eneia livro ii

143
Eneida, Livro II Narrativa de Eneias A Destruição de Troia (804 Versos) Milton Marques Júnior

Upload: gabriella-costa

Post on 16-Nov-2015

22 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

ENEIDA - CANTO II

TRANSCRIPT

  • Eneida, Livro II

    Narrativa de Eneias A

    Destruio de Troia (804 Versos)

    Milton Marques Jnior

  • 2

    Dicionrio da Eneida, de Virglio

    Livro II: Narrativa de Eneias A Destruio

    de Troia (804 Versos)

    Pesquisa e Organizao Prof. Dr. Milton Marques Jnior

    Superviso Prof. Dr. Juvino Alves Maia Junior

    Pesquisadores Colaboradores e Coautores

    Alcione Lucena de Albertim

    Danniele Silva do Nascimento

    Felipe dos Santos Almeida

    Juvino Alves Maia Junior

    Nathlia Pinto do Rgo

    Raphaella Barbosa Belmont

    Vanessa Lima da Cunha

    Yasmim Alcntara dos Santos Mendona

    Joo Pessoa/Paraba

    2011

  • 3

    Sobre o Dicionrio

    A nossa pesquisa consiste na dicionarizao da Eneida, de Virglio.

    Como o poema Virgiliano composto de doze Livros, dividimos a

    pesquisa em trs momentos: verbetizao dos Livros I a IV; dos Livros V-

    VIII, e dos Livros IX-XII. A verbetizao dos Livros I-IV est terminada e

    estamos dando a lume a publicao do Dicionrio do Livro II. A

    publicao do Livro I, no incio de 2011, foi, para ns, um teste,

    esperando que o pblico a quem o dicionrio se destinava

    inicialmente, os estudantes do curso de Letras desse o seu retorno de

    leitura, sem o que no poderamos corrigir as falhas, com o intuito de

    tornar melhor esta obra de referncia.

    Para a atual publicao do Dicionrio do Livro II da Eneida A

    Narrativa de Eneias: A Destruio de Troia , realizamos algumas

    mudanas nas informaes dos verbetes e na objetividade que se

    espera de uma obra dessa natureza, mudanas provenientes do uso do

    dicionrio em sala de aula. Por outro lado, procuramos melhorar o

    aspecto visual do dicionrio, separando cada seo de verbete com a

    letra capital correspondente e aumentando a fonte do verbete em

    relao fonte que o descreve. A maior novidade a existncia de

    ilustraes, fotos oriundas de uma viagem de estudos que fizemos a

    Roma e Grcia Atenas, Epidauro, Micenas, Olmpia e Delfos ,

    visitando museus e stios arqueolgicos importantes. Assim,

    acreditamos que a informao foi qualitativamente melhorada, com as

    ilustraes proporcionando ao leitor um prazer visual. No mais,

    seguimos os mesmos critrios de verbetizao do volume anterior,

    explicados a seguir.

    A leitura frequente da Eneida, para ministrao de aulas na

    graduao e na ps-graduao em Letras, na Universidade Federal da

    Paraba, fez-nos constatar a necessidade de um texto de apoio, de uma

    obra de referncia de que somos to carentes no Brasil , para a

    compreenso dessa obra Virgiliana. Complexa na sua estrutura,

  • 4

    complexa na sua linguagem, a Eneida tambm complexa pela

    variedade e abundncia de informaes de toda sorte: histrica,

    filosfica, geogrfica, religiosa... Apenas para estabelecer uma

    caracterstica da Eneida, que nos parece bem ntida, impossvel ler e

    compreender esse poema pico sem o conhecimento da histria de

    Roma, de seus primrdios poca de Augusto.

    Foi pensando na dificuldade que encontra o leitor no iniciado, e

    mesmo alguns iniciados, nas obras clssicas, sem acesso ao texto em

    latim, que intentamos a realizao de um dicionrio da Eneida. Trata-se

    de trabalho lento e complexo, que faz jus s dificuldades que o texto nos

    apresenta a todo o instante. frente do GREC Grupo de Estudos

    Clssicos e Literrios, da Universidade Federal da Paraba , o professor

    Juvino Alves Maia Junior e eu reunimos um grupo de pesquisadores, que

    conta com professores do curso de Letras e com estudantes da

    graduao e da ps-graduao, e comeamos um trabalho que, a

    princpio, parecia de Ssifo, pois se rolar o rochedo ao cume do monte j

    bastante difcil, rolar o rochedo sem saber que caminho tomar torna

    bem pior esta empreitada. Contudo, uma vez traado o caminho, a

    pesquisa pde avanar, e se o rochedo no chegou ao cume, pelo

    menos no rolou mais montanha abaixo.

    A primeira deciso que tomamos, que nos parecia bvia, foi no

    sentido de realizar a verbetizao a partir do texto em latim e no a

    partir de uma traduo. Embora nem sempre nosso pblico seja o aluno

    de Lnguas Clssicas, entendemos que uma obra que tem inteno

    elucidativa, como um dicionrio, no pode confiar seno no texto lido

    na sua lngua de origem. Alm do mais, nossa experincia com

    tradues nos mostra que o que se traduz e se coloca no mercado no

    exatamente o que se encontra no texto. Pode ser na sua essncia, mas

    no nos seus detalhes. Como nosso trabalho objetiva um estudo da

    Eneida, o vis analtico se impe, obrigando-nos a ir aos detalhes do

    original em latim.

    O que verbetizar foi decidido ao longo do rolar a pedra montanha

  • 5

    acima. Inicialmente, pensamos nos personagens heris e divindades ,

    depois verificamos que era necessrio ampliar a verbetizao para os

    espaos e acidentes geogrficos, alm de determinadas plantas e

    expresses. Como compreender a viagem terra marique de Eneias, no

    Livro III da Eneida, sem a preocupao de verbetizar cada local por onde

    o heri passa? E as vrias expresses de relao metonmica, como um

    velho Baco (ueteris Bacchi, Livro I, verso 215), por um vinho

    envelhecido? Ou expresses estereotipadas como julgamento de Pris

    (iudicium Paridis, Livro I, verso 27)? Deste modo, acreditamos ter dado

    mais substncia ao nosso trabalho.

    Uma vez que o texto latino naturalmente se imps, restava-nos

    escolher que texto seguir. Para um trabalho como este, torna-se

    evidente e imperioso o uso de um texto estabelecido filologicamente,

    por ser o mais confivel para o estudo. Optamos, pois, pela lio

    filolgica de Jacques Perret, de 2006, procurando sempre confrontar

    com o texto estabelecido por Henri Goelzer e traduzido por Andr

    Belessort, de 1952. Em ambos os casos, a edio da Les Belles Lettres

    de Paris. Tais textos encontram-se devidamente referenciados na

    bibliografia.

    O uso de um texto crtico, estabelecido filologicamente, de suma

    importncia, pois nos aproxima das sutilezas do texto virgiliano, o que

    no encontramos em outras edies do texto latino. Por exemplo, fiis

    ao texto estabelecido, mantivemos todas as formas arcaicas de Virglio,

    como os acusativos plurais da terceira declinao em is, como nos

    versos gens inimica mihi Tyrrhenum nauigat aequor/Ilium in Italiam

    portans uictosque Penatis. (A gente minha inimiga navega o mar

    Tirreno, levando lion e os Penates vencidos. Livro I, versos 67-68); ou as

    formas em uom e um, do genitivo plural da segunda declinao, como

    diuom pater (pai dos deuses, Livro I, verso 65) e pater optime Teucrum

    (excelente pai dos Teucros, Livro I, verso 555), e outras formas

    semelhantes.

    As entradas no dicionrio mostram o verbete em sua traduo

  • 6

    portuguesa, mantendo, entre parnteses, a forma latina, no caso em

    que a palavra aparece no texto original. Quando o vocbulo vem

    acompanhado da conjuno encltica que, como em Albanique (Livro I,

    verso 7), consideramos apenas a parte lexical (Albani) e no a conjuno

    coordenativa aditiva (-que).

    Como verbetizar os nomes foi outra gande dificuldade. Decidimos

    pela simplificao, para tornar a consulta mais rpida. Os nomes latinos

    ou gregos sero traduzidos para o portugus e aproximados, at onde

    for possvel, da lngua original. Em todo caso, simplificamos o y para i, o

    ch para c ou qu, conforme o caso; o th para t e assim por diante.

    Acreditamos que os problemas de traduo de nomes sempre existiro,

    mas eles nos parecem minimizados, pelo fato de que eles se encontram

    em sua forma original dentro dos parntesis, que acompanham o

    verbete, e no ndice onomstico, ao final do dicionrio. Um caso parte

    foi com relao a Jpiter. Optamos pela verbetizao das duas formas,

    Jove e Jpiter, mesmo sabendo que a forma Jove o desdobramento em

    outros casos do nominativo Jpiter. No entanto, na tradio potica da

    lngua portuguesa, tanto permaneceu o caso lexicognico Jove (Iouem),

    como o nominativo Jpiter (Iuppiter).

    J os nomes acompanhados dos eptetos, como Pio Eneias, ou

    apenas os eptetos, como Pai dos deuses e dos homens, foram

    verbetizados, pois so comuns, frequentes e estruturais na poesia pica.

    Com relao aos patronmicos, quer apaream isolados, como

    Troianos ou Argivos, quer acompanhando um substantivo designando a

    descendncia de um heri, como Anquises Dardnio, isto ,

    descendente de Drdanos, quer como um adjetivo ligado a um

    substantivo comum, eles sero sempre grafados com maiscula inicial.

    Por outro lado, agrupamos todos os patronmicos iguais num mesmo

    verbete, quando se trata das formas de masculino, feminino, singular e

    plural Argivo, Argivos, Argiva, Argivas. Cumpre-nos, ainda, dizer que

    procuramos observar ao mximo o texto original e manter o uso de

    Argivos, Aqueus, Dnaos e Graios, em lugar de Gregos, traduo

  • 7

    corrente, mas que no se coaduna com o esprito do texto, que remonta

    a uma poca em que no havia a Grcia, mas cidades-reino, que

    funcionavam independentemente, unindo-se contra o inimigo comum,

    quando necessrio.

    Por fim, mas no por ltimo, temos conscincia de quanto extensa

    a tradio mitolgica, tanto de poetas, quanto de mitgrafos, no sendo

    possvel, portanto, exauri-la nos limites deste trabalho. Faremos, no

    entanto, todas as relaes transtextuais que nos forem possveis fazer,

    de Homero aos tragedigrafos gregos squilo, Sfocles e Eurpides ,

    chegando at os contemporneos de Virglio.

    Entendendo o texto literrio como um tecido que se compe de

    outros textos, vemos como, por exemplo, o poeta latino Ovdio (43 a. C.

    18 a. D.) se torna uma fonte importante para a leitura da Eneida,

    embora suas obras sejam posteriores obra-prima de Virglio. Mesmo

    sendo as Metamorfoses do ano 1 a. C. e os Fastos do ano 3 a. D.,

    podemos ver como alguns mitos que esto em Virglio so

    desenvolvidos por Ovdio nessa duas obras, ajudando o leitor que

    conhece ambos os autores a entender melhor o complexo tecido da

    Eneida uma das fontes de Ovdio e a perceber a influncia do

    mantuano sobre o poeta de Arte de amar.

