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  • ESPAO E FORMA NA EDUCAO INFANTIL: UMA ABORDAGEM METODOLGICA

    Maria Jos Medeiros Dantas de Melo [email protected]

    Resumo

    Este minicurso tem como objetivo propiciar discusses sobre situaes de ensino que explorem a geometria por meio de atividades corporais, jogos e brincadeiras com professores ou futuros professores de crianas da Educao Infantil. do conhecimento de todos ns educadores de matemtica que o ensino de geometria, principalmente nos anos iniciais, tem sido negligenciado nas aulas de matemtica. importante que nesta fase de escolarizao a criana comece a vivenciar atividades em que a geometria esteja presente por meio da explorao do espao, no somente pela percepo do espao em que ela est inserida, como tambm pela explorao do seu esquema corporal em situaes de jogos e brincadeiras. Ao vivenciar desde cedo atividades que contemplem o conhecimento geomtrico, a criana desenvolve relaes espaciais as quais so relevantes sua vivncia na escola e na sociedade de um modo geral. Por meio do jogo e da brincadeira ela amplia seus conhecimentos sobre espao e forma e desenvolve a linguagem matemtica em situaes de registros que podem ser por meio da oralidade, da escrita ou do desenho quando convidada a pensar sobre suas vivncias. Esses registros so importantes porque permitem ao professor discutir com as crianas a atividade desenvolvida, tanto no coletivo como individualmente, com o intuito de compreender o caminho por ela percorrido na construo de idias matemticas. Os registros tambm contribuem para a reflexo do professor sobre sua prtica, assim como ajuda buscar alternativas terico-metodolgicas que favoream uma melhor aprendizagem da geometria por parte das crianas.

    Palavras-chave: Ensino de geometria. Atividades corporais. Jogos. Brincadeiras.

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    Que conhecimento geomtrico deve ser trabalhado com crianas da Educao Infantil de modo que elas tenham oportunidade de desenvolver adequadamente noes de espao e forma?

    De um modo geral observa-se que o trabalho com a matemtica, em especial com a geometria, pouco tem sido explorado com as crianas na Educao Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Quando isso acontece, comumente o professor sugere apenas o reconhecimento das formas geomtricas: quadrado, retngulo, tringulo e crculo que consiste principalmente em atividades para a criana pintar essas formas e nome-las. Por outro lado, inegvel que os conhecimentos matemticos construdos pelas crianas nesta etapa de sua escolarizao so de grande relevncia para estudos posteriores e para a vida cotidiana.

    Quando a criana chega escola, j traz um conhecimento geomtrico construdo em situaes de brincadeiras, na interao com o outro e por meio da observao de objetos. Esses conhecimentos advindos de situaes por ela vivenciadas como jogar bola, brincar de amarelinha, pular corda, jogos de encaixe, dentre outros, pouco tem sido explorado na escola. Nesse sentido, fundamental que o professor reconhea e explore essas e outras situaes como forma de contribuir para a aprendizagem do conhecimento geomtrico das crianas.

    Nessa perspectiva, como ensinar geometria a criana sem perder de vista as suas vivncias? Que metodologia o professor deve priorizar nesse nvel de escolarizao? O educador tem o papel de propiciar aos seus alunos atividades de ensino que permitam expressar o que eles j sabem com a finalidade de orient-los na reorganizao desses saberes os quais so relevantes no processo de construo do conhecimento geomtrico sistematizado e na ampliao de novos conceitos.

    Explorar a geometria a partir de situaes simples do mundo da criana como, por exemplo, ao propor-lhe desafios, quebra-cabea, jogos, pinturas e brincadeiras, corrobora para a aprendizagem significativa visto que est em consonncia com situaes reais do seu cotidiano. Essas e outras atividades so importantes para o desenvolvimento da percepo espacial e de habilidades, assim como para a formao do pensamento geomtrico dedutivo das crianas.

