educação inclusiva - livro

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    NDICE

    NOTA INTRODUTRIA ------------------------------------------------------------------------------ 5

    PARTEI

    EDUCAOINCLUSIVA: CONCEPES

    1. EDUCAO INCLUSIVA: O QUE ACONTECE OU O QUE FAZEMOS

    ACONTECER?---------------------------------------------------------------------------------------- 10

    VtorCruz

    2. AVALIAO INCLUSIVA - UMA AVALIAO CENTRADA NA

    COMPREENSO DO POTENCIAL DE DESENVOLVIMENTO----------------------- 22

    Adelinda Arajo Candeias

    3. FUNDAMENTOS PARA A EDUCAO INCLUSIVA EM PORTUGAL---------- 39

    Mnica Rebocho, Maria Jos Saragoa & Adelinda Candeias

    4. O ESTADO DA ARTE EM EDUCAO INCLUSIVA: O PENSAMENTO DE

    PROFISSIONAIS DETENTORES DE BOAS PRTICAS--------------------------------- 50

    Maria Lusa Fonseca Grcio; Antnio Borralho; Adelinda Candeias;Clarinda Pomar; Elisa

    Chaleta; Heldemerina Pires; Jean-Claude DeVreese; Eva Bernart; Carmem Negril Falc;

    Jenny Evans; Natalia Cabral; Jane Brodin; Ana-Lena Ljusberg

    5. FORMAO DE PROFESSORES PARA A ESCOLA INCLUSIVA: ALGUMAS

    PERSPECTIVAS EUROPEIAS------------------------------------------------------------------- 62

    Clarinda Pomar; Lusa Grcio; Antnio Borralho; Adelinda Candeias; Heldemerina Pires;

    Elisa Chaleta; Jean-Claude DeVreese; Eva Bernart ; Carme Negril Falc; Jenny Evans;

    Natalia Cabral; Jane Brodin; Ana-Lena Ljusberg

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    PARTE II

    EDUCAO INCLUSIVA: PRTICAS

    6. O PAPEL DE FAMLIA NA INCLUSO ESCOLAR------------------------------------ 79

    Heldemerina Pires; Lusa Grcio; Graa Santos; Antnio Borralho; Adelinda Candeias;

    Elisa Chaleta; Clarinda Pomar

    7. CONSTRUINDO PRATICAS EDUCATIVAS INCLUSIVAS A PARTICIPAO

    DOS ALUNOS NOS PLANOS EDUCATIVOS INDIVIDUAIS---------------------------- 89

    Elisa Chaleta, Lusa Grcio, Maria Joo Cortes; Maria Jos Esprito Santo; Jlio Coincas

    8. PERCURSOS INCLUSIVOS NO CICLO DE VIDA DA PESSOA COM

    DEFICINCIA---------------------------------------------------------------------------------------- 95

    Vtor Franco

    9. O LUGAR DAS COMPETNCIAS PESSOAIS E SOCIAIS NA EDUCAO

    INCLUSIVA DE ALUNOS COM NEE-------------------------------------------------------- 113

    Ana Choupana, Ana Oliveira, Maria Carapinha & Adelinda Candeias

    10. INTERVENO INCLUSIVA: REFLEXES A PARTIR DE UM CASO

    PRTICO -------------------------------------------------------------------------------------------- 124

    Mnica Rebocho; Adelinda Candeias; Marta Peniche; Paula Baldeira; Sandra Lagartixo

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    NOTA INTRODUTRIA

    Passados quinze anos sobre a Declarao de Salamanca a Educao Inclusiva uma

    meta para a sociedade europeia a nvel escolar e a nvel social. Persistem, porm, mltiplas

    interrogaes sobre o significado conceptual e prtico da Educao Inclusiva. A sociedade

    actual, focalizada no conhecimento, na comunicao e na globalidade confronta-nos com

    mltiplas diversidades culturais, sociais e pessoais e desafia-nos a repensar o(s) seu(s)

    significado(s). Olhar a(s) diversidade(s) numa perspectiva interpessoal e intrapessoal, que

    olhe a criana inserida numa relao educativa, escolar, familiar e comunitria

    (local/global). Esta perspectiva sobre a(s) diversidade(s), reclama um olhar

    multidimensional sobre o espectro das caractersticas intrapessoais que dever incidir sobre

    o que a criana capaz de realizar (e das dificuldades e necessidades que a caracterizam),mas, essencialmente, sobre o seu potencial de desenvolvimento e de aprendizagem.

    O desenvolvimento da criana o resultado da sua interaco com o meio que pode

    acontecer sempre que a criana se v exposta directamente a fontes externas de estimulao,

    ou sempre que a experincia que poderia depender dessas fontes mediada pela interveno

    de outra pessoa, que de modo intencional estrutura os elementos dessa experincia

    modulando assim a sua influncia sobre a criana. A escola um local privilegiado para

    operar essas mudanas e os professores, a famlia, o prprio aluno e demais agentes

    educativos so mediadores fundamentais nesse processo de incluso de todas as crianas

    numa escola aberta a todos.

    Esta perspectiva sobre a Educao Inclusiva remete para uma interveno educativa

    centrada no desenvolvimento do potencial do aluno, em que os professores assumem

    funes de mediadores. Estas funes de mediao obrigam os docentes e demais tcnicos

    de educao a redireccionar a avaliao e a interveno tradicionais para uma abordagemmais dinmica, multidimensional e centrada no potencial das crianas num contexto de

    escola para todos.

    Os trabalhos de reflexo, investigao e aplicao que compem este livro ilustram

    como persistem na actualidade, por um lado, mltiplas concepes explcitas de natureza

    terica e poltica e implcitas como valores e atitudes que marcam as narrativas e as

    prticas educativas que se planeiam inclusivas. Por outro lado, podem identificar-se uma

    diversidade de aplicaes promotoras de educao inclusiva. Tais aplicaes caracterizam-

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    NOTAINTRODUTRIA

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    se por prticas inovadoras que envolvem mltiplos contextos, como: escolares formais e

    informais, familiar, e comunitrio; e, mltiplos actores: professores, psiclogos, pais, o

    prprio aluno, e outros agentes educativos. Tais concepes e prticas requerem mudanas

    urgentes (Candeias, 2005):

    1. O foco na reparao da criana, se desloque para o foco da formao e da

    qualificao dos professores e demais tcnicos de educao, para promoverem o

    desenvolvimento do potencial da criana.

    2. O foco sobre o que no funciona na criana (dificuldades, deficincias,

    dfices), se redireccione para o que funciona na criana (capacidades e potencial).

    3. O foco centrado nos problemas e no diagnstico, ceda lugar ao foco nos

    recursos e na apreciao da modificabilidade da criana.4. O foco na avaliao esttica do desempenho da criana, mude para o foco na

    avaliao dinmica do potencial e da capacidade de modificabilidade da criana.

    5. O foco na funo do professor que ensina, se transfira para o foco na funo

    do professor mediador de desenvolvimento e de aprendizagem.

    6. O foco na sala de aula, se alargue ao foco na relao sala de aula-escola-

    famlia-comunidade.

    Esta mudana conceptual tem sido preconizada a partir de diversos centros de

    investigao, universidades, associaes e projectos entre os quais destacamos:

    Yale Centre for the Psychology of Abilities, Competencies, and Expertise

    PACE, Centre for Cognitive Development;

    George Mason University, International Centre for the Enhancement of

    Learning Potential ICELP;

    IACEP - International Association for Cognitive Education and Psychology;

    European Comenius Projects:

    INCLUES- Clues to Inclusive and Cognitive Education,

    IRIS Improvement through Research in the Inclusive School, and

    DAFFODIL - Dynamic Assessment of Functioning and Oriented at

    Development and Inclusive Learning.

    Neste livro damos destaque a alguns contributo que emergem da ConfernciaInternacional: Changing Practices in Inclusive Education, no mbito do Projecto IRIS. Para

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    EDUCAOINCLUSIVA:CONCEPESEPRTICAS

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    tal conjugmos dez respostas possveis para esta mudana. Estas respostas, traduzem

    mltiplos olhares sobre Concepes e Prticas em Educao Inclusiva. Estes mltiplos

    olhares cruzam perspectivas de investigadores e prticos de formao multidisciplinar de

    vrios pases e esto organizados em duas partes, a primeira, mais orientada para as

    concepes e, a segunda, mais direccionada para as prticas. As temticas seleccionadas no

    pretendem abarcar todo o espectro da Educao Inclusiva, seleccionmos algumas das que

    mais preocupam a comunidade educativa no nosso pas.

    A primeira parte orientada para uma reflexo em torno das mltiplas Concepes de

    Educao Inclusiva constituda por cinco captulos. O primeiro e o segundo captulos

    apresentam uma reflexo terica sobre o significado da interveno e da avaliao em

    contexto de educao inclusiva, que complementada no terceiro captulo por umadiscusso dos fundamentos legislativos para a sua implementao entre ns. O quarto

    captulo discute as concepes dos profissionais europeus detentores de boas prticas

    inclusivas e o quinto captulo reflecte sobre as necessidades de formao de professores e

    outros agentes educativos, promotoras de boas prticas inclusivas.

    Na segunda parte apresentamos cinco captulos que narram cinco possibilidades

    reflexo e mudana sobre as Prticas em contexto de Educao Inclusiva. Os captulos

    cinco, seis e sete relatam como a famlia e o prprio indivduo so actores fundamentais no

    processo de implementao prtica da educao inclusiva. O captulo nove focaliza a

    necessidade da educao inclusiva se orientar tambm para as competncias pessoais e

    sociais dos alunos e no apenas para as competncias acadmicas. O captulo dez, encerra

    este livro com o relato de um caso de boas prticas inclusivas, integrando concepes

    tericas e discursos prticos sobre o que pode ser a incluso educativa e social.

