educação especial em direção a educação inclusiva

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  • EDUCAO ESPECIAL: EM DIREO A

    EDUCAAO INCLUSIVA

  • Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul

    Chanceler Dom Dadeus Grings

    Reitor Norberto Francisco Rauch

    Vice-Reitor Joaquim Clotet

    Conselho Editorial Antoninho Muza Naime

    Antonio Mario Pascual Bianchi Dlcia Enricone

    Helena Noronha Cury Jayme Paviani

    Jussara Maria Rosa Mendes Luiz Antonio de Assis Brasil e Silva

    Marlia Gerhardt de Oliveira Mirian Oliveira

    Urbano Zilles (Presidente) Diretor d a EDIPUCRS

    Antoninho Muza Naime

  • CLAUS DIETER STOBAUS JUAN JOS MOURINO MOSQUEWI

    (Orgs.1

    - EDIPUCRS

    Porto Alegre 2004

  • O EDIPUCRS, 2 0 0 3 ; 2a ed. 2004

    Capa: Clarissa Furlan Zabka

    Preparao de originais: Eurico Saldanha de Lemos

    Reviso de normas: Ana Zubik Camargo de Souza

    Reviso: dos organizadores

    Edi torao: Supernova Editora

    Impresso e acabamento: Grfica Epec

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    E24e Educao Especial: em direo educao inclu- siva / organizadores Claus Dieter Stobaus, Juan Jos Mourifio Mosquera. - 2. ed. Porto Alegre : EDIPUCRS, 2004. 271p. ISBN 85-7430-354-2 1. Educao 2. Educao Especial I. Stobaus, Claus

    Dieter 11. Mosquera, Juan Jos Mourifio I. Ttulo

    CDD 371.9

    Ficha catalogrlca elaborada pelo Setor de Processamento Tcnico da BC-PUCRS.

    EDIPUCRS Av. Ipiranga, 668 1 - Prdio 33

    Caixa Postal 1429 CEP 90619-900 Porto Alegre, RS - BRASIL

    FoneFax: (51 ) 3320-3523 E-mail: [email protected]

    www.pucrs.br/edipucrs

    Proiblda a reproduo total ou parcial desta obra sem a autorizao expressa da Editora.

  • .................................................................... Introduo ..... CAP. 1 - Ateno diversidade e Educao Especial

    Orlando Terr Camacho CAP. 2 - Aspectos histricos da Educao Especial: da excluso incluso - uma longa caminhada .................

    Marilene d a Silva Cardoso CAP. 3 - Uma escola de todos, para todos e com todos: o mote da incluso ..........................................................

    Maria Teresa Eglr Mantoan CAP. 4 - Tendncias futuras da Educao Inclusiva.. .....

    Vtor d a Fonseca CAP. 5 - Da Educao Especial Escola Inclusiva .........

    Saul Neves d e Jesus , Maria Helena Martins e Ana Susana Almeida

    .................... CAP. 6 - Adolescncia e inadaptao social Berta Weil Ferreira

    CAP. 7 - La hidroterapia como posibilidad de trata- ......................... miento en las patologas neuromotoras

    Laura Luna Oliva e Hernn Ariel Villagra CAP. 8 - Entrevista com o Prof. Dr. ngel Rivire sobre Educao Especial ..........................................................

    Claus Dieter Stobus CAP. 9 - Processo formal de educao de pessoas sur- das: subsdios para a (re)construo do espao educa- cional para portadores de surdez ..................................

    Alvina Themis Silveira Lara

  • CAP. 10 - O processo de incluso/excluso: uma possi- bilidade de (rehignificar prticas .................................. 147

    Elisa Kern CAP. 1 1 - Hacia la Educacin Inclusiva de nifios con Sn- drome de Down, como parte de1 proceso de Educacin Inclusiva en Educacin Bsica ...................................... 177

    Lydia Chango Lizarazu CAP. 12 - A criana com Necessidades Educativas Es- peciais: uma viso ampla e aportes educacionais ......... 187

    Claus Dieter Stobaus e Juan Jos Mouririo Mosquera CAP. 13 - Professor, personalidade saudvel e relaes interpessoais: por uma educao da afetividade na Educao Especial .......................................................... 205

    Juan Jos Mouririo e Mosquera Claus Dieter Stobaus CAP. 14 - A incluso da criana especial comea na famlia .................... .. ..................................................... 22 1

    Gilca Maria Lucena Kortmann CAP. 15 - O aluno com altas habilidades/superdotao: uma criana que no o que deve ser ou o que no deve ser? ......................................................................... 237

    Susana Graciela Prez Barrera Prez Referncias ...................................................................... 25 1

  • Este livro que apresentamos fruto do esforo de vrias pessoas que atuam na Educao ~special . So nossos amigos e colegas, muito colaboraram para que ele pudesse ir adiante. To- dos nos enviaram os materiais, que unimos de maneira que o texto tivesse uma forma mais coerente e compreensvel, para que o leitor pudesse encontrar, em cada um dos captulos, pos- sibilidades de suporte terico, bem como idias, exemplos e aplicabilidades em diversos campos de trabalho e estudo.

    O livro est montado de modo a que nos propicie uma viso bem ampla da Educao Especial, aprofundando no sentido da Educao Inclusiva.

    O captulo inicial, de Orlando Terr Camacho, atual presi- dente da Associao Mundial de Educao Especial - AMEE, introduz e inicia a polemizar o tema.

    A seguir est o captulo dois, que, digamos assim, tem mais indicativos tericos, especialmente confeccionado por Marilene da Silva Cardoso.

    A proposta que Maria Teresa Eglr Mantoan nos coloca no captulo trs, de tentar incluir todos, mesmo com suas dificuldades em ambientes com recursos e preparo de seus educadores complementada pela viso de Vtor da Fonseca, no captulo quatro, que destaca a dificuldade e o cuidado com que todos poderiam ser atendidos em suas particularidades, portanto nem sempre seriam todos na mesma escola, em um ponto futuro nem to futuro assim.

    O captulo cinco segue questionando a implementao e atualidade da Educao Inclusiva, novamente com uma viso em Portugal, oportunizada pelos autores Saul Neves de Je- sus, Maria Helena Martins e Ana Susana Almeida.

    A seguir, o captulo seis aprofunda em um ngulo bem atual, o de quando se torna o educando adolescente

    Educao Especial: em direo a Educao Inclusiva 7

  • e pessoa com necessidades, polemizado por Berta Weil Ferreira.

    No captulo sete temos uma-proposta bem mais-na e-para uma prtica, com a natao, a hidroterapia, a poder auxiliar em tratamentos destes ANEE, escritos por Hernn Ariel Villagra e sua aluna Laura Luna Oliva, que trabalham com estes alunos na Espanha, em Madrid, na Asociacin Telefnica - Asistencia a Minusvlido.

    J o captulo oito nos remete a Madrid. quando realizva- mos nossos estudos de ps-doutorado, na Facultad de Psico- loga, Universidad Autnoma de Madrid, entre 1999 e 2000, quando tivemos a oportunidade de ainda conviver com o nos- so amigo j falecido, Angel Rivire, em sua ltima entrevista sobre temas da Educao Especial, como inclusivista que era, em especial com seu grande trabalho com autistas.

    Seguem-se quatro captulos que esto carregados de vi- so terica e resultados de pesquisas, quer em nossas reali- dades, quer nas prximas, em tempo e espao.

    O captulo nove versa sobre incluso e surdez, em que nos- sa amiga Alvina Themis Lara dos Santos muito bem aprofunda sua viso sobre esta sua especialidade na Educao Especial, ainda em polmica enquanto a bilingiiismo e a trajetria educa- cional, lembrados pelas prprias falas de seus entrevistados.

    O dcimo captulo, tambm contendo uma reviso teri- ca, desta vez passada pelo crivo de Elisa Kern, aprofundado em seu Mestrado em Servio Social e debates com seus cole- gas, buscando significados em falas de seus entrevistados.

    O captulo onze, escrito por Lydia Chango Lizarazu, mem- bro da Asociacin Down de1 Uruguay, que pode ser conside- rada a primeira Dissertao na rea de Educao Especial no Uruguai, relata elementos que nos auxiliam a melhor entender estes alunos, quem sabe at seus pares e seus professores.

    Nos trs captulos seguintes procuramos tambm contri- buir com nossa viso pessoal e resultados de nossas prprias pesquisas.

    No poderamos deixar de fazer constar, por ltimo mas no por isto sem a mesma relevncia dos demais captulos, uma rea que nem sempre lembrada, a to bem atendida por Susana Graciela Prez Barrera Prez, justamente a Presidente da As- sociao Brasileira para superdotados, seo RS (ABSD-RS).

    8 Stobaus, C.D. & Mosquera, J.J.M. (Orgs.)

  • CAP. 1

    As ltimas trs dcadas tm testemunhado as mudanas e progressos ocorridos no mundo em relao com a Educa- o Especial. Nela tem prevalecido a inteno de buscar m- todos de ensino eficazes para a interveno de meninos e meninas com transtornos e alteraes no desenvolvimento, a participao ativa da famlia, a escola e a comunidade em for- mulao de uma comunidade cientfica educativa e a aplica- o das altas tecnologias como ferramentas importantes para deteco, o diagnstico e a interveno dos dficits em desen- volvimento.

    Todos esses progressos e mudanas se tm encaminhado com o nico propsito de estabelecer um tipo de escola capaz de adaptar-se, acolher e cultivar as diferenas como um ele- mento de valor positivo, e a abertura de um espao pluralista e multicultural, no qual se mesclem as cores, os gneros, as capacidades, permitindo assim o acesso aos servios bsicos e elementares de todos os seres humanos e a construo de uma escola, uma educao na qual todos, sem excluso, en- contrem uma resposta educativa de acordo a suas necessida- des e caractersticas peculiares, uma educao que se resu- me nas palavras de um dos maiores homens da Amrica, Jos

    * Mestre em Educao pela Universidade Estatal de Moscou. Rssia. Dire- tor e assessor do Proyecto Internacional de Escuelas Infantiles "Garabato". Presidente da Associao Mundial de Educao Especial - AMEE.

    Educao Especial: em direo B Educao Inclusiva 9

  • Mart, que disse que a Educao no homogeneizao que se converte em uma ameaa para a civilizao, seno alterna- tiva a b ~ t a m todas suas formas possveis, que se traduza em variedade sem fim de atitudes humanas.

    Nossos pases, nossas naes sofrem as conseqncias de uma forte crise econmica, produzida pelo hegemonismo de polticas neoliberais agora globalizadas. Nos ltimos anos, vrias das principais organizaes internacionais tm dado certa volta, ao menos terica, em suas preocupaes e come- am a falar da pobreza. No para menos: o incremento da pobreza e das desigualdades no mundo, sobretudo nos lti- mos vinte anos (os de hegemonia da revoluo conservado- ra), to espetacular que ameaa com deslegitimar todo o processo de globalizao e at o paradigma das novas econo- mias.

