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    TECNOLOGIA, ESPAO E ECONOMIA EM PASES SUBDESENVOLVIDOS:explorando relaes a partir do estruturalismo latino-americano

    RESUMO

    A organizao do espao em pases perifricos como o Brasil, que endossa a dinmica do modode produo capitalista e do aparato tecnolgico subjacente, traz no seu bojo os impactos daestrutura scio-econmica desequilibrada. O processo de modernizao desequilibrado emarginalizador se fizeram sentir no mbito espacial, com a gerao de uma estruturao urbanahbrida, heterognea, marcada pela coexistncia e mesmo contigidade de reas densastecnologicamente ao lado de reas onde a presena do meio tcnico-cientfico-informacionalsed de forma mais rarefeita. Assim, as configuraes espaciaisdos pases subdesenvolvidos, emsuas vrias escalas, refletem a problemtica advinda da base scio-econmica, encampando emsuas estruturas uma dinmica ambivalente de modernizao-marginalizao. O texto que ora seapresenta tem por objetivos demonstrar sucintamente algumas dificuldades e lacunas do

    tratamento dado pelo mainstream problemtica econmico-espacial em geral e explorar umaagenda possvel para o tratamento das implicaes espaciais da tecnologia, primordialmente notocante realidade terceiro-mundista. Prope-se a considerao das especificidades da estruturascio-econmica em pases perifricos como fatores que exercem papel crucial na dinmicatecnolgica e na produo social do espao, donde deriva sua importncia na elaborao de umateoria que se proponha a analisar tal realidade ou propor polticas para tais contextos espaciais.Para tanto, sugere-se um ponto de partida na concepo epistemolgica da escola estruturalistalatino-americana, que aduz uma compreenso proficiente do binmio economia-espao,contemplando o papel mediador que a tecnologia (ou os sistemas tcnicos) exerce(m) sobre adinmica do capital no espao, os reflexos espaciais das mudanas tcnicas atinentes aoprocesso de trabalho capitalista, alm de reconhecer a estrutura scio-econmica enquanto umconstrangimento ao desenvolvimento em pases perifricos, estrutura essa que se expressa deforma patente na configurao espacial desses pases.

    Palavras-chave: Tecnologia e espao, estruturalismo latino-americano, pases sub-desenvolvidos.

    Sub-reas temticas: 13-Economia, Espao e Urbanizao17-Economia da Tecnologia

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    TECNOLOGIA, ESPAO E ECONOMIA EM PASES SUBDESENVOLVIDOS:explorando relaes a partir do estruturalismo latino-americano

    O que chamamos de tecnologia no outra coisa seno o

    conjunto de transformaes no sistema produtivo e nas

    relaes sociais que tm na acumulao o seu vetor.

    Desenvolvimento , portanto, um processo de recriao das

    relaes sociais que se apia na acumulao.

    O desenvolvimento ao mesmo tempo um problema de

    acumulao e progresso tcnico, e um problema de expresso

    dos valores de uma coletividade.

    Celso Furtado

    INTRODUO

    Desde os primrdios da histria do pensamento econmico, a tecnologia sempre

    exerceu um papel de relevo nas formulaes tericas, mormente aquelas atinentes

    dinmica capitalista. A diviso do trabalho em Smith, a evoluo das foras produtivas

    em Marx ou a destruio criadora em Schumpeter so apenas alguns exemplos

    insuspeitos da importncia da base tcnica e seu permanente desenvolvimento para arenovao do flego capitalista. Os mesmos pensadores supracitados, alm de alguns

    outros eminentes tericos do desenvolvimento como Kaldor e Myrdal, apontaram a

    existncia de um processo de retroalimentao positiva entre o progresso tcnico e o

    crescimento econmico, sendo a base tecnolgica um fator de crucial importncia na

    explicao do diferencial de riqueza entre regies e pases.

    No obstante, os reflexos espaciais da evoluo tecnolgica foram negligenciados

    de forma contumaz na teoria econmica, mormente pelo mainstream, mas tambm pelas

    correntes de pensamento mais heterodoxas. Mesmo com a revigorao dos estudos

    espaciais pela cincia econmica, assistida principalmente nas duas ltimas dcadas, o

    papel da tecnologia nos processos espaciais tem ocupado statussecundrio.

    Pela via mainstream1, os autores dedicados economia regional e urbana tm o

    formalismo como um fim preeminente, donde decorre que conferem um tratamento

    superficial e pouco realista questo tecnolgica, por meio de metforas

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    Referimo-nos aqui diretamente corrente denominada Nova Geografia Econmica, perspectiva terico-metodolgica que vem se consolidando como hegemnica para o tratamento das questes espaciais emEconomia.

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    consubstanciadas em funes tcnicas de produo e estruturas modelsticas que adotam

    hipteses sobre homogeneidade tecnolgica e espacial. Em ltima instncia, o

    economicismo alinhado s premissas comportamentais de racionalidade e otimizao

    sobrepuja qualquer outro balizamento terico de carter espacial nesse tipo de anlise.

    Alternativamente, autores alinhados a uma perspectiva mais heterodoxa2buscam

    incorporar em suas anlises e teorizaes outros elementos no econmicos, sectrios

    da importncia de fatores concernentes a arranjos institucionais, estruturas scio-

    econmicas e especificidades locais como explanadores da dinmica tecnolgica e

    espacial. No raro, tais autores permanecem no ostracismo.

    O sculo XX pautou-se pela intensificao da dominncia dos nexos econmicos

    sobre a dinmica espacial. A mediao desse processo se deu (e se d) via tecnologia,

    cujo desenvolvimento e disseminao guarda relao indissocivel com o modo de

    produo e o processo de trabalho3. importante considerar, todavia, que nos pases

    subdesenvolvidos em geral, e no Brasil em particular, a modernizao tecnolgica que

    se intensificou e se espraiou a reboque do advento da industrializao acompanhou-se

    de um processo de marginalizao pelo qual o acesso s benesses da tecnologia foi

    vedado a uma parcela importante da populao. Dessa forma, em espaos perifricos do

    sistema capitalista, as contradies prprias desse sistema so sentidas de forma muito

    evidente e acentuada, em razo da perpetuao de uma estrutura scio-econmica

    dspar, espelhada de forma pungente na configurao espacial4 dos pases

    subdesenvolvidos.

    A organizao do espao em pases perifricos como o Brasil, que endossa a

    dinmica do modo de produo capitalista e do aparato tecnolgico subjacente, traz no

    seu bojo os impactos da estrutura scio-econmica desequilibrada. O carter tardio da

    industrializao brasileira gerou um processo de modernizao da atividade econmica

    que significou a incorporao macia de capital fixo, sem oferecer uma soluo necessidade de ocupao da fora de trabalho. Sob a perspectiva espacial, a

    industrializao brasileira impingiu uma produo agrcola mais intensiva em capital,

    2Referimo-nos aqui principalmente aos expoentes do pensamento histrico-estruturalista e aos gegrafosneo-marxistas alinhados ao estruturalismo, no sem reconhecer a importncia de outros.3Cumpre salientar que, em se tratando do modo de produo capitalista, o processo de trabalho traz noseu bojo o processo de valorizao, com o qual estabelece relao indissocivel.4 O conceito de configurao espacial ora utilizado alinha-se perspectiva aduzida por CORAGGIO(1979), que procura esquivar-se de um vcio espacialista, concebendo as configuraes espaciais como

    uma manifestao de processos sociais. As configuraes espaciais materiais so parcialmente umamanifestao parcial das estruturas sociais. Contudo, o espao material organizado socialmente no sum produto mas, ao mesmo tempo, condio para os processos sociais (CORAGGIO, 1979, p.8).

