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1 ENER'04 - Simpósio sobre Energias Renovaveis em Portugal. Figueira da Foz 6 a 7 de Maio de 2004 “As mini hídricas no contexto das energias renováveis” António Bento FRANCO (1) Henrique Pires de ALMEIDA (2) (1) Professor Auxiliar, SHRHA, DECivil, IST , Engenheiro Consultor da Gibb; Av. Roivisco Pais, 1049-001 Lisboa, +351.21.8414243, [email protected], (2) Engenheiro Electrotécnico, Consultor; [email protected] Resumo A energia produzida nos aproveitamentos mini-hídricos é enquadrável no conceito de “energia renovável”: por ser um recurso inesgotável, não obstante ser condicionado e limitado, por ser pouco poluente ou com efeitos ambientais negativos pouco relevantes e por ser uma componente relevante de um desenvolvimento sustentável. Em Portugal, o reanimar deste tipo de aproveitamentos hidroeléctricos verificou-se com a entrada em vigor do Decreto-Lei Nº 189/88, de 27 de Maio e portarias Regulamentadoras 445/88 e 958/89, que abriram a actividade de produção independente de energia eléctrica a pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, possibilitando o aparecimento dos “promotores independentes”. Comparando com outras formas de produção eléctrica as mini-hídricas tem as seguintes vantagens: permitem poupar combustíveis fósseis, com repercussão positiva para a economia nacional; são auto-suficientes não necessitando de outra fonte de energia associada; não implicam grandes ocupações de terrenos com eventuais deslocações de populações como as que ocorrem nas grandes albufeiras; são um bom investimento de capital privado; permitem a oferta de energia descentralizada com baixo custo e longa duração. O protocolo de Kyoto e a Directiva 2001/77/EC, relativa à promoção da electricidade a partir de fontes renováveis de energia no mercado interno de electricidade (Directiva FER) e ainda o Plano Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC), impõem metas para a quota a atingir em 2010 pela electricidade de base renovável no consumo bruto total, com o objectivo de atingir uma penetração global de 39%, no caso Português, e 22% ao nível da União Europeia. Estas metas irão dar um reforçado alento à construção de novos aproveitamentos mini-hídricos. Em termos ambientais, as mini-hídricas não emitem gases indesejáveis para atmosfera nem produzem resíduos sólidos ou líquidos. Os seus impactes resultam da retenção e derivação de água no rio, retenção de sedimentos, obstruem a passagem de peixes e alteram localmente as condições dos ecossistemas aquáticos a ribeirinhos. Após realizarem o enquadramento das mini-hídricas no contexto geral da produção de energia eléctrica, os autores, com base em diversos casos, exemplificam a possibilidade de projectar e construir este tipo de aproveitamentos de forma a mitigar os principais impactes ambientais, demonstram o seu enquadramento no conceito de energias renováveis, incentivam o seu desenvolvimento e aconselham a agilização do processo de licenciamento. PALAVRAS-CHAVE: Mini-hídricas, Energias renováveis, Impactes Ambientais.

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ENER'04 - Simpósio sobre Energias Renovaveis em Portugal. Figueira da Foz

6 a 7 de Maio de 2004

“As mini hídricas no contexto das energias renováveis” António Bento FRANCO (1)

Henrique Pires de ALMEIDA (2) (1) Professor Auxiliar, SHRHA, DECivil, IST , Engenheiro Consultor da Gibb; Av. Roivisco Pais, 1049-001 Lisboa, +351.21.8414243,

[email protected],

(2) Engenheiro Electrotécnico, Consultor; [email protected]

Resumo

A energia produzida nos aproveitamentos mini-hídricos é enquadrável no conceito de “energia renovável”: por ser um recurso inesgotável, não obstante ser condicionado e limitado, por ser pouco poluente ou com efeitos ambientais negativos pouco relevantes e por ser uma componente relevante de um desenvolvimento sustentável.

Em Portugal, o reanimar deste tipo de aproveitamentos hidroeléctricos verificou-se com a entrada em vigor do Decreto-Lei Nº 189/88, de 27 de Maio e portarias Regulamentadoras 445/88 e 958/89, que abriram a actividade de produção independente de energia eléctrica a pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, possibilitando o aparecimento dos “promotores independentes”.

