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Informativo 853-STF (20/02/2017) Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Márcio André Lopes Cavalcante Processo excluído deste informativo por não ter sido concluído em virtude de pedido de adiamento: RE 760931/DF. ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO APOSENTADORIA Aproveitamento do tempo trabalhado como aluno-aprendiz. Juiz Federal que completou os requisitos para se aposentar quando ainda vigorava o art. 192, I, da Lei 8.112/90 tem direito de se aposentar com proventos de Desembargador. DIREITO CIVIL AUTONOMIA DAS ENTIDADES DESPORTIVAS O art. 59 do CC é compatível com a autonomia conferida aos clubes pelo art. 217, I, da CF/88 DIREITO PROCESSUAL CIVIL EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA É válida a penhora realizada sobre bens de sociedade de economia mista que posteriormente foi sucedida pela União. DIREITO PENAL PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA É possível aplicar o princípio da insignificância para a conduta de manter rádio clandestina? DIREITO PROCESSUAL PENAL COMPETÊNCIA Competência para julgar crimes ambientais envolvendo animais silvestres, em extinção, exóticos ou protegidos por compromissos internacionais. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO Arquivamento da investigação com relação à autoridade com foro privativo e remessa dos autos para a 1ª instância para continuidade quanto aos demais.

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Informativo 853-STF (20/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Márcio André Lopes Cavalcante Processo excluído deste informativo por não ter sido concluído em virtude de pedido de adiamento: RE 760931/DF.

ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO

APOSENTADORIA Aproveitamento do tempo trabalhado como aluno-aprendiz. Juiz Federal que completou os requisitos para se aposentar quando ainda vigorava o art. 192, I, da Lei 8.112/90

tem direito de se aposentar com proventos de Desembargador. DIREITO CIVIL

AUTONOMIA DAS ENTIDADES DESPORTIVAS O art. 59 do CC é compatível com a autonomia conferida aos clubes pelo art. 217, I, da CF/88

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA É válida a penhora realizada sobre bens de sociedade de economia mista que posteriormente foi sucedida pela

União.

DIREITO PENAL

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA É possível aplicar o princípio da insignificância para a conduta de manter rádio clandestina?

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA Competência para julgar crimes ambientais envolvendo animais silvestres, em extinção, exóticos ou protegidos

por compromissos internacionais. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO Arquivamento da investigação com relação à autoridade com foro privativo e remessa dos autos para a 1ª

instância para continuidade quanto aos demais.

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DIREITO ADMINISTRATIVO

APOSENTADORIA Aproveitamento do tempo trabalhado como aluno-aprendiz

O servidor que trabalhou como "aluno-aprendiz" pode utilizar este período como tempo de serviço para fins de aposentadoria?

Sim, no entanto, para isso é necessário que ele apresente certidão do estabelecimento de ensino frequentado. Tal documento deve atestar a condição de aluno-aprendiz e o recebimento de retribuição pelos serviços executados, consubstanciada em auxílios materiais diversos.

Com a edição da Lei nº 3.353/59, passou-se a exigir, para a contagem do tempo mencionado, a demonstração de que a mão de obra foi remunerada com o pagamento de encomendas. O elemento essencial à caracterização do tempo de serviço como aluno-aprendiz não é a percepção de vantagem direta ou indireta, mas a efetiva execução do ofício para o qual recebia instrução, mediante encomendas de terceiros.

Como consequência, a declaração emitida por instituição de ensino profissionalizante somente comprova o período de trabalho caso registre expressamente a participação do educando nas atividades laborativas desenvolvidas para atender aos pedidos feitos às escolas.

STF. 1ª Turma. MS 31518/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 7/2/2017 (Info 853).

Imagine a seguinte situação hipotética: João é servidor público federal e deu entrada em seu pedido de aposentadoria. Ele pediu para que fosse computado, como tempo de contribuição para fins de aposentadoria, o período em que trabalhou como “aluno-aprendiz”, nos anos de 1960 a 1965, em uma escola técnica federal. Como funciona o procedimento de concessão da aposentadoria no serviço público? O departamento de pessoal do órgão ou entidade ao qual o servidor está vinculado analisa se ele preenche os requisitos legais para a aposentadoria e, em caso afirmativo, concede o benefício. Esse momento, no entanto, é chamado ainda de “concessão inicial” da aposentadoria, considerando que ainda haverá um controle de legalidade a ser feito pelo Tribunal de Contas. Somente após passar por esse controle do Tribunal de Contas é que a aposentadoria poderá ser considerada definitivamente concedida. Sem contraditório e ampla defesa Vale ressaltar que, em regra, quando o Tribunal de Contas faz o controle de legalidade da “concessão inicial” de aposentadoria não é necessário que o servidor seja intimado para contraditório e ampla defesa, considerando que não há litígio ou acusação, mas tão somente a realização de um ato administrativo:

Súmula vinculante nº 3: Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

Existe uma exceção à SV 3: se o Tribunal de Contas demorar muito tempo para analisar a concessão inicial da aposentadoria (mais do que 5 anos), ele terá que permitir contraditório e ampla defesa ao interessado. Diante disso, qual é a natureza jurídica do ato de aposentadoria? Trata-se de um ato administrativo complexo (segundo o STJ e o STF). O ato administrativo complexo é aquele que, para ser formado, necessita da manifestação de vontade de dois ou mais diferentes órgãos. Voltando ao nosso exemplo O órgão ao qual João estava vinculado entendeu que os requisitos legais estavam preenchidos e fez a

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concessão inicial da aposentadoria integral, sendo o processo administrativo remetido ao TCU. Ocorre que o TCU glosou o cômputo de tempo prestado na condição de aluno-aprendiz, por entender que João não comprovou a efetiva prestação do serviço. Assim, o Tribunal desconsiderou o tempo de serviço como aluno-aprendiz para fins de aposentadoria, dando duas opções a João: a) ele poderia permanecer aposentado, mas com proventos proporcionais (excluindo-se o tempo de aluno-aprendiz); ou b) poderia retornar à atividade até completar o tempo exigido para a aposentadoria com proventos integrais. Mandado de segurança João não concordou com o acórdão do TCU e impetrou mandado de segurança. Vale relembrar que o MS impetrado contra acórdão do TCU é julgado pelo STF, nos termos do art. 102, I, "d", da CF/88:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: (...) d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;

No entendimento do TCU, o período em que a pessoa trabalhou como "aluno-aprendiz" pode ser utilizado para fins de aposentadoria? Sim. É possível reconhecer este período para fins previdenciários, mas desde que o interessado comprove que: 1) ele recebia uma retribuição pecuniária custeada pelo orçamento da União. Essa retribuição poderia ser: a) em pecúnia, como o recebimento de bolsa de estudos; ou b) indireta, quando, em vez de dinheiro, o aluno-aprendiz recebia alimentação, fardamento, material escolar etc. 2) havia a efetiva execução do ofício para o qual recebia instrução (ex: carpintaria, técnico agrícola, técnico de indústria etc), mediante encomendas de terceiros. Ex: determinada pessoa encomendou móveis de uma escola técnica de carpintaria. O Tribunal editou uma súmula sobre o assunto:

Súmula 96-TCU: Conta-se para todos os efeitos, como tempo de serviço público, o período de trabalho prestado, na qualidade de aluno-aprendiz, em Escola Pública Profissional, desde que comprovada a retribuição pecuniária à conta do Orçamento, admitindo-se, como tal, o recebimento de alimentação, fardamento, material escolar e parcela de renda auferida com a execução de encomendas para terceiros.

Existe um julgado muito importante no qual o TCU expõe os requisitos da Corte a respeito do aproveitamento do tempo de serviço como aluno-aprendiz. Trata-se do Acórdão 2024/2005. Veja trecho do voto do Min. Revisor Benjamin Zymler: "(...) O que caracteriza o tempo de serviço do aluno-aprendiz não é o recebimento de alimentação, fardamento, material escolar ou mesmo de um auxílio financeiro, mas sim a execução de atividades com vistas a atender encomendas de terceiros. O pagamento por esses serviços, executados pelo aluno-aprendiz pode ser feito por meio de 'salário' em espécie - ou parcela da renda auferida com esses serviços, nos termos utilizados pela legislação da época - e 'salário' in natura - alimentação, fardamento, alojamento e material escolar, dentre outras possibilidades. O traço que distingue o aluno-aprendiz dos demais alunos não é a percepção de auxílio para a conclusão do respectivo curso, mas a percepção de remuneração como contraprestação a serviços executados na confecção de encomendas vendidas a terceiros. (...) De acordo com o Acórdão 2024/2005:

a certidão de tempo de serviço de aluno-aprendiz deverá estar baseada em documentos que comprovem o labor do então estudante na execução de encomendas recebidas pela escola e deve expressamente mencionar o período trabalhado, bem assim a remuneração percebida;

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a simples percepção de auxílio financeiro ou em bens não é condição suficiente para caracterizar a condição de aluno-aprendiz, uma vez que pode resultar da concessão de bolsas de estudo ou de subsídios diversos concedidos aos alunos;

as certidões emitidas devem considerar apenas os períodos nos quais os alunos efetivamente laboraram, ou seja, é indevido o cômputo do período de férias escolares.

Neste Acórdão 2024/2005, o TCU tornou mais rígida a interpretação da sua Súmula 96 e mais difícil o aproveitamento do tempo trabalhado como aluno-aprendiz. Em outras palavras, antes deste acórdão, o TCU fazia menos exigências para considerar este tempo. Para a jurisprudência majoritária do STF, como houve um endurecimento do entendimento do TCU, estas novas exigências do Acórdão 2024/2005 não se aplicam para as aposentadorias concedidas antes dessa mudança. Veja:

(...) Ato do Tribunal de Contas da União. Cômputo do tempo laborado na condição de aluno-aprendiz. Princípio da segurança jurídica. Impossibilidade da aplicação ao caso concreto dos requisitos do Acórdão nº 2.024/2005. Agravo regimental não provido. 1. Mostra-se pacífico, no Supremo Tribunal Federal, o entendimento firmado pelo Plenário no sentido da legalidade do cômputo do tempo prestado como aluno-aprendiz nos casos de aposentadoria já concedida sob a égide de entendimento anteriormente consolidado, em virtude da necessária segurança jurídica das relações sociais consolidadas pelo tempo. Precedentes. 2. No presente caso, o impetrante teve sua aposentadoria concedida em 8/5/98, quando ainda estava em plena vigência a Súmula nº 96 do Tribunal de Contas da União, e, portanto, preenchia os requisitos para que tivesse direito ao cômputo do tempo de serviço laborado como aluno-aprendiz. 3. Após o Acórdão nº 2.024/2005, o TCU mudou a interpretação da Súmula nº 96, devendo ser aplicado o princípio da segurança jurídica, de acordo com a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal. (...) STF. 1ª Turma. MS 31477 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 03/03/2015.

(...) 2. Tribunal de Contas da União. 3. Aposentadoria. 4. Cômputo do tempo laborado na condição de aluno-aprendiz. Princípio da segurança jurídica. 5. Impossibilidade da aplicação da nova interpretação da Súmula 96 do TCU, firmada no Acórdão 2.024/2005, às aposentadorias concedidas anteriormente. (...) STF. 2ª Turma. MS 28965 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/11/2015.

TNU No âmbito da TNU, pode-se destacar o seguinte enunciado com teor semelhante:

Súmula nº 18-TNU: Provado que o aluno aprendiz de Escola Técnica Federal recebia remuneração, mesmo que indireta, à conta do orçamento da União, o respectivo tempo de serviço pode ser computado para fins de aposentadoria previdenciária.

