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Estado, Planejamento e Administração Pública no Brasil Reflexão sobre os Desafios da Administração Pública Brasileira no Século XXI A Participação Cidadã na Concepção e Avaliação das Políticas Públicas A Possibilidade de Políticas Públicas Intersetoriais Espaços Urbanos e Governança Social: Desafios Para Uma Gestão Participativa Futuro das Cidades Planejamento Orçamentário Tema 1 Tema 2 Tema 3 Tema 4 Tema 5 Tema 6 Qual o Estado Necessário para o Brasildo Século XXI? Tema 7

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Estado, Planejamento e

Administração Pública no Brasil

Reflexão sobre os

Desafios da

Administração

Pública Brasileira no

Século XXI

A Participação Cidadã

na Concepção e

Avaliação das

Políticas Públicas

A Possibilidade de

Políticas Públicas

Intersetoriais

Espaços Urbanos e

Governança Social:

Desafios Para Uma

Gestão Participativa

Futuro das

Cidades

Planejamento

Orçamentário

Tema 1

Tema 2

Tema 3

Tema 4

Tema 5

Tema 6

Qual o Estado

Necessário para o

Brasildo Século XXI?

Tema 7

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159 Instituto Municipal de Administração Pública (IMAP)

Estado, planejamento e administração pública no Brasil /

organizado pelo Instituto Municipal de Administração Pública.

Curitiba: IMAP, 2013

242p.: X

IISBN: 978-85-61786-04-5

Inclui bibliografia

1. Administração Pública – Brasil. 2. Administração Pública - Curitiba. 3. Cidades - Administração. 4. Estado. 5. Meio Ambiente - Cidades. 5. Políticas Públicas - Brasil. I. Título

aCDD: (22 . ed.): 351.81

Filomena N. Hammerschmidt – CRB9/850

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP

PrefeitoGustavo Fruet

Vice-PrefeitaMirian Gonçalves

Presidente

Superintendente Técnico

Liana Maria da Frota Carleial

Paulo Ricardo Opuszka

Diretoria Administrativo-Financeira - APAFNei Celso Fatuch

Diretoria de Desenvolvimento Institucional - APDIMárcia Schlichting

Escola de Administração Pública - EAPRosana Aparecida Martinez Kanufre

INSTITUTO MUNICIPAL DEADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP

PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA

O Instituto Municipal de Administração Pública – IMAP, autarquia da Prefeitura de Curitiba, tem sua atuação motivada pelo desenvolvimento da função pública expressa na dinâmica e permanente relação entre Estado e Sociedade. As suas atribuições vem sendo desenvolvidas desde a Lei Municipal nº 2.347 de 1963.

Diante da crescente complexidade das demandas cidadãs e da também crescente integração do Município de Curitiba com a sua Região Metro-politana, o IMAP ajuda a pensar, a compreender e a transformar a Admi-nistração Pública Municipal.

Atua no aprimoramento das metodologias e ferramentas de suporte à governança, no desenvolvimento da estruturação e funcionamento da administração municipal e, por meio da Escola de Administração Públi-ca, capacita os servidores e comunidade para agirem de modo crítico, autônomo e socialmente responsável.

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EDITORIAL

ESTADO, PLANEJAMENTO E

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO

BRASIL

A U T O R E S

Revisão

Ana Cristina Wollmann Zornig JaymeAndré Piekarz ZiobroCarla Cristine BraunChristian Luiz da SilvaChristian Mendez AlcantaraCléa Mara Reis FélixClovis UltramariElton BarzJosé Celso Cardoso Jr.José Henrique de FariaJuarez Varallo PontLafaiete Santos NevesLiana Maria da Frota CarleialMoisés Francisco Farah JúniorPaulo Ricardo OpuszkaRosana Aparecida Martinez KanufreSérgio Póvoa PiresTeresa Urban (In memorian)Vera Karam de Chueiri

André Piekarz ZiobroCarla Cristine BraunCláudia SaviFernanda Helena Rodrigues da CostaJuliana Maria IelenPaulo Ricardo Opuszka

Equipe de ElaboraçãoAndrea TraubAndré Piekarz ZiobroCarla Cristine BraunDanielle Fernanda da SilvaJosiane Isabel Stroka SantanaSuzana Fortes Cruz

Coordenação

SupervisãoCláudia Savi

Revisão OrtográficaAntonia Rosalina Schwinden

Projeto Gráfico e CapaLuiz Carlos de Andrade Filho

EditoraçãoFrancine Miyuki MatsumuraJosé Rogério BarbosaLuiz Carlos de Andrade Filho

Fotos CapaSecretaria Municipal da Comunicação Social - SMCS

Rosana Aparecida Martinez Kanufre

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SUMÁRIO

Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 001

Escola de Administração Pública: Formação e Capacitação como geradora de transformação do Servidor e do Cidadão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 005

O Desafio da Reinvenção do Estado no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 021

Reflexão sobre os Desafios da Administração Pública Brasileira no Século XXI . . . . . . 035

= Burocracia e Cidade: Um passeio pela História da Administração Pública em Curitiba . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 037

= Critérios de Justiça para uma Gestão Pública Democrática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 051

A Participação Cidadã na concepção e avaliação das Políticas Públicas . . . . . . . . . . . . 071

= Estado, Administração Pública e os Desafios da Efetiva Participação Cidadã . . . . . 073

= Vertentes de uma Análise sobre as Democracias Participativa e Representativa . . . 085

A Possibilidade de Políticas Públicas Intersetoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 093

= A Intersetorialidade da Política Pública: Limites e Potencialidades para Administração Pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 095

= Modelo para Atuação Intersetorial na Prefeitura de Curitiba sob uma Perspectiva Transversal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

A Cidade e o Meio Ambiente: a experiência de construção coletiva por uma cidade solidária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

= A Cidade e o Meio Ambiente: a experiência de construção coletiva por uma cidade solidária. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129

= Urbanidade e Cidadania: Participação Popular no Processo Decisório da Cidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143

Futuro das cidades. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153

= Curitiba e o Futuro das Cidades. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155

= O futuro da Cidade: A substituição da Nostalgia pela Melancolia . . . . . . . . . . . . . . . 165

Planejamento Orçamentário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177

= Planejamento e Município: Um Olhar da Experiência sob a Norma . . . . . . . . . . . . . . 179

= Planejamento Governamental, Orçamentação e Administração Pública no Brasil: Alavancas para o Desenvolvimento Sustentável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASILX

Qual o Estado necessário para o Brasil do Século XXI? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211

= Estado, Direito e a Intrusão do Político: Quando as coisas Acontecem antes de Começar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213

= Estado e Burocracia na Alvorada do SéculoXXI. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223

Sobre os Autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 237

= Autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 239

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PREFÁCIO

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Estado, Planejamento

e Administração Pública no Brasil

A experiência do Ciclo de Debates reuniu os servidores do Município de Curitiba e Região Metropolitana, além de pesquisadores, professores, acadêmicos e estudantes para, juntos, discutirem, ao longo do ano de 2013, o modelo de administração pretendido e refletirem sobre o acúmulo das experiências passadas, na perspectiva de crescimento e aprimoramen-to da gestão administrativa voltada para efetividade do serviço público de qualidade, capaz de atender às demandas do cidadão.

Na perspectiva da presente análise, o Ciclo de Debates foi a prova real e cabal de que Seminários seguidos de debates públicos podem servir para reflexões práticas sobre a prestação de serviço público e a discussão quali-ficada acerca do tamanho de Estado que queremos.

Dos temas escolhidos, percebeu-se que havia uma metodologia, oriunda da experiência acadêmica e profissional do convidado, que poderia permear a discussão e ser aproveitada para consolidar um entendimento, ao final dos trabalhos, que serviria de base para os anos seguintes da gestão que se iniciou neste exercício.

A escolha dos temas circundou categorias teóricas, experiências de práticas anteriores, análises de casos concretos, problemas sociais, solu-ções para demandas da população, ao mesmo tempo em que se propunha a debater o plano de governo que estaria sendo implementado a partir de seus eixos fundamentais. Seguem impressões sobre alguns dos temas abordados.

A história da Administração Pública em Curitiba foi analisada sob o prisma dos planos de governo e de ocupação do território de Curitiba, com reflexo nos seus limites em torno, em contraponto à análise da história dos trabalhadores e servidores que fundaram as bases do que se construiu, seja na prática administrativa, seja na mídia, como modelo curitibano de gestão. Percebeu-se que o referido modelo ainda está em disputa.

A participação popular foi abordada na perspectiva da participação e implementação do plano de governo, Plano Plurianual ou da Lei de Orça-mento Anual, remetendo imediatamente às possibilidades de aprimora-

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL02

mento das audiências públicas no sentido de garantir o aumento da inter-venção dos diversos segmentos da sociedade civil organizada ou mesmo do cidadão individualmente, nas decisões sobre orçamento e implementa-ção de políticas públicas.

A gestão democrática foi discutida e trabalhada na perspectiva do aprimoramento dos espaços de participação dos próprios servidores no resultados de suas ações junto às políticas públicas, bem como a função do agente político que pode democratizar ou não suas ações na administração central ou autárquica no município ou em outras estâncias administrativas.

A valorização do servidor foi debatida a partir das possibilidades dos limites do novo plano de carreiras e salários, condizentes com a realidade econômica do país, e a partir de um projeto de melhoria na condição de prestação do serviço público que nasce da valorização do profissional que o realiza.

A sustentabilidade e o meio ambiente foram discutidos com base na experiência coletiva dos pequenos produtores e dos espaços rurais do interior da cidade no sentido de resgatar um sentimento de pertencimento, necessário para aderir o projeto de cidade a um projeto de vida do cidadão.

Também a gestão matricial ou intersetorial apresentou-se como reali-dade a ser implementada no sentido de sensibilizar quanto à importância de todos os setores na construção de um serviço público de qualidade. Ficou evidente que a visão intersetorial garante o aprendizado coletivo e a valorização das partes ante o resultado final: qualidade no serviço público prestado e satisfação da população, além de efetivação de direito funda-mental social.

O tema que encerrou o Ciclo, o Estado e sua finalidade no séc. XXI, teve como eixo fundamental a intrusão do político, como novo divisor de águas da Modernidade e um rico debate sobre as possibilidades, potencia-lidades do Estado e a sua indispensabilidade no suprimento das necessida-des sociais, ainda no século que se inicia.

O Instituto Municipal de Administração Pública compromete-se com os temas discutidos, na tentativa de permear a atual gestão, no âmbito de suas competências, com as considerações, principais eixos e fundamen-tais conclusões do Ciclo de Debates, realizando sua missão, apresentando sua visão e efetivando as práticas oriundas de seus valores, todos definidos ao longo do processo de realização do seu planejamento estratégico.

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O futuro promete novos desafios, a consagração dos eixos definidos, a ciência de novos impasses, mas, sobretudo, nosso comprometimento com as proposições que nos dispusemos a discutir e implementar.

O êxito nesta empreitada será julgado pela história recente e remota. Ele é a soma do planejamento com o compromisso social. Mas a coragem inclui o medo de errar, e tentar ainda assim.

Aqueles que não têm medo podem ser intempestivos; os que têm cora-gem sabem da certeza do medo e mesmo assim implementam o planejado.

PAULO RICARDO OPUSZKASuperintendente Técnico

Instituto Municipal de Administração Pública

INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP

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ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO COMO GERADORA DE TRANSFORMAÇÃO DO SERVIDOR E DO CIDADÃO

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Estado, Planejamento

e Administração Pública no Brasil

O presente artigo tem como finalidade discutir as bases da reestrutura-ção da Escola de Administração Pública do Instituto Municipal de Adminis-tração Pública, e as bases dos novos desafios a partir da intersetorialidade e do processo de metropolitanização da formação, capacitação e qualificação dos servidores públicos de Curitiba e Região Metropolitana. Objetiva, ainda, apresentar a Escola de Administração Pública (EAP) dentro de uma linha histórica longitudinal destacando, principalmente, os aspectos atuais e prin-cipais desafios, a fim de compartilhar esta experiência.

O Instituto Municipal de Administração Pública (IMAP), autarquia da Prefeitura de Curitiba, foi criado pela Lei Municipal n.º 2.347, de 1963, cujo art. 54 menciona que o Instituto é “destinado a manter cursos de Adminis-tração Pública e de aperfeiçoamento do servidor municipal”.

No Governo 2013-2016, Curitiba visa implantar uma cultura participa-tiva ampliando o papel do cidadão na governança pública e de uma gestão integrada com os demais municípios da região metropolitana, entendendo que, como metrópole, precisa partilhar e compartilhar com os demais, para ampliar a atuação e o alcance governamental, no reconhecimento da po-tencialidade dos municípios, por meio do aumento de sua capacidade administrativa no conjunto da estrutura de Entidades e Órgãos que com-põem a Prefeitura Municipal, tendo como premissa conceitual a Admi-nistração Pública Deliberativa, que se define como:

[...] um modelo alternativo de gestão, cujo argumento é “olhar para fora” da organização estatal em busca de soluções para as demandas sociais cada vez mais complexas e de legitimação democrática da atuação do aparato governamental (BRUGUÉ et all, 2011).

A estrutura organizacional do IMAP é composta por três diretorias: Desenvolvimento Institucional (APDI), Administrativo-Financeira (APAF) e Escola de Administração Pública (EAP). Possui, também, as seguintes Assessorias: Técnica, Tecnologia da Informação e Programação Visual.

APRESENTAÇÃO DO IMAP

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL06

A partir deste ano (2013), em um esforço participativo e coletivo, foi elaborado o novo Planejamento Estratégico do IMAP, o qual estabelece novas diretrizes para a sua atuação, a definição da nova Missão “Desenvol-ver, disseminar e implementar instrumentos e metodologias de aperfeiçoa-mento contínuo da Administração Pública, contribuindo para a transforma-ção da Sociedade” e da seguinte Visão: “Ser referência em aperfeiçoamen-to contínuo da Administração Pública”.

Neste enfoque, a Escola de Administração Pública possui a atribuição de “Promover formação e pesquisa para o desenvolvimento da administra-ção pública, da cidade e dos cidadãos, de forma intersetorial e participativa, contribuindo para a efetividade das políticas públicas”. É responsável, assim, pelo processo de formação e capacitação dos servidores municipais da Prefeitura de Curitiba, ampliando aos servidores das Prefeituras da Região Metropolitana de Curitiba, bem como à comunidade, possibilitando o processo de gestão participativa, preconizado por este Governo.

l Com o advento das comemorações dos 50 anos do IMAP, pode-se identificar que o Processo de Capacitação tem sua origem como atribuição do Instituto desde os anos 60. Alguns movimentos foram identificados na linha do tempo e podem ser caracterizados como importantes marcos para a construção desse processo, podemos assim definir, em linhas gerais:

l Anos 1960 – 1989: Nesse período, as ações de capacitação eram denominadas ações de treinamento e desenvolvimento, categori-zadas em formação e qualificação. São exemplos de cursos que merecem destaque e foram realizados em 1967: Seleção Profissio-nal para Economista; Treinamento para Operador de Máquinas; Administração de Material; Teórico-prático de Conhecimentos Fis-cais; Chefia e Liderança e Treinamento para Feitores; Chefes de Turmas; e Educação Básica, em parceria com a Secretaria Muni-cipal de Recursos Humanos (SMRH).

l Anos 1990 – 2000: Em 1990, ocorreu a mudança da “Coordenado-ria de Desenvolvimento de Recursos Humanos” em Escola de Administração Pública – Cidade de Curitiba (EAP). Com a criação da EAP, as ações estavam organizadas em 6 (seis) Blocos de Formação em Administração Pública: Administração Pública e Gestão de Recursos Humanos; Administração Financeira e Finan-ças Públicas; Administração Pública e seus aspectos Jurídicos; Políticas Públicas e Ações Governamentais; Promoções Especiais e Informática e Desenvolvimento de Currículo para Formação de

HISTÓRICO DO PROCESSO DE CAPACITAÇÃO NA PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 07

Formadores. E a assinatura do Decreto Municipal n.º 1.299/93, que “Dispõe sobre a Qualificação Profissional de Recursos Humanos dos Órgãos da Administração Direta, Autárquica e Fundacional do Município”.

l Anos 2001 – 2012: Nesse período destacamos: Mapeamento das Competências em todas as Entidades e Órgãos da PMC e a cria-ção, em 2005, com a parceria da Secretaria Municipal de Recursos Humanos (SMRH), do Sistema de Mapeamento de Competências, instrumento de gestão de pessoas, que tem por objetivo o desenvol-vimento pessoal e profissional dos servidores públicos, orientando seu crescimento na carreira e possibilitando sua formação, capa-citação e aperfeiçoamento, que originou a denominação “Desenvol-vimento de Competências” para as ações de capacitação, tendo sido classificadas em: Éticas, Sociais e Humanas; Técnicas; Organi-zacionais; e Gerenciais. Outro destaque desse período foi a remo-delação do sistema de informações de capacitação, ora denomina-do ECCN (Emissão de Certificados de Cursos – Novo), com a cria-ção do Sistema Aprendere, que possui a capacidade de gerenciar as ações de capacitação desde o cadastro da ação, a inscrição do servidor e a certificação online. E, por fim, a implementação do Pro-grama de Gestão do Conhecimento, com a finalidade de promover o compartilhamento institucional com a realização dos eventos “Se a PMC soubesse o que a PMC sabe...”; implantação do Banco de Boas Práticas; Biblioteca Virtual; Videoteca; Revista Gestão Pública em Curitiba, no formato eletrônico; Gravação de Videoaulas; Semi-nários etc.

Formar não é somente socializar um conjunto de técnicas, modelos e informações, treinar e moldar pessoas segundo interesses tópicos, mas é também (ou deveria ser) preparar pessoas para agir de modo crítico, autônomo, inteligente e socialmente responsável. É prepará-las para a produção, a gestão, a reprodução organizacional, o convívio e a transformação social. (NOGUEIRA, 2013).

Partindo desse olhar, compreendemos que o processo de aprendiza-gem pode propiciar transformações da realidade e promover autonomia, especialmente no exercício da função pública.

Para Paulo Freire (1996, p.39), no processo de Formação e Capaci-tação, “o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje, ou de ontem, que se pode melho-rar a próxima prática”.

O mesmo processo, para Madalena Freire (2008), é possibilitar a reflexão, tanto para educadores (docentes) como para os educandos (ser-vidores públicos e comunidade); é um aspecto essencial na medida em que

PROCESSO DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL08

promove o desenvolvimento pessoal e profissional dos envolvidos. A refle-xão como prática nos processos de formação e capacitação propicia:

um rompimento da anestesia do cotidiano, rotineiro, acelerado, compulsivo, passivo , cego;um distanciamento necessário para tomar consciência do que se sabe e do que ainda não se conhece;tecer um diagnóstico das hipóteses adequadas e inadequadas na prática, possibilitando o casamento entre prática e teoria;constatar quais são as contradições entre o seu pensar teórico e a sua prática, entre o seu pensar-fazer com o dos outros (FREIRE, 2008).

A partir deste ano (2013), foram adotados os conceitos de “Formação e Capacitação”, como possibilidade de traduzir esse processo de forma mais ampla. As mesmas ações de capacitação propostas para a Prefeitura de Curitiba foram estendidas para 24 municípios da Região Metropolitana de Curitiba.

Paralelo a esse movimento, por meio de um exercício de análise crítica e coletiva, verificou-se a necessidade de se rever, na EAP, sua atribuição, já mencionada anteriormente, seu escopo e suas diretrizes, principalmente no que se refere à mudança de indicadores quantitativos para indicadores qualitativos com, ainda na fase final de elaboração, o Índice de Aplicabili-dade das Ações de Capacitação.

Outra perspectiva perseguida consistiu no resgate e na valorização do papel do servidor público na direção do cumprimento de sua função pública, dentro do contexto da burocracia e da administração pública deliberativa, como forma de enfrentar o contexto e as crescentes demandas sociais. Com essa intenção, criou-se o “Ciclo de Debates – Estado, Planejamento e Administração Pública”, com discussões sistemáticas sobre os temas da administração pública, relatadas neste livro.

Para dar legitimidade às ações de capacitação, como estratégia de promover autonomia e transformação da realidade, foi organizada uma rede de Articuladores formada por representantes de todas as Entidades e Órgãos da PMC e das demais Prefeituras da RMC, com o propósito de planejar, gerenciar, disseminar, monitorar e avaliar as ações de capacitação de forma conjunta com o IMAP.

Em um trabalho interno e coletivo da EAP, foram constituídas as prin-cipais Características da Escola, que são: Formadora, Crítica e Transfor-madora; Participativa, Intersetorial e Integrada; Pesquisadora e Dinâmica; Articuladora da Práxis (teoria e prática); Ambiente de diálogo e cooperação; e Informativa e Mobilizadora. Essas Características estão distribuídas em 4 (quatro) Pilares:

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 09

1. Formação Profissional e Cidadã: O Plano visa preparar pessoas para agir de modo crítico, autônomo, inteligente e socialmente responsável. É prepará-las para a produção, a gestão, a reprodu-ção organizacional, o convívio e a transformação social.

2. Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação: Vinculado diretamente com o Planejamento Estratégico do IMAP, tem como iniciativas: Novas Metodologias e Instrumentos para Administração Pública, Elaboração de Projetos para Captação de Recursos, Sistema-tização e Produção do Conhecimento e Difusão e Compartilha-mento do Saber.

3. Rede de Relacionamento Intersetorial : Rede formada por ser-vidores de todas as Entidades e Órgãos da Prefeitura de Curitiba e das Prefeituras da Região Metropolitana de Curitiba, denominados de Articuladores, com a incumbência de disseminar as diretrizes do IMAP quanto às ações de formação, capacitação e produção do conhecimento no seu local de trabalho.

4. Monitoramento e Avaliação: Processo de análise das ações de capacitação nos momentos de planejamento, execução e avalia-ção final, a fim de se verificar os efeitos dessas ações no comporta-mento, habilidades e atitudes no servidor público e na organização. Os instrumentos utilizados são: avaliação de reação, de aprendiza-gem, da aplicabilidade, bem como dos sistemas informatizados Aprendere e Avaliar.

O processo de formação e capacitação organiza-se em 3 (três) dimen-sões e está exemplificado na imagem que segue (figura 1):

1. Fundamental – Estado, Administração Pública e Planejamento: Referem-se a programas para o fortalecimento do papel e ambien-te da administração pública, as responsabilidades do serviço público, assim como o contexto da função pública.

2. Estrutural – Desenvolvimento de Políticas Públicas: Como estrutu-ral, entendem-se programas para atender à dinâmica da adminis-tração pública em todas as suas áreas e, em geral, têm como finalidade oferecer subsídios na implementação e efetividade das políticas. Está organizada em sete temas:

Pessoas: Propiciar a compreensão dos aspectos inerentes aos princípios e às políticas de gestão de pessoas que impactam nos valores, na cultura, nas relações interpessoais e qualidade de vida do servidor no ambiente de trabalho.

Social: Subsidiar os servidores da administração pública e demais atores envolvidos nas políticas de prevenção, atenção, inclusão, promoção e proteção, atribuídas na legislação vigente,

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL10

e diretrizes dos respectivos setores, com impacto na melhoria de qualidade de vida e mudança / transformação da realidade social de indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidade e risco.

Cidades Inteligentes e Digitais: Cidade que utiliza a tecnologia da informação e comunicação (TIC) em benefício do município constituindo em um instrumento relevante para os gestores municipais, nas informações e qualidade de vida dos cidadãos.

Urbano e Ambiental: Promover reflexão a respeito das estratégi-as de gestão urbana e como estas podem ser pensadas para atingir a sustentabilidade do ambiente, compreendendo a cida-de contemporânea como o lugar de maior concentração huma-na no mundo, legitimando o conceito de que o desenvolvimento sustentável deve começar no espaço urbano.

Orçamento e Finanças: Conhecer, compreender e aplicar ações de planejamento e de execução orçamentária, seus princípios, instrumentos e normativas com vistas à melhoria da capacidade de Governo. Abrange conteúdos voltados à compreensão da dinâmica geral do planejamento, gestão de programas e proje-tos, orçamento, funções de controle interno e externo, monitora-mento e avaliação de gastos, com indicadores referenciais.

Logística Pública: Conhecer, compreender e aplicar instrumen-tos que potencializem resultados efetivos para a organização pública na execução dos processos da logística de suprimentos, considerando as interfaces jurídicas e financeiras do setor público.

Tecnologias da Informação e Comunicação: Conhecer, compre-ender e aplicar tecnologias de informação e comunicação, com vistas a potencializar resultados e otimizar os serviços públicos municipais.

3. Político Social – Democracia, Participação e Cidadania: Nesta dimensão encontra-se a intenção de promover ações que propici-em o avanço da democracia e da participação cidadã. São progra-mas e metodologias voltadas aos grupos sociais, especialmente àqueles que possuem representatividade junto ao poder público e sua comunidade.

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Figura 1. Dimensões do Processo de Formação e Capacitação

FONTE: Escola de Administração Pública - 2013.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL12

Por fim, todo esse processo de reestruturação das características e diretrizes da EAP, bem como da elaboração do Plano de Formação e Capa-citação, destacou a necessidade da sua revisão, visando unificar e padroni-zar conceitos para a PMC e RMC, constituindo-se, portanto, como a única Escola de Governo na Prefeitura de Curitiba.

O Plano de Formação e Capacitação se constitui em um documento formal, no formato de Catálogo de Curso construído em conjunto com os Articuladores da PMC e das demais Prefeituras da RMC. Sua elaboração foi subsidiada por 2 (dois) questionários no início do ano, assim como por um diagnóstico da Secretaria do Governo Municipal (SGM) sobre a Adminis-tração Regional, tendo sido disponibilizado com todas as ações de capaci-tação, características, objetivo, conteúdos, indicação de perfil de servidores e vagas disponibilizadas, no mês de Maio.

O Plano tem período de duração variável, conforme descrito a seguir:

Ações Intersetoriais (anteriormente denominadas de Competên-cias Comuns) – para todas as Entidades e os Órgãos da Prefeitura, são programadas para a Gestão 2013/2016, com adequação dos temas que são necessários à dinâmica da administração pública, como, por exemplo: Cumprimento de Legislações, Normas e Dire-trizes, que geralmente são formuladas em conjunto com especialis-tas servidores da área.

Ações Setoriais (também conhecidas como Específicas) – refe-rem-se às necessidades específicas de cada Entidade da PMC e são determinadas a cada ano, quando são renovadas.

Ações Transversais – permeiam todos os Órgãos da Administração com temas afins e, de acordo com a temática a ser desenvolvida e demandada pelo Plano de Governo, são necessárias tendo em vista a realidade social, no qual o tema Sustentabilidade, por exemplo, necessita permear conteúdos da área ambiental, social e econômica.

Como resultado da disponibilização do catálogo do Plano a todos os envolvidos nas ações de capacitação, a totalidade dos cursos teve aceita-ção. Abaixo, estão destacados os 5 (cinco) cursos com maior demanda: Curitiba (Trabalho em Equipe; Atendimento ao Cidadão; Assédio Moral e Sexual; Licitações e Contratos; Decreto 1644/09 - Atribuições do Gestor do Contrato); e Região Metropolitana de Curitiba (Atendimento ao Cidadão; Trabalho em Equipe; Escrita Oficial; Empatados: Assédio Moral e Sexual / Licitações e Contratos; Contabilidade para Gestores)

É com essa intenção que se propõe o referido Plano, em uma aborda-gem de trabalho intersetorial e em Rede. Dessa forma, os eventos de capa-

Plano de Formação e Capacitação

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citação são pensados com o intuito de transmitir, trocar e compartilhar conhecimentos e experiências, a fim de fortalecer a administração munici-pal local, regional e metropolitana, e passa, constantemente, por processos de avaliação, monitoramento e atualização, para sua melhoria e adequação às mudanças e demandas contemporâneas, recorrentes na Administração Pública e na sociedade.

O conjunto das ações de capacitação visam a um público-alvo esti-mado, em novembro de 2013, de 58.240 servidores municipais, conside-rando a Prefeitura de Curitiba e as da Região Metropolitana de Curitiba.

A Prefeitura Municipal de Curitiba tem 35.753 servidores, 6,7% pos-suem nível de escolaridade Fundamental, 36,2% nível Médio e 57,1% nível Superior. Dos servidores com nível Superior, 40,8% possuem Graduação, 56,6% Especialização, 2,3% Mestrado e 0,3% Doutorado.

As Prefeituras da Região Metropolitana têm 22.487 servidores, 19% possuem nível de escolaridade Fundamental, 34% nível Médio e 47% nível Superior. Dos servidores com nível Superior, 37,35% possuem Graduação, 9,13% Especialização, 0,45% Mestrado e 0,03% Doutorado.

O Plano prevê ações diferenciadas por segmentos, tais como:

Administrações Regionais:

Iniciativa do IMAP, em parceria com a Secretaria do Governo Muni-cipal (SGM) e a Secretaria Municipal Extraordinária de Relações com a Comunidade (SERCOM), tem por finalidade a capacitação dos servidores, gestores públicos, lideranças comunitárias e comu-nidade, com atuação na área de abrangência das Regionais e Distritos de Manutenção Urbana. As atividades previstas buscam atuar em duas direções:

Capacitações que objetivam preparar o servidor com informa-ções e conhecimentos que contribuam diretamente na sua for-mação e capacitação profissional, refletindo na qualidade da execução das políticas públicas e no atendimento dos serviços prestados ao cidadão;

Capacitações voltadas para a formação cidadã, dirigidas à lideranças, conselheiros municipais e demais interessados da comunidade, estimulando a participação e a representatividade social.

Região Metropolitana de Curitiba (RMC):

Observa-se que os municípios que compõem a RMC apresentam características socioeconômicas diversas. Para fomentar a integra-

Abrangência e Especificidades do Plano de Formação e Capacitação

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ção dos municípios no desenvolvimento do território, é necessário criar sinergia para que se promova o fortalecimento das regiões e, em particular, das Administrações Municipais.

O artigo 3º, inciso III, da Constituição Federal estabelece como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização e, ainda, reduzir as desigualdades so-ciais e regionais. Para que esse objetivo seja atendido, é fundamen-tal promover a capacitação dos servidores municipais para o plane-jamento e a implementação das ações de desenvolvimento, bem como o acesso e a captação de recursos junto ao Governo Federal e organismos internacionais.

Assim, para um diagnóstico da realidade dos municípios, foi elabo-rado pelo IMAP em parceria com a Secretaria Municipal de Assun-tos Metropolitanos (SMAM) um questionário para análise da reali-dade local, com base no desenvolvimento de pessoas e demandas de capacitação, levantamento de recursos materiais e infraestrutu-ra necessária. O resultado foi tabulado e os Municípios que aderi-ram ao nosso convite passaram a frequentar as mesmas turmas dos servidores de Curitiba.

Essa iniciativa visa contribuir para a formalização de parcerias que potencializem os resultados das políticas públicas regionais e que propiciem a todos os municípios da RMC uma participação articu-lada e integrada para o fortalecimento institucional da região e o desenvolvimento do território, bem como capacitar os servidores municipais, com vistas à construção de uma governança integrada e participativa, com foco no desenvolvimento humano, na expan-são da oportunidade, na melhoria de renda e oportunidades e na qualidade urbana e ambiental dos municípios.

Comunidade:

Capacitar a comunidade para a formação cidadã, dirigidas às lide-ranças, conselheiros municipais e demais atores, estimulando a participação e a representatividade social.

Para a distribuição das vagas entre as diversas Entidades e Órgãos e as Prefeituras da RMC, a EAP realiza uma Análise Técnica que considera os seguintes critérios para as ações Intersetoriais: Missão do Órgão; Perfil dos Participantes; Pertinência da demanda; Aproveitamento das vagas / Nº de servidores; Orçamento disponível e Período da realização.

As ações Setoriais são realizadas após a análise dos Projetos e consideram, além dos critérios elencados nas ações Intersetoriais, o que

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Sistema de Distribuição das Vagas

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segue: Justificativa; Objetivo Geral; Conteúdo programático (Módulo; Carga horária; Conteúdo e Docente); Metodologia; Normas Regulamentadoras (NRS) do Ministério do Trabalho e Emprego, vigentes e Avaliação.

De acordo com Malcom Knowles, um dos principais estudiosos da educação de adultos, em “The Adult Learner – A Neglected Species”, de 1973, é importante considerarmos alguns aspectos quando se trata da aprendizagem do adulto, tais como:

Aprendizagem orientada para tarefas ou centrada em problemas;Motivação interna;A experiência de vida como um recurso importante para a aprendi-zagem;A disposição para aprender se desenvolve a partir de tarefas e problemas relacionados com a sua vida.

Considerando esse princípio, apresentamos as Metodologias de Tra-balho da EAP na formulação do Plano de Formação e Capacitação: Estru-turação das Ações de Formação e Capacitação; Estruturação dos Conteú-dos; Estruturação do trabalho em Rede/Articuladores; Contratação de Docentes; Sistema de Avaliação; e Sistema de Comunicação.

Em consonância com o Plano de Governo Municipal, na busca de uma gestão democrática, transparente e participativa, o Plano de Formação e Capacitação está vinculado diretamente ao Programa de Governo denomi-nado “Curitiba Participativa”, que visa ampliar a participação e aprofundar a ideia de empreendedorismo na perspectiva de que as pessoas são porta-doras de capacidades com o poder de mudar sua realidade, definindo os rumos do desenvolvimento de suas vidas e de sua cidade. Pretende inovar nessa relação que envolve o poder público e a sociedade, tendo como eixo principal a ampliação das formas de participação, dando um salto qualitati-vo quando estabelece outra postura na relação Administração Pública e Cidadão.

Faz parte, também, do Projeto de “Valorização do Servidor” porque, na busca pela qualidade, os servidores necessitam ser estimulados a inovar e a adotar atitudes que realmente resultem em qualidade na prestação de serviços públicos. Buscar formas de valorização dos servidores, com

Metodologia de trabalho do Plano de Formação e Capacitação

Vinculação com o Plano de Governo 2013/2016 – “Curitiba quer mais!”

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garantia de perspectiva de evolução na carreira pública, conjugadas ao seu envolvimento com a redefinição da missão institucional fundamentada na ética, na transparência e na confiabilidade da informação, somadas às novas maneiras de relacionamento com a população.

O saber está com as pessoas, como transmitir este conhecimento nas organizações?

Numa perspectiva gerencial apenas, observamos que nas organiza-ções o conhecimento é visto como recurso e vantagem competitiva (DRUCKER, 2000) e se traduz na forma de serviços, produtos, imagens e resultados (BRITO, 2005). A partir de um olhar estratégico, como elemento crítico, percebemos, por meio da citação de Paulo Freire (2003, p. 47), que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. Se queremos aprender e refletir com o outro, e sempre de forma contínua, o conhecimento passa a gerar possibilidades, novos caminhos para as lacunas identificadas em nosso trabalho, pela composição de diversos saberes para alcançar a missão da organização.

A Escola de Administração Pública vem pontuando, ao longo destes anos, a fundamental importância de registrar a memória organizacional da Prefeitura de Curitiba, mostrando preocupação constante com esse resga-te, criando iniciativas de valorização de seu corpo funcional e do relaciona-mento com a sociedade, em que servidores públicos, parceiros e a comuni-dade têm espaço para apresentar suas produções e compartilhar o conhe-cimento, tais como: Banco de Práticas, postagem de Trabalhos Acadêmicos e Biblioteca Virtual.

Apoiados nesse diálogo de valorização, em 2013 passamos a redefinir ações que incentivem e mobilizem os servidores públicos do município para a efetividade da função pública junto ao cidadão, ampliando essa possibili-dade para os servidores da RMC, foco das ações do Planejamento Estraté-gico do IMAP e do Plano de Governo da PMC. Assim, apresentamos 3 (três) eixos: Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação:

Pesquisa: com a finalidade de consultar e conhecer experiências na área de Administração Pública, tanto internas quanto externas, que identificam formatos, práticas e outros, propiciando a reflexão de forma crítica para revisão e revitalização dos processos de tra-balho e da efetividade das ações, com impacto para o cidadão.

Desenvolvimento: a partir de modelos que implementem novas fer-ramentas, metodologias para a coleta e sistematização dos sabe-res, instrumentalizando equipes, parceiros e a comunidade, visan-do transmitir o conhecimento.

VALORIZAÇÃO CONTÍNUA DO CONHECIMENTO

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l Inovação: contempla, de forma criativa, o acesso aos instrumentos que concentram os registros do conhecimento coletivo, como tam-bém realizar a difusão e a divulgação, possibilitando troca, compar-tilhamento e projetando esse aprendizado para aplicação e reava-liação sobre os processos de trabalho.

Possuir um planejamento estratégico como instrumento de gerencia-mento tem, segundo Pfeiffer (2000, p. 07), “um único propósito: tornar o trabalho de uma organização mais eficiente”. Desse modo, trazer a contri-buição da história para o presente nos permite avançar criticamente na análise da práxis atual, assim como nos permite realizar projeções em longo prazo e, então, extrapolar o planejamento para mais 50 anos possibili-tando, com isso, estabelecer ações com consistência mais perenes, além do tempo de uma gestão.

Segundo (MARQUES), “A história importa. Especialmente quando conhecemos o papel das instituições delimitando trajetórias de ação e con-textos político-histórico específicos.” O mesmo autor ressalta, ainda, que: “Acontecimentos em um determinado contexto histórico gerariam e deter-minariam resultados e acontecimentos sociais e políticos futuros, tanto nos países como nas instituições”.

Nessa perspectiva, este artigo objetivou apresentar a EAP dentro de uma linha histórica longitudinal, destacando principalmente os aspectos atuais e principais desafios, a fim de apresentar e compartilhar sua expe-riência. Nessa pretensão, foram discorridos os principais marcos ao longo desses 50 anos, no entanto se faz necessário destacar estes últimos 20 anos, período que se solidificou com uma forte influência do modelo geren-cial na administração pública municipal da cidade de Curitiba, e que se tra-duziu da mesma forma na opção dos processos de capacitação, na medida em que se utilizou a terminologia de desenvolvimento de competências em detrimento da concepção de formação, forte investimento no desenvolvi-mento gerencial em detrimento do desenvolvimento das equipes, a ênfase em indicadores quantitativos, ampliando-se a escala em detrimento da qualidade das ações e a certificação/diplomação dos cursos, em alguns casos como mero instrumento de validação a outros processos que não a serviço da aprendizagem.

Nesse modelo de gestão adotado, Costa, F. (2008, p. 35-36) afirma que há uma série de aspectos que não foram contemplados, como, por exemplo: tendência de despolitizar o debate com ênfase no caráter técnico, em muitas das situações os problemas não estão centrados em apenas questões de má gestão, mas sim em aspectos políticos que deveriam ser pauta de reflexão; a lacuna existente na direção das condições de cidadania

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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a ela inerentes, o exercício dos direitos civis, políticos, sociais e os novos direitos. E é nesta lacuna que o processo de educação e aprendizagem oferece, hoje e no futuro, uma importante estratégia para o exercício da função pública de forma política e cidadã.

Sugere-se, pela análise até aqui realizada, que as perspectivas e os compromissos para o futuro se direcionem para diretrizes que, além de fortalecer a função pública, possam contribuir na valorização do servidor e, em consequência, contribuir em uma ação pública cada vez mais compro-metida com a realidade e a efetividade na execução das políticas públicas. Assim, algumas propostas se apresentam como condições, tais como:

Aprimorar as propostas das ações de capacitação atendendo a três naturezas:

Atender à dinâmica da Prefeitura por meio da proposta de con-teúdos intersetoriais, discutidos com um grupo de especialistas servidores, de forma matricial;

Aproximar os conteúdos setoriais ao planejamento estratégico das Entidades e dos Órgãos, no cumprimento de suas missões;

Propor um conjunto de ações que propiciem o autodesenvolvi-mento dos servidores.

Com a mudança de indicadores quantitativos para os qualitativos, avançaremos nos processo de avaliação das ações de capacita-ção, com a implantação do Índice de Aplicabilidade das Ações de Capacitação¹.

Reformulação do projeto SemEADor², proposta metodológica de educação a distância, especialmente no desenvolvimento de ferra-mentas e na implantação dos níveis de Tutoria, que permitem um acompanhamento e avaliação do processo de aprendizagem, de domínio exclusivo do IMAP.

Qualificação das publicações.

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1 O Índice tem por objetivo avaliar o grau de aplicabilidade das ações de capacitação desenvolvidas pelo IMAP. Foram estabelecidas 11 dimensões, que caracterizam os aspectos essenciais para determinar o referido Índice. Cada uma das dimensões foi subdividida em diversas subdimensões (36 no total), de modo a especificar cada uma das etapas ocorridas e, também, para facilitar a avaliação de todo o processo. Foi estabelecido um peso para cada uma das subdimensões e dimensões, de forma a caracterizar o modo que cada uma interfere no desenvolvimento da ação de capacitação e o resultado obtido.

² Programa de qualificação profissional para os servidores municipais de Curitiba, desenvolvido pelo IMAP e operacionalizado pela EAP, que visa estimular o desenvolvimento de competências comuns e específicas contidas no Plano de Desenvolvimento de Competências (PDC) da PMC, por meio da modalidade de educação a distância. (GIACOMINI, 2012)

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Ampliação da oferta de cursos lato e stricto sensu, por meio da realização de um curso de especialização e mestrado profissionali-zante em administração pública, pela própria Instituição, com a participação de mestres e doutores da PMC.

No plano de fortalecimento da EAP, além das mudanças já citadas e implantadas em 2013, pretende-se atuar em 3 (três) grandes vertentes:

Intensificar as parcerias com instituições para captação de recur-sos, assim como compartilhar e trocar experiências, convênio com Escolas de Governo, nacionais e internacionais. Ressalta-se que já o realizamos neste ano com a Controladoria Geral da União (CGU), a Escola de Administração Fazendária (ESAF), o Instituto Parnaen-se de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), a Itaipu Binacional, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-soal de Nível Superior (CAPES), a Câmara Municipal de Curitiba e o Serviço Social da Indústria (SESI/PR).

Ampliar e aprimorar as relações e o atendimento junto aos municí-pios da RMC, dentro da premissa de que o desenvolvimento do es-paço urbano não pode ser compreendido tão somente pelos as-pectos físicos territoriais e que investir em formação e capacitação aos seus servidores lhes confere melhor qualificação para atender às demandas sociais do município;

Constituir a EAP como uma “Escola de Governo” para Curitiba e RMC, atendendo aos conteúdos do Executivo, Legislativo e Judi-ciário.

E, por fim, prospectá-la como espaço de diálogo, reflexão e liberdade de expressão, elementos estes necessários na direção de uma Escola que age com autonomia e transformadora dentro dos propósitos da produção e reprodução do conhecimento, na construção de uma inteligência coletiva e que prospere além das realidades líquidas, conforme afirma Zygmunt Bauman.

Nos compromissos duradouros, a líquida razão moderna enxerga a opressão; no enga-jamento permanente percebe a dependência incapacitante. Essa razão nega direitos aos vínculos e liames, espaciais ou temporais. Eles não têm necessidade ou uso que possam ser justificados pela líquida racionalidade moderna dos consumidores. Vínculos e liames tornam “impuras” as relações humanas – como o fariam como qualquer ato de consumo que presuma a satisfação instantânea e, de modo semelhante, a instantânea obsolência do objeto consumido (BAUMAN, 2004, p. 65).

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REFERÊNCIAS

BAUMAN, Z. Amor Líquido – Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 2004.

BRITO, Lydia M. P. Gestão de competências, gestão do conhecimento e organizações de aprendizagem: instrumentos de apropriação pelo capital do saber do trabalhador. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2005.

BRUGUÉ, Quim; OLIVERAS, Ramon Canal; SÁNCHEZ, Palmira Payà. ¿inteligencia administrativa para abordar problemas malditos? El caso de las comisiones interdepartamentales. X Congresso AECPA: "La política en la red". Anais...2011. Online.Disponível em <www.aecpa.es/ uploads/files/modules/congress/10/papers/87.doc>. Acesso em 25 nov 2013.

COSTA, F. L. Reforma do Estado em nova perspectiva: lições da experiência brasileira. Revista de Gestão Pública. Brasília, DF, n.1, jan./jun., 2008.

DRUCKER, Peter. Aprendizado organizacional. São Paulo: Campos, 2000.

FREIRE, Madalena. Educador, educa a dor. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,1996.

_____. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2003

KNOWLES, Malcolm S. The Adult Learner a Neglected Species. Gulf Publishin Co. Houston, 1973.

MARQUES, J.E.D.C. Apresentando o Neo-Institucionalismo Histórico como Modelo Teórico de Análise nas Ciências Humanas. Online. Disponível em < http://www.baraodemaua.br/comunicacao/publicacoes/ anais_historia/pdf/anais2009/00019NEO-INSTITUCIONALISMO.pdf>. Acesso em 21 nov 2013.

NOGUEIRA, Marco A. A formação como desafio estratégico. Online. Disponível em < http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-formacao-como--desafio-estrategico-,1035455,0.htm>. Acesso em 21 nov 2013.

PFEIFFER, P. Planejamento estratégico municipal no Brasil: uma nova abordagem. Brasília : ENAP, 2000.

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Estado, Planejamento

e Administração Pública no Brasil

As manifestações populares que ocorrem no mundo desde a crise financeira, econômica, social e política que eclodiu em 2008 desvelam insatisfações profundas com os rumos que o capitalismo contemporâneo seguiu. Como se sabe, a eclosão da crise revela apenas a ponta de um iceberg e vem sendo gestada desde a crise dos anos setenta do século pas-sado, intensificada nos anos 1990 pela força do chamado tempo neoliberal, com destaque para a dominância da financeirização, em prejuízo dos as-pectos produtivos e de geração de emprego¹.

Democracia e capitalismo sempre foram contraditórios na medida em que o modo de produção apoia-se na propriedade privada e na apropriação privada dos lucros e resultados, levando à concentração de renda e poder. A história do último século evidencia porém que a democracia, como regi-me político, tem coibido excessos do modo de produção e criado parâme-tros sociais importantes. Certamente, a fase de maior consolidação entre capitalismo e democracia ocorreu no pós-Segunda Guerra Mundial quando o temor do socialismo associado à necessidade de reconstrução das na-ções envolvidas engendrou o Estado do Bem-Estar Social, especialmente na Europa, hoje, porém, sob ataque.

As ditaduras existentes no Oriente Médio e até mesmo na África caíram e suas sociedades buscam a democracia. Mas qual democracia? A primavera Árabe, o movimento Ocupe Wall Street e, ainda, os movimentos que eclodem por toda a Europa dão conta da necessidade de mudança². Mas, qual? Em que direção? David Harvey fala em radicalizar a democra-cia, mas o que seria exatamente isto: a radicalização da democracia?

A sociedade civil em diferentes países manifesta-se intensamente, para além de partidos políticos, sindicatos, ou quaisquer outras organiza-ções, fazendo ressurgir a “velha” questão da participação política³. Há evi-

¹ Para uma análise das raízes da crise ver: Carleial(2010).² Na Europa, até o momento, onze estados alteraram os seus governos nem sempre por processos

eleitorais, mas por determinação do mercado financeiro internacional, no intuito da implantação do plano de austeridade que supostamente permitirá a saída da crise.

³ Quando se fala em participação política, a suposição subjacente é de que é possível penetrar o Estado, alterá-lo, transformá-lo e, assim, também transformar a sociedade. Logo, estabelece-se uma relação entre Estado e sociedade civil. O Canadá, talvez seja um dos países nos quais a participação é histórica e efetiva: há coparticipação na concepção e implementação da política pública (Vaillancourt; 2009).

O DESAFIO DA REINVENÇÃO DO ESTADO NO BRASIL

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL

dências da insatisfação das sociedades com os rumos da democracia representativa regida praticamente pelo voto e pela barganha como único ocasião de interação eleitor-eleito.

Neste momento também restabelece-se a confiança nos Estados nacionais por terem conseguido, em alguns casos, “salvar” empresas mes-mo que não tenham salvo do desemprego, do corte de salários e do desa-ento parte significativa de suas populações. Há também algum espaço para avanços e ousadias, especialmente no campo das Instituições, pois gene-ralizou-se o descrédito em receitas únicas, como foi o caso das sugeridas pelo Consenso de Washington, concebido pela dupla Tatcher e Reagan.

Para Chaui (2006), a democracia tem princípios tais como: (i) legitimi-dade e necessidade de conflito; (ii) fundamenta-se na ideia de direitos e não de privilégios; (iii) não se confina no Estado, pois é ela que determina a for-ma das relações sociais e não o Estado; (iv) na democracia, poder é dife-rente de governo – poder é dos cidadãos e o governo é de seus represen-tantes; e (v) tem um problema constante e necessário: a questão da partici-pação.

O Brasil tem uma história muito recente de democracia. Na realidade, durante todo o século XX tivemos poucos períodos de prática democrática. De fato, em 2013, tem-se pouco mais de 25 anos da construção da atual fase democrática. Entretanto, há ainda um percurso a ser seguido até que possamos considerar que instalamos na nossa sociedade valores efetiva-mente republicanos.

Mesmo vivendo uma fase de consolidação da democracia, o nosso país ainda não conseguiu construir a nação brasileira e instalar os verdadei-ros valores republicanos capazes de pavimentar o nosso futuro. Para Cohn (2013), a democracia é o regime que melhor tem capacidade de propiciar um aprendizado político. Da prática democrática é possível caminhar-se em direção a um avanço necessário, que é a instalação dos valores republica-nos, centrados na referência substantiva da “coisa pública” e possibilitada pela presença de cidadãos participantes e ativos orientados por valores, e não apenas pela eficácia das ações.

Nesse sentido, o aprendizado político que a prática democrática pode engendrar certamente também pode levar à instalação e consolidação da vida republicana, vivida por cidadãos ativos, participantes e compromissa-dos. Essas são questões que estão na ordem do dia para o mundo contem-porâneo. E como fica, então, esse debate sobre o nosso país?

O Brasil é uma república federativa composta por 26 estados, 5.565 municípios e o distrito federal. Abriga quase 200 milhões de pessoas em seu território e ainda é atravessado por profundas desigualdades regionais, sociais, econômicas e políticas. Suas grandes cidades construídas ao longo do crescimento econômico do século XX, notadamente entre 1950-

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80, são palco hoje de batalhas em torno do acesso à terra urbana e à moradia digna, ao emprego com salário compatível, ao transporte coletivo de qualidade, bem como o acesso à educação e à saúde.

Carrega até hoje a marca do subdesenvolvimento, exigindo decisões políticas importantes compromissadas com a reversão dessa condição. Inicialmente, é a inserção das economias periféricas no mercado interna-cional na condição de economias exportadoras de produtos primários que lhes confere a condição de periferia de um centro no qual há a capacidade de constituição de um núcleo autônomo de investimentos e a incorporação do progresso técnico com os seus efeitos sobre a acumulação, o cresci-mento da renda e a geração de posto de trabalho. Assim é que as economia periféricas constroem uma estrutura produtiva voltada para o exterior, desarticulada de sua estrutura de consumo, cujos ajustes se fazem cres-centemente pela importação de produtos mais sofisticados para os deten-tores da renda de exportação (TAVARES, 2000; MARINI, 2000).

Mesmo que tenhamos enfrentado um longo processo de substituição de importações durante o século XX, o fôlego oriundo das divisas de expor-tação de produtos primários não foi suficiente para reduzir significativamen-te a dependência tecnológica do exterior. O processo de industrialização iniciado em torno de produtos leves, ainda no bojo da expansão cafeeira em São Paulo, Paraná e Minas Gerais, ganhou novos contornos, a partir da década de 1950, adentrou setores produtivos importantes como a siderur-gia, o petróleo e a energia elétrica. Posteriormente, com o I e o II PND, o país completa a sua matriz industrial, numa articulação entre o capital privado, estatal e estrangeiro.

O primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) centrou sua atenção nos investimentos na siderurgia, petroquímica, transporte e ener-gia elétrica. Foi também o momento do Programa de Integração Nacional que procurava integrar a Amazônia ao território nacional, incentivando a ocupação do território. O II PND pretendia completar a estrutura produtiva industrial. Enfatizava a necessidade de expansão das indústrias de bens de produção, a fim de conseguir uma sólida infraestrutura econômica. Foram estimuladas grandes obras no setor da mineração (exploração do minério de ferro da Serra dos Carajás; extração de bauxita por meio da ALBRAS e da ALUNORTE), e no setor energético (construção de usinas) e ainda a ten-tativa de ingresso do Brasil na era da energia nuclear marcado pelos acor-dos feitos com a Alemanha Ocidental para a instalação de oito reatores nucleares no Brasil. Os objetivos do II PND foram muito amplos e a estraté-gia de financiá-lo externamente muito frágil, resultando, como se sabe, na interrupção do crescimento industrial e na instalação de uma crise de tama-nha proporção a qual, consideramos, o país nunca superou.

O processo de substituição de importações vivido pelo Brasil foi explicado por Tavares (1977) como sendo um processo no qual procurou-se

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repetir, num quadro de subdesenvolvimento e de vulnerabilidade externa, a experiência de industrialização dos países desenvolvidos de forma rápida e em condições históricas distintas.

A resultante, porém, foi, até certo ponto, exitosa pois, segundo Cassiolato (2001), a estrutura produtiva industrial brasileira aproximava-se muito daquela dos países desenvolvidos no início dos anos oitenta do século passado. Ela era dominada, do ponto de vista do uso, pelos setores de bens de capital, pelos bens de consumo duráveis com destaque para a montagem de automóveis. Segundo o mesmo autor, o complexo químico e metal-mecânico era responsável por 64,4% da produção industrial nos EUA, 64,5% da do Japão e 70% no caso da Alemanha. No Brasil, esse complexo foi responsável por 58,8% do produto industrial, em 1980. Cassiolato (2001) também aponta que, esse parque industrial constituído até 1980, no Brasil, era maior que o da Tailândia, Malásia, Coreía do Sul e China juntos!!!!

Entretanto, a crise dos anos oitenta gerada pelo padrão de financia-mento das décadas anteriores e agravada pelo aumento dos juros america-nos, interrompe um processo de crescimento econômico sem que tenha-mos enfrentado os entraves estruturais ao desenvolvimento como a con-centração de terra, as profundas diferenças de acesso à educação, saúde e emprego.

Essa década crítica assiste a fatos econômicos, sociais e políticos da maior relevância. O início da redemocratização brasileira, a construção exitosa da Constituição de 1988, a implementação do pacote contendo as medidas do chamado Consenso de Washington, ou o pacote neoliberal, e com ele a Reforma do Estado.

É inegável a relevância da Constituição de 1988, em primeiro lugar, por ter se constituído num processo importante, numa verdadeira inovação política na medida que foi concebida “de baixo para cima”, ou seja, a partir da luta dos movimentos sociais e dos anseios democratizantes; em segun-do lugar, por ter instituído o Estado Democrático de Direito no país, bem como por ter recuperado para o Estado o seu poder indutor de desenvolvi-mento. Além de todos os aspectos ligados à descentralização administrati-va, do novo pacto federativo engendrado a partir dos três entes federados, União, estados e municípios, a Constituição de 1988 institui vários formatos de participação popular (Conferências, Conselhos, referendos, plesbiscitos etc.). Assim, institucionalmente, o país está instrumentalizado para efetuar a transição para uma democracia mais substancial, incorporando a participação dos cidadãos.

O Brasil, hoje, vive um momento especialíssimo no cenário mundial. É um país integrado ao movimento mundial de bens e serviços, compõe o pequeno grupo de países que cresce a um ritmo significativo (especialmen-

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te, após crise internacional deflagrada em setembro de 2008), diversificou o destino de suas exportações (reduzindo a dependência do destino: EUA), e constrói uma estratégia de aproximação mais efetiva com a América do Sul e com a África.

Os investimentos em curso na área do petróleo e gás, indústria naval, siderurgia, papel e celulose, soja acontecem, em menor monta, mas estão presentes nas Região Nordeste e Centro-Oeste; a construção das hidroelé-tricas acontece no Norte do país, e as explorações do pré-sal atingem uma parte importante do território nacional. Além disso, o país ampliou o número de Universidades Federais públicas e instituiu um grande número de Institutos Federais Tecnológicos, tendo ampliado também o incentivo para cursos profissionalizantes de nível médio, numa parceria entre União, esta-dos e municípios. A ocupação territorial da expansão das Universidades Federais e dos Institutos Federais constrói um mapa que evidencia uma relativa descentralização das possibilidades produtivas do país. A exemplo da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), responsá-vel, em grande parte, pelo avanço tecnológico da agricultura brasileira, foi criado, em 2007, o SIBRATEC (Sistema Brasileiro de Tecnologia), que é operado pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). O SIBRATEC deverá promover uma aproximação entre a comunidade científica/ tecnoló-gica e as empresas e, então, deverá atuar em três níveis: promoção da inovação, extensão tecnológica e serviços tecnológicos. É um sistema novo, mas sinaliza na direção de avanço de práticas inovativas.

O Brasil também detém uma estrutura de bancos públicos capaz de financiar a produção no longo prazo, capitaneada pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), e composta ainda pelo Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Basa (Banco da Amazônia), BNB (Banco do Nordeste do Brasil) e BRDE (Banco Regional de Desen-volvimento do Extremo Sul).

A crise financeira/econômica internacional de 2008 atingiu o Brasil num momento de forte crescimento econômico e os mecanismos de trans-missão dessa crise se deram mediante a redução da demanda internacio-nal de commodities, da redução do crédito e, ainda, pelas multinacionais aqui instaladas. No entanto, a política pública brasileira respondeu rapida-mente com um conjunto de medidas de caráter anticíclico, minimizando os efeitos mais perversos.

Nesta década, anos 2000, o Brasil, enfim, conseguiu um fato inédito nos últimos cinquenta anos: ter taxas de crescimento baixas (se compara-das às da China, por exemplo) mas positivas e associá-las à redução da desigualdade de renda e à redução da pobreza em todas as regiões. O crescimento econômico favoreceu à ampliação dos empregos formalizados e da proteção social. O mercado interno finalmente foi reconhecido como

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um elemento importante para a composição e crescimento da demanda agregada, política essa assentada na conjugação de três políticas: valoriza-ção real do salário mínimo, a ampliação de crédito e o programa de transfe-rência de renda, o Bolsa Família.

Certamente são avanços econômicos, sociais e políticos, mas perma-necem os gargalos estruturais que ainda nos colocam num cenário de subdesenvolvimento. Mesmo assim, no final de 2011, o Centre for Econo-mic and Busines Research colocou o Brasil à frente do Reino Unido na lista das “top 10” do mundo, pois o PIB brasileiro ultrapassou o PIB inglês, sendo agora o sexto de mundo. Mas não só, previu ainda que, em 2020, a econo-mia brasileira superará a da Alemanha, hoje principal economia europeia e grande exportadora mundial. Certamente essa perspectiva só aguça as nossas contradições internas.

Há, porém, uma pergunta que nos parece central: qual é o papel hoje do Estado num país ainda subdesenvolvido mesmo que tenha se tornado a 6ª. Economia do mundo e tenha superado recentemente a Inglaterra?

Num debate feito no Imap, em outubro de 2013, teve como questão central: qual o estado necessário para o Brasil, cujas apresentações estão presentes neste livro e que vamos citar aqui apenas o aspec-to central de cada um deles. Um dos expositores afirmou que o Estado precisava aprofundar os princípios democráticos presentes na Constituição de 1988; o segundo afirmou que o Estado precisaria promover o desenvolvi-mento. Como então reinventar o Estado?

Um outro aspecto importante a ser considerado são as manifestações populares que eclodiram no país a partir de junho deste ano. Certamente, a abertura de uma agenda mais ampla nos país e a incapacidade relativa de atender aos serviços públicos essenciais com a qualidade necessária estão na raiz dessa insatisfação.

A origem dessas manifestações foi o aumento das tarifas de ônibus (transporte coletivo urbano) que deveria ocorrer em junho de 2013, nas principais capitais brasileiras, cujos prefeitos haviam sido eleitos em janeiro do mesmo ano. Esse assunto havia sido tema de todas as campanhas eleitorais uma vez que a mobilidade incide fortemente sobre a qualidade e condições de vida urbana. O estopim foi o aumento de vinte centavos de real proposto pelo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, do PT, o qual negou-se a receber os representantes do Movimento Passe Livre (MPL). Na realidade a prefeitura aliou-se ao governo do estado comandado por Geraldo Alckimin, do PSDB, e fecharam posição a favor do aumento.

