trpicos
(Willie , 2001). Inicialmente, a colonizao decorreu lentamente devido ao clima
rduo da regio. S no sc. XVII as ilhas a norte, Santo Anto e So Nicolau,
receberam os primeiros habitantes (Brehm et al., 2002).
Figura 3 Fotografia da esttua de
Diogo Gomes, um dos navegadores
envolvidos na descoberta de Cabo
Verde, em Praia
Adaptado de
http://old.enciclopedia.com.pt/articles
.php?article_id=1184
http://en.wikipedia.org/wiki/Ribeira_Grande,_Cape_Verdehttp://en.wikipedia.org/wiki/Santo_Ant%C3%A3o,_Cape_Verdehttp://en.wikipedia.org/wiki/Santo_Ant%C3%A3o,_Cape_Verde
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13
Em 1466 os colonizadores portugueses em Cabo Verde foram autorizados
pelo Rei Afonso V a negociar livremente com as cidades da costa da Guin, do
Senegal e da Serra Leoa (Brehm et al., 2002). Aps estabelecerem postos de
comrcio nas ilhas j povoadas, comearam a estabelecer postos em pleno continente
africano, o que fortaleceu uma relao comercial entre os colonizadores e as
sociedades africanas com as quais comercializavam. Fruto desta relao teve incio o
comrcio de escravos, que levou a um rpido aumento da populao em Cabo Verde
(Willie , 2001). Alguns dos primeiros escravos eram originrios do Senegal e da
Mauritnia e entre eles existiam tambm Guanches das Ilhas Canrias (Barry, 1998).
Santiago tornou-se uma paragem obrigatria para barcos a caminho do Golfo da
Guin, Angola, So Tom e Princpe e Brasil e a regio rapidamente se tornou numa
estao para comrcio transatlntico de escravos, atividade que permitiu a Cabo
Verde prosperar durante o sc. XVI (Russell-Wood, 1998).
Cabo Verde no servia apenas para as atividades costeiras de Portugal no
Oceano Atlntico. Serviu tambm como local de exilo para marginais e indivduos
acusados de crimes civs e polticos em territrio portugus. O arquiplago seria
tambm inicialmente povoado por judeus e nobres, de Portugal e de outros pases da
Europa, que se mobilizaram para Cabo Verde sem as respetivas famlias.
As primeiras povoaes de Cabo Verde eram, portanto, consttuidas na sua
maioria, por escravas africanas provenientes da costa Africana Ocidental e homens
de diversas classes provenientes da Europa. Os homens acabariam por se cruzar com
as mulheres indgenas, o que deu origem a uma nova classe mista de indivduos, os
mulatos ou crioulos. Indivduos desta nova gerao facilmente se tornaram
intermedirios de comrcio, graas sua familiarizao com ambas as culturas, a
Europeia e a Africana (Willie , 2001).
1.4. Destabilizao do estado econmico e Independncia de
Cabo Verde
A localizao de Cabo Verde no Atlntico e a prosperidade do comrcio
tornaram o arquiplago vulnervel a ataques de piratas provenientes de vrios pases
Europeus, entre eles a Frana e a Holanda, o que acabaria por afetar o comrcio de
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14
escravos. A influncia portuguesa na regio diminuiu ao longo dos scs. XVII e
XVII I e o comrcio de escravos terminou em 1876.
A opresso portuguesa que mantinha Cabo Verde com o estatuto de colnia
comeou a sofrer resistncia na segunda metade do sc. XX. Em 1956, um
movimento nacionalista de libertao liderado por Amlcar Cabral, designado Partido
Africano da Independncia da Guin e Cabo Verde, permitiu estabelecer uma
resistncia anticolonial que viria a dar origem a uma insurreio armada e sustentada
e uma cerimnia para declarao da independncia a 5 de julho de 1975 (Willie ,
2001). Cabo Verde tornava-se independente depois de 500 anos de controlo colonial.
Foi instalado um regime de partido nico aps a independncia, substtuido por um
modelo de multipartidarismo em 1990 (Carvalho, 2010).
A abolio do comrcio de escravos no sc. XIX perturbou o estado
econmico do arquiplago, j agravado por secas e escassez de alimentos. Contudo, a
posio do arquiplago no Atlntico tornou-o na localizao ideal para
abastecimento e reparao de navios, o que permitiu atenuar a crise econmica que
Cabo Verde atravessava (Willie , 2001). Esta situao promoveu, contudo, um forte
movimento migratrio, que se viria a estabelecer como uma forte tradio no pas.
1.5. Migrao em Cabo Verde
A migrao est presente na realidade histrica e social de Cabo Verde desde
o estabelecimento da sociedade cabo-verdiana. Os primeiros sinais de expresso
migratria dos cabo-verdianos deram-se no final do sc. XVII e incio do sc. XVIII,
sendo a Amrica o principal destino. Desde ento e at atualidade a emigrao tem
levado os cabo-verdianos a mais de 25 pases em todo o globo (Carling & Akesson,
2009).
Na histria de Cabo Verde so conhecidos trs perodos distintos de grande
fluxo migratrio ao longo do sc. XX. O primeiro ocorreu de 1900 a 1926 para os
Estados Unidos da Amrica. De 1927 a 1945 foram vrios os destinos escolhidos
pelos cabo-verdianos, entre eles a Amrica Latina (Brasil e Argentina), frica
(Senegal, Guin, So Tom e Princpe e Angola) e Portugal. De 1946 a 1973 os
emigrantes escolheram como principal destino a Europa, nomeadamente a Holanda,
Frana, Luxemburgo, Itlia e Sua (Carvalho, 2010).
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15
Portugal; 54%
Estados Unidos da Amrica; 19%
Espanha; 2%
Suca; 1,3% Holanda; 5%
Itlia; 2,2%
Frana; 8%
Outros; 8,5%
Segundo o Censo de 2000 (INE de Cabo Verde), no perodo compreendido
entre 1995 e 2000 emigraram 12.206 cabo-verdianos, a maioria do sexo masculino
(54%). Nesse periodo, o principal pas de destino foi Portugal com cerca de 6,590
emigrantes, seguido dos Estados Unidos da Amrica, Frana, Holanda, Itlia,
Espanha e Suca (Carvalho, 2010) (Figura 4). De acordo com os dados mais recentes
do INE de Portugal, o nosso pas tinha, em 2011, 38,895 emigrantes provenientes de
Cabo Verde.
Este elevado fluxo migratrio que se iniciou h 500 anos e que atingiu o seu
auge no sc. XX permite caracterizar o carter cultural atual do pas.
1.6. Atual idade de Cabo Verde
Devido ao seu papel, como centro de comrcio no Oceano Atlntico, Cabo
Verde assimila, atualmente, impresses culturais no s de Portugal e oeste de frica
mas tambm de outras regies do globo. A lngua oficial a Portuguesa mas o
Crioulo a linguagem falada mais comum. A religio dominante a Catlica, mas
outras religies africanas tradicionais tambm so comuns. A maioria dos Cabo-
verdianos so hoje de ascendncia mista, Europeia e Africana (Willie , 2001).
Atualmente, a histria da populao de Cabo Verde poder ser corroborada
pela anlise de variaes no DNA mitocondrial (mtDNA), que permitir estimar o
Figura 4 - Representao esquemtica referente aos emigrantes Cabo-verdianos entre 1995 e
2000 por pas, em %, segundo dados do Censo de 2000; Fonte: Carvalho (2010)
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16
impacto das populaes que estiveram na origem da populao cabo-verdiana e na
formao da sua linhagem materna atual.