    Milton Marques Jnior

    Professor de Literaturas Clssicas

    Universidade Federal da Paraba

  • 8

    Um Livro Augural

    Milton Marques Jnior

    No segredo para ningum que a Eneida um poema de forte

    cunho religioso: a deciso de sada do heri de sua ptria, Troia, tomada

    e destruda pelos Argivos, determinada pelos deuses, para que ele,

    Eneias, funde uma nova Troia com a anuncia dos imortais habitantes

    do Olimpo. Como caracterstico no poema pico, o seu argumento

    encontra-se enunciado no Promio (Livro I, versos 1-11); esta parte

    substancial do argumento, no entanto, s ser detalhada no Livro II,

    levando-nos a conhecer os motivos por que o heri impelido fuga

    pelo fado (fato profugus, Livro I, verso 2)1. Descortina-se, ento, para o

    leitor, a essncia do poema de Virglio, a mais importante narrativa

    pica do mundo latino: os deuses escolhem um heri insigne pela

    piedade, determinam-lhe como destino a fuga, impem-lhe provaes e

    orientam o seu caminho atravs das profecias dos vrios orculos de

    Apolo. Deste modo, fatum, pietas, em seus desdobramentos de fas e

    nefas; labor, prodigia, omina, augurium e pressagia, so palavras que

    compem o texto e formam a sua estrutura. Acrescente-se a isto a forte

    presena do verbo cano, desde o incio do poema, cujo um dos sentidos

    profetizar Arma uirumque cano , e o elemento augural torna-se,

    portanto, inquestionvel.

    Tomamos a palavra augrio nesse ensaio com o sentido

    etimolgico, que direciona a sua compreenso. Augurium proveniente

    de augeo, augere, fazer crescer, aumentar, termo arcaico e potico,

    conforme nos ensina Ernout, explicando a diferena entre esse termo e

    auspicium:

    Augurium o "pressgio" [favorvel] no sentido mais amplo da palavra; um

    termo muito mais compreensivo que auspicium, que designa simplesmente a

    1 Para a Eneida, usaremos a edio prepara por Jacques Perret (2006), que consta na

    bibliografia.

  • 9

    observao dos pssaros, e a poca arcaica distingue nitidamente os dois

    termos." (ERNOUT, 2001, p.57)2

    Recordemos que embora a Eneida seja uma obra do perodo

    clssico latino, Virglio remonta em sua narrativa ao perodo arcaico, ao

    princpio dos tempos ainda ditos mticos. Do mesmo modo como

    alguma formas utilizadas pelo poeta so arcaicas, tambm alguns

    significados, sobretudo os religiosos, guardam a sua substncia arcaica.

    Augurium , pois, o aumento, o pressgio favorvel que far crescer.

    Nada mais claro: Troia destruda dever crescer pelas mos pias de

    Eneias, em outro lugar, pela anuncia e vontade dos deuses, como uma

    cidade ainda mais florescente e rica do que aquela que, nas bordas do

    Helesponto, ora desaparecia.

    Faamos uma breve caminhada por este Livro II, no sentido de

    mostrar o que ele representa dentro da Eneida, como ele difere da

    Odisseia, embora tenha uma estrutura semelhante e, principalmente,

    como diferem entre si os heris narradores de ambas estruturas,

    Odisseu e Eneias, sendo este impelido pelos fados com uma misso

    determinada e j anunciada no Promio do poema, e aquele no. Essa

    caminhada faz-se necessria para podermos chegar com mais

    propriedade aos augrios, que caracterizam esse episdio.

    O Livro II da Eneida integra o segmento das Provaes composto

    pelos quatro primeiros livros do poema, cuja narrativa se divide em dois

    grupos, a narrativa do tempo presente (Livros I e IV) e a narrativa do

    tempo passado (Livros II e III). O primeiro grupo narrativo, em terceira

    pessoa, marca a chegada e sada de Eneias da Lbia de ento, mais

    precisamente, do reino de Cartago, em construo pela rainha Dido. O

    segundo grupo narrativo, em primeira pessoa, marca a sada de Eneias

    de Troia, em destruio, e a atribulada e errante viagem que ele est

    obrigado a fazer, em busca da nova terra, em que dever fixar-se. O

    Livro II inicia-se com Eneias atendendo ao pedido da rainha Dido, para

    2 Augurium est le "prsage" [favorable] dans le sens le plus large du mot; c'est un

    terme beaucoup plus comprhensif que auspicium, qui dsigne simplement l'observation des oiseaux; et l'poque archaque distingue nettement les deux termes.

  • 10

    narrar a sua histria. O narrador geral do poema ainda comanda os dois

    primeiros versos e s retomar as rdeas de sua narrativa nos versos

    716-718, fechando o Livro III e os relatos do heri Troiano. Nesse meio

    tempo, Eneias comandar, em primeira pessoa, a narrativa. Assim

    teremos, do verso 3 ao 804, o desenvolvimento do argumento do Livro

    II A Destruio de Troia.

    Ressaltemos que a narrativa de Eneias se encaixa perfeitamente na

    mesma estrutura j utilizada na Odisseia (Cantos IX-XII), qual seja a de

    uma narrativa dentro de outra narrativa. Igualmente Odisseia, o

    personagem principal quem faz o relato, em meio a um banquete, para

    uma plateia de uma localidade estranha, que o acolheu e quer conhecer

    a sua trajetria. Assim, no poema homrico, Odisseu narra as aventuras

    de sua partida de Troia at a sua chegada Fecia, em quatro cantos

    (Cantos IX-XII). Eneias, por sua vez, no poema virgiliano, narra a sua

    trajetria em dois livros (Livros II e III). A proporo a mesma. Dos

    vinte e quatro cantos da Odisseia, Odisseu o responsvel pela

    narrao de quatro; dos doze livros da Eneida, Eneias o responsvel

    pela narrao de dois. A proporo de 1/6. Tal estrutura mais uma

    constatao, dentre tantas fceis de fazer, da leitura que Virglio fez da

    obra homrica, pois as pistas so muitas ao longo da Eneida. Que

    Virglio, pois, procura Homero como imitao no resta dvida, mas

    ressalte-se que a imitao que ocorre no no sentido de cpia, mas no

    sentido de ter em mente um modelo de excelncia, a narrativa pica

    homrica, e, principalmente, de recriar em cima desse modelo. o que

    ocorre na Eneida. Aqui, o ponto de vista a respeito da Guerra de Troia se

    desloca. Do vencedor passa para o vencido. Assim, se no Canto VIII da

    Odisseia3 vemos Odisseu, ainda annimo, pedir ao aedo Demdoco para

    cantar as faanhas do heri Odisseu e do estratagema do Cavalo de

    Troia, devemos perceber a a celebrao do herosmo dos Argivos

    vencedores em Troia, alm de uma deixa para que o convidado

    3 Odisseia, Canto VIII, versos 487-497. Para a Odisseia, utilizaremos a edio preparada

    por Victor Brard (2002), que consta na bibliografia.

  • 11

    misterioso possa se apresentar a todos como o heri de taca,

    responsvel direto pela destruio do reino de Pramo. A guerra j havia

    virado narrativa e andava na boca dos aedos, imortalizando os heris.

    Na Odisseia, portanto, a Guerra de Troia j poesia, j canto inspirado

    pelos deuses (qe/spin a)oidh/n, Canto VIII, verso 497). Por outro lado,

    Odisseu vai retornar para casa, taca, um local sabido e certo, embora

    esteja sujeito pelos deuses a fazer muitas voltas, da o epteto de

    poltropos (polu/tropoj), que aparece logo no primeiro verso da

    Odisseia. Se Odisseu faz muitas voltas e erra em sua viagem pelo mar,

    sentido primeiro do termo, no s isto, porm, o que o epteto indica.

    O heri de taca um homem sabidamente astuto (polu/mhtij) e sua

    narrativa recheada de aventuras, no necessariamente acontecidas,

    mas com o intuito de emocionar os circunstantes que, condodos com

    tantas desventuras, o enviaro para o seu destino. As muitas voltas do

    pensamento de Odisseu o ajudaro no seu intento de voltar para casa.

    Na Eneida, como j dissemos, a perspectiva passa do vencedor para

    o vencido. Eneias vai apresentar a Guerra de Troia como uma dor

    abominvel, que no pode ser dita (infandum dolorem, verso 3),

    lembrando que infandum (infandus, a, um) deriva da mesma raiz de fas,

    o verbo fari (*for, fari, fatus sum), com o sentido de falar, dizer, em

    latim, de acordo com Ernout4. Mesmo o desfecho da guerra j sendo do

    conhecimento de todos, como podemos perceber no Livro I, no

    momento em que Eneias v as imagens da guerra nas pinturas que

    cobrem as paredes do templo de Juno, erguido por Dido em Cartago5,

    recordar o acontecido uma narrativa dolorosa que faz o heri chorar,

    diante de tantos males j propagados pelo mundo6. Ao mesmo tempo, a

    narrativa pictrica das paredes do templo a certeza de que ele e os

    4 Cabe pensar em um estudo sobre o fas e o nefas, na Eneida, observando as vrias formas e vrios sentidos do emprego do verbo *for e seus derivados. 5 Eneida, Livro I, versos 446-493.

    6 Eneida, Livro I, versos 459-460 (Constitit et lacrimans Quis iam locus inquit

    Achate,/quae regio in terris nostri non plena laboris?).

  • 12

    demais Troianos foram imortalizados7, assim como Odisseu e os Argivos

    tambm o foram na voz de Demdoco. Eneias, portanto, apresenta a

    guerra sob o ponto de vista do vencido, que tem sua cidade destruda, e

    se v impedido de lutar por ela, pois os deuses j determinaram a sua

    destruio; por isto mesmo, v-se obrigado a fugir do que restou da

    destruio, para, por determinao divina, fundar uma nova Troia, em

    terras cuja localizao ele desconhece. Se pudesse, Eneias faria

    diferente, como podemos constatar, no Livro IV. Acusado por Dido de

    ingrato e de querer abandon-la, aps tudo que ela fez por ele, Eneias

    diz estar submetido ao destino e que, se fosse de sua vontade, ele

    estaria em Troia, honrando os mortos queridos e onde sua mo teria

    reconstrudo uma outra Prgamo (versos 340-344). Eis outra diferena,

    em relao a Homero: Eneias no faz voltas no pensamento, com o

    sentido de enganar Dido ou quem quer que seja. Ele cumpre as

    determinaes dos Superorum sem subterfgios, porque submetido ao

    destino e aos augrios.

    As diferenas so muitas e no s seria cansativo tentar exauri-las,

    mas tambm no o objetivo deste ensaio. Apresentaremos, contudo,

    mais algumas, que serviro para confirmar o carter augural do Livro II.

    Virglio, com a narrativa de Eneias, preenche uma lacuna deixada por

    Homero sobre os detalhes da destruio de Troia. Odisseu pede a

    Demdoco para cantar o acontecimento, mas ns leitores no lemos o

    canto do aedo, como lemos o divertido episdio do tringulo amoroso

    envolvendo Ares, Hefestos e Afrodite (Odisseia, Canto VIII, versos 266-

    367), pois o narrador faz apenas um sumrio8 do que foi a destruio da

    cidade Priameia (Odisseia, Canto VIII, versos 498-520), tendo em vista

    que o mais importante centrar a ateno nas lgrimas de Odisseu 7 Eneida, Livro I, versos 457 (iam fama totum uolgata per orbem) e 463 (Solue metus; feret haec aliquam tibi fama salutem). 8 O sumrio apresentado na Odisseia apenas para os leitores e ouvintes. Entenda-se que os circunstantes, presentes ao banquete, ouviram detalhadamente o canto narrativo do aedo. Para ns leitores, o sumrio apresentado tem a funo de no desviar a nossa ateno do objetivo da Odisseia: fazer Odisseu retornar ptria e promover a retomada do seu lar.

  • 13

    (versos 521-531), lgrimas no necessariamente sinceras, considerando

    a sua decantada astcia, o que abrir espao para a narrativa dos quatro

    cantos seguintes, pelo prprio heri9. A narrativa de Eneias sobre a

    derrocada de Troia , portanto, a mais completa que nos chegou atravs

    de um poema pico de qualidade inquestionvel.

