dinÂmica do trabalho no espaÇo rural: a … · dinÂmica do trabalho no espaÇo rural: ... do...

16
DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHADOR DA PRODUÇÃO DO SISAL NO MUNICÍPIO DE CONCEIÇÃO DO COITÉ-BA Eliel Oliveira Soares 1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IF BAIANO) [email protected] Bismarque Lopes Pinto 2 Universidade Federal de Sergipe (UFS) [email protected] GT7: TRABALHO, FLEXIBILIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO. RESUMO Neste sistema hegemônico impresso pela sociedade capitalista, o trabalho ganha uma semântica ideológica que opera sobre os homens pertencentes à classe trabalhadora. O trabalho além de mediar à relação homem natureza, também funciona como mecanismo de dominação. Tendo em vista a atual produção do Agave Sisalana no âmbito do Território do sisal, percebe-se uma realidade inconveniente dos trabalhadores que dependem da produção. Ela resulta não só do modelo de sociedade vigente, mas também de uma série de fatores que vão desde a uma possível desvalorização do sisal no mercado mundial até a ineficiência dos órgãos públicos que deveriam zelar pela harmonia entre trabalho, dignidade e direito. O artigo foi produzido a partir de entrevistas realizadas com trabalhadores rurais e donos de “motores” do Município de Conceição do coité/BA. Partindo dos depoimentos feitos, foi produzido um breve diagnóstico das reais condições de vida em que se encontram os trabalhadores da produção do sisal, dialogando com as ideias expostas por alguns teóricos que subsidiam a análise do tema. Falar da vida dos trabalhadores do sisal é mais do que relatar fatos, mas sim refletir sobre as vivências e apontar uma possível sujeição da terra ao capital nas relações sociais do núcleo sisaleiro da Bahia. PALAVRAS-CHAVE: Trabalho, Espaço sisaleiro, dominação. 1 Licenciado em Geografia UNEB/Campus XI; Pós-graduando lato sensu em Desenvolvimento Sustentável no Semiárido Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IF BAIANO). 2 Mestrando em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Upload: trinhdien

Post on 07-Nov-2018

223 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: A … · DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: ... DO COITÉ-BA Eliel Oliveira Soares1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: A PRECARIZAÇÃO DO

TRABALHADOR DA PRODUÇÃO DO SISAL NO MUNICÍPIO DE CONCEIÇÃO

DO COITÉ-BA

Eliel Oliveira Soares1

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IF BAIANO)

[email protected]

Bismarque Lopes Pinto2

Universidade Federal de Sergipe (UFS)

[email protected]

GT7: TRABALHO, FLEXIBILIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO.

RESUMO

Neste sistema hegemônico impresso pela sociedade capitalista, o trabalho ganha uma

semântica ideológica que opera sobre os homens pertencentes à classe trabalhadora. O

trabalho além de mediar à relação homem natureza, também funciona como mecanismo de

dominação. Tendo em vista a atual produção do Agave Sisalana no âmbito do Território do

sisal, percebe-se uma realidade inconveniente dos trabalhadores que dependem da produção.

Ela resulta não só do modelo de sociedade vigente, mas também de uma série de fatores que

vão desde a uma possível desvalorização do sisal no mercado mundial até a ineficiência dos

órgãos públicos que deveriam zelar pela harmonia entre trabalho, dignidade e direito. O artigo

foi produzido a partir de entrevistas realizadas com trabalhadores rurais e donos de “motores”

do Município de Conceição do coité/BA. Partindo dos depoimentos feitos, foi produzido um

breve diagnóstico das reais condições de vida em que se encontram os trabalhadores da

produção do sisal, dialogando com as ideias expostas por alguns teóricos que subsidiam a

análise do tema. Falar da vida dos trabalhadores do sisal é mais do que relatar fatos, mas sim

refletir sobre as vivências e apontar uma possível sujeição da terra ao capital nas relações

sociais do núcleo sisaleiro da Bahia.

PALAVRAS-CHAVE: Trabalho, Espaço sisaleiro, dominação.

1 Licenciado em Geografia – UNEB/Campus XI; Pós-graduando lato sensu em Desenvolvimento Sustentável no

Semiárido Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IF BAIANO).

2 Mestrando em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Page 2: DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: A … · DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: ... DO COITÉ-BA Eliel Oliveira Soares1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

INTRODUÇÃO

Na ótica da discussão sobre relação de produção na sociedade capitalista, a compra e a

venda da força de trabalho torna-se a expressão magna da luta de classes na sociedade

globalizada. A conexão capital e trabalho, dentro dos moldes pós-modernos, ganha

morfologias diferenciadas. Na qual, as formas de exploração e extração do excedente de

capital varia nas diferentes atividades. Deste modo, a atual produção do Agave Sisalana se

destaca no município de Conceição do Coité, que em consonância com COELHO NETO

(2013), está localizado no núcleo sisaleiro da Bahia, juntamente com também Retirolândia,

Valente, São Domingos e Santa Luz.

Nesta fração do espaço geográfico a literatura historicamente revelou uma realidade

fatigante dos sertanejos, que atribui ao fenômeno da seca às mazelas vividas pela população

nos longos períodos de estiagem. Usando o discurso da seca, diversas atividades foram

introduzidas nestes municípios. Dentre as atividades, a cultura do sisal foi a que mais se

destacou ao longo dos anos. Porém, essa atividade foi introduzida carregada de facetas, que

permitiram a dominação e subordinação extrema dos trabalhadores neste setor de produção.

