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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA AMBIENTAL MAYTE BENICIO RIZEK Efeitos da exposição ao mercado de produtos florestais não madeireiros sobre o capital social de comunidades extrativistas da Amazônia brasileira São Paulo 2010

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA AMBIENTAL

MAYTE BENICIO RIZEK

Efeitos da exposição ao mercado de produtos florestais não

madeireiros sobre o capital social de comunidades extrativistas da

Amazônia brasileira

São Paulo 2010

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MAYTE BENICIO RIZEK

Efeitos da exposição ao mercado de produtos florestais não madeireiros sobre o

capital social de comunidades extrativistas da Amazônia brasileira

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Ciência Ambiental. Orientadora: Profa. Dra. Carla Morsello

São Paulo 2010

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

Rizek, Mayte Benicio

Efeitos da exposição ao mercado de produtos florestais não madeireiros sobre o capital social de comunidades extrativistas da Amazônia brasileira. São Paulo: 2010. Dissertação (Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental). Universidade de São Paulo. Palavras-chave: mercado de produtos florestais não madeireiros, cooperação humana, vulnerabilidade socioeconômica, comunidades extrativistas, Amazônia.

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AGRADECIMENTOS

O desenvolvimento desta pesquisa recebeu o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, através de bolsa concedida à autora para a realização do mestrado e da Rainforest Alliance, que foi responsável pelo financiamento das viagens de campo por meio do Kleinhans Awards concedido à Carla Morsello.

Este é o resultado palpável de um intenso trabalho iniciado lá no meio de 2005, quando a Carla Morsello me depositou a confiança e a honra de realizar uma das etapas de coleta de dados do seu projeto de pesquisa sobre Parcerias Florestais na Amazônia brasileira. Desde que voltei do campo a Resex Médio Juruá, mesmo tão distante, esteve sempre muito presente no meu dia-a-dia, assim como a própria Carla. Portanto, a Carla sem dúvida é a primeira pessoa na qual devo sinceros agradecimentos, principalmente pela sempre atenciosa orientação, mas também por todos os outros diversos momentos e oportunidades que me proporcionou nestes anos de convivência.

Mas, na verdade, a realização desta dissertação envolveu toda uma rede de pessoas e instituições que eu mesma não tinha me dado conta até chegar neste momento de ‘dar nome aos bois’. Corro sério risco de esquecer pessoas importantes, mas faço questão de ao menos tentar deixar explícito todos aqueles que dedicaram parte do seu precioso tempo para me ajudar diretamente em alguma que seja das diversas fases de desenvolvimento deste estudo.

Dentre tantos, devo agradecimentos especiais aos Profs. Ricardo Abramovay (FEA) e Rui Murrietta (IB), pela leitura atenciosa de uma pesquisa em construção, mas principalmente pelos valiosos comentários e sugestões que com certeza ajudaram a torná-la mais sólida.

Ao Prof. Marcio Silva (FFLCH) e o Renato Vicente (EACH), que prestaram auxílios importantes ao me apresentar e ajudar a desbravar o difícil e fascinante mundo da Análise de Redes.

O Prof. Paulo de Marco (UFG), o Adriano Paglia (CI – Brasil) e a Profa. Sabina (FSP) foram também essenciais para incentivar uma cientista essencialmente humana a perder o medo dos números e aprender a incrível funcionalidade das análises estatísticas. Com relação à etapa das estatísticas, o grande amigo Paul foi também uma peça chave por ser sempre solícito me ajudar a descobrir respostas para as minhas dúvidas e às vezes até se embrenhando comigo madrugada adentro nas variáveis sobre o bicho-homem.

Devo agradecer também todos os membros do ‘Parcerias Florestais’, em especial a Renata, o Fabão e a Lúcia, por terem realizado de forma tão responsável as etapas de coleta de dados anteriores à minha. Mas também à Ariane, pela ajuda na organização dos dados em um momento crucial, quando cheguei a achar que nada mais daria certo e à Alice, pela amizade e companheirismo em todas as etapas e descobertas sobre quais deveriam ser os novos passos rumo ao ‘gran finale’

Agradeço ao Procam, por ter me proporcionado um espaço de rica vivência e aprendizado, mas principalmente para meus queridos colegas e amigos companheiros de RD no mandato de 2008-2009. Marina, Franco e Marcelo: juntos tivemos a capacidade de tornar todos os pepinos tão mais leves, digeríveis e às vezes até divertidos.. quem diria! E que bom que nada acabou junto com o nosso mandato.

Bom, assim fica cada vez mais difícil separar as coisas, mas os últimos agradecimentos técnicos vão para meu irmão e a Carol, pela ajuda e paciência nas revisões de textos; minha tia Lelé, pelo eterno apoio não apenas na parte estatística, mas também pelas conversas e experiências compartilhadas em momentos de tensão e tantas dúvidas e minha mãe, pelo apoio familiar para sempre seguir em frente, mas também pelo apoio logístico e até material, já que tantas vezes simplesmente dominei seu escritório e computador.

Além disso, agradeço também todos os meus amigos queridos que acompanharam e sempre me deram todo o apoio nas diversas fases desses 2,5 anos. As meninas de Rio Claro todas (Camis, Tuafs, Rits, Lulis, Driks, Salmis, Baiana...), que cada uma em seu canto e do seu jeito estiveram todas sempre dando aquele incentivo para eu seguir em frente, mas também sempre me fazendo lembrar dos prazeres necessários da

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vida. À Maitá, Marininha, Pati, Lilian e tantas outras amigas paulistanas que tantas vezes ouviram meus ‘não posso’ ou simplesmente encararam os meus sumiços e, ainda assim, não desistiram de mim e da minha amizade. E, por falar em amizade, impossível esquecer do Bacas, meu eterno e grande amigo de Fé, mas também o Dundas, Lelê e o Pé que vez ou outra sempre deram um jeito de aparecer para não me deixar esquecer dos velhos e bons tempos.

Antes de terminar não pode faltar aquela seção onde recordo que absolutamente nada disso seria possível sem o apoio, incentivo e puxões de orelha dos meus pais, que com certeza são em grande parte os responsáveis pelas decisões que me trouxeram até aqui. No pacote estão incluídos também o Paulinho, pelo companheirismo e convivência com a família; minha avó e tias queridas pelo eterno reconhecimento e admiração; meus irmãos e cunhadinha, pelo enorme amor e carinho e, como não poderia faltar, meus sobrinhos lindos... minha verdadeira inspiração!

Por fim, devo sinceros agradecimentos á todos os carauarienses, extrativistas ou não, por me receberam tão bem em terra tão calorosa. Mas principalmente para os moradores da Comunidade do Roque e de Pupuaí, pela colaboração e consentimento na coleta dos dados (muitas vezes um tanto invasivas), mas também por possibilitarem minha própria existência lá, já que inúmeras vezes nos enviavam açaí, frutas e caça e, principalmente, pela incrível experiência de convivência... estes ‘povos da floresta’ me mostraram na prática como a vida pode ser muito mais simples do que a gente imagina, eles sim são o verdadeiro tesouro que resguarda a nossa Amazônia brasileira!

São Paulo, agosto de 2010.

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Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a

distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz

ver o mundo como o imaginamos (Amyr Klink)

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RESUMO

RIZEK, M.B. 2010. Efeitos da exposição ao mercado de produtos florestais não madeireiros sobre o capital social de comunidades extrativistas da Amazônia brasileira. Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

A crença na capacidade do mercado de Produtos Florestais Não Madeireiros (PFNMs) em conciliar a conservação de florestas tropicais e o desenvolvimento de populações extrativistas resultou na implementação de diversos programas com esta finalidade na Amazônia brasileira. Dentre esses programas é cada vez mais comum o estabelecimento de parcerias entre comunidades extrativistas que comercializam PFNMs com empresas. No entanto, estudos têm evidenciado que o mercado de PFNMs apresenta impactos tanto na esfera ambiental como no âmbito socioeconômico das comunidades envolvidas. Sobre os efeitos socioeconômicos, não estão claros quais os efeitos deste mercado nas estratégias de compartilhamento de recursos e cooperação produtiva entre unidades domésticas, as quais têm funções econômicas e sociais para a subsistência, em especial no caso das unidades mais vulneráveis. Partindo dessa questão central foi testada a hipótese de que a exposição ao mercado de PFNMs afeta essas instituições cooperativas, trazendo consequências negativas para a segurança de subgrupos mais vulneráveis economicamente. Para isso foi feito um estudo comparativo entre duas comunidades que compartilham o mesmo histórico e estão localizadas em condições ambientais e geográficas semelhantes na Reserva Extrativista do Médio Juruá no Estado do Amazonas – Brasil, mas que diferem com relação à exposição ao mercado de PFNMs. Enquanto a comunidade do Roque comercializa óleos vegetais com empresas de cosméticos, Pupuaí mantém práticas econômicas locais. As técnicas para coleta de dados incluíram painel de observações sistemáticas, surveys, diagnóstico rural participativo e entrevistas estruturadas e semi-estruturadas. Os resultados indicam que o compartilhamento de recursos é menos frequente na comunidade inserida no mercado de PFNMs, porém este efeito não é perceptível na avaliação transversal entre unidades domésticas com diferentes graus da inserção ao mercado. Portanto, as mudanças no compartilhamento de recursos foram observadas somente no nível entre comunidades e a hipótese foi apenas parcialmente aceita. Com relação aos efeitos sobre unidades domésticas mais vulneráveis este estudo apresentou dois resultados principais. Em primeiro lugar há um padrão distinto de compartilhamento de recursos entre as comunidades. Isto é, na comunidade com mercado de PFNMs as unidades vulneráveis receberam mais recursos, enquanto na comunidade menos exposta ao mercado foi observado o oposto. Mas, devido à menor frequência de eventos cooperativos observados na comunidade inserida no mercado, ainda assim suas unidades vulneráveis receberam menos recursos quando comparadas com as unidades vulneráveis da comunidade menos exposta ao mercado. O segundo resultado é que as unidades mais vulneráveis da comunidade com mercado de PFNMs participaram de interações cooperativas com menos unidades distintas quando comparadas com aquelas da comunidade sem mercado e, portanto, têm menor capital social para recorrer em situações de risco ou escassez de recursos. No entanto, para avaliar se a redução no comportamento cooperativo afeta o bem-estar das unidades mais vulneráveis seria necessário avaliar se a demanda de consumo das unidades vulneráveis são melhor atendidas na comunidade inserida no mercado de PFNMs ou naquela menos exposta ao mercado.

Palavras-chave: mercado de produtos florestais não madeireiros; cooperação humana; vulnerabilidade socioeconômica; comunidades extrativistas; Amazônia.

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ABSTRACT

RIZEK, M.B. 2010. The effects of trading non timber forest products to the social capital of extractivive communities of the Brazilian Amazon. Master’s degree dissertation - Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

The belief in the capacity of Non Timber Forest Products (NTFPs) to reconcile the double aim of providing for the well-being of extractive communities and conserving tropical forests resulted in the implementation of various programs with this purpose in the Brazilian Amazon. Among these programs it is increasingly common the adoption of partnerships between extractive communities and companies to trade NTFPs. Recently, however, several studies have highlighted the shortcomings of trading NTFP, regarding both biological conservation and the well-being of communities. Within the context of well-being impacts, there is a fear the increased integration of largely autarkic communities into NTFP markets can disrupt cooperation strategies and sharing practices, which have economic and social functions to peasant economies, particularly for more vulnerable households. In this study, we focus on this issue and advance the hypothesis that increased trade in NTFP may disrupt those cooperative institutions, bringing negative consequences to the security of the most economically vulnerable subgroups. To test this hypothesis, we compare two communities of the Médio Juruá Extractive Reserve, Brazilian Amazonia, which share the same historical background and similar environmental and geographic conditions, but differ in relation to NTFP trade. While Roque community trades vegetable oils with cosmetics companies, Pupuaí carries on with previous economic practices. Data gathering techniques included random systematic observations, household surveys, participatory rural appraisal and structured and semi-structured interviews. The results indicate that the community integrated into NTFP markets has fewer cooperative events than the community less market integrated. Despite that, no pattern is observed when we compare the association between levels of market participation among households. Therefore, we concluded the hypothesis was only partially accepted, because the changes in sharing practices are observable only at the community level. When we evaluate the effects of cooperation networks on more vulnerable households, we find two main results. First, we find a different pattern between the two communities as regards vulnerable households. While more vulnerable households benefit more from cooperative events in the community integrated into NTFPs, the opposite is observed in the community less exposed to markets. Even so, because the frequency of cooperation is much lower in the community trading NTFPs, these differences mean more vulnerable households still get fewer payoffs from cooperation than in the community less market integrated. Secondly, households from the community trading NTFPs, besides cooperating less frequently, also do so with a smaller number of different households when compared with the community less integrated to markets, which means their networks of social capital are weaker. It is therefore not yet clear in which community the human needs of vulnerable households are better fulfilled in order to ascertain whether the reduction on cooperative behavior diminishes their well-being. Key-words: market of non timber forest products; human cooperation; socioeconomic vulnerability; extractive communities; Amazon.

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LISTA DE SIGLAS

CNS Conselho Nacional dos Seringueiros

ICDPs Integrated conservation and development projects

USAID United States Agency for International Development

PFNMs Produtos florestais não madeireiros

EACH Escola de Artes, Ciências e Humanidades

PROCAM Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental

USP Universidade de São Paulo

ONG Organização não governamental

AM Amazonas (Unidade Federativa)

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Resex Reserva extrativista

IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

MMA Ministério do Meio Ambiente

ASPROC Associação dos Produtores Rurais de Carauari

FSC Forest Stewardship Council

CODAEMJ Cooperativa de Desenvolvimento Agro-Extrativista e de Energia do Médio Juruá

UFAM Universidade Federal do Amazonas

DRP Diagnóstico Rural Participativo

FAO Food and Agriculture Organization

UDs Unidades domésticas

SPSS Statistical Package for the Social Sciences

OLS Ordinary Least Square

SocNetV Social Networks Visualizer

PNAD Pesquisa nacional por amostra domiciliar (IBGE)

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SUMÁRIO

Introdução geral à dissertação

Objetivo geral........................................................................................................... 5

Objetivos específicos................................................................................................ 5

Contexto do projeto.................................................................................................. 5

Estrutura da dissertação............................................................................................ 6

Capítulo I: Metodologia Geral

I. Introdução.............................................................................................................. 7

I.1. Delineamento do estudo..................................................................................... 8

I.2. Área de estudo.................................................................................................... 11

I.2.1. Aspectos geográficos....................................................................................... 11

I.2.2. Aspectos humanos e socioeconomia dos grupos estudados............................ 13

I.3. A parceria comercial.......................................................................................... 19

I.4. Técnicas de levantamento de dados................................................................... 25

I.4.1. Métodos de observação direta......................................................................... 26

I.4.1.1. Estimativa de consumo................................................................................. 26

I.4.1.2. Alocação de tempo....................................................................................... 27

I.4.2. Survey de unidades domésticas....................................................................... 28

I.4.2.1. Censo............................................................................................................ 28

I.4.2.2. Renda monetária........................................................................................... 29

I.4.2.3. Mapeamento de lideranças locais................................................................. 30

I.4.3. Diagnóstico Rural Participativo...................................................................... 30

I.4.3.1. Ordenamento de riqueza............................................................................... 31

I.4.3.2. Calendário sazonal....................................................................................... 32

I.4.4. Medição da área de roçado.............................................................................. 33

I.5. Procedimento de análise de dados..................................................................... 36

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Capítulo II: Efeitos da exposição ao mercado de produtos florestais não

madeireiros sobre o compartilhamento de recursos entre unidades domésticas

II.1. Introdução......................................................................................................... 37

II.2. Metodologia...................................................................................................... 41

II.2.1. Recursos consumidos e as estratégias para sua obtenção.............................. 43

II.2.2. Efeitos da inserção à economia de mercado na obtenção de recursos por cooperação entre unidades domésticas ................................................................... 43

II.3. Resultados......................................................................................................... 49 II.3. Discussão.......................................................................................................... 54

II.4. Conclusões........................................................................................................ 58

Capítulo III: Efeitos do mercado de produtos florestais não madeireiros

sobre as redes de cooperação e a vulnerabilidade socioeconômica em comunidades extrativistas da Amazônia

III.1. Introdução........................................................................................................ 59

III.2. Metodologia..................................................................................................... 64 III.2.1. Vulnerabilidade, inserção ao mercado e frequência de cooperação entre unidades domésticas................................................................................................. 65 III.2.2. Padrão de interações cooperativas e características das unidades domésticas em relação ao seu posicionamento nas redes de capital social.............. 70

III.3. Resultados........................................................................................................ 76 III.3.1. Vulnerabilidade, inserção ao mercado e a frequência de eventos cooperativos.............................................................................................................. 76 III.3.2. O padrão de investimento em redes de capital social: das diferenças entre as comunidades às características das unidades em relação ao seu posicionamento nas redes......................................................................................... 80 III.3.2.1. Rede de cooperação produtiva................................................................... 80

III.3.2.2. Rede de transferência de recursos entre unidades domésticas.................. 84

III.4. Discussão......................................................................................................... 92

III.5. Conclusões....................................................................................................... 96

Considerações finais

Síntese dos resultados e conclusões.......................................................................... 98

Limitações do estudo................................................................................................ 101

Implicações em termos de políticas públicas e da sociedade civil........................... 102

Referências bibliográficas........................................................................................ 106

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LISTA DE FIGURAS

Capítulo I

Figura I.1. Localização Reserva Extrativista do Médio Juruá, Carauari - AM............... 11 Figura I.2. Hidrografia da Reserva Extrativista do Médio Juruá e localização das comunidades em estudo.................................................................................................... 12 Figura I.3. Croqui da comunidade com mercado de PFNMs (Roque)............................ 15 Figura I.4. Croqui da comunidade sem mercado de PFNMs (Pupuaí)............................ 16 Figura I.5. Fotos das comunidades do Roque e Pupuaí, RESEX do Médio Juruá, AM.. 18 Figura I.6. Atividades de mercado de PFNMs na Comunidade do Roque...................... 22 Figura I.7. Calendário sazonal por gênero e idade, Comunidade do Roque.................... 24 Capítulo II Figura II.1. Frequência das formas de obtenção dos bens e recursos observados........... 51 Figura II.2. Tipos de bens e recursos obtidos por cooperação entre unidades domésticas......................................................................................................................... 51 Capítulo III Figura III.1. Número de bens recebidos por compa.rtilhamento entre as unidades abaixo da média de bem-estar em termos absolutos e relativo......................................... 79 Figura III.2. Rede de cooperação produtiva entre unidades domésticas......................... 81 Figura III.3. Renda média mensal (em R$) e centralidade das unidades domésticas..... 83 Figura III.4. Vulnerabilidade relativa e centralidade das unidades domésticas.............. 83 Figura III.5. Vulnerabilidade absoluta e centralidade das unidades domésticas............. 84 Figura III.6. Rede de transferência de recursos entre unidades domésticas.................... 86 Figura III.7. Variáveis de inserção ao mercado de PFNMs e unidades desconectadas da rede de compartilhamento de recursos na Comunidade do Roque.............................. 88 Figura III.8. Vulnerabilidade socioeconômica e unidades desconectadas da rede de compartilhamento de recursos na Comunidade do Roque (com mercado de PFNMs).... 88 Figura III.9. Subredes de compartilhamento de recursos na comunidade inserida e não inserida no mercado de PFNMs................................................................................. 89 Figura III.10. Prestígio entre as unidades abaixo da média de bem-estar em termos absolutos e relativo............................................................................................................ 91 Figura III.11. Renda média mensal e vulnerabilidade absoluta das unidades que doaram para mais e menos unidades da comunidade não envolvida no mercado de PFNMs (Pupuaí)............................................................................................................... 92

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LISTA DE TABELAS

Capítulo I

Tabela I.1. Características do universo da pesquisa......................................................... 10 Tabela I.2. Classificação da renda monetária por origem, forma de aquisição e exemplos............................................................................................................................ 29

Tabela I.3. Características dos grupos de ordenamento de riqueza no Roque e Pupuaí.. 32

Tabela I.4. Estatística descritiva da área de roçados abertos em 2005............................ 34

Tabela I.5. Sumário da metodologia geral....................................................................... 35 Capítulo II

Tabela II.1. Definição dos modelos OLS......................................................................... 44

Tabela II.2. Definição e estatística descritiva das variáveis utilizadas nas regressões.... 47 Tabela II.3. Tipos de bens consumidos e suas formas de aquisição na comunidade inserida e não inserida na comercialização de PFNMs com empresa............................... 50 Tabela II.4. Resultados das regressões OLS sobre o efeito da inserção à economia de mercado na obtenção de bens por cooperação.................................................................. 53 Tabela II.5. Estatística descritiva da inserção ao mercado de PFNMs na Comunidade do Roque........................................................................................................................... 54 Capítulo III

Tabela III.1. Definição dos modelos OLS....................................................................... 65 Tabela III.2. Estatística descritiva das variáveis utilizadas nas regressões OLS.............

69 Tabela III.3. Estatística descritiva da inserção ao mercado de PFNMs na Comunidade do Roque........................................................................................................................... 75 Tabela III.4. Estatística descritiva das variáveis de cooperação entre unidades domésticas......................................................................................................................... 76 Tabela III.5. Resultados dos efeitos da vulnerabilidade e inserção ao mercado na porcentagem de tempo produtivo alocado coletivamente entre unidades domésticas...... 77 Tabela III.6. Resultados dos efeitos da vulnerabilidade e inserção ao mercado na frequência de recursos obtidos por compartilhamento entre unidades domésticas........... 78

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Introdução geral à dissertação

As florestas da Amazônia brasileira sofreram historicamente intervenções de modelos

produtivos nos quais suas formas de exploração foram predominantemente voltadas para

atividades que causam degradação da biodiversidade, não atenderam às necessidades da maioria

da população local e são economicamente instáveis (FEARNSIDE, 1993; BECKER, 2001;

AB’SÁBER, 2004; BARRETO et al., 2006; MURRIETA et al., 2006). Os principais modelos

implementados neste sentido foram baseados em ciclos de exploração vegetal seletiva,

especialmente borracha e madeira (PINEDO-VASQUEZ et al., 2001; NEPSTAD et al., 2004),

instalação de atividades agropecuárias de baixo rendimento (BECKER et al., 1990; ARIMA et

al., 2005) e, mais recentemente, a agricultura de soja (FEARNSIDE, 2001; NEPSTAD et al.,

2002).

Na década de 1980, no entanto, o movimento dos seringueiros se organizou e, através do

Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), ganhou força política ao chamar a atenção

internacional para os produtos e serviços prestados pela Amazônia brasileira, bem como a

necessidade de fazer justiça social com os ‘povos da floresta’. Em um contexto internacional de

reconhecimento dos direitos de comunidades florestais ainda nessa década surgiram as primeiras

propostas de Projetos Integrados de Conservação e Desenvolvimento (ICDPs) (PETERS et al.,

1989). Os ICDPs são comumente definidos como projetos que visam promover a conservação da

biodiversidade de áreas de interesse ecológico e, ao mesmo tempo, garantir o desenvolvimento

socioeconômico das populações que vivem nessas regiões (USAID, 1994; KREMEN et al., 1994;

BERKES, 2004; SEIXAS & DAVY, 2008; BELCHER, 2005). Sua implementação inicial foi

baseada principalmente na atuação de organizações não governamentais que instalaram projetos

de conservação e desenvolvimento induzindo que comunidades florestais optem por atividades

produtivas de baixo impacto ambiental (CAMPBELL & VAINIO-MATTILA, 2003; ROS-

TONEN & DIETZ, 2005). Pelo caráter conciliador de diversos interesses que envolvem a

governança florestal, esse modelo foi rapidamente aceito e implementado em escala mundial

(USAID, 1994; ALPERT, 1996).

Dentre outras estratégias adotadas pelos ICDPs (por ex., ecoturismo), a extração

comercial de produtos florestais não madeireiros (PFNMs) é comumente apontada como uma

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alternativa econômica capaz de servir aos objetivos de desenvolvimento (ou redução da pobreza)

e conservação da biodiversidade (PETERS et al., 1989; WOLLENBERG, 1998; ALLEGRETTI,

2002; CAVALCANTI, 2002).

Existem várias definições de PFNMs. Para alguns, PFNMs são quaisquer recursos não

madeireiros que dependem do ambiente florestal para o seu desenvolvimento (ARNOLD &

RUIZ-PERES, 2001) incluindo, portanto, recursos vegetais e animais. Para outros, essa definição

inclui todos os recursos biológicos advindos da floresta, incluindo os recursos madeireiros

destinados para a fabricação de artesanatos (ROS-TONEN, 2000), além de abranger recursos

advindos de sistemas de plantio em agroflorestas e plantações (SHANLEY et al, 2005). Em

termos gerais, neste estudo PFNMs são todos os recursos florestais que podem ser coletados pelas

populações locais para subsistência ou comercialização, excluindo-se, no entanto, a

comercialização industrial de madeira (ROS-TONEN, 2000).

Os projetos de comercialização de PFNMs foram inicialmente implementados pelo

intermédio de organizações não governamentais, mas atualmente é comum que empresas

estabeleçam acordos diretamente com as comunidades (MORSELLO, 2006; MORSELLO &

ADGER, 2007). Em levantamento recente com profissionais que atuam com PFNMs na

Amazônia brasileira foram citadas 37 espécies adotadas em projetos de comercialização entre

comunidades e empresas, em um total de mais de 100 comunidades citadas como envolvidas

neste mercado (MORSELLO et al., 2010). O estabelecimento da comercialização ocorre de

diferentes formas. Dentre essas, é crescente o modelo baseado em parcerias comerciais entre

comunidades extrativistas que fornecem recursos florestais a serem utilizados como matéria-

prima em empresas de diversos setores, por exemplo indústrias de remédios, produtos de higiene

pessoal ou no setor de alimentos (SHANLEY et al., 2005).

O sucesso deste modelo de mercado como capaz de conciliar a conservação florestal ao

desenvolvimento das comunidades foi inicialmente encarado com certo otimismo. Dentre os

fatores positivos dessa estratégia, os PFNMs distribuem melhor os benefícios do que outras

alternativas, já que são recursos controlados por regimes de uso comum e, portanto, de fácil

acesso para grupos mais desfavorecidos (PETERS et al., 1989). Além disso, a extração de

PFNMs é considerada como uma atividade de menor impacto ambiental em comparação a outras

formas de uso da floresta (ARNOLD & RUIZ-PÉREZ, 2001; SHANLEY et al., 2005;

BELCHER & SCHRECKENBERG, 2007). Por fim, há um crescente interesse da sociedade

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urbana dominante por produtos de apelo socioambiental, fato que impulsiona a demanda por

produtos baseados em recursos florestais (MORSELLO, 2006).

Porém, depois de cerca de 30 anos de instalação dessa estratégia, as avaliações de seus

resultados têm demonstrado que seus impactos socioeconômicos e ambientais variam bastante e

nem sempre são positivos (ARNOLD e RUIZ PEREZ, 2001; MARSHAL et al., 2003; PYHÄLÄ

et al., 2006, BELCHER e SCHRECKENBERG, 2007). Estudos nesse sentido vêm apontando,

por exemplo, que há um trade-off entre a qualidade de vida das comunidades e conservação

ambiental, sendo que melhores resultados em termos de conservação trazem piores resultados em

termos de desenvolvimento das comunidades e vice-versa (KUSTERS et al, 2006). Sobre o

desenvolvimento das comunidades, embora haja indícios de redução nas disparidades de renda

com a sociedade dominante, de modo geral o mercado de PFNMs não tem conseguido reduzir

significativamente os patamares de pobreza das comunidades envolvidas, seja no contexto global

(CLAY, 1993; ROS-TONEM, 2000; BELCHER et al., 2005) ou na Amazônia brasileira

(MORSELLO, 2006; MORSELLO e ADGER, 2007). Além disso, dentre os casos avaliados

foram encontrados alguns impactos socioeconômicos negativos para as comunidades. Populações

autárquicas ou semi-autárquicas, por exemplo, passam a ser mais vulneráveis às oscilações da

economia de mercado (COLCHESTER, 1989; NEUMANN & HIRSCH, 2000). Além disso, a

integração ao mercado frequentemente aprofunda as desigualdades sociais (KUSTERS et al.,

2006), acirrando disputas internas e causando o enfraquecimento das instituições sociais locais

(NEUMANN & HIRSCH, 2000).

Tais impactos merecem destaque já que, dentre as populações mais comumente

envolvidas no mercado de PFNMs, predominam comunidades florestais de pequena escala,

autárquicas e semi-autárquicas (BELCHER & SCHRECKENBERG, 2007). Estes grupos são, de

modo geral, estruturados a partir de sistemas de parentesco e regidos por normas locais de

reciprocidade (DUMONT, 1975; LIMA, 2006). Nesse contexto, a doação e intercâmbio de

recursos e a cooperação em atividades produtivas funcionam como normas sociais informais

(FEHR & GÄCHTER, 1998; BIRD et al, 2002) e têm funções sociais e econômicas. Dentre as

funções sociais, as estratégicas de cooperação ajudam a evitar a inveja, a desconfiança e a fofoca

(HENRICH & BOYD, 2001; GODOY et al., 2007), favorecendo a coesão social do grupo

(RICHARDS, 1997; YOUNGER, 2005; GODOY et al., 2007). Já dentre as funções econômicas,

a cooperação permite que um indivíduo ou família realize atividades produtivas com menor

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investimento de tempo (YOUNGER, 2005); reduz os riscos e incertezas diante da existência de

períodos de escassez de recursos (CASHDAN, 1985; NORTH, 1990; BYRON, 2003) e

potencializa o acesso aos meios de sobrevivência àqueles que são impossibilitados de trabalhar,

tais como idosos ou deficientes físicos (DASGUPTA, 2000; BYRON, 2003). Além disso, no

contexto semi-autárquico o investimento em comportamentos cooperativos pode funcionar como

um estoque de capital social a ser acionado pelo sistema de reciprocidade em situações de risco.

Neste sentido redes de reciprocidade funcionariam como redes informais de segurança

(CASHDAN, 1985; DASGUPTA, 2000), embora haja também evidências em contrário

(DERCON & WEERDT, 2002; GODOY et al, 2007b). Portanto, no contexto de populações de

pequena escala, autárquicas e semi-autárquicas, a cooperação é um fenômeno da esfera do

convívio social, mas também daquela econômica.

Apesar de às vezes ser considerada como característica humana (HILL & GURVEN,

2004), existe evidências que a exposição à economia de mercado está relacionada com alterações

na propensão à cooperação. Em especial, parte da literatura apresenta evidências de que formas

de compartilhamento e reciprocidade diminuíram com a maior exposição à economia de mercado

(BEHRENS, 1992; PUTSCHE, 2000; BURY, 2004). Outros, porém, avaliaram a cooperação em

comunidades com diferentes níveis de acesso ao mercado e encontraram que aquelas com maior

renda monetária têm maior propensão à generosidade (HENRICH et al, 2004; GODOY et al.,

2007). Não há, portanto, um consenso sobre os efeitos da economia de mercado no

comportamento cooperativo em grupos de pequena escala, autárquicos e semi-autárquicos.

Se a exposição ao mercado pode afetar o comportamento cooperativo, então o mercado de

PFNMs pode também estar afetando os sistemas de cooperação nas comunidades envolvidas.

Considerando que as comunidades extrativistas da Amazônia brasileira são populações já mais

propensas ao risco (PNAD, 2004), a redução das suas redes de cooperação pode afetar a

segurança, especialmente das unidades domésticas mais vulneráveis, por exemplo aquelas

unidades domésticas menos produtivas em relação à sua demanda interna. Neste caso, ao invés de

promover o desenvolvimento ou aliviar os efeitos da pobreza conforme planejado, o mercado de

PFNMs pode afetar o bem-estar das unidades mais vulneráveis. Este estudo pretende, portanto,

testar a hipótese de que a exposição ao mercado de PFNMs afeta as instituições de

compartilhamento de recursos e a cooperação produtiva, implicando em consequências negativas

para a segurança de subgrupos mais vulneráveis economicamente.

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Objetivo geral

Avaliar se o estabelecimento da comercialização de produtos florestais não madeireiros

com empresa afeta as instituições informais de doação espontânea de recursos e a cooperação em

atividades produtivas em sociedades caboclas da Amazônia e, em caso positivo, inferir se existem

consequências para a segurança dos subgrupos mais vulneráveis economicamente.

Objetivos específicos

(i) Avaliar se a inserção de comunidades florestais no mercado de PFNMs afeta as estratégias para obtenção de recursos, em especial a frequência de eventos cooperativos entre unidades domésticas (i.e. compartilhamento espontâneo de bens e tempo produtivo coletivo)

(ii) Avaliar se a inserção ao mercado de PFNMs afeta a estrutura das interações nas redes de cooperação, em particular com relação às unidades domésticas mais vulneráveis

Contexto do projeto

A autora desta dissertação faz parte do grupo multidisciplinar de pesquisa coordenado

pela Profa. Dra. Carla Morsello, docente da EACH - USP e orientadora deste projeto junto ao

Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (PROCAM –

USP). O grupo é formado por pesquisadores que possuem projetos vinculados ao estudo

‘Parcerias comunidade-empresa para a comercialização de produtos florestais não madeireiros

na Amazônia Brasileira: motivações, problemas e conseqüências’, que tem como objetivo

avaliar as motivações, oportunidades, problemas e resultados das parcerias entre comunidades

florestais e empresas para a comercialização de produtos florestais não madeireiros (ver:

www.parceriasflorestais.org). A presente dissertação é resultado da primeira etapa da pesquisa

que envolveu coletas periódicas de dados empíricos em um total de cinco comunidades, entre

indígenas e caboclos extrativistas. Esta etapa de coleta de dados foi financiada pela ONG

Rainforest Alliance, por meio do Kleinhans Fellowship Award, concedido à Profa. Dra. Carla

Morsello. O desenvolvimento da presente dissertação foi financiado pela Fundação de Amparo à

Pesquisa do Estado de São Paulo a partir de bolsa de mestrado concedida pelo processo

2007/06844-5.