    Na qualidade de coordenadora deste projecto, gostava de agradecer aos autores queresponderam ao desafio de contribuir com os seus trabalhos para esta publicao e que

    permitiram o desenvolvimento de um livro que poder interessar a professores, educadores,

    psiclogos e socilogos que se dediquem s concepes e prticas sobre Educao

    Inclusiva. Os mltiplos olhares sobre Educao Inclusiva, ficam mais enriquecidos e

    deixam-nos o desafio de continuar a desenvolver estes olhares sobre Incluso educativa e

    social que aqui no foram abordadas. A finalizar, uma palavra de agradecimento pelo apoio

    financeiro da FCT e do Projecto IRIS (Comenius: Education and Culture Life LongLearning Programme) que tornou possvel a concretizao deste livro no mbito do Centro

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    NOTAINTRODUTRIA

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    de Investigao em Educao e Psicologia da Universidade de vora. A formao contnua

    dos agentes educativos promotores de Educao Inclusiva passa tambm pelo encontro entre

    investigao e prtica, entre conhecimento, aco e reflexo, em sntese pelo encontro entre

    Universidade e Escola, em contexto europeu.

    Adelinda Arajo Candeias

    vora, 30 de Maio de 2009

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    PARTE I

    EDUCAO INCLUSIVA: CONCEPES

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    EDUCAO INCLUSIVA: O QUE ACONTECE OU O QUE FAZEMOS

    ACONTECER?

    Vtor Cruz

    Universidade Tcnica de Lisboa - Faculdade de Motricidade Humana (PT)

    1. Introduo

    Como refere Pelpel (1986), afastado o que no essencial, pode afirmar-se que toda

    a situao de educao um equilbrio dinmico entre trs plos, representando o primeiro

    o saber ou a matria (i.e., o currculo), o segundo o aprender ou o aprendente (i.e., o aluno) e

    o terceiro o ensinar ou o ensinante (i.e., o professor).

    Estes trs plos surgem assim como os vrtices de um tringulo equiltero ou

    tringulo pedaggico (Meirieu, 1989), cuja presena simultnea constitutiva do campo da

    educao. Neste sentido, no plo do ensinante (i.e., professor) reside tudo o que diz respeitoao acto de ensinar, s aces do educador, ao sistema de ensino, pois ensinar significa

    organizar as condies de aprendizagem e o reino por excelncia da pedagogia.

    Por seu lado, no plo do aprendente (i.e., o aluno) reside tudo o que tem a ver com o

    acto de aprender, com as aces do educando, com o sistema de aprendizagem, pelo que o

    estudo dos fenmenos da aprendizagem e da motivao est aqui directamente ancorado.

    Quanto ao plo do saber (i.e., currculo), para ele converge tudo o que tem a ver com a

    matria ou assuntos a ensinar e a serem aprendidos.

    Por outro lado, reconhecendo a necessidade e a urgncia de garantir a educao para

    todas as crianas, jovens e adultos com Necessidades Educativas Especiais (NEE)

    (UNESCO, 1994), torna-se fundamental equacionar como actuar quando estamos perante

    estas pessoas com caractersticas particulares no que se refere ao seu processo de

    aprendizagem.

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    EDUCAO INCLUSIVA: CONCEPES E PRTICAS

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    Assim, sendo os aspectos atrs referidos to importantes no processo educativo em

    geral, e do das pessoas com NEE em particular, nosso objectivo estabelecer uma relao

    entre os trs vrtices do tringulo pedaggico e trs teorias da Inteligncia, realizando assim

    uma reflexo que se pretende facilitadora da compreenso e concretizao acto educativo.

    Deste modo, apoiar-nos-emos na Teoria Trirquica da Inteligncia (TTI) de

    Sternberg, para reflectir sobre o Aluno e o que ele , na Teoria das Inteligncias Mltiplas

    (TIM) de Gardner, para incidir sobre o Currculo e o que ele no deve ser, e na Teoria da

    Modificabilidade Cognitiva (TMC) de Feuerstein, para considerar o Professor e o que ele

    dever ser.

    2. Aluno: O que ?

    Para estabelecer a relao entre o aluno e a Teoria Trirquica da Inteligncia (TTI)

    de Sternberg, torna-se necessrio compreender que a mesma compreende trs subteorias,

    Componencial, Experiencial e Contextual, cada uma das quais lidando com diferentes

    aspectos da inteligncia (Sternberg & Spear, 1985).

    Comeando com a subteoria componencial, esta relaciona o conceito de inteligncia

    com o mundo interno da pessoa, ou seja, est orientada para a abordagem dos mecanismosmentais que suportam o comportamento inteligente (Sternberg, 1992; Sternberg & Spear,

    1985).

    Chama-se assim a ateno para a importncia de considerarmos as competnciase

    os estilos cognitivosprprios de cada aluno, bem como de os respeitarmos durante todo o

    processo educativo.

    Assim, para alm de perceber o que o aluno consegue fazer, trata-se de perceber erespeitar o como prefere fazer, capitalizando deste modo as competncias que tem e o modo

    como prefere utiliz-las.

    Ao contrrio da subteoria componencial, que relaciona o conceito de inteligncia

    com o mundo interno da pessoa, a subteoria contextual procura relacionar a inteligncia

    com o mundo externo da pessoa (Sternberg & Spear, 1985), ou seja, preocupa-se com a

    actividade mental que permite alcanar um ajustamento ao contexto e no com a actividade

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    EDUCAO INCLUSIVA: CONCEPES E PRTICAS

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    individual e so diferentes de outras tarefas que a pessoa j realizou exigem uma

    participao intensa e voluntria das componentes da inteligncia.

    Em sntese, para Sternberg (1993 e 1992) a TTI sugere que o comportamento

    inteligente ocorre quando as componentes intelectuais de cada pessoa so aplicadas s suas

    experincias para que aquela se organize e organize o contexto actual com o objectivo de

    melhorar a compatibilidade entre as necessidades e as potencialidades de cada um pessoa

    e contexto.

    3. Currculo: O que no deve ser?

    Para compreender o que o currculo no deve ser, a Teoria das Inteligncias

    Mltiplas (TIM) proposta por Gardner (1983) parece-nos poder dar uma valiosa ajuda.

    Assim, partindo da definio de inteligncia como habilidade de resolver problemas,

    ou criar produtos, que sejam valorizados num ou mais envolvimentos culturais (Gardner,

    1983), a TIM vem pluralizar o conceito tradicional de inteligncia, pois mesmo sendo um

    conceito vlido para descrever algumas capacidades de certas pessoas, ele parece ignorar

    muitos outros talentos individuais notveis (Gardner, 1995).

    Por exemplo os testes que proporcionam a evidncia de um factor geral de

    inteligncia so quase exclusivamente testes que envolvem a linguagem e a lgica, deixando

    de fora outras habilidades da pessoa, como so o domnio das relaes interpessoais,

    espaciais ou corporais, etc.

    Assim, nos seus trabalhos, Gardner (1998, 1995, 1994 e 1983) afirma que todos os

    seres humanos so capazes de, pelo menos, oito diferentes modos de conhecer o mundo, ou

    seja, todos os seres humanos normais desenvolvem pelo menos oito inteligncias.

    O mesmo autor refere que, de acordo com esta formulao, todos ns estamos aptos

    a conhecer o mundo atravs da linguagem, da anlise lgico-matemtica, da representao

    espacial, do pensamento musical, do uso do corpoou de partes dele para resolver problemas

    ou para fazer coisas, de uma compreenso de outros indivduose de uma compreenso de

    ns mesmos, bem como de uma compreenso da naturezaou da nossa existnciacomo seres

    conscientes.

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    EDUCAO INCLUSIVA: O QUE ACONTECE OU O QUE FAZEMOS ACONTECER?

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    Gardner (1983) refere tambm que quase todas as situaes culturais utilizam mais

    do que uma inteligncia e ao mesmo tempo nenhuma prestao pode ser realizada

    simplesmente atravs do exerccio de uma nica inteligncia.

    Uma vez que, como afirma Gardner (1995), todas as inteligncias so parte da

    herana gentica humana, ento todas elas se manifestam em todas as pessoas em algum

    nvel bsico, independentemente da educao ou do apoio cultural. Assim, para o mesmo

    autor, todos os seres humanos possuem certas capacidades essenciais em cada uma das

    inteligncias.

    Em termos de desenvolvimento, cada uma destas inteligncias segue uma

    determinada trajectria natural e, partindo desta evoluo, natural que o papel da instruoem relao manifestao de uma inteligncia mude ao longo da sua trajectria

    desenvolvimental, pois a interveno deve ser feita luz das trajectrias desenvolvimentais

    das inteligncias (Gardner, 1995).

    Deste modo, os alunos beneficiam de uma instruo explcita somente se a

    informao ou a instruo estiver ajustada ao seu estdio especfico na progresso

    desenvolvimental, ou, pelo contrrio, no tm qualquer benefcio se um determinado tipo de

    instruo for precoce ou tardia demais em relao a essa progresso ou no se preocupar

    com as suas competncia/inteligncia.

    Para Gardner (1994) as pessoas possuem quantidades variadas destas inteligncias,

    combinam-nas e usam-nas de modos pessoais e idiossincrticos, pois do mesmo modo que

    todos ns parecemos diferentes e exibimos personalidades diferentes, tambm possumos

    tipos de mentes diferentes.

