educomunicação e teledramaturgia

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    EDUCOMUNICAO E TELEDRAMATURGIA BRASILEIRA: A FUNO

    SOCIAL DAS TELENOVELAS PELA TEORIA DAS MEDIAES

    Anderson Lopes da Silva 1

    Thais P. P. Jernimo Duarte 2

    RESUMO

    Este artigo pretende abordar a inter-relao entre trs grandes reas que envolvem osprocessos educacionais na atualidade: a comunicao, o entretenimento e uma das maisimportantes teorias desenvolvida e aplicada no contexto latinoamericano: a Teoria dasMediaes. Desse modo, objetiva-se aqui apresentar as funes sociais advindas datelenovela em especial, a brasileira que resultam numa melhoria da interfaceeducomunicativa. Como olhar metodolgico, far-se- uso da teoria das mediaes,melhor conceituada pelo filsofo, antroplogo e estudioso da comunicao Jess-MartnBarbero, em suas pesquisas pela Escola Latinoamericana de Comunicao. Osresultados parciais que j podem ser visualizados correspondem ao trabalho, porexemplo, do merchandising social, da teoria do agenda setting e dos conceitos de

    projeo e identificao em sala de aula, construindo e desenvolvendo, assim, o que seentende por ecossistema comunicativo.

    Palavras-chave: Ecossistema comunicativo, telenovelas, merchandisingsocial, agenda

    setting.

    RESUMEN

    Eso artculo intenta hablar acerca de la correlacin entre tres largar reas que implicanlos procesos educacionales en actualidad: la comunicacin, el entretenimiento y una delas ms importantes teoras desarrolladas y aplicadas en el contexto latinoamericano.As, el objetivo aqu es presentar las funciones sociales originadas de la telenovela enespecial, la brasilea que resultan en una gran mejora de la interface educomunicativa.Como una mirada metodolgica, se utilizara la Teora de las Mediaciones, mejorconceptuada por el filsofo, antroplogo y estudioso de la comunicacin Jess-MartnBarbero en sus pesquisas por la Escuela Latinoamericana de Comunicacin. Los

    1 Graduado em Jornalismo (FACNOPAR). Especialista em Comunicao, Cultura e Arte (PUCPR).Mestrando em Comunicao (PPGCOM) da UFPR. E-mail:[email protected] .2

    Graduada em Relaes Pblicas (UEL). Especialista em Planejamento e Gerenciamento Estratgico(PUCPR) Mestre e Doutoranda em Estudos da Linguagem (UEL). Professora titular da Faculdade do

    Norte Novo de Apucarana (FACNOPAR). E-mail:[email protected] .

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    resultados parciales que ya pueden ser visualizados corresponden al trabajo, porejemplo, del merchandisingsocial, de la teora de la agenda settingy de los conceptosde proyeccin e identificacin usados en las clases ms diversas, construyendo y

    desarrollando, asimismo, lo que se entiende por ecosistema comunicativo.

    Palabras clave: Ecosistema comunicativo, telenovelas, merchandisingsocial, agenda

    setting.

    INTRODUO

    Falar em educao e sua relao com os meios de comunicao social no algo

    que se possa classificar como recente. interessante observar, entretanto, que apenas a

    partir dos Estudos Culturais e, na nossa realidade latinoamericana, com a Teoria das

    Mediaes que o olhar metodolgico transferiu-se de um lugar onde termos como

    manipulao, massa amorfa e espectador acrtico eram presentes, para outro lugar onde

    as possibilidades de apropriao, de resistncia, de ressignificao e ressemantizao -

    por parte do espectador - ganhavam importncia nas discusses entre mdia, cultura,

    sociedade e educao.

    Especificamente neste artigo, o que se tem em mente trazer a discusso acerca

    da telenovela e sua presena na sala de aula amada e odiada na mesma intensidade por

    acadmicos e estudiosos do assunto. Mais do que isso: objetiva-se tentar apresentar

    quais as formas de se apropriar, ressignificar e ressemantizar o que veiculado pela

    teledramaturgia brasileira e, com isso, torn-la pea chave tambm do processo

    educacional e no apenas cultural.

