suicídio enigma assustador

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Caroline Oliveira / Maria Alice Otre / Ellen Kotai Poucas atitudes do homem são tão enigmáticas quanto o sui- cídio. Assunto que continua sendo um tabu perante a socieda- de. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelam TXH SHOR PHQRV PLO SHVVRDV VH PDWDP WRGRV RV GLDV H RXWUDV 60 mil tentam, mas não conseguem consumar o ato. Enquanto no Brasil, em 20 anos, a taxa de mortalidade por suicídio au- PHQWRX HP 0DWR *URVVR GR 6XO 06 R FUHVFLPHQWR IRL GH e R TXH DSRQWD R UHODWyULR カ9LROrQFLD 8PD HSL demia silenciosa’, feito em 2008 pela coordenadoria de atenção básica da Secretaria de Estado e Saúde. Por isso, o MS é o segundo (VWDGR QR UDQNLQJ GH VXLFtGLRV VHQGR TXH HQWUH RV MRYHQV GH D DQRV HVWi HP SULPHLUR 2 TXH ID] PLOKDUHV H PLOKDUHV GH IDPtOLDV sentirem a mesma sensação de perda e, às vezes, de culpa. O caminho ao suicídio passa pelo desespero, angústia e iso- lamento. Para o indivíduo, não existe a ideia de morte, mas sim, a melhor maneira que ele encontrou para pôr um basta no seu sofrimento. Sigmund Freud descreveu o suicídio como uma agressão, um instinto de morte autodirigido. É por isso que, para o médico Wen- del Dalprá, trata-se de um compor- tamento complexo. Segundo ele, pessoas com transtornos mentais graves têm 12 vezes mais chan- ces de cometer o suicídio do que a população em geral. “Na mente do suicida, há três componentes de hostilidade: o desejo de matar, o desejo de ser morto e o desejo de morrer. Há uma urgência em querer sair da dor de viver e ao mesmo tem- po desejo de viver. Seus sentimentos e ações são constritos, pensam constantemente sobre suicídio, não sendo capazes de perceber ou- tras maneiras de sair do problema”. Dalprá, que cursa especialização em psi- quiatria, complementa: “existe uma variação entre pensar em suicídio e expressá-lo na ação. Algumas pessoas têm ideias que nunca levarão adiante, outras planejam durante dias, semanas ou até anos antes de agir, e outras, sem premeditação, tiram a própria vida em um impulso”. Em contato próxi- mo com casos de sui- cídio, Roberto Sinai, do Centro de Valorização da Vida (CVV), destaca pontos importantes que a população deve estar atenta. Geralmente, o suicídio passa por três fases: a idea- Dr.Wendel Dalprá Eni ma suícidio

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Page 1: Suicídio   enigma assustador

Caroline Oliveira / Maria Alice Otre / Ellen Kotai

Poucas atitudes do homem são tão enigmáticas quanto o sui-cídio. Assunto que continua sendo um tabu perante a socieda-de. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelam

60 mil tentam, mas não conseguem consumar o ato. Enquanto no Brasil, em 20 anos, a taxa de mortalidade por suicídio au-

demia silenciosa’, feito em 2008 pela coordenadoria de atenção básica da Secretaria de Estado e Saúde. Por isso, o MS é o segundo

sentirem a mesma sensação de perda e, às vezes, de culpa.O caminho ao suicídio passa pelo desespero, angústia e iso-

lamento. Para o indivíduo, não existe a ideia de morte, mas sim, a melhor maneira que ele encontrou para pôr um basta no seu sofrimento.

Sigmund Freud descreveu o suicídio como uma agressão, um instinto de morte autodirigido. É por isso que, para o médico Wen-del Dalprá, trata-se de um compor-tamento complexo. Segundo ele, pessoas com transtornos mentais graves têm 12 vezes mais chan-ces de cometer o suicídio do que a população em geral. “Na mente do suicida, há três componentes de hostilidade: o desejo de matar, o

desejo de ser morto e o desejo de morrer. Há uma urgência em querer sair da dor de viver e ao mesmo tem-

po desejo de viver. Seus sentimentos e ações são constritos, pensam constantemente sobre suicídio, não sendo capazes de perceber ou-tras maneiras de sair do problema”.

