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Educação Inclusiva eEducação para a Paz:

relações possíveis

São Luis/MAEDUFMA

2009

Bento SelauLúcio Jorge Hammes

(organizadores)

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SELAU, Bento; HAMMES, Lúcio Jorge. Educação Inclusiva eEducação para a Paz: relações possíveis. São Luis/MA:EDUFMA, 2009, 112p. il.

ISBN 978-85-7862-096-7

De acordo com a Lei n.10.994, de 14/12/2004,foi feito depósito legal na Biblioteca Nacional

Acesse este livro pelo Portal do Google Pesquisa de Livroe Domínio Publico do MEC

FICHA DE CATALOGAÇÃO

Capa: Andréia Mesquita Santos MarquesProjeto gráfico miolo: Paula Trindade da Silva Selbach

Edição desenvolvida através do projeto e-ufmaVisite www.eufma.ufma.br

e saiba mais das nossas propostas de inclusão digital

Universidade Federal do MaranhãoGabinete da Reitoria - Administração Natalino Salgado Filho

Diretor da Imprensa Universitária: Ezequiel Antonio Silva Filho

Conselho Editorial para a ediçãoAlicia Cabezudo (Escuela de Ciencias de la Educación, UniversidadNacional de Rosario/Argentina e UPEACE/Costa Rica); Atos Prinz

Falkenbach (UNIVATES/IPA); Cesar Marcelo Baquero Jacome (UFRGS);Elias Grossmann (PUCRS); Gomercindo Ghiggi (UFPel); Jaime Zitkoski(UFRGS); Lúcio Jorge Hammes (UNIPAMPA); Márcio Xavier Bonorino

Figueiredo (UFPel); Maria de Fátima Bento Ribeiro (UNIPAMPA); RuteVivian Angelo Baquero (UNISINOS)

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SUMÁRIO

Apresentação. Pode haver paz sem inclusão?Bento Selau e Lúcio Jorge Hammes

Conceituação e antecedentes históricosda educação para a pazLúcio Jorge Hammes

Rumo à educação inclusivaBento Selau

Educação de Jovens e Adultos: uma contribuiçãopara a constituição de uma sociedade democráticaRute Baquero

Marcos legais para a educação inclusivaAmélia Rota Borges de Bastos

Capital social, democracia inercial e integraçãolatino-americanaMarcello Baquero

Deficiência mental: revisando enfoquesSilvia Pinheiro

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Formas de resolução de conflitos emescolas públicas de Jaguarão, RSLúcio Jorge Hammes

A família na inclusão escolar:uma parceira necessáriaAnselmo Barce Furini

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Apresentação.Pode haver paz sem inclusão?

As altas grades que cercam as residências e prédios nasgrandes cidades de nosso país indicam que há algo errado: ainsegurança tomou conta das vidas das pessoas. Nem o númerocada vez maior de policiais nas ruas tem dado conta da violênciaurbana que se mostra de diferentes maneiras.

A ideia de que unicamente a ostensão policial (esta sendoapontada por governantes como a saída para contenção da violência)pode reprimir o ímpeto de maldade de alguns indivíduos provou estarerrada há muito tempo: os crescentes índices de violência, emcontraste com a sempre contratação de novos policiais, são o principalindicativo.

Qualquer alternativa unilateral de resolução de um problema émenos eficaz do que várias propostas agindo juntas. Isso significaque apenas contratar mais agentes de segurança pública não resolve.Pode ser importante contratar mais policiais, mas não somente isso:é fundamental também oferecer possibilidades de emprego para apopulação, em vez de ações assistencialistas; é básico proporcionarsaúde; é determinante o investimento em educação, valorizandoinstituições como a escola, as associações, as igrejas e a família,aproveitando, ainda, os veículos de mídia.

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Na educação escolar uma mudança de mentalidades parececrucial para o estabelecimento de uma cultura que se opõe à violência,uma cultura de paz. As sempre atuais palavras de Martim Luther Kingpodem exemplificar o que propomos:

Por intermédio da educação, procuraremos mudar mentalidades. Porintermédio da educação, procuraremos mudar sentimentos internos.Entende-se por sentimentos internos o amor, o preconceito, o ódio,etc. Por intermédio da educação procuraremos destruir as barreirasespirituais para a integração.

Martim Luther King nos auxilia a compreender que o caminhoda paz não se faz sem uma educação integradora, inclusiva. Entãoaproveitamos para responder ao questionamento base: NÃO. Não épossível haver paz sem inclusão. A mostra de uma sociedade quepõe a educação conjunta (crianças consideradas normais àquelasditas com necessidades educacionais especiais unidas dentro de umamesma sala de aula, mote da inclusão) é um dos tantos exemplosdaquilo que se pensa, que a educação coopera para que se direcionepara uma mudança de mentalidades para uma sociedade de paz. Oupode haver paz quando existe exclusão, segregação, sobretudo emeducação?

Convencidos de que os estudos sobre a educação para a paze a respeito da temática educação inclusiva poderiam se aproximar,organizamos um grupo de pesquisa disposto a dialogar sobre essaproposta. Neste, estudantes e pesquisadores envolvidos concordaramcom a ideia de que se deveria debater com a comunidade docentedas cidades de Jaguarão e Arroio Grande, no Rio Grande do Sul,sobre as questões abordadas, através de um curso de extensãouniversitária, composto por palestras sobre temas específicos emcada encontro. Assim surgiu a extensão universitária “EducaçãoInclusiva e Ação Não-Violenta”, na Universidade Federal do Pampa(Unipampa), campus Jaguarão. Cada palestrante produziu um textoa respeito do assunto debatido, os quais foram reunidos neste livro.

Ao examinar os principais conceitos sobre a educação para apaz e a evolução histórica sobre esse tema, Lúcio Jorge Hammes, notexto Conceituação e antecedentes históricos da educação para apaz, relata que a experiência do diálogo traz à tona uma proposta deeducação voltada à transformação da realidade. Propõe um espaçode argumentação para construir a cultura de paz e superar o espiral

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de violência, buscando fundamentos para construir a paz perpétua.O autor também apresenta o resultado de investigação que realizouno município de Jaguarão através do texto Formas de resolução deconflitos em escolas públicas de Jaguarão, RS, pesquisa que objetivoucompreender como se dá a resolução de conflitos nas escolas públicasda referida cidade.

Rumo à educação inclusiva, escrito por Bento Selau, propõeo estudo sobre os antecedentes históricos da educação inclusiva,procurando apresentar as principais noções que influenciaram acompreensão atual sobre uma educação que se pensa para todos.Mostra que a inclusão ainda não é um tema tranquilo, destacando anecessidade de se examinar seus antecedentes históricos, uma vezque considera que hoje há a intenção de incluir, mas a sociedade agede maneira ambígua, excluindo e incluindo ao mesmo tempo.

Rute Baquero problematiza, em Educação de Jovens e Adultos:uma contribuição para a constituição de uma sociedade democrática,a relação entre a EJA e a constituição de uma sociedade democrática,destacando os modelos escolares e populares. Discute as vertentesde políticas públicas das quais estes modelos emergem e aponta aspolíticas de educação popular e de modernização da educação comoaquelas que dominam o cenário de políticas de EJA em nosso país.

