enigma - crônicas e poesias de um poeta morto

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Page 1: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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ENIGMA

Crônicas e poesias de um poeta morto.

12/04/2012

JUNIOR CESAR SANTIAGO

Page 2: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

1

ANJO MEU

Quero oh! Anjo, repousar em teus braços

Pois me sinto cansado de viver sem você

Quero, oh! Anjo me aquecer em teu corpo

Pois é fria é à noite em que não posso te ver

Tão fria, e só e amarga e sem fim.

Que acordo em delírio, buscando-te aqui.

E só a encontrando no vazio dentro de mim

Visita-me oh! Anjo, na calada da noite.

Deixa tua imagem no escuro eu ver

Proteja-me do medo, do frio, da solidão.

Deixa ouvir teu sorriso de criança

Tua voz mansa e suave meu nome chamar

Quero tua mão a tocar meu corpo

Acordando-me do sono me fazendo enxergar

Que o fruto de todos os sonhos

Já em verdade, me veio visitar.

E então, dorme comigo.

Page 3: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

2

Deixa-me cercar-te em meus braços

Repousa teu rosto, se desfaz do cansaço.

E deixa que dessa vez seja eu que te guarde

Que te cerque e proteja,

E que amanheça e enfim eu acorde

Podendo voltar a dormir com você do meu lado.

Page 4: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

3

A NOITE!

Quando a noite cair

E um frio imenso tocar teu corpo

Fecha os teus olhos e me chama

Que onde estiver te escutarei

Abre a tua janela, deixe o vento entrar

Que de carona vou com ele

Guiado pelas estrelas, preparado pra te amar

Deita na cama...ainda sentes frio...

Olhas com esperança a janela aberta

Porém demoro e você chora

Teus olhos fechados não podem me ver entrar.

Chego de mansinho à beira da tua cama

E beijo teu rosto, bem calmo..

Abre os olhos...ansiosa,

Teu corpo de repente se aquece,

Mas não me vês...voltas a dormir...se irrita

Fecha a janela e abraça o travesseiro

Ele é teu único companheiro...ele e a saudade,

Page 5: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

4

Mas eu estou ali...sento ao teu lado na cama

Acaricio tua pele, tua acordas e me vê

Eu sorrio e te abraço

Te aperto bem forte em meu peito e te sentes segura...

De leve te beijo decorando o sabor do teu lábio.

Te olho nos olhos(como tudo é mágico!!)

Teu corpo se arrepia, eu a beijo de novo

Digo-te frases de amor bem junto ao teu ouvido

Tremes, te sinto frágil

Te abraço em meu peito e já não tremes mais...estas consumida...

Teu coração em chamas pelo desejo

Nos seus olhos vejo um querer intenso

Toco teu lábio e me lembro do céu

Tu te achegas e sinto meu sangue ferver

De leve vejo-te desabotoar a tua blusa

Me olhando nos olhos...me beijando com força

Eu a interrompo no terceiro botão

Tu sorris e me beija de novo

Conduzes minhas mãos em teu corpo

E eu seduzido, como um bobo começo a tremer

Desabotoo tua blusa...um calor me envolve

Page 6: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

5

Abres minha camisa e me toca

Sente o quanto meu peito se aquece

Inflamado por teu amor

A noite vai caindo e é hora de ir

Faço menção de ir embora, mas não me deixas fugir

Eu sorrio e te beijo te conduzindo pra cama

Te pego em meus braços e a ponho no leito ficando ali...

...por cima de ti...a olhar-te nos olhos

Teus cabelos por sobre teus olhos te dão um ar de menina

Um pouco de anjo

Eu me afasto e te digo adeus sorrindo

Mas não queres que eu vá e me abraças bem forte

Pergunto com os olhos se tem certeza do que queres

E tu docemente me respondes num beijo

Penso em sair mas és menina travessa

E me virando na cama sobes por cima de mim

Eu sorrio, mas a brincadeira fica séria

Teus cabelos brincam no meu rosto e teu olhar me atrai

Beijo tua boca com vontade

Demonstro todo amor que há em mim

E deixo o corpo me guiar

Page 7: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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O teto parece sumir quando nos amamos

Um céu cheio de estrelas ...uma fina chuva cai sobre nós

Tudo parece sumir, o mundo acaba e nós nos amamos

A lua se esconde, o Sol começa a nascer

Mas as nuvens nublam-se e se juntam pra escurecer o dia

Querem prolongar nossa noite

São cúmplices de dois amantes Que descobriram o quanto se aprende

Quando se dispõem a amar.

Page 8: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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VIVIANE

Vivo pensando em você

Imaginando motivos para...

Vê-la, tocá-la, beijá-la tão...tão..

Intensamente, a ponto de sentires, o...

Amor que há dentro de mim, esse amor que

Nega-se a si mesmo, na...

Esperança de ser aceito por ti.

Page 9: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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GISLAINE

GRITO POR TI, AMOR, NÃO ADIANTA EU...

INVENTAR MANEIRAS DE TE ESQUECER

SEMPRE SENTIREI VOCÊ EM MIM

LATEJANDO UMA PAIXÃO ETERNA...E UM...

AMOR SEM LIMITES, ALÉM DA...

IMAGINAÇÃO DE QUALQUER POETA,

NEGO, RENEGO A TUDO POR TI, SOU TEU.

ENTENDA!SOU TEU.

Page 10: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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A PARTIDA

Vai-te! Voa, parte daqui

Vai-te abrindo as asas

Ganha os horizontes

E te afastes de mim

Deixas-me na angústia perder-me

Deixa-me insano definhar

Abra tuas asas e voa

Ficarei aqui, preso em algum lugar

Aos poucos o brilho se acabará

E o encanto trocar-se-á pela negridão

Pelo frio intenso de uma solidão profunda

Aos poucos o Sol se apagará em mim

E meus olhos já não mais contemplarão o firmamento

Nem mais me extasiarei diante da nossa estrela

Que, apagada já caiu dos céus.

Vai, vai-te logo! Antes que me ouça gritar

Antes que te envergonhe com meu choro

E a manche com meu pranto

Page 11: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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Vai-te! Parte! meu coração se tornará cruel

Já murcharam-se as rosas

Já se foram meus jardins

Já se apagaram os meus olhos

Já se acabou tudo,... enfim...

Ah! Deixa-me agora

Sozinho a afundar-me nesse abismo

E vai! Suma daqui

Voa e ganha os ares

Pois quando eras minha, tu parecias feliz

Mas se é teu destino: A liberdade...

Vai-te, que encarcerado, morrerei aqui...

Page 12: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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ADORÁVEL ILUSÃO

Quando anoitecer

E eu sentir falta de um sorriso

Ter-te-ei aqui...no coração

Quando faltar-me a luz

Terei teu olhar a iluminar-me a noite

Quando sentir frio, tua presença aquecerá meu corpo

E se tudo passar, ainda restará no quarto

O teu cheiro a espalhar-se

E se ainda mesmo assim eu chorar

Será de Saudades, ansiando tua volta

Quando amanhecer

E o Sol vir brincar na minha janela

Fecharei as cortinas e lembrarei que o teu rosto

Traz mais luz ao meu dia, e se acaso duvidar

E por um segundo te esquecer

Voltarei ,minha adorável ilusão, pra minha cama

Pra então dormir

Voltando a Sonhar contigo

Page 13: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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ANJO

Um dia, quando voltares.

Receber-te-ei com flores

Da tenra primavera

E com o fogo imenso

De uma paixão forjada

Numa noite quente de verão

Te esperarei com os lábios molhados

Levemente adocicados

Pelo mais puro mel do amor

Assim, abrirei os braços

E amparar-te-ei no meu peito

Aquecendo-te no meu corpo

Deixando que o desejo de ter-te

flua pra ti através de mim

Ergo teu rosto olhando-te nos olhos

Tua boca se abre a rogar-me um beijo

Eu de leve puxo teu lábio no toque dos meus

Page 14: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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Um arco-íris se forma no céu

Pássaros cantam enquanto te beijo

As nuvens abaixam-se

pra poder nos ver melhor

Eu a levo pelos ares

Revelando-te meu segredo

Sou anjo que ao querer-te

Aprendeu a amar na Terra

E a ter nela um pedaço do céu.

Page 15: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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ANTÍTESE

Eu sou mais que eu, sou vários.

Sou inteiro e pedaço de mim mesmo

Partes repartidas de um todo

Um nada, tudo, mais um pouco

Antítese deste verso

Esse sou eu.

Sou um poeta que não amou

E mesmo assim vários corações deixou.

