ensino fundamental de nove anos: orientaÇÕes para a inclusÃo da crianÇa de seis anos de idade

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  • MINISTRIO DA EDUCAOSECRETARIA DE EDUCAO BSICA

    ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOSORIENTAES PARA A INCLUSO DA CRIANA

    DE SEIS ANOS DE IDADE

    2a edioBraslia

    2007

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  • Ministrio da EducaoSecretaria de Educao Bsica

    Departamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental

    Coordenao-Geral do Ensino Fundamental

    Organizao do documentoJeanete BeauchampSandra Denise PagelAriclia Ribeiro do Nascimento

    Grupo de trabalho responsvel pela elaborao do documento:Ariclia Ribeiro do Nascimento Ceclia Correia Lima Sobreira de Sampaio Cleyde de Alencar Tormena Jeanete Beauchamp Karina Risek Lopes Luciana Soares Sargio Maria Eneida Costa dos Santos Roberta de Oliveira Roseana Pereira Mendes Sandra Denise Pagel Stela Maris Lagos Oliveira Telma Maria Moreira (in memoriam) Vania Elichirigoity Barbosa Vitria Lbia Barreto de Faria

    Reviso de texto: Alfredina Nery e Luciana Soares Sargio

    Apoio administrativo: Miriam Sampaio de Oliveira e Paulo Alves da Silva

    Tiragem: 420 mil exemplares

    Departamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino FundamentalCoordenao-Geral do Ensino FundamentalEsplanada dos Ministrios, Bloco L, sala 618Braslia-DF. CEP: 70.047-900Telefone: (61) 2104-8650www.mec.gov.br0800 616161

    Apoio

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Ensino fundamental de nove anos : orientaes para a incluso da criana de seis anos de idade / organizao Jeanete Beauchamp, Sandra Denise Pagel, Ariclia Ribeiro do Nascimento. Braslia : Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Bsica, 2007.135 p. : il.

    1. Ampliao da escolarizao. 2. Ensino fundamental. 3. Escolaridade obrigatria. 4. Durao da escolarizao. I. Beauchamp, Jeanete. II. Pagel, Sandra Denise. III. Nascimento, Ariclia Ribeiro do. IV. Brasil. Secretaria de Educao Bsica.

    CDU 37.046.12

    Impresso no Brasil

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    Impresso e Acabamento: Leograf - Grfica e Editora Ltda.

  • Apresentao

    Introduo

    A infncia e sua singularidadeSonia Kramer

    A infncia na escola e na vida: uma relao fundamentalAnelise Monteiro do Nascimento

    O brincar como um modo de ser e estar no mundongela Meyer Borba

    As diversas expresses e o desenvolvimento da criana na escolangela Meyer Borba e Ceclia Goulart

    As crianas de seis anos e as reas do conhecimentoPatrcia Corsino

    Letramento e alfabetizao: pensando a prtica pedaggicaTelma Ferraz Leal, Eliana Borges Correia de Albuquerque e Artur Gomes de Morais

    A organizao do trabalho pedaggico: alfabetizao e letramento como eixos orientadoresCeclia Goulart

    Avaliao e aprendizagem na escola: a prtica pedaggicacomo eixo da refl exoTelma Ferraz Leal, Eliana Borges Correia de Albuquerque e Artur Gomes de Morais

    Modalidades organizativas do trabalho pedaggico: uma possibilidadeAlfredina Nery

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    SUMRIO

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    APRESENTAO

    Este governo, ao reafi rmar a urgncia da construo de uma escola inclusiva, cidad, solid-ria e de qualidade social para todas as crianas, adolescentes e jovens brasileiros, assume, cada vez mais, o compromisso com a implementao de polticas indutoras de transfor-maes signifi cativas na estrutura da escola, na reorganizao dos tempos e dos espaos escolares, nas formas de ensinar, aprender, avaliar, organizar e desenvolver o currculo, e trabalhar com o conhecimento, respeitando as singularidades do desenvolvimento humano.

    O Ministrio da Educao vem envidando efetivos esforos na ampliao do ensino fundamental para nove anos de durao, considerando a universalizao do acesso a essa etapa de ensino de oito anos de durao e, ainda, a necessidade de o Brasil aumentar a durao da escolaridade obri-gatria. Essa relevncia constatada, tambm, ao se analisar a legislao educacional brasileira: a Lei no 4.024/1961 estabeleceu quatro anos de escolaridade obrigatria; com o Acordo de Punta Del Este e Santiago, de 1970, estendeu-se para seis anos o tempo do ensino obrigatrio; a Lei no 5.692/1971 determinou a extenso da obrigatoriedade para oito anos; j a Lei no 9.394/1996 sinalizou para um ensino obrigatrio de nove anos de durao, a iniciar-se aos seis anos de idade, o que, por sua vez, tornou-se meta da educao nacional pela Lei no 10.172/2001, que aprovou o Plano Nacional de Educao (PNE). Finalmente, em 6 de fevereiro de 2006, a Lei no 11.274, institui o ensino fundamental de nove anos de durao com a incluso das crianas de seis anos de idade.

    Com a aprovao da Lei no 11.274/2006, ocorrer a incluso de um nmero maior de crianas no sistema educacional brasileiro, especialmente aquelas pertencentes aos setores populares, uma vez que as crianas de seis anos de idade das classes mdia e alta j se encontram, majoritariamente, incorporadas ao sistema de ensino na pr-escola ou na primeira srie do ensino fundamental.

    A importncia dessa deciso poltica relaciona-se, tambm, ao fato de recentes pesquisas mostra-rem que 81,7% das crianas de seis anos esto na escola, sendo que 38,9% freqentam a educao infantil, 13,6% pertencem s classes de alfabetizao e 29,6% esto no ensino fundamental (IBGE, Censo Demogrfi co 2000).

    Outro fator importante para a incluso das crianas de seis anos de idade na instituio escolar deve-se aos resultados de estudos demonstrarem que, quando as crianas ingressam na instituio escolar antes dos sete anos de idade, apresentam, em sua maioria, resultados superiores em relao quelas que ingressam somente aos sete anos. A exemplo desses estudos, podemos citar o Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica (Saeb) 2003. Tal sistema demonstra que crianas com

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    histrico de experincia na pr-escola obtiveram melhores mdias de profi cincia em leitura: vinte pontos a mais nos resultados dos testes de leitura.

    Para que o ensino fundamental de nove anos seja assumido como direito pblico subjetivo e, portanto, objeto de recenseamento e de chamada escolar pblica (LDB 9.394/1996, Art. 5), necessrio, nesse momento de sua implantao, considerar a organizao federativa e o regime de colaborao entre os sistemas de ensino estaduais, municipais e do Distrito Federal. Deve-se observar, tambm, o que estabelece a Resoluo CNE/CEB no 3/2005, de 3 de agosto de 2005, que fi xa, como condio para a matrcula de crianas de seis anos de idade no ensino fundamental, que essas, obrigatoriamente, tenham seis anos completos ou a completar no incio do ano letivo em curso.

    Ressalte-se que o ingresso dessas crianas no ensino fundamental no pode constituir uma medida meramente administrativa. preciso ateno ao processo de desenvolvimento e aprendizagem delas, o que implica conhecimento e respeito s suas caractersticas etrias, sociais, psicolgicas e cognitivas.

    Nesse sentido, o Ministrio da Educao, por meio da Secretaria de Educao Bsica (SEB) e do Departamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental (DPE), buscando fortalecer um processo de debate com professores e gestores sobre a infncia na educao bsica, elaborou este documento, cujos focos so o desenvolvimento e a aprendizagem das crianas de seis anos de idade ingressantes no ensino fundamental de nove anos, sem perder de vista a abrangncia da infncia de seis a dez anos de idade nessa etapa de ensino.

    Finalmente, informamos que este documento compe-se de nove textos: A infncia e sua singulari-dade; A infncia na escola e na vida: uma relao fundamental; O brincar como um modo de ser e estar no mundo; As diversas expresses e o desenvolvimento da criana na escola; As crianas de seis anos e as reas do conhecimento; Letramento e alfabetizao: pensando a prtica pedaggica; A organizao do trabalho pedaggico: alfabetizao e letramento como eixos orientadores; Avaliao e aprendizagem na escola: a prtica pedaggica como eixo da refl exo; e Modalidades organizativas do trabalho pedaggico: uma possibilidade.

    Ministrio da EducaoSecretaria de Educao Bsica

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    INTRODUO

    Aimplantao de uma poltica de ampliao do ensino fundamental de oito para nove anos de durao exige tratamento poltico, administrativo e pedaggico, uma vez que o objetivo de um maior nmero de anos no ensino obrigatrio assegurar a todas as crianas um tempo mais longo de convvio escolar com maiores oportunidades de aprendizagem.

    Ressalte-se que a aprendizagem no depende apenas do aumento do tempo de permanncia na escola, mas tambm do emprego mais efi caz desse tempo: a associao de ambos pode contribuir signifi cativamente para que os estudantes aprendam mais e de maneira mais prazerosa.

    Para a legitimidade e a efetividade dessa poltica educacional, so necessrias aes formativas da opinio pblica, condies pedaggicas, administrativas, fi nanceiras, materiais e de recursos humanos, bem como acompanhamento e avaliao em todos os nveis da gesto educacional.

    Nesse sentido, elaboramos este documento Ensino Fundamental de Nove Anos: orientaes para a incluso da criana de seis anos de idade, uma vez que a implementao dessa poltica requer orientaes pedaggicas que respeitem as crianas como sujeitos da aprendizagem.

    Em se tratando dos aspectos administrativos, vale esclarecer que a organizao federativa garante que cada sistema de ensino competente e livre para construir, com a respectiva comunidade escolar, seu plano de ampliao do ensino fundamental, como tambm responsvel por desenvolver estudos com vistas democratizao do debate, o qual deve envolver todos os segmentos interessados em assegurar o padro de qualidade do processo de ensino-aprendizagem.