Comparando com outras formas de produção eléctrica as mini-hídricas tem as seguintes vantagens:

− permitem poupar combustíveis fósseis, com repercussão positiva para a economia nacional;

− são auto-suficientes não necessitando de outra fonte de energia associada;

− não implicam grandes ocupações de terrenos com eventuais deslocações de populações como as que ocorrem nas grandes albufeiras;

− são um bom investimento de capital privado;

− permitem a oferta de energia descentralizada com baixo custo e longa duração.

O protocolo de Kyoto e a Directiva 2001/77/EC, relativa à promoção da electricidade a partir de fontes renováveis de energia no mercado interno de electricidade (Directiva FER) e ainda o Plano Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC), impõem metas para a quota a atingir em 2010 pela electricidade de base renovável no consumo bruto total, com o objectivo de atingir uma penetração global de 39%, no caso Português, e 22% ao nível da União Europeia.

Estas metas irão dar um reforçado alento à construção de novos aproveitamentos mini-hídricos.

Em termos ambientais, as mini-hídricas não emitem gases indesejáveis para atmosfera nem produzem resíduos sólidos ou líquidos. Os seus impactes resultam da retenção e derivação de água no rio, retenção de sedimentos, obstruem a passagem de peixes e alteram localmente as condições dos ecossistemas aquáticos a ribeirinhos.

Após realizarem o enquadramento das mini-hídricas no contexto geral da produção de energia eléctrica, os autores, com base em diversos casos, exemplificam a possibilidade de projectar e construir este tipo de aproveitamentos de forma a mitigar os principais impactes ambientais, demonstram o seu enquadramento no conceito de energias renováveis, incentivam o seu desenvolvimento e aconselham a agilização do processo de licenciamento.

PALAVRAS-CHAVE: Mini-hídricas, Energias renováveis, Impactes Ambientais.

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1 – INTRODUÇÃO E ENQUADRAMENTO GERAL

A energia produzida nos aproveitamentos hidroeléctricos é enquadrável no conceito de “energia renovável” o qual inclui as seguintes noções:

− de recurso inesgotável, não obstante ser condicionado e limitado;

− de energia pouco poluente ou com efeitos ambientais negativos pouco relevantes;

− de componente relevante de um desenvolvimento sustentável.

A hidroelectricidade engloba diferentes tipos de sistemas que vão desde os pequenos aproveitamentos até aos aproveitamentos de grande dimensão e de elevada potência instalada. Embora a produção de energia assente nos mesmos princípios básicos de conversão, as duas classes de aproveitamento (grande e pequenos) apresentam características e funções diferentes.

Os pequenos aproveitamentos estiveram na origem da produção hidroeléctrica tendo perdido gradualmente interesse, ao longo do século XX, à medida que o número de grandes unidades de produção aumentava e que era possível o transporte de electricidade, de elevada potência, a grandes distâncias. Em Portugal, o primeiro aproveitamento hidroeléctrico foi realizado no final do século XIX, no rio Corgo, pela Companhia Eléctrica e Industrial de Vila Real, sendo constituído por um pequeno açude e possibilitando o turbinamento de 0,645 m3/s sob uma queda de 25 m.

Desenvolveu-se então fortemente a produção centralizada de energia eléctrica. As grandes albufeiras permitiram melhorar a garantia de produção regularizando o caudal afluente e proporcionando armazenamento e transferência de volumes de água. As pequenas centrais, privadas ou públicas, deixaram então de ser competitivas ou economicamente viáveis.

A partir da década de setenta assiste-se a um novo desenvolvimento da pequena hidroelectricidade pelas seguintes razões principais (Almeida, 1995):

− crise energética mundial;

− minimização de impactes ambientais negativos;

− grande progresso na automação, na electrónica e na telegestão (exploração abandonada);

− normalização de equipamento (turbinas e geradores).