    Por fim, Eneias erra por terra e por mar tanto quanto Odisseu,

    porm com objetivos diferentes, muito embora, ambos sejam provados.

    Odisseu, para saber se tem prudncia e equilbrio (swfrosu/nh)

    suficientes para retomar seu reino; Eneias, para saber se a sua piedade

    (pietas), pela qual foi escolhido, o far merecedor de ser o fundador de

    uma nova nao. A Odisseu, a volta ao lar; a Eneias, a fundao de uma

    nova nao com perspectivas de ser a maior nao da terra, como se

    pode ver nas vises profticas ao longo do poema Livros I, VI e VIII,

    principalmente.

    O forte componente religioso do poema j se faz presente nas

    revelaes oraculares dos Livros II e III, envolvendo o fas (o que

    permitido aos homens pelos deuses) e o nefas (o que no permitido

    aos homens pelos deuses). Eneias, heri piedoso, dever realizar as suas

    aes estritamente dentro do que permitido. Por isto mesmo, ele no

    pode tocar nos Penates com as mos sujas de sangue da batalha,

    embora deva lev-los consigo. A soluo o seu pai, Anquises, segur-

    los nas mos, enquanto o heri carrega o velho pai nas costas (versos

    717-720). Tambm o heri no poder levar consigo a esposa Cresa,

    pois os deuses no permitiro que tal acontea (versos 778-779). As

    diferenas existentes entre as revelaes dos dois livros da Eneida

    9 A propsito da eloquncia astuta de Odisseu/Ulisses, lembremos que um dos episdios marcantes no Livro II da Eneida a fala de Snon, o grego que se diz desertor e aprisionado pelos Troianos. O discurso de Snon astutamente forjado por Ulisses apresenta grande fora persuasiva, pois est todo calcado na verossimilhana. Os fatos que ele narra aconteceram, mas no necessariamente da maneira como ele os apresenta aos Troianos. Alm de trazer tona a advertncia de Laocoonte assim que Ulisses conhecido? (Sic notus Ulixes?, verso 44) , o discurso de Snon se realiza como um dos exemplos mais marcantes do que verossimilhana, um conceito to caro aos estudos literrios, mas, at onde sabemos, nunca tomado como exemplo.

  • 14

    consistem no fato de que, no Livro II as revelaes apontam para a

    necessidade de Eneias deixar Troia entregue ao seu prprio destino, a

    destruio. Trata-se de uma necessidade imposta pelos deuses, como

    sabemos. J no Livro III, as revelaes orientam o caminho do heri ao

    destino imposto pelos deuses. Essas orientaes, que se mostram

    oraculares, aparecem de modo mais completo atravs da fala de

    Heleno, o nico dos filhos de Pramo a ter sobrevivido runa do reino

    mais importante da sia Menor de ento.

    De que augrios falamos propriamente, conduzindo Eneias ao seu

    destino florescente, uma vez vencidas as provaes? Heitor aparece em

    sonhos a Eneias para dar as primeiras indicaes do novo destino do

    heri (versos 287-297). Se Heitor do fundo do peito conduz os gemidos

    (gemitus imo de pectore ducens, verso 288) para com esse ato

    conduzir Eneias fuga ditada pelos deuses, fazendo-o procurar as

    grandes muralhas que ele dever erigir (moenia quaere magna statues,

    versos 294-295), metonmia da grande cidade, direcionando Eneias para

    a glria futura, em troca de sua Troia, que naquele momento rua. A

    complementar esta viso proftica, temos os augrios que ocorrem

    quando Eneias tenta convencer Anquises a ir consigo. Diante da recusa

    do pai, Eneias resolve combater, sendo impedido pela esposa e pelo

    prodgio (mirabile monstrum, verso 680) da cabeleira de Iulo em

    chamas, sem que ele se queime (versos 681-686. Vide o mesmo no Livro

    VII, com relao a Lavnia). Tal prodgio leva Anquises a se dirigir a

    Jpiter, para a confirmao do pressgio (omina, verso 691). O som

    tonitroante do trovo e a estrela correndo como uma tocha e marcando

    uma rota no cu so vistos por Anquises como o augrio que vem de

    Jpiter e que determinam sua partida - Vestrum hoc augurium (verso

    703). O coroamento dos augrios se d com a viso da imagem

    (simulacrum, verso 772) de Cresa, instruindo Eneias sobre os detalhes

    de seu destino (versos 776-789): passado o longo exlio e depois de

  • 15

    arada a plancie do mar10, Eneias chegar a uma terra frtil, lavrada

    pelos homens, onde corre o Tibre. Ali encontrar reino e esposa rgia, e

    posses abundantes (res laetae, verso 783).

    Os elementos aqui elencados so um exemplo pequeno do que os

    augrios e os elementos religiosos, de modo geral, representam no

    contexto da Eneida. Na nossa concepo, cremos que quanto mais

    fazemos o estudo detalhado de termos e de expresses, mais

    conseguimos nos aproximar da camada verdadeiramente substancial do

    poema de Virglio, procurando novos significados, que nos ajudaro a

    compreender melhor o porqu de sua permanncia na cultura

    ocidental.

    REFERNCIAS

    ERNOUT, Alfred e MEILLET, Alfred. Dictionnaire tymologique de la

    langue latine: histoire des mots. 4. d. Paris: Klincksieck, 2001.

    HOMRE. Odysse; texte tabli et traduit par Victor Brard; introduction

    d'Eva Cantarella; notes de Silvia Milanezi. Paris: Les Belles Lettres, 2001

    (3 vol).

    VIRGILE. nide; texte tabli et traduit par Jacques Perret. Paris: Les

    Belles Lettres, 2006 (3 vol).

    10 Entenda-se: Eneias, para ter direito ao que o augrio lhe prenuncia, dever arar o mar, assim como se aram os campos, para que eles possam ser semeados, possam germinar e frutificar. Depois de arado o mar, ultrapassando os obstculos e as provaes, Eneias se realizar como o grande heri fundador de uma nao vitoriosa.

  • 16

    A tradio homrica de Eneias

    Felipe dos Santos Almeida

    evidente na Eneida o entrelaamento articulado por Virglio entre

    o mtico e o histrico, tendo como base a lenda de Eneias, o mais

    remoto antepassado dos romanos, e o Imprio de Augusto. Virglio, ao

    se apropriar do mito da fundao das bases de Roma, elabora no

    personagem central, Eneias, o modelo de ndole romana, baseado na

    tradio, na religio e na virtude. A Eneida representa, no mbito

    poltico, o encorajamento oficial de uma onda de orgulho nacional que

    emergiu em Roma, aps anos de guerras civis que culminaram na vitria

    de Otvio Augusto sobre Marco Antnio. Essa obra representa um

    produto desse impulso, na qual Virglio aponta os valores romanos

    resgatados e situa a atmosfera da era de Augusto. Assim, o carter de

    Eneias desenvolvido para influenciar um momento histrico

    determinado, o Imprio de Otvio, e torna-se necessrio que Virglio

    manifeste um heri j romanizado, preconizando as virtudes que

    Augusto reinstitui com o Imprio. Por isso, no momento do encontro de

    Anquises e seu filho Eneias nos Infernos, o pai nomeia este heri de

    Romane (Livro VI, verso 851), antecipando o povo que dele se origina e

    homologando seu carter latino.

    Com efeito, no Livro II, que compe o grupo de Livros que se refere

    narrativa em flashback, o episdio da destruio de Troia est situado

    muito prximo ao episdio dos ritos fnebres a Heitor que marca o

    desfecho da Ilada. Dessa forma, a partir do Eneias estabelecido pela

    tradio homrica, Virglio transfere o carter, sobretudo, ao

    personagem desse Livro II, que partilha o mesmo momento mtico do

    personagem da Ilada. O mpeto temerrio do heri, saliente na Ilada,

    sobressai-se nesse momento da Eneida emparelhando-se com a piedade

    evidenciada de Virglio, repercutindo em Eneias um extremo conflito

    interior, que nada deixa a desejar aos personagens da Literatura da

    Modernidade.

  • 17

    Os Livros das Provaes divididos por Milton Marques Jnior, no seu

    ensaio, em dois grupos narrativas do tempo presente (Livros I e IV) e

    narrativas do tempo passado (Livros II e III) constituem um ponto

    importante para as implicaes do discurso narrativo. O Eneias do Livro I

    e o Eneias do Livro II, dentro da temporalidade narrativa, encontram-se

    sete anos afastados um do outro. Como consequncia disso, esse heri

    do primeiro Livro j ocupa o papel de rei e patriarca entre os Troianos,

    pois distante de Troia, ele j passou por inmeras provaes,

    especialmente a morte do pai, fato que lhe impe a liderana.

    Entretanto, no Livro II, introduz-se um novo ato de narrao a partir do

    personagem-narrador, Eneias. Nesse novo cenrio, no qual a

    temporalidade narrativa se estabelece exatamente na noite da

    destruio de Troia, o heri apresentado por iniciar as provaes que

    o tornaro chefe dos Troianos sete anos frente. No h como estudar

    a composio desse personagem sem observar o que representam os

    eventos ocorridos nesses sete anos e nem como atribuir um mesmo

    thos ao personagem Eneias apresentado na narrativa do tempo

    presente e quele apresentado na narrativa do tempo passado. O

    comportamento do primeiro est elaborado dentro do modelo romano,

    j o do segundo praticamente o da tradio homrica. Assim, dentro

    da Eneida, pode-se observar, a partir da lgica de causalidade proposta

    por Virglio, o thos do personagem do tempo presente da narrativa

    como uma consequncia do personagem do flashback.

    A grande base de Virglio para conceber o carter guerreiro e

    temerrio de Eneias est na Ilada, sobretudo nos Cantos V e XX, de

    onde podemos retirar passagens representativas. Observa-se na Ilada

    uma temeridade quase imprudente conferida s aes de Eneias que

    nos evidenciam exatamente o seu carter. Essa capacidade de enfrentar

    o perigo sem nunca recuar, no ceder aos assaltos, manter-se com

    firmeza nos combates baliza as noes conferidas a a)lkh= (BENVENISTE,

    1995, 73). O sentido que compe esse vocbulo grego constitui um dos

    atributos tanto dos heris, quanto dos deuses. Dois momentos da Ilada

  • 18

    so basilares na constatao dessa temeridade de Eneias: um em seu

    confronto com Diomedes (Canto V) e o outro com Aquiles (Canto XX). O

    Canto V da Ilada narra os grandes feitos guerreiros do Grego Diomedes.

    Nesse momento, o heri avana causando vrias baixas aos Troianos, e

    entre estes, a Pndaro, que ento atingido a ponto de desfalecer no

    cho, tornando-se alvo fcil ao despojo de suas armas pelos inimigos.

    Contudo, Eneias pe-se a proteger o corpo do companheiro, mesmo

    que isso custe sua vida (Canto V, versos 289-302). isso que sugere o

    narrador, se aps o golpe de Diomedes a Eneias, Afrodite no o tivesse

    salvado (Canto V, versos 311-313).

    No Canto XX, Eneias novamente observa uma carnificina, agora

    gerada por Aquiles, sendo impelido pelas palavras de Apolo, em feies

    de Lcaon, a lutar com o Pelida (Canto XX, versos 79-109). Assim, Eneias,

    encontrando Aquiles, em resposta s provocaes do Argivo, revela-lhe

    que palavras no podem amedront-lo (Canto XX, versos 251-258).