    A grande contribuio desta relao educomunicacional para o campo

    educacional justifica-se pela ideia da criao e desenvolvimento de ecossistemas

    comunicativos mais explicados no decorrer do trabalho que possibilitam um novo

    uso dos meios comunicativos e at mesmo uma nova forma de se conceber a ideia de

    comunicao dentro do espao escolar. Assim, usando-se da telenovela, da

    educomunicao e da viso de Jess Martn-Barbero (o grande nome da Teoria das

    Mediaes), a hiptese levantada neste artigo a de que existe a possibilidade de que

    algo entendido apenas como mera obra da indstria cultural pode, sim, ter suareapropriao educativa e social nos processos educomunicativos de uma escola.

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    Como contraponto a esta ideia cristalizada, basta lembrar o que fala Barbero

    (1997, p. 293) acerca da importncia da cultura audiovisual na vida latinoamericana:

    Se a televiso na Amrica Latina ainda tem a famlia como unidade bsica de

    audincia porque ela representa para a maioria das pessoas a situao primordial de

    reconhecimento.

    EDUCOMUNICAO: OLHARES TERICOS

    O termo Educomunicao foi criado e citado pela primeira vez por um latino-

    americano, o argentino, filsofo da educao, Mario Kapln, na dcada de 1970

    (BERNARDI, 2006, p. 3). Amigo e parceiro de Paulo Freire, outro grande personagem

    da educao brasileira, Kapln se interessou pelo tema da Educomunicao como meio

    de inter-relacionar as duas reas vistas at ento como campos de pouca interao ou

    quase nenhuma atividade conjunta. Todavia, nos alerta Bernardi (2006, p. 3) que antes

    de Kapln, ainda na dcada de 1970, o estudioso espanhol Franscisco Gutierrez j

    abordava o tema, sob os pensamentos de Paulo Freire, afirmando que era preciso

    preparar o aluno para a vida social com sua afetividade, percepes, sentidos, crtica,criatividade".

    Dessa maneira, o conceito de Educomunicao pode ser entendido como uma rea

    intrinsecamente ligada Comunicao Social e Pedagogia. A Educomunicao aborda

    desde temas como o uso das mdias em sala de aula e no processo de ensino-

    aprendizagem at as novas formas de assimilao cognitiva do conhecimento por meio

    das TICs (Tecnologias da Informao e Comunicao).

    Porm, se engana quem imagina ser fcil definir ou delimitar forosamente a reade atuao desse campo de estudo. Kenski (2008, p 3) diz que: Quanto mais

    ampliamos o sentido dos dois termos educao e comunicao mais compreendemos

    a estreita relao entre os mesmos. Assim, um dos focos que norteiam todo o campo

    educao/comunicao a criao de ecossistemas comunicativos, em outras palavras,

    ambientes nos quais haja interao real entre produtores, receptores e partilhadores do

    conhecimento e no que diz respeito ao universo das comunicaes a que tm acesso

    alunos e professores.

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    Sobre o assunto, Sartori (2000, p. 12) descreve a preocupao no desenvolvimento

    desses espaos educacionais como uma escola que se mostra interessada em

    compreender e participar do entorno cultural do aluno e seus pares de dilogo

    colegas, famlia, mdia para planejar aes que possibilitem a participao, a

    construo e troca de sentidos, oferecendo condies para que ele possa se expressar

    autonomamente pronunciando o mundo de modo significativo, participativo e

    transformador, como cidados.