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Estrutura da dissertação

A dissertação está organizada em três capítulos, além desta introdução geral e das

considerações finais. A estrutura adotada é composta de um capítulo dedicado a apresentar a

metodologia e a área e grupo estudado, seguido de capítulos estruturados como artigos científicos

para facilitar a publicação posterior.

O primeiro capítulo descreve a metodologia geral utilizada no estudo. Inicialmente é

apresentado o delineamento do estudo, as unidades de análise adotadas e características gerais do

universo da pesquisa. Em seguida, apresentam-se aspectos geográficos, socioeconômicos e

culturais dos grupos estudados. A seção seguinte descreve aspectos da parceria para

comercialização de PFNMs entre empresas e a comunidade em estudo. Por fim, a última seção

deste capítulo apresenta e justifica as técnicas de levantamento de dados adotadas, bem como

introduz os procedimentos de análise de dados utilizados nos capítulos posteriores.

O segundo capítulo avalia os efeitos do mercado de PFNMs na frequência de bens obtidos

por compartilhamento entre unidades domésticas. Inicialmente foram comparadas as estratégias

de obtenção de recursos das unidades das comunidades com e sem mercado de PFNMs. Em

seguida foi avaliado se o aumento da exposição ao mercado de PFNMs afeta a frequência de bens

obtidos por doação espontânea entre unidades domésticas comparando as duas comunidades,

assim como unidades domésticas que variam neste atributo.

O terceiro capítulo avalia se a inserção ao mercado de PFNMs altera a estrutura das redes

de cooperação da comunidade envolvida neste mercado e, em especial, avalia a situação das

unidades mais vulneráveis nestas redes. Para isso, foi realizada uma análise descritiva e

comparativa de atributos estruturais das redes de cooperação, bem como as características das

unidades mais e menos inseridas nas interações cooperativas. Em particular, foi avaliado se as

unidades domésticas mais vulneráveis são mais ou menos beneficiadas pelas redes de cooperação

e, portanto, se existem redes de segurança que a protegem em situações de risco.

A seção de considerações finais sintetiza os principais resultados desta dissertação, bem

como apresenta limites dos resultados encontrados. A partir daí são exploradas as implicações

científicas e para políticas para a comercialização de PFNMs, assim como são apresentados

tópicos de pesquisa que esta dissertação indica como importantes para estudos futuros.

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Capítulo I

Metodologia Geral

I. Introdução

Este primeiro capítulo tem como objetivo apresentar a metodologia geral do estudo e, para

tanto, está dividido em cinco seções: delineamento da pesquisa, área de estudo, a parceria

comercial, descrição das técnicas de levantamento de dados e procedimento de análise dos dados.

A primeira parte introduz algumas decisões metodológicas empregadas no delineamento

geral deste estudo. A segunda apresenta a área de estudo, sendo estas, a Reserva Extrativista do

Médio Juruá e as duas comunidades pesquisadas (i.e. Roque e Pupuaí). Na terceira seção são

apresentados detalhes sobre a configuração da parceria comercial em estudo. A quarta seção

apresenta os métodos e técnicas de levantamento dos dados empíricos, evidenciando alguns de

seus aspectos positivos e negativos. Na última seção são apresentados os procedimentos de

análises dos dados quantitativos, conforme utilizados nos capítulos dois e três dessa dissertação.

Este capítulo serve, de modo geral, como subsídio para os dois seguintes capítulos que

têm o objetivo de apresentar os resultados empíricos dessa pesquisa. Optou-se por apresentar a

metodologia geral da pesquisa separadamente, pois apesar da organização em forma de capítulos

auto-contidos, ambos adotam delineamento e técnicas de coleta de dados semelhantes. Além

disso, este capítulo procura destacar algumas vantagens e desvantagens dos métodos de pesquisa

empregados. Com isso, pretende-se contribuir para o acúmulo de conhecimento em análises

sistemáticas sobre o fenômeno e contexto avaliados, fatores ainda pouco explorados pela

literatura científica nacional.

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I.1. Delineamento do estudo

Avaliações sobre o comportamento cooperativo e os efeitos da exposição de grupos

autárquicos ou semi-autárquicos à economia de mercado podem ser realizadas com diferentes

delineamentos. Dentre eles, há o delineamento experimental, no qual a variável de interesse é

manipulada através da aplicação de jogos econômicos para grupos de diferentes contextos (por

ex., HENRICH et al., 2004). Outra opção são delineamentos longitudinais, onde os mesmos

grupos são avaliados ao longo de um período maior ou, preferencialmente, antes e após o início

das atividades de mercado (por ex., GODOY et al., 2007). Ambos casos, porém, são de difícil

operacionalização para uma pesquisa a ser realizada em um período menor e com limites de

logística e acesso para a realização de sucessivos períodos de coleta de dados. Portanto, devido

aos limites de tempo e logística para a coleta de dados sistemáticos, este estudo adotou uma

combinação de delineamento comparativo entre comunidades com uma análise transversal entre

unidades domésticas da mesma comunidade.

O delineamento comparativo consiste em aplicar as mesmas técnicas de coleta de dados

em comunidades com diferentes graus de inserção ao mercado e, assim, comparar suas respostas

em relação aos mesmos testes de hipótese. Embora este seja um método bastante utilizado (por

ex., HENRICH et al.., 2001; GURVEN et al., 2001; GODOY et al., 2007), é necessário algumas

precauções para a seleção dos grupos a serem comparados, pois se apresentarem diferenças em

termos de características naturais ou socioculturais, torna-se difícil avaliar a origem dos efeitos

avaliados. Para a aplicação desse delineamento foram selecionadas duas comunidades da Reserva

Extrativista do Médio Juruá - AM, uma delas está exposta à economia de mercado a partir da

comercialização de PFNMs com empresa (Roque) e a outra está menos envolvida em atividades

de mercado, de modo geral (Pupuaí). As comunidades foram escolhidas por possuir semelhanças

em termos de características históricas (i.e. foram constituídas a partir da desativação de antigos

seringais), naturais (i.e. disponibilidade de recursos e proporção de áreas situadas na várzea e

terra firme) e de acesso (i.e. acesso sazonal ao rio Juruá e distância do centro urbano)

(FIGUEIREDO & MORSELLO, 2006). A principal diferença entre ambas as comunidades,

portanto, é a exposição à economia de mercado a partir da comercialização de PFNMs com

empresas, além da chegada de novas famílias, número de habitantes e algumas formas de

comércio local, conforme será destacado na seção seguinte.

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A análise transversal (‘cross-sectional’) foi realizada em uma avaliação comparativa entre

unidades domésticas da mesma comunidade, mas com diferentes graus de inserção à economia de

mercado. No caso da comunidade envolvida no mercado de PFNMs, essa inserção foi definida

basicamente pela renda monetária obtida e a dedicação de tempo em atividades desse mercado.

Na comunidade sem mercado de PFNMs essa avaliação se deu por formas de medição da

inserção ao mercado de modo geral, como a renda monetária.

Embora vários dados tenham sido coletados focando os indivíduos, para as análises desse

estudo eles foram agregados por unidades domésticas (‘households’). Essa unidade é definida

como um grupo que possui laços estreitos e relativamente estáveis (geralmente de parentesco)

que, ao realizar uma divisão racional de tarefas, produz parte significante da sua subsistência,

compartilhando os resultados entre si (sejam recursos obtidos por subsistência ou aquele

proveniente do mercado) (NETTING, 1993). Segundo a literatura, há algumas desvantagens na

utilização dessa unidade ao invés da avaliação por indivíduos. Uma delas é que a noção de

unidade doméstica homogeneíza as relações de poder dentro da família e desconsidera os

desníveis internos, tais como gênero, idade, entre outros (ELLIS, 1988; GRANDIN, 1988). Outro

problema ocorre, por não ser uma unidade facilmente designada em grupos onde é comum haver

famílias extensas (GRANDIN, 1988) e em situações de transição, quando formas diversas de

organização social co-ocorrem (MORSELLO, 2002). Mas, a análise por unidades domésticas é a

mais pertinente para avaliações na escala de comunidades (ELLIS, 1988) e foi utilizada porque a

cooperação econômica é um fenômeno que ocorre, sobretudo, na comunidade.

A definição das unidades domésticas foi realizada em três etapas. Primeiramente foram

realizadas entrevistas estruturadas e semi-estruturadas para a caracterização geral da população

da comunidade (‘social mapping’). Depois foi realizado um censo guiado por visita às casas

físicas, todos os chefes de família responderam questionários estruturados sobre: (i) com quem

eles compartilham os esforços diários de produção agrícola, ou seja, as tarefas de produção; (ii)

com quem eles compartilham diariamente o consumo dos alimentos disponíveis, ou seja, o

consumo e (iii) com quem eles compartilham os produtos adquiridos com o dinheiro, ou seja,

derivados de sua participação na economia de mercado (MORSELLO, 2006b). Com essas

informações previamente coletadas, foram estabelecidos os limites das unidades domésticas

utilizando preferencialmente as características de compartilhamento da produção e do consumo.

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Quando as variáveis de produção e consumo não coincidiram, a unidade doméstica foi definida

em função do consumo.

Na comunidade menos exposta ao mercado (Pupuaí), com exceção dos professores que

permanecem apenas durante o ano letivo, o universo dessa pesquisa incluiu sua população total,

que foi dividida em 23 unidades domésticas (Tabela I.1). Já a comunidade inserida no mercado

de PFNMs (Roque) apresenta uma totalidade de 58 unidades domésticas e, devido à

impossibilidade de observar sistematicamente todas elas, foi selecionada uma amostra de 24

unidades (39% da totalidade). Esta amostra apresentou algumas desvantagens, especialmente

para os objetivos do capítulo III, mas foi o que viabilizou a coleta de dados sistemáticos sem

comprometer as análises estatísticas e, portanto, foi o suficiente para não comprometer a

confiabilidade dos resultados.

Tabela I.1. Características do universo da pesquisa

Características Com mercado de PFNMs (Comunidade do Roque)

Sem mercado de PFNMs (Comunidade de Pupuaí)

Universo amostral Amostra estruturada População

Total de unidades domésticas na comunidade 58 23

Total de unidades domésticas observadas 24 (39%) 23 (100%)

Total de indivíduos na comunidade 406 (66 casas físicas) 180 (33 casas físicas)

Total de indivíduos observados 178 (43%) 180 (100%) Fonte: Dados censo, 2005.

Para garantir uma amostra não viciada, as unidades a serem observadas sistematicamente

foram selecionadas de modo estruturado. Em especial, procurou-se garantir a máxima

variabilidade em relação à variável independente, isto é, os benefícios derivados da participação

no mercado de PFNMs (FIGUEIREDO & MORSELLO, 2006; MORSELLO, 2006). Para

determinar essa variação, após a definição das unidades domésticas grupos de informantes

realizaram exercícios de ordenamento de riqueza e inserção ao mercado de PFNMs de todas as

unidades da comunidade.1 Diante do ordenamento foi selecionada uma amostra aleatória de

unidades domésticas dentro dos subgrupos formados pelos exercícios, procedimento que garantiu

a presença de unidades representativas das diferentes classes (MORSELLO, 2006).

Em nenhuma das comunidades houve casos de não-resposta ou recusa de participação

entre as unidades domésticas pesquisadas.

1 Ver: Ordenamento de Riqueza no item I.4.3.1. deste capítulo.

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I.2. Área de estudo

Esta seção tem o objetivo de apresentar a área de estudo e os grupos avaliados. Ela está

dividida entre uma breve descrição da localização e aspectos geográficos e ambientais da Resex

Médio Juruá e uma apresentação de aspectos históricos, sociais e econômicos das comunidades

estudadas.

I.2.1. Aspectos geográficos

A Reserva Extrativista do Médio Juruá pertence ao município de Carauari, localizado no

Estado do Amazonas e fronteiriço com os municípios de Tefé, Tapauá, Itamarati, Jutaí e Juruá

(Figura I.1). O município possuía uma estimativa de 26.187 habitantes para 2009, distribuídos em

uma área total de 25.324 Km² (IBGE, 2004). Como vias de acesso, o núcleo urbano do

município, conta com um aeroporto local e um porto, sendo a via fluvial é a mais utilizada para o

abastecimento da cidade.2 A distância entre Carauari e a capital do Estado por via fluvial é de

1.676 Km, equivalente a no mínimo sete dias de viagem de barco.

Figura I.1. Localização Reserva Extrativista do Médio Juruá, Carauari - AM.

2 Um exemplo dessa dependência foi presenciado durante um trabalho de campo realizado na drástica seca de 2005, quando Carauari ficou sem iluminação pública porque os barcos com abastecimento de diesel encalharam no percurso.

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Localizada à margem esquerda do médio curso do Rio Juruá (5º33’54”S, 67º42’47”W), a

Reserva Extrativista (Resex) do Médio Juruá está a cerca de 100 km do núcleo urbano de

Carauari.3 Com área aproximada de 253.226 ha, sua área faz limite ao norte com o Rio Ipixuna,

ao sul com o Rio Juruá, ao leste com o Igarapé Arrombado e a oeste com o Igarapé Traçoá

(IBAMA, 2007). O Rio Juruá, principal da região, é um dos mais extensos do mundo e se

apresenta lateralmente expandido e extensivamentente meândrico (AB’SABER, 2004) (Figura

I.2.). A região, de modo geral, compreende duas grandes unidades morfoestruturais: o Planalto

Rebaixado da Amazônia Ocidental e a Planície do Juruá, conhecidos respectivamente por áreas

de terra-firme e várzea (FRANCO, 2007). As terras firmes são áreas não inundáveis de floresta

heterogênea e possuem solos pobres para a agricultura (SILVA, 2008). As várzeas são planícies

inundáveis que formam faixas variáveis ao longo do curso do rio, são férteis e possuem boa

capacidade agrícola, embora disponível apenas no período da vazante (op. cit.).

Figura I.2. Hidrografia da Reserva Extrativista do Médio Juruá e localização das comunidades em estudo (Adaptado de MMA/IBAMA, 2005)

A precipitação pluviométrica média da região é de 2.500 mm/ano, sendo que o período

chuvoso inicia-se em novembro, atingindo os maiores índices entre os meses de janeiro e abril.4

Devido às características da bacia, após o período de chuvas os cursos d’água chegam a cobrir

uma extensão de 15 a 25 km de largura na beira do rio, caracterizando o período da cheia

(WHITESELL, 2003). Nesse período o leito do rio forma baías, restingas, lagos ou sacados, os

quais criam novos caminhos e acessos fluviais, fenômeno localmente chamado de “furo” ou

3 Aproximadamente 6 horas de barco, mas o tempo de viagem varia com o tipo de motor e o nível dos cursos d’água. 4 Ver calendário sazonal na seção I.4.3.2. deste capítulo

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“paraná” (SILVA, 2008). As flutuações no regime de chuvas e nos níveis d’água exercem grande

influência nas atividades produtivas das comunidades estudadas, dentre elas, o acesso ao Rio

Juruá e, portanto, ao núcleo urbano de Carauari (em ambas as comunidades não há acesso direto

ao Rio Juruá durante a vazante). No período da vazante há também uma menor disponibilidade

de alguns recursos naturais estratégicos na dieta local (por ex., caça, açaí).

A vegetação local é caracterizada pela floresta tropical densa, da sub-região aluvial da

Amazônia (Floresta Ombrófila Densa Aluvial de Terras Baixas e Floresta Ombrófila Aberta de

Terras Baixas) (FIGUEIREDO, 2005). A Resex possui um considerável potencial extrativista de

espécies oleaginosas como a andiroba (Carapa guianensis, Aubl.), urucuri (Attalea excelsia,

Mart.), murumuru (Astrocaryum murumuru, Mart) e ucuúba (Virola surinamensis, Roll.)

(SILVA, 2008). Essa grande oferta de oleaginosas incentivou a realização de pesquisas para a

exploração deste potencial produtivo, inicialmente para a geração de energia através da

biocombustão e, mais tarde, para a comercialização de óleos vegetais com empresas (CORREIA,

2005).

I.2.2. Aspectos humanos e socioeconomia dos grupos estudados

A criação da Resex Médio Juruá foi resultado da organização social de ribeirinhos e

seringueiros que, com apoio do movimento de educação de base, Sindicato de Trabalhadores

Rurais de Carauari, Associação de Produtores Rurais de Carauari e Conselho Nacional de

Seringueiros, se organizaram para reivindicar a comercialização de seus produtos fora dos

sistemas de aviamento e patronagem (ALLEGRETTI, 2002). Ao todo, essa mobilização durou

seis anos e culminou com o decreto S/N° de 04 de março de 1997.

Os grupos que habitam a Resex são vulgarmente denominados ‘caboclos’ e definem-se

por ‘populações que habitam áreas ribeirinhas da Amazônia, com fortes traços indígenas

misturados a características européias e africanas’ (FUTEMMA, 2006: 243). A isso se acrescenta

a maciça migração nordestina, resultante de incentivos estatais para a migração de ‘pessoas sem

terra’ para as ‘terras sem gente’ (OLIVEIRA, 1988). Tratam-se, portanto, de grupos

relativamente recentes (ou modernos), pois têm origens mais ligadas às transformações

econômicas globais que por continuidades ou remanescências da cultura local (CLEARY, 1993;

NUGENT, 2002; MURRIETA et al., 2006). Para sobreviver na floresta, estes grupos

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desenvolveram uma economia diversificada com base no compartilhamento, caça, extração e

comercialização de produtos florestais e agricultura intensiva ou de corte-e-queima (CLEARY,

1993; MURRIETA et al 1999; CAMERON, 1999; MURRIETA et al, 2006). Por manter um

modo de vida diversificado, não especializado e baseado em recursos pouco valorizados pela

economia mainstrean, os caboclos foram, de modo geral, marginalizados em relação ao

desenvolvimento econômico capitalista (ADAMS et al., 2006). Assim, embora estejam

parcialmente inseridos no mercado local ou regional, as comunidades da Resex Médio Juruá

podem ser considerados grupos semi-autárquicos, já que têm pouco acesso ao mercado e

organização predominantemente voltada para a subsistência.

A comunidade do Roque foi criada em 1969, está localizada a 140 km de Carauari e é a

mais populosa da Resex (406 habitantes; 66 casas físicas). Conta com ensino fundamental e

médio (este último por telecurso), centro comunitário, agente de saúde, barco comunitário,

energia elétrica gerada por diesel durante parte da noite, telefone público, alojamento da

Universidade do Amazonas para a recepção de pesquisadores e demais visitantes, além da usina

de extração de óleos vegetais (Figura I.3.).

Para o abastecimento de produtos industrializados ou bens duráveis, aqueles com mais

renda fazem compras em Carauari. Mas a maioria faz compras no flutuante da ASPROC5 ou

trocam excedentes de produção local por bens industrializados com comerciantes ambulantes

(‘marreteiros’), além de duas unidades domésticas que revendem produtos industrializados. 6 Em

menor medida, se observou relações monetarizadas entre unidades domésticas, configurada pela

venda do excedente produzido no dia (por ex., vinho de açaí, farinha, caça, pesca).

A Comunidade de Pupuaí foi fundada em 1980, está a 130 km de Carauari e tem cerca de

180 habitantes (33 casas físicas), sendo a segunda mais populosa da Resex. Conta basicamente

com a mesma infra-estrutura do Roque, com exceção do telefone público e o alojamento para

visitantes (figura I.4). As atividades produtivas são voltadas majoritariamente para a subsistência,

com comercialização de excedentes. Para o abastecimento de industrializados é comum o

comércio no flutuante da ASPROC e com marreteiros, em menor volume realizam-se compras

em Carauari e praticamente inexistem transações monetárias entre unidades domésticas.

5 A Associação dos Produtores Rurais de Carauari é organização que agrega grande parte dos moradores da Resex, pois na década de 1990 teve papel fundamental na criação da Resex. Seu flutuante funciona como uma espécie de mercado regional que fica localizado em comunidade próxima, acessível pelo Rio Juruá. 6 Em ambos os casos as mercadorias são obtidas por valores superiores aos praticados em Carauari devido aos custos de transporte e lucro do atravessador.

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Figura I.3. Croqui da comunidade com mercado de PFNMs (Roque)

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Figura I.4. Croqui da comunidade sem mercado de PFNMs (Pupuaí)

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Em ambas as comunidades a organização social local se dá por um líder, vice-líder e

respectivo grupo de conselheiros, eleitos em chapa a cada dois anos. Tais lideranças encarregam-

se de organizar as atividades comunitárias, bem como mediar reuniões e encontros para discussão

das questões de interesse comum. Em ambos os casos existem também lideranças ligadas a

segmentos da comunidade, tais como grupo de mulheres, jovens, igreja, dentre outros. No Roque,

os mais envolvidos na comercialização com empresa exercem também uma liderança informal.

Como fontes de renda monetária, as duas comunidades possuem benefícios de programas

de transferência de renda como bolsa-família, bolsa-escola e aposentadoria rural (Roque=5

unidades domésticas da amostra; Pupuaí=8 unidades no total). Ambas possuem também renda

regular anual para quem exerce cargo de auxiliar na escola ou de agente de saúde (Roque=2

unidades domésticas da amostra; Pupuaí=2 unidades no total). As comunidades, contudo, diferem

em respeito aos benefícios econômicos da comercialização de óleos vegetais com empresa. Como

renda da comercialização de PFNMs, além dos cargos fixos administrativos da comercialização e

os temporários na usina, há a renda variável das atividades de coleta, quebra e carregamento das

sementes e óleos.7

Resumindo, portanto, as duas comunidades em estudo possuem semelhanças em aspectos

naturais, bem como em características históricas e de atividades e organização socioeconômica

(Figura I.5). Mas, além dos efeitos da comercialização de óleos vegetais com empresa, as

comunidades diferem com relação ao acesso ao mercado regional, o tamanho do grupo e a

chegada de novas famílias. Sobre o acesso ao mercado regional, embora Pupuaí esteja

fisicamente mais próxima do centro urbano de Carauari, o Roque apresenta maior frequência de

contato com a cidade. O tamanho do grupo provavelmente está associado à chegada de novas

famílias e pode, em grande parte, ser associado ao próprio mercado de PFNMs, visto que entre

1998 e 2001 (período de instalação da usina) houve um aumento de 33% na população do Roque

(ALMEIDA, 2003).

7 Maiores detalhes na seção seguinte deste capítulo.

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Figura I.5.1. Rua principal do Roque Figura I.5.2. Rua Principal de Pupuaí

Figura I.5.3. Lago do Roque (na cheia) Figura I.5.4. Lago de Pupuaí (na cheia)

Figura I.5.5. Homem com caça do dia (Roque) Figura I.5.6. Homem tirando açaí (Pupuaí)

Figura I.5.7. Homem fazendo farinha (Roque) Figura I.5.8. Crianças na janela de casa (Pupuaí)

Figura I.5. Fotos das comunidades do Roque e Pupuaí, RESEX do Médio Juruá, AM.8

8 Fonte: Banco de imagens do Projeto Parcerias Florestais, 2005.

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I.3. A parceria comercial

O termo ‘parceria’ pode ser adotado para diferentes contextos e definições. Neste estudo a

definição adotada é de arranjos mais ou menos formais entre dois ou mais parceiros de setores

diversos que compartilham ao menos parte dos objetivos e que têm a expectativa de ganhar

melhor com a parceria que se atuassem sozinhos (ROS-TONEN et al., 2008). Para Ros-Tonen e

colegas (2008) as parcerias florestais, de um modo geral, podem ser classificadas em: (i)

parcerias produtivas, ou seja, aquelas voltadas para a produção comercial (por ex., empresa-

comunidade); (ii) parcerias de processo, ou seja, voltadas para negociar normas para uma

determinada produção (por ex., certificação FSC) e (iii) parcerias políticas, voltadas para

atividades de pressão por políticas públicas (por ex., aliança contra a barragem de Belo Monte).

O objeto deste estudo é uma parceria produtiva do tipo empresa-comunidade, ou seja,

quando ao menos uma empresa estabelece acordo com uma ou mais comunidades para

comercializar produtos florestais. Com este acordo, espera-se um benefício mútuo, na medida em

que as populações passam a ter acesso ao mercado e renda monetária, enquanto as empresas têm

acesso aos recursos naturais e promovem uma imagem de responsabilidade socioambiental.

A comercialização em estudo se dá entre a Cooperativa de Desenvolvimento Agro-

Extrativista e de Energia do Médio Juruá (CODAEMJ) e empresas de cosméticos. A cooperativa

é responsável por buscar as sementes nas comunidades coletoras, transportá-las até a usina na

comunidade do Roque, extrair os óleos de forma semi-industrial, filtrá-los e vendê-los para a

Cognis, empresa química de origem alemã, com sede em Manaus, AM.9 A Cognis, por sua vez,

recebe os óleos em sua sede de Manaus, realiza uma etapa de refinamento e revende à Natura,

empresa nacional de cosméticos sediada na Cidade de São Paulo.10 A Cognis é quem se relaciona

diretamente com as lideranças da CODAEMJ, principalmente nas negociações de adiantamentos,

exigência de qualidade do óleo, prazos e encomendas. A Natura, apesar de pouco presente no

relacionamento com as comunidades, era a única compradora da Cognis, razão pela qual estipula

a demanda de óleo a ser encomendado a cada safra. Segundo moradores locais a única forma de

relacionamento da Natura com a comunidade se dá quando, eventualmente, a empresa envia

funcionários da área de comunicação para adquirir imagens cênicas ou da população.11

9 Ver http://www.cognis.com 10 Ver www.natura.net 11 Entrevista realizada em 25/10/2005.

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A parceria entre comunidades e empresas foi encabeçada por membros da Universidade

Federal do Amazonas (UFAM) e pessoas do IBAMA. Inicialmente, a proposta era produzir

biocombustível para o atendimento energético local (Programa Luz para Todos), mas devido ao

melhor preço de mercado, desde 2000 o projeto passou a comercializar óleos vegetais com

empresas para a fabricação de cosméticos (CORREIA, 2005). O projeto da UFAM foi

responsável pela idealização do projeto, captação de recursos, pesquisa tecnológica e instalação

da usina e maquinários para a extração dos óleos, provendo assim toda a infraestrutura necessária

para a concretização da comercialização.12 As empresas, portanto, não realizaram qualquer

investimento em provisão de infra-estrutura e no início realizaram o pagamento somente quando

a produção chegou em São Paulo. A partir do segundo ano se tornou comum haver adiantamentos

por parte da Cognis. Embora nem sempre seja suficiente, estes adiantamentos servem como

capital de giro para viabilizar a produção local e seus respectivos pagamentos e encargos,

inclusive de transporte até as empresas.13

Em 2005, a parceria estava estabelecida através da comercialização de óleo de andiroba

(Carapa guianensis Aubl., Meliaceae) e murumuru (Astrocaryum murumuru Mart., Palmae). O

processo de extração desses óleos e a remuneração pela produção estavam estruturados pelas

seguintes atividades: 14

(i) Coleta: realizada por várias comunidades dentro e fora da Resex, ocorre principalmente nos

meses de fevereiro e março. As comunidades coletam as sementes dispersas na floresta

acumulando-as até a passagem do barco de compra da CODAEMJ, que realiza o pagamento

no ato da compra (R$7,50 por lata de sementes com cerca de 2 quilos).

(ii) Viagem de compra: correspondem a períodos de 5 a 10 dias (dependendo do período da

safra) em que integrantes do Roque viajam pelos rios comprando sementes das outras

comunidades coletoras. A atividade é exercida apenas por homens e possui a melhor

remuneração em relação às demais (R$15,00/dia). A proposta original é de que essa fosse

organizada de modo rotativo, promovendo uma melhor distribuição da renda. Mas, segundo

informantes, o revezamento não ocorre conforme a indicação dos coordenadores do projeto.15

12 Entrevista com o coordenador do projeto em 30/04/05. 13 Entrevista realizada em 12/02/2004. 14 Os valores de remuneração são equivalentes aos praticados no ano de 2005. 15 Entrevista com moradores locais em 24/10/2005 e 03/11/2005.

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(iii) Transporte das sementes e óleos: correspondem a carregar sacas de sementes que chegam

da viagem de compra até a sede da usina, ou os óleos extraídos na usina até a beira do rio

(figura I.6.3). Pode ser realizada por qualquer pessoa, mas devido ao esforço físico e baixa

remuneração, é realizada principalmente por homens e, de modo geral, os menos

privilegiados. Sua remuneração era de R$0,50 pelo percurso de cerca de três minutos (sem

bagagem) na cheia e R$3,00 pelo percurso de cerca de 20 minutos (sem bagagem) na vazante.

(iv) Quebra do coco e seleção das sementes: é uma fase que difere na produção dos óleos, já

que apenas o murumuru exige sua quebra manual. A atividade pode ser realizada por

qualquer pessoa acima de 15 anos e é a única em que é comum a participação feminina

(figura I.6.5). Sua remuneração é relativamente baixa: R$0,60 por quilo de semente limpa,

segundo estimativas locais, em um dia inteiro de trabalho um adulto saudável quebra em

média 10 kg.

(v) Trabalho temporário na usina: três indivíduos (apenas homens) são contratados para operar

as máquinas da usina de extração de óleos por três meses em período integral (I.6.6). Os

indivíduos são selecionados pela direção local do projeto e também, neste caso, a

coordenação recomenda o rodízio para evitar a concentração de renda (Remuneração:

R$100,00 mês).

(vi) Funcionários fixos: funcionários da cooperativa que recebem salário o ano todo,

independentemente do funcionamento da usina. Suas atividades correspondem à (i) gestão

financeira do projeto e realização dos pagamentos (R$100,00 mensais), (ii) garantir o bom

funcionamento e manutenção do maquinário da usina (R$450,00 mensais) e (iii) realizar a

organização mais ampla da cooperativa, ser a liderança local que se relaciona com as

representações da UFAM, IBAMA, Cognis e Natura (R$500,00 mensais).

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Andiroba

Murumuru Figura I.6.1. Fachada da usina Figura I.6.2. Sementes comercializadas em 2005

Figura I.6.3. Homens carregando sementes para a usina Figura I.6.4. Sementes secando

Figura I.6.5. Mulher quebrando coco de murumuru Figura I.6.6. Homem extraindo óleo na usina

Figura I.6.7. Galão de óleo vendido para empresas Figura I.6.8. Placa na fachada da usina

Figura I.6. Atividades de mercado de PFNMs na Comunidade do Roque16

16 Fonte: Banco de imagens do Projeto Parcerias Florestais, 2005.

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Uma análise exploratória sobre as formas de participação na comercialização de PFNMs

indica que algumas atividades trazem melhor remuneração que outras, como resultado, há uma

alta concentração da renda gerada pela comercialização (Gini= 79,7%). Um teste de correlação

indicou que a renda gerada por este mercado não está diretamente relacionada com a associação à

CODAEMJ (r=0,11; p=0,60), nem com o tempo alocado a este mercado (r=0,17; p=0,43), mas

sim com as lideranças na CODAEMJ (r=0,51; p<0,05).17 Isso corresponde com vários

depoimentos de moradores que reclamaram sobre a falta de rotatividade de quem vai às viagens

de compra, por exemplo

Para ir nas viagens de compra de semente ganha muito mais do que para carregar... todo mundo quer ir na viagem, mas ninguém vai não. É sempre os mesmos que vão...(...) Quando o pessoal lá debaixo chega das viagens, aí o pessoal daqui de cima vai tudo lá para a beira para carregar as sacas... Esse pessoal que vai sempre na viagem é que tem televisão, boi...18

Com relação à dedicação de tempo às atividades da comercialização e as demais

atividades de subsistência, o calendário sazonal do Roque indica que há um período coincidente

entre as atividades da usina e o tempo de preparar o roçado, tanto em mata virgem como em

capoeira (Figura I.5). Durante este período, portanto, há um custo de oportunidade onde as

unidades domésticas com poucos homens adultos têm que optar entre dedicar o tempo de

trabalho às atividades de extração de óleos ou à preparação do roçado. Essa decisão pode afetar

os rendimentos durante o período em que a usina está fechada, visto que a comercialização do

excedente agrícola é importante fonte de renda monetária e de subsistência nesta época. De fato,

dentre as lideranças da CODAEMJ, aquelas mais beneficiadas economicamente pagaram para

outros membros da comunidade realizar suas atividades de preparação do roçado durante o

período de funcionamento da usina.19 Como resultado, a média da área de roçado na comunidade

com mercado de PFNMs foi 39% menor do que em Pupuaí (t= -3,9; p≤0,00), indicando que de

modo geral as unidades têm optado por dedicar menos esforço de trabalho em atividades de roça.