2. Mitocndria
2.1. Estrutura e funes
O DNA mitocondrial localiza-se num dos compartimentos subcelulares das
clulas eucariotas, a mitocndria. As mitocndrias so organelos pleomrficos (com
1 a 2 m de comprimento) e altamente dinmicos, presentes em elevado nmero no
citoplasma, em todos os organismos que utilizem oxignio como fonte de energia
(Logan, 2006). So consttuidas por duas membranas fosfolipdicas, uma externa,
mais densa e uma interna, mais fina, que se dobra formando vilosidades,
denominadas cristas, que lhe conferem uma rea de superfcie mais extensa. Na
matriz mitocondrial, limitada pela membrana interna, onde esto presentes cpias
de DNA mitocondrial, RNA de transferncia (tRNA), ribossomas mitocondriais e
enzimas (Figura 5). A membrana externa contm poros que a tornam permevel a
molculas com massa molecular superior a 10 mil daltons (Da) e enzimas envolvidas
na sntese de lpidos da mitocndria e na sua respetiva converso para metabolizao
Figura 5 Representao esquemtica da estrutura da mitocndria; Adaptado de Logan (2006)
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17
na matriz. A membrana interna consttuida por protenas responsveis por reaes
de oxidao envolvidas no transporte de eletres, ATP sintetases para produo de
ATP na matriz e protenas de transporte que permitem a entrada e sada de
metabolitos da matriz (Alberts et al., 2006).
O principal papel deste organelo consiste, enquanto centro de produo de
energia da clula, na sntese de ATP durante o metabolismo aerbio (Lodish, 2004).
Est envolvida, adicionalmente, noutros processos metablicos, entre eles a
biossntese de cidos gordos, o Ciclo de Krebs e a biossntese de aminocidos
(Logan, 2006). Provou-se tambm, ao longo do tempo, que a mitocndria est
envolvida na fotorrespirao (Douce & Neuburger, 1999), na sinalizao celular para
transporte de Ca2+
(Vandecasteele et al., 2001) e na apoptose (Youle & Karbowski,
2005). O envolvimento da mitocndria com o processo de envelhecimento est bem
descrito e est associado ao aumento da produo de intermedirios reativos de
oxignio (ROIs) e danos no DNA mitocondrial (Peterson et al., 2012).
A mitocndria possui o seu prprio DNA e maquinaria de sntese de protenas
sendo, no entanto, semiautnomas.
2.2. Origem da mitocndria e semi-autonomia
A origem da mitocndria ter ocorrido algures durante a evoluo e reflete
uma endossimbiose acompanhada por transferncia de genes do endossimbionte ao
hospedeiro. Existem, atualmente, duas teorias sobre a origem das mitocndrias. A
primeira, a tradicional teoria endossimbitica, refere que as mitocndrias seriam
procariotas aerbios estritos incorporados por um hospedeiro eucariota com
caractersticas anaerbias, dando origem a uma relao de simbiose. Uma teoria
alternativa indica que o hospedeiro que incorporou a mitocndria era um procariota.
A mitocndria ancestral serviria como uma fonte verstil de energia e eletres. O
hospedeiro, fruto desta relao de simbiose, viria a adquirir mais tarde caractersticas
de um organismo eucariota (Gray, 2012; Martin & Mentel, 2010).
O antepassado da mitocndria perdeu, eventualmente, a capacidade de se
duplicar sozinho e, atualmente, a maioria das protenas mitocondriais so codificadas
no ncleo da clula, sintetizadas no citosol e depois importadas para a mitocndria
(Duby & Boutry, 2002). No entanto, a mitocndria conserva uma semiautonomia
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18
gentica em relao restante clula, j que possuiu um genoma prprio, o genoma
mitocondrial.
3. DNA Mitocondrial
Designamos por genoma humano a totalidade da informao gentica contida
nas nossas clulas. consttuido pelo genoma nuclear, organizado em 23 pares de
cromossomas e presente no ncleo das clulas (Makalowski, 2001) e pelo genoma
mitocondrial, contido nas mitocndrias presentes no citoplasma das clulas. So
vrias as diferenas existentes entre o DNA nuclear e o DNA mitocondrial (Tabela
1), adiante exploradas detalhadamente. No so, contudo, entidades isoladas. A forte
interao entre ambos os genomas demonstrada pela necessidade de sntese de
polipptidos pelos dois genomas para posterior produo de ATP na mitocndria
(Pinheiro, 2009). O genoma mitocondrial representa cerca de 0,00055% do total do
genoma humano (Ballard & Whitlock, 2004).
Caractersticas DNA Nuclear DNA Mitocondrial
Localizao Ncleo Mitocndria (Citoplasma)
Nmero de cpias por clula 2 (1 de cada progenitor) Podem ser superior a 1000
% de DNA 99,75% 0,25% (por clula)
Genoma Diploide Haploide
Estrutura Linear, dupla hlice Circular, cadeia dupla
Herana Paterna e materna Materna
Funcionamento Autnomo Semiautnomo, cooperao do
DNA nuclear
Recombinao Sim No
Reparao Sim No
Taxa de mutao Baixa Elevada (5 a 10 vezes superior)
Poder de individualizao nico para cada indivduo,
expecto gmeos monozigticos
No individualiza (partilhado por todos os indivduos da mesma
linhagem materna)
Sequncia de referncia 2001 (projeto do genoma
humano) 1981 (Anderson e colaboradores)
Tabela 1 Caractersticas discriminantes entre o DNA nuclear e o DNA mitocondrial; Adaptado
de Butler (2011)
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3.1. Genoma mitocondrial
O DNA mitocondrial um tipo de DNA extranuclear circular de dupla
cadeia, com uma cadeia pesada (H heavy) rica em purinas e uma cadeia leve (L
light) rica em pirimidinas (Figura 6). consttuido por aproximadamente 16569
pares de bases (pb), nmero que varia de acordo com possveis inseres e deleces
que possam ocorrer. Apresenta-se compacto, sem intres, com uma utilizao
bastante econmica do genoma, j que possui poucas ou nenhumas bases entre genes
no interior da sua regio codificante (Butler, 2011). A estrutura circular sem histonas
associadas torna-o estvel e resistente degradao j que no permite a ao de
exonucleases. A sua localizao (encerrada no interior das 2 membranas da
mitocndria) tambm favorece a sua estabilidade (Budowle et al., 2003).
A sequncia completa do genoma mitocondrial foi publicada pela primeira
vez em 1981 por Anderson e colaboradores (1981), viria a ser considerada a
sequncia de referncia e designada por Cambridge Reference Sequence (CRS). A
CRS acabaria por ser revista por Andrews e colaboradores em 1999, que corrigiram
11 nucletidos sendo, atualmente, denominada de Revised Cambridge Reference
Sequence (rCRS), com o nmero de acesso, no GenBank, J01415.2. Nesta sequncia
Figura 6 Representao esquemtica do genoma mitocondrial; Adaptado de Butler (2011)
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20
foi atribudo um nmero a cada uma das bases nucleotdicas. Um perfil de mtDNA
apresentado, somente, como o conjunto de alteraes encontradas na cadeia leve da
amostra em estudo, relativamente rCRS (Budowle et al., 2003).
A regio codificante constitui cerca de 90% do genoma mitocondrial e
contm 37 genes, entre eles 13 que codificam para polipptidos envolvidos na
fosforilao oxidativa, 2 que codificam para RNA ribossmico e 22 que codificam
para RNA de transferncia (Butler, 2011).
A regio no codificante, tambm designada de lao de deslocamento
(displacement loop ou D-loop), corresponde a uma poro de 1122 pb (cerca de 10%
do genoma mitocondrial) e onde se inclui a origem de replicao (OH). A
replicao do mtDNA inicia-se na cadeia pesada e bidirecional e assincrnica, ou
seja, realizada por deslocamento de uma cadeia em relao outra. Esta regio
tambm recebe a designao de regio controlo j que est envolvida na regulao da
replicao e transcrio do genoma mitocondrial, por possuir os promotores da
transcrio de ambas as cadeias (PI e PII) e sequncias conservadas associadas
iniciao da replicao e respetiva terminao (Coskun et al., 2003).
