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EIXO 7: Manejo e Conservação do Solo O ETNOCONHECIMENTO SOBRE O MANEJO DO SOLO: O CASO
DA COMUNIDADE DE CANABRAVA Luzia Maria da Silva
Universidade Federal da Bahia – Campus Edgar Santos – Barreiras [email protected] Nayara Silva Perazzo
Universidade Federal da Bahia – Campus Edgar Santos – Barreiras [email protected]
Adriana Almeida Universidade Federal da Bahia – Campus Edgar Santos – Barreiras
Elane Fiúza Borges Universidade Federal da Bahia – Campus Edgar Santos – Barreiras
RESUMO Estudos sobre a evolução da humanidade explicam que o homem primitivo retirava da natureza os alimentos necessários á sobrevivência, coletando frutos, folhas e raízes para saciar a fome. Com o passar do tempo o homem passou a fixar-se em um dado território, surgia neste momento a agricultura, sendo o solo a principal fonte de riqueza. Desta maneira, foram desenvolvidas, através da experiência, técnicas de manejo e conservação do solo, o que permitiu às gerações futuras usufruir deste mesmo recurso natural. Consciente da importância do solo, as comunidades primitivas transferiram o conhecimento não sistematizado, empírico e associado à utilização de técnicas rudimentares de geração à geração. Tal conhecimento é denominado de etnoconhecimento. O objetivo desse trabalho consiste, portanto, em entender como se dar a relação, o uso e o manejo do solo pelos moradores da comunidade Canabrava, localizada na zona rural do município de Barreiras – Bahia. Para o desenvolvimento desta pesquisa, fundamentou-se em fontes bibliográficas específicas e em trabalho de campo, através do qual fez-se observações in locus, realizou-se entrevistas semi-estruturadas e aplicou-se questionários em toda a comunidade. Este trabalho justifica-se pela necessidade de maiores estudos sobre o etnoconhecimento, o qual precisa ser valorizado e articulado ao saber acadêmico, pois muito tem contribuído para o desenvolvimento sustentável das comunidades tradicionais. A pesquisa revelou que, a despeito dos moradores de Canabrava não possuírem o conhecimento científico, foram capazes de identificar e nomear o solo bom para o plantio, bem como de desenvolver e utilizar técnicas de manejo sustentável. Isto permitiu inferi que o saber empírico, construído historicamente, demonstra grande sabedoria sobre o manejo do solo. Palavras - Chaves: solo, etnoconhecimento, comunidade Canabrava. ABSTRACT Some studies about the humankind evolution explain that the primitive human use to take from the environment just the food necessary to keep their life, collecting fruits, sheets and roots to satiate their hungry. After a long period of time the humans start to fixe their life in determined territory, what makes possible the agriculture, becoming the soil the more important source of improvement. So, it was developed, by means of experiences, some soil conservation techniques, what allow another generations to use this natural resource. Knowing about the soil importance, the primitive human communities had transferred their non systematized knowing, associated to the utilization of primitive techniques, from generation to generation. This kind of knowing is denominated as ethnic-knowing. The objectives of this research is to understand how use to occur the relation, use and the management of the soil by the population of the Canabrava Community, located in Barreiras – BA. To develop this research, it was necessary to look for a literary base specific to this
theme. Also was necessary to do a lot of work fields for making observations in situ, where was done some interview and was applied some questionnaires with the local population. This research is justified by necessity of more studies about ethnic-knowing, which needs to be valorized and articulated to the academic knowing, which has contributed to the sustainable development of the traditional communities. The research show that, despite the Canabrava Community do not have the scientific knowing, they where able of identify and appoint the good one soil to the agriculture activities, as well as to develop and use sustainable management techniques. So, it was noted that the knowing, constructed to the long of the history, show a lot of wisdom about the soil use. Key-words: Soil, ethnic-knowing, Canabrava Community.
1- Introdução A história da humanidade revela que a natureza determinava a sobrevivência e a
mobilidade do homem sobre a Terra. O desenvolvimento técnico e a construção de
instrumentos de trabalho tornaram possível a transformação da natureza para a produção
dos elementos vitais ao ser humano, abolindo a necessidade dos freqüentes deslocamentos.