O MPL iniciou-se, em 2005, no Fórum Social Mundial, e tem como slogan “por uma vida sem catracas”. O MPL se organiza nacionalmente em uma federação formada por coletivos de diversas cidades do Brasil. Em seu site o MPL se define como “Movimento social autônomo, horizontal, inde-

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pendente e apartidário que luta por um transporte público gratuito e de 4qualidade, sem catracas e sem tarifa” . Desde 2006, o MPL se mobilizou

contra o aumento das tarifas, mas sem a mesma repercussão deste ano de 2013.

Com a recusa do prefeito de São Paulo em receber os representantes do MPL e a manutenção do aumento de vinte centavos, as manifestações iniciaram-se naquela cidade e foram enfrentadas pela polícia paulista com intenso rigor e violência, o que ampliou a revolta dos manifestantes que intensificaram as ações as quais se espalharam pelo país. De São Paulo, espraiou-se por algumas cidades brasileiras, inclusive Curitiba.

A bandeira do preço do transporte coletivo abrigou um conjunto enor-me de outras demandas, críticas e pautas de diferentes naturezas, tais como: críticas aos partidos políticos, críticas a políticos específicos e à corrupção, defesa/ataques a projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional etc. Transformou-se, assim, num movimento heterogêneo, sem uma pauta clara, sem dirigentes definidos e sem propostas precisas.

Tal como nos movimentos dos países desenvolvidos, fica evidente que há um desejo expresso de participação nas decisões dos governos. Tal como lá, aqui no Brasil também fica evidente que o Estado está na raiz dos problemas que ensejaram as manifestações mas, igualmente é a saída ou solução. No mínimo, é grande parte da solução. Mas, para tanto, precisa se reinventar.

A crise da democracia representativa é cada vez mais evidente. Cada vez mais evidencia-se que a legitimidade das decisões dos governos preci-sa ser construída com as suas populações, o que exige participação efetiva. Voltamos ao grande desafio apontado por Chaui, citada anteriormente. Igualmente, para avançarmos em direção aos valores republicanos, a parti-cipação efetiva da população e suas organizações é “o mot de passe”!

O Estado brasileiro é marcado por fortes traços patrimonialistas e com forte tradição autoritária. A história do século XX associa fases nas quais a ação planejada toma a dianteira sem qualquer relação com os procedimen-tos de gestão, enquanto noutras acontece o inverso. A participação popular tem sido mais figura de retórica do que participação efetiva. A inovação ins-titucional iniciada nos noventa do século passado, o orçamento participati-vo, parecer ter crescido mais no exterior do que entre nós.

Retomando a década de 1990, quando o país absorveu como dogmas os princípios do consenso do Washington, a política econômica promoveu a abertura comercial irrestrita (na expectativa de que a globalização “salvaria” a todos os povos), favoreceu a flexibilização dos mercados, inclusive do

4 www.saopaulompl.org.br

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mercado de trabalho, os ajustes nos processos de trabalho industriais que incorporaram a microeletrônica, a terceirização dos trabalhadores e as mu-danças organizacionais internas às empresas.

Na realidade, a crise econômica que evidenciava um desequilíbrio nas contas públicas foi enfrentada com ações que apenas reforçavam a própria crise. Como no centro da crise estava o Estado, ele foi diagnosticado como grande, gastador, ineficiente e incapaz.

Assim, para corrigir essa “distorção” instituiu-se a Reforma do Estado promovida no primeiro governo FHC e que tem como documento básico o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, elaborado pelo Ministério da Administração e da Reforma do Estado, aprovado pela Câma-ra da Reforma do Estado, em 21 de setembro de 1995, e imediatamente aprovado pelo presidente FHC.

Daí decorreram as medidas para reduzir o tamanho do Estado, torná-lo eficiente, enxuto e ágil. Concretamente, o Estado abriu espaço para incia-tiva privada que passou a desempenhar algumas funções de Estado por meio de OS, Oscips, Ongs etc. Igualmente, muitas empresas públicas foram privatizadas com transferência de propriedade como a Vale do Rio Doce e a Telebras.

Logo, o tamanho do Estado brasileiro foi reduzido por meio de privati-zações, transferências de atividades para o setor privado e ainda de terce-rizações da força de trabalho, contrariando o princípio constitucional e acesso ao serviço público mediante concurso.

Institui-se também um modelo de gestão gerencial em contraponto ao modelo burocrático supostamente instalado no país. A inspiração internaci-onal é o modelo inglês de contrato de serviços. A base ideológica assenta-se na ideia de Estado Mínimo, na suposição da incapacidade de o Estado atender sozinho às demandas da população e ainda numa visão de que o Estado sustentava uma burocracia parasitária.

Um ponto que merece destaque é uma incoerência entre a determina-ção dos compromissos que a Constituição de 1988 coloca para o Estado brasileiro, citando apenas a introdução na Carta do princípio de Seguridade Social, e os princípios da Reforma de Bresser Pereira. Num momento em que as demandas sociais são reconhecidas como direito e o Estado brasi-leiro precisaria atendê-las, reduz-se o tamanho desse Estado. Não é exces-sivo afirmar que eram duas interpretações distintas do mesmo país e no mesmo momento histórico.

Um outro aspecto que merece destaque é o foco na gestão!!!! Para Abrucio et alii (2008), a questão central passa a ser a eficiência gerencial na provisão de bens e serviços.

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Uma das consequências dessa adoção pelo Estado brasileiro foi, praticamente, a eliminação do campo da administração pública como cam-po disciplinar próprio. Ao mesmo tempo, muitos programas de pós-gradua-ção cresceram tratando a gestão de firmas, compilando os caminhos que uma firma precisa enfrentar para obter competitividade na era da globaliza-ção dos mercados e, para isso, precisa obter aumento de produtividade, redução de custos etc. Passou a ser suficiente compreender a firma capitalista, pois o Estado deveria se comportar tal e qual.

Na prática, o Estado passa a produzir produtos e serviços e a se rela-cionar com clientes e não com cidadãos!! No entanto, firma e Estado pos-suem pressupostos, natureza e finalidades distintas. A ação no âmbito da administração pública é carregada de significados: são direitos conquista-dos historicamente que são devidos aos cidadãos. Na outra ponta está o servidor público consciente do seu papel e compromissado com o cidadão.

O papel do servidor público também precisa ser revisto uma vez que por décadas vem sendo tratado como incapaz, ineficiente, desinteressado e visando apenas a sua aposentadoria. Mas qual oportunidade teve esse servidor de opinar, participar, se sentir parte da ações das estruturas administrativas ou dos escalões técnicos que personificam o Estado? A burocracia, tal como vista por Weber (1991), é um aparato técnico-admi-nistrativo submetido a normas, regulamentos e hierarquia, porém não se constitui numa mera adequação entre meios e fins. Na realidade, a burocra-cia é um fenômeno de poder e não é correto retirar dela o seu papel político, a sua capacidade de intervir e mudar o rumo das administrações. Ao contrário, esse papel da burocracia como ator político é essencial para um novo Estado.

Os movimentos aqui discutidos sugerem vivamente que precisamos avançar na construção de uma democracia deliberativa e participativa ampliando as conquistas obtidas até aqui. Na realidade, o germe dessa possibilidade foi instalado no nosso país desde os movimentos sociais que lutaram por nossa redemocratização e que foram reconhecidos pelo texto constitucional. A relação capitalismo e democracia sempre foi crítica, ense-jou muita combatividade das populações em diferentes épocas do desen-volvimento das relações capital e trabalho. No ponto em que as sociedades chegaram precisamos reinventar essa relação. Por tudo isso, o Estado brasileiro precisa se requalificar, se recapacitar para conviver, dialogar, atender e cumprir as demandas colocadas pela nossa população.

Para responder a um novo formato de Estado compromissado visce-ralmente com a sua sociedade, é urgente a criação de canais efetivos de participação e deliberação por seus cidadãos. Esse parece ser o grande ensinamento que as manifestações do Norte e do Sul trazem para todos nós.

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Hirsch (2010) argumenta que o desenvolvimento de estruturas de contestação e auto-organização da sociedade civil adquirem um significa-do central para o refazimento das nossas democracias nesse momento ainda de muita opacidade sobre os destinos das nossas sociedades.

O IMAP desde o primeiro dia da gestão Gustavo Fruet mergulhou na busca de um modelo de administração compatível com esses desafios. A Prefeitura Municipal de Curitiba estava estruturada em torno da administra-ção gerencial e no foco nos resultados obtidos, mediante contratos de ges-tão assinados entre o poder municipal e cada secretário municipal, presi-dente de órgão ou de fundação, bem como com presidentes de organiza-ções sociais (OS).

Aqui também a inspiração internacional era o modelo inglês de contra-to de serviços e no Brasil, o choque de gestão do Governo de Minas Gerais.

O primeiro ponto foi entronizar o conceito de administração pública ao invés de gestão pública. Essa diferença parece simples e até mesmo supérflua, mas não o é: ela busca aproximar Estado e Sociedade, reconhe-cendo a premente necessidade de reestruturar tal relação em bases mais sólidas assentadas, na transparência, no diálogo e na argumentação.

Reconhecer que além, da eficácia, eficiência e efetividade das ações, a base da administração municipal precisa ser o diálogo, é avançar na direção de uma administração pública participativa e deliberativa, moderni-zando o Estado.

Confunde-se, a nosso ver, duas questões determinantes para a modernização do Estado e a ampliação da sua capacidade de cumprir com a sua obrigação: a relevância da gestão administrativa do Estado e a centralidade das decisões políticas para esse avanço. Na realidade, o que é determinante mesmo é a ação política embasada numa compreensão realista do que é o pais, o estado ou município e quais são as demandas mais urgentes de sua população. Ou seja, precisamos saber qual é o Estado, para que esse Estado se organiza e para quem deve esse Estado trabalhar prioritariamente, num país com as características do nosso.

Isso não significa diminuir a importância da gestão administrativa do Estado, mas sim, colocá-la em seu devido lugar. Talvez seja a dificuldade de repensar, refazer e propor novos caminhos para a gestão pública, as razões pelas quais a reforma gerencialista dos anos 1990 permaneça até hoje em vigor e sendo ainda multiplicada pelas escolas de governo que existem no país, quando já se sabe de suas profundas limitações. Os sucessivos governos eleitos continuam lançando mão desse instrumental como se ele se aplicasse a toda administração pública desde os anglo saxões até os países subdesenvolvidos abaixo da linha do Equador.

Essa aceitação acrítica do modelo gerencial é, até certo ponto, surpreendente. Entretanto, cabe perguntar, o que foi desenvolvido alternati-

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vamente? Como compatibilizar, por exemplo, a natureza da nossa Consti-tuição Federal de 1988, norteada pelo compromisso federalista, pela des-centralização e pelos mecanismos de participação popular com os princípi-os subjacentes à reforma gerencialista cujos pressupostos assentam-se na teoria neoclássica da ciência econômica, onde o que impera é o bem-estar individual? A quem interessa trazer tal paradigma para a política e para o Estado?

Certamente, o que precisamos, e mais ainda o que as nossas socieda-des nos cobram é uma mudança estrutural das relações entre Estado e Sociedade. Assim, está aberto um importante espaço de reflexão, análise e proposição no âmbito da administração pública no Brasil.

Foi com esse intuito que o IMAP construiu o Ciclo de Debates: Estado, Planejamento e Administração Pública no Brasil, desde fevereiro de 2013, e em caráter permanente, com encontros mensais para discutir temas atinen-tes a essa temática. O nosso público preferencial são os servidores munici-pais que participam em grande número, ouvem, opinam e debatem. Mas também são convidados, Universidades, Instituições de pesquisa, sindica-tos e a comunidade em geral.

Essa, a nosso ver, é uma estratégia de persuasão, convite ao diálogo e à participação para a construção de um caminho que precisamos trilhar juntos!

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BUROCRACIA E CIDADE: UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM CURITIBA

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Estado, Planejamento

e Administração Pública no Brasil

É um momento importante para debatermos e para apresentar um pouco sobre o nosso conhecimento. É importante também para divulgar algumas questões, desse meu caminho. Sou funcionário público desde 1984 da Fundação Cultural de Curitiba, mas quando da minha passagem pelo IMAP, nós deixamos bons frutos. Tive o prazer de participar na época do chamado Programa de Gestão Documental – que desencadeou no que é hoje o Arquivo Público da cidade de Curitiba –, que faz um excelente trabalho, e eu estaria sendo completamente errado se não lembrasse isso, até porque está aqui o meu amigo Hugo de Moura Tavares, que é um dos grandes estudiosos dessa questão da história administrativa e está fazendo um ótimo trabalho junto ao Arquivo, que é o fruto dessa união. Isso saiu lá do IMAP em 1993 e ganhou a administração pública.

Faria, queria dizer que essa sua fala nos inspira e nos conduz à certeza de que vamos colocar boa parte dessa nossa história a serviço da reflexão e da mudança: percebemos também que a nossa história das gestões municipais em Curitiba esteve alijada exatamente do processo de criação de participação. Só em alguns momentos nós vamos ter, ou pelo menos tentar criar, alguns métodos de participação ou de consulta à popu-lação. A nossa história, não só administrativa, porque eu acho que é uma questão de cidade da Curitiba, é uma história de pouca participação popu-lar. Só lembrando, tivemos nosso primeiro Prefeito eleito em 1892, Cândido de Abreu, depois vamos passar a ter um Prefeito eleito só em 1954, que foi o Ney Braga. Depois de Ney Braga, tivemos o Iberê de Matos (1958 a 1962) o Ivo Arzua (1962 a 1966) eleitos, depois veio a ditadura e só em 1985 é que foi eleito o Requião. Isso também mostra um pouco do nosso contexto, ou seja, a democracia é algo bem novo em nosso horizonte.

Outro adendo importante é que minha abordagem é baseada na his-tória republicana, porque o Poder Executivo na gestão municipal passa a existir somente na época republicana. Na época do Império, a Câmara fazia praticamente tudo, era responsável por fazer as leis, mandar executar e julgar. O Poder Executivo municipal é uma coisa republicana no Brasil. Minha fala vai ser baseada nisso, ressaltando a questão da participação política e a consulta à população, que ocorreu somente em alguns momen-tos da nossa história, na administração.

Outra questão que moveu muito a nossa administração é a questão do planejamento, o planejamento tecnocrático etc., mas essa ação do planeja-

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mento moveu a nossa prática. Até antes de esse Poder Executivo existir, quando viramos capital da nova província em 1854, para cá veio uma série de pessoas para administrar Curitiba e para o Paraná. Curitiba só foi capital pela influência política de São Paulo que tinha uma relação melhor, tanto econômica como política, do que com Paranaguá, que era na época a cida-de mais populosa. Curitiba era uma cidade muito pequena. Só para vocês terem uma ideia, Curitiba tinha virado cidade há 10 anos – para virar cidade, na época, tinha que ter um número determinado de habitantes e Curitiba ainda não tinha a população necessária para isso. Nesse período, deram um jeito e foram construídas muitas casas para que houvesse número de casas suficientes para transformar Curitiba de vila a cidade. Em 1856 Curitiba tinha seis mil habitantes . Então, é só a gente pensar que transformação foi essa. Tivemos mais de duzentos anos para ter seis mil pessoas e menos de 16 anos para chegar aos dois milhões de habitantes.

Nessa época veio para cá um medidor de terras chamado Pierre Taulois, esse Pierre tem uma história bem interessante. Ele veio para morar numa colônia de imigrantes e queria criar o socialismo no nosso país, a partir dessa colônia. Essa colônia existe até hoje e é conhecida como Colônia Teresa, ficava perto do município de Cândido de Abreu; foi organizada por um médico chamado Dr. Faivre. Ele veio para o nosso Esta-do e depois foi contratado para fazer o primeiro plano de Curitiba, o anel central foi ele quem fez, ele começa a determinar: aqui pode construir casa, a partir de lá não pode ser construído. Então, em função desse plano se moldam os administradores disso, que era, na verdade, o governo da pro-víncia. Aliás, isso também é uma questão administrativa, até 1930 era uma dependência enorme do governo do Estado – é só vocês irem até uma cidade do interior hoje para perceber a dependência do governo do Estado – e foi o que passou Curitiba numa boa parte da história. Então, quer dizer, não era só porque era nomeada que não tinha dependência financeira, os tributos principais só foram definidos com mais clareza a partir da Consti-tuição de 1933, então, se você não tem dinheiro tem que partir para intera-ção, conforme a ligação com o presidente da província, ou do estado, ou o governador, se dava a sua situação.

Outra coisa interessante de estabelecer diferença é que praticamente até a década de 1960, mais intensamente a partir do final da década de 1970, a prefeitura era só questão de infraestrutura, era legislar para cons-truir ruas e fiscalizar, porque a questão que hoje é importante dentro da prefeitura chamada de questão social é muito recente. A nossa primeira Escola Municipal Papa João XXIII, é da década de 1960 e ela só existe porque aqui em Curitiba foi construído o primeiro município internacional do Brasil, que é a Vila Nossa Senhora da Luz, construída com o dinheiro do governo dos Estados Unidos da Aliança para o Progresso; foi construído

e agora quase dois milhões

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primeiro um conjunto habitacional e em função dele veio a escola. O segundo conjunto é hoje Santa Efigênia e lá foi construída a segunda escola que, se não me engano, se chama Herley Mehl. Então as questões de infraestrutura também determinaram a questão do social, e é só a partir da década de 1960 que vamos ter uma ação maior nessa questão social, e em função disso, é claro, aumentou a complexidade da própria administração.

Mas, como falei do Pierre Taulois, aquele que fez o nosso primeiro pla-no, tivemos vários técnicos. Primeiro foi ele, que era medidor de terra e genro do Dr. Faivre, depois nós tivemos a ditadura dos médicos sanitaristas – vocês já ouviram falar da Revolta da Vacina no Rio de Janeiro... Não tivemos a revolta, mas tivemos a ação desses médicos. Os mais conhecidos deles foram Jaime Reis, Trajano Reis e Dr. Kellers, todos eles criaram os códigos de postura, o primeiro em 1895 – esse código de postura trazia todas as atividades que podiam ou não ser feitas para respeitar as questões, teorica-mente, da saúde pública. É claro, por trás disso tinha um grande processo de exclusão social. Só para vocês terem uma ideia , a Praça João Cândido onde, de um lado, está a Sociedade Protetora dos Operários e no fundo as Ruínas e a Garibaldi – ali era o centro operário de Curitiba, ali estavam as primeiras organizações do movimento operário do estado que ajudou a construir o movimento sindical de Curitiba, do Paraná e do Brasil, porque ali passaram algumas lideranças do movimento anarquista que depois foram para São Paulo ajudar a construir o movimento sindical brasileiro. Falo isso porque quando eles determinaram o que era quadro urbano, o que era rocio da cidade, ali era a divisa do quadro urbano. Esse mundo dos operários estava fora da cidade. Isso se prestava também para a proibição, por exem-plo, de se construir casas de madeira dentro do núcleo da cidade – sabe-se que o Paraná era um grande produtor de madeira, na época uma casa de madeira custava 20% do que custava uma casa de alvenaria. E nesse qua-dro novo na cidade, se tivesse uma casa de dois ou três andares ao lado, só era possível construir outra do mesmo tamanho, é por isso que não vemos casa de madeira dentro do atual Anel Central da cidade. Essa legislação foi adotada em 1905 e em 1906 ela foi estendida para duas avenidas: João Gualberto e Batel. Essas duas regiões eram onde a nossa elite da época estava construindo seus casarões – então essa questão da calçada não é de hoje, já existe há bastante tempo.

A estrutura da prefeitura da época, a ação do Executivo municipal, se baseava principalmente na questão da administração e da fiscalização. As obras eram terceirizadas, tudo era contratado da iniciativa privada. Tivemos nesse período um movimento no sentido contrário do que vimos recente-mente, que era o da estatização de certos serviços como transporte, sanea-mento e energia, que eram privados e se tornaram públicos. Houve vários motivos, mas o saneamento é uma questão interessante de se colocar

Escola Municipal Prof.

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vários grandes momentos em que houve epidemias em Curitiba, no final do século teve uma e mais outra em 1917/1918, que foi a gripe espanhola. Essa epidemia e gripe foram potencializadas porque a empresa de sanea-mento, que era uma empresa paulista e privada, devido a sua dificuldade de manutenção e a medida para cortar custos, colocava o cano da água muito perto do cano de esgoto, com falhas e em alguns lugares formaram-se focos que ajudaram a propagar a gripe espanhola e em função disso o governo do estado resolveu estatizar a companhia de água. Então já tive-mos momentos em que as coisas faziam o movimento contrário, exatamen-te pelos maus serviços prestados para a população, assim foi com o trans-porte e assim também foi com a energia elétrica.

Outro momento que gostaria de ressaltar é a época em que Curitiba contrata o seu primeiro grande plano urbano, que ficou conhecido como Plano Agache, por ter sido feito por um urbanista chamado Alfred Hubert Donat Agache, contratado por uma empresa para fazer o plano urbano. Então, ele estuda a cidade e elabora um plano para ela; essa é uma cidade baseada no que eles chamam de urbanismo funcionalista, ou seja, cada parte da cidade deve ter uma utilidade, uma função, concentrar certas atividades – pensem no modelo de Brasília, era mais ou menos isso. Para Agache, tinha que ter uma zona para o comércio, uma para a administração pública (e foi aí que surgiu o centro cívico), um local que reunisse boa parte dos quartéis da cidade (Bacacheri), a parte referencial e um distrito industri-al, que era o Rebouças na época (está aí a ideia que depois vai ser utilizada na questão da CIC). Claro que é muito próximo daquilo que vai acontecer em 1965, temos aí só zonas residenciais, só zonas industriais, essa “seto-rização” da cidade, isso era mais ou menos em linhas gerais o Plano Agache e fez com que a prefeitura, na época, tivesse que trabalhar com novos instrumentos de gestão como a Planta Aérea da cidade. O prefeito era o Alexandre Beltrão (1943 a 1944), a dificuldade era que não tínhamos nem dinheiro e nem capacidade técnica para dar conta de processo. Algumas das coisas previstas no Plano Agache somente foram sair do papel com o Centro Cívico, que foi feito dez anos depois no governo de Bento Munhoz da Rocha Neto.

O Bento foi muito importante, não só pelas obras que ele fez, mas também porque ele decidiu que o prefeito tinha de ser eleito. Então, teve a eleição e foi eleito o general Ney Amintas de Barros Braga, e ele foi muito importante para a definição da cidade. Ney Braga era líder do Partido Democrata Cristão (PDC). No Paraná duas pessoas tinham a liderança desse partido, era ele aqui no que a gente chama de “Paraná Tradicional” e o José Richa no “Novo Paraná”, que era o norte do estado; duas pessoas que depois vão até disputar entre si, mas têm a mesma origem. Esse PDC, tinha orientação de um padre chamado Louis-Joseph Lebret, que tentava

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criar uma terceira via para a sociedade humana na época, uma terceira via que não fosse nem o capitalismo e nem o comunismo, era uma sociedade diferenciada. Ressalta um dos elementos da via do comunista, que é o pla-nejamento, afirmando que este seria capaz de amenizar os males do mer-cado e construir uma sociedade mais igualitária; nesse pensamento do Lebret, o planejamento era uma coisa importante para definir os rumos do país. Lebret e a Democracia Cristã Brasileira vão criar uma sociedade chamada, o nome é interessante, “Sociedade de Artes Gráficas e Meca-nográficas Aplicada às Ciências Sociais”; saiam pelo Brasil fazendo plane-jamento, e o Ney Braga como prefeito vai tentar fazer isso em Curitiba, é ele quem traz, além dessa sociedade, o Instituto Brasileiro de Administração Pública para fazer a primeira grande reforma administrativa da prefeitura de Curitiba. Quando falo do processo, digo que a teoria geral de administração chega à prefeitura de Curitiba nessa data. E é ele quem vai separar por funções porque antes, se vocês leram o trabalho do meu amigo Hugo de Moura Tavares, inclusive publicado pelo IMAP, está lá com muitas divisões que cabem coisas que hoje não estariam juntas, coisas como cemitério com a produção de carne. É claro, a distribuição era muito mais baseada em quem administrava e não necessariamente nas funções que as pesso-as exerciam. Então, o Ney Braga começa a separar em ordem diferente usando a teoria geral da administração, ele vai criar o departamenoto/ diretoria – isso que a gente conhece no nosso palavreado da prefeitura em geral –, então se cria o Instituto de Administração Municipal (IAM) exata-mente para isso, dividir a administração, cada um vai cuidar do seu quadra-dinho, mas nós temos que treinar os funcionários, temos que qualificá-los e acompanhar o funcionamento administrativo.

Além do IAM, agora IMAP, também se criou a URBS – isso estava no plano e foi constituído também em 1963, ou seja, ela também vai comemo-rar cinquenta anos , mas a URBS não administrava o transporte e sim urba-nização e saneamento, para controlar os loteamentos, porque era uma questão crítica na cidade de Curitiba a ocupação do espaço de terra, desde o Plano Agache.

Uma das intenções do Plano Agache era combater todo o processo de formação de favelas na cidade, na época, o primeiro processo de favela-mento da cidade estava ali perto do que é hoje a Vila Isabel, que não existe mais, e o processo mais antigo de Curitiba é a favela do “Valetão” ali no Parolim que aconteceu na década de 1950; a mais conhecida que nós temos é a favela do José Pinto, que hoje é a Vila Pinto na Avenida das Torres, do final da década de 1960. Essa questão da ocupação de terras em Curitiba sempre foi uma coisa muito grande, tanto que mesmo com o nosso planejamento de 65, no governo de Ivo Arzua Pereira (1962 a 1967), ele fala exatamente que a cidade não pode crescer em direção à serra, em direção ao que chamava de BR-3, que hoje é a Linha Verde, então ele achava que a

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cidade não podia crescer para este lado, tendo em vista os manan-ciais, e a questão da preservação do meio ambiente. E para onde a cidade cresceu? Exatamente para lá, hoje um dos bairros mais populosos.

Além dessa questão, Ney Braga foi quem organizou o sistema de transporte. Essa divisão em áreas que tinha antigamente, onde cada em-presa criava, tinha uma empresa em cada área, é da administração do Ney Braga. Logo, em função dessa administração dele em Curitiba, ele vira governador e sendo assim tem mais influência sobre a nossa cidade.

Por meio da Companhia de Desenvolvimento do Estado do Paraná (CODEPAR) que depois virou Banco de Desenvolvimento do Paraná, que financiou o Plano de 65, a prefeitura foi procurar uma pessoa que foi importante nisso, Karlos Rischibieter, que era o presidente da CODEPAR, ou seja, tal companhia que pertencia ao governo do estado sob comando de Ney Braga. A intenção da procura era conseguir dinheiro para alargar duas avenidas – a Marechal Floriano e a Marechal Deodoro. Então, o Karlos Rischibieter falou: ao invés de fazer o alargamento disso, por que nós não fazemos um plano urbano? Nós entramos com uma parte. Aí é que surge o Plano de 65. A grande diferença entre este e o Plano Agache é que o plano urbano de 65 procura consultar a população. Na época foram feitas consul-tas, houve vários seminários e debates com a população, foi feito um sistema de consulta sobre o impacto desse plano. Além disso, foi pensado num grupo local para acompanhar o plano, um grupo da prefeitura, tal grupo formou o IPPUC em 65, ou seja, há quase 50 anos também.

Na sequência, o que se criou em Curitiba, além das diretorias, foram foi às autarquias. Começam a se criar várias autarquias como a COHAB-CT quando foi construído o primeiro conjunto habitacional do Brasil a Vila Nossa Senhora da Luz, mais como uma ação do governo federal, e depois do IAM-IMAP, URBS, IPPUC, COHAB vai aparecer mais tarde e eu não posso deixar de citar por estar completando 40 anos –, o órgão ao qual eu pertenço, que é a Fundação Cultural de Curitiba. Isso já na implementação do plano, vejam só, nós sofremos desse mal original, porque a Fundação Cultural foi pensada não como ação social, mas como estrutura urbana, ela existiu para animar o eixo.

Em 1991, foram criadas as coordenações funcionais. Mas o que eram as coordenações funcionais? Agrupavam as secretarias e os órgãos da prefeitura conforme sua atuação, então tinha a de ação social, mas a Fundação era estrutura urbana. Porque no início ela existiu para dar essa ligação, havia o eixo da linha do expresso, vias rápidas, as conectoras, e a Fundação era para cuidar menos da população e mais da recreação para bem preservar esses eixos estruturais. Com isso, eu sempre digo que hoje nós sofremos muito porque nós temos de herança várias questões ainda dessa época – sobrou uma casa lá que não sabem para quem entregar,

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entregam para a Fundação Cultural resolver, então isso criou inúmeros problemas durante esses últimos anos. Mas nessa época não tinha partici-pação popular, a última que nós tivemos foi essa consulta popular quando já estava vigorando a ditadura, mas na década de 1970 não tinha a menor condição.

Então acontece a segunda ditadura, ditadura técnica – se lá atrás nós tivemos a dos médicos, agora é a vez dos arquitetos. Com a Ditadura Militar a população não podia se manifestar e se mobilizar, tanto que em Curitiba, no Brasil como um todo, os movimentos como os de moradores e comunitá-rios são os que mais vão crescer nessa época já que partidos não podiam se movimentar, os sindicatos também não, vai começar a surgir o movimen-to social. Esse movimento, que é puxado principalmente pela igreja, come-ça a lutar pela questão social, isso vai implicar a prefeitura abarcar serviço. Falo isso porque eu tenho que registrar aqui o grande trabalho que a Irmã Araújo fez em Curitiba, ela foi uma lutadora na construção das creches na cidade, em função do trabalho dela junto das pastorais é que se organiza-ram as primeiras creches da prefeitura. Hoje existe um órgão, que se chama Centro de Formação Urbana Rural Irmã Araujo, aqueles que são mais próximos do movimento social conhecem muito bem. Então, do trabalho e da orientação do movimento social é que a prefeitura vai construindo mais escolas e as creches, isso se dá principalmente no processo de desfaveli-zação – existia uma grande favela que incomodava – não era Copa na época – , a favela do Capanema (não é a mesma favela do José Pinto, ela era vizinha, ocupava a parte onde é hoje o Jardim Botânico.) Eles tiraram dali e foram para a região sul, num conjunto habitacional chamado Gra-mados, e lá foram criadas as primeiras creches da prefeitura de Curitiba, em função desse processo de desfavelização.

Chegamos à década de 1980 com uma questão social bem grande, os movimentos sociais eram bastante ativos, principalmente esses dos direi-tos, nós tínhamos uma cidade mais estruturada e uma região sul com pouca infraestrutura, é fruto da ocupação da região. Hoje, se vocês olharem o mapa da cidade de Curitiba, olhando para lá da BR-116 e da Linha Verde, vocês vão ver que até os traçados das ruas são diferentes, ou seja, o nosso planejamento se deu pela mediação do movimento social, que foi ocupando essas terras em função dessa tradição. Curitiba tem essa tradição centrífu-ga do centro para a periferia, desde 1905 quando se construíam casas de madeira, que a população mais pobre foi cada vez mais levada para a periferia, e isso não foi uma ação da prefeitura, mas sim uma ação urbana. Aliás, existe um grande trabalho, de uma consultora chamada Raquel Rolnike – ela trabalhou no Ministério das Cidades e agora é consultora –, ela escreveu um livro chamado “A Cidade Alheia” que mostra como a legislação urbana serviu para ajudar a incrementar esse processo de isolamento da população mais carente. Isso existiu com todas as cidades.

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Então, essa legislação urbana, além das questões técnicas, tinha por trás uma ação muito grande da exclusão social.

Dentro desse processo nós ficamos na década de 1980 com uma cidade bastante diferenciada. Quero lembrar também que em 1933 foi cria-da a primeira imobiliária de Curitiba, a Companhia Territorial do Boqueirão – um empresário comprou três fazendas e loteou em 10 mil lotes, assim começou a ocupação no Boqueirão. Sempre falo que em função disso Curitiba foi bastante diferenciada, pelas suas fases de ocupação. Quando eu trabalho com os alunos da Fundação Educativa e da Fundação Cultural, eu gosto de levá-los na Torre que é hoje da Oi, a antiga torre da Telepar. Lá de cima você olha a cidade, no norte uma cidade verde com mais casas, mais baixa, o norte é onde ficavam as colônias dos imigrantes; então, do norte até o noroeste, começa o Santa Cândida (primeira grande colônia criada pela administração pública, pelo Lamenha Lins) até o São Miguel, é visível que são lugares mais baixos e mais verdes, porque as pessoas vieram para fazer parte de uma colônia agrícola, que remete a preservar mais a terra e o verde. Olhando para o sul, você vai ver muito mais prédios, porque a ocupação lá se dá em função de loteamentos, quando tem lotea-mento, se a legislação permitir você ocupa 100%, ainda mais se a ocupação não respeita necessariamente uma legislação. Hoje já está bem misturado, mas mostra como existe uma Curitiba bastante diferenciada.

Ainda na década de 1980 com o processo de democratização, aqui no governo do estado é eleita a oposição com José Richa, que derrota o Ney Braga. Com o José Richa foi nomeado para prefeitura Maurício Fruet, que trouxe outra perspectiva porque ele também tinha contato com movimento social. Esses dois governos, na época o PMDB, Maurício e Requião, são governos mais curtos, vão de 83 ao final de 88 esses dois governos. Eles vão trazer para o centro da questão administrativa da prefeitura a questão social, porque foi o período em que se construiu o maior número de creches, escolas e o maior número de postos de saúde na Cidade – quem é daquela época se lembra, eu estava na Fundação, era inauguração de uma escola por semana nos últimos meses da administração. Então, essa parte do social que foi um passo importante na história da administração municipal, mas que sem dúvida também significou um grande impacto dentro da pró-pria estrutura da prefeitura.

Aí vai ser o momento da segunda grande reforma administrativa, quando se criam as secretarias, que é uma coisa nova que na época não tinha muita atuação a não ser a fiscalização. Por exemplo, a secretaria do Meio Ambiente, nós não tínhamos um órgão que regulasse o meio ambien-te no município, começamos a ter nessa época; na parte que toca à Funda-ção Cultural, se criou um sistema interessante, manteve-se a Fundação porque teria capacidade para trazer novos recursos, mas se criou uma Secretaria Municipal de Cultura; a Secretaria Municipal do Abastecimento, que implantou na época o Mercadão Popular.

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Outro ponto importante que quero denotar é que tínhamos passado pela grande época da tecnocracia na cidade. Os movimentos tinham que se diferenciar, e eram os movimentos sociais que fizeram tanto o Maurício Fruet ser prefeito como aquela famosa eleição de 1985, quando o Requião ganhou do Jaime Lerner por 18 mil votos de diferença, ganhou pelo voto da Zona Eleitoral 145, que na época era a região sul da cidade. Eu me lembro, porque participei desse processo, quando se apurou tudo das outras Zonas Eleitorais a diferença pró-Lerner era de mais de 30 mil votos, mas contando a 145 se inverteu a situação. Falei isso só para ressaltar que a região onde estava o movimento social é que deu a vitória ao Requião na época. Em função disso, eles vão tentar forjar a questão que o nosso planejamento tem de ser diferente, não pode ser da mesma maneira, o pla-nejamento é importante, mas o nosso planejamento é participativo. Em Lages, teve um prefeito chamado Dirceu Carneiro que fez o primeiro orça-mento participati-vo, quer dizer, esse orçamento não foi criado pelo PT, foi criado na década de 1980 num governo do PMDB na cidade de Lages. Monta-se toda uma estrutura de consulta à população e na época vai se elaborar um novo plano diretor na cidade, chamado Plano Municipal de Desenvolvimento Urbano, infelizmente ele não foi levado à frente, depois que passaram essas nego-ciações, ele foi esquecido. Ele trazia a questão da participação popular, tanto que no final do mandato do Requião em 1988 teve um seminário puxa-do pelo IPPUC chamado Planejamento Democrático Participativo do qual participaram várias prefeituras, o movimento social; foi realizado na sede da Sociedade Médica do Paraná.

A questão era tentar o resgate do planejamento com participação, esse Plano Municipal de Desenvolvimento Urbano, ele quebra o Plano de 65 onde ele começa a setorizar a cidade, então, além da participação popu-lar, ele cria uma coisa que hoje são as administrações regionais. Ele diz que é impossível você administrar uma cidade como Curitiba (eu estou falando isso da década de 1980) de uma maneira centralizada, já que os espaços são diferenciados. Então eles começaram a separar a cidade em regiões onde pudesse haver uma administração própria para a população ficar mais próxima da administração pública. Esse processo de desconcentração/ descentralização na época era chamado de freguesias, mas isso foi muito importante porque é um processo que ficou, e hoje a administração regional é uma realidade. A cidade de Curitiba é muito complexa, eu sempre falo que nós temos que trabalhar Curitiba como se fossem praticamente dez cida-des, sempre uso o exemplo da administração regional do Portão porque se ela fosse uma cidade independente, ela teria eleição de dois turnos (lem-brando para vocês que no Paraná isso só acontece em Curitiba, Londrina, Maringá, Ponta Grossa e Cascavel), seria a sexta cidade com esse tipo de eleição. Vocês sabem que para ter esse tipo de eleição são necessários 200 mil eleitores, ou seja, a administração regional do Portão tem mais do que isso. Então, se essas cidades com mais de 200 mil habitantes têm toda uma

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administração específica para cuidar delas, como a gente não vai fazer isso em Curitiba? Fica a indicação aí para a gente dar um mergulho no que foi esse Plano Municipal de Desenvolvimento Urbano e nesse seminário.

Para frente veio a administração do Lerner, e aí tem o impacto na questão da administração, teve a Constituição de 88 que obrigou a uma série de reformas como aqueles que não eram estatutários deveriam a partir dali passar a ser, e também a questão da previdência própria. Nesse momento também é contratada uma empresa e se faz a terceira grande reforma administrativa da história de Curitiba. É quando o IAM torna-se IMAP, deixa de só ter atividade quanto à formação dos funcionários, mas também ganha novas ações para acompanhar a questão da estrutura, e também ganha a questão do planejamento administrativo da prefeitura. Nessa época surgem coisas importantes como a questão da avaliação dos funcionários, eu me lembro que o IMAP fazia muitos debates sobre essa questão da avaliação, esta que eu acho muito interpessoal, teria de ser revisitada nessa questão – eu pelo menos acho que a avaliação muitas vezes é mais social, tem que fazer essa medida do particular, do chefe com funcionário com as questões sociais da cidade.

Nessa reforma também vieram as tais das coordenações funcionais, que eu acho também que elas nunca funcionaram, ficaram só no papel. Eu pelo menos nunca ouvi falar de alguma reunião de uma dessas coordena-ções, eram elas: estrutura urbana, infraestrutura, ação social, gabinete e ação administrativa – o pensamento era criar pelo menos um grande fórum no qual cada órgão desses participasse, para haver essa “intersetorialida-de” e uma política horizontal entre as secretarias. Até se debateu a questão de criar um coordenador para cada uma dessas coordenações funcionais, mas era uma questão que eu acho importante revisitar e a gente debater novamente, porque é importante não ter sombreamento (a Márcia, que fica sofrendo com a questão do desenvolvimento institucional, sabe o quanto de sombreamento temos na prefeitura como um todo) e também a gente amplificar as nossas ações. Então essas coordenações funcionais somente existiram no papel, mas eu acho que é importante uma nova avaliação para que elas fossem criadas de fato e de direito no sentido de promover a integração de ações na administração municipal.

Depois da administração do Lerner veio o Greca e veio a desconcen-tração personificada, a tal da Rua da Cidadania. Não vou entrar em deta-lhes dela aqui, mas pelo menos se criou uma visibilidade – a população vê que a prefeitura está lá, tem o serviço da prefeitura e tal. E aí, eu quero reforçar o papel do nosso aniversariante de 50 anos: o IMAP, um grande trabalho que foi feito de levantar as informações dos serviços prestados pela prefeitura. Em função do Guia de Serviços Públicos, do qual eu tenho orgulho de ter participado, como funcionário do IMAP na época, e fazer

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esse acompanhamento das ações dos órgãos da prefeitura e disponibilizar para todo cidadão coisas básicas como quais serviços a prefeitura presta, onde e em que condições. Até a década de 1990 acho que é isso, hoje está na nossa rede de computadores e todo mundo tem acesso. É claro que acho que hoje nós temos de avançar nisso, estamos ainda muito retraídos nessa questão.

Os profissionais que estão na ponta devem ser os mais qualificados, ganhar mais, pois conhecem mais profundamente a prefeitura, pois são aqueles que vão orientar e realizar os encaminhamentos nessa lina. Houve todo um debate sobre o guia que era uma parte desse sistema, onde foram realizados muitos cursos de capacitação pelo IMAP.

Depois da gestão do Greca, teve a gestão do Taniguchi, e aí sim tive-mos uma força muito grande da ação, que do movimento social chamamos de neoliberais, sobre a administração. Teve um grande debate sobre refor-ma do Estado e foram levantadas várias questões como a questão da rela-ção matricial, tinha 24 projetos coordenados pelo IPPUC e que participa-ram pessoas de várias secretarias, mas que não se levou à frente e um ano depois desapareceu. Aliás, digo que é uma função do IMAP tentar fazer esse balanço, já foram feitas tantas experiências, acho importante fazer um balanço de tudo isso que foi feito, se as coordenações funcionais foram boas e hoje são aplicáveis ou não, porque não foi por falta de tentativa que foram feitas coisas em reforma na estrutura da prefeitura. “Mas não podia deixar passar a questão das organizações sociais que foi trazida no governo do Taniguchi na época, foram entregues serviços públicos a essas Organizações Sociais (OS). Na época eu estava na câmara municipal, me lembro da mobilização que a gente fez para que as OS não alcançassem as escolas e as creches. Num primeiro momento as Organizações Sociais se restringiram à questão do que era o centro de TI do IPPUC e depois chega-ram a outros campos, chegaram, por exemplo, à Fundação Cultural, temos o ICAC, como na FAS tem o Instituto Pró-cidadania e por último temos agora o nosso órgão de assistência e de saúde dos funcionários públicos. Eu acho que esse é um balanço importante para ver os avanços, temos que discutir muito as soluções para a administração.

O IMAP trouxe grandes discussões. Lembro de uma delas quan-do veio o Francisco Whitaker apresentar seu livro sobre planejamento chama-do “Sim ou Não”, sei que o Faria também gosta muito dele, e que foi um momento bem importante. Ou seja, o IMAP é uma instituição nesses 50 anos que é muito importante para a história administrativa da prefeitura. Temos muito a criar porque desde 2002 há uma nova sistemática do gover-no federal de criar políticas de Estado que muitas vezes não passam nem

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pelo governo do estado, vêm direto do governo federal para o município. Vejo no geral que cada vez mais se está dando ênfase para aquele funcio-nário que sabe fazer, administrar e acompanhar um bom projeto; esse bom projeto tem como ganhar verba no governo federal e ser realizado.

Então, todas as nossas políticas sociais estão passando por mecanis-mos que também têm a questão da participação, porque esse novo formato de administração pública tem a questão da participação, é um modelo que saiu do SUS e ganhou ação social, já ganhou o esporte, que está na cultura. Curitiba aderiu ao Sistema Nacional de Cultura. É isso, debater metas, é pensar o futuro, nós não estamos pensando 50 anos, mas ao menos 10 anos, principalmente na questão da cultura, mas assim é pensar em con-junto com todos os setores organizados, promotores da cultura e a popula-ção em geral. Todas as políticas sociais estão vindo disso, temos agora que nos debruçar sobre esse novo caminho da administração pública apontado desde 2002.

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REFERÊNCIAS

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CARNEIRO, David; VARGAS, Túlio. História Biográfica da República do Paraná (1889-1994). Curitiba, 1994.

BARZ, Elton. História da Gestão Pública Municipal em Curitiba. Revista Princípios, 112. Fundação Maurício Grabois: São Paulo, 2008.

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CRITÉRIOS DE JUSTIÇA PARA UMA GESTÃO PÚBLICA DEMOCRÁTICA

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Estado, Planejamento

e Administração Pública no Brasil

Vamos imaginar, a título de introdução, que vocês daqui a uma semana ou quinze dias vão fazer uma viagem com a família para, digamos, Jericoa-coara, em homenagem ao Ceará da Professora Liana. Vocês vão fazer essa viagem e encomendam o planejamento dessa viagem a uma terceira pes-soa, ou seja, terceirizam o planejamento. Como vocês acham que essa viagem se daria? A família não é consultada, vocês não participam da elabo-ração do que é que vocês querem com a viagem e deixam que o planeja-mento vire uma peça técnica que levará vocês daqui até Jericoacoara e estabeleça toda a rotina que irão seguir: que horas levantar? Que horas tomar café? Que horas almoçar? Que lugares visitarão? Porque para esse planejador a realidade é aquilo que ele pensa e ele pensa que você tem que pensar como ele. Portanto, todas suas maneiras de agir a partir dali serão de acordo com o pensamento desse planejador, que foi iluminado por alguma divindade transcendental, a ponto de estabelecer suas rotinas durante esses dias. Vocês voltam provavelmente com muitas fotografias, algumas coisas para comentar, mas durante a permanência que terão nesse lugar vocês vão descobrir que muitas coisas poderiam ser feitas de outra maneira, que gos-tariam de ter ficado em alguns lugares muito mais do que em outros, que não gostariam de ter feito determinadas atividades, que preferiam não ter horário para almoçar ou tomar café para melhor aproveitar o tempo livre. Ocorre que as coisas estavam planejadas de antemão. Pois essa é a realidade da admi-nistração pública brasileira. O planejamento é realizado por um corpo técnico e não tem nenhuma relação e interação adequada com a população que será o alvo do planejamento.

O que se tem é um debate entre o que é um planejamento democrático social e o que é um planejamento técnico. Tenho uma posição diferente daquela do Professor Fábio Scatolin a esse respeito, pois ele defende a concepção de que o planejamento deve levar em conta “o mercado” e eu entendo que o mercado é apenas um segmento do que se chama socieda-de civil. Além disso, não creio que o poder público deva se preocupar com o mercado, porque este, com seus representantes nos governos, nos pode-res Legislativo e Judiciário e em suas associações de classe, está muito bem organizado e tem muita influência nas políticas públicas e de Estado. O que deve preocupar o poder público são aquelas pessoas que não estão organizadas socialmente e que estão marginalizadas e afastadas de qual-quer tipo de participação ativa no planejamento da sua cidade, que não são

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL52

chamadas a participar das discussões e não são convidadas a participar das decisões a não ser por mecanismos absolutamente falsos de participa-ção que estão previstos em lei. Por exemplo, temos um canal de comunica-ção em que qualquer cidadão de Curitiba pode entrar em um site e dizer que na sua rua tem uma árvore que está caindo e que na próxima tempestade que vai acontecer aqui, que está acontecendo quase todos os dias, vai cair em cima da sua casa. O sujeito entra no site e faz a reivindicação. Essa reivindicação é processada tecnicamente e, provavelmente, a prefeitura mandará alguém para resolver esse problema. Dali a alguns dias, alguém do poder público liga para essa pessoa e pergunta se está satisfeita com a solução. O sujeito dirá que sim, que cortaram a árvore, que foi muito bom e agradece pelos préstimos da Prefeitura. A isso chamamos de participação democrática, de gestão democrática. Mas isso não é participação ou ges-tão democrática. É apenas solução de um problema específico inerente à função pública municipal. O que é participação democrática? Participação democrática só se faz coletivamente. É preciso que as questões de cada cidadão sejam debatidas publicamente para que se tenha uma visão de conjunto da sociedade e não um conjunto de visões particulares que não constituem um coletivo, mas apenas um somatório de particularidades. É apenas quando elaboramos coletivamente, em debates abertos, as diferen-tes opiniões, críticas, reivindicações etc., que temos condições de estabele-cer uma posição pública da sociedade civil, o que é diferente de um plano que se caracteriza por ser o somatório de reivindicações particulares, sem força coletiva, sem representação política, fragmentada. Não considero que seja democrático nem participativo ouvir opiniões individuais aqui e ali para montar um sistema com o qual se irão atender a determinadas reivindica-ções. Essas reivindicações particulares são importantes? Claro que sim. Mas a soma das particularidades não faz por si só uma reivindicação cole-tiva. Assim, não se deve acabar com as posições particulares, mas dar a elas um estatuto coletivo, ou seja, as particularidades não podem se impor ao interesse coletivo. Devem sim compor o interesse coletivo, caso contrário não se constituirá em um planejamento participativo democrático. Somar reivindicações particulares não é nem planejamento público e muito menos planejamento participativo democrático.

Por quê? Porque o planejamento deve ser a prática política da razão coletiva de uma comunidade organicamente constituída que concebe e executa fundamentando e legitimando o ordenamento do seu fazer, ou seja, é preciso que a comunidade conceba o que é o seu interesse, quais são as suas questões e participe das decisões e de sua execução. O planejamento não é uma delegação de poder ao Estado ou a organizações não governa-mentais. É uma construção coletiva com definição política clara de atribui-ções e responsabilidades. Delegar a elaboração e a realização dos interes-ses coletivos ao Estado é isolar o poder público da sociedade civil que cons-titui o Estado. Delegar a definição de interesses, o acompanhamento e a

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execução de políticas públicas a ONGs, por exemplo, é optar pela terceiri-zação da ação pública do Estado, dando margem à falsa concepção de que a sociedade civil está organizada.

Vocês devem ter percebido que faço uma separação entre Estado e poder público. Antes de seguir adiante, é preciso esclarecer.

Há uma diferença entre uma política de Estado (LDB, SUS etc.) e uma política pública (PROUNI, Campanha de Vacinação etc.). Uma política de Estado extrapola os períodos de Governo e de suas composições político-partidárias. Então, o conceito de Estado não é o mesmo que o de Governo. Estado é a forma organizada da sociedade civil. Governo é a gestão do Estado. Nós, como sociedade civil, organizamo-nos como Estado, e este Estado tem uma gestão chamada Governo com seus poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Então, é necessário separar o Estado dos seus Go-vernos. O que o Estado faz? Nós somos Estado, constituímos a sociedade civil. Portanto temos o direito de participar ativa e permanentemente da ges-tão do Estado, que é feita pelo Governo. Então, toda vez que nós afastamos a sociedade, toda vez que nós atribuímos a essa sociedade uma forma de participação na qual ela está de fato excluída e em que ela só é incluída por meio de mecanismos muito específicos, fica claro que a sociedade civil não está representada nos Governos do Estado. O processo eleitoral, por si mes-mo, não garante a participação dos cidadãos na gestão do Estado. Basta ver a composição dos membros dos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo: em sua maioria, os representantes da sociedade nesses poderes defendem os interesses da minoria dominante. Não importa a origem de classe desses representantes, mas sua vinculação econômica, política e ideológica.

As recentes teorias de Estado certamente podem ajudar a entender essa complexa relação entre o Estado e as estruturas de governo. Não é propósito aqui discutilas amplamente, bastando indicar que ela se encontra bem elaborada em muitos textos com diferentes pontos de vista. Para os efeitos desta exposição, pode-se definir o Estado, a partir de Poulantzas, (1977), como ao mesmo tempo, fator de coesão da unidade de uma forma-ção social e lugar de condensação das contradições entre os diversos níveis desta formação. O papel do Estado é o de manutenção das condi-ções de produção e, portanto, de existência e funcionamento da unidade social. O Estado não tem, nesta medida, uma função estritamente econômi-ca, estritamente ideológica ou estritamente jurídico-política. É preciso des-cartar desde já a noção da função particular e única do Estado, na medida em que este possui uma função global de coesão. O Estado aparece como intérprete dos interesses da classe dominante e, nesse sentido, é preciso reter a relação entre o Estado e a direção geral dos governos. O Estado

ESTADO, GOVERNO E PLANEJAMENTO PÚBLICO

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL54

exerce sua função global de coesão por meio, igualmente, de seus sistemas jurídicos, políticos e ideológicos. As funções particulares correspondem sempre a interesses políticos das classes dominantes. O Estado comporta, no bojo de sua função global de coesão, vários aparelhos que concentram, no nível de suas ações substantivas, as tarefas particulares de interpreta-ção e realização dos interesses da classe dominante. Esses aparelhos, que em conjunto formam a ossatura do Estado, aparecem como forma de con-centração das ações de interpretação de interesses nos vários níveis em que estes são efetivados. A identificação do Estado como, diretamente, Governo atribui a este um papel de interpretação de interesses segundo uma função particular e única daquele. Nessa óptica, o Estado apareceria ou como instrumento de poder ou como o próprio poder. A interpretação dos interesses da classe dominante resulta em ações que fluem, por meio dos diversos níveis de governo, às inúmeras agências ou repartições (quadro administrativo) espalhadas pelo território sob a jurisdição do Estado. Tais agências e repartições são uma espécie de extensão ou posto avançado dos governos.

Formalmente, o núcleo do aparato estatal compreende distintos gru-pos de instituições e organizações cuja função social aceita é definir e fazer cumprir decisões coletivas dos membros da sociedade em nome do inte-resse comum e da vontade geral. A questão que precisa ser entendida é que se o Estado, ele mesmo, é o lugar privilegiado no qual as decisões coletivas podem ser realizadas, ele é também o lugar onde a bem-sucedida organização do bloco hegemônico do capital pode definir e realizar seus interesses específicos, a despeito dos interesses de outros grupos ou clas-ses sociais. Isso significa que as decisões estratégicas não são submetidas aos membros da sociedade em nome da vontade geral, pois que se trata de decisões estratégicas privadas. Este conceito, como ensina Jessop, indica que o Estado é uma propriedade social apenas aparentemente. O interesse comum é sempre assimétrico, marginalizando e definindo certos interesses ao mesmo tempo em que privilegiam outros. Não é o interesse geral que contem todos os interesses particulares, mas são os interesses particula-res que pretendem expressar os interesses gerais. O propósito do Estado é representar os interesses dominantes e simultaneamente assegurar a coe-são social. Nesse sentido, o Estado reproduz as conexões econômicas e sociais que caracterizam o modo de produção dominante e o faz por meio de ações e projetos que compreendem desde a formulação das normas jurídicas até investimentos na infraestrutura urbana e social, mecanismos de financiamento da iniciativa privada, acordos internacionais, política fi-nanceira e orçamentária, disseminação de compostos ideológicos e polí-tica econômica em seu sentido mais amplo.

O Estado, em relação à sociedade, tendo em vista seu papel de articulação, deve assumir uma face pública legível e legitimada, decorrente das

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formas como se organizam as forças políticas. Nesse sentido, o Estado vem sendo identificado de acordo com esta nova face que assumiu após o que se denominou o fracasso do chamado socialismo real, do liberalismo e do keynesianismo, medido pelas dificuldades desses modelos de Estado em gerar crescimento e desenvolvimento econômico, ou seja, pelo esgotamen-to dos paradigmas. Esta nova face tem sido identificada como de natureza neoliberal, ou seja, um processo que ainda não se definiu precisamente co-mo um modelo, e que retoma a concepção dos liberais acerca da interven-ção do Estado na economia, ampliando, entretanto, seu escopo na medida em que procura extrair da experiência keynesiana, especialmente da socialdemocracia e do Estado de bem-estar social, algumas vantagens econômicas e sociais relevantes. O neoliberalismo é um processo em movi-mento e não uma essência; é antes um adjetivo do que um substantivo, razão pela qual se pode falar em um processo neoliberal.

Nesse sentido, o Estado tem se tornado refém do mercado. Em uma palestra em Curitiba em 2004, Ramalho Neto (2004) afirmou que “uma coisa é a competição regulada pela lei. Outra coisa é a lei regulada pela competição”. Para Ramalho Neto, nas práticas de classe do Estado Con-temporâneo, “a cidadania migra do indivíduo para o consumidor, pois o neoliberalismo não tem relação com os indivíduos, mas com os agentes econômicos”. O neoliberalismo, para Ramalho Neto, “é a dissolução do direito. Quando o Estado transfere suas funções sociais, como a previdên-cia, a saúde, a educação e a infraestrutura ao setor privado, o direito é dissolvido. Assim, o Estado deixa de ser o ente político soberano para trans-ferir esta soberania para o mercado”.

Voltamos, assim, ao tema do mercado que referimos no início, ou seja, o planejamento público direcionado aos interesses do mercado. A questão do mercado fica, por assim dizer, “longe dos olhos e do coração”, “escondi-da na penumbra” da prática do planejamento público todas as vezes que se adota uma forma de participação da sociedade no mesmo. É comum ouvir-mos: “temos nossos representantes na comunidade vamos consultá-los pa-ra a elaboração do planejamento público participativo”. Ocorre que esses representantes em geral pertencem aos partidos de apoio do Governo e vão dar as informações que interessam ao Governo. Não estamos ouvindo a população, mas representantes muito particulares dela. Esquecemos que as críticas são importantes, muitas delas pertinentes, e precisam ser incor-poradas no planejamento público, não interessando de onde elas vieram, pois elas refletem uma realidade. Temos que ter essa condição, essa capa-cidade de ir à sociedade real, concreta, ouvir o que ela tem a dizer, pois ela tem muito a dizer e com muito mais conhecimento e legitimidade que o cor-po técnico do aparelho público.

Outro ponto importante no planejamento público é a questão da inte-gração. O que acontece hoje? Considero que é um delito político-admi-

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nistrativo importantíssimo da gestão do Estado, ou seja, do Governo, a es-trutura e as práticas administrativas e orçamentárias. Vamos exemplificar: no plano da gestão, existem pessoas que consideram o problema da transi-ção de governo como sendo o maior problema da administração. O argu-mento é o de que quando assume um novo prefeito de oposição, durante um ano ou mais sua equipe vai ter que lidar com o orçamento pré-aprovado pela gestão anterior voltado a programas que ela desejava implantar. Portanto, a nova equipe teria que aplicar o orçamento para um plano de governo que não é o mesmo para o qual o orçamento foi aprovado. O primei-ro ano de gestão seria, dessa forma, uma constante tentativa de solução de problemas com os quais nem sempre a nova equipe teria identidade. Mas o problema real é que isso se repete por mais três anos de gestão e a admi-nistração pública acaba sendo “cada órgão resolve o seu problema”. Assim, cada secretaria trata de si mesma, de sua finalidade administrativa, sem integração com as demais. O orçamento e a estrutura administrativa consti-tuem, portanto, um obstáculo à integração dos diversos órgãos de gover-no/gestão. Não é o planejamento que determina o orçamento, mas o orça-mento que determina o planejamento e a administração. Vamos exem-plificar novamente: ao se fazer um planejamento para transporte público, não se pode deixar de considerar que o planejamento do sistema de trans-porte de Curitiba tem tudo a ver com o planejamento do sistema de saúde, que o planejamento do sistema de saúde tem tudo a ver com o planejamen-to da educação e que a educação tem a ver com o transporte e assim suces-sivamente. Ou seja, não se pode pensar numa atividade (no exemplo: trans-porte, educação e saúde) como se fosse um problema de cada secretaria. Mas cada secretaria faz seu planejamento isoladamente, o qual é consoli-dado orçamentariamente na secretaria de planejamento. Trata-se de um problema de gestão da organização chamada Governo. Onde se dá a inte-gração? A estrutura administrativa com seus orçamentos não facilita essa integração, pois cada órgão tem “seus problemas para resolver” e eles são muitos. Falta para a Administração Pública Brasileira em geral, como tam-bém falta para a Administração Pública de Curitiba, uma estrutura orgânica capaz de pensar de forma integrada a cidade nos próximos 50 anos que não esteja vinculada à atual estrutura administrativa e disponibilidade orça-mentária, ou seja, que possa pensar orgânica e integradamente as ações da Prefeitura e do Estado, pensar a sociedade com a sociedade para os próximos anos. O planejamento deve ser proposto a partir de Programas e Projetos e não a partir da estrutura administrativa. É com uma estrutura orgânica que se tem de ir até a comunidade real, convocar essa comunida-de para planejar sua cidade, dando organicidade às falas, aos discursos, à participação e à avaliação permanente das políticas públicas. É preciso tirar da comunidade aquilo que ela de fato sente, percebe, trabalha, elabora, e que não tem chance de manifestar porque não é convocada.

