estudo da permeabilidade da membrana mitocondrial interna a aniões

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Estudo da Permeabilidade da Membrana Mitocondrial Interna a Aniões Introdução No que toca à membrana mitocondrial interna sabemos que quando é atravessada por solutos o movimento é acompanhado pela entrada simultânea de água que irá assegurar o equilíbrio osmótico. Consequentemente o volume da mitocôndria aumenta ocorrendo swelling, isto é, intumescimento destes organelos. Para avaliarmos a permeabilidade da membrana mitocondrial a certos aniões estudamos então o comportamento osmótico das mitocôndrias. Analisamos a turbidez das suspensões mitocôndriais em meio isosmótico através de espectrofotometria, sujeitando a suspensão a um feixe de luz monocromático de 540 nm. A variação da turbidez (ou pseudoabsorvência) reflecte a permeabilidade da membrana em relação ao ião em estudo. Equipamento e Soluções ► Espectrofotómetro e registador ► Banho termostatizado com circulador de água ► Agitador magnético e magnete ► Sistema de aspiração por vácuo (para remoção de soluções) ► Microsseringas (tipo Hamilton) 1

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Page 1: Estudo da Permeabilidade da Membrana Mitocondrial Interna a Aniões

Estudo da Permeabilidade da Membrana Mitocondrial Interna a Aniões

Introdução

No que toca à membrana mitocondrial interna sabemos que quando é atravessada por

solutos o movimento é acompanhado pela entrada simultânea de água que irá assegurar o

equilíbrio osmótico. Consequentemente o volume da mitocôndria aumenta ocorrendo

swelling, isto é, intumescimento destes organelos.

Para avaliarmos a permeabilidade da membrana mitocondrial a certos aniões

estudamos então o comportamento osmótico das mitocôndrias. Analisamos a turbidez das

suspensões mitocôndriais em meio isosmótico através de espectrofotometria, sujeitando a

suspensão a um feixe de luz monocromático de 540 nm. A variação da turbidez (ou

pseudoabsorvência) reflecte a permeabilidade da membrana em relação ao ião em estudo.

Equipamento e Soluções

► Espectrofotómetro e registador

► Banho termostatizado com circulador de água

► Agitador magnético e magnete

► Sistema de aspiração por vácuo (para remoção de soluções)

► Microsseringas (tipo Hamilton)

► Micropipetas (tipo Gilson)

► Soluções:

Suspensão mitocondrial de fígado de rato ≈40 mg/mL (mantida em gelo)

KNO3 130 mM, HEPES 5 mM, EDTA 0,1 mM, rotenona 2 μM, pH 7,2

KCH3COO 130 mM, HEPES 5 mM, EDTA 0,1 mM, rotenona 2 μM, pH 7,2

KCl 130 mM, HEPES 5 mM, EDTA 0,1 mM, rotenona 2 μM, pH 7,2

KSCN 130 mM, HEPES 5 mM, EDTA 0,1 mM, rotenona 2 μM, pH 7,2

NH4NO3 130 mM, HEPES 5 mM, EDTA 0,1 mM, rotenona 2 μM, pH 7,2

Rotenona 1mM (em etanol)

FCCP 0,5 mM (em etanol)

Valinomicina 1 mg/mL (em etanol)

Nigericina 1 mg/mL (em etanol)

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Page 2: Estudo da Permeabilidade da Membrana Mitocondrial Interna a Aniões

Resultados

1º Ensaio

Legenda 1: Registo obtido por utilização de um espectrofotómetro e representativo

da actividade do ionóforo valinomicina num meio constituído por mitocôndrias de fígado

de rato na presença de KNO3. As mitocôndrias (25 µL) foram adicionadas a 2 mL de

solução de KNO3 130 mM, HEPES 5 mM, EDTA 0,1 mM, rotenona 2 µM, pH 7,2 onde

anteriormente já tinha sido adicionada Rotenona 1mM. De seguida foi inserido 1 µg de

valinomicina 1mg/mL no meio de reacção com mitocôndrias.