17 Descrições da coleta de dados na seção seguinte deste capítulo. 18 Entrevista com moradora do Roque em 03/11/2005. 19 Informação obtida em conversa informal, 27/10/2005.

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JAN FEVMAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ QUEM EXTRAÇÃO DE ÓLEOS ♂

MANUTENÇÃO ♂

ANDIROBA ♂ ♀ ☺MURUMURU ♂ ♀

AÇAÍ ♂ ☺PESCA ♂ ♀ ☺CAÇA ♂

TARTARUGA ♂ ♀ ☺BROCAR ♂

DERRUBAR ♂QUEIMAR ♂PLANTAR ♂ ♀ ☺CAPINAR ♂ ♀ ☺COLHER ♂ ♀ ☺BROCAR ♂ ♀ ☺

DERRUBAR ♂ ♀ QUEIMAR ♂PLANTAR ♂ ♀ ☺CAPINAR ♂ ♀ ☺COLHER ♂ ♀ ☺

NÍVEL DO RIO

CHUVATEMPERATURA

LEGENDA: JAN FEVMAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ♂ = Homens♀ = Mulheres☺ = Crianças (a partir de 12 anos)

CLIMA

ROÇADO CAPOEIRA

USINA

EXTRATIVISMO VEGETAL

EXTRATIVISMO ANIMAL

ROÇADO MATA VIRGEM

Figura I.7. Calendário sazonal por gênero e idade, Comunidade do Roque (Adaptado de Figueiredo e Morsello, 2006)

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Embora alguma conclusão possa ser especulativa, há indícios de que há uma distribuição

desigual dos riscos entre os atores desta parceria comercial. Com a maior circulação monetária, a

comunidade do Roque está em um processo gradativo de transição à economia de mercado,

apresentando algumas evidências de redução em atividades produtivas de subsistência. Ao

mesmo tempo, a renda gerada por este mercado é sazonal, altamente concentrada e não há sequer

uma garantia formal de que no ano seguinte haverá nova comercialização. Segundo informantes

locais, já ocorreu da empresa não efetuar o pagamento pela produção após concluir que o óleo

estava mais ácido que o tolerável

O óleo de Murumuru é uma coisa em dúvida porque não tem saída para lá... até o pessoal que já trabalhou estavam querendo não pagar porque ainda não tinham vendido o óleo. Aí no fim pagaram as pessoas pelo trabalho de quebrar, mas as sete toneladas de óleo ficou estocada e sem finalidade (...) não tem venda porque a Natura não dá muita preferência (...) Foi a Cognis que encomendou essas toneladas de óleo de Murumuru, mas a Natura não se interessou porque o óleo estava muito ácido..20

Do viés da economia formal, portanto, este é um sistema de mercado considerado

imperfeito, visto que (i) não há uma concorrência entre firmas para regular a estipulação do

preço de compra da produção, (ii) há assimetria de informações e (iii) há assimetria no poder de

decisão dos agentes econômicos negociantes (GARCIA-PARPET, 2003).

I.4. Técnicas de levantamento de dados

Para a realização deste estudo, ao todo, foram realizados quatro campos durante os anos

de 2004 e 2005.21 As duas viagens de 2004 (07/02 a 29/02 e 03/07 a 24/07) voltaram-se ao

levantamento de dados qualitativos sobre a parceria comercial, bem como dados censitários para

a definição da comunidade a ser comparada com o Roque e seleção da amostra para a coleta de

dados sistemáticos. No ano seguinte foram aplicadas as técnicas de coleta de dados sistemáticos.

Para incorporar o fator sazonalidade, a coleta foi realizada por um mês em cada comunidade no

período de cheia (24/03 a 22/05/2005) e outro na vazante (21/10 a 15/12/2005), totalizando dois

meses observados em cada comunidade.

20 Entrevista com morador local em 25/10/2005, mas a informação não foi checada diretamente com a direção da cooperativa. 21 Os campos foram realizados por diferentes pesquisadores do grupo de pesquisa “Parcerias Florestais”, a autora foi responsável pela coleta de dados referente ao período de 21/10 a 15/12/2005.

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O levantamento de dados deste estudo incluiu uma combinação de métodos de pesquisa.

Para caracterizar o histórico, etapas de produção, transformações ao longo do tempo, problemas e

oportunidades ligadas à parceria, foram realizadas entrevistas estruturadas e semi-estruturadas

com representantes da parceria e informantes-chave da comunidade. Além de ouvir os principais

envolvidos, para detectar possíveis problemas, procurou-se conversar com aqueles identificados

como os menos favorecidos pela comercialização com empresa. Para contextualizar o estudo,

checar inconsistências nas análises quantitativas e fornecer dados sobre a percepção de mudanças

ocorridas ao longo do tempo foram utilizadas também informações coletadas em conversas

informais, observações diárias e coletas não sistemáticas. Sobre os métodos de coleta de dados

sistemática, a seguir, eles são apresentados com maiores detalhes e divididos entre os métodos de

observação direta, survey, técnicas de diagnóstico rural participativo e medição das áreas de roça.

I.4.1. Métodos de observação direta

Os métodos de observação direta consistem em observar pessoalmente os fatos e anotá-los

no exato momento em que ocorrem. Desse modo, ao invés de dar ênfase aos significados,

interpretações e experiências subjetivas dos pesquisados, enfatiza-se a precisão dos dados

coletados (JOHNSON & SACKET, 1998). Considerando que os humanos (tanto pesquisadores

como pesquisados) possuem, de modo geral, baixa capacidade de descrever de forma acurada

eventos ocorridos no passado, subestimando, superestimando ou distorcendo-os, a observação

direta é a forma mais confiável de investigar comportamentos sociais (BERNARD et al., 1984;

JOHNSON & SACKET, 1998). Neste estudo foram utilizadas duas formas de observação direta:

I.4.1.1. Estimativa de consumo

A primeira técnica de observação direta foi a estimativa de consumo diário, conforme

descrita em Wong & Godoy (2003). A técnica (‘weigh day’) consiste em identificar, pesar,

mensurar e valorar todos os bens que adentraram as unidades domésticas no período de um dia

inteiro. Dentre outros fatores, essa análise possibilita capturar aspectos do consumo (qualidade,

quantidade e diversidade), diferenças no uso dos recursos naturais e a importância do mercado no

consumo das unidades domésticas (WONG & GODOY, 2003; MORSELLO, 2006b).

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A aplicação desta técnica produz informações relativamente precisas, mas requer um

tempo considerável por parte do pesquisador que dedica dias inteiros para essa coleta de dados

(GODOY et al., 2006). Portanto, dependendo da quantidade e da distância física entre as

unidades observadas, é possível aplicá-la apenas com um número limitado de unidades

domésticas, em um número limitado de dias. Isso foi verdade no caso desse estudo, no qual a

estimativa de consumo foi coletada em um dia, selecionado aleatoriamente por semana, durante

um mês de cheia e outro na vazante, totalizando oito dias observados em cada comunidade.

Durante a coleta as casas das unidades pesquisadas foram percorridas entre as 6:00 e 18:00 horas,

observando e indagando sobre todos os bens e recursos obtidos naquele período. Estes foram

descritos em suas qualidades, estimados em sua quantidade e anotados em sua origem e forma de

aquisição.

Os dados de estimativa de consumo foram utilizados para quantificar e qualificar as

estratégias de obtenção de bens, em especial, os eventos de compartilhamento entre unidades

domésticas.

I.4.1.2. Alocação de tempo

Outra técnica de observação direta utilizada consiste na observação sistemática das

atividades em que os adultos pesquisados destinam seu tempo em dias e períodos do dia

aleatórios. A técnica parte do pressuposto de que uma amostragem de observação de atividades

realizadas (por ex., comer, trabalhar, cozinhar, jogar) em um número representativo observações,

indica a porcentagem de tempo dedicada para cada atividade (BERNARD & KILLWORTH,

1993: 207). Essa técnica tem a vantagem de seus resultados serem quantificados com um nível de

exatidão maior que outras técnicas e de corrigir possíveis intuições incorretas do pesquisador

(JOHNSON, 1975). Mas, de modo geral, a confiabilidade dos resultados depende da coleta ser

realizada de modo estruturado e com um número considerável de observações realizadas de

maneira aleatória (op. cit.). Também se deve observar na unidade de análise, a quantidade de

unidades, o intervalo e a duração das observações, componentes importantes na aplicação da

técnica (GROSS, 1984).

Como fatores limitantes, assim como outras técnicas que servem a estimar o tempo

investido, a observação direta não considera os custos de oportunidade em relação a outras

atividades que as pessoas deixaram de executar no mesmo período. Além disso, quando realizada

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por meio de observações pontuais, como neste estudo, desconsidera-se a duração dos

comportamentos (GROSS, 1984). Por fim, por ser muito invasiva, a técnica usualmente não

inclui observações noturnas consideradas, no entanto, importantes para algumas atividades.

Neste estudo a técnica foi aplicada conforme descrita por Johnson (1975). Foram

observados todos os indivíduos adultos (≥12 anos) das unidades domésticas. As observações

consideraram as atividades realizadas no exato momento da visita e as classificaram de acordo

com uma lista de códigos (ANEXO I). Nos casos em que o indivíduo não estava presente, foram

indagados outros familiares e, quando possível, a informação foi checada. Foram observados dois

períodos por dia (scan) escolhidos ao acaso (entre 07:00 e 18:00) em três dias por semana,

também selecionados aleatoriamente. Isso resultou em um total de 4.490 observações e 44 scans,

em 22 dias observados na comunidade inserida no mercado de PFNMs (Roque) e 3.995

observações e 42 scans, em 21 dias na Comunidade de Pupuaí.

Estes dados foram utilizados como uma das variáveis de inserção ao mercado de PFNMs,

para a mensuração do tempo coletivo de modo geral, a porcentagem de tempo de adultos doentes

e, por fim, o tempo produtivo coletivo, sendo esta última uma das variáveis de capital social.

I.4.2. Survey de unidades domésticas

Survey é um método de coleta, organização e análise de dados que através de diversas

técnicas (por ex., questionários, entrevistas estruturadas e semi-estruturadas, observação) constrói

uma matriz de dados com as características pesquisadas (DE VAUS, 1996). Neste estudo o

método foi empregado para caracterizar as comunidades e as unidades domésticas em sua (i)

estrutura demográfica (censo), (ii) renda monetária e (iii) mapeamento de lideranças locais.

I.4.2.1. Censo

A cada período de campo foram aplicados questionários estruturados sobre a composição,

estrutura e demografia de todas as unidades domésticas em ambas as comunidades. Os dados

foram atualizados a cada período de campo e, portanto, incluem flutuações demográficas e

mudanças de composição. Junto com os dados demográficos foram coletadas informações

individuais de maior grau de instrução, tempo de residência, religião, frequência de contato com

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áreas urbanas (a partir de viagens para Carauari, Manaus e para fora do Estado), associativismo à

CODAEMJ e exercício de cargos fixos na CODAEMJ.

I.4.2.2. Renda monetária

A renda foi estimada por meio de um survey repetido com todos os adultos (≥12 anos) no

final dos períodos de campo de 2005 (cheia e vazante). Para sua coleta os indivíduos foram

indagados, individualmente, sobre a renda monetária ou bens de valor recebidos no último mês.

Para minimizar distorções de tempo foi utilizado o marco da chegada do pesquisador na

comunidade. Além da renda monetária, foi considerada também aquela em espécie que, no caso,

foi posteriormente estimada em seu equivalente monetário pela quantidade e características

relevantes. O equivalente foi obtido por levantamento de preços praticados em Carauari e em

vendedores locais, o qual também foi repetido a cada período de campo. A renda total de uma

unidade doméstica é a soma das rendas individuais de seus membros adultos.

Todas as formas de aquisição de renda monetária foram classificadas segundo sua origem

e forma de aquisição (Tabela I.2.). Nos casos em que não foi possível coletar rendas individuais,

(por ex., indivíduos que estavam viajando) utilizou-se a técnica de interpolação dos dados.

Tabela I.2. Classificação da renda monetária por origem, forma de aquisição e exemplos. Origem Formas de aquisição Exemplos

Salário regular (12 meses ao ano) cargos administrativos Trabalho esporádico (3 meses) trabalho na usina Trabalho ou venda esporádica (variável) quebrar, carregar ou vender sementes

Mercado PFNMs

Salario regular pesquisa manutenção do alojamento Salário regular governo (12 meses ao ano) agente de saúde, auxiliar na escola Aposentadoria aposentadoria rural, invalidez, morte de pais

Salário regular (outros)

Mecanismos de seguridade social bolsa-escola, bolsa-família, bolsa-trabalho, bolsa reaprendendo

Trabalho esporádico para governo melhorias visita do governador Trabalho esporádico para pesquisadores serviços domésticos, auxílio na medição de roçados Trabalho esporádico - outros dia de trabalho Venda de produtos florestais vegetais açaí, pupunha Venda de artesanato e artefatos remo, cestaria Venda de produtos agrícolas mandioca, farinha de mandioca, bananas Venda de caça e outros animais da floresta anta, queixada, tartaruga Venda de animais criados ou ovos galinha, pato, porco Venda de pescado Peixe Vendas outros produtos pão, canoa, produtos próprios

Receita variável (não mercado de PFNMs)

Presentes de pessoas da comunidade Recursos enviados pelo pai para filhos Outros Financiamentos e crédito Pronaf, bancos Sem renda Renda mensal= R$ 0,00 Dado não coletado Viajou na semana da coleta do dado

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Em ambas as comunidades ocorreram um fato excepcional que aumentou as fontes de

renda no período da cheia (categoria ‘trabalho esporádico para o governo’): nesse período o

Governador do Estado visitou comunidades da Resex para prestigiar o projeto de comercialização

de óleos vegetais instalado no Roque. Na ocasião, a Prefeitura de Carauari e o próprio Governo

do estado utilizaram mão-de-obra local para realizar obras e melhorias na escola, igreja, entre

outros, como uma forma de ‘preparativos para a visita do governador’.

Os resultados do survey de renda monetária foram utilizados como uma das definições

para a variável de inserção ao mercado, de modo geral, e para a definição do grau de inserção ao

mercado de PFNMs, a partir da renda advinda exclusivamente deste mercado.

I.4.2.3. Mapeamento de lideranças locais

O contexto de semi-autarquia favorece o surgimento de lideranças locais para a

organização da vida social comunitária. Além das lideranças eleitas, para mapear os indivíduos

que exercem papel de liderança foram realizadas entrevistas informais e observações não

sistemáticas sobre os comportamentos individuais e do grupo, em especial em reuniões ou

situações de decisões, conflitos ou festividades.

Em ambas as comunidades existem lideranças eleitas e lideranças informais ligadas aos

diversos segmentos da comunidade (por ex., grupos de mulheres, jovens, igreja). Outra forma de

liderança decorre de indivíduos que possuem habilidades específicas raras (por ex., saber manejar

uma serra elétrica ou ser responsável pela manutenção do gerador comunitário). Sete indivíduos

na amostra do Roque (3,9%) e sete indivíduos na comunidade de Pupuaí (3,9%) possuíam algum

papel de liderança. No Roque isso inclui aquelas lideranças relacionadas ao mercado de PFNMs.

Neste estudo o mapeamento dos indivíduos que exercem papel de liderança foi utilizado

como controle, para determinar se este tipo de status social afeta a frequência de eventos de

cooperação entre unidades domésticas.

I.4.3. Diagnóstico Rural Participativo

O Diagnóstico Rural Participativo (DRP) inclui um conjunto de técnicas e ferramentas

que, embora variem quanto ao grau e forma de participação, de modo geral pressupõem que as

comunidades expressem, aprimorem, compartilhem e/ou analisem conceitos e critérios locais

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sobre uma dada questão (CHAMBERS, 1994). A proposta participativa permite que o

levantamento de dados sobre dada questão leve em conta a importância dos conhecimentos locais

sobre a mesma (VERDEJO, 2006). As informações são conseguidas frequentemente por meio de

grupos que conversam entre si. A preferência pela aplicação do método em grupos se dá pelos

indícios que grupos são mais capazes de recordar detalhes que indivíduos (BERNARD et al.,

1984). Além disso, o debate entre indivíduos possibilita um compartilhamento de informações e

idéias entre habitantes da mesma comunidade, bem como entre comunitários e pesquisadores.

Neste estudo foram aplicadas duas técnicas de diagnóstico rural participativo.

I.4.3.1. Ordenamento de riqueza

O ordenamento de riqueza (‘wealth ranking’) é uma técnica de DRP para definir a ordem

de riqueza de todos os indivíduos ou unidades domésticas de um determinado grupo que seja,

preferencialmente, menor que 100 unidades domésticas (GRANDIN, 1988). Enquanto os surveys

convencionais definem a estratificação econômica do grupo a partir de critérios estabelecidos

pelo pesquisador (por ex, renda monetária), essa técnica está baseada nos critérios locais de

riqueza (SCOONES, 1995). Sua aplicação consiste na realização de exercícios de ordenamento,

nos quais se solicita que um informante ou grupo de informantes escolhidos por conveniência

classifiquem todos os indivíduos ou unidades domésticas da sua comunidade por ordem de

riqueza ou em termos de bem-estar. Para isso todos são identificados em pedaços de papel, por

exemplo, e devem ser organizados pelos informantes em subgrupos seguindo uma escala que

difere as unidades entre seus níveis de bem-estar socioeconômico. Ao estabelecerem as classes,

os informantes são arguidos sobre os critérios utilizados, o que permite identificar os conceitos e

determinantes locais de bem-estar. Assim, ao mesmo tempo em que se determina a estratificação

econômica de determinado grupo, a técnica possibilita identificar os critérios locais para definir

status econômico e bem-estar (MEARNS et al., 1992).

Como fatores limitantes da técnica, há o fato que os resultados são intrinsecamente

ligados aos conceitos locais e não podem ser comparados e extrapolados para outros grupos,

ainda que próximos (GRANDIN, 1988). Além disso, o recorte pelo bem-estar pode desconsiderar

outros fatores relevantes como, por exemplo, questões raciais, de casta e gênero (GROSVENOR-

ALSOP, 1989). O ordenamento de riqueza apresenta, porém, algumas vantagens consideradas

mais importantes que as desvantagens. Entre elas, a técnica possibilita determinar diferenças de

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riqueza em contextos em que renda monetária é limitada (GRANDIN, 1988). Possibilita a

inclusão da totalidade da comunidade de forma mais eficiente do que se fossem utilizados as

técnicas convencionais. E, por fim, sua aplicação propicia uma discussão qualitativa acerca da

estratificação social de um modo que os métodos convencionais não permitem (SCOONES,

1995).

Nesta pesquisa a técnica foi adaptada conforme descrita por Grandin (1988), adotando o

nível de unidades domésticas como unidade de análise. Grandin (1988) recomenda que o

ordenamento de riqueza seja aplicado em pelo menos três grupos de informantes, calculando-se o

ranking final segundo a média dentre eles. No Roque a técnica foi de fato aplicada por três vezes,

mas em Pupuaí este dado foi coletado apenas uma vez no segundo campo (tabela I.3). Em sua

apresentação final, as unidades domésticas que sob a perspectiva local têm melhores condições

de vida (bem-estar) apresentam os maiores valores em uma escala de 1 a 15.

Tabela I.3. Características dos grupos de ordenamento de riqueza no Roque e Pupuaí Comunidade Grupos Informantes (gênero, idade) UD (wealth ranking)

1 Raimundo Pinto da Costa (♂, 50) Francisco Pinto da Costa (♂, 46)

01 (11) 02 (11)

2 José do Nascimento Feitosa (♂, 56) 23 (11)

Com mercado de PFNMS (Roque)

3 Maria da Paz Souza de Feitosa (♀, 33) Valdevino Cosme da Costa (♂, 48) Edilson Ribeiro Soriano (♂, 28) Ednária Feitosa da Costa (♀, 20)

08 (07) 08 (07) 09 (10) 09 (10)

Sem mercado de PFNMS (Pupuaí)

1 Josina São Bento (♀, 63) Cícero São Bento (♂, 25)

03 (13) 03 (13)

De modo geral, a riqueza percebida foi utilizada para garantir a variabilidade da amostra

de unidades domésticas no Roque. No segundo capítulo serviu também para avaliar o efeito da

percepção local de riqueza na frequência de bens obtidos por capital social. No terceiro capítulo,

foi uma medida de pobreza relativa, visto que engloba aspectos locais para a definição de bem-

estar e, assim, ultrapassa aqueles advindos da renda monetária (SEN, 1981).

I.4.3.2. Calendário sazonal

Calendário sazonal é um diagrama que representa a distribuição das atividades produtivas

e eventos naturais, representando graficamente sua freqüência, quantidade e simultaneidade entre

eventos (YOUNG & HINTON, 1996). Esse instrumento fornece uma estrutura anual dos eventos

sazonais, eventos críticos e demais circunstâncias que afetam as atividades produtivas das

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comunidades (CRAMB & PURCELL, 2001). Isso facilita a avaliação de mudanças ao longo do

ano, ao invés de destacar apenas o que acontece durante o período observado (FAO, 2001).

O calendário sazonal do Roque proveu de três grupos de informantes-chaves, além de

conversas informais e observações não sistemáticas. As entrevistas em grupo foram realizadas em

2004 e em maio de 2005. No campo de novembro de 2005, no qual a presente autora foi

responsável, as informações coletadas foram checadas, com soluções de dúvidas pontuais.

Devido ao excesso de categorias incluídas (i.e. agricultura, caça, pesca, coleta, mercado de

PFNMs, pluviosidade e clima) e suas etapas (por ex., agricultura= brocar, derrubar, queimar,

plantar, capinar e colher), para sua representação gráfica foi eleito um diagrama não circular.

O calendário sazonal serviu de apoio para as análises ao permitir a avaliação de atividades

concorrentes (por ex., funcionamento da usina e brocar roçado). Além disso, sua avaliação indica

diferenças importantes na oferta de recursos naturais em relação à sazonalidade (i.e. cheia e

vazante).

I.4.4. Medição da área de roçado

Estudos sobre a dieta de populações ribeirinhas apontam para a importância nutricional da

mandioca (Manihot esculenta Crantz) e seus produtos derivados como a principal fonte de

calorias, mesmo considerando diferentes ecossistemas amazônicos (ADAMS et al., 2006b). Além

de fonte segura de calorias, a produção e comercialização de farinha de mandioca exerce um

papel importante como fonte de renda para comunidades amazônicas (FRANCO, 2007). Isso

porque, num contexto de raras oportunidades de renda, este produto apresenta certa liquidez no

mercado regional e é mais facilmente transformado em moeda de troca na aquisição de outros

bens não cultiváveis. Ou seja, no contexto de comunidades florestais, o cultivo de roçado e a

fabricação de farinha de mandioca ajudam a garantir a segurança alimentar e econômica das

unidades domésticas.

A medição das áreas de roçado considerou todos os roçados cultivados no período do ano

vigente ao de coleta dos dados sistemáticos (i.e. 2005). A coleta foi realizada durante o campo da

vazante, portanto após o período de plantio. Primeiramente foi feito um levantamento geral com

entrevistas estruturadas sobre todas as roças abertas naquele ano por membros das unidades

domésticas pesquisadas. Em seguida a autora mediu pessoalmente todas as áreas cultivadas com

uma bússola Suunto modelo KB-20 e uma trena de 50 metros de comprimento. A área de roçado

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de uma unidade doméstica é a soma das roças abertas por seus membros naquele ano. Para

realizar a medição houve sempre a ajuda de algum morador local e, geralmente, o respectivo

responsável pelo roçado.

Além de medir todas as arestas e angulações dos polígonos, foram registrados: o tempo de

distância do roçado em relação à vila principal, a localidade (i.e. mata virgem, capoeira ou

várzea), as espécies cultivadas e uma estimativa do número de ‘covas’22 de mandioca cultivada

naquela área. Em ambas as comunidades houveram casos isolados em que não foi possível medir

algum local de roça. Nestes casos a área dos roçados não medidos foi estimada mediante o

número de ‘covas’ que o proprietário disse haver naquela área. Essa estimativa foi realizada a

partir da densidade média de ‘covas’ informadas pelos proprietários em relação às áreas dos

roçados efetivamente medidos.

A comunidade inserida no mercado de PFNMs (Roque) apresentou uma média de dois

roçados por unidade doméstica e 7.153 m² de área média por roçado medido (Tabela I.4). Nesta

comunidade houve um único caso de unidade doméstica que não cultiva roçado. No caso, trata-se

de uma liderança da comercialização que é o único homem adulto da unidade e que

ocasionalmente vende pão caseiro na comunidade. Na comunidade sem comercialização

(Pupuaí), houve uma média de três roçados por unidade doméstica de em média 15.541 m² cada.

Tabela I.4. Estatística descritiva da área de roçados abertos em 2005. Com mercado de PFNMs (Roque) Sem mercado de PFNMs (Pupuaí) min max média d.p. min max média d.p. Número de roças abertas (n) 0 5 2,13 1,32 1 7 2,91 1,54 Área total das roças (m²) 0 20274,56 7152,69 5001,85 4133,19 36456,84 15541,45 8179,45 Covas informadas (n) 0 36000 11806,25 8114,54 7000 48800 20590,48 9493,25

Neste estudo a área de roçado foi utilizada para avaliar se a capacidade produtiva de uma

unidade doméstica está associada aos eventos de cooperação produtiva, bem como foi um

subsídio para o cálculo do índice de pobreza absoluta. O índice de pobreza absoluta, melhor

apresentado no terceiro capítulo, caracterizou-se pela soma standartizada (z-score) da área de

roçado e a renda monetária total, dividida pela taxa de dependência da unidade doméstica.

22 O número de covas é a forma local de indicar quantas plantas de mandioca foram cultivadas em determinada área de roçado.

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Tabela I.5. Sumário da metodologia geral

Cheia Vazante Cheia Vazante21/04 a 22/05/2005 21/10 a 20/11/2005 24/3 a 21/04/2005 20/11 a 15/12/2005

Observação 4 dias 4 dias 4 dias 4 diasDireta 24 households 24 households 23 households 23 households

186 observações 474 observações 188 observações 194 observações

18 scans 26 scans 18 scans 24 scansamostra=24 UDs amostra=24 UDs pop.=23 UDs pop.=23 UDs1.890 observações 2.600 observações 1.764 observações 2.231 observações

amostra=24 UDs amostra=24 UDs pop.=23 UDs pop.=23 UDsamostra=176 indivíduos amostra=178 indivíduos pop.=180 indivíduos pop.=185 indivíduos

24 UDs 24 UDs 23 UDs 23 UDs104 indivíduos 103 indivíduos 97 indivíduos 99 indivíduos103 observações 85 observações 97 observações 90 observações

Entrevistas informais e observações não sistemáticas

Mapeamento de lideranças locais

3 grupos conversas informais para dúvidas pontuais

Método Técnica Descrição do dado

Total de observaçõesCom mercado de PFNMs (Roque) Sem mercado de PFNMs (Pupuaí)

Estimativa de consumo (Weigh Day)

Levantamento dos bens consumidos ao longo de um dia

Alocação de tempo Atividade realizada pelos indivíduos no momento da observação

Survey Censo Levantamento da estrutura, demografia e características

Renda total Renda total mensal dos adultos (>12 anos)

Diagnóstico Rural Participativo (DRP)

Ordenamento de riqueza Percepção local de estratificação de riqueza

2 grupos com ordenamento de 58 households

Calendário sazonal Calendário anual das atividades produtivas

1 calendário: não se aplica

7 indivíduos (na amostra) 7 indivíduos (população)

1 grupo com ordenamento de 23 households

*UDs=Unidades Domésticas; pop.=População

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I.5. Procedimento de análise de dados

O primeiro capítulo avaliou os efeitos da inserção ao mercado na obtenção de recursos por

cooperação. Para isso foram realizadas regressões lineares, instrumento comumente utilizado

para avaliações sistemáticas sobre variáveis que afetam comportamentos sociais (por ex.,

HAWKES et al; 2000; GURVEN, 2004b; GODOY et al., 2007). A regressão linear é um modelo

estatístico que, estimado pela técnica de Mínimos Quadrados (‘Ordinary Least Square’), serve

para prever ou estimar uma variável quantitativa ‘y’ partindo de uma ou mais variáveis

explicativas ‘x’ (RUMSEY, 2007). Sua aplicabilidade tem como premissa uma distribuição

normal das variáveis e a ausência de colinearidade entre as variáveis independentes (GUPTA,

2000; MOSS, 2007). Para testar a normalidade utilizou-se o Kolmogorov-Smirnov (sig.≥0,05) e

para checar colinearidades foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson (sig.≤0,05).

Para avaliações sobre a diferença de médias entre grupos ou amostras, foram realizados

testes ‘T de Student’ para distribuições normais e ‘Mann-Whitney U’ para distribuições

assimétricas. Esse tipo de teste é uma ferramenta estatística útil e robusta para avaliar o efeito de

uma variável categórica com dois níveis sobre uma variável quantitativa (DE MARCO JUNIOR

& PAGLIA, 2008). As análises estatísticas foram realizadas no pacote SPSS® v. 13.0.

O terceiro capítulo procurou comparar a estrutura das redes de cooperação das

comunidades e avaliar a situação das unidades mais vulneráveis em termos de pobreza absoluta e

relativa. Para tanto, além de análises estatísticas foram utilizados instrumentos de análise de

redes. A análise de redes tem sido crescentemente utilizada para a avaliação de dados sociais, e

seus principais modelos e métodos quantitativos foram desenvolvidos a partir dos anos 1990

(CARRINGTON et al., 2005). Essa análise parte da proposta de descrever um ambiente social a

partir dos padrões ou regularidades nas relações entre seus atores (WASSERMAN & FAUST,

1994). A grande contribuição do método está no fato de incluir uma avaliação sobre o padrão de

interação entre um grupo de atores sociais (op. cit.). No estudo da cooperação humana essa

avaliação é importante, pois este comportamento é influenciado pela repetição e visibilidade das

ações, bem como pela reciprocidade indireta, fenômenos que emergem no nível das interações

entre os atores.

A configuração gráfica das redes foi realizada no programa ‘Social Networks Visualizer’

(SocNetV), um ‘software’ livre que foi utilizado também para calcular propriedades básicas da

rede (i.e. total de ligações e densidade), bem como estatísticas mais avançadas (i.e. centralidade).

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Capítulo II

Efeitos da exposição ao mercado de produtos florestais não madeireiros sobre o compartilhamento de recursos entre

unidades domésticas

II.1. Introdução

A noção protecionista onde a gestão florestal e a manutenção do estoque e biodiversidade

de recursos são incompatíveis com a existência de populações locais predominou no debate

ambiental internacional por muito tempo (REDFORD & STEARMAN, 1993; TERBORGH,

2000; GALETTI, 2001). A partir da década de 1980, porém, essa concepção passou a ser

questionada principalmente por movimentos organizados de populações florestais que, com o

apoio de cientistas e organizações não governamentais, pressionaram pelo reconhecimento de

seus direitos (COLCHESTER et al., 2006), mas também do caráter conservacionista de suas

atividades (SCHWARTZMAN et al., 2000; COLCHESTER, 2000). Na região Amazônica

brasileira este movimento foi liderado pelo Conselho Nacional dos Seringueiros que despertou a

atenção internacional para os direitos dos ‘povos da floresta’ (ALLEGRETTI, 2002;

CAVALCANTI, 2002; ALMEIDA, 2004). Desde então, organismos internacionais vêm

determinando uma mudança de paradigma na exploração florestal e, em congruência com a

tendência mundial, a região tem sido palco de tentativas de modelos produtivos que conciliem

conservação e desenvolvimento (BROWDER, 2002; KOZIELL & INOUE, 2006; ROS-TONEN,

2007).

Dentre as alternativas propostas, instituições de pesquisa, o Banco Mundial, organizações

da sociedade civil e empresas nacionais e estrangeiras vêm incentivando e implementando

parcerias comerciais entre comunidades locais extrativistas e empresas para a comercialização de

produtos florestais não madeireiros (PFNMs) (BECKER, 2004; MORSELLO, 2006; KUSTERS

et al.,2006; ROS-TONEN et al., 2008). Inicialmente, tais parcerias foram implementadas por

organizações não governamentais no formato de Projetos Integrados de Conservação e

Desenvolvimento, mas atualmente é comum que empresas estabeleçam parcerias diretamente

com as comunidades (MORSELLO, 2006; MORSELLO & ADGER, 2007). O crescimento desse

mercado parte da premissa de que a exploração dos PFNMs produz menos impactos negativos

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em termos ecológicos, ao mesmo tempo em que serve como fonte de renda para as populações

florestais que, de modo geral, vivem num contexto de pobreza material (ROS-TONEN, 2000;

ARNOLD & RUIZ-PÉREZ, 2001). Assim, é comum a interpretação de tais parcerias como uma

estratégia onde ‘todos ganham’ (win-win): ganha a floresta que sofre menores impactos, a

comunidade que passa a ter acesso a fontes alternativas de renda e a empresa que acessa matéria-

prima e nichos ‘verdes’ de mercado (MORSELLO, 2006; ROS-TONEN et al, 2008).