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Além disso, temos um problema grave na sociedade brasileira: somos uma sociedade que não se encontra organizada, uma sociedade civil não organizada. As formas de organização da sociedade civil não respondem às necessidades que nós queremos. Os sindicatos em geral não respon-dem mais às necessidades dos sindicalizados. Os partidos políticos estão perdendo credibilidade e representação, ou seja, a organização partidária não representa adequadamente a sociedade. As associações civis tam-bém não a representam, porque constituem um sistema político de poder dentro da sociedade na defesa de interesses muito específicos. Assim, se temos uma sociedade civil que não está organizada para apresentar as suas reivindicações, como lidar com isso? Para lidar com isso não se pode pensar em um simples e burocrático planejamento participativo, porque se criou uma noção dogmatizada de que o orçamento participativo seria ele mesmo um planejamento democrático: as pessoas apresentariam suas reivindicações, gerando um conjunto de reivindicações, as quais seriam depois selecionadas por um grupo técnico, de onde resultaria o planeja-mento participativo. Vamos nos livrar da hipocrisia: primeiro, a sociedade não está de fato participando; segundo, o grupo técnico vai selecionar aquelas reivindicações que interessam politicamente à gestão (e não as que refletem necessariamente os interesses sociais) no orçamento que estava previamente estabelecido, dando a impressão de que elas foram atendidas. Mas, de fato, o que coube no orçamento e o que interessa ao governo entra no plano orçamentário, o que não coube, não é considerado.

Há um estudo que mostra que em Curitiba, por exemplo, de cada 1.000 reivindicações e sugestões via internet são selecionadas apenas quatro. Assim, se queremos mudar a Administração Pública, se queremos integrar planejamento democrático com administração democrática, se queremos fazer com que o Estado por meio de sua agência Governo de fato se relacione com a sociedade civil que o constitui, é preciso dar voz à socie-dade civil. Esta sociedade precisa ser ouvida, escutada, trabalhada, pois a razão de ser de qualquer gestão é a sociedade que constitui o Estado. Mes-mo que o Estado seja o intérprete dos interesses dominantes, há um espaço político para o avanço das demandas populares. Se a sociedade civil está fora da elaboração do planejamento público, resta apenas um gru-po de técnicos tentando fazer para esta sociedade aquilo que eles “acham que é melhor e com a melhor das intenções”. Sabemos que de boas inten-ções está cheio o inferno. O que acontece com o grupo técnico? Existem interesses políticos em jogo. Quando uma prefeitura faz o Plano Diretor da cidade, por exemplo, prevalece a demanda da comunidade em geral ou os interesses dos empresários para explorar determinadas zonas da cidade, nas quais irão construir grandes prédios, condomínios, shoppings? Qual-quer semelhança com Curitiba não é mera coincidência. Isso aqui aconte-ceu na região do Batel, Champagnat, Juvevê, Cabral, Água Verde etc. A

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL58

sociedade de fato foi ouvida para definir o plano de ocupação espacial de Curitiba ou isso foi decidido em um escritório?

Há um caso real que merece ser contado sobre este tema. Pessoas que não tinham onde morar ocuparam ao longo de alguns anos determina-do espaço público/privado na periferia da cidade. Com o tempo, essas pessoas se organizaram em uma pequena comunidade local e reivindica-ram do poder público condições mínimas de saneamento, iluminação, rua/ calçada, valetas, transporte, escola, posto de saúde etc. Em uma audiên-cia, representantes do poder público disseram que esta comunidade estava ocupando ilegalmente a região, que aquela era uma “comunidade ilegal” ou “sem existência legal”. Um dos representantes afirmou: “as reivindicações não podem ser atendidas porque na verdade vocês não existem”. Então, um dos moradores perguntou: “se nós não existimos como vocês estão falando conosco?”. A negação do fato não suprime o fato. Essas pessoas existem, e se isso acontece é porque há algum problema sobre o qual o poder público se omite ou não dá a devida atenção. Este caso mostra que uma das críticas que se deve fazer ao Estado e aos seus governos é esta separação perver-sa da gestão pública com a sociedade que a constitui. E quando digo que a separação é perversa, estou dizendo que todos que são “funcionários públicos”, são também uma das partes dessa sociedade civil que não é ouvida no planejamento da sua cidade e nem do seu lugar. Então, se que-remos um desafio, se queremos mudar alguma coisa, temos que mudar a postura, a atitude política, porque essas são burocráticas, na tradição por-tuguesa e francesa da burocracia que se instala nas organizações públicas, que dá muito mais voz aos problemas técnicos do que às questões políti-cas, que dá muito mais importância à forma estética de apresentar os seus planos do que de fato aos conflitos e às contradições que raramente são enfrentadas e resolvidas.

Pois bem, uma vez que temos claro que toda a administração pública não pode ser pensada sem planejamento, não há como fazer essa separa-ção entre administração e planejamento. Aquilo que a professora Liana Carleial disse agora: “deixamos o planejamento e voltamos para a adminis-tração”. Esse é um problema muito sério. Digo isso há muito tempo, com base na minha experiência como Pró-Reitor de Planejamento, Orçamento e Finanças (entre 1990 e 1994) e como Reitor (entre 1994 e 1998) da Univer-sidade Federal do Paraná: nós nos voltamos para a execução e nos esque-cemos de pensar. Só que fazer o planejamento não significa apenas pensar os próximos 50 anos, significa pensar com quem vamos pensar nos pró-ximos 50 anos. Assim como o professor Fábio Scatolin, eu já estou com 63 anos e em algum momento dos próximos 50 anos não vou estar presente na execução deste planejamento. Tenho certeza de que tenho muito mais passado do que futuro. Portanto, se vamos pensar no futuro, muitos de nós não estaremos nele, mas isso não nos tira o direito de participar dele. Pen-sar nos próximos 50 anos não significa pensar hoje para daqui a 50 anos e

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ficar vendo os anos se passarem. Significa pensar hoje para daqui a 50 anos, no ano que vem, no seguinte ano e assim sucessivamente para os próximos 50 anos, porque o planejamento não é uma carta rígida, e sim um plano de intenção com uma dinâmica que é dada pela sociedade. As coisas, a realidade, as condições, tudo muda com o tempo histórico. Essa é, então, regra básica: é o planejamento que deve ser a base da administração e não o orçamento.

De fato, é o planejamento que tem que determinar o orçamento, de modo a não ficarmos prisioneiros do orçamento. Uma vez pensado o plane-jamento como atividade inerente da Administração Pública, este tem que ser elaborado do ponto de vista da integração entre aquilo que é próprio do Estado e dos seus diversos níveis de governo e aquilo que é inerente à sociedade que o constitui. Portanto, é preciso “sair da casa pública”, das repartições, e ouvir a sociedade, conversar com ela, tentar trazer aquilo que é vivo na sociedade para o plano. Não é difícil. É trabalhoso, mas não é difícil. É preciso ter coragem para fazer isso e muitas vezes os administrado-res públicos se acomodam e “ficam no gabinete planejando o futuro do mundo”. Só que o mundo não tem como saber que o planejador está fazen-do isso e tampouco saber que a sociedade é um objeto de planejamento, pois está alijado politicamente deste processo. Então, quais são os motivos alegados pelos quais não se trabalha no planejamento juntamente com a sociedade? Políticos, administrativos, de conduta individual, ideológicos, jurídicos. culturais. Enfim, são muitos os motivos alegados. Se não os su-peramos é porque não estamos sabendo estabelecer esta relação entre as necessidades sociais e a gestão pública.

Uma vez que isso está posto, a questão seguinte é: o que é que deve orientar a Administração Pública e o planejamento público democrático? Vou sugerir que toda a Administração Pública democrática deve considerar a justiça social como seu dever inalienável. A função pública é estabelecer a justiça social para a sociedade. Esta é a sua tarefa. Como é que vamos estabelecer esta justiça? Vou sugerir quatro critérios que devem orientar todas as ações políticas, todo planejamento democrático e toda administra-ção pública.

A gestão social democrática deve guiar-se por três critérios de justiça:

CRITÉRIOS DE JUSTIÇA NA GESTÃO PÚBLICA DEMOCRÁTICA

Ÿ Redistribuição igualitária da riqueza material, a qual corresponde à dimensão econômica;

Ÿ Reconhecimento social, a qual corresponde à dimensão cultural;Ÿ Representação paritária nas esferas de decisão, a qual

corresponde à dimensão jurídico-política;

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL60

Na sequência, vou expor cada um deles e depois discuti-los.

O ponto de partida para o aprofundamento da reflexão sobre a dimen-são econômica é reconhecer a relação que se estabelece entre as organiza-ções e o modo de produção. Seja qual for a natureza social específica da organização, deve-se reconhecer que ela se constitui no interior de um determinado modo de produção – e não a par dele –, seja com a finalidade de reprodução deste sistema, seja como mecanismo de resistência a ele. Nesse sentido, a análise deve partir da compreensão dos elementos fun-damentais do modo de produção capitalista, do sócio – metabolismo do capital, segundo Mészáros (2002), para estabelecer categorias gerais sobre o nível econômico.

Tendo em vista a tendência do sistema de capital à concentração da riqueza e dada sua lógica de exploração daqueles que diretamente a produ-zem, a análise da distribuição igualitária da riqueza material coletivamente produzida não deve simplesmente tratar da repartição da renda e tampouco ocupar-se da valorização da utopia (neo)liberal de que é possível estabele-cer uma partilha justa da riqueza sob este modo de produção. Esta catego-ria deve considerar não apenas as formas como a renda social são redistri-buídas, mas igualmente as formas de propriedade, as relações de troca das mercadorias (produtos e serviços), a organização, os processos e as rela-ções de trabalho e o acesso aos bens de infraestrutura social urbana e rural (educação, saúde, saneamento, segurança, moradia, entre outros). A análi-se desta categoria não deve pressupor, igualmente, um pleito a favor de um modo pós-capitalista de produção, ou seja, de um socialismo democrático ou uma autogestão social, ainda que esta seja a condição histórica de tal projeto. Trata-se de analisar, aqui, a ocorrência ou não de uma justiça distri-butiva tanto nas condições de reprodução e de acumulação capitalista como nas das forças coletivas organizadas de resistência ou de enfrenta-mento dos processos de exclusão social pelo sistema de capital. As possibi-lidades concretas, nesse sentido, encontram-se no desenvolvimento, mes-mo que primário, das formas de transição.

De acordo com Nancy Fraser (2008), a categoria da redistribuição en-volve a redistribuição dos rendimentos, a reorganização da divisão do traba-lho, subordinação dos investimentos a um processo democrático de tomada de decisão e transformação das estruturas básicas da economia. Tais ques-tões, naturalmente, não se referem à construção de um imaginário socialis-ta, mas a um projeto de transformação que permita acentuar as contradi-ções do sistema de capital. Isso poderia envolver a revalorização ascenden-te de identidades desrespeitadas e os produtos culturais de grupos excluí-dos. Também poderia envolver reconhecimento e valorização positiva da

A Redistribuição Igualitária da Riqueza Material Coletivamente Produzida: A Dimensão Econômica da Análise

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diversidade cultural. Mais radicalmente ainda, poderia envolver a total comu-nicação, de forma que se alteraria a percepção coletiva que todos têm de si mesmos. Assim, toda medida que repara uma perda redistributiva ou que restabelece uma relação econômica pressupõe uma concepção subjacente de reconhecimento social. É nesse sentido que as reivindicações pela redis-tribuição muitas vezes reclamam a abolição de arranjos econômicos que sustentam a especificidade de determinados grupos sociais, como é o caso, por exemplo, da demanda, por grupos feministas, pela abolição da “divisão sexual” do trabalho ou da organização do trabalho baseada em gênero.

Assim, temos que pensar que toda ação pública tem de partir do princí-pio da redistribuição igualitária da riqueza material coletivamente produzida. Ou seja, temos que pensar na ação de política pública a partir daquilo que é produzido coletivamente, da riqueza que é produzida na sociedade. Temos que partir do princípio de que tem que haver um processo de redistribuição desta riqueza e não de concentração. Curitiba é um berço das concentra-ções. Nós estamos pensando em qualquer atividade que de fato redistribua a riqueza que as pessoas produzem ou nós estamos reforçando a concentra-ção da riqueza na mão daqueles que já são ricos? Então, se a Administração não consegue pensar que as suas ações têm que partir do princípio de que aquilo que é produzido materialmente, e que para a Prefeitura aparece na forma de arrecadação tributária, tem que voltar para a sociedade na forma de redistribuição da riqueza produzida, que tipo de justiça social seria esta? Construir calçadas belíssimas no Batel não é uma política de redistribuição da renda. Ao contrário, é uma política de alocar recurso retirado da popula-ção que não tem sequer calçada nem esgoto, para alocar em um lugar que já está atendido. Então, nesse tipo de planejamento, ouvimos um empresário do Batel (quando as notícias começaram a aparecer na televisão) dizendo o seguinte: “essa calçada aqui vai embelezar Curitiba. Toda a cidade merece esse tipo de calçada”. É uma hipocrisia, mas enfim foi assim que ele se mani-festou. Entendo que isso possa ser importante para a cidade, mas o que devemos considerar é que isso não é possível para toda a cidade. Temos lugares que nem ruas existem e o sujeito está pensando em fazer calçada de granito em toda a cidade! Estamos agora com o problema da Copa; muito bem, qual é o planejamento para a Copa de 2014. Tudo o que está sendo feito aqui beneficia quem? A população que está pagando imposto? Se estiver-mos tratando de poder local, então temos que pensar no poder local. O poder local precisa pensar que em qualquer atitude administrativa de planejamen-to é preciso ter como critério a distribuição da renda que é arrecadada pelo Estado por meio dos impostos. Então, a função do imposto é social é retornar à sociedade aquilo que a Prefeitura arrecada. Claro que existem as despesas da máquina pública, mas há uma parte desse recurso que não deve ser apli-cada no reforço à riqueza e sim, na erradicação da desigualdade social.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL62

O Reconhecimento Social: A Dimensão Sociocultural da Análise

Nancy Fraser (2008) sugere que o tema do reconhecimento social resgatado na discussão contemporânea devido à emergência dos movi-mentos sociais que ultrapassam a tradicional divisão de classes contem-plando questões como gênero, preconceito, desemprego, direitos sociais urbanos, educação, saúde pública, segurança, moradia, infraestrutura urba-na e rural, sustentabilidade ambiental, entre muitos outros. A centralidade das lutas sociais desloca-se do conflito de classes conduzido historicamen-te pelos movimentos de trabalhadores estabelecendo uma nova agenda de enfrentamentos. Isto não implica o desaparecimento das classes sociais e dos conflitos fundamentais que possuem existência real no modo de pro-dução capitalista, mas indica que as lutas alcançam outras dimensões que necessitam ser compreendidas em uma perspectiva crítica. Isso não signi-fica propor um esquema normativo, programático e totalizador abrigado nas denominações de “desconstrução”, “reformismo”, “pós-modernismo” ou “teoria da complexidade”. Não se trata, igualmente, da proposição de um novo projeto para o socialismo, mas de conceber alternativas para o atual estágio da sociedade que possam oferecer uma base de discussão para uma política progressiva de superação do sistema de capital.

A luta pelo reconhecimento social, segundo Fraser (2008), tornou-se rapidamente a forma paradigmática do conflito político do Século XX. As demandas pelo reconhecimento das diferenças fazem com que as lutas dos grupos sociais se mobilizem sob diversas bandeiras. Nesses conflitos a identidade de grupos sociais suplanta os interesses de classe como o prin-cipal meio de mobilização política. A dominação cultural suplanta a explora-ção como a injustiça fundamental e o reconhecimento cultural toma o lugar da redistribuição socioeconômica como medida de injustiça e objetivo de luta política. A luta pelo reconhecimento, no entanto, ocorre em um mundo de exacerbada desigualdade material o que significa que o desafio de desenvol-ver uma análise crítica da sociedade requer o entendimento de que a justiça deve contemplar a articulação entre redistribuição econômica, reconheci-mento social e representação política. Uma política de reconhecimento que falhe no que diz respeito aos direitos humanos, por exemplo, é inaceitável mesmo que ela promova uma igualdade social.

Portanto, a primeira questão referente ao reconhecimento social é: do ponto de vista das políticas públicas, reconhecemos a sociedade como instituinte do poder público? Ou seja, as pessoas são socialmente reconhe-cidas por aquilo que elas são? Por aquilo que elas representam? Onde elas estão, onde trabalham e o que fazem? Voltemos ao exemplo: “mas vocês não existem!” “Se nós não existimos como é que nós estamos conversan-do?”. Nós reconhecemos as pessoas em sua diversidade? Nós reconhece-

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mos a existência, o direito de existência dessas pessoas e o direito de exis-tência de uma vida digna? Talvez para nós em Curitiba essas diferenças pareçam não ser tão acentuadas como em outros lugares do Brasil, mas elas existem e são graves. Argumenta-se que no Nordeste brasileiro é muito gritante a diferença entre quem mora na praia e quem mora a partir da terceira quadra da praia e que em Curitiba tal diferença não existe. Mas isso não significa que Curitiba é uma maravilhosa referência: temos muitos problemas sociais graves. Estamos reconhecendo as pessoas e seus problemas como pessoas de direito ou achamos que essas pessoas são apenas “clientes” da Prefeitura com responsabilidades de pagamento de impostos? Ou seja, quando fazemos a nossa política fiscal de arrecadação estamos considerando essas pessoas como pessoas de direito ou são pessoas que pagam impostos? Qual é o reconhecimento que temos com relação a estas pessoas? Se temos qualquer tipo de projeto em que não reconheça a sociedade em suas diversas formas de manifestação e organi-zação como legítimas formas de vida em sociedade, não estamos tendo nenhum critério de justiça na ação de administração. Então, esse critério de justiça indica que é necessário reconhecer a sociedade em todas as suas formas de organização coletiva ou mesmo nas condições em que ela não consegue se organizar politicamente.

Tal representação necessita valorizar a participação coletiva dos membros dos grupos ou classes sociais no processo decisório, enfatizando a partilha das responsabilidades em todas as instâncias ou fases do pro-cesso. A representação paritária tem como pressuposto básico o estabele-cimento de relações de igualdade na medida em que rompe o processo de alienação, expande e estimula a difusão do conhecimento, além de destruir a estrutura social verticalmente hierarquizada, de forma que todos se tor-nem conscientes de sua responsabilidade para com o sucesso ou insu-cesso da ação.

A supressão da estrutura hierárquica preconiza o desenvolvimento de habilidades criativas nos sujeitos, além de habilitá-los a tomar suas próprias decisões eliminando estruturas piramidais impostas. Tal objetivo não impli-ca a instalação do caos, como argumentam os adeptos de necessidade de uma organização social burocrática para a viabilização da vida em socieda-de. Pelo contrário, diz respeito muito mais a uma rede de relações baseada no desejo de cada sujeito individual ou coletivo fazer da organização um produto da discussão, das decisões e do controle do conjunto de seus membros. Supressão da hierarquia, colaboração/cooperação entre setores de produção econômica e social, participação direta e efetiva, democratiza-ção das decisões, defesa de interesses sociais comuns e compartilhados,

A Representação Paritária: A Dimensão Jurídico-Política da Análise

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colaboração no planejamento e na execução dos projetos sociais, partilha das responsabilidades em todas as instâncias, preservação e valorização do trabalho coletivo, todas estas questões, entre outras, caracterizam a re-presentação paritária dos sujeitos nas esferas de decisão.

A participação paritária dos sujeitos nas decisões coletivas deve considerar o grau de controle que os sujeitos possuem sobre quaisquer decisões em particular, as questões sobre as quais estas decisões são tomadas e o nível político no qual as questões objetos de tais decisões são definidas. Nesse sentido, o acesso e o domínio das informações relevantes para que o processo de decisão paritária possa se efetivar contituem condição elementar para que a participação seja qualificada. A participação paritária não deve desconsiderar a garantia de que uma democracia repre-sentativa, com dispositivos permanentes de controle, pode ser fundamen-tal para a existência de uma autoadministração ou autogestão social, ou seja, de que a democracia participativa constitua um recurso para a intro-dução da democracia direta onde ela for viável, o que quer dizer na base de todo o processo. Pode-se, dessa forma, desenvolver um sistema represen-tativo de novo tipo, caracterizado pelo controle permanente dos represen-tantes por parte dos representados e pela não separação entre o lugar da legislação (lugar normativo), o lugar coletivo e público da execução (lugar administrativo-operativo, composto por agências, aparelhos, departamen-tos, repartições, unidades funcionais, organizações produtivas e sociais etc.) e o lugar do julgamento dos conflitos (lugar judicial), criando um regime de assembleia.

A superação do estranhamento (alienação) é fundamental para a con-quista de uma democracia participativa paritária que, embora não supere a representação, possa atuar com a finalidade de transformar os lugares administrativo-operativos, normativos e judiciais em instâncias efetivamen-te públicas e sociais, evitando que assuntos coletivos se convertam em corpos estranhos à sociedade e que estes corpos estranhos sejam os de-terminantes da vida em sociedade. O significado mais geral de justiça, como ensina Fraser (2008) é a paridade de participação e requer acordos sociais que permitam a todos participar como pares na vida social. Superar a injustiça significa desmantelar os obstáculos institucionalizados que impedem a alguns participar em igualdade com outros, como sócios com pleno direito na interação social. As pessoas podem ver-se impedidas de participar plenamente devido a estruturas econômicas e sociais que lhes neguem os recursos necessários para interagir em condições de igualdade. As pessoas também podem ver-se impedidas de interagir em condições de paridade por hierarquias institucionalizadas, de valor cultural, que lhes negam a posição adequada.

A dimensão política está centrada em questões de pertença e de pro-cedimento, o que remete a discussão para o problema da representação e,

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portanto, das regras de decisão e das condutas que estruturam os pro-cessos públicos de confrontação. Se a paridade participativa nas decisões constitui-se em uma justiça política, esta se defronta com obstáculos que se encontram na constituição da sociedade. Nesse sentido é que socióloga Nancy Fraser (2008) distingue dois níveis de representação falida ou de injustiça política. A primeira injustiça política Fraser chama de “representa-ção falida político-ordinária”, que indica que as regras de decisão política negam injustamente a indivíduos que pertencem a uma comunidade a oportunidade de participar plenamente do processo sem distinção. A segun-da injustiça política Fraser chama de “desdemarcação” “desmoldagem” ou “desenquadramento”, que diz respeito ao aspecto político de delimitação (demarcação) de fronteiras. A injustiça ocorre quando as fronteiras se tra-çam de maneira que os sujeitos são injustamente excluídos em absoluto das possibilidades de participar nos confrontos de justiça que lhes competem. Trata-se da injusta delimitação da demarcação da referência política, do panorama social e politicamente criado.

A delimitação da demarcação, ao contrário de ter uma importância mar-ginal, é uma das decisões políticas que tem muitas consequências, pois pode excluir aqueles não pertencem à comunidade ou grupo social do universo dos que têm direito de ser considerados integrantes destes coletivos, ou seja, a delimitação da demarcação define os politicamente incluídos e excluídos. Fraser (2008) chama a atenção para o fato de que uma política de repre-sentação deve ir além da tomada de posição contra as duas formas de injustiça: deve também aspirar “democratizar o processo de estabelecimento da demarcação”, da “fixação de fronteiras”. Uma política de representação para se considerar paritária deve definir quem são os sujeitos da justiça e qual a demarcação apropriada para manifestar explicitamente a divisão oficial do espaço político de forma a impedir que os desfavorecidos sejam obstruídos no enfrentamento das forças que os oprimem em suas reivindicações.

Por fim, Fraser (2008) indica que existem três princípios disponíveis para a avaliação das demarcações políticas, no que se refere a quem deve ser incluído na representação paritária:

Ÿ Princípio da condição de membro: propõe resolver as discussões sobre quem apelando para critérios de pertencimento político (ci-dadania, nacionalidade compartida, projetos comuns). Ao definir a delimitação da demarcação com base no pertencimento político, este princípio tem a vantagem de fundar-se em uma realidade insti-tucional, a qual é também sua debilidade, pois facilita a ratificação da xenofobia excludente dos privilegiados e poderosos;

Ÿ Princípio do humanismo: propõe resolver disputas relativas a quem apelando a critérios que remetem ao ser humano, como sujeitos que possuem em comum as características distintivas da humani-dade (autonomia, racionalidade, linguagem, capacidade de apren-

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL66

der, sensibilidade, condições de distinção da boa e má moral). Ao delimitar a fixação das demarcações a partir do conceito de ser humano, este princípio é um freio crítico aos nacionalismos exclu-dentes, mas sua elevada abstração é também uma debilidade, pois desconsidera as relações sociais e históricas e concede de forma indiscriminada posição social a todos a respeito de tudo;

Ÿ Princípio de todos os afetados: propõe resolver as disputas sobre quem apelando às relações sociais de interdependência, de forma que os sujeitos se submetam à justiça devido às coimbricações em uma rede de relações causais. Este princípio tem o mérito de elaborar uma verificação crítica sobre a qualidade dos membros das coletividades tendo em vista as relações sociais. Ao conceber as relações de modo objetivo em termos de causalidade, entrega a definição de quem à ciência social dominante. Além disso, este princípio é vítima do “efeito borboleta” em que tudo e todos são afetados por tudo e por todos, tornando-se incapaz de identificar as relações sociais moralmente relevantes.

Para superar os problemas desses três princípios, Fraser (2008) pro-põe o que chama de princípio de todos os sujeitos. De acordo com este princípio, todos aqueles que estão sujeitos a uma determinada estrutura de governança [gestão] estão em posição moral de serem sujeitos de justiça com relação a tal estrutura. Nessa perspectiva, o que converte o conjunto de concidadãos em sujeitos de justiça não é a cidadania compartilhada, como tampouco a posse comum de uma personalidade abstrata, nem o próprio fato da interdependência causal, mas sim a sua sujeição conjunta a uma estrutura de governança, que estabelece as regras básicas que regem a sua interação. Para qualquer estrutura de governança desse tipo, o "princípio de todas as disciplinas" corresponde ao alcance do âmbito moral com o da sujeição a esta estrutura. O princípio proposto por Fraser oferece uma norma crítica para julgar as (in)justiças das demarcações. Dessa maneira, uma questão está justamente demarcada se e somente se todos e cada um dos submetidos à(s) estrutura(s) de governança que regula(m) as áreas relevantes de interação social recebem igual consideração. Não é necessário que os sujeitos sejam membros formalmente credenciados da referida estrutura, mas que estejam sujeitos a ela. Dada a complexidade da organização social contemporânea, é necessário distinguir os muitos quem (sujeitos) de acordo com distintas finalidades e objetivos, indicando quando e onde aplicar uma demarcação ou outra e, portanto, quem tem direito de participar paritariamente com quem em determinadas situações, ocasiões ou em determinados casos.

Este terceiro ponto talvez seja o mais desafiador, pois diz respeito direta ou indiretamente aos interesses de Curitiba. Como é que vamos organizar a participação paritária das pessoas nas decisões públicas? A

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Câmara de Vereadores tem uma condição restrita de representação da sociedade. Se não estamos sendo representados plenamente pelo órgão legítimo de representação, devemos, sem desrespeitar o Poder Legislativo, organizar formas efetivas de participação popular nas decisões que digam respeito à população. Então, se vamos ter uma política de transporte cole-tivo, é preciso organizar um debate sobre o transporte coletivo com quem usa o transporte coletivo e não com os donos de empresas de ônibus. Eles são prestadores de serviço e nós os tomadores de serviço. Somos nós que temos que dizer como devem ser os serviços que eles têm de executar. Mas se eles são os agentes que definem e nós somos apenas os usuários que vão fortalecer esse sistema, é claro que não estamos levando em conta o interesse popular. Vou ilustrar com um exemplo concreto. Se atravessarmos a Praça Rui Barbosa em um dia de chuva, chegaremos à conclusão que é impossível ver sequer as poças d'água porque o petit pavê é branco, a calçada é toda irregular, tem buracos e as pessoas vão pisando neles ou pulando de um lado para outro, fatalmente caindo em uma poça daquela. Quantas pessoas foram ouvidas sobre essa situação? Não é possível que a engenharia contratada pela Prefeitura consiga fazer uma praça de forma adequada? Vamos a outro exemplo: na frente do Mercado Municipal a cal-çada que é toda irregular e cheia de buracos. Pessoas com deficiência não conseguem se deslocar de forma segura. Esses dois simples exemplos indicam que as pessoas vivem na cidade, mas não participam sequer da-quilo que lhes diz respeito. Se não ouvirmos o que as pessoas têm a dizer, se não permitirmos que as pessoas nos critiquem, como é que vamos saber como estamos fazendo a gestão?

Portanto, se temos esses critérios podemos partir das seguintes ques-tões: primeiro, para o reconhecimento social precisaremos de uma objetiva-ção normativa, ou seja, é preciso que os direitos e deveres sejam expressos com aparato jurídico. É preciso ter garantida a participação, de fato. É preciso uma inserção nos espaços coletivos do poder que trata do posto de saúde, do sistema de transporte, da educação, enfim, é preciso reconhecer a participação popular para definir o projeto social, para definir qual é o projeto de cidade que temos para daqui a 50 anos. Na fala do Professor Fábio, ficou dito que estamos pensando para daqui a 50 anos. Então, volto a insistir: com quem nós estamos pensando a cidade para daqui a 50 anos? Nós estamos pensando conosco mesmos, no interior da máquina adminis-trativa? Achamos que porque tivemos votos na urna representamos o inte-resse das pessoas ou temos que reconhecer que uma coisa é a eleição e outra coisa é a cidade com as suas divergências e interesses? A eleição reflete uma posição com relação à proposta, mas ela não reflete 50 anos de cidade. É o momento, então, de ouvir a população. Ouvir a população não é

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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nenhum veneno político, ao contrário, é uma grande virtude de um projeto democrático e isso significa ouvir a cidade. A cidade tem direito de fazer críticas e a Prefeitura o dever de ouvir essas críticas e apresentar seus argumentos. A Administração Pública ou todos os que estão aqui na admi-nistração pública sabem, todos os funcionários da prefeitura sabem qual é o projeto de cidade para os próximos 50 anos? A cidade sabe? Se nós quere-mos fazer isso, é preciso começar a discutir com a população.

Redistribuição igualitária de riqueza são impostos e taxas, acesso gratuito aos bens públicos, a infraestrutura urbana e social, qualidade dos bens e serviços públicos colocados para a população, acesso aos resulta-dos da produção social, tudo aquilo que fazemos e que tem de ser acessível a todos. A representação política é o acesso às esferas públicas de decisão, são as práticas políticas coletivas que temos que incentivar. Como é possí-vel pensar na estrutura da Prefeitura como uma estrutura orgânica de pensamento, como é o caso do IMAP, por exemplo, de pensamento político, se não pensamos a Prefeitura numa totalidade e sim como um conjunto de Secretarias? Romper com essa estrutura burocrática pelo menos criando um canal que não seja burocrático significa assumir que não é tão difícil debater com a população os problemas da estrutura do sistema do trans-porte coletivo, o atendimento básico à saúde pública, a infraestrutura urba-na, a educação, a segurança. Ou será que temos que nos submeter aos interesses dos empresários e das empresas? Será que podemos fazer debates populares junto às comunidades ou temos que nos submeter aos interesses das empresas de comunicação e informática? Vamos considerar o exemplo da Linha Verde, que deveria ser chamada de Avenida Nelson Rodrigues, em homenagem à peça que ele escreveu: “Bonitinha, mas ordi-nária”. Será que se tivesse sido escutada a população teríamos feito aquela segmentação da cidade? A Linha Verde seria para escoar o trânsito, mas quem a usa sabe que ela não escoa nada, que a cada tanto há um sinaleiro, que a cidade ficou dividida etc. Trata-se de um projeto foi mal concebido ou mal executado. Se a população tivesse sido escutada não estaríamos discutindo também as calçadas do Batel. Esses são apenas alguns exem-plos simples do que deveria ser uma administração pública democrática e do que ela nunca foi.

Sou um realista e se não fosse assim nem estaria aqui. Meu realismo é um otimismo da dialética. Lembrando Bertolt Brecht: “O que é, exatamente por ser o que é, não vai ficar tal como está”.

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REFERÊNCIAS

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FRASER, Nancy. Escalas de Justicia. Barcelona: Herder Editorial, 2008.

JESSOP, Bob. State theory: putting the capitalist state in its place. 2nd ed. Cambridge: Polity Press, 1996.

MÉSZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002.

POULANTZAS, N. Poder político e classes sociais. São Paulo: Martins Fontes, 1977.

RAMALHO NETO, Agostinho Marques. Estado e pobreza: entre o social e 0o assistencial. I Congresso Brasileiro de Direito Político. Painel n. 10.

Curitiba: IBDP, 2004.

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Estado, Planejamento

e Administração Pública no Brasil

Dificilmente haverá posição contrária à participação cidadã na admi-nistração pública, ou a necessidade de a população avaliar as políticas públicas e o impacto delas em termos de eficiência, eficácia e efetividade. Mas, talvez, um dos maiores desafios é como, efetivamente, fazer isso.

Quais os participantes e interesses nessas arenas de poder e conflito que são o Estado e a Administração Pública? Para Milena Serafim e Rafael Dias (2011), o “Estado” é um ambiente de sistemática e intensa disputa política. Schwartizman (2007) afirma que o Estado brasileiro é patrimonial ou neopatrimonial, tecnocrático, irracional, centralizador e autoritário. Cria estruturas de participação política débeis, sem consistência interna e capa-cidade organizacional própria. Essa afirmação forte, e ainda atual, dá a di-mensão da dificuldade da efetiva participação popular ou do controle social na concepção e avaliação das políticas públicas. Patrimonialismo é um conceito-chave para a abordagem do tema. Brevemente é a confusão e a apropriação do público por interesses privados, utilizando o “Estado” para finalidades particulares (WEBER, 1999; FAORO, 2001).

O presente artigo procurará apresentar elementos como Estado e federação brasileiros, administração pública direta e indireta e os possíveis caminhos para uma gestão pública mais democrática e participativa.

O termo “Estado” aqui utilizado é, no sentido amplo, uma federação, no caso brasileiro, envolvendo a União, estados federados, distrito federal e municípios, todos com autonomia (BRASIL, 1988). Observa-se, cada vez mais, uma descentralização de competências da União e dos estados para os entes municipais, em áreas como saúde, educação, assistência social, entre outros. Regra geral, a descentralização é vista positivamente. O ges-tor local tende a conhecer melhor os problemas da população de seu território. Entretanto, em alguns casos, há polêmica doutrinária. Uma delas é a descentralização na área de segurança pública e o eventual papel de-

ESTADO

¹ Artigo escrito a partir de apresentação em seminário no dia 27 de março de 2013 durante o Ciclo de Debates: “Estado, Planejamento e Administração Pública no Brasil”, promovido pelo Instituto Municipal de Administração Pública – IMAP, no seu aniversário de 50 anos.

ESTADO, ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E OS DESAFIOS DA EFETIVA PARTICIPAÇÃO CIDADù

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL

sempenhado pelo município e de suas guardas municipais. Há demanda popular crescente na área e essa pressão aparece também perante os municípios. Por outro lado, a nossa Constituição estabelece o seguinte: “Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei” (BRASIL, 1988).

Uma das questões que diferenciam o papel do Estado de organiza-ções privadas é o poder de polícia, a possibilidade de multar, por exemplo. Max Weber (1999) frisava que competia ao Estado o uso legítimo e o mono-pólio da violência.

Esse poder é o de impor ações em prol da coletividade. Dificilmente algum doutrinador, mesmo o mais liberal ou neoliberal, defenderá que o poder de polícia seja delegado a entes privados. Parece haver um consenso na doutrina que é uma atividade típica estatal. Entretanto, nessa área de papel do “Estado” e da Administração Pública, há movimentos pendulares de maior e menor protagonismo deles.

Vale lembrar que o poder de polícia não se restringe ao poder de polí-cia judiciária, neste caso à polícia civil, militar e às federais. Áreas da saúde, vigilância sanitária, por exemplo, ou obras e urbanismo, também têm poder de polícia, neste caso a polícia administrativa.

A finalidade do Estado, regra geral, é promover o bem comum e o inte-resse público. Nesse sentido, Rodríguez-Arana (2012) aponta que ele deve promover os direitos da cidadania e melhores condições de qualidade de vida para seus cidadãos. Parece óbvio, mas muitas vezes não é o que ocorre. O Estado pode estar aprisionado por interesses privados, o patrimo-nialismo, ou então por corpos técnicos muito fortes, alguns estamentos burocráticos ou tecnocráticos (FAORO, 2001; SCHWARTIZMAN, 2007). Então, em alguns casos, ele não funciona para o interesse público e sim para fins específicos, de grupos ou de interesses privados ou para corpos burocráticos ou tecnocráticos com grande poder de pressão.

No que se refere à administração, observa-se em algumas instituições de ensino certa hegemonia do pensamento ou enfoque na área de gestão de empresas ou de organizações privadas. No campo da administração pública, em alguns casos, faz-se uma transposição acrítica desse conheci-mento com ênfase em organizações privadas para a área pública, que é bastante diferente, gerando muitas vezes problemas. Estratégias e técnicas em organizações privadas, que podem ser muito exitosas nesta área, não necessariamente são relevantes na área pública porque o escopo dessas organizações geralmente é muito diferente.

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA, INDIRETA E ENTES PRIVADOS SEM FINS LUCRATIVOS

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Na área privada, geralmente o objetivo ou missão é o lucro. Mesmo nas instituições privadas sem fins lucrativos, a atuação é diferente da admi-nistração pública, cujo principal objetivo, em geral, é o bem comum e o inte-resse público. Um bom empresário de uma empresa privada, não necessa-riamente será um bom gestor público, e vice-versa, porque os campos são muito diferentes, as habilidades e competências exigidas em cada área são bastante distintas.

Adentrando especificamente ao conceito de administração pública, podemos conceituá-la como ordenação, planejamento e direção das es-feras federal, estadual e municipal. Cabe frisar que nem todas as nações têm estruturas federativas como o Brasil, há Estados unitários.

As políticas públicas no Brasil têm uma série de componentes peculia-res. Basicamente, elas podem ser conceituadas como o “Estado” em movi-mento, ou como ações, ou ainda o conjunto de ações para atacar um problema de relevância pública (SERAFIM e DIAS, 2011). Muitas delas são formuladas pela União, mas são implementadas pelos estados e municípi-os. Os atores são diferentes e é importante ressaltar que na nossa federa-ção os entes têm autonomia, garantida no texto constitucional, artigo 18 (BRASIL, 1988). A união não tem supremacia sobre os estados federados, e nem sobre os municípios, e nem os estados federados têm sobre os municípios. As políticas públicas precisam ser pactuadas entre os entes federados, não impostas. Os municípios passam a ter papel de maior pro-tagonismo na sua execução.

Especificamente nos grandes centros, como Curitiba, apresenta-se ainda a questão metropolitana. A região metropolitana não é um ente fede-rativo e questões como o lixo, transporte intermunicipal e saúde precisam ser pactuados entre os diferentes municípios e, eventualmente, o estado federado. Algumas regiões têm apresentado a experiência de consórcios intermunicipais, que podem auxiliar na gerência dessas questões entre os estados e municípios interessados. A partir de 2005, há legislação específi-ca sobre o tema (BRASIL, 2005). Especificamente na área da saúde, já existem consórcios intermunicipais desde a década de 1990. O artigo 10 da Lei Orgânica de Saúde (BRASIL, 1990) estabeleceu o seguinte: “Os muni-cípios poderão constituir consórcios para desenvolver em conjunto as ações e os serviços de saúde que lhes correspondam”.

A administração pública, propriamente dita, divide-se em administra-ção direta e a administração indireta. Em relação à prefeitura de Curitiba, na administração direta estariam as secretarias municipais e na administração indireta, autarquias como o Instituto Municipal de Administração Pública (IMAP), o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) e o Instituto de Previdência do Município de Curitiba (IPMC); sociedades de economia mista como a Urbanização de Curitiba S. A. (URBS) e a Compa-

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nhia de Habitação Popular de Curitiba (COHAB-CT); e fundações públicas, como a Fundação de Ação Social (FAS), Fundação Cultural de Curitiba (FCC) e a Fundação Estatal de Atenção Especializada em Saúde de Curitiba (FEAES), esta última bem recente, fundação pública de direito pri-vado, também conhecida como fundação estatal.

Há, ainda, o Instituto Curitiba de Informática (ICI) e o Instituto de Cul-tura e Arte de Curitiba (ICAC), que são organizações sociais, e o Instituto Curitiba de Saúde (ICS), que é serviço autônomo. Firmam contratos de gestão com a administração pública, mas não fazem parte dela. São orga-nizações privadas sem fins lucrativos, é importante ressaltar isso. E, por isso, eles serão abordados posteriormente à estrutura da administração pública de Curitiba.

Ainda, na administração indireta, temos as empresas públicas. No governo federal há a recentemente criada EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), para gerenciar os hospitais federais (BRASIL, 2011). Esta desperta grande polêmica nas universidades federais, por exemplo, a Universidade Federal do Paraná. Em decisão do seu Conselho Universitário (COUN), que é a sua instância colegiada máxima, ela não aderiu à EBSERH, mas outras universidades aderiram. É importante lem-brar que as universidades gozam de autonomia. Então, o Hospital de Clí-nicas da Universidade Federal do Paraná não está vinculado à EBSERH, pelo menos até o momento. A EBSERH é uma empresa pública, as pes-soas que nela trabalham ou trabalharão serão celetistas (contratos feitos pela CLT – Consolidação das Leis do Trabalho). Dificilmente algum gestor vai admitir publicamente isso, mas muitas vezes essa procura pela admi-nistração indireta, especialmente nas empresas públicas ou em fundações públicas de direito privado, tem como um dos principais objetivos a busca para fugir do regime estatutário. Há certo descrédito por parte de alguns gestores públicos em relação, especialmente, ao instituto de estabilidade do servidor público.

É importante frisar que, muitas vezes, a discussão nas reformas admi-nistrativas se vincula excessivamente ao modelo jurídico da organização. Não será somente delegando atividades da administração direta para indi-reta, seja empresa pública, fundação pública de direito privado (fundação estatal) ou outra entidade, que se resolverão problemas de gestão. E não há grande novidade nesta delegação. Belmiro Valverde Jobim Castor (2000, p. 138) observou muito bem:

As coisas ficaram espantosamente simples: caso o governo decidisse dar prioridades a uma atividade qualquer, criava uma autarquia, empresa estatal ou fundação (sem grifo no original) para explorá-la ou desenvolvê-la, pois essa nova organização estaria desobrigada de cumprir as regras restritivas que se aplicavam à administração pública convencional, podendo assim agir com incrível agilidade e independência. Encantados pela facilidade de que passaram a gozar, os governantes multiplicaram as organiza-ções dotadas de autonomia financeira e operacional de maneira indiscriminada.

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Não é somente o modelo jurídico que resolve o problema de gestão e gerência. Os hospitais federais são estruturas complexas e os hospitais-escola, como o HC/UFPR, mais ainda. Apresentam duas missões, educa-ção e assistência de média e alta complexidade em saúde. E dois “patrões”, os Ministérios da Educação e o da Saúde – os problemas de gestão e gerência dos hospitais federais vão continuar existindo com ou sem EBSERH. A questão é que com a EBSERH as pessoas que nela ingressa-rem por processo seletivo ou concurso público serão celetistas, e isso tem uma série de desdobramentos. No HC/UFPR já existem duas carreiras muito diferentes, a de servidor público federal estatutário e o celetista contratado pela Fundação da UFPR (FUNPAR). Isso no mesmo ambiente e com as mesmas chefias pode causar instabilidade organizacional. Com a EBSERH seria uma terceira carreira na mesma organização.

Ainda, na prefeitura de Curitiba, temos sociedades de economia mista, como a COHAB - CT e a URBS. Recentemente houve uma polêmica sobre a questão do poder de polícia, atividade típica do “Estado”, conforme já comentamos, e a URBS. Começou-se a se delinear uma jurisprudência, decisões de tribunais em Minas Gerais, Paraná e outros estados, estabele-cendo, em linhas gerais, o seguinte: sociedade de economia mista apresen-ta personalidade jurídica de direito privado, portanto ela não poderia ter poder de polícia, ou seja, multar, por exemplo. Para resolver a questão em Curitiba foi criada a Secretaria Municipal de Trânsito, ou seja, órgão da administração direta e os servidores que nela atuarem, ou ingressarem, serão estatutários.

Conceitos como poder de polícia, administração direta e indireta, muitas vezes parecem não ter muita praticidade ou relevância, mas são bastante importantes. Não parece que tanto uma empresa pública ou uma sociedade de economia mista, com personalidade jurídica de direito pri-vado, devam ter poder de polícia. O modelo realmente mais adequado parece mesmo a existência de uma secretaria de trânsito com esse poder, exercido por servidores públicos estatutários.

Temos ainda, na administração pública indireta, as Fundações Públi-cas. Há fundações públicas de direito público, similar às autarquias, as pes-soas que nelas trabalham são estatutários, como por exemplo, a FIOCRUZ (Fundação Oswaldo Cruz) e a FUNASA (Fundação Nacional de Saúde), vin-culadas à União. É interessante observar que essas duas organizações, com a mesma formatação jurídica, têm trajetórias organizacionais totalmente diferentes. E, ainda, há as fundações públicas de direito privado, também conhecidas como “fundações estatais”, seus contratados são celetistas. Aqui em Curitiba há uma fundação estatal criada no final de 2010, uma fundação pública de direito privado, a Fundação Estatal de Atenção Especializada em Saúde de Curitiba - FEAES (CURITIBA, 2010). As pessoas que nela traba-lham são celetistas. Talvez seja um arranjo interessante para se administrar

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL78

uma organização complexa como o hospital, talvez auxilie, mas não solucio-nará, por si só, os problemas de gestão e de gerência. Administrar hospitais de maior complexidade é e será sempre complicado. Há tecnologias novas, equipamentos e custos crescentes. Estão presentes também burocracias com corpos técnicos muito fortes como os médicos e enfermeiros. Esse poder, muitas vezes, não aparece no organograma formal.

Em Curitiba, e na sua Secretaria Municipal de Saúde, podem passar a conviver duas carreiras, uma de estatutários e outra de celetistas. No futuro, num mesmo prédio, no mesmo órgão, fazendo atividades similares e com a mesma chefia, podem estar presentes estatutários e celetistas, com salários e carreiras bem diferentes. Isso já ocorreu no final da década de 1980, início da década de 1990. No Estado do Paraná, na área da saúde, havia a Fundação Caetano Munhoz da Rocha, que empregava celetistas, e a Secretaria Estadual da Saúde e seu instituto, com estatutários.

O IPMC, autarquia municipal, tratava das áreas da previdência e saúde dos servidores municipais de Curitiba, há mais de dez anos essas áreas foram separadas. A previdência segue no IPMC, uma autarquia como já foi descrito, mas a área da assistência à saúde migrou para um serviço social autônomo, o Instituto Curitiba de Saúde (ICS).

O ICS é uma entidade privada sem fins lucrativos, que firma contrato de gestão com a administração pública. O serviço social autônomo não faz parte da administração pública, é um ente privado, a opção pela sua criação ocorreu no Estado do Paraná no período do Governador Jaime Lerner, por exemplo, do PARANAPREVIDÊNCIA e PARANACIDADE (ALCANTARA, 2009). Novamente, o atual governo do Estado aponta essa alternativa para a “Rádio e TV Educativa do Paraná – RTVE”.

Em outubro de 2013 há a denúncia do diretor do próprio ICS sobre contratos irregulares firmados pela entidade e gastos desnecessários de outros diretores do instituto (GAZETA DO POVO, 2013). Considera-se espe-rado esse tipo de problema nessas instituições privadas, que sobrevivem basicamente de recursos públicos. Essa confusão entre o público e o privado geralmente proporciona vários problemas (ALCANTARA, 2009).

Problemas também ocorrem entre o ICI, organização social, e a Pre-feitura de Curitiba. Na literatura de administração e terceirização, reco-menda-se não delegar atividades essenciais à organização, preferindo terceirizar atividades auxiliares, a fim de evitar tornar-se “refém” do parceiro e a perda de conhecimentos e habilidades na área. A administração e o manuseio de informação são estratégicos para qualquer organização, e, atualmente, essa gestão na prefeitura de Curitiba é feita pelo ICI. Isso tem acarretado uma série de problemas explicitados cotidianamente na impren-sa local e pela atual administração municipal.

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Essas instituições privadas sem fins lucrativos, organizações sociais, OSCIPs e serviços sociais autônomos, fazem parte do modelo gerencial de administração pública. Seu principal mentor aqui no Brasil é o Bresser Pereira (2000). Teve grande força na década de 1990, propiciando a aprova-ção de emendas constitucionais e leis federais na área.

O modelo gerencial, ou seu discurso, oriundo do mundo anglo-saxão, procura proporcionar maior eficácia e eficiência à administração pública, superando as disfunções burocráticas, tão bem apontadas por Merton (1957): internalização das regras e exagerado apego aos regulamentos, excesso de formalismo e conformidade excessiva às rotinas e aos procedi-mentos. Tenta superar o ritualismo, a ênfase nos meios e não nos fins, a ineficiência e o corporativismo muitas vezes presentes em organizações burocráticas. A cultura do carimbo e do reconhecimento da firma. É impor-tante não confundir a disfunção burocrática com o modelo burocrático ou burocracia. Este modelo traz conceitos e contribuição fundamentais à admi-nistração pública como carreira, profissionalização, impessoalidade, con-curso público e meritocracia (WEBER, 1999).

Observam-se, no Brasil e em outros países da América Latina, muitas dificuldades para que o discurso gerencial de metas, indicadores, contratos de gestão aconteçam efetivamente ou popularmente “sair do papel ou do fundo das gavetas” (CLAD, 2012).

Provavelmente a administração pública tem que ter componentes ge-renciais, mas também tem que apresentar elementos burocráticos. Sem burocracia não há Estado, sem corpos técnicos qualificados não há admi-nistração pública.

Outro conceito relacionado ao mundo anglo-saxão é o de “accountabi-lity”. A tradução do termo para a língua portuguesa e sua implementação no Brasil não tem sido tarefa fácil. No Brasil não há uma tradição de responsabi-lização do gestor público, de transparência, de empoderamento do cidadão, entre outras questões (PINHO e SACRAMENTO, 2009). Prevalece a assi-metria de informações entre o aparato estatal, seus burocratas com saber técnico e à população mal informada dos atos de seus governantes. Para Joan Prats y Catalá (2005), as características comuns dos países da Amé-rica Latina, inclusive o Brasil, são o grande número de tentativas de refor-mas, o clientelismo, o autoritarismo estatal, o corporativismo, o patrimonia-lismo e a escassa responsabilização do gestor público. Para Pinho e Sacramento (2009), “accountability” é um conceito em construção diante de uma longa tradição de autoritarismo da sociedade e Estado brasileiros. E efetivamente traduzir esse conceito e, mais do que isso, colocá-lo na prática é um dos maiores desafios do Estado e da administração, inclusive da gestão da cidade de Curitiba.

“ACCOUNTABILITY”, PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL80

Em relação à participação dos cidadãos e controle social, é importante citar Robert Putnam (2006), um autor que estudou essa participação na Itália por 20 anos. Ele afirma que há forte correlação entre associação cívica e instituições públicas eficazes. Compara especialmente as regiões ita-lianas do norte e do sul. A participação cívica favorecia o desempenho do governo e a efetiva participação popular torna um Estado, e a administração pública, mais eficaz e eficiente. Nas palavras do autor:

Certas regiões da Itália, como pudemos constatar, são favorecidas por padrões e sistemas dinâmicos de engajamento cívico, ao passo que outras padecem de uma política verticalmente estruturada, uma vida social caracterizada pela fragmentação e o isolamento, e uma cultura dominada pela desconfiança. Tais diferenças na vida cívica são fundamentais para explicar o êxito das instituições (PUTNAM, 2006, p. 31).

Na área de controle social e conselhos de saúde, é importante relatar o trabalho do pesquisador André Faria Pereira Neto (PEREIRA NETO, 2012) da ENSP/FIOCRUZ. Os conselhos de saúde são muito estudados porque estão institucionalizados a partir da Constituição de 1988 e da Lei n.º 8.142 de 1990 (BRASIL, 1990). Ou seja, há mais de 20 anos, enquanto em outras áreas, os conselhos são bem recentes. Neles, 50% da represen-tação é usuária. Pereira Neto (2012) pesquisou conselhos de saúde do Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife e observou que os conselheiros, repre-sentantes dos usuários, atuam, sobretudo, para seus interesses particula-res. A obtenção de consultas para vizinhos, remédios de familiares etc. Esse estudo é um alerta, pois é qualitativo e não permite generalizações, mas aponta e sugere que a prática patrimonialista não se restringe a elites parlamentares e executivas de nosso país, estende-se também a cidadãos com certo nível de empoderamento.

E, ainda, em relação à participação, há um estudo que analisou a questão de Curitiba. Um estudo comparativo publicado recentemente em 2012, sobre esta cidade, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre (HOROCHOVSKI e CLEMENTE, 2012). Eles acompanharam as audiênci-as públicas em Curitiba durante o ano de 2010 e observaram que elas tinham o formato de aulas, prevaleciam linguagens e explicações técnicas e apresentação de slides. Em alguns momentos, membros do corpo técnico da prefeitura corrigiam o comportamento dos populares. Os vereadores e autoridades tinham prerrogativa de fala. As audiências não tinham caráter decisório e não havia informações claras sobre qual o percentual do orçamento que seria decidido nas audiências, tornava-se um mero espaço de aclamação pública. Em Curitiba, se houver interesse numa real participação popular ou cidadã em audiências públicas e na sua administração pública, há de se superar esses fortes traços autoritários e tecnocráticos e reduzir a assimetria de informações entre a administração pública, burocracia de Curitiba e os seus cidadãos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A participação dos cidadãos melhora o funcionamento do Estado e da administração pública. Não há questionamentos sobre isso, pelo menos explícitos. É preciso estimular a cidadania e o empoderamento do usuário. O desafio é como fazer e estimular que isso aconteça. A descentralização de políticas públicas, cada vez mais, para municípios, pode ser um dos pos-síveis caminhos, pois a população geralmente está mais próxima do gestor municipal.

As reformas administrativas migrando basicamente de atividades da administração direta para indireta, ou então para entidades privadas sem fins lucrativos, podem ser úteis, mas não são inovadoras e, por si só, não resolvem os problemas de gestão e gerência na administração pública. Em alguns casos, elas são realizadas para evitar o regime estatutário do servi-dor público. O modelo ou discurso gerencial traz elementos importantes ao Estado, mas ainda a burocracia weberiana é fundamental para o seu ade-quado funcionamento.

A maior e efetiva transparência nas ações do Estado e administração pública, especialmente usando as páginas eletrônicas, também é necessá-ria. Além disso, democratizar esse conhecimento. A informação tem de ser inteligível e compreensível para qualquer cidadão, reduzindo a assimetria de informações entre os gestores e seus cidadãos. Assim poderemos, no Brasil, finalmente traduzir de forma efetiva o termo “accountability”.

É necessário desenvolver uma cultura de monitoramento e avaliação das ações e funções do Estado conforme a real necessidade dos cidadãos, ou seja, que elas impactem e sejam relevantes para o interesse da coletivi-dade.

Houve avanços em nosso país com os conselhos de saúde, apesar de seus problemas e de outras áreas mais recentemente. As audiências públi-cas, exigidas pela legislação, também são um ponto positivo, mas devem se democratizar mais. É preciso avançar mais para uma real administração pública plural e participativa, tarefa nada fácil, considerando os fortes traços autoritários, tecnocráticos e patrimonialistas da administração pública e do Estado.

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VERTENTES DE UMA ANÁLISE SOBRE AS DEMOCRACIAS PARTICIPATIVA E REPRESENTATIVA

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Estado, Planejamento

e Administração Pública no Brasil

Como servidor público federal, tenho obrigação de ajudar a comunida-de. Faz parte de minhas atribuições, além do ensino, das atividades de pesquisa e de extensão, participar e ajudar as demais entidades e a própria sociedade. Tenho uma experiência profissional de vinte anos no setor pri-va-do. Conheço a burocracia privada, trabalhei nove anos no Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), fui funcionário do Estado, na Secretaria de Estado do Planejamento e Coorde-nação Geral, no governo do Paraná. Atuei na burocracia estatal e atualmen-te trabalho no Programa de Mestrado Profissional em Planejamento e Go-vernança Pública – totalizando vinte e seis anos no magistério superior – e tenho desenvolvido atividade de consultor de empresas. Então, tenho expe-riência na academia, no setor privado e no setor público, e também isso me ajuda muito, porque todos esses ensinamentos práticos nos ajudam a fazer uma melhor reflexão.

Nosso objetivo aqui é pensar algumas questões e uma palavra-chave é: estamento. Fundamental ler o Raimundo Faoro, Os Donos do Poder, que ele escreveu aos vinte e sete anos, em 1958; esta obra é um clássico sobre o Brasil. Faoro chama de estamento a parcela da sociedade que enxerga no Estado uma fonte inesgotável de recursos. Esse autor ainda diz que não é um grupo social, político e econômico, mas grupos que se organizam para tomar de assalto a estrutura do Estado e fazer com que o Estado trabalhe para eles. E essa tradição autoritária, no Brasil entra governo termina gover-no e nada muda nesse sentido. O país teve várias etapas econômicas e recentemente, com a Constituição de 88, depois da ditadura, da “gloriosa” de 64, nós tentamos mudar o discurso considerado autoritário, com o se-guinte discurso: Olha, tem que dar voz para o cidadão. Deve haver a parti-cipação da sociedade, dos inúmeros grupos sociais e seus subgrupos.

Na Constituição de 88, todos têm inúmeros direitos; assim, há muitos aquinhoados com direitos de todos os tipos, direito para tudo. Só que nin-guém diz o seguinte: quem vai pagar por isso? Segundo, não fala claramen-te que, na medida em que a sociedade e seus inúmeros grupos têm os seus direitos, há também deveres e obrigações. E há uma diferença entre dever e obrigação, mas nós nos esquecemos disso. Mas a Constituição Federal de 1988 foi nos dando direito a tudo, e nós colocamos a responsabilidade em quem? No Estado, o Estado tem que dar isso, o Estado tem que dar aquilo. Vou lembrar de um fato triste que foi a chacina dos meninos da Candelária,

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vai fazer 20 anos agora, 17 de novembro de 93. Foi uma comoção, foram assassinados. No dia seguinte ao enterro, o que é que acabou acontecen-do? Todos tinham pai e mãe. Pergunto para vocês: onde é que estavam o pai e mãe antes? E aí o que aconteceu? O Estado foi rotulado como responsá-vel pelos adolescentes, o Estado “tem que dar isso”, “responder por aquilo” (dito popular) etc. Na Constituição de 88, cria-se aquela ideia de que temos que partir de uma democracia do Estado de direito representativo para o participativo. Deu um salto, por quê? Porque a sociedade, as famílias, empresas, organizações de todos os tipos, o bem comum, não pode, não deve e não necessita ficar refém do político de plantão. Esse é o primeiro ponto. Então, criou-se em um segundo momento de reflexão, a característi-ca de participação do cidadão. Por meio de quê? Como é que o cidadão pode participar da vida pública da sua cidade? Audiências públicas, conse-lhos, reuniões temáticas, prestações de contas, acesso ao portal da trans-parência, muito bem lembrado, visitas às instituições, visita à câmara, par-ticipando dos comitês temáticos, fazendo parte de todos os conselhos: é saúde, é educação, é trabalho, da criança e do adolescente, inúmeros con-selhos.

Agora, a grande questão que eu coloco é a seguinte: como isso é novo, quem de nós aqui nesta sala, que é um público excelente, tem capacitação, treinamento, orientação, para adequadamente participar de um conselho? Segundo, que tipo de capacitação o Estado, nos três níveis de Poder, dá, não só ao servidor, mas também aos membros da sociedade, para partici-par desses conselhos? Fala-se, então, de inovar para que a sociedade par-ticipe mais. E tenho uma pergunta: quem sabe o que é Plano Plurianual (PPA)? Quem sabe o que é Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)? Quem sabe o que é Lei Orçamentária Anual (LOA)? Quem sabe o que é um Pro-grama de Governo? Poucos têm um conhecimento mínimo de como essas ferramentas orçamentárias podem influir positiva ou negativamente na vida do cidadão. Mas mesmo nós desta sala que somos um público considerado mais letrado, que somos um público mais preparado do que a maioria dos cidadãos, encontramos muita dificuldade em entender como tudo isso fun-ciona na prática. O primeiro passo que a gente tem que refletir, e eu convido vocês a fazerem isso, é perguntar primeiro: estou eu preparado para parti-cipar do processo de discussão desses tópicos? Que formação e conheci-mento eu devo ter para participar de forma proativa? Por quê? O professor Christian disse: A lei está ali, ela está pronta. Ela diz que podemos partici-par. Agora, que conhecimentos e informações eu devo ter para poder parti-cipar de forma ativa e fazer com que aquele conselho não seja um conselho chapa branca e que apenas cumpra uma mera formalidade legal.