    Faz-se necessrio, ainda, que os sistemas de ensino garantam s crianas de seis anos de idade, ingressantes no ensino fundamental, nove anos de estudo nessa etapa da educao bsica. Durante o perodo de transio entre as duas estruturas, os sistemas devem administrar uma proposta curricular que assegure as aprendizagens necessrias ao prosseguimento, com sucesso, nos estudos tanto s crianas de seis anos quanto s de sete anos de idade que esto ingressando no ensino fundamental de nove anos, bem como quelas ingressantes no, at ento, ensino fundamental de oito anos.

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    A ampliao do ensino fundamental demanda, ainda, providncias para o atendimento das necessidades de recursos humanos professores, gestores e demais profi ssionais de educao para lhes assegurar, entre outras condies, uma poltica de formao continuada em servio, o direito ao tempo para o planejamento da prtica pedaggica, assim como melhorias em suas carreiras. Alm disso, os espaos educativos, os materiais didticos, o mobilirio e os equipamentos precisam ser repensados para atender s crianas com essa nova faixa etria no ensino fundamental, bem como infncia que j estava nessa etapa de ensino com oito anos de durao.

    Neste incio do processo de ampliao do ensino fundamental, existem muitas perguntas dos sistemas de ensino sobre o currculo para as classes das crianas de seis anos de idade, entre as quais destacamos: o que trabalhar? Qual o currculo? O currculo para essa faixa etria ser o mesmo do ltimo ano da pr-escola? O contedo para essa criana ser uma compilao dos contedos da pr-escola com os da primeira srie ou do primeiro ano do ensino fundamental de oito anos?

    Antes de refl etirmos sobre essas questes, importante salientar que a mudana na estrutura do ensino fundamental no deve se restringir a o que fazer exclusivamente nos primeiros anos: este o momento para repensar todo o ensino fundamental tanto os cinco anos iniciais quanto os quatro anos fi nais.

    Quanto s perguntas anteriores, lembramos que os sistemas, neste momento, tero a oportunidade de rever currculos, contedos e prticas pedaggicas no somente para o primeiro ano, mas para todo o ensino fundamental. A criana de seis anos de idade que passa a fazer parte desse nvel de ensino no poder ser vista como um sujeito a quem faltam contedos da educao infantil ou um sujeito que ser preparado, nesse primeiro ano, para os anos seguintes do ensino fundamental. Reafi rmamos que essa criana est no ensino obrigatrio e, portanto, precisa ser atendida em todos os objetivos legais e pedaggicos estabelecidos para essa etapa de ensino.

    Faz-se necessrio destacar, ainda, que a educao infantil no tem como propsito preparar crianas para o ensino fundamental, essa etapa da educao bsica possui objetivos prprios, os quais devem ser alcanados a partir do respeito, do cuidado e da educao de crianas que se encontram em um tempo singular da primeira infncia. No que concerne ao ensino fundamental, as crianas de seis anos, assim como as de sete a dez anos de idade, precisam de uma proposta curricular que atenda a suas caractersticas, potencialidades e necessidades especfi cas.

    Nesse sentido, no se trata de compilar contedos de duas etapas da educao bsica, trata-se de construirmos uma proposta pedaggica coerente com as especifi cidades da segunda infncia e que atenda, tambm, s necessidades de desenvolvimento da adolescncia.

    A ampliao do ensino fundamental para nove anos signifi ca, tambm, uma possibilidade de qualifi cao do ensino e da aprendizagem da alfabetizao e do letramento, pois a criana ter mais tempo para se apropriar desses contedos. No entanto, o ensino nesse primeiro ano ou nesses dois primeiros anos no dever se reduzir a essas aprendizagens. Por isso, neste documento de orientaes pedaggicas, reafi rmamos a importncia de um trabalho pedaggico que assegure o estudo das diversas expresses e de todas as reas do conhecimento, igualmente necessrias formao do estudante do ensino fundamental.

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    Vale lembrar que todos ns professores, gestores e demais profi ssionais de apoio docncia temos, neste momento, uma complexa e urgente tarefa: a elaborao de diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental de nove anos. Tendo em vista essa realidade, Ministrio da Educao (MEC) e Conselho Nacional de Educao (CNE) j esto trabalhando para atender a essa nova exigncia da educao bsica.

    Retomando as idias iniciais deste texto, preciso, ainda, que haja, de forma criteriosa, com base em estudos, debates e entendimentos, a reorganizao das propostas pedaggicas das secretarias de educao e dos projetos pedaggicos das escolas, de modo que assegurem o pleno desenvolvimento das crianas em seus aspectos fsico, psicolgico, intelectual, social e cognitivo, tendo em vista alcanar os objetivos do ensino fundamental, sem restringir a aprendizagem das crianas de seis anos de idade exclusividade da alfabetizao no primeiro ano do ensino fundamental de nove anos, mas sim ampliando as possibilidades de aprendizagem.

    Desse modo, neste documento, procuramos apresentar algumas orientaes pedaggicas e possibilidades de trabalho, a partir da refl exo e do estudo de alguns aspectos indispensveis para subsidiar a prtica pedaggica nos anos iniciais do ensino fundamental, com especial ateno s crianas de seis anos de idade. A seguir, passamos a abordar alguns pontos especfi cos de cada um dos textos que compem este documento.

    No primeiro texto, exploramos A infncia e sua singularidade, tendo como eixo de discusso as dimenses do desenvolvimento humano, a cultura e o conhecimento. Consideramos a infncia eixo primordial para a compreenso da nova proposta pedaggica necessria aos anos/sries iniciais do ensino fundamental e, conseqentemente, para a reestruturao qualitativa dessa etapa de ensino.

    Logo em seguida, refl etimos sobre a experincia, vivenciada por crianas, de chegar escola pela primeira vez, o que, sem dvida, um acontecimento importante na vida do ser humano. Por isso, elegemos o tema A infncia na escola e na vida: uma relao fundamental para conversarmos sobre o sentimento de milhares de crianas que adentram, cheias de expectativas, o universo chamado escola. Precisamos cuidar para no as frustrar, pois, por muitos anos, freqentaro esse espao institucional. Optamos por enfatizar a infncia das crianas de seis a dez anos de idade, partindo do pressuposto de que elas trazem muitas histrias, muitos saberes, jeitos singulares de ser e estar no mundo, formas diversas de viver a infncia. Estamos convencidos de que so crianas constitudas de culturas diferentes. Ento, como as receber sem as assustar com o rtulo de alunos do ensino fundamental? De que maneira possvel acolh-las como crianas que vivem a singular experincia da infncia? Como as encantar com outros saberes, considerando que algumas esto diante de sua primeira experincia escolar e outras j trazem boas referncias da educao infantil? Essas so algumas das refl exes propostas nesse texto.

    Partindo do princpio de que o brincar da natureza de ser criana, no poderamos deixar de assegurar um espao privilegiado para o dilogo sobre tal temtica. Hoje, os profi ssionais da docncia esto diante de uma boa oportunidade de reviso da proposta pedaggica e do projeto pedaggico da escola, pois chegaram, para compor essa trajetria de nove anos de ensino e

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    aprendizagens, crianas de seis anos que, por sua vez, vo se encontrar com outras infncias de sete, oito, nove e dez anos de idade. Se assim entendermos, estaremos convencidos de que este o momento de recolocarmos no currculo dessa etapa da educao bsica O brincar como um modo de ser e estar no mundo; o brincar como uma das prioridades de estudo nos espaos de debates pedaggicos, nos programas de formao continuada, nos tempos de planejamento; o brincar como uma expresso legtima e nica da infncia; o ldico como um dos princpios para a prtica pedaggica; a brincadeira nos tempos e espaos da escola e das salas de aula; a brincadeira como possibilidade para conhecer mais as crianas e as infncias que constituem os anos/sries iniciais do ensino fundamental de nove anos.

    Mais adiante, convidamos cada profi ssional de educao, responsvel pelo desenvolvimento e pela aprendizagem no ensino fundamental, para um debate sobre a importncia das Diversas expresses e o desenvolvimento da criana na escola por entendermos que, para favorecer a aprendizagem, precisamos dialogar com o ser humano em todas as suas dimenses. No com um sujeito que entra livre na escola e, de maneira cruel, limitado em suas potencialidades e reduzido em suas possibilidades de expresso. Para tanto, a escola deve garantir tempos e espaos para o movimento, a dana, a msica, a arte, o teatro... Esse ser humano que carrega a leveza da infncia ou a inquietude da adolescncia precisa vivenciar, sentir, perceber a essncia de cada uma das expresses que o tornam ainda mais humano. Portanto, necessrio rever o uso dessas expresses como pretexto para disciplinar o corpo, como, por exemplo, a utilizao da msica exclusivamente para anunciar a hora do lanche, da sada, de fazer silncio, de aprender letras, de produzir textos, de ir ao banheiro... Sem permitir que crianas e adolescentes possam sentir a msica em suas diferentes manifestaes; sem dar a esses estudantes a possibilidade de se tornarem mais sensveis aos sons dos cantos dos pssaros, leveza dos sons de uma fl auta, felizes ou surpresos diante do acorde alegre ou melanclico de um violo...

    Ao apresentarmos, no quinto texto deste documento, a temtica As crianas de seis anos e as reas do conhecimento, objetivamos discutir essas reas e a relao delas entre si em uma perspectiva de menor fragmentao dos saberes no cotidiano escolar. Estamos diante de uma tarefa complexa que requer atitude de curiosidade cientfi ca e de refl exo, de investigao sobre o que sabemos a respeito de cada um dos contedos que compem essas reas, de inquietude diante de fazeres pedaggicos cristalizados. Neste texto, procuramos explorar, mesmo que de forma mnima, cada uma dessas reas, na perspectiva de dialogar com o(a) professor(a) sobre as inmeras possibilidades por elas apresentadas para o desenvolvimento curricular das crianas dos anos/sries inicias do ensino fundamental.