    O ponto de partida do trabalho com a geometria deve ser a explorao do espao. A criana constri a sua geometria desde os primeiros meses de vida. Ao

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    engatinhar vai descobrindo as possibilidades e impossibilidades de deslocamentos. Atravs do jogo e da brincadeira, vivencia o espao dentro/fora, diante/atrs, antes/depois que so noes por ela experienciadas desde cedo.

    Smole et al (2003, p. 15) lembra que a infncia um perodo frtil para a criana desenvolver as noes de espao. Nessa fase de sua vida ela explora o mundo a sua volta e, aos poucos, cria formas de represent-lo por meio de imagens, de desenhos e pela linguagem. Esses registros so importantes porque permitem ao professor compreender o caminho que a criana percorre ao explorar o espao e o modo como expressa suas idias. Enquanto se move no espao e explora-o, a criana adquire noes intuitivas que so relevantes para a construo de sua competncia espacial que consiste na capacidade do indivduo de transformar objetos em seu meio e orientar-se em meio a um mundo de objetos no espao.

    Ao se pensar no estudo da geometria a partir da explorao do espao em que a criana vive e se locomove, convm lembrar que o desenvolvimento das noes de espao um processo e, como tal, necessita ser trabalhado ao longo de sua escolarizao. Na construo da noo de espao a criana percorre um longo caminho que comea na percepo de si mesma, prossegue com sua percepo no espao a sua volta para s depois representar esse espao. Nesse processo de construo da percepo espacial ela passa por trs importantes fases: a do vivido, a do percebido e a do concebido.

    Na primeira fase a criana constri as noes espaciais por meio dos seus sentidos (viso, tato,...) e de seus prprios deslocamentos (rodear, engatinhar, rastejar, andar,...), um espao fsico, ou seja, um espao vivido, prtico ou de ao, construdo com a presena e a manipulao de objetos, pelo desenvolvimento de atividades e brincadeiras que possibilitam explorar e organizar esse espao. No espao percebido a criana j se torna capaz de pensar sobre determinados objetos, mesmo que eles estejam ausentes. O espao concebido emerge quando ela consegue estabelecer relaes espaciais entre os objetos por meio de suas representaes.

    importante ressaltar que o espao perceptvel se constri mais rpido do que o concebido ou representativo, visto que as crianas discriminam formas geomtricas simples bem antes da reproduo grfica das mesmas. Desse modo, necessrio que as crianas vivenciem vrias experincias com o corpo, com objetos e imagens, possibilitando-as visualizar, comparar e desenhar formas que

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    favorecero o desenvolvimento do senso espacial. Atividades como dobrar papel, cortar, moldar, deformar, montar, entre outras, so de fundamental importncia nesse processo de construo da percepo espacial. Para Lorenzato (1995, p. 3), a criana comea a construir o senso espacial

    a partir do momento em que consegue exercer algum domnio das relaes dinmicas que se estabelecem entre as partes do seu prprio corpo e/ou entre seu corpo e os demais ao nvel do pensamento consciente. Nesse momento torna-se possvel a aprendizagem de noes espaciais posicionais como as de direo, sentido, atrs, perto, em cima de etc.

    A apreenso das noes espaciais posicionais aliadas a algumas noes lgicas elementares, essencial para a identificao, distino e representao de formas geomtricas. A ao da criana o ponto inicial para a construo da noo de espao e a ao mental a culminncia dessa construo. So as relaes que a criana comea a estabelecer que lhe permite construir a noo de espao.

    As interaes entre as crianas, a contribuio de pessoas adultas, os jogos e as brincadeiras favorecem a explorao do espao em trs perspectivas: a) as relaes espaciais contidas nos objetos que so percebidas por meio do contato e da manipulao de objetos; b) as relaes espaciais entre os objetos que diz respeito s noes de orientao relacionadas proximidade, interioridade e direcionalidade; c) as relaes espaciais entre os deslocamentos que podem ser desenvolvidas atravs da observao de pontos de referncias que as crianas estabelecem, como por exemplo, ao descrever o seu deslocamento de casa at a escola (BRASIL, 2002). Para organizar as informaes que as crianas percebem em suas vivncias com a explorao do espao, essencial que o professor proponha situaes em que elas possam observar, descrever e representar essas informaes que pode ser feita, a princpio, por meio do desenho.