    Reconhecendo assim a multiplicidade das reas de atuao da Educomunicao,

    pode-se afirmar que o jornal escolar, por exemplo, uma (e no a nica) forma de se

    tentar criar e desenvolver um ecossistema comunicativo dentro da escola e at mesmo

    no seu entorno. Muito antes de Kapln, de Gutierrez e at mesmo de Paulo Freire, outro

    educador e pesquisador da educao j revolucionava a didtica e a maneira de entender

    a pedagogia em sua poca. Francs e pastor de rebanhos, Clestin Freinet (1896-1966),

    foi o grande nome de seu tempo, e ainda o , no que diz respeito utilizao da

    imprensa dentro da sala de aula.

    De igual modo, tambm se faz necessrio compreender quais caminhos foram

    percorridos pela estrutura teledramatrgica que conhecemos; sendo esta j parte dacultura, dos hbitos e at (por que no?) do consciente coletivo de toda uma sociedade.

    ORIGENS DA TELEDRAMATURGIA BRASILEIRA

    O que hoje se conhece por telenovela, e que referncia ao se falar em

    teledramaturgia brasileira, iniciou-se j h alguns anos. Passando por um processo

    gradativo de evoluo e adaptao miditica, este gnero narrativo comeou com osfolhetins ou romances (narrativas de amor e heris) fragmentados e veiculados em

    jornais dirios e alguns semanrios (de segmento definidamente feminino) no sculo

    XIX. Sobre o assunto, Ortiz, Borelli e Ramos (1991, p. 11) comentam que: Vrios

    estudos reconhecem este tipo de narrativa como uma espcie de arqutipo da

    telenovela. E completam: neste sentido a denominao folhetim eletrnico

    sugestiva: ela indica a persistncia de uma estrutura literria.

    Algumas caractersticas essenciais que categorizam uma produo miditica como

    telenovela so as seguintes: enredo em desenvolvimento durante exibio pr-

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    determinada, ncleos e personagens com interdependncias, relao da projeo-

    identidade por parte dos espectadores, reparties da trama por captulos com

    periodicidade definida, arqutipos definidos (e, s vezes, nem tanto), entre outras.

    Saltando anos frente e com o veculo comunicacional modificado, a telenovela

    passou ainda pelassoap operas americanas antes de chegar as conhecidas e inspiradoras

    radionovelas da Amrica Latina e por fim, as brasileiras.

    Tambm nesse perodo, a radionovela chega s rdios nacionais e j trazem

    mudanas em roteiros e linguagem, com traos muito mais voltados aos

    latinoamericanos do que aos anglo-saxes. Em 1941 A predestinada lanada pela

    Rdio So Paulo e, no mesmo ano, Em busca da felicidade pela Rdio Nacional.

    Ambas com patrocnio de empresas voltadas ao segmento feminino (como a Colgate-

    Palmolive, Gessy-Lever e outras); o que era uma caracterstica produtiva herdada das

    soap operas americanas e das recentes radionovelas argentinas.

    Por todo esse resultado positivo alcanado pela radionovela, o que mais

    atrapalhou o seu processo de migrao para a televiso, foi abandonar o modus

    operandi de um modelo que havia dado muito, muito certo. nesse inovador cenrio,

    literalmente, que surge a primeira telenovela brasileira. Veiculada em 1951 pela TVTupi de So Paulo, Sua vida me pertence (de Walter Foster), inaugura as produes

    televisivas num veculo ainda muito recente e de pouca abrangncia nacional (a

    televiso havia chegado apenas em 1950, ao Brasil, com o ousado Assis

    Chateaubriand).

    Com autores estrangeiros, como a mexicana Glria Magadn e o argentino

    Alberto Migr, entre outros, a telenovela da dcada de 50 e 60 persistia em seguir, de

    acordo com Borelli (2005, p. 194) os caminhos do dramalho. Apenas em 1963 que atelenovela passou a ser diria e com horrio pr-determinado. 2-5499 Ocupado

    (Alberto Migr) apresentava nos papis de protagonistas os atores Tarcsio Meira e

    Glria Menezes e era exibida com trs captulos por semana. S depois de passada a

    fase de experimentao do produto, que a telenovela da TV Excelsior comeou a ser

    transmitida de segunda sexta-feira.