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    acarretando a desagregao e o xodo de populaes de trabalhadores rurais em direo

    s cidades. Estas, por seu turno, permeadas pelo meio tcnico-cientfico5, embebidas

    pela base tcnica prpria do capitalismo urbano-industrial, no apresentavam oferta de

    trabalho capaz de acomodar o contingente de mo de obra migrante oriunda do campo.

    Nesse momento, as grandes cidades se tornaram ainda maiores, turgidamente habitadas

    por um grande nmero de pessoas marginalizadas dos processos econmicos e no

    beneficirias, portanto, do advento do meio tcnico-cientfico. As conseqncias desse

    processo de modernizao desequilibrado e marginalizador se fazem sentir no mbito

    espacial, com a gerao de uma estruturao urbana hbrida, que congrega parcelas

    intensivas em tcnica a outras parcelas com estruturao urbana precria e sem

    qualidade (SANTOS, 1982, 1993; CANCLINI, 1998).

    Dessa forma, as configuraes espaciais dos pases subdesenvolvidos, em suas

    vrias escalas, refletem a problemtica advinda da base scio-econmica, encampando

    em suas estruturas uma dinmica ambivalente de modernizao-marginalizao

    (FURTADO,1978,1983,1997; ALBUQUERQUE, 2005). Geram-se assim realidades

    espaciais heterogneas, marcadas pela coexistncia e mesmo contigidade ou

    justaposio de reas densas tecnologicamente ao lado de reas onde a presena do

    meio tcnico-cientfico-informacional se d de forma mais rarefeita. Sob um prisma

    mais abrangente, MONTE-MR (2004), valendo-se de seu conceito de urbanizao

    extensiva (extended urbanization), afirma:

    In countries like Brazil, where significant portions of the population have

    historically been excluded from the (western) project of modernity, the

    extension of capitalist urban-industrial relationsexpressed within extended

    urbanizationto new and old regions and territories implies the production of

    diverse space-time-society combinations that represent not only local

    manifestations of hegemonic central (or first-world) urban-industrial processes

    and forms but also, and more particularly, local recreations of traditional

    practices informed by immediate needs deriving from those multi-temporalheterogeneities as they meld into the socially produced space. ()The resultis multiple society-space-time experiences and innovations locally manifested

    in specific spatialities and, given the plurality of both distant and immediate

    forces at play, the resulting social space expresses multi-conditioned (cultural)

    constructions(MONTE-MR, 2004, p.14)

    5O conceito de meio tcnico-cientfico, recorrente na obra de Milton Santos, concerne base tcnica e aocontedo informacional superpostos ao meio geogrfico. muitas vezes associado infra-estrutura de

    transportes e comunicaes, aceleradora dos processos de circulao material e, portanto, da dinmica docapital no espao. Tal conceito ser abordado com maior clareza ulteriormente. Para detalhes, verSANTOS (1979, 1993, 1997).

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    Partindo dessa viso acerca das configuraes scio-espaciais nos pases

    perifricos, o presente artigo tem por objetivos demonstrar sucintamente algumas

    dificuldades e lacunas do tratamento dado pelo mainstream problemtica econmico-

    espacial em geral e indicar uma nova agenda possvel para o tratamento das implicaes

    espaciais da tecnologia, primordialmente no tocante realidade terceiro-mundista. Para

    tanto, entende-se que mister tratar a problemtica tecnolgica sob um prisma no

    muito convencional nos estudos caros Economia, retomando a obra de alguns autores

    importantes alinhados ao pensamento estruturalista latino-americano, sugerindo uma

    concepo mais holstica dos processos econmicos.

    Com efeito, a produo do espao social em geral, que abarca os espaos

    econmicos particulares mbito no qual as sociedades procedem sua reproduo

    material , se d com um contedo crescente de tcnica e envolve uma base

    informacional que propicia importantes conseqncias sobre a forma de organizao e

    integrao dos espaos regionais. Cumpre aqui considerar a tecnologia em sua dimenso

    espacial, avaliando a influncia da modernizao tecnolgica sobre a produo social do

    espao em pases perifricos, em especial no Brasil. Procurar-se- conferir tecnologia

    um sentido mais geral, atinente ao seu papel sobre a conformao dos processos

    econmico-espaciais e das espacialidades decorrentes destes. O presente texto se

    prope, portanto, a tratar o elemento tecnologia enquanto constituinte da base tecno-

    espacial sobre a qual se assentam os processos econmicos, isto , os meios de

    produo, meios de circulao material e os meios de consumo coletivo, constituintes

    gerais do meio tcnico-cientfico6. Refuta-se, por conseguinte, a perspectiva identificada

    com a ortodoxia econmica, cujo tratamento da tecnologia se d sob a forma de

    abstraes concernentes a funes agregadas de produo que supostamente

    descreveriam de forma simplificada e eficaz os processos econmicos.

    Este texto se divide em trs sees, alm deste intrito no muito breve.Inicialmente, procurar-se- demonstrar, ainda que de forma exploratria, que o

    arcabouo terico que trata das questes espaciais no mbito do mainstream, assentado

    na chamada Nova Geografia Econmica, no capaz de levar a efeito uma anlise

    robusta da dinmica espacial em geral, tampouco da dinmica particular prpria de

    6Alguns gegrafos neo-marxistas descrevem a gnese dos centros urbanos como a aglomerao espacialdos meios de produo, meios de consumo coletivo e meios de circulao material, que em conjunto

    constituem as Condies Gerais de Produo, elementos facilitadores da dinmica do capital no espao.Ver LOJKINE (1981). SANTOS (1979, 1993) se refere a essa base tecno-espacial conceituando-a comomeio tcnico-cientfico.

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    pases subdesenvolvidos, consubstanciando apontamentos para uma crtica tanto interna

    quanto externa. Na seo seguinte, prope-se a considerao das especificidades da

    estrutura scio-econmica em pases perifricos como fatores que exercem papel crucial

    na dinmica tecnolgica e na produo social do espao, donde deriva sua importncia

    na elaborao de uma teoria que se proponha a analisar tal realidade ou propor polticas

    para tais contextos espaciais. Para tanto, sugere-se como um ponto de partida a

    concepo epistemolgica da escola histrico-estruturalista latino-americana.

    Finalmente, a ltima seo traz algumas consideraes guisa de concluso.

    A TECNOLOGIA, O ESPAO E O MAINSTREAM: como a forma derribou o

    contedoA histria do pensamento econmico revela-nos alguns argutos autores voltados

    teorizao da dinmica espacial7. Alfred Marshall, por exemplo, pioneiramente exps

    de forma precpua em seus escritos algumas razes pelas quais os agentes econmicos

    derivam ganhos da prtica produtiva em contextos geogrficos definidos, isto , em

    alguns pontos especficos do espao. MARSHALL (1890) argumenta que os agentes

    econmicos incorrem em economias de escala em virtude das externalidades

    pecunirias e spillovers tecnolgicos advindos da aglomerao espacial. As firmaspodem usufruir as vantagens oriundas do estabelecimento dos encadeamentos

    produtivos montante e jusante, alm de ter disposio um mercado de trabalho

    especializado, capaz de incutir e disseminar conhecimento de cunho tcito. Divisa-se,

    assim, uma primeira aproximao entre os elementos tecnolgicos e espaciais, que se

    imbricam no sentido de otimizar os processos econmicos. O mbito espacial meio

    geogrfico em que se realiza a reproduo material de uma dada sociedade traz no seu

    bojo a base tcnica concernente ao modo de produo e do processo de trabalho alilevados a efeito.

