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Inhumas, ano 2, n. 11, jul. 2014
ISSN 2316-8102
ENTREVISTA COM MANUEL VASON
Joanna Zylinska
A presente entrevista com Manuel Vason, feita pela curadora Joanna
Zylinska, foi originalmente publicada em língua inglesa na plataforma virtual
Photomediations Machine. Juntamente, nessa publicação, encontra-se o
statement do artista.
As fotos que acompanham o texto foram realizadas em âmbito do
workshop Becoming an Image1, evento que integrou a Mostra Performatus #1, a
qual foi organizada por Paulo da Mata e Tales Frey. Nesse workshop, que
ocorreu no Instituto Hilda Hilst, em Campinas (SP, Brasil), Vason desenvolveu
ações individuais e colaborativas com artistas convidados – Ana Hupe, Ana
Montenegro, Cecília Cavalieri, Daniela Glamour Garcia, Elen Braga, Henrique
Lukas, Maurizio Mancioli, Nathália Mello, Paulo da Mata e Priscilla Davanzo –
entre os dias 18 a 25 de março de 2014.
1 “Becoming an Image [Tornar-se em imagem] é o primeiro corpo de obra de Vason que, em vez de surgir de uma série de colaborações com artistas individuais, surge de um ambiente grupal em que Vason conduz ações colaborativas. O ponto de partida é o conceito de Act of Exchange [Ato de Intercâmbio]. A imagem produzida se transforma em uma pele usada para cobrir superfícies com objetos tridimensionais. Ideias são transformadas em ações, depois em fotografias e, finalmente, as fotografias são transformadas em objetos, que aspiram a provocar novas ideias. O ponto de partida é o Act of Exchange – Intercâmbio entre os artistas participantes – Intercâmbio entre as várias práticas, culturas, línguas, idades – Intercâmbio entre diversos meios de expressão – Intercâmbio entre cada artista e as locações, onde as ações se davam – Intercâmbio entre a obra produzida e os espectadores. O assunto de investigação é o processo, que é identificado com a palavra Becoming [Tornar-se]. A obra de arte é processo, a obra de arte está em constante transformação e a nossa compreensão da obra de arte está em constante mudança. O processo é a representação mais próxima de quem somos como seres humanos.” Ver em: VASON, Manuel. Becoming an Image [2013 – ongoing]. Disponível em: <http://www.manuelvason.com/becoming-an-image-2013-ongoing/>. Acesso em 01 de junho de 2014.
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Manuel Vason representado na ilustração da artista Veridiana Scarpelli para a undécima edição
da eRevista Performatus
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Col lective Re-Action #4, trabalho criado durando o workshop Becoming an Image em
Campinas, SP, Brasil, 2014
STATEMENT
Manuel Vason
Vejo a minha prática como uma batalha constante contra a
impossibilidade de alcançar a “presença”.
Há anos eu me esforço muito para unir fotografia e performance, e vivo
todos os dias a ilusão de ter realizado a minha ambição.
No cerne da minha prática há um intercâmbio; entre eu mesmo e o outro
artista, entre a obra e o espectador.
Eu me vejo refletido em todos os artistas que conheci, com quem
colaborei e por quem me apaixonei... Será que a arte pode ser um
relacionamento?
Trabalhar com mentes e corpos diferentes me permite descobrir, todos
os dias, algo novo em relação à minha própria mente e meu próprio corpo.
Eu sempre quis ser escultor, apesar de vir usando a fotografia como
minha mídia principal.
A superfície é o meu material.
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A superfície é o meu maior inimigo.
Talvez a curiosidade esteja me comendo por dentro, mas por enquanto
está bem gostoso.
ENTREVISTA COM MANUEL VASON
Joanna Zylinska
JOANNA ZYLINSKA: A fotografia parece ter papel importante na sua
prática. Mais do que a mera documentação de uma ação ao vivo – algo que é dito
para paralisar e, assim, aniquilar a ação –, parece estar dotada de uma força
muito mais vital, ser elevada a um papel de agente ativo na performance em si.
Será que pode comentar um pouco a respeito de como vê esta relação entre
performance e fotografia?
MANUEL VASON: Meu ponto de partida é que, se você está
interessado em experimentar uma performance, deve ir de encontro a ela ao
vivo, em uma interação direta com sua apresentação. De maneira nenhuma
tenho a intenção de criar imagens que tenham a arrogância de substituir a
apresentação ao vivo ou fazer as vezes dela. Minha prática é informada pela
noção de frustração que eu experimentei toda vez que me pediram para
documentar uma performance ao vivo. Com todas as minhas boas intenções e
diálogo extenso com o artista performático, nunca tenho a pretensão de ser
capaz de criar um documento com a capacidade de substituir ou tomar o lugar
do evento ao vivo. Portanto, decidi transformar a minha frustração em um
estímulo propício e fazer experiências com uma forma alternativa de
documentação fotográfica.
Tentei documentar a ação ao vivo trabalhando com o artista
performático antes e depois da apresentação perante público ao vivo. Eu tirava
uma foto usando uma câmera Polaroid grande, de 10 X 8, permitindo ao artista
performático apresentar a ação ao reagir à imagem “instantânea”. Com isso,
tratei os artistas performáticos como colaboradores e compartilhei minhas
decisões fotográficas com eles (decisões que dizem respeito ao ponto de vista,
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ao enquadramento, ao foco, à iluminação, à composição etc.). Tomei providência
para me hospedar na casa do performer com o objetivo de desenvolver mais
intimidade e confiança entre nós. Intermediei a criação de performances para a
câmera em locações site-specific, com o objetivo de distanciar as minhas
colaborações da parede “branca” da galeria ou do fundo “preto” do teatro.
Recentemente, tenho trabalhado em um novo projeto de livro em que
uma nova performance é apresentada em duas imagens: na primeira imagem eu
serei o fotógrafo e, na segunda, serei o corpo fotografado pelo artista
performático. Penso que performance e fotografia compartilham o conceito de
“apresentação”. Ambas as formas de arte tendem à exposição, ambas as
formas de arte têm o objetivo de provocar uma emoção no público. Mas as duas
formas de arte têm uma relação diferente com o tempo. Ao passo que a
fotografia tende a encapsular o tempo, a performance tende a se desenvolver
com o tempo. Em vez de insistir nas diferenças, a minha tendência é misturar as
duas formas de arte com o objetivo de criar novas formas de extensão ou de
existência paralela.
Col lective Re-Action #3, trabalho criado durando o workshop Becoming an Image em
Campinas, SP, Brasil, 2014
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JOANNA ZYLINSKA: Eu queria perguntar a respeito da especificidade
da mídia fotográfica para você e as forças de mediação que ela cria. Qual é o
aspecto da fotografia que o levou a usá-la na relação com a performance? (Por
que usa fotografia e não, por exemplo, desenho – que provavelmente poderia
cumprir o papel de representação em um sentido técnico, ainda que de maneira
menos exata?)
MANUEL VASON: Eu estudei fotografia antes de conhecer a arte
performática. Vivenciei um grande número de performances ao vivo através da
minha câmera e às vezes me considero um artista ao vivo trabalhando com
fotografia. Eu adoro os conflitos e as correspondências entre as duas formas de
arte e acredito que seja possível praticar uma “intermediária”, uma forma de
arte híbrida. Também tenho consciência do poder da imagem e da possibilidade
de comunicação sem qualquer necessidade de tradução formal.
Col lective Re-Action #2, trabalho criado durando o workshop Becoming an Image em
Campinas, SP, Brasil, 2014
JOANNA ZYLINSKA: No projeto Becoming an Image [Transformar-se
em Imagem], você exemplificou uma série de ações colaborativas que
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resultaram em algumas imagens formidáveis. Você tinha uma certa ideia dos
tipos de “imagem” em que os participantes deveriam se transformar?
MANUEL VASON: The Collaborative Actions [As Ações Colaborativas]
são o resultado da oficina Becoming an Image [Transformar-se em Imagem].
Durante a primeira parte da oficina, pede-se a todos os participantes que
reúnam diversos temas, desenhos pessoais, fotografias, textos, referências, etc.
Todo esse material fornece os ingredientes básicos para as nossas ações.
Durante a oficina, meu papel varia entre o de líder e o de participante. Tenho
consciência de que às vezes as minhas contribuições têm um peso diferente,
mas adoro produzir e reagir a material que não é meu.
JOANNA ZYLINSKA: Que papel as instruções dadas por você aos
participantes têm no projeto? Qual é o objetivo delas?
MANUEL VASON: Durante cada oficina, tenho uma quantidade de
tempo muito pequena mesmo para construir confiança e intimidade entre os
participantes. As instruções são receitas práticas para ações mentais e físicas. A
verdadeira fortuna da fotografia digital enquanto meio é a possibilidade de
obter resultados rápidos. Durante os primeiros dias, os participantes são
bombardeados com tarefas que precisam cumprir por contra própria e também
com o corpo dos outros participantes. O processo exige dedicação, mas a energia
que vem a seguir tem valor incalculável.
JOANNA ZYLINSKA: As fotografias são mais do que um registro do
que aconteceu na época nesse projeto? É possível chegar ao ponto de descrevê-
las como participantes não humanas das suas ações?
MANUEL VASON: Espero que essas imagens funcionem como
agentes. Espero que desencadeiem a imaginação do espectador, espero que
provoquem sensações, espero que desencadeiem ações futuras. Os corpos
nessas imagens são iguais ao corpo do espectador. Acredito que nós todos
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podemos nos identificar com essas imagens e olhar para elas com espírito ativo
de participação.
Collective Re-Action #8, trabalho criado durando o workshop Becoming an Image em Campinas,
SP, Brasil, 2014
JOANNA ZYLINSKA: Você destaca a noção de “intercâmbio” como
algo que delineia boa parte da sua prática, incluindo esse projeto específico. Que
tipos de riscos e de aberturas você, enquanto artista, assume nesse tipo de
intercâmbio?
MANUEL VASON: A razão por que faço esse tipo de trabalho é por
estar convencido de que fui contaminado pelas práticas de todos os artistas com
quem colaborei até hoje. Quando faço intercâmbio com outro artista, exponho
minha própria prática à influência da prática do meu colaborador. O ponto de
partida de qualquer colaboração é apagar as suas expectativas e ao mesmo
tempo estabelecer aquilo a que não se está pronto para se abrir mão. O
benefício desse processo é solidificar os princípios da sua prática ao mesmo
tempo que novas alterações também podem ser introduzidas.
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JOANNA ZYLINSKA: Que tipos de presentes você recebeu dos
participantes nesse processo de intercâmbio? Será que alguns desses presentes
foram mais inesperados do que outros?
MANUEL VASON: Eu descreveria como presentes todas as lembranças
e experiências mágicas que coleto durante cada oficina. Esses presentes
marcam o que eu faço, o que eu quero fazer e por quê.
Col lective Re-Action #7, trabalho criado durando o workshop Becoming an Image em
Campinas, SP, Brasil, 2014
JOANNA ZYLINSKA: Eu queria falar um pouco sobre a relação entre
intermediação e controle e, portanto, entre hospitalidade e violência nas suas
colaborações. Esta questão surge a partir do meu próprio interesse em ética –
que vejo como abertura à alteridade do outro, à sua humanidade, a permitir que
o intercâmbio relacional se desdobre além do controle do assunto ético. No
entanto, qualquer relação ética, quer dizer, qualquer relação com a alteridade, é
sempre potencialmente marcada pela violência – no sentido de que pode haver
potencialmente proximidade demais, amor demais, criatividade demais, etc.
Para fazer com que essa relação seja puramente ética, precisamos sempre
trabalhar não no sentido de eliminar a violência (porque isso seria uma fantasia
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impossível), mas sim no sentido do que o filósofo franco-lituano Emmanuel
Levinas chamou de “violência boa”. Pode falar um pouco sobre o papel que a
violência tem no seu trabalho?
MANUEL VASON: Eu não considero toda violência negativa. Acho que
a violência é uma característica humana e, se reprimida, pode acabar se
tornando ainda mais perigosa. Penso que devemos introduzir as conotações
positivas da violência, transgressão e contaminação. A relação colaborativa
existe em um modo de constante atração/repulsa: a condição é sempre
desequilibrada, mesmo que o objetivo seja alcançar o ponto de equilíbrio
perfeito. Esse mecanismo produz energia, e se a energia é um canal na direção
de alguma produção criativa, então acho que é benéfico. Incentivo a diversidade
porque a considero mais próxima do nosso ser intuitivo e oposta à nossa
inclinação racional ao controle.
PARA CITAR ESTA PUBLICAÇÃO
ZYLINSKA, Joanna. “Entrevista com Manuel Vason”. eRevista
Performatus, Inhumas, ano 2, n. 11, jul. 2014. ISSN: 2316-8102.
Tradução do inglês para o português de Ana Ban
Revisão ortográfica de Marcio Honorio de Godoy
© 2014 eRevista Performatus e a autora