entrevista com os anaquim

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30 22MARÇO2012 O s Anaquim estavam de vol- ta. De volta aos palcos e de regresso aos álbuns, depois do sucesso do disco "As Vidas dos Outros". Os concertos de apresentação do novo álbum, "Desnecessa- riamente Complicado", começam esta sexta- -feira, no Teatro Académico de Gil Vicente. Como sempre, o público pode esperar uma visão crítica da realidade portugesa, numa mistura de vários estilos musicais. Qual é filosofia do vosso novo álbum? Tal como o anterior [As Vidas dos Outros],este disco continua a ser um olhar para a sociedade contemporânea portugue- sa - e não só - onde tudo parece ser desne- cessariamente complicado, desde o sistema judicial ao legislativo, às finanças, a toda a burocracia que reina. E, lembrando que as QUEREMOS TANTO FAZER LEIS COMO OUVIR UM CD FEITO PELO GOVERNO SOCIEDADE [O Anaquim está de regresso] mas com algumas alterações ao nível da personalidade. Está menos ingénuo, mais reivindi- cativo e exigente O QUINTETO DE COIMBRA VAI APRESENTAR O NOVO ÁLBUM E A C CONVERSOU COM JOSÉ REBOLA E PEDRO FERREIRA SOBRE O QUE É "DESNECESSARIAMENTE COMPLICADO TEXTO MARCO ROQUE

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Conversa com a banda de Coimbra antes do início da tournée de apresentação de "Desnecessariamente Complicado"

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Page 1: Entrevista com os Anaquim

30 22MARÇO 2012

Os Anaquim estavam de vol-ta. De volta aos palcos e de regresso aos álbuns, depois do sucesso do disco "As Vidas dos Outros". Os concertos de

apresentação do novo álbum, "Desnecessa-riamente Complicado", começam esta sexta--feira, no Teatro Académico de Gil Vicente. Como sempre, o público pode esperar uma visão crítica da realidade portugesa, numa

mistura de vários estilos musicais.

Qual é filosofia do vosso novo álbum?T a l c o m o o a n t e r i o r [A s V i d a s d o s Outros],este disco continua a ser um olhar para a sociedade contemporânea portugue-sa - e não só - onde tudo parece ser desne-cessariamente complicado, desde o sistema judicial ao legislativo, às finanças, a toda a burocracia que reina. E, lembrando que as

QueremOs tantO fazer leis cOmO Ouvir um cD feitO pelO gOvernO

sociedade

[O anaquim está de regresso] mas com algumas alterações ao nível da personalidade. está menos ingénuo, mais reivindi-cativo e exigente

O QUINTETO DE COIMBRA VAI APRESENTAR O NOVO ÁLBUM E A C CONVERSOU COM JOSÉ REBOLA E PEDRO FERREIRA SOBRE O QUE É "DESNECESSARIAMENTE COMPLICADO TExTO MARCO ROQUE

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estruturas são feitas de pessoas, também as pessoas desnecessariamente complicadas nas suas relações interpessoais. Portanto, este disco é uma tentativa de sublinhar que também devíamos voltar ao básico. Talvez as maneiras mais simples de viver a vida funcio-nassem melhor.

É um álbum mais interventivo que o an-terior?Acaba por ser. Este álbum está pensado em

dois caminhos. Por um lado, nasce do pal-co, para o registo [gravado]. Por outro lado, acaba por ter um grande paralelismo em re-lação ao primeiro, mas mais amadurecido. Parte da observação da vida pessoal de quem escreve. Está mais incisivo, é intervenção no sentido de lançar alertas, tentar que as pessoas mudem a sua parte. Até porque não queremos substituir o governo. Queremos tanto fazer leis como ouvir um CD feito pe-lo governo. Cada um no seu campo. É um

álbum que lança alertas, lança às pessoas o desafio de irem reclamando e mudando aquilo que podem, para levar aos ouvidos de quem pode mudar mais e mostrar que as pessoas não estão satisfeitas.

podem destacar algumas canções? O "Se eu mandasse", por exemplo, é uma ca-ricatura do discurso de café, em que uma pessoa está a ver as notícias e começa a di-zer "se eu mandasse, isto era tudo corrido

um duende observador e com espírito crítico cuja música é difícil de definir

A PERSONAGEM do Anaquim, um duende muito obser vador, foi criada - e assumida como alter- ego - por José Rebola . O no -me surgiu em honra à personagem Anakin Skywalker, da Guerra das Estrelas, e é alguém que obser va o mundo ao seu redor e tira conclusões. Dessas conclusões, nascem as

letras das músicas. Tal como o Anaquim, o estilo muscial usado também é bastante irre-quieto: a banda está "mais próxima do rock, embora nunca ponha de a paleta sonora que antes os caracterizava: o swing, a country, o jazz manouche, o cabaret ou a música por-tuguesa".

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porta fora..". Essa é uma das caricaturas que temos, embora também falemos de temas mais sérios. "O Encurvado" fala dos sem--abrigo, o "Livro de Reclamações" fala da organização das instituições. "Hoje é um bom dia", que encoraja pessoas as pessoas a insurgir-se e a mudarem. Despois, no plano pessoal, há o "Nós", que é uma viagem de autoconhecimento, o "Mas nunca em dias de Sol" que fala em aproveitar os pequenos prazeres da vida, que ainda são gratuitos. Até é injusto estar a destacar umas em detrimen-to de outras. Gostávamos que se fizesse uma coisa que caiu em desuso: ouvir um álbum do início ao fim, sem destacar o single. Este álbum é uma história com capítulos e ouvir

só algumas músicas é ficar com a história só pela metade.

e mantém-se a persona do observador duende anaquim?Sim, mas com algumas alterações ao nível da personalidade. Está menos ingénuo, tantas observações fez que tirou as suas conclu-sões. Está mais reivindicativo, exigente em relação ao que não vai gostando na sociedade e não se coíbe de apontar o dedo às questões que ele considera estarem mal resolvidas.

O João rebola disse numa entrevista que o duende anaquim era um alter ego dele, mas acabou por se tornar de toda a

banda. como foi esse processo?

A cada concerto, a cada entrevista que da-mos, estamos a injetar no Anaquim um pou-co de sangue nosso. No princípio esse san-gue vinha mais do José e agora repartimos as doações por todos, o que até vai resultar numa melhor saúde para o duende (risos). Tudo isto começou por ser um passatempo, mas é também uma grande ocupação de to-dos nós. Todo este olhar atento, de preocu-pação social [que se refletem nas letras] mas também a estética musical, onde não se tem de encontrar uma, acabam por se encontrar várias… Desde o início, todo este caminho tem-se feito com cinco pares de pernas.

O QuintetO é composto por filipe ferreira, José rebola, luís Duarte, João santiago e pedro ferreira (foto em cima, ao centro).

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O que é que mudou nos anaquim desde esse ano de 2007, em que se encontra-ram?Mudou quase tudo e ainda bem, e espere-mosque continue a mudar. Se nos fizerem essa pergunta em 2017, era bom puder dizer que mudou a mesma quantidade de coisas, para melhor sempre. As músicas estão mais completas, no início eram apenas esboços. Quem tiver a ilusão de que as músicas são feitas como são ouvidas, não é verdade. Esse caminho dos esboços até à versão final está a ser cada vez mais fácil e mais completo, estamos a conseguir encontrar a nossa iden-tidade como banda, encontrar os temas dos quais queremos falar. O engraçado é que o que não mudou foi o entusiasmo da banda e isso é bom que não mude. O que mudou foi para melhor, no processo de fazer canções, foi-se aprimorando. Para fazer um parale-lo com um chef de cozinha que vai aprimo-rando e as suas receitas vão saindo cada vez melhor.

O que é que esta nova digressão traz de novo? Vai trazer mais empatia e à-vontade. Uma pessoa quando está a começar, com o pri-meiro álbum, e está a lançar as suas ideias vai sempre a medo, a ver se a água está fria. Mas, quando conheces bem a piscina, já te atiras de cabeça. Esperamos que é isso o que vai acontecer nesta digressão. As pessoas já nos conhecem, sabem a nossa forma de estar des-contraída e nós já sabemos que há uma aber-tura por parte do público que vê com bons olhos essa forma de estar. É quase como ter uma carta verde para sermos nós próprios e, assim sendo, as pessoas vão estando mais à vontade e os espetáculos correm melhor.

e quem for concerto no teatro acadé-mico de gil vicente, no dia 16?Podem esperar uma imagem fiel do álbum. Estes concertos de apresentação são feitos com o intuito de dizer às pessoas que o que ouviram em estúdio, está aqui em palco. Há tempo para, ao longo de dois ou três anos – o tempo de vida do álbum -, para se irem reto-cando e reiventando as canções. Os concer-tos de apresentação não são para isso. Nesse sentido, temos vindo a ensaiar que nem uns "mouros" e estamos a tentar que a sonorida-de seja o mais fiel possível. Vamos tentar todos os convidados, pelo menos a maior parte, e, depois, tentar replicar isso em Lis-boa e Porto.