    Outro tema de extrema relevncia nesse processo de ampliao da durao do ensino obrigatrio a questo da alfabetizao nos anos/sries iniciais, por isso procuramos incentivar um debate sobre Letramento e alfabetizao: pensando a prtica pedaggica. Assim, optamos por abordar alguns aspectos que devem ser objeto de estudo dos professores: a importncia da relao das crianas com o mundo da escrita; a incoerncia pedaggica da exclusividade da alfabetizao nesse primeiro ano/srie do ensino fundamental em detrimento das demais reas do conhecimento; a importncia do investimento na formao de leitores, na criao de bibliotecas e salas de leitura; e a relevncia do papel do professor como mediador de leitura. Este um momento adequado, tambm, para revermos nossas concepes e prticas de alfabetizao. urgente garantir que os estudantes

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    tenham direito de aprender a ler e a escrever de maneira contextualizada, assim como essencial buscar assegurar a formao de estudantes que lem, escrevem, interpretam, compreendem e fazem uso social desses saberes e, por isso, tm maiores condies de atuar como cidados nos tempos e espaos alm da escola.

    Organizar o trabalho pedaggico da escola e da sala de aula tarefa individual e coletiva de professores, coordenadores, orientadores, supervisores, equipes de apoio e diretores. Para tanto, fundamental que se sensibilizem com as especifi cidades, as potencialidades, os saberes, os limites, as possibilidades das crianas e adolescentes diante do desafi o de uma formao voltada para a cidadania, a autonomia e a liberdade responsvel de aprender e transformar a realidade de maneira positiva. A forma como a escola percebe e concebe as necessidades e potencialidades de seus estudantes refl ete-se diretamente na organizao do trabalho escolar. Por isso, vale ressaltar que, como cada escola est inserida em uma realidade com caractersticas especfi cas, no h um nico modo de organizar as escolas e as salas de aula. Mas necessrio que tenhamos eixos norteadores comuns. Portanto, procuramos, neste momento de ampliao do ensino fundamental para nove anos, estar atentos para a necessidade de que aspectos estruturantes da escola precisam ser analisados e reelaborados. Por exemplo: como o projeto pedaggico da escola assegura a fl exibilizao dos tempos e dos espaos na lgica da diversidade, da pluralidade, da autonomia, da criatividade, dos agrupamentos e reagrupamentos dos estudantes com vistas a uma efetiva aprendizagem em todas as dimenses do currculo? Como a instituio escolar tem pensado a alfabetizao e o letramento, ao organizar e planejar tempos e espaos que assegurem aprendizagens para a formao humana? Com o objetivo de aprofundar o estudo sobre essas e outras questes que permeiam esse tema, elegemos A organizao do trabalho pedaggico: alfabetizao e letramento como eixos orientadores um assunto relevante na reestruturao do ensino fundamental.

    Compreendemos essa ampliao, tambm, como uma oportunidade de rever concepes e prticas de avaliao do ensino-aprendizagem, partindo do princpio de que precisamos, na educao brasileira, de uma avaliao inclusiva. Para isso, tornam-se urgentes a reviso e a mudana de determinadas concepes de avaliao que se traduzem e se perpetuam em prticas discriminatrias e redutoras das possibilidades de aprender. Assim, no texto Avaliao e aprendizagem na escola: a prtica pedaggica como eixo da refl exo, tratamos da avaliao dando nfase escola que assegura aprendizagem de qualidade a todos. Ressaltamos a importncia de uma escola que, para avaliar, lana mo da observao, do registro e da refl exo constantes do processo de ensino-aprendizagem porque no se limita a resultados fi nais traduzidos em notas ou conceitos. Enfatizamos a escola que, para avaliar, elabora outros procedimentos e instrumentos alm da prova bimestral e do exerccio de verifi cao porque entende que o ser humano seja ele criana, adolescente, jovem ou adulto singular na forma, na quantidade do aprender e em demonstrar suas aprendizagens, por isso precisa de diferentes oportunidades, procedimentos e instrumentos para explicitar seus saberes. nessa perspectiva de avaliao que reafi rmamos um movimento que procura romper com o carter meramente classifi catrio e de verifi cao dos saberes, que busca constituir nos tempos e espaos da escola e da sala de aula uma prtica de avaliao tica e democrtica.

    Ao apresentarmos, no ltimo texto, algumas Modalidades organizativas do trabalho pedaggico: uma possibilidade, partimos do princpio de que se faz necessrio apresentar, neste momento de ampliao da durao do ensino fundamental, algumas propostas de trabalho cotidiano. Entretanto, nenhuma

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    delas ter signifi cado se o(a) professor(a) no se permitir assumir o seu legtimo lugar de mediador do processo ensino-aprendizagem, se no as recriar. As atividades aqui apresentadas no foram elaboradas como modelos, mas como subsdios ao planejamento da prtica. Foram elaboradas, apostando na infi nita capacidade criativa do(a) professor(a) de reinventar o j pronto, o j posto. Tais atividades tm como propsito encorajar o(a) professor(a) na elaborao de tantas outras muito mais ricas e de resultados mais efi cientes para a aprendizagem dos estudantes; e foram propositadamente apresentadas para que o(a) professor(a) possa super-las no estabelecimento de novas referncias pedaggicas e metodolgicas com vistas a um ensino fundamental de qualidade.

    Finalmente, temos convico de que a tarefa que ns professores, gestores e demais profi ssionais da educao temos em mos da mais profunda complexidade. Sabemos, tambm, que as refl exes e possibilidades apresentadas neste documento no bastam, no abrangem a diversidade da nossa escola em suas necessidades curriculares, mas estamos certos de que tomamos a deciso tica de assegurar a todas as crianas brasileiras de seis anos de idade o direito a uma educao pblica que, mais do que garantir acesso, tem o dever de assegurar a permanncia e a aprendizagem com qualidade.

    Departamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental

    Coordenao-Geral do Ensino Fundamental

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    Este texto tem o objetivo de refl etir so bre a infncia e sua singularidade. Nele, a infncia entendida, por um lado, como categoria social e como categoria da histria humana, englobando aspectos que afetam tambm o que temos chamado de adolescncia ou juventude. Por outro lado, a infncia entendida como perodo da histria de cada um, que se estende, na nossa socieda-de, do nascimento at aproximadamente dez

    anos de idade. Pretendemos, com este texto, discutir a infncia, a escola e os desafi os colo-cados hoje para a educao infantil e o ensino fundamental de nove anos.

    Inicialmente, so apresentadas algumas idias sobre infncia, histria, sociedade e cultura contempornea. Em seguida, analisamos as crianas e a chamada cultura infantil, tentan-do refl etir sobre o signifi cado de atuarmos com as crianas como sujeitos. Aqui, focalizamos

    A INFNCIA E SUA SINGULARIDADE1

    Sonia Kramer2

    Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois drages-da-independncia cuspindo fogo e lendo fotonovelas.

    A me botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que cara no ptio da escola um

    pedao de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta

    vez Paulo no s fi cou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias. Quando o menino voltou falando que todas as

    borboletas da Terra passaram pela chcara de Si Elpdia e queriam formar um tapete voador para

    transport-lo ao stimo cu, a me decidiu lev-lo ao mdico. Aps o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabea:

    - No h nada a fazer, Dona Col. Este menino mesmo um caso de poesia.

    Carlos Drummond de Andrade

    1 Texto escrito a partir de: KRAMER, S. Infncia, cultura e educao. In: PAIVA, A. ; EVANGELISTA, A. PAULINO, G.; VERSIANIN, Z. (Org.). No fi m do sculo: a diversidade. O jogo do livro infantil e juvenil. Editora Autntica/CEALE, 2000, p. 9-36; e KRAMER, S. Direitos da criana e projeto poltico-pedaggico de educao infantil. In: BAZILIO, L.; KRAMER, S. Infncia, educao e direitos humanos. So Paulo: Ed.Cortez, 2003. p. 51-81.2 Professora da Pontifcia Universidade Catlica (PUC) do Rio de Janeiro, onde coordena o Curso de Especializao em Educao Infantil.

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    Numa sociedade desigual, as crianas desempenham, nos diversos contextos, papis diferentes.

    de infncia na sociedade moderna, sabemos que as vises sobre a

    infncia so construdas social e historicamente. A inser-o concreta das crianas e seus papis variam com as formas de organizao da sociedade. Assim, a idia de infncia no existiu sempre

    e da mesma maneira. Ao contrrio, a noo de infncia

    surgiu com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na medida em que

    mudavam a insero e o papel social da criana na sua comunidade. Aprendemos com esses estudos: (i) a condio e a natureza histrica e social das crianas; (ii) a necessidade de pesquisas que aprofundem o conhecimento sobre as crianas em diferentes contextos; e (iii) a importncia de atuar considerando-se essa diversidade.

    As contribuies do socilogo francs Bernard Charlot, nos anos 1970, tambm foram fun-damentais e ajudaram a compreender o signi-fi cado ideolgico da criana e o valor social atribudo infncia: a distribuio desigual de poder entre adultos e crianas tem razes sociais e ideolgicas, com conseqncias no controle e na dominao de grupos. As idias de Charlot favorecem compreender a infncia de maneira histrica, ideolgica e cultural: a dependncia da criana em relao ao adulto, diz o socilogo, fato social e no natural. Tambm a antropologia favorece conhecer a diversidade das populaes infantis, as prticas culturais entre crianas e com adultos, bem como brincadeiras, atividades, msicas, his-trias, valores, signifi cados. E a busca de uma psicologia baseada na histria e na sociologia as teorias de Vygotsky e Wallon e seu debate com Piaget revelam esse avano e revolucio-nam os estudos da infncia.

    Numa sociedade desigual, as crianas desem-penham, nos diversos contextos, papis

    tambm interaes, tenses e contradies entre crianas e adultos, um grande desafi o enfrentado atualmente. Por fi m, abordamos o impacto dessas refl exes, considerando os direi-tos das crianas, a educao in-fantil e o ensino fundamental.