Foi convenciado por Anderson e colaboradores (1981) que a numerao das
cadeias desta molcula se inicia na regio controlo prxima da origem de replicao.
A regio controlo vai da posio 16024 16569 e da posio 1 576, e nesta
regio que se encontram 3 segmentos hipervariveis (HV1, HV2 e HV3), altamente
polimrficos e por isso alvo de numerosos estudos. A regio HV1 estende-se da
posio 16024 16365, a HV2 da posio 73 340 e a HV3 da posio 430 576.
No presente estudo toda a regio controlo, ou seja, todas as regies hipervariveis
foram estudadas.
3.2. Caractersticas do genoma mitocondrial
O DNA mitocondrial apresenta caractersticas particulares, designadamente
um elevado nmero de cpias por clula, herana uniparental materna, elevada taxa
de mutao e ausncia de recombinao. Este conjunto de caractersticas conferem
ao mtDNA a qualidade de marcador de eleio em estudos de gentica populacional
(Alves-Silva et al., 2000; Salas et al., 2002; Harich et al., 2010; Afonso Costa et al.,
2010; Batini et al., 2011; Castro et al., 2012) e em diversas outras reas como a
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21
antropologia (Pbo et al., 1988; Krings et al., 1997), a gentica mdica (Oikawa et
al., 2002; Herrnstadt & Howell, 2004; Van der Walt et al., 2004) e as cincias
forenses (Allen & Engstrm, 1998; Cerri et al., 2004; Cruz et al., 2004; Edson et al.,
2004; Seo et al., 2012).
3.2.1. Cdigo gentico
semelhana do que acontece no genoma nuclear, a informao contida no
mtDNA est organizada em sequncias de 3 bases cada (codes), que codificam para
determinadas estruturas e funes. No entanto, no mtDNA determinados codes
codificam estruturas e funes diferentes das que esses mesmos codes codificam no
DNA nuclear (Scheffler, 1999). O codo para transcrio do aminocido triptofano
o UGA no genoma mitocondrial, enquanto no genoma nuclear esse codo funciona
como um codo STOP. Entre outros exemplos, no mtDNA o codo AUA codifica
para uma metionina em vez de uma isoleucina e os codes AGA e AGG funcionam
como codes STOP, enquanto no genoma nuclear codificam para uma arginina.
3.2.2. Nmero de cpias
O mtDNA est representado por 2 a 10 cpias na mitocndria e cerca de 103 a
104 cpias por clula, ao contrrio do DNA nuclear que est representado por apenas
2 cpias por clula humana (Iborra et al., 2004; Torrini et al., 2006). O elevado
nmero de cpias de mtDNA vantajoso em aplicaes forenses para estudo de
amostras altamente degradadas ou com pouca quantidade de DNA nuclear como
ossos, dentes ou cabelos onde no seja possvel obter um perfil gentico com
marcadores presentes no DNA nuclear (Budowle et al., 2003).
3.2.3. Taxa de mutao
O mtDNA uma molcula altamente polimrfica. Apresenta uma elevada
taxa de mutao em comparao ao DNA nuclear, associada a uma baixa fidelidade
da polimerase do mtDNA que permite um maior nmero de mutaes
durante o processo de replicao. Estudos sobre a fidelidade de polimerizao pela
s (Johnson &
Johnson, 2001). Por outro lado, o mtDNA particularmente suscetvel a danos
oxidativos j que est prximo do principal local de produo de ROI, no est
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22
associado a histonas e possui mecanismos de reparao pouco eficazes. A
diminuio do nmero de cpias de mtDNA medida que se envelhece
acompanhada por um aumento de danos no mtDNA e, consequentemente, mutaes
(Peterson et al., 2012).
O mtDNA apresenta uma maior frequncia de substituies pontuais do que
de inseres ou deleces (Carvalho et al., 2003). A maioria das substituies na
regio controlo so substituies por transies, mais frequentemente, entre
pirimidinas (Malyarchuk et al., 2002).
A taxa de mutao varia entre diferentes regies do mtDNA e vai desde
0,075x10-6 a 0,0165x10
-6 substituies/posio/ano (Pakendorf & Stoneking, 2005).
Esta variao pode ser explicada pela existncia de 3 regies especficas, os
segmentos hipervariveis (HV1, HV2 e HV3) presentes na regio no codificante do
mtDNA, que apresentam elevada heterogenidade e parecem possuir posies com
maior incidncia de mutaces que evoluem 5 a 10 vezes mais rpido que os genes
nucleares de cpia nica e do que o restante genoma mitocondrial (Malyarchuk et al.,
2002; Galtier et al., 2006; Howell et al., 2007; Van Oven & Kayser, 2009).
Verificou-se que mutaes no mtDNA de amostras antigas, estudadas por Gilbert e
colaboradores em 2003, ocorrem preferencialmente em determinadas posies
definidas filogeneticamente na regio controlo, sugerindo que tais posies so
hipermutveis. A taxa de mutao da regio HV1 superior das restantes regies
hipervariveis (Meyer et al., 1999). Contudo, tambm j foram descritas posies
com maior incidncia de mutaces ao longo da regio codificante, o que revela que
existem zonas para alm da regio controlo com taxa de mutao significativa
(Freitas & Pereira, 2008). As mutaes podem traduzir-se em situaes associadas a
patologias quando ocorrem em sequncias de genes altamente conservadas, alterando
a sua funo (Coskun et al., 2003).
A taxa de fixao de uma mutao na populao pode variar devido ao efeito
(bottleneck), onde o nmero efetivo de molculas de mtDNA
transmitidas descendncia significativamente reduzida em relao ao seu nmero
presente em ocitos maduros (mais de 100 mil). Esto envolvidas 1 a 27 molculas
de mtDNA por fenmeno de bottleneck (Bendall et al., 1997). Isto favorece uma
rpida deriva gentica na proporo de mtDNA que contenha a mutao dentro de
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23
uma determinada populao, podendo um indivduo herdar um conjunto homogneo
de molculas ou um conjunto heterogneo de molculas de mtDNA, com algumas
dessas molculas a possuir a mutao (Jenuth et al., 1996; Howell & Smejkal, 2000).
3.2.4. Herana materna
Foi demonstrado pela primeira vez por Giles e colaboradores (1980) que o
genoma mitocondrial, um genoma haploide, herdado estritamente da me (Figura
7).
Quando o zigoto se divide e o blastcito se desenvolve, o citoplasma e
restantes componentes celulares so consistentes com o ocito original da me. O
ocito possui cerca de 100 mil molculas de mtDNA, criando um cenrio de diluio
extrema para qualquer molcula de mtDNA do espermatezide que possa existir no
zigoto (Chen et al., 1995; Holland & Parsons, 1999). Para reforar a teoria da
herana materna, qualquer mitocndria do espermatezide que entre num ovo em
fertilizao seletivamente destruda pela maquinaria celular do embrio recm
formado (Sutovsky et al., 2004). Thompson e colaboradores (2003) verificaram que
as mitocndrias dos espermatezides sofrem ubiquitinao durante a
espermatognese, promovendo a sua degradao no ovo.
Figura 7 Demonstrao esquemtica de um exemplo de transmisso materna de mtDNA para
18 indivduos.
(Adaptado de Butler, 2011)
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24
Schwartz e Vissing (2002) descreveram um caso de herana paterna de
mtDNA num homem de 28 anos com miopatia mitocondrial resultante de uma
deleco de 2 pb no gene ND2. O mtDNA com a mutao tinha origem paterna e
constituia 90% de mtDNA do msculo do paciente. Isto suscitou o interesse de toda a
comunidade cientfica em determinar com exatido se ocorre contribuio ou no de
mtDNA paterno para a respetiva descendncia. No entanto, no foram detetados
indcios de herana paterna em estudos posteriores (Marchington et al., 2002;
Sutovsky et al., 2004). Oikawa e colaboradores (2002) afirmaram que ocorrem
distrbios na herana materna em casos de sndrome de Klinefelter, contudo,
mltiplos artefactos foram encontrados nas sequncias dos 8 indivduos em estudo e
o caso anteriormente descrito de miopatia mitocondrial com herana paterna acabou
por ser considerado uma exceo regra (Bandelt et al., 2005), regressando-se
teoria de herana estritamente materna do genoma mitocondrial.