Andei muito pelo interior do Paraná, em muitos projetos, muitas pre-feituras e chegava a determinada prefeitura e escutava do prefeito assim: “Não temos mais dinheiro”. Foi em março de 2005, numa prefeitura, cidade que já teve cem mil habitantes – hoje ela tem trinta mil, vocês imaginem a

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regressão da cidade. Essa cidade é no noroeste do Paraná, e o prefeito, descendente de árabe, falou: “Professor, não temos dinheiro na prefeitura, não tem nada ...Quero que você convoque os secretários para fazer uma reunião”. Devolvi a palavra a ele argumentando “Eu não posso convocar secretários seus, eu sou de fora, eu só vim aqui porque por intermédio do Secretário do Planejamento a sua solicitação seria estudada”. Reforcei o argumento: “O senhor convoque os seus secretários e peça para amanhã de manhã – isso era à tarde –, depois do almoço, que eles apresentem um panorama de cada secretaria, o que foi feito, quanto tem e o que precisa de recurso”. No dia seguinte, oito horas da manhã, pontualidade britânica, falei para o prefeito: “Começa”, e não tinha metade dos secretários presentes, uma cidade pequena, e o principal secretário, que era o de planejamento e funcionário de carreira, falou para o prefeito: “Eu não vou apresentar nada, não devo satisfação pro mocinho da capital, que não conhece o interior”. E eu retruquei à altura e falei: “Olha, bom dia, primeiramente, você não me conhece, mas eu conheço você, eu não sou mocinho da capital, eu sou do interior, e eu já empilhei muita madeira em caminhão, eu já meti a mão na massa, é o que você deveria ter feito”, e eu fiz a pergunta para ele: “Por que o senhor não apresenta o resultado da sua secretaria?” Que é o planejamen-to, a principal secretaria. “Eu não gosto dessa porcaria”, desculpa a expres-são, “chamado computador”. Eu olhei para o sujeito, uma pessoa, quase da minha faixa etária, portanto já com alguns quilômetros rodados, tinha a obrigação de no mínimo aprender a usar esta importante ferramenta de trabalho.

Resultado: a prefeitura descoordenadamente gastou em três meses setenta por cento do orçamento no que não precisava. Por exemplo, a secretária de Agricultura explicou: “Estamos com um problema que começa a colheita da safra e não tem estrada”. E o secretário de obras falou: “Não, mas nós cascalhamos mais de cem quilômetros de estrada”. Ela falou: “Pois é, todas aquelas que eu não preciso para o transporte agrícola”. Perguntei: “Mas, prefeito, não tem aqui o conselho do Meio Ambiente e da Agricultura do município?” “Tem” “Ué, e o conselho não indicou as prioridades no senti-do de assessorar a prefeitura?” Aí ficou o impasse, fomos ver a composição do bendito conselho, setenta e cinco por cento funcionários do estado e funcionários da prefeitura. Então, um dos desafios é a questão da capacita-ção, segundo, do comprometimento de quem está na estrutura pública, participando de conselho, é funcionário da instituição, funcionário da socie-dade, é a sociedade que paga o teu salário, não é o prefeito, qualquer que seja ele.

Então, a capacitação e o comprometimento são fundamentais para o desempenho da função pública. Em terceiro lugar, buscar também influir para que os demais participem, porque mecanismos legais de participação temos. Se chego lá e não sei do que se trata, não sei como posso contribuir, o que vou fazer lá? Quando você tem uma lei de acesso à informação, no

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mínimo nós, como servidores públicos estaduais, federais e municipais, temos que passar a conhecer os mecanismos. Como é que funciona essa lei? Como é que eu acesso essa informação? E desculpa a expressão forte, vai ter que ser na porrada mesmo, denunciando ao Ministério Público, colo-cando na ouvidoria do município. Para quê? Para que muitas vezes aquela estrutura burocrática gerencial coloque a informação. Por quê? Porque uma coisa é ver o site e outra é verificar se ele está atualizado; o cidadão tam-bém, em termos de participação, tem alguns outros mecanismos: elaborar projetos, como as consultas populares, as associações de bairros, as organizações locais, ouvidoria do município, conferências locais e estadua-is das cidades, desenvolver projetos comunitários etc. Isso é necessário e interessante, mas às vezes a comunidade não sabe o que fazer. Então convide, muita gente capacitada pode ajudar. Por exemplo, não só em Curitiba, mas também em todo estado, há universidades públicas estadua-is, muitas municipais, federais; a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) tem treze campus e tem professores que podem fazer este trabalho como extensão. Então não é falta de gente. E aí vem a pergunta: Quem mora aqui em prédio? Em quantas reuniões do condomínio vocês foram? Que alternativa aos problemas você propôs? Quantas comissões você integrou? A maioria das pessoas não participa da reunião do condomí-nio, “ah é chato, é burocrático, o síndico é um...” Mas, gente, é ali que você debate, o que vai fazer, como é que se usa o recurso, o que é que precisa, o que não precisa, porque, depois que você tem o ato realizado e aprovado pela assembléia do condomínio, não importa quantos tiveram, você não tem o direito de reclamar.

O que mais que nós precisamos também refletir? Cada vez mais o civismo é fundamental – lembrar a extinta aula de moral e cívica, de OSPB, os mais experientes lembram –, civismo no sentido da sua participação. Lanço um desafio para a Secretaria Municipal da Educação: incluam módulos, palestras, periodicamente nas escolas, sobre o próprio civismo, sobre orçamento, sobre participação popular, sobre PPA, sobre as ques-tões, por exemplo, plano diretor. Toda cidade tem um plano diretor, é o que norteia em médio e longo prazo para onde uma cidade vai. Para o plano diretor, há uma série de mecanismos de consulta pública e que nós não conhecemos essas ferramentas, de modo que nós temos, além das ferra-mentas, além da necessidade de capacitação, muitas oportunidades, estão aí a LDO e PPA, bem como uma série de iniciativas citadas, de modo que nossa principal função aqui é ser dinamizador, multiplicador e facilitador desse processo e acreditar que coletivamente podemos muito mais do que individualmente. No caso da iniciativa privada, têm-se alguns componentes que são diferentes do setor público e é verdade, lá cobram-se resultados, que vão refletir na formação da capacidade de investimento e de inovação. E no setor público como isso pode ser medido e (ou) avaliado? Não precisa-mos ter lucro, mas precisamos ter resultado para a população. O que, na

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verdade, a população quer em linhas gerais? Respostas rápidas e objetivas para as suas demandas, que tenham suas necessidades básicas atendi-das. No meu caso, sou considerado deficiente e necessito mensalmente de um equipamento de reposição entregue pela Secretaria Municipal de Saúde. Embora isso seja constitucionalmente um dever do Estado e um direito, muitas vezes tenho de brigar não só pela quantidade do produto que preciso, mas também pela qualidade que o produto deve ter e ser entregue no período prescrito pelo médico. Mas nem sempre acontece como deve ser, e vocês não fazem ideia do quanto é humilhante ficar uma hora a duas horas, esperando ser atendido todos os meses, e o burocrata de plantão, que olha e só falta dizer: “Ha, taí reclamando que não chegou a tempo o equipamento, só porque trocamos de fornecedor já começa a reclamação quanto à qualidade. Ele está recebendo de graça, reclamar do quê?” É impressionante isso. Agora imagine quando o pai e a mãe vão até a escola e querem participar de forma proativa do conselho da escola, da Associação de Pais e Mestres, de outras instâncias participativas e as pessoas do setor público não conseguem entender que esta participação, além de necessá-ria, é legítima, é uma questão de direito. Não transformemos isso como no ato de votar, que você faz por obrigação, participe por ser um direito, não uma obrigação.

Na elaboração da proposta do PPA 2012 -2015 do Governo Federal, é explícita a questão da participação social como uma das formas que podem gerar uma mudança e uma melhora na atuação e na função do Estado ante as demandas da Sociedade (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão 2011). Nas últimas décadas, principalmente a partir do PPA 1996-1999, há uma gradual, mas crescente volta do Estado com o importante papel de indutor e promotor do desenvolvimento econômico e social.

Isso é reflexo da opção da sociedade em adotar o Estado democrático de direito, no qual a participação da sociedade não deve ocorrer de forma passiva. Busca-se espaço para grupos e (ou) parcelas de sociedade, que, mesmo sem conhecimentos técnicos específicos, possam manifestar suas demandas e decidir não só sobre a alocação de recursos e definição de prioridades.

A Lei Nacional da Transparência – Lei Complementar n.º 131 – maio/2009 – obriga a União, Estados e Municípios a divulgar/detalhar na Internet seus gastos e receitas. Ora, este é mais um dos mecanismos de que a sociedade dispõe para saber onde, como, para quem, quando e por que o gasto público é realizado. Entender esses meandros deve ser parte do caráter investigativo que uma sociedade democrática no Estado de direito deve exercer.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

À medida que aumentam a vontade e os mecanismos de participação social, as políticas públicas dos três níveis de Poder devem passar por per-manente processo de monitoramento e posterior avaliação. Souza (2006) destaca que todo o ciclo da política pública traz consigo um aprofundamen-to da produção de informações consideradas relevantes para a sociedade, principalmente para aqueles atores que não estão dentro do aparelho buro-crático do Estado.

Então, um primeiro desafio para a sociedade é conhecer melhor e de forma organizada a realidade local. Como fazer isso? Um meio eficaz é trocar informações e experiências sobre nossa cidade, região, sua popula-ção, economia e cultura. Disseminar as informações, capacitar e qualificar as lideranças nascentes e oportunizar meios para que novos líderes surjam para exercer o papel investigativo sobre o uso dos recursos públicos.

O segundo desafio é preparar as lideranças já citadas com conheci-mento e técnicas sobre gestão para poder discutir sobre como determinar as prioridades e as alocações dos recursos na sua cidade. Isso se faz em grande parte com a conscientização e participação do cidadão. Para tal, deve ter conhecimento e saber buscar informações e alternativas plausíveis e capazes de resolver os problemas e as demandas da população, notada-mente aquela que mais precisa dos serviços e atendimento público. Evidentemente, nem sempre o poder público controlado pelas máquinas partidárias tem muito interesse e vontade de atender o que a população pede e precisa.

Essa é a evolução da democracia representativa para a participativa, na qual, embora os políticos façam parte deste processo, a nação, a socie-dade, as inúmeras instituições e os diversos grupos de pressão têm o direito de influir não só para onde vai seu recurso, mas como e onde e para quem ele vai ser destinado.

Boa parte das Prefeituras sequer consegue fazer a elaboração de projetos, não consegue reunir os documentos necessários para participar de editais dos organismos de fomento federal. Muitas vezes os recursos disponíveis na União em orçamento (PPA e LOA) são devolvidos por não terem a quem emprestar. As prefeituras não sabem muitas vezes como organizar um pleito junto aos governos estadual e federal, a ponto de muitos ministérios no final do ano devolverem recursos por não terem capacidade operacional de usá-los.

O país tem recursos e que são mal utilizados. Mas não temos bons e consistentes projetos para o desenvolvimento local, principalmente aqueles que não passam por empreiteiras e grandes grupos econômicos. Logo, recurso financeiro não falta, mas capacidade de gestão atualmente é nó górdio no setor público nos três níveis de Poder.

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Mas o que deve fazer o gestor público? A principal tarefa do gestor público é ser multiplicador e facilitador do desenvolvimento local sob a égide da gestão democrática e participativa. Deve o prefeito executar bem a fun-ção de planejador, indutor e promotor do desenvolvimento junto com a população. O poder público sozinho, por mais recurso financeiro de que dis-ponha, não tem todo o conjunto de saberes, técnicas, pessoal e conheci-mento para individualmente desprezar a participação da sociedade.

Inúmeros estudos mostram que em vários programas públicos há a necessidade da interação de esforços nos três níveis de Poder e ainda a participação proativa da comunidade. Referendando essa questão, Licio, Mesquita e Curralero (2011) descrevem o programa bolsa família como de largo espectro de penetração nas sociedades, sendo que o sucesso e a boa aplicação do recurso necessariamente passam pela interação dos entes federados juntamente com o controle e a participação da sociedade local.

Os estudiosos da realidade brasileira, tão desigual normalmente, perguntam-se: como sensibilizar, mobilizar a sociedade local e cumprir seu papel de protagonista de seu próprio desenvolvimento sem ficar sempre esperando que o Setor Público “se responsabilize” em equacionar todos os problemas da comunidade?

Certamente não há resposta única, mas inúmeras soluções que preci-sam ser construídas pela sociedade civil organizada em conjunto com o Poder Público nos vários níveis de poder. Esta construção é um processo árduo, de desmonte de interesses escusos dos inúmeros estamentos que se propagam nas diferentes esferas públicas. Mas é necessário enfrentar este problema para solucionar outros ainda mais graves que afligem a so-ciedade.

A população precisa aprender a participar e influir no destino do país, de seu estado, da sua cidade e seu bairro. Não deixe de participar, debater, propor e exigir solução dos governantes. Mas faça sua parte participando ativamente como cidadão e não apenas como contribuinte que paga e arca com os gastos dos políticos.

Ficam como sugestões de leitura algumas obras que considero impor-tantes para ampliar nossa reflexão sobre planejamento, participação, cida-dania, exercer direitos e realizar nossos deveres e obrigações.

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REFERÊNCIAS

FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação política do patronato apolítico brasileiro. 4. ed. Porto Alegre : Globo, 1977.

LICIO, E.c., MESQUITA, C.S. e CURRALERO, C.R.B.. Desafios para coordenação intergovernamental do programa bolsa família. RAE. V. 51 n. 5 set./out. 2011.

MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, OÇAMENTO E GESTÃO. Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. Orientações para elaboração do Plano Plurianual 2012-2015. Brasília: MP, 2011.

PFEIFFER, PETER. Gerenciamento de projetos de desenvolvimento: conceitos, instrumentos e aplicações. Rio de Janeiro, Brasport, 2005.

PUTNAN, Rober D. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.

SILVA, Christian Luiz da ( org.) Políticas públicas e desenvolvimento local: instrumentos e proposições de análise para o Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

SOUZA, Celina. Políticas Públicas: Uma Revisão da Literatura. Sociologias (UFRGS), Porto Alegre, v. 8, n. 16, p. 20-45, 2006.

YUNUS, MUHAMMAD. O Banqueiro dos pobres. São Paulo, Ed. Ática, 2000.

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A INTERSETORIALIDADE DA POLÍTICA PÚBLICA:LIMITES E POTENCIALIDADES PARA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

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Estado, Planejamento

e Administração Pública no Brasil

Toda ação de uma política pública visa modificar uma determinada realidade, a partir de projetos e rotinas que efetivem uma transformação na realidade daquela população para qual se objetiva direta ou indiretamente a política. Essas transformações e essas mudanças são cada vez mais com-plexas à medida que a própria sociedade se torna mais complexa dentro das suas relações. Contudo, os governos, para implementar uma política, ainda estão estruturados em funções sociais disciplinares, que são limitantes, em muitos casos, à abrangência e à capacidade de articulação integrada para uma ação resolutiva. O objetivo deste capítulo é avaliar os limites e as poten-cialidades para a implementação de políticas públicas intersetoriais. Trata-se de uma pesquisa exploratória, pois intenciona formular melhor a questão neste campo de estudo, com uso de referências bibliográficas da área de administração pública e de políticas públicas para estruturação das linhas de argumentação.

A segunda seção definirá políticas públicas e algumas características próprias da administração pública que restringem ou limitam uma ação efetiva e planejada para modificação de uma realidade. Em seguida, será tratado o tema da intersetorialidade, demonstrando a interpelação dos pro-blemas públicos, que demanda uma política também tão complexa quanto o problema. Por fim, a quarta seção discute alguns limites e potencialidade para transformação de políticas públicas em intersetoriais para, em segui-da, apresentar as considerações finais.

A visão controversa do papel do Estado na economia inclui diversos autores e abordagens (IGLESIAS, 2006). A Lei de Wagner, por exemplo, trata do crescimento dos gastos públicos em taxas maiores que o cresci-mento da economia, seja pelo incremento das demandas públicas, das ne-cessidades de mais serviços relativos ao bem-estar social, seja pelo incre-mento das estruturas de mercado de concorrência imperfeita. Com isso, as ações de interesse coletivo se sobressaem às de interesse individual e incrementam o papel do Estado (MUSGRAVE e MUSGRAVE, 1980).

Já Musgrave, Rostow e Herbert tratam a maior intervenção do Estado vinculado a estágios de desenvolvimento do país. Em estágios iniciais e de

POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS

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amadurecimento, há maior demanda pelo bem público, por motivos distin-tos, e na fase do desenvolvimento retoma-se mais o papel do interesse individual para organizar os mercados e, por consequência, a economia. Nesse sentido, nos estágios iniciais haveria uma demanda maior por gastos públicos; no intermediário, que o setor público fosse complementar ao pri-vado; e no estágio de desenvolvimento maior os gastos públicos voltam a crescer pelos motivos tratados pela Lei de Wagner.

Peacoak e Wiseman afirmam que os gastos públicos variam conforme a capacidade de obter recursos. Em períodos normais, sem guerras, por exemplo, haveria dificuldade para elevação das taxas tributárias. Contudo, em períodos de crise há maior demanda pelos serviços públicos e a acei-tabilidade de maior intervenção do Estado. Entretanto, após a crise, esses níveis de intervenção não retomam ao período anterior à crise e incremen-tam continuamente o papel do Estado na economia.

Outros estudos, como de Bonelli (2009), por exemplo, tratam especifi-camente da questão para o caso brasileiro e projetam como a falta de capa-cidade de governança do Estado e o contínuo ajuste no ambiente institucio-nal interferem no desempenho do crescimento econômico. Nesse aspecto, a capacidade de governança governamental compromete, inclusive, os re-sultados macroeconômicos.

Essas intervenções ocorrem por meio dos governos, que se responsa-bilizam pela gestão da coisa pública. Como afirmam Silva e Bassi (2012, p.17), “O governo, dado uso das atribuições que lhes são conferidas, deverepresentar e atender os anseios do Estado, pensando estrategicamente e agindo de modo planejado para o bem público. Esta intervenção ocorre por meio de políticas públicas”. Contudo, a compreensão do conceito de polí-ticas públicas e a capacidade de implementação para a transformação que se propõe das realidades, não se trata de tema trivial.

O primeiro ponto, conceito de políticas públicas, é reforçado por Souza (2006), quando aponta que não há um consenso sobre políticas públicas e resgata uma série de definições em seu estudo para buscar contribuir com o tema. Silva e Bassi (2012) também se dedicam a lidar com essas contro-vérsias e refletem sobre os motivos que originam a política pública.

Neste trabalho não se objetivará resgatar tais conceitos, mas tratar aqui política pública pelo conceito estabelecido por Dye (2012), em que explicita que a política pública refere-se às escolhas dos governos. A esco-lha de um governo fazer ou não fazer é uma política pública que terá impac-tos diretos ou indiretos sobre a sociedade. Esses impactos são frutos dos objetivos fins da ação ou da externalidade envolvida na decisão. Corrobora ainda com o propósito conceitual desta abordagem sobre políticas públicas a proposta de Heidemann (2009), ao compreender que a política pública se constitui de dois elementos-chave: a ação e a intenção. Dessa forma, a

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política pública consiste em escolhas realizadas pelos governantes e que se estruturam pela intenção e pela materialização desta em ações; entre-tanto, essas ações e intenções não são sempre diretas, mas podem ser indiretas e caracterizadas pela escolha de não fazer.

Pode-se exemplificar com uma política energética. Ao escolher o de-senvolvimento da matriz energética pela fonte hidráulica, essencialmente, está se fazendo uma escolha e a intenção de organizar o sistema energéti-co e as cadeias de produção e consumo a partir da infraestrutura e base de crescimento originária na fonte hidráulica. Com isso, está se abrindo mão de outras alternativas, como a eólica ou as termoelétricas porque não ha-verá intenções e, nem mesmo, ações para desenvolvê-las, o que terá im-pacto nesta cadeia energética e nas alternativas de consumo que dela possam depender. Ao fazer esta escolha, pode-se estar privilegiando uma alternativa diante da outra, por exemplo, pelos impactos ambientais (motivo ambiental) gerados ou pelos custos energéticos por investimento (motivo econômico) ou pelas forças político-institucionais, enfim, motivos que priori-zam uma escolha diante de outra no processo de decisão e que cria polí-ticas não somente para aquela que será beneficiada, mas para as outras também (pelo desestímulo).

O segundo ponto, a capacidade de implementação da política pú-blica, tem diversas abordagens (TREVISAN et al., 2008; SILVA e MELO, 2000; SILVA e BASSI, 2013; RUA, 1997; REZENDE e CASTOR, 2006; FIGUEIREDO e FIGUEIREDO, 1086; FARIA e FILGUEIRAS, 2007). Neste estudo serão enfocadas as premissas tratadas no estudo de Oliveira (2006) e, especialmente, Oliveira (2002). Oliveira (2006, p. 275) argumenta que a dissociação entre aqueles que elaboram e os que implementam a política pública consiste em um problema importante para compreensão da efetivi-dade das políticas públicas. Assim, a capacidade de continuidade técnica no processo de planejamento e, posteriormente, de gestão traz visões dife-rentes que dificultam a capacidade de alcance dos objetivos. Comparativa-mente à questão de uma empresa, seria um grupo de profissionais estabe-lecer uma estratégia de marketing para aumentar a rentabilidade e depois a implementação depender de outro grupo, que não necessariamente levaria em consideração as propostas estabelecidas pelo grupo formulador da proposta. Isso traria resultados que não necessariamente seriam adequa-dos ao esperado.

Neste ponto, cabe destacar que essa questão não abrange somente a fase de formulação e implementação, mas todas as fases, como tratam Silva e Bassi (2012) e Frey (2000). Tal problema poderia ser minimizado se houvesse um processo de governança mais atemporal e uma capacidade técnica de gestão e incorporação dos temas políticos na tomada de decisão e na implementação posterior das decisões. Para isso, demandaria um gru-po técnico de gestores públicos que não estivessem vinculados à função de

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políticas de governos, mas à visão de políticas de Estado.

Nesse aspecto, Oliveira (2002) justifica as falhas de políticas públicas em desenvolvimento por motivos político institucional, financeiros e técni-cos (OLIVEIRA, 2002). A questão política e institucional refere-se às dificuldades de articulação e funcionamento do sistema político e da intera-ção entre Estado e sociedade civil. O segundo ponto é a falta de recursos, que inibe qualquer possibilidade de implementar as políticas públicas da forma planejada, o que dificulta sobremaneira para alcançar resultados efe-tivos, como reforçado por Menicucci (2007). Cabe destacar que recursos é um conceito amplo e que se materializa a questão financeira como um destes recursos, mas também a falta de pessoal, infraestrutura, sistemas informatizados, dentre outros. O terceiro ponto é a falta de capacidade téc-nica. Esta se refere a recursos humanos capacitados e motivados, equipa-mentos, experiência e competência técnica dos órgãos responsáveis para planejar e implementar as políticas públicas, como ressalta Silva, Lopes e Michon Junior (2009). Com pesos diferentes, os tópicos sintetizados por essa capacidade técnica são responsáveis de alguma forma para a inefi-ciência da implementação das políticas públicas. Às vezes é a falta de recur-sos humanos o mais preeminente, outras são equipamentos.

Essas diferentes capacidades técnicas e a articulação do Estado com a sociedade compreendem-se, neste trabalho, como a capacidade de governança pública, como se discute de forma mais ampla em Vasconcelos e Silva (2013), Araujo (2002) ou Secchi (2009).

Assim, cabe como alinhamento teórico a compreensão do que se entende por políticas públicas, que a sua demanda é crescente, indepen-dente das motivações tratadas teoricamente, e cuja efetividade depende da capacidade de governança pública.

A seção anterior discutiu o conceito de política pública e seu vínculo com a capacidade de governança do Estado. Esse vínculo desbobra-se para atender às demandas da sociedade, que são muito mais complexas do que a própria capacidade de compreensão deste Estado. Stiglitz (2000) sintetiza esta diferença em três falhas do governo: informação limitada; limitado controle sobre as respostas dos mercados privados; e limitado con-trole sobre a burocracia. Ou seja, por mais que haja uma equipe técnica capaz de compreender o problema da sociedade, sintetizar ações formula-das para atender a esta demanda e implementar com a maior fidedignidade ao proposto, sem qualquer limitação de recursos, há elementos que natu-ralmente tornam a ação pública limitada. Não se consegue ter toda a infor-mação necessária para compreender as demandas reais da sociedade e nem mesmo para fazer as escolhas mais assertivas em um cenário político.

PROBLEMAS PÚBLICOS: UMA QUESTÃO INTERSETORIAL?

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Além disso, as consequências de muitas ações são complicadas e difíceis de prever. O governo tem um limitado controle sobre as consequências de suas ações e pelo processo de governança pública a interação entre Estado e Sociedade corresponsabiliza os diferentes atores dos seus atos e escolhas, mas as formaliza em um natural processo burocrático. Muito des-sa burocracia é necessária e nem toda ela é controlada pelo próprio governo.

Assim, pretende-se mostrar que as próprias decisões envolvem temas complexos que não são necessariamente o objetivo da ação de uma polí-tica pública, mas que têm reflexos em diferentes contextos. Para isso, estru-turou-se um exemplo com os principais temas referentes a políticas públi-cas: segurança, habitação, geração de renda, educação e saúde. Estes cinco itens usualmente compreendem a maior fatia dos orçamentos pú-blicos, que formalizam e materializam as políticas públicas. A figura 1 de-monstra o entrelaçamento de políticas e o imbricado conjunto de causas e efeitos, muitas vezes não esperados, que surgem a partir da ação pública em uma área. Em seguida essas relações serão exemplificadas.

A segurança não se refere somente à questão em si do policiamento. Discute, por exemplo, a estrutura urbana e das cidades quanto se trata de segurança pública, em que aponta o quanto esta estrutura pode facilitar ou dificultar a ação de defesa social. Ou seja, a forma como está organizada uma determinada cidade, os pontos vazios, como se denominam, podem dificultar ou potencializar uma ação e tornar aquele ambiente mais insegu-

SEGURANÇA RENDA EDUCAÇÃO SAÚDE

SAÚDE SEGURANÇA

HABITAÇÃO

HABITAÇÃO RENDA EDUCAÇÃO

EDUCAÇÃO SAÚDE SEGURANÇA HABITAÇÃO RENDA

RENDA EDUCAÇÃO SAÚDE SEGURANÇA HABITAÇÃO

HABITAÇÃO RENDA EDUCAÇÃO SAÚDE SEGURANÇA

Figura 1: Entrelaçamento das Políticas Públicas: um Desenho das Relações Intersetoriais

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ro. Nesse aspecto tangenciam-se várias outras áreas. A política habitacio-nal está diretamente relacionada à maneira como se terá a proteção daquele determinado ambiente, não só do patrimônio público, mas princi-palmente da sociedade. A própria renda e a sua desigualdade talvez seja um dos fatores mais relevantes e constitutivos do incremento da inseguran-ça e da percepção que se tem dela atualmente. A própria questão da edu-cação, não somente em termos formais, mas principalmente a informal. A educação que vem de dentro das famílias, da moral, da ética, dos padrões de costumes que se têm, isso interfere diretamente nos limites que estabe-lecemos entre um e outro cidadão, uma e outra pessoa, e que também aca-ba servindo por quebrar algumas barreiras que são necessárias para o convívio social e que torna o processo de insegurança muito maior. A pró-pria questão da saúde se vincula às dificuldades de manutenção de uma condição de vida mínima, que também leva a problemas de insegurança. Assim, ao tratar de uma política relacionada à segurança, não se discute especificamente sobre policiamento, mas sobre as várias causas e conse-quências que levam à questão da insegurança.

Da mesma forma, a política habitacional não se refere somente à bus-ca de um ambiente que proporcione qualidade de vida adequada para que a pessoa possa residir, mas que ela tenha uma infraestrutura adequada, que ela possa se locomover por regiões, que ela possa ter a capacidade de ir e vir dentro de um espaço, que ela consiga nesse ir e vir poder gerar a sua renda, possa ter acesso à educação formal, à segurança dentro daquele espaço, e ter acesso aos serviços de saúde, bem como condição mínima de higiene e saneamento, para diminuir os efeitos do ambiente sobre a saúde. Assim, ao tratar de habitação não é simplesmente construir casas, mas é construir, na verdade, espaços que permitam um convívio da sociedade.

A saúde, por exemplo, se inter-relaciona com todas essas áreas. Depende da educação formal e informal. Problemas crônicos que se viven-ciam na saúde coletiva devem-se, muitas vezes, à falta de conscientização e de educação, como é o caso da dengue, muitas vezes, ou outras doenças que não se conseguem resolver por uma ação, e não estritamente pela falta de vacinas ou de médicos, mas por uma questão da educação. Ainda, há forte interação com as habitações que não permitem ou que não são ade-quadas para que se consiga minimizar esses problemas de saúde. Ou por regiões que pela própria disposição das unidades habitacionais criam es-paços vazios ou obscuros, como são muitas vezes as favelas, por conta da dificuldade de urbanização e de acesso às casas. Com isso, algumas ações, que poderiam propiciar a melhoria da qualidade de vida ou a melho-ria da condição de saúde dessa população, não são acessíveis aos mora-dores.

A geração de renda não está associada simplesmente à melhoria da educação. Não adianta toda a população ter ensino superior ou de pós-

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graduação, se não há emprego para toda essa demanda de pessoal. Há demandas específicas de níveis diferentes. Assim, essa geração de renda, pela própria complexidade da sociedade, é muito mais difícil do que era an-tigamente, que era simplesmente a geração do emprego a partir de novos investimentos produtivos. Atualmente o emprego formal não é suficiente e devem-se criar alternativas de um processo de geração de renda, o que é muito mais complexo do que simplesmente a atração de investimentos. A própria questão da saúde que dificulta tanto o processo contínuo de gera-ção de renda, pessoas que têm dificuldades de manter os seus empregos por questões justamente da dificuldade do próprio espaço em que elas vivem ou trabalham, e isso dificulta o processo contínuo de geração de ren-da e elas consigam efetivamente uma inserção social. A própria questão da segurança está relacionada, por exemplo, à distribuição de renda. Enfim, políticas para gerar renda são complexas e interdependentes de fatores que são muito mais abrangentes do que a atração de investimento ou a busca de oportunidades para empreender. Envolve um conjunto de fatores condicionantes (como educação, moradia e segurança) e outros de opor-tunidade efetivamente, como a própria atração de investimento ou criação de oportunidades.

Por fim, ao tratar de educação, não se está referindo somente à escola, mas sim, a um ambiente adequado para que se consiga de uma forma plu-ral interagir com aquela comunidade. A escola é um ambiente de profissio-nais que interagem em diferentes comunidades, com situações extrema-mente diferentes, questões de segurança diferente. Situações em regiões em que a criança tem dificuldade de ter uma condição de saúde mínima para que ela possa frequentar a escola, em que ela sequer tem alimentação mínima; questões básicas para que ela consiga ter um nível de aprendiza-gem adequado. Ao tratar da educação, envolve-se um conjunto de temas mais complexo do que escola e professores.

Destarte, esses exemplos mostram claramente que os problemas e as ações são interdependentes e não podem ser segmentados por áreas ou funções.

A necessidade de uma ação intersetorial demanda não só pessoas capacitadas para esta ação, mas com essa visão abrangente do que podem impactar, quais são as causas e consequências e de que maneira essa rea-lidade vem se transformando. Então, por si só os objetivos fins que estabele-ce ao servir o público são objetivos que demandam não uma ação setorial tão somente, mas uma ação que transcende a visão tradicional de um setor, de uma determinada secretaria, de um órgão, mas que ela não vai se resol-

LIMITES E POTENCIALIDADES PARA POLÍTICAS PÚBLICAS INTERSETORIAIS

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ver se não houver a compreensão da complexidade desse todo. Pode-se muitas vezes resolver consequências, mas não a causa. Com isso, podem-se minimizar os problemas, mas não se estará mudando a realidade e no futuro se voltará a discutir uma realidade muito mais complexa porque à medida que esse problema não se resolve, ele será potencializando, e a demanda social será muito mais complexa do que ela é hoje.

Dessa forma, pelos argumentos desenvolvidos nas seções anteriores, compreende-se que não se trata de possibilidade das políticas públicas intersetoriais, mas da necessidade de tais políticas. Essa necessidade trans-cende a visão de uma ação puramente segmentada, ou seja, por setores, por órgãos e pessoas que participem da sua expertise para a concretude do problema maior. Trata-se de uma mudança da própria concepção da sua participação dentro daquele processo como um todo. Os problemas públicos se materializam como intersetoriais, independente de como são observados pela administração pública, e, portanto, devem ter uma ação intersetorial e ser resolvidos de uma forma não segmentada, mas organizada e orquestra-da. Essa organização e essa ação orquestrada demandam novas competên-cias da própria administração pública. Contudo, essas competências da administração pública são demandadas ao mesmo tempo em que se tem uma estrutura administrativa funcional setorial.

Para essa mudança de concepção seriam necessárias equipes nas diferentes secretarias com capacidade de interlocução e compreensão dos problemas, além daquela função social especificamente. Na secretaria de segurança pública, por exemplo, há pessoal capacitado essencialmente nesta área, o que leva ao raciocínio disciplinar e funcional sobre a questão da segurança. As pessoas que estão na educação são pessoas que estão intimamente ligadas à educação: são professores; isso leva a uma visão setorial da educação. Na medida em que essa constituição das secretarias, das unidades, é setorial, não se pode esperar resultados diferentes com estruturas iguais. Se se deseja um resultado intersetorial, as estruturas fun-cionais também têm de ser intersetoriais para que se possa avançar em uma integração maior. Se há necessidade de um problema na educação que seja mais complexo do que a relação pedagógica, necessita-se de outros olhares da administração pública com um modelo mental que dia-logue dentro daquela secretaria para avançar nessa ação.

Não é que o modelo setorial seja inibitivo de uma capacidade integradora de ações, mas dependeria da capacidade pessoal e não da estrutura de servidores com um modelo mental, além daquele para o qual foram formados. Contudo, não se pode exigir isso a menos que essa competência seja desen-volvida. E também não se pode exigir que naturalmente cada servidor tenha esta capacidade se foi formado disciplinarmente, e, muitas vezes, sua forma-ção nem inclui a própria complexidade da administração pública funcional, o que é mais um limitante – mas não se discutirá este ponto neste trabalho.

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Assim, a estrutura administrativa funcional tem que possibilitar esta visão integrada das áreas para lidar com os complexos problemas da administração pública. À medida que se mesclam pessoas de formações e modelos mentais diferentes em uma unidade que faça o diálogo entre esses setores, como equipes interdisciplinares, se potencializará uma equipe que tenha uma interlocução com a base, ou seja, com a visão do modelo mental daquela secretaria, mas, por outro lado, que também tenham uma das principais qualidades interdisciplinares: a capacidade de ouvir. As equipes multidisciplinares devem ter a capacidade de escuta e compreensão do outro porque os problemas nas diferentes áreas se aproximam, assim como a busca de políticas para resolver. Contudo, para isso, é necessário efetiva-mente ter mudança de comportamento.

Não adianta termos modelos estruturais orgânicos dentro de uma pre-feitura, qualquer que seja a instituição, se as estruturas administrativas e funcionais são as mesmas. Nesse caso, haverá modelos que vão tentar ser implementados, mas que naturalmente vão ter as suas dificuldades de implementação porque eles não vão ser compreendidos por aquelas secre-tarias. Não será, contudo, responsabilidade dos setores ou das secretarias, nem de quem está tentando estruturar um modelo, a falta de capacidade de implementar o modelo, mas será a falta de habilidade de entender de todas as partes. Precisa-se de pessoas e núcleos que façam uma integração diferente dentro dessas secretarias.

A legislação também não favorece essas mudanças estruturais. Exis-tem muitas ações que são setoriais porque há que se cumprir determinadas leis. Quando se distribui o mínimo de recursos por secretaria, se está indu-zindo essas secretarias a ter ações para a sua finalidade específica, cum-prindo uma determinada meta orçamentária; mas muitos dos problemas e muitas das soluções não perpassam somente por aquelas secretarias e não há a maleabilidade para conseguir utilizar de uma maneira consistente esses recursos para uma finalidade um pouco maior do que simplesmente a ação específica naquela secretaria. Existem também limitações que, na verdade, já moldam a administração pública como uma estrutura orgânica funcional. Outro exemplo é o orçamento, que deve ser por secretaria, retra-tando uma estrutura orgânica funcional. O corpo técnico é estabelecido setorialmente a partir das competências da finalidade daquela secretaria e não da complexidade daquela área que demanda como prioridade uma ação daquela secretaria, mas que transcende o seu objetivo. A secretaria de segurança não é responsável unicamente pela melhoria da segurança; é muita responsabilidade para uma única secretaria, isso transcende a pró-pria secretaria e, na verdade, requer uma ação muito mais integrada e or-questrada de toda a administração. Para haver uma ação mais organizada e orquestrada, demandam-se estruturas orgânicas diferentes que entendam de segurança e que possam fazer essa interlocução com outras secretarias

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também. Não se consegue compreender lá na ponta os modelos e as for-mas que poderiam ser pensados de maneiras criativas para buscar alter-nativas de resolver o problema, e acaba-se por pensar da mesma forma. Por isso, não se pode esperar resultados diferentes com a mesma estrutura e pensando do mesmo jeito.

Assim, a demanda é a única coisa da qual temos a clareza que é intersetorial, o restante e toda a organização ainda são setoriais, e isso nos dificulta bastante. Em termos de proposições para atender a esta demanda ainda é setorial, como se pode exemplificar com o orçamento, cujas bases seguem pressupostos legais. Na peça orçamentária consta construção de uma escola, consta a construção de postos de saúde, constam as ações que ainda se materializam desta mesma forma muitas vezes, só que não são equipamentos que se demandam para resolver esses problemas, mas sim, mudança de comportamento e visão, e isso não se retrata no orçamen-to. Isso demanda uma nova organização e uma nova estrutura da adminis-tração pública que façam com que as pessoas transcendam aquele objetivo que elas tinham. Isso não é muito simples, mas é uma mudança importante e demanda mais que o modelo organizacional: demanda uma mudança de comportamento, uma visão que entenda que a função do servidor público transcende aquela ação que ela faz de uma forma cotidiana e ele tem uma função muito maior lá na ponta. Por isso, é uma ação tão importante para a sociedade como um todo, mas que precisa ter um enfoque diferenciado.

Toda mudança exige transformações, e naturalmente há dificuldades para realizar mudanças e transformações. Para isso, não se precisa neces-sariamente de mais recursos financeiros. Como tratou Oliveira (2002), esta é uma questão relevante, mas que normalmente não é a maior inibidora da efetividade da política pública. Precisa-se, contudo, de recursos humanos com um novo olhar e novas capacidades para essa demanda. Essas novas capacidades demandam compreender o problema e não aquilo que está vinculado àquele problema.

Não se trata de servidores com formações disciplinares diferentes, mas de agentes públicos com um olhar diferente para o problema. Quando se unem pessoas de áreas diferentes e se diz esse é o comitê interdiscipli-nar, isso não é um comitê interdisciplinar, isso é um comitê num primeiro momento com a soma de disciplinas que pode se transformar em um comitê interdisciplinar se aquelas pessoas interagirem de uma maneira positiva. E isso exige novas capacidades para essas demandas. Essas capacidades têm de ser aprimoradas e desenvolvidas, imersas em uma mudança cultural na administração pública. Essa mudança exige uma mudança de cultura da administração que acontece a partir de quem é o agente político: o adminis-trador público. Para isso, precisa-se compreender que, quando se está fazendo parte de uma estrutura e de um programa, não se trata de uma disputa de recursos e de verba entre secretarias, mas de entender que o

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problema é muito maior do que fortalecer uma secretaria; o problema é resolver efetivamente e mudar a realidade de algumas pessoas. Esse en-tendimento deve estar disseminado em toda administração pública, do nível estratégico ao operacional, para que se materialize em uma mudança cul-tural. A ação pública não se concretiza pelas secretarias, mas pelo corpo técnico e por isso demanda-se um servidor comprometido e em condições de trabalho.

O servidor público é que pode ter uma mudança de cultura e isso não acontece em um governo, em uma gestão, mas precisa, principalmente, que se entenda o papel do servidor. Isso envolve um entendimento sobre a complexidade da ação de cada servidor, por mais simples e operacional que seja, mas que é um serviço complexo e relevante para o cidadão. A par-tir do momento em que o servidor e a administração tenham essa compre-ensão, a demanda pela transformação linear da estrutura será mais natural e possível. O servidor, como agente central, deve ter essa compreensão e potencializar a sua capacidade de interlocução com as demais funções e estruturas organizacionais. Para a administração, cabe compreender esse processo, estimular os ambientes de interlocução, desenvolver competên-cias e agentes públicos que disseminem esta cultura nos três níveis da administração (estratégico, tático e operacional) e promovam mudanças estruturais nas funções organizacionais para priorizar a busca por atendi-mento a problemas intersetoriais.

A partir da compreensão de que os problemas demandantes de ações públicas são únicos e abrangem diversas funções sociais, pode-se desenvol-ver os argumentos para exemplificar os limites, neste capítulo, sobre a imple-mentação de políticas públicas intersetoriais. Considerando que as políticas públicas são construídas pelo embate e diálogo de diferentes representações e interesses, as escolhas realizadas pelos governos para resolver os proble-mas públicos a partir de políticas envolvem expectativas de ações que mini-mizem as causas do problema. Contudo, as estruturas funcionais usualmente se organizam para tratar parte deste problema, lidando, com isso, com a con-sequência e não com a causa. O problema perdura e, muitas vezes, se forta-lece, dificultando a capacidade de efetividade da política pública. A distância entre o embate sobre o problema, a formulação da política e a sua implemen-tação ocorre por diversos motivos, inclusive pela forma como a administração está fracionada setorialmente para solução dos problemas e pela organiza-ção diferente entre os governos que planejam e os que implementam. Esses elementos dificultam e limitam as ações intersetoriais; contudo, há necessi-dade também de servidores com a competência de compreender o real pro-blema e a sua contribuição para minimizá-lo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Além do desenvolvimento da competência do servidor para o desem-penho do seu papel, que transcende a sua função operacional, demanda-se uma estrutura administrativa que promova esta interlocução entre as di-ferentes funções setoriais e grupos de trabalho que possam integrar efeti-vamente as ações em objetos comuns para atendimento de objetivos que priorizem a efetividade do resultado para a comunidade e não a meta da secretaria, por exemplo, com aquela ação. Isso não é tão simples e requer uma mudança cultural dos servidores e da administração em prol de um comportamento mais integrado e para além das suas habilidades discipli-nares desenvolvidas nos bancos escolares.

A potencialidade retrata-se pela capacidade de compreensão desta distância entre a política implementada e o problema originário, que torna mais clara a necessidade de mudança e qual olhar se pode ter para buscar resolver a causa e não mais a consequência. Além disso, apesar das amar-ras legais e burocráticas da administração pública, essas mudanças são viáveis porque dependem muito de uma postura do agente público e da administração, que pode consolidar-se como uma nova e mais complexa ação de Estado. A constituição de cargos públicos capazes de exercer esta interlocução como gestor público pode ser uma alternativa interessante uma vez que seja capacitado para aprimorar esta integração de áreas para atender aos problemas fins.

Por fim, indaga-se para futuras reflexões a importância de incorporar-se esta visão complexa da realidade e a própria complexa função do administrador público como presente nos cursos de graduação das diferen-tes áreas disciplinares que propiciem a formação de profissionais formados para este desafio. Também caberia avaliar o que poderia ser flexibilizado a partir das bases legais e burocráticas para se institucionalizar uma estrutu-ra funcional mais orgânica e adequada a esses desafios.

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MODELO PARA ATUAÇÃO INTERSETORIAL NA PREFEITURA DE CURITIBA SOB UMA PERSPECTIVA TRANSVERSAL

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Estado, Planejamento

e Administração Pública no Brasil

O tema participação cidadã e o discurso de atuação intersetorial adqui-riu em datas recentes grande relevância nos meios políticos nacionais e internacionais, de modo que os mecanismos de participação e decisão têm sido outorgados aos cidadãos como uma bandeira de desenvolvimento e democracia.

No entanto, a academia está convencida de que esses instrumentos nem sempre funcionam para tudo o que se sonhou e que, em muitas das práticas implementadas, as perspectivas de políticos e cidadãos têm sido diferentes daquelas que tais mecanismos implicam, sobretudo o que se entende por “empoderar pessoas” (FLORES, 2012).

Por essa razão o tema intersetorialidade e suas possibilidades de atuação foi um dos assuntos escolhidos para serem abordados durante o Ciclo de Debates, promovido pelo Instituto Municipal de Administração Pública (IMAP), neste ano comemorativo de seus 50 anos de existência.

Para esta apresentação fiz, inicialmente, uma revisão dos conceitos de intersetorialidade a serem considerados. Selecionei três que me pare-ceram representativos dos momentos passados e do momento atual da administração pública em Curitiba.

O primeiro conceito, elaborado quando a intersetoralidade era desta-cada como uma das características do novo Modelo de Gestão da Cidade, denominado Modelo de Gestão Curitiba (IMAP, 2000), aborda a intersetori-alidade como: “prática de planejamento, ação e avaliação multissetorial e integrada, com um trabalho articulado de todas as secretarias e órgãos da PMC” (IMAP, 2000, p. 22). Essa definição transmite a ideia da promoção de ações integradas entre diferentes setores da Administração Pública, vigen-te na Prefeitura de Curitiba até o ano de 2012.

Os outros dois conceitos foram escolhidos para fundamentar a pro-posta de atuação intersetorial aqui apresentada. O primeiro conceito de Herman Bakvis e Luc Jiullet (2004, p.16) diz que intersetorialidade¹ é a “coordenação e gestão de um conjunto de atividades entre duas ou mais unidades organizacionais, em esquemas nos quais unidades em questão não exercem controle hierárquico sobre as outras e cujo objetivo é gerar

¹ Os autores utilizam o termo “horizontalidade” em vez de intersetorialidade, na tradução do artigo: The horizontal challenge: line departaments, central agencies and leadership, porém o conceito se aplica a visão de intersetorialidade como aqui é apresentada.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL112

resultados que não podem ser alcançados isoladamente por elas"; e o segundo conceito, de Luciano Prates Junqueira (1998, p.15), afirma que “Intersetorialidade é a articulação de saberes e experiências no planeja-mento, na realização e na avaliação de ações, para alcançar efeito sinérgico em situações complexas, visando o desenvolvimento social.” Observa-se, aqui, que os dois autores acrescentam ao conceito anterior a articulação de saberes e práticas para alcançar um efeito sinérgico em situações comple-xas. Esses conceitos sugerem que a intersetorialidade acontece, principal-mente, quando as unidades em questão não podem, setorialmente, alcan-çar os resultados desejados.

Brugué (2011), em sua tese sobre Administração Deliberativa (tema também abordado nesse livro), destaca que a intersetorialidade e a trans-versalidade constituem-se em respostas para operacionalizar esse modelo de administração, porque, segundo ele, o mundo contemporâneo requer que se leve em consideração a complexidade de forma estruturante, o que exige trabalho colaborativo e participativo, na perspectiva de se resolver problemas importantes na área de formulação e implementação de políti-cas públicas. Para Brugué, esses problemas, denominados por ele “proble-mas complexos”, não respondem satisfatoriamente a soluções setoriais isoladas e requerem para o seu enfrentamento uma atuação intersetorial, sob uma perspectiva transversal. Transversalidade refere-se a temas oriun-dos de problemas complexos, não integrados nas áreas convencionais (como saúde e educação, por exemplo), de forma a estarem presentes em todas elas, como, por exemplo, a questão da violência.

Na parte introdutória da minha palestra, procurei mostrar aos partici-pantes a necessidade de se promover o envolvimento e o empoderamento da comunidade na seleção de temas de seu interesse, oriundos de proble-mas complexos (temas transversais) e estimular a sua coparticipação na gestão das políticas públicas instaladas (atuação intersetorial).

Nessa perspectiva, a questão posta foi: “como caminhar em direção a uma efetiva atuação intersetorial voltada à resolução de problemas comple-xos gerados por temas transversais, numa perspectiva participativa e democrática, movida pela transparência, pela responsabilização e empo-deramento do servidor público e da população?”.

O conteúdo das próximas seções deste capítulo contempla temas que se propõem a responder essa questão. Inicio com breve trajetória das iniciativas de intersetorialidade desenvolvidas na Prefeitura de Curitiba nas últimas duas décadas, porque, como servidora pública há mais de 25 anos e conhecendo experiências passadas, tenho a compreensão de que elas são fundamentais para criar significado e para a tomada de decisões nas escolhas presentes. A seguir, na seção 3, faço considerações sobre inter-setorialidade numa perspectiva de transversalidade. E, finalmente apresen-to, na seção 4, uma configuração preliminar de modelo de atuação interse-torial.

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HISTÓRICO DOS MODELOS DE GESTÃO NA PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA

Freguesias (1986)²

Coordenações Funcionais

Modelos de gestão tratam de como as administrações públicas se organizam para cumprir sua missão de governar a unidade administrativa. Nesta seção apresento breve história dos modelos de gestão adotados em Curitiba, com foco na intersetorialidade, a partir de 1986, bem como inicia-tivas setoriais de intersetorialidade, constituindo-se numa base empírica que oferece lições aprendidas para a uma efetiva ação intersetorial.

A criação das Freguesias foi primeira experiência administrativa com a proposta de participação popular numa perspectiva de gestão democrática, na qual a população indicava e escolhia as obras que desejavam em seus bairros (TOMASS, 2013). A forma de gestão dos serviços foi sendo alterada gradativamente, com novos significados de papéis e intervenções, e a polí-tica de descentralização ganhou um novo impulso. Criadas, pelo Decreto n.º 41, as nove Regionais denominadas Freguesias eram subordinadas à Se-cretaria Municipal das Administrações Regionais. Sua finalidade era coor-denar o planejamento local, promovendo a articulação entre as áreas-fins da Prefeitura e a população, e com atribuições contidas na Lei n.º 6.817/86 voltadas à identificação de necessidades locais, planejamento local compa-tível com as condições físico-territoriais e socioeconômicas; estabelecer interligação do planejamento local ao planejamento da cidade como um todo; e apresentar e executar alternativas de obras de serviços públicos que satisfaçam as perspectivas da administração regional e da população entre outras.

Embora tenham sido criadas formalmente para desempenhar o papel de promotoras do planejamento local e articuladoras das áreas-fins com a população, as Regionais estiveram voltadas ao longo dos anos prioritaria-mente para questões de obras e de infraestrutura urbana, representando, na realidade, uma extensão do poder central, no sentido de “ouvir” e enca-minhar as demandas da população.

As Coordenações Funcionais, criadas em 1991 são agrupamentos de secretarias e entidades da administração direta e indireta da Prefeitura

² Regional Centro, arquiteto Sergio P. Pires; Regional do Portão, advogado Jonatas Pirkiel; Regional do Cajurú, Emilio Lima; Regional do Pinheirinho, Lázaro Correa da Silva; Regional do Umbará, (Saudoso) Francisco Claudino; Regional do Boqueirão, (Saudoso) Agenor Dias da Silva; Regional da Boa Vista, prof. Marcos Paterno; Regional de Santa Felicidade, Vicente Palhares Filho e Regional de Campo Comprido, Osmar Sansonowski.

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Municipal de Curitiba, que funcionavam como Conselhos, com a função de elaborar as políticas setoriais de atuação, evitando superposições e frag-mentação das ações.

As ações da Prefeitura de Curitiba eram desenvolvidas pelas seguintes coordenações funcionais: Gabinete, Meios Administrativos, Infraestrutura, Ação Social e Estrutura Urbana. A situação geral da Administração Pública, apresentada no Relatório de Gestão (CURITIBA, 1990), em cumprimento à finalidade legal de prestação de contas sobre a situação geral da Adminis-tração Pública Municipal (Lei Orgânica, 1990), era relatada por coordena-ções funcionais.

A partir de 1997 o Governo de Curitiba adotou como referência para ação transformadora da Administração Municipal o Modelo de Gestão Curitiba, orientado pelo modelo proposto pelo ‘Centro Latino Americano de Administración para el Desarrollo - CLAD’ no documento “Una Nova Gestión Pública para América Latina (1998)”. Sistematizado pelo IMAP, esse movimento denominado “Gestão por Resultados” tem como principais características, o pensamento estratégico, o foco nos resultados, a descen-tralização das ações e as ações compartilhadas e intersetoriais, conforme detalhamento a seguir: I - Pensamento Estratégico presente no cotidiano, definido como “um processo contínuo e sistemático de direcionar a organi-zação para atingir sua missão, na perspectiva de uma visão de futuro” (IMAP, p.16); II - Ação Descentralizada, entendida como a “aproximação da Administração Pública com a população, possibilitando maior conhecimen-to das suas necessidades e demandas, visando à agilização e a melhoria das respostas” (IMAP, p. 20); III - Atuação Intersetorial, que “promove a prá-tica do planejamento, ação e avaliação multissetorial e integrada, com um trabalho articulado com todas as secretarias e órgãos da PMC” (IMAP, p.22); IV - Ação Compartilhada, que “estabelece parcerias, corresponsabili-dade na gestão de programas e projetos e ampliação dos canais de comu-nicação entre o poder público e a sociedade” (IMAP, p.18): e V - Foco nos resultados, “com vistas à busca de resultados, tanto internos quanto exter-nos, procurando identificar o grau em que se atingem os objetivos e metas traçadas (eficácia), a melhor relação custo-benefício possível (eficiência) e o impacto das ações na comunidade (efetividade)” (IMAP, p.24).

Tendo como referência esse modelo, Curitiba elaborou seu plano de governo com a metodologia de Planejamento Estratégico Situacional (PES), 1997 - 2000, e estabeleceu 20 projetos estratégicos³, desenvolvido de for-ma matricial, concentrando a coordenação desses projetos no Instituto de

Modelo de Gestão por Resultados (1997-2012)

Modelo de Gestão Curitiba (1997 - 2000)

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Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC). Os instrumentos utilizados para avaliar e monitorar os projetos foram o Lotus Notes e o MS Project.

Nessa nova formatação adota-se a lógica matricial, que consiste nu-ma combinação de estrutura por projeto e por departamento. Essa nova concepção estrutural exige que as pessoas integrem diversos grupos, subordinando-se a diversos chefes/coordenadores, lutando contra o tempo e as limitações de recursos e dedicando-se a diferentes programas de acordo com e a estrutura matricial a matriz de responsabilidades.

Mantendo o mesmo modelo de gestão acima descrito e adotando a metodologia de apropriação do território denominada Decidindo Curitiba, a PMC dá mais um passo em direção à ação intersetorial. Esse modelo culmina em um diagnóstico global da cidade, de forma regionalizada, inter-setorial e multissetorial a partir das dimensões: social, urbanístico ambien-tal, infraestrutura, legal, fiscal e de organização (IMAP, 2002).

O Decidindo Curitiba foi um movimento de fortalecimento da interseto-rialidade e da descentralização. A partir de diagnóstico integrado e de elaboração de planos de ação, estava dado o desafio de fortalecer a ação conjunta, o trabalho sinérgico dentro da organização e em conjunto com a sociedade para maior desenvolvimento do Município.

No início da gestão 2001-2004, a partir do novo Plano de Governo e do diagnóstico integrado, define-se um marco institucional na PMC. No perío-do de 100 dias, o desafio proposto foi representado pela elaboração dos Planos Estratégicos, realizados pelas 26 secretarias e órgãos, resultando

4em 12 Projetos Âncoras .

Esse movimento consolida a integração das políticas públicas, em territórios priorizados em áreas de risco social para atuação conjunta da PMC, fortalecendo a marca “capital social”, definida em 2002. Nesse período destaca-se a disseminação em larga escala de uma nova ferra-

Decidindo Curitiba (2001 - 2004)

O Modelo Curitiba de Colaboração (2001-2004)

³ Ahú Cabral, BR-Cidade, Centros de Bairros, Cidadão em Trânsito, Digitando o Futuro, Eixo-Barão Riachuelo, El Niño, Empório Metropolitano, Habitação, Linhão do Emprego, Plano 1000, Portão Cultural, Patrimômio Cultural Rebouças, Revivendo Curitiba, Saneamento Bairro a Bairro, Segurança, Segurança no Trânsito, Vila Olímpica, Zoneamento e Uso do Solo.

4 Projetos Âncora: Aprender, Cidadão em Trânsito, Cidade Oportunidade, Cidade Segura, Conviver, Curitiba Tecnológica, Linhão do Turismo, Meu ambiente, Nossa Vila, Novo Rebouças, Plano 1000 e Vida Saudável.

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menta: a metodologia do Modelo Curitiba de Colaboração (Curitiba, GETS United Way of Canadá – 2004), construída de forma colaborativa e interse-torial por todos os funcionários envolvidos neste movimento, inicialmente na Regional Cajuru e mais tarde institucionalizado em todas as Adminis-trações Regionais de Curitiba.

Os Grupos Funcionais surgem a partir de 2005 com o objetivo de agregar diversos órgãos que compõem macrofunção de governo; assim, a tomada de decisão passa a ser definida por meio de um colegiado estratégi-co, seguindo um novo formato de ação da intersetorialidade. Foi estrutura-do, com as devidas atribuições, o Grupo de Planejamento, Orçamento e Finanças, composto pela Secretaria Municipal de Planejamento e Coor-denação (SEPLAN), Secretaria Municipal de Finanças (SMF) e Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC); posteriormente o Instituto Municipal de Administração Pública (IMAP) também passou a inte-grar o Grupo Funcional. As estratégias do governo, amplamente discutidas e aprovadas em reuniões com todos os secretários e presidentes no Fórum de Secretários (acordo de) “damas” e “cavalheiros” foram: Desenvolvimento Social; Cidade do Conhecimento; Trabalho e Desenvolvimento Econômico; Mobilidade Urbana; Integração Metropolitana; Gestão Democrática e De-senvolvimento Institucional; e Infraestrutura, Urbanismo e Meio Ambiente. Estes eixos foram desdobrados em programas, com um conjunto de ações do respectivo órgão, desdobradas em tarefas e contando com a figura efe-tiva dos seus produtos, responsáveis e prazos. Nesse modelo, o planeja-mento é feito intersetorialmente e ações e tarefas são desenvolvidas seto-rialmente. O monitoramento e a avaliação de resultados eram feitos por sistema informatizado denominado – Sistema de Acompanhamento de Ações do Governo (SAGA), desenvolvido no IMAP a partir de software livre, que sofrerá uma evolução ascendente no sentido de desenhar, a partir das tarefas, as ações, os projetos, os programas e as estratégias de governo.

A gestão 2009-2012 fundamenta o Plano de Governo com a meta mobilizadora “Curitiba a melhor qualidade de vida das capitais brasileiras”, (IMAP, 2012) desdobrada em seis eixos: Cinco eixos de Produção Social: Morar em Curitiba; Aprender em Curitiba; Trabalhar em Curitiba; Cuidar em Curitiba e Viver em Curitiba; e um eixo para promoção da capacidade de governar, denominado Bom Governo. Esses eixos foram desdobrados em 18 programas. O plano foca as prioridades estabelecidas e apresentadas

Grupos Funcionais (2005 - 2008)

Gestão para Resultados: A Experiência De Contratualização (2009 - 2012)

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no Documento Diretrizes e Bases para Contrato de Gestão, constituindo-se em ferramenta de alinhamento organizacional com foco em resultados e atende a diversas finalidades específicas: 1) Pactua com cada dirigente objetivos, metas e propostas – expressos em Programas e Projetos – a serem realizados durante a gestão; 2) endereça atribuições de coordena-ção de Programas e projetos, estabelecendo a matriz de responsabilida-des; 3) facilita a interlocução, a gestão e a execução; 4) realiza o monitora-mento periódico por meio da Unidade de Gestão do Plano de Governo, como mecanismo de avaliação permanente; e 5) realiza ajustes e correção de trajetória no andamento do Plano de Governo. (GIACOMINI, 2012).