    Certamente, em ocorrendo o confronto, Eneias teria morrido,

    novamente sugere o narrador (Canto XX, versos 289-293), se Posdon

    no o tivesse dali retirado (Canto XX, versos 318-329). No Livro II da

    Eneida, esse carter guerreiro e temerrio de Eneias constituinte da

    tradio homrica entra em confronto com a piedade virgiliana

    apresentada no Livro I e que ainda ser desenvolvida nos livros

    subsequentes. Assim, se vrios augrios impelem o heri a partir de

    Troia, a possibilidade da glria eterna conferida pela bela morte o

    impulsiona a permanecer na cidade.

    A abundante presena de augrios nesse Livro II exprime bem

    aquilo que percorre toda essa obra de Virglio. Ao se aprofundar a

    leitura da Eneida, observa-se que o augrio responsvel por conduzir

    as aes que movem a trama de seu incio ao seu desfecho. Dentro do

    desenvolver dessa trama, salienta-se o papel central do personagem

    Eneias, que ser o condutor da ao principal, a fundao das bases de

    Roma. Como sabemos, atribuda a Eneias uma piedade insigne, uma

    devoo e obedincia singulares, que propriamente justificam essa

  • 19

    escolha dos deuses para promov-lo como agente dessa iniciativa de

    fundao da nova cidade. exatamente por essa obedincia aos deuses,

    que Eneias vai seguir os comandos divinos, objetivando cumprir o seu

    destino assinalado e entrelaado ao da nova Troia. Nesse ponto,

    encontramos a funo dos augrios, visto que a vontade dos deuses

    expressa ao heri Troiano no s pela prpria presena fsica dos

    deuses, mas especialmente pelos seus pressgios, muitas vezes

    enigmticos. O augrio exerce seu papel, ou seja, a conduo da trama,

    medida que Eneias pratica sua piedade. Augrio e ao esto presos

    um ao outro na Eneida em funo dessa expresso da religiosidade

    romana, a pietas.

    A partir da histria narrada na Eneida se depreende o prprio

    mito de Roma, mas tal associao se estabelece tambm com outras

    naes. Da trama que se desenrola, fazem-se emergir outras histrias

    que, a princpio, pareciam secundrias e escondidas, mas que tambm

    encontram seu desfecho. Estas constituem a elaborao mtico-potica

    de Virglio a outros povos que de alguma forma participaram da histria

    que tornou Roma uma cidade soberana. Assim a histria que se

    desdobra de Dido em relao aos Cartagineses, a do rei Latino em

    relao aos nativos do Lcio, e a dos rcades e Rtulos, que salientam a

    presena do mito grego nas terras da Itlia. Tambm nessas histrias, o

    augrio exercer um papel importante. Na histria dos Latinos, o

    augrio que conduz a ao o fogo que se apodera do cabelo de Lavnia

    (Livro VII, versos 71-78), instigando os nativos do Lcio a receberem

    bem os estrangeiros. Na dos Rtulos, o augrio a prpria presena de

    Alecto nos sonhos de Turno (Livro VII, versos 411-456), conduzindo-o a

    lutar contra os Troianos recm-chegados. Na histria dos rcades, o

    augrio a apario de um parente e amigo, Eneias, durante os

    sacrifcios solenes a Hrcules, tendo isso comprovado pela genealogia

    compartilhada por ambas as raas e pelos presentes dados por Anquises

    ao rei Evandro no passado (Livro VIII, versos 101-174). Dessa forma,

  • 20

    constata-se que o papel do augrio em conduzir a trama no se reduz

    apenas ao ncleo dos Troianos, representado por Eneias.

    Certamente, essas tramas aparentemente secundrias tambm

    se interligam com a principal por impulso dos augrios muitas vezes

    externos ao campo de ao de Eneias, revelados aos leitores atravs de

    uma focalizao onisciente do poeta-narrador. Entretanto, sobre o

    heri Troiano que se concentram os sinais divinos que movem a trama,

    e sobre o Livro II, que se concentram os augrios da Eneida. Com

    efeito, essa obedincia de Eneias aos deuses entra em conflito com o

    mpeto guerreiro homrico evidenciado nesse Livro II, repleto de

    pressgios e ordens divinas. E no por menos, so cinco os augrios

    necessrios para o heri se conscientizar de que seu destino est alm

    da runa iminente de Troia e que a busca por uma nova fundao da

    cidade em terras ocidentais inexorvel. Os cinco augrios se

    manifestam diretamente para Eneias atravs de um sonho com Heitor,

    do discurso de Panto, da advertncia de Vnus, dos pressgios de

    Jpiter e do simulacro de Cresa. sob esses prenncios divinos que se

    constata a grande inquietao do heri diante daquilo que ele deseja e

    daquilo que designam os deuses. Verifica-se uma aflio inerentemente

    humana atribuda ao heri, no qual, ora pesa a obedincia aos deuses,

    que o incitam a partir, ora se pesam as suas emoes, diante da

    destruio de Troia, que deixam aflorar seu mpeto guerreiro e o desejo

    de morrer junto cidade.

    Com efeito, os augrios que se apresentam a Eneias guardam em

    si uma unidade, um fio condutor que os atravessa aprofundando aos

    poucos seu significado e revelando a destruio de Troia e o destino do

    heri Troiano. Alguns elementos dos augrios se repetem reforando-os

    e estendendo seu sentido. Entre esses elementos esto declaraes

    diretas da destruio de Troia por autoridades, a tomada das muralhas

    da cidade, a anuncia de Jpiter perante os eventos estabelecidos pelo

    destino e o carter religioso da famlia.

  • 21

    A viso proftica de Heitor nos sonhos de Eneias (Livro II, versos

    268-297) compe o primeiro dos augrios que anunciam a destruio de

    Troia e o destino de Eneias. Heitor em suas palavras anuncia

    explicitamente a runa da cidade ruit alto a culmine Troia e confirma

    seu discurso indicando a tomada das muralhas da cidade pelos gregos

    Hostis habet muros. Uma vez que as muralhas representam espaos

    sagrados protegidos pelos deuses, a invaso grega s se d por

    intermdio de um favorecimento divino. No s atravs das muralhas

    que Troia rui, mas por meio delas que uma nova cidade deve ser

    erigida. assim que Heitor tambm anuncia a misso de Eneias,

    designando-o a procurar novas muralhas para a cidade moenia quaere

    magna onde se possa estabelecer o fogo da cidade e a poderosa

    Vesta, deusa que o mantm sempre aceso.

    Diante desses desgnios, Eneias acorda e, ao percorrer a cidade,

    ele encontra Panto, sacerdote de Apolo, que procura partir da Troia. A

    prpria imagem do sacerdote augural, pois ele foge com seus deuses

    domsticos e com seu neto, simbolicamente o que deveria fazer Eneias

    (Livro II, versos 318-321). Panto tambm prenuncia o fim de Troia em

    suas palavras fuimus Troes, fuit Ilium , apontando que tal desgnio se

    d pela vontade de Jpiter ferus omnia Iuppiter Argos transtulit (Livro

    II, versos 322-338). Sua posio sacerdotal lhe confere a manteia e o

    discurso proftico, elementos que reforam o discurso de Heitor e

    deveriam impulsionar Eneias a partir. Entretanto, a viso da guerra, o

    bramido dos combatentes e o rudo das armas o impelem s chamas

    que tomam a cidade e o impulsiona s armas.

    O terceiro augrio presenciado por Eneias durante a invaso

    grega a Troia se refere advertncia de Vnus. Esta se apresenta ao

    heri e com palavras o impele a procurar seu pai, esposa e filho para,

    junto com eles ir-se, complementando, assim, o destino apresentado

    por Heitor. Nas suas palavras, a divina me revela que a famlia do

    patriarca Anquises j teria sucumbido s espadas ou s chamas se no

    fosse sua proteo. Para convencer o heri temerrio de que lutar

  • 22

    intil, ela lhe revela que a destruio de Troia se d por vontade divina.

    Assim, corrobora os discursos de Heitor e Panto, cujas palavras apontam

    sempre a tomada das muralhas como uma prpria manifestao da

    vontade divina, pois Eneias consegue observar o prprio Netuno,

    construtor das muralhas de Troia, destruir tais fronteiras e as fundaes

    da cidade com grande tridente Neptunus muros magnoque emota

    tridenti fundamenta quatit (Livro II, versos 610-611); Juno, a frente de

    todos, exortar os gregos pelas Portas Escaias; e Palas, triunfante,

    estabelecer-se no alto das cidadelas. Assim, prometendo proteo,

    Vnus com suas palavras conduz Eneias a procurar a casa do pai.

    O penltimo augrio do Livro II da Eneida se manifesta atravs de

    uma sequncia de sinais auspiciosos que direcionam Eneias a buscar seu

    destino. Anquises, indicado no verso 287 como patriarca - pater

    Anchises -, vai presidir todo este momento ritualstico do augrio

    distinguindo os pressgios divinos, suplicando e pedindo confirmaes,

    at que, por fim, reconhece atravs de uma sucesso de sinais a

    vontade divina que o impele a desistir do anseio de morrer junto com a

    cidade. Assim, ele decide viajar acompanhando seu filho. fundamental

    apontar que Virglio no descreve apenas um sinal divino em

    manifestao, pois com essa passagem reconstitudo o ritual arcaico

    da manteia que acompanha os augrios. O augrio, ento, torna-se

    todo o processo que contm tanto os sinais quanto as fases de sua

    interpretao. Com o augrio presente no ambiente domstico, o autor

    contrape o conhecimento portado pelo membro que exerce uma

    funo sacerdotal ao presidir o culto familiar, o patriarca da famlia, ao

    dos outros constituintes do corpo familiar.

    O simulacro de Cresa configura o ltimo augrio a se manifestar a

    Eneias, nesse Livro II. Iniciado por Heitor, o destino revelado a Eneias se

    completa e se detalha pelas palavras de Cresa. Em sonhos, o heri

    Troiano recebeu a incumbncia de partir de Troia e, aps atravessar os

    mares, o dever de construir novas muralhas aos Penates Troianos.

    Entretanto, o lugar onde essa edificao se realizaria estava incgnito.

  • 23

    Os dizeres de Cresa indicam no s o lugar onde se estabelecer, mas a

    sombra de sua mulher anuncia tambm uma esposa real. As terras a

    serem procuradas so as da Hespria, que representam as terras

    ocidentais, tomadas genericamente pelo Lcio. Este fato tarda a

    chegada de Eneias Itlia, pois desconhecedor do exato lugar onde

    erigir a cidade, o heri, no seu percurso at chegar ao Lcio, ter

    construdo cidades na Trcia, em Creta, e ajudar a construir a prpria

    Cartago, cidade da rainha Dido, que o recebeu como hspede.

    Nesses ltimos trs augrios, a piedade, atravs de um de seus

    aspectos, o respeito e a hierarquia familiar, torna-se saliente, contendo

    aos poucos a temeridade de Eneias. No augrio de Vnus, Eneias se v

    duplamente motivado a procurar a famlia, em primeiro lugar, pelo

    discurso oriundo de uma deusa e, em segundo, pelo fato de que ela

    sua me. No seu discurso, ela prpria se define como me e induz o

    filho a no lhe desobedecer. Porm, tambm sob esse respeito

    famlia, que Eneias, ento, ao encontrar o pai, decide armar-se

    novamente para a guerra, pois Anquises, o patriarca da famlia, decidira

    no partir de Troia. O heri Troiano, sabendo que deveria partir, escolhe

    ficar, pois, atado s obrigaes da famlia, no pode deixar seu pai

    morrer abandonado e possivelmente sem funerais adequados. O

    augrio do simulacro de Cresa liberta Eneias das obrigaes de esposo,

    deixando-lhe o nico dever de cuidar do filho comum, smbolo do

    carter frtil do casal.