AGU A AGU também possui uma súmula sobre o tema:

Súmula 24-AGU: É permitida a contagem, como tempo de contribuição, do tempo exercido na condição de aluno-aprendiz referente ao período de aprendizado profissional realizado em escolas técnicas, desde que comprovada a remuneração, mesmo que indireta, à conta do orçamento público e o vínculo empregatício.

Vale ressaltar que tanto o TCU como a jurisprudência não exigem o vínculo empregatício, sendo um requisito extra da AGU que não encontra amparo no entendimento prevalecente. Trata-se, contudo, de posição institucional importante para quem presta concursos para o órgão.

Necessidade de comprovação Vale ressaltar que, para que o tempo prestado como aluno-aprendiz fosse contado como tempo de serviço era indispensável que o servidor apresentasse uma certidão do estabelecimento de ensino frequentado. Tal documento deveria atestar a condição de aluno-aprendiz e o recebimento de retribuição pelos serviços executados, consubstanciada em auxílios materiais diversos.

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Pagamento de encomendas Segundo ressaltou o Min. Marco Aurélio:

Com a edição da Lei nº 3.353/59, passou-se a exigir, para a contagem do tempo como aluno-aprendiz, que o interessado demonstrasse que prestava serviços na instituição de ensino e que era remunerado como forma de pagamento pelas encomendas que recebia. "O elemento essencial à caracterização do tempo de serviço como aluno-aprendiz não é a percepção de vantagem direta ou indireta, mas a efetiva execução do ofício para o qual recebia instrução, mediante encomendas de terceiros." Como consequência, a declaração emitida por instituição de ensino profissionalizante somente comprova o período de trabalho caso registre expressamente a participação do educando nas atividades laborativas desenvolvidas para atender aos pedidos feitos às escolas. STF. 1ª Turma. MS 31518/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 7/2/2017 (Info 853).

Caso concreto No caso concreto, a certidão juntada aos autos por João afirma apenas que ele frequentou curso técnico profissionalizante, mas sem mencionar que ele tenha participado da produção de bens ou serviços solicitados por terceiros. Não há sequer comprovação de retribuição pecuniária à conta do orçamento. Logo, por essa razão, o STF entendeu que a decisão do TCU foi correta.

APOSENTADORIA Juiz Federal que completou os requisitos para se aposentar quando ainda vigorava o art. 192, I,

da Lei 8.112/90 tem direito de se aposentar com proventos de Desembargador

A redação originária do art. 192, I, da Lei nº 8.112/90 previa que o servidor público federal, ao se aposentar, deveria receber, como proventos, a remuneração da classe superior a que pertencia. Esse art. 192 foi revogado em 1997 pela Lei nº 9.527.

Determinado Juiz Federal completou os requisitos para se aposentar em 1994. No entanto, optou por continuar trabalhando até 2010, quando pediu a aposentadoria.

O STF entendeu que, como ele preencheu os requisitos para se aposentar em 1994, ou seja, antes da Lei nº 9.527/97, ele teria direito à regra prevista no art. 192, I, da Lei nº 8.112/90.

Logo, ele, ao se aposentar como Juiz Federal, tem direito de receber os proventos como se fosse Desembargador Federal (classe imediatamente superior àquela em que ele se encontrava posicionado).

STF. 1ª Turma. MS 32726/DF, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgado em 7/2/2017 (Info 853).

Imagine a seguinte situação hipotética: João é Juiz Federal. Em 1994 ele completou todos os requisitos para se aposentar, no entanto, optou por continuar trabalhando. Em 2010, ele finalmente pediu a aposentadoria. Surgiu, contudo, uma dúvida. A redação originária do art. 192, I, da Lei nº 8.112/90 previa que o servidor público federal, ao se aposentar, deveria receber, como proventos, a remuneração da classe superior a que pertencia. Em outras palavras, ao se aposentar, o servidor tinha direito de receber a remuneração da classe superior. Veja o que dizia o dispositivo:

Art. 192. O servidor que contar tempo de serviço para aposentadoria com provento integral será aposentado: I - com a remuneração do padrão de classe imediatamente superior àquela em que se encontra posicionado;

Esse art. 192 foi revogado em 1997 pela Lei nº 9.527.

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Tese de João João defendeu o argumento de que, como ele preencheu os requisitos para se aposentar em 1994, ou seja, antes da Lei nº 9.527/97, ele teria direito à regra prevista no art. 192, I, da Lei nº 8.112/90. Assim, o art. 192, I, da Lei nº 8.112/90, mesmo estando revogado em 2010, poderia ainda ser aplicado em sua situação porque quando ele preencheu os requisitos para se aposentar (em 1994) o dispositivo ainda estava em vigor. Logo, ao se aplicar o art. 192, I, da Lei nº 8.112/90, João, ao se aposentar como Juiz Federal, teria direito de receber os proventos como se fosse Desembargador Federal (classe imediatamente superior àquela em que ele se encontrava posicionado). O TCU, contudo, foi contra o argumento alegando que: a) o servidor estava pretendendo invocar direito adquirido a regime jurídico, o que não é permitido; b) o art. 192, I, da Lei nº 8.112/90 previa uma espécie de gratificação adicional, o que não se compatibiliza com o regime de subsídio, que significa parcela única. A tese defendida por João foi acolhida pelo STF? SIM. STF. 1ª Turma. MS 32726/DF, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgado em 7/2/2017 (Info 853). Deve ser aplicada a legislação vigente no tempo em que os requisitos para a aposentadoria foram atendidos, nos termos da Súmula 359 do STF:

Súmula 359-STF: Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários.

Assim, João tem direito aos proventos calculados com a incidência do inciso I do art. 192 da Lei nº 8.112/90. Não há violação ao regime do subsídio porque o servidor não pretende receber nenhum adicional de caráter salarial cumulativo ao subsídio. Sua intenção é continuar a perceber o mesmo valor determinado pela lei vigente ao tempo em que preencheu os requisitos para sua inativação, ou seja, os proventos equivalentes à remuneração atualmente paga sob o regime de subsídio, em parcela única, a um Desembargador Federal, na exata medida do Enunciado 359 do STF. Essa regra que existia no art. 192, I, da Lei nº 8.112/90 não pode ser considerada como "vantagem pessoal", o que afastaria do regime do subsídio.

DIREITO CIVIL

AUTONOMIA DAS ENTIDADES DESPORTIVAS O art. 59 do CC é compatível com a autonomia conferida aos clubes pelo art. 217, I, da CF/88

A autonomia das entidades desportivas não é absoluta.

O art. 59 do CC é compatível com a autonomia constitucional conferida aos clubes pelo art. 217, I, da CF/88.

STF. 1ª Turma. ARE 935482/SP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 07/02/2017 (Info 853).

O São Paulo Futebol Clube é uma associação (art. 53 do Código Civil). Em 2009, o Conselho Deliberativo do São Paulo decidiu fazer alterações no estatuto social do clube. Um grupo de sócios ajuizou ação pedindo a anulação dessas mudanças sob o argumento de que, de acordo com o Código Civil, a competência para alterações no estatuto social é da Assembleia Geral (órgão associativo maior do que o Conselho Deliberativo).

Page 7: ÍNDICE · É possível aplicar o princípio da insignificância para a conduta ... (segundo o STJ e o STF). ... nos termos utilizados pela legislação da época - e

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O dispositivo invocado pelos sócios foi o art. 59, II, do CC:

Art. 59. Compete privativamente à assembleia geral: (...) II – alterar o estatuto. Parágrafo único. Para as deliberações a que se referem os incisos I e II deste artigo é exigido deliberação da assembleia especialmente convocada para esse fim, cujo quorum será o estabelecido no estatuto, bem como os critérios de eleição dos administradores.

O São Paulo argumentou que não tinha o dever de submeter a proposta de aprovação do estatuto à Assembleia Geral, pois, segundo o art. 217, I, da CF/88, as associações desportivas são autônomas, podendo definir livremente o processo de administração que considere mais adequado:

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;

Em outras palavras, o clube defendeu que as associações desportivas são autônomas e, por essa razão, não estão submetidas à regra do art. 59, II, do Código Civil, podendo alterar seus estatutos na forma como melhor entenderem. Assim, o art. 59, II seria inconstitucional se fosse aplicado às entidades desportivas. A questão chegou até o STF. Qual das duas teses prevaleceu: a do grupo de sócios ou a do clube? A do grupo de sócios.

A autonomia das entidades desportivas não é absoluta. O art. 59 do CC é compatível com a autonomia constitucional conferida aos clubes pelo art. 217, I, da CF/88. STF. 1ª Turma. ARE 935482/SP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 07/02/2017 (Info 853).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA É válida a penhora realizada sobre bens de sociedade de economia mista

que posteriormente foi sucedida pela União

É válida a penhora em bens de pessoa jurídica de direito privado, realizada anteriormente à sucessão desta pela União, não devendo a execução prosseguir mediante precatório (art. 100, caput e § 1º, da Constituição Federal).

STF. Plenário. STF. Plenário. RE 693112-MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 09/02/2017 (repercussão geral) (Info 853).

Regime de precatórios O art. 100 da CF/88 prevê que se a Fazenda Pública Federal, Estadual, Distrital ou Municipal for condenada por sentença judicial transitada em julgado a pagar determinada quantia a alguém, este pagamento será feito sob um regime especial chamado de “precatório”:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

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O regime de precatórios é um privilégio instituído em favor da Fazenda Pública, considerando que ela não terá que pagar imediatamente o valor para o qual foi condenada, ganhando, assim, um "prazo" maior. Quem tem o privilégio de pagar por meio de precatório? A quem se aplica o regime dos precatórios? As Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais. Quando se fala em “Fazenda Pública”, essa expressão abrange:

União, Estados, DF e Municípios (administração direta);

autarquias;

fundações;

empresas públicas prestadoras de serviço público (ex: Correios);

sociedades de economia mista prestadoras de serviço público de atuação própria do Estado e de natureza não concorrencial (este último é polêmico, mas é o entendimento que prevalece).

Sobre o tema, o STF decidiu recentemente que:

As sociedades de economia mista prestadoras de serviço público de atuação própria do Estado e de natureza não concorrencial submetem-se ao regime de precatório. STF. 2ª Turma. RE 852302 AgR/AL, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 15/12/2015 (Info 812).

Segundo o STF, para que a sociedade de economia mista goze dos privilégios da Fazenda Pública, é necessário que ela não atue em regime de concorrência com outras empresas e que não tenha objetivo de lucro. Confira:

(...) Os privilégios da Fazenda Pública são inextensíveis às sociedades de economia mista que executam atividades em regime de concorrência ou que tenham como objetivo distribuir lucros aos seus acionistas. Portanto, a empresa Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. - Eletronorte não pode se beneficiar do sistema de pagamento por precatório de dívidas decorrentes de decisões judiciais (art. 100 da Constituição). (...) (STF. Plenário. RE 599628, Rel. Min. Ayres Britto, Relator p/ Acórdão Min. Joaquim Barbosa, julgado em 25/05/2011).