2º Ensaio

Legenda 2: Registo obtido por utilização de um espectrofotómetro e representativo

da actividade dos ionóforos valinomicina e FCCP num meio constituído por mitocôndrias

de fígado de rato na presença de KCH3COOH. As mitocôndrias (25 µL) foram adicionadas

a 2 mL de solução de KCH3COO 130 mM, HEPES 5 mM, EDTA 0,1 mM, rotenona 2 μM,

pH 7,2 onde anteriormente já tinha sido adicionada Rotenona 1 mM. De seguida foi

inserido 1 µg de valinomicina 1mg/mL no meio de reacção com mitocôndrias. Por último

foi ainda adicionado FCCP 1µM.

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Page 3: Estudo da Permeabilidade da Membrana Mitocondrial Interna a Aniões

3º Ensaio

Legenda 3: Registo obtido por utilização de um espectrofotómetro e representativo

da actividade do ionóforo nigericina num meio constituído por mitocôndrias de fígado de

rato na presença de KCH3COOH. As mitocôndrias (25 µL) foram adicionadas a 2 mL de

solução de KCH3COO 130 mM, HEPES 5 mM, EDTA 0,1 mM, rotenona 2 μM, pH 7,2

onde anteriormente já tinha sido adicionada Rotenona 1 mM. Por último foi inserida no

meio de reacção com mitocôndrias 1 µg nigericina.

4º Ensaio

Legenda 4: Registo obtido por utilização de um espectrofotómetro e representativo

da actividade dos ionóforos valinomicina e FCCP num meio constituído por mitocôndrias

de fígado de rato na presença de KCl. As mitocôndrias (25 µL) foram adicionadas a 2 mL

de solução de KCl onde anteriormente já tinha sido adicionada Rotenona 1 mM. De

seguida foi inserido 1 µg de valinomicina 1mg/mL no meio de reacção com mitocôndrias.

Por último foi ainda adicionado FCCP 1 µM.

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Page 4: Estudo da Permeabilidade da Membrana Mitocondrial Interna a Aniões

5º Ensaio

Legenda 5: Registo obtido por utilização de um espectrofotómetro e representativo

da actividade do ionóforo valinomicina num meio constituído por mitocôndrias de fígado

de rato na presença de KSCN. As mitocôndrias (25 µL) foram adicionadas a 2 mL de

solução de KSCN 130 mM, HEPES 5 mM, EDTA 0,1 mM, rotenona 2 μM, pH 7,2 onde

anteriormente já tinha sido adicionada Rotenona 1mM. De seguida foi inserido 1 µg de

valinomicina 1mg/mL no meio de reacção com mitocôndrias.

6º Ensaio

Legenda 6: Registo obtido por utilização de um espectrofotómetro e representativo

da actividade do ionóforo FCCP num meio constituído por mitocôndrias de fígado de rato

na presença de NH4NO3. As mitocôndrias (25 µL) foram adicionadas a 2 mL de solução de

NH4NO3 onde anteriormente já tinha sido adicionada Rotenona 1mM. De seguida foi

inserido FCCP 1 µM no meio de reacção com mitocôndrias.

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Page 5: Estudo da Permeabilidade da Membrana Mitocondrial Interna a Aniões

Discussão

1º Ensaio

Neste ensaio pretendíamos estudar a permeabilidade da membrana interna da

mitocôndria ao anião nitrato (NO3-). Adicionámos o meio com suspensão mitocondrial à

solução de nitrato de potássio (KNO3) e, de seguida, rotenona, inibidor da cadeia

respiratória, para evitar a formação de gradiente eléctrico gerado pela respiração da

mitocôndria.

Analisando o registo obtido por espectrofotometria percebemos que a alteração da

turbidez da solução é muito reduzida, expressando apenas a entrada de água na mitocôndria

quando a suspensão mitocondrial é adicionada à solução com o sal e se estabelece um novo

equilíbrio osmótico.