    Durante a destruio de Troia encontram-se os primeiros augrios e

    o incio das provaes de Eneias. Para o heri, um dos pontos mais

    dolorosos dessas provaes est concentrado no Livro II, no momento

    em que Troia rui, pois Eneias, ansiando a bela morte, guardando viva na

    memria a imagem do Heitor, campeo dos Troianos, assinalado pelos

    deuses a deixar a sua ptria. Confuso, tomado pelo seu impulso

    guerreiro, o heri no meramente conduzido pelos augrios que se

    mostram diante dele, mas por meio da sua insigne piedade, o heri,

    lamentando e sofrendo, praticamente arrastado por uma srie de

  • 24

    sinais divinos que confirmam a destruio de Troia e o seu prprio

    destino. Essa elaborao mostra a grande habilidade de Virglio em

    evidenciar na Eneida essa passagem do heri da tradio homrica, na

    qual o prprio autor se baseia, para um novo paradigma, um Eneias

    baseado na tradio, religio e virtude Romanas. O Livro II representa

    exatamente o ponto intermedirio desses dois modelos de Eneias, o

    momento em que Virglio expe, mtica e poeticamente, o comeo e

    desenvolvimento do modelo da ndole Romana.

  • 25

    Estrutura do Livro II da Eneida A Destruio de Troia

    O Livro II da Eneida trata da destruio de Troia, sendo o incio da

    narrativa de Eneias, que tem como sequncia sua viagem por mar e por

    terra (Livro III) para chegar ao seu destino, o Lcio. Com uma conotao

    augural muito forte, o Livro II apresenta em sua estrutura o componente

    mais estritamente religioso do fas e do nefas, a saber, o que permitido

    e o que no permitido pelos deuses aos homens. nesse Livro II que

    se encontra, em sntese, o cerne da Eneida, pois Eneias saber o seu

    destino, fatum, termo que decorre da mesma raiz de fas e nefas, o

    verbo *for. 11

    Para a contextualizao do Livro II, faz-se necessrio um retorno ao

    Livro I A Chegada de Eneias Lbia. Eneias se encontra no Norte da

    frica, na Lbia de ento (a Tunsia, na geografia atual), local onde a

    rainha fencia Dido est construindo uma cidade, Cartago. O heri chega

    quela regio depois de perseguido por Juno. Tendo sado de Drpano

    na Siclia, onde lhe morreu o pai Anquises, Eneias deveria se encaminhar

    para a Pennsula Itlica, local em que, depois de consultar a Sibila em

    Cumas e descer aos infernos para entrevistar-se com o pai, ele seguiria

    sua viagem at o Lcio, para a construo das bases da nova Troia.

    Perseguido pela fria de Juno, os navios troianos so atingidos pela

    tempestade desencadeada por olo, a pedido da rainha das deusas.

    necessria a interveno de Netuno, expulsando os ventos do seu

    domnio, para que Eneias chegue, em segurana, costa africana. Em l

    chegando, Eneias encontra-se com Dido, que o acolhe, oferece um

    banquete em sua homenagem, cumprindo os ritos da hospedagem, e

    11

    Um dos sentidos de *for predizer, como se pode ver na prpria Eneida, Livro I, v.

    261-262, momento em que Jpiter prediz para Vnus, a ttulo de ratificar suas

    decises, o destino de Eneias e dos seus descendentes: fabor enim, quando haec te

    cura remordet,/longius, et uoluens fatorum arcana mouebo Com efeito predirei, visto

    que esta inquietao te remi, e desenrolando, mais longamente, manifestarei os

    segredos dos destinos.

  • 26

    pede ao heri que narre a sua histria. Em suma, isto o que ocorre no

    Livro I. assim que vamos conhecer a queda de Troia com detalhes o

    que no se encontra em Homero e a viagem dificultosa de Eneias,

    impelido pelos fados. A narrativa de Eneias sobre a derrocada de Troia

    , portanto, a mais completa que nos chegou atravs de um poema

    pico de qualidade inquestionvel. Vamos a uma sinopse do Livro II da

    Eneida.

    O Livro II inicia com Eneias atendendo ao pedido da rainha Dido,

    para narrar a sua histria. A narrativa de terceira pessoa, predominante

    no poema, ainda comanda os dois primeiros versos do Livro II, mas o

    narrador heterodiegtico s retomar as rdeas de sua narrativa nos

    versos 716 a 718 do Livro III, para fechar o relato do heri Troiano.

    Eneias, narrador autodiegtico de dois episdios Livros II e III

    contar a histria das grandes dificuldades por que foi obrigado a

    passar, comeando por desenvolver, do verso 3 ao 804, o argumento do

    Livro II A Destruio de Troia , de que se destacam os seguintes

    tpicos:

    Introduo (Versos 3-12): Eneias diz da dor que ser narrar as

    atribulaes por ele vistas. Anuncia que a noite aconselha a dormir, mas

    que far o relato se for o desejo de Dido.

    O cavalo de madeira (Versos 13-39): Os Dnaos constroem um

    cavalo e fingem ser um objeto votivo deusa Palas Atena, garantia do

    seu retorno ptria. Na realidade, o ventre da esttua guarda uma elite

    de guerreiros Argivos, armados, enquanto os demais Dnaos,

    escondidos na ilha de Tnedos, fingiram ter voltado para sua ptria. Os

    Teucros se alegram e, acreditando na partida do inimigo, abrem suas

    portas e visitam os campos abandonados. O cavalo causa admirao e

    controvrsias: Timoetes quer introduzi-lo na cidadela; Cpis,

    acreditando ser uma armadilha, quer jog-lo ao mar ou queim-lo ou,

    ainda, furar seus flancos, explorando o que se encontra dentro do

    cavalo.

  • 27

    Advertncia de Laocoonte (Versos 40-57): Furioso, o sacerdote

    Laocoonte adverte contra o perigo do cavalo, lembrando a astcia de

    Ulisses, temendo qualquer presente dos Dnaos. Laocoonte fere o

    ventre do cavalo com uma lana arremessada, mas sua advertncia

    ignorada por todos.

    Priso de Snon (Versos 58-75): Preso por pastores Troianos, o

    Dnao Snon levado presena do rei. Eneias antecipa a Dido a

    disposio de Snon tanto para a traio, convencendo os Troianos de

    sua dissidncia, em relao aos seus companheiros Argivos, e assim

    abrir as portas de Troia para os Aqueus, quanto para a morte, em caso

    de seu dolo ser descoberto. Snon mostra-se desesperado, sem terra ou

    gua que o abrigue; j no tem lugar entre os Dnaos e os Troianos

    reclamam seu sangue. Os Troianos incitam Snon a falar, o que d

    margem para que ele desenvolva com verossimilhana a farsa montada

    pelos Dnaos.

    Primeira narrativa de Snon (Versos 76-104): Snon diz-se de

    descendncia Arglica, declara-se desventurado, mas no mentiroso.

    Estava na guerra como companheiro de Palamedes, injustamente

    acusado de traio por Ulisses e morto. Tendo-se disposto a vingar o

    amigo, Snon sofre a perseguio de Ulisses. Aps despertar a

    curiosidade de todos, Snon interrompe a narrativa, mostrando-se

    vtima e incitando os Troianos a mat-lo, fato desejado por Ulisses e que

    seria bem pago pelos Atridas.

    Segunda narrativa de Snon (Versos 108-144): Snon diz dos planos

    de fuga dos Dnaos sempre frustrados pelo mau tempo. Os Dnaos

    haviam enviado Eurpilo ao orculo de Apolo, para saber a causa do mau

    tempo, e conhecem que o deus exige uma vtima, do mesmo modo que

    para ir a Troia eles tiveram que, anteriromente, em ulis, sacrificar uma.

    Ulisses exige de Calcas o nome da vtima. Dez dias depois, o adivinho, de

    comum acordo com Ulisses, indica Snon. Preparado para o sacrifcio,

    Snon foge, sendo capturado pelos Troianos. Ao trmino da sua

    narrativa, Snon diz-se sem esperana de rever a ptria, os filhos ou o

  • 28

    pai, e teme que os Dnaos os faam pagar em seu lugar. Mostrando-se

    uma vtima, Snon pede pelos deuses do alto, pelas potncias divinas,

    que sabem a verdade, e pela confiana no corrompida dos mortais,

    que os Troianos tenham pena dele.

    Pramo d liberdade a Snon (Versos 145-153): Tocados pelo relato

    de Snon, os Troianos concedem-lhe a misericrdia. Pramo manda

    libertar suas mos e, considerando-o um dos seus, o inquire a respeito

    do cavalo.

    Terceira narrativa de Snon (Versos 154-198): Snon agradece aos

    deuses do alto, tomando-os como testemunha, bem como aos fogos

    eternos de inviolvel potncia. Ele tambm toma como testemunha os

    altares, o gldio, as fitas dos deuses que o levariam ao sacrifcio de que

    ele fugiu. Continuando com a sua farsa, Snon diz que, trado pelos

    Gregos, as leis divinas o autorizam a romper os compromissos sagrados

    com os antigos companheiros. Liberto do compromisso com a ptria,

    Snon pede a fidelidade de Troia em troca dos segredos que vai revelar.

    Os Dnaos confiavam em Palas Atena, porm, quando Ulisses e

    Diomedes roubaram a sua sagrada efgie, o Paldio, e a conspurcaram

    com as mos sujas, toda a esperana deles foi-se por terra. Diante da

    fria da deusa, Calcas diz que os Dnaos partam e busquem em suas

    terras os auspcios dos deuses, do mesmo modo que eles o tiveram

    quando foram para Troia. Os Dnaos partem, ento, a Micenas, apenas

    para preparar as armas e sob a vontade divina realizar nova investida

    sobre Troia. Para expiar o sacrilgio cometido contra a deusa, os Dnaos

    construram o cavalo, que deveria substituir o Paldio. Construdo com

    grande porte, o cavalo no deveria ser levado para dentro das muralhas,

    o que beneficiaria os Troianos. Tambm no poderia ser ultrajado, o que

    traria desgraa a quem o fizesse. Snon revela ainda que se os Troianos

    conseguissem colocar o cavalo dentro das muralhas, os Dnaos que

    sofreriam o cerco dos Troianos dentro de seus prprios domnios.

    Intervindo, Eneias fala da arte da insdia de Snon, ruinosa para os

  • 29

    Troianos, que haviam resistido tanto tempo fora de Diomedes e de

    Aquiles.

    Morte de Laocoonte e seus filhos (Versos 199-227): Enquanto o

    sacerdote Laocoonte realiza um sacrifcio na praia, os Troianos veem,

    com horror, duas serpentes surgirem de Tnedos para sufocar e devorar

    os filhos do sacerdote e, em seguida, o prprio Laocoonte. Aps a morte

    do sacerdote e de seus dois filhos, as serpentes se retiram, para as

    alturas, em busca dos templos, e se escondem aos ps da deusa Palas e

    de seu escudo.

    O cavalo levado para dentro das muralhas (Versos 228-249):

    Diante da morte de Laocoonte e seus filhos, os Troianos acreditam no

    que diz Snon. O sacerdote foi punido por haver ofendido a deusa Palas,

    ferindo o cavalo com uma lana. Parte da muralha quebrada para o

    cavalo entrar em Troia. Jovens cantam hinos sagrados, enquanto o

    cavalo puxado para dentro das muralhas. Os Troianos, cegados pela

    loucura, introduzem o monstro na cidadela sagrada, sem ouvir as

    previses de Cassandra.