    Infncia, Histria e Cultura Contempornea

    Profi ssionais que trabalham na edu-cao e no mbito das polticas sociais voltadas infncia enfrentam imensos desa-fi os: questes relativas situao poltica e econmica e pobreza das nossas populaes, questes de natureza urbana e social, proble-mas especfi cos do campo educacional que, cada vez mais, assumem propores graves e tm implicaes srias, exigindo respostas firmes e rpidas, nunca fceis. Vivemos o paradoxo de possuir um conhecimento teri-co complexo sobre a infncia e de ter muita difi culdade de lidar com populaes infantis e juvenis. Refl etir sobre esses paradoxos e sobre a infncia, hoje, condio para planejar o trabalho na creche e na escola e para imple-mentar o currculo. Como as pessoas percebem as crianas? Qual o papel social da infncia na sociedade atual? Que valor atribudo criana por pessoas de diferentes classes e gru-pos sociais? Qual o signifi cado de ser criana nas diferentes culturas? Como trabalhar com as crianas de maneira que sejam considerados seu contexto de origem, seu desenvolvimento e o acesso aos conhecimentos, direito social de todos? Como assegurar que a educao cumpra seu papel social diante da heterogeneidade das populaes infantis e das contradies da sociedade?

    Ao longo do sculo XX, cresceu o esforo pelo conhecimento da criana, em vrios campos do conhecimento. Desde que o historiador francs Philippe Aris publicou, nos anos 1970, seu estudo sobre a histria social da criana e da famlia, analisando o surgimento da noo

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    diferentes. A idia de infncia moderna foi universalizada com base em um padro de crianas das classes mdias, a partir de cri-trios de idade e de dependncia do adulto, caractersticos de sua insero no interior dessas classes. No entanto, preciso conside-rar a diversidade de aspectos sociais, culturais e polticos: no Brasil, as naes indgenas, suas lnguas e seus costumes; a escravido das populaes negras; a opresso e a pobreza de expressiva parte da populao; o colonialis-mo e o imperialismo que deixaram marcas diferenciadas no processo de socializao de crianas e adultos.

    Recentemente, outras questes inquietam os que atuam na rea: alguns pensadores de-nunciam o desaparecimento da infncia. Per-guntam de que infncia ns falamos?, uma vez que a violncia contra as crianas e entre elas se tornou constante. Imagens de pobreza de crianas e trabalho infantil retratam uma situao em que o reino encantado da infncia teria chegado ao fi m. Na era ps-industrial no haveria mais lugar para a idia de infn-cia, uma das invenes mais humanitrias da modernidade; com a mdia e a Internet, o acesso das crianas informao adulta teria terminado por expuls-las do jardim da infn-cia (Postman, 1999). Mas a idia de infncia que entra em crise ou a crise a do homem contemporneo e de suas idias?

    Estar a infncia desaparecendo? A idia de infncia surgiu no contexto histrico e social da modernidade, com a reduo dos ndices de mortalidade infantil, graas ao avano da ci-ncia e a mudanas econmicas e sociais. Essa concepo, para Aris, nasceu nas classes m-dias e foi marcada por um duplo modo de ver as crianas, pela contradio entre moralizar (treinar, conduzir, controlar a criana) e pa-paricar (ach-la engraadinha, ingnua, pura, querer mant-la como criana). A misria das populaes infantis naquela poca e o trabalho escravo e opressor desde o incio da revoluo

    industrial condenavam-nas a no ser crianas: meninos trabalhavam nas fbricas, nas minas de carvo, nas ruas. Mas at hoje o projeto da modernidade no real para a maioria das populaes infantis, em pases como o Brasil, onde no assegurado s crianas o direito de brincar, de no trabalhar.

    Pode a criana deixar de ser inf-ans (o que no fala) e adquirir voz num contexto que, por um lado, infantiliza jovens e adultos e empurra para frente o momento da maturidade e, por outro, os adultiza, jogando para trs a curta eta-pa da primeira infncia? Crianas so sujeitos sociais e histricos, marcadas, portanto, pelas contradies das sociedades em que esto inse-ridas. A criana no se resume a ser algum que no , mas que se tornar (adulto, no dia em que deixar de ser criana). Reconhecemos o que especfi co da infncia: seu poder de ima-ginao, a fantasia, a criao, a brincadeira en-tendida como experincia de cultura. Crianas so cidads, pessoas detentoras de direitos, que produzem cultura e so nela produzidas. Esse modo de ver as crianas favorece entend-las e tambm ver o mundo a partir do seu ponto de vista. A infncia, mais que estgio, categoria da histria: existe uma histria humana porque o homem tem infncia. As crianas brincam, isso o que as caracteriza. Construindo com pedaos, refazendo a partir de resduos ou so-bras (Benjamin, 1987b), na brincadeira, elas estabelecem novas relaes e combinaes. As crianas viram as coisas pelo avesso e, assim, revelam a possibilidade de criar. Uma cadeira de cabea para baixo se torna barco, foguete, navio, trem, caminho. Aprendemos, assim, com as crianas, que possvel mudar o rumo estabelecido das coisas.

    As crianas e a cultura infantil

    Procurando entender a infncia e as crianas na sociedade contempornea, de modo que possamos compreender a delicada comple-xidade da infncia e a dimenso criadora

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    das aes infantis, encontramos na obra de Walter Benjamin interessantes contribui-es.3 Muitos de seus textos expressam uma viso peculiar da infncia e da cultura infantil e oferecem importantes eixos que orientam outra maneira de ver as crianas. Para nossa discusso, propomos quatro eixos, baseados em Benjamin:

    a) A criana cria cultura, brinca e nisso reside sua singularidade

    As crianas fazem histria a partir dos restos da histria, o que as aproxima dos inteis e dos marginalizados (Benjamin, 1984, p.14). Elas reconstroem das runas; refazem dos pedaos. Interessadas em brinquedos e bonecas, atradas por contos de fadas, mitos, lendas, querendo aprender e criar, as crianas esto mais prxi-mas do artista, do colecionador e do mgico, do que de pedagogos bem intencionados. A cultura infantil , pois, produo e criao. As crianas produzem cultura e so produzidas na cultura em que se inserem (em seu espao) e que lhes contempornea (de seu tempo). A pergunta que cabe fazer : quantos de ns, trabalhando nas polticas pblicas, nos pro-jetos educacionais e nas prticas cotidianas, garantimos espao para esse tipo de ao e interao das crianas? Nossas creches, pr-escolas e escolas tm oferecido condies para que as crianas produzam cultura? Nossas propostas curriculares garantem o tempo e o espao para criar?

    Nesse refazer reside o potencial da brinca-deira, entendida como experincia de cultura. No por acaso que, em diversas lnguas, a pa-lavra brincar spillen, to play, jouer possui o sentido de danar, praticar esporte, representar em uma pea teatral, tocar um instrumento musical, brincar. Ao valorizar a brincadeira, Benjamin critica a pedagogizao da infncia e faz cada um de ns pensar: possvel traba-

    lhar com crianas sem saber brincar, sem ter nunca brincado?

    b) A criana colecionadora, d sentido ao mundo, produz histria

    Como um colecionador, a criana caa, procu-ra. As crianas, em sua tentativa de descobrir e conhecer o mundo, atuam sobre os objetos e os libertam de sua obrigao de ser teis. Na ao infantil, vai se expressando, assim, uma experincia cultural na qual elas atribuem signifi cados diversos s coisas, fatos e artefa-tos. Como um colecionador, a criana busca, perde e encontra, separa os objetos de seus contextos, vai juntando fi gurinhas, chapinhas, ponteiras, pedaos de lpis, borrachas antigas, pedaos de brinquedos, lembranas, presentes, fotografi as.

    A maioria de ns adultos que estamos lendo este texto tem tambm caixas e gavetas em que verdadeiras colees vo sendo formadas dia a dia, como partes de uma trajetria. A his-tria de cada um e cada uma de ns vai sendo reunida, e s pode ser contada por ns. Ns conhecemos os signifi cados de cada uma dessas coisas que evocam situaes vividas, conquis-tas ou perdas, pessoas, lugares, tempos esque-cidos. Observar a coleo aciona a memria e desvela a narrativa da histria. Quantos de ns estamos dispostos a nos desfazer de nossas colees, ou seja, de nossa histria? Arrumar signifi caria aniquilar, diz Benjamin. Quantos de ns estamos sempre dispostos a arrumar as colees infantis? Como garantir a ordem sem destruir a criao?

    c) A criana subverte a ordem e estabe-lece uma relao crtica com a tradio

    Olhar o mundo a partir do ponto de vista da criana pode revelar contradies e uma outra maneira de ver a realidade. Nesse processo, o papel do cinema, da fotografi a, da imagem,

    3 Benjamin viveu na Europa no incio do sculo XX e foi leitor de Marx, Freud, Proust, Kafka e Baudelaire, alm de interlocutor crtico dos pensadores da Escola de Frankfurt, de Bertolt Brecht, Chagall, Gershon Scholem.

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    importante para nos ajudar a constituir esse olhar infantil, sensvel e crtico. Atuar com as crianas com esse olhar signifi ca agir com a prpria condio humana, com a histria humana. Desvelando o real, subvertendo a aparente ordem natural das coisas, as crianas falam no s do seu mundo e de sua tica de crianas, mas tambm do mundo adulto, da sociedade contempornea. Imbuir-se desse olhar infantil crtico, que vira as coisas pelo avesso, que desmonta brinquedos, desmancha construes, d volta costura do mundo, aprender com as crianas e no se deixar infantilizar. Conhecer a infncia e as crian-as favorece que o humano continue sendo sujeito crtico da histria que ele produz (e que o produz). Sendo humano, esse processo marcado por contradies: podemos aprender com as crianas a crtica, a brincadeira, a virar as coisas do mundo pelo avesso. Ao mesmo tempo, precisamos considerar o contexto, as condies concretas em que as crianas esto inseridas e onde se do suas prticas e interaes. Precisamos considerar os valores e princpios ticos que queremos transmitir na ao educativa.

    d) A criana pertence a uma classe social

    As crianas no formam uma comunidade isolada; elas so parte do grupo e suas brin-cadeiras expressam esse pertencimento. Elas no so fi lhotes, mas sujeitos sociais; nascem no interior de uma classe, de uma etnia, de um grupo social. Os costumes, valores, hbitos, as prticas sociais, as experincias interferem em suas aes e nos signifi cados que atribuem s pessoas, s coisas e s relaes. No en-tanto, apesar do seu direito de brincar, para muitas o trabalho imposto como meio de sobrevivncia. Considerar, simultaneamente, a singularidade da criana e as determinaes sociais e econmicas que interferem na sua condio, exige reconhecer a diversidade cul-tural e combater a desigualdade de condies

    e a situao de pobreza da maioria de nossas populaes com polticas e prticas capazes de assegurar igualdade e justia social. Isso implica garantir o direito a condies dignas de vida, brincadeira, ao conhecimento, ao afeto e a interaes saudveis.