As complexidades nas relações sisaleiras ocorrem desde a forma de preparo do campo, até os

seus produtos finais.

A cadeia produtiva do sisal é dividida em duas fases distintas, sendo elas a fase rural e

a fase urbana. Este trabalho tratou de investigar os trabalhadores envolvidos na primeira fase

(fase rural) da cadeia produtiva do município de Conceição do Coité/BA. A realidade dos

trabalhadores da primeira fase da cadeia produtiva do sisal, tratada aqui neste trabalho, partiu

do principio de investigação empírica a partir da necessidade de investigação e espacialização

das contrdições existente nas relações de trabalho da cadeia produtiva do sisal.

Inicialmente, o trabalho no sisal começa pelo preparo do campo e no plantio da agave

sisalana. Nesta primeira etapa, geralmente o trabalho é desenvolvido pela família e

trabalhadores autônomos, vulgo diaristas. Na segunda etapa, que corresponde à colheita e

extração da fibra, sendo nesta etapa onde os arranjos se modificam. Para essa etapa, aparece o

motor de sisal, com seus trabalhadores e suas relações.

Nesta etapa de extração da fibra, aparece à figura impar dessa atividade, o dono do

motor de sisal, que dentro dos moldes tradicionais do modelo capitalista de produção, é um

dos donos do principal meio de produção. Este, por sua vez, tem a função de negociador da

Page 3: DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: A … · DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: ... DO COITÉ-BA Eliel Oliveira Soares1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

colheita com o dono do campo e intermediar a matéria-prima para a indústria e fazer a

distribuição do trabalho no motor.

A distribuição do trabalho no motor de sisal está organizada seguindo a ordem e

função, sendo estes: I - O Sevador que tem a função de operar a máquina desfibradora com a

ajuda do Resideiro, que por sua vez, retira os resíduos da máquina e pesa a fibra; II - O

Cortador que tem como função retirar a palha da planta usando faca ou facão; III - O

Carregador que coloca as folhas, também chamada de palha, em lombos de muares de animais

e desloca-se até o local do motor para ser desfibrada; IV - A estendeira de fibra que transporta

as fibras para secagem em varais de arames.

Nesta etapa ainda prevalece às relações familiares e as formas de remuneração dos

trabalhadores são as mais sui generis. Geralmente os trabalhadores do motor são da mesma

família e não tem distinção de gênero e idade, pois geralmente trabalham crianças e idosos em

todas as etapas.

A negociação e as formas de contrato são informais. Não existe nenhum tipo de

proteção jurídica ou seguro para esses trabalhadores. Esses trabalham sem equipamentos de

segurança e estão vulneráveis a diversas intempéries, seja do sol do semiárido, picadas insetos

e animais peçonhentos, acidentes com instrumentos de trabalho ou as furadas dos espinhos

que ficam na ponta da folha do sisal.

A remuneração dos trabalhadores está sujeito ao valor da matéria-prima no mercado.

Normalmente o dono do Motor compra a fibra do dono do campo em porcentagem,

geralmente 60% para o dono do motor e 40% para o dono do campo. Já os trabalhadores

recebem por produção, cada função tem uma remuneração diferenciada, na etapa de campo

deste trabalho. Para Coelho Neto (2013):

A aludida organização socioeconômica erigida pela cadeia produtiva do sisal

tem reproduzido sua feição tecnológica arcaica e socialmente injusta e

desigual, manifestando-se na concentração de renda engendrada pela

superexploração do trabalho e pela sujeição da renda da terra ao capital, e na

submissão dos trabalhadores às precárias condições de trabalho e de vida

(COELHO NETO, 2013, p. 166).

Assim, podemos compreender que a dinâmica do trabalho na produção do sisal

como estratégica e articulada que apropria-se de ideologias apara alimentar a estrutura

desigual, injusta, mas, lucrativa. Outro agente que legitima a precariedade do trabalho

sisaleiro é o estado que por sua vez, não fornece subsídio a esses trabalhadores que

diariamente arriscam suas vidas na extração da fibra do agave sisalana (sisal).

Page 4: DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: A … · DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: ... DO COITÉ-BA Eliel Oliveira Soares1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

Falar da cadeia produtiva do Agave, e desprezar o trabalho enquanto algo significativo

no âmbito do espaço rural da produção do sisal no município de Conceição do Coité é não

condizer com uma realidade de precarização existente. Desse modo, esta pesquisa objetivou

em analisar a cadeia produtiva do sisal e a precarização do trabalho na primeira fase da cadeia

produtiva do sisal no espaço rural do município de Conceição do Coité, no semiárido baiano.

1. REFERENCIAL TEÓRICO

Ao nos remeter ao processo de produção do espaço é inegável que o processo de

acumulação, característica singular dos seres humanos, ao longo de seu processo histórico de

aperfeiçoamento técnico, molda o planeta desde o momento em os grupos humanos começam

a modificar seu modo de vida. Santos (2008) introduz que:

Quando tudo era meio natural, o homem escolhia da natureza aquelas suas

partes ou aspectos considerados fundamentais ao exercício da vida,

valorizando, diferentemente, segundo os lugares e as culturas, essas

condições naturais que constituíam a base material da existência do grupo.