Marcos legais para a educação inclusiva, autoria de AméliaRota Borges de Bastos, coloca-nos a par da legislação que trata daeducação inclusiva, considerando que o conhecimento de taisdispositivos pode tornar-se uma ferramenta interessante paraprofessores, pais e alunos comprometidos com a tarefa de garantir,em uma sociedade caracterizada por processos desiguais eexcludentes, direitos de cidadania, como o acesso à escola.

Em Capital Social, democracia inercial e integração latino-americana, Marcello Baquero discorre, em um primeiro momento, ademocracia na América Latina à margem dos modelos tradicionais,propondo o conceito de democracia inercial como alternativa decompreensão das deficiências da democracia contemporânea. Numsegundo momento, identifica a configuração da cultura políticaexistente para, no final, aceitando a importância do conceito deCapital Social, que tem encontrado críticas acirradas para mostrar oque não é, procurar desenvolver o argumento de que tal conceito

Apresentação 7

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pode possibilitar a materialização de ações tangíveis positivas naconstrução democrática.

Deficiência mental: revisando enfoques, de Silvia Pinheiro,direciona-se a questões levantadas pelos participantes do curso deextensão a respeito das necessidades especiais específicas, propondoesclarecimentos que podem auxiliar os docentes a compreenderemos principais conceitos sobre a deficiência mental, deixando claroque as possibilidades do ser humano são infinitas e que os caminhospara incluir não estão prontos, mas deverão ser construídos, sendonecessário, para tal, o envolvimento de pais, educadores, gestoresescolares, funcionários, alunos e profissionais relacionados à área.

Anselmo Barce Furini, no texto A família na inclusão escolar:uma parceira necessária, reflete sobre a necessidade que a propostainclusiva impõe: a escola não pode trabalhar sozinha. Ao se pensarem educação inclusiva necessariamente pressupõe-se a presençada família como agente indispensável para o sucesso na educaçãode todos.

Tendo como base o trabalho prático e teórico, enquantoeducadores cremos que um novo mundo é possível e que a educaçãopode auxiliar para que a paz perpétua prevaleça. À mercê de práticasinclusivas possamos estabelecer a paz em nossas escolas e que elapossa se espalhar para as famílias, para o trânsito, para a sociedadecomo um todo. As palavras de Hugo Beyer, um modelo de educadorinclusivo e educador para a paz, servem-nos como arquétipo:

Encontramo-nos diante de uma encruzilhada, onde, ou retrocedemos eestagnamos, perpetuando práticas sociais e pedagógicas de segregação,ou aceitamos o desafio que tal projeto nos traz e procuramos, comoeducadores, rever nossas práticas, construir novas competências eaproximarmo-nos de outros colegas que estão abertos ao projeto daeducação inclusiva, e, assim, buscarmos alterar gradualmente nossaspráticas pedagógicas, no acolhimento do aluno com necessidadeseducacionais especiais nas escolas em geral.

Bento Selau e Lúcio Jorge Hammes

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Conceituação e antecedentes históricosda educação para a paz

Lúcio Jorge Hammes*

Se um irmão ou uma irmã não tiverem o que vestir e lhes faltar onecessário para a subsistência de cada dia, e alguém dentre vós lhesdisser: “ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos”, e não lhes der onecessário para a sua manutenção, que proveito haverá nisso?

Tiago 2,15-16

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)sobre os indicadores sociais (2008) mostram que os homicídiosrepresentam a maior causa de mortes externas (41%) de jovens de15 a 24 anos. Especificamente, para o sexo masculino, no período de1980 a 2000, as taxas de mortalidade por homicídio mais queduplicaram, passando de 21,2 para 49,7 óbitos por 100 mil habitantes,escancarando ainda um triste dado: hoje, são eles os que mais matame os que mais morrem.

Uma análise preliminar dos dados indica a organização socialainda baseada no paradigma (cultural) militarista e violento, podendocontribuir para a compreensão do fato social da violência, nãoepisódica, mas metódica. Parece fazer parte da racionalidade moderna,

* Doutor em Educação, professor da Universidade Federal do Pampa. E-mail: [email protected]

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expressão do paradigma dominante (desvendou os segredos do átomoe produz supersafra na agricultura, condena um terço da humanidadeà fome e é capaz de explodir cidades como Hiroshima e Nagasaki),podendo se desenvolver com um currículo oculto1 que educa para aviolência de modo muito sutil, por programas de televisão, músicas,nomes de rua, etc.

Porém, sabemos que o paradigma não se impõe para sempre.Sousa Santos (2001, p. 36) já diagnosticou a crise do paradigma daracionalidade moderna, trazendo o perfil do paradigma emergente,chamado pelo autor como o “paradigma de um conhecimento prudentepara uma vida decente”. Como paradigma científico (conhecimentoprudente) e social (vida decente), este paradigma encontra adeptosentre aqueles que desejam fortalecer uma atitude crítica à culturade violência, fornecendo instrumental para perceber como a violênciae o militarismo atuam em diversos canais, como, por exemplo, nosbrinquedos e jogos de guerra e através dos meios de comunicação.

Um dos paradigmas emergentes é o de capital social, querevela a influência que exercem as relações sobre as transaçõessociais e emocionais, contendo elementos extraídos de ciências epráticas sociais, facilitando a comunicação entre as disciplinas,permitindo que pessoas de diversas orientações possam trabalharjuntas em torno de um mesmo problema (ROBISON; SILES; SCHMID,2003). Nesse sentido, o capital social tem permitido que se conheçamelhor a questão da pobreza e as formas de reduzi-la do que quandoo problema era estudado exclusivamente na perspectiva da economiaou de alguma outra disciplina.

Outro paradigma que se impõe é o da participação dos atoresnos processos de aprendizagem, nas políticas públicas e na práticada cidadania. Segundo Dina Krauskopf (2000, p. 121), a juventudeencontra-se hoje situada em um tecido social de relações em que

1 “Currículo oculto” é o conjunto de práticas e métodos utilizados, não previstosou não pretendidos explicitamente. Ou seja, o conjunto de fatores modeladoresde aprendizagens não-acadêmicas e não-mensuráveis, ou ainda, o contextosocial, normas sociais e princípios de conduta, dada a sua prolongadaexposição a esse ambiente. Entram neste currículo, por exemplo, as mídiasque divulgam fotos que comovem até os corações mais endurecidos e geramrevolta e desejo de vingança nas mentes belicosas.

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coexistem e competem diversos paradigmas. A autora se refere a umvelho e um novo paradigma e afirma que a participação juvenil nãosó requer ser entendida desde sua relação de empoderamento emrelação ao adulto, mas, também, em relação às formas próprias desua participação. Marcelo Urresti (2000), a partir da Argentina, fazum balanço histórico da participação juvenil e afirma: “Más que pedirleso juzgarlos por aquello que hacen o no hacen respecto de los jóvenesde generaciones anteriores, es comprenderlos en su relación con lasituación histórica y social que les toca vivir, pues más que de unactor se trata de un emergente”.

Seguindo essa perspectiva, o sociólogo Brito Lemus (1998)postula uma sociologia da juventude, dentro do novo paradigma parainterpretar os fenômenos juvenis. Para esse autor, as políticas dejuventude são uma estratégia para o desenvolvimento social, ouseja, “un sector estratégico, participativo y protagónico, que cobrarelevancia en los procesos de cambio social, transformación productivay fortalecimiento democrático que está viviendo nuestra sociedad”(p. 17).