Na medida em que as comunidades sedentárias surgiram tornaram-se necessárias as noções
de propriedade da terra. A partir de então, o progresso técnico tornou-se cada vez mais
freqüente.
Assim, pode-se dizer que o espaço agrário deve ser visto como produto histórico das
relações sociedade-natureza, num determinado espaço-tempo. Essa relação se dá sobre tudo
a partir da necessidade do homem fixar-se em um determinado espaço, retirando da terra,
por meio da agricultura, o seu sustento e de toda a sua família. Mas ao mesmo tempo, a
terra (solo) transformou-se ao longo da história da humanidade, na principal forma de
produção e acumulação de capital, que acaba por interferir no real sentido da agricultura
familiar, através de tecnologias cada vez mais avançadas que, suplantando, na maioria das
vezes, os conhecimentos empíricos adquiridos ao longo das gerações.
Nos últimos anos, muitos estudiosos têm levado em consideração os conhecimentos
e as experiências realizadas no solo, através da etnopedologia que tem como objetivo
principal entender como se forma o conhecimento sobre o solo e como esse influencia
diretamente na vida daquele que trabalha com a terra e retira dela o sustento.
Para Gallardo (apud. Mafra), o solo é um dos recursos naturais disponível na
superfície terrestre essencial para grande parte das atividades humanas, principalmente para
a produção de alimentos.
Neste sentido, esse artigo visa discutir e evidenciar como o etnoconhecimento pode
contribuir para a melhoria na agricultura familiar no povoado de Canabrava, localizado na
área rural do Município de Barreira – BA, permitindo compreender como o conhecimento
empírico sobre o solo pode auxiliar os produtores rurais que lidam com a agricultura de
subsistência. Portanto o objetivo consiste em despertar educadores, pesquisadores e
moradores da comunidade em geral, de forma simples e objetiva a importância de estudar
esse tema, na tentativa de valorizar os conhecimentos empíricos das comunidades que
trabalham a terra, respeitando a forma como o trabalhador rural vê, entende, classifica e faz
uso desse solo mesmo sem possuir o saber científico.
Neste contexto, entender o processo de formação é de fundamental importância para
perceber as relações do solo na agricultura familiar no povoado de Canabrava.
Portanto, esse trabalho justifica-se pela necessidade de um estudo pesquisa nesta
área, posto que o etnocohecimento tem, ao longo da história, contribuído para o
desenvolvimento sustentável das comunidades do campo e por esse motivo precisa ser
valorizado e articulado ao saber acadêmico.
2- LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
A comunidade Canabrava, objeto de estudo desse trabalho, está situada à 7 km da
sede, na zona rural do Município de Barreiras, localizada no Oeste Baiano, tendo como
principal via de acesso a BR 462 com saída para São Desidério.
Figura1: Localização do objeto de estudo. Fonte: Google Maps 3- REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
3.1- Uso do Solo para a Agricultura
Por muito tempo, no passado, a espécie humana conseguia alimento apenas
caçando, pescando e colhendo grãos, frutos e raízes. Mas, há cerca de dez mil anos, nossa
espécie passou também a plantar os vegetais e criar os animais que lhe servem de alimento.
Era o ponto de partida para o desenvolvimento da agricultura.
Sobre isso, Lepsch (2002, pg. 69) coloca que:
O homem tem tendência ou impulso natural de ordenar e classificar os objetos com que lida e o solo, pela sua importância como fator de sobrevivência, não é exceção. Desde que ele deixou de ser somente um caçador de frutas silvestre começou a cultivar plantas para se alimentar e classificar os solos em grupos bastante simples, para fins práticos imediatos como bons ou ruins para cultivo de determinadas plantas.
Mas apesar dessa relação entre o homem e o solo, o espaço agrário, tem se
caracterizado por uma enorme desigualdade na distribuição da terra. De um lado, a minoria
de latifundiários, e do outro, milhares de famílias que são pequenos proprietários que
sobrevivem da agricultura de subsistência ou da agricultura familiar.