Esse meio natural generalizado era utilizado pelo homem sem grandes

transformações. As técnicas e o trabalho se casavam com as dádivas da

natureza, com a qual se relacionavam sem outra mediação [...] (SANTOS,

2008, p. 157).

Assim, o aperfeiçoamento das técnicas para supressão de suas necessidades teve como

forca motriz o dispêndio da força de trabalho. Podemos, então, concluir que o trabalho é

basilar na produção do espaço geográfico e o espaço será o reflexo da sociedade, mas,

também, meio e condição de reprodução social. E, nesse sentido, o espaço, enquanto cenário

onde as diversas relações são estabelecidas (SOUZA, 2013). Sobre esta concepção, pode ser

elucidado que no processo de produção do espaço o trabalho alicerça e molda a superfície da

terra, onde Santos (2008) argumenta que:

O espaço geográfico é a natureza modificada pelo homem através de seu

trabalho. A concepção de uma natureza natural, onde o homem não existisse

ou não fora o seu centro, cede lugar a ideia de uma construção permanente

da natureza artificial ou social, sinônimo de espaço do humano (SANTOS,

2008, p. 119).

Como já foi discutido, produzir espaço é algo inerente aos seres humanos, estabelecido

pelas diversas relações existentes que permitiu a humanidade organizar e estabelecer-se no

planeta. Ao longo dos milhares de anos, essa mesma humanidade se organizou em diferentes

formas, organizou-se para produzir seus alimentos, suas crenças, seus saberes e suas culturas

Page 5: DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: A … · DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: ... DO COITÉ-BA Eliel Oliveira Soares1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

e, assim, forjando o espaço social e erguendo-se como espécie dominante. No entanto, como

cerne do processo da organização espacial, podemos colocar o trabalho como o real afirmador

da espécie humana na produção de espaço, além de garantir capacidade conceitual para

consolidação e afirmação da espécie (ANTUNES, 2004).

Assim, os seres humanos se organizaram de diferentes formas, mas talvez nenhum

modelo de sociedade expresse-se tão sublime no processo de acumulação e produção do

espaço quanto à sociedade pautada na propriedade privada e segregação das classes sociais,

como Harvey (2005) ao analisar a teoria marxista destaca que:

A teoria de Marx do crescimento sob o capitalismo situa acumulação de

capital no centro das coisas. A acumulação é o motor, cuja a potência

aumenta no modo de produção capitalista. O sistema capitalista é, portanto,

muito dinâmico e inevitavelmente expansível; esse sistema cria uma força

permanentemente revolucionária, que, incessante e constante, reforma o

modo em que vivemos (HARVEY, 2005, p. 41).

Então, o fenômeno capitalista talvez esteja entre um dos principais transformadores de

espaço natural em espaço produzido pelo homem. Assim, podemos dizer que a sociedade

capitalista, ao se consolidar enquanto sociedade hegemônica tratou de chegar aos diversos

setores da sociedade, como introduz Martins (1995, p. 152) que “a tendência do capital é a de

tomar conta progressivamente de todos os ramos e setores da produção, no campo e na cidade,

na agricultura e na indústria”. É, nesse sentido, esse modelo de sociedade se expande tanto na

cidade quanto no campo.

Desta forma, a produção concebe característica aos seres humanos, independente das

formas as quais estes estejam organizados. Marx, ao se referir aos estágios de

desenvolvimento social da humanidade, associa a produção ao nível de desenvolvimento

individual dos sujeitos, assim a produção conduz as sociedades ao logo do processo histórico.

“Quando se fala de produção, sempre está falando de produção em um determinado estágio de

desenvolvimento social [...]” (MARX, 2011, p. 41).

Assim, a produção do espaço torna-se o meio no qual os indivíduos modificam a

natureza externa, no entanto, acaba alterando também sua própria natureza humana, pois a

produção do espaço vai além da produção material da sociedade, assim, o espaço torna-se

resultado da produção social dos sujeitos, como Carlos (2011) discute que o:

Espaço é a condição da realização do processo produtivo, unindo os atos de

distribuição, troca e consumo de mercadorias, ele se produz como

materialidade [...] o espaço guarda o sentido do dinamismo das necessidades

Page 6: DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: A … · DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: ... DO COITÉ-BA Eliel Oliveira Soares1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

dos desejos que marcam a reprodução da sociedade em um sentido mais

amplo, a realização da vida para além da sobrevivência (CARLOS, 2011, p.

56).

Nesse sentido, a sociedade capitalista se origina na acumulação primitiva3, origem

histórica do modo de produção capitalista, que não está ligada a uma pura e simples

racionalização da divisão do trabalho social, mas, sim, a um processo violento de

expropriação da produção familiar, artesanal, camponesa, corporativa, dentre outras, onde

esse processo de expropriação está no centro da produção material do espaço. Assim, a

produção se realiza no espaço concreto, não se podendo falar em sociedade capitalista sem

pensar na expropriação da força de trabalho dos meios de produção. Assim Lefebvre (2002)

introduz que:

[...] o modo de produção organiza, produz, ao mesmo tempo em que certas

relações sociais, seu espaço (e seu tempo). É assim que ele se realiza, posto

que o modo de produção projeta sobre o terreno estas relações, sem, todavia

deixar de considerar o que reage sobre ele. Certamente, não existiria uma

correspondência exata, assinalada antes entre relações sociais, e as relações

espaciais (espaços temporais). A sociedade nova se apropria do espaço

preexistente, modelado anteriormente; a organização anterior se desintegra e

o modo de produção integra os resultados (LEFEBVRE, 2002, p. VII, apud

CARLOS, 2011, p. 57).

