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Inhumas, ano 4, n. 15, jan. 2016
ISSN 2316-8102
ENTREVISTA COM ANA TEIXEIRA
Davi Giordano
Ana Teixeira
Entrevista a Davi Giordano, em 31 de setembro de 20151
Ana Teixeira, Escuto Histórias de Amor. Ação de rua, Lisboa, Portugal, 2009. Fotografia de
Angela Nunes
DAVI GIORDANO: Na primeira vez em que realizei uma entrevista
contigo, em setembro de 2013, lembro que você me comentou que algo
importante em seus trabalhos de ações de rua é o fato de você “gostar de
gente”. Ao fazer uma análise do repertório de seus trabalhos, percebo que, como
1 Esta entrevista surge como a continuidade de uma pesquisa desenvolvida anteriormente que resultou no artigo “Ações de Rua como a Busca Pelo Encontro, Pela Subjetividade e Pelos Afetos: Os Artistas em Contato com a Sensível Humanidade dos Transeuntes”, o qual foi publicado na primeira edição da Revista Observatório da Diversidade Cultural, v. 1, p. 41-49, 2014, ISSN 2358-9175. Em função disso, muitas das questões que proponho para Ana Teixeira nesta entrevista surgiram de uma conversa anterior que realizei com a artista em setembro de 2013.
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artista, você está sempre interessada em se aproximar de pessoas que não
buscam uma expressão direta por meio da arte, como é o caso dos transeuntes.
Isso está presente em diversos de seus trabalhos, principalmente no ciclo que
você desenvolveu referente ao projeto “Trocas: A Arte na Rua e A Rua na Arte”,
composto por ações como Escuto Histórias de Amor, Troco Sonhos, ESCUTE!,
Outra Identidade e Empresto Meus Olhos aos Seus. Também podemos ver isso
na sua atual exposição De Perto Ninguém É Normal (Espaço de Cultura Bela
Vista, São Paulo, Brasil), em que você elaborou uma série de desenhos de
moradores do bairro da Bela Vista, que foram entrevistados especificamente
para esse trabalho. Tudo isso me remete a um fenômeno comum que observo
na arte contemporânea, o qual poderia denominar como “arte de inclusão”, algo
que incorpora novas discussões estéticas, diferente daquilo que caracterizou a
arte dos anos de 1960 e 1970 como “arte de provocação”. Penso que seu trabalho
contribui para questionar uma nova modalidade a partir da qual encontramos
uma perspectiva interessante para pensar a arte contemporânea, ou seja,
compreender a arte como espaço de troca de experiências e trânsito de afetos.
Como você nota esta minha observação em seu trabalho? E como você
compreende isso no papel do artista contemporâneo?
ANA TEIXEIRA: Talvez a arte possa ser um espaço de troca de
experiências e de trânsito de afetos, como você diz, porém a vejo mais como um
sistema de enfrentamentos do que de empatias, uma forma de “produzir
desconhecimento”, como diz o artista Waltércio Caldas. Talvez o que você
chame de “inclusão” eu prefira chamar de “interação”, e apenas uma interação
possível em uma relação de confronto. Entende? Eu não me vejo acolhendo o
outro ao entrevistá-lo para o projeto “De Perto Ninguém É Normal”. Eu me vejo
provocando-o com perguntas sobre ele mesmo que talvez ele nunca se fizesse.
Sobre meu “gostar de gente”, creio ser melhor dizer que eu me interesso
por gente e pela possibilidade de me comunicar com as pessoas por meio de
meu trabalho, seja em espaços privilegiados para a arte, como galerias e
museus, seja nas ruas ou em outros espaços públicos.
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Ana Teixeira, De Perto Ninguém É Normal. Interação, São Paulo, Brasil, 2015. Fotografia
de Ana Teixeira
Ana Teixeira, De Perto Ninguém É Normal. Interação, São Paulo, Brasil, 2015. Fotografia de
Tomás Andrade
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Sobre o papel do artista contemporâneo, penso que a arte dialoga com
seu tempo. Vivemos um tempo de incertezas, de grande virtualidade, de
anestesia, de individualismo exacerbado, de (sempre bem-vindas) dúvidas, de
comunicação mais rápida, mais abrangente e (perigosamente) mais superficial e
efêmera. Esse tempo rápido, exigente e estafante, tem suas benesses e seus
desconfortos como qualquer outro. É conversando com seu tempo que a arte se
torna mais potente e pode provocar a pensar, pode gerar incômodo e pode ser
também uma espécie de lente que instigue as pessoas a se verem (e a verem
seu entorno) a partir de outro lugar, questionando-se e revendo as premissas
que as estruturam.