3.2.5. Ausncia de recombinao
A no recombinao uma das caractersticas essenciais do mtDNA. As
variaes encontradas no genoma mitocondrial resultam exclusivamente de mutaes
adquiridas ao longo das geraes. A ausncia de recombinao biparental facilita o
estabelecimento de relaes filogenticas com aplicao em gentica populacional.
Paralelamente, no DNA nuclear apenas uma poro do cromossoma Y recombina
(Underhill & Kivisild, 2007).
A observao de um caso de herana paterna levantou a hiptese de que a
recombinao no mtDNA seria possvel (Schwartz & Vissing, 2002). A mitocndria
possui, de facto, um sistema de recombinao funcional (Thyagarajan et al., 1996).
Foi tambm colocada a hiptese de que a ocorrncia de recombinao no genoma
mitocondrial poderia estar na causa das variaes encontradas em determinadas
posies entre indivduos (Hagelberg et al., 1999; Eyre-Walker & Awadalla, 2001).
Este tema suscitou o interesse de diversos investigadores, que no detetaram
qualquer evidncia de recombinao no mtDNA (Inman & Nordborg, 2002;
Herrnstadt et al., 2002; Piganeau & Evre-Walker, 2004). A heterogenidade no
genoma mitocondrial pode ser explicada pela existncia de regies com maior
incidncia de mutaes, e constitui a teoria mais aceite atualmente.
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25
A no recombinao caracterstica do mtDNA, em conjunto com a sua
herana materna, permite a utilizao de familiares de uma mesma linhagem materna
para resoluo de casos de investigao da identidade, em indivduos desaparecidos
ou vtimas de desastres em massa, j que, excluindo mutaes pontuais que possam
ocorrer e ser adquiridas, a me passa para os filhos o seu mtDNA na ntegra, ou seja,
o seu hapltipo. O hapltipo o conjunto de variaes na sequncia de mtDNA de
um indivduo em comparao com a rCRS. No nico, partilhado por todos os
indivduos da mesma linhagem materna (Budowle et al., 2003), pelo que o resultado
obtido no um perfil gentico individualizante. No entanto, apesar de no ser
individualizante o mtDNA permite, desde logo, a excluso, caso o hapltipo no seja
idntico (exceto heteroplasmias) ao dos alegados parentes maternos.
3.2.6. Heteroplasmia
Considerado um genoma monoclonal, expectvel que cada indivduo possua
uma nica sequncia de mtDNA em todas as suas clulas, condio denominada de
homoplasmia. Ocorre por vezes, contudo, heteroplasmia, que corresponde
coexistncia de diferentes sequncias de mtDNA no mesmo indivduo com pequenas
variaes na sua composio nucleotdica (Howell & Smejkal, 2000; Alonso et al.,
2002; Brandsttter & Parson, 2003).
Existem dois tipos de heteroplasmia, a de comprimento e a de posio. A
heteroplasmia de comprimento est associada a mutaes envolvendo inseres ou
deleces, e observada com maior frequncia nas regies de poli-citosinas (poli-C)
em HV1 (Bendall & Skyes, 1995; Tully et al., 2000) e em HV2 (Prieto et al., 2004).
Na regio HV1 a regio poli-C estende-se da posio 16184 posio 16193.
Ocorrem variaes no comprimento entre sequncias quando se observa uma
transio na posio 16189 (T-C). Na regio HV2 a regio poli-C vai da posio 303
posio 315, com uma timina na posio 310. Essa timina pode ser substituda por
uma citosina, dando origem heteroplasmia. Heteroplasmia de comprimento
causada durante o processo de replicao por erros da polimerase do mtDNA, que
sintetiza uma cadeia complementar com variao no tamanho em relao sequncia
principal, num processo denominado de (replication
slippage). Este fenmeno dificulta a anlise do genoma mitocondrial (Butler, 2011).
As heteroplasmias de posio so mutaes pontuais no genoma mitocondrial, com
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26
substituio de uma base nucleotdica por outra numa determinada posio, apenas
em algumas molculas de mtDNA. Numa mesma posio do mtDNA umas cadeias
apresentam uma base nucleotdica e outras cadeias apresentam uma outra base
nucleotdica diferente.
A heteroplasmia observada, geralmente, numa nica posio. Ocorre,
contudo e com muita raridade, em duas ou at trs posies - triplasmia (Tully et al.,
2000). Estudos associados a um maior nmero de amostras e a metodologias de
sequenciao com maior sensibilidade, confirmaram que a heteroplasmia um
fenmeno comum, mesmo que em alguns casos no seja detetvel (Tully et al., 2000;
Lutz et al., 2004; Roberts & Calloway, 2011).
Calloway e colaboradores (2000) defendem que a frequncia de
heteroplasmia aumenta com a idade, podendo ser uma condio hereditria ou um
fenmeno de natureza somtica. Contudo, Lagerstrm-Fermr e colaboradores
(2001) realizaram um estudo retrospetivo em 4 mulheres com heteroplasmia durante
uma dcada e demonstraram que a heteroplasmia na regio controlo do mtDNA
herdada e mantm-se em nveis estveis ao longo do tempo, no havendo relao
com o aumento da idade. Estes resultados foram confirmados por Roberts e
Calloway (2011) que no encontraram correlao significativa entre heteroplasmia,
idade e/ou gnero.
Pode ocorrer a coexistncia de duas ou mais populaes de mtDNA numa
simples mitocndria, clula ou tecido. frequente encontrar diferentes nveis de
heteroplasmia em diferentes partes de uma mesma amostra de cabelo, e os nveis so
mais acentuados nesse tipo de amostra quando comparados com amostras de sangue
ou saliva (Alonso et al., 2002; Roberts & Calloway, 2011). Diferentes nveis de
heteroplasmia entre tecidos podem ser explicados por um processo de replicao
segregativa. No surgimento de uma nova mutao e aps diviso de uma clula
heteroplsmica, as mitocndrias so distribudas aleatoriamente pelas clulas filhas
(Dimauro & Davidzon, 2005).
Em investigaes forenses necessrio um cuidado especial na anlise de
heteroplamias. No possvel excluir ligao entre dois indivduos que no possuam
heteroplasmia na mesma regio se a restante sequncia for idntica. A presena de
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heteroplasmia permitir apenas reforar a relao j identificada (Br et al., 2000).
As heteroplasmias no so consideradas para a determinao de haplogrupos em
estudos de gentica populacional (Prieto et al., 2004).
4. Estudo do genoma mitocondrial
O mtDNA constitui, em conjunto com a poro no recombinante do
cromossoma Y, que herdado exclusivamente pela linhagem paterna, um sistema
gentico haploide com importantes aplicaes em estudos de evoluo e tambm em
gentica mdica, antropologia e cincias forenses. A evoluo das metodologias de
anlise e respetiva progresso da qualidade e confiana nos resultados obtidos, alm
da capacidade de discriminao entre amostras possivelmente relacionadas, foi
bastante evidente ao longo dos ltimos 30 anos. A sua aplicao gentica
populacional iniciou-se quando Brown e colaboradores (1980) analisaram o mtDNA
de 21 indivduos recorrendo tcnica Restriction Fragment Length Polymorphism
(RFLP) de baixa resoluo. Estudos posteriores desenvolveram a mesma tcnica
(Giles et al., 1980; Scozzari et al., 1988) at que, perto do final da dcada de 80,
surgem RFLP de alta resoluo (Cann et al., 1987; Chen et al., 1995; Torroni et al.,
1996). A partir da anlise de RFLP na regio codificante do mtDNA ficou
demonstrado que existem locais polimrficos estveis entre as populaes que
definem grupos de mtDNA designados por haplogrupos. Haplogrupo definido por
um conjunto de invidduos que partilham variaes e que normalmente so restrictos
a determinada rea geogrfica, possuindo um ancestral comum. Na dcada de 90
surge o recurso a mtodos de sequenciao com anlise da sequncia da regio
controlo, no codificante, que , ainda hoje, o mtodo mais utilizado.