É possível denotar que a acumulação e a exploração é a força motriz do sistema

capitalista, chamado por Marx como “acumulação primitiva” e por Adam Smith de fenômeno

“previus Accumulation”. Assim, o debate em torno da produção do espaço pode ser

apreendido a partir de Lefebvre (2002) e através de Carlos (2011) que afirma que

o debate em torno da noção de produção, é possível apreender o momento a

partir do qual o espaço passa a ser fundamental para a produção de

determinado modo de produção. [...] o processo de reprodução da sociedade,

sob o comando do capital, realiza-se na produção do espaço (CARLOS,

2011, p. 57).

Logo, o espaço ganha uma conotação diferente e aparece como condição ampliada

para reprodução de capital, como afirma Carlos (2011) que:

No capitalismo, a produção expande-se espacial e socialmente (no sentido

que penetra toda a sociedade), incorporando todas as atividades do homem e

redefinindo-se sob a lógica do processo de valorização do capital – o espaço

3 Acumulação primitiva: etapa histórica do início do capitalismo marcada pelo incremento de capitais

individuais, e/ou processo através do qual os meios sociais de produção e de subsistência transformam-se em propriedade privada dos capitalistas.

Page 7: DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: A … · DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: ... DO COITÉ-BA Eliel Oliveira Soares1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

tornando mercadoria sob a lógica do capital fez com que o uso (acesso

necessário a realização da vida) fosse redefinido pelo valor da troca. A

produção do espaço se insere na lógica da produção capitalista que

transforma toda a produção em mercadoria (CARLOS, 2011, p. 60).

Então, a noção de produção está diretamente ligada ao longo processo de organização

e desenvolvimento da história da humanidade, que nos proporciona a enxergar os vários

níveis de realidade com os momentos de reprodução geral da sociedade, tendo que por

obrigação citar os sujeitos de ação presentes na complexidade da sociedade.

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Metodologicamente, o artigo segue uma abordagem qualitativa, sem rejeitar dados

quantitativos. Quanto aos procedimentos metodológicos, foram divididos nas seguintes

etapas:

I - A primeira etapa consistiu na revisão de literatura acerca da temática abordada;

II - Trabalho de campo 01 onde foram feito as entrevistas semi-estruturadas a 16

(dezesseis) trabalhadores da primeira fase do processo produtivo do Sisal na área rural do

município de Conceição do Coite/BA. Foi feito registro fotográfico das etapas de produção do

sisal em Lócus.

III – Trabalho de campo 02 onde foram feitas as entrevistas semi-estruturadas aos

donos dos motores que lidam diretamente com os proprietários de terra e com a venda do sisal

no município de Conceição do Coité/BA.

IV – Nesta etapa foram feitas as análises e sistematizações dos discursos, dos dados

quantitativos e das contradições e realidades da cadeia produtiva do sisal.

3. RELAÇÕES SISALEIRAS: DINÂMICA NA PRODUÇÃO E DO TRABALHO

Antes de expor a realidade dos trabalhadores da produção do sisal, se faz necessário

descrever como se dá o processo de produção e comercialização do mesmo. A produção

começa a priori com a plantação do agave sisalana que possui certa facilidade de germinação,

porém, não é uma espécie muito fácil de lidar, devido a suas características fisiológica e

espinhosa.

Page 8: DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: A … · DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: ... DO COITÉ-BA Eliel Oliveira Soares1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

Assim, toda a cadeia produtiva se estrutura a partir da preparação, plantio e maturação

do campo de sisal. Posterior à preparação e maturação do campo (figura 01), começa a etapa

dos motores (máquinas desfibriladoras também conhecidas como paraibanas). São máquinas

que são deslocadas até as propriedades onde começa o processo de extração das fibras (figura

02).

1 2 Figura 01 – Campo de sisal e a retirada de suas palhas para a extração da fibra pelo trabalhador rural

denominado de “cortador de palha” Figura 02 – Máquina desfibriladora desponsável em extrair a fibra da palha do sisal. Conhecida como

“Paraibana”. Fonte: Eliel Oliveira Soares e Bismarque Lopes Pinto, 2015.

As relações de produção na cadeia produtiva do sisal estão longe de ter passado por

um processo, nem mesmo embrionário de modernização. As relações econômicas ainda

pautadas na superexploração de mão-de-obra, incluindo a mão-de-obra infantil e a sub-

valorização da mão-de-obra feminina.

Durante a pesquisa de campo, entrevistamos 20 trabalhadores da etapa do plantio e

extração da fibra do motor, que na maioria das vezes confunde-se entre si, pois geralmente

quem trabalha no motor também trabalha fazendo o plantio e dando manutenção no campo.