No pranto de uma partida

Esse que de tanto amar, odeia

E que de tanto querer, se ira

Esse sou eu, um simples alguém

Chora por qualquer coisa

Esse que se arrebenta

Que nestes parcos versos se lamenta

A sorte árida do seu azar

Page 16: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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Esse que parece não fazer sentido

Um enigma escondido

Dentro do meu coração

Esse mesmo que vos fala agora

Olha pra frente e vê um passado

Olha pra dentro e vê seu futuro

Mas enfim, cai em si mesmo

E por seu presente chora, morimbundo

Isso é o que sou

E se pudesse escolher ser outro

Esse outro, um dia

Acabaria por ser eu.

Page 17: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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ANDRÉIA-MOÇA

Senhor! protegei a moça que passa

Que quase nada me diz

Mas que ao me olhar nos olhos

Faz-me pensar em todas as poesias do mundo

Protegei-a para que sinta outra vez

O doce cheiro de jasmim que antecede sua chegada e de novo veja o

seu sorriso

Que faz menos cruel o mundo e a vida menos triste

Protegei, Senhor, essa beleza cálida e suave

De quem talvez nem percebe o quanto encanta

Protegei seus lábios mornos e avermelhados

Protegei seus olhos meigos e misteriosos

Da cor de dois abismos

Nos quais adoraria perder-me

Protegei, Senhor, esse encanto moreno

De pele suave que nem preciso tocar pra saber que é tão lisa

E perfumada quanto as rosas de teu jardim, Oh! Deus...

Protegei também oh! pai se vos sobra um tempo

A este pobre mortal, para que não caia tentado.

A ofertar meu coração ao divino anjo que por mim passa.

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DEISEMARES

Diante de ti as palavras se calam...

Emudecem-se as vozes de espanto...

Intensificam-se as cores no céu...

Saem mais brilhantes as estrelas no firmamento.

Enquanto durar a tua vida...

Mais feliz será o mundo, e...

Ainda outros mundos se ainda houver.

Respiram mais do que ar os seres vivos

Exalam um pouco do teu perfume

Sem dúvida vivo graças a isso.

Page 19: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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ASSIM...TÃO DE REPENTE

Quando te vi passar

Foi como um sonho

Algo inesperado

Quase oportuno

Tu me deixaste marcas e foste embora

Assim... tão de repente

Eu te amava

Nem sequer minha vida

Coloquei acima de ti

E mesmo assim disseste adeus

Assim... tão de repente

Ah! se soubesses o mal que me fizeste

Ah! se soubesses o estado em que me deixaste

voltarias no mesmo instante

pra este que só sabe sofrer-te, querer-te, amar-te

Page 20: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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Hoje vivo um sonho

Baseando minha vida inteira em um só momento

aquele em que te tive nos braços

respiro e transpiro lembranças

de um beijo dado em meio

a um turbilhão de sentimentos

num pequenino banco de praça

perto de uma catedral

um beijo...tão rápido

que me marcou tão forte

assim...de repente

E fugiste...fugiste de mim

foste pra longe

onde já não sinto o calor do teu corpo

que aquecia-me num fogo de paixão

mas ainda sei, que se fechar meus olhos

posso sentir tuas mãos entre as minhas

e sentir tua cabeça em meu ombro

se eu me esforçar

ainda sinto teu beijo.. aquele

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dado anos atrás,

mas que como um ferro em brasa

marcou-me a vida

e me fez pensar em ti a cada dia

em cada segundo

em cada pedaço de mim

do meu ser, da minha alma

e tudo você me fez..

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ATÉ A NOITE AMOR...

Numa noite, antes de deitar

Olha minha estrela

E me pede junto a ti

quando o sono vier

e você for dormir

Sentirás um leve toque

O meu lábio em teu rosto

Olharás...teu corpo arrepiando

porém ninguém no teu quarto está

– deitas na cama - Já pelo sono vencida

E eu te apareço em magia, mas não me vês, pois já dormes

Eu te cubro bem calmo, beijo teu rosto tão lindo

__ Dorme amor... dorme, que eu aqui velo teu sono.

No meio da noite despertas

Sentas na cama

E sentes uma solidão te invadir

Abre a Janela

E minha estrela tu olhas

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Eu me aproximo de ti

E toco tuas mãos

de leve, acaricio tua pele

e digo__ Calma, eu estou aqui!

Me olhas confusa

Não sabes se é sonho

Porém gostas que eu esteja ali

Teu coração acelera

Ao me ver assim...tão perto

Toco teu rosto

A abraço e protejo

Ancorada em meu peito

Está frio, me abraças com força

Não queres me deixar

Mas o dia vai nascendo

E eu preciso ir embora

Tu me pedes: __não vá...

Mas é hora de ir

Eu te olho nos olhos

O sangue ferve em teu corpo

E sem mesmo notar

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Te entregas num beijo

É tudo tão doce

Cheio de encanto

Que não me deixas ir

Te conduzo até tua cama

Te deito e te faço fechar os olhos

Sentes sono e depressa dormes

O dia nasce

E acordas pensando

Que foi tudo um sonho

Mas pensas: se sonhei...

Porquê sinto no lábio o gosto

doce do beijo?

De leve tu sorri e sussurra baixinho...

__Até a noite amor....

Até a noite...

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CANTO

Cantai, vida, cantai

Trazei no teu canto

A imagem do encanto

Que pude em teus olhos provar

Cantai, vida, cantai

Que através destes versos

Crio meu mundo, meu próprio universo

E nele posso enfim repousar

E deitar-me entre as nuvens

E ver-te, oh! vida, passar

Tocar nos passarinhos

Que cantavam naquele ninho

Que quando menino

Eu espiava da janela

Cantai, vida, cantai

Que a natureza me chama

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E tornar-me-ei parte desta terra

Que um dia me trouxe no amor dela

Uma razão pra essa canção

Dos meus lábios aflorar

Ela, que é a razão destes versos

Nesse amor tão controverso

Que não espera ser correspondido

Pra de teimosia, assim, amar...

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COELHINHA

Coelhinha, me dá cá teu amor

Que com ele é mais fácil viver

Coelhinha me dá cá da boca teu sabor

Que do mel do teu beijo é mais doce beber

Coelhinha, pede-me o que quiseres

E darei sem mesmo pensar

Só não me peças pra esquecê-la

Que isso, nem mesmo que eu queira

eu posso tentar

Coelhinha, faze-me cócegas e rio

Teu jeito faz feliz minha sofrida vida

Teu sorriso me faz voltar a ser menino

e todo meu escuro caminho ilumina

Coelhinha, vou confessar-te aqui no canto

Algo que já notas quando te olho

Coelhinha, Coelhinha

Ah! como eu te amo!!

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COMPREENSÃO

Quando busquei dizer algo

tu já me entendias

Quando chorei, nada disseste

Pois conheces que é melhor teu ombro

que mil palavras de consolo

Quando não tinha amigos

Me ofereceste teu colo

E nele pude repousar

Ainda quando não estavas presente

Só tua lembrança

Acalmava o furacão em mim

Tu és a doença que me mata

E o remédio que me vivifica

E eu que fico neste dilema

Entre o encanto e a realidade

Desorientado entre o que é real

E o que é mistério

Entre te amar ou fugir de mim

Vou me entregando à uma morte lenta

Regada pela dúvida

Pelo medo de te amar e ser feliz

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DE VOLTA AO NAVIO NEGREIRO

Homenagem à Castro Alves

Eu aqui...no cais

A contemplar o horizonte, alheio ao mundo

Sentindo o frescor da brisa marinha

Tocando a minha fronte

Mas eis que um pesadelo me atormenta

Ouço gemidos, uma corda se arrebenta

E bem dentro do meu peito estala

O negror de uma lembrança amarga

Ai! Senhor Deus dos desgraçados

Que se volta contra mim o meu passado

E já velho, não quero ser lembrado

Dos horrores que padeci por minha cor.

Ai! Senhor Deus que tudo me volta

Tem pena de mim, misericórdia

Socorre o negro velho que te clama

Pois até ouço o capitão que reclama

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“_Vamos cambada, bota essa negada pra dançar!!!”

há! há! há! há! há! há!

Ai que no fundo desta alma ainda ressoa

O barulho seco das correntes se arrastando

Num chão frio de porão

Num canto... um corpo de criança

E uma mão, já quase sem esperança

Dando uma teta já sem leite

P’ra um boca, já sem cor, mamar

“E dança, e ri a nobre corte”

Como uma orquestra verdadeiramente satânica

Toca a nota do terror

E eu volto a sofrer a minha dor

Mais uma vez a cicatriz me dói

Mais uma vez incapaz me sinto

Ao ver o olhar de meu filho

Que vê seu pai num tronco

Lacerado pela chibata

Nos olhos do meu filho um pranto aflito

E nas minhas costas o sangue batido.

Oh! Terra, que devia ser gentil

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Tu que dentre as mil

Foi cantada nos melhores versos

Ai! Brasil que de tão gigante

Esmagou um povo errante

Que não teve culpa de nascer assim

Ai! Que esta abençoada terra

É a benção e maldição de minha vida

Eu que com a alma desvalida

Me agarro num fio de esperança

Um baque – um corpo ao mar

Um grito – uma mãe a chorar

Uma criança se foi pro céu.