    Relacionado com a situao de diferenciao social com respeito ateno escolar de pessoas com necessidades educativas especiais que nos tem permitido adotar propostas e solues de acordo aos diferentes contextos sociais e cultu- rais, e fazendo um pouco de histria do movimento integra- cionista, importante refletir que este se fundamenta na idia da normalizao, como princpio reitor, estabelecendo-se li- nhas prioritrias baseadas na equiparao de oportunidades das pessoas portadoras de necessidades especiais e a idia de igualdade de direitos.

    A apario de terminologias que tm distinguido e distin- guem a Educao Especial, que vo desde a normalizao, a integrao, a incluso, a diversidade, nos levam at o novo postulado lanado pela Organizao das Naes Unidas, de acessibilidade, mostram o lado obscuro que existe para todo aquele que diferente, que no se ajusta a modelos majorit- rios, que fazem evidncia de uma pessoa pertencer a grupos homogneos que geralmente fundamentam sua coeso em ser iguais frente a outros que so distintos.

    MAIS ALM DA INTEGRAAO Uma reviso completa dos conceitos e ideologias do fen-

    meno da integrao educativa pe em relevo que se trata de

    10 Stobaus, C.D. 8 Mosquera, J.J.M. (Orgs.)

  • algo mais complexo do que pode supor-se. Se colocam em evidncia os sistemas educativos tradicionais e sua aspirao em converter-se em um modelo totalmente novo, renovado, flexvel, aberto, que responda s necessidades educativas de todos os educandos. A integrao educativa deve partir preci- samente da possibilidade que brinda a sociedade a cada indi- vduo, de integrar-se nela com iguais direitos, mesmo com possibilidades diferentes, sustentadas em uma escola p a r a todos, com igualdade em tudo.

    No contexto da integrao, resulta difcil deixar de menci- onar o tema da diversidade, assumir a diversidade supe re- conhecer o direito diferena como enriquecimento educativo e social. Assumir a diversidade implica uma virada profunda nos modos convencionais de pensar e atuar, de fazer educa- o, poltica e reforma educativa.

    A ateno diversidade na escola e na sociedade pressu- pe o reconhecimento do especfico e do diverso e implica assumir que cada pas dever definir polticas pensadas des- de sua prpria realidade, relevantes e apropriadas a seu con- texto, sua histria e sua cultura.

    Evidentemente, as polticas e aes que se apiam no dis- curso da diversidade devem ir acompanhadas de uma realida- de de igualdades conforme diz Sez Carreras (1993). A ateno diversidade se constitui em um poderoso referente para rea- tivar as tenses e os dilemas que esto afetando muitos pa- ses ocidentais e sociedades, a prpria justia, mas as gestoras do mercado, impulsionadoras da rentabilidade e da eficcia, promovem vrias desigualdades, uma distribuio injusta dos recursos, altas cotas de pobreza, novas formas de discrimi- nao. A pobreza e as desigualdades no so um fenmeno natural, seno fruto de polticas econmicas equivocadas e/ou defensoras dos interesses dos mais poderosos e pressu- pem identificar se a luta pela diversidade e a nulidade da pobreza autntica ou somente um instrumento de propa- ganda a mais.

    Outro termo que tem vigncia o da acessibilidade aos servios essenciais de Educao e Trabalho como uma forma de integrar-se comunidade, sem sentir-se rechaado por ela. Para a s pessoas com algum tipo de incapacidade, a falta de

    Educao Especial: em direo a Educao Inclusiva 1 1

  • acesso aos servios bsicos segue sendo uma fonte de discri- minao e de perda de oportunidades.

    A possibilidade de alcanar os servios sociais requisito prvio para os incapacitados que lhes permitir gozar de igual- dade de oportunidades, a chave para exercer plenamente seus direitos civis, sociais, polticos e culturais, outorgando o direito de igualdade de todos os seres humanos. No deve- mos esquecer que 80% das pessoas com algum tipo de inca- pacidade no mundo vivem em pases em via de desenvolvi- mento.

    A educao pressupe propor modificaes significativas da instituio educativa e do que nela ocorre, quer dizer, necessrio introduzir modelos de ateno diversidade nas estruturas da organizao e revisar toda a organizao em instituies educativas.

    Se torna evidente que a aproximao aos temas da diver- sidade, da diferena e da acessibilidade pressupe uma mudana necessria de paradigma, de postulados cientficos atuais e de relao com os sistemas educativos e sociedades atuais.

    Existem problemas a resolver imediatamente. Um deles adaptar o ensino diversidade de meninos e meninas que vivem em sociedades pluralistas e adequar as polticas e aes que se apiam no discurso da cultura pela diversidade, que necessariamente devero ir acompanhados de uma realidade de igualdades e do verdadeiro sustento social que ela exige e das que so imprescindveis.

    O passo dado deve ser refletido e superar os antigos dis- cursos, cheios de critrios e conceitos de tempos antigos. Po- demos nos adequar aos novos tempos se somos capazes de dar participao ativa e dinmica comunidade, propiciando um marco de ao pleno e possibilitando um ambiente de comunicao aberto e flexvel entre todos os entes partici- pativos. Neste sentido, a resposta diversidade no h de ser nunca uma deciso pontual, nem assumida individualmente, nem tampouco deve ser solucionada unicamente com ajudas externas: a colocao h de ser institucional, desde o plano escolar at o social.

    12 Stobaus, C.D. & Mosquera. J.J.M. (Orgs.)

  • Em qualquer caso, existe a necessidade e a possibilidade de-conseguir uma escola, um ensino, uma sociedade na qual

    - -- - -- -- -- - -

    as diferenas no sejam um lastro formativo e de crescimen- to individual e social. Urge uma melhor idia, pensada no en- riquecimento formativo e no crescimento individual e social de todos os seres humanos, de frente, para poder assumir reflexivamente as vivncias, os direitos e as obrigaes como membros ativos de uma escola universal e como cidados de uma sociedade democrtica.

    Conclusivamente, nos acompanha a esperana que nos invoca o compromisso, junto queles que fazem de seu traba- lho cientfico e profissional, um mrito e exemplo a imitar, aos quais honro e menciono, por serem os autores e colabo- radores nesta rdua e incansvel tarefa.

    Educao Especial: em direo a Educao Inclusiva 13

  • importante conhecer e contextualizar a Educao Espe- cial desde os seus primrdios at a atualidade, abordando a segregao das pessoas com deficincia em diversos pero- dos histricos da humanidade, assinalando o processo de excluso destes sujeitos at a chegada do novo milnio, no qual uma nova filosofia e um novo paradigma da incluso se descortinam para as pessoas com necessidades educacionais especiais na sociedade ocidental.

    Conforme nos relata Correia ( 1997), a histria assinala, desde a Idade Antiga, as polticas extremas de excluso de crianas deficientes. Em Esparta, na antiga Grcia, essas crianas eram abandonadas nas montanhas, em Roma foram atiradas nos rios. Os registros histricos comprovam que vem de longo tempo a resistncia aceitao social das pessoas com deficincia e demonstram como as suas vidas eram ameaadas. Os dados revelam essa evidncia entre os roma-

    * Pedagoga habilitada em Educao Especial. Professora da Fculdade de Educao da PUCRS. Mestre em Educao e Doutoranda em Educao pela PUCRS.

    Educao Especial: em direo Educao Inclusiva 15

  • nos, no incio da era crist. Como afirma Miss ( 1977, p. 14) sobre aqueles tempos:

    Ns matamos os ces danados e tourosferozes, de- golamos ovelhas doentes, asfixiamos recm-nascidos mal constitudos; mesmo as crianas se forem dbeis ou anormais, ns as afogamos, no se trata de dio, mas da razo que nos convida a separar das partes ss aquelas que podem corromp-las.

    Ao longo da Idade Mdia, nos pases europeus, os ditos deficientes eram associados imagem do diabo e aos atos de feitiaria, eram ento perseguidos e mortos, pois faziam par- te de uma mesma categoria: a dos excludos. Ento, deviam ser afastados do convvio social ou, mesmo, sacrificados. Co- menta que havia posies ambguas: uma seria marca da pu- nio divina, a expiao dos pecados; a outra, a expresso do poder sobrenatural, o privilgio de ter acesso s verdades ina- tingveis para a maioria.

    A literatura de Educao Especial, segundo Ferreira ( 1994), registra a histria do atendimento pessoa com necessida- des especiais no mundo ocidental, incluindo o deficiente men- tal, a partir de meados do sculo XVI, quando a questo da diferena ou a fuga ao padro considerado normal vai passar da rbita de influncia da Igreja para se tornar objeto da Me- dicina.

    Bianchetti et al. (1998, p. 45) afirmam: De todo modo, diversas vantagens se oferecem para o deficiente ao passar das mos do inquisidor s mos do mdico. Passando pelas instituies residenciais no sculo XIX e as classes especiais no sculo XX. No sculo XIX , os mdicos passaram a dedicar-se ao estudo desses seres dgerentes - os deficientes, como eram chamados.

    Fonseca (1995) aponta os estudos de Jean Itard (1775- 1838), na Frana, que foi considerado o pai da Educao Es- pecial, investiu grande parte de sua vida na recuperao de Vitor (um menino portador de deficincia mental profunda). Com Vitor (o menino lobo), nasce talvez a primeira tentativa

    16 Stobaus, C.D. 8. Mosquera, J.J.M. (Orgs.)

  • para educar e modificar o potencial cognitivo, devendo-se a Itard o primeiro esforo e estudo sistemtico de reabilitao - - - - - - -

    de uma criana diferente. Em nossos dias, enquanto p r o f c sionais da Educao Especial, podemos perceber que os estudos e pesquisas de Itard estabeleceram as bases para a revoluo da Educao Especial, na medida que suas desco- bertas, bem como seus posicionamentos, serviram de base para propostas que podem ser consideradas conquistas disponibilizadas aos estudiosos e queles que trabalham com indivduos considerados deficientes.

    Conforme relata Jimnez (1993), ao final do sculo XVIII e incio do sculo XIX, se inicia nos pases escandinavos e na Amrica do Norte o perodo da institucionalizao especializa- da das pessoas com deficincias, e a partir da surge a Edu- cao Especial. A sociedade toma conscincia da necessidade de atender essas pessoas, mais com carter assistencial que educativo. A assistncia era proporcionada em centros, na qual pessoas com deficincias eram atendidas e assim a socieda- de era protegida do contato com os anormais.

    Com isso se inicia o denominado perodo de segregao, no qual, segundo Correia (1997), se criaram as denominadas escolas especiais, nas quais a poltica era separar e isolar as crianas do grupo principal e maioritrio da sociedade, ten- tando evidenciar um empenho na resoluo de problemas.

    Iniciam-se, nesse perodo da histria da Educao Espe- cial, os primeiros estudos sobre tratamento de pessoas por- tadoras de deficincia, entre eles os de Philippe Pinel, em 1800, que escreve os primeiros tratados sobre os atrasados men- tais; os de Esquirol, entre 1780 e 1820, que estabeleceu a diferenciao entre idiotia e demncia; os de Seguin, de 1840 at 1870, que elaborou um mtodo para a educao de crian- as com atraso mental, que denominou mtodo fisiolgico.