Dos dez entrevistados da etapa do motor, sendo 02 de cada função: cortadores, botadores,

resideiros e sevadores. Na função de cortadores e botadores de palha, a cada 10 entrevistados

06 estavam na faixa etária entre 12 a 16 anos de idade. A narrativa introdutória apontava o

seguinte fato:

Comecei faz dois anos, hoje tenho 14 anos. Comecei aqui para ajudar em

casa. Eu sou botador de batalha para o motor. Comecei este ano, tenho 17

anos, a falta de trabalho aqui fez como que eu vir trabalhar no motor. Eu sou

botador de batalha4.

4 Entrevista concedida ao autor, por botadores de palha sisal, realizada em 16/10/2014. Distrito de Salgadalia,

conceição do Coité.

Page 9: DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: A … · DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: ... DO COITÉ-BA Eliel Oliveira Soares1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

Outra situação presenciada em campo foi o caso de algumas mulheres que cumprem

jornada de trabalho igual a dos homens, porém, a remuneração é inferior, ou no caso das

campeiras, que têm jornada de trabalho desordenada, trabalhando de domingo a domingo, sem

folga e trabalham das 04 até às 08 horas, recomeçando novamente às 16 horas e encerrado às

19 horas como evidenciada no trecho da entrevista abaixo:

Eu sou campeira, meu trabalho é buscar a fibra do motor para estender.

Começo a trabalhar às 04 horas da madrugada e paro às 08 horas da manhã,

recomeço os quatros (16 horas) da tarde e encerram às 07 da noite (19 horas)

eu ganho 40 reais a cada 1.000 kg produzidos5.

Porém existem casos de mulheres que trabalham colhendo palha (cortando as folhas) e

ainda desenvolve atividade de campeira, além de ser dona de casa. Essa forma de produção é

expressa na seguinte narrativa:

Eu faço tudo aqui no motor, meu esposo é o dono, pela manhã ás 04:00

horas vou estender fibra, quando acaba a fibra vou corta palha, perto de meio

dia volto para casa para fazer o almoço e arrumar os meninos para irem para

escola, depois volto a corta palha para o motor, às 16:00 horas pego a fibra e

levo para estender, os meninos quando chaga da escola me ajuda, então, lá

para 18h30min vou fazer janta e dormir6.

No entanto essa não é uma realidade exclusiva dos motores de sisal, pois as batedeiras,

no caso das clandestinas e em algumas regulamentadas, as de menor porte e que estão

localizadas em povoados e distritos onde não há fiscalização do ministério do trabalho,

também mantém a remuneração abaixo do salário mínimo, principalmente das mulheres e em

alguns casos crianças. Inicialmente foi questionado a média salarial de uma trabalhadora em

uma batedeira onde tem sua documentação organizada e legal perante a FIEB (Federação das

Indústrias do Estado da Bahia):

Eu comecei há alguns dias, porem eu ganho em tono de 40 a 50 reais por

semana, como a maioria das mulheres aqui. (corta-nós nas batedeiras7).

As relações sociais e econômicas do Núcleo Sisaleiro da Bahia mantêm uma estrutura

injusta por parte dos detentores dos meios de produção, que neste caso é representado pelo

proprietário das batedeiras e quem também exporta a fibra do sisal para o comércio exterior.

Para ilustrar o grau de complexidade das relações de produção, a tabela 01, fará a

5 Entrevista concedida ao autor, Campeira, realizada 17/10/2014. Povoado de Amorosa Conceição do Coité/BA

6 Entrevista concedida ao autor, Campeira e Cortadora de palha, realizada em 20/10/2014. Faz. Morro,

Conceição do Coité/BA. 7 Entrevista concedida ao autor pela trabalhadora que exerce a função de Corta-nós na batedeira, 25/10/2014.

Povoado de Santa Rosa, Conceição do Coite/BA.

Page 10: DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: A … · DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: ... DO COITÉ-BA Eliel Oliveira Soares1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

demonstração da divisão de ganhos na primeira fase da cadeia produtiva do sisal onde o preço

do sisal para os trabalhadores está “bom” é uma mera forma de efetivação da relação de

sujeição da renda da terra ao capital.

Tabela 01 - Divisão de ganhos na primeira fase da cadeia produtiva do sisal.

Elaboração: Eliel Oliveira Soares e Bismarque Lopes Pinto. Outubro, 2014.

No quadro acima, o sisal está sendo negociado a 220,00 R$ a tonelada, preço fixado

pelos donos de batedeira para estabelecer a compra da matéria-prima para suas empresas.

Enquanto os trabalhadores recebem remuneração rasa pelo quilograma de fibra, ao entrevistar

um dono de batedeira que exporta sisal, foi perguntado qual o preço de compra e de venda do

sisal, e o mesmo declara:

Bom, ai depende do câmbio, mas em geral compramos num valor de 220,00

até 225,00 reais e vendemos a 280,00 dólares a tonelada. No momento, o

dólar está fixado em 2,50 (dois reais e cinquenta centavos)8.

Enquanto os agentes da fase rural recebem modestos valores pela tonelada de fibra que

são fatiados entre dono de motor, trabalhadores e dono do campo, os proprietários de

batedeira chegam a vender por mais do dobro, exprimindo a relação de exploração do

excedente de capital. Baseando-se nos dados coletados nas entrevistas feitas em campo, não é

possível definir qual a produção média semanal ou mensal em toneladas de um motor de sisal

(Paraibana), pois, os trabalhadores dessa etapa costumam fazer seus cálculos a partir da

8 Entrevista concedida ao autor, dono de Batedeira que exporta sisal, Conceição do coité, 19/10/2014.

AGENTE FORMA DE

REMUNERAÇÃO

PREÇO DA

FIBRA POR

TONELADA.