Dalprá, que cursa especialização em psi-quiatria, complementa: “existe uma variação

entre pensar em suicídio e expressá-lo na ação. Algumas pessoas têm ideias que nunca levarão

adiante, outras planejam durante dias, semanas ou até anos antes de agir, e outras, sem premeditação, tiram a própria vida em um impulso”.

Em contato próxi-mo com casos de sui-cídio, Roberto Sinai, do Centro de Valorização da Vida (CVV), destaca pontos importantes que a população deve estar atenta. Geralmente, o suicídio passa por três fases: a i d e a -

Dr.Wendel Dalprá

Eni masuícidio

O caminho ao suicídio passa pelo desespero, angústia e isolamento. Médicos garantem que um olhar mais cuidado-so para com o outro e tratamento adequado de problemas psicoló-gicos podem evitar o suicídio e dar sentido à vida das vítimas

ass dorusta

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Eni masuícidio

ção, em que o suicida dá sinais de tristeza exacerbada, vontade de morrer, desesperança. Essa fase pode durar vários anos e cabe a nós estarmos atentos para os indícios de que a pessoa está em um estado de vulnerabilidade. A segunda fase é a ma-turação, em que seus esforços estão voltados para o “planejar” a morte. Métodos mais eficazes, como e onde fazer. “Para o suicida, a morte é sucesso e a vida, fracasso”, aponta. A terceira fase, chamada de gatilho, é a tentativa em si, que pode se con-sumar ou não.

O fato, segundo ele, é que em todos os casos analisados de suicídio por enforcamento, por exemplo, percebe-se que a vítima se arrependeu na hora da morte. “Temos acompanhado que a fronteira da vida sempre fala mais alto. A pessoa quando está morrendo sempre quer voltar à vida, mas, muitas vezes, devido ao grau dos ferimentos, não consegue mais”. Antes do gatilho, qualquer um pode se livrar do desejo suicida, desde que faça o acompanhamento adequado com profissionais da saúde.

Sinai destaca que 80% das tentativas de suicídio são pro-vocadas por depressão devido a alguma perda, desilusão ou outros fatores. Uso de drogas, transtornos mentais e questões culturais também estão entre as causas que se somam. “Só porque a namorada largou dele, ele se suicidou?”, pergunta o

membro do CVV. “Não só por isso, também por isso...”, ele mesmo responde. Na verdade, é uma série de fatores que desencadeiam o pensamento

suicida. O importante é que a sociedade atenta e a busca por ajuda por parte da própria vítima podem reescrever um cami-nho de esperança e vitórias verdadeiras.

E quanto aos casos de pessoas que já tentaram uma vez e não consumaram o ato? O médico Wendel Dalprá explica: “uma tentativa de suicídio passada é talvez o maior indicador de que o paciente tenha maior risco de suicídio. Cerca de 40% das pessoas que cometeram suicídio fizeram uma tentativa anterior. O risco de uma nova tentativa é mais alto nos primeiros meses após a primeira. É preciso reconhecer que a pessoa tem quei-xas legítimas e oferecer alternativas que vão contra o suicídio”.

Infelizmente, as taxas de suicídio aumentam de acordo com

sumam o ato quatro vezes mais que as mulheres, entretanto, são elas com maior probabilidade de tentar. No caso da adoles-cência, por ser considerado um período de conflitos e grande vulnerabilidade, é frequente o comportamento autodestrutivo. E existe um aumento alarmante nas taxas de suicídio entre os jovens, sendo a terceira maior causa de morte na faixa etária de

O caminho ao suicídio passa pelo desespero, angústia e isolamento. Médicos garantem que um olhar mais cuidado-so para com o outro e tratamento adequado de problemas psicoló-gicos podem evitar o suicídio e dar sentido à vida das vítimas

ass dorusta

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Centro de Valorização da Vida (CVV)

Centro de Atenção Psicossocial Ál-cool e Drogas (CAPS/AD)

Ambulatório de Saúde Mental

Nota:

VIDA - uma dádiva vinda de Deus

pag.94

O drama guarani

Serviço Y- Onde procurar ajuda?