Mas, embora o de mercado de PFNMs tenha sido inicialmente encarado com certo

otimismo, não existe consenso sobre sua viabilidade para promover o desenvolvimento de

populações florestais (MORSELLO & ADGER, 2007). Em especial, há dúvidas sobre sua

atividade produtiva de base. Alguns autores argumentam que o extrativismo é uma alternativa

viável e adequada para o desenvolvimento das populações florestais (CUNHA & ALMEIDA,

2000; ALLEGRETTI, 2002; CAVALCANTI, 2002), visto que além de subsistência atua como

reserva de valor para comércio de excedentes e, portanto, previne a intensificação da pobreza

(OGLE, 1995; MAYERS & VERMEULEN, 2002 SHANLEY et al, 2006; SHACKLETON,

2005; SHACKLETON et al, 2007). Outros, porém, entendem que esta é uma atividade instável e

incapaz de aliviar a pobreza ou incrementar substancialmente a renda monetária (HOMMA,

1993; ROS-TONEN & WIERSUM, 2005; PYHÄLÄ et al., 2006). Dessa forma, os proponentes

do extrativismo seriam partidários de um “subdesenvolvimento sustentável” ou um culto à

pobreza (BROWDER, 1992; CLÜSENER-GODT & SACHS, 1994; MURRIETA et al 2006).

Além disso, após cerca de 30 anos dos primeiros projetos de comercialização de PFNMs

implementados para tentar aliar a conservação florestal ao desenvolvimento local, estudos têm

evidenciado que são comuns os impactos negativos tanto ambientais (PAOLI, et al., 2001;

ENDRESS et al., 2006; NDANGALASI et al., 2007), como socioeconômicos (ARNOLD &

RUIZ PEREZ, 2001; RUIZ PEREZ et al., 2004; KUSTERS et al., 2006; PYHÄLÄ et al., 2006;

BELCHER & SCHRECKENBERG, 2007).

No que se refere aos impactos socioeconômicos, os PFNMs são controlados de maneira

mais equânime e, assim, têm maior potencial para gerar e distribuir benefícios monetários em

relação a outras atividades (por ex., exploração madeireira) (PETERS et al., 1989). Mas, de modo

geral, resultados indicam que sua comercialização não tem conseguido reduzir os patamares de

pobreza, seja no contexto global (CLAY, 1993; BELCHER et al., 2005; PYHÄLÄ et al., 2006)

ou da Amazônia brasileira (MORSELLO, 2006; MORSELLO & ADGER, 2007). Mesmo quando

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há indícios de que houve redução nas disparidades de renda entre as populações florestais e a

sociedade industrial, em alguns casos observou-se que a integração à economia de mercado pode

conduzir à desigualdade e diferenciação social no interior do grupo (KUSTERS et al., 2006;

MORSELLO, 2006). Isso porque nas áreas mais comumente envolvidas neste mercado

predominam grupos florestais de pequena-escala, autárquicos ou semi-autárquicos (BELCHER &

SCHRECKENBERG, 2007). Estes grupos são, de modo geral, estruturados a partir de sistemas

de parentesco e regidos por normas locais de reciprocidade (DUMONT, 1975; LIMA, 2006),

onde a doação e trocas não monetarizadas de recursos funcionam como normas sociais informais

(FEHR & GÄCHTER, 1998; BIRD et al, 2002). Quando expostos à economia de mercado,

grupos semi-autárquicos podem se tornar mais dependentes de agentes externos, bem como ficam

mais vulneráveis às oscilações do mercado (COLCHESTER, 1989; NEUMANN & HIRSCH,

2000). Além disso, a exposição ao mercado pode introduzir mudanças nos sistemas de valores e

normas sociais que favorecem a cooperação (RICHARDS, 1997; LU, 2001; POTEETE &

OSTROM, 2002), acirrando disputas internas (BEHRENS, 1992; BURY, 2004) e causando o

enfraquecimento na coesão do grupo (NEUMANN & HIRSCH, 2000).

As normas sociais de cooperação produtiva compõem regrais locais que aumentam o

estoque de capital social na medida em que definem comportamentos desejáveis e estabelecem

mecanismos de recompensa em relação a eles (BORCHERDING & FILSON, 2002). As redes de

capital social, de modo geral, estabelecem um sistema de créditos e obrigações de modo a

garantir benefícios aos membros envolvidos (PUTNAM, 1995; PORTES, 1998). Em contextos

de pobreza material ou de autarquia a manutenção desses sistemas está comumente associada ao

compartilhamento de alimentos e pode funcionar, portanto, como uma forma de proteção para

períodos de risco ou escassez de recursos (CASHDAN, 1985; BIRD et al, 2002; GURVEN,

2004b; BACON, 2005). Isso ocorre especialmente em contextos onde a instabilidade de fontes de

renda torna as populações mais vulneráveis aos riscos e períodos de dificuldades (DERCON,

2002), bem como para indivíduos debilitados ao trabalho ou mais vulneráveis em termos

econômicos (DASGUPTA, 2000; BYRON, 2003).

Para o contexto de grupos de pequena-escala, autárquicos ou semi-autárquicos, existem

alguns fatores que são frequentemente citados como possíveis causas para a quebra ou

diminuição das redes de capital social. Um deles é que comportamentos cooperativos parecem ser

mais comumente observados em grupos de menor tamanho (TRIVERS, 1971), onde há

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interações repetidas e visibilidade das decisões alheias (AXELROD & HAMILTON, 1981;

AXELROD, 1984), bem como melhores sistemas de punição (HENRICH et al., 2010) e

reputação (NOWAK & SIGMUND, 2005; NOWAK, 2006). A exposição à economia de mercado

é outro fator comumente citado como associado a alterações no comportamento cooperativo em

contextos semi-autárquicos. Não há, porém, consenso na literatura se os efeitos do mercado

levam ao aumento ou redução do comportamento cooperativo. Estudos etnográficos descritivos

usualmente apontam que as leis de mercado se autonomizam em relação à vida social e a lógica

competitiva do mercado tenderia a atuar como um ‘moinho satânico’ (POLANYI, 1978) que

corrói o caráter cooperativo dos indivíduos em suas relações sociais (SAHLINS, 1974;

SENNETT, 1999). Neste sentido estudos concluíram que a maior exposição ao mercado cria uma

expectativa de comercialização de recursos e das relações de trabalho, criando assim uma

atmosfera de desconfiança e conflitos (BEHRENS, 1992; BURY, 2004) e reduzindo as práticas

de compartilhamento entre unidades domésticas (PUTSCHE, 2000). Também neste sentido

estudos encontraram que no contexto de autarquia o maior contato com sociedades externas pode

acelerar ou até alterar o rumo de mudanças nas instituições sociais locais (BYRON, 2003).

Apesar de evidências etnográficas, estudos empíricos e mesmo o senso comum apontarem

que a exposição ao mercado levaria a redução de práticas cooperativas, estudos têm chegado a

resultados contrários, ou seja, que o aumento da renda monetária pode funcionar como incentivo

à generosidade (por ex., TRACER, 2004; GURVEN, 2004c; ENSMINGER, 2004; REYES-

GARCÍA et al., 2006). A associação entre o mercado e cooperação humana foi testada em um

estudo experimental combinado com etnográfico que, comparando diferentes grupos, concluiu

que a integração ao mercado explica boa parte do comportamento cooperativo (HENRICH et al.,

2004). Neste sentido Godoy e colegas (2007) também concluíram que comunidades com maior

renda tendem a cooperar mais quando comparadas com outras de menor renda. Neste caso,

porém, a existência de desigualdades internas na distribuição dos benefícios econômicos

apresentou efeito de diminuição no comportamento cooperativo (op. cit.).

Há poucos estudos empíricos que avaliam sistematicamente os efeitos do mercado de

PFNMs sobre o comportamento cooperativo entre unidades domésticas. Essa estratégia, no

entanto, é usualmente instalada em áreas remotas de infra-estrutura de transporte pouco

desenvolvidas e, portanto, com comunidades com menor inserção à economia de mercado

(BELCHER & SCHRECKENBERG, 2007). Considerando que a comercialização de PFNMs

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aumenta a exposição de populações semi-autárquicas à economia de mercado, essa estratégia

para promover conservação e desenvolvimento pode ter efeitos sobre as práticas cooperativas nas

comunidades envolvidas. Isso porque, apesar de evidências contraditórias, estudos apontam que

de modo geral a maior exposição ao mercado afeta o comportamento cooperativo entre unidades

domésticas.

Este estudo pretende, portanto, responder quais os efeitos deste mercado de PFNMs nas

normas cooperativas de compartilhamento de recursos entre unidades domésticas em uma

comunidade extrativista envolvida neste mercado. A hipótese central a ser testada é a percepção

obtida em campo de que comunidades com maior exposição ao mercado de PFNMs criam

mercados internos para obtenção de recursos e isso afeta o comportamento cooperativo, em

especial o compartilhamento de recursos alimentares. De forma complementar, esse estudo avalia

também se o mercado de PFNMs afeta a cooperação no nível entre unidades domésticas de uma

mesma comunidade, mas com diferentes graus de inserção a este mercado.

II.2. Metodologia

Para avaliar se a maior exposição ao mercado de PFNMs afeta a cooperação produtiva

entre unidades domésticas, este estudo avalia seus efeitos em sociedades caboclas da Amazônia

comparando duas comunidades da Reserva Extrativista do Médio Juruá, Carauari – AM. A

primeira comunidade está exposta à economia de mercado a partir da comercialização PFNMs

com empresa (Roque) e a segunda (Pupuaí), tem menor nível de integração ao mercado e mantém

as práticas econômicas usuais na região, ou seja, combina subsistência, comercialização de

excedentes e benefícios monetários recebidos do governo.23 Ambas as comunidades possuem

características semelhantes em termos geográficos e de distância do centro urbano

(FIGUEIREDO & MORSELLO, 2006), mas diferem principalmente quanto à existência do

mercado PFNMs com empresas, além de algumas formas de comércio local, o número de

habitantes e o tempo de permanência. Nestes dois últimos aspectos a diferença deve-se em grande

parte ao atrativo da comercialização com empresa, visto que entre 1998 e 2001 (período de

implantação do projeto) a população do Roque aumentou cerca de 33% (ALMEIDA, 2003).

23 A descrição da área de estudo e as características das comunidades foram apresentadas em maiores detalhes no capítulo I desta dissertação.

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De modo geral, o acordo comercial se dá a partir da Cooperativa de Desenvolvimento

Agro-Extrativista e de Energia do Médio Juruá (CODAEMJ) que comercializa os óleos vegetais

com uma empresa em Manaus – AM. Esta empresa, após processo de refinamento, revende a

produção para empresa de cosméticos sediada em São Paulo. Do ponto de vista da produção na

comunidade, portanto, a empresa de Manaus é a única compradora, não havendo assim uma

concorrência entre firmas neste mercado.

Para testar a hipótese, a análise foi dividida em duas etapas. A primeira avaliou se há

diferença entre as duas comunidades quanto aos bens consumidos e as estratégias de obtenção

destes recursos. A segunda avaliou se a inserção ao mercado afeta a frequência de cooperação

produtiva entre unidades domésticas. Esta segunda etapa foi realizada em duas diferentes escalas

de análise: a primeira avaliou os efeitos da renda monetária e a presença de comercialização com

empresa (i.e. medidas de inserção ao mercado, de modo geral) em uma escala comparativa entre

comunidades. A segunda analisa o efeito da inserção ao mercado de PFNMs (i.e. renda monetária

e porcentagem de tempo dedicado à atividade) em uma análise transversal entre unidades

domésticas da comunidade envolvida neste mercado.

Todas as análises estatísticas foram realizadas no pacote SPSS® v. 13.0, sendo que a

comparação de médias foi realizada por testes ‘T de Student’ para distribuições normais (β= t) e

‘Mann-Whitney U’ para distribuições não paramétricas (β= z). Para avaliar a normalidade da

distribuição dos dados foi utilizado o teste de Kolmogorov-Smirnov, em uma significância de

p≤0,05. Por fim, a concentração da renda foi medida pelo Índice de Gini, uma expressão

matemática que apresenta a concentração de renda num determinado grupo de dados:

Onde: G = coeficiente de Gini X = proporção acumulada da variável "população" Y = proporção acumulada da variável "renda"

O coeficiente resultante varia de zero a um, sendo que ‘0’ significa uma completa

igualdade de renda e ‘1’ a completa desigualdade (i.e. uma pessoa concentra toda a renda). O

índice de Gini é o coeficiente expresso em pontos percentuais, o que facilita sua interpretação.

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- 43 -

II.2.1. Comparação entre os recursos consumidos e as estratégias para sua obtenção

A primeira etapa foi uma comparação entre as duas comunidades quanto aos bens

consumidos e suas estratégias de obtenção. Para tal, todos os recursos obtidos durante certo

período observado foram comparados quanto ao seu tipo e forma de obtenção, assumindo que as

diferenças na comunidade com mercado de PFNMs são reflexos de sua exposição ao mercado.

A mensuração dos tipos de recursos consumidos foi realizada por meio de técnica de

observação direta para a estimativa de consumo (weigh day) onde ao longo um dia inteiro (7:00-

18:00) foram registrados todos os recursos obtidos pelas unidades domésticas da amostra. Ao

todo, foram oito dias de observação em cada comunidade, sendo quatro deles na cheia e quatro na

vazante, para levar em conta a sazonalidade. As formas de obtenção foram classificadas como (i)

recursos obtidos por esforço de indivíduos da própria unidade, (ii) aquisições por transações

monetárias ou (iii) obtidos por cooperação entre unidades (i.e. compartilhamento espontâneo ou

esforço conjunto entre unidades domésticas). Os tipos de bens foram classificados como produtos

florestais, agropecuários, manufaturados, industrializados e outros que não se enquadraram na

classificação adotada.

II.2.2. Efeitos da inserção à economia de mercado na obtenção de recursos por cooperação entre unidades domésticas

A segunda etapa da pesquisa realizou duas formas de análise. A primeira testa se os

diferentes graus de exposição das comunidades à economia de mercado afetam a frequência de

cooperação produtiva entre unidades domésticas. A segunda avalia se diferentes graus de

inserção ao mercado de PFNMs (i.e. porcentagem de tempo e renda advinda deste mercado)

afetam a cooperação produtiva em uma análise transversal comparando unidades domésticas da

comunidade inserida neste mercado. Em ambos os casos foram realizadas Regressões Lineares

Múltiplas estimadas pela técnica de Mínimos Quadrados (Ordinary Least Square – OLS) para

testar o efeito individual das variáveis independentes, bem como algumas variáveis-controle, na

frequência de recursos obtidos por cooperação entre unidades domésticas.

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Descrição dos modelos OLS

Em ambos os modelos a variável dependente avaliada foi a frequência de recursos obtidos

por mecanismos de cooperação, ou seja, recursos obtidos por compartilhamento espontâneo ou

esforço coletivo entre unidades domésticas (Tabela II.1). Esta variável foi obtida pela técnica de

estimativa de consumo (weigh day) conforme descrita anteriormente. Em sua definição final, a

variável foi avaliada pelo Log natural + 1 de sua frequência, garantindo assim a variabilidade do

grupo de unidades que não obtiveram recursos por estes mecanismos.

Tabela II.1. Definição dos modelos OLS*

MODELO 1: Análise comparativa entre comunidades (com e sem mercado de PFNMs) Dependente Independentes Controles

Ln Renda monetária per capita Sazonalidade Comunidade Tamanho da unidade doméstica % Tempo de atividade coletiva % Tempo de adultos doentes

Ln Recursos obtidos por cooperação entre unidades

Tempo de residência (10 anos) MODELO 2: Análise tranversal entre unidades domésticas da comunidade com mercado de PFNMs Dependente Independente Controles

Inserção ao mercado de PFNMs Ln Renda sem mercado de PFNMs per capita Sazonalidade

Tamanho da unidade doméstica % Tempo de atividade coletiva % Tempo de adultos doentes

Ln Recursos obtidos por cooperação entre unidades

Maior tempo de residência * Fórmula OLS: Dependente = Independentes * Controles

Variáveis independentes

No primeiro modelo a variável independente testada foi a inserção e exposição à

economia de mercado. A inserção foi estimada por meio da renda monetária e a exposição

pressuposta na diferença entre as comunidades com presença e ausência de comercialização com

empresa. Para a determinação da renda total, a cada período de campo foi realizado um survey

com todos os membros adultos (≥12 anos) sobre a renda obtida durante aquele período em que o

pesquisador estava em campo (um mês na cheia e outro na vazante). A renda total da unidade

doméstica se deu pela soma das rendas individuais. Conforme comumente encontrado em dados

de renda em contextos semi-autárquicos, a distribuição dessa variável foi assimétrica, sendo

utilizado, portanto, o mecanismo de transformação dos valores em seu logaritmo natural + 1,

conforme consagrado pela literatura. Neste modelo a variável ‘comunidade’ também foi incluída

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como medida de exposição ao mercado. Esta foi inserida no formato de variável binária, na qual

se assumiu os valores ‘0’ para a comunidade não inserida no mercado (Pupuaí) e ‘1’ para aquela

inserida (Roque). Os resultados encontrados para essa variável, portanto, são correspondentes ao

efeito na comunidade inserida no mercado.

No modelo transversal entre unidades do Roque a independente foi designada por um

índice de inserção das unidades domésticas ao mercado de PFNMs. Este índice foi dado pela

soma standartizada (z-score) da porcentagem de tempo alocado e renda advinda deste mercado de

PFNMs. O tempo alocado ao mercado de PFNMs foi obtido por um método de observação direta

e corresponde à porcentagem de tempo que os adultos (≥12 anos) foram observados dedicando-se

para atividades diretamente relacionadas à comercialização de PFNMs. A renda monetária

advinda deste mercado é um subresultado do survey de renda conforme descrito anteriormente e

foi definida pela somatória das rendas obtidas por atividades deste mercado, desconsiderando-se

a variação entre frequência ou esforço das atividades realizadas.24

Estas independentes procuram testar em diferentes escalas se a exposição à economia de

mercado (ou ao mercado de PFNMs) afeta as regras locais de compartilhamento de recursos ou

realização de trabalho coletivo entre unidades. Isso porque parte da literatura sobre cooperação

humana associa a inserção ao mercado às transformações nas práticas cooperativas, seja porque o

mercado incentiva as transações monetárias em detrimento do compartilhamento espontâneo de

recursos (BEHRENS, 1992; PUTSCHE, 2000; BURY, 2004) ou, ao contrário, porque a renda

monetária aumenta a propensão ao comportamento cooperativo (TRACER, 2004; GURVEN,

2004; ENSMINGER, 2004; REYES-GARCÍA et al., 2006; GODOY et al., 2007).

Controles

Dentre as variáveis-controles incluídas duas estão ligadas à hipótese central da pesquisa

(i.e. Renda sem mercado de PFNMs e Sazonalidade) e as demais são fatores que controlados para

evitar efeitos espúrios, já que a literatura apresenta indícios de apresentar efeitos sobre a

cooperação humana. Dentre essas últimas, foram utilizados nos modelos finais o tamanho da

unidade doméstica, a porcentagem de tempo de adultos doentes, a porcentagem de tempo em

atividades coletivas e o tempo de residência na comunidade. No procedimento das análises foram

24 Para maiores detalhes sobre as atividades exercidas e suas respectivas formas de remuneração ver seção I.3. do capítulo I dessa dissertação.

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incluídas outras variáveis-controles apontadas pela literatura, tais como a presença de liderança

na unidade doméstica, o maior nível de educação, a taxa de dependência, a área de roçado e a

riqueza percebida.25 Estas, porém, foram excluídas dos modelos finais por não apresentarem

efeitos significativos e piorar o poder explicativo das regressões.

A sazonalidade é considerada como diretamente ligada à hipótese da pesquisa, na medida

em que se refere aos períodos de cheia e vazante nos níveis nos rios, equivalente também ao

período de funcionamento e não funcionamento da usina de extração de óleos vegetais,

respectivamente. Ou seja, os períodos selecionados abarcam tanto o período em que há uma

maior circulação da renda advinda pelo mercado de PFNMs (cheia), quanto aquele em que as

atividades deste mercado estão paralisadas (vazante). Com isso procurou-se controlar se a

variação sazonal na circulação da renda advinda desse mercado influencia em seus efeitos sobre

a dependente. Além disso, a sazonalidade oferece subsídios para avaliar possíveis efeitos da

oferta de recursos em relação à sua circulação por cooperação entre unidades domésticas, já que a

vazante é caracterizada pela escassez de caça e açaí, produtos essenciais tanto na dieta local como

na comercialização de excedentes.26

A renda obtida sem o mercado de PFNMs foi utilizada apenas no modelo transversal entre

unidades do Roque. Essa variável foi coletada junto com o survey de renda total e define-se pela

renda obtida por qualquer fonte que não esteja relacionada às atividades da comercialização de

PFNMs com empresas (por ex., auxílio do governo, comércio de excedentes, entre outras).

Também neste caso a renda foi avaliada em sua forma per capita e a partir do logaritmo natural +

1. Esta variável foi incluída para controlar os efeitos de outras fontes de renda monetária em

relação aos efeitos da renda advinda exclusivamente do mercado de PFNMs. A média de renda

obtida sem o mercado de PFNMs diferiu entre o período da cheia (média= R$221,72) e na

vazante (média= R$185,52), fato esperado já que o período da vazante é caracterizado pela

escassez de alguns recursos estratégicos na comercialização de excedentes (Tabela II.2).

25 Para maiores informações sobre a coleta destas variáveis ver seção I.4 do capítulo I dessa dissertação. 26 Ver calendário sazonal na seção I.4.3.2. o capítulo I dessa dissertação.

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- 47 - Tabela II.2. Definição e estatística descritiva das variáveis utilizadas nas regressões OLS

Com mercado de PFNMs (Roque) Sem mercado de PFNMs (Pupuaí)

Variáveis Descrição (unidade) Tendência

central Desvio

Padrão Mín Máx Tendência

central Desvio

Padrão Mín Máx Dependente

(C) Me=1,17 1,404 0 4 (C) Me=4,74 2,988 1 17 Bens por capital social Número de bens obtidos por capital social (n) (V) Me=1,92 1,717 0 5 (V) Me=4,74 3,852 1 18

Independente (C) Me=72,07 72,755 0 311,50 (C) Me=39,86 32,295 4,00 120,00 Renda monetária per

capita Renda monetária per capita obtida no período de 1 mês (R$) (V) Me=35,31 49,281 0 226,67 (V) Me=38,43 55,355 0,00 212,33

Comunidade Com mercado PFNMs (1) Sem mercado PFNMs (0)

n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a.

Inserção ao mercado de PFNMs

Z-score tempo PNFMs + Z-score renda PFNMs Me=0,00 1,575 -1,21 7,28 n.a. n.a. n.a. n.a.

Controle Sazonalidade Cheia (0)

Vazante (1) n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a.

(C) Me=221,72 264,232 0 940,00 n.a. n.a. n.a. n.a. Renda sem mercado de PFNMs

Renda total obtida sem o mercado de PFNMs (R$) (V) Me=185,52 195,827 0 724,00 n.a. n.a. n.a. n.a.

Tamanho da unidade doméstica

Número total de indivíduos da UD (n)

Me=6,98 3,773 1 16 Me=7,89 4,001 2 18

(C) Me=0,002 0,006 0,000 0,018 (C) Me=0,001 0,005 0,000 0,022 Tempo doente % de tempo de adultos (≥12anos) doentes (%) (V) Me=0,002 0,008 0,000 0,040 (V) Me=0,003 0,005 0,000 0,016

(C) Me=8,107 5,811 0,000 22,222 (C) Me=12,279 4,742 4,444 22,222 Tempo coletivo % de tempo observado em atividades coletivas (%) (V) Me=11,395 5,928 2,000 24,000 (V) Me=9,976 4,104 4,348 19,565

Residência na comunidade (10 anos)

10 anos ou mais (1) menos de 10 anos (0)

Mo=1 (83,3%)

n.a. 0 1 Mo=1

(91,3%) n.a. 0 1

Tempo de residência na comunidade

Maior tempo de residência na comunidade (n) Me=31,58 17,562 1 67 n.a. n.a. n.a. n.a.

1 Me= média ; Mo= moda; (C)= período da cheia; (V)= período da vazante; n.a.= não se aplica

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O tamanho da unidade doméstica refere-se à quantidade de pessoas que compõe cada

unidade observada e foi determinado por um levantamento censitário atualizado a cada período

de campo. Essa variável foi incluída para controlar a maior probabilidade de frequência de

eventos observados, mas também porque há estudos que indicam que, em geral, unidades

domésticas maiores recebem mais recursos, apesar de compartilhar menos (GURVEN, 2004). O

tamanho das unidades domésticas observadas não diferiu significativamente entre as

comunidades (z= -1,1; p=0,26) e apresentou uma média de sete indivíduos nas unidades do

Roque e oito naquelas de Pupuaí.

A porcentagem de tempo de adultos doentes foi obtida pela técnica de observação de

alocação de tempo e corresponde ao número de observações em que algum adulto da unidade

doméstica estava doente em relação ao total de observações dos adultos daquela unidade. Essa

variável foi incluída porque a existência de um adulto doente pressupõe que este não produza por

um determinado período e, sendo assim, a doação de recursos para estes indivíduos pode

aumentar no respectivo período, seja com expectativas de retornos futuros ou como redes de

segurança para períodos de risco. Essa variável não apresentou diferenças entre as comunidades,

sendo que em ambos os casos apresentou baixos valores que variam de 0,000 até no máximo

0,008 de proporção entre o total de observações dos adultos da unidade e as observações

individuais daqueles que alegaram estar sem trabalhar por motivos de doença.

Outra variável controle foi a porcentagem de tempo coletivo. Essa variável foi

determinada pela técnica de observação de alocação de tempo e corresponde aos adultos que

foram observados realizando atividades (produtivas ou não) em conjunto com diferentes unidades

domésticas. Sua inclusão justifica-se pela teoria que associa o contexto de interações repetidas e

visibilidade das atitudes alheias ao estabelecimento do comportamento cooperativo (AXELROD

& HAMILTON, 1981; AXELROD, 1984; COX et al., 1999). O tempo coletivo também pode ser

associado à teoria da reciprocidade indireta (NOWAK & SIGMUND, 2005), visto que doar para

pessoas mais relacionadas dá maior visibilidade ao ato e difunde de forma mais eficaz a fama de

‘bom cooperante’ perante a comunidade. Além de incentivar formas de retribuição dos custos,

essa boa fama perante o grupo pode ser útil no estabelecimento de melhores alianças políticas e

matrimoniais (KAPLAN & HILL, 1985; HAWKES et al., 2000; PATTON, 2004, 2005). O

Tempo coletivo apresentou alguma variação entre as comunidades, sendo que aquela inserida no

mercado apresentou maior frequência na vazante (média cheia=8,1 / vazante=11,4) e aquela

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comunidade não envolvida no mercado apresentou maior frequência de tempo coletivo na cheia

(média cheia=12,3 / vazante=10,0).

O tempo de residência na comunidade foi contado pelo chefe da família que vive há mais

tempo na comunidade. Devido à falta de variabilidade em Pupuaí (onde há menos recém-

chegados), no primeiro modelo essa variável foi transformada em binária entre unidades que

estão na comunidade há mais de dez anos e aquelas que chegaram há menos de dez anos. No

caso, a comunidade inserida no mercado de PFNMs apresentou uma média de 83% das unidades

pesquisadas chegadas há mais de dez anos na comunidade, enquanto esse valor aumenta para

91% das unidades observadas em Pupuaí. No modelo transversal à comunidade inserida no

mercado (Roque), devido à existência de maior variabilidade dos dados (mais recém-chegados), a

variável foi utilizada em sua forma contínua, fato que a tornou mais explicativa. Em ambos os

casos o tempo de residência implica em tempo de convivência no grupo e, com isso, está

associado com o fato de que interações repetidas favorecem a instalação do comportamento

cooperativo (AXELROD & HAMILTON, 1981).

II.3. Resultados

Independente de sua classificação e formas de aquisição, não houve diferença entre as

comunidades na frequência de bens observados pela estimativa de consumo (Roque=47 bens/dia,

Média=15,7 bens/UD; Pupuaí=46 bens/dia, Média=16,1 bens/UD). Os tipos de bens consumidos,

porém, apresentaram diferenças entre as unidades domésticas da comunidade inserida no

mercado de PFNMs (Roque) e aquela não inserida (Pupuaí). Os bens mais consumidos no Roque

foram produtos alimentares industriais (27%), sendo que 89% deles foram adquiridos por

transações monetárias (Tabela II.3). Os bens industriais (alimentares e outros tipos de bens)

corresponderam a 38,4% do total de bens consumidos nesta comunidade inserida no mercado de

PFNMs. Em contraposição, na comunidade menos exposta à economia de mercado esse tipo de

bem representou 5% do total observado. Nesse segundo caso a maioria dos bens observados

foram recursos pesqueiros (52%), nos quais 72% foram obtidos por cooperação entre unidades

domésticas.

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Tabela II.3. Tipos de bens consumidos e suas formas de aquisição na comunidade inserida e não inserida na comercialização de PFNMs com empresa Com mercado PFNMs (Roque) Sem mercado PFNMs (Pupuaí)

Total de bens observados

Esforço próprio

Cooperação social

Transações monetárias

Total de bens observados

Esforço próprio

Cooperação social

Transações monetárias

n % (%) (%) (%) n % (%) (%) (%) Recursos florestais

não madeireiro 43 11 53 26 21 73 20 44 53 3

madeireiro 15 4 100 0 0 12 3 100 0 0

caça 17 5 24 47 29 5 1 80 20 0

pesca 71 19 62 28 10 192 52 27 72 1

Agropecuário 83 22 64 24 12 68 18 62 35 3 Manufatura local 0 0 0 0 0 1 0 100 0 0 Bens industriais

alimentares 100 27 0 11 89 15 4 0 80 20

outros 42 11 0 12 88 2 1 0 50 50 não identificado 5 1 0 20 80 2 1 67 33 0

Os recursos de caça também apresentaram algumas diferenças tanto em relação à sua

frequência observada (Roque=17; Pupuaí=5), como à sua forma de aquisição. Quase metade da

caça do Roque foi obtida por formas de capital social, 29% foram aquisições monetárias e 24%

esforço individual da própria unidade doméstica. Já em Pupuaí, das cinco observações, a maioria

foi obtida por esforço da própria unidade doméstica e não foram registrados casos de compra de

carne de caça.

Com exceção dos recursos madeireiros e manufatura local que não foram registradas

transações monetárias para nenhuma comunidade, os bens consumidos e suas formas de

aquisição mostram evidências de que o Roque dependeu mais de aquisições monetárias do que

Pupuaí para todos os tipos de bens (z= -1,84; p=0,07). Assim, independente dos tipos de bens,

suas formas de obtenção diferiram entre a comunidade inserida no mercado de PFNMs (Roque) e

naquela não inserida (Figura II.1). Sendo que os bens obtidos por transações monetárias foram

significativamente mais frequentes na comunidade inserida no mercado de PFNMs (Roque) do

que naquela não inserida (t= 5,02; p≤0,00). A obtenção de bens por formas de cooperação

também diferiu significativamente, neste caso a comunidade inserida no mercado de PFNMs

apresentou em média 5,9 bens a menos do que Pupuaí (t= -5,9; p≤0,00). Dentre os bens obtidos

por esforço de membros da própria unidade doméstica, no entanto, não houve diferença

significativa entre os resultados encontrados para as comunidades (t= -0,6; p=0,52).

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Com mercado PFNMs (Roque) Sem mercado PFNMs (Pupuaí)

MERCADOCOOPERAÇÃOESFORÇOPRÓPRIO

25

20

15

10

5

0

MERCADOCOOPERAÇÃOESFORÇO

PRÓPRIO

40

30

20

10

0

Figura II.1. Frequência das formas de obtenção dos bens e recursos observados.

A frequência de recursos obtidos por cooperação entre unidades domésticas foi a variável

utilizada como dependente nas regressões. Na comunidade inserida no mercado de PFNMs foram

registrados em média 1,2 recursos obtidos por cooperação no período da cheia (que coincide com

o funcionamento da usina) e 1,9 no período vazante (que coincide com o período de escassez de

importantes recursos florestais). Na comunidade sem mercado de PFNMs essa média foi de 4,7

recursos em ambos os períodos de coleta de dados. Nas duas comunidades os recursos obtidos

desta maneira são, em sua maioria, recursos alimentícios advindos do extrativismo (por ex.,

peixe, açaí e caça) e produtos agropecuários (por ex., farinha de mandioca, produtos da roça e de

pequenas criações). Na comunidade envolvida no mercado de PFNMs (Roque), porém, houve

uma maior proporção de bens de mercado (i.e. bens industriais) em relação àquela não inserida

neste mercado (figura II.2).

Com mercado PFNMs (Roque) Sem mercado PFNMs (Pupuaí)

Figura II.2. Tipos de bens e recursos obtidos por cooperação entre unidades domésticas.

As variáveis independentes testadas definem formas de participação no mercado de modo

geral e, mais especificamente, a inserção ao mercado de PFNMs. A avaliação se a participação no

Recursos Locais (78%)

Bens de Mercado (22%)

Recursos Locais (94%)

Bens de Mercado (6%)

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mercado afeta a frequência de bens obtidos por mecanismos locais de capital social foi testada em

duas diferentes escalas: a comparação entre comunidades (inserida e não inserida no mercado de

PFNMs) e a análise transversal na comunidade inserida no mercado de PFNMs (Roque).