PENHORA DE BENS DE SOCIEDADES MISTAS ANTES DA SUCESSÃO PELA UNIÃO É CONSTITUCIONAL

Rede Ferroviária Federal (RFFSA) A Rede Ferroviária Federal (RFFSA) era uma sociedade de economia mista que integrava a Administração Indireta da União. A RFFSA tinha como objetivo promover e gerir os interesses da União no setor de transportes ferroviários. Na prática, ela realizava o transporte ferroviário no Brasil. A RFFSA tinha objetivo de lucro e não se enquadrava, portanto, na situação acima descrita em que as sociedades de economia mista podem se beneficiar do sistema de precatórios. Em suma, as execuções propostas contra a RFFSA eram regidas pelas regras normais da execução aplicáveis para qualquer empresa privada (penhora etc.). A RFFSA não gozava dos privilégios da Fazenda Pública, que, em regra, não são extensíveis às empresas públicas nem às sociedades de economia mista, porquanto submetidas ao regime jurídico das pessoas jurídicas de direito privado, nos termos do art. 173, § 1º, II, da CF/88:

Art. 173 (...) § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;

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Informativo 853-STF (20/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9

RFFSA foi sucedida pela União A MP 353/2007 determinou a extinção da RFFSA, sendo convertida na Lei nº 11.483/2007. O art. 2º da Lei nº 11.483/2007 estabeleceu que, a partir de 22 de janeiro de 2007, a União deveria suceder a extinta RFFSA nos direitos, obrigações e ações judiciais em que esta fosse autora, ré, assistente, opoente ou terceira interessada. Em suma, a União foi prevista como a sucessora legal da antiga Rede Ferroviária Federal (RFFSA), que foi extinta em 2007. Ocorre que existiam inúmeras execuções que estavam tramitando contra a RFFSA antes de ela ser extinta. Em vários desses processos já haviam sido penhorados bens da RFFSA e que estavam aguardando para serem alienados judicialmente. Quando houve a sucessão, a União assumiu o polo passivo nestes processos no lugar da RFFSA. A União passou a alegar nos processos que tais penhoras não poderiam mais ser mantidas. Isso porque a ela (União) aplica-se o regime dos precatórios e os bens da RFFSA passaram a ser bens da União (bens públicos), insuscetíveis de penhora. A tese da União foi aceita pelo STF? As penhoras realizadas anteriormente deverão ser desconstituídas? NÃO.

É válida a penhora em bens de pessoa jurídica de direito privado, realizada anteriormente à sucessão desta pela União, não devendo a execução prosseguir mediante precatório (art. 100, caput e § 1º, da Constituição Federal). STF. Plenário. RE 693112-MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 09/02/2017 (repercussão geral).

A sucessão não pode ter efeitos retroativos. Assim, os bens que eram da RFFSA e que estavam penhorados, podem continuar nesta condição. Se à época em que foi realizada a penhora a RFFSA não tinha sido sucedida pela União, significa dizer que esta constrição patrimonial foi legítima, não se podendo falar que houve afronta ao art. 100 da Constituição. Além disso, mudar agora o rito da execução, ou seja, depois de já haver penhora legitimamente realizada, representaria uma espécie de fraude contra os credores. Seria uma forma de retirar dos credores a garantia de seus créditos já aperfeiçoada e consolidada segundo as regras do regime anterior. Por fim, o Plenário frisou que, no caso, deve ser levado em conta que o débito exequendo decorre do pagamento de direitos trabalhistas, cuja pretensão já está a se arrastar por quase duas décadas. Salientou a existência de inúmeras execuções que tratam da mesma matéria cujos exequentes, se vivos, têm mais de 60 anos de idade. Concluiu que admitir a pretensão da União no sentido de submeter o crédito dos exequentes à ordem cronológica de apresentação dos precatórios tornaria ainda mais penosa a espera dos ex-trabalhadores em ver realizados seus direitos já reconhecidos e amparados pela coisa julgada. RELEMBRANDO TEMA CONEXO: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA E DÍVIDAS TRIBUTÁRIAS DECORRENTES DE SUCESSÃO Como vimos acima, em 2007, a antiga Rede Ferroviária Federal foi extinta e a Lei determinou que a União deveria ser sua sucessora nos direitos, obrigações e também nas ações judiciais em que a RFFSA figurasse como autora, ré, assistente, opoente ou terceira interessada (art. 2º da Lei nº 11.483/2007). Imagine agora que um ano antes disso, em 2006, o Município “X” ajuizou execução fiscal contra a RFFSA cobrando débitos de IPTU. A RFFSA, na época, era uma sociedade de economia exploradora de atividade econômica, razão pela qual não gozava de imunidade tributária recíproca, sendo, portanto, contribuinte regular do imposto. Em 2007, enquanto o processo ainda estava em curso, a União apresentou-se como sucessora da RFFSA e opôs embargos à execução alegando que ela (União) possui imunidade tributária recíproca e, como agora é sucessora do débito, este não pode mais ser cobrado. A interessante tese da União foi aceita pelo STF? NÃO.

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Inicialmente, o STF reafirmou que a RFFSA não tinha direito à imunidade. Isso porque se tratava de sociedade de economia mista, constituída sob a forma de sociedade por ações, e que se destinava à exploração de atividade econômica remunerada por preço ou tarifa paga pelos usuários. Desse modo, a ela era aplicado o regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações tributárias (art. 173, § 1º, II, da CF/88). Com a liquidação da RFFSA e com a já mencionada sucessão, a União se tornou responsável tributária pelos créditos inadimplidos, nos termos dos arts. 130 e seguintes do CTN. Especificamente quanto à tese da União, o STF afirmou que a regra constitucional da imunidade, por se destinar à proteção específica dos entes federados, é inaplicável aos créditos tributários constituídos contra pessoas jurídicas que não gozam do benefício e cuja tributação em nada afetaria o equilíbrio do pacto federativo. A imunidade tributária prejudica, em certa medida, a expectativa de arrecadação dos entes federados. Essa perda somente é tolerada pelos entes para satisfazer a outros valores, tão ou mais relevantes, previstos na Constituição (como o pacto federativo). No entanto, haveria um prejuízo injustificado ao Município caso se deixasse de tributar uma pessoa jurídica dotada de capacidade contributiva (no caso, a RFFSA). Em outras palavras, nesse caso concreto, a imunidade tributária recíproca, que é pensada para proteger o pacto federativo, acabaria gerando o efeito inverso ao mitigar a arrecadação municipal. O instituto da responsabilidade tributária dos sucessores (art. 130 do CTN) protege justamente o Fisco da inadimplência que poderia ocorrer em decorrência do desaparecimento jurídico do contribuinte. Na sucessão, o sucessor fica tanto com os eventuais créditos, como também com os débitos. Assim, deve arcar com as dívidas tributárias, ainda que se trate de um ente federado. Resumindo:

A antiga RFFSA era uma sociedade de economia mista federal, que foi extinta, e a União tornou-se sua sucessora legal nos direitos e obrigações. A União goza de imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, “a”, da CF/88). A RFFSA não desfrutava do benefício pois se tratava de entidade exploradora de atividade econômica. Os débitos tributários que a RFFSA possuía foram transferidos para a União e devem ser pagos, não podendo este ente invocar a imunidade tributária recíproca. O STF concluiu que a imunidade tributária recíproca não afasta a responsabilidade tributária por sucessão, na hipótese em que o sujeito passivo era contribuinte regular do tributo devido. STF. 1ª Turma. RE 599.176/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 5/6/2014 (Info 749).

DIREITO PENAL

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA É possível aplicar o princípio da insignificância para a conduta de manter rádio clandestina?

É possível aplicar o princípio da insignificância para a conduta de manter rádio comunitária clandestina?

STJ: NÃO. É inaplicável o princípio da insignificância ao delito previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97, nas hipóteses de exploração irregular ou clandestina de rádio comunitária, mesmo que ela seja de baixa potência, uma vez que se trata de delito formal de perigo abstrato, que dispensa a comprovação de qualquer dano (resultado) ou do perigo, presumindo-se este absolutamente pela lei. Nesse sentido: STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 740.434/BA, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 14/02/2017.

STF: SIM, é possível, em situações excepcionais, o reconhecimento do princípio da insignificância desde que a rádio clandestina opere em baixa frequência, em localidades afastadas dos grandes

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centros e em situações nas quais ficou demonstrada a inexistência de lesividade.

STF. 2ª Turma. HC 138134/BA, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 7/2/2017 (Info 853).

Manter rádio comunitária clandestina A conduta de manter rádio comunitária clandestina pode configurar, em tese, o delito previsto no art. 183

da Lei n. 9.472/97 ou o crime do art. 70 da Lei n. 4.117/62:

Lei nº 9.472/97

Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação: Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Lei nº 4.117/62

Art. 70. Constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos.

Qual é a diferença entre os dois delitos?

De acordo com o STF, o crime do art. 183 da Lei n. 9.472/97 somente ocorre quando houver habitualidade. Se esta estiver ausente, ou seja, quando o acusado vier a instalar ou se utilizar de telecomunicações clandestinamente, mas apenas uma vez ou de modo não rotineiro, a conduta fica subsumida no art. 70 da Lei 4.117/62, pois não haverá aí um meio ou estilo de vida, um comportamento

reiterado ao longo do tempo, que seria punido de modo mais severo pelo art. 183 da Lei n. 9.472/97 (STF. HC 93870/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 20.4.2010).

Art. 70 da Lei n. 4.117/62 Art. 183 da Lei n. 9.472/97

Não exige habitualidade. Exige habitualidade.

O STJ possui precedentes adotando outro critério de distinção:

Art. 70 da Lei n. 4.117/62 Art. 183 da Lei n. 9.472/97

Pune-se o agente que, apesar de autorizado anteriormente pelo órgão competente, age de forma contrária aos preceitos legais e regulamentos que regem a matéria.

Pune o agente que desenvolve atividades de telecomunicações de forma clandestina, ou seja, sem qualquer autorização prévia do Poder Público.

Tinha uma autorização prévia e extrapolou. Nunca teve uma autorização prévia (a atividade é clandestina).

Seja um crime ou outro, é possível aplicar o princípio da insignificância para a conduta de manter rádio comunitária clandestina? STJ: a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que NÃO se aplica o princípio da insignificância. Veja:

(...) A instalação de estação de radiodifusão clandestina é delito formal, de perigo abstrato, bastante, por si só, para comprometer a segurança e a regularidade do sistema de telecomunicações do país. Desse modo, inviável a aplicação do princípio da insignificância, ainda que se trate de serviço de baixa potência. (...) STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 740.434/BA, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 14/02/2017.

STF: em regra, também nega a aplicação do princípio. No entanto, possui alguns precedentes admitindo, em casos excepcionais, o reconhecimento do postulado desde que a rádio clandestina opere em baixa frequência, em localidades afastadas dos grandes centros e em situações nas quais ficou demonstrada a

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inexistência de lesividade:

(...) O exame pericial elaborado pela ANATEL, que demonstrou que a suposta operação de rádio clandestina seria de baixa potência, não comprovou a sua efetiva interferência nos serviços de comunicação devidamente autorizados, o que demonstra a ausência de potencialidade lesiva ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal incriminador. 2. A constatação da fiscalização de que a programação da rádio “era basicamente constituída de conteúdo evangélico” (fl. 9 do anexo 3) permite concluir a ausência de periculosidade social da ação e o reduzido grau de reprovabilidade da conduta do paciente, o que abre margem para a observância do postulado da insignificância, já que preenchidos os seus vetores. (...) STF. 1ª Turma. HC 122507, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/08/2014.

(...) Rádio comunitária que era operada no KM 180 da BR 230 (Rodovia Transamazônica), comunidade de Santo Antônio do Matupi, Município de Manicoré/AM, distante, aproximadamente, 332 km de Manaus/AM, o que demonstra ser remota a possibilidade de que pudesse causar algum prejuízo para outros meios de comunicação. IV – Segundo a decisão que rejeitou a denúncia, o transmissor utilizado pela emissora operava com potência de 20 watts e o funcionamento de tal transmissor não tinha aptidão para causar problemas ou interferências prejudiciais em serviços de emergência. (...) STF. 2ª Turma. RHC 118014, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 06/08/2013.

