eqüidade na legislação- um princípio do sistema de saúde brasileiro

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    Eqidade na legislao: um princpio do sistema de sade brasileiro?

    Equity in law: a Brazilian health systems principle?

    1 Departamento de SadeColetiva, Faculdade de Medicina de Petrpolise Curso de Nutrio daFaculdade Arthur S EarpNeto, rua MachadoFagundes 326, Cascatinha,25716-000, Petrpolis, [email protected]

    Cristina Maria Rabelais Duarte 1

    Abstract This article intends to delineate thedefinition accept in Brazilian legislation andput in question possible results of the setorialreform suggest by actual government. After aconceptual approach, the Magna Charta andComplementary Laws are analyzed. Follow-ing, assuming that the budget repass from fed-eral to municipality government are instru-ments or not of redistribution, those mech-anisms implemented by Normas OperacionaisBsicas are analyzed, considering their ca-pacity of promote equity. A panoramic viewabout reform health system reform proposesand the role of health private sector empha-sizes the implications on equity. In conclusions,its indicated that the extent of social inequal-ities in Brazil demand politics engaged withsolidarity and equity. The Magna Charta andComplementary Laws are advanced, and theNormas Operacionais, even so faraway totake effect the constitutional principles, showsimportant progresses in this direction.Key words Equity; Health Legislation; HealthPolicies; Public and Private Health Sector;Health Reform

    Resumo Este artigo procura delinear a con-cepo inerente legislao brasileira e apon-tar possveis conseqncias da reforma do setorproposta pelo atual governo. Aps uma aborda-gem conceitual do termo eqidade, os textosda Constituio Federal e Leis Complementa-res so avaliados. Em seguida, assumindo queos mecanismos de repasse de verbas do gover-no federal para os municpios funcionam co-mo instrumentos de redistribuio ou no de recursos, so analisados aqueles implemen-tados pelas Normas Operacionais Bsicas, con-siderando sua capacidade de promoo de eqi-dade. Uma viso panormica das propostas dereforma do sistema de sade atualmente emdebate e do papel desempenhado pelo setor pri-vado de assistncia proporcionada, procu-rando-se enfatizar suas implicaes sobre aeqidade. guisa de concluso, resgata-se queas profundas desigualdades sociais existentesno Brasil exigem polticas pautadas em prin-cpios de solidariedade e eqidade. Neste sen-tido, a Constituio e Leis Orgnicas so avan-adas e a normatizao atual, embora aindadistante de concretizar os ditames constitucio-nais, apresenta progressos nesta direo.Palavras-chave Eqidade; Legislao de Sa-de; Polticas de Sade; Sistema Pblico e Priva-do de Sade; Reforma do Setor Sade

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    Introduo

    A eqidade um dos princpios fundamentaisnorteadores do Sistema nico de Sade (SUS)no Brasil. Na legislao fala-se em igualdadede assistncia (item VII, art. 7o da lei 8.080),como sinnimo de eqidade. No entanto, aconformao de um sistema de sade equni-me pode se modificar muito, dependendo dadefinio adotada para o termo. O grau de eqi-dade de um sistema de sade tambm deter-minado por vrios fatores; entre os mais im-portantes, a forma de distribuio de recursosfinanceiros. necessrio considerar, ainda, aproximidade ou distncia entre a letra dalei e as condies reais de sade da populao.Nesse sentido, para declarar a eqidade comoum princpio norteador do SUS, fundamen-tal saber at que ponto a legislao e as normasque o conformam propiciam melhorias nes-sas condies.

    Este artigo tem como objetivo delinear oconceito de eqidade adotado na legislao doSistema nico de Sade Constituio Fede-ral e Leis Complementares e apontar pistaspara, luz do conceito apresentado, avaliar aspossveis conseqncias da reforma do setorproposta pelo atual governo.

    O conceito de eqidade

    Do ponto de vista conceitual, a temtica daeqidade tem produzido um rico debate. Lon-ge de um consenso, diferentes concepes ali-mentam as teorias sobre justia social desen-volvidas pelas diversas correntes de pensamen-to. Embora uma discusso aprofundada nofaa parte do escopo deste trabalho, impor-tante lembrar que as opes conceituais, ine-rentes aos desenhos de sistema de sade, orien-tam a escolha dos critrios distributivos (paraa inverso de recursos), a escolha dos indicado-res utilizados para avaliar o grau de eqidadee a interpretao dos resultados em relao efetividade do sistema.

    No que se refere ao pensamento liberal,Porto (1994) faz uma sntese dos principaisconceitos existentes, considerando suas impli-caes para o setor sade. Segundo a autora,atualmente, as tendncias preponderantes re-conhecem como pilares principais do concei-to de eqidade a distribuio de recursos atra-vs de uma discriminao positiva em favordos mais desfavorecidos e a diminuio das

    desigualdades que resultam de fatores que es-to fora do controle individual (grifo meu).Apesar desta constatao, a aceitao, quaseconsensual, de princpios eqitativos, perma-nece restrita exclusivamente definio for-mal de um direito, sem que na realidade sejaassegurado seu efetivo exerccio (Porto, 1994).

    Turner (1986) diferencia quatro tipos di-ferentes de eqidade: ontolgica, de oportu-nidade, de condies e de resultados.

    A eqidade ontolgica se refere igualda-de fundamental entre as pessoas. Varia dasabordagens religiosas de igualdade peranteDeus, passando pela abordagem marxista pa-ra a qual a natureza do ser humano forjada porsua praxis livre e transformadora, que buscaum domnio cada vez maior sobre a naturezae maior comunicao, autonomia e conscin-cia at as perspectivas relativistas moder-nas, de que a natureza humana especfica decertas culturas e sistemas sociais.

    O segundo tipo, diz respeito eqidade deoportunidade de se alcanar os objetivos al-mejados. Esta concepo, herana das revolu-es francesa e americana, est na base da teo-ria social da meritocracia, sendo uma caracte-rstica da doutrina poltica do liberalismo cls-sico, que considera ser possvel uma mobili-dade social perfeita, a partir da igualdade deoportunidades. Uma vez garantida a univer-salidade dos direitos fundamentais vida, li-berdade e propriedade, todos tm, indepen-dente de sua origem, as mesmas oportunidadesde alcanar as mais altas posies individuais.Assim, de acordo com esta concepo, as po-sies na estrutura ocupacional da sociedadeso preenchidas apenas pelo mrito pessoal, apartir da igualdade de oportunidades para oingresso nas instituies sociais.

    De maneira apropriada, Turner resgata quea igualdade de oportunidade praticamenteinseparvel da noo de eqidade de condi-es. Para haver, de fato, oportunidades iguaispara todos os membros da sociedade, a eqi-dade precisa ser observada tambm no pontode partida: apenas pessoas submetidas s mes-mas condies de vida podem vir a ser consi-deradas em igualdade para competir com ba-se em habilidades e mritos individuais. Esta, sem dvida, uma concepo mais comple-ta e complexa, que possibilita a incluso de as-pectos estruturais na determinao do grau demobilidade das diferentes classes sociais.

    Finalmente, o quarto tipo a eqidade dosefeitos ou resultados. Nele, a legislao e ou-

  • tras medidas polticas procuram compensaros efeitos das desigualdades de condies so-ciais. Mecanismos de discriminao positivaprecisam operar em favor de grupos menosprivilegiados que tm, assim, suas oportuni-dades aumentadas, assegurando a eqidadenos resultados.

    A concepo ontolgica trata de um deba-te mais inserido no campo dos sistemas mo-rais e religiosos. No que se refere ao campo sa-nitrio, os significados mais comuns atribudos eqidade so variantes das expresses igual-dade de acesso e tratamentos iguais paramesmas necessidades. Estes princpios, queem geral ocupam lugar de destaque nos prop-sitos das polticas de sade, coincidem com adefinio adotada por Turner de eqidade deoportunidades. A concepo que decorre apartir desta leitura a de que a cobertura uni-versal dos servios e a no discriminao deacesso aos recursos de diagnstico e tratamen-to caracterizam um sistema de sade eqita-tivo. Os dois ltimos tipos de eqidade pro-postos por Turner so desconsiderados.