3.2- Agricultura Familiar No Brasil
De acordo com o Ministério da Agricultura (2008), a chamada agricultura familiar
constituída por pequenos e médios produtores representa a imensa maioria de produtores
rurais no Brasil. São cerca de 4,5 milhões de estabelecimentos, dos quais 50% no Nordeste.
Os segmentos detêm 20% das terras e responde por 30% da produção global. Em
alguns produtos básicos da alimentação do brasileiro como o feijão, arroz, milho,
hortaliças, mandioca e pequenos animais chegam a ser responsável por 60% da produção.
Em geral, são agricultores com baixo nível de escolaridade e diversifica os produtos
cultivados para diluir custos, aumentar a renda e aproveitar as oportunidades de oferta
ambiental e disponibilidade de mão-de-obra.
Têm-se como exemplo vários municípios do Estado da Bahia, nos quais a
agricultura familiar é a única fonte de renda de várias famílias, mesmo naqueles onde o
agronegócio tem um espaço amplo, como exemplo, o Município de Barreiras.
A microrregião de Barreiras é considerada dinâmica e sofreu as maiores
transformações a partir de meados da década de 70 do século XX, tanto de ordem
econômica, quanto de ordem social, cultural e ambiental. Esta transformação se deu
principalmente pela explosão do agronegócio (no qual fazem uso de técnicas de manejo da
terra, como a utilização de produtos químicos na correção do solo, além de maquinários
avançados em tecnologia), por outro lado, muitas famílias que sobrevivem da agricultura
familiar faz uso do solo de forma natural e rudimentar utilizando muito mais os adubos
orgânicos do que os químicos. (uréia e o sulfato de amônia). Tendo ainda que enfrentar os
obstáculos colocados por aqueles que detêm o capital.
4- MATERIAIS E MÉTODO
Diante disso, foi necessária a formulação de alguns procedimentos e técnicas de
pesquisa quais sejam: pesquisa bibliográfica referentes ás temáticas de formação, erosão e
conservação do solo; geomorfologia e meio Ambiente; etnoconhecimento; etnopedologia e
agricultura familiar.
Para pesquisa de campo elaborou-se um questionário, com perguntas abertas,
preenchido por meio de entrevista individual às famílias da comunidade. Em posse destes
dados, foram elaborados gráficos e posteriormente analisados.
5- RESULTADOS E DISCUSSÃO A comunidade surgiu no final da década 1980 e inicio dos anos 90, após
implantação da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF),
Com a implantação do projeto1, todos os moradores que não foram contemplados tiveram
que ser remanejados para outra localidade. A área onde hoje a CODEVASF está situada
sempre foi uma das melhores áreas para a agricultura, já que, além de contar com um solo
de “boa qualidade”, conta também com um relevo que propicia a captação de água dos rios
e a distribuição até os terrenos por canais (ou calha) através da gravidade.
Todas as iniciativas da Empresa visam à geração de emprego e renda, à redução dos
fluxos migratórios e dos efeitos econômicos e sociais decorrentes de secas e inundações e,
ainda, à preservação dos recursos naturais dessas bacias hidrográficas, com o objetivo de
melhorar a qualidade de vida dos habitantes das regiões. Por outro lado, aqueles a quem o
projeto não contemplou foram remanejados para uma outra área. Surge assim, a
Comunidade de Canabrava.
De acordo com os moradores dessa comunidade, os responsáveis pelo projeto
negligenciaram o bem estar das famílias que estavam sendo desterritorializadas.
“Os primeiros anos foram os mais difíceis! Tudo que a gente sabia fazer era lidar com a enxada, a foice o enxadão, para ‘cavucar’ a terra e coloca esterco de vaca, misturar e plantar os alimentos para dá de comer os nossos filhos, mas o governo expulsou nós da nossa terra e mandou colocar perto da serra, lá tinha pouca água e não dava para plantar, além disso, ficava longe demais da cidade de Barreiras onde nos vendia o que sobrava. Como a gente viu que não ia ter jeito, juntamos a comunidade, fizemos uma associação de moradores e começamos a plantar vários tipos de cultura separando as que conseguiam resistir durante o período de seca
1 O Projeto Oeste Baiano está inserido no âmbito do Programa de Revitalização das Bacia Hidrográfica do São Francisco, com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Para sua formulação foram consideradas as diretrizes do Plano Decenal, dos Planos Diretores de Recursos Hídricos e do Programa “Velho Chico” Vivo, com planejamento de ações de controle de processos erosivos na região do Oeste do Estado da Bahia, drenada pelos rios Grande, Corrente e margem esquerda do Carinhanha.