    Smole et al (2003, p. 17) recomenda que uma proposta para o estudo da geometria na educao infantil contemple a organizao do esquema corporal (lateralidade, coordenao visuomotora) e a orientao e percepo espacial (orientar-se e mover-se no espao) por permitirem a ampliao do esquema corporal da criana. O desenvolvimento de noes geomtricas propriamente ditas que

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    responsvel por apresentar objetos espaciais construdos ou representados e perceber neles propriedades simples, como as de igualdade e diferena, tamanho e caractersticas de forma outro aspecto que necessita ser contemplado nessa etapa da escolarizao das crianas. A juno desses trs elementos favorece o desenvolvimento de habilidades que formam a percepo espacial. Essas habilidades, na viso de Lorenzato (2006) e Smole et al (2003) so:

    a) Discriminao visual: consiste em perceber as semelhanas e/ou diferenas entre os objetos. A classificao de formas, por exemplo, requer essa habilidade.

    b) Memria visual: permite a criana lembrar de um determinado objeto que no est mais sob seu campo de viso, descrevendo suas caractersticas. Um exemplo de atividade que explore essa habilidade o professor sugerir que o aluno descreva para seus colegas o que ele v no caminho de casa at a escola.

    c) Coordenao visual-motora: possibilita olhar e agir ao mesmo tempo, ou seja, coordenar a viso com o movimento do prprio corpo como, por exemplo, conduzir o mouse na tela do computador, brincar de amarelinha, pular corda, etc.

    d) Decomposio de campo ou percepo de figuras planas: consiste em isolar o campo visual em subpartes, ou seja, focalizar uma parte (ou uma figura especfica) no todo, assim como de compor o todo a partir de suas partes. Por exemplo, a criana perceber um retngulo como parte de um objeto como uma caixa, uma janela; montar um painel a partir de suas partes, etc.

    e) Constncia perceptiva ou constncia de forma e de tamanho: capacidade de perceber propriedades invariantes de um objeto, ou seja, a criana reconhecer que a forma e o tamanho de objetos no se modificam apesar das posies dos objetos parecerem modificados. Essa habilidade se faz presente, por exemplo, quando a criana encaixa objetos ou figuras.

    f) Percepo das relaes espaciais: possibilita ver dois ou mais objetos em relao a si prprios, em relao entre eles e em relao ao observador. Permite a criana orientar-se no espao prximo por meio das caractersticas de distncia e tamanho (prximo, distante, maior, menor, acima, abaixo) entre os objetos que se encontram nesse espao.

    g) Equivalncia por movimento: capacidade de identificar que duas figuras so equivalentes, desde que uma delas seja movimentada em sentido de translao (abrir uma gaveta, um estojo...), de rotao (ventilador, pio...), ou de

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    reflexo (imagem de um objeto no espelho). Quando a criana reconhece a equivalncia entre duas figuras, ela consegue visualizar que elas so iguais apesar de ocuparem posies diferentes.

    Na viso dos autores, essas habilidades so tambm essenciais para o desenvolvimento de outras habilidades como: ler, escrever, no estudo da aritmtica, na leitura de mapas, na construo da linguagem espacial (direita, esquerda, em frente, acima, abaixo, ao lado, entre,...) e da linguagem geomtrica (nomes de formas e de termos geomtricos), dentre outras. Somente a partir da experimentao e da reflexo sobre suas vivncias, que a criana constri relaes no espao o que lhe permite fazer localizaes cada vez mais complexas e precisas.