At muito recentemente apenas as primeiras duas regies hipervariveis, HV1
e HV2, foram alvo de anlise (Oota et al., 1999; Crespillo et al., 2000; Alonso et al.,
2002; Carvalho et al., 2003; Afonso Costa et al., 2010), j que a maioria das
alteraes polimrficas se encontra nestes segmentos (Galtier et al., 2006). Em
alguns estudos tem-se, inclusiv, analisado apenas a regio HV1 (Brandsttter &
Parson, 2003; Nagai et al., 2003; Tavares, 2007). Tambm bastante frequente o
recurso a um estudo misto, com anlise das regies hipervariveis da regio controlo
e RFLP de determinados locais na regio codificante (Alves-Silva et al., 2000; Chen
et al., 2000; Salas et al., 2002). A anlise de apenas 2 regies hipervariveis (HV1 e
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HV2) pode resultar na no anlise de posies nucleotdicas caractersticas de vrios
haplogrupos, como por exemplo a posio 461, caracterstica do haplogrupo M6, ou
da posio 462, caracterstica do haplogrupo J1 (Parson & Bandelt, 2007). A
introduo do estudo do segmento HV3 permitiu aumentar a discriminao entre
amostras analisadas para o genoma mitocondrial. , atualmente, consensual na
comunidade cientfica que mais eficiente efetuar a amplificao da totalidade da
regio controlo, adotada em estudos recentes (Brandsttter et al., 2008; Fendt et al.,
2012a; Gmez-Carballa et al., 2012) e aplicada no presente estudo. O estudo da
totalidade da regio controlo garante um aumento do poder de discriminao entre
amostras e uma maior confiana na determinao dos haplogrupos a que pertencem.
A sequncia da regio controlo pode no ser suficiente para determinar o seu
haplogrupo. Determinadas posies na regio codificante podem contribuir para um
aumento da discriminao individual no estudo de mtDNA (Ingman et al., 2006).
Tm sido desenvolvidos mtodos baseados na amplificao mltipla de single
nucleotide polymorphisms (SNP) por todo o genoma mitocondrial (Coble et al.,
2006; Alvarez et al., 2007; Drio et al., 2009). Esta tcnica apresenta-se como uma
tcnica de baixo custo e com elevada eficcia. bastante utilizada atualmente em
rastreio para identificao humana e em estudos antropolgicos, procedendo-se
depois, se necessrio, sequenciao do genoma mitocondrial. Na gentica
populacional esta tcnica tem tambm sido aplicada como reforo ao estudo das
regies hipervariveis da regio controlo do mtDNA (Hill et al., 2006; Brandsttter
et al., 2008; lvarez-Iglesias et al., 2009; Afonso Costa et al., 2011).
Herrnstadt e colaboradores (2002) desenvolveram uma metodologia para
sequenciar grandes extenses da regio codificante. Vrios investigadores tm, nos
ltimos anos, recorrido anlise de todo o genoma mitocondrial (Behar et al., 2006;
Ingman et al., 2006; Malyarchuk et al., 2008; Soares et al., 2008; Gmez-Carballa et
al., 2012), garantindo uma eficcia total na anlise das variaes caractersticas de
cada haplogrupo. A anlise de mltiplos SNP da regio codificante e/ou a
sequenciao da totalidade do genoma mitocondrial podero ser abordagens a aplicar
em projetos futuros para estudo da origem da populao imigrante de Cabo Verde
residente em Lisboa.
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4.1. DNA mitocondrial e Gentica Populacional
Caractersticas como a herana estritamente materna e a ausncia de
recombinao do mtDNA permitem reconstruir a origem e evoluo das populaes.
Uma vez que refletem a partilha de um ancestral comum, a distribuio geogrfica
dos haplogrupos e as suas respetivas ramificaes permitem determinar a
composio gentica da linhagem materna de uma populao e os eventos
migratrios do passado, acompanhando a evoluo do ser humano desde a sua
origem, em frica, e medida que se dispersava por todos os continentes (Figura 8).
A acumulao de mutaes na sequncia de mtDNA de indivduos de uma mesma
linhagem materna ao longo de geraes contnuas reflete a sua evoluo. As
variaes na sequncia de mtDNA e a idade do respetivo haplogrupo so importantes
na determinao do tempo e processo a partir do qual os diversos eventos migratrios
tenham ocorrido. A idade do haplogrupo reflete o momento em que ocorreu a
mutao pontual que define o haplogrupo e no quando ocorreu a migrao
(Pakendorf & Stoneking, 2005). tambm importante calcular as distncias
genticas entre as populaes e criar rvores filogenticas que as relacionem para se
percecionar melhor a forma e via de migrao.
A classificao atual dos principais haplogrupos efetuada com letras
maisculas, de A a Z. O mtDNA das populaes africanas est posicionado na base
da rvore filogentica, correspondendo ao macrohaplogrupo L. Este ramifica-se nos
Figura 8 Mapa com uma representao esquemtica da expanso do ser humano pelas diversas
regies do globo e respectiva distribuio geogrfica de haplogrupos; Adaptado de
http://www.familytreedna.com/
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30
haplogrupos L0, L1, L2, L3, L4, L5 e L6, caractersticos de populaes afrianas
(Chen et al., 2000; Salas et al., 2002; All ard et al., 2005; Behar et al., 2008; Rosa &
Brehem, 2011)
todos os seres humanos. O haplogrupo L3 ramificou-se aps mobilizao de
populaes para fora de frica h cerca de 60 a 70 mil anos em 2 macrohaplogrupos,
o M e o N, presentes na sia e na Europa (Quintana-Murci et al., 1999; Mishmar et
al., 2003). O macrohaplogrupo N ramificou-se nos haplogrupos H, I, J, K, T, U, V,
W e X (Torroni et al., 1996; Finnil et al., 2001; Behar et al., 2012), que consttuem
98% da populao europeia. Os haplogrupos A, B, F e Y, que ramificaram do
macrohaplogrupo N e os haplogrupos C, D, E, G e Z, que ramificaram do
macrohaplogrupo M, so caractersticos da sia e Ocenia (Fucharoen et al., 2001;
Kivisild et al., 2002; Kong et al., 2011). O continente americano consttuido por,
na sua grande maioria, haplogrupos asiticos A, B, C, D e X, o que sugere que
populaes asiticas entraram no continente americano antes da colonizao
Europeia (Bolnick & Smith, 2003; Kumar et al., 2011).
Estudos de evoluo tm identificado os loci polimrficos caractersticos de
cada haplogrupo, quer da regio codificante, quer da regio controlo do mtDNA e
esto hoje em dia, devidamente organizados numa rvore filogentica concebida por
Van Oven e Kayser (2009). Como exemplo e recorrendo apenas a polimorfismos da
regio controlo, o haplogrupo T caracterizado pela presena da substituio por
transio C-T na posio 16294 do mtDNA. Sofre depois ramificao em 2
subhaplogrupos: T1, com uma substituio por transio G-A na posio 16163 e
uma substituio por transio T-C na posio 16189; e T2, com uma substituio
por transio C-T na posio 16296 (Kivisild et al., 2006).