A partir de Abramovay e Pinheiro (2003), García e Sarmiento(2002) e Putnam (1995) trabalho a hipótese de que o capital social éimportante para a convivência humana e que as relações de confiança,as redes e a cidadania contribuem para a formação de uma sociedadesolidária, capaz de dirimir seus conflitos pelos princípios de não-violência e paz. Atributo importante para a convivência, o capitalsocial é produto das relações sociais: “os estoques de capital social,como confiança, normas e sistemas de participação, tendem a sercumulativos e a reforçar-se mutuamente” (PUTNAM, 1996, p. 186).

O texto é resultado da ação educativa desenvolvida a partirdo grupo de pesquisa “Cultura escolar, práticas pedagógicas eformação de professores”, vinculado à Unipampa-Jaguarão. Aexperiência do diálogo traz à tona uma proposta de educação voltadaà transformação da realidade. Propõe um espaço de argumentaçãopara construir a cultura de paz e superar o espiral de violência,buscando fundamentos para construir a paz perpétua.

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Paz: um consenso a ser construído

Situações de violência vêm ocupando espaços nos meios decomunicação; são estudados na academia e o seu combate é umadas propostas mais citadas nas campanhas eleitorais e realmentetem destinação de recursos públicos para o policiamento, presídios,hospitais e preparação para guerras. Parece que há “unanimidade” ea paz se torna tarefa da de todos.

Porém, estudos mais acurados na perspectiva da paz duradouratêm mostrado contradições e chamam a atenção para asconsequências da ausência de políticas efetivas para contrapor àcultura da violência que vai criando mais violência. Nesta perspectiva,as oficinas da organização EDUCADORES PARA A PAZ2 costumamtrazer a realidade para o debate, tornando alguns discursos palavrasvazias:

Em nível global, o fim da guerra fria no Ocidente não levou para longea ameaça de uma catástrofe mundial provocada, não por fatoresexternos ao planeta, mas pelo próprio modo de vida existente entrenós. Segundo dados do SIPRI (Stockholm International Peace ResearchInstitute), em 1997, foram gastos cerca de 740 bilhões de dólares emarmas [...] O genocídio estende-se para todas as formas de vida, numasituação de biocídio e geocídio. Estima-se que a cada dia desaparecemcerca de 10 espécies vivas. Entre 1975 e o ano 2000, 20% das espéciesvivas desapareceram da terra. Com os meios técnicos que inventou, ahumanidade está em condições de exterminar a si mesma, sem deixarsobreviventes. Em nível local, está o avanço da violência em todas assuas formas: física, psicológica e simbólica. A humanidade deve decidirse transforma a si própria e opta pela paz ou se abdica da certeza deseu futuro humano.

Tais estudos mostram, também, que há perspectivas diferentes“jogando ao mesmo tempo”. Além daqueles que defendem propostasque vão em direção à cultura da violência (defendem a venda dearmas, a violência contra organizações sociais, por exemplo) há

2 EDUCADORES PARA A PAZ é uma organização não-governamental voltadapara a educação para paz, com sede em Porto Alegre. Foi estruturada comoorganização civil para: a) contribuir para a prevenção e o combate à violência;promover o desenvolvimento da educação para a paz; cooperar para aconstrução de uma cultura de paz; b) desenvolver estudos e pesquisas, naperspectiva da construção de uma cultura de paz ativa; c) promover os valoresda ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos e de outros valoresuniversais. Fui integrante desta organização de 2002 até 2006.

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aqueles que propõem novos métodos de educar e viver, balizadospor novas relações sociais e com o princípio da não-violência.

Uma das propostas para a consolidação da paz é a educaçãopara a paz, que surge a partir da experiência da primeira grandeguerra, sob o influxo dos movimentos de renovação pedagógica,especialmente da chamada Nova Escola. Em Genebra foi realizada aOficina Internacional de Educação sob o título “A paz pela escola”.Na década seguinte, Maria Montessori lança o livro: “Educazione epace”, defendendo com John Dewey uma concepção positiva deeducação para a paz, pois não basta mostrar os horrores da guerra.É fundamental estimular o espírito de cooperação e a compreensão(AGUILLERA, s/d, p. 23).

Depois da segunda grande guerra, no contexto da corridaarmamentista e na eclosão do movimento pacifista, a educação paraa paz assume a conotação de ação e investigação pela paz, tendonos grupos de não-violência os protagonistas para tematizar aquestão. Hoje, a educação para a paz revela-se como possibilidade,no próprio espaço da educação, para superar a violência no meioescolar e dar um contributo para a construção de uma sociedadenão-violenta.

A educação para a paz é hoje reconhecida como tarefa mundial,exigência indiscutível, componente importante dos programaseducativos, enfim, como uma direção pedagógica necessária para aconstrução de uma sociedade democrática (GUIMARÃES, 2004, p. 9).

Os estudos remetem “À paz perpétua” de Kant (1724-1804)que propõe instaurar o estado de paz, afirmando que a omissão dehostilidades não é ainda a garantia de paz. Sugere que os Estados,nas suas relações internacionais, saiam do estado da natureza, comoos indivíduos fizeram numa época de sua história, e construam umaordem jurídica que os conduza à paz, pois “a razão condena a guerracomo procedimento de direito e torna, ao contrário, o estado de pazum dever imediato” (KANT, 1989, p. 40).

Passa-se a compreender a paz, não apenas como ausênciade guerra ou de violência, mas como a construção de uma cultura depaz. Nesta construção tem papel decisivo os Estudos de Paz quebuscam entender as raízes dos conflitos e os passos necessáriospara a sua superação. A UNESCO assume esta perspectiva da pazcomo uma construção ao anunciar 2001 a 2010 a “Década

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Internacional para uma Cultura da Paz e da Não Violência para asCrianças do Mundo” em novembro de 2000:

A Cultura de Paz se constitui dos valores, atitudes e comportamentosque refletem o respeito à vida, à pessoa humana e à sua dignidade,aos direitos humanos, entendidos em seu conjunto, interdependentese indissociáveis. Viver em uma Cultura de Paz significa repudiar todasas formas de violência, especialmente a cotidiana, e promover osprincípios da liberdade, justiça, solidariedade e tolerância, bem comoestimular a compreensão entre os povos e as pessoas.

No início do século XXI a paz continua sendo uma das questõesde interesse geral: políticos, religiosos, instituições internacionais enacionais, etc. Surgem estudos relacionados à temática, como paz,violência e conflitos. Também neste estudo “Educação inclusiva eeducação para paz: relações possíveis” busca-se aprofundar ascondições necessárias para que haja paz. E o grupo de pesquisadoresconcorda que sem uma verdadeira educação inclusiva não é possívelconstruir a paz. Esta perspectiva vai ao encontro de princípios jáconhecidos como “a paz é o caminho”.3

Concepções teóricas e metodológicasda educação para a paz

A paz que se propõe transcende o significado restrito que é aausência de guerra ou de violência. É uma construção; busca ouesforço permanente, pois mesmo se não houvesse situações deviolência ou guerras, a construção da paz deveria estar na agenda.Para isso, a educação para a paz se torna relevante, envolvendomais pessoas para que a cultura da paz se torne a cultura vigente,orientando atitudes e valores.