    Le Grand (1988) chama a ateno para aquantidade e complexidade de questes en-volvidas na aplicao, no sistema sanitrio, doconceito de eqidade, mais prximo da con-cepo de justia do que de igualdade. Entreos problemas levantados por ele est o de queos significados comumente aceitos para eqi-dade ignoram a distribuio desigual na po-pulao das prprias necessidades de sade entendidas como o tipo de patologia apresen-tada, sua gravidade e a quantidade e sofistica-o dos recursos necessrios ao seu tratamen-to. Os grupos sociais menos privilegiados res-pondem a determinadas patologias de formamenos competente, exigindo, muitas vezes,cuidados mais intensivos. De fato, um exem-plo disto dado pela clssica relao existen-te entre pobreza, desnutrio e doenas infec-ciosas. Muitas destas doenas de evoluo be-nigna em grupos sociais privilegiados, podemlevar morte crianas debilitadas pela desnu-trio, eufemismo da fome.

    Na impossibilidade de se falar em mecanis-mos de redistribuio de sade, Le Grand afir-ma que as polticas e as aes devem estar vol-tadas para minimizar os fatores que produzemas desigualdades nos perfis de morbi-mortali-dade. Inclui, entre estes, nutrio, condies devida e trabalho e o prprio cuidado mdico.

    Um outro ponto a ser considerado, segun-do Le Grand, o fato de que nem todas as dife-

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    renas em sade so inevitveis e inaceitveis,dependendo da liberdade de escolha que o in-divduo tem ao submeter-se a situaes de ris-co sanitrio reconhecido. Diferenciais na distri-buio de doenas decorrentes de hbitos quedependem de escolhas pessoais, como fumar,beber em demasia ou dirigir em alta velocida-de no podem ser considerados injustos. Whi-tehead (apud Giovanella et al., 1996) conside-ra desnecessrias e injustas portanto iniqi-dades aquelas diferenas determinadas por:comportamentos que podem causar danos sade, quando a liberdade de escolha de esti-los de vida restrita; exposio a condies devida e trabalho estressantes e doentias; acessoinadequado a servios pblicos essenciais, en-tre eles os de sade, e mobilidade social rela-cionada sade, envolvendo a tendncia dosdoentes descenderem na escala social.

    O debate sobre eqidade e justia social nocampo sanitrio rico e complexo. O maioraprofundamento e a elaborao de constru-es conceituais operacionalizveis podemcontribuir para minimizar as desigualdadesdecorrentes de iniqidades sociais, especial-mente importantes nos pases menos desen-volvidos. Para avaliar as desigualdades exis-tentes no Brasil, podemos esquematicamenteconsiderar os eixos levados em conta no con-ceito de eqidade de Turner, que melhor seaplicam rea da sade oportunidade, con-dies e resultados e aplic-los s grandes re-gies do pas.

    Em relao eqidade de condies, elapode ser avaliada atravs de alguns indicado-res sociais ilustrados na tabela 1. Percebe-se quea taxa de analfabetismo e a proporo de po-bres no Norte e Nordeste so pelo menos duasvezes maiores do que no Sudeste e no Sul. Emrelao ao abastecimento adequado de gua eesgotamento sanitrio, estas regies so tam-bm as menos privilegiadas sendo que, no ca-so de cobertura de esgotamento sanitrio, oabismo chega ao extremo de 70% no Sudestecontra 8% no Norte. Como seria esperado, ondice de Desenvolvimento Humano, publi-cado pelo Programa das Naes Unidas parao Desenvolvimento, mostra os piores resulta-dos nas regies Norte e Nordeste do Brasil.

    Um padro semelhante ao exposto, s ques avessas, pode ser observado quando consi-deramos, na tabela 2, a distribuio de profis-sionais de sade e de leitos para internao co-mo indicadores de disponibilidade, um dospr-requisitos para o acesso aos servios (eqi-

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    dade de oportunidade). Os profissionais en-contram-se em menor nmero nas regiesNorte e Nordeste e os leitos esto concentra-dos no Sudeste, Sul e Centro Oeste.

    O montante de investimentos em sade percapita, tambm ilustrado na tabela 2, eviden-cia que no houve qualquer esforo compen-satrio para redistribuio de recursos, queprivilegiasse as reas menos favorecidas. Mes-mo com os indicadores de piores condies devida, mostrados na tabela 1, as regies Nortee Nordeste no foram objeto de maiores gas-tos. Neste aspecto, devido aos critrios utili-zados para o repasse de verbas federais, a re-gio Sudeste recebeu os maiores aportes derecursos per capita (R$47,02), praticamente

    o dobro do montante recebido pelo Norte(R$24,92).

    Como indicadores de resultado, podemosconsiderar a esperana de vida e o perfil demortalidade infantil, ilustrados na tabela 2. Em-bora estes indicadores sofram influncia devrios outros fatores inclusive dos diferen-ciais na qualidade dos registros , tendem arefletir tambm as desigualdades sociais e dedisponibilidade a servios j expostas. A re-gio Nordeste se destaca com o mais elevadonvel de mortalidade infantil, 142% maior doque o observado na regio Sul, e com a menoresperana de vida, 12 anos menor do que a ob-servada nessa mesma regio.

    Tabela 1Indicadores sociais segundo regies do Brasil.

    Regies % populao % de domiclios % de domiclios Proporo ndice de > 15 anos com abastecimento com esgotamento de pobres (%) Desenvolvimento analfabeta adequado de gua sanitrio adequado (1990) Humano (IDH)(1991) (1991) (1991) (1991)

    Norte 24,33 41,40 8,00 43* 0,706Nordeste 37,74 44,90 13,10 46 0,548Sudeste 13,07 89,50 70,60 23 0,838Sul 11,86 85,20 37,20 20 0,844Centro-oeste 16,73 72,00 29,10 25 0,826

    Brasil 20,43 75,40 44,00 30 0,797

    *regio urbanaFontes: colunas 1, 2 e 3 Ministrio da Sade, 1997a; colunas 4 e 5 IPEA, 1996.

    Tabela 2Indicadores de recursos, mortalidade infantil e esperana de vida ao nascer, segundo regies do Brasil.

    Regies Mdicos Enfermeiros Leitos Gasto em sade Taxa de Esperana por 10 mil por 10 mil por mil per capita R$ mortalidade de vida habitantes habitantes habitantes (tranferncia infantil ao nascer(1996) (1996) (1996) federal) (1996) (1997) (1997)Conselho Conselho Fundao SIA/SIH/SUS IBGE censosFederal de Federal de Nacional SAS/MS 5 demogrficos Medicina Enfermagem de Sade estimativa

    Norte 6,02 2,81 2,1 24,92 36,00 67,8Nordeste 7,80 3,25 2,9 35,11 58,31 64,8Sudeste 18,13 5,13 3,5 47,02 26,08 69,0Sul 12,30 4,50 3,5 46,81 24,03 70,3Centro-oeste 12,51 3,76 3,8 41,01 27,05 68,7

    Brasil 13,04 4,23 3,2 41,56 37,39 67,8

    Fontes: colunas 1 a 4 Ministrio da Sade, 1997b; coluna 5 Ministrio da Sade, 2000b; coluna 6 Ministrio da Sade 2000c.

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    O conceito de eqidade na legislaobrasileira

    No que se refere ao arcabouo jurdico-legal, odesenho do sistema de sade brasileiro apre-endido na Constituio Federal de 1988, nocaptulo sobre seguridade social, e detalhadonas Leis Orgnicas da Sade, que tratam dascondies para viabilizar o direito definidoconstitucionalmente: a lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, queregulamenta o Sistema nico de Sade em to-dos os nveis, dispe sobre as condies para apromoo, proteo e recuperao da sade, aorganizao e o funcionamento dos servioscorrespondentes e d outras providncias; a lei 8.142, promulgada em 28 de dezem-bro de 1990, que dispe sobre a participaoda comunidade na gesto do SUS, define, emlinhas gerais, as formas de transferncias in-tergovernamentais de recursos financeiros narea da sade e d outras providncias.

    Essa legislao tem sido operacionalizadapor meio de diversas portarias do Ministrioda Sade, particularmente as que originaramas Normas Operacionais Bsicas NOBs de1991, 1993 e 1996. Segundo o ministrio, asNOBs definem as estratgias e movimentostticos que orientam a operacionalidade doSistema nico de Sade.

    A Constituio de 1988, em seu artigo 196,define a sade como direito de todos e deverdo Estado, garantido mediante polticas sociaise econmicas que visem reduo do risco dedoenas e outros agravos e ao acesso univer-sal igualitrio para sua promoo, proteo erecuperao.