    Contemporaneamente, trabalhos como os de JAFFE (1989), JAFFE et al (1993)

    ou o de AUDRETSCH & FELDMAN (1996) endossam em grande medida os

    argumentos marshallianos e atribuem aos spilloverstecnolgicos ou de conhecimento o

    papel preponderante na determinao da concentrao geogrfica das atividades

    7N A Riqueza das Naesde Adam Smith, obra que marca a fundao da Economia enquanto disciplina

    autnoma, j se encontram os primeiros argumentos concernentes importncia dos fatores locacionaisou geogrficos para o desempenho econmico. Ver SMITH [1776] (1996). Tais argumentos encontram-se, por exemplo, no captulo 3 do Livro I.

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    produtivas e inovativas, sugerindo um padro setorial para tal concentrao, consoante a

    prevalncia de um determinado tipo de indstria e conforme a maior ou menor

    importncia relativa dos spilloverstecnolgicos nesse ramo industrial em questo. Tais

    trabalhos argumentam, a partir de seus exerccios empricos, que aqueles ramos

    industriais em que as externalidades de conhecimento exercem papel crucial apresentam

    maior concentrao espacial da atividade inovativa, com reflexos sobre a disposio

    espacial da atividade produtiva como um todo. Esses autores desenvolvem, portanto,

    estudos que estabelecem de forma direta uma relao de causalidade entre os spillovers

    tecnolgicos e a configurao espacial da atividade econmica. Nesse sentido,

    AUDRETSCH & FELDMAN (1996)

    suggests that innovative activity will tend to cluster in industries where new

    economic knowledge plays an especially important role. () industries in

    which new economic knowledge plays a more important role also tends to

    exhibit a greater degree of geographic concentration of production(AUDRETSCH & FELDMAN, 1996, p.635-636)

    Avanando nos argumentos clssicos das teorias da localizao, devemos

    considerar que os produtores buscam se instalar em locais que propiciem acesso a

    grandes mercados e a fornecedores de outros insumos e produtos necessrios, de forma

    que a concentrao espacial da atividade econmica permite maiores diversidadeprodutiva e escala urbana, gerando as chamadas economiasjacobianasde urbanizao,

    das quais atividades como os servios produtivos modernos e indstrias mais intensivas

    em tecnologia so particularmente beneficirias.

    Com efeito, a concentrao de firmas oferece potencialmente um grande mercado

    (em virtude da concentrao de demanda de produtores e trabalhadores), alm de um

    adequado aparato de fornecimento, em funo da presena dos vrios produtores,

    atinentes aos vrios estgios da cadeia produtiva. Consolidam-se assim as conexes montante e jusante das cadeias produtivas, que tendem a alavancar o crescimento

    econmico do ncleo regional e perpetuar a concentrao espacial da atividade

    econmica, configurando um processo de causao circular acumulativa, tal como

    definido por MYRDAL (1957).

    As formulaes expostas acima guardam em si uma forte argumentao terica

    acerca da dinmica do capital no espao, que tem como explicao primaz para o

    padro econmico-espacial a relao indissocivel entre os elementos tcnicos que

    permeiam a tessitura urbana e as vantagens pecunirias da concentrao produtiva.

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    Entretanto, alguns dos argumentos tericos mencionados acima, alm de outros

    argumentos clssicos da cincia regional8, revelaram-se por longo tempo incompatveis

    com o formalismo prprio das construes tericas da economia mainstream. No se

    conseguia tratar os elementos tericos genuinamente marshallianos a partir do

    instrumental modelstico e do ferramental matemtico que constitui a linguagem

    corrente da ortodoxia econmica. Essa uma importante razo pela qual, por um longo

    tempo, o chamado ncleo duro da cincia econmica negligenciou as questes

    espaciais em suas abordagens.

    Contudo, nas duas ltimas dcadas, o tratamento da problemtica locacional tem

    voltado agenda de pesquisa da economia mainstream. A renovada disposio dos

    economistas mainstream em trabalhar a geografia econmica advm justamente da

    possibilidade de manuseio de um instrumental analtico (matemtico) que torna tratvel

    algumas nuances da temtica espacial, consoante aos pilares tericos do pensamento

    econmico fundado nas premissas de racionalidade, otimizao e equilbrio geral.

    O instrumental analtico acima mencionado pauta-se por artifcios de modelagem

    nos campos da organizao industrial e do crescimento econmico, capazes de

    incorporar e articular retornos crescentes (e portanto concorrncia imperfeita) e custos

    de transporte, resguardadas algumas assunes acerca da mobilidade dos fatores

    produtivos9. Conforme afirmam FUJITA et alli(2002) na obra que se tornou referncia,

    no mbito do mainstream, para o estudo dessas questes:

    o problema bsico em desenvolver um trabalho terico sobre geografiaeconmica sempre foi que qualquer histria sensata sobre o desenvolvimentoregional e urbano depende, crucialmente, do papel dos retornos crescentes.(...) a drstica irregularidade espacial da economia real as disparidadesentre regies industriais densamente populosas e regies agrcolas com umapopulao escassa, entre cidades congestionadas e reas rurais despovoadas;a concentrao espetacular de determinadas indstrias em Vales do Silcio e

    Hollywoods certamente no o resultado das diferenas inerentes entrelocais, mas de um conjunto de processos cumulativos, necessariamenteenvolvendo algum tipo de retorno crescente, por meio do qual a concentraogeogrfica pode se auto-reforar. (FUJITA et alli, 2002, p.16)

    8 Dentre esses argumentos j cristalizados na teoria regional, citam-se a preeminncia dos fatoresaglomerativos em LOSCH (1954) e a dinmica desaglomerativa derivada da renda fundiria, tal comodesenvolvido por VON THNEN (1826). foroso mencionar ainda as elaboraes da vertentedenominadaRegional Science, que tem em Walter Isard um conspcuo representante. Ver ISARD (1956).9

    O modelo espacializado de concorrncia monopolista la Dixit-Stiglitz, sistematizado em FUJITA etalli(2002), sugere uma menor mobilidade do fator trabalho face ao capital, tendo tal assuno um papelcrucial na funcionalidade do modelo.

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    Destarte, a estrutura terica do modelo centro-periferia esposado em FUJITA et

    alli(2002) guarda forte dependncia em relao ao conhecido modelo Dixit-Stiglitz10de

    concorrncia monopolista. Todavia, mister considerar que esse modelo, no obstante

    incorpore os retornos crescentes e flexibilize a estrutura de mercado, apresenta algumas

    hipteses fortes, conforme admitem os prprios autores de The Spatial Economy:

    O modelo no somente supe que muitos itens, apesar de constituremprodutos distintos aos olhos do consumidor, se encaixam de formaperfeitamente simtrica na demanda; ele tambm supe que a funoutilitria individual assume uma forma particular e bem improvvel (...)Estamos conscientes de que isto empresta anlise um certo ar deirrealidade (FUJITA et alli, 2002, p.21)

    No obstante, os autores elegem a questo dos retornos crescentes, seus efeitossobre a estrutura de mercado e suas supostas implicaes espaciais como pontos

    fundamentais e findam por considerar que o modelo Dixit-Stiglitz o que melhor se

    presta ao tratamento da temtica econmico-espacial. Alm disso, os artifcios de

    modelagem embutidos no Dixit-Stiglitz se alinham a uma anlise de equilbrio geral,

    configurando um forte elemento que compeliu os paladinos da NGE a adotar o modelo,

    em virtude da filiao metodolgica desses autores.