Caso concreto julgado no Informativo João era proprietário de uma rádio comunitária instalada na zona rural de Bandiaçu, no distrito de Conceição do Coité (BA). O MPF denunciou o agente pela prática do crime do art. 183 da Lei nº 9.472/97. A 2ª Turma do STF, contudo, por unanimidade, aplicou ao caso o princípio da insignificância, levando em conta o fato de o alcance da emissora ser de apenas 500 metros e de não ter sido detectada interferência em outros canais de comunicação. Na situação em tela a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), em laudo técnico, reconheceu que, se a alegada interferência se confirmasse, atingiria canais que não estão sequer outorgados a operar na pequena área de cobertura da rádio comunitária. Diante disso, é possível reconhecer a atipicidade material da conduta ante a incidência na hipótese do princípio da insignificância. Afinal, o bem jurídico tutelado pela norma (segurança dos meios de comunicação) permaneceu incólume, sem sofrer qualquer espécie de lesão nem ameaça de lesão a merecer intervenção do Direito Penal. Nesse sentido, não foi demonstrada lesividade concreta, mas apenas potencial. Assim, a matéria deve ser resolvida na esfera administrativa (multa, apreensão dos equipamentos etc.). Salientou, por fim, a importância das rádios comunitárias como prestadoras de serviço público e a aparente boa-fé do paciente. STF. 2ª Turma. HC 138134/BA, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 7/2/2017 (Info 853).

Resumindo:

É possível aplicar o princípio da insignificância para a conduta de manter rádio comunitária clandestina? STJ: NÃO. Nesse sentido: STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 740.434/BA, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 14/02/2017. STF: SIM, é possível, em situações excepcionais, o reconhecimento do princípio da insignificância desde que a rádio clandestina opere em baixa frequência, em localidades afastadas dos grandes centros e em situações nas quais ficou demonstrada a inexistência de lesividade. STF. 2ª Turma. HC 138134/BA, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 7/2/2017 (Info 853).

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Informativo 853-STF (20/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA Competência para julgar crimes ambientais envolvendo animais silvestres,

em extinção, exóticos ou protegidos por compromissos internacionais

Importante!!!

Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime ambiental de caráter transnacional que envolva animais silvestres, ameaçados de extinção e espécimes exóticas ou protegidas por compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

STF. Plenário. RE 835558/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 9/2/2017 (repercussão geral) (Info 853)

De quem é a competência para julgar crimes ambientais? Em regra, a competência é da Justiça Estadual. Por quê? Porque a competência da Justiça Federal é constitucional e taxativa. Assim, somente será de competência da Justiça Federal comum se a situação se enquadrar em uma das hipóteses previstas nos incisos dos arts. 108 e 109 da CF/88. Os crimes contra o meio ambiente, em princípio, não se amoldam em nenhum dos incisos do art. 109, razão pela qual a competência é da Justiça Estadual, que possui competência residual. Exceção A competência será da Justiça Federal se o crime ambiental: a) atentar contra bens, serviços ou interesses diretos e específicos da União ou de suas entidades autárquicas; b) for previsto tanto no direito interno quanto em tratado ou convenção internacional, tiver a execução iniciada no País, mas o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou na hipótese inversa; c) tiver sido cometido a bordo de navios ou aeronaves; d) houver sido praticado com grave violação de direitos humanos; e) guardar conexão ou continência com outro crime de competência federal, ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral. Vale ressaltar que a proteção do meio ambiente é uma competência comum da União, dos Estados, do DF e dos Municípios (art. 23, VI e VII, da CF/88). Isso significa que a responsabilidade é de todos os entes federativos. Assim, todo crime ambiental gera um interesse genérico da União. A competência somente será da Justiça Federal se o delito praticado atingir interesse direto e específico da União, de suas entidades autárquicas ou de empresas públicas federais. Análise de alguns casos concretos 1) Crimes contra a fauna Em regra, a competência será da Justiça Estadual. Está cancelada a súmula 91 do STJ, que dizia o seguinte: "Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra a fauna." 2) Crime ambiental apurado a partir de auto de infração lavrado pelo IBAMA Muitos crimes ambientais são descobertos e processados a partir de um auto de infração administrativa, que é lavrado pelos órgãos de fiscalização ambiental. Ex: o IBAMA constata um ilícito ambiental, multa o infrator e remete os autos do processo administrativo para o Ministério Público. O simples fato de o auto de infração ter sido lavrado pelo IBAMA não faz com que, obrigatoriamente, este

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crime seja julgado pela Justiça Federal. Isso porque a competência para proteger o meio ambiente é comum, de forma que o IBAMA atua e pune mesmo se a infração ambiental for de âmbito local (e não regional ou nacional). Assim, a atuação administrativa não vincula a competência jurisdicional para apurar o crime.

3. Na hipótese, verifica-se que o Juízo Estadual declinou de sua competência tão somente pelo fato de o auto de infração ter sido lavrado pelo IBAMA, circunstância que se justifica em razão da competência comum da União para apurar possível crime ambiental, não sendo suficiente, todavia, por si só, para atrair a competência da Justiça Federal. (...) STJ. 3ª Seção. CC 113.345/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/8/2012.

A atribuição do IBAMA de fiscalizar a preservação do meio ambiente também não atrai a competência da Justiça Federal para processamento e julgamento de ação penal referente a delitos ambientais. STJ. 3ª Seção. CC 97.372/SP, Rel. Min. Celso Limongi (Des. Conv. do TJ/SP), julgado em 24/3/2010.

3) Crime praticado em rio interestadual, se isso puder causar reflexos em âmbito regional ou nacional. Os rios interestaduais, ou seja, os rios que banhem mais de um Estado, são considerados bens da União (art. 20, III, da CF/88). Logo, se o crime ambiental é praticado em rio interestadual, a competência é da Justiça Federal, com base no art. 109, IV, da CF/88, desde que isso possa causar reflexos em âmbito regional ou nacional. Ex: derramamento de óleo às margens do Rio Negro. STJ. 3ª Seção. CC 145.420/AM, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/08/2016.

Cabe à Justiça Federal o julgamento de crime ambiental praticado no Rio Amazonas, pois se cuida de Rio interestadual e internacional, afetando, assim, os interesses da união. STJ. 6ª Turma. RMS 26.721/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 12/04/2012.

Mas atenção. Se o crime for praticado em parte de um rio interestadual, mas sem possibilidade de gerar reflexos regionais ou nacionais, a competência será da Justiça Estadual. É o caso, por exemplo, de um pequeno pescador que pratica pesca ilegal em parte do rio interestadual. Como neste caso não há reflexos em âmbito regional ou nacional, a competência será da Justiça Estadual.

(...) 3. Assim sendo, para atrair a competência da Justiça Federal, o dano decorrente de pesca proibida em rio interestadual deveria gerar reflexos em âmbito regional ou nacional, afetando trecho do rio que se alongasse por mais de um Estado da Federação, como ocorreria se ficasse demonstrado que a atividade pesqueira ilegal teria o condão de repercutir negativamente sobre parte significativa da população de peixes ao longo do rio, por exemplo, impedindo ou prejudicando seu período de reprodução sazonal. 4. Situação em que os danos ambientais afetaram apenas a parte do rio próxima ao Município em que a infração foi verificada, visto que a denúncia informa que apenas dois espécimes, dentre os 85 Kg (oitenta e cinco quilos) de peixes capturados, tinham tamanho inferior ao mínimo permitido e os apetrechos de pesca apresentavam irregularidades como falta de plaquetas de identificação, prejuízos que não chegam a atingir a esfera de interesses da União. (....) STJ. 3ª Seção. CC 146.373/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 11/05/2016.

4) Crime praticado em mar territorial e em terreno de marinha O mar territorial e os terrenos de marinha também são bens da União (art. 20, VI e VII, da CF/88). Logo, os crimes ambientais ali praticados são de competência da Justiça Federal porque a jurisprudência considera que há interesse direto e específico da União. Obs: o crime será de competência da Justiça Federal mesmo que ainda não tenha havido demarcação oficial do terreno de marinha. STJ. 5ª Turma. RHC 50.692/SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 05/04/2016.

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5) Crime cometido dentro ou no entorno de unidade de conservação federal Trata-se de competência da Justiça Federal considerando que há, no caso, interesse direto e específico da União. STJ. 3ª Seção. CC 100.852/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 28/04/2010. 6) Extração ilegal de recursos minerais O crime de extração ilegal de recursos minerais, previsto no art. 55 da Lei nº 9.605/98, é considerado um crime ambiental. A competência para julgá-lo é da Justiça Federal, não importando o local em que tenha sido cometido. Assim, mesmo que os recursos tenham sido extraídos ilegalmente de uma propriedade particular, a competência continua sendo da Justiça Federal. A razão para isso está no fato de que os recursos minerais são bens de propriedade da União (art. 20, IX, da CF/88), razão pela qual atrai o art. 109, IV. Nesse sentido: STJ. 3ª Seção. CC 116.447/MT, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 25/05/2011. 7) Crime praticado contra áreas ambientais classificadas como patrimônio nacional O art. 225, § 4º da CF/88 prevê que a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são "patrimônio nacional". A expressão "patrimônio nacional" não significa dizer que tais áreas sejam consideradas como "bens da União". Não o são. Assim, os crimes cometidos contra a Floresta Amazônica, contra a Mata Atlântica etc. (ex: desmatamento) são, em regra, de competência da Justiça Estadual.

Não há se confundir patrimônio nacional com bem da União. Aquela locução revela proclamação de defesa de interesses do Brasil diante de eventuais ingerências estrangeiras. (...) STJ. 3ª Seção. CC 99.294/RO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 12/08/2009.

8) Crime ocorrido em área de assentamento do INCRA Embora a pulverização do agrotóxico tenha ocorrido em escola localizada em área de assentamento de responsabilidade do INCRA, autarquia federal, não há diretamente qualquer interesse, direito ou bem da União, de suas autarquias ou empresas públicas envolvidos, sendo, se existente, meramente reflexo o interesse do INCRA. Logo, a competência é da Justiça Estadual. STJ. 3ª Seção. CC 139.810/GO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 26/08/2015. Animais silvestres, em extinção, exóticos ou protegidos por compromissos internacionais O STF decidiu que:

Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime ambiental de caráter transnacional que envolva animais silvestres, ameaçados de extinção e espécimes exóticas ou protegidas por compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. STF. Plenário. RE 835558-SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 09/02/2017 (repercussão geral).

Obs1: nem todo crime ambiental de caráter transacional será de competência da Justiça Federal. Obs2: nem todo crime que envolva animais silvestres, ameaçados de extinção, espécimes exóticas, ou protegidos por compromissos internacionais assumidos pelo Brasil será de competência da Justiça Federal.

Compete à JUSTIÇA FEDERAL julgar crime ambiental que envolva...

animais silvestres;

animais ameaçados de extinção;

espécimes exóticas; ou

animais protegidos por compromissos internacionais assumidos pelo Brasil

... desde que haja caráter transnacional.