    J a educao escolar para o deficiente mental, no mundo ocidental, e a desinstitucionalizao ocorrem no sculo X X , pela criao de programas escolares para os deficientes men- tais leves e moderados, e pela relativa abertura das institui- es. Tambm ampliam-se e se diversificam os servios espe- ciais. Alunos com necessidades educacionais especiais (ANEE), poca chamados excepcionais, aparecem na escola.

    Educao Especial: em direo Educao Inclusiva 17

  • No Brasil, segundo Bueno (1993), at a dc~rin de 50 do sculo passado, praticamente no se falava em Educao Es- pecial, mas na educao de ANEE. Na dcada de 70, a Educa- o Especial sofreu uma ampliao com a instalao de um verdadeiro subsistema educacional, com a proliferao das instituies pblicas e privadas de atendimento aos ANEE e a criao de rgos normativos federal e estaduais. Criam-se classes especiais, fase que se inicia com a categorizao e classificao de deficientes mentais, resultando a aplicao da famosa escala mtrica de inteligncia criada por Binet e Simon (em 1905). os testes de quociente intelectual (QI).

    Em 1978, Heron e Skinner (apud Correia, 1997) j co- mentavam que o ambiente educacional deveria ser o menos restritivo possvel, que deveria propiciar elementos para que o professor do ensino regular atuasse com todos os alunos da classe, de forma que favorecesse a promoo das relaes sociais aceitveis entre os alunos com necessidades educativas especiais e os que no as possuem.

    Entretanto, durante a dcada de 70, um amplo movimen- to fez com que diferentes pases da Europa e das Amricas prestassem uma ateno particular organizao dos seus servios de educao especial, chamando a si a responsabili- dade de garantirem tambm s crianas com NEE um pro- cesso educativo adaptado s suas necessidades individuais. A partir dos anos 80, surge a integraiio educativa como op- o, defendendo-se que o ensino das crianas e jovens com dificuldades especiais deveria ser feito, pelo menos tanto quan- to possvel, no mbito da escola regular.

    Carvalho (1997) levanta a questo referente nomencla- tura, o uso de excepcionais, muito empregada no passado, substituda por expresses consideradas mais adequadas. Pessoas portadoras de deficincia popularizou-se na dcada de 80, hoje vem sendo criticada e substituda por pessoas com necessidade especial ou pessoas com necessidade edu- cacional especial, ou ainda poderia ser especJica.

    Segundo UNESCO (1994, p. 40), nos ltimos anos, mu- danas importantes esto ocorrendo na conceituao da Edu- cao Especial, as quais esto gerando novos enfoques educativos em muitas partes do mundo:

    18 Stobaus, C.D. & Mosquera, J.J.M. (Orgs.)

  • Falar de necessidades educacionais especiais impli- ca enfatizar aquilo que a escola pode fazer para com- -- .- - - - - pensar as dificuldades dolatuR-/alj&-quetnestee enfoque, entende-se que as dificuldades para apren- der tm um carter interatiuo e dependem no ape- nas das limitaes doslas alunoslas, mas tambm da condio educacional que lhe oferecida.

    O conceito Necessidades Educativas Especiais, segundo Coll, Palacios e Marchesi ( 1995), comeou a ser utilizado no final dos anos 60, mas no foi capaz de modificar a concep- o dominante. O informe Warnock, solicitado pela Secreta- ria de Educao do Reino Unido, em 1974, teve o mrito de convulsionar os esquemas vigentes e popularizar uma con- cepo diferente de Educao Especial.

    Ento, o que significa um aluno com NEE como sendo aquele sujeito que possui Necessidades Educativas Especiais? Para Coll, Palacios e Marchesi ( 1995, p. 1 1 ), ele teria a seguin- te concepo, "o aluno que apresenta algum problema de aprendizagem ao longo de sua escolarizao, que exige uma ateno mais especfica e maiores recursos educacionais do que os necessrios para os colegas de sua idade".

    A partir da dcada de 80 surgem, em nosso pas, princi- palmente no Rio Grande do Sul, os estudos e aplicaes da Estimulao Precoce, em bebs de zero a trs anos de idade, que apresentam alguma alterao global em seu desenvolvi- mento, tanto na rea hospitalar e mdica, como nas escolas especiais e, posteriormente, nas creches e escolas infantis. A partir desta nova abordagem dinmica no tratamento de be- bs com deficincia mental, inicia-se a intervir mais precoce- mente nas desordens neuro-motoras, cognitivas e afetivas desses sujeitos, modificando o prognstico de aprendizagem dos mesmos.

    Sem dvida, esta nova concepo no nega que os alunos tenham problemas em seu desenvolvimento. No entanto, a nfase consiste em oferecer ao aluno uma mediao. A finali- dade primordial analisar o potencial de aprendizagem, como sujeito integrado em um sistema de ensino regular, avaliando ao mesmo tempo quais os recursos que necessita para que sua evoluo seja satisfatria. O conceito necessidades edu-

    Educao Especial: em direo Educao Inclusiva 19

  • cacionais especiais remete s dificuldades de aprendizagem e tambm aos recursos educacionais necessrios para atender essas necessidades e evitar dificuldades.

    Ento, os programas de Ensino Especial ganham fora, na medida que a maioria daqueles indivduos no tem outra opo na sociedade normalizadora.

    Embora, do ponto de vista legal e terico, o discurso seja da igualdade de oportunidades, parece ocorrer uma falta de acesso aos meios regulares de ensino. Este sistema de Ensi- no Especial paralelo, criado para educar os diferentes, con- tribui tambm para que eles sejam segregados e excludos da sociedade, que os nega.

    Tomasini ( 1998, p. 124) relata que: Essa atitude acaba por reforar a criao de escolas especiais, o que faz com que as escolas regulares de ensino consigam se livrar com mais eficcia daque- les que consideram inaptospara usufruir de seus ser- vios. O discurso de que, ao serem educados, devem ser separados dos normais, em virtude de certas especificidades, na prtica no contribui numa mu- dana de postura por parte da sociedade no que diz respeito aos seus direitos de cidadania.

    O fenmeno da repetncia escolar, no Brasil, reflete, no mbito da Educao, o processo de participao-excluso das camadas populares. Parte dessa populao compe, no nos- so pas, uma parcela de alunos encaminhados Educao Especial, identificados ento como deficientes mentais leves ou portadores de distrbios de aprendizagem e de lingua- gem. Ao estabelecer a sua clientela como aquela que apresen- ta desvio em caractersticas biolgicas psicolgicas ou sociais, a Educao Especial reproduz, no seu mbito de ao, o pro- cesso de participao-excluso do contingente que oscila en- tre o trabalho desqualificado e o seu excedente.

    Segundo Correia (1997), medida que os conceitos de igualdade e justia vo expandindo-se, as crianas e suas fa- mlias evoluem de uma situao de passividade para um pro- gressivo descontentamento com os procedimentos escolares que conduzia segregao e excluso das crianas ditas defi-

    20 StobAus, C.D. 8 Mosquera, J.J.M. (Orgs.)

  • cientes. Nos ltimos cem anos, verificou-se um processo do- lorosamente lento de integrao e participao das crianas com deficincia. A Educao Especial passa, neste final de sculo XX e incio de XXI, por grandes reformulaes, crises e mudanas. dentro deste contexto histrico que se intensi- fica o processo de excluso e que o termo excepcional passa a ser utilizado. Portanto, a histria da humanidade, nas dife- rentes culturas ocidentais, nos transporta ao resgate das di- ferentes formas de se entender a Deficincia Mental e, por- tanto, seus paradigmas de atendimento. Observa-se assim, que a questo da definio da Deficincia Mental vem inco- modando a sociedade em todos os tempos, implicando todo o processo do diagnstico integral da pessoa portadora de Deficincia Mental.

    A DECLARAAO DE SALAMANCA: UM MOVIMENTO MUNDIAL EM AAO

    Devido inquietao que a excluso do portador de defi- cincia causava nos pases da Europa, e tambm para reafir- mar o direito de educao para todos, em 10 de junho de 1994, representantes de 92 pases e 25 organizaes interna- cionais realizaram a Conferncia Mundial de Educao, en- contro patrocinado pelo governo espanhol e pela UNESCO, conhecida na histria da Educao como a Declarao de %~10mnnco.

    Um dos aspectos mais ressaltados durante as discusses era o modo como o sistema educacional tem atuado, levando excluso de uma grande parcela dos alunos. Os especialis- tas revelaram que a incluso dos grupos minorit6x-ios no uma decorrncia natural do sistema de ensino, mas exata- mente o oposto. O sistema tende a excluir os alunos diferen- tes, privilegiando os alunos considerados normais.

    A Declarao de Salamanca partiu do seguinte pressuposto (1994, p. 09):

    As escolas regulares com orientao para a educa- o inclusiva, so o meio mais eficaz no combate s atitudes discriminatrias, propiciando condiespara o desenvolvimento de comunidades integradas, base

    Educao Especial: em direo :, Educao Inclusiva 2 1

  • da construo da sociedade inclusiva e obteno de uma real educao pa ra todos.

    Teve como objetivo fundamental apontar que (p. 1 1 ): A escola inclusiva o lugar onde todas as crianas devem aprender juntas, sempre que possvel, inde- pendentemente de quaisquer dificuldades ou diferen- as que elas possam ter, conhecendo e respondendo s necessidades diversas de seus alunos, acomodan- do ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educao d e qualidade a todos atravs de um currculo apropriado, arranjos orga- nizacionais, estratgias de ensino, uso d e recurso e parceria com as comunidades.

    A Declarao de Salamanca e a Poltica em Educao Es- pecial culminou em um documento das Naes Unidas, in- titulado "Regras Padres sobre Equalizao de Oportunida- des para Pessoas com Deficincias", o qual demanda que os Estados membros assegurem que a educao de pessoas com NEE seja parte integrante do sistema educacional, reafirman- do o compromisso para com a Educao para Todos, ao re- conhecerem a necessidade e urgncia para providenciar uma educao para as crianas, jovens e adultos com necessida- des educacionais especiais (NEE) dentro do sistema regular de ensino. Proclamaram (Declarao de Salamanca, 1994,

    toda criana tem direito fundamental educao, e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nvel ade- quado de aprendizagem; toda criana possui caractersticas, interesses, habili- dades e necessidades de aprendizagem que so nicas; aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso escola regular, que deveria acomod-los den- tro de uma Pedagogia centrada na criana, capaz de sa- tisfazer tais necessidades; e escolas regulares que possuam tal orientao inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitu- des discriminatrias, criando-se comunidades acolhe- doras, construindo uma sociedade inclusiva e alcanan-

    22 Stobaus, C.D. 8 Mosquera, J.J.M. (Orgs.)

  • do educao para todos; alm disso, tais escolas prov- em uma educao efetiva maioria das crianas e apri- moram a eficincia e, em ltima instncia, o custo da eficcia de todo o sistema educacional.

    Tambm na Declarao de Salamanca fica ressaltado que os aIunos com NEE devem receber apoio suplementar de que precisam para assegurar uma Educao eficaz, apostando que a Educao Inclusiva a melhor forma de promover a solida- riedade entre os aIunos especiais e aqueles considerados nor- mais.