    No contexto dessa refl exo, um paradoxo fi ca evidenciado: as relaes entre crianas e adul-tos atualmente e sua delicada complexidade. Discutiremos esse ponto a seguir.

    Crianas e adultos:identidade, diversidade e

    autoridade em risco?

    A histria humana tem sido marcada pela destruio e pela barbrie. Mas, alm dos problemas econmicos, polticos e sociais que temos enfrentado, os quais no so de soluo rpida, os acontecimentos recentes e a guerra nos inquietam. Ao discutir infncia, creche e escola, importante tratar de temas como: direitos humanos; a violncia praticada contra/por crianas e jovens e seu impacto nas atitudes dos adultos, em particular dos profes-sores; as relaes entre adultos e crianas e a perda da autoridade como um dos problemas sociais mais graves do cenrio contempor-neo. As relaes estabelecidas com a infncia expressam a crtica de uma cultura em que no nos reconhecemos. Reencontrar o sentido de solidariedade e restabelecer com as crianas e os jovens laos de carter afetivo, tico, social e poltico exigem a reviso do papel que tem sido desempenhado nas instituies educativas. Na modernidade, a narrativa entra em extino porque a experincia vai defi nhando, sendo reduzida a vivncias, em reao aos choques da vida cotidiana. Expe-rincia e narrativa ajudam a compreender processos culturais (tambm educacionais) e seus impasses. Mais do que isso, esses con-ceitos contribuem para prticas com crianas e para estratgias de formao que abram o espao da narrativa, para que crianas, jovens

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    e adultos possam falar do que vivem, viveram, assistiram, enfrentaram.

    Muitas iniciativas tm tentado resgatar hist-rias de grupos, povos, pessoas, classes sociais; refazendo as trajetrias, velhos sentidos so recuperados e as histrias ganham outras configuraes. Os conceitos de infncia, narrativa e experincia fornecem elementos bsicos para pensar na delicada questo da autoridade. Para Benjamin (1987a), o que d autoridade a experincia: a proximidade da morte dava ao moribundo maior autoridade, derivada de sua maior experincia e de uma mais clara possibilidade de narrar o vivido, tornando-o infi nito. A vivncia, que fi nita, se torna infi nita (e ultrapassa a morte) graas linguagem: no outro que a narrativa se enra-za, o que signifi ca que a narrativa fundamental para a constituio do sentido de coletividade, em que cada qual aprende a exercer o seu papel. A arte de narrar diminui porque a experincia entra em extino. Em conseqncia, reduz a autoridade constituda e legitimada pela experincia.

    No que se refere aos desafi os das relaes contemporneas entre adultos e crianas, Sar-mento alerta para os efeitos da convergncia de trs mudanas centrais: a globalizao social, a crise educacional e as mutaes no mundo do trabalho (2001, p. 16). Trata-se de um pa-radoxo duplo: os adultos permanecem cada vez mais tempo em casa graas mudana nas formas de organizao do trabalho e ao desemprego crescente, enquanto as crianas saem mais de casa, sobretudo por conta da sua crescente permanncia nas instituies. H, deste modo, como que uma troca de posies entre geraes. Este um dos mais signifi cativos efeitos gerados pelas mutaes no mundo do trabalho (Sarmento, 2001, p. 21). Alm disso, a sociabi-lidade se transforma e as relaes entre adultos e crianas tomam rumos desconcertantes. O discurso da criana como sujeito de direito e da infncia como construo social deturpado:

    nas classes mdias, esse discurso refora a idia de que a vontade da criana deve ser atendida a qualquer custo, especialmente para consu-mir; nas classes populares, crianas assumem responsabilidades muito alm do que podem. Em ambas, as crianas so expostas mdia, violncia e explorao.

    Por outro lado, o reconhecimento do papel social da criana tem levado muitos adultos a abdicarem de assumir seu papel. Parecem usar a concepo de infncia como sujeito como desculpa para no estabelecerem regras, no expressarem seu ponto de vista, no se posi-cionarem. O lugar do adulto fi ca desocupado, como se para a criana ocupar um lugar, o adulto precisasse desocupar o seu, o que revela uma distoro profunda do sentido da autoridade. E como valorizar e reconhecer a criana sem abandon-la prpria sorte ou azar e sem apenas normatizar? Pergunto: como atuar, considerando as condies, sem expor e sem largar as crianas? Como reconhecer os seus direitos e preserv-los? Na escola, parece que as crianas pedem para o professor intervir e ele no o faz, impondo em vez de dividir com a criana em situaes em que poderia faz-lo, e exigindo demais quando deveria poup-la. A questo da sociabilidade tornou-se to frgil que os adultos professores, pais no vem as possibilidades da criana e ora controlam, regulam, conduzem, ora sequer intervm, tm medo de crianas e jovens, medo de estabelecer regras, de fazer acordos, de lidar com as crian-as no dilogo e na autoridade. O equilbrio e o dilogo se perdem e esses adultos, ao abrirem mo da sua autoria (de pais ou professores), ao cederem seu lugar, s tm, como alternativa, o confronto ou o descaso.

    No centro dessa questo parece se manifestar uma indisponibilidade em relao s crianas, uma das mais perversas mudanas de valores dos adultos: perguntas fi cam sem respostas; transgresses fi cam sem sano; dvidas fi cam sem esclarecimento; relatos fi cam sem escuta.

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    Diversos fatores interferem nas relaes entre crianas e adultos. Um aspec-to se situa no centro da questo: a indisponibilidade do adulto que parece impregnar a vida contempornea, marcada pelo individualismo e pela mercantilizao das relaes. Com a perda da capacidade do dilogo na modernidade, as pessoas s conversam sobre o preo das coisas; sem o dilogo, sem a narrativa, fi cam impossibilitadas de dar ou de ouvir um conselho que , segundo Benjamin (1987a), sempre a sugesto de como poderia uma histria continuar. Desocupan-do seu lugar, os adultos ora tratam a criana como companheira em situaes nas quais ela no tem a menor condio de s-lo, ora no assumem o papel de adultos em situaes nas quais as crianas precisam aprender condutas, prticas e valores que s iro adquirir se forem iniciadas pelo adulto. As crianas so negli-genciadas e vo fi cando tambm perdidas e confusas. Muitos adultos parecem indiferentes e no mais as iniciam. A indiferena ocupa o lugar das diferenas.

    Em contextos em que no h garantia de direi-tos, acentuam-se a desigualdade e a injustia social e as crianas enfrentam situaes alm de seu nvel de compreenso, convivem com problemas alm do que seu conhecimento e experincia permitem entender. Os adultos no sabem como responder ou agir diante de situaes que no enfrentaram antes porque, embora adultos, no se constituram na experincia e so cobrados a responder perguntas para as quais nunca ningum lhes deu respostas. Alm disso, o panorama social e a conjuntura poltica mais ampla de banali-zao da violncia, valorizao da guerra e do confronto, agresso, impunidade e corrupo geram perplexidade e o risco, que ela implica, do imobilismo. Sem autoridade (Sennett,

    2001) e corrodos no seu carter (Idem, 1999), os adultos tm encontrado

    solues para lidar com identi-dade, diversidade e para deli-near padres de autoridade, ressignificando seu papel, na esfera social coletiva? Ou identidade, diversidade e autoridade esto em risco, agravando a desumanizao,

    se possvel usar essa expresso diante da barbrie que o sculo XX

    logrou nos deixar como herana?

    Direito das crianas, educao infantil e ensino

    fundamental: desafi os

    Aprendemos com Paulo Freire que educao e pedagogia dizem respeito formao cultural o trabalho pedaggico precisa favorecer a experincia com o conhecimento cientfi co e com a cultura, entendida tanto na sua dimen-so de produo nas relaes sociais cotidianas e como produo historicamente acumulada, presente na literatura, na msica, na dana, no teatro, no cinema, na produo artstica, histrica e cultural que se encontra nos mu-seus. Essa viso do pedaggico ajuda a pensar sobre a creche e a escola em suas dimenses polticas, ticas e estticas. A educao, uma prtica social, inclui o conhecimento cient-fi co, a arte e a vida cotidiana.

    Educao infantil e ensino fundamental so freqentemente separados. Porm, do ponto de vista da criana, no h fragmentao. Os adultos e as instituies que muitas vezes opem educao infantil e ensino funda-mental, deixando de fora o que seria capaz de articul-los: a experincia com a cultura. Questes como alfabetizar ou no na educao infantil e como integrar educao infantil e ensino fundamental continuam atuais. Temos crianas, sempre, na educao infantil e no ensino fundamental. Entender que as pessoas

    Em contextos em que no h garan-

    tia de direitos, acentuam-se a desi-gualdade e a injus-

    tia social.

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    so sujeitos da histria e da cultura, alm de serem por elas produzidas, e considerar os mi-lhes de estudantes brasileiros de 0 a 10 anos como crianas e no s estudantes, implica ver o pedaggico na sua dimenso cultural, como conhecimento, arte e vida, e no s como algo instrucional, que visa a ensinar coisas. Essa refl exo vale para a educao infantil e o ensino fundamental.