    Evidente que uma anlise amparada nessa estrutura terico-metodolgica revela-setil para o entendimento da dinmica espacial sob alguns aspectos e permite perscrutar

    insightsimportantes acerca da organizao espacial da atividade econmica. Contudo,

    como ser defendido ao longo deste texto, o entendimento da realidade econmico-

    espacial deve contemplar uma srie de outros fatores, alguns estruturais e outros

    dinmicos, de forma a permitir uma concepo mais adequada dos fenmenos

    concernentes produo social do espao em contextos especficos, mormente em

    pases subdesenvolvidos.

    Retomando o argumento, os ncleos concentradores se formam em virtude de

    economias de aglomerao e a prpria concentrao econmico-espacial tende a se

    realimentar, configurando o processo de causao circular acumulativa, nos moldes

    definidos por Gunnar Myrdal.

    A literatura sobre economia espacial reconhece, outrossim, que as questes acerca

    da dinmica locacional devem ser respondidas a partir da anlise do embate entre foras

    10 DIXIT, A. e STIGLITZ, J. (1977) Monopolistic Competition and Optimum Product Diversity.American Economic Review 67 (3):297-308.

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    centrpetas e foras centrfugas. Estas promovem a disperso espacial, ao passo que

    aquelas impingem a concentrao. Assim, todo processo de concentrao da atividade

    econmica traz em si embutida uma dinmica desaglomerativa.

    Como mencionado anteriormente, j h algum tempo a literatura econmica

    apresenta as chamadas externalidades marshallianas como elemento que elucida a

    natureza das concentraes espaciais. No entanto, o arcabouo conceitual de Marshall

    no havia sido modelado, em virtude de dificuldades terico-metodolgicas

    concernentes possibilidade de tratar modelisticamente os retornos crescentes e a

    estrutura de mercado consoante concorrncia imperfeita, incorporando a varivel

    espao. Os paladinos da Nova Geografia Econmica (NGE), cujos argumentos esto

    cristalizados em Fujita et alli (2002), se propuseram a proceder modelagem das

    proposies marshallianas.

    No mbito da teorizao da NGE, a aglomerao seria decorrncia direta do

    comportamento racional das firmas, sobre o qual as externalidades exercem papel

    crucial. Argumenta-se que as firmas se aglomeram em razo dos benefcios oriundos da

    concentrao da oferta de trabalho e da demanda por insumos non-tradables.

    Paralelamente, auferem benefcios dos transbordamentos de informao e tecnologia.

    Aparentemente, o argumento mainstream revela aqui uma preocupao com o fator

    tecnolgico como influenciador da constituio econmico-espacial. Todavia, conforme

    apontado por DYMSKI (1996), desvela-se uma incongruncia nesses argumentos, pelo

    fato de que eles no se refletem efetivamente no modelo terico da economia

    geogrfica11.

    Trabalhos de relevo como o de STORPER et al (2005)12se propem a estudar a

    matriz geradora dos transbordamentos tecnolgicos, considerados por eles como

    elemento importante, mas ausente, nas teorias da aglomerao e do crescimento urbano.

    Esses autores propugnam que a proximidade espacial afeta positivamente a dinmica

    tecnolgica e o crescimento econmico, por exemplo, ao ampliar os fluxos de

    informao de que os inovadores se utilizam para se comportarem como tal

    11Alguns autores crticos das elaboraes tericas da Nova Geografia Econmica tratam esta correntecomo economia geogrfica, revelando a preeminncia do economicismo formalista nas suasconstrues tericas. Ver MARTIN et al (1996) e SUNLEY (2002). Os eptetos Nova Geografiaeconmica e economia geogrfica sero usados de forma indistinta neste texto para se referir mesmacorrente de pensamento.12

    O argumento central defendido por STORPER et al (2005) o de que a explicao da foraaglomerativa dos ncleos urbanos reside nos efeitos potencializadores do contato face a face, ao qual osautores se referem como o burburinho das cidades.

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    (STORPER et al, 2005, pp.28). Reconhece-se assim a importncia dos

    transbordamentos tecnolgicos como determinantes para a dinmica econmico-

    espacial, no sem admitir a dificuldade existente em conceber tal argumento consoante

    ao paradigma metodolgico que preza o formalismo:

    Esta uma rea terica de mensurao espinhosa e difcil, mas uma reaque contm as mais promissoras explicaes das razes pelas quais aaglomerao continua sendo fora to poderosa, at mesmo numa era que secaracteriza por acentuadas quedas dos custos de transportes e decomunicaes. (STORPER et al, 2005, pp.28)

    A NGE, por seu turno, negligencia a questo da tecnologia, tendo em vista a

    inviabilidade de seu tratamento formal. Os autores se desvencilham de um fator

    importante da dinmica locacional para adaptar seu prprio argumento s convenincias

    da modelagem. Destarte, a NGE explica a aglomerao produtiva to somente pelas

    externalidades pecunirias. O fator tecnologia aparece em seus modelos apenas

    enquanto metforas consubstanciadas em funes tcnicas de produo. Os resultados

    espaciais dos modelos decorrem de hipteses simplificadoras que supem

    homogeneidade tecnolgica, alm de excluir da formulao a influncia das

    externalidades tecnolgicas, fator importante na determinao dos retornos crescentes

    na estrutura industrial.

    Prosseguindo numa senda crtica, mister considerar que a espacializao do

    modelo Dixit-Stiglitz d origem a alguns resultados de robustez terica e relevncia

    emprica bastantes questionveis. Por exemplo, decorre da estrutura do modelo

    assentado nas premissas de racionalidade e equilbrio quanto ao comportamento das

    firmas que nenhuma empresa produzir uma mesma variedade de bem fornecida por

    outra empresa. Isto porque, supostamente, em virtude dos retornos crescentes, da

    preferncia do consumidor por variedade e do nmero potencialmente ilimitado de tipos

    de bens, deve-se racionalmente produzir uma variedade ainda no ofertada no mercado.

    Como corolrio, tem-se que cada tipo de bem ser produzido em somente um local, por

    uma nica empresa e, obviamente, o nmero de empresas industriais13ser equivalente

    ao nmero de variedades disponveis.

    13 Cumpre considerar que o modelo assume ainda como hiptese simplificadora a existncia de uma

    economia bipartite, composta por apenas dois setores, quais sejam, a agricultura (onde a estrutura demercado vigente a competio perfeita sob tecnologia de retornos constantes) e a indstria (ramo emque h retornos crescentes).

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    Alm disso, emerge dos resultados do modelo a ausncia de influncia do tamanho

    do mercado sobre o mark-updo preo ou sequer sobre a escala de produo. De acordo

    com o modelo, todos os efeitos de escala (aumento da dimenso do mercado)

    produziriam mudanas to somente na variedade de produtos disponveis, configurando

    um resultado eminentemente contra-intuitivo. No seria preciso ir alm do senso

    comum para asseverar que mercados maiores tendem a gerar escala maior de produo.

    Os prprios autores de The Spatial Economyadmitem que este resultado terico acima

    mencionado um produto artificial das funes de elasticidade constante da demanda,

    conjugadas suposio de que os empresrios tomam os ndices de preos como dados

    quando resolvem seu problema de maximizao de lucro, ou seja, assume-se

    comportamento no estratgico por parte das empresas, embora estas tenham poder de

    mercado para afetar preos. No entanto, os arquitetos desse modelo, bem como seus

    asseclas da NGE, optam por ignorar essa nuance, permanecendo com a suposio irreal

    de mark-upsconstantes, conformando o modelo ao formalismo, a teoria tratabilidade

    matemtica, em detrimento da relevncia emprica e da robustez terica. A tnica das

    construes tericas da NGE pauta-se pelo sobrepujamento do contedo pela forma.