    Os Argivos invadem Troia (Versos 250-267): Aproveitando a

    escurido da noite e o fato de que a cidade dorme, sepultada pelo

    vinho, Snon abre a barriga do cavalo e libera os guerreiros Dnaos de

    dentro dele: Tessandros, Estnelos, Ulisses, Acamas, Thoas,

    Neoptlemos, Macon, Menelau e Epeios. Os outros guerreiros, que se

    encontravam escondidos em Tnedos, chegam com seus navios ao

    litoral e, com as portas de Troia abertas, eles invadem a cidade.

    Advertncia do esprito de Heitor a Eneias (Versos 268-297): Em

    sonhos, Eneias cr ver o esprito de Heitor. O filho de Pramo lhe

    aparece do modo como fora ultrajado por Aquiles, sujo, ensanguentado

    e ferido, no como o Heitor vitorioso vestido dos despojos de Aquiles ou

    o que comanda o incndio s naus dos Dnaos. Chorando Eneias lhe

    dirige vrias perguntas, mas Heitor as ignora e lhe diz para fugir: o

    inimigo conquistou as muralhas de Troia, Troia desaba de sua altura e

    no pode ser defendida por braos mortais. Troia confia a Eneias seus

  • 30

    Penates e seus objetos de culto. Eneias deve fugir e, seguindo seu

    destino, procurar as grandes muralhas, que erguer, aps haver corrido

    os mares. Heitor confia a Eneias a deusa Vesta, suas fitas e seu fogo

    eterno, trazidos do fundo do santurio da deusa.

    Despertar de Eneias (Versos 298-317): Eneias desperta do sono com

    os Dnaos dentro de Troia. Gritos por todos os lados, os palcios de

    Defobo e Ucalego ardendo em chamas, a traio dos Dnaos est

    descoberta. Eneias pega as armas para defender a cidadela, num

    arroubo herico de morrer pelas armas.

    Revelao de Pantos (Versos 318-346): Eneias encontra Pantos,

    sacerdote de Apolo, que lhe diz do ataque dos Aqueus, da traio de

    Snon e da destruio de Troia pela vontade de Jpiter. Sados do cavalo,

    os Dnaos tomaram a cidade. Diante de tais revelaes, Eneias se lana

    no meio do combate com os companheiros, na tentativa v de defender

    a sua ptria.

    Eneias exorta os companheiros luta (Versos 347-369): Sabendo

    tratar-se de uma luta v, Eneias anima os companheiros a lutar e a nada

    esperar do combate, pois a nica salvao dos vencidos no esperar

    nenhuma salvao. Troia desaba, um imprio termina; por toda a parte,

    encontram-se o pavor e a imagem abundante da morte.

    Confuso de Androgeu, nimo de Corebo (Versos 370-401):

    Androgeu confunde os Troianos com os Dnaos, ao perceber o erro,

    tenta fugir, mas sua tropa massacrada por Eneias e os companheiros.

    Animado com o triunfo sobre Androgeu, Corebo incita os companheiros

    a tomarem as armas dos Dnaos, de modo a engan-los, conseguindo,

    assim, matar e fazer correr vrios inimigos.

    Tentativa de salvao de Cassandra (Versos 402-452): Cassandra

    puxada pelos cabelos pelas mos inimigas de dentro do santurio de

    Minerva. Os Troianos tentam salv-la. Trava-se uma luta sangrenta, em

    que tanto Eneias e seus companheiros so combatidos pelos Troianos,

    enganados pelos trajes que eles usam, quanto pelos Dnaos, dentre eles

    Ajax e os dois Atridas, que os reconhecem pela fala. Muitos Troianos

  • 31

    morrem. Eneias tenta socorrer o palcio de Pramo, assediado pelos

    Gregos.

    Eneias no palcio de Pramo (Versos 453-485): Eneias tenta conter

    o avano dos Dnaos ao palcio de Pramo, mas no consegue. A

    investida ao recinto comandada por Pirro e pela juventude de Sciros,

    que conseguem abrir uma brecha nos muros para invadir a morada de

    Pramo.

    Dor e sofrimento no interior do palcio de Pramo (Versos 486-

    505): Diante do mpeto de Pirro, furioso, tendo a fora do pai Aquiles e

    acompanhado dos dois Atridas, o que Eneias v dor e sofrimento:

    Hcuba acompanhada de suas noras, ao p dos altares profanados de

    sangue; as cmaras nupciais destrudas; os Dnaos ocupando os espaos

    deixados pelo fogo.

    Eneias testemunha a morte de Polites e a de Pramo (Versos 506-

    558): O velho rei Pramo, vendo sua cidade tomada pelos Dnaos,

    resolve envergar a armadura h muito no usada. Hcuba o faz desistir

    da idia de lutar, chamando-o para ficar ao abrigo do altar, junto com

    suas filhas. Pramo, no entanto, v Pirro matar-lhe o filho Polites, e,

    indignado, tenta acert-lo com um tiro fraco de lana, recriminando em

    Pirro o que ele, Pramo, no viu no prprio Aquiles. Pirro Neoptlemo

    volta-se contra Pramo, desdenhando do velho rei, e o mata, diante do

    altar domstico. Pramo, antigo dominador da sia, jaz, cabea sem

    tronco, cadver sem nome.

    Terror e dio de Eneias, ao presenciar a morte de Pramo (Versos

    559-587): Lembrando-se do pai, da esposa e do pequeno filho, Eneias

    sente-se envolvido pelo horror, ao presenciar a morte de Pramo.

    Sozinho, pois o desespero levou seus companheiros, Eneias descobre

    Helena, que procura se esconder no templo de Vesta, e o dio lhe toma

    o esprito. O heri pensa em mat-la, mesmo que isto no lhe traga

    nenhuma glria, pelo menos, ele teria vingado a morte de Pramo, a

    destruio de Troia e livrado o mundo de uma abominao. Se no

  • 32

    mat-la, ela voltar a Esparta com o marido, para viver no fausto, e

    Eneias no vingar a cinza dos seus.

    Vnus aparece a Eneias (Versos 588-633): A deusa Vnus aparece

    ao heri e o impede de matar Helena, aconselhando-o a cuidar de sua

    prpria famlia. Descortinando a nuvem que no deixa Eneias ver o que

    se passa, ela lhe mostra que a queda de Troia uma deciso dos deuses:

    Netuno abala a fundao das muralhas; Juno, nas Portas Escaias,

    armada com espada, chama as tropas dos Dnaos; no alto da cidadela

    encontra-se Palas com a Grgona, e Jpiter anima o ardor viril dos

    Dnaos. Conduzido pela me, Eneias avana por entre as runas de

    Troia, com as setas cedendo-lhe o lugar e as chamas se retirando sua

    passagem.

    Resistncia de Anquises em partir (Versos 634-670): Eneias chega

    casa de seu pai, Anquises, e o velho rei se recusa a partir, negando-se a

    sobreviver runa de Troia e ir para o exlio. Diante da resistncia do pai,

    Eneias resolve ficar e dar novo combate aos Dnaos, pois no vai fugir e

    deixar o pai morrer, mesmo que sua fuga seja por uma determinao

    dos deuses. Eneias teme que Pirro faa com ele o mesmo que fez com

    Pramo, matando o filho diante do pai e matando o pai no altar.

    Temendo por sua casa, por sua mulher e seu filho, Eneias dispe-se a

    nova luta contra o inimigo.

    Prodgio em Iulo (Versos 671-691): Eneias empunha novamente a

    espada, mas impedido por Cresa de se entregar ao combate. Sua

    esposa lhe diz para defender, em primeiro lugar, sua prpria casa.

    Enquanto Cresa suplicava a Eneias no voltar a combater, mas

    defend-los, um prodgio se passa: a cabeleira de Iulo comea a pegar

    fogo, sem queimar, no entanto, o menino. Eneias se apressa a apagar a

    chama e Anquises, vendo ali um prodgio, pede a Jpiter a confirmao

    do pressgio.

    Confirmao do pressgio (Versos 692-704): Jpiter confirma o

    pressgio a Anquises, fazendo ouvir o trovo e aparecer uma estrela

    brilhante que marca o caminho para Eneias e os seus. Diante do

  • 33

    prodgio, Anquises resolve acompanhar Eneias, pois sabe que Troia

    ainda existe na vontade dos deuses.

    Eneias decide partir (Versos 705-729): Eneias parte, levando nas

    costas o velho pai, com Cresa e Iulo o seguindo de perto. O heri

    marca com os companheiros, como ponto de encontro, um antigo

    cipreste ao lado de um templo de Ceres, isolado de tudo. Como Eneias

    est com as mos sujas do combate, Anquises leva consigo os Penates

    de Troia. Impuro, o heri para portar os Penates deveria, antes,

    purificar-se em gua corrente.

    Perda de Cresa (Versos 730-751): Com a proximidade dos inimigos,

    Eneias apressa o passo e perde Cresa de vista. Todos se renem no

    local indicado, mas Cresa no se encontra. Eneias acusa os homens e

    os deuses, em seu desespero, e empunhando novamente as armas,

    depois de deixar todos em segurana, decide voltar cidade para

    encontrar a esposa.

    Eneias busca Cresa (Versos 752-767): Tentando encontrar Cresa,

    Eneias volta a sua casa, para v-la em chamas; o heri percebe tambm

    que a cidade foi pilhada e o butim est sendo guardado por Ulisses e

    Fnix; ele v, ainda, a longa fila de crianas e mulheres pvidas com a

    destruio.

    A imagem de Cresa aparece a Eneias (Versos 768-795): Ousando

    chamar por Cresa, Eneias v aparecer-lhe a imagem da mulher, que o

    aconselha a esquec-la, pois os deuses a impedem de ir com ele e outro

    destino o aguarda: um longo exlio pelo mar, depois do que o heri

    chegar Hespria, terra do opulento Tibre, onde lhe esto reservados

    um reino, uma fortuna prspera e uma esposa real. Eneias deve ficar

    descansado, pois Cresa no ir ser escrava dos Gregos: Cibele, a me

    dos deuses, a retm naquelas paragens. Eneias tenta abra-la, trs

    vezes, e a imagem, trs vezes escapa de suas mos. O heri retorna aos

    companheiros.

    Eneias segue para o exlio (Versos 796-804): Eneias se surpreende

    com o nmero de pessoas que vo partir com ele mes, homens, uma

  • 34

    multido digna de piedade, que seguir com ele ao exlio. Pela manh,

    com os Dnaos fechando as portas da cidade, o heri, sem muita

    esperana, segue para as montanhas, com o pai nas costas.

  • 35

    Dicionrio da Eneida, de Virglio

    Livro II: Narrativa de Eneias A Destruio

    de Troia (804 Versos)

  • 36

    A

    Acamas (Acamas, v. 262): Heri Grego que se encontrava dentro do

    cavalo de madeira levado para Troia.

    Acaicos (Achaica, v. 462): Relativo aos Aqueus. O termo se refere aos

    acampamentos Aqueus (Achaica castra).

    Ajax (Aiax, v. 414): O texto se refere ao aprisionamento de Cassandra

    pelos Gregos e retomada da sacerdotisa por Corebo e pelos

    companheiros de Eneias. Os Gregos ficam enfurecidos e atacam o

    esquadro Troiano. Dentre os Dnaos est o feroz Ajax (acerrimus Aiax,

    verso 414). Poderia haver dvidas sobre o Ajax a que o texto se refere,

    se se trata do Telamonida ou do Oilida. Como Eneias est narrando a

    destruio de Troia, no pode haver dvida: trata-se de Ajax Oilida ou

    Ajax Menor, pois a este heri imputa-se o crime de violao de

    Cassandra dentro do templo de Palas Atena ou Minerva. Na Odisseia

    (Canto III, versos 134-135), Nestor se lamenta a Telmaco, referindo-se

    aos muitos Argivos que pereceram sob a ira funesta de Palas Atena.