    Educao infantil e ensino fundamental so in-dissociveis: ambos envolvem conhecimentos e afetos; saberes e valores; cuidados e ateno; seriedade e riso. O cuidado, a ateno, o aco-lhimento esto presentes na educao infantil; a alegria e a brincadeira tambm. E, com as prticas realizadas, as crianas aprendem. Elas gostam de aprender. Na educao infantil e no ensino fundamental, o objetivo atuar com liberdade para assegurar a apropriao e a construo do conhecimento por todos. Na educao infantil, o objetivo garantir o acesso, de todos que assim o desejarem, a vagas em creches e pr-escolas, assegurando o direito da criana de brincar, criar, aprender. Nos dois, temos grandes desafi os: o de pensar a creche, a pr-escola e a escola como instncias de formao cultural; o de ver as crianas como sujeitos de cultura e histria, sujeitos sociais.

    O ensino fundamental, no Brasil, passa agora a ter nove anos de durao e inclui as crianas de seis anos de idade, o que j feito em vrios pases e em alguns municpios brasileiros h muito tempo. Mas muitos professores ainda perguntam: o melhor que elas estejam na educao infantil ou no ensino fundamental? Defendemos aqui o ponto de vista de que os direitos sociais precisam ser assegurados e que o trabalho pedaggico precisa levar em conta a singularidade das aes infantis e o direito brincadeira, produo cultural tanto na edu-cao infantil quanto no ensino fundamental. preciso garantir que as crianas sejam aten-didas nas suas necessidades (a de aprender e a de brincar), que o trabalho seja planejado e

    acompanhado por adultos na educao infantil e no ensino fundamental e que saibamos, em ambos, ver, entender e lidar com as crianas como crianas e no apenas como estudantes. A incluso de crianas de seis anos no ensino fundamental requer dilogo entre educao infantil e ensino fundamental, dilogo ins-titucional e pedaggico, dentro da escola e entre as escolas, com alternativas curriculares claras.

    No Brasil, temos hoje importantes documen-tos legais: a Constituio de 1988, a primeira que reconhece a educao infantil como direito das crianas de 0 a 6 anos de idade, dever de Estado e opo da famlia; o Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei no 8.069, de 1990), que afi rma os direitos das crianas e as protege; e a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, de 1996, que reconhece a educao infantil como primeira etapa da educao bsica. Todos esses documentos so conquistas dos movimentos sociais, mo-vimentos de creches, movimentos dos fruns permanentes de educao infantil. E qual tem sido a ao desses movimentos e das polticas pblicas nos municpios? Como tem sido a participao das creches, pr-escolas e escolas? As conquistas formais tm se tornado aes de fato? Que impacto tais conquistas promovem no currculo? De que maneira a antecipao da escolaridade interfere nos processos de insero social e nos modos de subjetivao de crianas, jovens e adultos? As escolas tm levado em conta essas questes na concepo e na construo dos seus currculos? Os sistemas de ensino tm se equipado para fazer frente s mudanas?

    O tempo da infncia o tempo de aprender e ... de aprender com

    as crianas

    As refl exes desenvolvidas aqui se voltam para uma perspectiva da educao contem-pornea, na educao infantil ou no ensino

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    Sem conhecer as interaes, no h como educar crianas e jovens

    numa perspectiva de humanizao necessria para subsidiar polticas

    pblicas e prticas educativas solidrias.

    fundamental, na qual o outro visto como um eu e na qual esto em pauta a solidariedade, o respeito s diferenas e o combate indiferena e desigualdade. Assumir a defesa da escola uma das instituies mais estveis num momento de absoluta instabili-dade significa assu-mir uma posio contra o trabalho infantil. As crianas tm o direito de estar numa escola estruturada de acordo com uma das muitas possibilidades de organizao curricular que favoream a sua insero crtica na cul-tura. Elas tm direito a condies oferecidas pelo Estado e pela sociedade que garantam o atendimento de suas necessidades bsicas em outras esferas da vida econmica e social, favorecendo mais que uma escola digna, uma vida digna.

    Como ensinar solidariedade e justia social, e respeitando as diferenas, contra a discrimi-nao e a dominao? Esto nossas crianas e jovens aprendendo a rir da dor do outro, a humilhar, a serem humilhadas, a no mais se sensibilizar? Perdemos o dilogo? Como recu-per-lo? As prticas, feitas com as crianas, humanizam-nas? Nosso maior desafi o obter entendimento e uma educao baseada no reconhecimento do outro e suas diferenas de cultura, etnia, religio, gnero, classe social, idade e combater a desigualdade; viver uma tica e implementar uma formao cultural que assegure sua dimenso de experincia crtica. preciso compreender os processos re-lativos aos modos de interao entre crianas e adultos em diferentes contextos sociais, culturais e institucionais. O dilogo com vrios campos do conhecimento contribui para agir com as crian-as. Conhecer as aes e produes infantis, as

    relaes entre adultos e crianas, essencial para a interveno e a

    mudana.

    Sem conhecer as inte-raes, no h como educar crianas e jovens numa perspectiva de humanizao necess-ria para subsidiar pol-ticas pblicas e prticas educativas solidrias entre crianas, jovens e

    adultos, com aes cole-tivas e elos capazes de gerar

    o sentido de pertencer a. Que papel tm desempenhado a creche, a

    pr-escola e a escola? Que princpios de iden-tidade, valores ticos e padres de autoridade ensinam s crianas? As prticas contribuem para humanizar as relaes? Como? As prticas de educao infantil e ensino fundamental tm levado em conta diferenas tnicas, religiosas, regionais, experincias culturais, tradies e costumes adquiridos pelas crianas e jovens no seu meio de origem e no seu cotidiano de relaes? Tm favorecido s crianas experin-cias de cultura, com brinquedos, museus, cinema, teatro, com a literatura? E para os professores? Qual a sua formao cultural? E sua insero cultural? Quais so suas expe-rincias de cultura? Que relaes tm com a leitura e a escrita?

    Esses e muitos outros desafi os so atualmente enfrentados por ns. Ao considerarmos os paradoxos dos tempos em que vivemos e os valores de solidariedade e generosidade que queremos transmitir, num contexto de intenso e visvel individualismo, cinismo, pragmatis-mo e conformismo, so necessrias condies concretas de trabalho com qualidade e ao coletiva que viabilizem formas de enfrentar os desafi os e mudar o futuro.

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    36082-Ensino Fundamental de 9 an24 2436082-Ensino Fundamental de 9 an24 24 14/08/07 19:0314/08/07 19:03

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    A INFNCIA NA ESCOLA E NA VIDA: UMA

    RELAO FUNDAMENTALAnelise Monteiro do Nascimento1

    Este texto tem como objetivo contribuir para o debate sobre o ensino fundamen tal de nove anos, tendo como foco a busca de possibilidades adequadas para rece-bermos as crianas de seis anos de idade nessa etapa de ensino. Para tanto, faz-se necessrio discutir sobre quem so essas crianas, quais so as suas caractersticas e como essa fase da vida tem sido compreendida dentro e fora do ambiente escolar.

    Para superarmos o desafi o da implantao de um ensino fundamental de nove anos, acre-

    ditamos que so necessrias a participao de todos e a ampliao do debate no interior de cada escola. Nesse processo, a primeira per-gunta que nos inquieta e abre a possibilidade de discusso : quem so as crianas hoje? Tal pergunta fundamental, pois encaminha o de-bate para pensarmos tanto sobre as concepes de infncia que orientam as prticas escolares vigentes, quanto sobre as possibilidades de mudana que este momento anuncia.

    Como vimos no primeiro texto deste caderno, os estudos de Philippe Aris (1978) indicam

    InfnciaMeu pai montava a cavalo, ia para o campo,

    Minha me fi cava sentada cosendo.Meu irmo pequeno dormia.

    Eu sozinho menino entre mangueirasLia a histria de Robinson Cruso

    Comprida histria que no acaba mais.......................................

    Eu no sabia que minha histriaEra mais bonita que a de Robinson Cruso.2

    Carlos Drummond de Andrade

    1 Mestre em Educao pela Pontifcia Universidade Catlica (PUC) do Rio de Janeiro, professora de educao infantil.2 Robinson Cruso o personagem central do livro As aventuras de Robinson Cruso, escrito por Daniel Defoe. O livro conta a histria do naufrgio de um navio que levou seu nico sobrevivente, Robinson, para uma ilha desconhecida onde ele, solitrio, reconstruiu a vida longe da civilizao. Com suas prprias mos, fez uma casa, teceu roupas, preparou seus alimentos e enfrentou muitos desafi os para sobreviver.

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  • 26 A famlia do artista - Renoir (1896)

    As meninas - Velsquez (1656)

    que o conceito de infncia muda historica-mente em funo de determinantes sociais, culturais, polticos e econmicos.

    A literatura, as artes, a poesia e o cinema tm sido grandes aliados na percepo do modo

    como a sociedade v a infncia. Ao lado, encontram-se duas reprodues de pinturas para refl etirmos sobre como esse conceito socialmente construdo.

    Pensemos sobre a maneira como as crianas so retratadas pelos dois artistas. A criana do segundo quadro o prprio Renoir que aparece como um beb recebendo os cuidados de sua me. Sua vestimenta diferente da dos adultos. Na imagem, que retrata um episdio cotidiano do fi m do sculo XIX, h uma distino entre criana e adulto. J observando o quadro de Velsquez, pintado em meados do sculo XVII, podemos dizer que essa distino no to explcita. O que marca a diferena entre os adultos e as crianas nesse quadro? O que podemos pensar sobre as concepes de infncia subjacentes s obras?

    Agora, vamos ler o poema O Pirata, de Rosea-na Muray:

    O pirata Roseana Muray

    O menino brinca de pirata:sua espada de ouroe sua roupa de prata.Atravessa os sete maresem busca do grande tesouro.Seu navio tem setecentas velas de panoe o terror do oceano.Mas o tempo passa e ele se cansade ser pirata.E vira outra vez menino.