Igualmente importantes foram os movimentos setoriais de intersetoria-lidade desenvolvidos em diferentes órgãos e em diferentes momentos da administração anterior.

Entre esses se destacam:

Organizados em decorrência da política interna da Secretaria Municipal da Administração (SMAD), os trabalhos apresentam a metodolo-gia criada e elaborada pela Secretaria e o consequente, Sistema SMAD de Gestão Administrativa (SSGA).

A Rede de Proteção é um conjunto de ações integradas e intersetoria-is para atender a crianças e adolescentes em situação de risco pessoal: sob ameaça e violação de direitos por abandono, violência física, psicológica ou sexual, exploração sexual comercial, situação de rua, de trabalho infantil e outras formas de submissão que provocam danos e agravos físicos e emo-cionais.

A Rede Solidária para o Morador de Rua foi estruturada em julho de 1995 com o Programa FAS - SOS/Educadores de Rua, tendo como propos-ta o atendimento social de emergência à população adulta que se encontra-va na condição de morador de rua na cidade, e que não respondia aos encaminhamentos propostos. Na área de atenção às pessoas em situação de rua, esse projeto, que faz parte do Plano de Governo na gestão 2009/ 2012, vem reordenar e potencializar os serviços de âmbito municipal que

Movimentos Setoriais de Intersetorialidade

Transversalidade, Rede e Hierarquia – metodologia em planejamento estratégico.

Rede de Proteção

Rede Solidária para o Morador de Rua

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são realizadas pelos órgãos governamentais e não governamentais para a população em situação de rua. Tem por objetivo trabalhar com crianças, adolescentes, jovens e adultos em situação de vulnerabilidade social, que fazem da rua o seu espaço para viver.

Implantado em 2009, o Projeto Família Curitibana tem por objetivo promover a melhoria das condições de vida das famílias que se encontram em situação de maior vulnerabilidade social em Curitiba, pelo desenvolvi-mento de serviços de proteção social nas áreas de assistência social, educação, saúde, segurança alimentar e nutricional, habitação, trabalho, meio ambiente, cultura, esporte e lazer. O projeto tem caráter de garantia de direitos e ressalta o papel de cada política pública e da própria família participante, no processo de sua emancipação.

Lançado em 2005, o programa Comunidade Escola consiste na aber-tura das escolas nos finais de semana tendo como objetivo tornar a escola como ponto de referência e espaço aberto ao conhecimento. Coordenado por um comitê gestor e tendo como instância deliberativa um Colegiado de Órgãos, composto por representantes das secretarias e órgãos da PMC, representantes de instituições parceiras e diversos segmentos da socieda-de, o Comunidade Escola oferta ações socioeducativas nos eixos: Saúde, Esporte e Lazer, Empreendedorismo, Educação e Cidadania e Cultura. Desde seu lançamento contabiliza milhões de participações.

Acredito que, assim como a mim, este breve relato fez leitores e leito-ras, principalmente servidores(as) públicos de Curitiba, identificaram-se com experiências vivenciadas em diferentes momentos de sua trajetória profissional.

Dessa trajetória, destaco algumas lições aprendidas:

1. O planejamento era realizado em processo único, sem contemplar de forma separada problemas oriundos de situações complexas (temas transversais) que demandam ações intersetoriais;

2. O Modelo matricial, adotado na maioria das gestões, implicava que os envolvidos no projeto se reportavam a dois “chefes”, de projetos matriciais e funcionais, sendo alocados parcialmente nos projetos refletindo negativamente na intersetorialidade;

3. Apesar da atuação intersetorial na elaboração do diagnóstico inte-grado, persistiu a execução setorial, gerando sombreamento das ações, observadas nos relatórios de gestão, na participação nos comitês e na atuação regional;

Projeto Família Curitibana

Comunidade Escola

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4. Houve excessiva preocupação com os processos e os indicadores estabelecidos dando-se maior ênfase na efetividade das políticas e menor, na qualidade dos resultados e na mudança da realidade;

5. Houve dificuldades na consolidação da intersetorialidade no que tange à execução dos projetos e à efetiva participação comunitária: e, ainda,

6. Ocorreu falta de avaliação crítica do processo.

A base teórica e a dinâmica operacional para o modelo a ser apresen-tado neste documento baseia-se nos estudos de Prates Junqueira (1998), Aldaíza Sposati (2006) Quim Brugué (2011) e na experiência canadense de intersetorialidade descrita por Herman Bakvis e Luc Juilllet (2004). Para desenvolver esta seção, quero, inicialmente, resgatar os dois últimos con-ceitos apresentados na introdução deste capítulo, que destacam que a inter-setorialidade vai além da atuação integrada entre setores, como definida nas administrações passadas e sugere que ela deve se efetivar, principal-mente, quando as unidades em questão não podem, setorialmente, alcan-çar resultados desejados na abordagem de problemas complexos de cará-ter transversal. Descrevo, a seguir contribuições dos autores citados sobre essa questão.

Aldaíza Sposati (2006) põe em questão compreensões dogmáticas sobre a intersetorialidade e alerta sobre o uso inadequado deste termo como um modismo. Para ela, é preciso perguntar “por que” e “para que” se está optando pela intersetorialidade na administração pública. Conclui que a gestão intersetorial da ação pública não é algo absoluto ou por si só posi-tiva; a intersetorialidade significa adotar uma decisão racional no processo de gestão, cuja aplicação pode ser positiva, ou não. O grau de intersetoriali-dade pode ser combinado a modelos mais ascendentes ou mais descen-dentes de gestão, e é nesta combinação que estará a virtude, não podendo ser considerada antagônica ou substitutiva da setorialidade e sim, reside em combinar setorialidade com intersetorialidade e não contrapô-las no processo de gestão.

Segundo Junqueira (1998), a intersetorialidade deve ser vista como modelo alternativo e complementar da organização, propiciando a introdu-ção de práticas de planejamento e avaliação participativas e integradas, na perspectiva situacional de compartilhamento de informações e de permea-bilização ao controle social em que as unidades em questão não exercem

CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS PARA ATUAÇÃO INTERSETORIAL SOB A PERSPECTIVA TRANSVERSAL

O “Porquê” da intersetorialidade

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controle hierárquico sobre as outras e cujo objetivo é gerar resultados que não podem ser alcançados isoladamente por elas.

O modelo de gestão intersetorial tem se mostrado mais factível quan-do combinado à descentralização territorial, orientado pela igualdade e intersetorialidade numa perspectiva democrática (SPOSATI, 2006). Essa perspectiva coincide com Brugué (2011) quando afirma que a intersetoriali-dade e a transversalidade constituem-se em respostas para operacionali-zar esse modelo de administração.

O conceito de transversalidade nasce dos movimentos de renovação pedagógica, na educação, entendido como uma forma de organizar o traba-lho didático na qual alguns temas são integrados nas áreas convencionais, de forma a estarem presentes em todas elas. Refere-se aos temas, oriun-dos de problemas complexos, não integrados nas áreas convencionais, como saúde, educação, meio ambiente, de forma a estarem presentes em todas elas, denominados “temas transversais”, como, por exemplo, a segu-rança e a mobilidade urbana.

Com base no apresentado até aqui, é possível argumentar que as ini-ciativas intersetoriais na PMC existem há muitos anos, porém, o que parece ser o novo ingrediente é o reconhecimento de um número cada vez maior de áreas que envolvem questões importantes e complexas, bem como a disposição de atacá-las e de desenvolver novos insigts para melhor abordá-las. E esta abordagem demanda novos modelos para atuação intersetorial.

Mesmo que as questões atualmente rotuladas como intersetoriais sejam, na verdade, questões “antigas”, o novo desafio é o de desenvolver ferramentas e estruturas adequadas para lidar com a intersetorialidade, reconhecida como uma necessidade que para muitos servidores traduz-se em demandas concretas de nova forma de trabalhar.

Com base na experiência canadense (BAKVIS e JULIET, 2004), há alguns elementos a serem considerados para a atuação intersetorial: a modernização e prestação de serviços focados nos cidadãos; os custos e benefícios e os mecanismos de Accountability; o maior tempo gasto em reuniões, o maior número de documentos e relatórios, e mecanismos de accountability mais complexo; a infraestrutura lógica e ferramentas para acompanhamento, de recursos materiais e humanos; a habilidade para negociar, mediar e comunicar-se; o papel dos órgãos centrais na identifica-ção de problemas transversais, na coordenação e no monitoramento das ações intersetoriais.

O “Quando” da intersetorialidade

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Os autores salientam, ainda, que a falta de comprometimento da Alta Administração é uma das maiores fontes de frustração e de abortamento das iniciativas intersetoriais. Cabe à alta administração: definir os órgãos envolvi-dos, suas competências, atribuições e os resultados esperados; apoiar per-manentemente o processo de mudança cultural, designar recursos financei-ros e incentivos; recrutar servidores com “habilidades intersetoriais”; e criar unidade especial para apoiar a “intersetorialidade”.

Considerando que a intersetorialidade será mais efetiva quando com-binada à descentralização territorial (SPOSATI, 2006), caberá aos órgãos centrais: Governança e accountability compartilhados na aferição dos resul-tados; definição de áreas relacionadas no Plano de Governo; compartilha-mento dos mesmos objetivos/evitar conflitos; conciliação de situações confli-tantes de diferentes órgãos; formação do “comitê diretor”/conselhos para a tomada de decisão; estímulo aos grupos; e equipes de trabalho intersetorial com planos de trabalho para cada um dos projetos.

Com base no que foi relatado, pode-se concluir que o trabalho interse-torial exige muito dos que se envolvem nele. Consome muito tempo e au-menta o volume de documentos e relatórios. Os autores canadenses su-gerem que nenhuma organização deve “embarcar” nessa ideia sem antes considerar: custos e recursos; liderança com disposição para trabalhar jun-tos; e a definição cuidadosa de prioridades e as diferentes contingências. Destacam, ainda, que as ações precisam ser mensuráveis e evidenciadas por meio de indicadores de resultados; e, principalmente, deverá haver equilíbrio adequado entre interesses e objetivos conflitantes.

Com base nessas considerações, apresento, a seguir, modelo preli-minar para atuação intersetorial sob uma perspectiva transversal.

Escolhi para a representação gráfica deste modelo intersetorial sob uma perspectiva transversal, a imagem de um guarda-chuva (figura 1) representando as regionais de Curitiba. Isto porque, como já vimos, “a intersetorialidade tem se mostrado mais factível quando combinada à descentralização territorial...” (SPOSATI, 2006). As abas do guarda chuva representam os diferentes segmentos sociais: públicos, privados e do terceiro setor. Essa mesma estrutura se repete em cada uma das nove regionais. O planejamento e a operacionalização dos projetos transversais (definidos pelo nível estratégico) acontecem nas regionais. Os projetos são executados por uma comissão intersetorial, constituída por representantes das secretarias e dos órgãos e designada pelo nível central. Essas comis-sões atuam em caráter de exclusividade nos projetos transversais, e são responsáveis por mobilizar e envolver os demais segmentos da sociedade,

MODELO PRELIMINAR DE ATUAÇÃO INTERSETORIAL SOB UMA PERSPECTIVA TRANSVERSAL

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL122

envolvidos na operacionalização dos projetos, como, por exemplo: os con-selhos, as universidades, entidades religiosas, entre outros.

O cabo do guarda-chuva representa a Unidade Gestora de Projetos Transversais. São instâncias de responsabilização, monitoramento e ava-liação dos projetos transversais, constituída por secretarias responsáveis pelo Plano de Gestão e criação de instrumentos de gestão, por exemplo, a SEPLAN, IMAP, e por representantes das secretarias articuladoras de te-mas transversais, como, por exemplo, as secretarias do Deficiente e da Mulher, responsáveis pelos insumos necessário à execução do projetos.

A base do guarda-chuva representa os temas transversais oriundos de problemas complexos, como, por exemplo, Segurança, Mobilidade Social, Juventude e Trânsito.

São atribuições da Unidade Gestora de Projetos Transversais: apre-sentar e disseminar o modelo por meio de ações de capacitação; articular em nível central com as secretarias/órgãos para identificação de temas transversais nos seus programas e projetos; alinhar o Plano de Governo com o Plano de Atuação Intersetorial; definir os problemas complexos e respectivos temas transversais para atuação intersetorial; monitorar e ava-liar das ações do Plano Regional de Atuação Intersetorial.

São atribuições das comissões intersetoriais: elaborar e executar o Plano de Ação Intersetorial nas regionais; articular com diferentes segmen-tos da sociedade, em nível regional, para a execução compartilhada das ações previstas nos projetos transversais; estabelecer uma rede de diálogo, confiança e transparência de forma a garantir uma unidade intersetorial na execução das ações.

É requisito fundamental para o desenvolvimento dessas atribuições o trabalho com os demais membros da comissão, de forma sensível, comuni-cativa e não competitiva com foco na administração voltada à resolução de problemas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A intenção deste capítulo foi descrever o modelo de atuação interseto-rial apresentado no 3º Ciclo de Debates promovido pelo Instituto Municipal de Administração Pública, em junto de 2013. Quero destacar que, depois da apresentação desta versão, a proposta vem sendo discutida com outros ato-

Figura 1: Modelo Preliminar de Atuação Intersetorial - 2013

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res da Prefeitura de Curitiba, no sentido de coletivamente aprimorá-la, evi-denciando aspectos do seu funcionamento e da sua dinâmica de relacio-namento, de fundamental importância para a operacionalização do modelo. Outro aspecto que gostaria de destacar neste texto foi a importante contribu-ição das pessoas participantes da palestra. Na ocasião lancei uma per-gunta sobre como seria possível avançar para uma efetiva atuação inter-setorial na Prefeitura de Curitiba. As 182 pessoas presentes responderam a essa pergunta da seguinte forma: 24% priorizaram como fundamental o pla-nejamento e a avaliação das ações intersetoriais: "O planejamento é muito importante para o desenvolvimento das ações, mas não bastam somente reuniões, temos que ter resultados”; 22% destacaram que a intersetorialida-de somente poderá ser efetivada quando houver responsabilização:

Há a necessidade do envolvimento e comprometimento do Prefeito e a designação de um Secretário ou Assessor que se posicione em linha hierárquica diferenciada, de forma que, apesar da cultura setorial, a intersetorialidade seja por alguém cobrada, acompanhada e coordenada.

A capacitação dos servidores para a compreensão e efetiva atuação intersetorial foi lembrada por 21% dos respondentes:

A estrutura de trabalho permite, precariamente a ação setorial. Os servidores públicos precisam desenvolver suas ações a partir das demandas nos territórios, entendendo o processo intersetorial; mas esse entendimento não se tem no momento; precisa-se, portanto, primeiramente ter a compreensão do que é intersetorialidade e nosso enten-dimento. Construção coletiva do processo, corresponsabilização dos atores.

Outros (15%) colocaram como um pré-requisito a existência de gover-nança efetivamente participativa:

A estrutura de trabalho permite, precariamente a ação setorial. Os servidores públicos precisam desenvolver suas ações a partir das demandas nos territórios, entendendo o processo intersetorial; mas esse entendimento não se tem no momento; precisa-se, portanto, primeiramente ter a compreensão do que é intersetorialidade e no nosso entendimento a construção coletiva do processo, corresponsabilização dos atores.

As demais respostas (18%) constituíram-se em sugestões e descrédi-to, tais como:

Aproveitar a ações atuais já integradas como: Família Curitibana, Rede de Proteção, Comunidade-Escola e aprimorá-los, discutindo, promovendo esta reflexão junto aos atores envolvidos e implementar mecanismos de diagnóstico, planejamento, implemen-tação, monitoramento e avaliação das ações; [...] Precisa existir uma política pública que trabalhe com todos os servidores na conscientização e quebra de paradigmas, onde haja uma comunicação e abertura, onde as Secretarias troquem informações e não apenas por critérios de impessoalidade. [...] O discurso continua o mesmo...”.

Todas essas contribuições reforçam a importância do assunto aqui abordado.

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REFERÊNCIAS

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SPOSATI, Aldaíza. Gestão pública intersetorial: Sim ou Não? Comen-tários de experiência. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 85, p. 133-141, mar. 2006.

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A CIDADE E O MEIO AMBIENTE: A EXPERIÊNCIA DE CONSTRUÇÃO COLETIVA POR UMA CIDADE SOLIDÁRIA

Cic

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Estado, Planejamento

e Administração Pública no Brasil

Vamos falar sobre Desafios e sobre Curitiba hoje. Gestão não é algo simples, Gestão Urbana não é algo simples e Gestão Urbana Participativa é bem mais complexa. Relato experiências do trabalho há mais de vinte anos em Gestão de Projetos Ambientais relacionados com a natureza, e partici-pativos, nos quais tive a oportunidade de olhar, aprender, estudar como funciona a natureza e sua importância para compreender o mundo em que se vive.

A natureza tem uma lógica irreversível, inquestionável, que é uma lógica que se fundamenta, primeiro no convívio da diversidade, na natureza os diversos se complementam, se reconhecem, se encontram e se comple-mentam. A natureza tem uma regra muito explícita de sobrevivência, é preciso assegurar aos que vêm depois, as condições necessárias para que sobrevivam. E isso estabelece, na verdade, um conceito permanente de sustentabilidade que, de certa forma, foi apropriado nos últimos tempos, com a vida urbana, mas não é um conceito simples e nem muito adequado.

Sustentabilidade, quando se fala em ambientes naturais, significa que as trocas, as inter-relações, a construção dos ambientes propícios, os pequenos detalhes que permitem a milhares de formas de vida, desde micro-organismos até mamíferos, se sustentarem sucessivamente, gera-cionalmente. O conceito é muito difícil de aplicar à cidade, mas a natureza ensina que a sustentabilidade funciona assim, e que é essa capacidade de se preparar para quem vem depois, durante quatro bilhões de anos, que permitiu que o nosso lar fosse este. Na verdade, é o nosso único lar. E foi esse processo de lógica da vida, que nos deu esta casa. A ideia de que esta casa tem que servir para quem está aqui, agora, e para quem vem depois, e isso complica tudo. É fácil dizer que na natureza a lógica é essa, mas, quan-do chega aqui, numa terra ocupada por sete bilhões de pessoas vorazes, temos que pensar para frente, ela se mantém, e o Brasil tem uma história nesse sentido.

No Brasil, André Rebouças era realmente uma figura extraordinária. Primeiro porque ele era negro, era descendente e neto de escravos, conseguiu estudar e entrar numa universidade, frequentava a corte, era abolicionista. Em 1876, na mesma época em que se começava a forjar os

REFLEXÕES DOS MOVIMENTOS NO BRASIL IMPERIAL

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL

conceitos científicos sobre o funcionamento da natureza, Rebouças diz que não há nada melhor a ser feito pela geração atual do que doar, às gerações vindouras, paisagens intactas. Fala que daqui a centenas de anos, os nos-sos descendentes poderão ver, sendo um direito imaterial e gostaria muito que os descendentes dele pudessem ver áreas livres do ferro e do fogo. É saber que esses sonhos existem.

Em 1876, praticamente junto com a criação do primeiro Parque Nacio-nal no Brasil e com a evolução do conceito de ecossistema, o conceito de Ecologia criado por um alemão chamado Ernest Hert, admirador de Darwin, juntando essas ideias, assim se criou a ideia de que as relações entre os seres vivos se estabelecem segundo as necessidades de cada um, e as possibilidades de cada um. O fato é que os ambientes naturais se desenvol-vem com cada um cedendo um pouco e cada um oferecendo um pouco.

O Brasil construiu uma legislação, é como se fosse uma construção paralela, e quase oposta, à realidade. É uma legislação muito rica, do ponto de vista ambiental, porque, na verdade, são as primeiras leis que levantam questões de interesse público, acima das questões do interesse privado, ou seja, que elevam o Estado a uma outra categoria, categoria de um servidor maior, de um interesse maior, e isso diz respeito ao trabalho de cada um de vocês. É a legislação ambiental.

Tivemos, nesse caso, muita sorte de termos pessoas que, de Rebou-ças para frente, foram sensíveis o suficiente para levantar questões muito desafiantes, muito instigantes, porque elas desafiavam o sentido da pro-priedade, o sentido do direito absoluto do proprietário, que era o que funda-mentava toda a organização social do Brasil desde as Capitanias Heredi-tárias.

Em 1965, o Código Florestal Brasileiro dispõe sobre o interesse cole-tivo, o interesse de todos está acima do direito da propriedade. Não é à toa que demorou, porque essa Lei irritava quem era dono de terra. Dizia que aquilo que interessava ao povo estava acima daquilo que interessava ao fazendeiro. A Lei foi aprovada durante o período da Ditadura, é curioso, como dizia Leminski “distraídos venceremos”. Assim passa o Código Flo-restal, como depois passa o Estatuto da Terra, falando em função social da terra.

A Lei n.º 6.938, que é a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, ainda durante o período da Ditadura, é uma Lei extremamente moderna, visa assegurar a segurança nacional, então a questão ambiental é uma questão de segurança nacional: proteção da dignidade da vida humana. A mesma Ditadura que tinha colocado a sociedade brasileira

LEGISLAÇÃO E SOCIEDADE

130

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inteira, como um todo, numa situação de extrema indignidade, aprova uma lei falando em proteção da dignidade humana. Fomos por um caminho mui-to estranho construindo conceitos modernos, ao longo daquela desmoder-nidade que era a Ditadura Militar.

Nessa mesma lei há uma ênfase na participação ativa do cidadão, é curioso, e é preciso dar mérito ao Dr. Paulo Nogueira-Neto, que era um biólogo, um cientista e uma pessoa da elite paulistana, surpreendentemen-te capaz, que reconheceu, na época, que só se constrói algo junto com a sociedade, ou não se constrói. Ele começa uma inclusão no processo de discussão, e na legislação, do conceito de “Participação”. Cria-se, então, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).

O Conselho Nacional do Meio Ambiente, na época, era deliberativo, e tinha uma composição de uma grande representação de Órgãos de Governo, nos três níveis de Governo; como também em 1981, de represen-tantes que iam de entidades ambientalistas à comunidade científica, passando por trabalhadores urbanos, rurais e a comunidade indígena. As resoluções do CONAMA tinham poder de Lei.

Em 1985, o CONAMA gera conceitos de educação ambiental, aborda o conceito de Educação, de empoderamento, fala o que é preciso para criar um cidadão capaz de ter uma opinião a respeito, ter uma consciência crítica sobre o problema. E, por consciência crítica, está claro, é preciso compre-ender o que acontece, entender o processo que causa o que acontece, é preciso ter habilidades e ter instrumentos, que não são só tecnológicos, mas também são políticos, para mudar, e é preciso, e de novo entra a ques-tão, da participação da comunidade.

Em 1988, criamos a nova Constituição, um documento extremamente importante que deveria ser afetuosamente lembrado e guardado por todos, porque ele foi feito num empenho enorme de toda a Sociedade.

O Art. 225 diz: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Essa Constituição é fruto de uma enorme mobilização da sociedade. Para incluir esse artigo, o 225 da Constituição Federal, conseguimos impri-mir num Jornal da Tarde do Estadão, que era um jornal vespertino do grupo, um cupom que estava escrito assim “Sr. Presidente da Constituinte Ulysses Guimarães, eu quero um capítulo do Meio Ambiente na Constituição”, e diariamente saía em milhares e milhares de jornais, e as pessoas escrevi-am, até que um dia o Dr. Ulysses ligou e disse assim “Pelo amor de Deus, parem. Parem porque eu não tenho mais onde botar recorte de jornal. Não

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL132

dou um capítulo, mas dou um artigo”. Ganhamos um artigo na Constituição com o esforço de muitos brasileiros que assinaram aquele papelzinho/ cupom, foram para o Correio e disseram “eu quero um capítulo do Meio Am-biente na Constituição Brasileira”.

A Constituição de 1988 impõe ao poder público o dever de defender e proteger o Meio Ambiente, para as presentes e futuras gerações. Mas é bom saber que essa Constituição impõe esse mesmo dever à coletividade, portanto, quem não está interessado com o que está acontecendo no país, com as florestas do país, com os ambientes naturais do país, com os rios do país, com o ar que a gente respira, está ferindo o art. 225 da Constituição.

Temos uma boa herança, a questão ambiental colocou na pauta, bem antes das outras, a questão da responsabilidade, da corresponsabilidade, do compartilhar, do fazer junto, do participar, e isso veio de uma observação, primeiro, a aprender como a natureza funciona; segundo, saber que você não desenvolve nenhum tipo de projeto de conservação dos recursos da natureza, se não for por meio de uma construção coletiva, isso vale para a cidade também, vale para qualquer coisa. Na esteira disso, veio uma enxur-rada de leis, e quanto mais avançávamos no processo democrático, quanto mais se construía essa incipiente e fraquejante democracia brasileira, mais a legislação contemplava a participação, o compromisso, a responsabilida-de coletiva como parte da gestão pública.

Isso foi traduzido de formas muito diferentes, tinha a forma séria, tinha a forma complexa, a forma quase incompreensível, quase legível, mas sem-pre fazer junto com a sociedade, fazer junto com a comunidade, ensina muito mais do que fazer sozinho.

O início do meu trabalho em projetos de gestão ambiental, um dos primeiros foi em Mandirituba, aqui na Região Metropolitana de Curitiba, estávamos construindo coletivamente com a comunidade que morava na bacia de um ribeirãozinho chamado córrego Curral das Éguas, que abaste-cia a cidade, a gente estava construindo uma espécie de um Manual para proteger essa Bacia. A ideia era construir um manual a muitas mãos e depois distribui-lo em todas as cidades pequenas, ajudando a população, e ajudando a administração pública a proteger a água da qual precisamos absolutamente. Tínhamos um córrego muito pequenininho, numa região pouco ocupada, com pequena densidade de ocupação, em área bucólica, com árvores e bosques, e de repente, nas análises de água, havia picos de coliforme fecal inexplicáveis naquela água. E aquela água abastecia a cidadezinha, e chamamos técnicos de todo o tipo para descobrir a contami-nação do córrego.

LIÇÕES APRENDIDAS SOBRE A GESTÃO PARTICIPATIVA

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Chegou uma hora em que fomos para a comunidade conversar com todos, e verificar se alguém tinha alguma explicação para este tipo de situação. Não tinha periodicidade, era de vez em quando que acontecia, e quando acontecia era um desastre, parava o abastecimento de água. Juntamos um grupo grande de pessoas que queriam participar, e entre eles havia uma senhorinha idosa, com aquele lenço na cabeça, com flores, sem dentes e com catarata no olho, e eu fiquei olhando aquela senhora sentadi-nha na primeira fila, e no meu velho comportamento de defensora dos fra-cos e oprimidos eu já olhei para ela e disse assim, puxa vida essa senhora não sabe ler, não enxerga direito, não vai entender nada, eu vou driblar a senhora e não vou entregar o papel para ela, para não deixá-la constrangi-da, entregando um papel que ela ia ter que ler e compreender uma tabeli-nha de coliforme, eu vou poupá-la.

No alto da minha prepotência, me achando muito respeitosa, não entre-guei o papel para a senhora, e a discussão foi por uns quarenta minutos, e ninguém tinha ideia do que acontecia no córrego. Quando fez um silêncio daqueles que ninguém mais consegue ter um palpite, a senhora, sentadi-nha, de lenço na cabeça, fala assim “deve de ser o caminhão do seu João”. Todo mundo bota a mão na cabeça e fala “o caminhão do seu João”, o limpa-fossa da cidade, que despejava, quando enchia, os seus dejetos, ou os dejetos de todos, no Ribeirão. Ninguém precisava da licença, ninguém cuida-va do lugar, ninguém sabia, só a senhora que morava no alto via aquilo acontecer, e nem se importava, porque ela tinha um poço de água cristalina lá em cima. Acredito que essa história seja fundamental, porque quem está lá sabe, e a gente só vai entender, e só vai resolver os desafios da Gestão Participativa se a gente falar com a mulher com lenço de flores na cabeça.

Outro aprendizado foi a construção do livro “Rios por onde passo”, recentemente lançado, que relata diferentes experiências de Gestão Com-partilhada dos caminhoneiros que saem do Porto e percorrem aquela área da BR 116 ou o Contorno Leste com as pessoas que viviam nos locais e foi uma grande experiência trabalhar com eles.

A respeito do trabalho com os agricultores de Mandirituba que decidi-ram manter as suas áreas protegidas, emocionante são eles contando as suas próprias razões que geraram o filme “Um presente para o futuro, ho-mens e mulheres que protegem a floresta, Mandirituba/PR”. Esses agricu-tores tomaram uma decisão muito difícil, e queria dizer que participar, resistir, é tão difícil lá, quanto aqui. As pressões para vender terra, para derrubar a mata, para lotear os terrenos, elas são muito pesadas para os agricultores pequenos como eles, que decidiram resistir.

Gestão Participativa das cidades é uma coisa muito complicada por-que junta muito mais coisas do que numa região do campo. Como falamos anteriormente, tivemos uma turbulenta mudança de condição de país rural para país urbano, muito rápida, muito acelerada, muito perversa, que nos

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL134

levou a uma condição geral de um país com predominância de população nas cidades e grandes aglomerados urbanos. A previsão da Organização das Nações Unidas (ONU) é quase trágica, de que seremos um país absolutamente urbano, e a tendência é de sermos um país com muita gente morando junto, em muitos lugares.

Região 1950 1970 2000

Sudoeste 44,5 72,7 90,5

Centro-Oeste 24,4 48 86,7

Sul 29,5 44,3 80,9

Norte 31,5 45,1 69,9

Nordeste 26,4 41,8 69,1

Brasil 36,2 55,9 81,2

Fonte: Organização das Nações Unidas – ONU, IBGE-2001

Brasil: Índice de urbanização por região (%)

12,928,3

18,828,3 38,8

52,1

31,341,1

80,4

38,6

111

237,7

35,8

16,3

31,8

1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2050*

*Projeção da ONU

Milh

ões

de h

abita

ntes

0

50

100

150

200

250

138

Urbana Rural

Fonte: Tendências Demográficas, 2000. IBGE, 2001

População residente, por situação do domicílio - Brasil - 1940/2000

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Quando vejo esses dados, me passa a ruptura com a sensação de pertencimento, sair de um lugar, nem sempre porque quis, nem sempre por-que podia, abandonando aquilo que se compreendia, e as imagens daque-les agricultores dão muito essa ideia, eles pertencem àquele lugar, eles compreendem aquele lugar, eles protegem aquele lugar. Aí, se imagina o desgarramento dessa multidão da qual as cidades foram se formando. De estrangeiros. As cidades estavam mal preparadas para receber os imigran-tes expulsos do campo pelo governo militar, que estabeleceu um regime perverso de expulsão dos pequenos e dos trabalhadores rurais, dos meei-ros e dos parceiros.

E Curitiba estava é muito bem preparada; o terreno já era caro e sele-tivo, e o pobre ia morar para lá das divisas. Tinha muita gente com estoque de terras, e essa área vazia pertencia aos amigos do Rei. Curitiba expulsou e mandou para fora essa multidão de gente que já tinha sido mandada para a cidade. O Paraná perdeu, na década de 1970, um milhão e duzentas mil pessoas, perdeu população, que foi para outras plagas, e quem não foi para outras plagas se acumulou nas beiras das cidades; essa ruptura pesa.

Como história de pertencimento, um exemplo disso são os escravos que eram chamados de “Tigre”, cuja função era carregar em potes os dejetos dos nobres e levá-los para longe, todo dia, várias vezes por dia. Os Tigres transportavam os dejetos pela cidade até o lugar convencionado que não perturbasse o delicado nariz da nobreza. Que sensação de pertenci-mento esse homem tinha, desenraizado de seu país, trazido à força para cá, e carregando os dejetos dos nobres. Isso marca, não é assim que se apaga, não é com as cotas que se apaga, não, é diferente. Essa história nunca se passou a limpo, e vem carregando os despertencimentos.

Que sensação de pertencimento tem o menino que sobrevive catando coisas menos nojentas do que o outro, mas são os nossos restos; ou de quem é morador de rua, dos que moram nas favelas, dos nossos bravos e combatidos ciclistas, dos meninos de rua, do senhor que lê jornal, da moça que passa pelo monumento. E qual era a sensação de pertencimento deles em relação a essa cidade?

Esse quadro representa uma das últimas sociedades de negros do Brasil, sobreviventes até hoje, está aqui em Curitiba, o que é um mistério, porque é a terra dos brancos, dos loirinhos de olho azul, que tem uma sociedade, a Treze de Maio, aqui, que tem mais de 100 anos. E qual era a sensação de pertencimento deles em relação a esta cidade?

REFLEXÕES SOBRE O PERTENCIMENTO ÀS CIDADES

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL136

Isso nos pertence? Fazemos parte, isso faz parte da nossa vida, temos como dizer para as pessoas “vamos juntos abraçar esta cidade e cuidar dos seus problemas”. Qual é o poder de decisão que temos, de fato, não só sobre os ícones, mas sobre aquele pedaço que podia nos pertencer, ao qual nós podíamos nos abraçar. Uma cidade, qualquer cidade, não é democrática, nunca é democrática, ela nunca é, principalmente quando sobe acima dos quinhentos mil habitantes, um lugar que acolhe indiscrimi-nadamente os povos, os seus moradores, conciliatoriamente. Ela separa, segrega e afasta.

Curitiba precisa ser vista além do m² de áreas, que tem tantos outros olhares que precisamos ter, mas a cidade está loteada, mapeada, e cada m² aqui vale ouro, porque para quem tem dinheiro vale a pena investir em imóvel, ainda. O preço médio (m²) da venda de imóveis em Curitiba cresceu significativamente, entre 2009/2010, 45,8% para as residências, quem investiu, apostou nisso.

David Harvey, um cara que está empenhado em discutir a questão das cidades, diz que a cidade não fica melhor com isso, por chamar a atenção, por atrair investimentos dessa natureza, ela só fica mais cara. Olhar a cidade por m² é que nem olhar a floresta por m³. Só que tem uma diferença, a floresta por m³ vai para o chão, morre tudo, se extingue. Na cidade, viramos uma espécie de graxa de uma engrenagem perversa, que toma o nosso tempo no trânsito, que reduz o nosso lazer, o nosso convívio com a família, a qualidade de vida vai nos deixando cada vez mais esmagados. Podemos resistir.

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O Harvey, que é um sujeito otimista, desenvolveu a seguinte teoria: de que essa cidade, que pode ser muito desconfortável e cinzenta, ela não é, de todo, um lugar condenado, pode ser que ela apresente um potencial, ou um maior potencial de mudança. Outros estudiosos, como Le Faivre, asse-guram que desde as comunas de Paris, o foco foi, sempre, garantir o direito à cidade, a vivermos na cidade, a conquistar esse espaço, tomara. Ele tem frases otimistas que são bacanas da gente ler: "essas multidões que afluem para as cidades, elas estabelecem novas formas de sociabilidade, identida-de, valores. É possível que essas formas se escondam e se refugiem em pequenos agrupamentos e que não se dialoguem entre si, o fato é que se sobrevive," meio como graxa daquela engrenagem, mas estamos aqui; e, para ele, isto é "um potencial de mudança, um potencial de criação de outro modelo, de outras alternativas".

Estamos num impasse, estamos na arena, alguns disputam, e o que é bom, é que alguns disputam. Um texto sobre pertencimento que é muito interessante porque, o que essa Procuradora da República fala é que, ao mesmo tempo em que a pessoa sente que o lugar lhe pertence, de que faz parte, e também faz parte do lugar, é uma relação de troca, e essa relação de troca se traduz numa intervenção, onde tenho um lugar, gosto dele, inter-venho, interfiro, tento mudar, quero mudar. Talvez seja preciso descobrir, exatamente, como usar as ferramentas disponíveis para fazer isso, nesta nossa bela cidade de Curitiba. Luz, jardim, flor, o que mais tiver no Hino de Curitiba. Vamos atrás de um jeito de transformar aquela letra do Hino em algo um pouco mais próximo da vida real, dos moradores da Vila Sabará, por exemplo, Vila Pantanal; ferramentas, temos.

A Lei Orgânica Municipal de Curitiba, revisada em 2011, passou por mudança, revisão, com a participação popular até significativa, alguns seto-res mais, outros menos, mas houve um envolvimento, e fortemente reco-mendo que essa Lei seja conhecida; é a nossa Constituição, e nos diz o seguinte: Objetivos fundamentais, diretrizes de Curitiba, e a garantia da participação popular, está na Lei e em destaque apresentamos:

Ÿ O Município deverá organizar sua Administração e exercer suas atividades dentro de um processo de planejamento permanente e participativo.

Ÿ A promoção de qualidade de vida é um compromisso da cidade, reduzindo as desigualdades e as exclusões.

Ÿ Promoção social, econômica e cultural da Cidade.Ÿ Prioridade ao transporte coletivo e universalização da mobilidade

promovendo a diversidade de modais de transporte e a acessibili-dade.

LEI ORGÂNICA MUNICIPAL

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL138

Ÿ O Município de Curitiba assegurará os direitos relativos à Educa-ção, Saúde, Alimentação, Moradia, Cultura, Capacitação ao Traba-lho, Assistência Social, Segurança Pública, Lazer, Desporto, Meio Ambiente.

Ÿ Promoção da Segurança Alimentar, por meio de uma integração entre a Sociedade Civil Organizada e Órgãos Públicos mediante um Conselho.

Ÿ Liberdade de aprender, ensinar, a pesquisar e a divulgar o pensa-mento, na realidade social na arte e no saber.

Ÿ Todo cidadão é um agente cultural, vamos produzir arte.Ÿ Lazer ativo, como forma de bem-estar e promoção, para todas as

faixas etárias.Ÿ O Conselho da Mulher é Deliberativo e podemos fazer as nossa

próprias Leis, Mulheres, erguei-vos e vamos à luta, que ele é Deli-berativo.

Ÿ O Conselho Municipal da Juventude é Deliberativo, os meninos que morrem por dependência das drogas todos os finais de semana, na Região Metropolitana, talvez tenham aí um jeito de se proteger melhor.

Ÿ O Município tem o dever de amparar os Idosos, assegurando sua participação na comunidade, defendendo-lhes o bem-estar e o direito a uma vida digna.

Ÿ O Município criará programas de atendimentos especializados às pessoas com deficiência.

Ÿ Fica criada a Comissão de Direitos Humanos, com poder Delibe-rativo, estrutura colegiada, representantes da Sociedade Civil, que vai discutir os Direitos Humanos nesta cidade.

Isso foi pinçado aleatoriamente da Lei. Conhecer a Lei Orgânica é dever e direito, saber manejar essa Lei, aproveitar as oportunidades, deitar e rolar em cima daquilo que ficou “meio aberto” é o que a gente precisa fazer, alguns, para fazer cumprir a Lei, como vocês, como servidores, outros, muitos milhões, para poder exigir o seu cumprimento.

A Lei Orgânica deve ser transformada num aplicativo, desses bem automáticos, de telefone, de smartphone, que se formem grupos de leitura, de discussão, para discutir, adaptar ao cotidiano difícil do servidor público, e onde precisar mudar, que seja mudado, está aí a Câmara para fazer este papel. Existe, inclusive, na Câmara, um instrumento muito democrático que é uma Comissão que recebe sugestões e iniciativas do cidadão, não pre-cisa juntar aquele monte de assinatura, uma Sociedade Civil Organizada dizer “tal artigo não está bom, sugiro que seja discutido”, para isso existe ferramentas.

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 139

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A população precisa conhecer seus direitos, e quem tem a obrigação de informá-los é quem gerou esses direitos, e isso significa Executivo e Legislativo juntos, significa “todos nós”. Somos mais de 1.751.907 habitan-tes em Curitiba, e como é que se faz isso?

Alguns lembram do Milton Nascimento cantando a música, “Com a roupa encharcada e a alma repleta de chão. Todo artista tem de ir aonde o povo está”, é para lá que a gente tem que ir, é botar o pé na estrada. Vamos mudar isso, transformar esta cidade, numa cidade com perfil menos hostil, menos negociado, menos especulativo, se falarmos lá com a senhora que está com o lencinho na cabeça, ela vai nos contar as histórias.

Muita gente tem fé nas redes sociais, acredito que isso tem um poten-cial enorme, e tem, mas a verdade é que a rede social é virtual. A rede social não é real, a gente precisa construir “redes reais”, essas redes reais, me vem a imagem, que é uma teia de aranha, carregada de gotinhas, ela preci-sa ser construída com o somatório do esforço de todos que estamos aqui, e mais de milhares de funcionários, mais de milhares de pessoas, e de mili-tantes da Universidade, para transformar e para criar, não apenas uma rede centralizada, para gente construir uma rede de colaboração focada na periferia, que some e se junte, é assim que eu quero essa cidade, é nessa cidade que eu quero viver, para poder olhar nos olhos do menino que cata papel como irmão.

A palavra-chave é “Descentralizar”, descentralizar de todas as manei-ras, com todos os esforços possíveis, administrativos, políticos e sociais. O dicionário diz que descentralizar é: 1 (t.d.) separar ou dissociar do centro os elementos que neste lugar se encontram; afastar, dissociar, distanciar; 2 (t.d.) tornar mais independentes as autoridades locais, dando-lhes mais direitos e poderes; 3 (t.d.int.) instaurar, estabelecer a descentralização polí-tica, financeira etc. Para terminar, digo que: deslocar o olhar para os bairros (sair do centro da cidade) do mais distante ao mais próximo (quem nunca fez essa experiência em Curitiba, e sentir a cidade mudar, o asfalto mudar, as marcações mudarem, a calçada mudar, tudo mudar, quanto mais longe pior, essa é a regra) nós precisamos dotar os moradores dos bairros – do mais distante aos mais próximos – dos mesmos benefícios que o morador do centro tem (uma rua fechada, como a Rua XV, em cada grande bairro da cidade, uma rua em que as pessoas possam passear, se encontrar, fazer exposição de artes, dançar, cantar hip hop, zona de baixo carbono, isso é muito moderno, por que não no Sítio Cercado? por que não no Boqueirão? por que não no Cajuru? por que não na Vila Torres? ao invés de fazer um ruão, poderiam fazer uma rua fechada para passar lá sem o olhar turístico); orientar os ouvidos para quem vive longe do centro; dar espaço para arte, lazer, educação, saúde e alegria para quem vive nos extremos da cidade;

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL140

estruturar os Conselhos de forma descentralizada (o Conselho tem que ser estruturado de modo descentralizado, começar na periferia, começar em comitês que contribuam para se constituírem em um Conselho, virar ao contrário, olhar da periferia para o centro); fortalecer politicamente as admi-nistrações regionais; criar motivos para orgulho aos moradores dos bairros (temos que transformar os bairros, de alguma maneira, num local de per-tencimento, a cidade inteira é muito grande, muito diversa, mas o bairro tem que ter um motivo para que se tenha orgulho dele, que se resgate a história, um episódio, um monumento, uma árvore, ao entorno da qual as pessoas se abracem e se sintam parte) mais distantes; construir com todos os moradores da cidade o direito ao pertencimento (que é um sentimento que grande parte da população brasileira perdeu).

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REFERÊNCIAS:

BRASIL. Código Florestal Brasileiro. Lei nº 4771, de 15 de setembro de 1965. Brasília, DF. 1965.

BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. Lei nº 6938, de 31 de agosto de 1981. Brasília, DF. 1981.

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URBANIDADE E CIDADANIA: PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO DECISÓRIO DA CIDADE

Com o processo de redemocratização do país em meados dos anos de 1980, surgem experiências locais de gestão participativa, com a institui-ção dos orçamentos participativos. Tais experiências não eram inéditas, pois já haviam sido implantadas na gestão do prefeito de Lages, Dirceu Carneiro (1977-1982), do PMDB.

A experiência mais conhecida foi a do orçamento participativo, instituí-do por Olívio Dutra, primeiro prefeito do PT, em Porto Alegre-RS, eleito em 1982.

As Lutas Sociais dos anos de 1980 pouco conseguiram (SUS - Conse-lhos de Saúde) Institucionalizar Espaços de Participação.

Recentemente, houve institucionalização em nível federal, de legisla-ções, tais como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), no âmbito da polí-tica fiscal, com a Lei de Responsabilidade Fiscal e na mobilidade urbana, o Estatuto das Cidades, criando, assim, mecanismos para uma maior partici-pação democrática na perspectiva da consolidação das políticas públicas, por meio das Audiências Públicas.

Diversas dessas legislações vieram de forma impositiva, de cima para baixo. Diante dessa nova realidade, Estados e Municípios brasileiros tive-ram de se adaptar para poder ter acesso a recursos da União.

De 1971 a 1974, o prefeito nomeado de Curitiba foi Jaime Lerner. Foi presidente do IPPUC, antes de 1971, em pleno período autoritário, em que imprimiu uma gestão de traços marcantes de uma tecnoburocracia avessa à participação popular, preocupado em construir a imagem da cidade mo-delo, procurando esconder as contradições urbanas. Levou essa experiên-cia para a gestão na prefeitura de Curitiba (SANCHEZ GARCIA, 1993).

Foi um período marcado por grandes conflitos urbanos (SADER, 1988), em todo o país, em decorrência do rápido crescimento das cidades e das transformações na agricultura. No Paraná, levou a uma grande migra-ção campo-cidade, tendo Curitiba saltado de 400 para 700 mil habitantes, no final da década de 1970.

EXPERIÊNCIAS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PERÍODO AUTORITÁRIO CURITIBA: LOTEAMENTOS CLANDESTINOS E TRANSPORTE COLETIVO

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL144

Loteamentos Clandestinos do Xaxim

Ocupações de Terras

A Prefeitura Municipal de Curitiba (PMC) não conseguia controlar as ocupações de terra na capital, principalmente nas terras públicas, nos fundos de vale, surgindo nesta época em torno de 200 favelas, sendo as maiores as do Rio Belém, do Valetão, na Vila Guaíra, e a Vila Pinto, próxima da estação rodoferroviária (ROLIM, 2011).

Além das favelas também surgiram os loteamentos clandestinos, em torno de 500 na capital. Foram loteamentos feitos por falsas imobiliárias, que vendiam os lotes apenas apresentando os mapas nos lugares de maior chegada de migrantes, a rodoviária e a Praça Rui Barbosa. Não subdividiam os lotes, não registravam os loteamentos na PMC.

Não havia qualquer espaço de organização e participação popular para resolver esse problema. No caso dos loteamentos clandestinos do Xaxim, envolvendo 400 famílias, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) é que organizavam o povo nas igrejas e daí os padres apelavam para o Bispo, e este mandava a reivindicação para a Comissão Pontifícia de Justiça e Paz (CJP) para resolver o drama daquele povo ludibriado.

A CJP passou então a orientar o povo das CEBs a se organizar em as-sociações de bairros para assim pressionar a PMC para resolver o problema.

A PMC não tinha nenhum mecanismo para enfrentar tal situação. Os moradores desses loteamentos tiveram que descobrir as imobiliárias que venderam os lotes e partir para cima delas pressionando. Na mesma dinâmica partiram para cima do Prefeito obrigando-o a receber os morado-res e a resolver a situação. Foram quatro anos de lutas (1980-1984) para legalizar esses loteamentos clandestinos do Xaxim (NEVES, 2006).

Somavam na época em torno de 200 favelas em Curitiba. A PMC reprimia, via fiscais e polícia militar, as ocupações. Houve muita violência com a derrubada e queima de barracos. Os moradores, para se defender, contaram com a ajuda de intelectuais de esquerda, que os ajudaram a organizar as associações de moradores.

As maiores favelas eram a do Rio Belém, que começava na Vila Pinto e terminava nas cavas do Boqueirão, e a favela do Valetão, na Vila Guaíra.

A PMC, diante de tamanha pressão, buscou ajuda no governo federal que por meio do Banco Nacional de Habitação (BNH) socorreu o prefeito Jaime Lerner, que era da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido da ditadura militar, tendo como oposição o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 145

Com esses recursos, a PMC iniciou um mega projeto de desfavela-mento com a construção da Vila Nossa Senhora da Luz, inaugurada em 1978, levando os moradores das antigas favelas para lá. Houve muita resis-tência, pois os moradores trabalhavam no centro de Curitiba como catado-res de papel, diaristas, pedreiros e ajudantes de pedreiro e a Vila Nossa Senhora da Luz ficava muito longe do centro da cidade. A única favela que foi vitoriosa na resistência, e conseguiu permanecer onde estava, foi a da Vila Pinto, na Avenida das Torres. As demais tiveram de sair à força. Essa também foi uma estratégia para colocar a força de trabalho próxima das fábricas da Cidade Industrial de Curitiba, que pressionavam a PMC devido à falta de mão de obra (PILATTI, 2011).

À medida que foi ocorrendo a expansão da cidade para a periferia o problema do transporte coletivo se tornou real. A população começou a pressionar a PMC para criar as linhas de ônibus. Nessa época, o principal terminal era o mesmo de hoje, a Praça Rui Barbosa, com linhas diretas.

O maior problema da população era o alto preço da tarifa de ônibus, devido à corrosão dos salários pela inflação alta. Disso surgiu, em 1980, um forte movimento pelo congelamento da tarifa de ônibus, por melhores condições de transporte e pela estatização do transporte coletivo.

Esse movimento fortaleceu a luta geral e ampliou a participação autô-noma dos trabalhadores, que passaram a unificar suas lutas e suas organi-zações criando a Federação de Associações de Bairros, União Geral de Bairros e Favelas e Movimento de Associações de Bairros.

Em 1980, foram recebidos por Jaime Lerner, nomeado para o segundo mandato (1979 -1983). Na ocasião, entregaram um abaixo assinado com 90 mil assinaturas, coletadas nos terminais, nos bairros e nas favelas, depois de grande pressão de massa, via passeatas até a PMC. O prefeito não apresentou qualquer solução para o problema e sequer aceitava a participação das Associações de Bairros no Conselho Municipal de Trans-portes.

Em 1982, a ditadura militar, já em profunda crise, devolveu ao povo seu direito de eleger os governadores dos Estados.

No Paraná, foi eleito José Richa (1982-1988) do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que nomeou prefeito da Capital Maurício Fruet - PMDB (1983-1985), cujo slogan era “Curitiba Participativa”.

A LUTA DO TRANSPORTE COLETIVO

MUDANÇAS POLÍTICAS DOS ANOS 80

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL146

O movimento social organizado exigiu então canais de participação, levando o prefeito a abrir a PMC à população depois de uma grande con-centração no Ginásio do Tarumã, em 1983, reunindo 15 mil moradores de bairros e favelas de Curitiba (ROSA, 1991).

A pauta era a participação na gestão da cidade, com a solução da questão das ocupações de terra, o fim da violência contra os moradores, a participação no Conselho Municipal de Transportes, a construção de cre-ches e postos de saúde (GARCIA,1990).

A pressão continuou, tendo a associações de bairros pressionado o prefeito Mauricio Fruet, que acabou cedendo e criando por decreto uma Co-missão de Custos tarifários, para abrir a “Caixa Preta” do transporte cole-tivo, já que a tarifa não era discutida com a população e não havia controle dos custos operacionais do transporte coletivo. Exigiam uma participação efetiva da população no Conselho Municipal de Transportes, que foi amplia-do com a participação do Dieese e das entidades gerais de bairros.

A Comissão de Verificação de Custos Tarifários depois de três meses de investigação com a participação das entidades populares chegou a um impasse, com um empate na votação do relatório final. Nova reunião foi marcada, houve mudança de voto do representante da Câmara Municipal e de um representante da PMC. As entidades de bairro prevendo o desfecho do impasse produziram um relatório paralelo demonstrando as irregularida-des denunciadas e deram ampla publicidade, desmoralizando o relatório oficial (NEVES, 2006).

Roberto Requião (PMDB) assumiu a PMC, em 1985, quando a ditadu-ra cedeu e houve eleições nas capitais e áreas de Segurança Nacional, ganhando de Jaime Lerner (PDS), por uma diferença de apenas 18 mil vo-tos. Sendo que o Partido dos Trabalhadores (PT), recém-fundado, fez nessa eleição 18 mil votos na capital, tendo como candidato a prefeito Edésio Pas-sos e a vice-prefeito Lafaiete Neves.

Requião, que se elegeu deputado estadual em 1982 e prefeito da capital com o apoio do movimento popular, destronou Lerner exatamente pelo êxito da luta de transportes, associando Lerner ao monopólio do trans-porte coletivo, quando distribuiu aos milhares um panfleto cujo título era “Mãos ao alto a tarifa é um assalto” (NEVES, 2006).

Jaime Lerner, desgastado pela derrota, mudou de partido, se aproxi-mou de Brizola e foi para o Partido Democrático Trabalhista (PDT), para disputar a eleição de 1988 contra o candidato de Requião, que era Maurício Fruet (PMDB), que foi derrotado naquela eleição.

DESCENSO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 147

A derrota de Requião teve muito a ver com as medidas que tomou para moralizar o transporte coletivo, quando passou o controle do sistema para a URBS, acabou com a concessão e instituiu a permissão, via decreto 46/87, a receita pública, o pagamento por quilômetro rodado e a criação da frota pública adquirindo 90 ônibus articulados, avançando, assim, na estatização futura do sistema, escrevendo nos ônibus: “propriedade do povo”.

Os empresários, num primeiro momento desgastados com a derrota de Jaime Lerner, engoliram as medidas de Requião. Este, como se achava no domínio da situação, fechou os canais de participação popular, colocan-do nas administrações regionais da prefeitura lideranças vindas do movi-mento popular, fazendo assim um contato direto com os bairros e enfraque-cendo as entidades. Diluiu a participação popular no Conselho Municipal de Transporte (CMT), que saltou de 18 para 224 membros. Assim ele inviabili-zou a participação popular e na prática desativou o CMT, não o convocando por mais de um ano e meio.

Os empresários de ônibus voltaram à ofensiva e impetraram uma ação jurídica contra o fundo da frota pública, saindo vitoriosos e enfraquecendo politicamente Requião.

Requião convocou o movimento popular para lhe dar sustentação, no que foi correspondido, mas já era tarde para recuperar o seu desgaste com a derrota ante os empresários.

O grupo político de Lerner (1989-1992) se manteve na PMC, com Rafael Greca de Macedo (1993-1996), Cassio Taniguchi (1997-2000/ 2001-2004), Beto Richa (2005-2008/2009-2010), Luciano Ducci (2010-2012). Restabeleceram a forma autoritária de governar, excluíram as entidades populares do CMT e do Conselho Administrativo da URBS. Aprenderam com Requião os métodos de cooptação das lideranças populares com a oferta de funções comissionadas nas administrações regionais. Passaram a fazer uma política clientelista e eleitoreira junto à população da periferia e como resultado permaneceram no poder por mais de 20 anos, sendo somente agora, em 2012, derrotados por Gustavo Fruet (PDT), filho de Maurício Fruet (PMDB) (NEVES,2006).

Houve avanços significativos no nível de educação popular por meio das lutas pela terra e transportes.

Formaram-se lideranças populares, que criaram uma extensa organi-zação popular na cidade de Curitiba, que deram origem às entidades gerais de bairros, aos partidos de esquerda (PT, PC do B, PMDB), às Centrais Sindicais (CUT).

BALANÇO DAS LUTAS SOCIAIS EM CURITIBA

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL148

Tais organizações populares e partidárias mudaram o perfil da Câmara Municipal de Curitiba, elegendo vereadores, surgidos desses movimentos.

Tais lutas serviram de experiência para a organização de outros setores de trabalhadores do setor público (SISMMAC - SISMUC, Servidores Esta-duais (Sindsaúde) e privado (bancários, petroleiros, vigilantes, professores).

As formas de cooptação foram praticadas pelos partidos de direita (ARENA, PDS, PFL), quando assumiram a PMC, tornando as organizações populares massa de manobra para os seus interesses políticos.

A prática do clientelismo e do populismo pelas gestões públicas, ofere-cendo cargos comissionados na PMC para as lideranças populares, bus-cando atender diretamente à população da periferia, ignorando as enti-dades de bairros, capturando assim as lideranças populares. Manutenção das relações autoritárias, esvaziando os espaços de participação popular.

Relação tecnocrática com a população, tratando o povo como ignoran-te, que nada entendia das questões técnicas, deixando nas mãos da tecno-burocracia as decisões sobre os investimentos públicos. Recentemente, tivemos o exemplo da Linha Verde, que consumiu mais de 400 milhões no primeiro trecho, não planejou a construção de viadutos ou trincheiras, tor-nando o trânsito caótico na região, nos horários de pico. Agora, no segundo trecho, estão corrigindo o erro cometido por tecnoburocratas do IPPUC.

Os mesmos erros se repetem na avenida das Torres, com a constru-ção de viaduto estaiado no valor de 95 milhões de reais, sendo que havia outras alternativas (viaduto por 5 milhões e trincheira por 3 milhões de re-ais). O valor do viaduto estaiado é o mesmo valor para o alargamento das pistas e alterações da rede elétrica, em todo o trecho da avenida até o aeroporto Afonso Pena.

No transporte coletivo se repetiu a mesma prática autoritário-tecnobu-rocrática, quando se fez uma licitação do transporte coletivo, em 2010, totalmente dirigida para atender aos interesses dos mesmos empresários, que há 54 anos dominam o transporte coletivo de Curitiba. Colocaram uma cláusula de barreira para impedir a concorrência, quando exigiram que as empresas, que viessem a disputar a licitação, tivessem 25 anos de experiên-cia no modal de transporte coletivo de Curitiba. As audiências públicas foram conduzidas de forma tal que impediram qualquer incorporação de sugestões do movimento social. O resultado foi o previsto, as mesmas empresas, que operam o serviço de transporte coletivo de Curitiba desde a década de 1960, continuam operando pós-licitação (NEVES; PONCHIROLLI e TOCACH, 2011).

GESTÕES PÚBLICAS AUTORITÁRIAS

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 149

O Conselho Municipal de Transportes, modificado por Jaime Lerner, que o reduziu a representação da PMC e dos empresários, foi na prática desativado.

A representação popular no Conselho de Administração da URBS foi eliminada. Assim ficou fácil à URBS formatar e conduzir a licitação, sem a participação popular.

No transporte coletivo a mesma cultura autoritária e tecnoburocrática impera. Às vésperas das eleições, em outubro de 2012, por decisão política, a URBS decidiu adquirir 30 ônibus híbridos no valor de R$ 624.000,00 reais (cada), para transportar 26 passageiros sentados, sendo que um ônibus articulado custa R$ 583.000,00 e transporta 200 passageiros. Se o custo é pelo IPK, índice de passageiros por KM, tais ônibus oneram a tarifa e são um luxo para poucos da classe média usufruírem às custas da maioria dos usuários da periferia que pagam. E o pior, tais ônibus substituíram os ônibus convencionais, que estão parados nas garagens e sendo depreciados tam-bém à custa dos usuários. E a URBS simplesmente diz que está exigindo que os empresários vendam tais ônibus. Assim como disseram nas últimas reuniões da Comissão de Análise da Tarifa, nomeada pelo prefeito Gustavo Fruet para abrir a “caixa preta”, que não conseguem, há dois anos, que os empresários entreguem os relatórios gerenciais para que possam confron-tar os índices de custos projetados na planilha e o gasto real contido em tais relatórios. Sequer entraram com notificação judicial par obrigá-los a entre-gar os relatórios. Esse fato é uma quebra clara de contrato e pode levar a sua anulação. Assim nunca saberemos o custo real da tarifa de ônibus em Curitiba e a “caixa preta” continuará lacrada. Arbitraram uma tarifa técnica de R$ 2,99, sem saber o custo real e passaram para a população que a tarifa é de R$ 2,70, devido aos subsídios do governo federal, estadual e municipal. A diferença é paga com subsídio, que é dinheiro retirado de ne-cessidades básicas da população, tais como saúde, educação, habitação, saneamento etc.

Imaginem que um item da planilha de custos, o consumo de óleo die-sel, representa 15% na tarifa, e os dirigentes da URBS, que são os mes-mos das gestões anteriores, pois só trocaram o presidente, afirmaram que os dados do consumo de combustível são fornecidos pelos empresários.