    A lei 8.080, nos artigos 2o e 3o das dispo-sies gerais, reafirma esse direito, admite aexistncia dos fatores sociais determinantes econdicionantes da sade, explicitando que osnveis de sade expressam a organizao econ-mica e social do pas e inclui, como relaciona-das com a sade, todas as aes e medidas queinterferem nestes fatores.

    Assim, a legislao sanitria brasileira atual avanada no conceito de eqidade que in-corpora, pelo menos no que se refere a dois ei-xos: o acesso universal e igualitrio (eqida-de de oportunidade) e a ao sobre os determi-nantes dos nveis de sade (eqidade de con-dies). O Sistema nico de Sade desenha-do, em linhas gerais, na Constituio de 1988,nas leis 8.080 e 8.142, abrange uma rede re-gionalizada e hierarquizada de sade, consti-

    tuda por servios pblicos e complementar-mente privados, descentralizada, com aten-dimento integral e com participao da comu-nidade.

    Para viabilizar a constituio de uma po-ltica e um sistema de sade que estejam deacordo com o princpio da eqidade estabele-cido na lei, a distribuio de recursos pontodecisivo. Mecanismos de repasse de verbas donvel federal para os estaduais e municipais,com carter redistributivo, podem operar nosentido de minimizar as desigualdades do pas,tanto no referente a perfis de morbi-mortali-dade, quanto disponibilidade local de recur-sos para investimento em sade.

    Um conjunto de critrios para normatiza-o desse repasse est definido no artigo 35 dalei 8.080. So eles: perfil demogrfico perfil epidemiolgico caractersticas qualitativas e quantitativasda rede de sade desempenho tcnico, econmico e finan-ceiro nvel de participao do setor sade nosoramentos estaduais e municipais previso do plano qinqenal de investi-mento e ressarcimento do atendimento a serviosprestados em outras esferas de governo.

    No mesmo artigo, pargrafo 1o, fica esta-belecido que metade dos recursos financeirosdestinados a estados e municpios ser distri-buda segundo o nmero de habitantes.

    Vale chamar a ateno para a relevncia doscritrios que consideram o perfil epidemiol-gico, ou seja, mais recursos nos locais onde pior a situao sanitria e o perfil demogrfi-co, entendido como um maior volume de re-cursos onde h concentrao de populao emfaixas etrias menores ou mais velhas, consi-deradas de maior risco. So eles, especialmen-te o primeiro, os de maior potencial redistri-butivo. Os demais tendem a beneficiar os mu-nicpios com melhores graus de desenvolvi-mento socioeconmico.

    Apesar da concepo avanada presente naConstituio e Leis Orgnicas, nas NormasOperacionais Bsicas que se pode avaliar osmecanismos implementados para viabilizar odesenho do sistema de sade, seu carter re-gressivo ou progressivo em termos de eqida-de e suas conseqncias sobre os nveis de sa-de da populao. No sentido de melhor com-preender o alcance das NOBs, segue uma sn-

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    tese dos contedos daquelas editadas em 1991,1993 e 1996.

    Em linhas gerais, a NOB 91 criou a figurado estado e municpio habilitados ao recebi-mento de transferncias repasse de verbasfederais e determinados estmulos financei-ros. Para se tornarem habilitados, eles deve-riam cumprir certos requisitos originrios nalegislao constitucional, como manter fundose conselhos de sade. Na prtica, no entanto,a NOB 91 gerou poucas conseqncias, pois ano-adeso por parte dos municpios no pa-ralisava os repasses. Ademais, os estmulos fi-nanceiros eram de pequena monta e irregula-res (COSEMS-RJ, 1997).

    A NOB 93 (Ministrio da Sade, 1993) de-finiu com mais clareza os critrios e os pro-cessos de enquadramento de estados e muni-cpios habilitados e criou trs nveis de ges-to, configurando as seguintes situaes pos-sveis: estados ou municpios no-habilitados,sendo que, neste caso, os ltimos deveriam seralvo de programa de capacitao implemen-tado pelo estado (item 4.1.4) e estados ou municpios habilitados em ges-to incipiente, parcial e semiplena.

    Em relao ao financiamento, digno denota que essa norma operacional instituiu, pe-la primeira vez no SUS, o repasse automticofundo a fundo. Quanto aos nveis de gesto;na incipiente, os pagamentos so efetuados pe-la esfera federal diretamente s unidades hos-pitalares e ambulatoriais pblicas ou privadas.Na parcial, o municpio recebe mensalmentea diferena de recursos correspondentes ao te-to financeiro estabelecido e o pagamento efe-tuado diretamente pela esfera federal s uni-dades hospitalares e ambulatoriais. J na ges-to semiplena, o total de recursos financeirospara custeio, correspondente aos tetos ambu-latorial e hospitalar estabelecidos, recebidoantecipadamente pelos municpios, que o ad-ministra com mais liberdade. Segundo anli-se do COSEMS-RJ, as gestes incipiente e par-cial geraram poucas conseqncias prticas,porm, a gesto semiplena representou, paraos municpios, os recebimentos dos recursosdo SUS na forma de pr-pagamento por esti-mativa de gastos e maior autonomia na estru-turao da rede.

    Outro aspecto importante da NOB 93 foia criao das Comisses Intergestores, comomecanismo de consulta e decises entre go-vernos, no plano nacional e regional. So elas:

    no mbito nacional

    Comisso Intergestor Tripartite (CIT) composta paritariamente por representaodo Ministrio da Sade (MS), do ConselhoNacional de Secretrios Estaduais de Sade(CONASS) e do Conselho Nacional de Secre-trios Municipais de Sade (CONASEMS). Suaatribuio assistir o Ministrio da Sade naelaborao de propostas para implantao eoperacionalizao do SUS, submetendo-se aopoder deliberativo e fiscalizador do ConselhoNacional de Sade (CNS), constitudo confor-me o decreto no 99.438/90 e responsvel pelaformulao de estratgias e pelo controle daexecuo da poltica nacional de sade.

    no mbito estadual

    Comisso Intergestor Bipartite (CIB) composta, de forma paritria, por represen-tantes da Secretaria Estadual de Sade (SES) edo Conselho de Secretrios Municipais de Sa-de do Estado ou rgo equivalente, podendooperar com subcomisses regionais. A CIB uma instncia privilegiada de negociao e de-ciso quanto aos aspectos operacionais do SUSnos estados. Suas decises devem ser referen-dadas ou aprovadas pelo respectivo ConselhoEstadual de Sade (CES), que permanece co-mo instncia responsvel pela formulao deestratgias e controle da execuo da polticaestadual de sade, com atribuies previstasem lei estadual, observado o disposto na lei8.142/90.

    Vale lembrar que, no mbito do munic-pio, o Conselho Municipal de Sade o rgoresponsvel pela formulao de estratgias econtrole da execuo da poltica municipal,atuando como instncia permanente e delibe-rativa, com composio e atribuies previs-tas em lei municipal e na lei 8.142, de 1990.

    No que se refere eqidade, Porto (1994)afirma que o Ministrio da Sade implemen-tou, nas Normas Operacionais de 1991 e 1993,uma sistemtica para os repasses financeirosda esfera federal para os nveis estaduais e mu-nicipais, que no guarda relao com as dispo-sies da lei 8.080. So trs os problemas apon-tados pela autora.

    1) O repasse de verbas calcado funda-mentalmente na remunerao por serviosprestados, tanto para o servio pblico comopara o privado contratado. Ambos so consi-derados vendedores de ateno sade e o mi-

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    nistrio o comprador que remunera por pro-dutividade. Considerando que a demanda decada um deles distinta em relao ao perfilepidemiolgico casos mais graves e dispen-diosos so atendidos no setor pblico e que,alm disto, o grau de autonomia administrati-va tambm diferente, a autora sugere que ahomogeneidade da forma de pagamento e nosvalores atribudos s atividades mdico-assis-tenciais produzem uma desvantagem do ser-vio pblico em relao ao setor privado con-tratado.