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Caráter transnacional Para que o crime seja de competência da Justiça Federal é necessário que, além de ele envolver os animais acima listados, exista, no caso concreto, um caráter transnacional na conduta. Diz-se que existe caráter transnacional (também chamado de "relação de internacionalidade") quando: • iniciada a execução do crime no Brasil, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro; ou • iniciada a execução do crime no estrangeiro, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no Brasil. Se ocorrer uma dessas duas situações há caráter transnacional na conduta. Interesse direto, específico e imediato da União Segundo argumentou o Min. Luiz Fux: “A razão de ser das normas consagradas no direito interno e no direito convencional conduz à conclusão de que a transnacionalidade do crime ambiental de exportação de animais silvestres atinge interesse direto, específico e imediato da União, voltado à garantia da segurança ambiental no plano internacional, em atuação conjunta com a comunidade das nações. Portanto, o envio clandestino de animais silvestres ao exterior reclama interesse direto da União no controle de entrada e saída de animais do território nacional, bem como na observância dos compromissos do Estado brasileiro com a comunidade internacional, para a garantia conjunta de concretização do que estabelecido nos acordos internacionais de proteção do direito fundamental à segurança ambiental. Assim, a natureza transnacional do delito ambiental de exportação de animais silvestres atrai a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/1988.”

FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO Arquivamento da investigação com relação à autoridade com foro privativo e remessa dos autos

para a 1ª instância para continuidade quanto aos demais

Se o STF entende que não há indícios contra a autoridade com foro privativo e se ainda existem outros investigados, a Corte deverá remeter os autos ao juízo de 1ª instância para que continue a apuração da eventual responsabilidade penal dos terceiros no suposto fato criminoso.

STF. 1ª Turma. Inq 3158 AgR/RO, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Rosa Weber, julgado em 7/2/2017 (Info 853).

Imagine a seguinte situação hipotética: Tramitava uma operação policial em 1ª instância que investigava 5 pessoas. Durante as investigações, a partir de interceptações telefônicas, surgiram indícios da suposta participação de um Senador nos fatos delituosos. Diante disso, o Juiz responsável pelo caso declinou da competência para o STF. Chegando lá, o Procurador-Geral da República, após analisar os fatos, entendeu que não havia indícios contra o Senador e pediu o arquivamento da investigação quanto a ele. O STF determinou o arquivamento apenas quanto ao Senador. Neste cenário, qual deverá ser o procedimento a ser adotado: a autoridade policial inicia novo inquérito policial em 1ª instância para investigar as demais pessoas sem foro privativo ou o STF deverá remeter os autos para que a investigação prossiga a partir daquilo que já existia? O STF deverá determinar a remessa dos autos ao juízo de 1ª instância para que continue a apuração da eventual responsabilidade penal dos terceiros no suposto fato criminoso.

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Como o Ministério Público entende que ainda existem indícios contra os indivíduos sem prerrogativa de foro, é adequado o encaminhamento dos autos originais ao juízo declinante para, se for o caso, o órgão do MP na origem prossiga na investigação com o aproveitamento dos atos até então praticados. Vale ressaltar que a atuação judicial durante as investigações preliminares deve ser comedida e, por se tratar de um momento ainda bastante embrionário, não cabe ao magistrado definir os limites objetivos e subjetivos da investigação. STF. 1ª Turma. Inq 3158 AgR/RO, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Rosa Weber, julgado em 7/2/2017 (Info 853).

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Com a edição da Lei nº 3.353/59, passou-se a exigir, para a contagem do tempo como aluno-aprendiz,

que o interessado demonstrasse que prestava serviços na instituição de ensino e que era remunerado como forma de pagamento pelas encomendas que recebia. O elemento essencial à caracterização do tempo de serviço como aluno-aprendiz não é a percepção de vantagem direta ou indireta, mas a efetiva execução do ofício para o qual recebia instrução, mediante encomendas de terceiros. ( )

2) (Juiz Federal TRF4 2014) Excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão, nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado. ( )

3) (Juiz TJDFT 2016 CESPE) Nos processos perante o TCU, em que há apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, é prescindível assegurar-se o contraditório e a ampla defesa, a despeito do decurso de qualquer lapso temporal. ( )

4) (Promotor MPDFT 2015) O Supremo Tribunal Federal alterou o Verbete n. 359 da sua Súmula. Originalmente dizia: “Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários, inclusive a apresentação do requerimento quando a inatividade for voluntária.” A alteração suprimiu a parte final (“inclusive a apresentação do requerimento quando a inatividade foi voluntária”). Sobre o assunto, é correto afirmar que o direito à aposentaria é potestativo, incorporando-se ao patrimônio do servidor quando cumpridos os requisitos necessários, ainda que não tenha solicitado a aposentadoria. ( )

5) (Promotor MPDFT 2015) O Supremo Tribunal Federal alterou o Verbete n. 359 da sua Súmula. Originalmente dizia: “Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários, inclusive a apresentação do requerimento quando a inatividade for voluntária.” A alteração suprimiu a parte final (“inclusive a apresentação do requerimento quando a inatividade foi voluntária”). Sobre o assunto, é correto afirmar que as regras supervenientes de aposentadoria, não obstante mais gravosas, são aplicáveis a todos os servidores ativos porque não há direito adquirido a regime jurídico. ( )

6) A autonomia das entidades desportivas não é absoluta. O art. 59 do CC é compatível com a autonomia constitucional conferida aos clubes pelo art. 217, I, da CF/88. ( )

7) É válida a penhora em bens de pessoa jurídica de direito privado, realizada anteriormente à sucessão desta pela União, não devendo a execução prosseguir mediante precatório. ( )

8) Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime ambiental de caráter transnacional que envolva animais silvestres, ameaçados de extinção e espécimes exóticas ou protegidas por compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. ( )

9) (Juiz Federal TRF5 2011 CESPE) Suponha que determinado indivíduo tenha praticado caça em propriedade particular, sem permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a

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Informativo 853-STF (20/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18

licença ou permissão obtida. Nessa situação, a competência para julgar o delito será da justiça federal, instância competente para processar e julgar os crimes praticados contra a fauna. ( )

10) (Delegado PC-DF 2015 FUNIVERSA) De acordo com a jurisprudência do STF e do STJ, a competência para julgamento do crime ambiental será da justiça federal quando atingir, ainda que de forma indireta e genérica, interesse da União ou de suas autarquias e empresas públicas. ( )

Gabarito

1. C 2. C 3. E 4. C 5. E 6. C 7. C 8. C 9. E 10. E

JULGADO NÃO COMENTADO

Direito Administrativo - Responsabilidade do Estado Responsabilidade subsidiária da Administração e encargos trabalhistas não adimplidos - 2 O Plenário retomou o julgamento de recurso extraordinário em que se discute a responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviço. Na origem, o TST manteve a responsabilidade subsidiária de entidade da Administração Pública — tomadora de serviços terceirizados — pelo pagamento de verbas trabalhistas não adimplidas pela empresa contratante. Isso ocorreu em razão da existência de culpa “in vigilando” do órgão público, caracterizada pela falta de acompanhamento e fiscalização da execução de contrato de prestação de serviços, em conformidade com a nova redação dos itens IV e V da Súmula 331 do TST (“IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial; e V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei 8.666, de 21.6.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada”). A recorrente alega que o acórdão recorrido, ao condenar subsidiariamente o ente público, com base no art. 37, § 6º, da CF, teria desobedecido ao conteúdo da decisão proferida no julgamento da ADC 16 (DJE de 9.9.2011) e, consequentemente, ao disposto no art. 102, § 2º, da CF. Afirma que o acórdão recorrido teria declarado a inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993, embora a norma tenha sido declarada constitucional no julgamento da ADC 16. Sustenta violação dos arts. 5°, II, e 37, “caput”, da CF, por ter o TST inserido no item IV da sua Súmula 331 obrigação frontalmente contrária ao previsto no art. 71, § 1º, da Lei de Licitações. Defende, por fim, que a culpa “in vigilando” deveria ser provada pela parte interessada, e não ser presumida — v. Informativo 852. Na assentada, o ministro Edson Fachin acompanhou na íntegra o voto da ministra Rosa Weber (relatora), no sentido do não provimento do recurso extraordinário, na parte em que conhecida — apenas quanto ao tema da responsabilidade subsidiária —, no que foi seguido pelos ministros Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. A par das conclusões defendidas pela ministra relatora — a) impossibilidade de transferência automática para a Administração Pública da responsabilidade subsidiária pelo descumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa terceirizada; b) viabilidade de responsabilização do ente público em caso de culpa comprovada em fiscalizar o cumprimento dessas obrigações; e c) que cabe à Administração Pública comprovar que fiscalizou adequadamente o cumprimento das obrigações trabalhistas pelo contratado —, o ministro Roberto Barroso acrescentou que compete à Administração o ônus de provar que houve fiscalização. O dever de fiscalização da Administração acerca do cumprimento de obrigações trabalhistas pelas empresas contratadas constitui obrigação de meio, e não de resultado, e pode ser realizado por

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Informativo 853-STF (20/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19

amostragem, estruturada pelo próprio ente público com apoio técnico de órgão de controle externo, caso em que gozará de presunção “juris tantum” de razoabilidade. O ministro ainda asseverou que, constatada pelo Poder Público a ocorrência de inadimplência trabalhista pela contratada, a empresa deve ser notificada — com a definição de prazo para sanar a irregularidade — e, em caso de não atendimento, deve o Poder Público promover ação de depósito, com a liquidação e o pagamento, em juízo, das importâncias devidas, abatendo-se tais importâncias do valor devido à empresa contratada. Consignou, por fim, não ser válida a responsabilização subsidiária do ente público, com base em afirmação genérica de culpa “in vigilando”, sem a indicação, com rigor e precisão, dos fatos e das circunstâncias que configuram essa culpa, bem como se comprovada pela Administração a realização da fiscalização por amostragem e a adoção de medidas mitigadoras. O ministro Luiz Fux deu provimento ao recurso extraordinário — na parte em que conhecido. Para o ministro, uma interpretação conforme do art. 71 da Lei 8.666/1993, com o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da Administração Pública, infirma a decisão tomada no julgamento da ADC 16 (DJE de 9.9.2011), nulificando, por conseguinte, a coisa julgada formada sobre a declaração de constitucionalidade do dispositivo legal. Ademais, observou que, com o advento da Lei 9.032/1995, o legislador buscou excluir a responsabilidade subsidiária da Administração, exatamente para evitar o descumprimento do disposto no art. 71 da Lei 8.666/1993, declarado constitucional por esta Suprema Corte. Os ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli e Gilmar Mendes acompanharam a divergência. Em seguida, o Tribunal deliberou suspender o julgamento para aguardar o voto da ministra Cármen Lúcia (presidente). RE 760931/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 8.2.2017. (RE-760931)

OUTRAS INFORMAÇÕES

CLIPPING DA REPERCUSSÃO GERAL DJe de 6 a 10 de fevereiro de 2017

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 950.787-SP RELATOR: MIN. LUIZ FUX

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. RECISÃO CONTRATUAL. INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS CONSTRUÍDAS. FUNÇÃO

SOCIAL DA PROPRIEDADE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DO ACESSO À

JUSTIÇA. IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INEXISTÊNCIA DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. SÚMULAS 279 E 454

DO STF. TEMA 890. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 983.765-DF RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO

Ementa: DIREITO PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COMPENSAÇÃO DA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA COM A ATENUANTE DA

CONFISSÃO ESPONTÂNEA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

1. O Tribunal de origem, ao interpretar o art. 67 do Código Penal, entendeu ser possível a compensação entre a agravante da reincidência e

a atenuante da confissão espontânea, por considerá-las, em tese, igualmente preponderantes.

2. Inexistência de matéria constitucional a ser apreciada. Questão restrita à interpretação de norma infraconstitucional.

3. Afirmação da seguinte tese: não tem repercussão geral a controvérsia relativa à possibilidade ou não de compensação da agravante da

reincidência com a atenuante da confissão espontânea.