    Quando Telmaco chega Lacedemnia, para saber de Menelau sobre

    seu pai, Odisseu, o Atrida lhe diz da sua estada no Egito e como soube,

    depois de aprisionar Proteu, dos fatos que se sucederam sua sada de

    Troia. Dentre eles, Menelau sabe que Ajax Oilida, perseguido pela clera

    de Palas Atena, salvo do naufrgio de suas naus, mas pela falta

    cometida, morto afogado por Posdon (Canto IV, versos 499-509).

    nas Troianas, de Eurpides, que vemos a falta cometida por Ajax. Atena

    resolve punir os Gregos, pois Ajax feriu pela fora Cassandra dentro de

    seu templo (versos 65-75).

    Androgeu (Androgeos, v. 371; Androgeos, v. 382; Androgei, v. 392):

    Grego, acompanhado de outros Gregos, que confunde Eneias e os

    companheiros do heri com seus aliados. Androgeu e sua tropa so

    mortos por Eneias. S depois de recriminar a preguia dos aliados e

  • 37

    incit-los a rapinar as riquezas de Troia, que Androgeu percebe que

    caiu no meio de inimigos.

    Andrmaca (Andromache, v. 456): Mulher de Heitor, me de Astanax.

    No Livro III da Eneida, Eneias se encontrar com Andrmaca no piro,

    como esposa de Heleno.

    Anquises (Anchisae, v. 300; Anchisen, v. 597; Anchises, v. 687;

    Anchisen, v. 747): Anquises o pai de Eneias. O velho rei se pronuncia

    entre os versos 638-649, deste Livro II da Eneida, demonstrando

    resistncia em ir com Eneias. Ele que j vira e sobrevivera destruio

    de Troia por Hrcules, recusa-se a sobreviver a mais uma. Anquises

    sente-se velho e inutilizado desde que foi atingido pelo raio de Jpiter,

    por ter revelado a sua unio com Vnus. Para ele, Facilis iactura

    sepulcri, verso 646 A perda ou sacrifcio do sepulcro fcil. Anquises

    s se decide a ir-se com Eneias, quando ele v o prodgio do fogo nos

    cabelos de Ascnio. O velho pai de Eneias pede, ento, a Jpiter a

    confirmao do pressgio, no que de imediato atendido: Jpiter

    manda o trovo e uma estrela brilhante que percorre o cu por cima da

    casa de Anquises, mergulhando na floresta do Monte Ida. Entendendo a

    confirmao do pressgio e a proteo dos deuses, Anquises resolve

    partir com Eneias.

    Apolo (Apollo, v. 121; Apollinis, v. 430): Deus da profecia, do arco, da

    poesia, da msica, da inspirao, da peste e da cura. Na Eneida, aparece

    mais frequentemente como deus da profecia e como guia da fundao

    da nova Troia. A primeira referncia a Apolo encontra-se no discurso

    forjado de Snon aos Troianos: os Argivos teriam enviado Eurpilo para

    interrogar o orculo de Apolo e saber quais as suas decises. A segunda

    referncia diz respeito ao momento da morte do Troiano Panto,

    sacerdote do deus.

  • 38

    Apolo Dlfico. Fragmento de esttua em madeira, recoberta de ouro e marfim. Obra Jnica do sculo VI a. C. (Museu de Delfos).

    Apolo sobre a trpode, acompanhado de rtemis e Leto, constituindo a trade Dlica. Relevo votivo do sculo V a. C. (Museu Nacional de Atenas).

  • 39

    Aquiles (Achilles, v. 29; Achilles, v. 197; Achilli, v. 275; Achillis, v. 476;

    Achilles, v. 540): Rei da Tesslia, maior heri dos Argivos, liderava os

    Mirmides. As referncias ao heri so variadas e vo desde a crueldade

    de Aquiles (saeuos Achilles, verso 29), ao Aquiles Larisseu (verso 197), a

    Heitor vestido com as suas armas, visto em sonho por Eneias (verso

    275); a Perifas, o cocheiro do Pelida, at a recriminao de Pramo,

    comparando Pirro com o pai Aquiles, mas destacando a piedade deste

    que concordou em devolver o corpo de Heitor, para o pai dar-lhe uma

    sepultura (verso 540).

    Aquiles Larisseu (Larisaeus Achilles, v. 197): Referncia cidade de

    que Aquiles proveniente Larissa , na regio da Tesslia. Vide

    Aquiles.

    Aquivos (Achiui, v. 45; Achiuis, v. 60; Achiuos, v. 102; Achiuom, v. 318):

    Relativo aos Gregos, aos Aqueus. Nome genrico para designar os

    Gregos.

    Argiva (Argiua, v. 254; Argiuom, v. 393): Referente aos Gregos. Vide

    Falange Argiva.

    Arglica (Argolica, v. 78; Argolica, v. 119): Referente aos Gregos. Vide

    Raa Arglica.

    Arglicos (Argolicas, v. 55; Argolicis, v. 177): Referentes a Argos, reino

    do Peloponeso, capital da Arglida, e aos Gregos de modo geral. Vide

    Refgios Arglicos.

    Argos (Argos, v. 95; Argis, v. 178; Argos, v. 326): Reino no Nordeste do

    Peloponeso, sob o comando de Agammnon. O termo comumente

    tomado como metonmia da Grcia.

    Arte Pelasga (arte Pelasga, v. 152): Refere-se eloquncia Grega

    usada por Snon para enganar os Troianos.

  • 40

    Ascnio (Ascanius, v. 598; Ascanius, v. 652; Ascanium, v. 666;

    Ascanium, v. 747): Ascnio, tambm conhecido como Iulo, filho de

    Eneias e de Cresa. A primeira referncia diz respeito a uma

    admoestao de Vnus a Eneias, por querer lutar contra o inelutvel, a

    destruio de Troia, tendo deixado de lado a salvao da famlia (verso

    598). A segunda diz respeito tentativa de Eneias e seus familiares de

    persuadir Anquises a partir com eles (verso 652). A terceira aluso

    mostra Eneias indagando a sua me, Vnus, se foi para morrer em sua

    prpria casa pelas mos de Pirro, como Pramo, que ela o retirou do

    meio da batalha (verso 666). A ltima referncia ocorre no momento

    em que Eneias parte em busca de Cresa, que havia desaparecido,

    deixando o pai, o filho e os Penates em segurana com os seus

    companheiros (verso 747). Vide Iulo.

    sia (Asiam, v. 193; Asiae, v. 557): A sia. De acordo com as profecias

    de Calcas, relatadas por Snon aos Troianos, o cavalo de madeira era um

    oferenda para Minerva ou Palas, como reparao ofensa feita deusa,

    no momento do roubo do Paldio por Ulisses e Diomedes. Caso o cavalo

    permanecesse na praia, os Gregos voltariam para acabar com Troia; se

    os Troianos o levassem para dentro da cidade, seriam eles, os Troianos,

    designados por metonimia como a sia, que levariam a guerra aos

    Gregos (ultro Asiam magno Pelopea ad moenia bello/uenturam et

    nostros ea fata manere nepotes verso 193-194).

    Astinax (Astyanacta, v. 457): Filho de Heitor e de Andrmaca. Na

    tradio de Eurpides (As Troianas), uma vez Troia vencida, ele jogado,

    ainda criana de colo, do alto das muralhas e morre. Virglio segue essa

    tradio, j insinuada em Homero (Ilada, Canto XXII, versos 63-64), no

    lamento de Pramo, tentando convencer Heitor a no enfrentar Aquiles.

    Quando Eneias chega ao piro (Eneida, Livro III), encontra Andrmaca e

    ela se lembra de Astanax ao ver Iulo.

    Atridas (Atridae, v. 104; Atridae, v. 415; Atridas, v. 500): Os filhos de

    Atreu, Agammnon e Menelau, maiores chefes Argivos na guerra de

  • 41

    Tria. Juntamente com Pirro, os dois irmos ajudam na tomada do

    palcio de Pramo.

    Augusta Me (alma parens, v. 591; alma parens, v. 664): Referncia a

    Vnus, me de Eneias. Vide Vnus.

    Austro, Austros (Auster, v. 111; Austris, v. 304): O Austro a

    personificao do vento Sul. Trata-se de vento violento, que traz a chuva

    e a tormenta. Para Ovdio, nas Metamorfoses, o Austro o vento Sul e

    chuvoso (Livro I, v. 65-66). desse modo que os Austros so vistos neste

    Livro II da Eneida, ventos de speras tempestades e furiosos (furentibus

    Austris, verso 304). Na Torre dos Ventos, em Atenas, o Austro, que

    corresponderia ao Notos (No/toj), representado por um jovem

    vertendo gua de uma nfora.

    Torre dos Ventos (gora Romana, Atenas)

  • 42

    Personificao de Notos, o Vento Sul, na Torre dos Ventos (gora Romana, Atenas).

    Automedonte (Automedon, v. 477): Escudeiro de Aquiles e condutor

    do seu carro de guerra. Depois da morte do heri, Automedonte se

    encontra ao lado de Pirro, filho do Pelida, ajudando na tomada de Troia.

  • 43

    B

    Belida (Belidae, v. 82): Descendente de Belo, filho de Posdon e de

    Lbia. Lbia, por sua vez filha de Epafo, filho de Zeus e de Io. Os

    ancestrais de Belo e de seu irmo Agenor so os povos da frica do

    Norte e da antiga Fencia. Seus descendentes que iro formar parte do

    povo Grego. De Agenor vir Cadmo, futuro fundador de Tebas e o

    introdutor do alfabeto, que os Gregos tomaro emprestado aos

    Fencios. De Belo, viro Dnaos e Egipto, cujas filhas e cujos filhos,

    respectivamente, casaro entre si. Da, restaro apenas Hipermnestra, a

    nica das Danaides que no mata o marido-primo na noite de npcias, e

    Linceu, o nico marido-primo sobrevivente, de quem sero

    provenientes os povos Argivos.

  • 44

    C

    Calcas (Calchante, v. 100; Calchanta, v. 122; Calchas, v. 176; Calchas, v.

    182; Calchas, v. 185): Sacerdote de Apolo junto aos Aqueus, Calcas

    proveniente de Micenas ou de Mgara, filho de Testor, conforme est

    na Ilada (Canto I, verso 69), e descendente de Apolo. Ele referido por

    Snon como tendo previsto que s um sacrifcio de sangue humano, de

    uma vida Argiva apaziguaria a deusa Minerva e garantiria a volta dos

    Dnaos a sua terra, assim como o sacrifcio de Ifignia tinha garantido a

    ida dos Dnaos para Troia. Como sempre, do relato de Snon aos

    Troianos, apenas a metade verdadeira... Calcas teria dito, ainda,

    interpretando os pressgios (Ita digerit omina Calchas, verso 182), que

    como Troia no poderia ser tomada pelos Arglidas, ento eles

    deveriam embarcar de volta, em busca de bons auspcios.

    Cpis (Capys, v. 35): Troiano que, prevendo a armadilha que o cavalo

    de madeira poderia ser aos seus compatriotas, partidrio de que o

    joguem ao mar ou o queimem ou furem seus flancos para perscrutar

    seus segredos profundos.

    Cassandra (Cassandra, v. 246; Cassandrae, v. 343; Cassandra, v. 404):

    Irm de Pris, sacerdotisa de Apolo, a quem o deus concedeu o dom da

    profecia e retirou o da credibilidade (dei iussu non unquam credita

    teucris Por ordem do deus, jamais crida pelos Teucros, verso 247).

    Aps a invaso de Troia, Cassandra, a virgem Priameia, aprisionada e

    puxada com as mos atadas, para fora do templo de Minerva. Corebo

    tenta salv-la, mas morre diante do altar da deusa. Vide Ajax (Imagem

    6, no Apndice Iconogrfico).