Apresento abaixo as concepções que orientam a educaçãopara a paz, constadas na Carta de Princípios da Rede Educadorespara a Paz, como pressupostos pedagógicos sobre os quais sefundamenta a vida e a ação das pessoas envolvidas na educaçãopara a paz.

3 A afirmação é de Abraham Muste: “não existe caminho para a paz: a paz é ocaminho”. E é referência para organizações, grupos e movimentos que pautamsuas ações de princípio de não-violência (Carta de Princípios da RedeEducadores para a paz).

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a) A paz não é um estado, mas uma construção. A paz não éum estado dado, mas algo a ser instaurado e construído por nós, daqual não somos clientes ou beneficiários, mas os sujeitos e co-criadores.

b) Paz se aprende. A paz, além de raízes sociais, econômicase políticas, possui um enquadramento cultural, dizendo respeito àsexpressões produzidas e criadas pela humanidade e, portanto, ligadaao ato de aprender, comunicar e educar.

c) Paz se ensina. A educação possui uma contribuiçãoimportante e significativa nos processos de construção de culturasde paz e não-violência. Junto com a Campanha Global, reafirmamosque “não haverá paz sem educação para a paz”.

d) A paz se constrói empoderando pessoas. A possibilidadeda paz funda-se na habilidade humana para agir em concerto, tendocomo ponto de partida o poder que temos, o qual necessita serfortalecido (empoderado).

e) A paz se constrói a partir da não-violência. As soluções aoproblema da violência terão alcance muito reduzido enquantopermanecerem no campo restrito da resposta à violência. Faz-senecessário, para se conseguir uma resposta eficaz, criar polos positivosde não-violência.

f) A paz se constrói num processo dialógico-conflitivo. Maisdo que uma realidade concebida de forma idealista, a paz se apresenta,não como oposta ao conflito, à agressividade, à indignação, ao usoda força e à luta, mas justamente como uma forma de resolver osconflitos, de importar a energia humana e de avançar em direção aseus objetivos sem violência.

g) A educação para a paz como um elemento deressignificação das práticas educativas tanto da escola como dasociedade. A educação para a paz, mais do que uma disciplinaespecífica, apresenta-se como eixo pedagógico a partir do qual sãoredesenhadas as práticas educativas – concepções de tempo,concepções de espaço, habilidades, formas de tomada de decisões,linguagem e narrativas, elementos lúdicos – e as práticas societais –aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais, religiosos, etc.

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h) A educação para a paz funda-se no primado do vividosobre o enunciado. Trata-se de ultrapassar a simples educação sobrea paz, estruturando uma verdadeira educação para a paz, onde asvivências estabelecidas constituem-se no próprio conteúdo. Destaforma, a questão metodológica torna-se central, uma vez que sebaseia na unicidade entre fins e meios, os meios como embriões esementes dos fins.

i) A educação para a paz a partir do referencial sociocrítico.Mais que um refúgio metafísico, a educação para paz assume atarefa de desvelar os germes culturais do desentendimento, dossentimentos e das intenções sociais contrários aos valores maisindispensáveis da experiência humana. Como afirmou Paulo Freire, aoreceber o Prêmio de Educação para a Paz, da UNESCO, em 1986: “Apaz se cria, se constrói, na e pela superação das realidades sociaisperversas. A paz se cria, se constrói, na construção incessante dajustiça social. Por isso, não creio em nenhum esforço chamado deeducação para a paz que, em lugar de desvelar o mundo dasinjustiças, o torna opaco e tenta miopisar suas vítimas” (ApudGADOTTI, 1996, p. 52).

j) A educação para a paz como espaço de construção coletiva.Como construção, a paz deixa de ser um atributo apenas individual,para assumir uma compreensão mais coletiva e comunitária. Aeducação para a paz apresenta-se como um espaço onde as pessoasfirmam-se como pacifistas, inserindo-as no movimento social para apaz e fazendo repercutir para o seu cotidiano aquilo que é a buscadas pessoas comprometidas com a paz no mundo.

k) A educação para a paz como espaço de debate. No conflitointerpretativo que se estabelece na sociedade atual, a linguagemtorna-se, por excelência, o caminho para a paz, fazendo da educaçãopara a paz um espaço por excelência do debate, diálogo e negociaçãopara que a humanidade opere um consenso em torno da paz. Se,como afirmou Kant, “a paz não é natural e deve ser instituída”, oexercício da razão e das dimensões comunicativa e argumentativaassume um significado especial.

l) A educação para a paz como exercício de ação. A educaçãopara a paz está voltada, visceralmente, para a ação, entendida emsua dimensão pública e política, tornando-se, fundamentalmente,uma experiência de descoberta e articulação com o movimento

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pacifista e de suas frentes, como a luta contra o armamentismo, omovimento de objeção de consciência e de desobediência civil, oesforço de solidariedade para fim dos conflitos, os trabalhos deeducação para a paz e as ações em defesa da vida, cidadania e dosdireitos humanos.

Estas são algumas concepções que orientam a prática e dãoconsistência para a vivência social dos educadores para a paz.Contribuem para a capacitação que valoriza as diversas formas deser e agir, condição imprescindível para a vivência harmônica, pois seaprende a viver em paz, e ninguém nasce violento ou pacífico, comotambém ninguém tem tendência natural (biológica) para a violênciaou para a paz.

Considerações finais

Os dados sobre a realidade brasileira revelam o paradigmacultura da violência dominante, “educando” corações e mentes. Entra-se em um espiral que produz violência. Os meios de comunicaçãodivulgam e “reproduzem” situações. Constantemente somos informadosde casos de violência brutal: “pais atiram filha do prédio”, “jovemsequestra ex-namorada”, “presidiários mandam matar o diretor dopresídio”... Também, em nível global, as notícias de guerras, golpesde Estado, guerrilhas mostram a violência ainda presente entre nós.A Agenda de Haia pela Paz afirma que o “mundo está saindo doséculo mais sangrento e belicoso da história”. E afirma que é hora decriar as condições em que a finalidade primordial das Nações Unidasé “preservar as gerações futuras do flagelo da guerra”.

A situação de hoje requer a elaboração de estudos e açõesque vão ao encontra da paz duradora. Por isso, pode ser necessárioelaborar novos “tratados de paz”, mas também a formação de pessoaspara que possam conviver com o diferente e resolver os conflitos demodo não-violento. Propõe-se um “movimento pela paz”, com umconvite especial para aqueles que mais sofreram pela falta de paz. Asociedade civil pode mobilizar iniciativas de paz antes que a criseesteja fora de controle e vidas sejam perdidas.

O desafio é fazer com que a cultura da violência vá dandoespaço para a cultura da paz, tornando a paz algo “normal”,caracterizando as relações sociais e com o meio ambiente. E a cultura

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da paz será alcançada “quando os cidadãos do mundo compreenderemos problemas mundiais, terem a capacidade de resolver os conflitose lutar pela justiça de forma não-violenta, observar as normasinternacionais de direitos humanos e de justiça, apreciar a diversidadecultural e respeitar a Terra e o próximo” (Agenda de Haia).

A Agenda de Haia ainda propõe uma educação radicalmentediferente para a geração futura: ao invés de glorificar a guerra,educar para a paz, para a não-violência e para a cooperaçãointernacional. Por isso, lança o apelo pela paz, dotando as pessoasde todos os setores da sociedade com as atitudes de mediação,transformação de conflitos, promoção de consenso e mudança socialnão-violenta, que fazem possível o estabelecimento da paz.