O chicote novamente estala

E a orquestra ri, manchada em sangue.

Regendo sobre a mortalha

Do que um dia foi um ser humano

Desembarcava minha gente

Numa terra vil e descontente

Que só mal lhe traria com o tempo

Aqui, neste mar azul

A beleza se confunde com a tristeza

Page 32: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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E o anil brilhante se vê maculado...

...com meu sangue.

Passam-se os anos, O sol da liberdade

Traz uma nobre princesa

Que de tão puro coração

Aboliu o perigo desta nação

Ser dissipada pela Escravidão

Era o ano de 1888

O tempo já marcara o meu rosto

Porém sorri, no cair das algemas

Minha vida foi sempre difícil

As marcas ainda trago no corpo

Porém maiores são as feridas

Na honra deste meu povo.

Nos meus sonhos ainda vejo uma senzala

Uma dança, uma luta, uma cultura

Algo que junto ao Brasil se mistura

Pra formar uma nova raça

Hoje vou livre, mas só em parte

Ainda luto todos os dias

Page 33: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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Por uma oportunidade nesta cidade

Para vencer no meu futuro

Eu vim de um Navio Negreiro

Não me esqueço do meu passado

Ainda ecoa o grito da mãe

Que em alegria trouxe ao mundo

Um filho lindo, que moribundo.

Agora jaz bem lá no fundo

De um negro mar

Como um escravo

Um mar negro como tua pele

Negro como sua alma

Tudo por causa de um ponto de vista.

Page 34: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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DESPEDIDA

Quando enfim, tudo se for

E nada no mundo parecer restar

Ainda ecoará no vazio a minha voz

Em desespero o teu nome chamar

Quando murcharem as flores do campo

E as estrelas do céu começarem a cair

Restará ainda um pouquinho de mim

A insistir em um minuto a mais, querendo te amar.

Se tudo acabar, amor, viverei.

E nada em mim morrerá

Pois ainda no meu mundo terei

A chance de novamente a encontrar

Quando tudo tiver um fim

Meu amor, recomeça,

E como a Fênix se liberta

Pra das cinzas retornar a te amar

Page 35: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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ENQUANTO EXISTIR

Enquanto existir esperança

Enquanto o sol brilhar abrindo um novo dia

Enquanto as flores exalarem o seu perfume

Enquanto o fresco orvalho molhar a terra

Enquanto as estrelas brilharem

E a lua permanecer no céu

Enquanto as flores caírem no outono

E renascerem na primavera

Enquanto o rouxinol tentar ( em vão, garanto!)

Imitar o encanto e a beleza de tua voz

E as conchas formarem pérolas

Na tentativa vã de ofuscar teus olhos

Enquanto existir na criança um sorriso

E calor no corpo humano

Enquanto houver aquela canção que sem querer

Me faz lembrar de ti e de nós

Mesmo sem que eu saiba porquê

Enquanto durar a eternidade

Teu rosto estará em minha memória

E teu nome tatuado em meu coração.

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EU

Quando ninguém me vê

E tudo está quieto

Quando os anjos dormem

Eu vou para o meu mundo

E lá posso ser eu,

Quando ninguém me escuta

Eu me derramo em poesia e conto ao vazio

Todas as esperanças minhas

Tudo, por trás desta face escura

Quando a noite baixa e esfria

Meu coração se aquece e ilumina

Todo o negrume do meu ser

Quando tudo se acaba

Eu recomeço

Como uma fênix que renasce

das próprias cinzas

Voltando à realidade

Cada vez mais...

Sendo mais eu...

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HOJE, ME PERMITI CHORAR

Hoje, me permiti chorar

Permiti que meus olhos molhassem

Um pouco, a tua foto à minha frente

Mergulhei na lembrança de nossa noite

Que agora é só nossa e que o será pra sempre

Hoje, eu me permiti chorar

Chorar de saudades tuas

De desejo de tê-la de novo

De apertá-la em meus braços

De me tatuar em teu corpo quente

Hoje, eu me permiti chorar

Chorar como criança

Que necessita de colo, de carinho, de amor...

Me permiti soluçar de vontade

De ter tua boca doce na minha

De tocar tua língua de novo

Page 38: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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De sentir o teu toque em meu corpo

Hoje, eu me permiti chorar

Coloquei nossa música...

E me permiti chorar

Chorar de alegria

Chorar de Tristeza

Um misto de euforia e certeza

De que nunca mais serei de outro alguém

A não ser teu, meu eterno amor.

Page 39: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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HOJE

Hoje, te terei mais uma vez

A tomarei novamente em meus braços

E estenderei o teu corpo sobre a cama

Hoje, sentirei novamente

A tua pele quente a tocar-me

E o teu corpo trêmulo a abraçar-me

Ouvindo bem forte tua respiração

Hoje a terei de novo

E não me cansarei de ter-te

Ainda que só em sonho

Hoje, te terei de qualquer jeito

Sentirei teu cheiro

A propagar-se pelo quarto

A fazer-me enlouquecer

Com tua presença tão perto

Hoje, te terei outra vez

A tomarei tão intensamente

Que o suor do teu rosto

Fervendo em paixão

Juntar-se-á sobre o meu

Que ardendo queimará os lençóis

Hoje te terei como nunca

E essa hora será eterna

E assim o será todo dia

Page 40: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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Até o momento

Em que o sonho acabar

E eu puder experimentar

Na realidade essa loucura

Que me faz amar-te

Que me faz desejar-te

Nos meus sonhos todos os dias

Até tê-la enfim encostada em meu peito

E eu dormir recostado ao teu seio

Ouvindo sumir no sono

A batida suave e o compasso lento do teu coração

E esse hoje se estenderá até a morte

E viveremos uma eterna noite

Onde o desejo não acaba

E nunca nos cansamos

De amar mais e mais

Hoje...amor....hoje te terei de novo.

Page 41: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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IMPOSSÍVEL

O mais difícil pra mim

É encarar que não foi eterno

Que como tudo me minha vida

Você veio e passou

Juro, prefiro ficar só

Quando me amaste, deixaste tua marca em mim

e essa tatuagem não sairá

E enquanto viver mesmo que pra sempre eu viva

Naqueles momentos de Solidão

Pegar-me-ei pensando em ti

Talvez eu nem mais te veja

Porém vou amá-la assim mesmo

Preso, agarrado ao fio de uma lembrança.

Viverei a vida de um momento

O momento em que tive tua cabeça em meu ombro

Em que te vi sorrindo pra mim

Viverei para aquele momento

Pro gosto daquele beijo

Pra tua voz me dizendo: TE AMO...

Page 42: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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IN MEMORIAM ( CHICO ANYSIO )

Mãe corre aqui! Apagou-se o riso.

A escola fechou , o circo não abriu

Corre aqui! Mãe, que o riso morreu.

Fala pro Padre reza uma missa

E o pastor chamar o povo para o culto

Quem sabe com choro,

Com a tristeza do tumulto.

O riso, meu amigo, ressuscita.

Vem cá mãe, apagou-se o riso.

A vela que o mantinha se extinguiu

Foi brilhar n’outro lugar

Fazer outros meninos rirem.

Fazer outro povo se alegrar.

Não chora mãe, que o riso volta.

Ouvi dizer que a morte é só uma porta

Que leva a gente pra passear

Quem sabe se ainda a gente encontra o riso

A fazer cócegas em algum anjo metido

Page 43: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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Que não se riu de sua piada

Quem sabe se ele não foi pra Bahia

Terra de todos os santos

Virar beato, renovar seu canto.

A fim de brincar com o povo

Que sobe a escada do Bonfim

Não chora, mãe, que o riso é assim mesmo

Sujeito malandro, Sujeito matreiro.

Há de estar por aí, a se espalhar por inteiro.

Pra no fim não ser só de um

Mas sim de todos.

Page 44: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

43

LEMBRANÇAS

Lembra, amor, daquela noite

Em que vi teus olhos brilharem

Mais que todas as constelações do céu

Lembra, amor, quando a beijei

O gosto doce do amor fluindo

No toque quente de nossa boca

E a força com que te abraçava

Lembra, amor, o deslizar suave

Da minha mão em tua pele

E como desenhei o teu corpo em meus dedos

Lembra, amor dos sorrisos no escuro

E até mesmo dos sussurros

Das frases entrecortadas por um gemido

Um arrepio de prazer escondido

Uma sensação de febre no corpo

Lembra, amor, das vezes que te disse: te amo

E me respondias com longos beijos

E com teu olhar doce de entrega

Page 45: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

44

Um olhar que me persegue nos meus sonhos

E insiste em permanecer em minha mente

Até vê-lo de novo um dia

Lembra, amor da atração que sentimos

Do ar que se movia e coloria na nossa emoção

Não te esqueças amor, desse instante tão louco

Em que nos cercávamos de fogo

E ainda assim nos queríamos queimar

Não te esqueças da noite em que choramos

E correste pra mim num toque de desespero

Misturada a tão grande porção de amor

Não te esqueças das lágrimas derramadas

Das palavras marcadas por uma voz rouca

De tanto dizer: te amo!