    AEDUCAAOESPECIALEAEDUCAO INCLUSIVA

    Porm, para Bueno ( 1993), a Educao Especial tem cum- prido, na sociedade moderna, duplo papel, o de complemen- taridade da educao regular, atendendo de um lado a demo- cratizao do ensino, na medida que responde s necessida- des de parcela da populao que no consegue usufruir dos processos regulares de ensino; do outro, responde ao proces- so de segregao, legitimando a ao seletiva da escola regu- lar.

    O papel da Educao Especial assume, a cada ano, im- portncia maior, dentro da perspectiva de atender s cres- centes exigncias de uma sociedade em processo de renova- yu" - -- ?++w'2- ri inna rlarlPmnrrarln~ ?liP Rn alcanada quando todas as pessoas, sem discriminao, tive- rem acesso informao, ao conhecimento e aos meios ne- cessrios para a formao de sua plena cidadania. Mas, como o discurso democrtico nem sempre corresponde prtica das interaes humanas, alguns segmentos da comunidade, principalmente os sujeitos com necessidades especiais, per- manecem margem, discriminados, exigindo ordenamentos sociais especficos, que lhes garantam o exerccio dos direi- tos e deveres.

    Para Marques (1 9941, a Educao Especial apropriou-se de prticas nas quais o ANEE deveria frequentar escolas e classes especiais, contribuindo para que esses sujeitos fos- sem facilmente identificados como diferentes e se mantives-

    Educao Especial: em direo a Educao Inclusiva 23

  • sem afastados do convvio com as demais pessoas, quer na escola, na rua ou no trabalho. A criao e a manuteno des- sa estrutura paralela teve como objetivo maior beneficiar mais a sociedade do que o sujeito com necessidades especiais, uma vez que mantinha a grande maioria deles afastada do proces- so de interao social e escolar.

    A modificao da realidade socialmente construda pelos homens s pode se efetivar a partir de uma viso crtica. Fortunato ( 1997) considera que numa poltica de atendimento ao deficiente faz-se necessrio desvelar os reais papis que a Educao Especial tem cumprido em nossa sociedade, mui- tas vezes eles tm servido mais para a manuteno da popu- lao deficiente no mbito do assistencialismo, sendo este entendido como a anttese do direito ao exerccio de cidada- nia.

    Elemento bsico na formao de uma sociedade justa e equalitria reivindicar do Estado e da coletividade a com- pensao de dficits funcionais, independente de suas cau- sas, desde que no firam o bem comum ou tornem-se privil- gios, comprometendo a igualdade de direitos. Expresses re- centes, dessa dcada, buscam dar novos entendimentos a si- tuaes antigas, procurando construir uma sociedade melhor. De acordo com a Conferncia Mundial sobre Educao para Todos, ocorrida na Tailndia em 1990, aborda que a Educa- o Inclusiva considera o ANEE como mais um que deve fre- quentar a escola.

    O processo inclusivo pode significar uma verdadeira re- voluo educacional e envolve o descortinar de uma escola eficiente, diferente, aberta, comunitria, solidria e democr- tica onde a multiplicidade leva-nos a ultrapassar o limite da integrao e alcanar a incluso.

    De acordo com Mrech (1998 p. 37), Educao Inclusi- va :

    O processo de incluso dos portadores de necessida- des especiais ou de distrbios de aprendizagem na rede comum de ensino e m todos os seus nveis, da pr-escola ao quarto grau. Na escola inclusiva o processo educativo entendido como u m processo so-

    24 Stobaus, C.D. & Mosquera, J.J.M. (Orgs.)

  • cial. Ela se apresenta como a vanguarda do proces- so educacional.

    Para Mills (19991, o princpio que rege a Educao Inclu- siva o de que todos devem aprender juntos, sempre que possvel, levando-se em considerao suas dificuldades e di- ferenas, em classes heterogneas. A Escola Inclusiva educa todos os alunos na rede regular de ensino, proporciona pro- gramas educacionais apropriados s necessidades dos alu- nos e prev apoio para que o seu aluno tenha sucesso na integrao. o espao ao qual todos pertencem, so aceitos, apoiados pelos membros da comunidade escolar. A incluso resulta de um complexo processo de integrao, de mudan- as qualitativas e quantitativas, necessrias para definir e aplicar solues adequadas. Falar de Incluso no Brasil fa- lar de incluso social, do direito de cidadania de todas as crianas. Para que as escolas possam estar absorvendo ANEE em classes regulares, importante que os profissionais acre- ditem que possvel, percebendo possibilidades de amplia- o no campo de atuao.

    Carneiro ( 1997) retoma a discusso sobre a integrao de alunos com necessidades educativas especiais no ensino re- gular na dcada de 90, abordando o assunto a partir das leis que foram institudas e, portanto, cada vez maior o nmero de alunos considerados especiais, que agora fazem parte da escola regular, dita para todos. Discutir a integrao desses alunos no ensino regular envolve questes tais como as dife- rentes concepes de deficincia e com elas todo o problema de avaliao, diagnstico e prognstico daqueles indivduos que no correspondem expectativa de normalidade coloca- da pelos padres sociais vigentes.

    A incluso de alunos com necessidades especiais na esco- la regular, como caminho fundamental para se atingir a inclu- so social, constitui uma meta, neste novo sculo, cada vez mais firme, nos diferentes sistemas educativos, nos quais se pretende educar alunos com necessidades educacionais es- peciais na escola regular. Isto pressupe que o sistema edu- cacional como um todo que assume a responsabilidade de Educao e no uma parte dele, a Educao Especial.

    Educao Especial: em direo a Educao Inclusiva 25

  • nessa perspectiva que, enquanto educadores especiais e psicopedagogos, temos que nos referir aos alunos com ne- cessidades especiais, que antes de serem especiais so alu- nos e sujeitos, suas necessidades s so especiais porque a sociedade assim as considera. Isto no significa que no de- vam receber um atendimento escolar adequado, pelo contr- rio, suas potencialidades precisam ser desafiadas, j que ain- da h muitos preconceitos acerca da capacidade intelectual dessas crianas. Neste sentido, o papel fundamental da esco- la no processo de integrao/incluso escolar dos alunos com necessidades educacionais especiais no se resume apenas em poder desenvolver com eles habilidades essenciais para a conquista de uma maior autonomia, mas tambm na pos- sibilidade de poder contribuir com a sua evoluo como pessoas.

    26 Stobaus, C.D. 8 Mosquera, J.J.M. (Orgs.)

  • UMA ESCOLA DE TODOS, PARA TODOS E COM TODOS: O MOTE DA INCLUSAO

    Neste texto relatamos como temos atuado ao orientar re- des de ensino e escolas de educao infantil e de ensino fun- damental, visando a eliminao de barreiras que impedem as escolas de se abrirem, incondicionalmente, s diferenas. Te- cemos algumas consideraes sobre a formao inicial e con- tinuada dos professores para o ensino inclusivo e definimos o especial n a educao do especial d a educao, distinguin- do, respectivamente, as aes de insero parcial e total de alunos com e sem deficincias nas escolas de ensino regular. Preferimos alunos com deficincias que alunos com necessi- dades educacionais especiais. Temos usado exclusivamente esta nomenclatura em tudo o que escrevemos, falamos, quando nos referimos a essas pessoas.

    A incluso uma possibilidade que se abre para o aper- feioamento da Educao Escolar e para o benefcio de todos os alunos, com e sem deficincia. Depende, contudo, de uma disponibilidade interna para enfrentar a s inovaes e essa condio no comum aos sistemas educacionais e aos pro- fessores em geral.

    * Doutora em Educao. Professora do Departamento de Metodologia de Ensino da Faculdade de Educao da UNICAMP, Campinas-SF! Coordena- dora do Laboratrio de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade - LEPED. da Faculdade de Educao da UNICAMP, Campinas-Si?

    Educao Especial: em direo a Educao Inclusiva 27

  • De fato, pensamos que sabemos tudo e geralmente fugi- mos do que desafia a nossa competncia de ensinar. Quere- mos que os alunos se acomodem tambm e que se contentem de terem aprendido o velho, aquilo que ns sabemos e lhes ensinamos.

    No entanto, o mistrio do aprender e a aventura do co- nhecimento, se de um lado nos fazem humildes com relao ao que no sabemos do novo, e as crianas que nos chegam, em cada turma, de outro, valorizam a nossa profisso de en- sinar, pois decifrar esses misteriosos seres e incutir-lhes o prazer de descobrir, de reinventar o mundo tarefa relevante e indispensvel.

    Ensinar marcar um encontro com o outro e a incluso escolar provoca, basicamente, uma mudana de atitude dian- te do outro, esse que no mais um indivduo qualquer, com o qual topamos simplesmente na nossa existncia e/ou com o qual convivemos um certo tempo de nossas vidas. Mas al- gum que essencial para a nossa constituio como pessoa e como profissional, que nos mostra os nossos limites e nos faz ir alm. Cumprir o dever de incluir todas as crianas na escola supe, portanto, consideraes que extrapolam a sim- ples inovao educacional e que implicam o reconhecimento de que o outro sempre e implacavelmente diferente, pois a diferena o que existe, a igualdade inventada e a valoriza- co das diferenas im~ulsiona o m-oeresso educacional. Es- sas premissas assinalam a complexidade do processo inclu- sivo nas escolas e nos do margem para relatar, a seguir, como temos percebido e contornado as barreiras que se interpem entre uma escola conservadora, que no se pauta pelo princ- pio de valorizao das diferenas entre os aprendizes, e uma outra, inclusiva, que o exalta e proclama.

    Abordaremos inicialmente esses obstculos e como os te- mos (heroicamente!) contornado e em seguida, quais so, no nosso entender, os motivos pelos quais a incluso no conse- gue ainda se configurar, na educao brasileira, como uma proposta que verdadeiramente corresponde a uma luta por uma escola que no discrimina, no rejeita nenhum aluno e que s assim consegue ser justa e para todos.

    28 Stobaus, C.D. & Mosquera, J.J.M. (Orgs.)

  • ULTRAPASSAR AS BARREIRAS E CRIAR NOVOS CAMINHOS EDUCACIONAIS

    A estrutura organizacional das escolas Em primeiro lugar, preciso insistir no fato de que as

    escolas tradicionais no do conta das condies necessrias s mudanas propostas por uma educao aberta as diferen- as. Elas no foram concebidas para atender diversidade dos alunos e tm uma estrutura rgida e seletiva, no que diz respeito aceitao e permanncia de alunos que no pre- enchem as expectativas acadmicas clssicas, centradas na instruo e na reproduo de contedos curriculares. A sus- tentao de um projeto escolar inclusivo implica necessaria- mente mudanas em propostas educacionais da maioria das escolas e em organizao curricular idealizada e executada pelos seus professores, diretor, pais, alunos, e todos os inte- ressados em Educao, na comunidade em que a escola se insere.

    As propostas educacionais que do conta de uma concep- o inclusiva de ensino refletem o que prprio do meio fsi- co, social, cultural em que a escola se localiza e so elabora- das a partir de um estudo das caractersticas desse meio.