Na comparação entre comunidades a variável independente de comunidade ‘inserida e

não inserida no mercado de PFNMs’ (Roque e Pupuaí, respectivamente) apresentou uma

associação significativa entre a menor ocorrência de bens obtidos por cooperação produtiva e as

unidades da comunidade inserida neste mercado (β= -0,81; p≤0,00; r²=0,511). Nessa análise a

renda monetária per capita também foi incluída como variável independente, utilizada para medir

o efeito da renda monetária advinda do mercado de PFNMs no âmbito das comunidades. A renda

monetária per capita daquela comunidade com mercado de PFNMs apresentou uma média de

R$72,07 no período de funcionamento da usina (cheia) e R$35,31 no mês da vazante. Já na

comunidade sem mercado de PFNMs (Pupuaí) a renda monetária não variou entre os períodos

observados e apresentou uma média de R$39,86 e R$38,43 na cheia e na vazante,

respectivamente. A diferença de renda monetária per capita, porém, não apresentou efeito

significativo sobre os recursos obtidos por cooperação entre unidades domésticas (β= 0,06; p=

0,19; r²=0,511), embora sua orientação indique que unidades com mais renda obtiveram mais

bens desta maneira.

O modelo comparativo entre a comunidade inserida e não inserida no mercado de PFNMs

apresentou, ainda, efeitos significativos de algumas variáveis controles na porcentagem de bens

obtidos por cooperação. Dentre elas, as unidades com maior número de pessoas obtiveram em

média 5% mais bens por cooperação entre unidades domésticas (β= 0,05; p≤0,00; r²=0,511). A

maior porcentagem de tempo alocado em compartilhamento com outras unidades domésticas

(tempo coletivo) também apresentou efeito significativo com a obtenção de mais recursos por

cooperação produtiva (β= 0,02; p=0,02; r²=0,511). O tempo de residência na comunidade

apresentou efeito considerável, na medida em que aquelas unidades que convivem no grupo há

dez anos ou mais obtiveram 30% mais recursos por mecanismos locais de capital social do que

aquelas chegadas há menos de dez anos (β= 0,30; p=0,10; r²=0,511). Por fim, a porcentagem de

tempo de adultos doentes apresentou uma associação de significância marginal com a maior

obtenção de recursos por cooperação entre unidades domésticas (β= 13,60; p=0,13; r²=0,511)

(tabela II.4).

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Tabela II.4. Resultados das regressões OLS sobre o efeito da inserção à economia de mercado na obtenção de bens por cooperação

Dependente: Ln Recursos obtidos por capital social

Modelos: Comparação entre

comunidades Análise transversal Roque

(mercado de PFNMs) Independentes β (sig.) β (sig.)

Ln Renda monetária per capita 0,06 (0,19) n.a.

Comunidade (Roque=1 / Pupuaí=0)

-0,81 (0,00)***

n.a.

Inserção ao mercado de PFNMs n.a. 0,01 (0,85) Controles Ln Renda sem mercado de PFNMs per capita n.a. -0,02 (0,79)

Sazonalidade 0,10 (0,37) 0,15 (0,43)

Tamanho da unidade doméstica 0,05 (0,00)*** -0,01 (0,86)

% Tempo coletivo 0,02 (0,02)*** 0,04 (0,01)***

% Tempo de adultos doentes 13,60 (0,13)* 20,01 (0,10)**

Tempo de residência na comunidade:

Maior tempo de residência n.a. 0,02 (0,02)***

Categórica 10 anos (1= 10 anos ou mais/ 0= menos de 10 anos)

0,30 (0,10)**

n.a.

Sumário e ANOVA dos modelos: Sig. p≥0,00 0,03

R 0,715 0,559 R² 0,511 0,312 F 12,701 2,526

Constante 0,161 0,499 g.l. 92 46

Notas: *** p≤0,05 ; ** p≤0,10; *p≤0,015 n.a.= não se aplica

Na análise transversal entre unidades domésticas da comunidade inserida no mercado de

PFNMs a variável independente testada foi o nível de inserção das unidades domésticas a este

mercado. Esse índice foi definido a partir do tempo alocado e a renda advinda deste mercado de

PFNMs. O tempo alocado em atividades da comercialização de PFNMs variou bastante entre as

unidades observadas, chegando ao máximo de uma unidade em que os adultos dedicaram 72% do

tempo observado para atividades deste mercado (tabela II.5). No caso, o chefe homem da família

estava trabalhando como temporário (contrato de três meses) na operação do maquinário da usina

de extração de óleos vegetais, no período de funcionamento da mesma (cheia). A média de renda

advinda de atividades deste mercado apresentou grande variação entre os períodos de campo (z=

-4,06; P≤0,00), conforme esperado devido ao não funcionamento das atividades da usina na

vazante. Considerando apenas a renda advinda do mercado de PFNMs no período de

funcionamento da usina (cheia), sua concentração aponta para um índice de Gini de 73%.

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Somando a renda da cheia e da vazante o índice piora para 79,7%, indicando uma alta

concentração da renda gerada por este mercado.

Tabela II.5. Estatística descritiva da inserção ao mercado de PFNMs na Comunidade do Roque. Média Mín Máx Desvio Padrão

Cheia: 7,47 0 72,22 15,3 % Tempo mercado PFNMs Vazante: 4,23 0 16 4,53

Cheia: 164 0 645 156,6

Renda mercado PFNMs Vazante: 39,74 0 450 110,84

Índice inserção ao mercado de PFNMs (z-score % tempo mercado de PFNMs + z-score renda mercado PFNMs)

0 -1,21 7,28 1,575

O nível de inserção na comercialização de PFNMs foi dado pela soma standartizada (z-

score) da porcentagem de tempo e renda advinda do mercado de PFNMs, variando entre de -1,21

(para as unidades menos inseridas) até 7,28 (para as unidades com maior inserção ao mercado de

PFNMs). O índice de inserção ao mercado de PFNMs não apresentou associação significativa

com a obtenção de bens por formas de cooperação, bem como o tempo alocado e renda advinda

deste mercado analisados separadamente.

Dentre as variáveis controles, no entanto, a porcentagem de tempo alocado em atividades

coletivas apresentou uma associação de em média 4% mais recursos obtidos por cooperação entre

unidades domésticas (β= 0,04; p=0,01; r²=0,312). Além disso, as unidades que vivem há mais

tempo no grupo obtiveram mais recursos por cooperação produtiva do que aquelas mais recém-

chegadas (β= 0,02; p=0,02; r²=0,312). Por fim, também na análise transversal da comunidade

com mercado de PFNMs, as unidades com maior porcentagem de tempo de adultos doentes

obtiveram em média 20% mais recursos por mecanismos de capital social, em um nível de

significância de 10% (β= 20,01; p=0,10; r²=0,312).

II.3. Discussão

Os resultados da estimativa de consumo mostram que há diferença nos tipos de bens

consumidos na comunidade envolvida e não envolvida no mercado de PFNMs. A comunidade

envolvida (Roque) apresentou maior consumo de bens industriais de modo geral, o que não é

surpresa, mas dentre esses principalmente de bens alimentares. Isso associado ao fato de o

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tamanho das unidades domésticas semelhantes entre as comunidades e a média de roçado ser

menor no Roque, indica que nessa comunidade a produção e extração local estão sendo

substituídas pelo consumo de bens industriais adquiridos a partir de uma economia de mercado.

Essa conclusão é reforçada pelo fato de que a quantidade de bens observados foi semelhante entre

as comunidades, mas as transações monetárias para aquisição de bens e recursos foi mais

frequente na comunidade que comercializa com empresa. Ao mesmo tempo, os eventos de

cooperação produtiva foram menos frequentes nessa comunidade mais inserida no mercado em

comparação àquela menos inserida. Considerando que os bens industriais são menos

compartilhados do que recursos locais, tais resultados trazem indícios de que na comunidade

inserida no mercado de PFNMs há uma redução nos eventos de cooperação entre unidades

domésticas, que passam a ser substituídos por transações monetarizadas. Isso confere com uma

percepção de mudança por parte de alguns moradores locais:

Agora só o que mudou daqui da comunidade que eu acho é o negócio do rancho (comida) né... que hoje em dia o pessoal só sabe ficar atrás de dinheiro... antes o pessoal dividia o rancho, agora é só por dinheiro... Antes não era assim não, quando um pescava bastante todo mundo comia peixe... Só o que mudou foi isso, em vez de trocar o pessoal ta vendendo rancho.... hoje para comer é só colocar a mão no bolso e puxar o dinheiro...27

Na comparação entre comunidades a renda monetária (medida de inserção ao mercado, de

modo geral) não apresentou efeito significativo sobre a obtenção de recursos por cooperação

entre unidades domésticas. Isso ocorreu também em outros estudos empíricos que observaram

que a venda de recursos de caça não está necessariamente associada à diminuição nas práticas de

seu compartilhamento, por exemplo (FRANZEM & EAVES; 2007). Já a variável da comunidade

mais e menos inserida na economia de mercado apresentou uma associação relevante, sendo que

a obtenção de recursos por cooperação foi mais frequente na comunidade não inserida no

mercado de PFNMs. Este resultado condiz com parte da literatura que associa a maior inserção à

economia de mercado com a quebra dos vínculos sociais e cooperativos (BEHRENS, 1992;

PUTSCHE, 2000; BURY, 2004). Mas contradiz boa parte que apresenta evidências sobre a

associação entre a maior renda monetária e o incentivo à generosidade (TRACER, 2004;

GURVEN, 2004; ENSMINGER, 2004; REYES-GARCÍA et al., 2006; HENRICH et al., 2010),

27 Morador de 67 anos, tem lepra e é muito debilitado fisicamente. Embora tenha aposentadoria rural, mora com duas filhas mães solteiras e 5 netos. São, portanto, uma das famílias vulneráveis do Roque (entrevista em 12/11/2005).

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mas estes últimos geralmente comparam diversas comunidades. Sendo assim, foi realizado

também uma análise transversal na escala entre unidades domésticas da comunidade envolvida

no mercado de PFNMs e, neste caso, os resultados sugeriram que não há associação entre formas

de participação neste mercado e os recursos obtidos por cooperação.

Partindo da hipótese central do estudo, os resultados encontrados encaminham para a

conclusão de que a inserção ao mercado afeta o sistema de cooperação produtiva apenas no nível

comparativo entre comunidades, não havendo uma diferença perceptível deste efeito na

comparação entre unidades domésticas. Com base na literatura da área, há algumas possíveis

explicações para isso. Um dos fatores que vêm à tona remete à diferença no tamanho das

comunidades comparadas. Isso porque parte da literatura tem encontrado que em comunidades

maiores há uma quebra nos sistemas de reputação que, associado com a maior deficiência nos

mecanismos de punição, levam ao menor comportamento cooperativo (HENRICH et al., 2010).

O delineamento deste estudo não foi capaz de controlar este possível efeito espúrio, mas deve-se

considerar que (i) mesmo a comunidade inserida no mercado sendo maior em termos

populacionais, todos os membros se conhecem e se encontram no cotidiano da comunidade e (ii)

esse aumento populacional advém, em grande parte, do poder atrativo da comercialização de

PFNMs e, sendo assim, seria ainda um efeito deste mercado, ainda que um efeito indireto do

mesmo.

A segunda possível explicação para o efeito apenas na análise entre comunidades está

indiretamente associada à anterior e deve-se ao fato de a comunidade com mercado de PFNMs

apresentar mais unidades domésticas recém chegadas. O tempo de residência na comunidade foi

incluído como controle e apresentou relevância em ambos os modelos testados. Isso indica que o

tempo de convívio e a interação repetida entre as unidades domésticas exercem efeitos

significativos sobre a sociabilidade produtiva entre unidades domésticas. Este resultado confirma

as conclusões de toda uma literatura consagrada sobre os fundamentos e evolução da cooperação

humana. No caso, a cooperação se instalaria em um grupo de indivíduos a partir de um sistema

complexo onde as interações repetidas e visibilidade das atitudes alheias geram reciprocidade

direta e baseada em sistemas de reputação (AXELROD, 1984; NOWAK & SIGMUND, 2005;

NOWAK, 2006).

Uma terceira possibilidade que explicaria a diferença encontrada entre comunidades e não

verificada na avaliação entre unidades domésticas na análise transversal seria o fato de que é o

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nível de desigualdade e não a geração de renda que quebra o comportamento cooperativo. Isso

porque a inserção ao mercado frequentemente implica em um aumento nas desigualdades sociais

internas (GODOY et al., 2004; GODOY et al., 2005) e há estudos comparativos entre

comunidades que encontraram que a desigualdade afeta mais o investimento em capital social do

que a própria inserção ao mercado (GODOY et al., 2007). De fato, a avaliação da geração de

renda do mercado de PFNMs indicou que esta é altamente concentrada, mas esta não é uma

variável passível de controle em um delineamento comparativo entre apenas duas comunidades,

como é o caso deste estudo. Uma avaliação da concentração de renda entre os distintos períodos

de campo no Roque, no entanto, indica que no período vazante, quando há maior concentração da

renda, houve menos eventos cooperativos do que no período da cheia, quando o índice de

concentração de renda foi mais baixo. Já em Pupuaí, a variação na concentração da renda entre os

períodos de campo foi maior, enquanto que não houve diferença na frequência de eventos

cooperativos entre os períodos. Com isso, nossos resultados não são conclusivos com relação aos

efeitos da concentração da renda sobre a frequência de cooperação produtiva entre unidades

domésticas.

A última explicação encontrada na literatura é aquela na qual a cooperação é uma

propriedade emergente e, portanto, algo que nasce da interação entre as pessoas (AXELROD,

1984; NOWAK & SIGMUND, 2005; NOWAK, 2006). O fenômeno da cooperação produtiva

seria, portanto, produto de uma complexa rede de interações entre unidades domésticas que

compõem a comunidade, o que o torna mais difícil de ser percebido em uma análise transversal.

Por fim, outro fator relevante foi que a comunidade com mercado de PFNMs (Roque)

apresentou uma frequência maior de cooperação no período em que há menor geração de renda

advinda deste mercado. Período este que coincide também com a escassez de alguns recursos

importantes para a subsistência. Tal resultado poderia sugerir uma tendência para a prática de

cooperação produtiva em forma de redes de segurança para momentos de risco ou escassez

(CASHDAN, 1985; DASGUPTA, 2000; BYRON, 2003). A associação positiva entre a

porcentagem de tempo de adultos doentes e os bens obtidos por cooperação reforça tal teoria, na

medida em que ocorreu para os dois modelos avaliados, apesar dos baixos coeficientes de

ocorrência em ambos os casos. Mas para afirmar sobre tais redes com mais segurança seria

necessário uma avaliação mais profunda em relação às características das unidades domésticas e

o sentido dos fluxos de recursos entre elas.

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II.4. Conclusões

Os resultados dessa pesquisa corroboram com a hipótese de que a comunidade inserida no

mercado de PFNMs apresenta menor obtenção de bens e recursos por eventos de cooperação, ao

mesmo tempo em que foi mais comum o consumo por transações monetárias (mercado). A

avaliação transversal entre unidades domésticas da comunidade com mercado de PFNMs, no

entanto, indica que esse fenômeno não é perceptível nessa escala de análise. Dentre algumas

explicações para tais resultados, com os dados e o delineamento desse estudo é possível explorar

aquela em que a cooperação seria uma propriedade emergente, algo que nasce da interação entre

as unidades (AXELROD, 1984; NOWAK & SIGMUND, 2005; NOWAK, 2006) e, portanto,

mais difícil de ser avaliado em uma análise transversal. Neste caso, seria necessário realizar uma

análise transversal mais profunda das redes de cooperação, considerando principalmente a

estrutura de suas relações. O capítulo seguinte dessa dissertação se propõe a esta tarefa, mas com

especial atenção à situação das unidades consideradas mais vulneráveis economicamente. Isso

porque a estimativa de consumo indica que a maior porcentagem de tempo de adultos doentes

incentivou o recebimento de bens por capital social, trazendo à tona a questão se a cooperação

estaria atuando como uma rede de segurança, conforme encontrado em parte da literatura (por

ex., CASHDAN, 1985; DASGUPTA, 2000; BYRON, 2003). Para avaliar isso a análise de redes

do capítulo seguinte avalia as características das unidades observadas e os fluxos de recursos

entre elas, com destaque às unidades consideradas economicamente vulneráveis.

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Capítulo III

Efeitos do mercado de produtos florestais não madeireiros sobre as redes de cooperação e a vulnerabilidade socioeconômica em

comunidades extrativistas da Amazônia

III.1. Introdução

O comportamento cooperativo é aquele em que determinado agente incorre em custos

individuais para ajudar outro, sem necessariamente ser recompensado com retornos equivalentes

às perdas (HENRICH & HENRICH, 2006; NOWAK, 2006). Este é o caso quando um animal

renuncia possíveis potencialidades reprodutivas em prol de outros do grupo, fenômeno que

ocorre, por exemplo, em insetos sociais (DEL CLARO, 2004). A cooperação, portanto, é um

comportamento não exclusivo de humanos (CHASE, 1980; DEL CLARO, 2004). Mas algumas

formas de cooperação, como aquela incentivada pela busca de reputação, são aparentemente

exclusividade de agrupamentos humanos (NOWAK & SIGMUND, 2005; NOWAK, 2006). Isto

é, apenas entre humanos é observada a reciprocidade indireta, onde o estabelecimento de uma

cooperação incentiva que outros indivíduos também cooperem, seja para retribuir uma

experiência benéfica ou para estabelecer relações com alguém com reputação de bom cooperante

(NOWAK & SIGMUND, 2005).

Em humanos, a cooperação assume diferentes formas (por ex., cuidado parental,

cooperação em atividades produtivas, fornecer alimentos a membros do grupo) e pode ocorrer em

diferentes escalas, como entre indivíduos, famílias, grupos específicos das sociedades, ou até

mesmo entre pessoas desconhecidas. A cooperação é considerada um princípio organizador

decisivo para todas as sociedades humanas (FEHR & GÄCHTER, 1998; HILL & GURVEN,

2004; NOWAK, 2006). Assim, está presente em diferentes contextos que vão desde transações

específicas das sociedades industriais (por ex., DI MAGGIO & LOUCH, 1998; ZELIZER, 2004),

até o contexto de sociedades de pequena escala, autárquicas ou semi-autárquicas (por ex.,

SAHLINS, 1968, 1974; POLANYI, 1980; MAUSS, 1990).

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Apesar de ser um atributo comum em sociedades humanas, uma aparente incoerência

entre o que se observa dos comportamentos humanos e o surgimento da cooperação que intriga

pesquisadores há tempo (AXELROD, 1984; HENRICH & HENRICH, 2006). Isto é, ao mesmo

tempo em que frequentemente as pessoas tendem a atuar de modo egoísta e preocupando-se

prioritariamente com sua satisfação individual (HARDIN, 1968; DAWKINS, 1976, SMITH,

1996). Essa observação parece incoerente com o fato que o surgimento do comportamento

cooperativo altruísta é comum em várias sociedades, mesmo quando não existe um poder central,

como um governo ou autoridade que usam incentivos ou punições e retalizações para garantir que

a cooperação seja estabelecida e mantida (AXELROD, 1984: 3). A solução desse quebra-cabeça

é objeto de muitos estudos e diversas interpretações que, embora não sejam excludentes entre si,

explicam de diferentes formas o surgimento do comportamento cooperativo em agrupamentos

humanos.

Uma primeira explicação está pautada na teoria evolucionista biológica, a qual justifica a

existência de cooperação principalmente pelo grau de parentesco (seleção por parentesco). Nessa

visão, a cooperação seria mais comum entre indivíduos mais próximos geneticamente, pois as

pessoas seriam propensas a atuar de modo altruísta para permitir a perpetuação do próprio

material genético (HAMILTON, 1963; WILSON, 1975; DAWKINS, 1976). Essa primeira

explicação, contudo, não serve para explicar a cooperação entre indivíduos distantes

geneticamente, observada frequentemente em humanos.

A segunda explicação, apropriada para explicar o comportamento entre indivíduos não

aparentados, também adota uma visão de evolução de um sistema, embora não necessariamente

no sentido biológico. Com evidências surgidas frequentemente em estudos com simulação de

agentes, essa linha de argumentação sustenta que o comportamento cooperativo pode surgir ou

evoluir da interação entre agentes, mesmo em ambientes egoístas e sem a existência de poder ou

de controle central. Nesses contextos, a cooperação se instaura e é mantida quando há elevadas

chances de os mesmos indivíduos interagirem novamente (TRIVERS, 1971; AXELROD &

HAMILTON, 1981), bem como existe visibilidade das atitudes alheias (AXELROD &

HAMILTON, 1981; AXELROD, 1984; COX et al., 1999). Isso ocorre porque, embora pareça a

princípio um comportamento altruísta, na verdade quando as interações são repetidas e as ações

são visíveis os benefícios da cooperação são maiores do que os custos.

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Outras explicações neste sentido argumentam que a cooperação se instaura principalmente

em contextos sociais onde a generosidade contribui para o prestígio social perante o grupo

(POLANYI, 1980) permitindo, assim, o estabelecimento de melhores alianças políticas e

matrimoniais (KAPLAN & HILL, 1985; HAWKES et al., 2000; PATTON, 2004, 2005).

Outro fator considerado pela literatura para o estabelecimento da cooperação em

agrupamentos humanos é a existência de sistemas de incentivos institucionais que influenciam as

preferências individuais (NORTH, 1990; GREIF, 1994). Ou a existência de um ‘campo de

conflitos’ em forma de redes socioculturais ou de poder (GRANOVETTER, 1985; BOURDIEU,

1986, 2000), onde as habilidades sociais de determinados atores induzem a cooperação dos outros

em prol dos seus objetivos individuais (FLIGSTEIN, 2007).

Por fim, há uma explicação para o estabelecimento da cooperação devido à possibilidade

de redução de riscos para os membros de determinado grupo (CONNING & KEVANE, 2000;

GROOTAERT, 2001; FAFCHAMPS & GUBERT, 2007) como, por exemplo, no fornecimento

de alimentos (CASHDAN, 1985; MARLOWE, 2004). Isto é, quando ocorrem fluxos

unidirecionais de compartilhamento de alimentos, subgrupos mais vulneráveis podem receber

doações e, assim, ter melhor bem estar do que se dependessem unicamente de seus esforços

(KAPLAN et al., 1985; DASGUPTA, 2000; BIRD et al, 2002; BYRON, 2003; GURVEN,

2004b). As redes de cooperação serviriam, portanto, como um seguro para garantir a qualidade de

vida dos membros em situações de risco ou submetidos a choques temporários (CASHDAN,

1985; KAPLAN et al., 1985; DERCON, 2002; BYRON, 2003). Sob esse ponto de vista,

portanto, o abandono do comportamento cooperativo poderia colocar em risco o grupo em

períodos de escassez, especialmente os indivíduos mais vulneráveis.

Em contraste com essa hipótese de formação de redes de segurança, todavia, alguns

estudos apresentam evidências de que as formas de reciprocidade são menos frequentes ou

diminuem em períodos de escassez de recursos (DERCON & WEERDT, 2002; GODOY et al,

2007b). Se existe uma redução da prática cooperativa nos momentos de crise, isso indicaria que,

na verdade, o compartilhamento de alimentos não serve como uma rede de segurança. Outros

estudos neste sentido encontraram que, numa comparação entre comunidades, aquelas com

menor renda monetária apresentaram menor generosidade entre unidades domésticas em relação

aquelas com maior renda e mais generosidade (REYES-GARCIA et al; 2006; GODOY et al.,

2007).

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Não há, portanto, um consenso sobre a questão de que a cooperação exerce uma função de

criar redes de segurança para seus membros envolvidos. Para chegar a evidências mais claras

sobre o assunto, os estudos com sociedades de pequena escala são frequentes (por ex.

CASHDAN, 1985; HAWKES et al., 2000; HENRICH et al., 2004; GODOY et al., 2007) e

considerados importantes. Isso porque esse contexto combina características importantes para o

surgimento de formas de cooperação: são grupos usualmente muito pobres em termos de

oportunidades de renda, relativamente pequenos e frequemente aparentados; existe estabilidade

de interações repetidas entre os atores e, por fim, há visibilidade dos comportamentos adotados

pelos outros membros do grupo. Sendo assim, é comum o surgimento de mecanismos ou

instituições informais que, ao determinar as possibilidades de ação dos indivíduos, incentivam

comportamentos cooperativos para o bem comum ou punem ações oportunistas (‘free-riding’) ou

indesejáveis (OAKERSON, 1990; OSTROM, 1990, 2000; HENRICH et al., 2006).

Dentre as instituições informais criadas por comunidades florestais de pequena escala

autárquicas e semi-autárquicas, destacam-se dois comportamentos: a formação de redes de

compartilhamento de recursos e as regras locais de cooperação e trabalho coletivo (LIMA, 2006).

As redes de compartilhamento caracterizam-se pela transferência de recursos entre unidades

domésticas, em especial alimentares, sem expectativa de retorno imediato. Já as regras locais de

cooperação e trabalho coletivo são atividades produtivas que contam com a participação de

diferentes unidades domésticas. Em grupos extrativistas da Amazônia brasileira, por exemplo, é

comum a realização do multirão, prática em que um grupo de pessoas trabalha para um resultado

comum (por ex., a construção de uma igreja). Outra prática cooperativa usual neste contexto é a

‘troca de dia’, quando grupos de homens trabalham juntos para a abertura dos roçados de cada

um dos membros do grupo.

Tais práticas de cooperação produtiva entre unidades domésticas são consideradas como

formas de investimento em capital social, na medida em que constituem um estoque de

alternativas para evitar a insegurança em momentos de risco ou escassez. No contexto da

Amazônia brasileira isto é um fator especialmente importante, já que há grande disparidade

regional no país e esta região apresenta a maior prevalência de insegurança alimentar (PNAD,

2004). Ainda, no que se refere à insegurança alimentar na região norte brasileira, sua prevalência

ocorre em maior proporção na área rural do que na urbana, ao contrário de outras regiões do país

(op. cit.). Ou seja, considerando que as comunidades florestais da Amazônia brasileira combinam

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esses dois contextos de maiores índices insegurança, o estudo das alterações no bem-estar e dos

mecanismos de tamponamento de riscos destas comunidades se torna bastante relevante.

Dentre as mudanças que podem reduzir práticas cooperativas, a literatura cita a maior

exposição à economia de mercado como um possível fator (BEHRENS, 1992; PUTSCHE, 2000;

BURY, 2004). Outros apresentaram evidências de que não é a exposição ao mercado, mas o

aumento das desigualdades de renda monetária que tendem a reduzir os incentivos para a

cooperação (GODOY et al., 2007). Porém, a inserção de grupos semi-autárquicos à economia de

mercado frequentemente implica em um aumento nas desigualdades sociais internas (GODOY et

al., 2004; GODOY et al., 2005). Ou seja, de todo modo o mercado estaria afetando o

comportamento cooperativo, mas de forma indireta devido à desigualdade de renda monetária.

Apesar das evidências de que a exposição ao mercado afeta o comportamento cooperativo

em comunidades semi-autárquicas, são frequentes as intervenções baseadas em incentivos à

comercialização de produtos florestais não madeireiros (PFNMs) como forma de mitigação da

pobreza e promoção da conservação ambiental (NEUMANN & HIRSCH, 2000; ARNOLD &

RUIZ-PÉREZ, 2001; ROS-TONEN & DIETZ, 2005; BELCHER & SCHRECKENBERG, 2007).

Nesse sentido, os resultados do capítulo II apresentaram evidências de que a comunidade inserida

no mercado de PFNMs apresentou menor frequência de bens compartilhados entre unidades

domésticas em relação àquela não envolvida. Se a exposição ao mercado afeta a frequência desse

comportamento cooperativo entre unidades domésticas, isso pode comprometer o investimento

em estoque de capital social por parte das unidades domésticas, fato as tornaria mais suscetíveis

em períodos de choque. Nesse caso, é de se esperar que o bem-estar das unidades mais

vulneráveis (ou menos produtivas) seja afetado, em especial devido a sua maior dependência de

mecanismos cooperativos para o suprimento das necessidades de consumo. Ou seja, ao invés de

promover desenvolvimento ou aliviar os efeitos da pobreza para comunidades florestais conforme

planejado, o mercado de PFNMs poderia afetar indiretamente o bem-estar de unidades mais

vulneráveis economicamente. Este terceiro capítulo pretende, portanto, avaliar se a inserção ao

mercado de PFNMs altera a estrutura das redes de compartilhamento de recursos e trabalho

coletivo e, em especial, avaliar a situação das unidades domésticas mais vulneráveis nessas redes.

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III.2. Metodologia

Para avaliar se a exposição ao mercado de PFNMs afetou as redes de cooperação, em

especial para os subgrupos mais vulneráveis, este estudo avaliou os efeitos sobre comunidades

extrativistas da Amazônia Brasileira. Especificamente, foram comparadas duas comunidades da

Reserva Extrativista do Médio Juruá, Carauari – AM: a primeira com maior exposição à

economia de mercado a partir da comercialização PFNMs com empresa (Roque); e a segunda,

que mantém práticas econômicas com menor nível de integração ao mercado (Pupuaí).28

Para tanto, este estudo foi estruturado sob duas distintas formas de análise.

Primeiramente foi avaliado se os índices de vulnerabilidade e a inserção ao mercado

afetam a freqüência dos eventos cooperativos produtivos (i.e. bens recebidos por

compartilhamento espontâneo e trabalho realizado coletivamente). Isto é, foi avaliado se o grau

de inserção ao mercado afeta a frequencia de eventos cooperativos e a frequência em que as

unidades mais vulneráveis são beneficiadas por este comportamento. A segunda análise avalia o

padrão de interações das redes formadas pelo comportamento cooperativo produtivo nas

comunidades observadas. Para isso foram destacadas algumas características das redes de

interação cooperativa entre unidades domésticas, as quais foram comparadas entre as

comunidades com e sem mercado de PFNMs. Em seguida foram avaliadas as características de

inserção ao mercado e vulnerabilidade das unidades que apresentaram maior e menor

quantidade de interações com unidades distintas, independente da frequência destes eventos. O

padrão de interações entre unidades distintas foi utilizado para avaliar se há diferença entre os

grupos avaliados com relação ao investimento nestas formas de capital social.

A partir destas duas formas de análises este estudo infere sobre (i) o efeito do mercado na

cooperação entre unidades domésticas, avaliando este efeito no nível comparativo entre

comunidades e transversal entre unidades domésticas e (ii) como as unidades mais vulneráveis

estão inseridas nas redes de cooperação das duas comunidades pesquisadas, avaliando se a

cooperação tem funcionado como sistema de segurança no nível transversal entre unidades

doméstica, mas também comparativo entre as unidades vulneráveis das duas comunidades.

28 A descrição da área de estudo e as características das comunidades foram apresentadas em maiores detalhes no capítulo I desta dissertação.

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III.2.1. Vulnerabilidade, inserção ao mercado e frequência de compartilhamento de recursos entre unidades domésticas

Esta primeira etapa da pesquisa foi dedicada para avaliar se os índices de vulnerabilidade

e a inserção ao mercado afetam a freqüência dos eventos cooperativos entre unidades domésticas

das comunidades mais e menos inseridas à economia de mercado. Com isso pretende-se inferir

sobre os efeitos do mercado neste comportamento, especialmente no caso das unidades mais

vulneráveis. Para tanto, foram feitas Regressões Lineares Múltiplas estimadas pela técnica de

Mínimos Quadrados (Ordinary Least Square – OLS). Os modelos utilizados incluíram a análise

dos efeitos da vulnerabilidade e da renda monetária (variáveis independentes) em relação à

frequência dos eventos cooperativos produtivos (dependentes). Além controles incluídos por

estarem relacionados algumas características de vulnerabilidade, tais como a sazonalidade, o

número de adultos e a porcentagem de tempo de adultos doentes (Tabela I.1).

Tabela III.1. Definição dos modelos OLS*

MODELO 1 Dependente Independentes Controles

Pobreza absoluta Sazonalidade Pobreza relativa Número de adultos

Recursos recebidos por compartilhamento Ln Renda monetária per capita % Tempo de adultos doentes MODELO 2 Dependente Independente Controles

Pobreza absoluta Sazonalidade Pobreza relativa Número de adultos

Tempo produtivo coletivo

Ln Renda monetária per capita % Tempo de adultos doentes * Fórmula OLS: Dependente = Independentes * Controles

Variáveis dependentes

Para avaliar a frequência de eventos de cooperação produtiva as variáveis testadas

incluíram o recebimento de recursos por compartilhamento espontâneo e a observação de tempo

produtivo alocado em conjunto entre unidades domésticas. Entende-se que estes comportamentos

são capazes de trazer melhores resultados para as unidades envolvidas, seja porque o evento traz

melhor bem estar do que se a unidade dependesse unicamente de seu esforço próprio ou pelos

benefícios indiretos em relação às perdas dos doadores.

As variáveis de cooperação foram obtidas por duas diferentes técnicas de observação

direta. O recebimento de recursos por cooperação foi coletado pela estimativa de consumo

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(‘weigh day’) e se refere ao consumo advindo de remessas de recursos enviados por outras

unidades domésticas.29 O tempo coletivo produtivo foi obtido por meio de uma técnica de

observação de alocação de tempo e se refere à porcentagem de tempo que os membros adultos

(≥12 anos) foram observados se dedicando para atividades produtivas em cooperação com outras

unidades domésticas.