    2) A diviso dos municpios por nveis dedescentralizao est subordinada a um ex-tenso leque de requisitos que classificam osmunicpios em diferentes tipos de gesto (in-cipiente, parcial e semiplena). Esta diviso, es-pecialmente considerando a gesto semiplenaem relao s demais, tem implicaes impor-tantes no volume de recursos a serem geren-ciados pelo municpio. Apesar de estimular acriao de Conselhos Municipais de Sade, fa-vorece os municpios com maior nmero dehabitantes e melhores nveis de desenvolvi-mento socioeconmico, que tm mais capaci-dade de responder aos requisitos definidos pe-lo ministrio. Isto pode ser percebido na pro-poro de municpios habilitados pelo Minis-trio da Sade em novembro de 1995. Nessaocasio, havia 2.795 (56%) municpios habi-litados entre os 4.974 existentes. Destes, 2.131(43%) estavam em condio incipiente, 612(12%) em parcial e apenas 52 (1%) em condi-o semiplena. Em outubro de 1996, o nme-ro de municpios enquadrados na semiplenahavia chegado a 126 (COSEMS-RJ, 1996).

    3) Os principais fluxos de recursos exis-tentes so para o financiamento das ativida-des hospitalares e ambulatoriais.

    Em relao ao financiamento das ativida-des hospitalares, o sistema de ps-pagamen-to prospectivo, por procedimento, isto , osrecursos so repassados a partir de Autoriza-es de Internao Hospitalar (AIH) fatura-das, as quais so remuneradas por procedimen-to, cujos valores so previamente definidos pe-lo nvel central. Este tipo de financiamento,com base em valores mdios discriminadosem uma tabela de procedimentos, no ponde-ra a quantidade de atos mdicos efetuados emcada internao, nem diferencia os tipos deprestadores. Algumas das conseqncias ob-servadas em sistemas similares de pagamentoesto relacionadas com a diminuio da m-dia de permanncia por internao, o que po-

    de comprometer a qualidade dos servios pres-tados. Tende tambm a ocorrer uma diferen-ciao no perfil epidemiolgico da demandaatendida pelos setores pblicos e privados, in-centivando o no-atendimento pelo setor pri-vado ou a derivao, para outras instituies,de pacientes que demandem procedimentosnos quais a relao entre o valor pago pelo SUSe o custo seja pouco vantajosa ou deficitria.Nesse sentido, grande a chance dessa diferen-ciao operar com maior prejuzo para os me-nos privilegiados que, como mencionado, mui-tas vezes exigem nveis de cuidados acima damdia estabelecida para o tratamento de cer-tas patologias.

    Existe tambm a possibilidade de repasseao municpio de quantias excedentes sua pro-dutividade em nmeros de AIH (Autorizaopara Internao Hospitalar). No entanto, estatransferncia limitada por um teto e est di-retamente relacionada com o tipo de gesto domunicpio. Somente os municpios sob gestoparcial ou semiplena e, portanto, os mais desen-volvidos, recebem este saldo, caso ele exista.

    No financiamento das atividades ambula-toriais, os tetos municipais esto limitados avalores estabelecidos pelo Ministrio da Sa-de, com prvia consulta Comisso Triparti-te e aprovao do Conselho Nacional de Sa-de. Estes valores variam para os Estados, se-gundo as caractersticas da populao, capa-cidade instalada, complexidade da rede, de-sempenho financeiro e desempenho de audi-toria estadual no ano anterior. Em 1993, porexemplo, os maiores valores foram estabeleci-dos para os Estados do Paran, Minas Geraise Rio de Janeiro, que correspondiam a mais doque o dobro do menor valor, estabelecido pa-ra os Estados do Acre, Amap, Rondnia, Ama-zonas, Roraima, Par, Maranho, Mato Gros-so e Tocantins. Para Porto, estas variaes, lon-ge de diminurem as diferenas existentes, con-tribuem, no mnimo, para sua consolidao.

    A NOB 96 (Ministrio da Sade, 1996), vi-gente atualmente, reduziu os nveis de gestopara dois, tanto nos municpios (Plena daAteno Bsica e Plena do Sistema Municipal)como para os estados (Avanada do SistemaEstadual e Plena do Sistema Estadual). O qua-dro 1 traz os principais aspectos que descre-vem cada tipo de gesto no nvel municipal.

    Uma das principais novidades da NOB 96 a Programao Pactuada e Integrada (PPI).O objetivo que o processo de programao deatividades e tomada de decises favoream a

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    Quadro 1Sntese dos principais aspectos que caracterizam as condies de gesto de municpios na NOB 93 e 96.

    Tipo de gesto Responsabilidades Requisitos Implicaes quantoao repasse das verbas

    Plena da ateno bsica

    Plena do sistemamunicipal, para a qual convergemos enquadrados nagesto semiplena

    a) desenvolvimento de atividadesde coordenao, articulao,negociao, planejamento,acompanhamento, controle,avaliao e auditoria de serviosde assistncia bsica contidosno PAB inclusive domiciliares e comunitrios, e elaborao de proposta de referncia ambulatorial especializada e hospitalar, com incorporaonegociada programao estadual

    b) gerncia de unidades prpriase ambulatoriais do Estado ou da Unio, salvo determinaesem contrrio da CIB ou da CIT

    c) autorizao das internaeshospitalares e procedimentosambulatoriais especializados,que sejam pagos por produo de servios

    d) manuteno de cadastro atualizado das unidades assistenciais sob sua gesto e alimentao dos bancos dedados de interesse nacional e estadual

    e) execuo das aes bsicas de vigilncia sanitria, includasno PBVS e das aes bsicas deepidemiologia, includas noTFECD

    f) avaliao do impacto das aes do sistema sobre as condies de sade dosmuncipes e sobre o meio ambiente

    a) comprovar funcionamento do CMS e operao do FundoMunicipal de Sade

    b) comprovar capacidade tcnicae administrativa e condiesmateriais para o exerccio de suasresponsabilidades e prerrogativasquanto contratao, pagamento,controle e auditoria dos serviossob sua gesto

    c) comprovar dotao oramentria do ano e dispndiorealizado no ano anterior,correspondente contrapartidade recursos financeiros prprios

    d) comprovar capacidade para desenvolvimento de aes de vigilncia sanitria e epidemiolgica

    e) comprovar disponibilidade de estrutura e recursos humanospara superviso e auditoria da rede de unidades, dos profissionais e dos servios realizados

    f) comprometer-se a participar da elaborao e da implementao da PPI e apresentar o Plano Municipal de Sade

    a) transferncia, regular e automtica, dos recursos correspondentes ao: Piso da Ateno Bsica Piso Bsico de VigilnciaSanitria Aes bsicas de epidemiologia e de controle de doenas

    b) subordinao gesto municipal de todas as unidades bsicas de sade,estatais ou privadas (lucrativas e filantrpicas), estabelecidas no territrio municipal

    a) desenvolvimento de atividadesde coordenao, articulao,negociao, planejamento,acompanhamento, controle,avaliao e auditoria de toda a rede de assistncia, com incorporao negociada programao estadual

    alm dos que caracterizam aGesto Plena de Ateno Bsica:

    g) comprovar o funcionamento deservio estruturado de vigilnciasanitria, epidemiolgica e de controle de zoonoses

    h) participar da PPI e apresentaro Plano Municipal de Sade

    a) transferncia, regular eautomtica, dos recursos correspondentes ao TFA

    b) normalizao complementarrelativa ao pagamento de prestadores de servios assistenciais em seus territrios,tendo a tabela nacional comoreferncia mnima

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    Quadro 1 (continuao)

    Tipo de gesto Responsabilidades Requisitos Implicaes quantoao repasse das verbas

    Plena do sistemamunicipal, para a qual convergemos enquadrados nagesto semiplena

    Fonte: adaptado de Ministrio da Sade, 1996.