    Embora mais difceis de serem concretizadas, no so ut- picas, demandam inmeras aes, descritas e estruturadas no plano poltico pedaggico de cada escola.

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    linear, mas sincrnica e organizada em ciclos de formaol desenvolvimento.

    Cada ciclo representa e engloba uma experincia coletiva de ordem cultural, social afetiva e intelectual, que deve trans- correr sem interrupes, sem barreiras. A idade cronolgica a categoria utilizada para formar os agrupamentos de alu- nos.

    Os ciclos permitem que o aluno transite em um dado n- vel de ensino sem reprovaes, sem encaminhamentos e des- vios para o ensino especial. Instaura-se uma nova lgica organizacional, em que o processo escolar no fica limitado exclusivamente aos avanos cognitivos dos alunos, em que o tempo escolar valorizado e entendido como uma etapa da

    Educao Especial em direo a Educao Inclusiva 29

  • vida do educando, concorrendo para a formao de sua per- sonalidade como um todo. Para reverter o processo educa- cional excludente das nossas escolas, entendemos que o pa- pel da escola deve ser revisto, de modo que a instituio pas- se a se dedicar essencialmente formao de sujeitos ticos, polticos, justos, cooperativos, autnomos. A verdade que no h mais tempo a perder para tornar nossos alunos mais humanos e capazes de acompanhar a velocidade do desenvol- vimento do saber cientfico e tecnolgico dos nossos dias.

    O ensino tradicional e suas limitaes

    Outra barreira que precisa ser transposta e que merece especial ateno no quadro de mudanas sugerido pelo ensi- no inclusivo diz respeito inadequao de mtodos e tcni- cas do ensino tradicional, baseados na transmisso de co- nhecimentos e na individualizao das tarefas de aprendiza- gem.

    A abertura das escolas s diferenas tem a ver com uma revoluo nos processos de ensino e de aprendizagem, pois o que se prope o rompimento das fronteiras entre as disci- plinas, ou melhor, entre o saber e a realidade; a multiplicidade e integrao de saberes e das redes de conhecimento que da se formam; a transversalidade das reas curriculares e a au- tonomia intelectual do aluno, que autor do conhecimento e

    1 P nn

    letivamente, nas salas de aulas. Referimo-nos a uma converso do ensino disciplinar em

    ensino no disciplinar e de alunos de cabeas bem cheias em alunos de cabeas bem feitas.

    O que combatemos o "conteudismo", a fragmentao do conhecimento acadmico, a transferncia hierrquica do conhecimento do professor para o aluno, enfim, o primado do enunciado desencarnado e do conhecimento pelo conhe- cimento.

    Para a maioria dos profissionais que atuam em nossas escolas hoje, difcil entender a possibilidade de se fazer incluso total. Essa resistncia aceitvel e compreensvel, diante do modelo pedaggico-organizacional conservador que

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  • vigora na maioria das escolas. Ningum se arrisca a acolher a idia de ministrar um ensino inclusivo em uma sala de aula de cadeiras enfileiradas, livro didtico aberto na mesma p- gina, uma s tarefa na lousa e uma s resposta vlida e espe- rada nas provas.

    Na maneira tradicional de ensinar, a competio entre os alunos e a homogeneizao das respostas e de comportamen- tos esperados, a transmisso do conhecimento e o pavor de errar impedem alunos e professores de contemplar as dife- renas e de reconhecer a riqueza que elas aportam ao desen- volvimento dos processos educativos, dentro e fora das es- colas.

    Os sistemas escolares e os pais exercem uma grande pres- so sobre professores e alunos, cobrando-lhes, respectivamen- te, a continuidade do modelo pedaggico obsoleto na escola e atitudes competitivas, da Educao Infantil a nveis subse- qentes de ensino.

    Na contramo dessas cobranas, estimulamos os profes- sores das escolas em que atuamos a oferecer oportunidades para que as crianas se apiem mutuamente para aprender; exercitem naturalmente a cooperao quando dividem entre si suas tarefas, principalmente quando a diviso baseada no interesse e possibilidades de cada aluno.

    Sabemos que a cooperao cria laos muito fortes entre os alunos e propicia interaes que encorajam os menos ha- bilitados. esperado que um aluno seja tutorado naturalmente por outro colega, que tem mais facilidade, em uma dada dis- ciplina curricular, por exemplo. Esse apoio espontneo mais um meio de fazer com que a turma reconhea a s diferenas e perceba que cada um tem suas habilidades, talentos, compe- tncias e dificuldades para abordar um ou outro contedo, do leque das disciplinas escolares.

    Reaes dos professores

    Em nossos projetos de transformao das escolas, verifi- camos que h uma minoria de professores, diretores, especi- alistas e pais que j tm claro que a incluso total possvel, porque tiveram experincias que demonstraram a possibili-

    Educao Especiat em direo a Educao Inclusiva 3 1

  • dade; outros esto em busca dessa certeza e se empenham por encontr-la, em suas aulas, nos cursos e nos grupos de estudos que frequentam. H, infelizmente, os que tentam e ainda no conseguem se libertar de preconceitos e de hbitos enraizados, que no permitem fazer uma releitura de suas atuaes, luz de novos propsitos e procedimentos educa- cionais.

    Uma das reaes mais comuns afirmar que no esto preparados para enfrentar as diferenas, nas escolas, nas sa- las de aulas. Esse motivo aventado quando surgem quais- quer problemas de aprendizagem nas turmas e at mesmo quando eles existem, concretamente. O motivo tambm apa- rece quando as escolas tm de resolver casos de indisciplina, enfim, quando se deparam com uma situao diferente, que foge ao usual, nas suas turmas. Essas preocupaes so reais e devem ser consideradas, mas, na maioria das vezes, referem-se a problemas rotineiros, que se agigantam, pela in- segurana, pelo medo de enfrentar o novo.

    O apoio imediato aos professores muito importante nes- ses momentos, para que esses problemas sejam encarados em suas devidas dimenses e para que se desfaa o mito de que so os conhecimentos sobre as deficincias e outros correlatos que lhes faltam e lhes traro alvio e competncia para resolver essas situaes-problema.

    Temos proposto que essa ajuda parta de outros colegas mais experientes e mesmo de pessoas que compem o grupo de trabalho pedaggico das escolas, como o diretor ou espe- cialistas. Mas, e chamamos muito a ateno, o apoio atuar no sentido de resolver situaes pontuais, provocando dis- cusses, questionamentos e definindo o posicionamento do professor diante do ocorrido.

    Essas discusses tocam em dificuldades de ensino e de aprendizagem, abrem novos caminhos pedaggicos ao pro- fessor, quando este no est conseguindo vislumbrar, diante de seu estado emocional e da falta de hbito de refletir sobre seu trabalho, outras sadas para alcanar seus objetivos.

    O apoio no se limita a definir se um aluno tem capacida- de ou no de aprender, s para descarregar as tenses do professor, ou mesmo para tirar-lhe a responsabilidade de en-

    32 Stobaus, C.D. & Mosquera, J.J.M. (Orgs.)

  • sinar os que tm dificuldade de aprender. contra-indicada a ajuda do tipo apaga incndio, to comum em casos dessa natureza, em que o professor se reduz a apresentar a queixa e a receber uma receita pronta, eliminar o seu problema. So- lues desencorajantes e inibidoras da capacidade de o pro- fessor criar novas maneiras de ensinar tm sido definitiva- mente abolidas, pois elas estabelecem antecipadamente o que impossvel de se prever, ou seja, o que um aluno consegue assimilar de um contedo escolar, em uma dada situao de aprendizagem. Todos os alunos, sejam suas dificuldades e incapacidades reais ou circunstanciais, fsicas, intelectuais ou sociais, tm a mesma necessidade de serem aceitos, compre- endidos e respeitados em seus diferentes estilos e maneiras de aprender, quanto ao tempo, interesse e possibilidades de ampliar e de aprofundar conhecimentos, em qualquer nvel escolar.

    impossvel saber, de antemo, como e quanto algum ser capaz de aprender e chegar a ser um pensador, um artis- ta, um profissional, um arteso, um trabalhador, enfim qual- quer tipo de. Nem a partir de que encontros com o outro e com a vida, com os fatos, pe algum a pensar, a distinguir, a definir um caminho para a sua existncia.

    So descabidos, portanto, a pretenso e o direito de esta- belecer e de controlar, de fora, a construo do conhecimen- to, por mais que possamos confiar em nossa experincia e formao pedaggicas.

    As atividades e os recursos didtico-pedaggicos

    inegvel a existncia de diferenas entre nveis de com- preenso, amplitude e profundidade do conhecimento, aces- sveis a diferentes sujeitos. Em uma turma de 30 ou 35 alu- nos do ensino elementar, por mais que se tente agrup-los pela avaliao do rendimento escolar, nada nos garante que estamos formando um grupo nas mesmas condies de apren- dizagem e, portanto, com direito a cursar uma dada srie es- colar. As escolas tradicionais, contudo, acreditam na possibi- lidade dessa homogeneizao e se empenham a todo custo por consegui-la. Estas e outras evidncias levam-nos a abolir programas e currculos individualizados e/ou adaptados.

    Educao Espaciat em direo B Educao Inclusiva 33

  • Discordamos tambm do carter especial e da validade de mtodos de ensino escolar para pessoas com deficincia. Mas imprescindvel que se ponham disposio de alunos que tm necessidades especficas recursos como o sistema Braille para cegos, as prteses de todos os tipos para garan- tir maior e melhor acessibilidade aos deficientes fsicos e sen- soriais, tcnicas e instrumental de mobilidade e de comuni- cao alternativalaumentativa, conhecimento da Lngua de Sinais e tantos outros.

    Toda vez que, antecipadamente, adequamos e seleciona- mos atividades para um dado aluno, desconsideramos a sua capacidade de decidir e negamos a autonomia intelectual desse aluno para construir os seus conhecimentos, descobrindo e/ou inventando estratgias de aprendizagem ao seu alcance. As atividades no visam treinar e estereotipar o comporta- mento acadmico.

    Sejam quais forem as limitaes do aluno, adaptar curr- culos, facilitar tarefas e diminuir o alcance dos objetivos edu- cacionais concorrem para que rebaixemos o nvel de nossas expectativas com relao potencialidade desse, para enfren- tar uma tarefa mais complexa, diferente. Ningum sabe, de antemo, o que uma pessoa capaz de captar de uma situa- o, de um objeto, de um momento educacional. Muitos pro- fessores tm a falsa idia de que podem determinar o que passvel de ser melhor assimilado por esta ou por aquela crian- a e esperam que os alunos atendam as suas expectativas.

    Cada ser humano um enigma, um mistrio, como nos lembra Larrosa ( 1999). A tendncia de nos anteciparmos ao que o aluno capaz de realizar e de aprender, a partir de uma dada atividade escolar, previamente adaptada, precisa ser substituda por um sentimento de confiana no que cada um consegue produzir, quando intrinsecamente motivado e pela valorizao do que foi produzido, independentemente do n- vel do resultado alcanado. Controlar de fora o ensino e a aprendizagem de alunos um comportamento que est mui- to presente no modo de pensar e de agir dos professores. No caso de alunos com deficincia, recorre-se frequentemente ao adaptado, ao especial, para se ter sucesso na educao es-

    34 Stobaus, C.D. & Mosquera, J.J.M. (Orgs.)

  • colar, desde os currculos at as panacias dos mtodos e tc- nicas especficos para este ou aquele caso.