Independentes

As variáveis testadas como explicativas do comportamento cooperativo entre unidades

domésticas foram definidas por dois diferentes índices de vulnerabilidade e a inserção ao

mercado de modo geral.

Na definição de vulnerabilidade é comum uma associação com o conceito de pobreza do

ponto de vista material (ANGELSEN & WUNDER, 2003; BENE, 2003). Há, porém, definições

que consideram a pobreza em sentido mais amplo como, por exemplo, em relação à realização

das capacidades básicas de um indivíduo ou grupo de indivíduos (SEN, 1981). Neste estudo, as

duas formas de definição de vulnerabilidade adotadas podem ser consideradas mais restritas, pois

englobam apenas aspectos econômicos. Porém, são mais abrangentes que as definições baseadas

apenas em renda monetária, pois incluem além desta medida, fatores relacionados à capacidade

de produção e de subsistência das unidades domésticas, essenciais no estudo de comunidades

autárquicas ou semi-autárquicas (REYNA, 1976; ELLIS, 1988).

A primeira medição de vulnerabilidade utilizada foi denominada de ‘pobreza absoluta’ e é

uma medida objetiva que incorpora atributos de renda monetária, mas também a capacidade

produtiva em termos de subsistência da unidade doméstica. Para sua definição foi calculado um

índice pela soma dos valores de ‘renda monetária média’ e ‘área de roçado’, dividida pela ‘taxa

de dependência’. Antes da soma, os valores foram standartizados, ou seja, o valor observado para

cada unidade foi dividido pela média da variável. Este procedimento foi utilizado para que os

pesos entre as variáveis fosse considerado igual e não influenciado pela unidade de medida da

variável. Nos valores de pobreza absoluta as cifras mais altas indicam as unidades com menor

vulnerabilidade, enquanto os valores negativos são aquelas mais vulneráveis (ou menos

produtivas). O índice final variou entre -1,48 e 1,72 para a comunidade inserida no mercado de

29 Maiores detalhes sobre as técnicas utilizadas na seção I.4 do capítulo I dessa dissertação.

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PFNMs e -1,28 e 1,65 para a comunidade não envolvida neste mercado (Pupuaí), sendo zero a

média em ambos os casos.

A renda média foi incluída em reais e reflete a soma de todas as formas de renda (i.e.

programas de formação de renda ou outros auxílios estatais, a comercialização de excedentes

agrícolas e o trabalho remunerado) obtida nos dois meses de levantamento dividido por dois,

obtendo-se, portanto, sua média mensal. Para sua coleta foram realizados surveys de renda com

todos os adultos (≥12 anos) participantes das unidades observadas. Esta é uma medida do poder

aquisitivo momentâneo da unidade e apresentou pouca variação entre as comunidades (t= 1,23;

p=0,22). Em média, as unidades da comunidade mais integrada ao mercado têm R$300,80 de

renda mensal, enquanto Pupuaí apresentou renda média mensal de Pupuaí de R$240,63. A área

de roçado, apresentada em metros quadrados, inclui a soma das áreas dos roçados abertos por

membros participantes das unidades observadas no ano de levantamento de dados. É uma medida

que indica a capacidade de subsistência da unidade e apresentou bastante variação entre as

comunidades (t= -5,8 ; p≤0,00). A taxa de dependência é uma variável sobre o ciclo produtivo de

uma família e considera que a composição da unidade doméstica afeta sua capacidade produtiva,

especialmente no contexto de baixa renda monetária e alta disponibilidade de recursos comuns

(REYNA, 1976). A taxa de dependência foi calculada como a razão entre o número total de

dependentes (<12 anos) dividido pelo número total de homens adultos (≥12 anos). Foram

considerados apenas homens adultos, para levar em conta a maior vulnerabilidade de unidades

domésticas que têm mães solteiras, fato relevante em termos de resultados produtivos devido à

alta divisão de trabalho por gênero. Todas estas variáveis serviram para calcular o índice de

vulnerabilidade absoluta, ou seja, uma medida da capacidade produtiva das unidades domésticas

em relação às suas necessidades de consumo.

O segundo atributo de vulnerabilidade incluído foi a pobreza relativa (ou percebida). Essa

é uma medida subjetiva de riqueza, pois ao invés de levar em conta mensurações diretas como no

primeiro caso, utiliza como medida a percepção dos habitantes da área. Sua inclusão é justificada

pois existem evidências que o conceito de riqueza é culturalmente estabelecido (SCOONES,

1995) e, portanto, há razões para crer que o seu inverso, ou a vulnerabilidade econômica, também

poderia ser. Para sua mensuração, foi adotada a técnica de diagnóstico rural participativo descrita

por Grandin (1988) na qual, em resumo, foram realizados exercícios em grupo para o

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ordenamento das unidades domésticas em termos de bem-estar.30 Seus valores finais consistem

em um ranking que varia entre 1 e 15, sendo que os menores valores indicam maior

vulnerabilidade (ou mais pobres, segundo o conceito local).

Nesta etapa a inserção ao mercado foi avaliada apenas em termos gerais e se caracteriza

pela renda monetária per capita das unidades observadas, coletada a partir de surveys realizados

com todos os adultos (≥12 anos). Essa variável foi definida pela soma de todas as formas de

renda monetária obtida nos dois meses observados divida pelo número de indivíduos na unidade.

A renda per capita também variou pouco entre as comunidades (t= 1,29 ; p=0,20) e apresentou

uma média de R$54,08 para a comunidade inserida no mercado de PFNMs (Roque) e R$39,14

para a comunidade menos exposta à economia de mercado (Pupuaí). Além de indicar o poder

aquisitivo momentâneo, a renda monetária é comumente utilizada para avaliar o nível de inserção

de populações semi-autárquicas à economia de mercado (por ex., GODOY et al., 2007). Nesta

etapa do estudo, portanto, a renda per capita foi incluída para avaliar se os níveis de integração ao

mercado de um modo geral afetam a frequência de eventos de cooperação produtiva.

Controles

Dentre as variáveis controle foram incluídas aquela referente à sazonalidade, o número de

adultos que compõem a unidade doméstica e a porcentagem de tempo em que adultos foram

observados em atividade improdutivas por motivos de doença.

A sazonalidade se refere aos períodos de cheia e vazante, equivalente também ao período

de funcionamento e não funcionamento da usina de extração de óleos vegetais, respectivamente.

Além disso, essa variável oferece subsídios para avaliar possíveis efeitos da oferta de recursos em

relação à sua circulação por cooperação entre unidades domésticas, já que a vazante é

caracterizada pela escassez de caça e açaí, produtos essenciais tanto na dieta local como na

comercialização de excedentes.31

A variável de número de adultos incluída no estudo corresponde ao valor médio para o

total de adultos de cada unidade doméstica nos dois períodos de campo. Portanto, se determinada

unidade tinha 2 adultos no primeiro período de campo e 3 no segundo, o valor assumido pela

30 Maiores detalhes sobre as técnicas utilizadas na seção I.4 do capítulo I dessa dissertação. 31 Ver calendário sazonal na seção I.4.3.2 do capítulo I dessa dissertação.

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variável foi 2,5. Sua inclusão no modelo foi uma forma de controlar outra característica de

vulnerabilidade devido à composição da unidade doméstica. Uma pesquisa por amostra

domiciliar no Brasil, por exemplo, encontrou que a insegurança alimentar afeta mais domicílios

com mais crianças, ocorrendo melhoras na medida em que os filhos atingem idade suficiente para

trabalhar e ajudar na geração de renda (PNAD, 2004). O número de adultos variou pouco entre as

comunidades (t= -0,59 ; p=,56). Ambas apresentaram uma média de quatro adultos por unidade,

variando desde um único homem que vive sozinho até unidades com dez membros participantes.

A última variável controle inserida nos modelos foi a porcentagem de tempo de adultos

doentes. Coletada pela técnica de observação de alocação de tempo, essa variável faz referência à

proporção de tempo em que os membros adultos das unidades domésticas alegaram não estar

realizando atividade produtiva por motivos de doença. O tempo de adultos doentes foi incluído

nessa análise porque apresentou resultados relevantes em etapas anteriores da pesquisa (ver

capítulo II), mesmo apresentando o valor máximo de 0,008 das observações e média igual a zero,

incluindo as duas comunidades (Tabela I.2). Esta é considerada outra medida de vulnerabilidade,

já que se refere à probabilidade de menor produtividade na subsistência.

Tabela III.2. Estatística descritiva das variáveis utilizadas nas regressões OLS.

Com mercado PFNMs

(Roque) Sem mercado PFNMs

(Pupuaí) Descrição (Unidade) Média Min Máx D.P. Média Min Máx D.P. Dependentes

Recursos obtidos por compartilhamento

Nº de recursos recebidos por compartilhamento (frequência)

1,54 0 5 1,6 4,74 1 18 3,41

Tempo produtivo coletivo

% de tempo em atividades produtivas coletivas (%)

2,73 0 12 3,18 2,48 0 7 2,22

Independentes

Pobreza absoluta Mais vulneráveis ( - ) Menos vulneráveis ( + )

0,01 -1,48 1,72 0,8 0,03 -1,28 1,65 0,64

Pobreza percebida Mais vulneráveis ( - ) Menos vulneráveis ( + )

7,38 1 13 3,6 8,13 1 15 4,08

Renda per capita R$ 54,08 0 311,5 64,45 39,14 0 212,33 44,82 Controles

Total de adultos Nº total de adultos (≥12 anos) na UD (n)

3,9 1 8,5 2,5 4,2 2 10 2,1

% Tempo doente % de tempo de adultos (≥12anos) doentes (%)

0,000 0,000 0,008 0,040 0,000 0,000 0,003 0,022

Sazonalidade Cheia (0) / Vazante (1) n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a.

*n.a.= não se aplica

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Por fim, a última forma de inferir sobre as redes de segurança foi realizada a partir de uma

análise comparativa entre o recebimento de recursos das unidades mais vulneráveis das duas

comunidades. Ou seja, foi feita uma comparação por grupos dentre as unidades abaixo da média

de pobreza absoluta e relativa entre as duas comunidades para, assim, comparar os benefícios

obtidos pelas unidades mais vulneráveis nestas comunidades.

III.2.2. Padrão de interações cooperativas e características das unidades domésticas em relação ao seu posicionamento nas redes de capital social

Para comparar a diferenças no comportamento cooperativo produtivo entre as duas

comunidades, além de análises estatísticas sobre sua frequência, a segunda etapa do estudo

utilizou métodos de análise de redes para avaliar o padrão de interações cooperativas nas

comunidades. A análise de rede vem sendo utilizada de forma crescente para fenômenos sociais e

procura descrever um ambiente social a partir dos padrões ou das regularidades nas relações entre

agentes ou atores e permite, dessa forma, avaliar o papel das interações entre eles

(WASSERMAN & FAUST, 1994; CARRINGTON et al., 2005). A avaliação do padrão de

interações cooperativas entre unidades domésticas apresenta evidências sobre o investimento em

capital social. Ou seja, mais interação com diferentes unidades aumenta a possibilidade de

retornos em relação aos custos, seja por reciprocidade direta ou indireta, o que pode ajudar a

evitar a insegurança em momentos de risco.

Neste estudo foram avaliadas duas distintas redes de cooperação produtiva.

A primeira é mais geral e inclui duas formas de capital social, ou seja, tanto a

transferência de recursos entre unidades domésticas (por ex., doações de peixe), quanto os

eventos de trabalho coletivo com membros de mais de uma unidade doméstica da mesma

comunidade (por ex., homens que pescaram juntos).32 É, portanto, uma rede mais abrangente de

capital social, que permite avaliar o envolvimento das unidades domésticas em comportamentos

cooperativos, seja pela transferência de recursos ou por trabalho realizado de modo coletivo.

Em sua representação gráfica, os ‘nós’ ou ‘vértices’ da rede são as unidades domésticas

observadas. As ligações entre elas, por sua vez, representam a soma dos eventos em que foram

observados recursos transferidos entre unidades e dos eventos em que atividades produtivas

32 Variáveis determinadas conforme descrito anteriormente neste capítulo e descritas em maiores detalhes na seção I.4. do capítulo I desta dissertação.

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foram realizadas em conjunto por adultos de distintas unidades domésticas. A representação

também diferencia a posição das unidades domésticas quanto a sua centralidade. Neste caso, as

unidades centralizadas nos círculos internos são as mais conectadas a outras unidades domésticas

e, portanto, aquelas que mais frequentemente participaram da transferência de recursos ou mais

se envolveram em trabalho coletivo conjunto.

A segunda rede gerada é mais particular e consiste nos bens transferidos entre diferentes

unidades domésticas da mesma comunidade (por ex., a unidade A doa peixe para a unidade B). O

compartilhamento de recursos entre unidades domésticas corresponde a transações

intrinsecamente direcionais onde uma unidade doméstica envia de presente algum bem ou

recurso para outra unidade. Ao adotar este comportamento, a unidade doadora assume o risco de

não ser retribuída e ter que arcar com os custos (i.e. transações unidirecionais) e a(s) unidade(s)

receptora(s) aumenta(m) seu bem-estar potencial. Quando a atitude é retribuída pela unidade

receptora instaura-se uma transação recíproca, fato que tende a aumentar o bem-estar potencial de

ambos os atores envolvidos na cooperação. Essa rede, portanto, diferentemente da primeira,

apresenta relações orientadas e permite avaliar a origem e o destino dos recursos transferidos

entre unidades domésticas. A partir do sentido dos fluxos de recursos entre unidades domésticas e

sua características, procurou-se inferir se a transferência de recursos apresenta evidências da

existência de redes de segurança para aquelas mais vulneráveis.

Em sua representação gráfica, os ‘nós’ ou ‘vértices’ da rede são as unidades domésticas,

enquanto cada ligação entre elas (i.e. as arestas) representa a transferência espontânea de um

recurso. A orientação da reta indica a unidade doadora e receptora (doadora � receptora). Por

sua vez, a largura representa a frequência daquela transação entre as mesmas unidades. Mais uma

vez, as unidades que mais receberam doações estão centralizadas nos círculos internos.

A configuração gráfica das duas redes foi realizada a partir do programa ‘Social Networks

Visualizer’ (SocNetV)33. Este é um ‘software’ livre que foi utilizado também para calcular

propriedades básicas da rede (i.e. total de ligações e densidade), bem como estatísticas estruturais

mais avançadas, tais como a centralidade dos ‘nós’ da rede (i.e. unidades domésticas). Já para a

análise e representação gráfica das subredes foi utilizado o Pajek34, outro programa de código

aberto desenvolvido para análise e visualização de grandes redes (ver: DE NOOY et al., 2005).

33 Disponível em: http://socnetv.sourceforge.net/screenshots.html 34 Disponível em: http://pajek.imfm.si/doku.php

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As duas redes foram inicialmente comparadas a partir do padrão de interações entre

unidades domésticas nas duas comunidades avaliadas (i.e. estrutura topológica das redes). Em

seguida foram avaliadas a existência de subredes, a frequência de unidades desconectadas e as

características das unidades mais e menos conectadas por interações cooperativas.

O padrão de interações de cooperação produtiva (ou estrutura topológica das redes)

As características topológicas de uma rede são os padrões estruturais existentes nas

interações entre as unidades domésticas observadas, os quais permitem avaliar se existem

diferenças nas características das interações entre os agentes. Neste estudo, a topologia ou

estrutura das redes de cooperação das duas comunidades foi comparada a partir de três

características: o total de pares ou díades de ligações (i.e. census dyads), a conectividade média e

a densidade da rede.

A primeira característica topológica corresponde ao total de ligações entre unidades, ou

seja, ao total de pares de unidades domésticas que cooperaram ao menos uma vez entre si. Estes

pares são a forma básica de ligação entre dois agentes e, em redes com relações orientadas, estas

ligações podem ser mútuas (i.e. recíproca= A↔B), assimétricas (i.e. sem retornos= A→B ou

B→A) ou nulas (i.e. não há interação entre A e B) (WASSERMAN & FAUST, 1994). Para o

caso da primeira rede avaliada, que considera eventos de transferência de recursos e o trabalho

coletivo, essas relações foram consideradas apenas como mútuas ou nulas. Nessa primeira rede o

total de pares indica a quantidade de interações cooperativas entre unidades domésticas na escala

da comunidade. Na segunda rede, portanto aquela referente ao compartilhamento de recursos

entre unidades domésticas, essa avaliação apresenta evidências sobre o sentido das doações

como, por exemplo, quantas unidades realizaram doações e quantas receberam tais recursos.

A segunda característica topológica comparada entre as comunidades foi a conectividade

média, descrita pelo número médio de interações ocorridas entre as unidades domésticas de cada

comunidade. Esta característica indica com quantas unidades em média cada unidade doméstica

esteve conectada por eventos de cooperação produtiva. Isso faz referência às diferenças de

investimento em capital social para as unidades da comunidade com e sem mercado de PFNMs.

A terceira característica avaliada foi a densidade das redes. A densidade corresponde à

razão entre o total de interações observadas, pelo número total de interações que poderiam ter

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sido observadas diante do número de unidades inseridas da rede.35 A densidade de uma rede pode

variar entre 0, quando não ocorre nenhuma interação até 1, se todos os atores apresentaram

ligação entre si (WASSERMAN & FAUST, 1994). A densidade á outra medida que apresenta

diferenças no padrão de investimento em capital social na escala das comunidades.

Essas três características topológicas são parâmetros que apresentam evidências sobre o

padrão de interação entre unidades domésticas para cada comunidade. A comparação entre

comunidades indica se há diferenças no investimento em redes de capital social em relação as

unidades domésticas mais e menos expostas ao mercado. Isto é, considera-se que unidades que

interagem com um maior número de diferentes atores da mesma rede investem mais em capital

social em relação àquelas que interagem com poucas unidades diferentes.

Isolamento, subredes e as características de vulnerabilidade e inserção ao mercado em relação ao posicionamento nas redes

Após a comparação das redes em sua estrutura, a segunda estratégia da análise das redes

incluiu uma avaliação mais transversal em relação ao comportamento cooperativo das

comunidades avaliadas. A primeira avaliação neste sentido verificou a existência de subredes, ou

seja, a observação de unidades domésticas que mantêm relações cooperativas somente entre si,

formando um subgrupo desconectado do restante da comunidade. Essa avaliação pode indicar,

por exemplo, se há a formação de subgrupos que cooperam entre si por algum tipo de interesse

específico e que, dessa forma, exclui a oportunidade de outras unidades se beneficiarem dessa

cooperação. A segunda forma de avaliação foi a porcentagem de unidades domésticas

desconectadas, ou seja, o número de unidades que não tiveram qualquer interação cooperativa

com outras unidades da rede (ou subredes) observada. Esta informação permite avaliar se, por

exemplo, a integração ao mercado causa o isolamento de certas unidades e, em caso positivo, se

as mais vulneráveis tendem a estar mais isoladas ou não. Por fim, foram avaliadas algumas

características das unidades domésticas em relação ao seu posicionamento nas redes,

notadamente a centralidade e o prestígio. O grau de centralidade e o prestígio de cada unidade

doméstica são atributos que indicam a importância ou funcionalidade dela naquela determinada

35 Fórmula:

Onde: A= número de interações existentes entre os atores (no caso, unidades domésticas) n= número de atores da rede (no caso, unidades domésticas)

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rede, ou seja, denota o quanto as unidades participam das redes e, portanto, quanto são

beneficiadas pelas formas de cooperação.

A avaliação da centralidade é um dos usos primários da análise de redes e é definida pelo

total de interações que cada agente ou unidade doméstica obteve com outras unidades existentes

na mesma rede (WASSERMAN & FAUST, 1994). Neste estudo, essa medida permite avaliar se

unidades que investem mais nas redes cooperativas (i.e. maior número de interações) são aquelas

com características de maior ou menor vulnerabilidade e inserção ao mercado, dentre outras

características avaliadas. A centralidade foi utilizada na avaliação da primeira rede de

transferência de recursos e o tempo produtivo coletivo entre unidades domésticas.

O conceito de prestígio está associado às redes com transações orientadas e, portanto, foi

utilizado somente na segunda rede sobre a transferência de recursos por compartilhamento entre

unidades domésticas. O posicionamento de maior prestígio nessa rede é definido pela unidade

doméstica que recebeu recursos de uma maior quantidade de unidades daquela comunidade. Ou

seja, o prestígio é uma medida de quantas diferentes unidades cada determinada unidade

doméstica recebeu recursos. Neste estudo ele será associado com as características das unidades

domésticas para avaliar se vulnerabilidade ou inserção à economia de mercado apresentam

efeitos sobre o posicionamento de prestígio na rede de transferência de recursos.

A existência de subredes, os casos de isolamento e o posicionamento de maior e menor

prestígio e centralidade foram descritos a partir de sua associação com algumas características

das unidades domésticas. Essas características incluem, em primeiro lugar, o grau de inserção ao

mercado PFNMs para o caso da comunidade em que isto é pertinente. Em segundo, a inserção ao

mercado de um modo geral, avaliada pela renda média mensal. Além disso, foram avaliados os

dois diferentes atributos de vulnerabilidade das unidades, sendo eles a pobreza absoluta e relativa

(ou percebida). Estas características foram avaliadas para avaliar se há padrões entre elas e o

posicionamento das unidades domésticas nas redes de cooperação da comunidade com e sem

mercado de PFNMs.

A inserção ao mercado de PFNMs é definida neste estudo de duas formas e é pertinente

apenas à comunidade (Roque), onde ocorre a comercialização com empresa. A primeira

corresponde à média relativa aos dois meses coletados (i.e. cheia e vazante) de renda obtida pelos

adultos (≥12 anos) com a comercialização de PFNMs.36 A renda monetária proveniente do

36 Maiores detalhes sobre as atividades e formas de remuneração na seção I.3 do capítulo I dessa dissertação.

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mercado de produtos florestais varia entre as unidades domésticas do Roque. Em média, cada

unidade recebeu cerca de R$101 por dois meses ou R$164,00 na cheia e R$39,74 na vazante, mas

este valor varia desde unidades que não tiveram nenhum ingresso deste tipo até unidades que

tiveram cinco vezes este valor (Tabela III.3). A segunda variável foi o tempo alocado ao mercado

de PFNMs e corresponde à porcentagem do total de observações em que os indivíduos adultos de

determinada unidade doméstica foram vistos realizando atividades deste mercado. Esta variável

foi estimada pela técnica de observação de alocação de tempo, descrita anteriormente. Os adultos

desta comunidade gastam em média seis por cento de seu tempo em atividades relacionadas à

comercialização com empresa. Há, porém, unidades que não foram observadas realizando este

tipo de atividade até aquelas que gastaram cerca de um terço de seu tempo com este mercado.

Tabela III.3. Estatística descritiva da inserção ao mercado de PFNMs na Comunidade do Roque. Média Mín Máx Desvio Padrão

Cheia: 164 0 645 156,6 Renda mercado PFNMs Vazante: 39,74 0 450 110,84

% Tempo mercado PFNMs Cheia: 7,47 0 72,22 15,3 Vazante: 4,23 0 16 4,53

A inserção ao mercado de um modo geral foi avaliada pela renda média mensal, conforme

descrita anteriormente. Também os índices de vulnerabilidade utilizados na avaliação das

características das unidades em relação às subredes, às unidades desconectadas e ao

posicionamento de maior e menor centralidade e prestígio nas redes de cooperação foram a

pobreza absoluta e relativa, conforme descrito na etapa de análise da frequência dos eventos de

cooperação.

Também nesta etapa foram realizados testes de comparação de médias para comparar a

situação das unidades mais vulneráveis das duas comunidades. Ou seja, foram comparados a

centralidade e o prestígio das unidades abaixo das médias de vulnerabilidade absoluta e relativa

nas duas comunidades. Desta forma, pretendeu-se inferir sobre as diferenças no estoque de

capital social entre as unidades mais vulneráveis da comunidade mais exposta ao mercado de

PFNMs e as unidades mais vulneráveis daquela comunidade menos exposta à economia de

mercado.

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III.3. Resultados

A apresentação dos resultados está dividida em duas partes organizadas

independentemente, apesar de utilizarem variáveis semelhantes ou, ás vezes, idênticas. A

primeira análise apresenta a estatística descritiva das variáveis de cooperação entre unidades

domésticas e, em seguida, avalia o efeito das características de vulnerabilidade e inserção ao

mercado sobre suas frequências em cada comunidade observada. Diferentemente, a segunda

etapa descreve o padrão de interações cooperativas entre unidades domésticas. Primeiramente

comparando as duas comunidades e, na sequência, fazendo uma avaliação transversal sobre as

características vulnerabilidade e inserção ao mercado em relação ao posicionamento das unidades

domésticas nas redes de cooperação avaliadas.

III.3.1. Vulnerabilidade, inserção ao mercado e a frequência de eventos cooperativos

Para a realização deste estudo foram avaliadas as freqüências de dois tipos de eventos

cooperativos entre unidades domésticas, sendo eles a frequência de recebimento de bens por

compartilhamento de outras unidades e o tempo produtivo alocado coletivamente. Ambas as

comunidades apresentaram uma diferença significativa com relação aos recursos obtidos por

compartilhamento, sendo que a comunidade sem mercado de PFNMs apresentou quase três vezes

mais eventos do que a comunidade inserida no mercado de PFNMs. Em média, as unidades de

Pupuaí receberam 60% mais recursos por compartilhamento do que o Roque (z= -5,9; p≤0,00).

Somando as observações realizadas nos dois meses de coleta de dados, a comunidade menos

inserida ao mercado apresentou uma média de 4,74 recursos obtidos por unidade doméstica

(tabela III.4). Mas esta comunidade apresentou uma variação que incluiu desde o registro de

apenas um recurso até uma unidade que recebeu 18 recursos ao todo. Já a comunidade com

comercialização de PFNMs com empresa apresentou uma média de 1,54 recursos por unidade,

sendo cinco o máximo de recursos recebido por uma mesma unidade.

Tabela III.4. Estatística descritiva das variáveis de cooperação entre unidades domésticas. Com mercado de PFNMs (Roque) Sem mercado de PFNMs (Pupuaí) Total Média Mín Máx D.P. Total Média Mín Máx D.P. Bens recebidos por compartilhamento

74 (eventos) 1,54 0 5 1,6

219 (eventos)

4,74 1 18 3,41

% Tempo produtivo coletivo

131 (observações) 2,73% 0% 12% 3,18

110 (observações)

2,48% 0% 7% 2,22

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A porcentagem de tempo produtivo sendo empregado coletivamente não apresentou

diferença considerável entre as comunidades (t= 0,44; p=0,66). A comunidade menos inserida ao

mercado apresentou uma média de 2,5% de tempo produtivo coletivo, sendo que ocorreu a

ausência deste tipo de observação e o máximo de 7% do tempo alocado desta maneira. A

comunidade com mercado de PFNMs, por sua vez, apresentou média semelhante, mas há maior

variabilidade entre as unidades que chegaram a apresentar um total de 12% do seu tempo

dedicado em atividades produtivas coletivas.

A avaliação da frequência destas variáveis de cooperação em relação à vulnerabilidade e

inserção à economia de mercado apresentou semelhanças e diferenças entre as comunidades.

Com relação ao tempo produtivo coletivo as comunidades apresentaram similaridades,

sendo que em ambas os casos unidades mais vulneráveis em termos de pobreza absoluta e

relativa foram aquelas que apresentaram menos tempo produtivo coletivo (tabela III.5). Também

em ambas as comunidades a renda per capita e, portanto a inserção ao mercado de modo geral,

não apresentou associação com a porcentagem de tempo produtivo alocado coletivamente. Além

disso, as duas comunidades apresentaram mais tempo coletivo produtivo na vazante, período

referente à escassez de recursos de caça e açaí e, no caso da comunidade inserida neste mercado,

equivalente ao fechamento da usina de extração de óleos vegetais.

Tabela III.5. Resultados dos efeitos da vulnerabilidade e inserção ao mercado na porcentagem de tempo produtivo alocado coletivamente entre unidades domésticas. Dependente: % Tempo produtivo coletivo Com mercado de PFNMs (Roque) Sem mercado de PFNMs (Pupuaí)

Independentes β (sig.) β (sig.) β (sig.) β (sig.) Pobreza absoluta n.a. -1,05(0,08)** n.a. -0,89(0,12)* Pobreza relativa -1,17(0,15)* n.a. -1,44(0,05)** n.a.

Ln renda per capita 0,30(0,34) 0,28(0,35) 0,10(0,64) 0,08(0,70) Controles

Sazonalidade (0=cheia / 1=vazante) 4,32(0,00)*** 4,29(0,00)*** 3,18(0,00)*** 3,16(0,00)***

N adultos -0,20(0,91) 0,16(0,43) -0,01(0,92) 0,22(0,15)* % Tempo de adultos doentes -31,65(0,54) -42,46(0,41) -54,31(0,32) -55,29(0,33)

Sumário e ANOVA dos modelos: Sig. 0,000 0,000 0,000 0,000

R 0,665 0,676 0,726 0,712 R² 0,443 0,457 0,527 0,507 F 6,514 6,905 8,899 8,233

Constante 0,713 0,509 1,926** 1,062 g.l. 46 46,000 45 45

p≤0,05*** ; p≤0,10** ; p≤0,15*

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- 78 -

A comparação das médias do grupo de unidades mais vulneráveis das duas comunidades

também não apresentou diferença entre a porcentagem de tempo alocado em atividade produtiva

realizada de modo coletivo (Pobreza absoluta: z= -0,0; p=0,97; n=30 / relativa: z= -0,04; p=0,71,

n=24).

A frequência de recursos obtidos por compartilhamento espontâneo entre unidades

domésticas, por sua vez, apresentou diferenças significativas entre as comunidades. A

comunidade sem mercado de PFNMs apresentou associação significativa para as duas variáveis

de vulnerabilidade testadas, sendo que em ambos casos as unidades mais vulneráveis obtiveram

menos recursos desta maneira (Tabela III.6). No caso desta comunidade, o recebimento de bens

por compartilhamento espontâneo esteve positivamente associado ao número de adultos na

unidade doméstica, ou seja, receberam mais recursos aquelas com mais adultos.

Tabela III.6. Resultados dos efeitos da vulnerabilidade e inserção ao mercado na frequência de recursos obtidos por compartilhamento entre unidades domésticas. Dependente: n Recursos recebidos por compartilhamento entre unidades domésticas Com mercado de PFNMs (Roque) Sem mercado de PFNMs (Pupuaí)

Independentes β (sig.) β (sig.) β (sig.) β (sig.) Pobreza absoluta n.a. -0,03(0,99) n.a. 1,9(0,06)** Pobreza relativa -1,52(0,04)*** n.a. 0,23(0,06)** n.a.

Ln renda per capita 0,22(0,25) 0,05(0,81) 0,38(0,30) 0,33(0,39) Controles

Sazonalidade (0=cheia / 1=vazante)

0,92(0,06)** 0,76(0,14)* 0,26(0,77) 0,22(0,81)

N adultos 0,12(0,26) 0,12(0,38) 0,88(0,00)*** 0,41(0,12)* % Tempo de adultos doentes 38,62(0,22) 35,79(0,28) -14,07(0,88) -1,76(0,98)

Sumário e ANOVA dos modelos: Sig. 0,101 0,455 0,001 0,001

R 0,442 0,323 0,628 0,630

R² 0,195 0,105 0,394 0,397

F 1,989 0,957 5,210 5,278

Constante 1,073 0,596 -1,247 -0,381

g.l. 46 46 45 45 p≤0,05*** ; p≤0,10** ; p≤0,15*

Já a comunidade com mercado de PFNMs apresentou associação marginalmente

significativa apenas para a medida de pobreza relativa, equivalente à riqueza percebida (tabela

III.5). No caso, as unidades que são localmente percebidas como mais vulneráveis em termos de

bem-estar receberam mais recursos por compartilhamento espontâneo do que as com melhor

bem-estar (β= -1,52; p=10; r²=0,19; g.l.=46). A pobreza absoluta e a renda per capita, no entanto

não apresentaram significância em relação aos recursos obtidos desta maneira. Dentre as

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variáveis incluídas como controle, somente a sazonalidade apresentou associação com a variável

testada. No caso da comunidade inserida no mercado de PFNM, portanto, a frequência de

recursos obtidos por compartilhamento foi mais frequente no período da vazante.

Por fim, o último resultado em termos de frequência de bens recebidos por

compartilhamento aponta que, dentre as unidades mais vulneráveis das duas comunidades (i.e.

abaixo das médias de pobreza absoluta e relativa), aquelas da comunidade inserida no mercado de

PFNMs (Roque) receberam menos recursos do que as mais vulneráveis de Pupuaí (figura III.1).

Em especial, as unidades mais vulneráveis em termos de pobreza absoluta da comunidade

exposta ao mercado de PFNMs receberam menos 34% de recursos em relação às unidades mais

vulneráveis da comunidade não exposta a este mercado (z= -3,4; p≤0,00; n=30). Para as unidades

abaixo da média em termos de pobreza relativa ocorreu o mesmo efeito, sendo que as unidades

vulneráveis da comunidade com mercado receberam em média menos 25% de recursos em

relação às de Pupuaí e, portanto, não expostas a este mercado (z= -2,5; p=0,01; n=23).