das que só dava no tempo de chuva. Hoje agente consegue colher o ano inteiro.” (Fernando Alves) 2
Atualmente, a área da comunidade está dividida entre 20 famílias, distribuída em
terrenos que variam de 5 a 10 hectares. Apesar de todos os transtornos a maioria do solo
existente na comunidade, é um solo bom para o plantio, de acordo com os moradores, não
precisa de correção química, exceto em pequenas áreas. Possui areia e argila na medida
certa, precisando apenas de adubo orgânico.
Perguntados sobre quais os elementos que compõem o solo, a maioria dos
moradores respondeu não saber, outros disseram que é de fundamental importância para o
solo água e a luz; alguns dos moradores disseram que os elementos que compõem o solo
são a água, o carbono e os sais minerais, o restante dos entrevistados responderam que o
solo é formado por minhoca, sapo, cobra, ser humano, entre outros, como pode ser
observado no gráfico abaixo:
43%
14%
29%
14%Não sabe
Àgua e luz
Àgua, carbono e saismineraisMinhoca, sapo, cobra,ser humano
Figura 2: Quais os elementos que compõem o solo? Fonte: Pesquisa de campo realizada em Outubro de 2008
Apesar de não possuírem um conhecimento sistematizado a fala dos moradores
demonstra que há uma relação entre os conhecimentos aprendidos cientificamente com os
saberes empíricos que cada um já trás ao longo da vida.
Analisando área, pode-se perceber que a maioria dos terrenos estão localizados no
sopé da serra e que com as chuvas, a matéria orgânica são carreadas das áreas mais altas,
através das enxurradas, deixando o solo mais propício ao plantio. Como pode ser observado
nas fotos abaixo:
2 Nome fictício para preservar a identidade do entrevistado.
Figura 2.1: Preparação do solo para o plantio Figura 2.2: horticultura na Comunidade
De acordo com Guerra e Cunha (2006, pg.66):
O solo é formado por um conjunto de corpos naturais tridimensionais resultantes da ação integrada do clima e organismo sobre o material de origem, condicionado pelo relevo em diferentes períodos de tempo, o qual apresenta características que constitui a expressão dos processos e dos mecanismos dominantes na formação. Dentro desse ponto de vista, o solo é uma parcela dinâmica e tridimensional da superfície, constituída por um conjunto de características peculiares internas e externas, com limite definidos de expressão.
Além da falta de água que era uma constante, devido aos oito meses de seca
característico do clima da região. Sem energia elétrica e água encanada, o desenvolvimento
da comunidade só se deu, segundo os moradores, graças a um córrego e a um poço
artesiano que foi perfurado na ocasião.
Diferente dos empresários do agronegócio, os moradores da comunidade
Canabrava, buscam compreender o solo a partir de informações passadas de pai para filho
ao longo das gerações. Assim, esse conhecimento é baseado, sobretudo, nas tradições
culturais e agrícolas. A esse conhecimento dar-se o nome de etnopedologia.
A etnopedologia tem como foco principal os conhecimentos não sistematizados
acerca do solo, utilizado pelo senso comum, para assim entender, de que forma esse
conhecimento influencia diretamente na vida de quem trabalha com a terra. A reflexão
desses saberes empíricos sobre o cultivo do solo, desenvolvido ao longo de toda a vida do
homem desde o momento em que este se torna sedentário, tem sido transferido através da
cultura popular de geração em geração até os dias atuais.
Vale JR, Schaefer e Costa (2007) explicam: Foi a partir de saberes produzidos na longa e sólida experiência histórica dos povos eslavos no cultivo do solo, que nasceu a pedologia moderna, com V. Dokuchaev, na última quadra do século XIX. A etimologia tem evidente origem etnopedológica, apesar de sua incorporação de há muito nos sistemas gerais de classificação do solo em diversos países.