A pequena hidroelectricidade ficou então vocacionada para a produção descentralizada de energia eléctrica e para a actividade privada e autárquica de produção, para venda a redes gerais ou públicas de distribuição eléctrica, ou para fornecimento de energia a indústrias ou zonas isoladas (auto-produção). Com efeito, a diminuição de custos de investimento e de exploração, os fortes incentivos financeiros e os novos enquadramentos legais possibilitaram, de novo, a rentabilidade da pequena hidroelectricidade em função das características hidrológicas e topográficas locais.

Em Portugal, o reanimar deste tipo de aproveitamento hidroeléctrico verificou-se com a entrada em vigor do Decreto-Lei Nº 189/88, de 27 de Maio e portarias Regulamentadoras (445/88 e 958/89) que abriu a actividade de produção independente de energia eléctrica a

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pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, possibilitando o aparecimento dos “promotores independentes”, para reabilitação ou construção de pequenas centrais hidroeléctricas com potência então limitada a 10 MVA (mais recentemente o limite passou a ser de 10 MW).

Conforme consta em Leitão (2003), o quadro legislativo criado, que incluiu um tarifário de energia relativamente favorável, e os incentivos financeiros proporcionados originaram um enorme fluxo de pedidos de licenciamento – contabilizaram-se cerca de 1100, apenas nos primeiros 6 anos de vigência da legislação referida. No entanto, o facto de muitos deles se sobreporem fisicamente, ou de não se revelarem viáveis do ponto de vista técnico ou económico, e ainda as dificuldades de origem diversa que se têm vindo a colocar para a sua realização originou que, naquele mesmo período, apenas tenham sido outorgados cerca de 120 alvarás de licença de utilização da água para produção de energia.

Em finais de 2002, o número total de pequenas centrais hidroeléctrica em exploração era de 106, mas o número de novos aproveitamentos construídos de raiz não atingia ainda 50. Os restantes, correspondem a aproveitamentos hidroeléctricos titulados por antigas concessões e incluem os aproveitamentos pertencentes à EDP (20), que nas duas últimas décadas têm sido objecto de um programa sistemático de reabilitação.

Os referidos 106 aproveitamentos, com 290 MW instalados, contribuem com uma energia média anual estimada em cerca de 900 GWh/ano.

De acordo com Moura (2003) na última década do século, a situação dos nossos recursos hidroeléctricos podia caracterizar-se sucintamente do seguinte modo, em função da energia produtível:

− já aproveitados e em construção temos cerca de 11 600 GWh;

− identificados como candidatos a integração no sistema electroprodutor estão cerca de 6600 GWh (aproveitamentos de grande e média dimensão);

− restam cerca de 1800 GWh realizáveis em aproveitamento de pequenas dimensão (mini-hídricos).

Em termos de potência instalada, a componente hidroeléctrica é de cerca de 45% da potência total, representando, em ano médio, cerca de 30% da produção total de energia.

O facto de ainda só estar aproveitado cerca de 60% do potencial hidroeléctrico nacional é um indicador das possibilidades de intensificação do programa de realizações.

O protocolo de Kyoto e a Directiva 2001/77/EC, relativa à promoção da electricidade a partir de fontes renováveis de energia no mercado interno de electricidade (Directiva FER) e ainda o Plano Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC), impõem metas para a quota a atingir em 2010 pela electricidade de base renovável no consumo bruto total, com o objectivo de atingir, nesse caso, uma penetração global de 39% no caso Português e 22% ao nível da União Europeia.

Os aproveitamentos de menor potência podem ser implementados em infra-estruturas existentes com outros fins como são exemplos:

− o aproveitamento de quedas e caudais disponíveis em sistemas de adução de água para rega, incorporando estruturas existentes (e.g. barragem e canais de adução) e

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sujeitando-se ao regime de exploração imposto pelas culturas (e.g. mini-centrais de Verão);

− o aproveitamento de quedas da linha piezométrica impostas, em condutas de adução ou em redes de distribuição de água em meios urbanos ou em instalações industriais, para controlo de pressão, sendo os caudais turbináveis garantidos (e.g. substituição de câmaras de perda de carga ou de redução de pressão por micro-centrais urbanas).