    Gardner (1995) acrescenta ainda que pode acontecer que uma pessoa no seja

    especialmente bem dotado em nenhuma das inteligncias e, contudo, em virtude de uma

    determinada combinao ou mistura das suas capacidades, talvez consiga realizar

    singularmente bem certas tarefas

    Por outro lado, refere que existe uma independncia entre as inteligncias, o que se

    traduz na possibilidade de um alto nvel de capacidade numa inteligncia no requer um

    nvel igualmente alto em outra inteligncia (Gardner, 1995).

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    EDUCAO INCLUSIVA: CONCEPES E PRTICAS

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    Assim, segundo Gardner (1994), a diferena entre as pessoas surge a dois nveis

    principais: (a) no vigor destas inteligncias o perfil de inteligncias de cada pessoa, e (b)

    na forma como cada pessoa invoca e combina tais inteligncias para realizar tarefas,

    resolver problemas e progredir em vrias reas.

    O que atrs vem sendo dito acerca da TIM pode ter implicaes decisivas a vrios

    nveis, particularmente no que se refere aos modos pelos quais executamos as nossas

    intenes educativas (Gardner, 1994).

    Assim, fcil perceber que at agora a instruo formal da maioria das escolas na

    maioria das culturas enfatizou exclusivamente uma certa combinao das inteligncias

    lingustica e lgico-matemtica, com eventuais prejuzos para aqueles alunos comcapacidades em outras inteligncias (Gardner, 1995 e 1994).

    No obstante aquela ser considerada uma combinao indubitavelmente importante

    para dominar as tarefas da escola, Gardner (1994) refere que fomos muito longe ao ignorar

    as outras inteligncias, pois ao minimizar a importncia dessas outras inteligncias dentro e

    fora da escola:

    - levamos muitos alunos crena de que so tolos, apenas porque fracassam emexibir a combinao adequada, e

    - no tiramos vantagens dos modos pelos quais as mltiplas inteligncias podem ser

    exploradas para atingir de modo mais amplo as metas da escola e da cultura.

    Procurando dar resposta a esta situao, Gardner (1995) prope que a organizao da

    escola ideal do futuro se deve basear em duas suposies:

    A primeira delas de que nem todos os alunos tm os mesmos interesses e

    habilidades e nem todos aprendem da mesma maneira;

    A segunda suposio a de que, actualmente, ningum pode aprender tudo o que

    h para ser aprendido.

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    EDUCAO INCLUSIVA: O QUE ACONTECE OU O QUE FAZEMOS ACONTECER?

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    Portanto, esta escola centrada no aluno teria que ser rica na avaliao das

    capacidades e tendncias individuais para procurar adequar aos alunos tanto as reas

    curriculares como as maneiras particulares de ensinar esses assuntos (Gardner, 1995).

    O referido autor acrescenta ainda que, mesmo depois dos primeiros anos, a escola

    tambm deveria procurar adequar aos alunos os vrios tipos de vida e de opes de trabalho

    existentes na sua cultura.

    Deste modo, uma educao construda sobre as mltiplas inteligncias poder ser

    mais efectiva que uma construda apenas sobre duas inteligncias, pois permite desenvolver

    uma gama mais ampla de talentose permite tornar o currculo-padro acessvel para uma

    maior quantidade de alunos(Gardner, 1994).

    4. Professor: O que dever ser?

    A Teoria da Modificabilidade Cognitiva (TMC) de Feuerstein o modelo escolhido

    por ns para explicar o que o professor dever ser. A TMC um modelo que para alm de

    nos permitir entender o funcionamento das componentes da inteligncia (funes

    cognitivas), nos permite avaliar e melhorar os processos da inteligncia (Feuerstein, 1993).

    Como o prprio autor refere, a TMC representa o comeo de um novo paradigma

    que pretende rever diferentes teorias da psicologia e da educao, pois a filosofia em que se

    fundamenta envolve a necessidade de se saber como utilizar as diferentes modalidades de

    pensamento humano.

    Os seus efeitos no campo da educao e da psicologia passam, segundo Feuerstein

    (1993), pela necessidade de considerar a inteligncia como algo que se pode aprender e no

    como algo fixo. Deste modo, a resposta questo possvel aprender a ser inteligente?,, evidentemente, SIM.

    Mas para que esta seja a resposta necessrio considerar a modificabilidadecomo

    uma caracterstica da inteligncia humana, sendo igualmente importante ensinar ao ser

    humano a ser inteligente pelo aproveitamento da sua flexibilidade e autoplasticidade

    (Feuerstein, 1993).

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    Para responder primeira questo Feuersteinet al. (1986) refere que a actual nfase

    no desenvolvimento das habilidades do pensamento crtico reflecte o reconhecimento de que

    as pessoas tm de ser capazes de lidar com as novas e rpidas mudanas envolvimentais.

    No entanto, os mesmos autores referem que, apesar de importante, a aquisio do

    pensamento crtico no suficiente para a adaptao a situaes novas e complexas, pois

    esta adaptao requer uma flexibilidade interna.

    Assim, adiantam que a presena das funes cognitivas adequadas e o controlo

    dessas funes que permite pessoa viver numa sociedade tecnolgica na qual os avanos

    so to rpidos que muita da informao que foi adquirida na escola se torna obsoleta antes

    de poder ser aplicada.

    No que se refere segunda questo, Feuerstein (1980), Feuerstein et al. (1986),

    Fonseca (1998) e Fonseca & Santos (1995) apresentam-nos resultados de pesquisas onde

    so utilizados diversos programas de interveno ao nvel da inteligncia, que suportam a

    hiptese de que a modificabilidade cognitiva no apenas possvel, mas tambm quase

    dramaticamente fcil de levar a termo.

    Deste modo, para Feuersteinet al. (1986) a viso de que o ser humano um sistemaaberto que pode ser modificado deve ser motivo de reflexo na prtica educativa.

    Por fim, para que a modificabilidade cognitiva seja levada a cabo com sucesso e os

    alunos aprendam a aprender e a pensar, os educadores, ocupando um papel chave na

    tentativa de modificar a estrutura cognitiva, tm de desenvolver e investir em programas de

    interveno que afectem o destino dos seus educandos (Feuersteinet al., 1986).

    5. Reflexes finais

    Procurando fazer agora uma breve reflexo final, gostaramos de comear por deixar

    claro que consideramos que estas trs teorias da Inteligncia tm uma importncia

    fundamental para que possam ser criadas estratgias complexas, multidimensionais e

    modificveis de criao de melhores condies de ensino, de educao e de aceitao dos

    outros.

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    EDUCAO INCLUSIVA: CONCEPES E PRTICAS

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    Por seu lado, pensando no papel dos educadores (professores, pais ou outros),

    gostaramos de reforar algumas ideias que consideramos fulcrais:

    fundamental perceber quais so os estilos cognitivosdos nossos alunos, ou seja, para

    alm de perceber o que que os nossos alunos gostam e conseguem fazer, importante

    entender como que eles preferem fazere quais so as competncias envolvidas.

    Devemos preocupar-nos mais com o modo como os nossos alunos aprendem e resolvem

    os problemasdo que com o produto dessa aprendizagem e resoluo, pois enquanto os

    processospermanecem e so generalizveis, os produtos esgotam-se neles prprios.

    aconselhvel no comparar os nossos alunos com mdias frias e impessoais, e, pelo

    contrrio, devemos procurar perceber quais so as suas caractersticas particulares e

    intrnsecas, de modo a podermos perspectivar de modo afectivo e personalizado a sua

    evoluo, tendo-os comoreferncias de si prprios.

    Existem vrios momentos no desenvolvimento, bem como existem diferentesdomnios

    em desenvolvimento, pelo que se torna fundamental percebe qual o momento de

    desenvolvimento e que domnios esto envolvidos em determinado perodo da vida dos

    nossos alunos, para podermos organizar as exigncias, as solicitaes e as expectativas

    em funo das suas competncias, necessidades e interesses variados.

    As competncias intelectuais dos nossos alunos somodificveis, portanto necessrioser optimista em relao a essa modificabilidade e estimul-la, procurando sempre

    afastar qualquer ideia preconcebida que limite a nossa crena optimista na riqueza

    intelectual dos nossos alunos.

    A actividade intelectual dos nossos alunos pode pois ser comparada ao fluxo de gua

    de um rio que capaz de se adapta s caractersticas do terreno, moldando o seu correr de

    acordo com o solo e no tendo uma forma constante, o que lhe permite ser modificvel e

    adaptvel de acordo com cada conformao especfica de terreno.

    Mas o que se verifica na maioria das vezes que esse fluxo de gua (i.e., actividade

    intelectual) dificultado, pois desviado do seu percurso natural e orientado por foras

    exteriores que, de um modo deliberado, se organizam contra o fluxo natural e decidem

    quando, para onde e como ele h-de correr, sem terem em considerao a riqueza e a

    idiossincrasia particular do fluxo inicial.