CLIPPING DO DJE 6 a 10 de fevereiro de 2017

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Informativo 853-STF (20/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20

ADI N. 4.862-PR RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei 16.785, de 11 de janeiro de 2011, do Estado do Paraná. 3. Cobrança proporcional ao tempo

efetivamente utilizado por serviços de estacionamento privado. Inconstitucionalidade configurada. 4. Ação direta julgada procedente.

*noticiado no Informativo 835

AG. REG. NO ARE N. 982.744-MG RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ALEGADA CONTRARIEDADE AO ART. 5º, LV, DA

CONSTITUIÇÃO. OFENSA REFLEXA. SUSCITADA VIOLAÇÃO AO ART. 93, IX, DA LEI MAIOR. INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO DEVIDAMENTE

FUNDAMENTADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. NECESSIDADE DE REEXAME DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL, DO

ACERVO PROBATÓRIO DOS AUTOS E DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. OFENSA INDIRETA. SUMÚLAS 279 E 454 DO STF. MAJORAÇÃO DOS

HONORÁRIOS. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO, COM APLICAÇÃO DE MULTA.

I – Esta Corte firmou orientação no sentido de ser inadmissível, em regra, a interposição de recurso extraordinário p ara discutir

matéria relacionada à ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e da prestação

jurisdicional, quando a verificação dessa alegação depender de exame prévio de legislação infraconstituciona l, por configurar situação de

ofensa reflexa ao texto constitucional.

II – A exigência do art. 93, IX, da Constituição não impõe seja a decisão exaustivamente fundamentada. O que se busca é que o

julgador indique de forma clara as razões de seu convencimento.

III – É inadmissível o recurso extraordinário quando sua análise implica rever a interpretação de normas infraconstitucionais que

fundamentam a decisão a quo. A afronta à Constituição, se ocorrente, seria apenas indireta.

IV – Para se chegar à conclusão contrária à adotada pelo Tribunal de origem, necessário seria o reexame do conjunto fático -

probatório constante dos autos e de cláusulas contratuais, o que atrai a incidência das Súmulas 279 e 454 do STF.

V - Majorada a verba honorária fixada anteriormente, nos termos do art. 85, § 11, do CPC, observados os limites legais dos § 2º e §

3º do mesmo artigo.

VI - Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º do CPC.

HC N. 131.886-CE RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

TELECOMUNICAÇÕES – ATIVIDADE CLANDESTINA – EMISSORA – BAIXA FREQUÊNCIA – TIPICIDADE. A questão de a emissora de

radiodifusão clandestina operar em baixa frequência repercute na fixação da pena-base – consequências do crime.

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais

aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham

despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Improbidade administrativa - Ex-Governador de Estado - Sujeição a duplo regime de responsabilização (Transcrições)

RE 803.297/RS*

RELATOR: Ministro Celso de Mello

EMENTA: IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGENTE POLÍTICO. COMPORTAMENTO ALEGADAMENTE OCORRIDO NO EXERCÍCIO DE MANDATO DE GOVERNADOR DE ESTADO. POSSIBILIDADE DE SUJEIÇÃO A DUPLO REGIME JURÍDICO: (1)

RESPONSABILIZAÇÃO POLÍTICA, MEDIANTE “IMPEACHMENT” (LEI Nº 1.079/50), DESDE QUE AINDA TITULAR DE REFERIDO

MANDATO ELETIVO E (2) RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI Nº 8.429/92). EXTINÇÃO

SUBSEQUENTE DO MANDATO DE GOVERNADOR DE ESTADO. EXCLUSÃO DO REGIME FUNDADO NA LEI Nº 1.079/50 (ART.76,

PARÁGRAFO ÚNICO). PLEITO RECURSAL QUE OBJETIVA EXTINGUIR PROCESSO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, EM

RAZÃO DE, À ÉPOCA DOS FATOS, A RECORRENTE (Yeda Crusius) OSTENTAR A QUALIDADE DE CHEFE DO PODER EXECUTIVO LOCAL. APLICABILIDADE, CONTUDO, A EX-GOVERNADOR DE ESTADO, DO REGIME JURÍDICO FUNDADO NA LEI Nº 8.429/92.

DOUTRINA. PRECEDENTES. REGIME DE PLENA RESPONSABILIDADE DOS AGENTES ESTATAIS, INCLUSIVE DOS AGENTES

POLÍTICOS, COMO EXPRESSÃO NECESSÁRIA DO PRIMADO DA IDEIA REPUBLICANA. O RESPEITO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA COMO PRESSUPOSTO LEGITIMADOR DOS ATOS GOVERNAMENTAIS. PRETENSÃO QUE, SE ACOLHIDA,

TRANSGREDIRIA O DOGMA REPUBLICANO DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS. PARECER DA PROCURADORIA-

GERAL DA REPÚBLICA PELO IMPROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO DEDUZIDO POR YEDA RORATO CRUSIUS. DECISÃO QUE NEGA PROVIMENTO A ESSE APELO EXTREMO, PREJUDICADO O RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO

PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

DECISÃO: Trata-se de recursos extraordinários interpostos pelo Ministério Público Federal, de um lado, e por Yeda Rorato Crusius, de outro. O primeiro

apelo extremo foi deduzido contra acórdão proferido pelo E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, e o segundo recurso extraordinário, contra acórdão

emanado do E. Superior Tribunal de Justiça.

As partes ora recorrentes, ao deduzirem os apelos extremos em questão, sustentaram que os Tribunais de origem teriam transgredido preceitos

inscritos na Constituição da República. Com efeito, a recorrente Yeda Crusius sustenta que agentes políticos (como os Chefes do Poder Executivo estadual) não se sujeitam à Lei Federal nº

8.429/1992, mas, unicamente, ao regime constitucional dos crimes de responsabilidade a que aludem a Lei nº 1.079/50 e o texto constitucional.

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Informativo 853-STF (20/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21

O acórdão que o E. Superior Tribunal de Justiça proferiu no caso ora em exame, acolhendo o recurso especial deduzido pelo Ministério Público

Federal (que se insurgiu contra julgamento emanado do E. TRF/4ª Região), está assim ementado:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL.

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGENTE POLÍTICO. APLICAÇÃO DA LEI Nº 8.429/1992. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. …......................................................................................................

2. Discute-se nos autos a possibilidade de aplicação da Lei nº 8.429, de 1992 a agente político que exerce o cargo de Governador de

Estado. 3. O Tribunal de origem decidiu que ‘a Lei nº 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos por atos de

improbidade administrativa, não se aplica aos agentes políticos, porquanto estes, nesta condição, não respondem por improbidade administrativa,

mas, apenas, por crime de responsabilidade‘. 4. A jurisprudência desta Corte, ao contrário do que decidiu o acórdão recorrido, firmou-se no sentido da ‘possibilidade de ajuizamento

de ação de improbidade em face de agentes políticos, em razão da perfeita compatibilidade existente entre o regime especial de

responsabilização política e o regime de improbidade administrativa previsto na Lei n. 8.429/92, cabendo, apenas e tão-somente, restrições em relação ao órgão competente para impor as sanções quando houver previsão de foro privilegiado ’ratione personae’ na Constituição da República

vigente’ (REsp 1282046/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16.2.2012, DJe 27.2.2012).

5. No mesmo sentido são os precedentes: AgRg no AREsp 141.623/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em

6.12.2012, DJe 4.2.2013; REsp 1130584/PB, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 18.9.2012, DJe 21.9.2012; AgRg

no REsp 1127541/RN, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 4.11.2010, DJe 11.11.2010.

6. Por fim, na sessão do dia 16.9.2013, no julgamento do AgRg na Rcl 12.514/MT, de relatoria do Ministro Ari Pargendler, a Corte Especial firmou orientação no sentido de que o foro por prerrogativa de função não se estende ao processamento das ações de improbidade

administrativa.

Embargos de declaração recebidos como agravo regimental e provido.” (REsp 1.216.168-AgRg-EDcl/RS, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS – grifei)

Sendo esse o contexto, passo a examinar as postulações recursais em causa. E, ao fazê-lo, mostra-se importante assinalar – considerada a estrita

delimitação que esta Suprema Corte estabeleceu no julgamento da Rcl 2.138/DF (em decisão que, inteiramente desprovida de efeito vinculante, restringiu o

debate do tema, limitando-o, unicamente, aos Ministros de Estado) – que a pretendida inaplicabilidade da Lei nº 8.429/92 aos agentes políticos locais (como os Governadores, p. ex.), tal como ora sustentado por Yeda Rorato Crusius, conduziria, se admitida fosse, à completa frustração do dogma republicano

segundo o qual todos os agentes públicos são essencialmente responsáveis (“accountable”) pelos comportamentos que adotem na prática do respectivo

ofício governamental. O que me parece irrecusável, no exame da controvérsia em análise, é que o acolhimento da pretensão deduzida pela recorrente em referência,

especificamente considerado o contexto em causa, torná-la-ia imune a qualquer responsabilização, pois, já não mais titularizando mandato de Governador de

Estado, não seria possível instaurar-se, contra ela, o concernente processo de “impeachment” (Lei nº 1.079/50, art. 76, parágrafo único). De outro lado, e se admitida a tese ora sustentada nesta sede recursal, também não incidiria, na espécie, a Lei nº 8.429/92, eis que a recorrente, ex-

Governadora de Estado, é categórica ao pretender a sua não sujeição à disciplina estabelecida no diploma legislativo que dispõe sobre improbidade

administrativa e estabelece o procedimento ritual concernente à respectiva ação civil. É por tal motivo que se impõe reconhecer, em situações como a destes autos (em que já cessou a investidura no mandato de Governador de Estado),

a plena e integral aplicabilidade da Lei nº 8.429/92, ainda mais se tiver presente que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 2.797/DF e a ADI

2.806/DF, das quais foi Relator o eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, declarou a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 84 do Código de

Processo Penal, introduzidos pela Lei nº 10.628/2002, a significar, portanto, que, mesmo que se pudesse reconhecer a competência originária do Supremo

Tribunal Federal, de Tribunais Superiores ou de Tribunais de segundo grau (o que se alega por mera concessão dialética), ainda assim não se revelaria invocável qualquer prerrogativa de foro, perante tais órgãos judiciários, em se tratando de ex-titulares de determinados mandatos, cargos ou funções.

Cabe destacar, no ponto, que esta Suprema Corte tem reiteradamente enfatizado ser aplicável, a quem já exerceu determinadas titularidades

políticas e/ou funcionais, o regime jurídico fundado na Lei nº 8.429/92, reconhecida, em tais hipóteses, a competência do magistrado de primeiro grau (Pet

3.030-QO/RO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – Pet 4.070-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – PET 4.089-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO

– PET 4.314-AgR/DF, Rel. Min. ROSA WEBER – RcL 3.405-AgR/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RcL 3.499-AgR/SP, Rel. Min.

SEPÚLVEDA PERTENCE – RE 444.042-AgR/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.):

“AÇÃO CÍVEL DE IMPROBIDADE – EX-DEPUTADO FEDERAL. Não incumbe ao Supremo o julgamento de ação cível de improbidade envolvendo ex-deputado federal. Considerações sobre a matéria constantes do voto do relator e dos prolatados pelos demais integrantes do Tribunal.

Princípio da economia processual – o máximo de eficácia da lei com o mínimo de atuação judicante –, ficando o tema referente à competência quanto

à citada ação em tese para deslinde em caso que o reclame.”

(Pet 3.030-QO/RO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)

“COMPETÊNCIA. Ação civil pública por improbidade administrativa. Ação cautelar preparatória. Propositura contra ex-deputado federal.

Foro especial. Prerrogativa de função. Inaplicabilidade a ex-titulares de mandatos eletivos. Jurisprudência assentada. Ausência de razões novas.

Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Ex-deputado não tem direito a foro especial por prerrogativa de função, em ação civil pública por improbidade administrativa.”

(Pet 3.421-AgR/MA, Rel. Min. CEZAR PELUSO – grifei)

“RECLAMAÇÃO – AÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – COMPETÊNCIA DE MAGISTRADO DE PRIMEIRO

GRAU, QUER SE CUIDE DE OCUPANTE DE CARGO PÚBLICO, QUER SE TRATE, COMO NA ESPÉCIE, DE TITULAR DE MANDATO ELETIVO (PREFEITO MUNICIPAL) AINDA NO EXERCÍCIO DAS RESPECTIVAS FUNÇÕES – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. –

O Supremo Tribunal Federal tem advertido que, tratando-se de ação civil por improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92), mostra-se irrelevante,

para efeito de definição da competência originária dos Tribunais, que se cuide de ocupante de cargo público ou de titular de mandato eletivo ainda no

exercício das respectivas funções, pois a ação civil em questão deverá ser ajuizada perante magistrado de primeiro grau. Precedentes.”

(Rcl 2.766-AgR/RN, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Vale referir, por relevante, decisão que a eminente Ministra CÁRMEN LÚCIA proferiu como Relatora da ACO 2.356/PB e na qual, ao negar

prerrogativa de foro perante o E. Superior Tribunal de Justiça a Governador de Estado em pleno exercício de seu mandato eletivo, reconheceu submeter-se

o Chefe do Poder Executivo estadual, em tema de processo civil de improbidade administrativa, ao regime jurídico da Lei nº 8.429/92, definindo, para esse

efeito, a competência de órgãos judiciários de primeira instância:

“8. (…) a circunstância de o investigado ocupar, atualmente, o cargo de governador daquele Estado não determina automaticamente a

competência do Superior Tribunal de Justiça para julgamento de ação de improbidade. A competência instituída na alínea ‘a’ do inciso I do art. 105 da Constituição da República para processar e julgar originariamente os

Governadores respeita aos crimes comuns e aos de responsabilidade.

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Informativo 853-STF (20/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22

Tanto significa que a atribuição para apuração e investigação dos fatos relacionados à ‘suposta prática de atos de improbidade pelo ex-

prefeito do Município de João Pessoa, Ricardo Vieira Coutinho (atual Governador do Estado da Paraíba), na condução do processo licitatório

realizado pela Secretaria de Infraestrutura de João Pessoa, em 2005, cujo objeto era a execução de serviços de reforma e adaptação de terminal rodoviário urbano’ (fls. 2-3) é do Ministério Público Estadual.

A ação de improbidade é de natureza cível, como assentado por este Supremo Tribunal e, ainda que ao final das investigações possam ser

encontradas provas de eventual ilícito, nesse momento processual não há dados suficientes a conduzirem a conclusão que supere a atribuição proposta, que é voltada a atos indiciariamente tidos como de improbidade administrativa.

9. Pelo exposto, conheço da presente Ação Cível Originária e declaro a atribuição do Ministério Público Estadual para investigar os fatos

narrados nos autos e propor eventuais medidas contra os gestores públicos responsáveis, se for o caso. Remetam-se os autos à Procuradoria-Geral da Justiça do Estado da Paraíba.” (grifei)

Cumpre ter presente, por necessário, que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento plenário ocorrido após o exame da Rcl 2.138/DF (que a ora

recorrente Yeda Rorato Crusius invocou como fundamento de sua pretensão jurídica), ao defrontar-se, uma vez mais, com idêntica controvérsia, placitou,

em unânime votação, o entendimento de que agentes políticos estão sujeitos a uma “dupla normatividade em matéria de improbidade, com objetivos distintos”, tanto aquela fundada na Lei nº 8.429/92, quanto aquela decorrente da Lei nº 1.079/50:

“(...) repisa-se, nestes autos, a mesma tese sustentada na Reclamação 2.138. Ou seja, a de que as condutas descritas na lei de improbidade

administrativa, quando imputadas a autoridades detentoras de prerrogativa foro, se converteriam em crimes de responsabilidade.

A tese é para mim inaceitável. Eu entendo que há, no Brasil, uma dupla normatividade em matéria de improbidade, com objetivos distintos: em primeiro lugar, existe aquela

específica da Lei 8.429/1992, de tipificação cerrada mas de incidência sobre um vasto rol de possíveis acusados, incluindo até mesmo pessoas que não

tenham qualquer vínculo funcional com a Administração Pública (Lei 8.429/1992, art. 3º); e uma outra normatividade relacionada à exigência de

probidade que a Constituição faz em relação aos agentes políticos, especialmente ao chefe do Poder Executivo e aos ministros de Estado, ao

estabelecer no art. 85, inciso V, que constituem crime de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a probidade da

administração. No plano infraconstitucional essa segunda normatividade se completa com o art. 9º da Lei 1.079/1950. Trata-se de disciplinas normativas diversas, as quais, embora visando, ambas, à preservação do mesmo valor ou princípio constitucional, –

isto é, a moralidade na Administração Pública – têm, porém, objetivos constitucionais diversos.

…................................................................................................... Insisto (…). Não há impedimento à coexistência entre esses dois sistemas de responsabilização dos agentes do Estado.”

(Pet 3.923-QO/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – grifei)

Esse entendimento jurisprudencial, por sua vez, mereceu especial destaque de JOSÉ ROBERTO PIMENTA OLIVEIRA (“Improbidade

Administrativa e sua Autonomia Constitucional”, p. 425/428, item n. 11.1, 2009, Fórum), cuja lição, no tema, bem analisou esse específico aspecto da controvérsia, especialmente no ponto em que reconheceu, tratando-se de determinados agentes políticos, a legitimidade da convivência entre o regime

jurídico de responsabilização político-administrativa (Lei nº 1.079/50 e DL nº 201/67), de um lado, e o regime jurídico de responsabilização civil por

improbidade administrativa (Lei nº 8.926/92), de outro:

“A similaridade do ‘conteúdo político’ das sanções por improbidade e por crime de responsabilidade não autoriza ilação no sentido de que os ‘agentes políticos’ estão salvaguardados da primeira, porque sujeitos ao processo e julgamento das infrações político-constitucionais.

Inexiste no sistema republicano adotado pela Constituição Federal restrição à categoria de agente público que possa ser retirado do campo de incidência do regime sancionatório civil. A regra do artigo 37, § 4º não contém nenhum elemento autorizatório de qualquer redução do seu raio

de alcance subjetivo. A República não admite diferenciação de responsabilidade de agentes públicos, senão as estritamente catalogadas na própria

ordem jurídica que a instaura, sobretudo temática afeta ao controle da atuação funcional. Estruturado um sistema vocacionado à tutela direta da probidade no seio da coisa pública, não há como isentar determinados agentes com fulcro na aventada complexidade da situação funcional ou das

atribuições de certo agente público republicano. (…).

…................................................................................................... (…) Não impressiona que o agente público submetido à jurisdição política esteja sujeito à dupla normatividade em matéria de improbidade –

já que cumprem ‘objetivos constitucionais diversos’, para utilizar expressão do Min. Joaquim Barbosa –, ‘com possibilidade de sofrer punições

estatais com conteúdo político assemelhado’.

É que as sanções constitucionais por crime de responsabilidade não esgotam a utilização das referidas consequências desfavoráveis

aplicáveis ao agente público em razão de ilícito. Primeiro, basta referência à responsabilidade penal comum a ensejar semelhantes punições. Segundo,

a justificativa das penalidades na reação ao crime de responsabilidade está umbilicalmente atrelada no desiderato da Constituição em afastar da vida política quem não logrou observar as condições de legitimidade necessárias para exercer uma relevante missão na sociedade política organizada.

Terceiro, a improbidade também é causa legítima de perda da função pública e suspensão de direitos políticos de agentes submetidos à reprimenda

político-constitucional, por determinação expressa de juízo de valor constitucional autônomo.” (grifei)

Não é por outro motivo que autores eminentes – como FERNANDO CAPEZ (“Limites Constitucionais à Lei de Improbidade”, p. 295, item n. 4.4.3, 2010, Saraiva), FRANCISCO OCTAVIO DE ALMEIDA PRADO (“Improbidade Administrativa”, p. 69, item n. 7.3, 2001, Malheiros), WALLACE

PAIVA MARTINS JÚNIOR (“Probidade Administrativa”, p. 241/242, item n. 41, e p. 249, item n. 42, 2001, Saraiva), WALDO FAZZIO JÚNIOR (“Atos

de Improbidade Administrativa”, p. 249/250, item n. 10.4, 2007, Atlas), MÔNICA NICIDA GARCIA (“Responsabilidade do Agente Público”, p. 278/285, item n. 10.6, 2004, Fórum), JOSÉ ANTONIO LISBÔA NEIVA (“Improbidade Administrativa – Legislação comentada artigo por artigo”, p.

27/41, 2ª ed., 2011, Impetus), CARLOS FREDERICO BRITO DOS SANTOS, (“Improbidade Administrativa – Reflexões sobre a Lei nº 8.429/92”, p.

25/35, item n. 1.1, 2ª ed., 2007, Forense), EMERSON GARCIA e ROGÉRIO PACHECO ALVES (“Improbidade Administrativa”, p. 581/585, item n. 6.1, 2010, Lumen Juris), v.g. – põem em perspectiva o fato de agentes políticos acharem-se, também eles, passivamente legitimados “ad causam” para efeito de

ajuizamento da pertinente ação civil de improbidade administrativa, pois essa particular condição político-jurídica por eles ostentada não os exonera do dever

de probidade nem os exclui da esfera de plena incidência normativa da Lei de Improbidade Administrativa, ainda mais se se tratar, como sucede no caso ora em exame, de ex-titular de mandato eletivo de Governador de Estado.

Cabe registrar, por ser expressiva desse entendimento, a compreensão do tema revelada pelo eminente e saudoso Ministro TEORI ZAVASCKI,

Relator, quando de julgamento proferido no E. Superior Tribunal de Justiça (Rcl 2.790/SC):

“(...) Olhada a questão sob o ângulo exclusivamente constitucional e separados os elementos de argumentação segundo a sua natureza própria, é difícil justificar a tese de que todos os agentes políticos sujeitos a crime de responsabilidade (nos termos da Lei 1.079/50 ou do Decreto-lei

201/67) estão imunes, mesmo parcialmente, às sanções do art. 37, § 4º, da Constituição. É que, segundo essa norma constitucional, qualquer ato de

improbidade está sujeito às sanções nela estabelecidas, inclusive à da perda do cargo e à da suspensão de direitos políticos. Ao legislador ordinário, a quem o dispositivo delegou competência apenas para normatizar a ‘forma e gradação’ dessas sanções, não é dado limitar o alcance do mandamento

constitucional. Somente a própria Constituição poderia fazê-lo e, salvo em relação a atos de improbidade do Presidente da República adiante

referidos, não se pode identificar no texto constitucional qualquer limitação dessa natureza. …..................................................................................................