GANHOS POR TONELADA

DE FIBRA.

Dono do

Campo

Quilograma 220,00 a 235,00 25 a 40%

Dono do

Motor

Quilograma 220,00 a 235,00 60 a 75%

Cortador Quilograma 100,00 a 130,00

Botador Quilograma 100,00 a 130,00

Sevador Quilograma 120,00 a 160,00

Resideiro Quilograma 120 a 150,00

Campeira Quilograma 40, 00 a 50,00

Page 11: DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: A … · DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: ... DO COITÉ-BA Eliel Oliveira Soares1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

“bistunta9”, então não podemos relatar com precisão qual a média mensal da produção de uma

paraibana, ou em quantos hectares se colhe 01t (uma Tonelada) de fibra.

No entanto, ao se analisar as respostas, a partir do quadro 01, sobre o ganho mensal, a

maioria dos trabalhadores fazem cálculos baseados na média de 01t (uma tonelada) por

semana, porém, segundo os donos de motores e de campo isso depende de muitos fatores

como o espaçamento entre uma planta a outra, ou se houve morte por motivos diversos, como

a seca prolongada ou a presença de algum tipo de praga10

.

Na etapa da colheita na fase Rural, foram entrevistados donos de motores e donos de

campo com o objetivo de esclarecer com maior precisão a quantidade de sisal produzido

semanalmente ou mensalmente por um motor de sisal, além de conhecer como funciona a

negociação com o dono campo e dono do motor. Em todos os motores visitados em pontos

diferenciados do município na atividade de campo, somaram-se 05 (cinco) motores, onde

obtivemos respostas diferentes para as primeiras indagações, pois os donos de motores e os

donos campo acharam melhor responder qual a média de ganhos mensais, pois para eles a

irregularidade das lavouras não permite que afirmem a quantidade por conta das condições

das lavouras. Sobre a negociação do dono de campo com os donos de motores as respostas

foram sincrônicas e concomitantes, como podemos verificar no gráfico 01 abaixo.

Gráfico 01 - Distribuição dos ganhos mensais pelos donos de motores.

Fonte: Dados recolhidos em campo. Outubro de 2014.

Elaboração: Eliel Oliveira Soares e Bismarque Lopes Pinto, 2014.

Os dados apresentados no gráfico 01 se refletem também no trecho da entrevista

abaixo:

9 No núcleo sisaleiro significa: Avaliação, Estimativa ou Cálculo.

10 Vale salientar que pragas são muito raras no sisal.

40%

40%

20%

Distribuição dos ganhos mensais pelos donos

de motores

De 01 Salário a 1,5.

De 02 a 03

Não Opinou

Page 12: DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: A … · DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: ... DO COITÉ-BA Eliel Oliveira Soares1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

Só chega a 01 salário mínimo11

.

É complicado de dizer, mas fica em torno de 01 a 03 salários mínimos12

.

Chega a mais de um salário. Acho que pega um e meio13

.

Rapaz, assim é difícil de dizer, mas acho que chega a 02 salários14

.

É pouquinho, meu motor só vive quebrando, mas dá para tirar a feira15

.

No processo de negociação como o dono do campo, nas quais, as respostas foram bem

semelhantes, observamos que o que prevalece na maioria das vezes é a “bistunta”, porém os

donos de campo estão satisfeitos com a produção de suas lavouras ao afimarem que

“geralmente varia de 25 a 40% do sisal seco para o dono do campo, mas esse eu comprei na

bistunta16”.

Outra característica típica do sisal está na relação de posse da terra. Na maioria das

lavouras onde fizemos nossas entrevistas, seguindo mesmo critério, isto é, visitando lugares

diferentes do município, fizemos a análise de como foi adquirida em propriedades onde há

produção de sisal. Na maioria das respostas os donos dizem terem herdado o campo de sisal,

fato que explica o esfacelamento das propriedades.

Além das propriedades que foram adquiridas por herança e ampliadas posteriormente,

atualmente há um certo estímulo para a compra de campos de sisal além de implantação de

novas lavouras. Este fato decorre do aumento do preço do sisal que vem experimentando nos

últimos anos, pois houve um aumento da procura e uma diminuição da oferta, o que

inflacionou o mercado de sisal. Os entrevistados abaixo justificam nossa colocação quando

interrogados sobre como adquiriu o campo de sisal:

Esse meu campo de sisal foi adquirida através de herança, meu pai deixou

uma parte para mim, e depois eu fui comprando mais terra das pessoas que

iam se mudando para a Cidade17

.

Através de herança e trabalhando comprando um bichinho e vendendo e lá

vai até comprar o que tenho hoje18

.

Herdei um pedaço de terra com sisal e depois fui comprando19

.

11

Entrevista concedida ao autor, dono de motor, Fazenda Balagão, Distrito de Bandiaçu, Conceição do Coité /Ba

14/10/2014. 12

Entrevista concedida ao autor, dono de motor, Pov .de Amorosa, Conceição do Coité /Ba 14/10/2014. 13

Entrevista concedida ao autor, dono de motor, Fazenda Balagão, Distrito de Bandiaçu, Conceição do Coité /Ba

14/10/2014.