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    EDUCAO INCLUSIVA: CONCEPES E PRTICAS

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    AVALIAO INCLUSIVA - UMA AVALIAO CENTRADA NA

    COMPREENSO DO POTENCIAL DE DESENVOLVIMENTO

    Adelinda Arajo Candeias

    Universidade de vora, Departamento de Psicologia e Centro de Investigao em Educao e

    Psicologia (PT)

    1. Introduo

    Neste captulo fundamentamos conceptualmente a necessidade de ultrapassar a

    tradicional perspectiva sobre a avaliao psicoeducativa centrada nos dfices, ou seja nas

    dificuldades e nas deficincias, para uma perspectiva processual, funcional centrada no

    potencial do aluno para aprender e para se desenvolver. Propomos uma discusso dos

    principais fundamentos para a urgente mudana a operar na concepo de avaliao se

    deslocar do diagnstico sobre o que o aluno faz, para o que o aluno poder conseguir fazer

    atravs da aco educativa. Trata-se de uma avaliao centrada na compreenso do alunoatravs da caracterizao do potencial de aprendizagem e de desenvolvimento do aluno.

    Esta forma de conceber a avaliao pressupe uma continuidade entre avaliao e

    interveno educativa, por contraste avaliao tradicional centrada nas classificaes

    diagnsticas de difcil transposio para a interveno educativa que impunha uma

    descontinuidade entre o que se avaliava e o que se ensinava, assim como entre quem

    avaliava e quem ensinava.

    A avaliao centrada no potencial de aprendizagem desloca o foco do diagnstico

    das dificuldades de aprendizagem do desempenho actual, habitualmente centrado nos

    dfices e no que o aluno no capaz de fazer, para uma abordagem centrada na anlise dos

    processos de funcionamento (da aprendizagem) com uma estreita ligao s estratgias de

    interveno a implementar para alcanar nveis educacionais de eficcia, e eficincia

    generalizveis a todos os alunos. Para tal, este tipo de avaliao compreensiva incide sobre

    as variveis mediadoras do funcionamento intraindividual ateno, percepo, memria,

    motivao, combinao, seleco e elaborao de resposta e resposta e do funcionamento

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    interindividual estabelecimento de uma relao com o adulto que ensina e ou avalia a

    criana.

    Trata-se de uma abordagem avaliativa que coloca o foco no processo relacional,

    dinmico e interactivo, para analisar e caracterizar os processos psicolgicos que esto

    subjacentes resoluo de problemas, aprendizagem, adaptao e inteligncia humana,

    responsabilidade e resilincia (Sternberg, 2008). Este tipo de avaliao est para alm da

    resposta tradicional que os testes de QI e que os testes escolares de conhecimentos nos do e

    procura ultrapassar as crticas que nas ltimas trs dcadas se tm levantado avaliao

    tradicional centrada no desempenho e nos produtos atravs de um conjunto de linhas

    orientadoras (Candeias et al., 2005), das quais destacamos:

    A avaliao tradicional centrada nas classificaes normativas, dever dar lugar

    centrada na compreenso do potencial e da capacidade de aprendizagem/desenvolvimento

    do aluno, com o intuito de clarificar como, onde e com que recursos intervir, com todos os

    alunos com dificuldades de aprendizagem, com dfices cognitivos, com problemas

    emocionais e psicomotoras, com provenincias lingusticas, tnicas e culturais especficas,

    entre outros.

    A abordagem avaliativa centrada na classificao dos dfices dos alunos dever dar

    lugar compreenso do potencial e das dificuldades, com o intuito de identificar as

    estratgias mais adequadas a uma interveno promotora da aprendizagem e do

    desenvolvimento do aluno.

    Assume-se, claramente, a importncia do contexto e da educao-formao na

    modificabilidade cognitiva e no desenvolvimento do potencial de cada aluno.

    A interveno individualizada, centrada na aco sobre o aluno d lugar a uma

    interveno centrada na relao professor-aluno. O professor um mediador que assume um

    papel fundamental na avaliao, na activao do desenvolvimento do potencial do aluno e

    na seleco das estratgias mais eficientes para a aprendizagem dos contedos educativos.

    A concepo de uma escola inclusiva como uma escola de excelncia para todos que

    enfatiza um processo educativo adaptvel de forma flexvel e direccionado para o ensino de

    todos alunos. Os resultados do processo educativo no so um objectivo em si, mas uma

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    DESENVOLVIMENTO

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    consequncia do mesmo. As instituies educativas devero preocupar-se com a adequao

    do processo educativo a todos os alunos em vez de se concentrarem nos resultados.

    Esta mudana de um paradigma centrado no dfice, para um paradigma centrado no

    potencial sustenta uma transformao da avaliao educacional, pedaggica e psicolgica, o

    foco no diagnstico dos dfices, das dificuldades e das perturbaes desloca-se para o

    diagnstico do potencial de modificabilidade, de educabilidade, de aprendizagem, numa

    palavra desenvolvimento.

    Para fundamentarmos esta proposta de avaliao inclusiva, dinmica, funcional e

    processual, focalizada no potencial de desenvolvimento e aprendizagem organizamos este

    captulo em quatro pontos: (1) A emergncia de um conceito de avaliao ao servio dainterveno educativa inclusiva; (2) O que se avalia: Potencial, Modificalidade,

    Aprendizagem, Experincia em Desenvolvimento; (3) Actores principais do processo de

    avaliao: Professores, Pais e Aluno; (4) O professor: Um avaliador e um mediador do

    desenvolvimento do aluno .

    2. A emergncia de um conceito de avaliao ao servio da interveno

    educativa inclusiva

    Temos assistido, nos ltimos 30 anos, emergncia dum paradigma de Avaliao

    Inclusiva ou Avaliao Alternativa centrada no Potencial de Aprendizagem e de

    Desenvolvimento. Esta abordagem tem-se vindo a desenvolver a partir de diversos centros

    de investigao, universidades e associaes, entre os quais destacamos:

    Yale Centre for the Psychology of Abilities, Competencies, and Expertise PACE, Centre

    for Cognitive Development;

    George Mason University, International Centre for the Enhancement of Learning Potential

    ICELP;

    International Association for Cognitive Education and Psychology IACEP.

    European Comenius projects:

    INCLUES- Clues to Inclusive and Cognitive Education,

    IRIS Improvement through Research in the Inclusive School, and

    DAFFODIL - Dynamic Assessment of Functioning and Oriented at Development and

    Inclusive Learning;

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    A emergncia deste paradigma de Avaliao-Interveno, centrado no

    desenvolvimento do potencial do aluno est alicerada em polticas geradoras de uma

    educao para todos, uma educao inclusiva. Desde a Declarao de Salamanca, diversos

    pases da Europa Comunitria (Lloyd, 2006; Shevlin & Rose, 2007; Watkins, 2007) e da

    Amrica (Elliot, Braden & White, 2001; Lucas et al., 2004; Paula & Enumo, 2007)

    desenvolveram polticas de educao com impacto sobre a avaliao para uma educao

    inclusiva. Estas polticas tiveram como consequncias directas, entre outras: (i) definio de

    objectivos educacionais que reflectem os padres de desempenho esperado dos alunos; (ii)

    criao de servios de acompanhamento do desempenho dos alunos em funo das medidas

    implementadas nos programas escolares que disponibilizam essa informao no domnio

    pblico; (iii) desenvolvimento de sistemas de avaliao comuns para todos os alunos que

    incluem os alunos com necessidades especficas de educao, (Watkins, 2007). Isto

    significa que os alunos com necessidades especficas de educao tm o direito de aceder a

    avaliaes nacionais apropriadas s suas necessidades. Tais polticas sugerem que a : (i)

    avaliao dever basear-se em padres de aprendizagem; (ii) desempenho a avaliar deve ser

    representado de forma real e adequada; (iii) avaliao deve ser incorporada no currculo de

    ensino; (iv) a avaliao deve ter por objectivo fornecer vrios tipos de dados sobre a

    aprendizagem dos alunos; (v) os padres educacionais devem ser avaliados, mas, no s

    atravs da imposio de testes estandardizados focalizados nos resultados; (vi) as pessoas

    que realizam avaliaes devem ser as mesmas que concebem e implementam e,

    posteriormente, apresentam o relatrio dos resultados da avaliao e consequentemente

    participam na elaborao dos PEIs; (vii) as boas prticas e as prticas inovadoras devem ser

    utilizadas para orientar as polticas e planear o sistema de avaliao (Candeias et al., 2009).

    No mesmo sentido, a Agncia Europeia para o Desenvolvimento em Necessidades

    Educativas Especiais - AEDNEE - definiu recentemente que a avaliao inclusiva deverincorporar os testes e os procedimentos que fornecem a informao percebida por alunos,

    pais, professores, polticos e demais actores do processo educativo, como base para tomar as

    decises que directa e indirectamente tenham impacto sobre as experincias educacionais e

    o futuro dos alunos (Watkins, 2007, 26).

    Em sntese, estas propostas polticas tm consequncias profundas na organizao

    escolar, nas prticas avaliativas e pedaggicas. Para podermos acompanhar a sua

    implementao com eficcia necessrio continuar a apostar numa atitude de investigao-

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    DESENVOLVIMENTO

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    aco para avaliar o impacto destas novas orientaes na avaliao e interveno inclusivas,

    assim como reflectir sobre os impactos nas prticas pedaggicas e educativas. Que

    mudanas prticas sero necessrias para implementar com eficcia a avaliao inclusiva

    que favorea as prticas educativas inclusivas?