    b) gerncia de unidades ambulatoriais e hospitalares,prprias, do Estado e da Unio,inclusive as de referncia

    c) operao do SIH e doSIA/SUS, conforme normas doMS, e alimentao, junto SES,dos bancos de dados de interessenacional

    d) administrao da oferta deprocedimentos ambulatoriais dealto custo e hospitalares de altacomplexidade, conforme a PPI

    e) execuo das aes bsicas, demdia e alta complexidade emvigilncia sanitria

    contendo metas estabelecidas,a integrao e articulao domunicpio na rede estadual e respectivas responsabilidades na programao integrada doestado, incluindo detalhamentoda programao de aes e servios e indicadores de acompanhamento

    i) assegurar a oferta de todo o elenco de procedimentoscobertos pelo PAB e de servios de apoio, diagnstico em patologia clnica e radiologiabsicas

    j) comprovar a estruturao do componente municipal doSistema Nacional de Auditoria

    c) transferncia, regular e automtica, fundo a fundo,dos recursos correspondentes ao PBVS

    d) remunerao por servios de vigilncia sanitria de mdia a alta complexidade e remunerao pela execuo do PDAVS, quando assumidopelo municpio

    e) transferncia de recursos referentes s aes de epidemiologia e de controle de doenas

    f) subordinao gesto municipal, do conjunto de todas as unidades ambulatoriais especializadase hospitalares, estatais

    ou privadas lucrativas e filantrpicas) estabelecidas no territrio municipal

    integrao dos trs nveis do sistema de sa-de. No mbito municipal a programao ela-borada e submetida ao Conselho Municipalde Sade. Nos mbitos estaduais e federal, aPPI negociada nas Comisses Intergestores(CIB e CIT) e submetida aos respectivos Con-selhos de Sade. De acordo com o item 11.1.1da NOB 96: a PPI envolve atividades de assis-tncia ambulatorial e hospitalar, de vigilnciasanitria e de epidemiologia e controle de doen-as, constituindo um instrumento essencial dereorganizao do modelo de ateno e da gestodo SUS, de alocao dos recursos e de explicita-o do pacto estabelecido entre as trs esferas degoverno. Essa programao traduz as responsa-bilidades de cada municpio com a garantia deacesso da populao aos servios de sade, querpela oferta existente no prprio municpio querpelo encaminhamento a outros municpios, sem-pre por intermdio de relaes entre gestores mu-nicipais mediadas pelo gestor estadual.

    O financiamento da poltica sanitria ,como antes, baseado em transferncias daUnio para estados e municpios e nos recur-

    sos oriundos do tesouro estadual e municipalem cada localidade. Como parmetros pararegular as transferncias, prope-se a combi-nao de critrios fundados na populao e naoferta de servios. Em qualquer nvel de ges-to prevista alguma forma de transfernciade recursos automtica, fundo a fundo. A NOB96 se prope tambm a estabelecer regras fun-damentadas no risco epidemiolgico e a favo-recer programas considerados estratgicos, co-mo os de sade da famlia e os de agentes co-munitrios de sade, atravs de incentivos fi-nanceiros.

    Para alcanar esses objetivos, foi criado umsistema complexo de mecanismos de repassede verbas federais para os municpios, que en-contra-se sintetizado no quadro 2. Entre pi-sos, ndices e fraes, so quinze formas dife-rentes de repasse de verbas, includas em umTeto Financeiro Global do Municpio (TFGM),composto pela soma dos Tetos Financeiros deAssistncia do Municpio (TFAM); de Vigiln-cia Sanitria (TFVS) e de Epidemiologia e Con-trole de Doenas (TFECD). So sete mecanis-

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    456

    mos de repasse automtico fundo a fundo, se-te de remunerao por servios produzidos eum atravs de convnios.

    Todos os valores referentes a pisos, tetos,fraes e ndices, bem como suas revises, sodefinidos com base na Programao Pactua-da Integrada, negociados nas Comisses In-tergestores (CIB e CIT), aprovados nos res-pectivos Conselhos de Sade e formalizadosem atos dos gestores estadual e federal.

    As Comisses Intergestores tm, assim, umpapel central, sendo o frum para onde con-vergem as decises pactuadas que, entre ou-tras implicaes, interferem diretamente nadiviso dos recursos financeiros da Unio en-tre os municpios e estados. O prprio proces-so de habilitao passa por essas instncias.

    Quanto eqidade, pode-se considerar quealguns dos problemas apontados por Porto nasNOBs anteriores vm sendo contornados naatual, embora outros permaneam como obs-tculos importantes.

    A remunerao por servios produzidospermanece como forma de pagamento das in-ternaes hospitalares e procedimentos am-bulatoriais de alto custo/complexidade. A no-diferenciao entre os tipos de prestadorescontinua tendendo a comprometer a qualida-de da ateno e a canalizar, para o servio p-blico, os casos mais graves e dispendiosos, tor-nando a relao custo/benefcio (valor inves-tido no paciente/resposta ou recuperao dopaciente) sistematicamente pior no serviopblico.

    Por outro lado, a possibilidade de repassede verbas atravs de incentivos foi ampliada.Nesse sentido, pode-se considerar que os prin-cipais recursos com potencial redistributivoso: o Incentivo aos Programas de Sade da Fa-mlia e de Agentes Comunitrios de Sade partindo do pressuposto de que estes progra-mas tenderiam a atender a uma parcela maiordo que aquela que habitualmente chega redede assistncia, pode-se considerar que o aces-so aos cuidados de sade ampliado, poten-cializando o impacto sobre os ndices de mor-bi-mortalidade. Estes incentivos podem che-gar a ultrapassar o dobro dos valores estipu-lados para o Piso Assistencial Bsico, j que tra-balham com um limite de, respectivamente,80% e 30% de acrscimo, para os programasde sade da famlia e agentes comunitrios; ndice de Valorizao de Resultados ape-sar de se referir a impactos positivos sobre as

    condies de sade da populao, os valoresadicionais no podem ultrapassar 2% do Pi-so de Ateno Bsica (PAB); ndice de Valorizao do Impacto em Vi-gilncia Sanitria se refere a impactos posi-tivos sobre as condies de vida da populaoe tambm est submetido a um valor mximo,que corresponde a 2% do Teto Financeiro deVigilncia Sanitria; Custeio das Aes de Epidemiologia e Con-trole de Doenas com potencial redistributi-vo, contm trs formas diferentes de repasse:transferncia automtica fundo a fundo, re-munerao por servios produzidos e trans-ferncia por convnio. vinculado s condi-es de gesto.

    Atualmente, nem todos os incentivos es-to implementados. No entanto, a partir dobanco de dados disponibilizado pelo Minist-rio da Sade, pode-se perceber que os incenti-vos do Programa de Agentes de Sade (PCCS)e do Programa de Sade da Famlia (PSF) vmsendo implementados com uma lgica redis-tributiva. Tomando como indicador de con-dies de sade o coeficiente de mortalidadeinfantil, a tabela 3 mostra que a regio Nor-deste, com os piores coeficientes, recebeu osmaiores incentivos, tanto em valores absolu-tos, como em aumento percentual do Piso deAteno Bsica PAB fixo. Vale lembrar queo limite mximo de acrscimo do PAB (80%para o PSF e 30% para o PCCS) ainda est lon-ge de ser atingido.

    A diviso por nveis de gerncia, condicio-nados ao cumprimento de requisitos, tambmpermanece como obstculo eqidade. No en-tanto, houve um incremento significativo nonmero de municpios habilitados. Segundodados do Ministrio da Sade (2000), a nicaregio a apresentar um percentual de popula-o residente em municpios no habilitadosmenor que 80% a Sudeste. Todas as demaispossuem mais de 90% de sua populao resi-dente em municpios habilitados ao repassede verbas federais e classificados segundo umdos tipos de gesto.

    importante chamar a ateno, no entan-to, para o pequeno percentual de municpiosincludos na Gesto Plena do Sistema de Sa-de. No Brasil, so 88% em Gesto Plena da A-teno Bsica (GPAB) e 9% em Gesto Plenado Sistema Municipal (GPS). Em relao l-tima, este ndice varia de zero nos estados doAmap e Sergipe at 45% dos municpios noestado do Esprito Santo. Vale lembrar que,

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    457

    Tabela 3Repasse de verbas federais para ateno bsica dos municpios, segundo estados e regies do Brasil, 1999.