DAVI GIORDANO: Algo que me intrigou bastante em nossa última
conversa foi quando você comentou que suas intervenções urbanas se inserem
naquilo que você denomina como ações de rua, preferindo utilizar essa
terminologia ao invés de trabalhos de performance. Ao me explicar o motivo de
sua opção, você comentou que a noção de ações de rua adquire um sentido mais
amplo, ao permitir inclusive que os transeuntes passem perto de seus trabalhos
e nem queiram considerar que isso seja arte. Relaciono essa sua associação com
aquilo que diz a crítica de arte inglesa Claire Bishop, ao recordar as maneiras
como a estética relacional era incorporada por práticas artísticas que teriam
apenas o propósito de intervenção e transformação de uma realidade
constituída. Assim, Bishop questiona que o sentido de colaboração proposto por
trabalhos ditos relacionais implicavam somente interesses dos próprios artistas,
apoiando uma espécie de egocentrismo em prol de suas imagens, e não do real
sentido de colaboração que deve surgir a partir de uma experiência
compartilhada. Quando você considera o transeunte com a qualidade dupla de
espectador e ativador da obra, você dá a liberdade para que seu trabalho seja
livremente interpretado por pessoas que não têm o objetivo de se deparar com a
experiência artística. Sobre isso, gostaria de perguntar: Como se dá a recepção
do seu trabalho em diferentes países? Talvez um exemplo interessante de
comentar algo a respeito disso seria o trabalho Escuto Histórias de Amor.
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ANA TEIXEIRA: A recepção ao Escuto Histórias de Amor foi bastante
semelhante em todos os países pelos quais passei. Geralmente, ao me ver
sentada em espaços públicos com a placa que anuncia o que faço, a maioria das
pessoas olha com curiosidade, faz uma pequena pausa em sua travessia urbana
e parece estranhar aquela cena. Muitas param e perguntam o que faço ali.
Sempre afirmei apenas “Eu escuto histórias de amor” e nada além disso. Não
costumo avisar que aquilo é uma ação artística e não tenho o menor interesse
em fazê-lo. Não me interessa usar a arte como um escudo de proteção. Muito
pelo contrário. Estou ali tão vulnerável quanto o transeunte que se senta para
me contar sua história.
É interessante sua afirmação de que eu considero o transeunte com a
qualidade dupla de espectador e ativador da obra, dando a ele a liberdade de
interpretar livremente o trabalho. É isso mesmo o que acontece. Não me
interessa que o transeunte, tanto o que apenas olhou quanto o que parou para
conversar, saia dali com a noção de que conheceu “arte”, mas sim de que viveu
algo, de que foi atravessado por uma experiência.
DAVI GIORDANO: Até a fase de sua pesquisa de mestrado na
Universidade de São Paulo intitulada Trocas: A Arte na Rua e A Rua na Arte,
você utilizava consciente e assumidamente o conceito de “arte relacional”, como
foi proposto por Nicolas Bourriaud em seu livro Estética Relacional (2009).
Lembro que você me comentou que nos últimos tempos abdicou desse termo.
Gostaria de saber quando e como foi a decisão de abandonar o termo como uma
das inspirações dos seus trabalhos?
ANA TEIXEIRA: Creio que os rótulos que colocamos em nossos
trabalhos podem acabar por limitá-los e é por isso que prefiro não definir o que
faço como “arte relacional”. Se muitas vezes minha produção privilegia o
contato com o outro, e isso acontece mesmo, isso não significa que ela se foque
apenas nisso. A matéria-prima de meu trabalho são as perguntas, indagações
que produzem outras indagações, num ciclo infinito e sem respostas. Creio que
essa é uma maneira mais ampliada de ver minha produção.
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DAVI GIORDANO: Você me falou que não se considera uma performer.
Acho que seria interessante você comentar um pouco mais sobre isso.