Imaginem se a Petrobras, que fornece combustível para os aviões, não tivesse implantado em seus caminhões tanques o medidor de combustível e pedisse para as empresas fornecerem os dados do combustível consumi-do pelos seus aviões. Fatalmente, estaria operando no vermelho, como a URBS, e os seus acionistas protestando pelos baixos rendimentos das suas aplicações nas ações da Petrobras. A diferença é que a Petrobras tem que prestar contas aos seus acionistas. E a URBS? Afinal, nós somos os verdadeiros acionistas das instituições públicas, na condição de contribuin-tes. O poder público adquire os ônibus e nós pagamos em cada passagem

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL150

que adquirimos, além de sermos os investidores, somos os que mantêm a infraestrutura urbana da cidade, onde correm automóveis e ônibus, paga-mos na passagem todos os custos de manutenção da frota. E o que faze-mos como investidores e consumidores?

A questão fundamental da governança social é ter uma estrutura de organização do poder público, que opere de forma articulada, rompendo o isolamento fordista/taylorista (com suas duvidosas metas de produtividade, com cursos de capacitação para atingir as metas – gerência por objetivos – modelo da administração privada aplicada no setor público pela lógica neo-liberal das últimas gestões municipais) de suas ações compartimentadas, dos feudos de poder. É necessário radicalizar a democracia para que os contribuintes possam ter espaço real de decisão nas questões que envol-vem seus interesses como cidadãos dessa metrópole.

A boa governança social é importante para dar poder aos que estão, há séculos, excluídos do poder, que imaginam que o poder se reduz ao voto, que delegam representação sem exigências, aos mandatários públicos, cu-jos detentores na sua ampla maioria, só cuidam dos seus interesses priva-dos em detrimento dos interesses da ampla maioria da população. Eleitos, com financiamento privado das campanhas eleitorais, usam o povo para se eleger e prestam obediência aos financiadores das suas campanhas. Essa é a forma mais eficiente do sequestro da política pela economia, em todos os níveis.

Para que isso ocorra e não haja retrocesso, como tivemos nos curtos mandatos populares de prefeitos da capital, é necessária uma ação política da atual gestão que reverta essa lógica perversa do domínio da tecnoburo-cracia incrustada no poder; que acha que tudo sabe e tudo pode, que é proprietária do poder local, tratando o povo como mero coadjuvante de um teatro falido. Se isso não acontecer, o que hoje é uma grande esperança na nova gestão, poderá se transformar em um novo retrocesso, em curto espa-ço de tempo. Para isso não bastam bons discursos, é necessário desmon-tar os feudos que dominam a administração pública para poder imprimir uma gestão efetivamente transparente e participativa.

Os funcionários públicos de carreira em sua maioria são dedicados e esperam uma gestão efetivamente voltada para um serviço público demo-crático e de qualidade e percebem que isso não se realiza pelas formas tradicionais de mandonismo local, que prefere continuar capturando a fideli-dade de muitos pela via do clientelismo, tornando as perspectivas de uma carreira uma peça ornamental. Gastam-se muito mais recursos em funções de caráter mais político eleitoral, tanto no Executivo como no Legislativo, do que investindo na carreira daqueles que realmente merecem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 151

Na relação com os servidores públicos municipais, o poder público deve desenvolver uma política de formação e qualificação de pessoas, que priorize não o reforço do saber tecnoburocrático, que persiste há mais de três décadas. Deve sim investir numa política de qualificação que tenha por eixo fundamental a radicalização da democracia nas relações entre os ser-vidores públicos e a sociedade. Para serem consequente no sentido de atin-gir mudanças de mentalidade nos servidores públicos municipais, os res-ponsáveis pela formação e qualificação não podem entregar essa decisiva atividade a pessoas ou instituições que não tenham a prática democrática em sua história, para não continuarem reproduzindo as relações autori-tárias entre os servidores públicos e a sociedade.

Deve-se investir pesadamente na qualificação dos servidores públi-cos, que são do quadro permanente da gestão pública, na perspectiva de mudança de mentalidade e comportamento diante daqueles que são real-mente seus patrões: os contribuintes. Essa mudança de postura é impres-cindível para que os investimentos públicos sejam, efetivamente, voltados a melhorar as condições de vida da ampla maioria da população, que reside na periferia da cidade.

A questão fundamental para os movimentos sociais é que busquem se organizar de forma democrática e autônoma ante o poder público para que de fato a gestão pública se torne transparente e democrática.

Na relação com os movimentos sociais, o poder público deve ter como diretriz não a cooptação, mas sim a formação de cidadãos realmente deten-tores de direitos e não meramente uma massa de manobra dependente da caridade pública para fins eleitorais.

Não vejo para o país e para a cidade de Curitiba outra saída a não ser investir claramente na construção da cidadania. Ou isso acontece ou logo ali na frente, nas próximas eleições, tudo volta a ser como antes. Por isso, a História é Mestra, porque ela nos ensina pelo passado a ver o presente e construir o futuro.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL152

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CURITIBA E O FUTURO DAS CIDADES

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e Administração Pública no Brasil

Nosso objetivo é refletir sobre o que já aconteceu nessa cidade, e o que deverá acontecer nos próximos anos. Há quase 50 anos nós começa-mos, em Curitiba, um processo de Planejamento Urbano, ancorado sobre um tripé: transporte coletivo, sistema viário e uso do solo. Em paralelo, em 2013, o Instituto Municipal de Administração Pública (IMAP) e a Urbaniza-ção de Curitiba S/A (URBS) também completam 50 anos. Já em 2015, o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) e a Com-panhia de Habitação Popular de Curitiba (COHAB - CT) também irão com-pletar meio século de existência.

Então, podemos perceber que uma cidade não se constrói ao acaso. É necessária uma boa fundamentação teórica e prática. É necessário o esta-belecimento de metas. Acima de tudo, é preciso que se compreenda que uma cidade é um organismo vivo e dinâmico. Por tudo isso, é fundamental o Planejamento Urbano. E foi ele – o Planejamento Urbano – que tornou Curitiba um ícone no Brasil e no mundo. Para que possamos refletir e avan-çar na construção de nossa cidade, penso que é sempre importante levar em consideração aquilo aconteceu no passado. Então, gosto de citar o dra-maturgo alemão Bertold Brecht quando ele diz que “somente as lições da história vão nos ajudar a mudar a história”.

Antes de abordarmos a cidade de Curitiba, é importante contextualizar a respeito da importância das cidades em todo o mundo:

Ÿ Ocupam 2% da superfície do planeta;Ÿ Reúnem mais da metade da população mundial;Ÿ Consomem cerca de 75% da energia produzida;Ÿ São responsáveis por 80% do aumento do efeito estufa na Terra.

Os dados são bastante alarmantes, pois mostram a grande concentra-ção humana nas áreas urbanas. Esse é o retrato de uma situação mundial que é irreversível: as pessoas estão, cada vez, mais, deixando as áreas rurais para viver na cidade. Fazem isso em busca de novas oportunidades de trabalho e de estudo. E esse contexto revela a dimensão dos problemas que temos para resolver.

Em nossa capital, a situação não é diferente. A cidade de Curitiba ocupa uma pequena parte da superfície do Estado do Paraná: são 430,9

2km de área do município dentro de uma unidade da Federação que possui

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL156

2199.315 km . No entanto, essa pequena área concentra uma parcela significativa da população paranaense. Enquanto o Estado do Paraná abriga de 10,4 milhões de habitantes (IBGE / 2010), a cidade de Curitiba possui 1,752 milhão de habitantes (IBGE / 2010), ou seja, quase um quinto da população do Paraná. Já o Produto Interno Bruto de Curitiba correspon-de a 24% do PIB estadual.

O mapa a seguir mostra Curitiba e os demais municípios que com-2põem a Região Metropolitana, uma área que atinge 15.418,543 km .

CURITIBAPopulação

1.751.907 hab(Censo de 2010)

Taxa de crescimento pop.

2000-2010:0,96% (ao ano)

(NUC= Núcleo Urbano Central)

Reguião Metropolitana de Curitiba

RMC (29 MUNICÍPIOS)População:

3.223.836 hab.

(Censo de 2010)

Taxa de crescimento pop.

Com Curitiba

2000-2010:1,36% (ao ano)

Sem Curitiba

2000-2010: 1,87% (ao ano)

Figura 1: Mapa da Região Metropolitana de Curitiba

Fonte: Núcleo Urbano Central (NUC), 2012.

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 157

Em cinza claro está o que chamamos de núcleo central da região. Esses municípios possuem intensa integração com a capital, tanto do ponto de vista econômico quanto social. Já nos demais municípios, que aparecem em amarelo, a integração é menos intensa. A metropolização da capital paranaense tem sido objeto de análise e debate no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba. O tema também ocupa as análises realizadas pelo Conselho da Cidade de Curitiba (Concitiba). Em 2013, realizamos um encontro com os delegados das cidades desse núcleo central de municípios. O objetivo é criarmos o Estatuto da Metrópole para que possamos atuar de forma conjunta – mas sempre respeitando as peculiaridades de cada município, com políticas públicas bem definidas, em benefício de toda coletividade.

Essa é uma imagem artística do que é Curitiba na atualidade. Ao fundo, podemos ver os municípios litorâneos de Paranaguá e Morretes. Na parte da frente da imagem aparecem o Primeiro Planalto e a cidade de Curitiba espalhada sobre ele. Nota-se que a grande mancha urbana ocupa uma área considerável.

Figura 2: Perspectiva Região Metropolitana de Curitiba

Fonte: Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (COMEC), 2002.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL158

Figura 3. Mapa de Curitiba de 1857 - “Plano Taulois”

O Planejamento Urbano de Curitiba tem uma longa história. Antes das ações de planejamento organizadas pelo IPPUC ocorreram algumas inicia-tivas isoladas nesse setor, ao longo da história. Esta é uma imagem inte-ressante do “Plano Taulois”, de 1857. É uma das primeiras imagens que a gente tem de Curitiba, onde se pode ver, na parte central, a igreja, que é a Catedral Metropolitana. Na porção superior avistamos uma parte do cemi-tério da cidade. Isso nos faz perceber como as distâncias eram outras, pois a cidade, propriamente dita, ocupava uma área muito menor do que hoje ocupa.

O “Plano Taulois” foi, na verdade, o primeiro plano de expansão da cidade de Curitiba. Com base no projeto feito pelo engenheiro francês Pierre Taulois – que sugeria a mudança da conformação circular da cidade e a desapropriação de áreas no centro para formar um novo traçado com ângulos retos – o engenheiro Frederico Hégreville foi autorizado pelo governo a realizar um projeto de expansão de Curitiba. Aos poucos, a cidade foi ganhando novas ruas com cruzamentos regulares e passou a ter um desenho retangular, melhorando a circulação dentro da malha urbana.

Fonte: Acervo IPPUC.

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 159

Em 1943, temos o chamado “Plano Agache”, encomendado pelo pre-feito Rozaldo de Mello Leitão. Foi elaborado pelo urbanista e arquiteto francês Alfredo Agache que veio para o Brasil, fez projetos em Santos e no Rio de Janeiro e deixou sua marca em Curitiba. Primeiro plano criado espe-cialmente para a cidade de Curitiba, o “Plano Agache” era conhecido pelas estruturas radiais que tinham o objetivo de descongestionar o centro. A cidade seria organizada por setores: industrial, comercial, administrativo, educacional, desportivo e residencial.

O plano também previa a ampliação das redes de água e esgoto, a criação de parques nos subúrbios e a formação de lagos artificiais para a prática de esportes, aproveitando as curvas dos rios. O “Plano Agache” teve sua implantação prejudicada pela falta de recursos e acabou sendo aban-donado. Mais de 20 anos após a sua criação, o “Plano Agache” terminaria por orientar a elaboração do Plano Diretor de Curitiba.

Como marcas do “Plano Agache” na cidade de Curitiba ficaram obras como o alargamento da Rua XV de Novembro e o prolongamento da Avenida Marechal Floriano até o município de São José dos Pinhais, onde estava sendo construído o Aeroporto Afonso Pena, além de várias obras de sanea-mento. Posteriormente, outras obras importantes de infraestrutura também foram inspiradas nesse plano.

Em 1965 teve início a grande mudança na cidade de Curitiba. Naquela ocasião, o prefeito era Ivo Arzua Pereira. Ele queria construir um viaduto entre duas praças no centro da cidade e foi, então, conversar com o presidente da antiga Companhia de Desenvolvimento do Paraná (CODEPAR), organização que mais tarde se transformou no Banco de Desenvolvimento do Paraná (BADEP).

O que ocorreu naquele momento foi crucial para o destino de Curitiba: os técnicos do BADEP disseram que haveria financiamento não apenas para a tal ponte, mas também para que a cidade investisse na criação de um Plano Diretor. Ivo Arzua Pereira usou os recursos de maneira inteligente: foi aberta uma concorrência pública para a criação de um projeto piloto. A empresa paulista Serete, vencedora da concorrência, entregou para a Prefeitura de Curitiba o Plano Preliminar de Urbanismo. À frente desse projeto estava o arquiteto Jorge Willheim. O trabalho foi acompanhado por uma equipe técnica designada pela Prefeitura de Curitiba.

O Plano Preliminar de Urbanismo foi, então, analisado e discutido por diversos segmentos da comunidade durante o seminário “Curitiba de Ama-nhã”: profissionais liberais, estudantes, jornalistas, associações de bairros, entidades assistenciais, associações cívicas, sociedades operárias benefi-centes, sindicatos, professores e a população em geral. A cada encontro eram feitas críticas e sugestões ao Plano Serete. Como resultado dos deba-tes, surgiu o Plano Diretor de Curitiba.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL160

Meses depois, em 1º de dezembro de 1965, foi criado o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) para ajudar no moni-toramento do Plano Diretor. Ao longo dos últimos 48 anos, o IPPUC tem desempenhado um papel essencial: coordenar e monitorar o planejamento urbano da cidade. A instituição elabora programas, planos, projetos e realiza pesquisas urbanas, além de coletar e gerenciar fundos, acompa-nhar investimentos em infraestrutura e torná-los compatíveis com ações focadas no município e também na integração com a Região Metropolitana. Tudo isso com a premissa do desenvolvimento sustentável, buscando compartilhar as melhores práticas em planejamento urbano.

Desde a implantação do Plano Diretor de Curitiba, o planejamento urba-no da cidade tem se apoiado no seguinte tripé: Uso do Solo, Sistema Viário e Transporte Público, tendo sempre o ser humano como medida de todas as coisas. Essa temática está em permanente discussão dentro do Instituto, não somente nessa administração, mas também em administrações anteriores. A cidade tem sido pensada de forma sistêmica, sempre levando em conta a integração dos três fundamentos que formam o tripé do Planejamento Urbano. Em relação a esse tema, estamos nos preparando para a revisão do Plano Diretor de Curitiba, que precisa acontecer a cada 10 anos por imposição legal. A primeira revisão ocorreu em 2004 e a próxima será em 2014.

No momento, o IPPUC vem atuando em diversas frentes que são muito importantes para o desenvolvimento da cidade. Temos pensado a respeito de um Plano de Conforto Ambiental, discussão que tem sido levantada com o apoio de professores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Sabemos que a tendência das grandes cidades é que se tornem barulhen-tas, sujas e poluídas. Então, queremos agir para reverter esse quadro.

Outra questão importante diz respeito ao que acontece no centro da cidade. Temos a informação de que existem mais de cinco mil unidades de moradia a serem implantadas na região central da cidade nos próximos anos. Então, dependendo da forma como isso vier a acontecer, poderá ajudar na animação do centro da cidade, mas também pode gerar novos problemas. Temos de pensar que de nada vale uma pessoa morar no centro da cidade, mas pegar o seu carro para trabalhar num lugar distante. A área central precisa ser usufruída e ocupada pelos cidadãos de forma constante e criativa. Isso melhora a dinâmica da cidade e aumenta a segurança para todos.

Há uma série de questões que também precisam ser pensadas e trabalhadas de imediato, como Planos Setoriais, falando de Habitação, Saneamento e outros aspectos. Além disso, é preciso atuar na criação de um Plano de Desenvolvimento para as Regionais trabalhado junto com seus administradores, porque são eles, em última análise, que podem nos dar um resumo sobre as necessidades dessas regiões.

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 161

Uma cidade precisa de identidade visual, precisa ter uma cara, precisa ter signos que remetam a ela. Curitiba já teve uma feição bem mais definida em termos de equipamentos urbanos, e isso, infelizmente, foi se perdendo com o passar dos anos. Queremos resgatar isso. Para tanto, trouxemos para o IPPUC um profissional da área do Design com um olhar diferenciado para o mobiliário urbano e para os aspectos relacionados à identidade visual. Nesse aspecto, precisamos destacar que a atual administração trabalha com o conceito de unir Planejamento Urbano, Design, Arte e Inovação na construção de uma cidade melhor para todos. E isso tudo deve estar vincu-lado aos conceitos de economia criativa e economia verde.

Nos últimos meses, o IPPUC dedicou-se intensamente à criação e viabilização do Plano de Mobilidade de Alta e Média Capacidade, junto ao Ministério das Cidades. Com a aprovação de R$ 5,2 bilhões para a constru-ção e implantação do Metrô de Curitiba e para as obras da Linha Verde, Aumento da Capacidade do BRT e Reestruturação do Inter 2, conhecido como Ligeirinho, Curitiba concretiza o sonho de tornar-se uma cidade multimodal. No entanto, essa multimodalidade está fortemente vinculada à humanização da mobilidade, que acontece pela integração dos diversos modais de transporte, pelo aprimoramento do sistema público e pelo inves-timento em mobilidade não motorizada, privilegiando o ciclista e o pedestre.

Os projetos aprovados vão garantir o aprimoramento do atual sistema de transporte coletivo – que é modelo e referência mundial – e a integração do ônibus a novos modais de transporte, tais como a bicicleta e o próprio metrô. Andar a pé se tornará mais confortável e seguro, já que o Plano de Mobilidade também prevê a requalificação, reforma e implantação de novas calçadas na cidade. Isso porque, dentro do Plano de Mobilidade aprovado também foram embutidas algumas realizações previstas para o Plano Es-tratégico de Calçadas que está sendo elaborado pelo IPPUC com o apoio de diversas secretarias municipais.

E para garantir a integração entre o transporte coletivo e a bicicleta, serão aplicadas diretrizes do Plano Estratégico Cicloviário que foi elabora-do pelo IPPUC e prevê a implantação de mais 300 km de vias cicláveis em nossa cidade, entre ciclovias, ciclofaixas, ciclorrotas e vias compartilhadas entre pedestres e ciclistas. Dentro do Plano de Mobilidade, serão construí-dos bicicletários junto aos terminais de ônibus – com 40 a 60 vagas – e um grande bicicletário, com espaço para acomodar até 1.500 bicicletas, será implantado no centro da cidade. As estações de metrô também contarão com bicicletários. Dessa maneira, as pessoas poderão estacionar seus veí-culos não motorizados com segurança e completar o percurso de ônibus, de metrô ou a pé.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL162

Outra proposta humanizadora criada dentro do IPPUC no escopo do Plano Estratégico Cicloviário é a de transformar alguns trechos da cidade em vias calmas – nos quais a velocidade máxima para os veículos de passeio e os táxis será de 30 km por hora, haverá ampla sinalização horizontal e vertical e a prioridade de deslocamento na via será da bicicleta sobre o automóvel. A primeira via calma será implantada no primeiro se-mestre de 2014, na Avenida Sete de Setembro, entre a Rua Mariano Torres e a Praça do Japão, perfazendo um trecho de 6,3 km.

Já o Plano Estratégico de Calçadas vai imprimir força ao caráter multimodal, em termos de planejamento urbano, com a requalificação das calçadas. Com 4.500 mil km de ruas abertas, Curitiba possui cerca de 1.500 km de vias com pavimentação definitiva e que possuem calçadas. Além de ampliar a área de calçadas, também será necessário requalificar parte do calçamento existente. Isso permitirá que pessoas de todas as idades, e com as mais variadas condições físicas, possam se deslocar de forma tranquila e com segurança.

Dessa forma, o Plano de Mobilidade de Alta e Média Capacidade foi criado para manter o nível de excelência do sistema de transporte público de Curitiba, mas propondo as necessárias atualizações ao modelo implan-tado na cidade, diante do contexto atual: aumento da população, com cerca de 1,8 milhão de habitantes; crescente processo de metropolização de Curitiba, cada vez mais conurbada com os municípios da Região Metro-politana; e a quantidade de veículos particulares na cidade que já alcançou a marca de 1,3 milhão (Detran / Jan 2013) – superando o número de eleito-res da capital, inferior a 1,2 milhão de pessoas (TRE / 2013).

Diante desse contexto, o Plano de Mobilidade de Curitiba foi construí-do como uma nova forma de planejar a cidade, contemplando os desafios atuais e futuros, sem desconsiderar as linhas de desenvolvimento que tra-dicionalmente geraram a bem-sucedida equação aplicada no município. O plano também incorpora as novas tendências mundiais em transporte sus-tentável e agrega, com sensibilidade e respeito, as demandas de nossa população.

De olho no futuro, em 2015, ano do cinquentenário do IPPUC, quere-mos presentear a cidade com o Plano Municipal de Desenvolvimento Urba-no Sustentável. Essa será a visão do Instituto para os próximos 50 anos. Estamos nos debruçando sobre esse novo Plano com intensidade, com uma equipe dedicada especialmente a esse trabalho, e todo o corpo técnico do IPPUC prestando suporte, cada qual com sua expertise. Em nosso ponto de vista, essa deve ser a grande discussão sobre o futuro das cidades: fazer um prognóstico a respeito do que deve acontecer nos próximos 10 anos é relativamente fácil, mas projetar o desenvolvimento do município para daqui a 50 anos exige muita dedicação e muito conhecimento.

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Ao refletirmos sobre o Planejamento Urbano de Curitiba, percebemos que ainda hoje se aplicam a essa cidade muitos dos fundamentos pensa-dos em 1965. Então, em 2015, temos a obrigação de pensar 50 adiante. E tudo deve estar vinculado ao conceito de “metropolização”, para que o Pla-nejamento Urbano seja coeso com o desenvolvimento e as necessidades de toda região Metropolitana de Curitiba. Somente dessa maneira po-deremos viver numa metrópole verdadeiramente mais sustentável. E tudo isso nos levará a viver na cidade que sonhamos: mais participativa, mais inovadora e mais humanizada.

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REFERÊNCIAS

INSTUTUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográfico de 2010. Brasília: 2010.

INSTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO URBANO DE CURITIBA. (IPPUC). Curitiba em dados. Curitiba: IPPUC, 2008.

CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL164

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O FUTURO DA CIDADE: A SUBSTITUIÇÃO DA NOSTALGIA PELA MELANCOLIA ¹C

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Estado, Planejamento

e Administração Pública no Brasil

Este texto tem caráter ensaístico e, portanto, apoia-se muito mais em visões particulares de uma experiência pessoal no trato da questão urbana que propriamente e explicitamente em outros autores referenciais ou mes-mo em uma construção com o rigor científico de elaboração metodológica. Este texto reproduz, com adaptações, a conferência, seguida de debate, que tive oportunidade de apresentar na série de eventos organizados pelo Instituto de Administração Municipal de Curitiba (IMAP), em 29 de agosto de 2013.

O tema definido para esse dia do referido evento foi o futuro da cidade, contando com a minha participação e a do então presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), Sérgio Póvoa Pires. De um lado, um arquiteto que no momento tem como ocupação principal a pesquisa e o ensino da gestão urbana; de outro, um arquiteto com a missão de gerenciar ações de planejamento de uma capital nacional e polo metro-politano. De um lado, um profissional envolvido na lida com estudantes, na maioria jovens e, portanto, com o esperado desejo de participar da neces-sária transformação positiva de nossas cidades; de outro, um profissional representando uma administração pública municipal que deve justificar suas decisões diariamente e demonstrar que novos dias virão. Em ambos os casos, a visão otimista em relação ao futuro do objeto do trabalho, a cidade, parece ser compulsória. Para o leitor é difícil, pois, saber se a posi-ção abaixo revelada, assumidamente otimista, reproduz com honestidade o sentimento do autor em relação àquilo que nos aguarda em termos de espaços urbanos ou se é resultado de uma imposição circunstancial. De mim, posso dizer: acreditem, o otimismo é mais antigo que a circunstância.

Para contextualizar as ideias que apresentarei, inicio com três referen-ciais que podem ajudar a nos posicionarmos em relação ao futuro. São eles: um filme e um par de indicadores.

REFERÊNCIAIS PARA INICIAR A CONFERÊNCIA

¹Alguns dos tópicos aqui apresentados fizeram parte de outra palestra sobre a pesquisa e o ensino do urbanismo: Seminário Internacional sobre Enseñanza en Temas Urbano-Regional, Bogotá, Colômbia, outubro de 2013.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL166

Wood Allen, em seu filme Meia Noite em Paris, conta a história de um escritor norte-americano que viaja com a noiva e os futuros sogros para Paris. Ele, em dúvidas como terminar o romance que está escrevendo, se sente desconfortável num mundo de consumo, efemeridades e com redu-zido interesse pela cultura. Ela, a noiva, se sente à vontade num ambiente de futilidades e dá sinais de enfado ante uma cidade repleta de museus com conteúdo de difícil assimilação. Numa determinada noite, sozinho, o noivo avista um carro antigo que para ao seu lado; as pessoas no seu interior o convidam para uma festa: ele é então miraculosamente levado para uma Paris dos anos 20 onde encontra escritores e pintores que sempre admirou. Mas, e isso interessa a nós nesta discussão, ele encontra também uma jovem que vê mediocridade, apenas, na Paris de seu tempo e sonha em voltar no tempo, voltar à Belle Époque parisiense dos anos 1890. Essa descrição revela assim que o passado sempre nos faz falta e nos parece, compreensivelmente, mais seguro e melhor. O exercício de se prever o futuro está então sempre impregnado desse saudosismo por uma época que não mais existe, por um presente que nos faz desconfortáveis e que, portanto, só pode anunciar o pior.

A segunda referência para iniciar esse debate é a publicização do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2010 para os municípios brasileiros (PNUD, 2013). No estudo que mede a síntese da situação relativa à renda, educação e longevidade da população, dois municípios da Região Metropolitana de Curitiba chamam a atenção: Doutor Ulisses e Cerro Azul. A leitura do IDH para esses dois municípios em um período de uma década revela como um mesmo indicador permite duas posturas distintas a quem o analisa, ou seja, um mesmo objeto, sabidamente, permi-te mais de um olhar e, para o que nos é importante aqui, uma visão otimista e uma visão pessimista. Discutir esse caso serve pois para esclarecer o argumento de que uma posição otimista ou pessimista não é apenas resultado de uma eventual circunstância. Com isso, confirmaríamos o dito por Ortega y Gasset (1984) quando alerta para o fato de que nós somos nós mesmos e nossas circunstâncias. De fato, esses dois municípios se distin-guiram no IDH de 2000 por se situarem no limite inferior do ranking deste indicador e por revelarem uma situação social que erroneamente se acreditava inexistente para municípios do Sul brasileiro, integrantes de uma região metropolitana e vizinhos de uma das capitais que se posiciona entre aquelas com os melhores indicadores sociais. No IDH de 2010 essa situação se repete, justificando um pessimismo que se alicerçaria na exis-tência de indicadores tão baixos e tão pertos do que teríamos de melhor no país para esse indicador. Ao mesmo tempo, de modo geral, a despeito de algumas críticas aos procedimentos metodológicos para obtenção do IDH, a diferença na concentração de renda entre os municípios no período 2000-2010 caem significativamente, em torno de 20%. Com isso a leitura da situação desses mesmos dois municípios paranaenses, assim como outro

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tantos no Brasil, explicariam uma posição otimista: se a posição no ranking ainda é perversa para Doutor Ulysses e Cerro Azul, o cenário observado no Estado do Paraná demonstra um avanço em termos da equidade sempre buscada; mais que isso, tal equidade não resulta da queda do IDH para os municípios em melhor posição, mas sim da melhoria daqueles que se encontravam nos patamares mais inferiores.

A terceira referência que pode nos ajudar no debate sobre posiciona-mentos otimistas e pessimistas em relação ao cenário urbano que vivencia-mos e aquele que nos espera é o referente à formação dos profissionais que ora se responsabilizam pelo pensar e pelo gerir as cidades brasileiras. Imaginemos que tais profissionais se situem na faixa etária entre os 30 e 60 anos: uma larga banda para reforçar ainda mais o raciocínio. Profissionais entre 30 e 60 anos vivenciaram ou estiveram muito próximos da generaliza-da crise brasileira que inicia nos anos 1970 e avançou linearmente até muito recentemente. Na realidade, aos problemas da década de 1970 foram ainda adicionados outros, nos períodos seguintes, constituindo um palimpsesto de desastres urbanos. Aos anos 1970 seguiram a década de 1980, a qual, por razões diversas foi nomeada de anos perdidos, e de uma década de 1990 com fortes tentativas neoliberais com agravantes ainda mais profun-dos para o acesso a infraestruturas e serviços públicos por parte da popu-lação com menos renda. O cotidiano desses anos passados formatou uma longa geração de profissionais acostumados a uma cidade que recorrente-mente é caracterizada demograficamente por um crescimento jamais visto, por uma carência generalizada em infraestrutura e serviços, por um proces-so de periferização que desafia o planejamento e por uma situação contábil que impossibilita intervenções necessárias mínimas. Tal cenário, num pri-meiro momento de difícil entendimento, logo se faria familiar, constituindo uma evidência da qual nenhum otimismo parecia ser possível. A convivên-cia com esse modelo de cidade, tão prolongadamente imposta e tão clara-mente observada, impregnou nossos raciocínios e dificultou aceitar que talvez coisas novas estejam acontecendo. Mais importante que isso é talvez o perfil de nossos professores e pesquisadores atuais, esperadamente, presos a uma insistente e forte visão do passado por terem vivenciado um contexto de criticidades.

A despeito de se ter a certeza de que a história nem sempre nos garante uma explicação do futuro, a utilização de séries de indicadores que explicam as nossas cidades em termos de acesso a serviços e infraestrutu-ras básicas podem anunciar algum cenário por vir, ainda que limitados a uma previsão de curto ou médio prazo.

A história não pode ser utilizada para prever o futuro com fidedignidade, e extrapolações de dados demonstrando tendências passadas ou “análises por analogia” - práticas

O FUTURO A PARTIR DE INDICADORES CONHECIDOS

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comuns nos setores comerciais e financeiros - são particularmente arriscadas porque podem ofertar aos tomadores de decisão uma injustificável sensação de confiança. Todavia, história é vital para entender as condições presentes: sem esse conhecimento, esforços de planejamento estratégico podem se mostrar absolutamente errados (Forbes, 2012, traduzido do inglês).

Água, esgoto e energia são infraestruturas tradicionalmente conside-radas básicas para se configurar um assentamento nomeado cidade con-temporânea. Tais infraestruturas avançaram com suas coberturas em todo o território nacional e, a cada Censo Demográfico, demonstram um cresci-mento linear que caminha para a universalização. Essa observação é me-nos verdadeira para o esgoto, o qual ainda conta com percentuais próximos de 50% IBGE, 2010; do mesmo modo, reconhece-se, ainda há grandes discrepâncias regionais e mesmo índices alarmantes em muitas regiões. Todavia, ao se observar o comportamento de crescimento linear desses indicadores, ainda que as próximas reduções sejam de consecução mais difícil, indica um cenário futuro de inegável melhora. As informações em nível de Brasil apresentadas a seguir demonstra esse raciocínio. Em ter-mos de rede de água, para os anos 1970, 1980, 1990, 2000 e 2010, têm-se os seguintes percentuais para a: população total brasileira: 34,7%, 54,9%, 70,7%, 77,8%, e 82,85%, respectivamente. Para a cobertura de esgoto, tais percentuais são: 13,15%, 27,73%, 47,3%, 52,2% e 70,92%. Para a energia elétrica domiciliar, os dados são ainda melhores: 47,56%, 68,50%, 86,87%, 93,01% e 97,8%. (Fonte: IBGE, Censos Demográficos).

Tais indicadores são indiscutíveis em termos de impacto positivo que geram na qualidade de vida do morador urbano. A despeito de seus eviden-tes sinais de deficiências qualitativas, como é o caso da reduzida taxa de tratamento do esgoto coletado, eles respondem a uma demanda há muito apresentada ao gestor urbano. Do mesmo modo, todavia, não permitem uma acomodação em termos de coisas que restam a ser feitas, mas exigem sim que aprofundemos ainda mais nossa preocupação com a equidade de seus resultados e mesmo com os aspectos qualitativos desses serviços.

Outro indicador que indica tempos mais tranquilos para a gestão da cidade brasileira é a queda na sua taxa de crescimento. De fato, já há muito tempo reconhecemos que a baixa prioridade para a população mais neces-sitada, a quase inexistência de politicas públicas que valorizem o subsídio para essa mesma população e a fragilidade de políticas habitacionais de interesse social impuseram um padrão de baixos níveis de habitabilidade, de injustiça e de cenários construídos e sociais de difícil reversão. Entre-tanto, o cenário de queda nas taxas de crescimento demográfico entre a população brasileira ao longo das décadas passadas permitiu vislumbrar melhores condições de enfrentamento a essas mesmas demandas básicas não respondidas. Segundo os Censos Demográficos, o crescimento no Brasil contou com um extremo elevado nos anos entre 1950-1960, com 2,99% a.a., começando então a desacelerar. O Censo 2010 já confirma

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uma taxa de crescimento que é a menor até então: 1,17% a.a.; a partir desse cenário, para 2020, é possível pois uma projeção de 0,71% em média ao ano (IBGE, 2010). Tais quedas ocorrem com o esvaziamento de áreas rurais, com o crescimento negativo ou inexpressivo de pequenas cidades, com a persistência da migração para áreas metropolitanas e, mais recente-mente, para cidades de médio porte. Com isso, a diminuição nas taxas de crescimento convive com a manutenção da concentração da população brasileira em espaços urbanos bastante definidos. Tais mudanças no pa-drão demográfico das cidades brasileiras, por um lado, revelam um cenário futuro de menores demandas quantitativas para a gestão local, mas, por outro, têm exigido novas respostas, agora, mais que antes, estabelecidas a partir de uma preocupação qualitativa. Esta mudança, aliás, da atuação quantitativa para a qualitativa, o que exige também uma alteração de uma prática de gestão monodisciplinar para uma multidisciplinar, é talvez o fator que mais claramente pode nos ajudar a imaginar como será nosso futuro. Certamente, para quem trabalha na gestão urbana, esse futuro – mais mul-tidisciplinar e mais qualitativamente demandante – será mais complexo, de difícil execução, mas também mais desafiador e obrigatoriamente criativo.

Tais indicadores e tais processos certamente não seriam suficientes para requalificar nossas cidades e assim construir novos espaços urbanos. Se essa requalificação realmente existe, como é meu pressuposto aqui, um consórcio maior de fatores deve ter ocorrido. De fato, acredito que outros indicadores poderiam ser lembrados para que esse cenário tenha se confir-mado. Uma maneira de se confirmar esse pressuposto pode também advir da forma como nossas cidades foram sintetizadas ao longo das décadas anteriores. Os parágrafos que seguem apresentam essas sínteses.

Na literatura internacional o termo Brazilianization foi inúmeras vezes utilizado para significar um temível processo de dualização que poderia também ocorrer em países considerados de mais alto poder aquisitivo e de relações sociais melhor resolvidas. A cidade brasileira era pois um mo-delo de segregação, dualismo, irregularidades, periferização. A despeito de essas questões estarem longe de desaparecer, o adjetivo mais capaz de sintetizar a cidade brasileira passa a ser a de um grande laboratório urbano, onde se ensaiam importantes projetos de assimilação de áreas até então ilegais pela estrutura formal do espaço ocupado e mesmo novas formas de controle sobre o uso do solo e sua apropriação, explicitando a importância da função social da propriedade e o necessário combate à especulação imobiliária. As duas citações abaixo exemplificam essas duas citações que, a despeito de não serem exclusivas, como gostaríamos de aqui descrever, dão sinais tênues – e mesmo assim, otimistas – de um fim da hegemonia da primeira realidade.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL170

But the 'dual city' shifted to the 'advanced' world. Conceptually and literally. Common wisdom and analysts both observe that the colonial city has selectively moved to the metropolis taking its race and relative poverty with it. “Increasingly, an underclass exists of different ethnic origin from the ruling strata, giving many world cities a 'Third World' aspect,” describes contemporary world cities Anthony King (1990: 29). Analysts now write about “third-worlding at home, in NYC” (Koptiuch, 1991), or the “Brazilianization” of Britain (Massey, 1988) which are but some of the conceptualizations of the dualization of the 'advanced' world the most common being the notions of 'advanced marginality' and 'the dual city.' (BODNAR, 2007, p. 6).

At the level of the nation state, the Brazil City Statute, 2001, is a groundbreaking law that redefi ned the concept of land ownership, establishing the social value of urban land, and a requirement for democratic participation in urban planning. (UN-HABITAT, 2008, p. 7)

Há pois nessa “quase” mudança uma séria possibilidade de enxergar-mos, mais uma vez, sinais positivos no cenário urbano que se aproxima. Para tanto, talvez tão difícil quanto mudar o objeto que olhamos e qualifica-mos é mudar o viés do observado. De fato, somos hoje, moradores urbanos, gestores e pesquisadores da cidade, uma geração que conheceu – ou esteve perto – da chamada década de 1970, quando o fenômeno urbano ainda impressionava pelo ineditismo ou pela rapidez com que se impunha e um planejamento de Estado buscava se impor na forma depois reconhecida como tecnicista e centralizadora, da década de 1980 com seus anos per-didos, da década de 1990 com seus ensaios fracassados de um neolibe-ralismo periférico e agora dos anos 2000 com um explicitado planejamento que valoriza o social. As citações abaixo buscam sintetizar cada um desses períodos (anos 1970, 1980, 1990 e 2000), relatando assim uma sequência de desapontamentos e, mais recentemente, sinais de mudanças positivas importantes.

Os planos e projetos continuaram a ser feitos, mas na vida cotidiana das cidades o planejamento se explicitava apenas sob a forma de zoneamento, ficando os ambiciosos planos quase sempre na gaveta dos órgãos públicos. É curioso lembrarmos que a década de 1970, de grande crescimento da informalidade, das favelas, dos loteamentos clandestinos, é também a década dos grandes planos diretores, dos planos metropolita-nos, que se propunham a dirigir e articular todas as políticas setoriais sob a batuta do planejamento urbano. (Rolnik, 2000, p. 4).

No terreno econômico, os anos 80 ficaram conhecidos como “a década perdida”. Mas esse foi um período em que presenciamos, também, o ascenso da luta pelo estabeleci-mento da democracia no país, que culminou com a promulgação, em outubro de 1988, da nova Constituição Federal. Esta haveria de influenciar profundamente vários aspectos da vida nacional, e até mesmo as políticas e o planejamento urbanos. ... Paralelamente, em meio a uma grave crise fiscal, esgotava-se o padrão anterior de intervenção do Estado e de financiamento das políticas públicas (Panizzi, 1999, p. 23).

... parece imprescindível dizer que este processo se reforçou exemplarmente no plano do pensamento e da condução das políticas econômicas com o dogmatismo que se sintetiza a partir do final dos anos 1980 no chamado Consenso de Washington, no qual, com base nas novas regras do jogo do circuito financeiro internacional, e em especial das possibilidades de financiamento dos Estados, se impõe uma série de constrangi-mentos às economias periféricas a partir de um receituário de caráter neoliberal. (Cunha & Simões, 2009, p. 4).

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Um olhar sobre as políticas urbanas do Brasil, envolvendo as políticas de habitação, regularização fundiária, saneamento ambiental, transporte e mobilidade, não deixa dúvida a respeito das significativas transformações que estas vêm passando nos últi-mos anos. Tais mudanças parecem caminhar em duas direções: primeiro, na direção do aprofundamento do processo de descentralização, iniciado com a reforma constitucio-nal de 1988; segundo, na adoção de uma agenda de reformas sociais, identificada como agenda da Reforma Urbana, na qual se destacam aprovação do Estatuto das Cidades (2001) e a criação do Ministério das Cidades (2003) e a implantação dos Conselhos das Cidades (2003)”. (Ribeiro; Santos Jr, 2009, p.08).

Para o bem e para o mal, tal periodização não constitui, evidentemen-te, momentos isolados e finitos em seus limites; ao contrário eles se sobre-põem tal qual num palimpsesto, acumulando fracassos, mas pela primeira vez anunciando alguns avanços.

Vejamos agora outro par de indicadores que podem sugerir polêmi-cas em termos de ganhos gerados. A taxa de motorização na cidade de Curitiba, antes um indicador pouco citado e jamais utilizado na prática do gestor urbano de décadas passadas, agora passa a ser motivo de preocu-pação cotidiana, sendo considerada em conjunto com qualquer proposta séria de transporte coletivo. Números relativos à frota da cidade, a qual está entre as mais elevadas do país, revela uma relação de um veículo para aproximadamente três habitantes (DENATRAN, 2010). Do mesmo modo, a produção cotidiana de lixo desta cidade, apesar de não estar entre aquela de maior volume per capita, atinge em média 0,6 kg / dia / hab. A compara-ção desse valor em uma série histórica igualmente revela um crescimento significativo.

De fato, o volume per capita da produção do lixo doméstico, ao se observar levantamentos diversos das prefeituras municipais brasileiras indicam um crescimento linear e preocupante desta geração. Ao se tomar como referência o Diagnóstico de Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (Ministério das Cidades, 2011), os dados em nível de Brasil revelam um volume coletado médio nacional de 0,96 kg/hab./dia; muito mais elevado que as taxas até então conhecidas. Este é um exemplo de novos padrões de consumo que merecem consideração, pois ao mesmo tempo que implicam ganhos no consumo há muito desejado pelo modelo de desenvolvimento adotado, pressupõem maiores pressões sobre os recursos naturais e imposições de difícil solução para as administrações locais.

Os indicadores referentes à taxa de motorização ou então ao uso ou não uso do transporte coletivo de qualidade e pouco competitivo com o individual, a situação de dualidade persiste: de um lado, uma situação de difícil enfrentamento, de outro, o resultado de um desejo há muito persegui-do. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD),

O FUTURO A PARTIR DE INDICADORES POUCO USUAIS

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL172

o tempo e o número de pessoas em trajeto casa-trabalho motorizado têm aumentado consistentemente. Ao se comparar o percentual de pessoas que despendem mais de 1 hora no deslocamento diário no trajeto casa-trabalho, entre 2001 e 2008, é possível observar um incremento generaliza-do para as dez metrópoles brasileiras estudadas, à exceção de Curitiba. O maior incremento é observado em Salvador, com 5,8 pontos percentuais, acima portanto de São Paulo e Rio de Janeiro, com 3,7 e 4,1 pontos percen-tuais, respectivamente.

Um exemplo importante desse cenário é o número de habitantes por veículo motorizado. Se, por um lado, esse indicador pode demonstrar um melhor poder aquisitivo da população urbana; por outro indica uma evidente deterioração do transporte público, piores condições de tráfego e maiores índices de poluição atmosférica. Em termos médios, para o Brasil, ainda há baixa relação para este índice, porém para determinadas cidades a relação habitantes/veículo já se aproxima de uma absurda paridade. Em termos nacionais, o Brasil, em 2011, contou com uma frota de veículos 121% maior que aquela que se tinha em 2001: de 32 milhões de veículos passou-se para 70,5 milhões (Denatran, 2012). A mesma fonte de informação indica que, se em 2001, a relação era de um automóvel e comercial leve para cada oito brasileiros, em 2011 essa mesma relação passa a ser de um para cinco.

Tais indicadores exigem uma visão esperadamente conflituosa, a par-tir de objetos que revelam, a um tempo, sinais de demandas atendidas e novos problemas de convivência e gestão urbanas. O que se tem são indi-cadores que revelam avanços para situações mais positivas, crises em per-manência, mas também situações ambíguas, podendo nos sugerir visões otimistas ou prenúncios de um caos. Para esses casos, novamente, mais que o objeto observado, vale o olhar do observador.

Tal situação reitera, pois, a complexidade a que a cidade contemporâ-nea e mais ainda aquela que está por vir, se submetem ao ser construídas, reconstruídas e, também, geridas.

Os indicadores até então transcritos podem ser facilmente – e devem – utilizados para descrever uma nova crise urbana, agora também caracteri-zada por um aprofundamento dos problemas ambientais. Esse é, de fato, um tema bastante recorrente entre aqueles que têm a gestão das cidades como foco de atuação, porém poucas vezes é lembrado como fruto de uma construção há muito iniciada e, mais que tudo, há muito desejada. O paro-xismo dessa situação é talvez único em nossa história urbana mais recente.

O que se propôs neste texto é, pois, uma necessária esperança capaz de garantir que continuemos a planejar nossas cidades e fazê-la diferente

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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do passado e do presente. Claro, acredito que o raciocínio aqui apresenta-do deixa claro também que tal esperança e tal otimismo não escurecem a necessária visão crítica e temerosa daquilo que estamos fazendo. Muito já se falou do fim das utopias urbanas (Ultramari, 2005), que não mudaremos a totalidade das coisas ora vividas, mas tão somente de pequenas parcelas de nossas cidades. Há muito já ficou claro também que em nome dessa impossibilidade de tudo alterar, pouco se fez.

Deve haver, em algum lugar de nossas visões sobre o futuro, espaço para repetirmos, criticamente o que se viu, por exemplo, no discurso ufa-nista do presidente brasileiro quando da inauguração de Brasília, nos anos 1960.

Não nos voltemos para o passado, que se ofusca ante esta profusa radiação de luz que outra aurora derrama sobre a nossa Pátria. Quando aqui chegamos, havia na grande extensão deserta apenas o silêncio e o mistério da natureza inviolada. No sertão bruto iam-se multiplicando os momentos felizes em que percebíamos tomar formas e erguer-se por fim a jovem Cidade (Kubitschek, 1961).

É necessário, pois, diferenciar a nostalgia da melancolia. Enquanto a primeira nos leva a sentir falta de um mundo que acabou, de um passado que nunca mais voltará, elaborando um presente e um futuro insuportável e temeroso, a segunda, a melancolia, nos deixa tristes por conta de um pas-sado que não tivemos. É justamente a falta de coisas, a inexistência de uma vida urbana que gostaríamos de ter tido e não tivemos é que deve nos guiar para pensar o futuro da cidade. Para pensarmos num futuro brilhante e que, portanto, justifique nossas escolhas e esforços do presente é melhor ser melancólico que nostálgico. O futuro deve ser pensado a partir de uma forte observação crítica do presente e daquilo que sempre desejamos, mas que jamais até então possuímos.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL174

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REFERÊNCIAS

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 175

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Tema:

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PLANEJAMENTO E MUNICÍPIO: UM OLHAR DA EXPERIÊNCIA SOB A NORMA

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Estado, Planejamento

e Administração Pública no Brasil

A finalidade do presente artigo é apresentar um olhar da experiência no planejamento orçamentário sob o processo de elaboração do Plano Plurianual (PPA) e respectiva Lei Orçamentária Anual (LOA), no sentido de contribuir com o tema no contexto do Ciclo de Debates sobre Administração Pública Municipal, realizado pelo Instituto Municipal de Administração Pú-blica no decurso do ano de 2013.

A ideia é compartilhar algo desta trajetória, em 20 anos de Prefeitura, daquilo que foi observado e nos parece contribuir na melhoria da compreen-são de como trabalhar o orçamento e, aqui, se fará um recorte sobre o investimento, que é muito importante para alavancar o crescimento, seja do país, do estado ou do município.

Destaca-se que é por meio do investimento que se consegue agregar valor ao planejamento estratégico colocado para a cidade. O investimento é uma parte muito pequena do orçamento, encontra-se entre 8 e 15% do valor global e possui poder de transformação. Se faz necessário um olhar atento para o investimento público, pois é uma variável chave para o crescimento, está incluído no índice de gestão fiscal e é um dos índices desenvolvidos pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN). O investimento é uma das variáveis que se aplica para medir a qualidade da gestão fiscal.

Em Curitiba, o que é 8 a 15% de um orçamento? Estamos falando de um orçamento para o próximo ano na casa dos R$ 7 bilhões, é pouco. Nesse índice de gestão fiscal, acabam preconizando o que se considera um investimento ideal, 20% da receita corrente líquida, se for olhar sobre esta ótica, para esse ano de 2013, o que devemos executar de investimento está na casa dos 15% da receita corrente líquida. Então, quer dizer, para o ano que vem, já estamos chegando próximo ao patamar colocado como ideal.

O investimento é importante, mas deve ser tratado adequadamente, considerando as outras despesas que compõe as realizações no município. O equilíbrio entre essas despesas é saber se onde estamos investindo, está provocando resultados. Com o tempo, aprende-se a diferenciar de uma ma-neira muito simples o investimento sobre duas naturezas: o investimento que gera receita e o investimento que gera despesa.

Os dois são importantes, o investimento que gera despesa geralmente é um investimento na área social, que traz um retorno importante e vem acompanhado de novas despesas, por exemplo: implantar uma nova escola,

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL180

uma unidade de saúde, significa que será preciso mais funcionários, novos gastos com água, luz, novos serviços de limpeza, enfim, é um investimento, e é importante. Realizar investimento no capital humano da cidade é um fator importante para o desenvolvimento, mas gera despesa. Já, o investi-mento em infraestrutura, acaba atraindo despesas, gerando receitas que retornam em impostos para o município. Outra questão relevante é o estudo da viabilidade do investimento no município, que auxilia a tomada de deci-são.

Muitas vezes, na tentativa de querer que as coisas se realizem, deixa-se de fazer análises importantes: aquele investimento que parecia fazer a diferença acaba não saindo do papel porque não se debruça sobre essa viabilidade. A viabilidade técnica, a viabilidade política, da governabilidade sobre o tema que está sendo proposto – fundamental como a questão da decisão ou processo decisório para se alocar um recurso – são alguns dos elementos para a análise pretendida.

Segundo MATUS (2005) “planejar é fazer uma aposta no futuro”. Pode-se destacar que “planejar e governar é fazer escolhas”. O dia a dia dos cida-dãos organizados em sociedade está pautado em escolhas, todos sabem que os recursos têm limites e não se consegue fazer tudo aquilo que gostaríamos de fazer, então, deve-se escolher e discutir de uma forma ampla. Isso significa ter um bom processo decisório para que se façam as melhores escolhas, aquelas que trarão os melhores resultados para a cidade. Então, o processo decisório é um ponto que vem avançando, uns passos para frente, outros para trás, depois avança de novo, mas precisa de um olhar muito atento.

O gráfico a seguir ilustra um investimento próximo a R$ 7 bilhões. Na linha referente ao custeio, considerada essencial, estão relacionadas as despesas do dia a dia, com a estrutura, máquina e pessoal.

20142013201220112010200920080

500.000.000

1.000.000.000

1.500.000.000

2.000.000.000

2.500.000.000

3.000.000.000

3.500.000.000

Pessoal Custeio Investimentos OF Investimentos PMC

Fonte: Sistema de Gestão Pública - PMC

Evolução das despesas correntes e de capital

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Nenhuma organização avança sem as pessoas. Esse é o seu maior patrimônio. Sem essa força de trabalho não existe política pública e, por consequência, não tem serviço funcionando. A curva é expressiva, de-monstrando um crescimento constante. Desde 2008 estamos crescendo e observamos uma inversão na curva.

As resoluções e instruções normativas relacionadas ao pessoal inativo, que antes era custeio e agora passa para pessoal – independente disso –, o que se observa, é que a curva é muito mais pesada no crescimen-to do que no investimento, ou seja, esse é o que agrega maior valor.

Na linha mais baixa, referente aos investimentos da Prefeitura Muni-cipal de Curitiba (PMC), trata-se dos recursos que o município aporta, na linha de investimentos OF, estão relacionados os recursos que buscamos fora. Podemos observar que existe uma política forte de captação de recursos para alavancar um investimento, porque hoje, só com os recursos municipais, acabam sendo mínimos os investimentos próprios da PMC. A alternativa é buscar recursos externos para agregar valor, porque os recur-sos estão muito comprometidos com a questão de custeio e de pessoal.

A seguir, apresento aspectos que fizeram sentido e que foram impor-tantes para mim e acredito serem apropriados na minha trajetória no servi-ço público.

Um ponto importante a ser destacado é acerca da Maturidade. Apesar de ser algo “draconiano”, o orçamento não é um lugar para ideias; apesar de ser engessado, deve-se explicitar ano a ano aquilo que o executor tem con-dições de realizar. Do que se observa, quando se colocam ideias no orça-mento e essas são usadas politicamente como prioridade, acabam tendo desgaste e sendo a atitude desastrosa, porque o que não tem maturidade do ponto de vista de projeto acaba não acontecendo. O recurso acaba ficando a fundo perdido. Assim, os projetos precisam ter maturidade para entrar nesse processo de execução.

A maturidade organizacional contempla a maturidade do projeto e a maturidade da organização, ou seja, tem que estar preparado. A organiza-ção Prefeitura é uma organização complexa, somos mais de 30 Entidades e Órgãos, são quase 38 mil servidores envolvidos, ou seja, não é uma organização pequena, ela possui o tamanho de uma multinacional, com todas as suas complexidades, tendo vários focos de atuação, com várias políticas públicas, se trabalha num cenário complexo, sendo pressionado por todos, mas, no fundo, o maior pressionado é o poder público, por ter que dar resposta. Então, essa maturidade da organização é importante para que se tenha uma base estável e sólida na implementação dos projetos.

ASPECTOS FUNDAMENTAIS PARA A CONSTRUÇÃO DO ORÇAMENTO

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL182

A partir da maturidade, um ponto importante é compreender esse ciclo do investimento, quando se propõe algo novo, e pelo novo momento que se vive na sociedade, a questão da transparência ou a questão ambiental é relevante. Existe uma série de questões relacionadas ao investimento que precisam ser amadurecidas antes de levar o seu projeto adiante; isso de-manda um bom estudo de concepção. Por exemplo, sobre a implantação de equipamentos sociais, é necessário ter um bom projeto, ainda mais em uma metrópole como Curitiba, onde a dificuldade de conseguir uma área para implantação de equipamentos públicos é grande. Se isso não estiver bem equacionado, não adianta dizer que vai implantar uma unidade de saúde, se ainda não tiver o terreno. Volta-se a afirmar: os processos duram de 2 a 3 anos para ganharem força e maturidade, para que realmente se realizem.

A questão da Viabilidade, quando se resolve implementar um projeto, se faz necessário conhecer as incertezas e as certezas sobre esse projeto, para levá-lo adiante. Muitas vezes a intenção é boa, mas não se debruça sobre o projeto para verificar sua real necessidade e possíveis riscos, além da análise sobre a capacidade já instalada. E isso acaba levando ao fracasso na execução.

Outro ponto relevante é a Tomada de Decisão. Esse é um processo que precisa estar muito claro dentro da organização, para poder funcionar. A falta de decisão provoca atrasos, interrompem os processos, não se sabe para onde caminhar. O alinhamento dos envolvidos é importante, pois somos uma organização complexa, são muitas pessoas e muitas vezes se começa um projeto partindo do comum. Existe uma relação intrínseca entre as Entidades e Órgãos, entre as áreas meio e fim, enfatizando-se a impor-tância da comunicação e dos seus processos, que precisam estar alinha-dos.

Em seguida, destacam-se as Ferramentas e os Instrumentos de Tra-balho, que precisam ser claros, como os processos de trabalho. Por exemplo, para implantar uma escola ou uma unidade básica de saúde, se faz necessário reunir as pessoas envolvidas e comunicar amplamente o projeto (seus processos, metas de implantação, funcionamento etc.). Com isso, e se todos os envolvidos estiverem bem alinhados com um olhar de maturidade para o projeto, alavanca-se e concretiza-se o proposto.

Destaca-se, também, a Sistematização do Conhecimento, porque se observa, na área pública, que vivemos em Ciclos. A cada 4 anos existe um processo de mudança e, nesse processo, não se tem por hábito sistemati-zar o conhecimento. No primeiro ano é a mudança, no segundo e no terceiro se ajustam e no quarto está tudo organizado. Quando muda-se a gestão, e se repete este ciclo, muitas vezes não se registra o conhecimento acumula-do, ele acaba se perdendo. Então, esse registro é importante, para que não ocorram descontinuidades.

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 183

Desta forma, a atenção às descontinuidades é uma característica do setor público a cada 4 anos, isso faz parte da realidade, o Estado deve se responsabilizar para que a população não seja afetada pelas ineficiências deste processo.

Outro item relevante é o Licenciamento Ambiental. Observa-se que as obras param por questões ambientais. Não é para dizer que o pessoal do meio ambiente não quer dar o licenciamento, pois existem procedimentos, critérios e normas que devem ser seguidas. Esse é um olhar necessário para não comprometer a execução do investimento. Os tempos de licitação levam meses, são prazos que acabam não sendo considerados no proces-so e, querendo ou não, na melhor das hipóteses, pode levar de 60 a 120 dias se acompanhado constantemente, caso contrário, poderá levar me-ses. É preciso ficar atento a isso, na elaboração dos projetos e na qualidade do que vamos licitar, porque se não forem bons projetos, bem amadureci-dos, vamos ter aditivos de prazo, de valor, que acabam sempre afetando o orçamento. A aprovação em órgãos externos também é relevante e trata-se de uma questão de segurança, são coisas que, se não observadas em um projeto, poderão levar de 2 a 3 meses para conseguir aprovação. Então, se planejar no ano de execução, por exemplo, uma escola, corre-se o risco de não entregar a obra, o que resultará em prejuízos pelas questões de prazo. Portanto, o ciclo do investimento público e planejamento, orçamento e execução orçamentária, são instrumentos do nosso dia a dia, do nosso trabalho e precisamos conhecer.

Outro ponto importante é o Desenvolvimento de Competências. Na área pública, trabalha-se com procedimentos concatenados. Pequenas apostas tem sido feitas no investimento de cursos de gerenciamento de projetos, fortalecendo o papel do gestor, ou seja, com a finalidade de se compreender melhor a visão sistêmica que envolve tal processo.

Desde 2008, se tem observado que a execução do investimento vem subindo, estava com investimento em torno de 70%, entretanto, esse caiu em 2009 em torno de 60% e, em 2010, em torno de 30%. Começa-se a esboçar uma melhora em 2011, 50% e, em 2012, 70%; ainda é pouco, mas precisa se manter para que isso desenvolva algumas competências que não são das pessoas, mas sim, da organização. Cabe destacar que mudanças na organização geram demandas e necessidades, que se traduzem em competência organizacional.

A Integração da área meio e da área fim parece duas coisas completa-mente distintas, mas não são. Pela observação, quando do acompanha-mento dos projetos, percebe-se uma integração muito grande das duas

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL184

áreas, ou seja, a área fim tem que entender dos processos, eles são instru-mentos de trabalho.

Na implantação de uma escola não se pode olhar só o número, mas o impacto disso, o impacto de beneficiar 300 a 400 crianças de uma determi-nada comunidade. A integração durante a construção de um processo orça-mentário não é uma atividade executiva da área meio, é uma atividade de todos, construída em conjunto, os conhecimentos precisam ser trocados, portanto, essa aproximação é fundamental.

Mais uma vez coloco a importância da sistematização do conhecimen-to, esse momento de compartilhamento, onde todos apresentam as ações de suas áreas, possibilitando conhecer e entender mais sobre a lógica do outro, é compartilhar e caminhar juntos.

A Tecnologia está aí para nos ajudar no dia a dia, se não contar com este apoio, não se consegue nem tomar a decisão. Só que, para a tecnolo-gia funcionar, tem algo que é essencial, os sistemas desenvolvidos estão para facilitar a vida e, se não conseguimos perceber e até utilizá-los, é porque ainda não é um bom sistema. Então, precisamos observar se os sistemas estão trazendo as informações.

O usuário lá na ponta conhece e faz uso do sistema? É essencial essa informação? Se estiver representando que é mais um trabalho, não esta-mos facilitando a vida deste usuário, precisamos ter um olhar sobre isso para saber o que é que está errado. Não adianta ter o melhor sistema do mundo, bem construído, se o usuário não estiver com as informações ade-quadas. Então, a gestão desse sistema precisa observar se existem os dados e/ou informações, ou ainda, se estão atualizadas, pois os sistemas precisam facilitar os processos, caso contrário, não temos como gerir as informações para a tomada de decisões. A atualização instantânea da informação é necessária para essa boa tomada de decisão. Um sistema com informações defasadas de nada adianta. Todos os envolvidos no sistema precisam perceber que aquilo irá facilitar a sua vida.