    Estado/Regio PAB fixo* PSF + PCCS** Coeficiente devalor % de aumento mortalidade

    do PAB fixo infantil 1997

    Amazonas 22.574.850,10 3.917.488,85 17,35 35,37Tocantins 12.031.160,70 6.865.123,15 57,06 33,74Amap 4.126.668,25 1.207.651,22 29,26 32,12Acre 4.397.306,53 1.446.402,73 32,89 45,25Rondnia 13.592.380,24 4.359.388,03 32,07 35,02Par 56.621.196,21 14.954.385,65 26,41 36,22Roraima 2.412.997,86 415.086,04 17,20 38,85Norte 115.756.559,89 33.165.525,67 28,65 36

    Paraba 34.618.955,68 9.307.754,79 26,89 65,21Pernambuco 89.836.795,29 24.058.888,35 26,78 62,74Rio Grande do Norte 26.774.484,98 8.147.703,40 30,43 60,37Bahia 129.246.880,30 29.619.899,08 22,92 51Piau 32.175.299,09 9.897.296,54 30,76 51,94Sergipe 20.592.700,79 5.710.145,20 27,73 54,09Alagoas 30.305.429,67 11.843.936,47 39,08 74,07Cear 76.227.919,41 34.084.430,57 44,71 56,26Maranho 57.715.974,17 12.890.516,46 22,33 60,94Nordeste 497.494.439,38 145.560.570,86 29,26 58,31

    Minas Gerais 193.399.656,92 28.956.876,22 14,97 28,84Esprito Santo 28.500.463,04 2.456.418,29 8,62 28,45Rio de Janeiro 140.138.031,95 3.963.011,09 2,83 25,6So Paulo 340.760.487,05 8.861.569,89 2,60 24,63Sudeste 702.798.638,96 44.237.875,49 6,29 26,08

    Santa Catarina 51.502.298,02 5.512.588,02 10,70 23,37Paran 110.324.116,70 12.953.893,43 11,74 28,47Rio Grande do Sul 96.986.006,72 6.908.118,05 7,12 19,66Sul 258.812.421,44 25.374.599,50 9,80 24,03

    Distrito Federal 19272957,16 2.836.641,33 14,72 24,84Mato Grosso do Sul 19.958.332,87 3.392.563,44 17,00 26,98Gois 49.877.551,74 7.468.356,11 14,97 27,13Mato Grosso 27.086.947,92 4.098.739,79 15,13 28,57Centro-Oeste 116195789,7 17.796.300,67 15,32 27,05

    Brasil 1.691.057.849,36 266.134.872,19 15,74 37,39

    * PAB: Piso Assistencial Bsico.** PSF: Programa de Sade da Famlia; PCCS: Programa de Agentes Comunitrios de Sade.Fontes: colunas 1, 2 e 3 Ministrio da Sade, 2000a; coluna 4 Ministrio da Sade, 2000b.

    antes da implantao da NOB 96, era alto ograu de diferenciao existente entre munic-pios, com um percentual significativo de no-habilitados ou includos na Gesto Incipien-te ou Parcial. Esse desnvel dificilmente foianulado com o re-enquadramento promovi-do pela NOB 96. Assim, embora a grande

    maioria esteja habilitada e enquadrada naGPAB, as condies reais de gesto devem va-riar bastante.

    A PPI Programao Pactuada Integrada,realizada nas Comisses Intergestores, ogrande instrumento de promoo de eqida-de assumido pela NOB.

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    O item 4, sobre sistema de sade munici-pal, traz textualmente:

    As instncias bsicas para a viabilizaodos propsitos integradores e harmonizado-res dos diferentes nveis do Sistema nico deSade, so os fruns de negociao, integradospelos gestores municipal, estadual e federal aComisso Intergestores Tripartite (CIT) e pe-los gestores estadual e municipal a ComissoIntergestores Bipartite (CIB). Por meio dessasinstncias e dos Conselhos de Sade, so via-bilizados os princpios de unidade e de eqida-de (grifo meu).

    O poder pblico estadual tem um papel dedestaque, sendo responsvel por harmonizar,integrar e modernizar os sistemas municipais,com eqidade: as tarefas de harmonizao, deintegrao e de modernizao dos sistemas mu-nicipais, realizadas com a devida eqidade (ad-mitindo o princpio da discriminao positiva,no sentido da busca da justia, quando do exer-ccio do papel redistributivo), competem, por-tanto, por especial, ao poder pblico estadual.Ao Federal, incumbe promov-las entre as Uni-dades da Federao (grifo meu).

    A engenharia complexa implementada pe-la NOB 96 tem o ambicioso objetivo de pro-mover a eqidade, com qualidade e racionali-dade nos gastos: a composio dos sistemas mu-nicipais e a ratificao das programaes pac-tuadas nos Conselhos de sade respectivos, per-mitem a construo de redes regionais que, cer-tamente ampliam o acesso, com qualidade e me-nor custo. Essa dinmica contribui para que se-ja evitado um processo acumulativo injusto porparte de alguns municpios (quer por maior dis-ponibilidade tecnolgica, quer por mais recur-sos financeiros ou de informao), com a con-seqente espoliao crescente de outros.

    E mais adiante: a ameaa da ocorrncia degastos exagerados, em decorrncia de um pro-cesso de incorporao tecnolgica acrtico e des-regulado, um risco que pode ser minimizadopela radicalizao na reorganizao SUS: umsistema regido pelo interesse pblico e balizado,por um lado, pela exigncia da universalizaoe integralidade com eqidade e, por outro, pelaprpria limitao de recursos, que deve ser pro-gramaticamente respeitada (Ministrio da Sa-de, 1996).

    No entanto, o principal instrumento adota-do pela NOB a PPI pode ser tambm o seumaior problema. Praticamente todos os recur-sos so definidos e distribudos de acordo como determinado pelas Comisses Intergestores.

    Pode-se citar como exemplo: o elenco de pro-cedimentos e o valor per capita do PAB, os cri-trios para alocao dos incentivos obten-o de impactos positivos sobre condies devida e sade e o valor do Teto Financeiro deEpidemiologia e Controle de Doenas. Uma re-lao de oposio poltica, entre determinadomunicpio e o estado, pode influenciar nos ru-mos da PPI prejudicando o municpio. Valelembrar tambm, que as Comisses Interges-tores so rgos representativos, no contan-do, portanto, com a participao direta de to-dos os gestores interessados na alocao deverbas. Neste contexto, a inexistncia de umvalor mnimo a ser adotado ou de um elencomnimo de critrios que sejam preestabeleci-dos deixa os municpios extremamente vulne-rveis aos conflitos polticos e sujeitos a gran-des flutuaes no repasse de verbas, o que pre-judica o planejamento e programao dasaes municipais.

    Muito embora o avano na legislao sejainegvel, alguns aspectos adicionais da realida-de, alm daqueles j apontados em relao snormas vigentes como defasagem nos valo-res das tabelas de procedimentos e dificuldadede fiscalizao para evitar fraudes , acabam pordificultar que o setor pblico de sade escapedo habitual rtulo de ineficincia que, nos lti-mos tempos, foi apontado tanto por aquelesque defendem a consolidao do SUS, nos mol-des definidos na Constituio de 1988, comopelos defensores do projeto de reforma sanit-ria em discusso na arena nacional, que prope,em ltima anlise, a transferncia para o setorprivado, da tarefa de produzir servios.

    Em relao a este ltimo ponto, vale a pe-na contextualizar o debate sobre a reforma dosistema de sade brasileiro, a fim de identificaras possveis conseqncias sobre a eqidadeem sade.

    Reforma x Eqidade

    Para Almeida (1996a), a agenda atual de mu-danas faz parte de uma fase no desenvolvi-mento dos sistemas de sade do mundo oci-dental, iniciada nos anos 70 e 80, a partir dacrise econmica dos pases industrializados eexacerbada por renovados ataques ao welfarestate keynesiano e por uma inflao sempre cres-cente dos custos com assistncia mdica.

    As justificativas de reforma do sistema desade tiveram, essencialmente, o mesmo con-

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    tedo da crtica ao welfare state, que partia dasseguintes premissas: seus ganhos em busca deeqidade teriam sido menores do que as per-das de eficincia produzidas pela intervenoestatal; o governo, em relao ao setor privado,seria ineficiente, tendo, inclusive, estimuladodisfunes ao tentar corrigir falhas de merca-do, e o aumento da interveno do Estado narea social teria provocado desmotivao e de-pendncia dos indivduos, j que a provisopblica baseia-se em julgamentos morais denecessidades e no em demandas reais (Al-meida, 1996).

    A crise econmica trouxe tambm para ocentro do debate, em praticamente todos ospases industrializados, os altos custos da as-sistncia mdica, ocasionados pelo envelheci-mento da populao e o desenvolvimento dastecnologias mdicas. No primeiro caso, devi-do ao aumento da ocorrncia das doenas cr-nico-degenerativas e ao incremento da deman-da por servios de sade. No segundo caso, emdecorrncia do rpido avano das tecnologiasmdicas, muitas vezes com efeito cumulativo,j que nem sempre dispensam o uso das tec-nologias tradicionais. A preocupao com aotimizao da utilizao dos recursos em sa-de levou vrios pases a adotarem, desde a d-cada de 1970, medidas para conter os custosde seus sistemas. Abel-Smith e Mossialos(1994) apontam para o impacto destas medi-das: o crescimento dos gastos setoriais em re-lao ao Produto Interno Bruto, na dcada de1980, foi menor do que na dcada de 1970, namaioria dos pases desenvolvidos. O ritmo decrescimento dos gastos com sade, nestes pa-ses, vinha sendo sistematicamente mais pro-nunciado do que o aumento das riquezas na-cionais.