Entrevista concedida ao autor, dono de motor, Distrito de Salgadalia, Conceição do Coité /Ba 18/10/2014. 14

Entrevista concedida ao autor, dono de motor, Juazeirinho, Conceição do Coité /Ba 14/10/2014. 15

Entrevista concedida ao autor, dono de motor, Pov. De Santa Rosa, Conceição do Coité /Ba 17/10/2014. 16

Entrevista concedida ao autor, dono de campo, Salgadalia, Conceição do Coité /Ba 18/10/2014. 17

Entrevista concedida ao autor, dono de campo, Pov. De Demanda, Conceição do Coité/BA 18/10/2014. 18

Entrevista concedida ao autor, dono de campo, Pov. De Jacuricí, Conceição do Coité/BA, 20/10/2014. 19

Entrevista concedida ao autor, Pov. De Balagão, Conceição do coité/BA, 20/10/2014.

Page 13: DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: A … · DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: ... DO COITÉ-BA Eliel Oliveira Soares1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

Os proprietários dos campos de sisal afirmam ter comprado suas respectivas

propriedades porque tinham o objetivo principal da criação de gado, sendo assim, o cultivo do

sisal está associado em primeira instância como ração (retirada do resíduo) para alimentar os

animais nos períodos de estiagem. Por conta do alto preço do sisal, a produção da fibra

acabou sendo mais vantajoso financeiramente do que apenas usar o resíduo para o alimento

animal. Sendo assim, o proprietário afirma que:

Meu campo eu adquirir através de compra, eu nunca quis plantar sisal por

que criava um gadinho, porem com essa seca que vem nos castigando,

comprei dez tarefas para fazer ração. Ai o pessoal do motor me procurou

para tirar a palha, então fiz os cálculos, e resolvi não matar o sisal para fazer

ração, pois hoje é uma atividade bem lucrativa20

.

Como pode ser percebida no decorrer da passagem acima, a relação entre os donos das

lavouras e donos de motores de sisal está acentuada numa relação de compra e venda de

matéria prima, porém, percebe-se que há certa cumplicidade entre eles, pois não existe

nenhum contrato formal que assegure a porcentagem do dono do motor ou mesmo do dono do

campo.

Esse fenômeno do “contrato de boca” é a cumplicidade do dono de campo como os

donos de motores, evidenciado nas falas que se confundem nas entrevistas no que diz

desrespeito à produção de fibra semanal. Contudo, ao se comparar com as entrevistas dos

trabalhadores do motor na colheita, observamos grandes discrepâncias. Pois no caso do dono

de lavoura com os donos de motores afirmam que a média da produção semanal da fibra do

sisal está acima do ao valor de 01t (uma tonelada).

Ao se analisar as respostas dos donos de motores e donos de lavouras de sisal, chegou-

se a conclusão que a média de produção de uma paraibana é de 01t (uma tonelada) por

semana. No entanto há certa obscuridade na relação da questão da remuneração entre o dono

do motor com seus trabalhadores, pois à medida que analisamos os discursos nas entrevistas,

foi diagnósticado que os trabalhadores em grande maioria também são remunerados pela

produção, porém, alegam que não conseguem produzir 01t por semana. Quanto a sua

remuneração, as narrativas demonstraram que:

A cada 1000 quilos de fibra ganho 120 reais. Mas por mês, geralmente eu

ganho em torno de 400 reais. Pois nem sempre conseguimos atingir os mil

quilos necessários21

.

20

Entrevista concedida ao autor Dist. De Bandiaçu, Conceição do Coité/BA, 20/10/2015. 21

Entrevista ao autor, botado de palha, Pov. De Canta Galo, Conceição do coité/BA, 20/10/2014.

Page 14: DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: A … · DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: ... DO COITÉ-BA Eliel Oliveira Soares1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

Esse não foi um caso unânime. Seguiu-se mesmo critério nas 16 entrevistas aos

trabalhadores em funções diferenciadas e em motores diferentes, e ficou percebido a

ocorrência de trabalhadoras do sexo feminino e infantil. Em consonância com Alves et. al.

(2005) que elaboram uma simulação da distribuição da receita bruta anual obtida com o sisal

ao longo de sua cadeia produtiva, fizemos uma simulação da distribuição da receita atual do

sisal na primeira fase da produção, baseado nos valores da tabela 02. Dono do Campo de Sisal

- 25 a 40% da renda gerada, dono do Motor – 60 a 75% da renda gerada, valor da tonelada de

fibra – R$ 2.200, produção semanal – 01 tonelada.

Assim, a cada tonelada de fibra, o dono do motor, na hipótese de ele ficar com a renda

de 60%, obterá 1.320,00 reais. No entanto, ele fará o pagamento dos trabalhadores

distribuídos nas funções que são atribuídas. O Sevador obterá R$160,00 por semana,

Resideiro R$ 150,00 Por semana, 02 cortadores obterão R$ 240.00 por semana, Botador R$

130,00 por semana, Campeira R$ 40,00 por semana. Somando um total de R$ 720,00 reais

por semana, sobram 600,00 reais para o dono do motor pagar as despesas com o combustível

e manutenção da máquina, que consome uma média de 50 Litros de Diesel a cada 01t,

gerando a despesa de R$ 133,00 reais. Neste período o diesel estava no valor de R$ 2,66,00,

então obterá uma renda de R$ 467,00 por semana, totalizando R$ 1.868.00, por mês.