Isso pôde ser percebido através da visita de campo. Os moradores da comunidade
Canabrava tinham acesso conhecimento cientifico acerca do solo, porém, traziam consigo
uma grande gama de conhecimento empírico que os possibilitava uma relação não
agressiva com o solo. Foi observado que em determinadas áreas o plantio era feito em
terreno íngrime. A agricultora explicou que se estivesse na época das chuvas, sua lavoura
não poderia estar naquele local, por que a água da chuva levaria toda a “comida” das
plantas.
Sobre isso Mafra (apud. Guerra, Silva e Botelho, 2007 pág. 301) coloca que o maior
problema da erosão em terras com vocação agrícola consiste na eliminação da capa
superficial do solo, em função da concentração da camada de matéria orgânica e frações
minerais finas, as quais garantem a nutrição indispensável ao crescimento dos vegetais.
Uma das pessoas entrevistadas afirmou ainda, que quando o solo está muito seco,
por falta de chuva a terra tende a rachar e para não perder a plantação ela coloca palha de
arroz sobre os canteiros para reter a água e manter a planta com vida. A palha de arroz,
segundo ela, impede que a água vá embora para dentro da terra.
Por apresentar um relevo ondulado, os moradores da comunidade optaram em fazer
o cultivo do solo de duas maneiras: durante a época da seca a cultura é plantada nas
encostas, enquanto na época de chuva esse plantio é feito nas áreas mais rebaixadas. Vale
ressaltar que a maioria dos agricultores da comunidade faz o “descanso” do solo de seis em
seis meses para que o solo não fique saturado.
Apesar do excesso de água ser um problema no período chuvoso, o que realmente
preocupa os agricultores são os longos meses de estiagem que deixa o solo impróprio para
o cultivo, assim, quando não se dispõe de técnica de irrigação que o ameniza os problemas
nos seis meses do ano em que não há nenhuma precipitação são os rios e riachos existentes
na região.
Desde o início da colonização do município de Barreiras foram construídas represas
nos riachos, a fim de se fazerem canais para irrigar as lavouras durante os meses secos. Sem
o auxílio do conhecimento técnico-científico, mas conduzidas pela experiência e o senso
comum, essas represas, feitas por agricultores, até hoje ainda são usadas na zona rural do
município (Figura 2.3 e 2.4). No entanto o uso desenfreado dessa água fez com que o fluxo
de água diminuísse a tal ponto que o curso de muitos rios não consegue se manter nem ao
menos na estação das chuvas, causando um grande transtorno.
Figura 2.3: Barragem do Ribeirão (anos 80) Figura 2.4: Barragem da comunidade de Canabrava (2008) Fonte: Arquivo pessoal de Ignez Pita Fonte: Arquivo pessoal das pesquisadoras
Esse é um dos principais problemas relatado pelos moradores da comunidade
investigada. Para eles as maiores preocupações são o desmatamento e as queimadas
próximo às matas ciliares. Os gráficos 2.5 e 2.6 refletem essa preocupação:
57%29%
14%Queimadas,desmatamentos dasnascentes
Acabar com anatureza
Usar veneno
57%
43%Preservar anatureza
Depende dasautoridades
Figura 2.5: Degradação do solo segundo moradores Figura 2.6: Conservação do solo Fonte: Pesquisa de campo realizada em Outubro de 2008
De acordo com a maioria dos entrevistados, 57%, uma das coisas que mais degrada
o solo, são os tipos de agrotóxicos utilizados de forma errônea por agricultores
desinformados. Para outros, 29%, uma das formas mais rápida de degradar o solo é a
destruição da natureza daqueles que a utilizam sem pensar no futuro. Para 14% dos
entrevistados, são as queimadas e o desmatamento junto às margens dos rios que mais
degradam o solo.