Conforme é referido em Almeida (1995), muitos destes aproveitamentos mini ou micro-hidroeléctricos substituem a dissipação localizada de energia, por efeito da turbulência, pela produção de energia eléctrica, recuperando parcialmente a energia disponível e convertendo-a numa forma de energia útil. O valor desta produção pode compensar, assim, eventuais custos de bombagem na rega ou no abastecimento de água. Este princípio de conservação da energia pode ser aplicado a diferentes sistemas hidráulicos industriais.

2 – SÍNTESE DOS PRINCIPAIS IMPACTES A consciência da necessidade urgente de se enveredar por um desenvolvimento sustentável com uma maior protecção do ambiente obrigará necessariamente ao aumento de eficiência energética no consumo e na produção, à limitação da poluição atmosférica, designadamente de gases acidificantes e à emissão de gases com efeito de estufa, particularmente CO2, associados ao fenómeno do aquecimento global. Todos estes vectores indicam claramente a necessidade da prossecução de um desenvolvimento controlado ambientalmente do sector hidroeléctrico.

Comparando com outras formas de produção eléctrica as mini-hídricas tem a seguintes vantagens:

− permitem poupar fósseis, em repercussão positiva para a economia nacional;

− é auto-suficente não necessitando de outra fonte de energia associada;

− não implica grandes ocupações de terrenos com eventuais deslocações de populações com as que ocorrem nas grandes albufeiras;

− são um bom investimento de capital privado;

− permitem a oferta de energia descentralizada com baixo custo e longa duração.

Conforme é referido em Reis et al. (2003) embora cada Mini-hídrica ou Pequeno Aproveitamento Hidroeléctrico apresente especificidades próprias, verifica-se que uma maioria significativa apresenta um conjunto de características gerais comuns tais como: açude de derivação em betão de altura reduzida e albufeira de pequenas dimensão, permitindo que a obra não seja abrangida pelo Regulamento de Segurança de Barragens, circuito de derivação com comprimento apreciável, em pressão ou parcialmente em superfície livre e central na margem da linha de água.

Em termos ambientais, as mini-hídricas não emitem gases indesejáveis para atmosfera nem produzem resíduos sólidos ou líquidos.

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Quadro 1 – Importância dos descritores ambientais (retirado de Reis et al. (2003)).

Descritor Importância

Fase de construção Fase de exploração

Recursos hídricos superficiais: quantitativo e qualitativo

Significativo Significativo

Recursos hídricos subterrâneos: quantitativos e qualitativo

Pouco significativo Pouco significativo

Componente biológica: vegetação ripária e fauna ictiológica

Muito significativo Significativo

Ambiente sonoro Muito significativo Pouco significativo

Paisagem Muito significativo Pouco significativo

Sócio-economia Significativa Pouco significativo

Património: arqueológico e edificado Indiferente – Muito significativo

Indiferente – Muito significativo

Ocupação e uso actual do solo Significativo Pouco significativo

Planeamento e ordenamento do território: condicionantes, servidões e restrições de utilidade pública

Indiferente – Muito significativo

Indiferente – Muito significativo

Os seus impactes resultam da retenção e derivação de água no rio, retenção de sedimentos, obstruem a passagem de peixes e alteram localmente as condições dos ecossistemas aquáticos a ribeirinhos.

No artigo dos mesmos autores é apresentado um quadro, que se transcreve, sobre a importância dos descritores ambientais num Estudos de Incidências Ambientais de um Pequeno Aproveitamento Hidroeléctrico.

3 – A IMPORTÂNCIA DA CONCEPÇÃO A concepção de cada aproveitamento mini-hídrico deve ser condicionada, para além dos aspectos relacionados com a optimização da produção energética, pela necessidade de mitigação dos principais impactes ambientais.

As principais componentes do aproveitamento (açude de derivação, circuito de adução e central) devem dispor de órgãos ou ser projectados de forma a resolver os principais problemas ambientais causados pela sua construção e exploração.

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Listam-se no Quadro 2, sem preocupação de exaustão, alguns impactes e as formas passíveis da sua mitigação.