    Dando um salto um tanto quanto necessrio, pode-se ver que a telenovela no fim

    da dcada de 60 e incio da dcada de 70 j contava com o video-tape, cmeras mais

    leves e bem mais portteis (possibilitando cenas externas realistas), introduo de

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    cores na transmisso, processo de trabalho definido e, finalmente, a transmisso em rede

    nacional de algumas emissoras (ampliando a veiculao do material miditico

    produzido). Dancing Days (1978/1979) de Gilberto Braga um exemplo clssico

    desse processo inovador.

    O uso de textos com autoria brasileira, que tiveram grande aceitao como em

    Beto Rockefeller (1968/1969) de Brulio Pedroso, na Tupi, ganha mais fora na

    modernizao da telenovela da dcada de 80 criando uma produo tipicamente

    brasileira. Voltadas a temas que realmente dissessem respeito a suas vidas Vale Tudo

    (1989) e Roque Santeiro (1985) na Globo, ambas de Aguinaldo Silva, representam

    bem esse tipo de enredo. De acordo com Edgar Rebouas (2005, p. 163): [...] o pblico

    brasileiro j se mostrava muito seletivo quanto s temticas das telenovelas.

    Da dcada de 90 aos dias atuais com algumas excees - as novelas deixam um

    pouco de lado o campo de denunciar as mazelas e contradies sociopolticas do pas. A

    pesquisadora Ana Maria Figueiredo (2003, p. 74), explica que a partir da a telenovela

    ganha um vis pedaggico em relao s novelas da dcada anterior. At mesmo a cada

    vez maior introduo do merchandisingsocial est ligada diretamente a essa nova fase

    das narrativas teleficcionais. Sendo que: O pedaggico, que implica mtodos deeducao, aqui, est atrelado via comercial e moral, ao chamado marketing social,

    constitudo de temas escolhidos para campanhas sociais.

    Desse modo, o uso do merchandising social e do agendamento temtico desses

    assuntos na sala podem ser exemplos dessa funo social da telenovela dentro da escola.

    Entretanto, imperioso que a Teoria das Mediaes seja apresentada antes dessa

    discusso, j que se deve muito a ela o posicionamento atual da academia em repensar

    alguns conceitos e rtulos desgastados acerca do melodrama na sociedade.

    O DESLOCAMENTO METODOLGICO PROPOSTO PELA TEORIA DAS

    MEDIAES

    O ttulo da obra escrita originalmente em 1987, pelo espanhol, mas radicado

    colombiano, Jess-Martn Barbero traz consigo a essncia do que seria classificado

    posteriormente como Teoria das Mediaes. O livro em questo chama-se Dos meios

    s mediaes comunicao, cultura e hegemonia. Em suma, o leitor menos ntimo da

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    obra, poderia pensar que se trata apenas de mais um livro falando sobre meios de

    comunicao, manipulao discursiva ou ento sobre como os meios hegemnicos so

    poderosos a ponto de ns, meros espectadores, no termos armas ou foras para resistir

    ao que nos imposto: simplesmente assimilamos como uma massa amorfa.

    justamente o oposto desse pensamento.

    Barbero escreve sua obra no auge dos pensamentos voltados ao funcionalismo e

    Escola de Frankfurt (e, consequentemente, quando termos como indstria cultural,

    cultura de massa e dominao estavam muito em voga). Entretanto, na Inglaterra, a

    Escola de Birminghan e os Estudos Culturais j traziam a grande novidade da poca que

    era justamente pensar de um modo diferente acerca dos espectadores/consumidores de

    comunicao. Para eles, a recepo, a experincia da espectatorialidade era to ou mais

    importante e forte do que imaginar pessoas que apenas recebiam contedo sem

    distino, crtica ou filtro.