E, por último, acrescenta-se a importância sobre o monitoramento, frente às necessidades, demandas e do tamanho que somos como Prefei-tura, se não houver um responsável com uma visão global do todo, será uma inércia natural; tudo vai se acomodando e parando, entra-se na zona de conforto. Assim, esse monitorar é ter alguém que está acompanhando permanentemente, por isso é importante ter marcos de acompanhamento claros, contínuos e com responsáveis.

Quando diz respeito à palavra investimento, que é a disciplina da exe-cução, se não houver essa disciplina não vai acontecer, porque a pressão do custeio e da folha de pagamento é grande. É pelo investimento que se

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 185

promove o crescimento e que a cidade se desenvolve. Essa variável é pe-quena, mas é essencial para o crescimento. Logo, para os próximos quatro anos, estamos falando de R$ 30 bilhões envolvidos para fazer acontecer a cidade de Curitiba nas suas diversas áreas e nos diversos segmentos.

Somos criativos e queremos fazer, por outro lado, somos limitados, devemos incluir e priorizar no orçamento. Se aquele valor não for executa-do, não vai fazer sentido, então, precisa executar bem para mostrar e atrair mais recursos para um investimento.

Enfim, o que se apresentou são alguns aspectos da vivência, de pe-quenas observações. É sempre bom realizar essa troca, poder contribuir, podemos crescer e fazer de Curitiba uma cidade cada vez melhor.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL186

REFERÊNCIAS

CURITIBA. LDO 2013. Lei de Diretrizes Orçamentária: Quadro de Deta-lhamento da Despesa. Curitiba, 2013.

CURITIBA. LOA 2013. Lei Orçamentária Anual. Curitiba, 2013.

CURITIBA. Prefeitura Municipal. Disponível em: <http://www.curitiba.pr. gov.br>. Acesso em: 25 Set. 2013.

MATUS, Carlos. Teoria do jogo social. São Paulo: FUNDAP, 2005.

OLIVEIRA, A. P. de; CARVALHO, P. C. P. Estatuto da Cidade. Anotações à Lei 10.257 de 10.07.2001. Curitiba: Juruá, 2002.

OLIVEIRA, R. F. de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 4 ed., atual. e ampl. 2011.

SILVA, C. L. da (org.). Políticas Públicas e Desenvolvimento Local: Instrumentos e proposições de análise para o Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

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PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL, ORÇAMENTAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL: ALAVANCAS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL*

Cic

lo d

e D

eb

ate

s

Estado, Planejamento

e Administração Pública no Brasil

Este texto mescla elementos da transcrição da palestra proferida pelo autor em Curitiba-PR no dia 03 de outubro de 2013, por ocasião das co-memorações dos 50 anos do Instituto Municipal de Administração Pública (IMAP), com o roteiro em utilizado para a palestra. Trata-se, portanto, de uma elaboração baseada em minha experiência pessoal e profissional como servidor público federal, em torno de temas do Estado, do Planejamento, do Orçamento e da Administração Pública Federal.

Nesse sentido, é um texto de caráter preliminar e semiestruturado, de teor propositadamente não acadêmico, e como tal deve ser lido e refletido. Não obstante, vislumbram-se, a partir dele, elementos e categorias de aná-lise, bem como argumentos e interpretações, que sugerem a possibilidade de um desenvolvimento posterior com vistas a uma possível nova publica-

1ção pelo próprio IMAP ou outros veículos .

Como tal não teria sido possível sem o convite prévio do IMAP; o autor agradece de público a oportunidade, isentando a instituição pelas opiniões aqui emitidas.

O ponto de partida fundamental é que para se entender o papel desempenhado pelo Planejamento, pelo Orçamento e pela Administração Pública nos processos de constituição, formulação e implementação das políticas públicas, nós precisamos enquadrar tais conceitos e funções em uma perspectiva mais ampla, vale dizer, no rol geral das funções indelegá-veis, intrínsecas, intransferíveis do Estado.

Nesse sentido, combinando-se elementos histórico-conceituais com alguns dados empíricos da experiência recente do Governo Federal brasileiro, acreditamos ser possível transmitir algumas ideias centrais desta

power point

CONCEITOS E PREMISSAS GERAIS

* Texto elaborado com base na transcrição da palestra proferida em Curitiba-PR no dia 03 de outubro de 2013, por ocasião das comemorações dos 50 anos do IMAP, a quem o autor agradece pela oportunidade e assume toda a responsabilidade pelas opiniões aqui emitidas.

1 Algumas referências anteriores importantes do autor sobre estes temas podem ser encontradas em Cardoso Jr. (2011a); Cardoso Jr. (2011b); Cardoso Jr. e Pires (2011c); Cardoso Jr. (2013a); Cardoso Jr. (2013b); Cardoso Jr. e Bercovici (2013c).

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL

abordagem aqui sugerida. Em outras palavras: entendido o planejamento governamental, a orçamentação e a própria administração pública como funções próprias, intrínsecas do Estado, e entendidas na perspectiva de alavancas ou instrumentos para o desenvolvimento de tipo sustentável, soberano, includente no Brasil, temos um bom ponto de partida metodológi-co para um debate qualificado sobre estes complexos e heterogêneos temas.

Assim, eu queria começar com esse triângulo (Figura 1), que provavel-mente vários de vocês conhecem, que se notabilizou a partir do economista chileno Carlos Matus (1972; 1977; 1984; 1987), ele que foi um grande teórico e formulador do conceito de Planejamento Estratégico Situacional, um conceito que tem muita relevância para explicar o planejamento da perspectiva do Estado.

Figura 1: Condicionantes Técnico-Políticos do Planejamento Governamental

Fonte: Carlos Matus. Elaboração e adaptação livre do autor.

PROJETOS DEDESENVOLVIMENTO

&PLANOS DE GOVERNO

(PPA’S)

Ambiente decomplexidade

riscos e incertezas

GOVERNANÇAGOVERNABILIDADE

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A primeira observação importante a partir da Figura 1 é verificar – para o caso brasileiro – que há uma diferença entre Projeto Nacional de Desenvolvimento e Planos de Governo, no nosso caso o Plano Plurianual (PPA), previsto nos moldes atuais desde a Constituição Federal de 1988. Isso se deve a que o PPA não é o planejamento em si; ele é apenas e tão somente uma parte do planejamento, um instrumento constitucional-formal potencialmente apto a cumprir esse papel de organização geral e racionali-

2zação cotidiana da ação do Estado, em uma perspectiva ampla .

INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP

2 O tipo de planejamento que se busca implementar a partir das diretrizes constitucionais de 1988 tem méritos, mas também problemas. O principal mérito talvez esteja concentrado na tentativa de transformar a atividade de planejamento governamental em processo contínuo da ação estatal, para o que parece que se tornara fundamental reduzir e controlar – no dia a dia – os graus de discricionarieda-des intrínsecas desta atividade. Por sua vez, o principal problema talvez esteja refletido no diagnóstico de que, ao se reduzir o horizonte de ação possível do planejamento para o curto/médio prazo, condicionando-o, simultaneamente, ao orçamento prévio disponível, acabou-se, na verdade, transformando esta atividade em ação de tipo operacional-cotidiana do Estado, como são todas aquelas próprias da gestão ou da administração pública correntes. Com isso, a função planejamento foi convertida em PPAs de quatro anos, os quais, embora previstos desde a CF/88, apenas se vão estruturando, apropriadamente, a partir da segunda metade dos anos 1990. Trata-se, até o momento, dos PPAs relativos aos subperíodos compreendidos entre 1996-1999, 2000-2003, 2004-2007, 2008-2011 e 2012-2015. À exceção deste último, pode-se dizer que toda a família anterior dos PPAs organizava-se, basicamente, sob dois princípios norteadores:

Ÿ A ideia de processo contínuo e pouco disruptivo, fazendo com que o primeiro ano de gestão de determinado presidente tenha sempre de executar – programática e financeiramente – o último ano de planejamento previsto e orçado no PPA formulado pelo governante/governo imediatamente antecessor; e

Ÿ A ideia de junção entre orçamento/orçamentação do plano (recursos financeiros) e sua execu-ção/gestão propriamente dita (metas físicas), por meio de detalhamento/desdobramento do plano geral em programas e ações setorialmente organizados e coordenados. Assim, entre o PPA de quatro anos e o Orçamento Geral da União (OGU), criaram-se dois instrumentos importantes para operacionalizar e materializar a junção plano-orçamento, a saber: a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – responsável por definir as metas e as prioridades para o exercício financeiro subsequente – e a Lei Orçamentária Anual (LOA) – responsável por consolidar a proposta orçamentária para o ano seguinte, em conjunto com os ministérios e as unidades orçamentárias dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Basicamente por meio desses dois grandes princípios, a literatura dominante sobre gestão pública no Brasil absorveu o tema do planejamento governamental, conferindo a ele status equivalente ao dos demais temas, estes sim típicos da administração pública. Veja-se que não se trata de desmerecer os avanços decorrentes da institucionalização dos hoje denominados instrumentos federais de planeja-mento (PPA, LDO, LOA, LRF, dentre outros), já que eles se constituem em importantes ferramentas de gerenciamento orçamentário-financeiro do país. Mas trata-se, sim, de afirmar que, por meio desse movimento – de subsunção das funções de planejamento e orçamentação a categorias cotidianas da gestão pública –, processou-se o esvaziamento do planejamento, como função mais estratégica e política de Estado. Ao mesmo tempo, orçamentação e orçamento, até então variáveis técnicas do próprio planejamento, transmutaram-se em parâmetros prévios das possibilidades e capacidades de ação do Estado.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL

Já o Projeto Nacional de Desenvolvimento não é propriamente um documento escrito, mesmo se feito por sábios ou iluminados de plantão! É, na verdade, uma construção histórica, por vezes de longa maturação, e sempre em disputa e mutação, que advém das lutas sociais e políticas em constante ebulição em espaços nacionais determinados. Por isso, não é nunca um projeto acabado; está sempre em disputa e mutação, refletindo, a cada momento histórico, determinados interesses econômicos e conflitos políticos instaurados na sociedade. Não obstante, ao longo do tempo, vai constituindo determinados parâmetros em torno dos quais a disputa social se dá, e em relação aos quais os projetos políticos se apresentam.

Em anos recentes, no Brasil, este projeto nacional de desenvolvimen-to talvez esteja se constituindo em torno das seguintes dimensões:

I. inserção internacional soberana; II. macroeconomia para o desenvolvimento: crescimento, estabili-

dade e emprego; III. infraestrutura econômica, social e urbana; IV. estrutura tecnoprodutiva avançada e regionalmente integrada; V. sustentabilidade ambiental; VI. proteção social, garantia de direitos e geração de oportunidades; eVII. fortalecimento do Estado, das instituições e da democracia.

Evidentemente, embora tais dimensões não esgotem o conjunto de atributos desejáveis de um ideal amplo de desenvolvimento para o país, elas certamente cobrem parte bastante grande do que seria necessário para garantir níveis simultâneos e satisfatórios de soberania externa, inclu-são social pelo trabalho qualificado e qualificante, produtividade sistêmica elevada e regionalmente bem distribuída, sustentabilidade ambiental e

3humana, equidade social e democracia civil e política ampla e qualificada .Sendo o anterior verdade, é claro que o Projeto Nacional de Desen-

volvimento e o Plano Pluarianual (PPA) possuirão relação entre si, mas esta será tão mais estreita ou orgânica, quanto mais o projeto de desenvolvi-mento estiver sedimentado no ideário nacional, e quanto mais o PPA for capaz - a partir de certa importância estratégica que o governo lhe conferir - de bem representar o leque amplo de áreas programáticas de atuação do Estado brasileiro, em cada um dos seus níveis federativos. Havendo tal sintonia entre ambos (projeto e plano), pode-se dizer que o PPA venha a ser capaz, então, tanto de refletir o projeto político expresso no plano de gover-no eleito a cada rodada democrática, quanto, ademais, de bem servir como instrumento efetivo, eficaz e eficiente de organização, gestão, orçamen-tação, controle e racionalização da ação estatal em cada um dos âmbitos da federação.

3 A respeito, ver Cardoso Jr. (2012).

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Dessa maneira, entendido o PPA como um instrumento, dentre outros, do planejamento governamental como um todo, e do próprio desenvolvi-mento das políticas públicas, se coloca a questão de que ele não é uma peça meramente técnica. Por um lado, ele depende de condições de gover-nabilidade, que dizem respeito à dimensão político-institucional da imple-mentação do Plano; e depende, por outro, de condições propriamente técnicas ou operacionais, que chamamos aqui de governança. Então, essa dupla condicionalidade do planejamento em geral e do próprio PPA, de um modo específico, nos leva a afirmar que o planejamento e o próprio PPA devem ser entendidos como instrumentos de natureza técnico-política da ação do Estado. As dificuldades de implementação, portanto, vão além do próprio desenho do Plano, pois o dirigente pode ter um Plano muito bem elaborado tecnicamente, consistente, coerente etc., mas se ele não tiver condições de governabilidade, não transforma esse Plano em realidade. E ainda que ele tenha boas condições de governabilidade, ainda assim vai se deparar com o problema de qual é a capacidade efetiva do Estado de implementar aquele Plano, em termos dos recursos humanos, das tecnolo-gias da informação, dos ambientes de trabalho, dos recursos orçamentári-os etc., todos igualmente importantes e necessários para a implementa-ção, ou seja, para o que estamos chamando aqui de governança, ou capacidade de governar.

Como se não bastassem já essas dificuldades todas, elas se desenro-lam num ambiente de muita complexidade, prenhe de riscos e incertezas, que dominam o nosso cotidiano e tornam ainda mais incertas as apostas que fazem parte do Plano e, portanto, do planejamento de um modo geral. Como diz Carlos Matus, “Planejar é apostar”, o Plano tem de ser visto sempre como uma aposta técnico-política em direção a um determinado futuro, a um determinado cenário, a uma determinada visão de desenvolvi-mento que se quer atingir e generalizar para o conjunto do país.

Se o Plano já traz em si todos esses componentes de complexidade, eu diria que isso se torna ainda mais problemático, na medida em que se constitui em apenas uma das facetas de atuação e relacionamento dos Estados contemporâneos. Com base na Figura 2, perguntamo-nos de que Estado estamos falando. Isto é, o Estado que opera o planejamento, não deve ser visto como um ser externo, coercitivo, coeso, harmônico, racional etc. Muito pelo contrário, isso que de certa maneira se difundiu em algumas teorias, ou a partir de alguns livros-textos do passado, isso não encontra nenhuma dose de aderência à realidade. O que estou querendo dizer é que o Estado, em si mesmo, é um espaço, muito mais do que um ator; é um espaço de relacionamentos muito complexos, um espaço muito fragmenta-do, em vários casos, muito dinâmico, e um espaço de relacionamentos que coloca em questão, em disputa, a própria estrutura original que nós tínha-mos e que segue em construção ao longo da sua história institucional.

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No caso brasileiro, assumimos como missão civilizatória, por assim dizer, a Constituição de um Estado de perfil republicano. Nós nos definimos como uma República, e mais do que isso, como uma República Federativa, o que na verdade complica ainda mais nossa missão, e isso por si só já é uma grande tarefa do Estado e da Sociedade dentro desse paradigma. Quer dizer, constituir uma organização chamada Estado, de modo geral, não só com perfil que emana dos princípios republicanos etc., mas constitu-ir um Estado que opere, que funcione com base nesses critérios, nesses valores republicanos do bem comum, do interesse geral, avesso aos particularismos, interessado em universalizar direitos, acessos, possibili-dades e tudo o mais, isso tudo nos informa sobre o DNA do Estado que pretendemos montar no país.

Como se não bastasse isso, existe a própria relação que se estabelece com o sistema político-partidário propriamente dito, por meio do qual as pessoas e os grupos se organizam para disputar espaços dentro desse Estado, para constituir acessos diferenciados em níveis diferenciados de poder, de riqueza, que são os dois grandes mobilizadores de interesses da sociedade num contexto capitalista. Mas não só, pois também existem mobilizadores de aspectos ligados ao pertencimento social, aspectos ligados ao reconhecimento de determinados grupos etc., tudo isso aparece como motivação para que os agentes e os grupos se mobilizem, se organi-zem e disputem espaços dentro do Estado. Então, isso no fundo confere à organização do Estado, em qualquer dos níveis da federação que vejamos,

Poder, riquezapertencimento,reconhecimento

Indução,regulação,produção

Representação,participação,deliberação,

controle "social" público

Direitos (proteção, promoção,

oportunidades e capacidades),

Produtividade (inserçãoprodutiva do T, inserção

lucrativa do K)

Figura 2: O Estado como um Conjunto Complexo de Relacionamentos Dinâmicos

Fonte: Elaboração livre do autor

CIDADANIAMERCADO

REPÚBLICA

DEMOCRACIA

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um alto grau de heterogeneidade, de fragmentação, maior ou menor, dependendo do contexto. Portanto, de não coesão, a priori, a qualquer alinhamento estratégico para determinar objetivos, tudo isso faz parte da luta, no bom sentido, da luta interna que se estabelece a partir dessas relações e desses objetivos.

Obviamente, uma grande relação que se estabelece no interior do Estado é a que se dá com o Mercado, o que de saída já nos coloca a neces-sidade de desmontar falsas dicotomias, as quais precisam ser definitiva-mente superadas na forma de ver a relação do Estado com o Mercado, pois não se trata de “mais Estado menos Mercado”, ou o contrário, porque ambos sempre foram, desde as suas origens, como que “irmãos siameses”, então não existe – como já disseram antes Marx, Weber, Polanyi, Braudel etc. muitos anos atrás –, “não existe Mercado sem o Estado, e não existe Estado sem o Mercado”. Então, a questão correta seria: quais são os relacionamentos adequados a se estabelecer entre essas duas esferas, pautados por critérios da República, que estão no DNA da Constituição e evolução do nosso Estado, voltados para formas de operar democráticas, tais como nós estamos tentando aperfeiçoar no Brasil desde 25 a 30 anos para cá, sobretudo, e obviamente uma relação muito direta do Estado, das suas diversas instâncias, com a população de um modo geral, com a cidadania de um modo geral, que se dá não apenas por meio da democra-cia representativa, mas que se dá de forma direta em vários casos, como eu vou tentar mostrar mais para frente...

Em suma: essa (a Figura 2) é uma livre interpretação minha sobre como diversas funções intrínsecas de Estado vão se constituindo ao longo do tempo, na experiência concreta brasileira, certamente muito inspiradas na experiência federal, mas que de certa maneira vale também como referência para outros níveis da federação. E qual é o ponto principal? O ponto principal é que para operar, colocar em movimento, um plano ou um projeto de desenvolvimento, o Estado precisa, como visto antes, de estru-tura de governança, de estruturas que remetam à sua capacidade de governar, sua capacidade de formular, de implementar, controlar, avaliar as políticas públicas, estas que são um canal direto de relação do Estado com a Sociedade, com o Mercado, com a Cidadania etc.

Pois bem, esse conjunto de funções que vai se estabelecendo, que estão explicitadas ali na Figura 3, elas vão ganhando densidade institucio-nal diferenciada em cada caso e vão, por exemplo, no âmbito federal, constituindo-se em organizações complexas muito próprias, muito específi-cas, e eu estou incluindo aqui um conjunto de funções que em geral muitos não incluem quando vão discutir a implementação de políticas públicas. Quer dizer, desde logo, o centro do quadro chama a atenção para que o foco da política pública seja o desempenho institucional do Estado, a implemen-tação das políticas, obviamente respeitando aquela famosa tríade (eficiên-cia, eficácia e efetividade), e não só a eficiência.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL

Figura 3: Capacidade de Governar.

O Circuito de Funções Intrínsecas do Estado Brasileiro para a

Fonte: Elaboração livre do autor.

CAPACIDADES ESTATAIS:Tributação, função social da

propriedade, criação e gestão da moeda,

gerenciamento da dívidapública

INSTRUMENTOS GOVERNAMENTAIS:

PPA, empresas estatais,bancos públicos, fundos

públicos, fundos de pensão

Formulação e Planejamento

GovernamentalOrçamentação

e Programação

financeira

Arrecadação e

RepartiçãoTributária

DESENPENHOINSTITUCIONAL,

IMPLEMENTAÇÃODE POLÍTICAS

PÚBLICAS, EFICIÊNCIA,EFICÁCIA,

EFETIVIDADE

AdministraçãoPolítica eGestão Pública

Representação,Participação e

Interfaces Socioestatais

ÉTICA REPUBLICANA:esfera pública, interesse

geral, bem-comum

ÉTICA DEMOCRÁTICA:representação, participação,deliberação e controle social

Monitoramento,Avaliação e Controles Interno e

Externo doEstado

Então, vejam só: Arrecadação e Repartição Tributária está aqui como uma função intrínseca, necessária para mobilizar e colocar em operação todo o arranjo de planejamento que o PPA condensa como uma ideia-chave. E o curioso é que esta dimensão costuma ser tratada em separado quando se fala de política pública! Mas não o deveria, porque a partir da estrutura tributária, do perfil de arrecadação, já se diz muito sobre a capaci-dade de o Estado realizar as suas políticas, redistribuir riqueza, e por aí vai. Obviamente, as dimensões de Formulação e Planejamento propriamente ditas, de Orçamentação e Programação Financeira como funções específi-cas nesse circuito, isso tudo a gente conhece, isso é clássico nos livros de hoje. Além dessas, vale ainda mencionar as funções contemporâneas de Monitoramento, Avaliação e Controle, como subfunções do planejamento, igualmente necessárias para que esse circuito todo se complemente. As questões próprias da Administração Pública, que dizem respeito à gestão

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de pessoal e outras funções-meio do Estado e da Administração Pública, possuem graus variados e muito diferentes de institucionalização e de organização em casa esfera da federação.

Por fim, eu ouso colocar aqui uma nova “função”, que estaria em constituição no caso brasileiro e em outros casos também, mas no caso brasileiro talvez como uma espécie de vanguarda desse processo, que diz respeito ao surgimento e aperfeiçoamento de canais institucionais de representação de interesses e de participação da sociedade dentro desse circuito de políticas públicas, coisas que têm sido chamadas por colegas do IPEA de “interfaces sócioestatais” na relação Estado – Sociedade no Brasil (Figura 4).

Direcionamentoestratégico

Conferências

Monitoramentoe fiscalização

Conselhos eOuvidorias

Resolução de problemas e

conflitos

Reuniões,comitês, Gt´se mesas de negociação

Audiências eConsultas

Oitiva para açõesespecíficas

Figura 4: Interfaces Sócioestatais no Circuito de Políticas Públicas Brasileiras.

Fonte: Elaboração livre do autor.

Vejam que está em constituição no Brasil, sobretudo desde a redemo-cratização nos anos 1980, um processo que é lento, é um processo embrio-nário, pouco institucionalizado, mas um processo muito interessante, de estabelecimento de formas de relacionamento direto da sociedade com o Estado, não mediado pela democracia representativa instituída, embora esta continue funcionando e sendo importante, obviamente. Mas além dessa, de um modo complementar a ela, desponta um conjunto de institui-

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ções e de procedimentos que implicam formas de relacionamento direto tais que – como novidade institucional do momento presente – influenciam a formulação, influenciam a implementação, ajudam no controle e na avalia-ção das políticas etc.

Só para dar alguns exemplos, desde a Constituição, sobretudo, man-temos Conselhos de políticas públicas como exigência, inclusive legal, para várias políticas públicas. Junto com os Conselhos, mais recentemente se desenvolveu, muito amplamente, em vários órgãos da administração públi-ca, a figura das Ouvidorias Públicas. As ouvidorias estão deixando de ser instâncias meramente formais e passivas de reclamação, para serem instâncias mais proativas em termos da resolução de conflitos dentro das organizações e na relação da sociedade com as organizações de um modo específico. Essas duas funções, Conselhos e Ouvidorias, pelas pesquisas que têm sido feitas, estão muito associadas às funções de monitoramento e fiscalização direta da sociedade. Não existe nada institucionalizado ou necessariamente normatizado para isso, mas existe um perfil que aproxima essas instâncias daquelas funções. Assim como Audiências e Consultas Públicas, que também são instrumentos legais, previstos em lei, têm sido acionadas, sobretudo, para os projetos de investimento de grande vulto, com impactos econômicos, ambientais e sociais importantes. E, para tanto, ambas têm sido usadas como instrumentos de oitiva da sociedade, junto a especialistas e demais atores sociais.

Indo além, vejam a trajetória recente de realização de Conferências Públicas no Brasil. É um fenômeno extraordinário, pois nos últimos dez anos o país realizou mais de 50 conferências nas mais variadas áreas, com estruturas territoriais, etapas municipais, estaduais, regionais, até as conferências nacionais, avançando das áreas sociais tradicionais, que sempre tiveram tradição em fazer conferências, para áreas como comuni-cações, que é um setor completamente oligopolizado, fechado, além de infraestrutura, segurança pública, que é um desafio imenso. E o fato é que desse movimento recente, que também é não totalmente institucionalizado, não normatizado, não periódico etc., emana um tipo de produto que tem a ver com o direcionamento estratégico da política pública, e isso tem sido valorizado no âmbito federal. Em um trabalho feito com relação ao PPA atual, 2012 a 2015, constatou-se alto grau de aderência entre formulações emanadas das conferências nacionais e a formulação do próprio PPA atual. Então, existe um canal de relacionamento da sociedade que se dá por meio desse tipo de instrumento direto de participação.

Por fim, as tradicionais Reuniões, Comitês, Mesas de Negociação, Fóruns etc., também têm a ver com a solução específica de conflitos. Vou dar um exemplo concreto: a atual política de salário mínimo, de reajuste anual real, em curso desde 2007, veio junto com o decreto do PAC. Ela nasceu do Fórum Nacional do Trabalho que se desenvolveu no âmbito do

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governo federal no começo do governo Lula, 2003/2005, ou seja, de um fórum que infelizmente nem existe mais hoje, quase que totalmente infor-mal na época, mas que conseguiu construir um consenso entre governo, empresários e trabalhadores, em torno de uma política que passou a ser crucial para a trajetória recente de queda da desigualdade e combate à pobreza. Ou seja, ela nasceu não de um gabinete ou de cabeças ilumina-das, nem sequer do próprio parlamento; ela nasceu de uma instância de tipo fluida, embrionária, de baixa institucionalidade, mas que vai se consti-tuir num agregado, numa espécie de nova função, nova forma de relação da sociedade com o Estado, com muito potencial de trazer a sociedade para dentro do Estado, no bom sentido, no sentido de influenciar as decisões que dizem respeito às políticas públicas. Então, isso é uma coisa que está em todos os níveis da Federação e que poderia ser trabalhado de modo específico, em cada caso, pelos governos locais, para incentivar e acionar o potencial latente de participação da sociedade.

A questão, portanto, é ter clareza sobre a necessidade de isso tudo funcionar como um Sistema, porque no âmbito Federal isso não funciona como um sistema, e duvido que funcione como tal em qualquer das outras instâncias. Ou seja: embora as Figuras 3 e 4 possam transmitir a falsa ideia de que temos uma coisa organizada, sistêmica, institucionalizada etc., na verdade não é nada disso, isso aqui é o que poderia ser, o que deveria ser em termos lógicos, dada a capacidade humana hoje já instaurada no interior do Estado no Brasil, com vistas a incrementar-se a sua própria capacidade de governar. Agora, como eu disse, se eu estou falando de funções que são necessariamente de natureza técnico-política, então vocês já entendem que a dificuldade de constituir cada uma dessas funções e delas próprias funcionarem de um modo integrado ou cooperado como Sistema, é uma dificuldade imensa. É disso que se trata quando a gente está falando, por exemplo, de estruturação das funções de Estado, de fortalecimento das funções típicas de Estado, e tudo o mais. Agora, tudo isso, em si mesmo, não serve para nada, se não estiver acoplado a um ideal de desenvolvimento! Nessa perspectiva, tal ideia de sistema serve, supos-tamente, para fazer funcionar as políticas públicas, transformando as realidades socioeconômicas sobre as quais devem agir. Então, suposta-mente, existe um ideal de desenvolvimento, um projeto, uma visão de transformação necessária e subjacente a tudo isso, e é disso que trata o planejamento! O próprio PPA deveria ser capaz de expressar esse desejo de mudança, essa capacidade do Estado de engendrar mudanças e enfrentar problemas. Por isso o PPA, vejam que interessante, nessa forma de ver, ele aparece como um dos instrumentos governamentais para isso, ele não é a panaceia da transformação, nunca foi e nunca vai ser, mas ele é um instrumento importante, ele pode ser um instrumento muito importante, porque por meio dele é possível mobilizar capacidades e colocar em operação essa coisa toda.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL

Agora, além disso, e aí depende de contexto a contexto, há um con-junto de empresas estatais que podem ser mobilizadas como instrumentos de ação, há bancos públicos, há fundos públicos, há fundos de pensão, enfim, elementos que finalmente dialogam com o tema do Planejamento Orçamentário, ou seja, com a capacidade do Estado de formular e imple-mentar políticas públicas, as quais dependem do orçamento, obviamente, mas não só. O orçamento, mais uma vez, é aqui entendido como um dos componentes do planejamento para o financiamento da política pública, e vários municípios, vários estados, possuem, em graus diferentes, Empre-sas Estatais, Bancos Públicos e Fundos Públicos, que podem e devem ser acionados em conjunto como fontes complementares de financiamento das suas políticas, para além do próprio orçamento.

Então, a lógica orçamentária que nos aprisiona hoje em dia, ela diz respeito a uma visão muito reducionista da capacidade de mobilização de recursos que o Estado tem à disposição a cada momento. Mas para superar essa limitação, é preciso avançar rumo a uma Visão Adequada do Plane-jamento Orçamentário, conforme nos sugere a Figura 5 abaixo.

VISÃO LIMITADA=

ótica da eficiência

VISÃOAMPLIADA=

eficiência,eficácia e

efetividadeVISÃO

ADEQUADA=ótica ampliada +

grau de progressividadeda arrecadação + grau

de redistributividadedo gasto

Figura 5: Público.

Abordagens Possíveis para o Tema do Planejamento Orçamentário

Fonte: Elaboração livre do autor.

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A Visão Limitada é aquela que concentra o foco da discussão do planejamento orçamentário na questão da eficiência, com custo para fazer determinadas coisas e aquilo que esse custo gera em termos de bens e serviços entregues à população. Vamos dar um exemplo: na área da Saúde, as políticas e campanhas de vacinação. Segundo a Visão Limitada, o foco da análise dessa abordagem é a entrega das vacinas no posto de saúde. O Estado tem que ser capaz de entregar determinada quantidade de vacinas, para determinada campanha de vacinação, nos postos x, y e z da cidade. Termina aí a visão do planejamento orçamentário nesta perspectiva. Como são registros administrativos, você faz a conta de quantas vacinas foram entregues em cada lugar, quanto isso custou, o custo de cada vacina. Então, quanto mais eu conseguir entregar essas vacinas de um modo mais barato, em tese eu estou engendrando iniciativas de racionalização de procedimentos que dizem respeito a ganhos de eficiência no âmbito do Estado.

Por sua vez, segundo a Visão Ampliada, eu estou dizendo que não basta ao Estado entregar as vacinas no posto de saúde, é preciso que elas sejam aplicadas nas crianças ou nos idosos, enfim, que atinjam o seu público-alvo. Desta maneira, eu estou acoplando à visão da eficiência, também a visão da eficácia, ou seja, o planejamento orçamentário vai ser bem feito não apenas se ele for eficiente, mas se ele for eficiente e eficaz. Ou seja: não apenas se as vacinas forem entregues, mas se elas forem aplicadas no público-alvo correto, tempestivamente, no lugar certo e no tempo certo. Ademais, eu deveria tentar enxergar além para saber o efeito que essa vacina produziu no beneficiário, ou seja, se a vacina combateu os males que se propunha a combater. Nesse caso, em uma Visão Ampliada, nós também acoplamos a dimensão da efetividade, ou seja, se a política de vacinação engendrou melhoria de saúde ao público beneficiário, no sentido de bem-estar sanitário e de prevenção de doenças etc.

É claro que transitar para uma Visão Ampliada não é tarefa fácil, a começar pelo fato de que o conjunto de informações necessárias para se medir a efetividade da ação do Estado sobre determinada população ou inexiste ou é de natureza precária, ou ainda, é algo muito caro e difícil de ser obtido, apenas mediante pesquisas de avaliação de impacto e outras técnicas que vão muito além dos meros registros administrativos que em geral estruturam as bases de dados das organizações públicas. Então, é quando a política deixa de ser uma política setorial e passa a ser uma política intrinsicamente transversal, que depende uma da outra, quer dizer, o resultado agregado da ação do Estado é esse, uma coisa necessariamen-te depende da outra. E nem tudo está no raio de ação do Estado, então, é muito difícil, por isso a tendência (compreensível, mas injustificável!) das análises ficarem presas apenas à visão da eficiência do gasto público. Agora, da óptica do Estado, isso não nos basta; é preciso olhar a sua atua-ção do começo ao fim, numa perspectiva ampla, de médio e longo prazo.

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Daí que, por fim, propõe-se aqui a abordagem de uma Visão Adequa-da para o tema do planejamento orçamentário. Esta abordagem leva em consideração não só a capacidade de implementação e de geração de efeitos da política pelo lado do gasto (melhor dizendo: pelo lado da capaci-dade redistributiva do gasto, em termos da sua eficiência, eficácia e efeti-vidade), mas ainda da capacidade de financiamento progressivo dela. No caso brasileiro, por exemplo, nós estamos numa trajetória de queda da desigualdade, que para se sustentar nos próximos anos, vai depender não apenas da capacidade redistributiva do gasto público, mas principalmente da capacidade de financiá-lo de modo progressivo, fazendo com que as camadas mais ricas da sociedade paguem proporcionalmente mais impos-tos que as camadas mais pobres. Ou seja: o Brasil não vai conseguir avan-çar mais na queda da desigualdade se não enfrentar a questão do financia-mento tributário, que é muito regressivo no país, assentado em impostos indiretos que penalizam mais que proporcionalmente os mais pobres. Isso significa que parte do que a política social consegue redistribuir pelo lado do gasto, ela perde pelo lado do seu financiamento. É por esse motivo que a Visão Adequada do planejamento orçamentário propõe que se olhe o arranjo como um todo da política pública.

Bem, então, para eu ir tentando encaminhar uma conclusão sobre este ponto, diria que quando estamos falando de Planejamento Orçamen-tário, é preciso não apenas sair da óptica restrita do orçamento; é preciso olhar o orçamento como um instrumento mais geral do planejamento. Nes-sa perspectiva, recoloca-se em pauta a possibilidade de Estado formular estrategicamente diretrizes de ação que se reverberam em políticas públi-cas, que engendram transformações efetivas. Com isso em mente, e contra o senso comum, ou contra aquilo que grande parte da mídia propagandeia sobre o Estado e o gasto público etc., diria que, segundo a óptica da Visão Adequada do planejamento orçamentário, o gasto público no Brasil vem se realizando, a despeito dos problemas que obviamente ainda temos, com qualidade e com equidade crescentes, vale dizer: com um vetor de qualida-de macroeconômica positivo, crescente e positivo, ou seja, nós estamos num percurso lento etc., com muito ainda por ser feito, mas estamos num percurso de aperfeiçoamento dos procedimentos, das instituições e da dire-cionalidade do gasto, isso é inequívoco, pelo menos no âmbito federal, feito o balanço empírico desta última década (2003 a 2013).

Olhando uma série de indicadores macroeconômicos, de finanças públicas, indicadores sociais e de mercado de trabalho etc., isso se explica – linhas gerais – pelo fato de que o Brasil vive, hoje, uma fase de recalibração do seu projeto nacional de desenvolvimento. Visto em perspectiva de médio prazo, podemos afirmar que o ideal de desenvolvimento hoje em voga no país não se resume apenas ao crescimento quantitativo do Produto Interno Bruto (PIB). Em outras palavras: não basta fazer crescer o PIB; é preciso

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fazer crescer o PIB de forma compatível com o fortalecimento do mercado interno e com a estruturação do seu mercado de trabalho, com a redução das desigualdades sociais e regionais, a erradicação da miséria, a susten-tabilidade produtiva, ambiental e humana, com o aperfeiçoamento das instâncias representativas e participativas da sociedade, com respeito e garantia às conquistas e direitos republicanos e democráticos de modo geral etc...

Para tanto, urge uma nova agenda de Reforma do Estado, esta que é uma expressão maldita, mas sim, nós precisamos reformular o Estado, uma reforma do Estado que supere a visão negativista que se construiu do Estado, neste país, ao longo dos últimos 30 anos, ou pelo menos durante aquele período de declínio do Estado, do Planejamento, que atravessa as décadas de 1980 e 1990 até começo dos anos 2000. Nós precisamos superar a visão negativa do Estado, simplesmente porque não dá para fazer Reforma do Estado achando que o Estado não presta, que o Estado só tem problemas, que o Estado é ineficaz, que o Estado é isso, que o Estado é aquilo... Afinal, não existe programa de desenvolvimento que prescinda da centralidade do Estado na organização da Sociedade, na organização dos mercados privados, da vida coletiva etc., então há sim uma agenda de reformas importantes e pendentes, a maior parte de longa duração, mas que encontra, na conjuntura atual, boas razões para ser estruturalmente enfrentada.

Sem ser exaustivo, vou mencionar, rapidamente, alguns desafios nesses três campos (do Planejamento, do Orçamento e da Administração Pública), que podem suscitar algum debate interessante entre nós, e mais que isso, podem ajudar a pautar o pensamento contemporâneo acerca da reforma progressista, republicana, democrática, desenvolvimentista do Estado que precisamos levantar adiante.

Antes de mais nada, é preciso combater traços históricos da Adminis-tração Pública brasileira, tais como:

I. patrimonialismo, paternalismo, personalismo, clientelismo;

II. excesso de formalismo e isolamento burocrático das organizações;

III. modernização conservadora;

IV. fragilidade da gestão pública em áreas de contato direto com a população;

V. alta centralização burocrática;

VI. muita imitação de fórmulas e reformas estrangeiras;

PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL: OS DESAFIOS DO SÉCULO XXI

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL

VII. déficit democrático nos processos decisórios de alto interesse da Nação;

VIII. paralisia ou inércia decisória etc.

Ou seja, Reforma do Estado tem que enfrentar esta agenda histórica de problemas. Tornar o Estado apenas mais eficiente é fácil! Eu não aumen-to salários, eu não reponho nem qualifico quadros, eu exijo mais do mes-mo... Por outro lado, eu quero saber o seguinte: quais são as diretrizes para uma Reforma do Estado, tendo em vista a agenda de desenvolvimento mencionada acima, que o Brasil tem pela frente no século XXI? Uma refor-ma progressista, republicana, democrática, desenvolvimentista do Estado, deve ser capaz de enfrentar aqueles traços históricos: patrimonialismo, paternalismo, personalismo, clientelismo, tudo isso que está arraigado na nossa cultura política e que segue presente ainda hoje. Formalismo, isola-mento burocrático do Estado, modernização conservadora... Quando eu expliquei a Figura 4 acima, acerca das interfaces socioestatais, eu estava chamando atenção para esta brecha fantástica de possibilidades de cone-xão da sociedade com os destinos das políticas públicas.

Outro ponto: fragilidade da gestão em áreas de contato direto com a população. A reforma gerencialista dos anos 90 criou uma cisão entre carreiras típicas de Estado, estratégicas, que viriam a ser bem remunera-das, estruturadas, com estabilidade etc., vis-à-vis aquelas de contato direto. Essas, eu terceirizo, eu precarizo etc... Carlos Lessa, economista da UFRJ, propõe a expressão “Estado Quasímodo” para definir o Estado no Brasil. Quasímodo é aquela figura que tem a cabeça desproporcional ao corpo e os pés frágeis, então, nas áreas estratégicas, Bacen, STN, SOF etc., é tudo bonito; agora, vai ver o contato direto com a população: precariedade, baixos salários, não tem carreira, não tem qualificação. Por que isso? A lógica tem que ser a oposta! Temos que valorizar as atividades finalísticas do Estado.

Pois bem, esses – e outros – são os problemas para enfrentar na agenda de reforma do Estado no Brasil contemporâneo. Uma agenda progressista, republicana, democrática, desenvolvimentista, para um Estado capaz no século XXI.

Sob esse prisma geral, temos as questões clássicas de Gestão:

I. a democratização da gestão pública, amparada por critérios tais como: transparência, autonomia, responsabilidade;

II. a profissionalização da burocracia pública, segundo critérios que levem em conta o ciclo laboral completo do servidor dentro do Estado;

III. a difusão e a capacitação permanentes em novas tecnologias de informação, gestão, comunicação;

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IV. sim, uma gestão por desempenho e resultados, mas ancorada nes-te entendimento do desenvolvimento como fenômeno complexo e multidimensional, portanto, não reducionista, nem muito menos negativista, acerca das funções necessárias do Estado e amplitu-de requerida para suas novas áreas de atuação;

V. experimentalismo institucional, em torno de novos mecanismos de governança pública, com ênfase em repactuação federativa de atribuições e responsabilidades compartilhadas, mais e melhor participação social e controle público sobre o Estado.

No que toca ao Orçamento, propriamente dito, há duas coisas especi-almente importantes:

I. é preciso elevar o nível de agregação das unidades mínimas de execução do gasto público, idealmente para o plano estratégico dos objetivos ou metas do PPA; e

II. é preciso aplicar tratamento diferenciado ao gasto público (em ter-mos de planejamento, orçamentação, controle, gestão e participa-ção), segundo a natureza efetiva e diferenciada das despesas, de modo que, por exemplo:

• despesas de custeio “intermediário” da máquina pública = conta-bilização anual e foco na eficiência.

• despesas de custeio “finalístico” das políticas públicas = contabi-lização anual e foco na eficácia e efetividade.

• despesas de investimento-custeio = contabilização plurianual e foco na eficácia e efetividade.

Sabemos ser muito difícil avançar nestas temáticas do orçamento, mas creio que isso se dá mais por bloqueio ideológico do que qualquer outra coisa. Assim, precisamos elevar a unidade mínima da execução do orça-mento, não dá para ter orçamento vinculado ao produto físico da ação. Se o objetivo é ter sala de aula, a unidade de execução do orçamento é a sala de aula, não é a cadeira. Não adianta ter cadeira e não ter lousa etc., então, quer dizer, para conferir ao Estado um maior grau de liberdade na execução do orçamento, é preciso elevar a unidade mínima de agregação e execução do orçamento. Ainda no exemplo proposto, é óbvio que dentro da unidade “sala de aula” vai ter a especificação contábil “cadeira, lousa, microfone”, vai ter tudo, só que isso não pode ser a unidade de controle, isso não pode ser a unidade de avaliação da política de Educação. Não é possível avaliar a política educacional pelo produto físico da ação orçamentária, isso é uma loucura!

Por outro lado, é claro que a mudança sugerida exige um grau de maturidade e de visão estratégica muito mais apurado por parte do “ordena-

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL

dor de despesas”, mas isso é não só humanamente possível, como tam-bém institucionalmente necessário, para se poder reconectar planejamento e orçamento em patamares mais elevados de formulação e execução estra-tégica da política pública. Ao se caminhar nesta direção, estar-se-á também caminhando da análise centrada na eficiência do gasto público, para as dimensões analíticas da eficácia e da efetividade da política pública.

Por fim, a segunda das sugestões acima – aplicar tratamento diferen-ciado ao gasto público, segundo a natureza diferenciada das despesas – talvez seja mais complicada de explicar aqui, por conta agora da falta de tempo. De toda forma, é algo que consiste, basicamente, em recalibrar a lente com a qual vemos o orçamento, pois o tratamento convencional sacra-lizou algumas falsas dicotomias entre as categorias contábeis do custeio e do investimento. Ocorre que esta concepção está equivocada, entre outros motivos, pelo fato de que o investimento de hoje vira custeio amanhã. Além disso, é preciso diferenciar “custeio intermediário” (pagamento de despe-sas correntes não finalísticas da administração pública) de “custeio finalís-tico” (pagamento de despesas correntes ligadas a atividades-fim da política pública), pois são duas categorias contábeis de natureza econômica com-pletamente diferentes entre si.

Quanto ao investimento, há que se migrar para uma concepção pluri-anual de sua orçamentação e contabilização pública, simplesmente porque a natureza desta categoria do gasto é discricionária e plurianual, ou dito de outra forma, o investimento não é uma despesa de natureza necessaria-mente periódica, corrente, e em geral sua concretização ou finalização ultrapassa o calendário romano! E não há nada de sagrado que impeça os homens de readequarem o orçamento público à luz da natureza ou especifi-cidades da categoria investimento.

Em 2010, o Brasil realizou sua sexta eleição direta consecutiva para presidente da República. Ao longo de praticamente trinta anos (1980 a 2010), o país conformou uma das maiores e mais pujantes democracias do mundo, por meio da qual conseguiu proclamar nova Constituição Federal em 1988, estabilizar e legitimar nova moeda nacional desde 1994 e testar satisfatoriamente a alternância de poder, tanto no Executivo e Legislativo em âmbito federal, como nos executivos e legislativos subnacionais, em processo contínuo, coletivo e cumulativo de aperfeiçoamento institucional geral do país.

Não obstante a presença de tensões e recuos de várias ordens, é possível avaliar como positiva a ainda incipiente e incompleta experiência democrática brasileira; indicação clara de que a dimensão de aprendizado

RECUPERAÇÃO DO PLANEJAMENTO EM CONTEXTO DEMOCRÁTICO: QUE CAMINHOS SEGUIR?!

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 205

político e social que lhe é inerente – e que apenas se faz possível em decorrência do seu exercício persistente ao longo do tempo – constitui-se na mais importante característica deste que já é o mais duradouro período de vigência democrática do país em regime republicano.

Com isso, quer-se dizer que não parece descabido relacionar positiva-mente alguns auspiciosos fatos recentes relatados neste artigo, com o exercício – mais uma vez – contínuo, coletivo e cumulativo de vigência democrática no Brasil, cujo sentido de permanência aponta não somente para processos de amadurecimento crescente das instituições, como também para grandes desafios que ainda pairam sobre a sociedade brasileira.

No plano dos avanços nacionais, destaque-se a ampliação e a complexificação da atuação estatal – por meio de seu arco de políticas públicas – sobre dimensões cruciais da vida social e econômica do país. Especialmente interessante é constatar a relativa rapidez – em termos histórico-comparativos – com que processos de aparelhamento e sofistica-ção institucional do Estado têm se dado no país. Grosso modo, desde a década de 1980, em que se instaurou, no Brasil, o seu processo de redemo-cratização, tem-se observado – não sem embates e tensões políticas e ideológicas de vários níveis – movimento praticamente permanente de amadurecimento institucional no interior do Estado brasileiro. Em tese, hoje, o Estado brasileiro – sobretudo no nível federal, mas também em alguns estados e em alguns municípios – possui recursos fiscais, humanos, tecnológicos e logísticos suficientes para estruturar e implementar políticas em âmbitos amplos da economia e da sociedade nacional. É claro que, por outro lado, restam ainda inúmeras questões e problemas a enfrentar, estes também de dimensões consideráveis.

Coloca-se, então, outra ordem de conclusões gerais deste estudo: trata-se de mobilizar esforços de compreensão e de atuação em torno, linhas gerais, de três conjuntos de desafios, a saber: (i) incremento de qualidade dos bens e serviços públicos disponibilizados à sociedade; (ii) equacionamento dos esquemas de financiamento para diversas políticas públicas de orientação federal, mas de execução federativa compartilhada; e (iii) aperfeiçoamentos institucionais-legais no espectro amplo do trinômio "planejamento, orçamento e gestão" para a execução das diversas políticas públicas em ação pelo país.

Em relação à qualidade dos bens e serviços ofertados à sociedade, é patente e antiga a baixa qualidade geral destes, e, a despeito do movimento relativamente rápido de ampliação da cobertura em vários casos (vejam-se, por exemplo, as áreas de saúde, educação, previdência e assistência social etc.), nada justifica o adiamento desta agenda da melhoria da qua-lidade com vistas à legitimação política e à preservação social das conquis-

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL206

tas obtidas até agora. A agenda da qualidade, por sua vez, guarda estreita relação com as duas outras mencionadas anteriormente: as dimensões do financiamento e da gestão.

No caso do financiamento, é preciso enfrentar tanto a questão dos montantes a disponibilizar para determinadas políticas – ainda claramente insuficientes em vários casos –, como a difícil questão da relação entre arrecadação tributária e gastos públicos, vale dizer, do perfil específico de financiamento que liga os circuitos de arrecadação aos gastos em cada caso concreto de política pública. Há já muitas evidências empíricas e muita justificação teórica acerca dos malefícios que estruturas tributárias alta-mente regressivas trazem para o resultado final das políticas públicas e para a própria distribuição de renda e riqueza no país. Em outras palavras, o impacto agregado destas, quando considerado em termos dos objetivos que pretendem alcançar, tem sido negativamente compensado, no Brasil, pelo perfil regressivo da arrecadação, que tem penalizado proporcional-mente mais os pobres do que os ricos. Se esta situação não mudar, rumo a uma estrutura tributária mais progressiva, tanto em termos dos fluxos de renda como dos estoques de riquezas (físicas e financeiras) existentes no país, dificilmente haverá espaço adicional robusto para a redução das desigualdades econômicas, sociais e regionais, que clamam, há tempos, por soluções mais rápidas e eficazes.

Por fim, no caso do trinômio "planejamento, orçamento e gestão", tra-tar-se-ia não só de promover aperfeiçoamentos legais relativos aos diver-sos marcos institucionais que regulam a operacionalização cotidiana das políticas públicas, como também de estimular e difundir novas técnicas, instrumentos e práticas de formulação, orçamentação, implementação e gestão de políticas, programas e ações governamentais. Nos três casos, salienta-se a necessidade de buscar equilíbrio maior entre os mecanismos de controle das políticas e dos gastos públicos, de um lado, e os mecanis-mos propriamente ditos de planejamento, implementação e gestão destas políticas, de outro.

Ocorre que algo desse tipo apenas soa factível se a própria função planejamento readquirir status no debate corrente atual. Realizar este esforço de maneira ordenada e sistemática é, portanto, algo que busca gerar acúmulo de conhecimento e massa crítica qualificada para um debate bastante caro e cada vez mais urgente às diversas instâncias e níveis de governo no Brasil, visando responder a questões do seguinte tipo:

• Em que consiste a prática de planejamento governamental hoje e quais características e funções deveria possuir, ante a complexida-de dos problemas, das demandas e das necessidades da socieda-de?

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 207

• Quais as características e possibilidades – as atualmente existen-tes e aquelas desejáveis – das instituições e dos instrumentos de governo/Estado pensadas ou formatadas para a atividade de planejamento público?

• Que balanço se pode fazer das políticas públicas nacionais mais importantes em operação no país hoje, e que diretrizes se pode oferecer para o redesenho, quando for o caso, dessas políticas públicas federais, nesta era de aparente reconstrução dos Estados nacionais e do planejamento, e como implementá-las?

Então, se as afirmações apontadas neste trabalho estiverem corretas, ganha sentido – teórico e político – uma busca orientada a responder às indagações acima sugeridas. Afinal, se planejamento governamental e gestão pública são instâncias lógicas de mediação prática entre Estado e desenvolvimento, então, torna-se relevante ressignificar e requalificar os termos pelos quais, atualmente, devem ser redefinidos o conceito e a prática do planejamento público governamental.

Longe de querer conferir ao planejamento um status mágico ou supe-rior, assumimos abertamente tratar-se de função contemporânea indelegá-vel do Estado, como o são também algumas funções clássicas (p. ex., monopólios estatais do uso da força, da representação diplomática externa, da formulação e implementação das leis, da implementação e gestão da moeda, da arrecadação tributária) e outras funções consideradas contem-porâneas (p. ex., estruturação e gerenciamento da burocracia pública, for-mulação, orçamentação, implementação, monitoramento, avaliação e con-trole das políticas públicas, etc.).

Em adição, como hoje já se sabe, a atividade de planejamento gover-namental não pode ser desempenhada como outrora, de forma centraliza-da e com viés essencialmente normativo. Em primeiro lugar, há a evidente questão de que, em contextos democráticos, o planejamento não pode ser nem concebido nem executado de forma externa e coercitiva aos diversos interesses, atores e arenas sociopolíticas em disputa no cotidiano. Não há, como talvez tenha havido no passado, um “cumpra-se” que se realiza automaticamente de cima para baixo pelas cadeias hierárquicas do Estado, até chegar aos espaços da sociedade e da economia.

Dito isso, espera-se obtenção de mais maturidade e profundidade para ideias ainda hoje não muito claras, nem teórica nem politicamente, que visam à ressignificação do planejamento público governamental. Dentre tais ideias, cinco diretrizes aparecem com força no bojo da discussão:

• dotar a função planejamento de forte conteúdo estratégico: trata-se de fazer da função planejamento governamental o campo aglutinador de propostas, diretrizes, projetos, enfim, de estratégias

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL208

de ação, que anunciem, em seus conteúdos, as potencialidades implícitas e explícitas, vale dizer, as trajetórias possíveis e (ou) desejáveis para a ação ordenada e planejada do Estado, em busca do desenvolvimento nacional;

• dotar a função planejamento de forte capacidade de articula-ção e coordenação interinstitucional: grande parte das novas funções que qualquer atividade ou iniciativa de planejamento governamental deve assumir, está ligada, de um lado, a um esforço grande e muito complexo de articulação interinstitucional, e, de outro lado, a esforço igualmente grande, de coordenação geral das ações de planejamento. O trabalho de articulação interinstitucional aqui referido é necessariamente complexo, porque, em qualquer caso, deve envolver muitos atores, cada qual com seu cabedal de interesses diversos e com recursos diferenciados de poder. Com isso, grande parte das chances de sucesso do planejamento governamental depende, na verdade, da capacidade que políticos e gestores públicos demonstram para realizar, a contento, este esforço de articulação interinstitucional em diversos níveis. Por sua vez, exige-se, em paralelo, trabalho igualmente grande e complexo de coordenação geral das ações e iniciativas de planejamento, mas que, neste caso, porquanto não desprezível em termos de esforço e dedicação institucional, é algo que soa factível ao Estado realizar;

• dotar a função planejamento de fortes conteúdos prospecti-vos e propositivos: cada vez mais, ambas as dimensões aludidas – a prospecção e a proposição – devem compor o norte das atividades e iniciativas de planejamento público. Trata-se, funda-mentalmente, de dotar o planejamento de instrumentos e técnicas de apreensão e interpretação de cenários e tendências, e, simulta-neamente, de teor propositivo para reorientar e redirecionar, quan-do pertinente, as políticas, os programas e as ações de governo;

• dotar a função planejamento de forte componente participati-vo: hoje, qualquer iniciativa ou atividade de planejamento governa-mental que se pretenda eficaz, precisa aceitar – e mesmo contar com – certo nível de engajamento público dos atores diretamente envolvidos com a questão, sejam estes da burocracia estatal, políticos ou acadêmicos, sejam os próprios beneficiários da ação que se pretende realizar. Em outras palavras, a atividade de planejamento deve prever dose não desprezível de horizontalismo em sua concepção, vale dizer, de participação direta e envolvimen-to prático de – sempre que possível – todos os atores pertencentes à arena em questão;

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 209

• dotar a função planejamento de fortes conteúdos éticos: trata-se aqui, cada vez mais, de introduzir princípios da república e da democracia como referências fundamentais à organização insti-tucional do Estado e à própria ação estatal.

Hoje, passada a avalanche neoliberal das décadas de 1980 e 1990 e suas crenças ingênuas em torno de uma concepção minimalista de Estado, torna-se crucial voltar a discutir o tema da natureza, dos alcances e dos limites do Estado, do planejamento, do orçamento e da administração das políticas públicas no capitalismo brasileiro contemporâneo.

Diante do malogro do projeto macroeconômico neoliberal – fato este evidenciado pela crise internacional em curso desde 2008 e pelas baixas e instáveis taxas de crescimento observadas ao longo de todo o período sob dominância financeira desse projeto – e de suas consequências negativas nos planos social e político, tais como: aumento das desigualdades e da pobreza e questionamento relativo à efetividade e à eficácia dos sistemas democráticos de representação, evidencia-se já na primeira década do século XXI certa mudança de opinião a respeito das "novas" atribuições dos Estados nacionais.

Pois, por mais que as economias nacionais estejam internacionaliza-das do ponto de vista das possibilidades de valorização dos capitais indi-viduais e do crescimento nacional ou regional agregado, parece evidente, hoje, que ainda restam dimensões consideráveis da vida social sob custó-dia das políticas nacionais, o que afiança a ideia de que os Estados nacio-nais são ainda os principais responsáveis pela regulação da vida social, econômica e política em seus espaços fronteiriços.

Com isso, recupera-se nas agendas nacionais a visão de que o Estado é parte constituinte – em outras palavras, não exógeno – do sistema social e econômico das nações, sendo – em contextos históricos de grandes hete-rogeneidades e desigualdades – particularmente decisivo na formulação e na condução de estratégias virtuosas de desenvolvimento. Entendido este, por sua vez, em inúmeras e complexas dimensões, todas estas socialmen-te determinadas; portanto, mutáveis com o tempo, os costumes e as neces-sidades dos povos e das regiões do planeta. Ademais, o desenvolvimento sobre o qual se fala tampouco é fruto de mecanismos automáticos ou determinísticos, de modo que, na ausência de indução minimamente coor-denada e planejada – e reconhecidamente não totalizante –, muito dificil-mente um país conseguirá combinar – satisfatória e simultaneamente – inúmeras e complexas dimensões do desenvolvimento, que hoje se colo-cam como constitutivas de projetos políticos concretos de desenvolvimento em escalas nacionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL210

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ESTADO, DIREITO E A INTRUSÃO DO POLÍTICO: QUANDO AS COISAS ACONTECEM ANTES DE COMEÇARC

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Estado, Planejamento

e Administração Pública no Brasil

A pergunta que provoca esta intervenção: “qual o Estado necessário para um Brasil do século XXI” parte da premissa de que o Estado é neces-sário e de que há uma relação entre o tempo presente, o século XXI, e o espaço da República Federativa do Brasil, que não é meramente contingen-te. Isto é, a República e a Federação brasileiras são próprias do seu tempo e não mera forma, divorciada do conteúdo historicamente determinado. É justamente essa relação – não contingente – que eu quero explorar: Estado e (sua) necessidade; República e Federação, a partir da sua Constituição em 1988, e a sua temporalidade, isto é, o momento da sua aplicação e da sua efetividade.

Pois bem, o Estado aparece como uma experiência consolidada des-de os movimentos liberais do século XVIII, com mais ou menos, êxito. "Ele tanto designa uma instituição, ou um aparato, ou uma “realidade” (Grüner, 2004, p. 23) com mais ou menos autonomia em relação à sociedade, aos indivíduos, à economia, à religião, à arte, à cultura etc. Por consolidada, eu quero apenas dizer que as alternativas para o Estado, ou melhor, para um outro modelo de constituição da soberania, sua organização e exercício, sem centralização e sem o que Weber (1984, p. 45) identificava como mono-pólio da força legítima, não lograram o resultado esperado. O legado inte-lectual do contratualismo e o legado político das revoluções burguesas se renovaram ao longo do tempo, porém sem deixar de caracterizar o Estado como monopólio da força legítima que incide sobre dado território, cujas ações respeitam a sua razão (estratégica). É oportuno revisitar a análise de Weber (1984, p. 45), segundo a qual, (e)s conveniente definir el concepto de estado en correspondencia con el moderno tipo del mismo – ya que en su pleno desarrollo es enteramente moderno (...). Caracteriza hoy formalmen-te al estado el ser un orden jurídico y administrativo – cuyos preceptos pueden variarse- por el que se orienta la actividad – “acción de la asociación – del cuadro administrativo (...) y el cual pretende validez no sólo frente a losmiembros de la asociación (...) sino también respecto de toda acción ejecutada en el territorio a que se extiende la dominación (...) (o sea, en cuanto “instituto territorial”). Es, además, característico: el que hoy sólo exista coacción “legítima” en tanto que el orden estatal la permita o prescri-ba (...). Este carácter monopólico del poder estatal es una característica tan especial de la situación actual como lo es su carácter de instituto racional y de empresa continuada.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL214

O fato é que, de um lado, a experiência do socialismo real, ao contrário de uma sociedade sem classes e sem Estado como elemento estrutural de manutenção da dominação de classes (relembrar a importante passagem do prefácio de "Uma contribuição à crítica da economia política de Marx" (1977), na qual Marx dizia que a estrutura econômica da sociedade, constituída pelas relações de produção, é a real fundação da sociedade. Sobre sua base se ergue uma superestrutura política e jurídica à qual correspondem formas definitivas de consciência social. Por outro lado, as próprias relações de produção da sociedade correspondem aos estágios do desenvolvimento das forças produtivas materiais da sociedade. Dessa maneira, o modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e intelectual), resultou, politicamente, em experiências totalitárias e autoritá-rias como o período do Stalinismo na ex-União Soviética (para isso ver os modelos políticos do leste europeu do pós-guerra até a Glasnost/abertura e a Perestroika/reconstrução), com uma gestão/direção supercentralizada da economia, da política e da sociedade.