Quadro 2 – Alguns impactes das Mini-Hídricas e possíveis soluções para a sua mitigação

Componente do Aproveitamento

Impacte Possíveis soluções

Retenção de sedimentos

• Açude com tomada de água do tipo tirolês; • Minimização de altura do açude com redução máxima

do volume da albufeira • Instalação de descarga de fundo com grande capacidade

de vazão Circulação de fauna ictiológica

• Construção de escadas ou elevadores de peixes

Garantia do caudal ecológico

• Circuito autónomo para o caudal ecológico

Degradação da Paisagem

• Tratamento arquitectónico e enquadramento paisagístico da estrutura

Açude

Servidões • Construção de uma ponte no coroamento do açude Servidões • Adoptar soluções enterradas ou prever passagens

inferiores ou superiores Paisagem • Adoptar soluções enterradas e promover a recuperação

ambiental dos taludes de aterro e escavação • Enquadrar arquitectonicamente as estruturas

intermédias, quando existentes

Circuito de derivação

Corte da Drenagem Natural

Promover a construção de estruturas de drenagem ao longo do circuito de adução.

Paisagem • Ocultação máxima do edifício e seu tratamento arquitectónico e paisagístico

Ruído • Promover a utilização de dispositivos de insonorização, sobretudo nas aberturas para o exterior

Central Constrangimentos hidráulicos ao escoam escoamento na linha de água

• evitar a ocupação do leito de cheia

Em seguida descrevem-se alguns aspectos particulares de três Aproveitamentos mini-hídricos (Quedas de Binga, em Angola, e Manteigas e Torga, em Portugal) que permitem ilustrar a importância da concepção na mitigação dos impactes ambientais.

Aproveitamento Hidroeléctrico das Quedas do Binga A Gibb projectou, para a Empresa Nacional de Electricidade de Angola, o Aproveitamento Hidroeléctrico das Quedas do Binga (Potência = 6 MW, Caudal máximo derivado=12,6

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m3/s, queda= 63 m), no rio Queve, na província do Kwanza Sul, que tem como objectivo o abastecimento de energia eléctrica às cidades do Sumbe e Porto Amboim.

As Quedas do Binga apresentam características ideais para implantação de um aproveitamento hidroeléctrico pelas seguintes principais razões:

− Existe uma queda natural aproveitável o que evita a construção de uma grande barragem.

− O rio Queve tem nesse local caudais mínimos superiores ao caudal derivável.

− Já existe uma rede de transporte de energia para os locais de consumo.

− A geologia é favorável à construção das infra-estruturas do aproveitamento.

− A obra e a sua exploração são compatíveis com a preservação dos valores ecológicos e da actual paisagem, não comprometendo o seu interesse turístico.

A concepção do Aproveitamento foi condicionada pela impressionante beleza natural das Quedas (Fotos 1 e 2) que conferem à região elevadas potencialidades turísticas, tendo sido uma preocupação fundamental a salvaguarda dos aspectos paisagísticos da região.

Foto 1 – Cachoeiras do Binga (margem direita) vista de jusante.

Para as diversas componentes da obra referem-se seguidamente as opções consideradas e respectivas justificações (ver Figura 1):

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Foto 2 – Cachoeiras do Binga (margem esquerda) vista de jusante

Figura 1 – Planta e Perfil do Aproveitamento Hidroeléctrico das Quedas do Binga

a) Açude Os açudes projectados tem como única função garantir um nível mínimo para a derivação do caudal para a tomada de água, tendo sido implantados em locais onde já existem pequenos rápidos que se formam devido a afloramentos rochosos

A altura máxima dos açudes é da ordem de 1,5 m, e, devido ao caudal derivado ser inferior ao caudal mínimo no rio, estarão sempre submersos.

Esta opção por açudes de derivação que praticamente constituem um nivelamento dos afloramentos rochosos existentes tem as seguintes consequências:

− ausência de capacidade de armazenamento, evitando a retenção de sedimentos e nutrientes e a alteração das propriedades físico-químicas da água;

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− não se alteram os níveis da água em cheia, evitando deslocações das populações;

− não se verificam alterações nos habitates nem impactes na fauna e flora;

− não existe qualquer impacte na paisagem.

b) Tomada de Água Esta estrutura está implantada na margem direita, sendo completamente enterrada, não provocando, por isso, qualquer impacte visual.