  • 45

    Clitemnestra matando Cassandra, bronze do sculo VII a.C. (Museu Nacional de Atenas)

    Cavalos Eoios (Eois...equis, v. 417-418): O termo se refere aos cavalos

    Eoios ou cavalos Aurorais, guiados pelo alegre Euro.

    Celcolas (caelicolae, v. 641): Habitantes do Cu, os deuses olmpicos.

    Ceres (Cereris, v. 714; Cereris, v. 742): A deusa Ceres, vinculada

    agricultura. As duas referncias a Ceres so feitas por Eneias. Trata-se

    do ponto de encontro com os companheiros na fuga de Troia destruda.

    Todos deveriam se encontrar perto do antigo templo de Ceres, sombra

    de um velho cipreste, que protegia o culto aos ancestrais.

  • 46

    Cipreste (cupressus, v. 714): Na fuga de Troia destruda, Eneias orienta

    os companheiros para que todos se renam em um mesmo ponto de

    encontro, sob um antigo cipreste, conservado pela religio dos

    ancestrais, prximo a um antigo templo de Ceres. De acordo com

    Gheerbrant e Chevalier (1982), rvore sagrada para vrios povos, graas

    sua longevidade e sua verdura persistente, o cipreste (cupressus

    sempervirens) nomeado de rvore da vida. Entre os Gregos e

    Romanos, o cipreste tem uma relao com as divindades infernais.

    rvore das regies subterrneas, ligada ao culto de Pluto (Hades), o

    cipreste orna os cemitrios. Como rvore funerria em toda a bacia

    mediterrnea, o cipreste deve este fato ao simbolismo das conferas

    que, pela sua resina incorruptvel e sua folhagem persistente, evocam a

    imortalidade e a ressurreio. No contexto deste Livro II da Eneida, o

    cipreste est prximo a um antigo templo de Ceres, a deusa da

    agricultura, cuja atividade cclica nos remete para a ressurreio e a

    imortalidade, representadas por essa rvore, presena constante na

    paisagem de Roma e de toda a Grcia.

    Ciprestes do Palatino, Roma.

  • 47

    Ciprestes no Santurio de Apolo, em Delfos (Grcia).

    Corebo (Coroebus, v. 341; Coreobus, v. 386; Coroebus, v. 407;

    Coroebus, v. 424): Companheiro de Eneias nos primeiros combates aos

    Gregos, quando da invaso e tomada de Troia. Filho de Migdon, Corebo

    foi a Troia prestar ajuda a Pramo, levado por amor insano a Cassandra.

    O infeliz no soube ouvir as profecias da sua amada (infelix qui non

    sponsae praecepta furentis/audierit! versos 345-346). Nos primeiros

    combates, Corebo exorta os companheiros a se vestirem com as armas

    dos Gregos mortos e assim confundirem o inimigo. Que importa contra

    o inimigo que se use o dolo ou a virtude se eles mesmos fornecero as

    armas? (Dolus an uirtus, quis in hoste requirat?/Arma dabunt ipsi,

    versos 390-391). Corebo coloca em si mesmo o capacete de Androgeu e

    empunha a espada do inimigo morto. Ao ver Cassandra ser arrastada de

    mos atadas pelos Gregos, Corebo tenta salv-la, mas morre diante do

    altar de Minerva, a deusa das armas poderosas (diuae armipotentis ad

  • 48

    aram/procumbit, versos 425-426). Esta passagem nos faz lembrar o

    momento em que Heitor veste as armas de Aquiles, que o Priamida

    retira de Ptrocles, aps mat-lo, selando a sua prpria sorte por ter

    vestido as armas de um heri morto (Ilada, Canto XVII, v. 198-209).

    Corpo Heitreo (corpus...Hectoreum, v. 542-543): Referncia ao

    resgate do corpo de Heitor por Pramo, que se d no Canto XXIV da

    Ilada. Vide Heitor.

    Cresa (Creusa, v. 562; Creusa, v. 597; Creusa, v. 651; Creusam, v. 666;

    Creusa, v. 738; Creusam, v. 769; Creusae, v. 772; Creusam, v. 778;

    Creusae, v. 784): Filha de Pramo e esposa de Eneias. Cresa, diante da

    deciso de Eneias de retomar o combate, mesmo aps os conselhos de

    Vnus para que ele partisse, implora por ela mesma, pelo filho e por

    Anquises. Se Eneias tem que retomar as armas que comece defendendo

    a sua prpria casa. Na fuga com Eneias, Cresa se perde e o heri,

    depois de deixar a salvo os companheiros, o pai, o filho e os Penates,

    retorna para busc-la. Cresa aparece a Eneias sob a forma de uma

    imagem, um simulacro, para dizer da impossibilidade de segui-lo, pois

    esta foi a vontade dos deuses. Ela mesma apresenta ao heri o ltimo

    aviso, com detalhes sobre o seu destino: Eneias ter um longo exlio

    pelo mar at chegar Hespria, onde corre o Tibre Ldio, atravs de

    terras de rica cultura; l o esperam uma fortuna, um reino e uma esposa

    real. Eneias deve ficar descansado, pois Cresa no servir de escrava

    aos Gregos. Cibele, a grande me dos deuses, a reter nas plagas

    Troianas.

  • 49

    D

    Dnaos (Danai, v. 5; Danaum, v. 14; Danaum, v. 36; Danaum, v. 44;

    Danaos, v. 49; Danaum, v. 65; Danaos, v. 71; Danai, v. 108; Danai, v.

    117; Danaum, v. 162; Danaum, v. 170; Danaos, v. 258; Danaum, v. 276;

    Danaum, v. 309; Danai, v. 327; Danai, v. 368; Danaum, v. 370; Danaum,

    v. 389; Danais, v. 396; Danaum, v. 398; Danai, v. 413; Danaum, v. 433;

    Danaos, v. 440; Danaum, v. 462; Danaum, v. 466; Danai, v. 495; Danai,

    v. 505; Danaum, v. 572; Danais, v. 617; Danais, v. 669; Danai, v. 757;

    Danai, v. 802): Forma genrica para designar os Gregos. O termo

    proveniente de Dnaos, ancestral dos Argivos. Vide Belida.

    Dardnia (Dardaniae, v. 281; Dardaniae, v. 325): Regio da Trade,

    fundada pelo heri Drdanos, filho de Zeus, de quem se originam, Tros e

    Ilos, ancestrais dos Troianos.

    Dardnidas (Dardanidae, v. 59; Dardanidae, v. 72; Dardanidum, v.

    242; Dardanidae, v. 445): Os Troianos, descendentes de Drdanos. So

    os pastores Dardnios que levam Snon, o Argivo, amarrado, para que

    Pramo e os demais que esto na praia, em torno do cavalo de madeira,

    possam ouvi-lo.

    Dardnios (Dardanium, v. 582; Dardana, v. 618): Referncia aos

    Troianos, de maneira geral.

    Drdanos (Dardanis, v. 787): Ancestral dos Troianos, filho de Zeus, de

    quem descendem Tros, Ilos, Laomedonte e Pramo. Cresa, como filha

    de Pramo, diz-se descendente de Drdanos.

    Defobo (Deiphobi, v. 310): Irmo de Heitor, referido por Eneias, por

    ocasio da destruio de seu palcio pelo fogo, quando da tomada de

    Troia pelos Gregos. Defobo aparece na Ilada, sobretudo no momento

    em que Palas Atena toma a sua forma, de modo a enganar Heitor e

    incit-lo a combater Aquiles (Canto XXII, versos 224-305).

  • 50

    Deuses Paternos (di patrii, v. 702): Deuses olmpicos.

    Dimas (Dymas, v. 340; Dymas, v. 394; Dymas, v. 428): Companheiro de

    Eneias nos primeiros combates aos Gregos, quando da invaso e

    tomada de Troia. A conselho de Corebo, Dimas toma para si as armas

    dos Gregos mortos, de modo a causar confuso entre as hostes

    inimigas. Confundido com um Grego, Dimas morto por outros

    Troianos.

    Dlopes (Dolopum, v. 7; Dolopum, v. 29; Dolopum, v. 415; Dolopum, v.

    785): Assim tambm eram conhecidos os Tesslios, comandados por

    Aquiles na guerra de Troia. Por extenso, pode referir-se aos Gregos

    como um todo. No verso 785, Cresa tranquiliza Eneias, dizendo que

    no ver as moradas soberbas dos Dlopes. Ela no ser, portanto,

    escrava dos vencedores.

    Dricos (Dorica, v. 27): Nome genrico dado aos Gregos. As invases

    Dricas, dos povos ao Sul da sia Menor, contriburam para a formao

    do povo Grego. Segundo Herdoto (Livro I, 56), os Dricos so de

    origem Helnica, pois Doros filho de Helen e de rseis, e neto de

    Deucalio e de Pirra. Os Dricos habitam primeiro a regio da Ftia,

    depois a regio aos ps do Olimpo, at chegar ao Peloponeso.

    Dricos Acampamentos (Dorica castra, v. 27): Os acampamentos

    Gregos. Os Troianos achavam que os Gregos haviam partido e

    abandonado a guerra, pois seus acampamentos estavam vazios. Na

    realidade, eles estavam escondidos na ilha de Tnedos, esperando o

    momento de atacar.

  • 51

    E

    Eneias (Aeneas, v. 2): Eneias, a pedido de Dido, comea a narrativa de

    sua fuga de Troia at a chegada Lbia. Trata-se de uma narrativa de

    primeira pessoa, obedecendo mesma estrutura utilizada por Homero

    na Odisseia, quando Ulisses, ao longo dos Cantos IX a XII, narra as suas

    aventuras para Alcnoos, o rei Fecio: heri perseguido pelos deuses,

    procura de seu reino, tem contra si uma tempestade que o joga em

    terra estranha; acolhido pelo rei da terra, instado, em meio a um

    banquete em sua homenagem, a contar como chegara at ali. A

    diferena est na viso de quem narra e do que narrado. Ulisses

    centra o enfoque em si mesmo e nas andanas que fez por mar e por

    terra, depois de sair vitorioso de Troia. Esta , portanto, a viso do

    vencedor, confirmada pelo canto do aedo Fecio Demdoco (Odisseia,

    Canto VIII). J Eneias divide o assunto da narrativa. No Livro II ele vai

    tratar da destruio de Troia pelos Gregos e de sua fuga ordenada pelo

    destino. No Livro III, Eneias trata de sua errncia por mares e por terras

    at chegar Siclia, terra que seria o ltimo ponto antes de chegar

    Pennsula Itlica, quando perseguido por Juno e, por conta da

    tempestade desencadeada por olo, ele aporta na Lbia, onde Dido est

    construindo o reino de Cartago. A viso de Eneias, pois, a viso do

    derrotado, o que se pode confirmar nas dolorosas cenas da guerra de

    Troia, representadas nas paredes do templo de Juno em Cartago

    (Eneida, Livro I). Eneias comea a narrativa da destruio de Troia

    fazendo aluso ao fato de os Dnaos terem fingido abandonar a guerra,

    deixando uma oferenda um cavalo de madeira gigantesco para a

    deusa Palas na praia. Reunidos em torno do cavalo de madeira, os

    Troianos divergem quanto ao que fazer com o artefato: lev-lo para

    dentro das muralhas, jog-lo ao mar, queim-lo ou perscrutar suas

    entranhas, para ver o que l se esconde. A interveno de Laocoonte,

    falando do perigo que o cavalo representa e atirando uma lana no

    flanco do animal (feri, verso 51), interrompida pela chegada de um

  • 52

    jovem Argivo, amarrado, levado por pastores Troianos. Ao curso de sua

    narrao, Eneias vai lamentando a perda de Troia por causa do cavalo

    d