    A agenda de reformas ocorrida inicialmen-te nos pases centrais, expandiu-se para a pe-riferia a partir dos anos 90. No entanto, dife-rente do que ocorreu na Europa nos anos 80,onde o objetivo dos cortes e ajustes era demanter os gastos sociais em nveis suportveis,na Amrica Latina e Caribe o gasto social foium instrumento de ajuste fiscal, enquanto suafuno compensatria foi secundarizada. Odiagnstico formulado nos pases centrais foiusado para questionar se os modelos de siste-ma de sade latino-americanos (segundo es-te diagnstico: caros, inflacionrios, ineficien-tes e viabilizados atravs de forte investimen-to pblico) seriam pertinentes e/ou adequa-dos para enfrentar o extenso quadro de carn-

    cias e iniqidades existente na regio. Os prin-cpios da universalidade e da eqidade nos cui-dados de sade passaram a ser claramentequestionados nos locais onde j existiam e, on-de ainda eram uma aspirao, passou-se a de-fender a impossibilidade de alcan-los.

    As agncias internacionais tiveram papelde destaque na implementao das reformasnos pases perifricos. Uma leitura mais apro-fundada sobre este assunto pode ser encontra-da em Costa (1996). No final dos anos 80 e in-cio dos anos 90, dois documentos, divulgadospelo Banco Mundial, formalizaram o diagns-tico da situao latino-americana e propuse-ram uma agenda para a regio, pautada naafirmao de que, na rea social, os recursoseram escassos, as necessidades crescentes e oleque de alternativas restrito. A opo de pol-tica de sade, adotada pelo banco foi: defen-der a diminuio do papel do Estado e o forta-lecimento do mercado para a produo debens e servios; estimular novas parcerias comsetores no-governamentais e propor mudan-as no financiamento setorial segundo as con-dicionalidades impostas pelos ajustes econ-micos. A poltica compensatria recomendada,trabalhava com uma concepo sinttica dosocial, baseada em princpios de seletividadeterritorial e focalizao dos gastos pblicos,atravs da implementao de pacotes bsicosde intervenes em sade pblica e assistn-cia mdica comprovadamente custo-efetivaspara os mais pobres.

    A experincia tem demonstrado que essapoltica compensatria no produz os mes-mos resultados de uma discriminao positivados menos favorecidos, adotada para produ-zir uma eqidade de resultados, em especial de-vido aos diferentes cenrios existentes nos pa-ses centrais e perifricos. Nos primeiros, as re-formas nos sistemas de sade se do, em ge-ral, numa conjuntura onde os direitos de ci-dadania encontram-se consolidados e a qua-lidade mnima na assistncia garantida, inde-pendente da parcela de servios de sade quefica sob a responsabilidade do Estado. J nospases perifricos a situao diferente. Ta-mez chama a ateno para as mudanas ocor-ridas na maioria dos pases da Amrica Lati-na, que implicaram cortes nos gastos pbli-cos, poltica de ajuste e aumento da participa-o do setor privado em reas que haviam si-do quase exclusividade do setor pblico: da-do que, na Amrica Latina os processos de priva-tizao dos servios de sade tm se dado em

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    condies de uma crescente desigualdade sociale frente a uma cidadania imatura, estes proces-sos apontam para uma iniquidade tambm cres-cente (Tamez, 1995).

    As idias neoliberais subjacentes s pro-postas das agncias internacionais nortearamtambm as proposies de reforma em pautano Brasil. De acordo com o Ministrio da Re-forma Administrativa do Estado (Brasil, 1995)reformar o Estado significa transferir para osetor privado as atividades que podem ser con-troladas pelo mercado e publicizar, ou descen-tralizar para o setor pblico no-estatal, ser-vios que no envolvem o exerccio do poderde Estado, mas devem ser subsidiados por ele,como sade, educao, cultura e pesquisa cien-tfica. A reforma preconizada deve ser levada acabo a partir da lgica da administrao p-blica gerencial, inspirada na administrao deempresas, onde a eficincia da administraopblica a necessidade de reduzir custos e au-mentar a qualidade dos servios, tendo o ci-dado como beneficirio essencial.

    A partir dessa lgica o sistema pblico pro-dutor de servios posto a competir com o se-tor privado lucrativo na captao de recursos o que, como j foi visto, vem ocorrendo des-de as normatizaes do incio da dcada ena busca de modelos mais eficientes de pres-tao de servios. Alm das conseqncias japontadas no texto, sob essa tica, o conceitode eqidade fica reduzido cobertura dos ser-vios de assistncia mdica. O modelo buscano a soluo das necessidades de sade masapenas atender s necessidades da demandados servios assistenciais, o que diferente. Is-to significa um distanciamento radical naabordagem da eqidade presente na Consti-tuio de 1988 e na lei 8.080. Ademais, a fle-xibilizao dos contratos pblicos e a trans-formao dos servios em empresas de direitoprivado, como lembra Almeida (1996b), po-dem possibilitar maior agilidade gerencial emnvel executivo, porm, podem tambm acar-retar a perda dos instrumentos de controle es-tatal que foram mais efetivos para a conten-o de custos, como atestam as experinciaseuropias.

    Para dar contornos mais ntidos ao cen-rio onde se trava o debate sobre a reforma dosistema de sade brasileiro e para completar opanorama sobre a questo da eqidade na le-gislao, interessante mencionar tambm opapel ocupado pelo setor privado de presta-o de servios de sade.

    O setor privado de sade no Brasil

    Historicamente, no final da dcada de 1960 eincio da dcada seguinte, foram criadas ascondies propcias para o surgimento do se-tor privado no Brasil, tanto do segmento quese tornou hegemnico na dcada de 1970 ocontratado e conveniado como para o setorprivado puro ou autnomo, da medicina su-pletiva.

    Entre os principais acontecimentos quemarcaram o cenrio daquela poca esto: a criao do Instituto Nacional da Previ-dncia Social, em 1966, que trouxe a uniformi-zao dos benefcios oferecidos aos trabalha-dores e ampliao da cobertura previdenciria; a instituio do Fundo de Apoio ao Desen-volvimento Social (FAS), em 1974, destinadoa financiar o investimento fixo de setores so-ciais; a implantao do Plano de Pronta Ao(PPA), tambm em 1974, que, entre outras coi-sas, estabeleceu normas para convnios comempresas para prestao de assistncia mdi-ca e reorganizou as relaes da Previdncia So-cial, atravs da definio de formas de paga-mento distintas para diferentes prestadores:contratos e credenciamentos por servios pres-tados e convnios por subsdio fixo.

    Mendes (1993) ressalta que a ao combi-nada do PPA e do FAS representou um meca-nismo de alavancagem do setor privado de ser-vios ligados ao sistema pblico atravs decontratos e convnios; o primeiro garantindoa demanda e o segundo garantindo uma ex-panso fsica adicional. Este subsistema tornou-se hegemnico na dcada de 1970, apresen-tando como caractersticas o capital fixo sub-sidiado, a reserva de mercado e, por conseqn-cia, baixssimo risco empresarial e nenhumacompetitividade.

    Foi tambm a partir do PPA que foramcriadas as condies para o crescimento deuma nova modalidade assistencial que surgi-ra no final da dcada de 1970 a medicina degrupo viabilizada a partir do convnio-em-presa. Nesta modalidade, a empresa responsa-bilizava-se direta ou indiretamente pela ofer-ta de ateno mdica a seus empregados, rece-bendo em troca um subsdio da previdncia.Atravs do contrato homologado, as empresaspodiam optar entre oferecer assistncia mdi-ca pblica ou privada subsidiada. No caso dasegunda opo, uma empresa de assistnciamdica era contratada. As empresas contra-

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    tantes recebiam, como subsdio do governo,um percentual do salrio mnimo por traba-lhador. Esta modalidade destinava-se a umaclientela especfica, atingindo um operariadomais qualificado e com melhor padro orga-nizativo.