Referências

ABRAMOVAY, M.; PINHEIRO, L. C. Violência e VulnerabilidadeSocial. In: FRAERMAN, A. (Ed.). Inclusión Social y Desarrollo:Presente y futuro de La Comunidad IberoAmericana. Madri:Comunica, 2003.

Agenda de Haia. Disponível em: <http://www.comitepaz.org.br/haia_1.htm>. Acesso em out. 2008.

AGUILLERA, B. et al. Educar para la paz. Madrid. Centro deInvestigación para la Paz, s/d.

BRASIL. Ministério do Planejamento e Orçamento. Projeçãoda população do Brasil por sexo e idade para o período 1980-2050 – revisão 2008. IBGE. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/ populacao/projecao_da_populacao/2008/default.shtm>. Acesso em set.2009.

BRITO LEMUS, R. Hacia una sociologia de la juventud: algunoselementos para la deconstrucción de un nuevo paradigma dela juventud. Ultima Década. Viena del Mar: CIDPA, n. 9, 1998,p. 1-7. Disponível em: <http://www.cidpa.org/txt/9artic09.pdf>. Acesso em set. 2009.

Lúcio Jorge Hammes18

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Rumo à educação inclusiva

Bento Selau*

Através dos anos, a maneira de se ver deficientes,superdotados, enfim, as pessoas com necessidades educacionaisespeciais (NEE1) têm se modificado. Fala-se mais de inclusão hoje,mas não se pode admitir que a exclusão passou, conforme afirmouSassaki (1999, p. 31), dizendo que exclusão era uma situação que“ocorria” na sociedade. Há intenção de incluir, inclusive na escola,mas a sociedade age de maneira ambígua, excluindo e incluindo aomesmo tempo.

Conforme uma concepção mais difundida em diversos estudosno Brasil, considera-se que a sociedade ultrapassou por distintasmaneiras de se relacionar com aqueles ditos “diferentes danormalidade”, apresentadas nas etapas históricas da exclusão,atendimento segregado, integração e inclusão.

Apesar de o tema ser estudado em um panorama evolutivo(da exclusão para a inclusão) não se pode crer que, na prática, isto

1 Utilizar-se-á NEE para se referir às pessoas consideradas com necessidadeseducacionais especiais para se agilizar a leitura.

* Doutorando em Educação pela UFPel. Professor da Universidade Federal doPampa. E-mail: [email protected]

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aconteceu tal e qual. Certamente no período de exclusão ocorreramsituações de respeito e ajuda com aquelas pessoas consideradas“diferentes”, mesmo porque, ainda hoje, a inclusão não é amplamentepraticada. O que se oferece é a predominância de situações produzidaspela sociedade que levaram ao título histórico atribuído.

Com o intuito de contribuir com o debate sobre a educaçãoinclusiva, apresenta-se, na sequencia, parte do resultado de pesquisaque se desenvolveu na PUCRS (SELAU, 2005) a respeito da evoluçãohistórica deste tema.

A exclusão e a influência de uma nova percepção

Quando se faz referência à exclusão é porque poucos escritosse encontram a respeito das atitudes com relação às pessoas quepossuíam necessidades especiais antes da Idade Média. O que secompreende é que estas pessoas eram excluídas do convívio social,o que pode fornecer uma base sobre o entendimento que havia comrelação às mesmas. Em Esparta, por exemplo, crianças portadorasde deficiências físicas ou mentais eram avaliadas “sub-humanas”, oque legitimava sua eliminação ou abandono. Na Roma antiga tem-seum exemplo das políticas da exclusão que a história assinala face ao“diferente”, onde as crianças assim consideradas eram atiradas aosrios, dita esta como uma prática social reguladora.

A condição a que eram submetidos os “deficientes” só começaa dar sinais de mudança com a difusão do cristianismo. A doutrinacristã percebe todo o ser humano como filho de Deus, dotado dealma e, assim, devendo ser respeitado. Segundo os ensinamentosbíblicos, Jesus Cristo acolhia a todos, independentemente de seusproblemas ou deficiências. Cristo foi considerado o príncipe da paz:representou o processo universal de caráter pacificador. Dotado deextraordinárias derivações educativas, Cristo preconizou duas açõesbem interessantes: a não-violência e (a mensagem mais forte detoda a sua filosofia) o amor, a caridade em ação.

A alteração no tratamento dos “deficientes”, na Europa, apartir da difusão do cristianismo, é exemplificada por Pessotti (1984)com Nicolau, bispo de Myra2, que, no século IV, notabilizou-se por

2 Hoje correspondente à Turquia.

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abrigar e alimentar crianças deficientes abandonadas, mais tardechamadas “idiotas” e “imbecis”. Posteriormente, eram acolhidas emconventos e igrejas em troca de pequenos serviços que realizavam.A fraternidade cristã, vívida até os dias de hoje, assinala que aspessoas com dificuldades devem ser recebidas em todos os ambientessociais.

Mesmo com a expansão da filosofia cristã, a exclusão aindaacontece cotidianamente em diversos ambientes de nossa sociedade.Isto pode ser observado na sala de aula (SELAU, 2005) quando,muitas vezes, as crianças não querem realizar grupos com os colegascom NEE, quando lhes colocam apelidos, quando não querem brincarcom os mesmos e, ainda, no momento em que alguns pais não desejamque seus filhos participem da mesma sala em que estão presentescrianças com NEE.

Da mesma maneira que a exclusão pode ser vista hoje emlugares públicos (como nas praças infantis que não estão prontaspara receber crianças com NEE), também lojas, restaurantes, teatros,apresentam dificuldades de acesso que prejudicam as pessoas aparticiparem destes espaços. Há ônibus e rampas adaptadas,elevadores em escolas, mas ainda em pouca quantidade, tendo emvista que, para incluir, não bastam apenas adaptações físicas, mas,sobretudo, mudanças de atitude para com todas as pessoas: refere-se às maneiras sutis de exclusão, aquelas que dificilmente podem serpercebidas e que acontecem a todo o momento, como, por exemplo,as pessoas cansam de ter que se desviar de suas funções paraauxiliar aquelas que necessitam; não convidam para que participemde seus grupos próximos, no trabalho, na escola; utilizam-se de suasinfluências para favorecer parentes e amigos a cargos públicos,fazendo da exclusão algo que afeta não somente as pessoas comNEE. Estas são atitudes excludentes, não explícitas, que existem porvárias camadas sociais.

O atendimento segregado

O atendimento segregado é terminologia que indica o períodoem que as pessoas com alguma deficiência foram atendidasseparadamente das demais, isto é: não se admitia seu abandono,sua exclusão, mas estes indivíduos eram recolhidos a instituições

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especializadas. Junto com este tempo difundem-se os estudos sobreas deficiências, momento em que se passa de uma visão espiritual(do louco ou endemoniado) para uma visão médica, ou seja, àspessoas acometidas por algum “mal” era necessário o atendimento.