A psi-cóloga Sa-vana Ros-sato Ody explica que não há res-posta para constante pergunta: ‘o que leva uma pes-soa a co-meter, ou pensar em tal ato?’ “O natural do ser huma-no é que-

rer viver, mas como ele prefere morrer? Isso mostra que sua avaliação da realidade está prejudicada”

É por isso que a família e amigos próxi-mos devem estar atentos. “Quando o sujei-to diz que não vê solução, não sabe como melhorar, pois nada dá certo, é preciso que os entes queridos mostrem novos cami-nhos, novas possibilidades, pois a pessoa suicida precisa ser escutada e reconhecida. Ela precisa ter seu espaço para falar, sendo uma forma de ajudá-lo”, explica Savana.

Isso deve ser feito, pois de acordo com ela, logo após o suicídio, algo sempre vem à tona. “Acredito que o suicídio fala por si só, sempre quer dizer alguma coisa que em vida o sujeito não conseguia”. E apesar da perda ser dolorosa, a família não deve se

sentir culpada. “É comum o sentimento de revolta. Quando estamos diante de uma si-tuação que nos faz sofrer, a primeira reação é negar e o mesmo ocorre com o suicídio, mas a família tem que ser forte e buscar a ajuda necessária”, diz a psicóloga.

A tendência suicida se fortalece se a víti-ma não tem conhecimento de sua doença, ou se a trata de maneira inadequada devido

nan Z.G. supera, a cada dia, duas tentativas de suicídio que marcaram negativamente

Diagnosticado como Borderline (Transtorno Fronteiriço de Personalidade – TFP), após a 2ª tentativa de suicídio, até então ele tratava apenas uma depressão. E a doença exigia mais cuidados. Como consequências do transtorno, Renan tinha ataques agressivos e por muitas vezes se cortava, se machucava. Os pensamentos confusos e pessimistas eram os grandes vilões. “A frequência de pensamentos é alta. Nos ataques, eles entram em estágio de superconcentração e o raciocínio é que leva a machucar. Cortar-se é uma forma de parar”, explica.

A princípio, as mutilações aconteciam para despertá-lo dessas crises. Segundo ele, aconteciam de maneira espaçada, a cada dois anos. “Depois diminuiu para um ano, 6 meses, 1 mês... Aí quando ficava todo dia, ou na mesma semana, era mais grave. Quanto menos saídas eu era capaz de ver, maior era a chance de me machu-car de verdade”.

Hoje, recuperado, mas ainda em tra-tamento, ele consegue enxergar melhor a influência que o TFP e o tratamento errado tiveram para os atentados contra a própria vida. Quando questionamos o motivo pelo qual ele havia tentado o suicídio, ele analisa de maneira racional. “As circunstâncias que desencadeiam a forma suicida de pensar não são anor-mais, todos passam por dificuldades. O problema é que o suicida não tem força de tentar, nem quer. É um pensamento muito simples: de desistir”.

Sair dessa não foi fácil. “Os méto-dos que eu usei não foram ortodoxos. Comecei a estudar casos de depressão e suicídio, enfrentei antigos traumas de família, coloquei a culpa na medida certa para as pessoas certas, dividi o proble-ma, reaprendi a pensar”, conta. De uma inteligência imensurável e conhecedor de grandes escritores e filósofos, como Nietzche, por exemplo, Renan conta que se apoiou em um método chamado cognitivo-comportamental. “Aprendi a transformar raciocínios ruins em bons”.

A importância da família e dos ami-gos foi indispensável para que ele desse a volta por cima. “A pior parte é ver que alguém gosta de você e você não dá a mínima pra isso. [Com a doença] Não há compaixão, no sentido de consenti-mento, não existe pena, apenas ódio da nossa parte. É como se não tivesse pa-ciência pra enfrentar a vida”. E ele ques-tiona e ri: “Não existe o amor próprio? Então, existe ódio próprio também”.

Ainda, quanto ao contato e a impor-tância dos mais próximos, Renan conta que chamou amigos e familiares e disse “estou doente, gente”. Segundo ele, isso foi fundamental para sua recuperação. “Existem coisas que as pessoas não per-cebem se eu não falo, então exerci mi-nha sinceridade. As pessoas tinham que saber pra não deixar que acumulassem suas mazelas em mim”, explica.