    A presena de professores especialmente destacados para acompanhar o aluno com deficincia nas atividades de sala de aula, servindo como apoio ou mesmo respondendo direta- mente pela insero desse aluno no meio escolar, uma alter- nativa de insero que vem sendo frequentemente utilizada pelos sistemas organizacionais de ensino em todo o mundo. A nosso ver, essa alternativa constitui mais uma barreira incluso, pois uma soluo que exclui, que segrega e desqualifica o professor responsvel pela turma e que o aco- moda, no provocando mudanas na sua maneira de atuar, uma vez que as necessidades educativas do aluno com defi- cincia esto sendo supridas pelo educador especializado.

    Infelizmente, muitos sistemas entendem que essa soluo valida em fases intermedirias de implantao do ensino inclusivo, considerando a presena dos professores de apoio e at mesmo as classes especiais sediadas em escolas regula- res, como degraus necessrios para se chegar incluso.

    Gostaramos mais uma vez de ressaltar que a incluso uma conseqncia da transformao do ensino regular, do aprimoramento de suas prticas. Todo atendimento segrega- do, seja ele provisrio ou definitivo, parcial ou integral, deri- va do paradigma educacional em que se fundamenta a Edu- cao Especial, ou seja, de um sistema organizacional que admite a excluso, parcial ou total, do aluno deficiente e o trnsito deste do ensino regular para o especial ou vice-versa, sistema de cascata.

    Para sermos coerentes com a incluso, no podemos ado- tar sadas que so prprias do sistema de cascata, sob pena de cairmos em contradies e de descaracterizarmos os fun- damentos e fins da incluso.

    A avaliao do ensino e da aprendizagem A avaliao do desempenho escolar tambm precisa so-

    frer mudanas para se ajustar s caractersticas de um ensi- no para todos. Esta uma barreira bastante difcil de ser trans- posta, porque a avaliao tem sido um instrumento de poder da escola.

    Educao Especial: em direo a Educao Inclusiva 35

  • evidente que os sistemas escolares que avaliam compa- rativamente os seus alunos e que se apiam em tarefas predefinidas e aplicadas exclusivamente para contabilizar o que o aluno aprendeu dos contedos curriculares, constituem um grande obstculo concretizao dos objetivos da inclu- so escolar. Na maneira tradicional de avaliar, cobram-se dos alunos os ensinamentos que o professor lhes transmite.

    Na concepo inclusiva, avaliamos a aprendizagem pelo percurso do aluno no decorrer do tempo de um ciclo de for- mao e de desenvolvimento. Levamos em conta o que ele capaz de fazer para ultrapassar suas dificuldades, construir conhecimentos, tratar informaes, organizar seu trabalho e participar ativamente da vida escolar. Consideramos seu su- cesso a partir dos seus avanos em todos os aspectos de de- senvolvimento, progresso registrado em um dossi, que cons- titui sua vida escolar.

    Nesse contexto, o tempo de aprender o tempo de cada aluno; dispensam-se notas e conceitos, pois o que importa o registro fiel do aproveitamento dos alunos, que vai sendo conhecido dos professores do ciclo que o aluno est cursan- do e de outros dos ciclos mais avanados. Professores e alu- nos se auto-avaliam rotineiramente, acompanham e compar- tilham o desenrolar dos processos de ensino e de aprendiza- gem, regulando-os e monitorando-os, passo a passo.

    O especial, adjetivando os programas, projetos e planos de ao voltados para a ensino escolar de pessoas com defi- cincia tem ainda um peso muito forte nas propostas e polti- cas educacionais. Contribui para que os alunos, professores, sistemas, escolas, idias, legislao se dividam nas modali- dades regular e especial. Essa dicotomia no procede quando se trata de uma Educao que no exclui, no discrimina.

    Fundir essas duas modalidades de ensino desestabiliza a Educao Especial e a regular. A Educao Especial se prote- ge, ao mostrar-se temerosa por uma mudana radical da es- cola e ao apoderar-se da incluso como um assunto de com-

    36 Stobgus, C.D. & Mosquera, J.J.M. (Orgs.)

  • petncia. O ensino regular se omite (deliberadamente) em re- lao a incluso, para evitar uma reviso de suas prticas e a sua transformao geral, entendendo que a incluso um problema do ensino especial e reforando o interesse deste de encampar a incluso e apoderar-se dessa ameaa a sua continuidade e valorizao nos sistemas educacionais vigen- tes.

    Os documentos oficiais prescrevem uma escola para al- guns, a insero parcial, mas se proclamam a favor da inclu- so!!!

    Pensamos que, na base desse embroglio, est uma indi- ferenciao entre o especial na e o especial da Educao.

    O especial na Educao tem a ver com a justaposio do ensino especial ao regular, ou seja, com o inchao deste, pelo carreamento de profissionais, recursos, mtodos, tcnicas da Educao Especial s escolas regulares. Esta justaposio j existe h muito tempo e ela sustenta o modelo organizacional da integrao escolar, na qual o aluno tem de se adequar ao ensino regular para curs-lo e o staff do ensino especial vai lhe servir para esse fim.

    O que define o especial da Educao no a dicotomizao e a fragmentao dos sistemas escolares em modalidades di- ferentes, mas a capacidade de a escola atender as diferenas nas salas de aula, sem discriminar, sem trabalhar parte com alguns alunos, sem currculos, atividades e avaliao adapta- dos.

    O especial da Educao tem a ver com a incluso total, incondicional de todos os alunos s escolas de seu bairro e ultrapassa o grupo dos alunos com deficincia, englobando-os, certamente. O especial da Educao no diz respeito apenas insero de alunos com deficincia, mas condio para se reverter a situao vergonhosa da escola brasileira, marcada pelo fracasso e pela evaso de parte significativa de alunos.

    Em outras palavras, o especial da Educao descentra os problemas relativos insero dos alunos com deficincia e combate o que produz a excluso em nossas escolas. Quantos alunos esto desmotivados, infelizes, marginalizados pelo insucesso e privaes constantes e pela baixa auto-estima re- sultante da excluso escolar e da sociedade. Alunos que so

    Educao Especial: em direo a Educao Inclusiva 3 7

  • vtimas de seus pais, de seus professores e, sobretudo, por viverem em condies de pobreza social e cultural. Esses alu- nos so sobejamente conhecidos das escolas, por mltiplas repetncias, expulses, evases e por no se enquadrarem no prottipo da Educao Formal.

    certo que os alunos com deficincia constituem uma gran- de preocupao para os educadores inclusivos, mas todos sabemos que a maioria dos alunos que fracassam na escola so crianas que no vm do ensino especial, mas que possi- velmente acabaro nele!

    SOBRE A FORMAAO DOS PROFESSORES Na tica do especial na Educao, os professores tm como

    opes de formao: as Habilitaes dos Cursos de Pedago- gia, os Cursos de Ps-graduao lato sensu e a Formao Continuada oferecida pelas redes de ensino, os cursos ofere- cidos por clnicas e instituies especializadas em alunos e pessoas com deficincia.

    Essas alternativas de formao vigentes no se destinam a capacitar professores para uma escola aberta s diferenas e para incluir os excludos da escola, pois no lhes incutem a idia do especial da Educao, que redireciona objetivos e prticas de ensino, pelo reconhecimento e valorizao das di- ferenas. So alternativas que continuam a dividir, a separar, a fragmentar o que a escola deve unir, fundir, para se fortale- cer e tornar-se incondicionalmente inclusiva, cnscia de seus deveres e dos preceitos constitucionais que garantem a todos os cidados brasileiros uma escola sem preconceitos, que no discrimina, sob qualquer pretexto - art. 3 O , pargrafo IV, do Ttulo I da Constituio da Repblica Federativa do Brasil (Brasil, 19881.

    Na perspectiva da Educao aberta s diferenas e do es- pecial da Educao, a formao dos professores percorre outros caminhos, que diferem dos acima citados.

    Segundo este outro enfoque de formao, as Habilitaes dos Cursos de Pedagogia para professores de alunos com de- ficincia seriam extintas e os Cursos de Especializao se- riam dedicados ao aprofundamento pedaggico desses pro-

    38 Stobaus, C.D. & Mosquera, J.J.M. (Orgs.)

  • fissionais, de modo que pudessem entender melhor a criana em seu desenvolvimento pleno.

    A formao nica para todos os educadores reforaria a to esperada fuso entre a Educao Especial e a Educao Regular, nos sistemas escolares. Inspirados nos projetos que visam uma educao de qualidade para todos, a formao inicial dos educadores eliminaria, em grande parte, as rea- es negativas dos professores do ensino regular, diante dos alunos com deficincia.

    Quanto a formao continuada, os professores teriam ga- rantido um tempo de estudo nas escolas e em seus horrios de trabalho para: discutir entre si as suas prticas e trocar experincias; atualizar conhecimentos; dirimir dvidas; es- clarecer situaes de sala de aula; e cooperativa e coletivamen- te delinear teorias prprias para explicar como ensinam e como as crianas aprendem em suas escolas.

    Essa modalidade de formao em servio inclui tambm uma autoformao, porque exige do professor um esforo in- dividual de atualizao profissional.

    O ensino dicotomizado em regular e especial define mun- dos diferentes dentro das escolas e dos cursos de formao de professores. Essa diviso perpetua a idia de que o ensino de alunos com deficincia e com dificuldades de aprendiza- gem exige conhecimentos e experincia que no esto altura dos professores regulares. H mesmo um exagero em tudo o que se relaciona Educao Especial, que desqualifica o en- sino regular e os professores que no tiverem a habilidade de ensinar essa clientela.

    Temos, portanto, de recuperar, urgentemente, a confiana que os professores do ensino regular perderam, a de saber ensinar todos os alunos, sem exceo, por entenderem que no h alunos que aprendem diferente, mas diferentemente.

    Avaliar as necessidades e buscar respostas educativas para solucionar problemas de desempenho escolar dos alunos e de aperfeioamento da formao dos profissionais de Educa- o mais do que uma reviso dos limites que separam as

    Educao Especiat em direo Educao Inclusiva 39

  • modalidades regular e especial de ensino escolar. Envolve novos valores e atitudes pessoais e profissionais, que se cho- cam com a cultura tradicional das escolas, inclusive com a nossa maneira de conceber as pessoas excludas.

    Quando um sistema de ensino regular no est em condi- es de atender as necessidades de todos os seus alunos, no pode se propor, ingenuamente, a incluir os excludos, pois estes so exatamente os alunos que ela no d ou no deu conta de educar!

    A garantia do direito de Educao em escolas que no ex- cluem pessoas sob nenhum pretexto um sinal de desenvol- vimento comunitrio e de elevao de seus valores e atitudes, princpios e ideais.

    Sabemos que possvel, urgente e indispensvel mudar a Educao, com novos paradigmas, preceitos, ferramentas, tecnologias e que o momento de abandonar as solues paliativas e enfrentar seriamente e com obstinao essa mu- dana.