De outro lado, a experiência de Estados mínimos, com pouca interven-ção na vida política, social e econômica, como o modelo defendido por conservadores como Margaret Tatcher, isto é, um Estado (de polícia) res-trito à proteção do indivíduo por meio da força militar e policial, com uma estrutura burocrática mínima, também fracassou. Tal processo pode ser verificado no desmantelamento do chamado Estado de bem-estar social, predominante em alguns Estados europeus, por exemplo, a Inglaterra de Tatcher, sobretudo no pós-guerra, e que ainda perdura em parte da Europa, como na Escandinávia, por exemplo, mas que foi duramente atacado por políticas recentes chamadas de neoliberais.

Esse panorama que traço, grosso modo e com alguma simplificação, é apenas para reafirmar a convicção da presença ou da necessidade do Estado nas sociedades complexas como, por exemplo, a brasileira. Daí a pergunta: qual Estado?

Pois bem, se nos constituímos (falo do Brasil) como república e fede-ração, assumimos a forma jurídica, isto é, somos um Estado de Direito, e, também, assumimos a forma política, isto é, somos uma democracia. O que significa, então, ser um Estado democrático de direito em uma sociedade complexa? Retomo a segunda questão colocada no início desta fala, ou seja, qual a temporalidade deste Estado democrático de direito?

Começando pelo começo (afinal, as coisas podem acontecer antes – de começar – como diz Macabéa em A Hora da Estrela de Clarice Lispector): quando se conjuga Estado e Direito, corre-se o risco de, no curso dessa conjugação, haver algo que a impeça de acontecer totalmente. Ou seja, trata-se de uma conjugação sempre interrompida entre Estado e Direito, na medida da intrusão do Político. Aliás, quando ao Estado se impõe o Direito, essa

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conjugação [e conjugação significa unir(-se), ligar(-se), juntar(-se) har-monicamente a ou com (algo ou alguém)] como um casamento, implica uma relação, digamos assim, de amor e ódio. Não fosse isso suficiente, essa relação em si já conflituosa fica ainda mais tensa com a intrusão do Político. Vale dizer, o Estado de Direito não resolve os conflitos que se colo-cam desde a sua constituição – ainda que os contratualistas nos tenham prometido isso –, ao contrário ele revela o conflito como algo que lhe é cons-titutivo e que com a intrusão do Político (ou da qualidade de ser democráti-co) fica ainda mais acentuado.

O Político aqui é "entendido como instância antropologicamente originária e socialmente fundacional" (GRÜNER, 2004, p. 23), porém sem fundamentos absolutos. Conforme Leffort (1988, p. 09 e ss), o político como aquilo que constitui a política como (encen)ação. Ou seja, o Político não se essencializa na figura de um corpo, mas no vazio; a democracia como um espaço vazio significa que o poder não pertence mais a ninguém, não habita mais o corpo de ninguém e que quem quer que exercite o poder o faz sem possuí-lo.

Assim, o chamado Estado democrático de direito ou a democracia constitucional se coloca, desde o início como um paradoxo, o qual devemos assumir (ao invés de negar). Isto é, entendo que tanto a política quanto o direito estão enredados por essa difícil e desafiadora condição paradoxal. Como afirma Milcheman (1999, p. 05-06): a democracia aparece como autogoverno do povo – as pessoas de um país decidindo por si mesmas os conteúdos decisivos e fundamentais das normas que organizam e regulam a sua comunidade política. O constitucionalismo aparece como a conten-ção da tomada de decisão popular por meio de uma norma fundamental, a Constituição – law of lawmaking –, projetada para controlar até onde as nor-mas podem ser feitas, por quem e mediante quais procedimentos. É parte essencial da noção de constitucionalismo que a norma fundamental deva ser intocável pela política majoritária (que ela deve limitar). (tradução livre)

Dessa forma, conjugar democracia e constitucionalismo ou Estado, Direito e Política numa determinada forma e conteúdo é uma tarefa tão complexa quanto problemática. A democracia significa cada povo decidindo as questões politicamente relevantes da sua comunidade, inclusive os conteúdos da sua constituição, isto é, das normas que organizam as insti-tuições do governo e estabelecem limites aos respectivos poderes gover-namentais. Entretanto, o constitucionalismo significa limites à soberania do povo, o que equivale dizer que alguns conteúdos da constituição devem permanecer fora do alcance da decisão majoritária ou das deliberações democráticas (MICHELMAN, 1999, p. 06 ).

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Ao trazermos essa paradoxal conjugação para o plano da federação brasileira, temos o seguinte: uma divisão vertical do poder em um território de grandes dimensões entre a união federal, os Estados-membros, o distri-to federal e os municípios. Em outras palavras, há uma relação de autorida-de do governo central com os governos dos Estados-membros e dos muni-cípios ou das instâncias ditas subnacionais. Será mais ou menos democrá-tico o Estado em que a autoridade do governo central não sacrifique os direitos dos governos estaduais e municipais e para isso a concentração de poder na União Federal não pode ser excessiva (como historicamente foi e tem sido no Brasil).

Soa estranho falar em centralização no governo federativo, mas esta discussão esteve presente desde a convenção da Filadélfia em 1787, da qual se constituíram os Estados Unidos da América. Os próprios federalis-tas Madison, Hamilton e Jay divergiam sobre a fórmula a ser adotada para dividir o poder entre a União e os Estados-membros, como também sobre a relação entre a dimensão nacional e a federal (e nesta a participação dos estados). Entretanto (e isso fica claro no federalista n. 39), sublinhavam a importância da forma federal e nela a da União como a consolidação dos estados (MADISON; HAMILTON; JAY, 1982, p. 192).

Na formação do Brasil houve também uma disputa acerca de mais ou menos concentração de poder na União, conforme defendia Oliveira Viana (ARRETCHE, 2012, p. 12). Após 1988, com a promulgação da Constituição, a relação entre democracia e federação ou a questão sobre a concentração da autoridade no governo central ainda permaneceu problemática. Há vários – e questionáveis – diagnósticos sobre isso (ARRETCHE, 2012, p. 12-13): para Lamounier a adoção da forma federativa seria, em primeiro lugar, artificial, pois a sociedade brasileira não apresenta as clivagens étnicas ou religiosas que justificam a adoção de um arranjo do tipo consoci-ativo, no qual as minorias tem poder de veto (poder dividido por razões étnicas, religiosas etc.). Para Maywarring, as regras da representação das unidades constituintes (Estados-membros) na Câmara dos Deputados e no Senado potencializariam os riscos de paralisia decisória, pois minorias regionais teriam a possibilidade de vetar propostas que favorecessem os interesses da maioria. As deliberações do Senado, dotado de amplos pode-res legislativos, seriam comprometidas pelo poder de barganha de minorias regionais lá super-representadas, segundo Stepan. Já para Abrucio, os partidos nacionais seriam internamente fragmentados pela coesão das bancadas estaduais em torno de seus governadores. Ainda, Arretche fala em negociação dos presidentes com os poderes regionais com capacidade de veto, isto é, negociações distributivas como moeda de troca. Para Shah, o nosso federa-lismo confere excessiva autonomia aos governos locais elimitados incentivos para cooperação horizontal. Ainda, gera relações inter-governamentais predatórias e ausência de coordenação, segundo Abrucio e Soares.

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Mesmo com tais diagnósticos feitos por Arretche (2012, p. 12-13), a partir da análise dos cientistas políticos citados, ao se observar os artigos da Constituição brasileira que tratam da competência da União – material e legislativa –, como o 21 e seus 25 incisos que dizem respeito às políticas de governo, o 22 e seus 29 incisos e o 24 e seus 16 incisos que dispõem sobre a competência concorrente, a despeito da vontade de descentralização do constituinte, tem-se o seguinte: a União Federal pode ter iniciativa legislati-va em quase todas as áreas das políticas pública, ao passo que os gover-nos dos estados-membros e municípios não tem competências legislativas exclusivas. Em nenhuma área relevante de políticas pública, a União está impedida de propor legislação (ARRETCHE, 2012, p. 16), ou seja, o gover-no federal goza de uma autoridade regulatória capaz de influir decisivamen-te na agenda política dos governos dos estados-membros e municípios.

Nesse sentido, aqueles diagnósticos anteriores de que se utiliza Arretche, segundo os quais o governo federal pode ser paralisado por go-vernos subnacionais com poder de veto, são questionáveis.

O Estado moderno, conforme sublinhei no início, parte da premissa de um poder forte e centralizado, o qual se reflete na sua forma. Ainda que a federação indique uma distribuição territorial do poder, ela exige centraliza-ção. O exemplo do federalismo norte-americano é de estados fortes, com muita autonomia, porém, segundo Arretche (2012, p. 17), ao longo do tempo isso aumentou significativamente o poder regulatório da União.

Partindo, portanto, de que a centralização é uma característica da maioria das federações, a questão é o seu maior ou menor grau e o seu maior ou menor efeito sobre a democracia. Um estado federal que assume a democra-cia com regime se vê, a todo momento, às voltas com a tensão entre a autori-dade da União e dos demais entes federativos, assim como com a possibilida-de de as políticas da União Federal serem vetadas por minorias, de maneira que essas possam, de certa maneira, impactar sobre as decisões.

Outro ponto relevante diz respeito às casas representativas, senado e câmara e sua forma de decidir: se orientada pelos interesses partidários ou pelos interesses federativos. Tal fato também tem impacto sobre o regime democrático.

Portanto, para responder que Estado queremos para o Brasil no sécu-lo XXI, eu iniciaria dizendo que uma federação com menor (ou mais fraco) grau de centralização. Mas menor grau de centralização em que sentido? Por exemplo, com a CF/88 os municípios passaram a ser unidades federati-vas com autonomia e com várias responsabilidades sobre as políticas públicas que mais diretamente afetam os cidadãos: saúde básica, educa-ção fundamental, coleta de lixo, transporte público e infraestrutura urbana. Entretanto, os municípios não são assim tão autônomos, ou seja, segundo Arretche (2012, p. 20), eles obedecem a um padrão previsível no qual a

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL218

1 Art. 157. Pertencem aos Estados e ao Distrito Federal:

II. vinte por cento do produto da arrecadação do imposto que a União instituir no exercício dacompetência que lhe é atribuída pelo art. 154, I.

Art. 158. Pertencem aos Municípios:

II. cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedadeterritorial rural, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo a totalidade na hipótese da opção a que se refere o art. 153, § 4º, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº42, de 19.12.2003) (Regulamento)

III. cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade deveículos automotores licenciados em seus territórios;

IV. vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operaçõesrelativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes critérios:

I. três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas àcirculação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios;

II. até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal.2 Art. 159. A União entregará:

I. do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados quarenta e oito por cento na seguinte forma: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 55, de 2007)

a. vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e doDistrito Federal; (Vide Lei Complementar nº 62, de 1989) (Regulamento)

b. vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios;(Vide Lei Complementar nº 62, de 1989) (Regulamento)

c. três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo dasRegiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficandoassegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer;

d. um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndiodo mês de dezembro de cada ano; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 55, de 2007)

II. do produto da arrecadação do imposto sobre produtos industrializados, dez por cento aosEstados e ao Distrito Federal, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações deprodutos industrializados. (Regulamento)

III. do produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio econômico previstano art. 177, § 4º, 29% (vinte e nove por cento) para os Estados e o Distrito Federal,distribuídos na forma da lei, observada a destinação a que se refere o inciso II, c, doreferido parágrafo.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 44, de 2004)

§ 1º. Para efeito de cálculo da entrega a ser efetuada de acordo com o previsto no inciso I,excluir-se-á a parcela da arrecadação do imposto de renda e proventos de qualquer natureza pertencente aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, nos termos do disposto nos arts. 157, I, e 158, I.

regulação federal tem um papel central, em relação à normatização, a supervisão e a redistribuição de receitas. Isso se desdobra dos artigos da Constituição brasileira, especialmente o 157, II, o 158, II, III, IV e parágrafo

1 2único e, também, o 159 .

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A partilha de receitas é um aspecto importante do pacto federativo brasileiro e na nossa história republicana ela oscilou entre maior ou menor concentração de poder financeiro na União, de forma que, mesmo com o propósito dos constituintes de 1987-88 de descentralizar política e garantir maior autonomia aos entes subnacionais, sobretudo os municípios, fica claro que a União ainda concentra em seu poder a maior parte das receitas arrecadadas.

Interessante notar como a repartição constitucional de receitas sofreu, ao longo dos vinte e cinco anos de vigência da Constituição, uma série de alterações por meio do procedimento de emendas – o qual encontra, nos termos do artigo 60, limitações formais, circunstâncias e materiais que o torna um procedimento, em tese, difícil (e assim deve ser) – que, na pers-pectiva de Arretche (2012, p. 19), foram estimulantes para o sistema político brasileiro. Segundo a autora, de 1994 a 2011, foram aprovadas 70 emendas constitucionais (...) e (d)essas, 28 disseram respeito a matéria de interesse federativo. (...) Matérias e interesse federativo não paralisam o sistema político brasileiro.

Pois bem, conforme venho salientando, os municípios brasileiros em sua maioria têm receitas modestas e dependem das transferências deter-minadas pela Constituição. Por sua vez, tais transferências dependem da regulação federal, ou seja, a União tem um papel fundamental na composi-ção dos orçamentos municipais. Isso tem um aspecto positivo, qual seja, a União pode promover mais igualdade entre os munícipios, especialmente numa federação como a brasileira, marcada por uma significativa desigual-dade regional.

Daí uma parcial conclusão de que é desejável, leia-se, mais democrá-tico, a centralização das regras de execução da políticas públicas no governo federal e a descentralização na execução das mesmas. Segundo Arretche (2012, p. 24), os governos municipais têm sua capacidade ins-titucional de executar políticas públicas fortalecida enquanto o governo central tem sua capacidade de regular igualmente fortalecida sem que isso traga algum tipo de déficit democrático. O orçamento participativo seria, talvez, um exemplo.

§ 2º. A nenhuma unidade federada poderá ser destinada parcela superior a vinte por centodo montante a que se refere o inciso II, devendo o eventual excedente ser distribuído entre os demais participantes, mantido, em relação a esses, o critério de partilha nele estabelecido.

§ 3º. Os Estados entregarão aos respectivos Municípios vinte e cinco por cento dos recursos que receberem nos termos do inciso II, observados os critérios estabelecidos no art. 158, parágrafo único, I e II.

§ 4º Do montante de recursos de que trata o inciso III que cabe a cada Estado, vinte ecinco por cento serão destinados aos seus Municípios, na form da lei a que se refere o mencionado inciso. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL220

3 FUNG, Archon. Receitas para esferas públicas: oito desenhos institucionais e suas consequencias. In: Coelho, Vera Schattan P., Nobre, Marcos (orgs) Participação e deliberação: teoria democrática e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004. Ainda, Godoy, Miguel G. A democracia deliberativa a partir de Carlos Santiago Nino e Roberto Gargarella. São Paulo: Saraiva, 2012, p 125.

4 http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/cs/usu_doc/livro_op.pdf consulta 18/11/2013.

Neste ponto, surge uma outra variável nesta discussão e que diz respeito à participação (popular) neste processo, e o orçamento participati-vo seria igualmente um exemplo para práticas deliberativas e que me permite retomar a questão da temporalidade do Estado democrático de direito. Qual o tempo da democracia? O agora, seria a mais rápida ou óbvia resposta. Mas não é tão simples, pois o agora é também o que já foi e o que será. Para realizar/executar algo podemos abrir mão de experiência (que é sempre passado) e da promessa (que é sempre futuro)? Portanto, se necessitamos de um Estado, federal e democrático, em que as políticas de governo se efetivem, é preciso que, desde a nossa constituição, internalize-mos a sua temporalidade como algo que não pode divorciar passado, pre-sente e futuro, ou dito de outra maneira, a memória e a capacidade de fazer promessas, mediadas pela ação política, pelo tempo do evento (NANCY, 1998, p. 98), pela aplicação e efetivação da Constituição.

Nesse sentido, para que o tempo do Estado democrático seja o da sua realização, mediante a efetivação dos direitos e das políticas públicas que estão na Constituição, é fundamental que haja participação de todos os potencialmente afetados por tais direitos e políticas. Assim, é necessário que o Estado adote procedimentos deliberativos, além daqueles que decor-rem da lógica da representação, em instâncias decisórias administrativas (conselhos, orçamento participativo etc.), legislativas (iniciativa popular, plebiscito, referendum etc.) e judiciais (audiências públicas, amicus curiae etc.).

Retomando o exemplo do orçamento participativo, este foi adotado pelo município de Porto Alegre em 1989, ou seja, há 24 anos e, por meio dele, parte da alocação dos recursos do orçamento do município foi subme-tida à deliberação e decisão coletiva, combinando mecanismos diretos e

3representativos . Esse processo inicia com as reuniões preparatoórias e segue com as assembleias nas 17 regioões e seis temáticas, quando a população escolhe as prioridades orçamentárias e, ao mesmo tempo, elege seus representantes para formar o Conselho do OP e, posteriormente, os delegados, que comporão os respectivos Fóruns Regionais e Temáticos do

4OP .

Nesse sentido, o ciclo do orçamento implica debates, definições das prioridades para o município e tem três grandes momentos: as reuniões

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 221

preparatórias, a rodada de assembleias regionais e temáticas e a assem-bleia municipal. Grosso modo, as reuniões preparatórias e as assembleias regionais e temáticas servem para informar a comunidade envolvida e para que esta adquira os dados técnicos e financeiros do município sobre os quais irá deliberar sobre alocação de recursos que incidirão sobre sua pró-pria vida na cidade. Ou seja, o modelo do orçamento participativo permite o envolvimento direto dos cidadãos na tomada de decisão sobre a questão-chave dos orçamentos públicos. Isso não só gera discussão e participação dos cidadãos como também maior transparência no funcionamento do governo.

Se desejamos aprender com nosso constitucionalismo e nossa demo-cracia, o exemplo do orçamento participativo pode servir de parâmetro para outras ações que concretizem nossa Constituição como experiência de vida democrática. Por esta razão é que a Constituição é tanto constituinte quando constituída; é tanto experiência (passado) quanto promessa (fu-turo), na medida em que é aplicada e realizada (presente). A estrutura deste futuro ou desta promessa é a própria abertura do presente, a qual torna impossível que o presente se encerre num círculo e se feche em torno de si.

Além da experiência institucional, no plano dos movimentos, da rua, as jornadas de junho, deste ano de 2013, no Brasil, pautadas por várias reivindicações, entre elas, a de efetivação de direitos fundamentais como o direito ao protesto, à liberdade de expressão, a uma redistribuição justa da terra, a uma redistribuição justa de riquezas, ao trabalho digno, à moradia digna etc. também nos colocaram face a face com a promessa e a concreti-zação da Constituição.

Pois bem, qual o Estado necessário para o Brasil no século XXI? Eu responderia, é aquele cuja capacidade de fazer promessas o faz agir no presente, isto é, o faz tomar decisões em todas suas esferas – administrati-va, legislativa e jurisdicional –, das quais todos os potencialmente afetados participem, conjugando isso com a lógica da representação e num espaço de centralização da autoridade do governo na regulação das políticas e de descentralização da sua execução. Ainda, que diante da complexidade da sociedade brasileira, o Estado assuma a “precariedade” das suas decisões, de maneira que elas possam ser revistas, reavaliadas e tomadas novamen-te, incrementando o processo democrático. Por fim, é preciso que a Repú-blica Federativa do Brasil reconheça os paradoxos que estão na sua origem e assuma-os não como um problema mas como sua própria condição de possibilidade. Os regimes totalitários e ditatoriais e suas práticas nos mos-traram como as determinadas certezas podem ser aniquiladoras de qual-quer possibilidade. Nesse sentido, o Estado necessário para o Brasil no século XXI é aquele que institucionalmente e na vida concreta dos cidadãos radicaliza a democracia.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL222

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ESTADO E BUROCRACIA NA ALVORADA DO SÉCULOXXI

Cic

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Estado, Planejamento

e Administração Pública no Brasil

O presente artigo tem por objetivo trazer à discussão o papel do Esta-do em um país em desenvolvimento, como ainda se apresenta o Brasil neste limiar do século XXI. Adjacentes ao tema central são apresentadas teses acerca da importância do Estado para garantir o desenvolvimento da forma mais sustentável possível, o que o mercado não consegue fazer quando atua sem alguma forma de normatização, o que somente é possível pela presença do Estado. Por fim, o artigo aborda aspectos específicos da burocracia necessária para que esse mesmo Estado atue de forma eficaz e eficiente.

Apenas a título de introdução, o Estado aqui referido é aquele definido por Hobbes, Locke e Rosseau e, mais tarde, Weber, para os quais, ressalva-das as necessárias diferenças, se constitui a partir do momento em que os indivíduos abrem mão de parcela de seus direitos individuais em favor dessa pessoa jurídica que, para defender a todos, exerce de forma incon-teste o poder legítimo da força.

Nessa linha de raciocínio defendo que o moderno Estado brasileiro teve início com a ascensão de Vargas ao poder, em 1930, com a restrição do poder das províncias, das oligarquias regionais e a centralização do poder político e, em alguma medida, econômico, no governo federal. Assim, a centralização de poder em torno do Presidente e da Presidência, certamen-te se coloca como uma das questões que melhor expressa a relação entre Estado e sociedade no pós-1930. Em relação ao primeiro, a literatura consi-dera que a centralização estaria relacionada ao fenômeno da personaliza-ção do poder, em particular durante o período ditatorial de 1937-1945. Em relação à segunda, a centralização seria consequência da autonomização do Estado durante o período de transição capitalista inaugurado em 1930.

Essa centralização decisória no topo do Executivo Federal, para pen-sar como Adriano Codato¹, não representa apenas a marginalização das oligarquias regionais; determina a perda de poder político dos estados mais

¹ Para apreender a gênese e o desenvolvimento da capacidade estatal a partir de variáveis políticas, tomando por base a centralização decisória no Executivo Federal, notadamente após 1937, ver Adriano N. Codato, “Quando o Brasil era moderno: o Estado antes da crise do Estado”. In: Dois Pontos, Curitiba, São Carlos, vol. 5, n. 2, pp.143-168, outubro, 2008.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL224

importantes (São Paulo, em particular). Ela representa também a força do núcleo estatal na ocupação de um espaço político que se abre pela ausên-cia de hegemonia dos diversos grupos dominantes, a burguesia em especial, “como agente de mudança e equilíbrio entre as diversas forças sociais em confronto, delineando-se as condições para a emergência de um sistema político autoritário e fechado” (DINIZ, 1978, p. 20).

A constituição desse sistema autoritário e fechado pode ser analisada sob dois aspectos: o primeiro, mais amplo, diz respeito ao processo de construção da autoridade do Estado sobre a sociedade; o segundo permite pensar que essa forma de sistema torna-se a precondição para a mudança no modelo de desenvolvimento econômico do país ocorrido na primeira metade do século XX. Dito em outros termos, o papel preponderante do Estado brasileiro na constituição de um novo modelo de crescimento econômico e de um processo mais amplo de modernização pode ser visto como contrapartida de seu autoritarismo e da referida crise de hegemonia.

Mesmo após o fim do Estado Novo, com a instauração de um período democrático que vai de 1945 a 1964, no qual Getúlio Vargas retornou à presidência da República pela via eleitoral, a centralização de poder no Estado brasileiro não foi reduzida. Ao contrário, durante o regime militar que perdurou de 1964 a 1985, essa centralização foi ampliada, o que contribuiu para o enfraquecimento dos Estados e dos Municípios, que passariam a ser cada vez mais dependentes do poder central.

Em que pese às diversas experiências de reforma do Estado levadas a efeito ao longo de diferentes fases, quero destacar um importante desafio que ainda persiste. Refiro-me à debilidade crônica do poder infraestrutural do Estado, no sentido que é dado por Mann (1986). Antes, chamo a atenção para a necessária distinção entre solidez da democracia e capacidade do Estado. Apesar de serem processos interligados, são distintos. Frequen-temente tal distinção é obscurecida dada a dificuldade de perceber-se a diferenciação de fronteiras teóricas entre regime político e natureza do Estado, o que traz a conclusão, por vezes precipitada, de que quanto mais sólida a democracia, maior o vigor do Estado. Entretanto, democracia não se traduz automaticamente em maior capacidade do Estado.

Não há dúvida de que o aperfeiçoamento da democracia é fundamen-tal para a construção de um Estado desenvolvimentista. Entretanto, pode haver, e ocorre com frequência, um descompasso entre, de um lado, o robustecimento da democracia e, de outro, a debilidade do Estado como instituição pública capaz de prover e universalizar o acesso a bens públicos essenciais, nas áreas de segurança pública, saúde, educação, habitação e saneamento básico, o que se traduz nesse baixo poder infraestrutural do

O PAPEL DO ESTADO EM UM PAÍS EM DESENVOLVIMENTO

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Estado, como é o caso do Estado brasileiro, que apresenta um pronunciado déficit em termos de poder infraestrutural, traço que se agravou durante a primazia da agenda neoliberal na década de 1990.

Segundo Mann, o poder infraestrutural traduz-se pela capacidade do Estado de penetrar na sociedade e implementar logisticamente suas deci-sões, abarcando, em seu âmbito de ação, todo o território nacional e os diferentes segmentos da população que se quer beneficiar com a execução das políticas públicas. Tal objetivo requer que os estados tenham infraestru-turas que penetrem universalmente em toda a sociedade civil, de modo a que as elites políticas possam extrair recursos e fornecer serviços para todos os cidadãos que fazem parte do território nacional.

Portanto, pode-se dizer que modernizar o Estado implica, em parte, o aumento de seu poder infraestrutural. E esse aspecto não pode ser menos-prezado, já que é indispensável para viabilizar a concepção multidimensio-nal do desenvolvimento aqui salientada, indo muito além dos indicadores econômicos e abarcando de forma interligada as dimensões da equidade, da ética (no sentido de atender ao interesse público) e da sustentabilidade. De forma similar, pode-se argumentar que um dos legados mais inibidores de uma concepção de Estado social abrangente e público é exatamente essa debilidade do poder estrutural na formação do Estado-Nação não só no Brasil, mas na América Latina em geral.

Analisando a trajetória desse processo na região latino-americana, Mann (2006, p. 165-166) ressalta que os Estados modernos mais eficazes são aqueles caracterizados por sociedades suficientemente igualitárias, de modo a permitir o desenvolvimento de um senso comum de cidadania nacional, o que, por sua vez, permite aos Estados desenvolverem poderes infraestruturais efetivos para mobilizar recursos e, assim, promoverem o desenvolvimento. Em longo prazo, esses Estados tenderiam a implantar regimes democráticos. Entretanto, adverte, somente os estados com infra-estruturas eficientes alcançarão a plenitude democrática.

Por sua vez, Guillermo O'Donnell também enfatiza as peculiaridades da formação histórica das novas democracias, no período pós-autoritário, aí incluindo o Brasil, o que gerou uma fragilidade institucional que sobrevi-veria às tentativas de mudança ao longo do tempo (O'DONNELL, 1993). Entre tais debilidades, o autor destaca: a incompletude do processo de constituição da cidadania, resultando importantes lacunas quanto aos direitos civis e sociais (cidadania de baixa intensidade), o estreitamento dos espaços públicos, além de sérias deficiências quanto à efetividade da lei, uma vez que esta estende-se de forma pronunciadamente irregular sobre o conjunto do território nacional e sobre as diferentes camadas da população, resultando um amplo contingente que se situa fora da cobertura legal e do alcance das políticas públicas em diferentes áreas.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL226

Nas novas democracias, regiões inteiras permanecem à margem do sistema legal sancionado pelo Estado, não apenas nas áreas rurais, mas também nas periferias das grandes metrópoles. Além disso, no caso de certos setores sociais discriminados, em todas as regiões, mesmo nas mais desenvolvidas, a legalidade estatal é também pouco efetiva. Tal particulari-dade traduz-se na ampliação das chamadas "áreas marrons", onde a capacidade de penetração do Estado é muito baixa ou quase nula (O'DONNELL, 1993, p. 129-130).

A fragilidade do sistema legal tem ainda outras consequências que não podem ser minimizadas. A dimensão republicana, que se refere à credibilidade do Estado como instituição que opera em nome do interesse público e que é essencial para a preservação da confiabilidade da democra-cia, torna-se extremamente debilitada. Em contraposição, um Estado forte caracterizar-se-ia pela capacidade de estabelecer a legalidade por todo o seu território e de formular políticas de teor universalista para o conjunto dos cidadãos da comunidade nacional.

No caso brasileiro, pode-se constatar que, nas duas últimas décadas, houve avanços no que se refere às políticas públicas voltadas para direitos sociais constitucionalizados (artigo 6º da Constituição Federal de 1988), como a educação fundamental, a saúde básica e assistência aos segmen-tos mais desvalidos da população. Assim, alargou-se substancialmente o alcance territorial das políticas relativas à educação e saúde básicas, com a universalização do acesso dos diferentes segmentos da população em todo o território nacional ao ensino fundamental e à rede pública de saúde. Deforma similar, é vasto o alcance territorial das políticas de transferência de renda condicionada, como o programa Bolsa Família, atingindo, segundo dados de 2010 do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), cerca de 12,5 milhões de famílias, beneficiando perto de 50 milhões de pessoas.

Entretanto, se houve substancial aumento dos níveis de escolaridade do ensino público fundamental, observou-se paralelamente uma forte dete-rioração de sua qualidade, aumentando a proporção de analfabetos funcio-nais que, segundo dados de 2010, alcançam 20,3%, dos que terminaram o ensino fundamental. O mesmo acontece com a qualidade do atendimento à saúde, apesar do aumento do percentual destinado à atenção básica, que passou de 10,82% em 1995 para 18,34% em 2004 (SOUZA, 2010, p. 11). De forma ainda mais pronunciada, nas áreas de habitação, saneamento básico e segurança pública, o que se observa é a persistência de uma gran-de lacuna no que diz respeito à ação do Estado. Nessas áreas predominam a omissão, ineficiência e ineficácia das políticas públicas. Ainda segundo dados extraídos do Censo 2010, a proporção da população sem acesso à rede de esgoto ou de drenagem pluvial é de 47,2% (IBGE, 2010). Segundo o Atlas do Saneamento 2011 (BRASIL. MD, 2011), apenas 19% das resi-dências têm o esgoto tratado. De acordo com dados do Sistema Nacional de

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Informações sobre Saneamento Básico do Ministério das Cidades, 54% da população brasileira ainda não tem serviço de coleta de esgoto. Ademais, apenas cerca de 40% do esgoto coletado no país é tratado.

Assim, a principal questão deste artigo pode ser sinteticamente formu-lada nos seguintes termos: ao término da primeira década do terceiro milênio, é possível dizer que existe um novo modelo de desenvolvimento no Brasil?

Uma resposta afirmativa a tal pergunta seria prematura. É possível, sim, identificar nitidamente uma agenda pública mais complexa. Tal agenda está caracterizada pela coexistência de pontos de continuidade em relação à última década do século passado (sobretudo na esfera da política ma-croeconômica) e pontos de mudança (representados pela ênfase em políticas de teor desenvolvimentista), o que pode ser constatado principal-mente a partir do segundo mandato do presidente Lula, quando se dá uma inflexão mais claramente pró-desenvolvimento.

“Porém, não se delineou um modelo desenvolvimentista no sentido forte desse termo. Em outras palavras, não é possível identificar um projeto de longo prazo aglutinando de maneira consistente as diversas dimensões de uma nova estratégia de desenvolvimento, com a complexidade que alcançou contemporaneamente esse conceito” (DINIZ, 2013).

Portanto, para além do crescimento econômico sustentado, são igual-mente relevantes, nessa nova acepção, as dimensões de equidade, bem-estar dos vários segmentos da população, bem como o alargamento das oportunidades sociais.

Sob esse aspecto, cabe olhar para as contribuições de Armatya Sen, vencedor do prêmio Nobel de Economia de 1998. Em dois de seus mais conhecidos livros, On Ethics & Economics (SEN, 1987) e Development as Freedom (SEN, 1999), o autor rompe com uma visão unidimensional da economia, ao enfatizar a dimensão ética e política de problemas econômi-cos prementes de nosso tempo, colocando em xeque a concepção conven-cional de desenvolvimento. Efetivamente, as visões mais restritas de desenvolvimento – como crescimento do PIB, aprofundamento da industri-alização ou expansão das exportações – passam ao largo da importante concepção de que liberdades substantivas, como a liberdade de participa-ção política, a oportunidade de receber educação básica ou assistência médica, estão entre os elementos constitutivos do desenvolvimento.

Ainda segundo Sen, desenvolvimento deve ser interpretado como um processo de expansão das liberdades reais de que desfrutam os cidadãos de um país. Para que isso ocorra, entretanto, é preciso que, antes de tudo, se removam as principais fontes de privação de liberdade, como a tirania e a pobreza, a carência de oportunidades econômicas, a destituição social sis-temática, a escassez da oferta de serviços públicos essenciais nas áreas

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL228

de saúde, educação fundamental, saneamento básico, habitação e segu-rança pública. Tais direitos e oportunidades contribuem para promover a capacidade geral de cada pessoa.

O crescimento econômico constitui, sem dúvida, um componente im-portante, pois contribui não só elevando rendas privadas, mas também possibilitando ao Estado financiar a seguridade social e a intervenção gover-namental ativa. Entretanto, é condição necessária, mas não suficiente. A contribuição do crescimento econômico tem que ser avaliada não apenas pelo aumento da renda, mas também e, sobretudo, pela expansão dos ser-viços sociais básicos que o crescimento pode viabilizar (SEN, 1999; especi-almente cap. 2), tais como o acesso universal ao conhecimento e à saúde pública. Assim, a teoria da expansão das capacidades conecta efeitos agregados ao bem-estar individual. Os desafios éticos passam para o centro do debate sobre o desenvolvimento, não só aqueles ligados à equidade, como também aqueles relativos à institucionalização dos princípios republi-canos, que dizem respeito à primazia do interesse público.

Finalmente, não se pode desconsiderar a dimensão da sustentabilida-de, que, no Brasil, só muito recentemente entrou na agenda pública. Para tanto, a ação dos movimentos ambientalistas em escala mundial e a reali-zação das várias reuniões de cúpula de desenvolvimento sustentável foram fundamentais para conscientizar a população de cada país e difundir tais valores entre as diferentes camadas da sociedade.

Por outro lado, como já ressaltei, no Brasil, na primeira década do século XXI, é possível detectar claramente o retorno a uma agenda desen-volvimentista, cujas diretrizes delineiam-se entre 2004 e 2006, ganhando força a partir do segundo mandato do presidente Lula. Tal agenda pautou-se por uma ênfase na inclusão social e por uma visão estratégica sobre a expansão do mercado interno de consumo de massas como elemento pro-pulsor de uma nova modalidade de crescimento, tal como está expresso no Plano Plurianual (PPA/2004-2007). Um novo leque de políticas públicas, envolvendo expansão do crédito, aumento do salário mínimo, expansão do emprego formal, políticas sociais abrangentes – como o Programa de Transferência de Renda Condicionada, Bolsa Família –, além do crédito consignado e da retomada de uma política industrial mais assertiva, são os aspectos que caracterizam essa nova agenda desenvolvimentista. Trata-se certamente de um novo conjunto de políticas públicas que se tornaram prioritárias entre os anos de 2004 e 2010.

Nesse sentido, segundo alguns analistas e elites da alta burocracia governamental (DINIZ & BOSCHI, 2012), torna-se possível identificar, ao longo da última década, a configuração de uma nova perspectiva de desenvolvimento. Esta consiste na articulação do crescimento com distri-buição de renda, destacando-se ainda a redução da vulnerabilidade exter-na, o equilíbrio macroeconômico, a democracia e a inserção internacional competitiva sob o primado de uma nova visão da soberania nacional.

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 229

Entretanto, não se trata propriamente de um novo modelo de desen-volvimento, capaz, por exemplo, de realizar uma ruptura com um padrão superado de expansão industrial capitaneado pelo fortalecimento da indús-tria automobilística, de efeitos nefastos para criar-se uma economia susten-tável e metrópoles dotadas de infraestrutura eficiente de transporte coletivo e de níveis toleráveis de poluição. “O que se tem é, ao contrário, o reforço de um paradigma produtivo do passado que deveria perder força paulatina-mente com a mudança da matriz energética de acordo com as novas exi-gências de redução dos índices das emissões de CO (dióxido de carbono)” 2

(DINIZ, 2013).

Por fim, parafraseando Eli Diniz (2010), formulo uma segunda questão não menos relevante: É possível afirmar que se tem um Estado desenvolvi-mentista no Brasil? Penso que a resposta seja negativa. Entretanto, ouso afirmar que esse tipo de Estado está em construção. Suas bases foram lançadas como resultado do conjunto de políticas acima referido.

Mas quais são os fatores indicativos desse processo? Em primeiro lugar, a partir da Constituição Federal de 1988, observou-se no Brasil a construção da democracia sustentada que se caracteriza fundamental-mente pela estabilidade do regime. A democracia fortaleceu-se, as regras do jogo democrático adquiriram primazia para os diferentes atores sociais, incluindo as elites econômicas, que passaram por um processo de sociali-zação política no tocante à administração dos conflitos de interesse de acordo com as normas e os princípios da democracia (DINIZ, 2010, p. 125-135). Além das liberdades clássicas de participação, de organização, de expressão e a universalização do direito de voto, o princípio da alternância do poder passou a ter vigência na democracia brasileira. Novas elites ascendem ao poder, apoiadas por um tipo de coalizão eleitoral de centro-esquerda, a qual se consolida em torno de forte aspiração por mudança no estado de coisas em vigor. Novas opções tornaram-se possíveis, caracteri-zando uma inflexão política que daria vez à mudança nas escolhas de políticas públicas.

Além da mudança política, a construção do Estado desenvolvimentis-ta requer, todavia, outras condições de natureza institucional que ainda não estão presentes. Sob esse aspecto, torna-se necessário considerar as interconexões entre Estado, democracia e desenvolvimento.

Considerando-se a produção acadêmica contemporânea, observa-se pronunciada mudança no que se refere às concepções sobre o papel do Estado. Nesse sentido, Eli Diniz (2013) chama a atenção para o abandono do pressuposto neoclássico da ineficiência intrínseca da intervenção do Estado, vista essencialmente sob a óptica do incentivo à expansão das práticas de rent-seeking, corrupção e dilapidação dos recursos públicos. Segundo essa forma de análise, o que se enfatiza é a figura do burocrata típico como maximizador do interesse próprio (KRUEGER, 1974). Mais

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL230

recentemente, esse tipo de interpretação tornou-se dominante. Entre mea-dos da década de 1980 e durante toda a década de 1990, sob a primazia da visão liberal, reforçada com a vigência das reformas orientadas para o mer-cado, ganhou realce a noção de que a expansão do Estado constituiria aumento supérfluo do gasto público, com inchaço da burocracia e conse-quente desperdício de recursos.

A abordagem liberal ortodoxa acima referida tem sido recentemente refutada à luz da contribuição de alguns autores que se destacam na produ-ção acadêmica internacional. Entre eles, cabe mencionar Evans (1995; 1997; 2005; 2010), Weiss (2003; 2006; 2009), Schmidt (2006) e Chang (2010), cujos trabalhos aprofundam alguns conceitos básicos que interes-sam ao argumento aqui desenvolvido. Entre tais concepções deve-se ressaltar a já clássica noção de "autonomia inserida" (EVANS, 1995), cujo cerne é a inserção do Estado na sociedade, mantendo simultaneamente uma burocracia em moldes weberianos, centrada no mérito e no universa-lismo de procedimentos; o papel das instituições domésticas na mediação entre o contexto internacional e a realidade interna de cada país, além da relevância das capacidades estatais para o sucesso de estratégias de inserção externa maximizando, ao mesmo tempo, as condições de de-senvolvimento nacional são outros aspectos igualmente relevantes.

Evans (1997) chama a atenção para os diferentes graus de stateness, característicos das trajetórias nacionais de desenvolvimento de economias de mercado. O termo stateness, que, utilizando um neologismo poderia ser traduzido por estatalidade, significa a centralidade institucional do Estado, a expansão de suas capacidades para atender às novas exigências da ordem internacional contemporânea. Segundo o argumento de Evans, a observa-ção das diferentes trajetórias de crescimento regional, em escala mundial, ao longo dos últimos 30 anos, com destaque para os países do leste Asiático (Japão, Coréia do Sul, Cingapura e Taiwan) e, mais recentemente, na Ásia Central, a República Popular da China, é reveladora do peso das instituições. Os estudos de caso demonstram que uma alta estatalidade pode ser fonte de vantagem institucional comparativa no percurso de um país para alcançar condições mais favoráveis no contexto internacional. Os países analisados empregaram distintas estratégias de desenvolvimento, mas, em todos os casos conhecidos, o Estado desempenhou papel funda-mental para que se produzisse radical modificação de sua posição relativa na divisão internacional do trabalho, conquistando maior poder de barga-nha (idem, p. 69).

Neste último tópico do presente artigo, recorro, uma vez mais, a Peter Evans (2005), que em artigo recente defende a abordagem ou perspectiva

A BUROCRACIA COMO FATOR ESSENCIAL DO ESTADO EFICAZ

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 231

do hibridismo, que consiste em combinar três aspectos que devem ser mantidos em relativo equilíbrio. Em outros termos, a efetividade das insti-tuições públicas dependeria do hibridismo institucional, um equilíbrio inte-grado entre os componentes do tripé em que se fundamenta a capacidade estatal.

Em primeiro lugar, Evans põe em relevo a clássica capacidade buro-crática weberiana, incluindo o recrutamento baseado no mérito, a prevalên-cia de normas profissionais, expectativas de carreira definidas por regras claras, divisão racional do trabalho, primazia dos procedimentos universa-listas, estruturas organizacionais coordenadas, enfim, uma armadura insti-tucional que gere incentivos para o compromisso do servidor com os fins institucionais e capacite o Estado a perseguir metas coletivas.

Em seguida, destaca o atributo de responsividade aos sinais de mer-cado, que fornece informações sobre custos e benefícios, facilita a aloca-ção eficiente de recursos, proporcionando as bases para a disciplina fiscal (assegurando que os fins da administração sejam consistentes com os meios disponíveis).

Em terceiro lugar, ressalta a participação democrática de base, que assegura que os fins administrativos reflitam as necessidades e as prefe-rências dos cidadãos comuns. Os três referidos suportes contribuem para que o processo administrativo seja transparente e esteja submetido ao controle público, garantindo a eficácia dos procedimentos de accountability e de governança econômica.

Em coletânea editada por Edigheji, Evans (2010) salienta que a discus-são teórica recente estabelece o que o Estado do século XXI deve estar capacitado a fazer para alcançar o status desenvolvimentista. O cerne des-tes requisitos é simples: o Estado desenvolvimentista do século XXI deve ser um Estado aperfeiçoador de capacidades. Expandir as capacidades do cidadão, ressalta, é o fundamento do crescimento sustentado. A expansão de capacidades está estreitamente relacionada à eficiente provisão de bens coletivos, sobretudo nas áreas de saúde e educação. Garantir infraestrutura, como os serviços de abastecimento de água, intrinsecamente conectados com a questão da saúde, prover saneamento básico, transporte público efi-ciente, entre outros, são atributos e ao mesmo tempo indicadores da eficácia da estatal.

A capacidade administrativa para prover de forma eficiente bens cole-tivos e infraestrutura requer, por sua vez, fundamentos políticos. Finalmen-te, instituições democráticas ativas constituem a necessária fundação da ação econômica efetiva. Dessa forma, a teoria do desenvolvimento pode definir uma agenda, mas reconstruir aparatos administrativos é um proces-so político path-dependent, mas também criativo (idem, p. 38). Fortalecer e ampliar as estruturas do Estado e as relações Estado-sociedade são, por-tanto, desafios centrais.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL232

Nessa linha de reflexão, cabe mencionar a contribuição de Weiss (2003, p. 247-249), que ressalta o que considera os três ingredientes essen-ciais para que um Estado desenvolvimentista seja, ao mesmo tempo, eficaz.

Primeiramente é preciso formular metas de transformação; em segun-do lugar, é necessário constituir uma agência-piloto relativamente insulada, responsável pela execução do projeto transformador; por fim, deve o Esta-do estabelecer relações institucionalizadas de cooperação entre governo e setor privado. A autora designa esse arranjo institucional por "interdepen-dência governada", propiciando um estilo negociado de formulação de políticas sob a direção de um Estado aberto à interlocução.

Sintetizando as análises até aqui discutidas, é consensual a ênfase na competência da burocracia como aspecto essencial dos estados desenvol-vimentistas: recrutamento baseado no mérito, um sistema claro de regras de ascensão na carreira, primazia dos procedimentos universalistas, enfim as características do tipo ideal weberiano correspondente à administração racional-legal. Outro fator fundamental é a existência de uma agência cen-tral de planejamento nos moldes do Departamento de Planejamento Eco-nômico da Coréia do Sul, ou do Conselho de Planejamento e Desenvolvi-mento Econômico, de Taiwan. Não menos crucial é o papel de uma agência piloto, capaz de liderar um projeto de desenvolvimento transformador. Uma vantagem de tais arranjos institucionais é que eles capacitam o Estado a ter os instrumentos para dar forma e conteúdo à visão de longo prazo de ma-neira a garantir sustentabilidade ao processo de desenvolvimento. Final-mente, se é necessário preservar uma burocracia autônoma e de teor meri-tocrático para assegurar o alcance das metas de longo prazo, bem como a execução das políticas desenvolvimentistas, não menos relevante é a cons-trução de sólidas conexões com os atores privados estratégicos e demais segmentos da sociedade civil de forma a garantir o respaldo social e político necessários para alcançar os objetivos almejados. Em outros termos, o Estado deve capacitar-se a ter uma agenda compartilhada, já que esta não é fruto do acaso, expressando, ao contrário, uma construção política.

Ao final deste artigo, e em face aos diversos temas abordados neste trabalho, como o conceito de Estado, a construção do moderno Estado brasileiro e o papel que se espera seja desempenhado pela burocracia de Estado em um país em desenvolvimento como o Brasil, concluo com a as seguintes considerações.

Retomo o importante argumento de Evans (2010) sobre a indissociabili-dade de desenvolvimento e Estado desenvolvimentista. O autor toma como ponto de partida as três vertentes da moderna teoria do desenvolvimento – a

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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abordagem da expansão das capacidades de Sen (1999), a nova teoria do crescimento que enfatiza a centralidade do capital humano e das ideias, além das teorias institucionalistas que atribuem primazia aos efeitos deletérios das diferentes formas de privação de capacidades como fatores fortemente inibi-dores do desenvolvimento. Mostra a seguir que, apesar de partirem de funda-mentos teóricos e metodológicos distintos, as três correntes chegam a con-clusões muito semelhantes no que se refere à construção do Estado desen-volvimentista do século XXI: a centralidade dos serviços coletivos, da expan-são do conhecimento e habilidades humanas, do complexo de instituições, organizações e redes necessárias para gestar as novas habilidades. Além da expansão do acesso ao estoque de ideias existentes, gerar novos conheci-mentos e ideias, de forma a difundir e tirar proveito desses ativos intangíveis. É interessante notar que Evans (2010) caracteriza o Estado desenvolvimen-tista do século XXI de forma convergente com os argumentos ressaltados ao longo deste artigo. Em primeiro lugar, salienta que desenvolvimento não po-de ser dissociado da produção do bem-estar dos cidadãos. Cabe ao Estado o papel central na provisão de bens públicos como saúde e educação. Sem burocracias públicas eficientes, coesas, coerentes e qualificadas, vale dizer, caracterizadas por recrutamento e sistema de promoção baseados no méri-to, a provisão dos serviços públicos destinados à expansão das capacidades não se concretizará. O Estado desenvolvimentista do século XXI, além de burocracias estatais com alto desempenho, requer, ainda, novos tipos de ca-pacidades, notadamente em termos da habilidade de promover formas mais abrangentes de enraizamento social ou parcerias com diversos segmentos da sociedade. Em outros termos, a utilidade da ação estatal depende da medida em que seus resultados correspondam às preferências coletivas das comunidades atendidas (idem, p. 49). Para tanto, necessita de informação precisa sobre as prioridades coletivas na esfera comunitária. A relevância desse tipo de informação para a eficiência da ação estatal, por sua vez, re-quer o reforço das instituições deliberativas e participativas. Estas últimas, ao lado das instituições representativas, representam as duas faces do fortaleci-mento do regime democrático, compondo a armadura institucional adequada ao novo momento histórico. Longe de serem aspectos antagônicos do pro-cesso democrático, são complementares. Assim, o engajamento dos atores sociais no processo de execução das políticas é crucial para as estratégias de expansão das capacidades implicadas na nova acepção de desenvolvi-mento.

Finalmente, chamo a atenção para a forte conexão entre projeto desen-volvimentista e a capacidade mobilizadora do Estado desenvolvimentista. Trata-se da noção abrangente de compartilhamento de metas e crenças por parte de um amplo conjunto de atores, para além das elites governamentais e tecnocráticas, bem como dos agentes econômicos privados.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL234

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AUTORES

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Estado, Planejamento

e Administração Pública no Brasil

Ana Cristina Wollmann Zornig Jayme

Graduada em Arquitetura e Urbanismo (UFPR) com Especialização em Gestão Estratégica de Serviços e em Gestão de Projetos (FGV). Servidora municipal com experiência nas áreas de planejamento urbano, legislação de uso e ocupação do solo, projetos estratégicos em áreas urbanas, projetos multisetoriais integrados, captação de recursos, planos de investimentos para orçamento municipal e gestão de portfólio. Atualmente Superintendente da Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão de Curitiba.

André Piekarz Ziobro

Graduado em Letras (UTP) com Especialização em Administração com ênfase em Recursos Humanos (PUC-PR) e Gestão Pública (SPEI). Servidor municipal e Assessor técnico da Escola de Administração Pública (EAP) no Instituto Municipal de Administração Pública (IMAP) de Curitiba.

Carla Cristine Braun

Graduada em Serviço Social e Pedagogia (UTP) com Especialização em Gestão de Políticas Públicas e Mestrado em Organizações e Desenvolvimento (UNIFAE). Pesquisadora no Núcleo de Estudos sobre Trabalho e Educação (UNESC). Integrante dos Comitês Intersetoriais de Pró-Equidade de Gênero e Raça, e de Políticas para as Mulheres da Prefeitura Municipal de Curitiba. Servidora municipal e Gerente de Projetos da Escola de Administração Pública (EAP) no Instituto Municipal de Administração Pública (IMAP) de Curitiba.

Christian Luiz da Silva

Graduado em Economia, Mestrado e Doutorado em Engenharia de Produção (UFSC) e Pós-doutorado em Administração (USP). Professor do Programa de Pós-graduação de Tecnologia (PPGTE); de Planejamento e Governança Pública; e do Departamento de Gestão e Economia (DAGEE-UTFPR). Desenvolve pesquisas relacionadas à política e gestão pública para o desenvolvimento sustentável, política ambiental e tecnológica sob a ótica neoinstitucionalista e análise da cadeia de valor. Pesquisador e Tutor do PET Políticas Públicas - MEC/CAPES. Atual-mente Superintendente da Secretaria Municipal de Recursos Humanos de Curitiba.

Christian Mendez Alcantara

Graduado em Odontologia e em Direito, Mestrado em Administração e Doutorado em Direito. Realizou Estágio de Doutoramento no Exterior (CAPES-Brasil) e Estância Pos-Doctoral na Universidad da Coruña (Fundación Carolina – Espanha). Professor dos Cursos de Agente Comunitário em Saúde, Gestão e Administração Pública da Universidade Federal do Paraná. Coordenador de Desenvolvimento de Pessoas (PROGEPE/UFPR).

Cléa Mara Reis Félix

Graduada em Psicologia, com Especialização em Docência Universitária e Educação com ênfase em Gestão e Ensino Superior. Mestrado em Administração de Recursos Humanos. Coordenadora e professora do Programa de Pós-graduação em cursos de especialização na FAE - Centro Universitário. Servidora municipal e Analista de Desenvolvimento Organizacional no Instituto Municipal de Administração Pública de Curitiba.

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CICLO DE DEBATES ESTADO, PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL240

Clovis Ultramari

Graduado em Arquitetura e Urbanismo (UFPR), Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento (UFPR). Atualmente é professor pesquisador do Programa de Pós-graduação em Gestão Urbana (PUC-PR), pesquisador licenciado do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) e professor colaborador do Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento (UFPR). Experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Teoria do Urbanismo nos seguintes temas: cidades aspectos ambientais, metropolitanização, políticas públicas, intervenções urbanas e gestão urbana.

Elton Barz

Graduado em História (UFPR), Mestre em Planejamento Regional (UFMG). Pesquisador da Casa da Memória da Fundação Cultural de Curitiba. Servidor público e Assessor na Fundação Cultural de Curitiba (FCC).

José Celso Cardoso Jr.

Economista pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), Mestre em Teoria Econômica e Doutorado em Economia Social e do Trabalho (IE/UNICAMP). Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Diretor de Planejamento, Monitoramento e Avaliação do PPA 2012-2015, na Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), Governo Federal.

José Henrique de Faria

Graduação em Ciências Econômicas (FAE-PR), Especialização em Política Científica e Tecno-lógica (IPEA/CNPq), Mestrado em Administração (PPGA/UFRGS), Doutorado em Administração (FEA/USP) e Pós-Doutorado em Labor Relations (Institute of Labor and Industrial Relations – ILIR / University of Michigan). Pesquisador e Líder do Grupo de Pesquisa Economia Política do Poder e Estudos Organizacionais (EPPEO-UFPR/CNPq). Pró-Reitor de Planejamento, Orçamento e Finanças (1990-1994) e Reitor da UFPR (1994-1998). Professor Titular no Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGADM-UFPR). Diretor Executivo do Instituto Ambiens de Pesquisa, Educação e Planejamento.

Juarez Varallo Pont

Graduado em Economia (PUC-PR), com Especialização em Gestão do Conhecimento e Gerenciamento Estratégico (FGV-SP), especialista em Economia do Trabalho e Sociologia Política (UFPR), Mestrado e Doutorado em Sociologia (UFPR). Servidor público federal aposentado do TRT 9ª Região/PR e atualmente Superintendente da Secretaria Municipal de Administração de Curitiba.

Lafaiete Santos Neves

Graduado em História e Economia. Mestrado em História (PUC-SP) e Doutorado em Desen-volvimento Econômico (UFPR). Servidor público Federal, Professor Aposentado (UFPR). Profes-sor do Curso de Especialização em Gestão de Políticas, Programas e Projetos Sociais (PUC/PR). Pesquisador do grupo Economia Política do Poder e Estudos Organizacionais (CNPQ). Líder do Grupo de Pesquisa Sustentabilidade e Desenvolvimento Local (PMOD/FAE/CNPQ). Membro da Diretoria do Centro de Estudos, Pesquisa e Apoio ao Trabalhador (CEPAT/UNISINOS). Coorde-nador do Grupo de Estudos Ruy Mauro Marini (GERMMARINI – UTFPR).

Liana Maria da Frota Carleial

Graduada em Ciências Econômicas, Mestrado em Economia (UFCE) e em Teoria Econômica (USP), realizou estágio de pós-doutorado (Université Paris XIII - Centre de Recherche en Économie Industrielle - CREI França). Professora titular (UFPR) e pesquisadora (CNPq). Integrante da diretoria eleita do Centro Internacional de Desenvolvimento Celso Furtado. Membro pleno do CIEO - Research Centre for Spacial and Organizacional Dynamics. Foi professora visitante na Faculté d´Économie et Géstion de l´ Université d Amiens – França. Foi Presidente do IPARDES (2003-2005), Diretora do IPEA (2007-2011), e professora do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Organizações e Desenvolvimento (FAE-PR). Atualmente Presidente do Instituto Municipal de Administração Pública.

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INSTITUTO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - IMAP 241

Moisés Francisco Farah Júnior

Graduado em Economia, Mestre pelo CEFET, Doutor em Engenharia de Produção pela UFSC. Professor do Programa de Mestrado Profissional em Planejamento e Governança Pública – UTFPR, Campus Cutitiba –PR. Autor do Livro “Pequena empresa e competitividade: desafios e oportunidades.” Curitiba: Juruá, 2004; Coautor do livro “Arranjos produtivos locais no Estado do Paraná: identificação, caracterização e construção de tipologia” Curitiba, IPARDES/SEPL, 2006; Coautor do livro “Capacitação tecnológica e competitividade: o desafio para a empresa brasileira” e Coautor do livro “ Coleção gestão empresarial Fae/Gazeta do Povo – economia empresarial “ volume 1 – coautor do artigo “ Economia Brasileira” – outubro de 2002.

Paulo Ricardo Opuszka

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Pesquisador do CNPQ, líder do grupo Cooperação Internacional e Relações Contratuais (UNICURITIBA) e membro do grupo de pesquisa Direito Cooperativo e Cidadania (UFPR). Professor do Programa de Pós-graduação Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba. Atualmente Superintendente Técnico do Instituto Municipal de Administração Pública do Município .

Rosana Aparecida Martinez Kanufre

Graduada em Serviço Social (PUC-PR), com Especialização em Treinamento e Recursos Humanos (Faculdade de Administração e Economia - FAE), Aperfeiçoamento em Formação Básica em Dinâmica dos Grupos pela Sociedade Brasileira de Dinâmica de Grupos, Mestrado em Gestão Urbana (PUC-PR), e doutoranda em Gestão Urbana (PUC-PR). Servidora pública municipal e atualmente Diretora da Escola de Administração Pública (EAP), Instituto Municipal de Administração Pública.

Sérgio Póvoa Pires

Graduado em Arquitetura e Urbanismo, com Especialização em Planejamento Urbano e Regional (Deutsche Stiftung für Internationale Entwicklung – Alemanha). É professor visitante da Euromed Management, de Marselha (França); da Audencia Ecóle de Management, de Nantes (França); e da Hanken School of Economics, de Helsinque (Finlândia). Especialista em Técnicas de Qualidade e Produtividade (Japan International Cooperation Agency – JICA, Japan Productivity Center - Japão). Servidor público municipal e Presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba.

Teresa Urban (In memorian)

Graduada em Jornalismo (UFPR) e Ativista Ambiental, escritora com publicações na área de Meio Ambiente. Coordenadora de implementação de projetos de gestão ambiental, entre eles, o de Auditoria Ambiental não governamental ao Programa de Saneamento Ambiental da Região Metropolitana de Curitiba, e apresentado como modelo de participação da sociedade no Habitat II - Istambul - 1996. Recebeu o 2º lugar do Prêmio Docol de Meio Ambiente em 2007 e o selo de leitura “Altamente Recomendável” da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil em 2009.

Vera Karam de Chueiri

Graduada em Direito (UFPR), Mestrado em Direito (UFSC), Mestrado em Filosofia e Doutorado em Filosofia (New School for Social Research). Atualmente é professora associada de Direito Constitucional nos programas de graduação e pós-graduação em Direito e em Políticas Públicas (UFPR), e vice-diretora da Faculdade de Direito (UFPR). Coordena o Núcleo de Constitu-cionalismo e Democracia (PPGD-UFPR) e membro das Comissões da Verdade do Paraná (UFPR e OAB/PR).

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