Valorização e autoestima também são importantes. “Família é fundamen-tal para transmitir a sensação de impor-tância do ser no mundo em que vive e pelo qual é de certa forma responsável. É preciso buscar a importância do mun-do na vida, e onde estamos nele pra ter sentido”.

Cheio de planos e projetos pesso-ais e profissionais, Renan aproveita para deixar uma mensagem às pessoas que estão passando por forte angústia e mui-tas vezes não sabem o porquê dessas sensações ruins. “Quando não enxerga-mos uma saída, esquecemos que exis-tem pessoas que nos amam, e que nos ajudariam se soubessem o que estamos passando. A alternativa é buscar apoio dos amigos, familiares e ajuda profissio-nal. Os problemas não se resolvem, mas aprendemos a lidar com eles.”

Savana Rossato Ody

Page 4: Suicídio   enigma assustador

Impossível falar sobre suicídio no Mato Grosso do Sul sem abordar o sui-cídio indígena, fator responsável por um aumento significativo das taxas de morta-lidade nesta categoria no Estado. A ques-tão é alarmante, já que no Brasil a taxa de suicídios gira em torno de quatro (4) a cada 100 mil pessoas e dentre os guarani-kaiowás de Dourados, esse valor chega a 141,89 por 100 mil, segundo dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) da cidade.

Foi justamente para entender um pouco mais essa realidade, que procu-ramos o Dr. Zelik Tajber, que coordena as ações da Funasa na Reserva de Dou-rados. Segundo ele, é impossível procu-rar uma causa que explique a incidência do suicídio indígena, pois são resultado

de uma junção de fatores sociais, psico-lógicos, econômicos, culturais. No caso dos guarani-kaiowás, que são os que re-gistram suicídios frequentes no Estado, a perda do Tekoha (território com o qual eles têm uma ligação de identidade), o fato de culturalmente viverem ensimes-mados (não dividirem os problemas com amigos ou familiares), a falta de perspec-tivas futuras, o álcool e a violência com a qual convivem diariamente, estão entre alguns dos fatores. “O próprio conceito de vida e morte entre os indígenas preci-sa ser analisado: tem aqui e tem lá”, des-taca Trajber.

Dentre as ações da Funasa para a prevenção desses índices está a criação do Programa de Saúde Mental, implan-tado há dois anos nas aldeias Bororó e

Jaguapiru, que conta com a presença de um psicólogo e uma assistente social.

Segundo o médico, são realizados trabalhos nas escolas e nos domicílios em que foram detectados risco iminente de suicídio, ou transtornos psicológicos. Escolas e grupos também fazem parte da rotina do Programa. Os temas ge-ralmente abordados são Valorização do Eu, Autoestima, Diversidade Cultural, Uso Abusivo de Álcool e outras drogas, Fortalecimento do núcleo familiar, Escla-recimentos sobre os Direitos da Crian-ça, Gestante, Idoso e Previdência Social, Noções de Cidadania, que foram escolhi-dos pela comunidade, focando os temas dentro da Saúde Mental e elucidando a realidade local.

Existem diversas entidades que atuam na prevenção ao suicídio e na busca por ajudar de alguma forma as pessoas em estado de fragilidade.

Centro de Valorização da Vida (CVV)

Rua Prof. Severino Ramos de Queiroz, n° 826 - Vila Glória

Centro de Atenção Psicossocial Ál-cool e Drogas (CAPS/AD)

Ambulatório de Saúde Mental

Rua Oliveira Marques, 1802 - Centro

Nota: Apoiados em teóricos da comu-nicação que analisam a difícil abordagem do suicídio na mídia, optamos por não descrever os métodos pelo qual o en-trevistado tentou os suicídios, para não favorecer influências negativas por meio da reportagem. Nosso objetivo aqui é a prevenção do suicídio, apontando cami-nhos para o tratamento.

VIDA - uma dádiva vinda de Deus

pag.9444

Renan faz planos e recupera com a família e amigos o amor pela vida.

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O drama guarani

Serviço Y- Onde procurar ajuda?