    Os projetos de ensino que estamos assessorando em re- des de ensino e em escolas brasileiras esto fazendo a dife- rena e aos poucos o sucesso dessas propostas se torna vis- vel, refletindo a clareza de nossas concepes e a coerncia entre o que pensamos e o que fazemos para concretizar o so- nho de uma escola sem preconceitos, democrtica, compe- tente, uma escola de todos, para todos e com todos!

    sbio quem diz que "o tempo e a palha amadurecem as ameixas [...IM.

    40 Stobaus, C.D. & Moquera, J.J.M. (Orgs.)

  • CAP. 4

    O termo incluso parece no oferecer dvidas, literalmente significa aco ou resultado de incluir, de envolver, de abran- ger, de fechar, de encerrar, de introduzir, de inserir, dentro de alguma coisa. Conseqentemente, e por simples analogia, a educao inclusiva significa assegurar a todos os estudan- tes, sem excepo, independentemente da sua origem sociocul- tural e da sua evoluo psicobiolgica, a igualdade de oportu- nidades educativas, para que, desse modo, possam usufruir de servios educativos de qualidade, conjuntamente com ou- tros apoios complementares, e possam beneficiar-se igualmen- te da sua integrao em classes etariamente adequadas perto da sua residncia, com o objectivo de serem preparados para uma vida futura, o mais independente e produtiva possvel, como membros de pleno direito da sociedade, segundo Bos e Vaughn (1994), Clark, Dyson e Millward (1998).

    Trata-se de uma questo bsica de direitos humanos j extensivamente referendada em vrias conferncias mundiais, como a Conveno dos Direitos da Criana de New York, de 1989; a Conferncia Mundial de Educao para Todos de Jomtiem, de 1990; a Conferncia Mundial sobre Necessida- des Educativas Especiais de Salamanca, de 1994; e o Foro Consultivo Internacional para a Educao para Todos de Da-

    * Doutor. Professor do Departamento de Educao Especial e Reabilitao. FMH - Universidade Tcnica de Lisboa. O texto est em sua verso original de portugus.

    Educao Especial: em direo a Educao Inclusiva 4 1

  • kar, de 2000, que equacionam uma srie de amplos princ- pios de justia social e de equidade educativa a que a escola do futuro no pode deixar de se envolver, destaca Ainscow ( 1989).

    Apesar de inmeros pases possurem distintos sistemas educativos, distintas tradies culturais e sociais e distintas definies de necessidades educatiuas especiais (NEE), a maioria deles est de acordo que a educao inclusiva o modelo do futuro, nos informa Ainscow (1997). Embora seja mais sensato falar em integraes (no sentido plural) do que em integrao, que um conceito singular e monoltico, con- forme Dyson ( 1999), as suas tendncias parecem situar v- rios tipos de integrao:

    Integrao como colocao - situa o lugar em que se educam estudantes com NEE, obviamente garantindo o acesso a escolas e classes regulares, desfrutando dos mesmos direitos que o resto de seus colegas, pondo em realce os direitos civis das pessoas portadoras de defi- cincias.

    Desta forma, os estudantes com NEE tm os mesmos di- reitos de admisso que os restantes, evitando a educao segregada que claramente limita as oportunidades de auto- realizao.

    Os estudantes com NEE no devem ser segregados nem protegidos, trata-se de uma questo de direitos humanos fun- damentais, que implica vantagens para todos, na medida que sugere no s a incluso, como a interaco e a individua- lizao, como estratgias de insero social mais ampla e ao longo do percurso escolar e vocacional, conforme Fonseca (1989).

    Os testemunhos de adultos portadores de deficincia, de- pois da sua passagem pela escola, so os primeiros a clamar pela educao inclusiva. O processo de incluso arrasta con- sigo substanciais convenincias, a saber: mudana de atitu- des e de sistemas de valor; respeito pelos direitos humanos; considerao pela diferena; reduo de escolas especiais; aproveitamento sinergtico de recursos humanos e materiais; novos modelos de formao inicial e permanente de profes-

    42 Stobaus, C.D. & Mosquera, J.J.M. (Orgs.)

  • sores; ateno aos pontos de vista das famlias; eliminao de barreiras; facilitao da sociabilizao e da cidadania; en- tre outros, nos destacam Lewis e Doorlag (1987).

    Integrao como educao para todos - situa a ne- cessidade dos sistemas educativos se desenharem para satisfazer a diversidade das caractersticas, interesses, capacidades e necessidades heterogneas de todos os estudantes, desde crianas e jovens portadores de defi- cincia, a sobredotados, desfavorecidos, pertencentes a minorias de diverso tipo ou em risco de excluso, entre outros, colocam Vaughn, Bos e Schumm ( 1997).

    Esta perspectiva de integrao, enraizada na Declarao de Salamanca, assume uma defesa continuada e no mera- mente episdica pela igualdade de oportunidades, para alm do combate a atitudes discriminativas e assegura a rentabili- dade dos sistemas educativos.

    As vantagens deste tipo de integrao podem ser discuti- das em termos sociais (a sociedade mais humana se for mais inclusiva), em termos educativos (a escola inclusiva res- ponde melhor s exigncias dos seus clientes) e em termos econmicos (os recursos e equipamentos so distribudos de forma mais sustentada e equitativa a toda a populao, po- dendo garantir, por via de uma engenharia financeira mais adequada, melhor qualidade e mais abrangncia social do sis- tema educativo, colocam Clark, Dyson e Milward (1998) e Gerber e Semmel ( 1985).

    Integrao como participao - situa a importncia da participao efectiva dos estudantes com NEE no pro- cesso de integrao, assim como a qualidade da inter- veno, e no a mera transferncia da escola especial para a escola regular.

    Trata-se de considerar todos os estudantes como mem- bros integrantes da comunidade escolar e em todas as acti- vidades formais, informais e no formais que nela se desen- rolam, reforando claramente os direitos de acessibilidade e os direitos a um apoio adequado para satisfazer as NEE.

    Para alm da colocao, este tipo de integrao enfoca outros problemas adicionais, nomeadamente o incremento

    Educao Especial: em direo a Educao Inclusiva 43

  • participao e a facilitao de todos os meios possveis, ten- do em vista a excluso zero em nvel curricular, cultural e comunitrio, implicando por inerncia uma reestruturao das prticas pedaggicas para responderem a diversidade e heterogeneidade de todos os estudantes, conforme nos comen- tam Ainscow ( 1997, 2001) e Gloeckler e Simpson (1988).

    O enfoque deste tipo de integrao compreende o aspecto central da aprendizagem ou das mudanas de comportarnen- to (o qu? o como? e quais os efeitos e ganhos obtidos), que se operam em todos os estudantes e no apenas aos que pos- suem NEE, na medida que devem igualmente ser abrangidas crianas oriundas de minorias tnicas ou lingsticas, crian- as vulnerveis ou em risco de excluso, ou doutros grupos mais sujeitos a presses exclusivas, prope Ainscow (2001 ).

    Este tipo de integrao coloca necessariamente a questo da reestruturao total das escolas e no apenas a sua dota- o com apoios pedaggicos adicionais ou melhorados, que frequentemente se resumem a apoios mais do mesmo, e no verdadeiramente diferentes e melhores em termos de quali- dade do processo ensino-aprendizagem.

    Includos, aqui, quer dizer que os estudantes no se en- contram s dentro da escola, mas tambm que se encontram integrados em todas as actividades escolares que possam ocor- rer fora do seu espao, ou seja, envolvem um conjunto de processos interminveis e constantemente renovados que in- cluem os projectos de inovao e desenvolvimento da escola, a sua cultura, a sua poltica e as suas prticas, requer em definitivo um compromisso da escola com a melhoria do po- tencial de aprendizagem em todos os estudantes sem excepo, com ou sem NEE, coloca Booth (2000).

    Em suma, esta integrao ilustra uma viso particular dum tipo de sociedade mais solidria, coesa, integradora e plural, na qual a integrao escolar um dos seus componentes princi- pais ao lado doutros, consubstanciando o exerccio do direito a ser diferente mas no 'longe da vista e do corao', destaca- do muito bem por Fonseca (1989, 1999a e b) , ou isoladamen- te, mas pelo contrrio, exercitar um direito de forma compar- tilhada e efectivamente participada.

    44 Stobaus, C.D. & Mosquera, J.J.M. (Orgs.)

  • Tal integrao, em sntese, deve incluir todo o conjunto de materiais e recursos (pedaggicos, audiovisuais, informacio- nais) e toda a mirade de actividades, prticas e estruturas organizativas que garantam uma melhor integrao. Envolve, portanto, um exame crtico das prticas educacionais no seu todo, pois no h nenhum padro ou nenhum conjunto de aces que sejam por si s inclusivas.

    Prospectivamente, a incluso como participao retrata trs dimenses: a criao de culturas inclusivas, a produo de polticas inclusivas e o desenvolvimento de polticas inclusi- vas.

    Com base nestas estratgias, a escola deve transformar- se numa comunidade aberta, colaboradora e estimulante para que todos os estudantes sejam valorizados em termos de sen- timentos de competncia, em termos de desenvolvimento de valores inclusivos, compartilhados por todo o pessoal da es- cola: estudantes, professores, gestores, pais, prestadores de servios.

    A incluso como filosofia de educao alerta, pois, para um sistema de valores, ela no se pode esgotar num conjun- to de tcnicas educativas mediticas, na medida que toda a comunidade educativa deve compartilhar tais valores em to- das as prticas e em todas as atitudes. Neste sentido, a esco- la assume-se como uma instituio social antidiscriminatria, na qual todos os estudantes, com ou sem problemas, integra- dos ou marginalizados, so acolhidos, na qual a excluso igual a zero, na qual todos se podem considerar propriet- rios dum bem social e dum sentimento comunitrio profun- do que a integrao total de todas as crianas na escola, independentemente da sua diversidade biossocial, reforam Bogdan e Biklen ( 1977) e Adelman e Taylor ( 1993).

    No fundo, trata-se de criar um tipo particular de cultura institucional inclusiva.

    Integrao como incluso social - coloca em desta- que o compromisso explcito com a Declarao de Salamanca, defendendo a incluso em termos de direi- tos das pessoas portadoras de deficincia, agregando a este conceito as pessoas mergulhadas em vrias situa- es de pobreza e de desfavorecimento socioeconmico

    Educao Especial: em direo Educao Inclusiva 45

  • ou sociocultural. Neste contexto, a igualdade de oportu- nidades encarada como incluso, enquanto a desigual- dade encarada como excluso.

    Na primeira, teremos de integrar a cidadania e os direi- tos civis epolticos que a substantivam, para alm, obviamen- te, do surgimento de oportunidades e da participao no es- pao pblico em geral, co-arrastando o acesso a o trabalho e sua concomitante auto-estima e nvel de vida conseqente, segundo Hallahan e Kauffman (1994). Na segunda, teremos de equacionar as oportunidades de educao que esto na base do usufruto doutras oportunidades prospectivas, para exercer na sociedade um contributo positivo, isto , colocam em destaque um componente econmico explcito, significan- do que excludo sinnimo essencialmente de no ter com- petncias cognitivas bsicas, diz Fonseca ( 1989, 200 1 ), para ter um emprego digno, um nvel de vida aceitvel e um projecto futuro de melhoria de recursos.