    Cumpre agregar a esse rol de crticas apresentadas, uma derradeira, aventada por

    PINES (2001). Segundo esse autor, o modelo Dixit-Stiglitz em sua extenso espacial

    incorre numa controvrsia microeconmica de agregao da demanda, donde decorre

    fonte de mais uma crtica interna. O modelo supe demandas individuais lineares em

    relao renda. Resulta dessa suposio que a demanda agregada independe da

    distribuio intra-regional da renda, o que teoricamente problemtico e empiricamente

    improvvel, principalmente quando o pensamento voltado para pases

    subdesenvolvidos, conservadores de uma estrutura scio-econmica exacerbadamente

    dspar. Esta a questo central sobre a qual o presente artigo pretende se debruar na

    seo seguinte.

    Os apontamentos crticos NGE acima descritos permitem constatar que, embora

    tal vertente terico-metodolgica alcance alguns resultados interessantes para a

    descrio da dinmica regional, a modelagem incorre em lacunas e incongruncias

    importantes, de sorte que no constitui um aparato ideal para o tratamento das questes

    atinentes aos processos econmico-espaciais, mormente em pases subdesenvolvidos. A

    NGE dispensa ao fator tecnolgico um tratamento superficial, ocultando o elemento

    tcnico sob a forma de uma funo matemtica de produo a ser maximizada. No

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    obstante considerem em seus argumentos preliminares a importncia dos spillovers

    tecnolgicos para a dinmica espacial, os autores da NGE ignoram tal elemento em sua

    modelagem e atm-se nas externalidades pecunirias, o que configura uma importante

    lacuna da construo terica da economia geogrfica. A tecnologia considerada

    homognea para todas as firmas e em todos os locais. Uma possvel heterogeneidade no

    nvel das firmas no contemplada pelo modelo, que s incorpora assimetrias possveis

    entre regies, no entre firmas. Alm disso, a dinmica concorrencial deixada de lado

    ao se considerar comportamento no estratgico dos produtores. Ademais, a formulao

    terica desconsidera ou abstrai economias de escopo, uma vez que, nos termos do

    modelo, a firma no aufere nenhum ganho em diversificar sua produo.

    Por outro lado, um fator econmico to importante como o padro distributivo darenda negligenciado nos modelos da NGE. Por suposto, tais modelos homogeinizam o

    perfil da demanda, assumindo-a linear em relao renda, de sorte que a distribuio

    intra-regional da renda seria irrelevante para a demanda agregada e, portanto, para o

    crescimento econmico e o desenvolvimento regional.

    O presente trabalho, portanto, parte do entendimento de que a perspectiva terico-

    metodolgica consubstanciada na NGE apresenta, alm de incongruncias internas,

    lacunas importantes que tornam sua aplicabilidade pouco frtil s questes econmico-espaciais prprias de pases subdesenvolvidos em geral, e do Brasil em particular.

    Destarte, procuramos aduzir articulaes tericas que possam trazer tona um

    instrumental analtico mais adequado para pensar a produo social do espao em

    economias capitalistas perifricas, onde a estrutura scio-econmica dspar representa

    um entrave pertinaz disseminao da modernizao tecnolgica e do

    desenvolvimento.

    A TECNOLOGIA, O ESPAO E A PERIFERIA: uma viso alternativa a partirdo estruturalismo

    A tecnologia e sua evoluo desvelam um importante elemento explicativo da

    histria das sociedades, principalmente no que tange sua reproduo material. A

    tecnologia explica, em ltima instncia, a economia e o modo de produo que lhe

    caro. Karl Marx afirmava no sculo XIX que o grau de desenvolvimento da cincia e

    sua aplicao tecnolgica elemento determinante das foras produtivas. O capitalismocontemporneo incorpora com intensidade crescente e pe a servio da valorizao do

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    capital a cincia, a tecnologia e a informao, que constituem a base tcnica da

    sociedade destes tempos. A realidade espacial, por seu turno, tambm fortemente

    condicionada e definida pela base tcnica. O territrio cada vez mais se molda conforme

    as engenharias tcnicas que lhe so superpostas. Nos dizeres de Milton Santos14, um

    meio tcnico-cientfico se sobrepe ao meio geogrfico, atendendo lgica de

    movimento do(s) capital(is) no espao, criando as bases da valorizao e reproduo

    desses capitais, lubrificando as engrenagens do motor capitalista. Mirando a questo por

    perspectiva similar, autores como Saskia Sassen e Edmond Prteceille15 tm como

    hipteses centrais a intensificao da dualizao social e urbana em virtude das

    transformaes econmicas por que passaram as grandes cidades ditas globais. Tais

    transformaes econmicas envolvem mudanas essencialmente tecnolgicas no modo

    de produo, alterando as bases tcnicas sobre as quais se assentam os lugares sociais da

    produo de riquezas. Essa evoluo abrange fenmenos como a crescente terciarizao

    e financeirizao da produo de riquezas, e a transio para uma economia do

    conhecimento, que no trouxeram periferia capitalista meios de superar a persistente

    estagnao econmica e sua conseqente dualizao scio-espacial que envolve

    desigualdade no acesso modernizao tecnolgica. Dessa forma, a tecnologia organiza

    e hierarquiza o espao, orientando e criando possibilidades aos fluxos econmicos.

    Na periferia, as configuraes espaciais apresentam estruturas assaz heterogneas

    em virtude da estrutura scio-econmica que obstaculiza a disseminao completa da

    modernizao tecnolgica. A produo social dos espaos, assim como a apropriao

    (objetiva e simblica) desses espaos, se fazem de forma seletiva. Faz-se mister, por

    conseguinte, analisar as caractersticas especficas da formao do espao nos pases

    subdesenvolvidos, que apresenta a economia, o modo de produo com suas relaes

    sociais subjacentes e, por extenso, a tecnologia; como elementos de fundamental

    importncia para sua compreenso.Em pases perifricos, a presena de uma massa de atores no hegemnicos

    contgua aos atores hegemnicos, beneficirios diretos do progresso tcnico, funciona

    como elemento estruturador de um espao descontnuo, derivado (SANTOS, 1979).

    Esboando uma linha de pensamento nesse sentido, FURTADO (1978) aduz o conceito

    de criatividade para identificar os atores hegemnicos, agentes absorvedores do

    processo de modernizao, que so capazes de modificar o meio em que atuam. Por

    14SANTOS, Milton(1993). A Urbanizao Brasileira. So Paulo: Hucitec.15Ver SASSEN (1998, 2001) e PRTECEILLE (1994).

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    serem hegemnicos, seu comportamento exibe potencialmente um fator volitivo

    criador de novo contexto (FURTADO, 1978, p.17). Na viso furtadiana, o poder

    econmico representa o elemento que diferencia os atores hegemnicos (ou criativos)

    dos agentes no-hegemnicos, sendo que estes apresentam comportamento meramente

    adaptativo, ao passo que aqueles exercem a criatividade faculdade de transformar o

    contexto em que atua e assumem, portanto, a posio de elemento motor do sistema

    econmico (FURTADO, 1978, p.17).