    3. O que se avalia: Potencial, Modificalidade, Aprendizagem, Experincia em

    Desenvolvimento

    Este paradigma para a Avaliao-Interveno Inclusivaassenta no pressuposto

    conceptual que o ser humano um sistema aberto, susceptvel de mudanas cognitivas que

    afectam o seu funcionamento (Feuerstein, 1980). A modificabilidade das estruturas

    cognitivas resulta de dois tipos de interaco entre o organismo e o ambiente: (i) a primeiraacontece sempre que o aluno se expe directamente a fontes externas de estimulao; e (ii) a

    segunda ocorre quando essa experincia mediada pela interveno de um adulto que, de

    um modo intencional, estrutura os elementos dessa experincia, modelando assim a sua

    influncia sobre o aluno. Nesta experincia, designada, Experincia de Aprendizagem

    Mediatizada, o agente mediador desempenha um papel fulcral ao seleccionar, elaborar,

    filtrar e organizar os estmulos mais apropriados para a realizao da tarefa. O aluno adquire

    assim padres de comportamento e aprendizagem que se convertem em ingredientes bsicos

    da sua capacidade de modificao ou mudana (Feuerstein, 1980). Ou seja, o mediador

    determina a frequncia, ordem, intensidade e o contexto dos estmulos apresentados ao

    aluno. Desta forma, so os mediadores que despoletam no aluno a ateno, a curiosidade e

    sensibilidade aos estmulos mediatizados, procurando criar conjuntamente com o aluno

    relaes temporais, espaciais e de causa-efeito entre estmulos (Haywood & Tzuriel, 1992;

    Haywood, Tzuriel & Vaught, 1992). O mediador desempenha, assim, um papel importante

    no s no desenvolvimento do potencial de aprendizagem do aluno, mas tambm na

    identificao de possveis dificuldades deste face s diferentes etapas de resoluo de

    problemas, ajudando-o a super-las. Os alunos podem deparar-se com dificuldades ao nvel

    da recolha, elaborao, codificao e comunicao da informao relativa ao problema, e

    tambm ao nvel dos factores afectivo-motivacionais (Alonso-Tapa, 2002).

    Dotar o indivduo de experincias de aprendizagem mediatizada pode, por isso,

    contribuir para a superao de tais dificuldades. A preparao de tais experincias parte

    sempre de uma avaliao e diagnstico das dificuldades e do potencial cognitivo ou deaprendizagem do aluno. Por este razo a avaliao realizada assume um carcter dinmico

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    porque se direcciona para as capacidades latentes do indivduo, com o objectivo de

    quantificar o potencial do aluno, isto , avaliar a inteligncia modificvel e susceptvel de

    desenvolvimento. Enquanto a avaliao tradicional enfatiza os resultados obtidos com base

    nas aptides j desenvolvidas, (permitindo deste modo caracterizar a forma como o aluno

    adquire, armazena e usa a informao), a avaliao dinmica focaliza a sua ateno na

    quantificao dos processos psicolgicos que intervm na aprendizagem e na mudana.

    Nesta forma de avaliao prev-se o uso dofeedback sobre a eficcia do desempenho, o que

    influi na motivao e na percepo de auto-eficcia do aluno, factores determinantes para o

    sucesso na realizao de qualquer tarefa. De destacar, ainda que a natureza da relao entre

    a criana e o avaliador interactiva e bidimensional ao contrrio da relao de neutralidade

    caracterstica da situao de testing tradicional (Sternberg & Grigorenko, 2002). A nvel

    internacional tm sido desenvolvidas diversas abordagens, com principal destaque para as

    de Feuerstein (1980; 1996) e Budoff (1968) e mais recentemente a de Sternberg e

    Grigorenko (1994a, 2002). Entre ns, tm sido realizados diversos estudos, entre os quais

    destacamos, Arajo e Almeida (1996a,b); Candeias, Almeida, Rodrigues e cols. (2004);

    Candeias e cols. (2005); Cruz e Fonseca (2001); Simes (1995; 2000); Casas e Almeida

    (1996); Rosrio, Candeias e Cruz (2007).

    Esta abordagem avaliao das capacidades humanas apoia-se na concepo de queo desenvolvimento humano constitudo por sucessivas aprendizagens e remete-nos

    obrigatoriamente para o conceito de inteligncia e para a questo da sua modificabilidade.

    Nesta perspectiva, o conceito de inteligncia e de aptido remetem para a construo de

    experincia em desenvolvimento, ou o processo contnuo de aquisio e consolidao de

    um conjunto de aptides necessrias para um nvel elevado de experincia ou domnio num

    ou mais mbitos de actuao, no sentido ao que foi proposto por Sternberg e Grigorenko

    (2002, p.17). As provas tradicionais de aptides e de inteligncia, avaliam apenas uma partedaquelas dimenses psicolgicas aptido e inteligncia habitualmente a experincia e o

    domnio, o que as aproxima dos testes de rendimento. Alguns autores (por exemplo:

    Anastasi, 1990), propem mesmo que as provas tradicionais medem o rendimento que um

    indivduo deveria ter tido h alguns anos atrs. O problema quando esse rendimento nos

    testes usado para inferir uma relao causal entre inteligncia e o xito exterior na escola

    ou no trabalho (Candeias et al., 2005). Quando, o que estamos a medir , apenas, uma parte

    do que se expressa, ou seja as manifestaes da experincia em desenvolvimento, que no

    mais do que um precursor temporal do rendimento escolar, mas no um precursor

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    DESENVOLVIMENTO

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    psicolgico (Sternberg & Grigorenko, 2002). As medidas de inteligncia devero ento estar

    correlacionadas com o sucesso posterior, quer se tratem de medidas de aptido ou de

    rendimento. Ento a realizao de uma actividade especfica (e.g. prova de raciocnio

    abstracto, prova escolar de matemtica ou de lngua portuguesa) depende de vrios

    componentes: aptides metacognitivas (e.g. reconhecimento, definio e representao de

    problemas, formulao de estratgias, avaliao da resoluo de problemas, etc.), aptides

    para a aprendizagem (e.g. codificao, combinao e comparao selectivas), aptides para

    o pensamento (e.g. analisar, avaliar, levantar hipteses, imaginar, etc.), tipo de motivao da

    pessoa (se orientada para a auto-eficcia ou para o ganho), e do contexto (e.g. lngua

    materna, familiaridade com o material, importncia que a sua realizao tem para o

    indivduo, apresentao do material ao aluno, etc.).

    Esta forma de conceber o funcionamento cognitivo do aprendiz enquanto

    experincia em desenvolvimento encontra-se muito prxima do conceito de inteligncia

    dinmica, ou modificvel, proposto por Almeida (1993, 2002), Feuerstein (1996), e

    Sternberg (2008), entre outros. Nesta perspectiva, assume-se uma viso centrada na

    educabilidade e adaptabilidade do aluno, uma propensabilidade para mudar e para mudar-se:

    we define intelligence as thepropensity of the organism to modify itself in order to be able

    to respond in an adaptative way to changes in the conditions of the stimuli, and to itsparticular needs (Feuerstein, 1997, p.276 apud Sternberg & Grigorenko, 2002). A

    inteligncia no considerada um trao, com uma natureza fixa, expressando-se da mesma

    forma em tempos diferentes, estvel e relativamente imutvel. Pelo contrrio, considerada

    como um estado a state is a dynamic condition that modifies itself and can be modified,

    can be changed...if a condition exists which may affect the state, such as a particular event

    or intervention, we may witness a more or less significant change in the state (Ibidem). O

    desenvolvimento das estruturas cognitivas do aluno o resultado dos tipos de interacoentre o organismo e o seu meio que pode acontecer sempre que o organismo se v exposto

    directamente a fontes externas de estimulao ou sempre que a experincia que poderia

    depender dessas fontes mediada pela interveno do adulto nesta situao, o professor

    que de modo intencional estrutura os elementos dessa experincia modulando assim a sua

    influncia sobre a criana. A inteligncia deixa de ser considerada como algo estvel, trata-

    se sim de uma estrutura e sustentada em processos capazes de sofrerem modificabilidade,

    sendo esta mudana produzida pela interaco do aluno com o meio social. Assim, o

    desenvolvimento cognitivo do indivduo muda quando h interaco, sendo esta interaco

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    mediatizada pelos outros indivduos. A capacidade de aprendizagem do indivduo o mais

    valorizado: quando e como capaz de aprender, e no o conhecimento que demonstra num

    momento ou num determinado domnio, tendo em conta a individualidade e particularidade

    dos processos de aprendizagem de cada aluno, e no os resultados quantitativos obtidos em

    testes estandardizados e com referncia ao grupo (Casas & Almeida, 1996).

    Neste sentido a inteligncia entendida como um potencial, que se operacionaliza

    a partir da comparao entre as capacidades intelectuais actuais e potenciais. Esta concepo

    radica na Teoria de Vygotsky sobre as funes mentais superiores (Moll, 2002). Um dos

    conceitos fundamentais desta teoria Zona de Desenvolvimento Prximo (ZDP) pe a

    tnica no que o indivduo, neste caso o aluno, pode vir a aprender e a desenvolver, ou seja,

    no que ele no momento em que avaliado, mas o que pode vir a ser, no o que j estdesenvolvido, mas o que est em desenvolvimento. Trata-se por isso de um conceito que

    preconiza um estado de sensibilidade aprendizagem de contedos culturais criados por

    membros mais experientes da cultura, com qualidades histricas e culturais definidas, e que

    determina a aprendizagem e o desenvolvimento do indivduo dentro de dada cultura

    (Rogoff, 1990). As funes mentais superiores, como a inteligncia e aprendizagem, so

    entendidas como um potencial, que se operacionaliza a partir da comparao entre as

    funes actuais e as funes potenciais. Ou seja, operacionaliza-se a partir da comparaoentre o Nvel de Desenvolvimento Actual (NDA) e o conjunto de actividades que capaz de

    realizar com ajuda, colaborao e orientao de outros Nvel de Desenvolvimento

    Prximo (NDP) (Leito, 2004). Esta noo de Potencial de Aprendizagem (PA) torna-se

    uma alternativa ao conceito tradicional de inteligncia e desempenho. Nesta perspectiva a

    avaliao do PA concebida como a capacidade de aprendizagem revelada pelo aluno

    quando este pode ter uma experincia de aprendizagem em condies propcias

    manifestao das suas reais potencialidades. Sternberg e Grigorenko (2002), considerammesmo que este conceito se tornou um dos mais conhecidos na Psicologia e na Educao

    Ocidental, nomeadamente pelas suas implicaes directas na compreenso das diferenas

    entre aprendizagem e desenvolvimento; funes cognitivas maduras face a funes

    cognitivas em processo de maturao; e, o que indivduo pode fazer s por si e o que pode

    fazer com a ajuda de outros.