Não te esqueças que permaneço aqui

Lembrando de tudo e nunca esquecendo

Que o meu destino e meu alento

É amar-te a todo instante

Não te esqueças que sou eu o teu abrigo

Teu amor, teu ombro amigo

Pronto a receber-te em todas as horas

Page 46: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

45

Sou eu que na madrugada

Vai deitar-se ao teu lado e aquecer-te do frio

Que vai beijá-la quando o sol nascer

E te desejar um bom dia

Lembra, que sou eu o teu passado

Que se estende no presente

E perdurará pela eternidade

Lembra que nasci um enigma

E morri muitas vezes

Mas em todas renasci como a fênix

Por não poder partir sem antes te amar

Ao menos mais uma vez.

Page 47: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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LIBERDADE!

Vai, vida, liberta-te

Corre para as asas de tua amada irmã

Enche de silêncio o barulho ensurdecedor

Da negra alma que se instala em mim

Vai-te vida, e arranca-te daqui

Parte pro teu mundo

Pra um outro universo

Onde não serás mais vida

Onde ecoarás na morte

Vai-te vida e leva-me contigo

Separa-me deste corpo infame

E retira-me desta existência vil

Pois ainda anseia minha alma libertar-se

E meu corpo a desejar-te

Procura outra vida além do véu

Page 48: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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Recuso-me oh! Vida a ficar

E enfim desfrutar

De tão tosco e insensato tempo

Um baço e desgostoso intervalo

Entre o minuto em que se nasce

E o segundo em que se morre

Dai-me a alegria de voar

De enfim me ver livre de tão grande

Que encerra na maior angústia

Que possa cogitar teu coração

E nasça outra vez: enfim, livre!

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LIBERTAÇÃO

Um dia repousarei nas nuvens

E cantarei meus versos

diante do coro celeste

Num painel de estrelas

Um dia correrei com o vento

brincando nas curvas

vivendo a emoção das alturas

fechando meus olhos ao abismo

Um dia terei no corpo

o perfume das flores

e nos olhos o fulgor do luar

terei a pele brilhando reluzente

Tal qual a armadura de um valente guerreiro

Nesse dia finalmente serei livre

livre como ninguém nunca foi

Page 50: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

49

liberto da escravidão dos limites

Que durante a vida

me impuseram grilhões

Alguns chamarão isso morte

Mas eu gritarei : Libertação.

Page 51: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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LÚCIA DE FÁTIMA SELEGHIM

Lealdade é algo que não se compra, é algo....

Único, como a amizade...

Como você!

Incrível como podemos ser cativados

Assim, tão rapidamente...

Desde que nos conhecemos

Entendo que existem no mundo de hoje

Flores em forma humana, como se pequenos

Átomos de rosas, margaridas e orquídeas se juntassem

T ornando suas principais qualidades, antes...

Invisíves, totalmente possíveis de se ver,

Mostrando-se a este tempo monótono, como uma pessoa

Ainda mais impressionante na sua forma humana

Page 52: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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LUCIMARA

Linda, você nasceu como um sonho

Uniu cada estrela dos céus em seus olhos

Colhe a cada ano uma nova flor em seu jardim

Insiste, no entanto, em deixar ele assim, tão florido

Minha esperança é ver você sempre assim

Ainda mais linda, a cada ano que passa

Resistindo a todas as adversidades da Vida

Assumindo diante de todos a força que sempre vi em você

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MEDO

Tenho medo menina, tenho medo de ti

Que teus doces carinhos

São pra mim como o vinho

Que me tiram de mim.

Tenho medo menina, tenho medo de ti

Que o tempo que passa

Me faz ver que só há graça

Quando estou junto a ti.

Tenho medo menina, tenho medo de ti

Que teus meigos encantos

Me induzem ao pranto

Encostado num canto

A sentir falta de ti.

Tenho medo menina, tenho medo de ti

Que me arrasto pra longe

Bem além do horizonte

Onde tu só existes pra mim.

Tenho medo menina, tenho medo de ti

Que a tua suave ternura

Me faz ver que há loucura em te amar tanto assim.

Page 54: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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MENINA ANJO

Amo-te tanto, menina-anjo

Como a brisa ama o vento

Como o sol pela lua se apaixona

Como as estrelas encantam o céu

Como as notas estão nas canções

Assim estão para sempre, oh! Anjo

Os nossos corações.

Amarei-te enquanto viver

Enquanto houver no sol um brilho

Numa criança, um sorriso, uma emoção

Enquanto houver nos teus olhos

O fogo desta paixão!!!

Desde que te conheci me pergunto

Se és anjo que me guarda

Ou demônio que me atormenta

Já não sei viver sem ti

Page 55: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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Estás em mim como doença

Um doce veneno que lentamente me mata

Teu sorriso me atrai

Tua boca me tenta

Teu Calor me queima

E ai! Que desejo todos os dias

Morrer por ti, a viver mil vidas

Sem a tua presença.

Page 56: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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MENINA

Vou te amar...menina...vou te amar

Até que do fogo eterno se mate a última chama

Até a última nota da mais bela canção

Enquanto houver na criança um meigo sorriso

No Sol um brilho amigo

E nos teus olhos...a paixão.

Teu amor é como brisa suave

no mais quente verão

è frescor que invade meu corpo

quando me queimo no fogo dessa paixão.

Teu amor é aquarela

onde invento um mundo novo

Um mundo onde posso amá-la

Sem temor que se vá com o tempo

Teu amor é tudo isso...e mais..

É algo indecifrável

imedível, inalcançável

Só cabe dentro de mim, no meu universo

Dentro do enigma que sou...

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MORTE

Varra-me fétida vida

Que de teus oceanos escuros,

Bebi cálices de amargura,

Varra-me, que os umbrais de tuas portas

Como celas me prendem

Não deixando libertar-me de mim

Varra-me que tuas correntes

São vagas de tortura, que te chamam de vida

Mas eu sei: Só começarei a viver...

Quando me for levado de ti.

Quando o teu fio de prata for quebrado

E minhas asas finalmente se abrirem

E rasgarem o firmamento na alegria de se verem livres,

Então eu sentirei de novo o prazer que tinha antes de nascer,

Quando na terra não vivia e desfrutava de meu lar no céu.

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RESSURREIÇÃO

Quando findar em mim a esperança,

E achar que enfim vou morrer,

debruçar-me-ei no teu colo,

E com a cabeça encostada em teu seio,

Acharei na tua boca um sentido pra viver.

Quando o frio for chegando no meu corpo

E os meus olhos verem o dia escurecer,

Ouvirei ainda a tua voz a dizer-me

Que ainda é preciso um pouco mais...por ti...viver...

E se ainda eu frio for me despedindo

Desta vida cruel que me negou tua presença

O calor imenso que vem do teu corpo

Aquecer-me-á e me trará a vida. e assim...

Aquecido no teu beijo,

Um corpo que esperava a morte com força ressuscita,

Tão somente pra viver mais um pouco

O suficiente pra te amar...mais uma vez...

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MULHER BRASILEIRA

TU ÉS COMO UM JARDIM FECHADO,

CHEIO DE BELEZA E CORES,

GUARDADO PELOS ANJOS,

INUNDADO DE PERFUMES.

TU ÉS O SOL QUE ME AQUECE,

A MINHA ALEGRIA,

PROVEDORA DE VIDA,

ABENÇOADA POR DEUS.

TU ÉS MORENA, RUIVA OU BRANCA COMO A NEVE,

NÃO ME IMPORTA COMO TE APRESENTAS,

ÉS SEMPRE BELA, GUERREIRA, UM ENCANTO,

DEITA-ME EM TEU COLO E ME DIZ “TE AMO”,

QUE CA DA VEZ MAIS ENAMORADO,

VIVO EM FUNÇÃO DE TI, MULHER.

ÉS MINHA MÃE, ESPOSA E AMANTE,

MEU PONTO DE APOIO,

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MEU SONHO CONSTANTE,

A REALIDADE PRA QUAL VIVO,

MEU IDÍLIO, MINHA PAIXÃO DE INFANTE,

MEU ETERNO AMOR... MULHER.

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MULHER

És tu mulher...

Controladora dos nossos destinos

Que inspira o Criador

A ter misericórdia da humanidade

Tu, sublime anjo terreno

Crias em teu ventre o carinho

E dás luz constante ao mundo...

A Ti, mulher...

Corajosa mãe, fiel esposa

E dedicada amiga

Que dedicamos o que somos

E também o que seremos

Pois não há futuro sem vós

E não há futuro algum

Que se deseje sem que existais.