Foi apenas no século XIII que surgiu uma primeira instituiçãopara abrigar deficientes mentais: uma colônia agrícola, na Bélgica, oque muito provavelmente marca o período de início do atendimentosegregado (PESSOTTI, 1984). Em 1325, surge a primeira legislaçãosobre os cuidados com os deficientes mentais, a “De praerogativaregis”, baixada por Eduardo II da Inglaterra, pela qual o rei deveriazelar para que os “idiotas” fossem satisfeitos em suas necessidades(pois ele se apropriava da parte de seus bens). Paracelsus (1493-1541) e Cardano (1501-1576) foram alguns dos primeiros a consideraro “louco” ou “idiota” digno de tratamento, momento no qual aparecepela primeira vez a visão médica. Também John Locke (1632-1704)afirmou que a experiência é o fundamento de todo o saber, e que,assim, não se justifica a perseguição moralista ao deficiente, e nãoadmite que a deficiência seja uma lesão irreversível, mas um estádiode carência de operações intelectuais, sendo que estas pessoasnecessitam de cuidados.

Asilos e leprosários se constituíam a saída que não punia nemabandonava, mas descarregava da família a presença do deficiente.Correia (1999) faz sua crítica ao atendimento segregado, indicandoque a política da segregação consistia em separar e isolar as criançascom necessidades especiais da sociedade, no intuito de se resolvero problema, momento em que começaram a surgir instituições especiaisem que foram colocadas muitas crianças, rotuladas e segregadas emfunção de alguma deficiência. Para o autor, o procedimento de colocá-las em programas específicos as impedia de interações benéficaspara o seu desenvolvimento, pois cresciam em ambientes muitasvezes hostis.

No Brasil do Século XX, a criação de escolas especiais ocorreupor vontade de organizações como Associações de Pais e Amigosdos Excepcionais (APAEs), Sociedade Pestalozzi que, sem tirar-lheso mérito, ratificavam o movimento de separação (GOFFREDO, 1997).Esta autora cita que tais medidas colaboravam com a noção de que,frente ao deficiente, dever-se-ia manter uma visão caritativa,assistencialista, impedindo que suas necessidades fossemincorporadas ao rol dos direitos da cidadania.

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Da mesma maneira acredita-se que as classes especiais3 queaté agora existem são herança do atendimento segregado, uma vezque as crianças com NEE são separadas daquelas consideradas normaisdentro da escola. Correia (1999, p. 14) auxilia na compreensão destanoção expondo que:

Quando as escolas públicas começam a aceitar uma certaresponsabilidade na educação de algumas destas crianças, prevaleceuma prática segregacionista que se vai manter durante décadas.Classificadas de deficientes e rotuladas de atrasadas são marginalizadasdas classes regulares e colocadas em classes especiais separadas dasoutras crianças.

Atualmente, não nos parece possível manter as classesespeciais por dois motivos: primeiro, sua existência não conseguiupropor modificações estruturais para que a sociedade fosse maisaberta para as pessoas com deficiência, para que a sociedade fossemais inclusiva; segundo, de acordo com a perspectiva teórica deVygotski (1997) separar as pessoas com NEE do convívio das demaisé prejudicial para seu desenvolvimento mental. As classes especiaisprecisam ser revistas pelos educadores, gestores e famílias, tantopor sua concepção teórica, quanto por sua necessidade,especialmente neste tempo em que se discute a possibilidade presenteda educação inclusiva.

As investigações de Jean Itard

Os estudos que tratam da perspectiva histórica da educaçãoespecial e inclusiva devem levar em consideração as investigaçõesdo médico francês Jean Itard. Sua história de vida está ligada àcaptura de uma criança com cerca de 12 anos, com hábitos selvagens,que se deu nas florestas do sul da França, na virada do século XVIIIpara XIX, e despertou grande interesse entre filósofos, cientistas ecidadãos comuns da época. O Selvagem do Aveyron, como ficou

3 Entendem-se “classes especiais” como salas de aula que reúnem todos osestudantes de uma mesma escola considerados com alguma necessidadeespecial, nas quais recebem atendimento diferenciado, com rotinas comohorários de entrada e saída, recreios (utilização de espaços coletivos emgeral) diferentes dos demais alunos da instituição, ou seja, não se envolvendocom os demais (ou com um envolvimento um tanto restrito).

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conhecido, fora considerado pelo respeitável médico Philippe Pinelcomo um “idiota”, não havendo esperança em educá-lo, e por istodevendo ficar com outros deficientes em instituição especializada daépoca. Em oposição ao diagnóstico de seu professor, o médico JeanItard argumentara que o menino só parecia ser deficiente porquehavia sido isolado da sociedade e, por isto, impedido de se desenvolveradequadamente. Itard percebia a “idiotia” do selvagem, mas não aentendia como consequência de uma deficiência biológica tãosomente, mas também como um fator de insuficiência cultural, aprivação do contato social.

Itard encarregara-se da educação do garoto, a quem daria onome de Victor, por seu interesse pelo som o, com o propósito primeirode torná-lo apto ao convívio social. O trabalho é registrado em doisrelatórios escritos pelo médico. O primeiro após nove meses detrabalho, em 1801, remete à história da captura do menino, apresentaa ideia de que a reeducação é possível e os cinco objetivos de seuprograma de ensino, descrevendo suas ações e o percurso de Victorcom otimismo. O segundo, em 1806, evidencia desânimo e a perdade seu interesse no garoto, quando Itard demonstra que sua tarefapoderia não chegar ao resultado esperado4. Após, Itard deixa Victoraos cuidados da governanta que o acompanhou desde o início dostrabalhos, Madame Guérin. Victor faleceu em 1828, sendo que nosúltimos relatos de que se teve notícia, dizia-se que permaneciaamedrontado, semisselvagem e não podendo falar.

As experiências incomuns do garoto em sua infância deixaramsem resposta importantes questões sobre a natureza humana, sobrea influência da sociedade e sobre o grau em que os indivíduos sãoinfluenciados por uma ou outra destas forças que os estudiosos daépoca esperavam que fossem respondidas. Porém, para Cole e Cole(2003), as tentativas de Itard para educar Victor marcam o pontode partida da ciência da psicologia do desenvolvimento porque estemédico estava entre os primeiros estudiosos a ir além da especulaçãoe a conduzir experiências para testar suas ideias.

Os trabalhos de Itard são considerados fundamentais quandohoje se fala em educação das pessoas com necessidades especiais eo início do que atualmente se chama educação especial. Exerceu

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influência sobre diversos autores e pesquisadores, dentre os quaisMaria Montessori. Ressalta-se, ainda, que com Itard aparece pelaprimeira vez a visão sobre a importância da convivência em sociedadepara o desenvolvimento do ser humano. Esta parece ser uma primeiraideia sobre o conceito de inclusão, pois atribui relevância às relaçõessociais humanas para a vida de qualquer pessoa, independentementede suas dificuldades ou facilidades. Mesmo com os esforços de Itardna tentativa da educação de Victor, o atendimento segregado aindapersistiu durante muito tempo como opção para que as famíliascolocassem as pessoas com deficiência, despreocupando-se comsua implicação social ou educação.

O movimento de integração

A integração surgiu para derrubar a prática da exclusão sociala que foram submetidas as pessoas deficientes por vários séculos.Isto se deu principalmente a partir do final de 1950, sendo que estemovimento começou a tentar inserir as pessoas com deficiência nossistemas sociais gerais, como a educação, o trabalho e o lazer,tentando fazer com que tivessem uma vida “mais normal possível”.