    Martn Barbero tem o seu diferencial em relao aos Estudos Culturais,

    especificamente por trazer uma nova viso de conceitos sobre nacionalismo, populismo,

    resistncia, anarquismo, ressiginificao, apropriao e ressemantizao no contexto de

    uma Amrica Latina plural, multidiversa e rica em expresses e manifestaes sociais,entre outras tantas ideias muito frente do que se pensava at ento.

    Mesmo tendo uma matriz de pensamento que vigorava nos estudos da Escola

    Latinoamericana de Comunicao, Barbero consegue sair do lugar comum isto ,

    pensar a comunicao para alm dos moldes do que era feito pela matriz marxista e

    crist para chegar ao conceito de mediao, um conceito que marca no apenas a obra

    do pesquisador, mas que se transforma em um marco nas pesquisas comunicacionais.

    A ideia da Teoria das Mediaes dificilmente pode ser definida por uma fraselacnica ou simplista. Justamente por que trata de questes complexas, como as inter-

    relaes entre comunicao, cultura e hegemonia. Todavia, o que explcito nesta teoria

    o deslocamento metodolgico de anlise, compreenso e estudo das comunicaes

    pautando-se no nos meios em si, mas sim nas mediaes causadas por estes e nas

    mediaes culturais, sociais e polticas que fazem parte do convvio e da socializao

    humana.

    Em prefcio escrito por Nestr Canclini, o pesquisador mexicano atesta que a

    Teoria das Mediaes no separa ou se mostra rudimentar ao estudar, por exemplo, as

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    relaes entre cultura de massa, cultura popular e cultura erudita. Canclini (1997, p. 23)

    diz: Com uma viso menos ingnua de como se alteram as sociedades e do que fazem

    com seu passado quando irrompem tecnologias inovadoras, o autor indaga como se foi

    desenvolvendo a massificao antes que surgissem os meios eletrnicos. E

    exemplifica: atravs da escola e da igreja, da literatura de cordel e do melodrama, da

    organizao massiva da produo industrial e do espao urbano.

    Assim, afastando de uma viso tecnicista, Barbero consegue trabalhar a noo

    das mediaes pelo seguinte esquema (fig. 1):

    Fig. 1 - O Esquema das Mediaes (BARBERO, 1997, p. 16)

    Este mapa conceitual move-se sobre dois eixos, os quais o autor denominadiacrnico e sincrnico. As interdependncias entre as questes relativas ao eixo

    diacrnico (definido por sua longa durao) nos termos que envolvem as Matrizes

    Culturais e os Formatos Industriais fazem com que as relaes entre o eixo sincrnico,

    isto , aquele que se ocupa das Lgicas de Produo e das Competncias de Recepo e

    Consumo, sejam completamente mediadas pelos relevantes aspectos oriundos da

    institucionalidade, da tecnicidade, da socialidade e da ritualidade presentes e atuantes na

    vida social, religiosa, cultural, poltica e econmica.Faz-se importante uma ressalva: questo econmica e seus vnculos de

    dominao so citados por Barbero em seu trabalho, entretanto elas no adquirem tanta

    expressividade e demasiada importncia quanto nas pesquisas comunicacionais de

    cunho marxista e cristo (KUNSCH, 2002, p. 14).

    Mas, voltando ao esquema proposto por Barbero, mesmo sabendo do objetivo e

    do restrito espao de um artigo para debater estas questes com mais afinco,

    interessante destacar que dentre as mediaes feitas entre as Matrizes Culturais de uma

    sociedade e suas referncias passando pelo trip comunicao, cultura e poltica e,

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    chegando at aos Formatos Industriais; o gnero melodrama destacado por Jess-

    Martn Barbero como sendo um exemplar estudo de caso.