    Para o estudo das figuras e formas, Smole et al (2003, p. 21) prope que a criana saiba reconhecer e nomear figuras planas como tringulo, quadrado, retngulo, losango, paralelogramo, hexgono e crculo, assim como identificar semelhanas e diferenas entre elas quanto ao tamanho dos lados e ao nmero de vrtices ou pontas. Em relao aos slidos geomtricos, as autoras sugerem que a criana identifique faces e vrtices e reconhea (pelo nome) o cubo, a pirmide, o bloco retangular, o cilindro e a esfera. Tambm recomendam que o estudo das figuras planas e no-planas acontea concomitante, uma vez que os conceitos geomtricos desenvolvem-se em uma rede de relaes.

    Atividades com o uso de blocos lgicos, dobraduras, tangram, quebra-cabeas, geoplano, livros de literatura infantil, recortes, colagens, material de sucata e outros recursos, so alguns caminhos que o professor pode perseguir para a criana desenvolver habilidades, a percepo espacial e o entendimento de figuras planas e no-planas. No entanto, preciso considerar o nvel de desenvolvimento cognitivo de seus alunos.

    Este minicurso tem como finalidade proporcionar aos professores ou futuros professores da Educao Infantil uma discusso sobre situaes de ensino que explorem o conhecimento geomtrico por meio de atividades corporais, jogos e brincadeiras. Tomamos como referencial terico-metodolgico os estudos de Lorenzato (2006), Smole et al (2003), Sans e Domingues (2000) e as orientaes propostas pelo Referencial Curricular Nacional para a Educao Infantil (2002).

    Nossa inteno propiciar uma aproximao entre os conhecimentos tericos e prticos por meio da aplicao e da reflexo sobre atividades direcionadas

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    para crianas de 3 a 6 anos. Com base nos trs grandes eixos de objetivos sugeridos por Smole et al (2003): do esquema corporal das crianas; da noo de espao; e das noes geomtricas relativas a formas, selecionamos algumas atividades propostas pelas autoras para que os participantes vivenciem e explorem os conhecimentos geomtricos nelas presentes.

    No podemos esquecer que os conceitos geomtricos quando bem trabalhados com a criana possibilita que ela compreenda, descreva e represente de maneira organizada o espao em que vive. Quando essas idias no so bem internalizadas na infncia, esse indivduo poder, na fase adulta, apresentar dificuldades em relao percepo espacial. Entendemos que para o professor desenvolver um bom trabalho em sala de aula preciso que ele tenha uma formao de qualidade alicerada na construo e reconstruo do conhecimento tanto no campo terico como no prtico.

    Por fim, esperamos que este minicurso possa contribuir com o trabalho pedaggico de profissionais que atuam na Educao Infantil e fomente discusses sobre o estudo da geometria de modo que seja desafiador e interessante para todos os atores envolvidos com os processos de ensinar e de aprender matemtica.

    Referncias

    BRASIL. Ministrio da Educao. Secretaria de Educao Fundamental. Referencial curricular nacional para a educao infantil. Braslia: MEC/SEF, 2002. (v.3).

    LORENZATO, Srgio. Educao infantil e percepo matemtica. S. Paulo: Autores Associados, 2006. p. 41-47.

    ______. Por que no ensinar Geometria. A Educao Matemtica em Revista: Geometria. SBEM, Blumenau: SC, FURB, Ano III, n.4, p. 3-13, 1 sem. 1995.

    SANS, Maria Jos Breda; DOMINGUES, Renata Helena. Jogos matemticos: atravs do ldico, a criana resolve situaes-problema. Revista do Professor, Porto Alegre, ano XVI, n. 61, p. 5-9, jan./mar. 2000.

    SMOLE, Ktia Stocco, DINIZ, Maria Inez e CNDIDO, Patrcia. Coleo Matemtica de 0 a 6: figuras e formas. Porto Alegre: Artes Mdicas Sul, 2003. (v.3).