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    4. Actores principais do processo de avaliao: Professores, Pais e Aluno

    Como referimos em trabalhos anteriores (Candeias et al., 2009) avaliao dos alunos

    tradicionalmente configurada em funo de categorias e classificaes diagnstico de

    difcil transformao em orientaes educativas e pedaggicas que orientem as estratgias

    de ensino-aprendizagem a implementar em contexto educativo escolar e/ou familiar. Os

    testes psicolgicos e educacionais normalizados, so, geralmente, pouco acessveis aos

    professores em sala de aula, e so concebidos numa perspectiva, tipo clnico afastada do

    contexto em que o aluno se insere. Nesta linha, j em 1995, Bickel e Hattrup defendiam que

    existe um crescente reconhecimento de que os dados recolhidos num processo de avaliao,

    dever ser uma responsabilidade partilhada por profissionais de diferentes comunidades

    cientficas em trabalho colaborativo e a famlia da criana. Deste modo devero colaborarpara desenvolver ferramentas de avaliao diagnstica para uso na avaliao formativa.

    necessrio que os professores adoptem uma avaliao centrada na aprendizagem,

    baseada na informao diagnstica sobre o aluno, para planear o processo de ensino-

    aprendizagem e determinar o que fazer com cada um. Este procedimento deve ser associado

    avaliao da eficcia das estratgias de ensino como auto-ajuda para o professor ajustar as

    medidas educativas mais adequadas, assim como, para avaliar os progressos do aluno.

    Neste contexto, a formao de professores, constituir um argumento fundamental

    para implementar o trabalho pedaggico com alunos com NEE, especialmente em tcnicas

    especializadas de avaliao inclusiva. Tambm Hattie (2005) defende que para a avaliao

    inclusiva ser implementado e apoiar eficazmente o ensino e a aprendizagem, necessrio

    transferir o pensamento dos professores dos dados classificativos da avaliao para a

    compreenso da avaliao e suas implicaes para no planeamento da interveno

    educativa. Este aspecto foi apontado como crucial para o desenvolvimento de atitudes ecompetncias nos professores que apoiam uma incluso educacional bem sucedida (Kemp

    & Carter, 2005), especialmente para: (i) melhorar a formao dos professores na conduo

    de avaliaes; (ii) ligar a avaliao alternativa de currculos e programas pedaggicos; (iii)

    ligar a avaliao a Planos Individuais de Educao.

    Tal como Falvey prope, desde 1995, os pais e os prprios alunos tm um papel

    crucial em todos os aspectos do processo de educao, mas muito particularmente nos

    processos de avaliao. Hammeken, (1995) utiliza estudos de caso de professores, pais e dos

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    prprios alunos para ilustrar a forma como o processo de avaliao e de instruo pode ser

    efectivamente enriquecido em ambientes inclusivos se tiver em conta todos estes pontos de

    vista e inputs. Porm, o papel dos pais na avaliao da aprendizagem dos seus filhos com

    necessidades de aprendizagem e NEE tem alguns prs e contras, pois apesar de os pais

    poderem ser uma fonte de informao rica e valiosa para a avaliao das crianas, podem ter

    ideias pr-concebidas sobre o que a avaliao ou deveria ser, o que pode resultar em

    situaes de conflito. Wehmeyer e cols. (2004), destacam a importncia da participao do

    aluno com dificuldades de aprendizagem e NEE na sua avaliao, destacando a sua

    autodeterminao como um meio para o aluno assumir um papel central na sua prpria

    educao. Para que tal seja possvel professores e pais devem preocupar-se em ensinar aos

    alunos como estar envolvido na auto-avaliao - no apenas como um meio para melhorar a

    avaliao, mas tambm como desenvolver a sua autonomia na aprendizagem.

    5. O professor: Um avaliador e um mediador do desenvolvimento do aluno

    Partindo da premissa bsica de que o ser humano um sistema aberto, susceptvel a

    mudanas cognitivas que afectam o seu funcionamento e tem a capacidade nica de

    modificar as suas funes cognitivas e de se adaptar s mudanas do seu contexto, diversos

    autores (p. ex., Feuerstein, 1996; Sternberg, 2008), atribuem a responsabilidade da

    modificabilidade cognitiva fundamentalmente aos agentes mediadores entre a criana e o

    seu meio. O que quer dizer que a modificabilidade das estruturas cognitivas do indivduo

    resultado de dois tipos de interaco entre o organismo e o ambiente: a primeira acontece

    sempre que o indivduo se expe directamente a fontes externas de estimulao; e a segunda

    ocorre quando essa experincia mediada pela interveno de um adulto que, de um modo

    intencional, estrutura os elementos dessa experincia, modelando assim a sua influncia

    sobre a criana. Esta experincia denominada por Feuerstein (1996) de Experincia de

    Aprendizagem Mediada.

    Este tipo de experincia de aprendizagem, em que h a interveno intencional de

    um agente externo acontecem quando um agente mediador pais, irmos, professores,

    psiclogos - selecciona os estmulos mais apropriados para a criana, chama a sua ateno

    sobre certos aspectos do estmulo e no sobre outros.

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    AVALIAO INCLUSIVA - UMA AVALIAO CENTRADA NA COMPREENSO DO POTENCIAL DE

    DESENVOLVIMENTO

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    O agente mediador tem ento um papel determinante ao seleccionar, elaborar, filtrar

    e organizar os estmulos mais apropriados para a realizao da tarefa de aprendizagem. O

    aluno adquire assim padres de comportamento e aprendizagem que se convertem em

    ingredientes bsicos da sua capacidade de modificao (Feurstein, 1980). Ou seja, o

    mediador determina a frequncia, ordem, intensidade e o contexto dos estmulos

    apresentados ao aluno. Desta forma so os mediadores que despoletam no aluno a ateno, a

    curiosidade e sensibilidade aos estmulos mediatizados, procurando criar conjuntamente

    com o aluno relaes temporais, espaciais e de causa-efeito entre estmulos (Haywood &

    Tzuriel, 1992).

    O mediador desempenha, ento, um papel fundamental no s no desenvolvimento

    do potencial de aprendizagem do aluno, mas tambm na identificao de possveisdificuldades deste face s diferentes etapas de resoluo de problemas, ajudando-o a super-

    las. Podem surgir dificuldades ao nvel da recolha, elaborao, codificao e comunicao

    da informao relativa ao problema, e tambm a nvel dos factores afectivo-motivacionais

    (Kozulin & Falik, 1995; Alonso-Tapa, 2002).

    Este tipo de aprendizagem mediada afecta o desenvolvimento das estruturas

    cognitivas do aluno. O desenvolvimento de tais estruturas cognitivas vai criar condies de

    maturao no aluno para que ele adquira padres motivao para a aprendizagem que

    dirigem e activam a propenso para conhecer e resolver problemas, expressos em

    comportamentos de desempenho e rendimento em diversos domnios do saber. A relao

    entre os dois tipos de interaco assinalados de tal ordem que quanto mais eficaz e com

    mais frequncia se v submetido o aluno aco dos agentes mediadores, quanto maior

    chegar a ser a sua capacidade de aproveitar e utilizar eficientemente as experincias

    proporcionadas pela exposio directa aos estmulos externos (Alonso-Tapa, 2002; Shamir

    & Tzuriel, 2004). Em sntese, poderemos afirmar que tradicionalmente o ensino estava

    preocupado com os produtos e que a mediao est focalizada nos processos e nas

    estratgias que o aluno usa para resolver problemas, num contexto.

    O papel da mediao das experincias de aprendizagem no desenvolvimento

    cognitivo, pode ser visto em funo de determinantes remotos e determinantes prximos do

    mesmo e em consequncia do tipo de dificuldade do aluno. Ao nvel dos determinantes

    remotos incluem os factores biolgicos (genticos, orgnicos), os pessoais (nvel de ajusteemocional) e os ambientais (nvel de estimulao ambiental, equilbrio emocional dos pais,

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    EDUCAO INCLUSIVA: CONCEPES E PRTICAS

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    estatuto socioeconmico). A maioria destes factores no causa de modo inevitvel o atraso

    de desenvolvimento cognitivo e nenhum deles responsvel nico pelo grau em que a

    dificuldade se manifesta. Os determinantes prximos so, com muita frequncia, a carncia,

    limitao ou inadequao das experincias da aprendizagem mediada. Concordamos com

    Alonso-Tapa (1996) quando prope que a aceitao da mediao da aprendizagem como

    factor de primeira importncia no desenvolvimento cognitivo constitui o fundamento terico

    que permite crer na modificabilidade, ao menos parcial, dos processos cognitivos do aluno

    com dificuldades, em ltima instncia, podemos afirmar que no h razo para crer na

    irreversibilidade do atraso ou das dificuldades de aprendizagem, na medida em que o

    desenvolvimento cognitivo est sujeito influncia do mediador humano.