Pobreza absoluta Pobreza relativa

VULNERÁVEIS PUPUAÍ(sem mercado PFNMs)

VULNERÁVEIS ROQUE(com mercado PFNMs)

12,00

10,00

8,00

6,00

4,00

2,00

0,00

VULNERÁVEIS PUPUAÍ(sem mercado PFNMs)

VULNERÁVEIS ROQUE(com mercado PFNMs)

14,00

12,00

10,00

8,00

6,00

4,00

2,00

0,00

Figura III.1. Número de bens recebidos por compartilhamento entre as unidades abaixo da média de bem-estar em termos absolutos e relativo.

Ou seja, mesmo que os mais vulneráveis da comunidade menos exposta ao mercado

recebem menos recursos em relação aos menos vulneráveis desta comunidade, estes primeiros

ainda recebem mais do que aquelas unidades mais vulneráveis da comunidade inserida no

mercado de PFNMs. Isso é possível devido à grande diferença na frequência de eventos

observados nas duas comunidades.

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- 80 -

III.3.2. O padrão de investimento em redes de capital social: das diferenças entre as comunidades às características das unidades em relação ao seu posicionamento nas redes

A etapa de análise das redes de capital social foi divida entre as redes de cooperação

produtiva em termos gerais e, mais especificamente, as redes de transferência de recursos entre

unidades domésticas. Em ambas as redes primeiramente foram realizadas uma comparação entre

o padrão de interações encontrado nas comunidades avaliadas para, em seguida, serem

apresentadas avaliações sobre as características das unidades domésticas em relação ao seu

posicionamento nas redes.

III.3.2.1. Rede de cooperação produtiva

A rede de cooperação produtiva é uma medida mais ampla de avaliar a inserção das

unidades domésticas das comunidades em redes de compartilhamento de recursos entre unidades

domésticas ou de tempo produtivo alocada em conjunto. Considera-se que ambas as práticas

aumentam o estoque de capital social das unidades domésticas, investimento este que pode trazer

retornos diretos ou indiretos, bem como pode ajudar a manter o bem-estar em períodos de

choque.

O total de interações cooperativas entre unidades domésticas foi diferente entre as

unidades observadas, sendo que aquela envolvida no mercado de PFNMs (Roque) apresentou

quatro vezes menos interações do que a comunidade menos exposta à economia de mercado. Isto

é, a comunidade sem mercado de PFNMs apresentou um total de 242 interações relativas à

transferência de recursos ou a realização de trabalho de modo cooperativo entre unidades (figura

III.2). Essa rede de interações da comunidade mais inserida na economia de mercado, por sua

vez, envolveu apenas 55 ligações entre diferentes unidades. Ou seja, nessa rede de cooperação as

unidades domésticas estão menos interconectadas entre si no caso da comunidade com mercado

de PFNMs, indicando que suas unidades investem menos nesse tipo de estoque de capital social.

Apesar da grande disparidade entre o número de interações, ambas as comunidades

mantêm todas as unidades domésticas de alguma maneira conectadas e, portanto, mantendo

relações cooperativas ainda que esporadicamente ou com uma única unidade. Em ambas as

comunidades também não houve formação de subredes, o que significa que todas as unidades

estão interconectadas entre si. Essa conexão entre unidades envolve tanto uma interação de modo

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direto, na qual duas unidades interagiram entre si, quanto àquela realizada de modo indireto, na

qual duas unidades não interagem entre si, mas ambas cooperam com outra unidade em comum.

Com mercado de PFNMs (Roque) Sem mercado de PFNMs (Pupuaí)

Figura III.2. Rede de cooperação produtiva entre unidades domésticas Notas: Os números referem-se às diferentes unidades domésticas observadas no estudo, aquelas que mais se envolveram em relações cooperativas estão centralizadas nos círculos internos; a largura da aresta representa a frequência daquele tipo de transação entre as unidades.

As comunidades diferem também quanto à conectividade média das unidades domésticas

e, portanto, em relação ao número de unidades em que cada unidade doméstica obteve alguma

forma de cooperação produtiva. O Roque, comunidade que participa do mercado de PFNMs,

apresentou em média 5,6 menos interações por unidade doméstica do que a comunidade de

Pupuaí (z= -5,6; p<0,00). Consequentemente, a densidade das redes também diferiu entre as

comunidades, sendo que Pupuaí tem uma densidade quase cinco vezes maior que o Roque

(Densidade Pupuaí=0,48; Densidade Roque=0,10). Em termos percentuais, isso significa dizer

que para a comunidade que não participa do mercado de PFNMs, as relações cooperativas

observadas atingem 48% do potencial de possíveis interações entre as unidades domésticas,

enquanto na comunidade que participa do mercado essa cifra cai para 10%. Isso equivale a dizer

que a comunidade com mais interações (i.e. maior densidade) investe mais em atividades que

acumulam capital social por cooperação com outras unidades do que o Roque, onde há menos

investimento em eventos cooperativos com diferentes unidades domésticas.

No que se refere aos diferentes graus de participação nessa rede (i.e. centralidade) as

comunidades também apresentaram diferenças. Isto é, na comunidade sem mercado de PFNMs a

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menor centralidade obtida envolveu a interação com quatro distintas unidades e as unidades mais

centrais estiveram conectadas com 18 diferentes unidades (média=10). Já a comunidade mais

inserida à economia de mercado (Roque) apresentou uma média de 3,25 interações por unidade.

Neste caso, as três menos centrais conectaram-se com apenas uma unidade doméstica da rede e as

duas unidades mais centrais estabeleceram interações cooperativas com outras seis, ou seja, um

terço das interações observadas para as unidades mais centrais de Pupuaí.

Na comunidade mais exposta à economia de mercado a avaliação entre a centralidade das

unidades e sua inserção ao mercado de PFNMs não apresentou efeitos significativos para as duas

variáveis avaliadas. Ou seja, o tempo alocado ao mercado de PFNMs (z= -0,54; p=0,59; n=24) e

a renda advinda deste mercado (z= -0,05; p=0,96; n=24) não estão relacionados com a

centralidade das unidades domésticas observadas. Isso significa que entre as unidades da

comunidade inserida no mercado de PFNMs, estas formas de inserção a este mercado não afetam

a quantidade de diferentes unidades acionadas em eventos cooperativos produtivos.

A comparação gráfica entre as unidades mais e menos centralizadas da comunidade

inserida no mercado de PFNMs (Roque) e, portanto com maior ou menor número de relações

cooperativas, parece mostrar que existe uma tendência para as unidades de menor renda

monetária total ser também aquelas menos centralizadas (figura III.3). Isso significaria que os

menos inseridos no mercado (ou mais pobres em termos de renda monetária) interagem com

menos unidades. Apesar dessa aparente tendência, a comparação entre os quartis superiores e

inferiores da amostra indicam que esta associação entre renda e centralidade não é significativa

(z= -0,90; p=0,37; n=16). Dentre as unidades domésticas que apresentaram mais interações

cooperativas (mais centrais), há grande variedade na renda média mensal, havendo tanto níveis

altos de renda quanto unidades domésticas com pouca renda. Entre as unidades da comunidade

com mercado de PFNMs, portanto, a renda média mensal não apresentou um padrão em termos

de quantidade de unidades acionadas em interações cooperativas. A mesma tendência observada

para o Roque foi observada em Pupuaí, que não participa do mercado de PFNMS. Neste caso

também a comparação entre a renda monetária das unidades mais ou menos centralizadas mostra

que aquelas com maior renda estão envolvidas em mais interações cooperativas. Neste caso,

contudo, essa relação é estatisticamente significativa e indica que as unidades mais centrais têm

uma média de renda 18% maior do que as menos centrais (z= -1,83; p=0,07; n=11).

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Com mercado de PFNMs (Roque) Sem mercado de PFNMs (Pupuaí)

MAIS CENTRALmedianos(50% da amostra)

MENOS CENTRAL

1000,00

800,00

600,00

400,00

200,00

0,00

MAIS CENTRALmedianos

(50% da amostra)MENOS CENTRAL

700,00

600,00

500,00

400,00

300,00

200,00

100,00

0,00

Figura III.3. Renda média mensal (em R$) e centralidade das unidades domésticas

A avaliação da associação entre os dois indicadores de vulnerabilidade e a centralidade na

rede, ou seja, a avaliação se unidades mais vulneráveis interagem mais ou menos em relações

cooperativas, mostra resultados diversos para os dois índices avaliados. Com relação à pobreza

relativa, não há associação significativa tanto com a centralidade das unidades na comunidade

que comercializa PFNMs (z= -0,80; p=0,42; n=24), como na comunidade não inserida nesse

mercado (z= -0,55; p=0,58; n=23). Isso significa que a percepção local de riqueza das unidades

domésticas não afeta a quantidade de interações cooperativas em ambas as comunidades

avaliadas (figura III.4). A comparação dos quartis de unidades mais e menos centrais da

comunidade não inserida no mercado de PFNMs também não apresentou significância em

relação às suas características de vulnerabilidade relativa (z= -0,55; p=0,66; n=11). Fato

semelhante ao encontrado na comunidade que comercializa PFNMs com empresa (z= -7,9; p=47;

n=16).

Com mercado de PFNMs (Roque) Sem mercado de PFNMs (Pupuaí)

MAIS CENTRALmedianos(50% da amostra)

MENOS CENTRAL

14

12

10

8

6

4

2

0

MAIS CENTRALmedianos(50% da amostra)

MENOS CENTRAL

15

12

9

6

3

0

Figura III.4. Vulnerabilidade relativa e centralidade das unidades domésticas

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Para a medida de vulnerabilidade absoluta, no entanto, há associação marginalmente

significativa e semelhante entre as comunidades. No caso, o grupo das unidades mais centrais, ou

mais conectadas, tem melhor índice de bem-estar em termos absolutos para ambas as

comunidades avaliadas (Roque: t= 1,8; p=0,09 / Pupuaí: t= 2,0; p=0,08). Ou seja, em termos de

vulnerabilidade absoluta, em ambas as comunidades as unidades com piores níveis de bem-estar

são aquelas menos centralizadas, isto é, aquelas que estabelecem interações cooperativas com

menos unidades diferentes (figura III.5).

Com mercado de PFNMs (Roque) Sem mercado de PFNMs (Pupuaí)

MAIS CENTRALmedianos(50% da amostra)

MENOS CENTRAL

2,00

1,00

0,00

-1,00

-2,00

MAIS CENTRALmedianos

(50% da amostra)MENOS CENTRAL

2,00

1,00

0,00

-1,00

Figura III.5. Vulnerabilidade absoluta e centralidade das unidades domésticas

Apesar da semelhança no fato de que em ambas as comunidades as unidades mais

vulneráveis são aquelas menos centrais, a comparação entre o grupo das unidades mais

vulneráveis em termos de pobreza absoluta apresenta diferenças significativas entre as

comunidades. Ou seja, há evidências de as unidades abaixo da média de vulnerabilidade absoluta

da comunidade exposta ao mercado de PFNMs apresentam em média menos quatro interações

cooperativas com diferentes unidades em relação ao grupo das unidades mais vulneráveis de

Pupuaí (z= -4,2; p≤0,00; n=30). Para as unidades com pior bem-estar em termos de pobreza

relativa (ou percebida) a comparação entre as comunidades apresenta o mesmo efeito, sendo que

as mais vulneráveis da comunidade com mercado de PFNMs apresentaram em média menos 3,8

interações com unidades diferentes (z= -3,8; p≤0,00; n=23).

III.3.2.2. Rede de transferência de recursos entre unidades domésticas

A rede de transferência de recursos entre unidades domésticas é uma medida mais

específica de comportamento cooperativo e, por apresentar interações orientadas, trás evidências

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sobre o sentido dos fluxos de recursos. Ou seja, sua interpretação permite avaliar se as

comunidades apresentam diferenças em termos de quantidade de interações, mas também em

relação à orientação dessas interações. Por exemplo, uma determinada rede indica que quatro

unidades domésticas mantiveram relações cooperativas produtivas entre si. Se a mesma rede for

avaliada a partir de sua orientação, seria possível avaliar, por exemplo, que as quatro estiveram

conectadas, porém somente uma recebeu recursos, enquanto as demais realizaram doações, sem

necessariamente obter retornos materiais equivalentes. Essa avaliação seria um indício de que

somente a unidade que recebeu recursos melhorou seu bem-estar com aquelas interações.

Essa rede, assim como a anterior, foi primeiramente comparada em relação à estrutura das

interações entre as comunidades (i.e. características topológicas). Em seguida, como no caso

dessa rede houve a existência de subredes e unidades totalmente desconectadas, foram avaliadas

as características das unidades envolvidas nestes fenômenos. Por fim, foram avaliadas as

características das unidades em relação ao seu grau de prestígio, ou seja, a quantidade de

diferentes unidades que lhe enviaram recursos por compartilhamento espontâneo.

As redes de transferência de recursos das duas comunidades diferem em algumas de suas

características topológicas, mas são similares em outras. A primeira característica que difere entre

as comunidades é o número total de eventos de compartilhamento de recursos. Na comunidade

menos exposta à economia de mercado (Pupuaí), a rede de compartilhamento envolveu 135

eventos de transferência de recursos entre unidades domésticas. Essa cifra é sete vezes maior que

o número de transações observadas na comunidade que comercializa PFNMs (n=19) (figura

III.6). Isso significa dizer que as unidades domésticas da comunidade menos inserida ao mercado

recebem mais frequentemente recursos de outras unidades.

A segunda característica que difere entre as comunidades é a proporção do total de

unidades domésticas de cada comunidade que estão envolvidas nesses eventos de transferência de

recursos. Isto é, em Pupuaí 91% das 23 unidades domésticas envolvidas nessa rede fizeram

algum tipo de doação e todas receberam ao menos um bem ou recurso por compartilhamento de

outra unidade. Na comunidade com mercado de PFNMs (Roque), no entanto, a proporção de

unidades domésticas que fizeram alguma doação é menor (58%) e apenas metade das unidades

domésticas envolvidas recebeu algum bem ou recurso por compartilhamento espontâneo.

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Com mercado de PFNMs (Roque) Sem mercado de PFNMs (Pupuaí)

Figura III.6. Rede de transferência de recursos entre unidades domésticas. Notas: Os números referem-se às diferentes unidades domésticas observadas no estudo, a orientação da reta indica a doadora e receptora (doadora � receptora), sua largura representa a frequência daquela transação entre as unidades e aquelas com maior prestígio estão centralizadas nos círculos internos.

Em contraste, as diferenças são pequenas entre as duas comunidades quando se analisa a

proporção entre as relações recíprocas, ou seja, aquelas em que uma unidade doméstica tanto doa

quanto recebe presentes em interações com a mesma unidade doméstica. Enquanto em Pupuaí,

40% das relações observadas foram transações recíprocas e 60% doações unidirecionais, no

Roque foram observadas 32% de relações recíprocas e 68% doações unidirecionais. Isso significa

que, em proporção, existem mais relações unidirecionais na comunidade que participa do

mercado de PFNMs, mas as diferenças nesse caso são pequenas (8%).

As comunidades diferem também quanto à conectividade média das unidades domésticas

e, portanto, em relação ao número de unidades em que cada unidade doméstica obteve alguma

forma de cooperação produtiva. O Roque, comunidade que participa do mercado de PFNMs,

apresentou em média oito interações a menos entre as suas unidades domésticas do que Pupuaí

(t= -8,04; p<0,00). Isto é, independente da orientação das transações, as unidades da comunidade

que comercializa PFNMs apresentaram, em média, 2,3 interações entre elas, enquanto Pupuaí

apresentou uma média de nove interações por unidade doméstica. Da mesma forma, a densidade

das redes também diferiu entre as comunidades, sendo que Pupuaí tem uma densidade nove vezes

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maior que o Roque (Densidade Pupuaí=0,27; Densidade Roque=0,03).37 Em termos percentuais,

isso significa dizer que para a comunidade que não participa do mercado de PFNMs, as relações

cooperativas observadas atingem 27% do potencial de interações possíveis entre as unidades

domésticas, enquanto na comunidade que participa do mercado essa cifra cai para 3%. As

unidades domésticas do grupo mais exposto ao mercado estão, portanto, menos interligadas por

relações de compartilhamento de recursos do que aquelas de Pupuaí.

Quanto ao grau de isolamento de unidades, a comunidade mais exposta ao mercado

apresentou quatro unidades domésticas totalmente desconectadas dessa rede (17%; n=24),

enquanto em Pupuaí não foram observadas unidades isoladas. Essa diferença, contudo, pode ser

um efeito da frequência reduzida de eventos observada no Roque e não necessariamente uma

característica estrutural da rede (topologia). Ou seja, a frequência em que as pessoas doam bens

seria mais rara no Roque, mas não deixaria unidades desconectadas com um número maior de

observações. Para testar essa hipótese realizou-se 10.000 simulações de reduções aleatórias no

número das observações em Pupuaí, de modo que sua frequência se tornasse equivalente àquela

observada no Roque.38 A distribuição cumulativa das reduções aleatórias indicou que, se Pupuaí

tivesse o mesmo número observado no Roque, a probabilidade de obtermos o mesmo número de

desconectadas observado no Roque seria de 30%. Portanto, no que diz respeito à ocorrência de

unidades domésticas desconectadas, não é possível afirmar que a estrutura da rede de

compartilhamento é significativamente diferente para as comunidades avaliadas.

Testes estatísticos são inapropriados para um grupo tão pequeno (n=4 unidades), mas a

inspeção do gráfico observa que as unidades desconectadas parecem não ter um padrão em

relação aos níveis de participação em atividades de mercado de PFNMs avaliados (figura III.7).

Levando em conta a porcentagem de tempo alocado pelos adultos da unidade doméstica em

atividades do mercado de PFNMs, existem desconectadas que dedicaram grande proporção de

tempo às atividades de exploração de comercialização de PFNMs, bem como desconectadas que

não dedicam nenhum tempo para estas atividades. Quando se avalia a associação entre as

unidades desconectadas e a renda advinda exclusivamente do mercado de PFNMs, embora a

variabilidade seja menor, ainda assim não há um padrão aparente. Ou seja, não há evidências de

37 A densidade de uma rede é determinada pelo número de ligações existentes dividido pelo número de ligações possíveis para aquela rede e, portanto, apresenta o valor máximo de 1 (quando todos estão interligados). 38 Simulações realizadas no programa Matlab®

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que estas variáveis de inserção ao mercado de PFNMs estejam associadas ao isolamento das

unidades domésticas no caso da comunidade inserida neste mercado.

% Tempo alocado ao mercado PFNMs Renda média PFNMs

DESCONECTADASCONECTADAS

40,00

30,00

20,00

10,00

0,00

DESCONECTADASCONECTADAS

600,00

500,00

400,00

300,00

200,00

100,00

0,00

Figura III.7. Variáveis de inserção ao mercado de PFNMs e unidades desconectadas da rede de compartilhamento de recursos na Comunidade do Roque.

Diferentemente, há padrões mais evidentes quando se avalia a associação entre os dois

índices de vulnerabilidade incorporados no estudo e as unidades desconectadas. No caso do

índice de vulnerabilidade absoluta, a mediana das unidades conectadas e desconectadas é similar,

mas a análise da dispersão mostra que todas as desconectadas estão abaixo na média da

comunidade (média=0) (figura III.8). Já o grupo das conectadas apresenta unidades próximas da

média, mas a maior parte de sua distribuição está acima dela. Para a medida de pobreza relativa

este padrão se repete e é ainda mais forte. Nesse caso, a mediana do índice de pobreza relativa

das unidades desconectadas é 10% menor que das conectadas, indicando que as unidades

desconectadas são aquelas com piores níveis de bem-estar em termos de pobreza relativa.

Vulnerabilidade absoluta Vulnerabilidade relativa

DESCONECTADASCONECTADAS

2,00

1,00

0,00

-1,00

-2,00

DESCONECTADASCONECTADAS

14,00

12,00

10,00

8,00

6,00

4,00

2,00

0,00

Figura III.8. Vulnerabilidade socioeconômica e unidades desconectadas da rede de compartilhamento de recursos na Comunidade do Roque (com mercado de PFNMs).

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Além de apresentar unidades totalmente desconectadas, a rede de compartilhamento de

recursos da comunidade envolvida no mercado de PFNMs (Roque) pode ser subdividida em

quatro redes isoladas entre si (figura III.9). Essas subredes representam grupos de unidades

domésticas que transferiram recursos entre elas, mas que não trocaram com o restante da

comunidade. Tal fenômeno não ocorreu na comunidade sem mercado de PFNMs, onde todas as

unidades domésticas estão interconectadas, seja por ligações diretas ou indiretas.

Com mercado de PFNMs (Roque) Sem mercado de PFNMs (Pupuaí)

Figura III.9. Subredes de compartilhamento de recursos na comunidade inserida e não inserida no mercado de PFNMs

A subrede mais numerosa (denominada ‘A’) envolveu onze unidades domésticas, sendo

que sete receberam recursos e sete fizeram algum tipo de doação. A segunda mais numerosa

(‘B’) envolveu quatro unidades domésticas, sendo que três delas receberam recursos e três

realizaram doações. O pequeno número de unidades não permite uma avaliação estatística segura,

mas a avaliação das características de vulnerabilidade absoluta e riqueza percebida indica que

nesta subrede para todas as transações efetivadas as doadoras são menos vulneráveis do que as

respectivas receptoras. Naquela que englobou três unidades (‘C’), apenas uma delas recebeu

recursos, mas, neste caso, a receptora apresenta um nível melhor de vida com relação às doadoras

em termos de riqueza percebida. A última subrede (‘D’) apresentou apenas uma relação

unidirecional entre duas unidades domésticas, sendo que a unidade que doou recursos é

significativamente melhor de vida do que a receptora, tanto em termos de vulnerabilidade

absoluta como em relação à riqueza percebida.

A

D

C

B

Desconectadas

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As comunidades apresentaram diferenças também com relação ao padrão de orientação

das interações. Na comunidade com menor exposição à economia de mercado (Pupuaí), todas as

unidades domésticas receberam ao menos um recurso por compartilhamento de outra unidade

doméstica. A unidade com maior prestígio recebeu recursos de onze unidades de um total de 23

existentes na comunidade (48%), enquanto aquela com menor prestígio recebeu recursos de duas

unidades distintas. Já na comunidade com mercado de PFNMs apenas metade da amostra (n=12)

recebeu algum recurso por compartilhamento de outra unidade doméstica e, dentre estas, a

maioria (n=7; 29%) recebeu recursos de apenas uma unidade doméstica da comunidade.

A comunidade sem mercado de PFNMs apresentou uma correlação positiva entre o maior

prestígio e as unidades com melhor renda média mensal (β=0,45; p≤0,05). Ou seja, aquelas que

receberam recursos de menos unidades distintas (menor prestígio) caracterizam-se por possuir

menor renda média mensal em relação às unidades que receberam de mais origens distintas. As

medidas de vulnerabilidade absoluta (z= -0,11; p=0,90) e vulnerabilidade relativa (z= -0,34; p=

0,73), no entanto, não apresentaram associação com o recebimento de diferentes unidades

domésticas para essa comunidade. A comparação de médias no grupo da comunidade exposta ao

mercado de PFNMs, por sua vez, não indica uma associação significativa entre as unidades que

receberam algum bem ou recurso (independente da quantidade de unidades de origem) e as

características de vulnerabilidade (absoluta: z= -0,35; p=0,73 / relativa: z= -0,09; p=0,93) e

inserção ao mercado de PFNMs (z= -0,06; p=0,95 e z= -0,40; p=0,69). No entanto, as duas

unidades com maior prestígio apresentaram renda média mensal acima da média da amostra.

A comparação entre o prestígio das unidades abaixo das médias de bem-estar, no entanto,

apresentou evidências que as unidades mais vulneráveis da comunidade com mercado de PFNMs

receberem recursos de menos unidades distintas em relação à comunidade não exposta a este

mercado (figura III.10). Ou seja, em termos de pobreza absoluta, as unidades mais vulneráveis da

comunidade mais exposta ao mercado receberam recursos de, em média, menos 4,5 unidades

distintas em relação à comunidade menos exposta (z= -4,5; p≤0,00; n=30). Em termos de

vulnerabilidade relativa a comparação entre as comunidades manteve o mesmo padrão, sendo que

as unidades mais vulneráveis daquela com mercado de PFNMs obteve recursos de, em média,

menos quatro unidades distintas (z= -3,9; p≤0,00; n=23).

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Pobreza absoluta Pobreza relativa

VULNERÁVEIS PUPUAÍ(sem mercado de PFNMs)

VULNERÁVEIS ROQUE(com mercado de PFNMs)

8,00

6,00

4,00

2,00

0,00

VULNERÁVEIS PUPUAÍ

(sem mercado de PFNMs)VULNERÁVEIS ROQUE

(com mercado de PFNMs)

8,00

6,00

4,00

2,00

0,00

Figura III.10. Prestígio entre as unidades abaixo da média de bem-estar em termos absolutos e relativo

Com relação às doações as comunidades também apresentaram diferenças. Naquela sem

mercado de PFNMs (Pupuaí) 91% das unidades domésticas observadas fizeram alguma doação

(n=21). Essa comunidade apresentou uma média de 5,8 unidades para cada qual unidade realizou

doações, sendo que aquelas que fizeram mais doações enviaram recursos para quatorze diferentes

unidades. Já na comunidade com mercado de PFNMs, pouco mais da metade das 24 unidades

observadas fizeram doações (58%), sendo que nove destas doaram para apenas uma unidade da

rede. Essa comunidade apresentou uma média de doações para diferentes unidades sete vezes

menor do que as unidades da comunidade sem o mercado de PFNMs (média=0,8).

Na comunidade menos exposta ao mercado (Pupuaí) há evidências de que as unidades

domésticas que doaram para mais unidades são aquelas com maior renda média mensal (figura

III.11). E, comparando as médias do primeiro e terceiro quartis, há evidências de que aquelas que

doaram para menos unidades são as que apresentaram maior vulnerabilidade em termos absolutos

(z= -1,83; p=0,07; n=11). Quanto à riqueza percebida, no entanto, essa associação não foi

significante (z= -0,26; p=0,78; n=11). Na comunidade mais integrada ao mercado (Roque) a

comparação de médias por grupo (i.e. doadores / não doadores) não apresentou indícios de

associação entre a doação de recursos e a vulnerabilidade (absoluta: z= -0,59; p=0,56; n=24 /

relativa: z= -0,06; p=0,95; n=24) ou inserção ao mercado de PFNMs (z= -0,56; p=0,58; n=24 e

z= -0,03; p=0,97; n=24).

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Renda média mensal Vulnerabilidade absoluta

DOARAM MAISmedianos(50% da amostra)

DOARAM MENOS

700,00

600,00

500,00

400,00

300,00

200,00

100,00

0,00

DOARAM MAISmedianos

(50% da amostra)DOARAM MENOS

2,00

1,00

0,00

-1,00

Figura III.11. Renda média mensal e vulnerabilidade absoluta das unidades que doaram para mais e menos unidades da comunidade não envolvida no mercado de PFNMs (Pupuaí) III. 4. Discussão

Este estudo apresentou resultados distintos sobre os efeitos da inserção ao mercado e

medidas de vulnerabilidade na frequência e o padrão de interação cooperativa entre unidades

domésticas das comunidades com e sem mercado de PFNMs.

Em termos de frequência, as comunidades apresentaram diferença com relação aos

recursos obtidos por compartilhamento, sendo que a aquela sem mercado de PFNMs (Pupuaí)

apresentou em média 50% mais compartilhamento de recursos do que o Roque. Isso contradiz

parte da literatura que associa a inserção ao mercado com um aumento na propensão à

generosidade (REYES-GARCIA et al., 2006; GODOY, et al, 2007). Mas tais estudos em geral

têm sido realizados comparando diversas comunidades com diferentes níveis de inserção ao

mercado, enquanto nosso modelo compara apenas duas comunidades, quantidade insuficiente

para generalizações na escala da comunidade. Por isso foi realizada também uma análise

transversal para avaliar este efeito no nível das unidades domésticas. No caso, a renda foi

utilizada como medida de inserção ao mercado, de maneira geral.

Na avaliação transversal a variável de inserção ao mercado não apresentou efeitos sobre o

recebimento de recursos, em nenhuma das comunidades avaliadas. Com relação às características

de vulnerabilidade, no entanto, os resultados encontrados são contraditórios ao esperado. Isso

porque a hipótese era de que as unidades mais vulneráveis perderiam a rede de segurança. Mas,

na comunidade menos exposta ao mercado as unidades mais vulneráveis, tanto em termos

relativos quanto absolutos, obtiveram menos recursos por compartilhamento. Isso significa que

também na ausência do mercado de PFNMs as redes de cooperação produtiva provavelmente não

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funcionariam como sistemas de segurança, conforme apresentado em parte da literatura (por ex.,

CASHDAN, 1985; KAPLAN et al., 1985; BIRD et al., 2002; BYRON, 2003; GURVEN, 2004b).

Há resultados semelhantes que apontaram a ineficiência das formas de reciprocidade como redes

de segurança na medida em que esse comportamento diminui em períodos de escassez de

recursos (por ex., DERCON & WEERDT, 2002; GODOY et al, 2007b). Já na comunidade

exposta ao mercado de PFNMs as unidades que são localmente percebidas como mais

vulneráveis receberam mais recursos por compartilhamento espontâneo do que as com melhor

bem-estar. Isso indica de que mesmo se a maior exposição ao mercado afeta a frequência de

recursos compartilhados, as unidades mais vulneráveis aparentemente não são as principais

afetadas. Essa avaliação, no entanto, somente é possível considerando a frequência de recursos

obtidos pelas unidades mais vulneráveis das duas comunidades.

A comparação da frequência de recebimento de recursos pelas unidades mais vulneráveis

apresentou que, tanto para a medida de vulnerabilidade absoluta quanto para aquela de pobreza

relativa, as unidades mais vulneráveis da comunidade com mercado de PFNMS recebem menos

recursos do que as mais vulneráveis da comunidade sem este mercado. Isso ocorre devido à

maior frequência de eventos observados na comunidade menos exposta ao mercado onde,

portanto, ainda que as unidades vulneráveis recebam menos do que as com melhor bem-estar,

suas vulneráveis recebem mais recursos por compartilhamento do que as vulneráveis da

comunidade com mercado de PFNMs. Ou seja, apesar das evidências de que a comunidade mais

exposta ao mercado mantém interações cooperativas como redes de segurança para os localmente

percebidos como vulneráveis, ainda assim a redução da frequência deste comportamento no nível

da comunidade afeta a segurança dos mais vulneráveis.

A porcentagem de tempo produtivo sendo empregado coletivamente não apresentou

diferença considerável entre as comunidades. Em ambas as comunidades as unidades mais

vulneráveis foram aquelas que apresentaram menos tempo produtivo coletivo. Isso apresenta

evidências de que as unidades mais vulneráveis estão sendo excluídas dessa cooperação

produtiva e, portanto, também de seus benefícios. Mas tal fenômeno ocorre nas duas

comunidades avaliadas e não parece estar associado à inserção ao mercado, seja o de PFNMs ou

a renda monetária per capita.

A análise das duas redes de cooperação apresentou evidências de que não apenas a

frequência de eventos de cooperação difere entre as comunidades, mas também a estrutura das

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interações entre unidades domésticas. Ou seja, existe um padrão de interações cooperativas

distinto entre as comunidades estudadas, sendo que aquela mais exposta ao mercado é menos

interconectada em ambos os tipos de rede de cooperação avaliados. Evidências nesse sentido

foram a diferença na densidade das redes e na conectividade média das unidades das duas

comunidades, já que em ambas as redes as unidades da comunidade de Pupuaí (sem mercado de

PFNMs) acionaram mais unidades diferentes para os eventos cooperativos avaliados. Isso

siginifica que as unidades da comunidade com comerclialização com empresa investem menos

nesse tipo de estoque de capital social. Uma possível implicação disso é que, com o tempo, a

comunidade com mercado de PFNMs tende a reduzir ainda mais suas interações cooperativas.

Isso porque, conforme evidências da literatura, a maior densidade favorece a criação de novas

conexões a partir da reciprocidade indireta (NOWAK & SIGMUND, 2005; NOWAK, 2006). Isto

é, redes com mais interações de eventos cooperativos entre os agentes incentivam mais pessoas a

se tornarem cooperantes, seja para retribuir uma experiência benéfica ou para estabelecer relações

com alguém com reputação de bom cooperante (NOWAK & SIGMUND, 2005).

A menor densidade da comunidade inserida no mercado de PFNMs levou à existência de

unidades totalmente desconectadas na sua rede de compartilhamento de recursos. Ao contrário do

esperado, contudo, o nível de integração ao mercado das diferentes unidades domésticas mostrou

não estar associado ao isolamento das unidades. É o caso tanto da avaliação em termos da

porcentagem de tempo dedicado à atividade, quanto da renda monetária recebida pela unidade

doméstica com a atividade. Há, porém, outros fatores advindos do desenvolvimento deste

mercado e que não foram controlados, entre eles destaca-se a constante chegada de novas

famílias atraídas pela comercialização com empresa (ALMEIDA, 2003). Isso porque a literatura

sobre cooperação humana apresenta evidências de que o tempo de convivência incentiva o

comportamento cooperativo na medida em que há interações repetidas e visibilidade das decisões

alheias (AXELROD & HAMILTON, 1981; AXELROD, 1984), além de melhores sistemas de

punição para comportamentos indesejáveis (HENRICH et al., 2010). De fato, em etapa anterior

deste estudo o tempo de residência apresentou efeito significativo para o recebimento de recursos

por compartilhamento na comunidade inserida no mercado de PFNMs.