Não ocorre a entrada de K+ porque a membrana mitocondrial interna é impermeável a

este catião e o anião NO3- não atravessa a membrana porque existe conflito entre a sua

carga e o gradiente eléctrico gerado por ela. Para dissipar este gradiente precisamos de

introduzir catiões no interior da mitocôndria, equilibrando as cargas. Com esse propósito

adicionámos o ionóforo valinomicina que promove a entrada de K+ ao mascarar a sua carga.

Após a adição deste ionóforo o registo apresenta uma diminuição acentuada da turbidez, o

que reflecte o carácter permeante do anião NO3-. Ocorre entrada de água para restabelecer o

equilíbrio osmótico e verifica-se o swelling das mitocôndrias.

2º Ensaio

No ensaio seguinte estava em causa a permeabilidade da membrana mitocondrial

interna ao anião acetato (CH3COO-). Neste caso a suspensão mitocondrial foi adicionada a

uma solução de acetato de potássio (KCH3COOH). Utilizámos novamente rotenona para

inibir a cadeia respiratória e a formação de gradiente eléctrico. Tal como no ensaio anterior

escolhemos a valinomicina como ionóforo transportador de K+, no entanto não é registada

uma alteração significativa de turbidez o que nos leva a deduzir a impermeabilidade da

membrana ao CH3COO-. Contrariamente ao ensaio anterior o impedimento à entrada do

anião não é um gradiente eléctrico mas sim um gradiente de pH. Aquando da adição da

valinomicina uma pequena quantidade de K+ entrou na mitocôndria, consequentemente

uma pequena quantidade do anião acetato na forma protonada (CH3COOH) acompanha

esse transporte. Acontece que o CH3COOH sofre dissociação no interior mitocondrial,

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Page 6: Estudo da Permeabilidade da Membrana Mitocondrial Interna a Aniões

formando-se CH3COO- e H+. Rapidamente a mitocôndria impede a entrada de mais

CH3COOH evitando a continua acidificação do seu meio interno. A quantidade de cargas

positivas no interior aumenta significativamente impedindo a entrada de K+ apesar da

presença de valinomicina.

Adicionando o protonóforo FCCP desfazemos o gradiente de pH. Estabelece-se o

transporte de H+ para o exterior, permitindo a entrada de mais CH3COOH. O número de

cargas positivas diminui e a valinomicina volta a ser capaz de promover o movimento de

K+ através da membrana. O registo revela a diminuição da turbidez associada a esta entrada

do sal e percebemos que ocorreu swelling das mitocôndrias.

3º Ensaio

Voltámos a utilizar KCH3COOH mas substituímos a valinomicina e o FCCP pelo

ionóforo nigericina que é capaz de transportar simultaneamente e em sentidos opostos um

K+ e um H+. Assim, à solução de KCH3COOH adicionámos novamente rotenona e a

solução mitocondrial. O registo revela que após a adição da nigericina a turbidez diminui

significativamente. Esta diminuição revela o transporte antiporta efectuado pela nigericina.

Ao transportar H+ para fora exerce a mesma função que o FCCP e possibilita o transporte

de K+ para dentro, promovido no ensaio anterior pela valinomicina. O sal é então capaz de

entrar na membrana mitocondrial acompanhado pelo fluxo de água, induzindo o swelling

da mitocôndria.

4º Ensaio

Neste ensaio pretendíamos avaliar a permeabilidade da membrana mitocondrial

interna ao anião cloreto (Cl-), por isso a uma solução de cloreto de potássio (KCl)

adicionámos a suspensão mitocondrial e rotenona. O registo mostra uma pequena

diminuição da turbidez, demasiado pequena para podermos assumir a entrada de Cl-.

Assim, esta alteração é justificada pela pequena entrada de água nas mitocôndrias,

estabelecedora do equilíbrio osmótico, aquando da adição da suspensão mitocondrial à

solução de KCl.