O caudal máximo derivado(12,6 m3/s) é inferior ao caudal mínimo (30,2 m3/s) e muito inferior ao caudal médio no rio (173,2 m3/s), não sendo significativa a alteração do regime de caudais.

c) Condutas forçadas As condutas são enterradas ao longo de toda a sua extensão pelo que, na fase de exploração, e após se recuperar a vegetação rasteira existente, não provocarão alterações na paisagem significativas.

d) Central O edifício da central será construído encastrado na encosta da margem direita, sendo fácil, através de um arranjo paisagístico adequado, integrá-lo na paisagem.

O canal de restituição aproveitará uma linha de água existente.

Aproveitamento Mini-Hídrico do Torga O Aproveitamento do Torga, propriedade da empresa ENERSIS e projectado pela Hidroquatro, tem uma potência instalada de 10 MVA, sendo a queda bruta igual a 61,4 m e o caudal de projecto 18m3/s.

O aproveitamento localiza-se no rio Tuela (concelho de Vinhais) e é composto por um açude do tipo gravidade com altura de 7,40 m, um circuito hidráulico em pressão (túnel, ponte conduta e condutas forçadas) e central localizada na margem direita do rio.

Uma das características interessantes do açude é que está equipado com uma escada de peixes. Esta estrutura, apresentada na Foto 3, consiste numa série de bacias desniveladas, em patamares múltiplos, ao longo dos quais flui uma parte do caudal reservado do rio. O caudal passa de bacia para bacia através de um descarregador de superfície e de um orifício no fundo.

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Foto 3 – Escada de peixes do Aproveitamento Mini-hídrico do Torga

Estas “escadas” são dimensionadas em função das características da fauna piscícola do rio, o qual terá a capacidade de transpor o obstáculo saltando de patamar para patamar ou rastejando junto ao fundo.

O sucesso destes dispositivos de passagem de peixes é discutível na fase de projecto e requer acompanhamento com a entrada em exploração, podendo então ser tomadas medidas correctivas de acordo com a experiência real.

Há que acautelar a pesca furtiva, que abusa deste tipo de instalações para a captura de peixes.

Na Foto 4 encontra-se o açude numa fase final de construção, antes do primeiro enchimento.

É bem visível na parte central o descarregador de cheias, com comportas rebatíveis e, na margem esquerda, os orifícios de descarga de fundo, do circuito do caudal ecológico e os dois orifícios da escada de peixes.

Estes dispositivos desde que bem projectados e explorados permitem mitigar os impactes mais significativos provocados pela existência do açude e da derivação do caudal.

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Foto 4 – Açude do Aproveitamento Mini-Hídrico do Torga visto de montante e com a albufeira

vazia (Fase final da construção)

Aproveitamento Mini-Hídrico de Manteigas Por último, e por ser um caso paradigmático de protecção da paisagem, apresenta-se o Aproveitamento Mini-Hídrico de Manteigas projectado pelo Generg – Gestão e Projectos de Energia, SA, que é também a empresa proprietária do aproveitamento.

O aproveitamento tem uma potência instalada de 7 MW (caudal = 2,5 m3/s e queda útil = 316 m).

Conforme se pode ver na Figura 2, para além do açude o aproveitamento é composto por uma câmara de sedimentação, túnel, conduta forçada enterrada com diâmetro de 1200 mm e central semi-enterrada.

As Fotos 5, 6 e 7, respectivamente do açude, da câmara de válvulas e grelha no final da câmara de sedimentação, e da central.

Este projecto, por se localizar num parque natural, foi seguido em todas as suas fases por uma Comissão de Acompanhamento com as seguintes entidades:

− Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE)

− Câmara Municipal de Manteigas

− Associação dos amigos da Serra da Estrela (ASE)

− Direcção Regional do Ambiente do Centro (DRAC)

− Direcção Regional da Agricultura da Beira Interior (DRABI)

− Instituto da Conservação da Natureza (ICN)

− Hidroeléctrica de Manteigas, Lda

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− Generg – gestão e Projectos de Energia, SA

Conforme se pode verificar nas Fotos todas as estruturas estão perfeitamente integradas na paisagem reduzindo assim o impacte visual que o aproveitamento poderia criar.