    O sistema de ateno mdica supletiva cres-ceu a passos largos durante a dcada de 1980,de tal modo que, em 1989, cobria 22% da po-pulao total do pas. Somente no perodo de1987-1989 foram incorporados 7.200.000 usu-rios. Atualmente, so cerca de 42 milhes quecorrespondem a 26,8% da populao total(Melo, 1998). Hoje, o sistema est conforma-do por quatro modalidades assistenciais prin-cipais: a medicina de grupo, as cooperativasmdicas, os planos prprios das Empresas e oseguro-sade. Cada uma dessas modalidades cujas caractersticas gerais esto descritas emAlmeida (1997) e Mendes (1993) apresentaracionalidades de estruturao, clientelas e for-mas de financiamento diversas.

    Segundo a Constituio e Leis Orgnicas, osetor privado deveria ocupar um papel com-plementar ao SUS que, por sua vez, garantiriaum acesso universal e igualitrio a toda a po-pulao. No entanto, alguns autores tm apon-tado para o processo de universalizao ex-cludente que acompanhou o desenvolvimen-to do sistema pblico de sade brasileiro. Con-comitante ampliao do acesso para todosos cidados brasileiros, foi ocorrendo uma di-minuio na qualidade dos servios prestados,o que levou uma parcela cada vez maior da po-pulao a pagar pela assistncia mdica for-necida pelo setor privado autnomo, entendi-do como no-credenciado ou conveniado como SUS (a este respeito ver Faveret & Oliveira,1989).

    Caso os preceitos constitucionais fossemcumpridos, o setor privado poderia funcionarapenas como subsistema alternativo para ca-madas de maior poder de compra, sem com-prometer a eqidade. Contudo, isso no ocor-re, dado o extremo grau de incentivo ao con-sumo desses servios privados, o que, para au-tores como Mendes (1993), chega a colocar emdvida o seu carter liberal em termos econ-micos. Seu argumento baseia-se na constata-o de que o sistema privado alimenta-se dasdedues do imposto de renda das pessoas f-sicas que, at 1986 e depois a partir de 1990,so integrais em termos do imposto a pagar.Em relao s pessoas jurdicas, a legislaoem vigor considera os servios de sade como

    custos operacionais das empresas, permitin-do repass-los aos preos dos produtos. Comoconseqncia, a ateno mdica supletiva que ofertada a grupos privilegiados financia-da, em ltima instncia, pelo conjunto da po-pulao brasileira, o que aumenta o grau de re-gressividade do sistema de sade.

    Quanto legislao, a primeira tentativade regulamentao de planos privados de sa-de ocorreu em 1966, com o decreto lei 73, so-bre seguros privados. Essa tentativa, no entan-to, no teve xito porque o decreto 60.459/67(regulamento do decreto anterior) no esta-beleceu qualquer norma de fiscalizao dosplanos (Ramos, 1997). Apesar de vrias tenta-tivas ocorridas desde ento, somente mais de30 anos depois foram regimentadas, na lei9.656, de 3 de junho de 1998, as normas queregulam a oferta dos planos de sade pelo se-tor privado.

    O termo eqidade no aparece na lei 9.656.O seu esprito regulamentar a oferta de ser-vios, numa relao de mercado entre vende-dores e consumidores, buscando diminuir apossibilidade dos usurios serem lesados. So36 artigos que versam sobre a operao de pla-nos ou seguros de sade, instituindo normasde funcionamento e fiscalizao, definindo osservios que obrigatoriamente devem ser ofe-recidos, limitando excluses, carncias e defi-nindo regras para aumentos de preos. Em quepese o avano que significa para os usuriosde planos de sade, no se pode consider-lacomo parte do arcabouo jurdico legal quefundamenta um sistema de sade comprome-tido com o princpio da eqidade.

    Concluses

    O quadro sanitrio brasileiro mostra a exis-tncia de profundas desigualdades entre re-gies e grupos sociais que, longe de expressardiferenas aceitveis nos nveis de sade, soplenamente evitveis e portanto injustas. Aspolticas sociais tiveram historicamente umcarter regressivo, concentrando recursos nasregies mais desenvolvidas em detrimento da-quelas onde so piores as condies de vida.Seu papel, na realidade, foi inverso queleapontado como produtor de eqidade, que se-ria o de reduzir ou eliminar fatores evitveise injustos e oferecer servios de sade capazesde atender ao supervit de necessidades cria-das pelas iniqidades sociais. Este quadro, re-

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    flexo do profundo abismo social que separa ospobres dos privilegiados, representa um enor-me desafio a ser enfrentado por polticas so-ciais responsveis.

    Quanto concepo de eqidade presen-te na legislao brasileira, pode-se concluirque os mecanismos institudos pelas NormasOperacionais Bsicas de 1991 e 1993 ficaramlonge dos critrios previstos no artigo 35 dalei 8.080. Foram regressivos quando no res-peitaram as diferenas no perfil epidemiol-gico da clientela do setor pblico e privado,ou das diferentes regies do pas e quando con-triburam para as iniqidades regionais.

    A NOB 96 por sua vez, representou umavano em alguns aspectos do repasse de ver-bas para os municpios. A desconsiderao dasdiferenas no perfil epidemiolgico das clien-telas pblica e privada continua um obstcu-lo. No entanto, o repasse de verbas atravs deincentivos foi ampliado, possibilitando um au-mento para as reas com maiores problemassanitrios. Como questes a serem enfrenta-das, aponta-se a prpria complexidade daNOB 96 e o peso excessivo das negociaes po-lticas, realizadas no interior das ComissesIntergestores, na definio de valores e crit-rios de repasses. Vale registrar que essa Nor-ma Operacional sofreu algumas mudanasaps a sua promulgao, encontrando-se ain-da em fase de implementao.

    Quanto assistncia prestada pelo setorprivado, a regulamentao existente no en-volve preocupao alguma com o princpio daeqidade. Ademais, a ateno mdica supleti-va propagandeada como um conjunto demodalidades assistenciais de custo zero parao Estado. Na realidade, o subsdio fornecidopelo governo aos usurios de servios priva-dos, funciona como expresso da gradaoexistente nos direitos de cidadania: para agrande parcela da populao, cabe a assistn-cia do SUS, com os conhecidos problemas dequalidade, e para uma pequena parcela, almdo acesso ao SUS, cabe a assistncia, teorica-mente de melhor qualidade, obtida no setor

    privado. Em ambos os casos, os custos recaemsobre o conjunto da populao.

    Em relao s propostas de reforma do sis-tema de sade, vale chamar a ateno para asconcluses de Almeida (1996b), que conside-ra que a propriedade estatal dos servios desade ou o tamanho do setor pblico no so,em si, variveis especialmente crticas. A ca-pacidade ou habilidade do governo de regulardiretamente as diversas partes do setor sade com seus diferentes fatores de produo que crtica, tanto para o planejamento quan-to para a eficincia e a efetividade na distri-buio da assistncia mdica, com maior co-bertura e a um custo determinado. Esta tarefa,supe, sem dvida, a (re)afirmao da respon-sabilidade estatal pela adequada assistncia sade dos cidados e das populaes, seja essaassistncia prestada por servios pblicos ouprivados.

    A essas observaes, cabe acrescentar quecompete ao setor pblico de sade, e no aoprivado, a tarefa de incorporar os princpiosda eqidade e da solidariedade s polticas so-ciais desenvolvidas, que precisam cumprir oduplo papel de atenuar as iniqidades sociais,atuando sobre os fatores que determinam osdiferenciais injustos e evitveis em sade, eprover toda a populao de ateno e serviosque atendam s necessidades de sade, respei-tando as particularidades de cada grupo so-cial, com o mesmo nvel de qualidade. Apenasdesta forma estar sendo desenhado um siste-ma de sade equnime.

    A luta pela reforma sanitria levada a cabonos anos 80 imprimiu Constituio e suasLeis Complementares uma concepo avana-da de eqidade. A Norma Operacional em vi-gor, embora ainda distante de concretizar osditames constitucionais, ou de resolver os pro-blemas de qualidade de todo o sistema, apre-senta avanos importantes nesta direo. Poroutro lado, a concretizao do projeto de re-forma da reforma, nos moldes apresentados,implicar um afastamento ainda mais radicaldas conquistas obtidas no plano jurdico-legal.

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