Ninguém há que resista ao teu perfume

E não há quem não mate por tê-la

Guerras foram travadas por ti

Page 62: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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E nações se uniram através de tua força

Foste rainha e camponesa

Foste marco de alegrias e tristezas

Mas nunca deixaste de forma alguma

De seres o que és...MULHER...

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NÃO POSSO DEIXAR DE TE AMAR

Não posso deixar de te amar

Pois se te esqueço, os céus me lembrarão

teus olhos...e a doce brisa

o balançar lento dos teus cabelos

Se te esquecer, O mel me lembrará teu beijo

e chorarei...confessando em meu coração

que já não cabe mais em mim outro amor.

Quê Fazer? Se vejo nuvens formarem teu nome

Se os pássaros cantam a nossa canção quando passo pela rua

Se tudo me faz lembrar o teu sorriso?

Ah! Se houvesse cura para tal doença

essa doença que me leva

De forma tão agradável do delírio à morte

Essa doença que me cega

que rouba-me o ar

Essa doença que tem teu nome

Que se espalha pelo meu corpo

Page 64: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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fazendo-me queimar por inteiro

Essa doença que me faz ter febres

que me faz gritar teu nome

Em todas as formas possíveis

do verbo amar.

Page 65: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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O ADEUS

Agora, me deixais, amor meu

Depois de ferir-me o peito com tal paixão

me dizes adeus assim, tão logo

Vós que tal ferida deixaste em mim

Ferida esta que médicos não curam

Nem tão pouco os remédios saram

Tu dizes que vai embora

E jura-me amor, mostrando o contrário

Tu vais, sendo surda aos meus apelos

Que vãos tentam forçar-te a ficar

De que me adianta a vida?

Se não vivê-la ao teu lado.

Se não puder sentir o teu cheiro

De que me adianta respirar?

Se não posso olhar-te

por quê ainda vejo?

Não quero estes olhos

Page 66: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

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Se não puder tê-los fitos em ti.

Não quero estas mãos

Se entre elas não puder ter as tuas

Vai! Vais embora

e deixas pra trás

Este corpo vazio, de alma solitário

Um poeta errante

Que perdeu seu encanto

Num aceno triste de Adeus...

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O Relógio

Eu aqui..sentado.

E ele ali, fazendo tic-tac, tic-tac

Me deixando nervoso

Pois vai passando o tempo

E eu ainda estou aqui, parado

Queria que ele parasse

E toda minha vida retrocedesse

Que me livrasse das tormentas de hoje

E da ansiedade do amanhã

É tarde. Os minutos passam lentamente

E sinto sono

Quase dormindo ainda contemplo

Os ponteiros correndo

Fixo o olhar

Quero ver aquele ponteiro dos minutos

Se mexendo, mas não consigo

Pareço um louco vendo o tempo passar

Hipnotizado por meu carrasco: a vida

Page 68: ENIGMA - Crônicas e Poesias de Um Poeta Morto

67

Aos poucos meus cabelos ficam brancos

Minha lisa pele fica enrugada

As forças se vão, mas eu sorrio

Quando meus velhos e cansados olhos

Vêem a morte chegar...

Pois não terei de olhar

Aquele maldito relógio

Fazendo tic..tac...tic...tac...tic..tac...

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O VIAJANTE

De onde vens viajante?

Da terra de ninguém.

Pra onde vais?

Ainda não sei.

Se é incerto teu rumo...

Como saberás teu destino?

Vivo minha vida a cada segundo

Decido meu destino a cada passo que dou.

A quem buscas?

Procuro minha amada.

E onde ela vive?

No meu coração.

Não! Seu endereço é o que quero saber.

Isto não importa, até os confins da terra eu irei percorrer

Atravessarei rios, desertos e matas,

sei que a encontrarei no fim desta jornada

Mas...Quem é tão bela dama, que tanto amor em ti desperta?

Não sei, não a conheço.

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E como a buscas e dizes que a amas?

Eu num sonho a vi, e dentro de mim a fiz nascer

És louco por acaso?

E existe alguém são neste mundo?

Tu procuras uma ilusão

Sim, mas pelo menos eu luto por algo que ao meu ver vale a pena

Não adianta, nunca a encontrarás...

Talvez, mas morrerei tentando.

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OLHA! AMOR...

Olha , amor...

A doce chuva beijando o solo

E a minha alma que se consola

Se vê rasgando em dor

Por te ter tão longe

Olha! Amor...o cheiro da terra

Que saciada do orvalho do céu

Sorri contente na primavera

E o meu corpo aqui...como terra

Árida e deserta...sedento pelo corpo teu.

Olha! Amor...

Esta dor que sinto

Que me rasga o peito

Esse amor tão grande

É corrente que me aprisiona,

Em elos finos de ternura

Forjados no mais forte fogo

Da paixão...

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OLHOS VERDES

São uns olhos verdes, oh! Deus

Os que me atormentam

E na calada da noite

Vem brindar-me o sono

São uns olhos verdes, oh! Deus

Os que eu amo

Que me enfeitiçam, que me encantam

Que me despem de todo o medo

E me fazem tão loucamente amar

E esses olhos...

Quero vê-los hoje

Preenchendo o ar de cores

Ao se encontrar nos meus

Quero vê-los brilharem

Quando os lábios embaixo brindarem

A alegria dos olhos que se encontram

Ai! Deus socorre-me aqui

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Que morro queimando ao pensar nestes olhos

Chorando a amargura de não tê-los agora

Socorre-me que vou padecendo

A dolorosa saudade

Que deixou-me marcas no peito

E feridas na alma

E se puder oh! Deus

Cura-me trazendo a imagem deles

Para que se eu viver eternamente

Eu, para todo o sempre

Fique a admirar a beleza

Daqueles olhos verdes.

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ONDE ESTAVAS TU...

Onde estavas tu,

Naquela noite fria

Em que meu corpo se aquecia

No fogo da saudade?

Onde estavas quando morria

Pouco a pouco de solidão?

Onde amor...onde estavas?

Quando pedia teu colo

Um ombro p’ra chorar?

Onde estavas, na tempestade.

Quando entre raios gritava

Chamando o nome teu?

Onde estavas.

Quando me via em delírio

Beijando os lábios teus

Num arrebatamento profundo?

Onde...Onde estavas...

Quando o amor me doía

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74

Torturando-me a carne?

Ah! Meu anjo...onde estavas?

Que te procurei como louco

Em cada coração?

Eu que via no mais louro cabelo

Um pedaço de ti.

Que provando tua boca

Lembrava-me do céu

Onde estavas quando eu, um enigma

Amava-te, sem limites, sem fim?

Onde estavas... Não sei!

Continuo eu aqui.

Com meus braços abertos

O meu rosto molhado

E meu lábio ainda quente

Pra quando voltares

Seja lá onde estiveres.

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ORAÇÃO NA MADRUGADA

Senhor! O que faço agora?

Se é tão triste o que chora.

Neste canto escuro.

Se por ela é que verto meu pranto.

É que eu sem descanso.

Me vejo a correr, me vejo a lutar.

Me vejo na noite o nome dela gritar.

A suplicar que ela volte para mim.

Que sejamos felizes, Que ela me ame enfim.

Tanto quanto a amo agora.

Por ela, oh! Deus.

Desprezaria uma vida longa

Se poucos momentos.

Pudesse com ela viver.

Se a pudesse abraçar.

Se pudesse tocar os lábios dela.

Com os meus, se pudesse.

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Tê-la em meus braços.

Sussurrando-lhe frases loucas de amor.

Ah! Com ela, oh! Deus.

Não me importaria a comida.

Nem sequer lembraria que vivo.

Se fosse meu destino

Morrer nos braços dela.

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ORAÇÃO DO A.S.P

Protegei-me Senhor,

Para que as grades que me cercam

Não cerceiem minha visão

Que a maldade que me ronda

Não me corrompa o coração

Protegei-me...

Para que não carregue para o meu lar

A estupidez dos pavilhões

A raiva contida e insatisfeita

Que macula a paz perfeita

Que só tu me sabes dar.

Protegei-me...

Para que não torne em zombaria

A pequena alegria

De uma conversa entre amigos

Torna minha mente sadia

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Livre de emulações e porfias

Para eu ser senhor do meu pensar

Não deixando que outro controle

O meu modo de julgar

Protegei-me, oh! Deus

Para que as lições que aprenda

Sejam de fontes seguras e confiáveis

Que não transforme meu caráter

Naquilo que a sociedade

Sem se informar pensa de mim

Livrai-me dos vícios

Da linguagem torpe

Da gramática Ruim

Preservai minha família

Que culpa eles não tem

Da Profissão que escolhi

Que na ilusória segurança

Não baseie minha esperança

Nem conspurque a vigilância

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79

Que por profissão é meu dever

E se tudo desabar

Que sejas tu a me guardar

Pois tu és o único que se apieda.