Apesar de não ter entrado Cl- na mitocôndria não podemos assumir para já que esta

seja impermeável a este anião pois pode estar a ocorrer um conflito de cargas entre o anião

carregado e o gradiente eléctrico gerado pela sua carga. Para eliminar esta hipótese

adicionamos a valinomicina que ao transportar K+ para dentro da mitocôndria vai dissipar o

gradiente. Registamos uma pequena alteração da turbidez mas demasiado pequena para

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Page 7: Estudo da Permeabilidade da Membrana Mitocondrial Interna a Aniões

assumirmos a entrada de Cl-. Esta diminuição é justificável pela quantidade reduzida de K+

que entra promovido pela adição da valinomicina.

Para além do impedimento eléctrico pode estar em causa um gradiente de pH gerado

pela forma protonada do anião (HCl). Adicionamos FCCP que induz a saída de H+ da

mitocôndria mas o registo não apresenta uma diminuição de turbidez suficientemente

assinalável, traduzindo desta forma o carácter não permeante tanto do anião na sua forma

carregada como protonada. Mais uma vez a diminuição de turbidez representa a entrada de

água na mitocôndria para reposição do equilíbrio osmótico, devido às pequenas alterações

induzidas na solução devido à adição dos ionóforos.

5º Ensaio

Utilizámos neste ensaio uma solução de tiocianato de potássio (KSCN) para perceber

o comportamento da membrana mitocondrial interna para com o anião SCN -. À solução de

KSCN adicionámos a suspensão mitocondrial e a rotenona. A turbidez não se altera

prevendo a existência de gradiente eléctrico gerado pelo anião carregado. Após a adição da

valinomicina que dissipa esse gradiente a turbidez diminui significativamente e ocorre

swelling. A membrana é permeável a SCN-.

6º Ensaio

Ao contrário dos outros ensaios em que pretendíamos identificar o comportamento da

membrana mitocondrial perante determinados aniões, neste caso analisamos o carácter do

catião NH4+. Para isso utilizamos uma solução de nitrato de amónio (NH4NO3) à qual

adicionamos rotenona e a suspensão mitocondrial. A pequena alteração de turbidez

detectada pelo registador deve-se mais uma vez à reposição do equilíbrio osmótico e não à

entrada do catião pois o registo é muito reduzido. Se tal acontecesse o anião iria entrar

também, acompanhado por um fluxo de água, induzindo o swelling das mitocôndrias e

reduzindo significativamente a turbidez. Tal não acontece.

Neste caso não adicionamos valinomicina porque, como vimos no primeiro ensaio, a

membrana é permeável a NO3-, não há necessidade de confirmar esta situação. Utilizamos

então o FCCP. O registo mostra uma diminuição acentuada da turbidez após a adição deste

protonóforo. Como sabemos a membrana é impermeável a NH4+ mas permeável a NH3. No

entanto esta molécula tem um carácter neutro por isso não seria suficiente para permitir a

entrada de NO3-. Ao adicionarmos o FCCP o protonóforo transporta H+ para o interior da

mitocôndria. Já dentro deste organelo o H+ reage com o NH3 e forma NH4+. Só quando este

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catião é formado no anterior da mitocôndria é que o NO3- consegue entrar. Ocorre então

swelling das mitocôndrias e diminuição da turbidez.

CONCLUSÃO:

Dos vários ensaios realizados podemos concluir que a membrana interna das

mitocôndrias é permeável a SCN-, NO3- e CH3COOH e impermeável a K+, CH3COO-, Cl-,

HCl e NH4+. Sabemos também que é mais permeável a SCN- do que a NO3

-.

Apesar da classificação do tiocianato, do nitrato e do acetato protonado como aniões

permeáveis, estes iões não conseguiriam transpor a membrana sem a acção de ionóforos

como a valinomicina, nigericina e FCCP.

Relatório realizado por Ana Rita Gonçalves Graça

Turma P3, 1º turno

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