    Nesta perspectiva, a educao assume uma funo eco- nmica e no apenas social e cultural. a educao que pode garantir aos indivduos a apropriao de competncias tcni- cas, de conhecimentos dinmicos e de atitudes de confiana e de interaco que lhe permitem a sua integrao social futura em pleno.

    Sem educao a excluso mais vivel, com ela a integrao mais concretizvel. As estatsticas apontam-no claramente, dois teros de delinqentes e de marginais adolescentes fo- ram excludos da escola, e trs quartos tm idades de leitura entre os 8 e os 10 anos, observa Dyson (1999).

    Desprovidos de educao, a maioria destes jovens torna- se adultos improdutivos, com conseqncias econmicas e sociais imprevisveis, num mercado de trabalho cada vez mais competitivo. Numa sociedade inclusiva no h lugar para uma escola que produz insucesso escolar, fracasso emocional, sen- timento de incompetncia, potencial de inabilidade social, sociopatias vrias, excluses sociais chocantes, relata Fonse- ca ( 1999a e b) .

    O futuro da escola inclusiva eliminar o espao que sepa- ra as crianas e jovens com NEE, em risco, ou pertencentes a minorias tnicas, dos seus iguais. Desta forma, a escola in-

    46 Stobaus, C.D. 8 Mosquera, J.J.M. (Orgs.)

  • clusiva no pode apenas cuidar das crianas portadoras de deficincia, o seu conceito integrador mais vasto e ambicio- so, pois encerra a promoo de competncias educacionais necessrias para que todas elas possam participar numa so- ciedade diversificada, sendo posteriormente integradas no mercado de trabalho, ponderam Hallahan e Kauffman ( 1994).

    O termo incluso parece significar coisas distintas para pessoas distintas em distintos contextos, mas sugere que se ressaltem trs pontos de consenso e de compromisso:

    - criao de uma sociedade mais justa; - desenvolvimento dum sistema educativo mais equitativo; - promoo de respostas da escola regular diversidade

    e heterogeneidade, como meio para tornar realidade tais desgnios.

    A justia social, a eqidade educativa e iniciativa das es- colas regulares, como estratgias de incluso, s podem ser compreendidas em contextos particulares.

    A integrao ser distinta para estudantes com Sndroma de Down (trissomia 2 1 ) em Portugal, para crianas com defi- cincia visual na Espanha ou para crianas carenciadas dos meios rurais da Repblica Dominicana ou do Brasil. Os v- rios tipos de incluso no precisam de ser competitivos, pois no h nenhum infalvel ou correcto, na medida que podem apresentar modelos alternativos para superarem distintas necessidades ou situaes.

    Os responsveis polticos e educacionais tm uma tarefa difcil mas entusistica pela frente, s dessa forma o sistema educativo pode ascender a ser mais inclusivo.

    SITUAAO ACTUAL DA EDUCAAO INCLUSIVA (EI) O processo histrico que conduziu E1 passou primeiro

    por Grandes Instituies isoladas e segregadas, nas quais se adoptou a perspectiva longe da vista, longe do corao; mais tarde passou pela Escola Tradicional homognea, selectiva, legitimizadora da desvantagem social, geradora de insucesso e de estigmatizaes inconseqentes, coloca Fonseca (1989). Percorreu a Escola Integrativa classificativa, categorizativa, tolerante, para-clnica, para se projectar numa Escola Inclu-

    Educao Especiat em direo B Educao Inclusiva 47

  • siva, verdadeiramente personalizada, heterognea e multicul- tural, respeitadora das diferenas e solidria, individualizadora e interactiva, redutora de comportamentos inadaptados e ge- radora de processos de comunicao e indutora de indepen- dncia e de modificabilidade.

    De uma educao carregada de conotaes pejorativas, ba- seada em diagnsticos estticos e fixos, ambguos e arbitr- rios, descentrada das necessidades intrnsecas das crianas e dos jovens e seguidora de currculos normalizadores e es- peciais, a escola inclusiva do futuro tem de apostar: na desinstitucionalizao (movimento social que visa substituir instituies isoladas e segregadas por ecossistemas mais hu- manos e familiares, na qual seja possvel os indivduos com NEE interagirem, aprenderem e conviverem com os outros); na propenso habilitacional mxima dos seus estudantes- clientes; na integrao da excepcionalidade; no respeito pela diversidade; na etiologia das dificuldades devido a ecossis- temas envolventes inadequados; nas implicaes educacionais e organizacionais da integrao participativa e no fomento de adaptaes curriculares individualizadas, destacam Gearheart e Weishahn ( 1980).

    As estratgias de interveno a desenhar devem visar an- tes a satisfao de necessidades invulgares dos vrios estu- dantes, o que certamente vai envolver uma provoluo, mais do que uma revoluo (pois h muito a aproveitar e a estimar do passado nesta matria), em nvel dos objectivos, dos ma- teriais, das tcnicas de ensino, dos equipamentos, das facili- dades, dos mltiplos servios.

    O desafio de maximizar o potencial de aprendizagem e de adaptabilidade de todos os estudantes sem excepo e o de- safio de encontrar o lugar mais produtivo e de maior viabili- dade assistencial no so tarefas simples, necessitam de su- portes diferentes, mais prolongados e sofisticados, requerem um continuum de servios e impem a reestrutura total da escola, pois visam em definitivo um enriquecimento dos seus recursos humanos e materiais.

    Em sntese, a escola inclusiva envolve a transferncia de crianas e jovens com NEE de instituies isoladas e segre- gadas para o seio da comunidade, de escolas especiais para

    48 Stobaus, C.D. & Mosquera, J.J.M. (Orgs.)

  • escolas regulares, de classes especiais para classes regula- res. O que est em jogo, em suma, a maximizao possvel da sua integrao social.

    BASES LEGAIS E TICAS: NOVOS DESAFIOS DA ESCOLA INCLUSIVA

    A Escola Inclusiva (EI) encerra inevitavelmente princpios morais e disposies legais, pois trata-se dum assunto to importante que no pode ficar merc de protagonismos po- lticos ou mediticos arbitrrios.

    Uma vez estabelecida a E1 numa escola, os professores tero de tomar decises apropriadas sobre o futuro de seres humanos, pois no basta colocar estudantes com NEE den- tro de salas de aula, comenta Correia ( 1997). Para uma crian- a com necessidades invulgares, para estar verdadeiramente includa numa escola, ela deve ser considerada mais nas suas necessidades do que nas suas deficincias ou disfunes. Como membro de pleno direito da comunidade escolar, ela deve participar efectivamente na vida total da escola, favorecendo sua incluso psicossomtica plena.

    Educar uma criana com NEE ao lado de crianas consi- deradas normais um dos princpios basilares da sociedade democrtica e solidria. Desde a Lei Pblica norteamericana 94-142 (Education for Handicapped Children Act), at a nova lei 10 1-476 (Individuals with Disabilities Education Act), muitas transformaes ocorreram e vo ocorrendo, no sem se registrarem inmeras queixas de pais s autoridades edu- cacionais e aos tribunais.

    Apesar de ser inquestionvel em termos ticos a impor- tncia da E1 nos tempos actuais, ainda se detectam muitas resistncias veladas de professores, de decisores polticos, de administrativos, dos outros pais, adoptando a maioria deles uma atitude de tolerncia no concordante, quando no assumem outras posies mais discordantes.

    Se, por exemplo, temos de criar currculos funcionais para jovens com NEE, integrando actividades como lavandaria, lim- peza, jardinagem, manuteno, carpintaria, tecelagem, que possam ter que ver com a sua socializao e com a sua auto-

    Educao Especial: em direo :, Educao Inclusiva 49

  • nomia prospectiva, muito dificilmente a escola regular est preparada ou cria espaos e servios para o efeito, pois no tem estado vocacionada para tal.

    Colocar crianas e jovens com NEE em escolas ou classes regulares no basta, preciso em primeiro lugar negociar cons- tantemente com os pais, que buscam naturalmente a melhor qualidade de ensino para os seus filhos, e negociar com to- dos os recursos humanos da escola, pois vai ser necessrio implementar modificaes na gesto, na organizao, no equi- pamento, nos suplementos multiteraputicos, e sobretudo, nas atitudes.

    Promover a E1 uma tarefa duma equipa multidisciplinar, que deve adoptar uma estratgia do tipo pensar em grupo pensar melhor, pois s dessa forma se podem explorar todas as opes potenciais de incluso e no s as mais correntes, acessveis ou tradicionais. Sem uma dinmica de equipa, do tipo coaching, com co-lideranas empenhadas na resoluo de problemas, no se podem discutir e implementar planos educacionais individualizados (PEIs), transpondo para a sala de aula regular programas inovadores, desde a modificao do comportamento, psicomotricidade e relaxao, ao enri- quecimento lingustico ou cognitivo, pondera Fonseca ( 1989, 1990, 1999a e b, 2001).

    Se se deseja de facto uma E1 promotora de benefcios a longo prazo, no se pode excluir sem maximizar o potencial adaptativo e de aprendizagem de todas as crianas da comu- nidade escolar, o que pressupe obviamente a criao: de ser- vios de suporte, de adaptaes psicopedaggicas, de modifi- caes curriculares, de processos de avaliao dinmica e lon- gitudinal. A E1 uma nova pgina da educao, pois envolve uma gesto de conhecimento e a sua imediata aplicabilidade, para alm de estratgias de inovao verdadeiramente novas no contexto histrico-cultural da instituio escola.

    Como organizaes de aprendizagem (learning organi- zations) que so, as escolas que lancem mo EI, tornar-se- 60, com o tempo, centros de excelncia educacional, no seu seio intrnseco: lida-se com diferenas individuais; combate- se a recusa arbitrria excluso porque nenhuma criana se pode considerar luz da tica humana ineducvel; dinamiza-

    50 Stobaus, C.D. 8 Mosquera, J.J.M. (Orgs.)

  • se a formao permanente e concreta dos recursos humanos, desde os professores, ao pessoal administrativo, de limpeza, ou outro; introduzem-se novas tecnologias de informao e de comunicao; abrem-se perspectivas de colaborao e de parceria com pais com acesso a organizaes de consultoria e de orientao externas; promove-se a interaco e a indivi- dualizao; entre outras.

    Na E1 no h lugar para a excluso, nem para a desmo- tivao, para o abandono, para a explorao de sentimentos de inferioridade ou de subestimao.

    A E1 pretende trazer os servios s crianas, e no o con- trrio, com essa estratgia fulcral visa pr em prtica um pro- cesso de normalizao em que as crianas diferentes so educadas em envolvimentos abertos e o menos restritivos possvel, numa lgica de retorno das crianas diferentes sala de aula, da qual nunca deveriam ter sado.

    A normalizao constitui uma crena tico-filosfica que refora a idia de que todos os indivduos, mesmo os que so portadores de deficincias, dificuldades, disfunes ou outras condies desfavorveis, devem ser integrado