4.1.1. Origem do homem moderno
Os antroplogos tm sido incansveis na procura da resposta questo de
qual a origem do homem moderno. A antropologia e a gentica atuam em conjunto
numa relao de complementaridade a favor da gentica populacional. Quanto
origem do homem moderno, atualmente, existem duas teorias, a hiptese
multirregional e a hiptese Out of Africa. A hiptese multirregional indica que no
h uma origem geogrfica nica para a espcie Homo sapiens subespcie Homo
sapiens sapiens e que esta evoluiu de forma simultnea a partir do Homo erectus em
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31
diferentes regies do Globo, h cerca de um milho de anos. No entanto, a hiptese
que prevalece atualmente a hiptese Out of Africa, onde se afirma que o homem
moderno tem origem recente em frica (Ingman et al., 2000; Forster, 2004), tendo
posteriormente migrado para a Euro-sia e foi substituindo gradualmente a
populao de Homo erectus (Stringer, 2003).
As caractersticas nicas do mtDNA permitem afirmar que todas as linhagens
matrilineares possuem uma raiz comum, situada no ancestral comum mais recente,
denominado et al., 1987). Esta seria, teoricamente, a
primeira mulher. Nascida no sul ou este de frica h mais de 130 mil anos, esteve na
origem da transio para o homem moderno e na origem de todas as linhagens
maternas atuais (Forster, 2004; Torroni et al., 2006; Behar et al., 2008). Estudos
sobre variabilidade gentica corroboram a hiptese de que o mtDNA ancestral
humano se localiza em frica, com origem h cerca de 125 a 165 mil anos e com
posterior fluxo migratrio para os restantes continentes, j que as populaes
africanas apresentam o mtDNA com maior variabilidade (Chen et al., 2000).
Ocorrem em mdia no mtDNA 8 variaes nucleotdicas em Caucasianos e 15
variaes nucleotdicas em indivduos de descendncia africana, em relao rCRS
(Budowle et al., 1999). Estudos de polimorfismos da poro no recombinante do
cromossoma Y corroboram tambm a hiptese de uma origem do homem moderno
recente em frica (Cruciani et al., 2011).
4.1.2. Migraes humanas e disperso da populao africana
A anlise das variaes no mtDNA tem sido usada para reconstruir as
migraes do homem moderno. A maioria das sequncias de mtDNA de africanos
subsarianos encaixa numa das ramificaes do macrohaplogrupo L, de L0 a L6
(excluindo os haplogrupos M e N, que derivaram do haplogrupo L3 e que
representam toda a diversidade mitocondrial no subsariana). Os sub-haplogrupos do
haplogrupo L encontram-se dispersos entre diversas populaes do continente
africano e surgiram atravs de um processo evolutivo que durou 80 a 120 mil anos,
de acordo com a hiptese Out of Africa. O haplogrupo L0 consttui um dos grupos
mais antigos com origem h cerca de 140 a 160 mil anos (Soares et al., 2008). O
primeiro grande evento migratrio registou-se com o surgir do haplogrupo L1 h
cerca de 130 mil anos, encontrado-se disperso pelo oeste e centro de frica, inclusiv
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32
pela costa para o Atlntico (Brehm at al., 2002; Behar et al., 2008). O haplogrupo L5
considerado um haplogrupo intermdio, com 120 a 140 mil anos, entre os
haplogrupos L1 e L2 a L6 e encontrado essencialmente no este africano
(Brandsttter et al., 2004; Kivisild et al., 2004). O haplogrupo L2 corresponde, em
conjunto com o haplogrupo L3, a 70% da variao materna subsariana (Chen et al.,
2000). Surgiu h 90 mil anos e est presente em elevadas frequncias no oeste e
centro de frica. Sequncias de mtDNA com origem no este africano, h 60 a 75 mil
anos, so geralmente atrbudas ao haplogrupo L3, que eventualmente se dispersou
por todo o continente africano (Salas et al., 2002; Behar et al., 2008). Ramificaes
do haplogrupo so encontradas por todas as populaes africanas. Os haplogrupos L2
e L3 dispersaram do este de frica para a Euro-sia, e o haplogrupo L3
considerado o percursor mais provvel dos hapltipos asiticos e europeus. Os
haplogrupos L4 e L6 tm origem no este de frica e remontam h cerca de 100 mil e
22 mil anos, respetivamente (Kivisild et al., 2004; Behar et al., 2008).
Estudos anteriores demonstraram que, na Europa, os haplogrupos L esto
presentes em quantidades inferiores a 1% (Salas et al., 2004). A anlise de
sequncias da regio controlo de populaes europeias indica que linhagens dos
haplogrupos L no tero evoludo no continente Europeu, cenrio compatvel com
uma chegada recente, a partir do continente Africano (Malyarchuk & Czarny 2005).
Um estudo de 69 genomas mitocondriais de linhagens dos haplogrupos L inseridas
em populaes europeias demonstrou que 65% dessas linhagens tm, sem qualquer
dvida, origem subsariana, o que confirma uma migrao recente de populaes
africanas para a Europa. Os restantes 35% correspondem a ramificaes do
macrohaplogrupo L especficos do continente europeu, revelando um fluxo gentico
desde a frica subsariana at Europa, estimando-se que tenha ocorrido h cerca de
11 mil anos (Cerezo et al., 2012). Os investigadores desta matria tm tentado
determinar a origem das linhagens L na Europa, concluindo que estas chegaram
recentemente ao continente europeu, provavelmente durante o perodo do domnio
Romano, na conquista Ibrica dos rabes ou no comrcio de escravos no Atlntico
(Pereira et al., 2000; lvarez-Iglesias et al., 2009).
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33
4.2. DNA mitocondrial e Cincias Forenses
So vrios os mtodos de Biologia Molecular, desde a anlise de repeties
em tandem de variado nmero (VNTR) por RFLP (Budowle et al., 1991), a anlise
de SNPs (Comey et al., 1991) e a sequenciao direta de mtDNA (Cerri et al., 2004;
Cruz et al., 2004; Seo et al., 2012), que tm sido aplicados ao longo dos tempos nas
cincias forenses.
A utilidade, aplicao e validao do mtDNA nas cincias forenses est bem
documentada (Wilson et al., 1995; Budowle et al., 2003; Parson & Bandelt, 2007;
Pinheiro, 2009). Tal utilidade justificada pelas caractersticas nicas do genoma
mitocondrial j exploradas: hereditariedade uniparental, ausncia de recombinao,
elevada taxa de mutao e elevado nmero de cpias por clula. Este ltimo fator
especialmente vantajoso na resoluo de casos onde a quantidade de DNA extrado
muito pequena ou na presena de amostras altamente degradadas. O mtDNA
apresenta-se, de facto, como uma molcula bastante resistente s condies
ambientais (Holland & Parsons, 1999; Cerri et al., 2004).
O mtDNA utilizado, especialmente, em amostras onde exista uma reduzida
probabilidade de obter resultados aplicando o estudo de marcadores polimrficos no
DNA nuclear. Como exemplos temos cabelos (onde s possvel obter resultados de
DNA nuclear se existir bolbo) e em determinadas circunstncias, ossos e dentes
(Budowle et al., 2003). Balogh e colaboradores (2003) demonstraram tambm que
possvel obter perfis de mtDNA a partir de impresses digitais em simples folhas de
papel.
As regies hipervariveis so de elevado interesse na identificao humana
devido sua elevada taxa de mutao. O pequeno tamanho de cada uma das 3
regies permite a amplificao por Polymerase Chain Reaction (PCR) e a
sequenciao, tcnicas de utilizao frequente nos laboratrios de Gentica Forense.
A natureza haploide e monoclonal do mtDNA simplifica a interpretao de
resultados. No entanto, h que ter especial ateno na anlise de heteroplasmias, j
que no servem de critrio de excluso, podendo apenas reforar a relao entre
amostras conhecidas.