    Quem o menino do poema? Sem dvida, o contexto histrico-social em que foram produ-zidos os quadros e a poesia infl uenciado tanto pelo conceito de infncia vigente, quanto pelo olhar do prprio artista. A poesia destaca o papel que a imaginao desempenha na vida da criana, as diversas possibilidades de representao do real e os modos prprios de estar no mundo e de interagir com ele. Nos quadros de Velsquez e Renoir, embora

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    evidenciem diferentes maneiras de conceber a infncia, esse olhar matreiro e curioso da criana est ausente.

    Refl etindo sobre a pluralidade da infncia

    Ao contribuir para desmistifi car um conceito nico de infncia, chamando ateno para o fato de que existem infncias e no infncia, pelos aspectos sociais, culturais, polticos e econmicos que envolvem essa fase da vida, os estudos de Aris apontam a necessidade de se desconstruir padres relativos con-cepo burguesa de infncia. Esse olhar para a infncia possibilita ver as crianas pelo que so no presente, sem se valer de esteretipos, idias pr-concebidas ou de prticas educativas que visam a mold-las em funo de vises ideolgicas e rgidas de desenvolvimento e aprendizagem.

    No Brasil, as grandes desigualdades na distribuio de renda e de poder foram responsveis por infncias distintas para classes sociais tambm distintas. As condi-es de vida das crianas fi zeram com que o signifi cado social dado infncia no fosse homogneo. Del Priori (2000) afi rma que a histria da criana brasileira no foi diferen-te da dos adultos, tendo sido feita sua sombra. Sombra de uma sociedade que viveu quase quatro sculos de escravido, tendo a diviso entre senhores e escravos como determinante da sua estrutura social.

    As crianas das classes mais abastadas, segun-do a autora, eram educadas por preceptores particulares, no tendo freqentado escolas at o incio do sculo XX, e os fi lhos dos pobres, desde muito cedo, eram considerados fora produtiva, no tendo a educao como prioridade.

    Vale lembrar que, no Brasil, ainda muito recente a busca pela democratizao da esco-larizao obrigatria e presenciamos agora a

    sua ampliao. Se j caminhamos para a uni-versalizao desse atendimento, ainda temos muito a construir em direo a uma estrutura social em que a escolaridade seja considerada prioridade na vida das crianas e jovens e es-tes, por sua vez, sejam olhados pela escola nas suas especifi cidades para que a democratizao efetivamente acontea.

    Nesse sentido, podemos ver o ensino funda-mental de nove anos como mais uma estratgia de democratizao e acesso escola. A Lei no 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, assegura o direito das crianas de seis anos educao formal, obrigando as famlias a matricul-las e o Estado a oferecer o atendimento. Mas como assegurar a verdadeira efetivao desse direito? Como fazer para que essas crianas ingres-santes nesse nvel de ensino no engrossem futuras estatsticas negativas? Acreditamos que o dilogo proposto pelo Ministrio da Educao com a publicao deste documento e os debates que devem ser promovidos em cada escola podem auxiliar nesse sentido. Pense-mos: o que temos privilegiado no cotidiano escolar? As vozes das crianas so ouvidas ou silenciadas? Que temas esto presentes em nossas salas de aula e quais so evitados? Esta-mos abertos a todos os interesses das crianas? No poema Certas Palavras, Drummond busca o encontro com alguns sentimentos prprios da infncia:

    Certas PalavrasCarlos Drummond de Andrade

    Certas palavras no podem ser ditasEm qualquer lugar e hora qualquer.Estritamente reservadasPara companheiros de confi ana,Devem ser sacralmente pronunciadasEm tom muito especialL onde a polcia dos adultosNo adivinha nem alcana.Entretanto so palavras simplesDefi nem Partes do corpo, movimentos, atos

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    Do viver que s os grandes se permitemE a ns defendido por sentenaDos sculos.

    E tudo proibido. Ento, falamos.

    Que espaos e tempos estamos criando para que as crianas possam trazer para dentro da escola as muitas questes e inquietudes que envolvem esse perodo da vida? As peraltices infantis tm tido lugar na escola ou somos somente a polcia dos adultos?

    A esttica dos espaos e as relaes que se estabelecem revelam o que pensamos sobre criana e educao. Essas concepes esto presentes em todas as prticas existentes no interior da escola, deixando mais ou menos explcitos os valores e conceitos dessa insti-tuio. Tomemos como exemplo os murais. O que compem os murais? Por quem so organizados? Costumam trazer as produes das crianas? So um espao de exposio em que podemos acompanhar o desenvolvimento delas? Os murais tm ocupado um espao de comunicao dos saberes delas?

    Refl etir sobre a infncia em sua pluralidade dentro da escola , tambm, pensar nos espa-os que tm sido destinados para que a criana possa viver esse tempo de vida com todos os direitos e deveres assegurados. Neste texto, embora tenhamos como objetivo o debate sobre a entrada das crianas de seis anos no ensino fundamental, queremos pensar que a infncia no se resume a essa faixa etria e propor uma refl exo sobre que aspectos tm orientado a nossa prtica. Quem sabe a entrada das crianas de seis anos no nos ajude a ver de forma diferente as crianas que j estavam em nossas salas de aula? Est posto a um novo desafi o: utilizar essa ocasio para revisitar ve-lhos conceitos e colocar em cheque algumas convices. Esse um exerccio que requer tanto uma tomada de conscincia pessoal, quanto o fortalecimento da organizao cole-tiva de estudo acerca desse tema, envolvendo

    professores, gestores, coordenadores e demais profi ssionais que atuam na escola. Propomos esse exerccio porque, ainda hoje, comum observar atitudes de adultos, dentro e fora da escola, que desconsideram a criana como ator social e, assim, queremos chamar ateno para a necessidade de a escola trabalhar o sentido da infncia em toda a sua dimenso.

    Diante disso, qual o papel da escola? Quais dimenses do conhecimento precisamos con-siderar? Se acreditamos que o principal papel da escola o desenvolvimento integral da criana, devemos consider-la: na dimenso afetiva, ou seja, nas relaes com o meio, com as outras crianas e adultos com quem convive; na dimenso cognitiva, construindo conhe-cimentos por meio de trocas com parceiros mais e menos experientes e de contato com o conhecimento historicamente construdo pela humanidade; na dimenso social, freqentando no s a escola como tambm outros espaos de interao como praas, clubes, festas po-pulares, espaos religiosos, cinemas e outras instituies culturais; na dimenso psicolgica, atendendo suas necessidades bsicas, como, por exemplo, espao para fala e escuta, cari-nho, ateno, respeito aos seus direitos (Brasil. Ministrio da Educao, 2005).

    Cabe destacar que assumir o desenvolvimento integral da criana e se comprometer com ele no uma tarefa s dos professores, mas de toda a comunidade escolar.

    Infncia nos espaos e os espaos da infncia

    A entrada das crianas de seis anos no ensino fundamental se faz em um contexto favorvel, pois nunca se falou tanto da infncia como se fala hoje. Os refl exos desse olhar podem ser percebidos em vrios contextos da socie-dade. No que diz respeito escola, estamos em um momento de questionarmos nossas concepes e nossas prticas escolares. Esse ques tionamento fundamental, pois,

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    Como realizar um dilogo entre as vivncias da criana dentro e fora da escola?

    algumas vezes, durante o desenvolvimento do trabalho pedaggico, podemos correr o risco de desconsiderar que a infncia est presente nos anos/sries iniciais do ensino fundamental e no s na educao infantil.

    Nosso intuito provocativo no sentido da refl exo e da investigao sobre quem so essas crianas que esto chegando s nossas salas de aula. De onde vm? J tiveram experin-cias escolares anteriores? Que grupos sociais freqentam?

    Para considerar a infncia em toda a sua dimen-so, preciso olhar no s para o cotidiano das instituies de ensino como tambm para os outros espaos sociais em que as crianas esto inseridas. Em que atividades esto envolvidas quando no esto na escola? Existem locais de encontros com outras crianas?

    Ampliando o olhar, percebemos que no s a escola e a legislao tm voltado sua ateno para a criana. A mdia tambm encontrou na infncia um grande pblico consu-midor. Hoje as crianas esto expos-tas a comerciais que buscam criar desejos e incentivar o consumo. Nos grandes centros urbanos, vemos o oferecimento de um novo servio que so os can-tinhos da criana. So espaos reservados, por exemplo, em super-mercados, que se propem a oferecer um maior conforto para as famlias e um atendimento ldico para a criana.

    Alm das diferentes apropriaes dos espaos sociais, outro ponto que nos inquieta diz res-peito s condies de vida das crianas e s de-sigualdades que separam alguns grupos sociais, numa sociedade marcadamente estratifi cada. Crianas que vivem em situao de pobreza, que precisam, muitas vezes, trabalhar para se sustentar, que sofrem a violncia domstica e do entorno social, que so amedrontadas e amedrontam. Crianas destitudas de direitos,

    cujas vidas so pouco valorizadas. Crianas vistas como ameaas na rua enquanto, na esco-la, pouco se sabe sobre elas. Como so tratadas, vistas e olhadas essas crianas que esto nas ruas, nas escolas, nos lares e que sofrem toda sorte de opresso?

    Por outro lado, as crianas que vivem nas pequenas cidades tambm trazem desafios para este momento. Quem so essas crianas? De qu e onde brincam? Quais so os seus interesses? Como realizar um dilogo entre as vivncias da criana dentro e fora da escola?

    Ser que a busca por essas respostas pode fazer com que tornemos a sala de aula um espao mais dinmico? Ou ainda, ser que uma pesquisa sobre a realidade sociocultural das crianas nesses diferentes contextos poderia abrir espao para um projeto que buscasse esse dilogo?

    Ao nos propormos a receber a criana de seis anos no ensino fundamental, tenha ela

    freqentado, ou no, a educao infantil, devemos ter em mente

    que esse o primeiro contato com o seu percurso no en-sino fundamental. Como fazer para receb-la? O mo-mento da entrada na escola um momento delicado que merece toda a ateno.