A integração teve como propulsores os princípios denormalização e mainstreaming. Correia (1999) cita que anormalização aproxima-se do conceito de menos restritivo possívelque se usa para se referir à prática de integrar na máxima medida acriança com necessidade especial na escola regular. O princípio denormalização, inicialmente chamado de valorização, tem suas raízesno pensamento de Nirje (1969), Dunn (1968) e Wolfensberger (1972),que defendiam a educação, a saúde, a habitação e todos os serviçospossíveis aos “excepcionais”, considerando o seu papel social emambientes normais. Saint-Laurent (1997) observa que, embora tenhanascido na Dinamarca, foi nos Estados Unidos que este movimentose desenvolveu. A teoria da mainstreaming surgiu no sistema públicodos Estados Unidos da América (EUA), e procurava colocar o indivíduona corrente da vida nos seus diversos níveis, aspectos e solicitações,definida como processo pelo qual se tenta sobrepor à inadaptaçãoum regime escolar o mais próximo possível do regime estabelecidopara crianças ditas normais.

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Analisando o processo de integração, Sassaki considera queeste não conseguiu dar conta da real necessidade que as pessoascom alguma diferença do que se considerava “normalidade” possuíam.Em muitos casos se geravam rótulos que serviam como invólucrosque impediam o progresso de muitas das crianças. Outro aspectodiscutível da integração é o de que não se exige nenhuma modificaçãopor parte da sociedade, sendo que esta fica sem ação, aceitando os“portadores de deficiência”, desde que se adaptem aos modelosexistentes. Ainda, a integração é um dos mais fortes exemplos deque estar junto não significa estar se relacionando, de que participarda coletividade por si só não basta para que ocorra umdesenvolvimento adequado da pessoa com necessidade especial,inclusive da pessoa sem, já que esta última não se adapta àsnecessidades do outro.

A Declaração de Salamanca

Uma importante investida rumo à inclusão foi dada por ocasiãoda Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais5,com a Declaração de Salamanca. Teve como objetivo promover aideia de educação para todos, examinando as mudanças fundamentaisde política necessárias para desenvolver a abordagem da educaçãoinclusiva. A Declaração de Salamanca (1994) compreende que estaabordagem é a capacitação para que as escolas atendam a todas ascrianças, sobretudo as que têm NEE.

Beyer (2003) destaca que o ápice do processo de discussãoem torno da educação dos alunos com necessidades especiais sedeu com o encontro em Salamanca, que resultou na Declaração deSalamanca. Neste documento, os termos “inclusão” e “escola paratodos” são bastante explorados, e se relacionam principalmente como objetivo de se conseguir com que as instituições aceitem asdiferenças e respondam às necessidades individuais. O termo“necessidade educativa especial” também merece destaque, umavez que vem em substituição a outros tantos indicadores que setornaram pejorativos (como idiota e imbecil).

4 Estes relatórios estão traduzidos no Brasil em Banks-Leite e Galvão (2000).

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Algumas das principais noções expostas são: a educação dascrianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiaisno quadro do sistema regular de educação; os sistemas de educaçãodevem ser planejados, e os programas educativos implementados,com vistas à diversidade; as escolas regulares constituem os meiosmais capazes para constituir uma sociedade inclusiva; pedido paraque os governos de todos os países concedam prioridade a estatarefa.

O aspecto que se salienta da Declaração de Salamanca estáconfigurado de maneira a valorizar o trabalho escolar e as relaçõesque têm os alunos entre si (1994, p. 11), conforme o citado: “Oprincípio fundamental das escolas inclusivas consiste em todos osalunos aprenderem juntos, sempre que possível, independentementedas dificuldades e das diferenças que apresentem”. Observa-se quese reconhece a distribuição das crianças em classes especiais, paraocorrências em que se comprove que a educação nas aulas regularesé incapaz de satisfazer às necessidades do aluno, ou dos demais:

A colocação em de crianças em escolas especiais – ou em aulas ousecções especiais dentro duma escola, de forma permanente – deveconsiderar-se como medida excepcional, indicada unicamente paraaqueles casos em que fique claramente demonstrado que a educaçãonas aulas regulares é incapaz de satisfazer as necessidades pedagógicase sociais do aluno, ou para aqueles em que tal seja indispensável aobem-estar da criança deficiente ou das restantes (DECLARAÇÃO DESALAMANCA, 1994, p. 12).

Há, então, casos em que as características e necessidadesdas crianças podem requerer modalidades de atendimento diversificado,no qual se reconhece que não se encontram na sala de aula assaídas para todos os problemas. Ainda assim, a Declaração deSalamanca é audaciosa, pois coloca em debate a função da escola,atribuindo-lhe papel importante para a educação de todos,principalmente daqueles que eram colocados nas classes especiais,sem que se envolvessem com os considerados normais.

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A educação inclusiva

A evolução histórica que marca o olhar e a ação da sociedadeem mudança é o olhar e a ação que tentam minimizar as desigualdadespara com as pessoas com NEE. Logo, a educação inclusiva é o sinônimode que todas as crianças, independentemente de quais forem asnecessidades que possam apresentar, ou mesmo aquelas com altashabilidades, devam estar na mesma sala de aula, tendo acesso aoensino formal. Todas devem participar do processo educacionaltradicionalmente conhecido, sem separações.

A terminologia chamada educação inclusiva foi empregadainicialmente nos Estados Unidos, em 1975, com a Lei nº 94.142,definida como meio de se reivindicar do Estado a compensação paradéficits funcionais, independente de suas causas, buscando dar umdirecionamento para a formação de uma sociedade justa e igualitária.Beyer (2005) destaca que importante experiência pioneira sobre aabordagem inclusiva foi realizada na Alemanha, por volta de 1972,em poucas escolas, tendo como principais motivadores grupos depais, apesar de ser chamada de integração, mas com princípios dainclusão.

O movimento da inclusão ganhou um ímpeto sem precedentesno início da década de 1990, com milhares de membros pelos EstadosUnidos e em outros países, e fundamentalmente através da divulgaçãode tratados e declarações que procuraram garantir que a educaçãoinclusiva fosse divulgada e aplicada por governos do mundo. Areestruturação da escola para o atendimento de todos os alunos évista como um objetivo fundamental das principais ações. Aquelesque defendem a inclusão salientam que a escola, como um todo,deve se preparar para este acolhimento, o que é principal, já que aescola é o centro desta proposta. Para Beyer (2005), os princípiosdecorrentes da educação inclusiva são (ou deveriam ser):

A. individualização do ensino: objetivos, didática, avaliação;

B. sistema de bidocência: professor titular mais “especialista”;

C. redução numérica de alunos em sala de aula inclusiva;

D. centros de apoio, como salas de recurso;

E. conceito da educação especial “subsidiária”.

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Um dos questionamentos mais frequentes ao se referir aeducação inclusiva é: quais crianças podem fazer parte desteprocesso? Crianças com deficiências físicas ou mentais? Criançascom dificuldades de aprendizagem? Superdotados? Stobäus eMosquera (2003) destacam que, do processo de inclusão, devemparticipar desde crianças com deficiências mentais até crianças quepossuem altas habilidades. Relatam que a escola inclusiva deve estarpreparada para acolher a diversidade e atender a diferença. Os autoressalientam que isto abrange que a escola implemente um currículoque atenda a heterogeneidade intraclasse, em níveis distintos dedesenvolvimento. Inclusive ressaltam que, ao se referir a estes alunosem educação inclusiva, deve-se ter o cuidado com o uso determinologias que possam ser preconceituosas. Indicam que aterminologia “aluno ou pessoa com necessidade educacional especial”tem sido bastante utilizada.