    Por qu? Porque nele ocorrem os processos de apropriao, ressignificao e

    hibridizao entre cultura massiva, cultura popular e cultura erudita. O pesquisador

    colombiano afirma que: [...] o gnero melodrama ser primeiro teatro e tomar depois

    o formato de folhetim ou novela em captulos [...], da passar ao cinema norte-

    americano, e na Amrica Latina ao radioteatro e telenovela. E, no decorrer desta

    migrao, a memria popular tem papel fundamental, j que a partir dela que as

    relaes de identificao e projeo com a histria representada na trama iro: se

    entrecruzar, hibridizar, com o imaginrio burgus (das relaes sentimentais do casal)

    (BARBERO, 1997, p. 16-17).

    A reviravolta metodolgica proposta por Barbero que a se pretende pautar

    neste artigo, observando as mediaes culturais pelas quais a telenovela passa e, por

    conseguinte, tenta-se aqui traar um paralelo entre estas contribuies barbereanas e as

    contribuies da educomunicao. Todas com um nico fim: melhorar a forma de

    comunicar e participar do processo de ensino-aprendizagem, trazendo baila a

    discusso dos meios de comunicao, das mediaes, da poltica, da cultura e daeducao no de forma fragmentada, mas inter-relacionada, mediada.

    Abaixo, como consideraes ainda embrionrias, seguem-se as possveis aes

    educativas que podem ser trabalhadas apropriando-se e ressignificando-se daquilo que

    as telenovelas trazem diariamente s casas e escolas.

    O MERCHANDISING SOCIAL COMO UMA DAS FUNES SCIO-

    EDUCATIVAS

    A definio bsica do termo merchandisingsocial est intimamente ligada com o

    termo original merchandisingcomercial - advindo da publicidade. A ttica de vender,

    expor e colocar a disposio determinado produto no mercado, da melhor maneira para

    que o consumidor o deseje, o que se chama de merchandisingcomercial. Nas palavras

    de Ribeiro, citado por Motter e Jukabaszko (2007, p. 1) a operao de planejamento

    necessria para se introduzir no mercado o produto certo, no lugar certo, no tempo

    certo, em quantidades certas e a preo certo.

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    Assim, ainda que o merchandising social no tenha fins propriamente ditos

    comerciais, sua funo similar, ao tentar introduzir assuntos de cunho social e

    reflexivo nas narrativas teledramatrgicas. Entre as temticas mais comuns est a

    discusso da biotica, homoafetividade, alcoolismo, ecologia, dependncia qumica por

    drogas ilcitas, corrupo, honestidade, e uma infinidade de temas, na maioria das vezes,

    polmicos. Andrade e Leandro (2006, p. 2) sintetizam de forma muito clara ao dizer que

    o significado de merchandising social , de modo geral, a insero intencional,

    sistemtica, estruturada e com propsitos educativos bem definidos de questes sociais

    na produo teleficcional brasileira.

    O que muito se discute a respeito dessas inseres de temas sociais, a inteno

    de produtores, autores e da prpria emissora que veicula o produto cultural. O que para

    muitos visto como um vis socioeducativo das telenovelas, por outros visto como

    mera atividade comercial e simblica envolta em embalagem de responsabilidade

    comercial.

    Nessa mesma linha de concepo, o estudo de Marcio Schiavo (2002, p. 3) sobre

    a relao do conceito de merchandisingsocial e cidadania, destaca que se no fosse por

    intermdio do merchandising alguns assuntos jamais seriam debatidos com a mesmalinguagem, a um pblico mdio telespectador das histrias, da maneira como so

    retratados na miscelnea de fico com traos de realidade.