Amém.

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ORAÇÃO

Eis-me aqui, Senhor, um delinquente.

Uma pobre carne que sem querer

De sua justiça tem zombado.

Peço agora com o coração dobrado.

Teu perdão, oh! Criador dos céus.

Se tenho vossa lei transgredido

Por misericórdia agora vos suplico

Pois o que faço senhor

Não quero eu, mas o que quero , senhor

Isso não faço.

Perdoa, que não o sabe

Este pobre mortal que a ti clama

Como exprimir-se em palavras humanas

A amargura que a alma sente

Sê pois vossa magnificência

Minha aliada

E tua misericórdia seja alcançada

Não porque mereço, mas sim porque embora peque

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Sabes que o amo, mais que tudo

Senhor meu... e Deus meu.

Amo-te mesmo sem saber provar.

Amo-te embora sejam meus atos maus

Busco-te, pois és meu alvo maior

Preciso de ti.

Não recusa, oh! Deus esta oração

Que vem daqui...do coração

Dilacerado pelo sofrer causado

Por minha própria paixão

Uma paixão humana

Paixão vil, de um pecador mais vil ainda

Hoje, sei, oh! Senhor

Que desta culpa sou detentor.

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POEMA AO DEUS VIVO

Queria acertar...Senhor, mas falhei

Queria mostrar meu amor

E só te magoei

Queria oferecer-te minha vida

E nem meu tempo dediquei a ti

Sabes de onde vim, e até mesmo aonde vou

E mesmo assim eu, cego,

Não me reconheci, pecador que sou

Se é verdade que só se dá valor a algo

Quando se perde

Rogo-te, diga que não é tarde

Pois amo-te muito e não quero que desistas de mim

Nem mesmo um só segundo.

Afinal, teu amor me mantém vivo

E mesmo parecendo que não

És o que mais anseio, anelo e amo

Sei que não posso provar-te

Sou mísero homem ajoelhado

Orando aqui...

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POR UM MOMENTO

Por um momento eu pensei ter você

Pensei que tu não tinhas se ido

Nem deixado um coração ferido

Na dor da tua partida

Por um momento

Eu tive tua boca

Suavemente colada à minha

Num doce beijo de amor

Por um momento

Tua presença me convenceu

De que me amavas

E de que ali estavas

Para lutar por nosso romance

Por um momento

Eu fui capaz de ser feliz

De flutuar, não prender-me a nada

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Sentei-me leve entre teus braços

Por um momento, um só

Eu me senti importante para você

E eras, tudo pra mim, tudo

Por um momento

Te provei, te senti

Te toquei..amei você

Por um momento

E aquele momento não se repetiu

Eu vivi intensamente

Mas esse momento passou

Todavia eu daria tudo

Para tê-lo de volta...agora.

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POUCO A POUCO VOU SUMINDO

Pouco a pouco vou sumindo

Meus olhos já escurecidas

Não vêem o sol nascer

Eles ficaram cegos de olhar a estrada

Esperando encontrar você

Pouco a pouco vou sumindo

E o meu coração consumido

Já bate lentamente.

Num compasso lento...lento

Como aquela música

Que dançamos juntos.

Pouco a pouco vou sumindo

De minha pele já um pouco resta

Logo, logo já ela não existe

E pouco do teu cheiro ficará em mim

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Pouco a pouco vou sumindo

A minha boca se amarela

A minha alma desespera

Um frio me penetra o ventre

E esse frio me faz lembrar

Da sensação que tive ao declarar

Todo o meu amor a ti.

Pouco a pouco vou sumindo

De mim só uma tosca sombra resta

E nesta sombra uma lembrança eterna

Do teu rosto tatuado nela.

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PRAZER

Sabe, às vezes sonho que a vida

É um conto de fadas

E que eu sou um príncipe

A lutar pela linda donzela

E a resgatá-la de algum conde malvado

Eu a vejo na torre.

Com os braços abertos

A rogar-me que a livre

Do tormento de esperar-me

Vejo seus olhos.

Que choram na esperança

De que enfim viveremos felizes para sempre

Depois de ganha a luta

Eu a tomo em meus braços

Ponho-a em meu cavalo e a levo pra casa

Lá, convido a todos e faço uma festa

Caso-me com ela ali mesmo.

Sonho ser minha vida

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Um simples viver, de sonho em sonho

De donzela em donzela

De prazer em prazer.

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QUANDO FECHAR OS MEUS OLHOS

Ainda que me partiste o peito

E deixaste-me em dor consumir os meus dias

Quando fechar os meus olhos a este mundo

Minha última imagem será o teu rosto

Teus negros cabelos, suspensos na noite

Tua doce pele a tocar a minha

Teu cheiro suave a superar os odores

Que lançam as flores pra atrair as meninas

Quando fechar os meus olhos

Lembrarei da noite que não tivemos

Na cabana em que não fomos

Mas em que nos amamos em pensamento

Lembrarei daquele beijo doce da manhã

Do cheiro suave de relva fresca

Do calor do Sol a nascer por entre as montanhas

Lembrarei dos por-de-sóis que não vimos

Das piadas que não sorrimos

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Dos beijos que não demos

Quando fechar os meus olhos a este mundo

Lembrarei do amor que te tive e não da dor que me causaste

Lembrarei dos olhares doces que me deste e não do adeus que me

deixaste

Lembrarei da noite quente em teus braços e não dos meses frios de

solidão

Lembrarei que nos meus piores dias tua imagem me aquecia o

coração.

Quando fechar os meus olhos ao mundo finalmente me terei livre

Sairei a voar em direção aos céus

Mas antes visitarei o teu quarto uma última vez antes de partir,

Olharei tua face de doce criança, sentirei tua respiração bem perto de

mim

Deitar-me-ei ao teu lado um pouquinho

Pra sentir ali como teria sido... Se tudo não terminasse assim.

E então tocarei tua face uma última vez

Afastarei teus cabelos e lamentarei que não estejas acordada

Pra me despedir dos teus olhos

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91

Beijarei de leve o teu rosto e se puder chorar chorarei

Por não te sentir uma última vez...

Me afastarei bem lento...olhando tua imagem

A medida que irei desvanecendo

Como um sonho... um sonho

O que sempre fui pra ti.

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QUEM SOU EU?

Eu sou eu, pedaço de muitos.

Sou aquele menino no deserto

Olhando de modo incerto

Para o carcará à sua frente

Discutindo silenciosamente

Quem comerá quem primeiro.

Eu sou eu, pedaço de muitos.

Sou aquela menina, morta pelo pai,

Que jogada em uma vala

Viu seus sonhos terminarem

Chutada por quem amava.

Eu sou eu, pedaço de muitos.

Sou a árabe inocente,

Espancada, envergonhada, apedrejada,

Vítima de um deus inclemente

Só por fazer, ter ou ser algo diferente.

Eu sou eu, pedaço de muitos.

Sou a criança que ri do palhaço

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Que chora de tanto embaraço

Quando me falam da namoradinha

Sou o lixeiro que dança na avenida

Embalado no samba que toca a alegria

Nesse carnaval de emoções que é o meu país.

Eu sou eu, pedaço de muitos,

Sou o jovem indeciso

Em ser polícia ou bandido

Sem até mesmo saber se vou poder estudar

Sou o negro caçado

O pobre insultado

O gay violentado

O torcedor espancado

Por não concordar com você

Eu sou eu, pedaço de muitos.

Sou a mãe que se emociona

O pai que se controla

Quando seu filho te diz: Te amo!

Sou o noivo assustado

A noiva chorosa

Que se vê toda prosa

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Por casar toda de branco

Eu sou eu, pedaço de muitos

Sou o poeta que declama

Da vida não reclama

Tem gente bem pior

Sou amante a vagar nas ruas

Em cada cama deixando nua

Mais uma dama a ressonar

Eu sou eu, pedaço de muitos.

Sou fraco, sou forte.

Nascido no Sul, Criado no Norte.

Chamado de Branco, Índio, Negro.

Moreno, Pardo e Mulato.

Conhecido por todos como: Ser humano.

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QUERIA DEIXAR DE TE AMAR

Queria deixar de te amar

Queria olhar as estrelas.

E não lembrar dos teus olhos

E não amargar a tristeza

De não tê-las olhando pra mim.

Queria provar um favo de mel

Sem chorar de saudade

Sem lembrar que é verdade

Que sinto falta de ti

Queria deitar-me de noite

Sem sentir-me vazio

Por não ter o teu corpo

Do meu lado na cama

Queria olhar para a rua

E não ver na face de quem passa

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Teu rosto a me sorrir

Queria deixar de te amar

Queria arrancar-te de mim

Pensei que só sem minha vida

Eu pudesse te esquecer

Mas me enganei

O amor não vê barreiras

Sei que ainda depois da morte

Não deixarei de te querer.