ANA TEIXEIRA: Penso a performance em artes visuais como uma ação
com certo índice de previsibilidade e de atuação. Não me vejo “performando”
minhas ações, exatamente por não me sentir “atuando”, como se trabalhasse
em uma peça teatral. Se atuo é apenas na medida em que atuamos sempre, no
dia a dia, o tempo todo, mesmo quando sozinhos ou defronte a um espelho.
Minhas ações tampouco têm o conteúdo da previsibilidade, um final específico.
Estou nelas sujeita ao outro e ao que vier dele, seja a indiferença ou a
participação.
DAVI GIORDANO: Possuo um projeto intitulado “Performance e Ensino
Des.formal”, no qual trabalho um cruzamento de arte contemporânea, criação
performática e pedagogia experimental diretamente com jovens e adolescentes.
Já desenvolvi esse trabalho com grupos de diferentes contextos em regiões do
interior do Rio de Janeiro e de São Paulo. Sempre ao iniciar o contato dos jovens
com a arte da performance, opto por utilizar como referências alguns de seus
trabalhos. Percebo que há uma percepção imediata dos alunos com o universo
da intervenção urbana como forma de estímulo para que eles criem seus
próprios trabalhos. Gostaria de saber como é para você receber depoimentos de
jovens artistas que foram inspirados pelos seus trabalhos? Como você vem
dialogando com a nova geração de artistas?
ANA TEIXEIRA: Acho muito bom que meus trabalhos possam servir de
inspiração para outros artistas e que minhas pesquisas possam ter ressonância
também em outras áreas. Tenho conversado bastante com jovens, que me
procuram principalmente pelas redes sociais, e procuro estar atenta aos diálogos
possíveis com a produção atual.
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Ana Teixeira, Tausch/Troca. Ação para países de idioma desconhecido, Alemanha, 2004.
Arquivo da artista
Ana Teixeira, Aviso. Intervenção em praias, Itaparica, Bahia, Brasil, 2011. Fotografia de Ana
Teixeira
DAVI GIORDANO: Algo comum na arte contemporânea é a criação de
residências que permitem que artistas possam vivenciar uma experiência de
criação temporária em outra região e cultura, proporcionando assim uma troca
de experiência vital para um processo de reciclagem e contato com novas
pessoas e inspirações. Gostaria que você comentasse algumas das residências
pelas quais já passou e como elas foram fundamentais para a criação de novas
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fases do seu trabalho?
ANA TEIXEIRA: O conceito do artista viajante sempre existiu, mas nos
últimos anos tem se consolidado e é sistematizado sob a instituição da
residência artística. Apesar de existirem inúmeros modelos de programas de
residência, todos eles propiciam ao artista um ambiente fora de seu espaço
habitual e de sua rotina, uma vivência num contexto sociocultural diferente e de
acesso a uma nova rede de contatos. Estar em um projeto de residência artística
é sempre um desafio. Minhas vivências em residências no Canadá, Alemanha,
Dinamarca e Bahia (Brasil) foram todas muito intensas e chegaram ao seu final
sempre com um novo dimensionamento sobre o projeto proposto no início. Na
Alemanha, em 2004, por exemplo, a intervenção que criei estava diretamente
ligada ao contexto local: uma cidade pequena onde grande parte dos habitantes
não usava outra língua além do alemão. Tausch/Troca foi criada como uma
forma de buscar uma comunicação que se desse por meio das palavras, mesmo
que elas fossem incompreensíveis [Ver em: http://goo.gl/KFj3yX]. Na
Dinamarca produzi uma série de desenhos que se relacionavam com a história
da pequena cidade de Brande, reinventada por mim a partir de fotos antigas. Na
Bahia, a natureza, impositiva e contundente, foi o grande tema dos meus
trabalhos [Ver
em: http://goo.gl/lCyDkX ; http://goo.gl/DFpFw9 ; http://goo.gl/Zr91M9].
Não saímos nunca ilesos de uma experiência de deslocamento.
DAVI GIORDANO: Fico interessado pelo fato de sua formação original
vir das Artes Visuais e posteriormente você também ter experimentado a rua
como espaço de vivência e de produção de seus trabalhos. Poderia comentar
como se dá a relação entre as Artes Visuais e as Ações de rua em seu trabalho?