    Alm disso, a contemporaneidade dos temas apresentados coloca em destaque

    aquilo que faz parte da vida diria do telespectador. Em outras palavras: Um aspecto

    relevante na evoluo do merchandising social o tratamento das questes sociais

    abordadas, que no se limita a mostrar os problemas. J que: alm de enfatizar as

    alternativas de soluo, indicam-se estratgias de ao simples, eficazes e de fcilaplicao pelos telespectadores em seu cotidiano. (SCHIAVO, 2002, p. 3)

    Em contrapartida, h tambm os que veem essas inseres temticas mais como

    uma tcnica de marketing do que uma exemplar forma de reflexo pblica. Estudiosas

    do assunto, como Maria de Lourdes Motter e Daniela Jakubaszko, representam esse

    segmento contrrio ao status de educativo e transformador do merchandisingsocial ao

    dizer que este recurso produz: [...] um sentido de intencionalidade comercial na medida

    em que se passa a crer que tais inseres so encomendas da emissora (MOTTER;

    JAKUBASZKO, 2007, p 64).

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    Em sua tese de doutorado, Rui Coelho de Barros Jr., indiretamente, responde este

    questionamento. Na pesquisa realizada por ele noNcleo de Pesquisa de Telenovela

    NPTN, da Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo, ECA-USP, a

    concluso a que o pesquisador chega a de que em alguns momentos o merchandising

    social supre as necessidades de informao, exercendo uma funo simblica de

    espao pblico que, atravs da negociao de sentidos, permite aos indivduos um

    repensar de suas vidas, de suas prticas e aes na sociedade. Mas, Barros Jr. tambm

    ressalta que esta apropriao de informaes, varia, logicamente de uma pessoa para

    outra (BARROS JR., 2001, p.12).

    A par destas vises distintas acerca do tema, o professor e todos do ambiente

    escolar podem levar discusses assuntos de extremo interesse social, cultural e

    poltico. E tais assuntos s so discutidos na sala ou em qualquer outro espao

    justamente pela fora que tem o agendamento miditico exercido pela telenovela. ,

    ento, que surge uma terceira questo que se relaciona os assuntos sociais mostrados na

    TV com o agendamento de assuntos a serem comentados na sociedade: a teoria do

    agenda setting.

    TEORIA DO AGENDA SETTING: A IMPORTNCIA E A PRESENA DAS

    TELENOVELAS NA VIDA ESCOLAR

    O termo criado em 1972 pelos pesquisadores Maxwell McCombs e Donald Shaw

    define uma corrente de investigao e estudo sobre o qu e como determinados temas

    devem ser pensados e discutidos pelas pessoas no cotidiano. McCombs e Shaw tm na

    obra de Walter Lipmann,Public Opinion, a vertente principal de seus estudos.Segundo Brum (2003), os pesquisadores pioneiros na teoria do agenda setting

    confirmam realmente a capacidade de influncia miditica sobre a vida das pessoas no

    que tange opinio pblica. A autora diz que os estudiosos do assunto acreditam que a

    mdia s consegue isso porque ela mesma constri e monta pseudoambientes onde

    determinada tematizao possvel.

    A telenovela por si s j se constitui como fator predominante para o

    agendamento ou pauta dos assuntos do dia a dia. Aliadas, assim, aos recursos do

    merchandising social, as narrativas teleficcionais ganham mais fora como agente

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    mediador entre os assuntos de cunho social e as pessoas das mais variadas classes

    socioeconmicas.

    Nessa concepo, o merchandising social cumpre o papel de fomentador da

    opinio pblica e, ao mesmo tempo, de orientador das massas. Seguindo a conceituao

    de Barros Filho, citado por Brum (2003, p. 5), h cinco classificaes para especificar

    cada tipo de agenda ou assunto pautado na sociedade: a agenda individual, a agenda

    interpessoal, a agenda da mdia, a agenda pblica e a agenda institucional. A terceira

    definio a que melhor explica o tema aqui versado.

    Fazendo parte deste agendamento da mdia, segundo Motter e Jakubaszko (2007,

    p. 61), a telenovela mais do que afirma sua posio como grande influenciadora dos

    telespectadores. Ela tem o pressuposto fundamental de que as pessoas compreendem

    mais a sua realidade social por meio do contato e mediao com as suas narrativas.