    CORAGGIO (1979) chama ateno a vinculao existente entre a produo de

    formas espaciais especficas e as leis prprias de cada modo de produo. De seu lado,

    SANTOS (1997) adverte que o imperativo do capitalismo como modo de produo em

    escala global impingiu unificao tambm dos sistemas tcnicos. O(s) espao(s), por

    seu turno, se encontra(m) tambm permeado(s) pelos sistemas tcnicos. Nas reas onde

    se verifica uma penetrao substancial do capitalismo industrial, engenharias so

    superpostas ao territrio, com impactos importantes sobre as dimenses espacial e

    temporal. Favorecem o deslocamento de populaes e a proliferao de informaes. Os

    processos de modernizao e os progressos tecnolgicos levados a efeito pela

    industrializao e pela revoluo informacional conferem aos agentes produtores do

    espao uma maior fluidez, propiciando maior integrao dos mercados e flexibilizao

    dos espaos econmicos. Erige-se assim o meio tcnico-cientfico, entendido enquanto o

    resultado geogrfico da tecnologia, de seu espraiamento e do aprofundamento do modo

    de produo capitalista. Dessa forma, no capitalismo, o espao adquire a materialidade

    que esse modo de produo lhe imprime por meio de sua base tcnica.

    Uma vez organizada a produo, mediada pela tecnologia, organizam-se a vida

    social e o espao (SANTOS, 1997). Esse processo de organizao se complexifica na

    fase atual do desenvolvimento capitalista. Com a mundializao da economia conforme

    os parmetros de um nico modo de produo, os pases devem se render a um nicomodelo tcnico, que supostamente atende de forma mais eficaz lgica desse modo de

    produo hegemnico. Dessa forma, o modelo tcnico nico pretende se sobrepor

    multiplicidade de recursos locais, sejam eles naturais ou humanos. Ignoram-se as

    especificidades locais e as caractersticas estruturais dos pases subdesenvolvidos para

    que se atendam ordenaes emanadas de instncias diversas, sempre em nome do lucro,

    da circulao e acumulao de riquezas. Nesse sentido, o trabalho e os determinantes

    de sua diviso cada vez menos local e deve se integrar tecnologia com vistas reproduo do modo de produo global.

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    No obstante os sistemas tcnicos recentes assumam o carter mundializado, nos

    pases perifricos tais sistemas apresentam uma distribuio geogrfica irregular e

    incompleta, alm de um uso social excludente (SANTOS, 1979). Deparamo-nos com

    um sistema tcnico nico (atrelado a um modo de produo mundial ou globalizado),

    hegemnico; utilizado pelos atores criativos da constituio social e, portanto, da

    produo do espao. A unicidade das tcnicas levou unificao do espao em termos

    globais. De um lado, emerge um sistema tcnico hegemnico e de outro um sistema

    social hegemnico. O resultado espacial o meio tcnico-cientficoe sua apropriao

    marcadamente desigual.

    As aes humanas, imbudas de contedo tecnolgico, exercem efeitos

    continuados e cumulativos sobre o espao. Os efeitos mais imediatos so a expanso

    demogrfica e a exploso urbana, resultados diretos da extenso das condies scio-

    espaciais prprias do capitalismo industrial a escalas regionais cada vez mais

    abrangentes, permitindo-nos falar na emergncia (tardia) da sociedade urbanatal como

    descrita por LEFEBVRE (1999,2001). MONTE-MR (2004), inspirando-se nas

    elaboraes lefebvrianas, sintetiza esses processos scio-espaciais no conceito de

    urbanizao extensiva:

    This extension of the urban-industrial process allows us to speak of anurbanization that has beenor is being, in the case of developing regionsvirtually extended upon social space as a whole. Therefore, the concept ofextended urbanizationexpresses a particular social spatiality brought aboutby late capitalism and extended onto isolated areas reaching unprecedentedlevels of time/space/societal (re)articulation. (...) Extended urbanization, aconcept inspired on Lefbvres urban tissue and urban revolution, refers tothe extension of contemporary socio-spatial relationsurban-industrialforms and processesformerly restricted to cities and towns onto regional,national, and global scales. It is the socio-spatial fabric from the dialecticalunity of urban centers and the urban tissue that extends urban forms andprocessesincluding urban praxisonto the countryside and social space asa whole. (MONTE-MR, 2004, p.14)

    Em suma, a tecnologia invade e submete o campo e a cidade aos ditames de um

    modo de produo assentado na tcnica, e que exige o progresso tcnico cumulativo pra

    sobreviver. O capitalismo traz em si o imperativo da competitividade. Divisa-se ento a

    fluidez espacial como meio para consecuo desse objetivo. O xito consubstanciado na

    crescente mobilidade do capital depende do progresso tcnico que recrudesce a fluidez

    espacial. O espao o substrato que acolhe a inovao tecnolgica.

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    Nesse contexto, cumpre demarcar o conceito de espao embutido na formulao

    de SANTOS (1997). Esse autor concebe o espao como sendo a sntese dialtica entre

    dois sistemas, quais sejam, um sistema de objetos e um sistema de aes. O sistema de

    objetos a cristalizao do aparato tecnolgico, enquanto o sistema de aes diz

    respeito s atividades antrpicas sobre o substrato material e geogrfico. Estas aes,

    muitas vezes, atendem a intencionalidades estrangeiras aos lugares, prprias do

    sistema produtivo que se tornou mundial, amparado por um sistema tcnico

    hegemnico. Conforme propugna SANTOS (1997), alguns lugares so hegemnicos,

    mesmo que todo o espao esteja a servio da dinmica dos capitais. Dessa forma, no

    espao de pases perifricos, em paralelo implantao do sistema tcnico hegemnico,

    emergiu um sistema social hegemnico.

    Esgrimindo uma argumentao similar de SANTOS (1997), CORAGGIO

    (1979) parte de uma caracterizao estrutural geral das formaes econmico-sociais de

    pases dependentes, buscando enquadrar a produo de configuraes espaciais nesses

    pases. Para tanto, julga importante avaliar o ritmo de homogeneizao16do espao,

    que obedece aos ditames dos processos sociais, aqui entendidos essencialmente

    enquanto extenso das relaes sociais prprias do capitalismo industrial, que traz

    consigo um sistema tcnico-material cujo propsito exercer influncia sobre o tempo

    de circulao das mercadorias17, o que, em ltima instncia, significa um efeito sobre o

    tempo de rotao do capital. Dessa forma, encontra-se implcito no argumento

    coraggiano a percepo de que as configuraes espaciais em pases perifricos

    comportam processos sociais que se do em descompasso, em rodadas descontnuas de

    incorporao das variveis modernas concernentes ao capitalismo industrial.

    Milton Santos compartilha dessa viso ao dizer que o espao nos pases do

    terceiro mundo apresenta algumas especificidades, sendo uma particularmente

    importante, qual seja, o impacto localizado e/ou diferenciado das foras detransformao prprias da modernidade. As foras de modernizao encontram

    resistncia sua difuso pelo espao-territrio, de modo que as variveis modernas no

    so acolhidas todas ao mesmo tempo nem tm a mesma direo (SANTOS, 1979). Tal

    resistncia se d em virtude de fatores diversos, mas principalmente scio-econmicos,

    associados ao poder aquisitivo de consumo. Regies que concentram uma populao

    16 CORAGGIO (1979) refere-se aqui homogeneizao do espao tanto no que tange ao aparato

    econmico-social (por exemplo, conformao do mercado de trabalho), quanto ao aparato tecno-espacial,atinente s condies dos sistemas materiais de circulao.17Cumpre lembrar que a fora de trabalho inclui-se dentre tais mercadorias.