Com relação às unidades desconectadas na rede de compartilhamento de recursos da

comunidade inserida no mercado de PFNMs, todas apresentam índices de vulnerabilidade abaixo

da média da amostra. Com isso é possível concluir que, apesar de serem vulneráveis em termos

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socioeconômicos, estas unidades não estão sendo beneficiadas pela rede de compartilhamento de

recursos dessa comunidade. Isso confere com manifestações dos moradores da comunidade

como, por exemplo

“Aqui se a gente quer tomar um açaí é comprado...1 litro de açaí sai por 2 litros de farinha...ou R$ 1,00 em dinheiro... Eu não compro não, se meu marido fosse bom mesmo eu não faria isso porque antes quando ele podia tirar açaí todo dia a gente dava, mas agora todo mundo quer vender... Não tem ninguém que ajuda a gente, nem os parentes...” 39

A avaliação das características das unidades e seu posicionamento nas redes apresentaram

evidências de que a centralidade (i.e. conectividade na rede de relações cooperativas produtivas)

e o prestígio (i.e. recebimento de recursos de mais unidades distintas) não apresentaram

associação com as formas de inserção ao mercado de PFNMs. Ou seja, entre unidades as

domésticas do Roque, as formas de inserção a este mercado não afetam a atuação das unidades

nas redes de cooperação avaliadas. Já no caso da comunidade não inserida neste mercado

(Pupuaí), o maior prestígio e as unidades mais centralizadas estiveram associados com a maior

renda média mensal, indicando que o comportamento cooperativo está relacionado com a maior

renda monetária. Este resultado confere com estudos que indicam que o aumento da renda

monetária pode funcionar como incentivo à generosidade (por ex., TRACER, 2004; GURVEN,

2004; ENSMINGER, 2004; REYES-GARCÍA et al., 2006; GODOY et al., 2007). Mas, em geral

estes estudos avaliam o comportamento pro-ativo cooperativo, ou seja, a tendência em cooperar,

e no caso da rede de compartilhamento de recursos foi avaliado o recebimento de recursos e não

sua doação. Este comportamento de doações para os mais ricos pode ser uma evidência de que,

na comunidade sem atividades do mercado de PFNMs, os indivíduos cooperam em momentos

que têm maior oferta de recursos com expectativa de retornos futuros em momentos de escassez

(WINTERHALDER, 1996; BLIEGE-BIRD & BIRD, 1997; MARLOWE, 2004).

A avaliação sobre o efeito das medidas de vulnerabilidade sobre a centralidade (i.e.

conectividade na rede de relações cooperativas produtivas) apresentou resultados semelhantes nas

redes de capital social das duas comunidades. Isto é, nas duas comunidades as unidades com

piores níveis de pobreza absoluta (i.e. menos produtivas em relação à sua demanda interna) são

em geral aquelas menos centralizadas, ou seja, aquelas que estabelecem interações cooperativas

39 Moradora de 66 anos, o marido (67) tem lepra e é muito debilitado. Embora tenham aposentadoria rural, moram com duas filhas mães solteiras e 5 netos. São, portanto, uma das famílias vulneráveis do Roque (entrevista em 12/11/2005).

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com menos unidades diferentes. Isso significa que as unidades domésticas mais vulneráveis

investem menos neste tipo comportamento cooperativo e provavelmente terão menor capital

social para recorrer e ajudar a amenizar os riscos em situações adversas. No caso da comunidade

inserida no mercado, onde o nível de interações já é baixo, isso deve representar um fator de risco

em momentos de escassez de recursos, especialmente para essas unidades mais vulneráveis.

Prova disso foi o fato das unidades desconectadas estarem todas abaixo da média de

vulnerabilidade da comunidade. Além disso, apesar de as unidades mais vulneráveis desta

comunidade envolvida no mercado receberem mais recursos em relação aos mais ricos da mesma

comunidade, ainda assim estas obtiveram menos recursos por cooperação em relação às mais

vulneráveis da comunidade menos exposta ao mercado. Isto é, ainda que a comunidade exposta

ao mercado de PFNMs mantenha uma rede de cooperação voltada especialmente para o benefício

das unidades mais vulneráveis, a redução do comportamento cooperativo na escala da

comunidade tende a afetar a segurança de suas unidades mais vulneráveis.

III.5. Conclusões

Este estudo teve por objetivo testar a hipótese de que o aumento na exposição ao mercado

de PFNMs altera a estrutura das redes de compartilhamento, deixando unidades desconectadas e

quebrando, portanto, as redes de segurança para aquelas mais vulneráveis. Para isso, a primeira

avaliação apresentou que no nível entre unidades domésticas a inserção ao mercado não afeta o

comportamento cooperativo, mas a vulnerabilidade afeta o recebimento de recursos por

compartilhamento para as duas comunidades, embora em sentidos opostos. Isto é, na comunidade

com mercado de PFNMs os mais vulneráveis recebem mais recursos, enquanto que na menos

inserida ao mercado a maior parte das remessas de recursos é destinada àquelas unidades com

maior renda média mensal. Isso refuta em parte a hipótese, mas a avaliação da frequência de

recebimento de recursos por transferência entre unidades domésticas mostrou que as unidades

vulneráveis da comunidade com mercado de PFNMs recebem menos recursos do que as unidades

vulneráveis da comunidade menos exposta ao mercado. A segunda avaliação foi baseada na

comparação entre a estrutura das interações em redes de cooperação e seus resultados indicaram

que a comunidade inserida no mercado de PFNMs apresenta redes de cooperação menos densas

do que aquela comunidade não inserida neste mercado. O efeito deste mercado não é perceptível,

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no entanto, na avaliação entre as unidades domésticas das comunidades avaliadas. No que se

refere ao acúmulo de capital social como redes de segurança, os resultados encontrados apontam

evidências de que nas duas comunidades os mais vulneráveis interagem como menos unidades

distintas. No caso daquela inserida no mercado de PFNMs, no entanto, a menor densidade remete

à criação de subredes, bem como a existência de unidades totalmente desprivilegiadas dessas

redes cooperativas. Essa diferença na estrutura das interações pode, ao longo do tempo, trazer

consequências à coesão social do Roque, fator esse que tende a ser potencializado pela constante

chegada de novos membros na comunidade. Quanto aos efeitos do abandono do comportamento

cooperativo no bem-estar dos mais vulneráveis, este estudo concluiu que as unidades mais

vulneráveis da comunidade inserida no mercado de PFNMs recebem menos recursos do que as

mais vulneráveis da comunidade sem este mercado. Resta, porém, comparar a satisfação das

necessidades internas dessas unidades em ambas as comunidades para, assim, afirmar com maior

segurança se o abandono do comportamento cooperativo afeta o bem-estar das unidades mais

vulneráveis.

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Considerações finais

Esta seção da dissertação sintetiza os principais resultados e conclusões do estudo. Em

seguida apresenta limitações devidas ao delineamento ou coleta de dados, com vistas a identificar

potenciais vieses nas conclusões, além de sugerir melhor planejamento de estudos futuros na

temática. Para encerrar, são apresentadas algumas implicações em termos de políticas públicas e

da sociedade civil, além de direções futuras de pesquisa levantadas por este estudo.

Síntese dos resultados e conclusões

Os resultados deste estudo mostram que comunidades que passam a se envolver em

atividades de mercado, especialmente o mercado de produtos florestais não madeireiros

(PFNMs), apresentam diferentes estratégias de consumo em relação às comunidades menos

expostas a este mercado. Especialmente, a comparação entre as comunidades com e sem o

mercado de PFNMs apresentou evidências de que ambas diferem em termos de frequência, mas

também de estrutura das redes de interação cooperativa entre unidades domésticas.

Em termos gerais, resultados deste estudo levam a quatro principais conclusões.

Em primeiro lugar, a comparação entre as comunidades mostra evidências de que naquela

inserida no mercado de PFNMs são mais raros os eventos de compartilhamento de recursos e,

portanto, a maior parte do consumo provém de transações monetárias (mercado). A avaliação

transversal sobre os efeitos da inserção ao mercado, no entanto, não apresentou evidências de que

o recebimento de recursos por compartilhamento está associado às formas de inserção das

unidades domésticas a este mercado. Ou seja, o efeito do mercado de PFNMs sobre o

compartilhamento de recursos entre unidades domésticas parece ser um fenômeno perceptível na

comparação entre comunidades, mas não há padrões evidentes quando comparadas unidades

domésticas de uma mesma comunidade com diferentes níveis de inserção neste mercado. De todo

modo, como os resultados mostraram que os bens de mercado são mais dificilmente doados, é

possível que esta mudança nas estratégias de consumo da comunidade envolvida no mercado de

PFNMs resulte em consequências ao bem-estar de unidades domésticas mais vulneráveis.

Neste sentido, o segundo resultado encontrado foi que a vulnerabilidade apresentou

efeitos opostos sobre as redes de cooperação social das duas comunidades. Em Pupuaí,

comunidade menos exposta e sem mercado de PFNMs, as unidades mais vulneráveis receberam

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menos recursos, enquanto na comunidade mais inserida ao mercado (Roque) as unidades

domésticas vulneráveis receberam mais recursos. Esse resultado contradiz aquela parte da

literatura que sugere que a cooperação funciona como redes de segurança para unidades mais

propensas à situação de risco (CASHDAN, 1985; DASGUPTA, 2000; BYRON, 2003). Há,

porém, uma diferença na frequência destes eventos entre as comunidades que relativiza tal

conclusão. Isto é, por mais que as unidades vulneráveis da comunidade com mercado recebam

mais recursos, a frequência dos eventos cooperativos na escala da comunidade é tão reduzida em

comparação à outra comunidade que ainda assim suas unidades vulneráveis recebem menos

recursos. Ou seja, por mais que as unidades vulneráveis aparentemente não são as primeiras a

serem afetadas pela redução no compartilhamento de recursos, ao longo do tempo estas deverão

ser afetadas pela alteração do padrão de comportamento cooperativo no nível da comunidade.

A terceira principal conclusão deste estudo parte das evidências sobre o padrão de

interação cooperativa, nas quais a comunidade com mercado de PFNMs apresenta menos

interações entre unidades domésticas e, no extremo, tem unidades totalmente desconectadas das

redes de cooperação avaliadas. Para ambas as comunidades, as unidades mais vulneráveis

cooperam com menor número de unidades distintas e, portanto, são aquelas com menor capital

social para recorrer em situações de risco ou escassez de recursos. Mas isso é verdade

especialmente no caso da comunidade com mercado de PFNMs, já que as unidades mais

vulneráveis desta comunidade apresentaram interações cooperativas com menos unidades

distintas do que o grupo das vulneráveis da comunidade menos exposta ao mercado. Uma

evidência da maior exposição das vulneráveis da comunidade com mercado de PFNMs a este

risco é o fato de todas as unidades totalmente desconectadas da rede de compartilhamento de

recursos apresentarem índices de vulnerabilidade absoluta abaixo da média. Isto é, estas são

unidades pouco produtivas em relação à sua demanda interna e, ao mesmo tempo, apresentaram

menor capital social para recorrer em situações de risco ou escassez de recursos. Na comunidade

sem mercado de PFNMs, por sua vez, as unidades mais vulneráveis apresentaram também menor

capital social em relação aos mais ricos, mas ainda assim seu investimento em interações

cooperativas é significativamente maior do que as unidades vulneráveis da comunidade com

mercado de PFNMs.

Por fim, a análise transversal entre diferentes graus de inserção ao mercado não

apresentou associação com variações no estabelecimento de interação cooperativa com unidades

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distintas. No entanto, isso não garante que a menor interação entre unidades não seja um efeito

indireto do mercado de PFNMs. Isto é, na avaliação tranversal foram avaliados os efeitos diretos

de características individuais de inserção aoe mercado, mas há outras características que ocorrem

no nível da comunidade e que são efeitos do mercado de PFNMs. Por exemplo, o fenômeno de

famílias inteiras recém-chegadas na comunidade do Roque atraídas pela oportunidade de trabalho

na comercialização com empresa (ALMEIDA, 2003). A literatura sobre cooperação humana

apresenta evidências de que o tempo de convivência incentiva o comportamento cooperativo na

medida em que há interações repetidas e visibilidade das decisões alheias (HAMILTON, 1981;

AXELROD, 1984), bem como melhores sistemas de punição (HENRICH et al., 2010) e

reputação (NOWAK & SIGMUND, 2005; NOWAK, 2006). A chegada destas novas famílias não

chegou a alterar a visibilidade das interações, mas ainda assim pode estar funcionando como um

fator de desagregação da cooperação no nível da comunidade e que, portanto, não pode ser

medido em termos transversais. Uma evidência disso é o efeito significativo do tempo de

residência na comunidade na maior frequência de recebimento de recursos por compartilhamento

entre unidades domésticas, resultado encontrado para duas comunidades.

Os resultados deste estudo, portanto, apresentam evidências de que a comunidade inserida

no mercado de PFNMs tem reduzida frequência de cooperação produtiva entre unidades

domésticas e maior parte do consumo obtido pelo mercado. Isso reflete diretamente na estrutura

das interações cooperativas, na medida em que as unidades domésticas interagem menos entre si.

A associação dos dois resultados (capítulos II e III) traz evidências de que estratégias baseadas no

aumento da exposição ao mercado podem ter efeitos de enfraquecimento nas normas sociais de

cooperação produtiva entre unidades domésticas em grupos amazônicos. Este resultado contradiz

a maior parte da literatura que, ao avaliar comunidades com diferentes níveis de integração ao

mercado, concluíram que o maior acesso ao mercado aumenta a propensão à generosidade

(HEINRICH et al., 2004; REYES-GARCIA et al., 2006; GODOY, et al, 2007). Mas, esta

literatura está geralmente baseada em um delineamento comparativo entre diversas comunidades

e avalia principalmente o comportamento pró-ativo das unidades domésticas ou indivíduos. Por

isso foi realizada também a análise transversal entre unidades que, por sua vez, não apresentou

efeitos em nenhum dos comportamentos cooperativos avaliados. Uma das explicações para o

efeito do mercado ser evidente na comparação entre comunidades e não na avaliação transversal

é o fato de que a cooperação é uma propriedade emergente e, portanto, algo que nasce da

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interação entre as pessoas (AXELROD, 1984; NOWAK & SIGMUND, 2005; NOWAK, 2006).

O fenômeno da cooperação produtiva seria, portanto, produto de uma complexa rede de

interações entre unidades domésticas que compõem a comunidade, o que o torna mais difícil de

ser percebido em uma análise transversal.

Limitações do estudo

Os resultados deste estudo exigem algumas ressalvas, como as destacadas a seguir.

Em primeiro lugar, a comparação de apenas duas comunidades não permite controlar

alguns efeitos que ocorrem no nível da comunidade e são frequentemente citados pela literatura

como importantes para análise da cooperação humana; entre eles a diferença no tamanho das

comunidades. Isso porque, a comunidade com mercado de PFNMs apresenta um maior número

de habitantes, fenômeno em boa parte relacionado com a chegada de novas famílias atraídas pela

comercialização (ALMEIDA, 2003). Ao mesmo tempo, a literatura apresenta evidências de que a

cooperação se instaura mais comumente em grupos de menor tamanho (TRIVERS, 1971) ou

onde há interações repetidas e visibilidade das decisões alheias (HAMILTON, 1981; AXELROD,

1984; COX et al., 1999). Na avaliação por frequência o efeito do tamanho populacional é

reduzido por estar em grande parte associado com a introdução do mercado de PFNMs, isto é, o

efeito do mercado ocorreria não pelo aumento de renda, mas devido ao crescimento populacional.

Contudo, na avaliação das interações este foi a um fator limitante, já que a comunidade maior foi

observada a partir de uma amostra e para a construção das redes as interações com unidades de

fora dessa amostra tiveram que ser excluídas por não haver as informações equivalentes para as

unidades não observadas. Em termos práticos isso traz algum prejuízo para a avaliação da

conectividade das unidades domésticas dessa comunidade, porém considerando-se que a inclusão

das unidades não observadas aumentaria também o número de agentes das redes, essa inclusão

também afetaria a conectividade. Pode-se dizer, portanto, que a amostra utilizada nas redes é

representativa do que ocorre na comunidade.

Uma segunda limitação refere-se ao fato que a estimativa de consumo considerou apenas

as entradas e, portanto, os recursos recebidos, mas desconsiderou as remessas de recursos

enviados a outras unidades domésticas. Este fator exclui a avaliação do comportamento

cooperativo pró-ativo das unidades domésticas observadas e, portanto, limita a comparação dos

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resultados com a literatura na área que, de modo geral, está mais baseado na propensão à

cooperação e não em seus benefícios resultantes. Os resultados deste estudo sugerem, portanto,

que em estudos futuros é importante considerar não somente a frequência de entrada de recursos,

mas suas saídas.

Além disso, para avaliar de maneira mais rigorosa os efeitos sobre as redes de segurança

para as unidades mais vulneráveis recomenda-se que em estudos futuros sejam avaliadas também

a quantidade de recursos obtidos pelas diversas estratégias de consumo das unidades. Isso porque

a avaliação das quantidades consumidas em relação à satisfação da demanda inter das unidades

permitiriam entender se mudanças na frequência e no número de unidades cooperantes reduzem a

quantidade de recursos disponibilizados a estas unidades. A experiência deste estudo, por fim,

recomenda também o aumento na amostra de dias de observação de consumo, bem como a

observação de dias consecutivos, fatos que permitiriam uma maior confiabilidade para perceber

padrões de interação não distinguíveis pelo número de eventos observados.

Alguns dos fatores limitantes deste estudo decorreu do fato de a pesquisa de campo foi

realizada a priori à definição da pesquisa. Na verdade, foi a própria observação em campo que

trouxe à tona a pergunta que norteou seu desenvolvimento. Isso não seria problema se a distância,

a logística de acesso e as vias de comunicação da área de estudo fossem mais acessíveis. Como

não foi o caso, durante a realização do estudo por vezes recorreu-se à algumas adaptações e aqui

procuramos assumir algumas limitações dessa pesquisa.

Implicações em termos de políticas públicas e da sociedade civil

A estratégia de adotar a comercialização como forma de conciliar conservação e redução

de pobreza em populações autárquicas ou semi-autárquicas é, por vezes, criticada por ser uma

política neoliberal, orientada pela idéia de que empresas capitalistas são os agentes mais eficazes

para solucionar problemas socioambientais (TURNER, 1995 apud MORSELLO, 2002). Mas

essas críticas desconsideram que, muitas vezes, as comunidades envolvidas estão parcialmente

inseridas na economia de mercado e têm desejos de possuir bens industrializados (MORSELLO,

2002; GODOY et al., 2005b). Mais do que isso, geralmente essas populações vivem em

contextos de pobreza em que enfrentam duas desvantagens que se reforçam mutuamente: a

dificuldade de geração de renda e a maior vulnerabilidade (MORDUCH, 1999). Neste contexto,

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frequentemente essas populações optam pela inserção ao mercado quando há essa alternativa

(GODOY et al., 2005b).

Nas comunidades avaliadas, há indícios de que exista uma busca ativa pela alternativa de

renda proporcionada pela comercialização de PFNMs com empresa. Evidência neste sentido é o

crescimento populacional ocorrido no Roque após a instalação do projeto de extração de óleos

vegetais. Depoimentos dos moradores locais mostram que a percepção de que comercialização

com empresa traz benefícios é generalizada, mesmo dentre os menos favorecidos. O trecho a

seguir ilustra essa percepção local e foi tirado de uma música composta por um morador do

Roque na ocasião da visita do governador à Resex:40

Esse é o Roque famoso mais falado que já viu! Ele já está conhecido em quase todo Brasil È gente de todo canto, gente de todo lugar,

Na Reserva Extrativista do Médio Rio Juruá! (...)

Esse projeto famoso que chegou em nossas mãos Até já virou empresa de sabonete e sabão Ideal pra todo mundo e toda população

Pra todas comunidades e o povo do beradão! (...)

Depois da benfeitoria, melhorar a situação Compra até motor rabeta, quem fizer mais produção Compra alumínio, pra casa outros compraram fogão

Outros utensílios de pesca e panela de pressão. (Compositor: Francisco Moura de Paiva)41

Este estudo, no entanto, apresentou que em termos de renda monetária os benefícios

gerados pela comercialização com empresa estão altamente concentrados. Estudos que avaliam

os efeitos da exposição ao mercado sobre o capital social ou a cooperação indicam que a

concentração de renda é um fator associado à quebra dos laços sociais (GODOY, 2007b). Seja

incentivado pela exposição ao mercado de PFNMs ou pela maior desigualdade de renda deste, o

fato é que na comunidade inserida neste mercado os eventos e interações de cooperação

produtiva econômica entre comunidades foram mais raros. Diante das evidências de que o grupo

de unidades menos produtivas da comunidade mais exposta ao mercado recebe menos recursos e

interage cooperativamente com menos unidades distintas dos que os mais vulneráveis de Pupuaí,

é possível que o subgrupo de vulneráveis da comunidade inserida no mercado tenha seu bem-

estar prejudicado pela redução do comportamento cooperativo no nível da comunidade. A

40 Na ocasião, o Governador do Amazonas visitou algumas comunidades da Resex, atraído principalmente pelo projeto de comercialização de PFNMs com empresa. 41 Música completa no anexo II dessa dissertação.

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percepção local, ao menos, relata que isso vem ocorrendo “esses dias eu tive que comprar 2 Piau

[peixe] e me cobraram R$5,00... nossas crianças estavam tudo chorando com fome, mas não dão

peixe não...não são bom esse pessoal não...” 42

O projeto da comercialização em estudo não foi avaliado com profundidade, mas seus

resultados observados indicam uma falha no sentido de não haver um trabalho educativo no

sentido de alertar sobre o risco de abandonar as atividades de subsistência para se voltar ao

mercado de forma insegura. Insegura pois as comunidades passam a depender de decisões

externas à sua realidade e sequer têm garantia de continuidade da comercialização, já que o

contrato de compra é apenas verbal e informal.43 Além disso, a sazonalidade da disponibilidade

dos frutos comercializados é outro fator de insegurança para as unidades domésticas, conforme

declarações de moradores locais

Por ele [coordenador do projeto] a gente não fazia roça não, mas eu digo pra ele: as frutas dão no verão e no inverno como a gente faz? Andiroba mesmo, agora no inverno só dá uma ou outra.. agora a gente vai só trocando serviço e favor para ir sobrevivendo até chegar o próximo verão.44

Embora haja essa percepção local de que eles não estariam abandonando a prática do

roçado, os dados deste estudo indicam que essa comunidade apresenta uma média de roçado de

menos da metade da área cultivada na comunidade sem mercado de PFNMs. Se em termos de

conservação tal resultado pode ser um indício sucesso, em termos socioeconômicos os menores

roçados indicam que, num longo prazo, essa população deve se tornar mais suscetível às

alterações e riscos da economia de mercado. Ao menos este é um reflexo comum e de certa forma

previsível da exposição de populações semi-autárquicas à economia de mercado

(COLCHESTER, 1989).

Por parte das empresas envolvidas, não foram pesquisados seus ganhos e riscos, mas não

é difícil inferir que estas salvaguardam maiores garantias e benefícios econômicos, ao menos na

parceria avaliada. Isso porque o investimento em termos de infra-estrutura para a concretização

da parceira comercial foi realizado pela terceira parte (i.e. UFAM), inexiste um contrato formal

com garantias mínimas de compra da produção, bem como inexiste uma concorrência que regule

os preços praticados. Com isso, as empresas acessam fontes baratas de recursos escassos, além de

42 Moradora de 66 anos, o marido (67) tem lepra e é debilitado ao trabalho. Embora tenham aposentadoria, moram com duas filhas mães solteiras e 5 netos. É uma das famílias vulneráveis do Roque (entrevista em 12/11/2005). 43 Informação dada por um dirigente local da cooperativa em 24/02/2004. 44 Moradora de 52 anos, o marido (54) possui emprego fixo anual na cooperativa pela manutenção do maquinário da usina. Ela ou sua filha também recebem benefícios esporadicamente pela manutenção do alojamento para pesquisadores (entrevista em 22/10/2005).

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criar a oportunidade de inserir-se no crescente nicho do mercado verde (ROS TONEN et al.,

2006). Ou seja, avaliando a maneira como a parceria em estudo está estabelecida é inevitável o

questionamento se a comercialização de PFNMs não estaria beneficiando mais o

‘desenvolvimento’ das empresas envolvidas do que da comunidade do Roque e demais

comunidades da resex.

Isso traz à tona o histórico de modelos econômicos externos à realidade local e a luta dos

‘povos da floresta’ pela busca por novos modelos que levem em consideração suas necessidades

específicas (ALLEGRETTI, 2002; CAVALCANTI, 2002). Isto é, o mercado de PFNMs sem

dúvida está mais próximo da realidade local já que os PFNMs são parte significativa da base

produtiva dessas comunidades (SHACKLETON et al., 2007) e seus benefícios são, de modo

geral, melhor distribuídos em relação a outras alternativas (PETERS et al., 1989). Mas o fato do

dinheiro se tornar a medida de tudo é preocupante no contexto de carências em que estão

inseridas essas comunidades, mais ainda considerando uma projeção da situação das unidades

mais vulneráveis.

Outros estudos já apontaram que a organização social pode ser ameaçada por

oportunidades desiguais de engajamento em atividades do mercado de PFNMs (MORSELLO,

2002). No que diz respeito às redes de cooperação produtiva especificamente, ainda que de

maneira indireta, o mercado de PFNMs pode causar redução do cooperativo em comunidades

amazônicas. Resta, porém, avaliar o tamanho do efeito deste mercado no bem-estar das

comunidades, em especial considerando o custo de oportunidade e as perdas relativas ao

abandono do comportamento cooperativo produtivo. Não foi possível essa avaliação nos moldes

desse estudo, mas é assunto de suma importância para compreender os efeitos socioeconômicos

deste mercado e ponderar sua eficácia em promover o desenvolvimento (ou alívio dos efeitos da

pobreza) das populações envolvidas. Para isso seria necessário uma avaliação sobre os benefícios

monetários advindos dessa iniciativa em relação ao suprimento das necessidades do grupo e

comparar seus resultados com a satisfação das comunidades não envolvidas neste mercado.

Somente assim será possível avaliar se vale a pena para as comunidades extrativistas se

engajarem neste modelo de mercado de PFNMs em termos de melhoria do seu bem-estar.

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Anexo I: Lista de códigos e atividades da alocação de tempo

- 1 MISSING DATA (não foi possível coletar o dado)

10 ATIVIDADES DE “MERCADO” (tem certeza que é para ganhar dinheiro)

101 Produção de óleo (atividades ligadas à parceria comercial)

1011 Coleta de produtos florestais não madeireiros

10111 Coleta de andiroba

10112 Coleta de mumumuru

10113 Coleta de cacau

10114 Coleta de virola

10115 Coleta de castanha-do-pará

1012 Trabalho temporário na fábrica de óleo (não todo o ano)

1013 Trabalho assalariado na fábrica de óleo (se é contratado por todos os meses)

10131 Viajou para outras comunidades para pegar côco (se for assalariado)

1014 Outras atividades ligadas à coleta (carregar, ensacar, quebrar etc)

102 Trabalho assalariado (regular, significa carteira assinada ou no mínimo recebimento todo mês)

1022 Assistente de saúde

1023 Professor

1024 Outro tipo de funcionário do governo 1025 Outros (se for regular, salário todos os meses, qualquer outro cabe aqui)

103 Trabalho esporádico (contratos por dia ou por períodos de poucos meses)

104 Comércio (vendendo mercadorias ou outras atividades ligadas ao comércio)

105 Outros : (detalhar, mas apenas em casos que com certeza não caiba nos anteriores)

11 ATIVIDADES DE SUBSISTêNCIA

110 Caça

111 Pesca

112 Coleta de produtos florestais não madeireiros para uso próprio (frutos, plantas medicinais, outros)

113 Coleta de lenha e madeira para construção

114 Acompanhando atividades de subsistência (por ex. crianças)

115 Agricultura de Subsistência

1131 Abertura (“broca”)

1132 Queima

1133 Plantio

1134 Capina

1135 Colheita 116 Cuidados com animais de criação

12 TRABALHOS DOMÉSTICOS

121 Limpeza/arrumação (dentro de casa)

122 Preparo de alimentos

1221 Preparando fogo

1222 Cozinhando

12221 Alimento de origem local

12222 Alimento de origem externa (ex. industrializado)

12223 Alimentos mistos (local e externa)

12224 Não identificados

1223 Fazendo farinha (qualquer fase, carregar também; anotar se compartilhada com que hshd) 123 Cuidando de crianças

1231 Cuidados gerais

1232 Amamentação

124 Outros trabalhos domésticos (coisas ligadas à manutenção da casa e família e que não seja subsistência)

125 Atividades comunitárias de manutenção ou limpeza de espaços de uso comum ou preparação para eventos

126 Acompanhando atividades domésticas (para crianças)

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13 NÃO TRABALHO

131 Higiene pessoal

132 Ritual

1321 Pintando o corpo ou preparando tinta

1322 Festival, cantando, ouvindo

1323 Medicina tradicional (“pajelança”)

1324 Trekking (refere-se às caminhadas com pernoite de longa duração e em grupo)

1325 “Reuniões”, discussões em grupo

1326 Outros

133 Comendo/bebendo

1331 Alimento de origem local

1332 Alimento de origem externa (ex. Industrializado, comprado)

1333 Alimento misto (origem local mais origem externa - misturado)

1334 Não identificado

1335 Mamando

134 Descansando

1341 Dormindo

1342 Parado, inativo (sentado/ deitado sozinho, criança não fazendo nada, chorando)

1343 Doente

135 Lazer

1351 Atividades tradicionais locais de lazer (explicitar)

1352 Jogando bola

1353 Outros jogos (dominó, etc) e outras brincadeiras sem bola e não tradicionais (homem >18 anos = sinuca)

1354 Visitando (anote em compartilha que hshd)

1355 Passeando

1356 Conversando (anote em compartilha que hshd)

1357 Ouvindo música

1358 Outros não relacionados acima

136 Outros

1361 Na escola, lendo, estudando

1362 No centro local de saúde para atendimento

1363 Assistindo TV, ouvindo música, na sala de rádio

14 MANUFATURA

141 Ferramentas (construção ou reforma de arcos, flechas, canoas, facas, redes de pesca, motor de barco, etc)

142 Cestaria para uso próprio

143 Enfeites ou acessórios para rituais

156 Construção ou reforma de casa

16 FORA DA COMUNIDADE/ ALDEIA

161 Na Cidade

1611 Razão: Estudando na cidade

1612 Razão: Trabalhando na cidade

1613 Razão: Retirar aposentadoria/ pensão

1614 Razão: Lazer

1615 Razão: Comprando e vendendo

1616 Razão: Tratamento médico, doença

1617 Razão: Outros: identificar

162 Em outras comunidades próximas (dentro ou próximas à aldeia)

1621 Razão: Visitando

1622 Razão: Comercializando

1623 Razão: Outros (anotar)

Page 132: Efeitos da exposição ao mercado de produtos florestais não ... · Por fim, devo sinceros agradecimentos á todos os carauarienses, extrativistas ou não, por me receberam tão

Anexo II: Música composta por morador local na ocasião da visita do governador do Estado.

É O ROQUE FAMOSO Música e letra: Francisco Moura de Paiva

Esse é o Roque famoso mais falado que já viu!

Ele já está conhecido em quase todo Brasil È gente de todo canto, gente de todo lugar,

Na Reserva Extrativista do Médio Rio Juruá!

É pra valer, é pra valer! Esse forró animado que eu canto pra você!

Esse projeto famoso que chegou em nossas mãos

Até já virou emprese de sabonete e sabão Ideal pra todo mundo e toda população

Pra todas comunidades e o povo do beradão!

É pra valer, é pra valer! Esse forró animado que eu canto pra você!

Depois da benfeitoria, melhorar a situação

Compra até motor rabeta, quem fizer mais produção Compra alumínio, pra casa outros compraram fogão

Outros utensílios de pesca e panela de pressão.

É pra valer, é pra valer! Esse forró animado que eu canto pra você!

O trabalho da usina chega mais complicação

Tem máquina calculadora, máquina de computação Tem máquinas aquecedoras, máquina de trituração

Tem máquinas filtradoras, chega até refinação!

É pra valer, é pra valer! Esse forró animado que eu canto pra você!

Do Rio Grande, Curitiba, da Bahia do Pará

Lá da França e da Argentina chegam pra nos visitar Tem fotógrafos, filmadora, na TV vamos passar! São Paulo, Rio de Janeiro acho que até no Ceará.

É pra valer, é pra valer!

Esse forró animado que eu canto pra você!

Esse Roque abençoado nesse momento chegou Junto com o Prefeito Bruno, o nosso governador Esse foi o realizado que o Roque nunca sonhou

O Governador Eduardo Braga visitando o interior