    Para ratificar a ideia, as autoras fazem meno de Mauro Wolf, grande estudioso

    das teorias comunicacionais, quando ele explica que agendar ou tematizar um

    determinado problema tem o objetivo de: [...] coloc-lo na ordem do dia da atuao do

    pblico, dar-lhe, o relevo adequado, salientar sua centralidade e o seu significado em

    relao ao fluxo da informao no-tematizada.Por assim dizer, as telenovelas globais, em especial as de horrio nobre, tambm

    tematizam os assuntos do dia ao utilizar o merchandisingsocial em suas tramas. E tal

    tematizao, no se restringe apenas ao lado de fora da escola, pelo contrrio: seja por

    parte dos alunos, professores, funcionrios e comunidade escolar, a telenovela est

    presente nas conversas e na agendo do dia destes atores sociais.

    CONSIDERAES FINAIS: IMBRICAES NA CONSTRUO DE UMECOSSISTEMA COMUNICATIVO

    Como j dito anteriormente o significado do termo ecossistemas comunicativos

    representa, no dizer Soares (2002), os espaos educativos presenciais ou virtuais que

    tm o objetivo de melhorar o coeficiente educativo das aes comunicativas.

    Metzker (2008, p. 4), ao citar Soares, reafirma a relevncia de se promover e

    manter tais ecossistemas comunicativos, dizendo ser preciso abolir as formas

    autoritrias de comunicao. Junto a isso, tal promoo desses ambientes s tem efeito

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    prtico quando se alcana o objetivo maior da Educomunicao, que na anlise de

    Rodrigues (2008, p.3) tem a funo de problematizar tanto o campo comunicacional

    quanto o educacional, tornando esse campo em um campo de mediaes, de

    interdiscursividade.

    Para Barbero, o significado de ecossistema comunicativo pouco mais ampliado

    e, de acordo com as explicaes de Soares (2011, p. 43-44), no se fixa apenas na

    apropriao de um conjunto de tecnologias educativas, mas aponta para a emergncia

    de uma nova ambincia cultural. O pesquisador brasileiro da USP e o pesquisador

    colombiano diferem levemente da ideia de ecossistema comunicativo apenas no que

    tange localizao aplicativa do conceito, entretanto ambos compreendem-no como

    espaos abertos e criativos, com enormes potencialidades educativas e sociais.

    Sendo assim, a imbricao entre o que aqui foi proposto, isto , localizar as

    funes sociais da telenovela em sua relao com a educomunicao, baseando-se no

    princpio das mediaes, atinge-se por confluir numa gama de objetivos comuns: criar e

    desenvolver estes espaos, os ecossistemas comunicativos, fazendo com que a escola

    saia de uma educao bancria, como Paulo Freire a definia, e passe educao que

    congrega e coexista com olhares multiplurais sobre a prpria ideia de educao,comunicao, cultura e seus vnculos com os produtos miditicos de uma sociedade. Na

    viso de Kapln (1998, p.11, traduo nossa), quando estas inter-relaes so

    construdas se est sempre buscando, de uma maneira ou outra, um resultado

    formativo. Isso mostra a real possibilidade de ambos os conceitos se complementarem

    e serem pesquisados sob uma tica pluralista, ou seja, tanto da Educao quanto da

    Comunicao.

    Neste caso, a telenovela centra-se como potencial objeto de trabalho em sala porpossuir todas as caractersticas levantadas no trabalho e, principalmente, por fazer parte

    da vida de alunos, professores e comunidade escolar. Por isso, mesmo tendo chegado

    apenas em 1997 no Brasil, a obra de Jess-Martn Barbero e as contribuies de Mrio

    Kapln, Guillhermo Orozco, Nestor Canclini, entre outros nomes da Escola

    Latinoamericana de Comunicao (GOMES, 1999, p. 162), fazem com que novos

    olhares possam passar por estas relaes hbridas e mestias que envolvem no apenas o

    campo educomunicacional, mas tambm o campo da cultura, da poltica e da sociedade

    como um todo.

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