Figura 2 – Perfil do Circuito hidráulico do Aproveitamento Hidroeléctrico de Manteigas (Generg)

Foto 5 – Açude do Aproveitamento Hidroeléctrico de Manteigas

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Foto 6 – Câmara de Manobras no inicio do Túnel do Aproveitamento Hidroeléctrico de Manteigas

Foto 7 – Central do Aproveitamento Hidroeléctrico de Manteigas

3 - SITUAÇÃO DAS PRODUÇÕES DESCENTRALIZADAS

Em Portugal continental a produção descentralizada tem pouca expressão devido ao desenvolvimento extensivo da rede eléctrica de serviço público para o interior do país.

Refere-se, no entanto, que em países de maior dimensão territorial, como o Brasil ou Angola, este tipo de produção hidroeléctrica é muito interessante e competitiva, quando comparada com eventuais alternativas de geração térmica ou de expansão da rede eléctrica.

Casos específicos como o de Angola, são exemplos de grande recurso hidroeléctrico com a possibilidade deste tipo de produção proporcionar pólos de desenvolvimento no interior do país, sobretudo no apoio à indústria mineira e à fixação de populações em zonas rurais para desenvolvimento agrícola.

Para potências reduzidas, a moderna tecnologia permite praticamente fornecer grupos turbina/gerador em “pacote”, montados sobre chassis transportáveis ou mesmo em contentores, facilitando significativamente a montagem no local da central.

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O conhecimento técnico desenvolvido por técnicos nacionais durante o processo de expansão das mini-hídricas, constitui uma fonte de riqueza cuja “exportação” deveria ser incentivada.

4 – CONCLUSÃO No presente artigo pretendeu-se realçar o enquadramento da energia produzida nos aproveitamentos mini-hídricos no conceito de energia renovável, desde que a concepção dos aproveitamentos tenha em consideração a mitigação dos impactes ambientais.

Realçou-se ainda a importância deste tipo de aproveitamentos na produção descentralizada, tão importante para países com redes eléctricas pouco expandidas e com grande dimensão territorial.

Referiu-se a importância que as mini-hídricas podem ter como contributo para atingir as metas impostas pelas directivas europeias nomeadamente a directiva FER (Directiva 2001/77/EC).

Por último, refere-se que, actualmente no nosso país, a exequibilidade de um projecto mini-hídrico está extremamente limitada pelos condicionamentos do processo de licenciamento.

Efectivamente, enquanto que as fases de projecto e construção são de caracterização fácil, os requisitos de licenciamento ambiental e por vezes municipal comprometem a viabilidade do processo. O facto de se ter de tratar com múltiplas entidades legais com tempos de resposta muito longos implica que a duração do processo seja entre três a cinco anos, comprometendo a viabilidade económica do investimento e afastando os eventuais promotores.

5 - BIBLIOGRAFIA [1] Almeida, A.B. (1995) – Aproveitamento hidroeléctricos. Apontamentos da disciplina de

Aproveitamentos Hidroeléctricos. Instituto Superior Técnico.

[2] Moura, A.M. (2003) – Hidroelectricidade em Portugal: o desafio do presente e do futuro. Proceedings do II Simpósio sobre Aproveitamentos Hidroeléctricos. Vila Real, UTAD, Setembro de 2003.

[3] Leitão, R. (2003) – A Hidroelectricidade – Alguns elementos Estatísticos. Proceedings do II Simpósio sobre Aproveitamentos Hidroeléctricos. Vila Real, UTAD, Setembro de 2003.

[4] Reis, F.M.; Pinheiro, A.N. E Costa, S.C. (2003) – Avaliação de incidências ambientais de pequenos Aproveitamentos Hidroeléctricos. Proposta de Âmbito. Proceedings do II Simpósio sobre Aproveitamentos Hidroeléctricos. Vila Real, UTAD, Setembro de 2003.