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34
A utilizao do mtDNA na Gentica Forense tem sido recorrente. Exclundo
mutaes e tendo em ateno que o mtDNA herdado por via exclusivamente
materna, a sequncia do mtDNA idntica entre todos os indivduos aparentados
pela via materna. Esta caracterstca pode auxiliar a anlise de restos cadavricos de
pessoas desaparecidas, onde o mtDNA de qualquer parente materno pode servir de
amostra de referncia para comparao direta com o mtDNA do desconhecido.
Graas ausncia de recombinao, diversas geraes podem igualmente servir
como amostras de referncia. Os marcadores nucleares, exceo da poro no
recombinante do cromossoma Y, no possuem esta caracterstica. Um dos estudos
mais conhecidos utilizando a sequenciao de mtDNA resultou na identificao do
Czar Nicholas II a partir da anlise do mtDNA dos seus ossos. Utilizando o mtDNA
obtido de familiares da mesma linhagem materna, foi efetuada uma comparao com
a sequncia de mtDNA extrada dos seus ossos, suportando a hiptese de que se
tratavam realmente dos ossos do Czar. Os supostos ossos do Czar partilhavam com o
seu irmo Georgij Romanov, inclusiv, heteroplasmia de comprimento na regio
HV1 na posio 16168. De salientar que a amostra do irmo estava mergulhada em
guas profundas h 60 anos (Holland & Parsons, 1999). Allen e Engstrm (1998)
conseguiram estabelecer uma relao entre 3 crimes em locais diferentes ao revelar a
presena de sequncias de mtDNA idnticas em todos os locais a partir de hastes de
cabelo e unhas. Cerri e colaboradores (2004) conseguiram identificar os restos
mortais de um alegado indivduo presumivelmente assassinado e posteriormente
queimado a partir do mtDNA, com recurso amostra de mtDNA da sua me. Cruz e
colaboradores (2004) e Amorim e colaboradores (2011) identificaram cadveres em
avanado estado de decomposio atravs da comparao do mtDNA extrado a
partir de ossos e um dente, com amostras de referncia de familiares maternos.
4.3. Outras aplicaes do genoma mitocondrial
As variaes no mtDNA tm sido extensamente estudadas e aplicadas
gentica mdica, j que diversas patologias esto associadas a mutaes no mtDNA.
Diversos estudos associaram determinados haplogrupos a fentipos clnicos
(Dimauro & Davidzon, 2005; Herrnstadt & Howell, 2004). O haplogrupo J est
associado a um maior risco de desenvolver cegueira em indivduos com neuropatia
optica hereditria de Leber (LHON) (Brown et al., 2002). Ruiz-Pesini e
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colaboradores (2000) verificaram que a motilidade do esperma se encontra reduzida
em homens pertencentes ao haplogrupo T e aumentada em homens includos no
haplogrupo H. No entanto, alguns haplogrupos conferem resistncia doena de
Alzheimer (Van der Walt et al., 2004) ou doena de Parkinson (Van der Walt et al.,
2003) e outros haplogrupos esto associadas a maior longevidade (Niemi et al.,
2004).
5. Bases de dados genticos de DNA mitocondrial
Existem, mundialmente, bases de dados que possuem hapltipos de mtDNA,
onde possvel comparar os hapltipos e estudar a frequncia dos mesmos na
populao. Entre outras bases de dados existem o MITOMAP (Ruiz-Pesini et al.,
2007), o mtDB (Ingman & Gyllensten, 2006) e a EMPOP (Parson et al., 2004).
A base de dados com maior relevncia na rea a nvel mundial a EMPOP e
est estabelecida no Instituto de Medicina Legal de Innsbruck. A EMPOP tem como
objetivo criar uma base de dados com elevada qualidade e diretamente acessvel a
toda a comunidade cientfica. O principal fundamento da sua criao esteve no facto
de os laboratrios forenses no terem normalmente capacidade de gerar quantidade
significativa de dados relativos a sequncias mitocondriais para as diferentes
populaes. A reunio de dados populacionais obtidos por cada grupo de trabalho
torna-se, portanto, um conjunto relevante. A EMPOP submete as sequncias
estudadas a um rigoroso controlo de qualidade, antes de as integrar na sua base de
dados (http://empop.org). A EMPOP assegura a infraestrutura bioinformtica,
certificando-se da anlise, transcrio, armazenamento de dados e difuso dos
mesmos (Parson et al., 2004).
6. Cabo Verde composio gentica atual
Recorrendo ao estudo do mtDNA -nos permitido estimar o impacto das
populaes que estiveram na origem da populao imigrante cabo-verdiana residente
em Lisboa e na formao da sua atual linhagem materna. A elevada diversidade
gentica da populao de Cabo Verde, caracterstica de populaes africanas, j foi
demonstrada com recurso anlise do genoma mitocondrial, com prevalncia de
haplogrupos L, superior a 90% (Brehm et al., 2002; Tavares, 2007). No entanto,
estes estudos focaram-se apenas na anlise da regio HV1. Estudo de marcadores
http://empop.org/
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polimrficos do DNA nuclear foram igualmente efetuados para esta populao
(Amorim et al., 2012; Afonso Costa et al., 2012). Gonalves e colaboradores (2003)
obtiveram o perfil do cromossoma Y de 201 indivduos de Cabo Verde, confirmando
a influncia paterna europeia e do Mdio Oriente na origem da populao cabo-
verdiana.
Estudos de mtDNA para populaes de Cabo Verde realizados at hoje
basearam-se apenas na sequenciao da regio HV1 (Tavares, 2007) ou na
combinao entre HV1 e anlise da regio codificante por RFLP (Brehm et al.,
2002). No presente estudo reportada pela primeira vez a regio controlo total desta
populao. A introduo desta metodologia, recomendada atualmente como j
referido, permite aumentar o poder de discriminao entre amostras e refora as
determinaes prvias dos respetivos haplogrupos. Indivduos que partilhem as
mesmas variaes na regio HV1 e/ou o mesmo perfil de RFLPs podero apresentar
diferenas quando a restante regio controlo analisada, permitindo diferenciar
sequncias que antes se julgava serem iguais e que seriam, de forma errada,
agrupadas no mesmo hapltipo e, eventualmente, no mesmo haplogrupo.
Objetivos
O objetivo genrico deste projeto caracterizar a diversidade gentica da
populaco de imigrantes oriundos de Cabo Verde, residentes em Lisboa, e respetiva
ascendncia estudando, pela primeira vez nesta populao, a totalidade da regio
controlo do seu DNA mitocondrial. esperado que os resultados se assemelhem
composio gentica de mtDNA caracterstica do oeste de frica, na regio entre o
Senegal e a Serra Leoa. Este estudo pretende acrescentar nova informao sobre a
origem da populao imigrante cabo-verdiana residente em Lisboa, sobre a sua
ascendncia e patrimnio gentico do arquiplago de Cabo Verde.
Outro dos objetivos , aps a definio dos hapltipos de mtDNA dos
indivduos pertencentes populao em estudo, incluir os mesmos na base de dados
de mtDNA com maior relevncia na rea das Cincias Forenses, a EDNAP Forensic
mtDNA Population Database (EMPOP). pretendido diferenciar os haplogrupos em
que os hapltipos se incluem e, posteriormente, realizar uma comparao
interpopulacional, em particular, com populaes africanas, a fim de determinar qual
a sua proximidade. Desta forma, pretendido acrescentar entendimento sobre o
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Extrao de DNA por Chelex 100
Amplificao da regio controlo do mtDNA no GeneAmp PCR System 2700
Purificao dos produtos amplificados por ExoSap-IT
Sequenciao direta e reversa com Big Dye Terminator v.3.1 Cycle Sequence e Better Buffer no GeneAmp PCR System 2700
Purificao dos produtos da reao de sequenciao por BigDye XTerminator Purification Kit
Deteo do produto sequenciado no sequenciador automtico Genetic Analyser 3130
Anlise da sequncia e comparao com a rCRS com o programa SeqScape v.2.5
impacto das migraes das populaes do passado que tero estado na origem do
arquiplago de Cabo Verde, acrescentado-se portanto mais conhecimento acerca da
origem e evoluo do ser humano ao longo dos tempos.