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    com padro de renda mais elevado certamente iro apresentar um grau maior de

    penetrao do meio tcnico-cientfico e, logo, encontrar-se-o num estgio mais

    avanado de assimilao das variveis modernas. SANTOS (1979) preconiza que essa

    seletividade do espao ao nvel econmico constitui a chave para a elaborao de uma

    teoria espacial que oferea uma abordagem mais adequada base emprica das questes

    urbanas em pases subdesenvolvidos.

    Em virtude do sistema scio-econmico desigual, a assimilao dos elementos

    modernos prprios do capitalismo industrial d-se em intervalos de tempo distintos,

    conforme o estrato social que as absorve. O tecido urbano se expande concomitante ao

    meio tcnico-cientfico, mas seus impactos so diferenciados conforme o estrato social

    presente em cada espao que os absorve (ou no). SANTOS (1978) afirma que nos

    pases subdesenvolvidos,

    (...) o impacto das modernizaes (...) [] muito freqentemente pontual;elas tendem a encontrar uma inrcia considervel sua difuso. (...) Asvariveis modernas no so todas recebidas ao mesmo tempo nem ao mesmolugar. (...) As enormes diferenas de renda que caracterizam a sociedadeglobal dos pases subdesenvolvidos tm conseqncias notveis sobre aorganizao do espao (...) Combinaes de variveis podem passar muitorapidamente de uma situao de densidade para uma situao de rarefao;zonas onde o capital acumulado pode permitir uma explorao tecnicamentesuperior fazem divisa com outras zonas onde os meios rudimentares so osnicos disposio de uma mo-de-obra desprovida de dinheiro;encontramos zonas onde a presena de tcnicas de nvel elevado no trazobstculo presena, nas vizinhanas, de uma mo-de-obra sem qualquerqualificao (...) enfim quaisquer que sejam os parmetros utilizados, somuito numerosos os exemplos de uma marcante descontinuidade do espao,em pases subdesenvolvidos. (SANTOS, 1978, p.106)

    Celso Furtado, grande expoente do pensamento estruturalista latino-americano, ao

    caracterizar em sua obra o carter cruelmente concentrador que assumiu o processo de

    extenso do capitalismo industrial nos pases perifricos, aponta as razes estruturais de

    uma dinmica ambivalente de modernizao com marginalizao, considerando esta

    uma dinmica inerente ao subdesenvolvimento (FURTADO, 1997). Pases

    dependentes18combinam traos de modernizao com indicadores de marginalizao.

    Em escala inter-regional, divisam-se reas desenvolvidas tecnologicamente e reas de

    18O clssico conceito de dependncia caro obra furtadiana envolve a forma de insero dos pases nadiviso internacional do trabalho (DIT), bem como seus reflexos sobre a estrutura social interna. Ospases perifricos derivam sua riqueza essencialmente da exportao de bens de baixo valor agregado,defasados tecnologicamente, ao passo que importam bens avanados com vistas a atender o padro de

    consumo sofisticado das castas minoritrias que tiveram acesso indireto aos valores materiais dacivilizao industrial. Essa forma de insero na DIT ir condicionar a perpetuao das desigualdadessociais internas ao pas.

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    atraso profundo. E medida que se consideram escalas espaciais cada vez menores, a

    estrutura se mantm, ou seja, as desigualdades so mundiais, regionais e locais. O autor

    ressalta ainda as profundas razes histricas de algumas caractersticas socialmente

    excludentes dessas sociedades, argumentando que os grupos sociais hegemnicos

    tiveram acesso indireto civilizao industrial avanada, e suas demandas se associam a

    um padro de consumo incompatvel com o nvel de acumulao de capital prprio de

    seu pas (FURTADO, 1978).

    Estabelecendo uma zona de interseo entre os arcabouos estruturalista e

    evolucionista19, ALBUQUERQUE (2005) credita a dinmica de modernizao-

    marginalizao ao carter imaturo dos sistemas de inovao dos pases

    subdesenvolvidos, trazendo tona a concepo furtadiana de inadequao

    tecnolgica, conceito que ajuda a entender a natureza desigual e combinada do

    desenvolvimento em espaos perifricos. Segundo ALBUQUERQUE (2005, p.6), os

    pases subdesenvolvidos em geral, e o Brasil em particular, apresentam em sua tessitura

    econmico-social uma combinao (ou mesmo justaposio) de wealth and poverty,

    areas of technological development with areas of deep backwardness, in sum,

    modernization with marginalization. These social and historical features might deeply

    rooted in their systems of innovation.

    Os pases subdesenvolvidos figuram historicamente como importadores da

    tecnologia oriunda dos pases centrais industrializados, atrelada ao que chamamos de

    sistema tcnico hegemnico e sustentada internamente pelo padro de demanda das

    classes que apresentaram acesso indireto civilizao industrial, capazes de replicar

    internamente o padro de consumo externo, similar ao das populaes de pases

    avanados, consubstanciando um sistema social hegemnico. A acelerao da

    acumulao, em sua forma particular assumida a partir da extenso do capitalismo

    industrial periferia, torna-se o elemento determinante da evoluo social.

    As transformaes sociais so mnimas e o processo de modernizaofaz-sesobre o controle estrito das estruturas de dominao tradicionais. (...) apresso para diversificar a demanda e adapt-la aos padres que se renovamnos centros de onde emana a tecnologia tambm se traduz em exigncias deacumulao ao nvel da massa consumidora. A conseqncia notria aconcentrao da renda com distanciamento crescente entre os padres de vidade uma minoria privilegiada e os da grande massa da populao.(FURTADO, 1978, p.68)

    19Para detalhes acerca da perspectiva terico-metodolgica da abordagem evolucionista, ver FREEMAN(1988) e CERQUEIRA (2000).

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    Posto que o processo de industrializao tardia no respondeu s necessidades de

    ocupao da fora de trabalho desmobilizada do campo20, os problemas urbanos

    emergiram de forma mordaz. A desigualdade social passa a configurar um fator

    estrutural que obstaculiza o desenvolvimento econmico, uma vez que representa

    empecilho edificao e consolidao de um mercado interno abrangente.

    A conformao da diviso internacional do trabalho (DIT) envolveu o

    estabelecimento de relaes de troca entre os pases centrais industrializados e os pases

    perifricos que condicionou uma situao estrutural de dependncia destes em relao

    queles. A exportao de produtos de baixo grau de acumulao por parte dos pases

    perifricos paralelamente importao de produtos avanados, incorporadores de maior

    teor tecnolgico, ampliava paulatinamente a distncia entre os nveis de acumulao

    entre pases centrais e pases perifricos. Na medida em que tais relaes comerciais

    tinham por essncia a manuteno do padro sofisticado de demanda da parcela

    minoritria da populao, configurava-se uma insero na DIT que reproduziu de forma

    renitente as desigualdades sociais internas, consubstanciando um problema estrutural

    que obstaculizou o desenvolvimento econmico. A concentrao de renda e riqueza

    impediu a consolidao de um mercado interno que pudesse impulsionar o crescimento

    econmico de forma compatvel com os nveis de acumulao da estrutura produtiva

    interna.

    FURTADO (1978, p.41) assevera que existe nas sociedades surgidas do

    capitalismo industrial, uma relao estrutural entre o grau de acumulao alcanado, o

    grau de sofisticao das tcnicas produtivas e o nvel de diversificao dos padres de

    consumo. Ora, se o processo tpico de difuso da civilizao industrial sobre os pases

    subdesenvolvidos teve como preldio o j referido acesso indireto s benesses do

    capitalismo avanado, via importaes, pelas camadas da populao associadas ao topo

    da pirmide scio-econmica, o corolrio a manuteno das desigualdades sociais,que se expressam espacialmente por meio de disparidades regionais e problemas

    urbanos. A forma espacial trazida pela assimilao seletiva dos valores materiais da

    civilizao industrial est assentada nos processos indissociveis de industrializao

    tardia e extenso da urbanizao.