    Graciliano Ramos, na obra Infncia, narra suas memrias de

    menino e conta como recebeu a notcia de que entraria para a escola:

    A notcia veio de sopeto: iam meter-me na escola. J me haviam falado nisso, em horas de zanga, mas nunca me convencera de que realizassem a ameaa. A escola, segundo informaes dignas de crdito, era um lugar para onde se enviavam as crianas rebeldes. Eu me comportava direito: encolhido e morno, deslizava como sombra. As minhas

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    brincadeiras eram silenciosas. E nem me afoitava a incomodar as pessoas grandes com perguntas.

    O que podemos pensar a partir da leitura desse trecho do livro? Que escola est presente no imaginrio do menino? O que estamos fazen-do para receber a criana que estava em uma instituio de educao infantil e agora vem para o ensino fundamental? Como est nossa organizao para recebermos aquelas que nun-ca tiveram experincia escolar? Na perspectiva de refl etirmos sobre essas questes, vejamos o relato a seguir:

    o primeiro dia do ano, a escola est preparada para receber as crianas para mais um ano letivo. Para algumas crianas, essa j uma rotina conhecida, mas para Luiza, que est indo para a escola pela primeira vez, no. Em seus olhos possvel notar um misto de medo e desejo. Ela chega acompanhada por sua me. (...)

    A sineta toca e todos se dirigem para as salas. Mariza acompanha Luiza at o encontro com a professora. A escola parece enorme aos olhos de Luiza. Ao encontrar com a professora, essa lhe dirige a palavra, abaixa, fi cando da sua altura e diz:

    Oi Luiza, eu estava te esperando. Sabe, podemos fazer muitas coisas diferentes aqui na escola. Eu vou ser sua professora e ns vamos brincar muito juntas (Brasil/Ministrio da Educao, 2005).

    A professora se coloca como mediadora entre as expectativas da menina e o novo mundo a ser descoberto. O nome, a proximidade, o olhar, o toque, a proposta do brincar: elos que abrem possibilidades de continuidade, elemen-tos essenciais para a insero e o acolhimento. Se as aes de acolhimento e insero so fun-

    damentais, h, tambm, um outro ponto que merece ser destacado: como so organizados os tempos e espaos escolares?

    Pensar sobre a infncia na escola e na sala de aula um grande desafi o para o ensino fun-damental que, ao longo de sua histria, no tem considerado o corpo, o universo ldico, os jogos e as brincadeiras como prioridade. In-felizmente, quando as crianas chegam a essa etapa de ensino, comum ouvir a frase Ago-ra a brincadeira acabou!. Nosso convite, e desafi o, aprender sobre e com as crianas por meio de suas diferentes linguagens. Nesse sentido, a brincadeira se torna essencial, pois nela esto presentes as mltiplas formas de ver e interpretar o mundo. A brincadeira responsvel por muitas aprendizagens, como se v no texto O brincar como um modo de ser e estar no mundo.

    Faz-se necessrio defi nir caminhos pedaggi-cos nos tempos e espaos da escola e da sala de aula que favoream o encontro da cultura infantil, valorizando as trocas entre todos os que ali esto, em que crianas possam recriar as relaes da sociedade na qual esto inseridas, possam expressar suas emoes e formas de ver e de signifi car o mundo, espaos e tempos que favoream a construo da autonomia. Esse um momento propcio para tratar dos aspectos que envolvem a escola e do conhe-cimento que nela ser produzido, tanto pelas crianas, a partir do seu olhar curioso sobre a realidade que as cerca, quanto pela mediao do adulto.

    Infncia na escola e na vida: alguns desafi os

    Como vimos, so muitas as questes relativas entrada das crianas de seis anos no ensino fundamental. No podemos fazer frente a esse momento somente considerando os aspectos legais que o envolvem. O direito efetivo educao das crianas de seis anos no acon-tecer somente com a promulgao da Lei n

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    11.274, depender, principalmente, das prticas pedaggicas e de uma poltica da escola para a verdadeira acolhida dessa faixa etria na instituio. Que trabalho pedaggico ser realizado com essas crianas? Os estudos sobre aprendizagem e desenvolvimento realizados por Piaget e Vygotsky podem contribuir nesse sentido, assim como as pesquisas nas reas da sociologia da infncia e da histria. Esses, como outros campos do saber, podem servir de suporte para a elaborao de um plano de trabalho com as crianas de seis anos. O de-senvolvimento dessas crianas s ocorrer em todas as dimenses se sua insero na escola fi zer parte de algo que v alm da criao de mais uma sala de aula e da disponibilidade de vagas. nesse sentido que somos convidados refl exo sobre como a infncia acontece den-tro e fora das escolas. Quem so as crianas e que educao pretendemos lhes oferecer?

    Os desafi os que envolvem esse momento so muitos. Para algumas crianas, essa ser a primeira experincia escolar, ento, preci-

    samos estar preparados para criar espaos de trocas e aprendizagens signifi cativas, onde as crianas possam, nesse primeiro ano, viver a experincia de um ensino rico em afetividade e descobertas.

    Algumas crianas trazem na sua histria a experincia de uma pr-escola e agora tero a oportunidade de viver novas aprendizagens, que no devem se resumir a uma repetio da pr-escola, nem na transferncia dos conte-dos e do trabalho pedaggico desenvolvido na primeira srie do ensino fundamental de oito anos.

    As crianas possuem modos prprios de compreen der e interagir com o mundo. A ns, professores, cabe favorecer a criao de um ambiente escolar onde a infncia possa ser vivida em toda a sua plenitude, um espao e um tempo de encontro entre os seus prprios espaos e tempos de ser criana dentro e fora da escola.

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    O BRINCAR COMO UM MODO DE SER E ESTAR NO MUNDO

    ngela Meyer Borba1

    Pipa, esconde-esconde, pique, passaraio, bolinha de gude, bate-mos, amareli nha, queimada, cinco-marias, corda, pique-bandeira, polcia e ladro, elstico, casinha, castelos de areia, me e fi lha, princesas, super-heris...2 Brincadeiras que nos remetem nossa prpria infncia e tambm nos levam a refl etir sobre a criana contempornea: de que as crianas brincam hoje? Como e com quem brincam? De que forma o mundo contempor-neo, marcado pela falta de espao nas grandes cidades, pela pressa, pela infl uncia da mdia, pelo consumismo e pela violncia, se refl ete nas brincadeiras? As brincadeiras de outros

    tempos esto presentes nas vidas das crianas hoje? Diferentes espaos geogrfi cos e culturais implicam diferentes formas de brincar? Qual o signifi cado do brincar na vida e na cons-tituio das subjetividades e identidades das crianas? Por que medida que avanam os segmentos escolares se reduzem os espaos e tempos do brincar e as crianas vo deixando de ser crianas para serem alunos?

    A experincia do brincar cruza diferentes tempos e lugares, passados, presentes e futuros, sendo marcada ao mesmo tempo pela conti-nuidade e pela mudana. A criana, pelo fato de se situar em um contexto histrico e social,

    1 Doutora em Educao Professora da Faculdade de Educao da Universidade Federal Fluminense (UFF).2 Em diferentes regies, cidades e bairros, podemos encontrar diferentes denominaes para as mesmas brincadeiras. Por exemplo, amarelinha tambm pode ser macaca, academia, escada, sapata.

    [...] as crianas so inclinadas de modo especial a procurar todo e qualquer lugar de trabalho onde

    visivelmente transcorre a atividade sobre as coisas. Sentem-se irresistivelmente atradas pelo resduo

    que surge na construo, no trabalho de jardinagem ou domstico, na costura ou na marcenaria. Em

    produtos residuais reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente para elas, e para elas

    unicamente. Neles, elas menos imitam as obras dos adultos do que pem materiais de espcie muito

    diferente, atravs daquilo que com eles aprontam no brinquedo, em uma nova, brusca relao entre si.

    Walter Benjamim

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    Que relaes tem o brincar com o

    desenvolvimento, a aprendizagem,

    a cultura e os conhecimentos?

    ou seja, em um ambiente estruturado a partir de valores, signifi cados, atividades e artefatos construdos e partilhados pelos sujeitos que ali vivem, incorpora a experincia social e cultural do brincar por meio das relaes que estabelece com os outros adultos e crianas. Mas essa experincia no simplesmente reproduzida, e sim recriada a partir do que a criana traz de novo, com o seu poder de ima-ginar, criar, reinventar e produzir cultura.

    A criana encarna, dessa forma, uma possibili-dade de mudana e de renovao da experin-cia humana, que ns, adultos, muitas vezes no somos capazes de perceber, pois, ao olharmos para ela, queremos ver a nossa prpria infncia espelha-da ou o futuro adulto que ela se tornar. Reduzimos a criana a ns mesmos ou quilo que pen-samos, esperamos ou desejamos dela e para ela, vendo-a como um ser incompleto e imaturo e, ao mesmo tempo, eliminando-a da posio de o outro do adulto.

    Mas como podemos compreender a criana nas suas formas prprias de ser, pensar e agir? Como v-la como algum que inquieta o nosso olhar, desloca nossos saberes e nos ajuda a enxergar o mundo e a ns mesmos? Como podemos ajudar a criana a se consti-tuir como sujeito no mundo? De que forma a compreenso sobre o signifi cado do brincar na vida e na constituio dos sujeitos situa o papel dos adultos e da escola na relao com as crianas e os adolescentes?

    Nesse contexto, convidamos os professores a refl etirem conosco sobre essas questes tendo como eixos alguns pontos: a singularidade da criana nas suas formas prprias de ser e de se relacionar com o mundo; a funo hu-manizadora do brincar e o papel do dilogo entre adultos e crianas; e a compreenso de que a escola no se constitui apenas de alunos e professores, mas de sujeitos plenos,

    crianas e adultos, autores de seus processos de constituio de conhecimentos, culturas e subjetividades. Tendo em vista esses eixos, perguntamos: quais so as principais dimen-ses constitutivas do brincar? Que relaes tem o brincar com o desenvolvimento, a aprendizagem, a cultura e os conhecimentos? Como podemos incorporar a brincadeira no trabalho educativo, considera