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O que se conclui, em suma, é que, excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República (sujeitos, por força da

própria Constituição, a regime especial), não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade,

de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4º. Seria igualmente incompatível com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza. O que há, inegavelmente, é uma situação de natureza estritamente processual,

que nem por isso deixa de ser sumamente importante no âmbito institucional, relacionada com a competência para o processo e julgamento das ações

de improbidade, já que elas podem conduzir agentes políticos da mais alta expressão a sanções de perda do cargo e à suspensão de direitos políticos. Essa é a real e mais delicada questão institucional que subjaz à polêmica sobre atos de improbidade praticados por agentes políticos. Ora, a solução

constitucional para o problema, em nosso entender, está no reconhecimento, também para as ações de improbidade, do foro por prerrogativa de

função assegurado nas ações penais.” (grifei)

Posta a questão nesses termos, não vejo como acolher a pretensão recursal deduzida por Yeda Rorato Crusius, pois, como anteriormente por mim assinalado na presente decisão, a aceitação de seu pleito implicaria conferir-lhe imunidade a qualquer responsabilização de ordem jurídica, eis que, por não

titularizar, atualmente, mandato de Governador de Estado, acha-se excluída do regime jurídico da Lei nº 1.079/50 (art. 76, parágrafo único), o que

justificava, plenamente, a possibilidade de contra ela instaurar-se, tal como sucedeu na espécie, o concernente processo civil de responsabilização por improbidade administrativa, nos precisos termos da Lei nº 8.429/92.

O entendimento que venho de expor mostra-se reverente a um dos grandes princípios consagrados pela ordem republicana e que consiste na plena

responsabilização de todos aqueles investidos no exercício de funções governamentais.

Como sabemos, a responsabilidade dos agentes estatais, num sistema constitucional de poderes limitados, tipifica-se como uma das cláusulas

essenciais à configuração mesma do primado da ideia republicana, que se opõe – em função de seu próprio conteúdo – às formulações teóricas ou jurídico-

positivas que proclamam, nos regimes monárquicos, a absoluta irresponsabilidade pessoal do Rei ou do Imperador, tal como ressaltado por JOSÉ ANTONIO PIMENTA BUENO (“Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”, p. 203, item n. 267, 1958, Ministério da Justiça –

DIN).

Mesmo naqueles Países, cujo ordenamento político revele uma primazia do Poder Executivo, derivada do crescimento das atividades do Estado, ainda assim – e tal como salienta JOSAPHAT MARINHO (RDA 156/11) – essa posição hegemônica, no plano jurídico-institucional, “não equivale a domínio

ilimitado e absorvente”, basicamente porque a expansão do arbítrio, dos excessos e dos abusos deve ser contida por um sistema que permita a aferição do

grau de responsabilidade daqueles que exercem o poder. A consagração do princípio da responsabilidade dos agentes estatais configura “uma conquista fundamental da democracia e, como tal, é elemento

essencial da forma republicana democrática que a Constituição brasileira adotou (…)” (PAULO DE LACERDA, “Princípios de Direito Constitucional

Brasileiro”, vol. I/459, item n. 621). A sujeição dos agentes públicos às consequências jurídicas de seu próprio comportamento, é inerente e consubstancial, desse modo, ao regime

republicano, que constitui, no plano de nosso ordenamento positivo, uma das mais relevantes decisões políticas fundamentais adotadas pelo legislador

constituinte brasileiro. A forma republicana de Governo, analisada em seus aspectos conceituais, faz instaurar, portanto, um regime de responsabilidade a que se devem

submeter, de modo pleno, todos os agentes públicos, inclusive aqueles que se qualificam como agentes políticos.

O princípio republicano, que outrora constituiu um dos núcleos imutáveis das Cartas Políticas promulgadas a partir de 1891, não obstante sua plurissignificação conceitual, consagra, a partir da ideia central que lhe é subjacente, o dogma de que todos os agentes públicos – os agentes políticos, em

particular – são responsáveis perante a lei (WILSON ACCIOLI, “Instituições de Direito Constitucional”, p. 408/428, itens ns. 166/170, 2ª ed., 1981,

Forense; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 518/519, 10ª ed., 1995, Malheiros; MARCELO CAETANO, “Direito

Constitucional”, vol. II/239, item n. 90, 1978, Forense, v.g.).

Cumpre destacar, no ponto, o magistério irrepreensível do saudoso GERALDO ATALIBA (“República e Constituição”, p. 38, item n. 9, 1985, RT), para quem a noção de responsabilidade traduz um consectário natural do dogma republicano:

“A simples menção ao termo república já evoca um universo de conceitos, intimamente relacionados entre si, sugerindo a noção do

princípio jurídico que a expressão quer designar. Dentre tais conceitos, o de responsabilidade é essencial.” (grifei)

Nesse contexto, vale referir que o princípio da moralidade administrativa (que tem, na Lei nº 8.429/92 poderosíssimo instrumento de sua

concretização, na medida em que legitima a punição do “improbus administrator”), qualifica-se como valor constitucional impregnado de substrato ético, erigido à condição de vetor fundamental que rege as atividades do Poder Público, como resulta da proclamação inscrita no art. 37, “caput”, da Constituição da

República.

É preciso ressaltar, neste ponto, que a atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da probidade administrativa.

Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos em que se funda a

ordem positiva do Estado.

É por essa razão que o princípio constitucional da probidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle

jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos órgãos e agentes governamentais.

Na realidade, e especialmente a partir da Constituição promulgada em 1988, a estrita observância do postulado da moralidade administrativa passou

a qualificar-se como pressuposto de validade dos atos, que, fundados, ou não, em competência discricionária, tenham emanado de autoridades ou órgãos

do Poder Público, consoante proclama autorizado magistério doutrinário, valendo referir, no ponto, a valiosa lição expendida pela ilustre Professora e

eminente Juíza desta Suprema Corte, Ministra CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA (“Princípios Constitucionais da Administração Pública”, p. 191, item n. 3.3, 1994, Del Rey):

“O fortalecimento da moralidade administrativa como princípio jurídico deu-se, pois, com a aceitação da idéia de que o serviço público tem

que atender ao que é justo e honesto para a sociedade a que se destina. A Administração Pública tem, pois, que tomar a si a responsabilidade de

realizar os fins da sociedade segundo padrões normativos de justiça e de justeza, esta configurada pelo conjunto de valores éticos que revelam a moralidade.

…...................................................................................................

A moralidade administrativa é, pois, princípio jurídico que se espraia num conjunto de normas definidoras dos comportamentos éticos do agente público, cuja atuação se volta a um fim legalmente delimitado, em conformidade com a razão de Direito exposta no sistema normativo. Note-se

que a razão ética que fundamenta o sistema jurídico não é uma ‘razão de Estado’. Na perspectiva democrática, o Direito de que se cuida é o Direito

legitimamente elaborado pelo próprio povo, diretamente ou por meio de seus representantes. A ética da qual se extraem os valores a serem absorvidos pelo sistema jurídico na elaboração do princípio da moralidade administrativa é aquela afirmada pela própria sociedade segundo as suas razões de

crença e confiança em determinado ideal de Justiça, que ela busca realizar por meio do Estado.

…................................................................................................... A moralidade administrativa legitima o comportamento da Administração Pública, elaborada como ela é por um Direito nascido do próprio

povo. Por isso, é o acatamento da moralidade administrativa, como princípio de Direito que dota o sistema de legitimidade, o que se estende à

qualificação legítima do Poder do Estado. O que se põe em foco, quando se cuida de moralidade administrativa, é a confiança do povo no Poder institucionalizado e a legitimidade de seu desempenho quanto à gestão da coisa pública. ‘O maior interessado na moralidade administrativa é,

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permanentemente, o povo de um Estado’. Poucos princípios jurídicos dependem mais e tão diretamente da participação e da afirmação popular

permanente, em sua elaboração, em sua formalização justa, em sua aplicação e em sua garantia, do que o da moralidade administrativa.” (grifei)

Daí a (procedente) observação feita pelo eminente Ministro CARLOS VELLOSO, em voto proferido no julgamento da Reclamação 2.138/DF:

“O princípio da moralidade administrativa e a probidade administrativa se relacionam. Aquele, o princípio da moralidade administrativa,

constitui o gênero, do qual a probidade administrativa é espécie. ‘Então’, escreve Marcelo Figueiredo, ‘a improbidade administrativa seria a imoralidade administrativa qualificada, ou seja, a improbidade é exatamente aquele campo específico de punição, de sancionamento da conduta de

todos aqueles que violam a moralidade administrativa’ (Marcelo Figueiredo, ‘ob. e loc. cits.’).

A Lei nº 8.429, de 1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos pela prática de atos de improbidade, que tem sua gênese na Constituição Federal, art. 37, § 4º, é, portanto, instrumento de realização do princípio maior, o da moralidade administrativa.

Dispõe o § 4º do art. 37 da Constituição da República:

Art. 37. …..........................................................................

§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.’

…...................................................................................................

A lei que dispõe sobre as sanções aplicáveis ao administrador ímprobo é, portanto, instrumento de realização do princípio da moralidade

administrativa. Assim, a interpretação desta, que tem por finalidade, vale repetir, realizar o princípio constitucional, há de ser a mais larga, a fim de se conferir a máxima eficácia a este. …...................................................................................................

Posta assim a questão, é forçoso convir que os agentes políticos mencionados somente respondem pelos crimes de responsabilidade tipificados

na lei especial (CF, parágrafo único do art. 85). No que não estiver tipificado como tal, não há falar em crime de responsabilidade. E no que não

estiver tipificado como crime de responsabilidade, mas estiver definido como ato de improbidade, responderá o agente político na forma da lei

própria, a Lei 8.429, de 1992, aplicável a qualquer agente público, certo que ‘reputa-se como agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que

exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior’ (Lei 8.429/92, art. 2º).

…...................................................................................................

Isentar os agentes políticos da ação de improbidade administrativa seria um desastre para a administração pública. Infelizmente, o Brasil é um país onde há corrupção, apropriação de dinheiros públicos por administradores ímprobos. (...).

…...................................................................................................

Assim posta a questão, verifica-se que as tipificações da Lei 8.429/92, invocadas na ação civil pública, retro transcritas, não se enquadram

como crime de responsabilidade definido na Lei 1.079, de 1950, a menos que se empreste interpretação extensiva ao crime de responsabilidade do

Presidente da República inscrito no inciso 7 do art. 9º: proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. A interpretação

extensiva, entretanto, não seria possível, por isso que, tratando-se de crime, seja crime comum, ou crime de responsabilidade, observa-se a tipificação

cerrada, sem possibilidade de interpretação extensiva ou analógica.” (grifei)

Nesse contexto, o exame da presente causa evidencia que o recurso extraordinário deduzido por Yeda Rorato Crusius é inviável, eis que o acórdão por

ela impugnado, que emanou do E. Superior Tribunal de Justiça, ajusta-se à diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na análise da matéria em

referência. A circunstância que venho de mencionar – plena adequação, na espécie ora em exame, do acórdão recorrido (STJ) à jurisprudência dominante desta

Corte Suprema – torna aplicável ao caso o que dispõe o § 2º do art. 323 do RISTF, que exclui a instauração do procedimento concernente ao regime de repercussão geral.

Finalmente, cabe-me observar que o recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal contra o acórdão proferido pelo E. TRF/4ª

Região está prejudicado, porque o “Parquet” conseguiu reformá-lo, integralmente, em sede recursal especial (REsp 1.216.168-AgR-EDcl/RS), em

julgamento que, emanado do E. Superior Tribunal de Justiça, está sendo confirmado, em todos os seus termos, pela presente decisão.

Sendo assim, e em face das razões expostas, nego provimento ao apelo extremo deduzido por Yeda Rorato Crusius (CPC/15, art. 932, IV “b”),

restando prejudicado o recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal (CPC/15, art. 932, III). Não incide, no caso em exame, o que prescreve o art. 85, § 11, do CPC/15, ante a ausência de condenação em verba honorária na origem.

Publique-se.

Brasília, 06 de fevereiro de 2017.

Ministro CELSO DE MELLO Relator

*decisão pendente de publicação

Secretaria de Documentação – SDO Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD