entrevista com manuel tavares

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O agregador do marketing. www.briefing.pt Entrevista Junho de 2011 33 Hermínio Santos jornalista hs@briefing.pt “Reposicionar a marca” para voltar “à sua matriz inicial, que é o jornalismo de proximidade”, é para Manuel Tavares, 59 anos, novo director do Jornal de Notícias, um dos principais desafios de um título com 123 anos e que é uma das âncoras do Norte. Até Setembro, a redacção vai ser reorganizada, surgirá um Conselho Editorial e a imagem do jornal será relançada “Vamos reposicionar o JN” Manuel Tavares, director do Jornal de Notícias nFACTOS Briefing | Qual foi o seu primeiro pensamento quando o convida- ram para director do Jornal de Notícias (JN)? Manuel Tavares | (Risos) Respirei fundo e disse “eh pá”… Briefing | Teve alguma sensação especial? Era uma casa que já conhecia? MT | Não. Era director de O Jogo, passei pelo O Primeiro de Janeiro, pelo Expresso, ajudei a fundar o Público e o JN não estava nada nas minhas previsões. Nem o JN nem a carga de trabalhos ineren- te (risos). Não estava nas minhas conjecturas mas o Sr. Joaquim Oliveira conseguiu repetir um pou- co o que já tinha acontecido há 17 anos, quando me convidou para director de O Jogo, estava eu, na altura, no Público: ao fim de algu- mas horas, convenceu-me que era a pessoa certa para o cargo nes- tas circunstâncias actuais. Briefing | E quais são essas ca- racterísticas que o levaram a pensar que era a pessoa certa para o lugar certo? MT | Principalmente a minha co- ragem. Eu não tenho uma grande >>>

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Manuel Tavares, director do Jornal de Notícias

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Page 1: Entrevista com Manuel Tavares

O agregador do marketing.

www.briefing.pt Entrevista

Junho de 2011 33

Hermínio Santosjornalista

[email protected]

“Reposicionar a marca” para voltar “à sua matriz inicial, que é o jornalismo de proximidade”, é para Manuel Tavares, 59 anos, novo director do Jornal de Notícias, um dos principais desafios de um título com 123 anos e que é uma das âncoras do Norte. Até Setembro, a redacção vai ser reorganizada, surgirá um Conselho Editorial e a imagem do jornal será relançada

“Vamos reposicionar o JN”Manuel Tavares, director do Jornal de Notícias

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Briefing | Qual foi o seu primeiro pensamento quando o convida-ram para director do Jornal de Notícias (JN)?Manuel Tavares | (Risos) Respirei fundo e disse “eh pá”…

Briefing | Teve alguma sensação especial? Era uma casa que já conhecia?MT | Não. Era director de O Jogo,

passei pelo O Primeiro de Janeiro, pelo Expresso, ajudei a fundar o Público e o JN não estava nada nas minhas previsões. Nem o JN nem a carga de trabalhos ineren-te (risos). Não estava nas minhas conjecturas mas o Sr. Joaquim Oliveira conseguiu repetir um pou-co o que já tinha acontecido há 17 anos, quando me convidou para director de O Jogo, estava eu, na

altura, no Público: ao fim de algu-mas horas, convenceu-me que era a pessoa certa para o cargo nes-tas circunstâncias actuais.

Briefing | E quais são essas ca-racterísticas que o levaram a pensar que era a pessoa certa para o lugar certo?MT | Principalmente a minha co-ragem. Eu não tenho uma grande

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www.briefing.ptEntrevista

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“Eu quero que os produtos transversais

do grupo, quer as revistas que existem ou venham a existir, quer o Dinheiro Vivo, correspondam a este

perfil de popular e com qualidade”

“Até Setembro vamos reorganizar a redacção. Passa mesmo por uma reorganização física, porque eu quero que a edição do jornal, quer na sua concepção e execução, quer no controlo de qualidade, esteja sempre nas mãos da direcção e por isso é que tenho uma direcção alargada”

“Eu acho que o Correio da Manhã tem muitas

das características que são comuns ao JN ou deveriam ser. Mas há uma coisa em que nos vamos

distinguir do CM: não faremos jornalismo

sensacionalista”

coragem física mas tenho uma grande coragem intelectual.

Briefing | Quais são os prin-cipais desafios que, em seu entender, o Jornal de Notícias tem pela frente?MT | O principal desafio do JN é voltar à matriz da sua tradição, que é o jornalismo de proximida-de. Toda a gente hoje fala muito nisso, mas o difícil é praticá-lo. Meter as pessoas dentro das fo-lhinhas impressas de um jornal é uma coisa complicada, porque se perderam muitos hábitos de relação com os leitores e com as gentes das nossas terras e o jor-nalismo e a comunicação andam muito à volta de pequenas ter-túlias de especialistas em pen-samentos, um pouco em função do que se passa nas televisões.

Briefing | Como é que vai ven-cer esses desafios?MT | Vamos, em primeiro lugar, reposicionar a marca. Nós só te-mos duas palavrinhas para qua-lificar o nosso trabalho: popular e qualidade. O JN tem de ser um jornal popular e de qualidade. Pelo lado popular estamos sem-pre a falar de proximidade, pes-soas da rua que têm tão boas opiniões como todos os outros. Qualidade é tratar as coisas não em função das escalas de va-lores pré-definidas que existem para se achar que uma notícia de economia vale mais do que uma desporto ou que um crime, mas sim fazer um jornalismo ri-goroso em todas as áreas e so-bretudo um jornalismo em que sejam claras as fontes, as opi-niões e o quadro de análise em que elas são feitas.

Briefing | Fala muito em jor-nalismo de proximidade. Acha que essa é uma das caracte-rísticas do seu grande con-corrente, o Correio da Manhã (CM)?MT | Eu acho que o Correio da Manhã tem muitas das caracte-rísticas que são comuns ao JN ou deveriam ser. Mas há uma coisa em que nos vamos distin-

guir do CM: não faremos jorna-lismo sensacionalista.

Briefing | Então esse jornalis-mo de proximidade vai ser fei-to através de chamar as pes-soas outra vez a serem prota-gonistas das notícias?MT | Passa por coisas tão sim-ples como, por exemplo, a nos-sa rede de correspondentes. O JN tinha uma rede de corres-pondentes muito boa que se foi perdendo. É preciso recuperá--la. Ultimamente esse trabalho até foi feito mas mais no sentido de produtos anexos ao jornal do que notícias. Reuni com todos os correspondentes do jornal e a primeira fase passa por ter uma grande capilaridade a esse nível. Esta é a primeira condi-ção. A segunda é não acharmos que as coisas se resolvem dan-do enquadramentos filosóficos às pessoas. Se uma ponte ruir o melhor é ir ouvir alguém que seja especialista em pontes e não necessariamente um filó-sofo que diga que a culpa é do ministro das Obras Públicas. Portanto, o conceito de proximi-dade é este. Ou seja, que sejam as pessoas, as que estão a ser afectadas ou as que têm suces-so, as protagonistas das notícias e que as análises se façam em torno de quem sabe da matéria. A sensação que tenho hoje em dia é que quando ouço algumas pessoas, especialmente as que mais falam nas televisões, elas têm razão sobre tudo excep-to quando falam de coisas que eu conheço. Isso gera-me uma grande desconfiança porque se é uma coisa da minha rua eles normalmente nunca acertam no que dizem. Não conhecem e esse é o problema. Temos de dar a volta a isso.

Briefing | Qual a sua estraté-gia em relação ao mercado do Sul de Portugal? Em tempos o JN teve a ambição de crescer nessa região. é uma priorida-de sua?MT | A única experiência que eu conheço de jornal que tentou

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O jornalista que esteve para ser engenheiroPERFIL

Manuel Tavares andava no segundo ano do curso de Electrotecnia e Máquinas, onde hoje é o Instituto Superior de Engenharia, no Porto, quando começou a “escrever umas coisas” para o Comércio do Por-to. Os pais eram amigos de um jornalista da casa, o Justino Lopes, que, como o jovem Tavares tinha jeito para a escrita, lhe deu uma oportunidade na secção de desporto. Desde então, o seu destino ficou tra-çado e um futuro engenheiro transformou-se num homem dos jornais. Antes do 25 de Abril ainda teve uma breve passagem pelo Norte Desportivo, a con-vite, recorda, do carismático Alves Teixeira. Uma ex-periência interrompida pela sua saída do País ditada por razões de ordem política. “Parece que achavam que eu era uma pessoa incómoda”, recorda, com algum humor. Foi viver para a Bélgica onde tirou um curso de Jornalismo e Comunicação Social na uni-versidade Livre de Bruxelas. Queria regressar a Por-tugal logo após o 25 de Abril mas o curso estava a meio e já tinha uma bolsa para o concluir. Com muita pena, viu os amigos voltar à terra para festejar a li-berdade e decidiu ficar. Acabou por rumar ao Porto em 1978, com o curso concluído e mais competên-cias académicas para o exercício do jornalismo. A oportunidade de regressar à escrita foi-lhe dada por Freitas Cruz, na altura director de O Primeiro de Ja-neiro. A partir daí fez uma carreira sólida na imprensa escrita, com passagens por O Diário, Expresso e Pú-

blico, que ajudou a fundar. Em 1994 assumiu a direc-ção do jornal O Jogo, de onde saiu em Maio deste ano para liderar o Jornal de Notícias. Ambos os títu-los pertencem à Controlinveste, detida por Joaquim Oliveira. Antigo jogador de hóquei em patins no FC Porto, clube do qual é sócio, descobriu, há cerca de seis anos e por razões médicas, uma outra paixão: o golfe. É sócio do Oporto Golf Club, costuma jogar nos campos de Espinho ou Miramar e quando es-tava no O Jogo organizou a sua vida para praticar todos os dias, a partir das oito da manhã. Uma rotina interrompida desde que está no JN. A reorganização do jornal ainda não permitiu o regresso a uma acti-vidade que lhe dá um grande equilíbrio emocional. Mas tenciona voltar o mais rapidamente possível. No seu novo gabinete de trabalho estão duas coisas que o acompanham sempre: uma réplica de uma foto de Che Guevara e de Fidel Castro, em uniforme militar, a jogarem golfe e um quadro de António Joa-quim, um pintor de Gaia. A obra, que retrata a zona da Ribeiro, do Porto, e pertence à colecção do Jor-nal de Notícias, já levou Manuel Tavares a fazer um “contrato” com o seu amigo (e patrão…) Joaquim Oliveira: andará sempre “atrás” do actual director do JN. Tavares viu o quadro pela primeira vez quando a sede de O Jogo, no Porto, passou para o actual edifício do JN. Desde então, é uma companhia que não dispensa.

Manuel Tavares junto ao quadro de António Joaquim que retrata a Ribeira do Porto

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ser nacional foi a do Público, no sentido não só dos leitores mas também do mercado publicitário do Porto e de Lisboa. Essa ten-tativa do Público esvaiu-se natu-ralmente, até pelo definhamento do mercado económico no Por-to e portanto acho que, hoje em dia, é falso dizer-se que possa haver um jornal nacional no sen-tido da dispersão geográfica. Há umas fronteiras, que umas vezes andam mais para Norte e outras vezes para Sul, conforme lidera o CM ou o JN. Mas isso impor-ta pouco para mim. Eu sei que o mercado da Grande Lisboa é importante, porque moram ali à volta de três milhões de pesso-as, mas também sei que entre Viana e Aveiro também tenho esse número de pessoas, prova-velmente hoje com situações de vida um pouco diferentes, infe-lizmente desfavoráveis à região Norte. A mim pouco importa onde é que eu vendo. O que eu quero é vender o mais possível e tentar ser líder. O que eu acho é que as pessoas, quando eu disse, logo nas primeiras decla-rações, que era preciso ancorar o jornal na região, confundiram isso com uma espécie de jogo de quem se esconde atrás das muralhas fernandinas…Não é nada disso que vai acontecer. O primeiro sinal que está dado so-bre essa matéria é o facto de o JN passar a ter um elemento da direcção em Lisboa, que é a Ana Sousa Dias, e que visa precisa-mente isso e que aprendi até no jornal O Jogo. É um jornal do Porto que nos últimos 17 anos, o tempo em que fui director, ten-tou sublinhar os feitos do Porto mas que tinha duas redacções, com 25 elementos em Lisboa e 25 no Porto. Porquê? Porque não é concebível que mesmo um adepto do Porto não queira sa-ber o que se passa no Benfica ou no Sporting. Portanto, do ponto de vista noticioso, no JN vamos querer ser assim. Para mim vale tanto um crime no centro do Porto ou na Amadora. A questão que eu levantei com o ancorar o jornal no Norte tem um outro

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www.briefing.ptEntrevista

“A história de que um rico, à partida, é um tipo de quem se desconfia, é uma ideia profundamente estúpida porque já vi os maiores crimes cometidos pelos mais ricos e também pelos mais pobres”

“Costumo dizer, com convicção, que, se pudesse, tinha o

director comercial à minha direita e o de marketing à minha

esquerda todos os dias, em gabinetes contíguos ou no mesmo gabinete”

“Quem quer a salvação do jornalismo e da

comunicação social – onde eu acho que há uma crise tão grande

como na Justiça – tem que ser muito

determinado em não se substituir aos poderes

da democracia”

significado, principalmente na opinião. Nós tínhamos um conjun-to de colunistas que basicamente eram todos sediados em Lisboa, com a mundivisão lisboeta, que é diferente da nossa. Isso foi a primeira alteração que fiz. Foi um processo doloroso, porque havia pessoas já com 15 anos de casa, e procurei explicar, numa carta que lhes enviei, o porquê desta decisão. Tentei ser o mais afec-tuoso possível e umas compre-enderam e outras não. Mas este é um processo que era essencial para nós. É um pouco ver as coi-sas e analisá-las à nossa maneira e o Norte não tem assim tantas coisas para se ancorar…

Briefing | Foi também por isso que decidiu criar um conselho editorial com figuras da região Norte?MT | Foi também por isso e por outras coisas. Serão pessoas que, como costumo dizer, não carecem de legenda, de vários sectores de actividade e nenhuma delas pode-rá ter funções político-partidárias activas e vão servir para nos da-rem pistas de reflexão e editoria-lização e depois para abraçar al-gumas causas, que podem ser da rua ou do mundo. Por outro lado, também servirão para dar visibi-lidade à região e ao pensamento que por aqui vai existindo.

Briefing | Como é que se vão compatibilizar os interesses do JN e do DN em relação aos produtos transversais do gru-po como é o caso da Notícias Sábado, Notícias Magazine ou o Dinheiro Vivo?MT | Eu quero que os produtos transversais do grupo, quer as revistas que existem ou venham a existir, quer o Dinheiro Vivo, correspondam a este perfil de po-pular e com qualidade. Por exem-plo, não me importo nada que o Dinheiro Vivo trate do PSI-20 mas preciso que ele também trate de consumo, que é o que me interes-sa a mim no JN.

Briefing | Como vê a presença do JN no meio digital?

MT | O JN tem um site que se comporta muito bem do ponto de vista das audiências. É o me-lhor site do grupo e, desse pon-to de vista, eu tenho muita sor-te porque um dos elementos da anterior direcção, o Alfredo Leite, tratava disso e continuará a tra-tar. O site vai muito bem e, do ponto de vista de organização da redacção, é uma coisa que não é estranha. Há uma grande inte-racção entre quem produz papel e quem produz digital, numa per-centagem muito boa. Queremos que tenha ainda mais algumas coisas, sobretudo no terreno dos vídeos e desse tipo de anima-ções, sobretudo em situações vi-rais. Há coisas que no papel não representam grande coisa e que depois, no site, são virais.

Briefing | O que é que tem pen-sado em termos de marketing, de projecção da marca JN?MT | Até Setembro, vamos reor-ganizar a redacção. Passa por uma reorganização física, por-que eu quero que a edição do jornal, quer na sua concepção e execução, quer no controlo de qualidade, esteja sempre nas mãos da direcção e por isso é que tenho uma direcção alarga-da. Isso passa por ter uma mesa de edição na redacção, onde a direcção ocupe permanente-mente lugares de operação da edição e vai determinar obras na redacção, bem como a sua reor-ganização. Será também criado um plateau para multimédia. Em Setembro, vamos iniciar uma re-forma gráfica do jornal porque o grafismo actual é híbrido, entre o popular e o de referência, e nós queremos que ele seja popular e de qualidade. Essa reforma es-tará concluída, provavelmente, até ao final do ano. Em Setembro também deveremos ter concluí-do o conselho editorial. Iniciare-mos nessa altura um conjunto de iniciativas de imagem, sen-do que o que já está alterado, e que não se vê porque é interno, é que a direcção editorial, a di-recção de marketing e a direc-ção comercial são primus inter

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O agregador do marketing.

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“Quem vem do jornalismo desportivo

vem de uma área muito concorrencial e por isso sempre com disposição

para a luta, para a concorrência, o que, do meu ponto de vista, é

uma diferença positiva”

“O JN tem um site que se comporta muito bem

do ponto de vista das audiências. é o melhor

site do grupo”

“Para mim vale tanto um crime no centro do Porto ou na Amadora. A questão que

eu levantei com o ancorar o jornal no Norte tem um outro significado,

principalmente na opinião”

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pares. Não tenho nada a noção de que o director editorial tenha de ser uma pessoa acima das outras, pelo contrário. Costumo dizer, com convicção, que, se pudesse, tinha o director comer-cial à minha direita e o de mar-keting à minha esquerda todos os dias, em gabinetes contíguos ou no mesmo gabinete. Hoje em dia, há uma crise do próprio modelo do negócio. As pessoas continuam a vender publicidade em função dos espaços e de au-diências, quando existem conte-údos que valem por si mesmos para além das audiências ou das tabelas que existem de aloca-ção de investimento.

Briefing | Como jornalista com grande experiência, princi-palmente na imprensa, como é que analisa hoje a relação entre os leitores e o jornal de papel? Os jornais de papel vão mesmo acabar um dia ou te-rão sempre o seu espaço?MT | Os jornais de papel em Por-tugal ainda têm muito caminho pela frente. Acho que, generi-camente, terão cada vez me-nos páginas e serão mais caros. Porque acho que, basicamente, a informação gratuita, não es-pecializada e não comentada vai existir cada vez mais e por-tanto o consumo de massas vai ser por aí. Mas vai haver sempre segmentos que quererão infor-mação especializada, analisada e enquadrada e o jornal em pa-pel ainda é um suporte interes-sante para se fazer isso.

Briefing | As quedas nas ven-das que se têm verificado nos últimos tempos vão continuar a estabilizar ou reverter? MT | Vão continuar e estabilizar um destes dias, até em função da própria crise que não está para terminar nos próximos dias. Os jornais que são comprados pelas classes C e D são os que sofrerão mais mas eu acho que depois haverá uma estabilização e tudo vai depender muito do que os jornais conseguirão fa-zer em termos de produtos adi-cionais e conexos. Vale a pena que os jornais comecem a pen-sar em operações editoriais one shot, porque a circunstância do dia ou o que vai acontecer ama-nhã proporcionam não só publi-cidade como mais leitores. As audiências da imprensa escrita vão passar a ter intervalos de oscilação maiores e vai ganhar quem conseguir ser mais criati-vo no dia-a-dia, não só do ponto de vista editorial mas também na forma como os sectores co-merciais conseguem agarrar as ideias do sector editorial e en-contrar clientes para elas.

Briefing | Não é um adepto da tabloidização do jornalismo. Como é que vai resistir a isso num tempo em que a tabloidi-zação dita, cada vez mais, as regras?MT | Vou resistir com as armas que, apesar de tudo, ainda te-mos e que passa por descons-truir algumas das linhas que produzem os escândalos. O que

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“A história de que um rico, à partida, é um tipo de quem se desconfia é uma ideia profundamente estúpida, porque já vi os maiores crimes cometidos pelos mais ricos e também pelos mais pobres”

está hoje na ordem do dia, por exemplo, e até em jornais di-tos de referência, que já estão contaminados, é o que é que o Eng. Sócrates vai fazer a seguir. A mim basta-me noticiar na al-tura o sítio para onde for, não vou andar atrás dele para ver o que vai fazer - nem estou a falar de uma coisa que é escandalo-sa mas sim de sensacionalismo barato. Quem quer a salvação do jornalismo e da comunica-ção social – onde eu acho que há uma crise tão grande como na Justiça – tem que ser muito determinado em não se substi-tuir aos poderes da democracia. Informar e comentar sim, mas sem se substituir à Justiça e ao poder legislativo. Se não parar-mos com os assassinatos atra-vés dos media vamos afundar--nos todos.

Briefing | Disse que o jorna-lismo atravessa uma crise tão grande como a da Justiça. Sente-se uma voz a pregar no deserto ou considera que isso é uma preocupação de todas as redacções?MT | Tenho tido sorte. Nos últi-mos 17 anos estive n’O Jogo e não me senti nada a pregar no deserto. Até podemos ter perdi-do algumas notícias em função disso, mas acho que o jornal se comportou dentro de uma linha aceitável, e do pouco tempo que tenho no JN o que tenho dito sobre a matéria tem tido bom acolhimento. Dentro deste uni-verso, que é o do meu trabalho, não me sinto nada a pregar no deserto. Mas a tentação é mui-to grande. Vou dar um exemplo de um núcleo de pessoas que, desde o 25 de Abril, tiveram pro-jectos políticos, quase todos de extrema-esquerda, e que apare-ceram depois em dois sítios: na comunicação social ou no edi-fício da Justiça. Essas pessoas não podem continuar a tentar resolver, no âmbito dos poderes que exercem actualmente, aqui-lo que não conseguiram resolver quando lutaram politicamente para terem determinado tipo de

sistemas. A história de que um rico, à partida, é um tipo de quem se desconfia é uma ideia profundamente estúpida, por-que já vi os maiores crimes co-metidos pelos mais ricos e tam-bém pelos mais pobres.

Briefing | Fazer um jornal des-portivo é diferente de um jor-nal generalista?MT | Não acho nada e sempre considerei esse tipo de pergun-ta um pouco esquisita. Normal-mente o que dizem é que os jornalistas desportivos têm uma relação promíscua com o mundo desportivo. Eu acho que tem a mesma medida dos outros jor-nalismos. Eu sempre achei que o jornalismo desportivo não era nem mais nem menos promíscuo do que o económico, por exem-plo. Nesta casa, curiosamente, eu não sou o primeiro jornalista da área desportiva que assume a direcção. Há um histórico de jornalistas que passaram pelo desporto e que chegaram a este lugar. Pela minha parte eu acho que as questões do rigor, de produção são iguais. Porventura o que é mais difícil no jornalis-mo desportivo é uma coisa que tem a ver com a própria nature-za do negócio, que é tão volá-til que é perfeitamente possível que um jogador seja dado como certo no Benfica de manhã, à tarde já esteja no Porto, ou vice--versa. Há uma volatilidade das próprias transferências despor-tivas que torna a informação mais “perigosa”. Quem vem do jornalismo desportivo vem de uma área muito concorrencial e por isso sempre com disposição para a luta, para a concorrência, o que, do meu ponto de vista, é uma diferença positiva.

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“Em Setembro também deveremos ter concluído o conselho editorial. Iniciaremos

nessa altura um conjunto de iniciativas de imagem, sendo que o que já está alterado, e que não se vê porque

é interno, é que a direcção editorial, a

direcção de marketing e a direcção comercial são primus inter pares”

“Os jornais de papel em Portugal ainda têm muito caminho pela frente. Acho

que, genericamente, terão cada vez menos

páginas e serão mais caros”