Tabela 02 - remuneração dos trabalhadores na fase rural, da colheita e extração da fibra do sisal.

2.20,00 X 1000 =2.200, 00R$ preço da tonelada.

Agente/função Remuneração semanal (R$) Remuneração Mensal (R$)

Dono de Campo 880.00 3.520.00

Dono de Motor 600-133.00 do Diesel=467.00 1.868.00

Sevador 160.00 640.00

Resideiro 150.00 600.00

Botador 130.00 520.00

Cortador 120.00 480.00

Cortador 120.00 480.00

Campeira 40.00 160.00

Fonte: Pesquisa de campo, 2014.

Elaboração: Eliel Oliveira Saores e Bismarque Lopes Pinto, 2014.

Assim a primeira fase da cadeia produtiva do sisal, fase rural, vai se conformando,

dentro dos moldes da liberdade capitalista, onde o trabalhador está livre para vender sua mão

obra, que neste caso não está combinada especificamente ao exército de reserva, segundo Karl

Marx, pois no sisal não houve busca de inovações tecnológicas que lhes propiciem uma

vantagem temporária sobre seus concorrentes, onde os capitalistas tendem a elevar

Page 15: DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: A … · DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: ... DO COITÉ-BA Eliel Oliveira Soares1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

a composição orgânica do capital, substituindo gradativamente a força de trabalho (que é

parte do capital variável ) por máquinas (que são parte do capital constante ), o que

resultaria em aumento do desemprego e do exército de reserva. Porém, no sisal está

combinado com a desinformação dos trabalhadores, analfabetismo, desigualdade de gênero,

trabalho infantil e sujeição da renda da terra ao capital.

Esses sujeitos em período de safra, chegam a trabalhar 6 (seis) dias por semana,

ultrapassando as 10 (dez) horas diárias de trabalho, já que muitos relatam que para ter um

maior rendimento semanal “já houve dias que comecei a trabalhar ainda de madrugada, por

volta das 4 (quatro) da manhã e terminar o dia de trabalho as 5 (cinco) da tarde” (Entrevistado

02).

As condições de trabalho desses sujeitos são extremamente precárias, uma vez que,

eles não possuem nenhuma proteção contra ameaças e condições ambientais existentes

(exposição excessiva há radiação solar, insetos peçonhentos e chuvas), e até mesmo proteção

contra a máquina de trabalho, a desfibriladora (motor), que pode gerar amputamento de mãos

e braços devido a grande força das laminas que desfibram a palha que eles manuseiam no

processo de desfibramento.

CONCLUSÕES

Assim, a sujeição do trabalhador ao capital está ligada a forma como os meios de

produção criam condições para controlar a renda da terra, sem necessariamente tomar posse

da mesma. No campo esse processo está diretamente ligado à rentabilidade que a terra oferece

para a produção de mercadoria, pois, muito se fala em produção de alimentos, porém, quando

a terra está sujeita ao capital tudo que é produzido torna-se mercadoria.

Para manter uma estrutura social miserável, baseada no assistencialismo coronealista,

os donos do poder político se confundem com empresários do ramo sisaleiro, sendo um sinal

de lucratividade no espaço sisaleiro da Bahia. O fenômeno da super-exploração do

trabalhador do sisal, não está apenas na primeira fase da cadeia produtiva, mas sim, na

segunda fase (fase urbana) que é possível encontrar disparidades, seja ela de cunho

remunerativo ou nas condições de trabalho.

A estrutura sistêmica e exploratória da produção do sisal revela uma cadeia de

desigualdades capaz de explorar ainda mais a mão-de-obra trabalhadora visto que, os donos

dos meios de produção e das propriedades de terra desvalorizam economicamente a principal

Page 16: DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: A … · DINÂMICA DO TRABALHO NO ESPAÇO RURAL: ... DO COITÉ-BA Eliel Oliveira Soares1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

força do processo produtivo, para que assim, o lucro seja alcançado sem nenhuma

interferência da classe trabalhadora.

REFERÊNCIAS

ALVES, M. O.; SANTIAGO, E. G.; LIMA, A. R. M. Diagnóstico socioeconômico no setor

sisaleiro do nordeste brasileiro. Banco do Nordeste do Brasil: Fortaleza, 2005.

ANTUNES, Ricardo (org.). A dialética do Trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

CARLOS, A. F. Alesandri. SOUZA, Marcelo Lopes. SPOSITO, M. E. Beltrão. A produção

do espaço urbano. São Paulo: Contexto, 2011.

COELHO NETO, A. S. A trama das redes socioterritoriais no espaço sisaleiro da Bahia.

Niterói, 2013. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal Fluminense.

HARVEY, David. A produção capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005.

LEFEBVRE, Henri. A produção do Espaço. Belo Horizonte: UFMG, 2002.

MARTINS, J. Souza. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995.

MARX, Karl. Grundrisse: Manuscritos econômicos de 1857-1858, esboços da crítica da

economia política. São Paulo, SP: Boitempo, 2011.

SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. 6 ed. São Paulo: Edusp, 2008.

SOUZA, Marcelo Lopes. Os conceitos fundamentais da Pesquisa Sócio-espacial. Bertrand

Brasil, 2013.