Materiais e Mtodos
7. Procedimento experimental
7.1. Tcnicas utilizadas
As vrias fases laboratoriais do procedimento experimental realizado esto
representadas no seguinte fluxograma.
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7.2. Seleo de amostras
O estudo foi realizado numa amostra de 103 indivduos aparentemente
saudveis e no aparentados, com ascendncia materna e paterna de Cabo Verde,
atualmente a viver na zona da Grande Lisboa. As amostras estudadas foram manchas
de sangue, colhidas em Bloodstain Card (Whatman), a intervenientes em aes
judiciais de investigao de parentesco biolgico a decorrer no Instituto Nacional de
Medicina Legal e Cincias Forenses, portanto, uma amostra de convenincia.
7.3. Extrao de DNA
A metodologia aplicada neste procedimento consistiu na utilizao de uma
resina quelante adicionada diretamente amostra em suspenso, tcnica introduzida
em 1991 e denominada de Chelex 100 (Bio-Rad Laboratories, Hercules, CA).
O Chelex atua como uma substncia quelante que se liga a ies metlicos
polivalentes como o magnsio (Walsh et al., 1991). Aplicando altas temperaturas,
d-se a lise das clulas e a libertao do DNA, e o Chelex agrega os restantes
materiais (Rudin & Inman, 2002). Removendo o magnsio da reao, as enzimas
responsveis pela destruio do DNA, as nucleases, ficam inativas e as molculas de
DNA so, portanto, protegidas. A extrao por Chelex envolve poucos passos e,
consequentemente, a probabilidade de contaminao entre amostras reduzida.
Foi utilizado, de cada indivduo, um fragmento de papel com amostras de
sangue, com a forma de um crculo com cerca de 3 mm2, recortado com um punch,
que foi colocado num tubo de eppendorf de 1,5 mL devidamente rotulado com o
nmero de extrao da amostra. A cada tubo juntou-se 1 mL de gua desionizada e
autoclavada. Aps incubao durante 30 minutos temperatura ambiente, as
amostras foram agitadas num vrtex em rotao baixa durante 5 a 10 segundos e
posteriormente centrifugadas a 15000 x g durante 3 minutos. Desta primeira fase
resultou a separao das clulas, contendo o DNA, do suporte de papel e deposio
das mesmas no fundo do tubo. Foi efetuada, de seguida, a remoo do sobrenadante,
ficand da soluo. Adicionou-se 18 de soluo
de Chelex 100 a 5% a cada amostra. Os tubos foram colocados em banho de gua a
56C durante 15 minutos. Aps uma ligeira agitao foram colocadas em banho de
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gua em ebulio durante 8 minutos. Por fim, foi efetuada nova agitao no vrtex
durante alguns segundos e centrifugao a 15000 x g durante 5 minutos. O DNA
extrado foi ento armazenado, at ser utilizado para amplificao, a 20C negativos.
7.4. Amplificao
Para amplificar a regio controlo total do mtDNA, foram utilizados 2 pares de
primers (L15997 e H016; L16555 e H599) (Thermo Scientific, Waltham, MA)
(Tabela 2). A nomenclatura dos primers utiliza a cadeia correspondente ao primer, L
para leve e H para pesada, O par de
primers L15997 (direto) e H016 (reverso) permitiu a amplificao dos fragmentos
entre as posies 16024 e 16599, enquanto que o par de primers L16555 (direto) e
H599 (reverso) permitiu a amplificao dos fragmentos entre as posies 1 e 576.
Primers Sequncia Tamanho do produto amplificado
L15997 5' CAC CAT TAG CAC CCA AAG CT 3' 588 pb
H016 5' CCC GTG AGT GGT TAA TAG GGT 3'
L16555 5' CCC ACA CGT TCC CCT TAA AT 3' 590 pb
H599 5' TTG AGG AGG TAA GCT ACA TA 3'
Para a amplificao foi preparada uma soluo com volume final de 10
(Tabela 3), contendo gua ultra pura, Multiplex PCR Master Mix (Qiagen,
Dsseldorf, Germany) - mistura que contem tampo de reao, DNA polimerase,
dNTPs e MgCl2 - primers (utilizados numa concentrao de e DNA de cada
uma das amostras. Cada tubo de PCR foi devidamente rotulado com o nmero da
amostra e fragmento a amplificar. Em cada reao de amplificao foi realizado um
controlo negativo ao qual no foi adicionado DNA de forma a controlar a qualidade
dos reagentes. A reao de amplificao processou-se num termociclador GeneAmp
PCR system 9700 (Applied Biosystems, Foster City, CA), de acordo com as
condies apresentadas na tabela 4. Aps a amplificao as amostras foram
purificadas.
Tabela 2 Primers utilizados na amplificao da regio controlo total do DNA mitocondrial humano
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7.5. Purificao dos produtos da reao de amplificao
A purificao do produto amplificado permite remover todos os elementos
que possam interferir com a sequenciao e posterior anlise da sequncia. Esta fase
foi realizada recorrendo ao mtodo ExoSap-IT (Affymetrix, Santa Clara, CA), que
utiliza duas enzimas hidrolticas. A Exonuclease I remove primers residuais e
produtos de PCR parcialmente amplificados, enquanto que a rSAP (Fosfatase
Alcalina Recombinante de Camaro) remove dNTPs no incorporados.
A tcnica de purificao por ExoSap-IT de
ExoSap-IT a do produto amplificado. Esta soluo passou por uma incubao
a 37C durante 15 minutos e posterior incubao a 80C durante 15 minutos para
inativao do ExoSap-IT. Ambas as incubaes foram programadas e efetuadas no
termociclador GeneAmp PCR system 9700 (Applied Biosystems, Foster City, CA).
Concludo o processo de purificao as amostras ficaram aptas a serem sequenciadas.
Reagentes Volume
gua ultra pura 3
Multiplex PCR Master Mix L
Primers a L
Volume final da Mix 9 L
+ DNA L
1 ciclo 95C 15 min
94C 30 seg
35 ciclos 60C 90 seg
72C 60 seg
1 ciclo 72C 10 min
Hold 4C
Tabela 3 Reagentes da reao de amplificao da regio controlo total do DNA mitocondrial
humano e respetivo volume por amostra
Tabela 4 Condies da reao em cadeia da polimerase para a regio controlo total do DNA
mitocondrial humano, efetuada no termociclador GeneAmp PCR system 9700
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7.6. Sequenciao
O objetivo desta fase foi determinar para todas as posies da regio controlo
do mtDNA as suas bases nucleotdicas. Para tal foi utilizado o mtodo de Sanger,
descrito h mais de 30 anos e bastante utilizado atualmente para a sequenciao de
DNA (Sanger et al., 1977). Este processo envolve a incorporao de
didesoxinucletidos trifosfatados (ddNTPs) como terminadores do processo de
amplificao. N no existe um grupo hidrxilo, o que
torna impossvel, a partir deles, estabelecer uma ligao fosfodister com um novo
nucletido na cadeia em desenvolvimento. Ou seja, a extenso termina quando a
polimerase incorpora um ddNTP na cadeia sintetizada. No final da reao de
sequenciao so obtidas sequncias de mtDNA que diferem umas das outras em
apenas uma base mas possuindo um ddNTP diferente
(Figura 9).
Os 4 tipos diferentes de ddNTPs (ddCTPs, ddATPs, ddGTPs e ddTTPs)
foram adicionados em conjunto a cada amostra. Quatro marcadores fluroscentes com
diferentes cores esto ligados a cada um dos diferentes ddNTPs, permitindo a
distino de cada tipo de nucletido no momento de anlise da sequncia. O ddTTP
Figura 9 Tcnica de sequenciao com ddNTPs marcados com fluorocromos de diferentes cores;
(Adaptado