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SE NECESSÁRIO QUE EU SOFRA

Se necessário que eu sofra senhor,

Que seja por amor.

Pois neste mundo não há mal.

Que me faça mais bem.

E que me traga mais prazer,

Que o mal de amar.

O quanto vaguei em busca de uma felicidade.

Que nem sei se existe mais.

Ou se de velha, já morreu há tempos.

Oh! Deus, quando eu chorava não tive colo.

Achei que morreria.

Que minha vida teria fim

Num trêmulo frio de solidão.

Foi quando não havia mais como a tristeza tomar-me.

Que eu a vi, assim... de repente.

Como uma visão, algo mágico

Ela vinha pra mim

Seus olhos me fitavam

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E eu nada conseguia dizer.

Afastei-me com medo.

Disse que ela era perfeita demais.

Para um pobre mortal como eu.

Ela me olhou, e...sorriu

Oh! Deus! Se criaste algo mais belo tal maravilha nunca vi.

Ela aproximou-se...mais perto.

Meu corpo arrepiou-se.

E eu achei que era sonho.

Porém, se for, não me acorde.

Pois quero morrer provando este beijo.

Debruçando sobre o corpo dela.

Se necessário que eu sofra, Senhor.

Que eu sofra de amor.

Que não existe melhor mal.

Que deseje um homem para si.

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SE VOCÊ NÃO EXISTISSE

Se você não existisse

E eu tivesse que te inventar

Usaria as mais brilhantes estrelas do céu

Para fazer os teus olhos

Usaria as pétalas de mil rosas

Tiradas do Jardim do paraíso

Para fazer tua pele e

Colocaria mel no sabor dos teus lábios

Se você não existisse

E eu tivesse que te inventar

Usaria o balanço do mar

Para definir o teu andar

Usaria o frescor da brisa

Para exprimir o teu cheiro

Usaria o canto de mil rouxinóis

Para fazer a tua voz

Se você não existisse

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E eu tivesse que te inventar

Desenharia teu corpo

Numa argila fresca e rosada

Colocaria nele o calor do sol

Pra que me queimes quando me abraçares

Se você não existisse

Talvez eu tudo isso fizesse

Porém, sei que estás aqui...viva...

E ainda nada do que eu disse

Se compara com que em você

Vejo, toco e amo...

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SONETO DE CONFISSÃO

Sabe, confesso que te amo,

Tentei evitar, mas foi em vão.

Pertenço a ti, sou teu escravo.

Cativo do amor que me foi dado.

Se amar-te, oh! Musa, for pecado.

Ai de mim! Que sou pecador

Pois vivo nesta vida

Toda hora a pecar de amor.

Queria tão somente ser correspondido.

_ Eu, que só te venerar faço_

Queria não me sentir perdido.

Queria ver meu choro sentido.

Se transformar num belo riso

Quando feliz te tomar nos braços.

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SONETO DE DESPEDIDA

Quando vais, meu coração se aperta

Vejo lágrimas correrem sobre o meu rosto

E eu assim, no desgosto

Anseio, contando os segundos para tua volta

Ai! Que tua ausência me mata

É tortura sequer pensar em não te ver

És doença que tomou meu corpo

Dando-me alegria até mesmo no desejar morrer

Se se morre de amor eu não sei

Pouco me importa agora saber

Se tão somente em teu colo debruçar-me

E nele eu puder dormir

Morro feliz olhando pra ti

Vendo o céu antes de para ele eu finalmente partir.

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SONETO DE ESPERA

A cada segundo amor, pensarei em ti

A cada mínimo impulso meu de respirar

Mesmo depois que este inverno passar

Meus olhos mostrarão o gelo que há em mim

Amar-te foi minha maior vitória e meu maior combate

Travado às margens da dor e da felicidade

Sem trégua ou descanso

Sem tempo nenhum para enxugar o pranto

E assim permaneço a querer-te

Num compasso lento o coração pulsando

Espera o teu rosto no escuro enxergar

E se tua imagem não me aparece

Os meus sonhos levemente desvanecem

Num fio de amor que teima em te esperar

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SONETO DE ESQUECIMENTO

Ás vezes me pergunto

O Porquê dessa paixão tão confusa

Você assim , tão insegura

Nunca sabe bem o que quer

Já cansei disso tudo

Quero enfim viver, amar a cada segundo

Queria tentar te esquecer

Para que meu coração não venha a sofrer

E seu eu não consegui

Mesmo assim não vou deixar-me iludir

Sei quando um amor não dá

De algum modo ainda há esperança

Que tu deixes de ser tão criança

E que um dia de verdade vais me amar

Baseado no soneto “ ultimo soneto à ti” de Sabrina Magalhães.

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SONETO DE OBSESSÃO

Tudo o que pedi foi teu amor _ Foi muito?

Queria teu colo, teu abraço, teu consolo

Um ombro para chorar, um lábio morno

Alguém que ame assim...bem fundo.

Sei que tens medo de mim

Sei que meu doce amor te atemoriza

És em minha vida um temporal sem fim

E não consigo ser na tua sequer uma brisa

Se minha insistência por fim conquistar-te

Garanto-te! Serás para sempre minha

Viverás por mim cortejada

Por todos os lados adornada

Nas mais distantes terras

Ouvirão que tu és minha rainha

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SONETO ROMÂNTICO

Amar é ver cores intensas no céu.

Mesmo quando ele estiver nublado.

É sentir tua presença

Mesmo sem estares do meu lado.

Amar é sempre querer te ver

É seguir-te para onde estiveres

É durante toda esta vida.

Escolher a ti, mesmo entre todas as mulheres.

É enfim, a essência do que sinto,

A esperança pela qual vivo.

A meta final de minha vida.

É lutar sempre para esse Amro tão lindo.

Não vá morrendo com o tempo

Mas renasça de dia em dia.

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SONETO DE ESPERANÇA

Chegaste, assim tão de mansinho.

E ocupaste meu peito com total liberdade

E eu sem mesmo vacilar me entreguei

A esse amor brando, a essa tal felicidade

Foi encanto, uma magia intensa,

Uma paixão, talvez, o que me assola.

Só sei que não passa um segundo

Sem que eu perceba que a amo mais que agora.

Esses teus olhos de medo.

Que me inspiram tanto amor.

E que me aumentam o desejo.

Esses olhos é que verei brilharem

Quando em meus braços te tomar à noite

E quando abertos verem o dia amanhecendo.

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TELEFONE MUDO

Tentei uma vez, na..

Esperança de que atendesses, mas...

Logo percebi, que não

Entendias meu jeito de chamar...

Foi passando o tempo...

Os anos se amadureceram e já...

Não temo mais amar você...

Estou aqui, de novo, teu telefone na

Memória, descendo teu número...

Um suor frio toma meu rosto...

De repente...nada...

O telefone estava mudo.

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UTOPIA

Queria tanto esquecer-te

Porém fazes parte de mim

Queria lavar minha boca

E tirar esse gosto doce do teu beijo nela

Queria no banho

Poder limpara de mim

As marcas que no meu corpo deixaste

Quando em plena paixão me abraçavas

Quê fazer? Se ainda sinto teu cheiro

A se espalhar em mim como doença?

Se o desejo de ter-te é tão forte

Tão forte quanto o de respirar?

Que fazer se nas noites

Ouço tua voz a chamar-me

E acordo vendo que tudo

Não passa de ilusão, Utopia

Porém sei o quanto te amo

E que esse amor um dia

Há de conquistar-te.

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ENTRE OLHOS E CELAS

Quando entrei pela primeira vez na prisão, algo me fez ver que eu

havia feito uma grande burrada e agora pagava por isso. Deram-me

um uniforme esquisito. Disseram-me que agora deveria andar na

linha ou acabaria ‘me arrastando’. Não entendi bem o que

significava, mas mesmo assim, quase que por instinto quis saber o

que deveria ser obedecido, como seriam as revistas, as ‘blitz’

surpresas e tudo mais. Quando os grandes portões bateram atrás de

mim, meu estômago embrulhou, o ar era diferente. Pesado. Tenso.

Os paredões eram altos e as caras muito mal humoradas. A maldade

tinha cheiro e eu nem pensava que pudesse ser assim. Eu não poderia

carregar nada, deveria fazer o que me mandassem fazer e existia uma

hierarquia que passei muito tempo para conceber, aceitar e obedecer.

Nesse meio tempo apanhei um pouco, é claro. De manhã, tinha a

contagem, algo sagrado, ai de todos se faltasse um só preso. Logo

tive que me habituar à língua local: ‘marrocos’ é pão com manteiga,

banana é ‘macaca’ e ‘funça’ é funcionário, às vezes também

chamado de ‘verme’, algo não tão educado. O almoço, ou ‘bóia’ é

entregue cedo, lá pelas dez e meia e são os ‘faxinas’ que recebem e

os ‘boieiros’ os que distribuem. Aos poucos vou guardando os

nomes. Todo dia a ‘bóia’ é diferente, tem vez que é carne com

batatas e salada, outra vez, abobrinha refogada e carne moída.