    Este processo dinmico em que o indivduo modifica as suas estruturas cognitivaspela interaco com o meio, desafia-nos a pensar a aprendizagem, a inteligncia e o

    rendimento escolar, no s em funo do que o aluno capaz de realizar autonomamente,

    mas tambm em funo do que o aluno pode aprender atravs da interveno intencional

    dos que guiam, planificam, regulam, seleccionam, filtram a tornam possvel a propenso

    para novas aprendizagens. A representao terica do conceito de PA hoje bastante aceite

    e consensual, porm a sua operacionalizao atravs de procedimentos de avaliao e

    interpretao, assim como a validao experimental desse modelo de avaliao tem sidolenta e complexa, pela sua natureza dinmica, interactiva e desenvolvimental. Tal avaliao

    implicar, ento, pr em evidncia os processos actuais de aprendizagem, os nveis

    previamente conseguidos, assim como aqueles que podem vir a ser atingidos atravs do

    processo de aprendizagem mediada.

    Neste processo o papel do mediador de extrema importncia, ou seja, como refere,

    Almeida (1993) necessrio que os professores acreditem na importncia do ensinar a

    pensar e que este ensino possvel. O processo de mediao no depende s do mediador e

    da sua motivao, mas tambm preciso ter em conta que: (i) um treino sistemtico de

    alguns meses necessrio para se observarem as mudanas, sendo particularmente til que

    o esforo no seja apenas realizado por um professor, nem a mudana introduzida apenas

    numa disciplina, mas por uma equipa que envolva professores, pais, o prprio aluno e outros

    agentes educativos; (ii) ensinar implica aprender, mas aprender pressupe conhecer quem

    aprende. Ensinar a pensar tambm criar espaos e oportunidades para conhecer,

    compreender e consequentemente promover o desenvolvimento de competncias no aluno.

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    potencialidades dos alunos. Os estudos realizados tm demonstrado que mesmo numa

    situao em que os alunos parecem irremediavelmente condenados pelo insucesso que

    marca o seu percurso escolar, quando sujeitos a uma modalidade de avaliao dinmica e

    actividades educativas orientadas por mediadores (psiclogos e professores) preparados para

    ensinarem a pensar, a olhar, a procurar e a seleccionar respostas para dar aos problemas,

    esses alunos melhoram os seus desempenhos no espao em curtos perodos de tempo. Os

    baixos resultados dos alunos, nesta perspectiva, devem ser vistos como a linha de base do

    que o aluno capaz de realizar no presente, mas no no futuro. A inteligncia e a

    capacidade de aprendizagem so modificveis por aco dos mediadores (professores e

    psiclogos). Esta aco de mediao direccionada no para as dificuldades do aluno mas

    para o que poder aprender incute-lhe confiana, interesse e disponibilidade para mudar,

    activando o seu potencial e criando oportunidades para a sua concretizao.

    A finalizar, salientamos o quanto uma abordagem avaliativa aos alunos com NEE,

    inclusiva, dinmica e centrada no potencial de aprendizagem/cognitivo e no ensino

    mediatizado requer mudanas profundas no sistema tradicional de ensino e de

    aprendizagem, assim como nos modelos e prticas de avaliao educacional e de avaliao

    psicolgica. Essas mudanas s se podero concretizar com os consequentes ajustamentos

    na formao inicial, contnua e ps-graduada de professores e psiclogos.

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    DESENVOLVIMENTO

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    FUNDAMENTOS PARA A EDUCAO INCLUSIVA EM PORTUGAL

    Mnica Rebocho, Maria Jos Saragoa & Adelinda Candeias

    Universidade de vora, Centro de Investigao em Educao e Psicologia (PT)

    1. Introduo

    Tendo como suporte estudos realizados ao nvel da Educao Inclusiva e tendo

    presente a legislao no Sistema Educativo em Portugal, este captulo apresenta umaresenha histrica do processo de incluso educativa, no Sistema Educativo Portugus.

    Focamos fundamentalmente, os marcos significativos a partir dos anos sessenta at

    actualidade, que nos permitam perceber o processo de incluso de crianas com NEE no

    nosso sistema de ensino, at ao momento actual de implementao da Classificao

    Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade, da Organizao Mundial de Sade

    (CIF) (OMS, 2004). Este captulo apresenta uma reviso dos documentos legislativos e

    cientficos que consideramos mais marcantes para a compreenso do processo deimplementao da Educao Inclusiva no Sistema Educativo Portugus.

    2. Sobre o(s) Significado(s) de Educao Inclusiva

    O significado comummente aceite de Educao Inclusiva pressupe que a escola

    regular seja o local privilegiado para o aluno com NEE efectuar as suas aprendizagens. Ser

    nesse local, em conjunto com os seus colegas sem NEE, que lhe ser proporcionado o

    melhor ambiente quer de aprendizagem, quer de socializao, de modo a maximizar o seupotencial (Ainscow, 1996, 1998; Csar, 2003; Correia, 1997, 2005; Costa, 1996; Niza,

    1996). Uma escola inclusiva uma escola onde toda a criana respeitada e encorajada a

    aprender at ao limite das suas capacidades (Correia, 2005, p. 7).

    Neste contexto o processo de incluso educativa prope que o aluno com NEE esteja

    no ensino regular, um direito que lhe assiste, recebendo todos os apoios necessrios ao seu

    desenvolvimento e aprendizagem em funo das suas caractersticas e necessidades

    (Candeias et al. 2007, 2008, 2009; Sternberg & Grigorenko, 2003; Rebocho et al., 2005).

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    FUNDAMENTOS PARA A EDUCAO INCLUSIVA EM PORTUGAL

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    Pretende ainda, encontrar maneiras passveis de fomentar a participao de todos os alunos

    com NEE, inclusivamente NEE de carcter prolongado, nas turmas regulares,

    independentemente dos seus nveis acadmicos e sociais (Correia, 1997, 2005). Partindo

    destes pressupostos, ter-se- que conjugar um conjunto de parcerias que envolvem vrios

    servios de apoio especializados (servios ao nvel da educao especial/apoios educativos)

    no sentido de promover as aprendizagens de modo a tornar os alunos autnomos respeitando

    o seu ritmo e o limite das suas capacidade.

    3. O Perodo: Pr-Educao Inclusiva em Portugal

    3.1. Centros de Reabilitao e Escolas Especiais

    No incio da dcada de 60, os recursos existentes no nosso pas eram escassos oumesmo inexistentes para crianas com NEE. nessa poca que os pais comeam a

    organizar-se e fazem surgir um movimento que despoleta associaes que tm como

    premissa encontrar respostas educativas passveis de ajudar os seus filhos. Tais movimentos

    voluntrios e sem fins lucrativos, deram origem a centros de reabilitao e escolas

    especiais, que surgiram por todo o pas e se mantiveram at h relativamente pouco tempo.

    De tal modo coexistiam dois sistemas paralelamente: o ensino regular, para o qual eram

    encaminhadas todas as crianas no portadoras de deficincia, sob a alada do Ministrio da

    Educao; e o ensino especial, que deveria prestar cuidados e assistncia s crianas com

    deficincias. O ensino especial era tutelado pela Segurana social.

    3.2. A Lei de Bases do Sistema Educativo e a Formao de Equipas de Ensino

    Especial

    Nos primeiros anos da dcada de 70, o Ministrio da Educao passa a assumir,

    gradualmente, o sector da educao especial, tendo sido criadas, em 1972, as Divises deEnsino Especial do Bsico (DEEB) e do Secundrio (DEES).

    A partir de 1978, por influncia do Warnock Report(1978), que introduz o conceito

    de Necessidades Educativas Especiais (NEE), a poltica educativa portuguesa comea a

    mudar, no sentido de reforar o papel da escola e do professor do ensino regular, no que

    concerne responsabilizao da educao das crianas com NEE (Costa, 1996). O Warnock

    Report veio, deste modo, deslocar o enfoque mdico nas deficincias para o enfoque na

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    EDUCAO INCLUSIVA: CONCEPES E PRTICAS

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    aprendizagem escolar de um currculo ou programa. O referido relatrio tem subjacentes

    trs aponta para trs nveis de mudana necessrios:

    Encontrar os meios adequados de acesso ao currculo.

    Criar condies para que os alunos que necessitem possam usufruir de um currculo especial

    ou modificado.

    Focalizar a ateno no contexto educativo, onde se desenrola o processo de

    ensino/aprendizagem e no apenas no aluno e nos seus dfices (Bairro et al., 1998).

    Nesta poca, a integrao destinava-se essencialmente s crianas portadoras de

    deficincias sensoriais ou motoras (sem deficincia mental), que tinham condies para

    acompanhar, com as devidas adaptaes materiais, os currculos do ensino regular.

    Aps a generalizao do conceito de NEE, por toda a Europa, aparece contemplado

    na legislao portuguesa s em 1986 com a publicao da Lei de Bases do Sistema

    Educativo (LBSE, ME, 1996), se comeam a verificar transformaes significativas na

    concepo da integrao (Correia, 2005). A Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n

    46/86 de 14 de Outubro, j com alteraes) refere a educao especial como uma

    Modalidade Especial de Educao Escolar, visando a recuperao e integrao scio-

    educativas dos indivduos com necessidades especficas devidas a deficincias fsicas ementais. De acorda com a lei de bases a educao especial deve organizar-se,

    preferencialmente, segundo modelos diversificados de integrao em estabelecimentos

    regulares de ensino, tendo em conta as necessidades de atendimento especfico e com apoios

    de educadores especializados. Prev, tambm, que a educao especial se processe em

    instituies especficas quando comprovadamente o exijam o tipo e o grau de deficincia do

    educando. A partir da LBSE, so criadas as equipas de educao especial (EEE),

    consideradas como servios de educao especial a nvel local, que abrangem os vriosnveis de ensino, exceptuando o Superior,(Correia, 2005).