A figura 2.6 demonstra que 57% dos moradores têm consciência de que para não
degradar o solo é preciso preservar a natureza e que isso depende de cada pessoa, por outro
lado, 43% acham que a conservação do solo depende de ações governamentais, como por
exemplo, crédito ao pequeno produtor rural e construções de barragens próximas às
comunidades.
A comunidade de Canabrava possui 20 famílias, todas elas sobrevivem da
agricultura familiar, tendo como principal produto as hortaliças que são comercializadas em
feiras livres e supermercados da cidade. Um dos moradores afirma que a produtividade da
comunidade teve um declínio devido ao atraso das chuvas nos últimos 15 anos e,
principalmente, por causa da construção de uma barragem particular, construída pelo
governo, dentro de uma fazenda, diminuindo assim, fluxo do rio e obrigando os moradores
das comunidades por onde este passa a tentar segurar esta água para o cultivo das
hortaliças.
De acordo com os membros da associação de moradores da comunidade Canabrava
um dos fatores mais importantes que afetam na produção é o relevo, pois a área onde estão
localizadas as propriedades é favorecida, pelos nutrientes que são carreados até a parte mais
baixa, onde se concentra toda produção.
Assim os moradores da comunidade classificaram o solo da seguinte maneira:
“Terra boa” onde não é necessário colocar nenhum tipo de adubo químico (uréia e sulfato
de amônia) 3 e “Terra ruim”, aquela que mesmo colocando adubo é difícil produzir.
3 De acordo com o senhor Martiniano Ferreira (morador da comunidade) o sulfato de amônia serve para soltar a terra, mas a uréia tem que ser usada com moderação, pois do contrario, poderá colar a terra.
Para Lepsch (2002) “Por algumas centenas de anos; o processo de conhecer o solo
foi baseado quase que exclusivamente na experiência de alguns homens, que pela
observação mais acurada, conseguiam distinguir terras de diversas qualidades”.
Ainda segundo Lepsch (2002 pg. 135)
Os latossolos sob a vegetação de Cerrado são áridos e pobres em nutrientes. Essa acidez (relacionada ao alumínio tóxico) e escassez de nutrientes são algumas das principais causas do aparecimento do Cerrado como vegetação natural em vez de floresta. Não obstante a baixa fertilidade natural, as maiores partes dos latossolos dessa área podem ser utilizados para a agricultura intensiva, desde que se faça a neutralização da acidez, prejudicial com a aplicação de calcário e que se adicionem quantidades adequadas de nutrientes, com a aplicação de fertilizantes.
Por esse motivo, e por apresentar o relevo plano, o oeste baiano pôde desenvolver
uma agricultura de larga escala propícia aos implementos e maquinários de última geração,
patrocinada pelo agronegócio. Por outro lado, a agricultura familiar perde espaço para as
produções de dimensões gigantescas.
Os moradores da comunidade Canabrava têm uma forma muito singular de explicar
como se forma o solo. Para alguns o solo não se forma, mas é criado por Deus que coloca
cada coisa em seu devido lugar: água, terra, ar, árvore, etc. Para outros, o solo é formado de
através das forças da natureza: chuva, vento, sol, frio, calor, água entre outros. Alguns não
souberam responder e preferiram não arriscar. Como pode ser observado no gráfico 4:
42%
29%
29%Não sabeFoi Deus que criouAtravés da natureza
Figura 2.7: Gráfico demonstrativo da opinião dos moradores sobre a formação do solo.
6- CONSIDERAÇÕES
Os agricultores pesquisados foram capazes de identificar e nomear, ao seu modo, o
solo bom para a produção e aquele que, segundo eles não tinha como produzir. Apesar de
nenhum dos moradores possuírem o chamado conhecimento “cientifico”, as experiências
do senso comum, dava-lhes o suporte necessário para continuar produzindo.
Apesar dos moradores da comunidade não terem um conhecimento sistematizado sobre o
solo, o saber empírico aprendido ao longo da vida de cada um demonstra uma grande
sabedoria, mesmo que de forma empírica sobre o manejo do solo.
Portanto, é de fundamental importância que os conhecimentos empíricos acerca do
solo sejam valorizados e colocados em primeiro lugar quando se pensa em agricultura de
subsistência.
7- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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