Sempre tem um que reclama quando o almoço ou a janta se repete

por mais vezes na semana. Dizem que os ‘funça’ estão ‘tirando’, sei

lá, acho que isso é só manifestação de desagrado. Fico pensando em

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quantos estão comendo arroz puro ou apenas um ovo requentado que

lhe servirá de nutrição para um dia inteiro de trabalho braçal. Á tarde

tem futebol, fico só olhando, sempre tem um que chuta a canela do

outro e sai pedindo enfermaria. Lá pelas quatro são todos trancados,

é hora em que os presos assistem à novela e esperam nova contagem.

Fim de Semana tem visita, só se vê feijoada, macarronada da mamãe,

salgados e sobremesas passando. O rádio toca um rap no rádio dentro

das celas enquanto alguns estão fazendo amor com suas respectivas

amásias. Penso em quanto tempo vou ter que ficar aqui. Meses,

talvez anos. Uma sensação de frustração e tristeza me invade. Eu sei

que está tudo quieto... por enquanto. Já ouvi comentários de que

quando fica quieto demais é por que a coisa vai ficar feia, muitos já

morreram assim. Não posso fazer nada. Sou obrigado a ficar aqui.

Tenho que sustentar minha família. Sou concursado, eu escolhi viver

assim, entre olhos e celas.

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DÊ O GOVERNO AOS PEQUENOS

A. é uma menina, não posso escrever o nome dela, pois é menor e a

lei não permite. A. está grávida, diz a si mesma que com quinze anos

é dona de seu nariz e tem responsabilidade. A.quer ser mãe. Até

cogitou o aborto, mas se arrependeu quando B., sua amiga, morreu

na mesa tentando retirar um feto indesejado. Ver sua amiga de treze

anos no caixão fez A. perceber o valor da vida. Ela sorriu após o

enterro, a vida é curta, deveria vivê-la intensamente. C.,namorado de

A. é o outro que não posso nomear aqui. Ele quer ser presidente do

Brasil. Faz 17 anos no mês que vem e já tem uma longa ficha

criminal. Ele se considera um ativista, é filiado a partido político de

esquerda e treina todos os dias seu discurso de campanha. Enquanto

rouba a vizinha colocando sua filha de cinco anos sob a mira de um

38 comprado com dinheiro da venda de umas pedrinhas de crack ele

pensa: “Vou pedir apoio político ao macarrão do morro do alemão.

Mato uns desafetos dele e ele financia minha campanha.”. Mais um

grito no ouvido da vizinha que, engraçadinha, foi mexer no telefone.

Ele quebra o braço da criança para poder provar que é homem sério e

de palavra. Se diz que mata as duas se ela reagir, é verdade. Como

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pode alguém se revoltar contra seu futuro presidente?. “Vou levar

este brinco para A.”.Pensa C. “Minha primeira dama tem que andar

distinta”. C. resolve matar a vizinha.Tanto faz roubar ou matar.Ele é

menor. Nada acontece aos menores. A FEBEM virou ‘Casa’ e a

polícia não assusta. Agora é o tempo da juventude. São os pequenos

no governo. D., amigo de C. já é presidente do morro do carcará, E.,

primo de D., é prefeito do ligeirão e todos apóiam C. na candidatura.

C. é um novo Robin Hood, Tira dos ricos, dos classe-média, dos

média-baixa, de todos aqueles que possuem um salário maior que o

dele. Ele não recebe salário. C. e A. tentaram assaltar uma banco.

Precisavam de dinheiro para subornar um juiz e autorizar a inscrição

deles como candidatos. C. e A. foram presos. C. recebeu uma

ameaça severa de ir para ‘Casa’ e A., bem... essa passou mal e quase

perdeu o bebê. Os direitos humanos processaram a polícia, o Estado

e A. recebeu uma grande indenização com a qual pagou todas as

despesas de C. Agora C. está tentando se eleger vereador. Um passo

de cada vez. Ao lado de vários traficantes ele grita seu slogan: “Dê o

governo aos pequenos!!!”.

OLHOS VERDES.

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114

Era um desses anos de nossa infância que sem saber por que, ou por

simplesmente não nos importamos com datas naquela época, não

lembramos. Eu tive nefrite (uma inflamação nos rins por excesso de

sal) e em decorrência disso fui parar na Santa Casa de Misericórdia.

Eu tinha uns 11 anos. Como todo garoto precoce, fui logo querendo

me enturmar. Lá conheci o Adriano, que tinha quebrado o braço e

que logo ficaria bom. Conheci a Juliana, menina de que lembro-me

bem, mas que não me interessou na época. Conheci uma figura cujo

nome era Charles, mas, que em consideração ao tamanho e porte,

apelidamos de mosquitinho. A mim, sobrou “índio”, em virtude de

meu cabelo ser longo, negro e escorrido. Ah! E ela. É só “ela”

mesmo. Não lembro sequer de seu nome. Posso passar horas

descrevendo seu cabelo ondulado, castanho-claro, desses que a gente

vê passando e vai logo cantando: “debaixo dos caracóis, dos seus

cabelos, uma história pra contar...”, só pra ver se ela sorria. E como

sorria. Era uma deusa, se meus 11 anos me permitissem as

comparações. Não parecia doente, era mais um anjo a circular pela

área pediátrica. Todos repararam como fiquei bobo de repente. Eu,

falante tal qual uma matraca, emudeci. Baixei os olhos. Enrubesci.

Esperando algo, meio sem saber o quê. Foi aí o meu desencanto.

Adriano se pôs à frente, todo galanteador, e lá fui eu ao fundo do

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parque, desolado, brincar de gangorra comigo mesmo. Mosquitinho

até tentou me animar, mas foi em vão. Foi aí que a vi chegar. “Cadê

o Adriano?” pensei. Ela, me olhando assim, com aqueles olhos

verdes...devia ser pecado ter uns olhos assim. Ela sentou-se no outro

lado da gangorra, e começamos a conversar. Aquele foi um dia

inesquecível. Ela me amava. Nem nos conhecíamos, mas pra mim, já

era eterno. À noite, Charles “mosquitinho”, Juliana e Adriano me

acordaram. Disseram que no dia seguinte ela iria embora e que eu

devia aproveitar a chance e dar-lhe um beijo de despedida.

Temerosos, quase ao estilo “Missão Impossível”, cruzamos o

corredor e chegamos ao quarto dela. Esperamos a enfermeira sair e

nos arrastamos no escuro até a cama em que ela, como um anjo,

ressonava. (será que os anjos ressonam?). Charles arriscou-se

primeiro, e pelo seu tamanho, nem me importei quando, sorrindo ele

lascou um beijo à face de minha amada. “Agora é sua vez”, foi o que

ele disse. Tremi dos pés à cabeça, suei, tive tonturas, ouvi barulhos

(talvez, os de meu próprio coração), e em desabalada carreira, voltei

para o meu quarto, me remoendo de arrependimento, mas, sem

coragem pra voltar. Resumindo: Ela foi embora, eu fiquei ali, a olhar

para o vazio, vendo meus amigos recebendo alta até chegar a minha

vez. Nunca esqueci aqueles olhos verdes, e em meus sonhos a vi por

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muitos anos. Cheguei a ligar para a Santa Casa quando adulto e

procurar nos registros, mas, naquele tempo não tinham computador

registrando a ala. Aprendi a lição: Não deixe as oportunidades

passarem, agarre-se a cada momento bom e retire dele todos os

detalhes. Não deixe simplesmente as pessoas irem, crie relações

duradouras, contatos, redes de relacionamento. Seja de todos e todos

serão seus. Vivemos em um mundo em que estamos conectados a

uma pessoa no Japão e ao mesmo tempo estamos a milhares de anos-

luz de distância de nossos filhos, pais e amigos. Momentos divertidos

como os que tive não seriam possíveis se eu não tivesse sido

internado. Outra lição que aprendi: Tire da adversidade uma

lembrança positiva que guie seus passos futuros em direção a algo

produtivo. Aproveite o tempo que você ficar “internado” e obtenha

boas relações. Faça algo divertido, sem o compromisso de manter

uma imagem ou parecer sociável. Libere sua criança interior e apenas

divirta-se. Não seja um covarde, como eu fui. Sou corajoso hoje,

porque desejei mil vezes um tapa na cara à completa desolação de

não haver tentado beijá-la e, portanto, decidi não perder mais este

tipo de oportunidade. Minha mulher que o diga. Não desista jamais.

Ainda que você passe mal, transpire muito, tenha tonturas ou ouça

barulhos imaginários. Na maioria das vezes o resultado compensa.