    3.3.Contributos internacionais a emergncia de um paradigma de Educao Inclusiva

    A 26 de Janeiro de 1990, Portugal assinou a Conveno sobre os Direitos da

    Criana. Ainda que destinando-se a todas as crianas, esta Conveno, no seu art. 23

    refere-se particularmente s crianas com deficincia sublinhando que a criana com

    deficincia tenha efectivo acesso educao, formao, aos cuidados de sade e reabilitao, preparao para o emprego e actividades recreativas e beneficie desses

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    FUNDAMENTOS PARA A EDUCAO INCLUSIVA EM PORTUGAL

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    servios de forma a assegurar uma integrao social to completa quanto possvel (). Na

    Conveno sobre os Direitos da Criana destaca-se o direito educao. Sublinha-se que o

    objectivo da educao o de desenvolver a personalidade, talento e aptides mentais e

    fsicas da criana. A educao deve tambm preparar a criana para ser um cidado

    informado, autnomo, responsvel, tolerante e respeitador dos direitos dos outros.

    Para alm da Conveno dos Direitos da Criana, Portugal tambm assinou a

    Declarao Mundial sobre Educao para Todos, em Maro de 1990, em Jomtien,

    Tailndia. Os pases a presentes assumiram que as necessidades bsicas de aprendizagem

    das pessoas portadoras de deficincia requerem ateno especial e que preciso tomar

    medidas que garantam a igualdade de acesso educao aos portadores de todo e qualquer

    tipo de deficincia como parte integrante do sistema educativo.

    Comea aqui um percurso que vai despoletar num normativo de grande envergadura,

    o Decreto-Lei n 319/91, de 23 de Agosto. Este decreto veio colmatar uma lacuna

    legislativa, no que respeita s crianas com NEE, defendendo o direito a uma educao

    gratuita, igual e de qualidade, para os alunos com NEE, com a individualizao de

    intervenes educativas atravs de planos educativos individualizados (PEI) e de Programas

    Educativos (PE) no sentido de responder s necessidades desses alunos (Correia, 2005).

    Em 1994, surge um marco importante para as crianas com NEE - A Declarao de

    Salamanca, a qual proclama a Escola Para Todos ou Escola Inclusiva, defendendo o

    direito inalienvel de crianas e jovens com NEE ao acesso s escolas regulares e tambm

    ao facto que deve ser a escola e os professores a adequarem-se e serem capazes de ir ao

    encontro dessas necessidades (Unesco, 1994).

    A Incluso Educativa passa a ser entendida como um meio atravs do qual a escolacontinua a procurar novas formas passveis de desenvolver respostas que promovam a

    diversidade (Hegarty, 2007; Mantoan, 2002; Marchesi, 2001; Morgado, 1999; Warwick,

    2001;). Segundo os referidos autores, falar de incluso em educao focar o interesse no

    aluno de modo a dar resposta s suas necessidades especficas. Enquanto a integrao

    procurou fundamentalmente valorizar o envolvimento fsico onde a aprendizagem se

    desenvolve, a incluso vai mais alm e procura ajustar as necessidades de aprendizagem dos

    indivduos adaptando o ensino a essas necessidades: A incluso inicia-se com o contacto da

    criana com NEE com outras crianas sem dificuldades de aprendizagem, mas sem haver

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    EDUCAO INCLUSIVA: CONCEPES E PRTICAS

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    uma interaco planeada e um programa educacional planeado, no contexto de um

    currculo comum, no se pode dizer que tenha sido atingida.(City and County of Swansea,

    SEM Policy, 1999, cit. por Warwick, 2001, p. 113).

    Em 1999 foi publicado o Despacho Conjunto n 891/99 de 19 de Outubro que define

    os princpios e condies para o apoio integrado no mbito da interveno precoce dirigida

    a crianas (at aos seis anos de idade) com deficincia ou em risco de atraso grave de

    desenvolvimento, e suas famlias. Este apoio prestado por equipas multidisciplnares que

    integram profissionais da educao, da sade e da aco social e em cooperao,

    designadamente, com as instituies de solidariedade social e cooperativas de solidariedade

    social. A Interveno Precoce focaliza a sua interveno na criana no seu contexto familiar

    e a famlia considerada como uma unidade funcional da comunidade. Todas as crianasdevem frequentar os estabelecimentos de ensino da sua rea de residncia. Contudo, as

    crianas e jovens com NEE de carcter permanente, podem frequentar o jardim-de-infncia

    ou a escola independentemente da sua rea de residncia.

    4. A Implementao da Escola Inclusiva no Sistema Educativo Portugus

    Contributos normativos para a situao actual

    Em Janeiro de 2008, fui publicado o Decreto-Lei n 3/2008 (que revogou o Decreto-

    Lei n319 de 1991 que definia o Regime Educativo Especial para alunos com Necessidades

    Educativas Especiais), e define os apoios especializados a prestar na educao pr-escolar e

    nos ensinos bsico e secundrio dos sectores pblico, particular e cooperativo. A criao

    deste tipo de resposta visa disponibilizar condies para a adequao do processo educativo

    s necessidades educativas especiais dos alunos com limitaes significativas ao nvel da

    actividade e da participao num ou vrios domnios da vida, decorrentes de alteraes

    funcionais e estruturais, de carcter permanente, resultando em dificuldades continuadas aonvel da comunicao, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento

    interpessoal e da participao. Para os alunos com NEE de carcter permanente (de alta-

    intensidade e de baixa-frequncia), que carecem de apoio especfico ao longo de todo o

    percurso escolar, so criadas as condies para a adequao do processo educativo s

    necessidades desses alunos.

    Assumidamente, a educao especial tem, a partir desta altura, uma clara orientao

    para a incluso educativa e social, o acesso e o sucesso educativo, a autonomia, a

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    FUNDAMENTOS PARA A EDUCAO INCLUSIVA EM PORTUGAL

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    estabilidade emocional, bem como a promoo da igualdade de oportunidades, a preparao

    para o prosseguimento de estudos ou para uma adequada preparao para a vida ps-escolar

    ou profissional. Esta orientao est patente nas seis medidas educativas propostas: apoio

    pedaggico acrescido, adequaes curriculares individuais, adequaes no processo de

    matrcula, adequaes no processo de avaliao, currculo especfico individual e

    tecnologias de apoio. Prev tambm a introduo de reas curriculares especficas que no

    fazem parte da estrutura curricular comum, entre outras, leitura e escrita em Braille, a

    orientao e mobilidade, o treino de viso, a actividade motora adaptada.

    As respostas educativas e respectivas formas de avaliao de cada aluno so fixadas

    e fundamentadas no PEI Programa Educativo Individual. Quando uma criana ou jovem

    apresenta uma problemtica mais grave, deve ser tambm elaborado um PIT PlanoIndividual de Transio, de forma a promover a sua transio para a vida ps-escolar e para

    o exerccio de uma actividade profissional com adequada insero social, familiar ou numa

    instituio de carcter ocupacional. Tendo em conta que todos os alunos,

    independentemente da sua problemtica, devem estar nas escolas regulares, podem ser

    criadas redes de escolas de referncia para o ensino bilingue de alunos surdos e de uma rede

    de escolas de referncia para o ensino de alunos cegos e com baixa viso. Estabelece

    tambm a possibilidade de os agrupamentos de escolas organizarem respostas especficasdiferenciadas atravs da criao de unidades de ensino estruturado para a educao de

    alunos com perturbaes do espectro do autismo e de unidades de apoio especializado para

    a educao de alunos com multideficincia e surdocegueira congnita.

    De referir que todas estas respostas so dadas nas escolas regulares. Os alunos

    podem, assim, ter um ensino mais ajustado sua problemtica e, simultaneamente, estarem

    integrados com alunos sem NEE. Est ainda previsto que nos casos em que as medidas de

    educao especial se revelem comprovadamente insuficientes em funo do tipo e grau de

    deficincia do aluno, pode ser proposto o seu encaminhamento para uma instituio de

    educao especial.

    Outra medida de consequncias profundas que este novo diploma introduziu, foi a

    avaliao dos alunos com NEE por referncia CIF Classificao Internacional de

    Funcionalidade, Incapacidade e Sade, da Organizao Mundial de Sade (OMS, 2004). A

    CIF apresentada como uma classificao geral cujo objectivo proporcionar umalinguagem unificada e padronizada assim como uma estrutura de trabalho para a descrio

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    das condies de sade e estados relacionados com a sade (tais como a educao e o

    trabalho) (OMS, 2004, p.7). A aplicao da mesma educao, mais especificamente como

    instrumento operacional para a identificao de grupos-alvo ao nvel da educao especial

    em Portugal, deve-se ao facto de ter determinadas caractersticas que permitem

    compreender, interpretar, descrever e partilhar a funcionalidade da pessoa, em vrias

    perspectivas, biopsicossocial, a qual vai ao encontro dos princpios de uma escola inclusiva

    (Pereira, 2008). A funcionalidade aparece definida como um termo global, o qual abarca

    todas as funes do corpo, actividades e participao; e, a incapacidade definida como um

    termo que abran