ANA TEIXEIRA: A rua é um espaço de trocas, como tantos outros.
Ainda na graduação em artes eu me interessei pelas ações no espaço público e
continuo seduzida pelas possibilidades que as paisagens, urbanas ou não,
podem facultar ao meu trabalho. A “Arte visual”, na verdade, é um campo de
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conhecimento que ultrapassa muito o visual. Desde o advento da arte
conceitual, na década de 1970, trocamos o fazer artístico convencional por um
“fazer mental”. As técnicas estão a serviço das ideias e o artista contemporâneo
não precisa dominar a feitura tradicional de um quadro ou de uma escultura, por
exemplo. Basta que ele tenha ideias e as realize.
DAVI GIORDANO: Por último, sobre a sua nova exposição De Perto
Ninguém É Normal (Espaço de Cultura Bela Vista, São Paulo, Brasil), quais eram
as suas expectativas iniciais e como está sendo a recepção do público paulista?
Há planos de expandir o projeto para outros locais e contextos?
ANA TEIXEIRA: A exposição De Perto Ninguém É Normal acontece
como continuação de um projeto iniciado em 2013, durante a residência artística
Vaivém, no SESC Pinheiros, em São Paulo [Ver em: http://goo.gl/huLXCp].
Nessa série elaboro desenhos de seres humanos a partir de uma
pesquisa que envolve a observação de suas características externas e internas.
São produzidos retratos híbridos de partes das pessoas observadas com partes
de outros seres vivos ou de objetos inanimados. A pesquisa se dá por meio do
contato direto com os seres pesquisados. Desta feita, em busca de
participantes, foram espalhados cartazes pelo bairro da Bela Vista (Bexiga), em
São Paulo. Em seguida, conduzidas entrevistas com os moradores interessados
em tomar parte do projeto. Durante três semanas, montei meu ateliê no Espaço
de Cultura Bela Vista trabalhando nos desenhos.
Esse trabalho, tanto em sua versão de 2013 quanto nesta de 2015, tem
sido uma experiência instigante. O questionário que criei como forma de
pesquisa faz muito mais o papel de provocar os entrevistados a pensarem em si
mesmos, do que o de me ajudar a conhecê-los. Invento artifícios para me
conectar com seres humanos e eles têm funcionado bem, no sentido de
proporcionar pontes entre mim e o outro, até então desconhecido.
Sim, quero desenvolver esse projeto com grupos diversos e em diferentes
lugares e contextos. É só surgir uma chance e estarei lá, confirmando que De
Perto Ninguém É Normal.
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BIBLIOGRAFIA
BELENGUER, Celeste; MELENDO, María José. “El presente de la estética
relacional: hacia una crítica de la crítica”. In: Revista Calle14, Colômbia, vol. 7,
n. 8, 2012.
BISHOP, Claire. Artificial Hells – Participatory Art and the
Politics of Spectatorship. Nova York: Verso, 2012.
______. “Antagonism and Relational Aesthetics”. October, 2004, n. 110,
p. 51-79.
______. Socially Engaged Art, Critics and Discontents: An
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2006. Ver em: <http://goo.gl/iJGB5m>. Acesso em: 04/02/2015.
______. “The Social Turn: Collaboration and Its Discontents”. Artforum
44, n. 6, feb. 2006, p. 178-183.
BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional . Trad. de Denise Bottmann.
São Paulo: Martins, 2009.
______. Formas de Vida: A Arte Moderna e a Invenção de Si.
Trad. de Dorothée de Bruchard. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
GIORDANO, D. F. “Ações de Rua como a Busca Pelo Encontro, Pela
Subjetividade e Pelos Afetos: Os Artistas em Contato com a Sensível
Humanidade dos Transeuntes”. Revista Observatório da Diversidade
Cultural, v. 1, p. 41-49, 2014.
TEIXEIRA, Ana. Trocas: A Arte na Rua e A Rua na Arte:
Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, 2005.
PARA CITAR ESTA ENTREVISTA
GIORDANO, Davi. “Entrevista com Ana Teixeira”. eRevista Performatus,
Inhumas, ano 4, n. 15, jan. 2016. ISSN: 2316-8102.
Revisão ortográfica de Marcio Honorio de Godoy
© 2016 eRevista Performatus e o autor