    20

    O evidente processo subjacente a esse argumento passa pela subsuno da atividade agrcola pelaindstria, que desarticulou a reproduo material das populaes rurais, de sorte que estas se viramcompelidas a migrar em direo aos centros urbanos.

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    Quando a industrializao aportou tardiamente seu aparato em territrios

    perifricos, o que se viu foi a acentuao das desigualdades, com patentes reflexos

    espaciais. Gerou-se um espao hbrido, descontnuo, consectrio de um sistema social

    desigual. No caso particular do Brasil, a industrializao, concentrada na poro

    meridional do territrio em razo da existncia de um nvel precedente de acumulao

    de capitais, privilegiou a produo de bens que visavam ao atendimento s demandas

    das mesmas camadas minoritrias que tiveram acesso pretrito civilizao industrial

    de forma indireta, de sorte que a estrutura produtiva encampava o sistema de dominao

    social. na evoluo das estruturas sociais internas que se v com clareza a

    especificidade da industrializao dependente (FURTADO, 1978, p.49). So os grupos

    hegemnicos que tiveram acesso indireto aos valores materiais da civilizao industrial

    que vo, por meio de seu padro de demanda, definir o carter assumido pela

    industrializao dependente.

    No quadro da industrializao dependente, o fator determinante datecnologia utilizada o grau de diversificao da demanda (a natureza dosprodutos finais) gerada pelos grupos sociais que tiveram acesso indireto civilizao industrial. (...) o processo de industrializao assumir a forma deum esforo de adaptao do aparelho produtivo a essa demanda sofisticada, oque o desvincula do sistema de foras produtivas preexistente. Surge assimum subsistema produtivo de alta densidade de capital, que no corresponde

    ao nvel de acumulao alcanado no conjunto da sociedade, com fracacapacidade de gerao direta de emprego. Como o referido subsistemapermanece estruturalmente ligado a economias no somente mais avanadasna acumulao mas tambm em permanente expanso, os vnculos dedependncia tendem a reproduzir-se. (FURTADO, 1978, p.50)

    Dessa forma, a dinmica centro-periferia aventada pelos estruturalistas, que, como

    dito anteriormente, se replica nas distintas escalas espaciais (pases, regies, cidades),

    figura como resultado direto da distribuio ou acesso desigual dos(aos) frutos do

    progresso tcnico. Nas palavras de FURTADO (1992, p.41): o subdesenvolvimento fruto de um desequilbrio na assimilao de novas tecnologias produzidas pelo

    capitalismo industrial.

    Torna-se possvel, portanto, a partir da viso estruturalista acerca dos processos

    econmico-espaciais concernentes aos pases subdesenvolvidos, aduzir uma relao

    pertinente entre tecnologia, espao e economia. Considerando o elemento tecnolgico

    em seu sentido mais geral, enquanto cerne do modo de produo capitalista industrial e

    como mediador do processo de organizao scio-espacial, revelam-se as estruturas

    fundamentais assumidas pelo capitalismo nas pores subdesenvolvidas do sistema.

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    Aproximando este texto de suas consideraes finais, cumpre reiterar a importncia de

    um elemento caracterstico dessas estruturas, a saber, a brutal concentrao de renda e o

    decorrente padro desigual de demanda, atrelado ao acesso indireto civilizao

    industrial de que fala Celso Furtado, e que representa um empecilho edificao de um

    mercado interno capaz de superar o ciclo vicioso de dependncia, pobreza e estagnao.

    CONSIDERAES FINAIS

    O presente texto procurou elucidar a impropriedade com que as vertentes

    economicistas ortodoxas, radicadas na chamada Nova Geografia Econmica, tratam as

    questes espaciais e as questes tcnicas, bem como a relao indissocivel que

    guardam entre si. No estamos, com isso, evocando o descarte da formulao da

    economia geogrfica em sua totalidade, uma vez que traz argumentos interessantes

    para pensar a dinmica espacial sob a perspectiva da economia, no obstante se

    identifique, em vrios momentos, um sobrepujamento do contedo pela forma. A

    argumentao contida neste texto compartilha em larga medida com as consideraes de

    CORAGGIO (1979), que diz:

    O exposto no significa que os autores neoclssicos no advirtam sobre airrealidade dos supostos postulados. Alguns deles deixam clara evidncia deque os resultados dos seus modelos se vero distorcidos pelas condiesadversas da realidade. O que queremos destacar a fragilidade de umateoria que pretende explicar os fenmenos de configurao espacialbasicamente a partir de um enfoque atomista e direcional de naturezanormativa e sob a suposio de homogeneidade geral (...) Embora no existauma teoria econmica espacial opcional, podemos ao menos estabeleceralgumas diferenas com relao quela que atualmente domina ocampo.(CORAGGIO, 1979, p.18)

    Celso Furtado advertia que a compreenso dos problemas das economiasdependentes deve passar necessariamente por uma viso histrica e estrutural do

    capitalismo industrial (FURTADO, 1978, p.33). Coraggio, alinhando-se a uma viso

    estruturalista, nos diz ainda que o estudo do complexo processo de acumulao de

    capitais, considerado nas vrias escalas espaciais, alm da base tcnica (ou meio

    tcnico-cientfico) que constitui a materialidade espacial desse processo de acumulao,

    representam a chave para a compreenso da organizao social do espao:

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    Para compreender tanto as tendncias reais das formas de organizao doespao na Amrica Latina, como as possibilidades de uma prtica deplanejamento nos pases capitalistas dependentes, indispensvel partir dosdeterminantes estruturais dos processos sociais. (...) As relaes de produo,ignoradas pelas teorias de vertente neoclssica, passam a ocupar um lugarcentral na questo da distribuio das foras produtivas e seu

    desenvolvimento diferencial no espao (CORAGGIO, 1979, p.31)

    Partindo da concepo segundo a qual a configurao espacial traz no seu bojo os

    processos sociais, esperamos galgar um degrau na anlise das relaes entre tecnologia,

    espao e economia em pases subdesenvolvidos. foroso investigar a natureza e os

    resultados da influncia dos processos sociais tpicos do mundo subdesenvolvido sobre

    a configurao espacial. Tendo em vista que o territrio inclui necessariamente cincia,

    tecnologia e informao o meio geogrfico se converteu em meio tcnico-cientfico ,deve-se considerar o impacto de caractersticas estruturais de um determinado contexto

    econmico-espacial, com vistas a alcanar uma abordagem mais holstica. Nesse

    sentido, torna-se possvel estabelecer e explorar de forma preliminar uma viso

    alternativa a partir do estruturalismo. A agregao de abordagens de autores alinhados

    ao pensamento estruturalista permite compreender de maneira mais adequada a natureza

    do binmio economia-espao, contemplando o papel mediador que a tecnologia (ou os

    sistemas tcnicos) exerce(m) sobre a dinmica do capital no espao, os reflexos

    espaciais das mudanas tcnicas atinentes ao processo de trabalho capitalista, alm de

    reconhecer a estrutura scio-econmica enquanto um constrangimento ao

    desenvolvimento em pases perifricos, estrutura essa que se expressa de forma patente

    na configurao espacial desses pases.

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