No Brasil se observam as investidas para uma educação paraa inclusão, principalmente a partir da produção de leis, decretos eresoluções. Marchesi e Martín (1995) questionam a implantação deum sistema educativo somente com leis, dizendo que a novaregulamentação não produz, direta ou necessariamente, modificaçõesrelevantes na prática docente. Em geral, pode-se afirmar que asmudanças legislativas pressupõem, por um lado, um reconhecimentodo que estaria sendo feito de forma isolada ou dispersa no sistemaeducacional e, por outro, o estabelecimento de uma estrutura maisampla, que orienta e impulsiona em uma determinada direção asatuações dos diferentes agentes educacionais.

Beyer (2003) cita que, no confronto entre legislação erealidades, transparece o sentimento de incompletude das redes deensino e professores, para fazer cumprir esta proposta. Faltamcompreensões sobre a mesma, didáticas e metodologias apropriadas,bem como condições de trabalho aos educadores. Todavia, a criaçãode leis para garantir o direito à educação para todas as pessoas éfundamental, e o conhecimento das mesmas por pais, professores egestores auxilia a construção de uma sociedade preocupada com oprocesso de inclusão6. A legislação sobre a educação inclusiva no

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5 A Conferência foi organizada pelo Governo da Espanha, em cooperação coma UNESCO.

6 O capítulo “Marcos legais para a educação inclusiva”, escrito por Amélia Bastos,nos mostra um panorama das atuais leis em função de uma educação inclusiva.

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Brasil, bem como a sustentabilidade das ideias é recente e,possivelmente, será alvo de discussões, como também mudanças.

Palavras finais

O desafio de incluir impulsiona uma mudança de comportamentode todas as pessoas, inclusive mudança nas estruturas de nossasinstituições, sobretudo a escolar, para que, ao ir ao encontro dacriança com NEE, possa-se dar significado à importância das relaçõespara o desenvolvimento humano.

Beyer (2005, p. 11), analisando o cenário atual da educaçãoespecial que se direciona para uma educação inclusiva, salienta que“cada vez mais há pressões sociais no sentido da abertura de espaços,para que as pessoas com deficiência saiam de redutos segregados,dentre eles as oficinas de trabalho protegidas e as escolas especiais,e coloquem-se nos espaços comuns da sociedade, isto é, nas escolasregulares, públicas e privadas, e também no mercado de trabalho”.

Espera-se que o curso de extensão universitária “EducaçãoInclusiva e Ação Não-Violenta”, promovido pela UNIPAMPA/CampusJaguarão, que originou este livro a partir das palestras apresentadas,possa ter sido veículo auxiliar para a reflexão sobre as atitudes deestudantes e professores participantes frente às pessoas com NEE,e que o resultado destas análises influencie as instituições (família,escola, clube, etc.) nas quais estamos inseridos.

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Educação de Jovens e Adultos:uma contribuição para a constituição

de uma sociedade democrática

Rute Baquero*

O presente trabalho problematiza a relação entre Educaçãode Jovens e Adultos e a constituição de uma sociedade democrática,discutindo os dois modelos que têm presidido historicamente a EJAenquanto campo de prática social: modelos escolares, tambémdenominados de modelos sistemáticos, e modelos populares ouconscientizadores. Discute as vertentes de políticas públicas dasquais estes modelos emergem, e aponta, tendo como base asconsiderações de Torres (1992) a respeito das abordagens de políticaspúblicas nessa área, as políticas de educação popular e demodernização da educação como aquelas que dominam o cenário depolíticas de EJA em nosso país.

Examina, posteriormente, as formas sob as quais a relaçãoentre educação e democracia pode assumir, analisando-as no contextodos modelos populares e escolares de Educação de Jovens e Adultos(EJA).

* Doutora em Educação, professora pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.E-mail: [email protected]

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EJA – Problematização das relaçõesentre educação e democracia

Abordar a relação da Educação de Jovens e Adultos e aconstituição de uma sociedade democrática é um paradoxo, uma vezque, em paises de economia dependente, como o Brasil, a EJA surge,por um lado, justamente como “tentativa de resposta”, um mecanismo“alternativo” para a inclusão de grupos populares, tradicionalmentealijados dos processos de escolarização, num Estado com umademocracia formal, pautada por procedimentos, que não tem produzidouma construção democrática socialmente eficiente, que possacontribuir para a diminuição das desigualdades sociais. De fato, noBrasil a EJA se constitui muito mais como produto da miséria socialdo que dos “desafios” do desenvolvimento, sendo consequência deprecárias condições de vida da maioria da população, associadas aum sistema escolar para as classes trabalhadoras regido pela lógicade exclusão.

Em relação a esta questão, Baquero et al. (1991) assinalamque:

De fato, nunca houve um compromisso efetivo da escola e da academiacom as chamadas classes populares. A escola oferecida ao povo temsido uma escola burguesa, que reflete, na sua prática cotidiana, o modode relação de produção capitalista [...] e essa prática escolar éinformada pelos resultados de uma ciência também a serviço deinteresses alheios a ela e que tem como preocupação fundamental [...]o controle social do comportamento (p. 195).

Por outro lado, sua história é também produto de um longoprocesso de organização e luta da sociedade civil comprometida comos interesses das classes populares.

Estas duas vertentes, que historicamente conformam atrajetória desenvolvida pela Educação de Jovens e Adultos no Brasil,percorre, segundo Fischer (1992), dois caminhos traçados sobreconcepções e práticas distintas. De um lado, num caminho instituinte,emerge um conjunto de ações educativas permeadas por princípiosteóricos que aliam a educação ao movimento da organização popular.De outro lado, num caminho instituído, estruturam-se práticaspedagógicas sistematizadoras voltadas para suprir a não-escolarizaçãona idade considerada própria. No primeiro caso, temos o que

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denominamos de modelo popular ou conscientizador de educação dejovens e adultos; no segundo, temos o chamado modelosistematizador ou escolar de educação de jovens e adultos(LOVISOLO, 1988). No modelo popular, as ações educativas seinstituem a partir de iniciativas da sociedade civil, enquanto que nomodelo escolar elas se constituem em iniciativas do Estado. Essesmodelos se assentam sobre concepções diferenciadas sobre o campode Educação de Adultos e geram, também, práticas distintas nessamodalidade de educação.

Uma reflexão a respeito dos dois modelos revela diferençastanto conceituais quanto operacionais. As propostas segundo omodelo popular de EJA concebem o processo educativo comoemancipador, na medida em que propõem a conscientização políticade grupos populares e incentivam sua organização com vistas àparticipação num projeto de transformação social. O modelo escolarde educação de jovens e adultos, por sua vez, propõe, através deuma educação voltada para a transmissão de um conjunto mínimo deconhecimentos sistematizados, o desenvolvimento de umaescolarização compensatória para aqueles que não tiveram acesso àescola na “idade apropriada” ou que sofreram o processo de “exclusãoda/na escola” (FERRARO, 1987).

Estas vertentes da EJA estão vinculadas a diferentes processossociopolíticos e econômicos na América Latina que marcaram osdiferentes Estados nacionais na América Latina. Conforme Rivero(1993), há dois movimentos distintos em torno dos quais gravitarama concepção e o exercício da Educação de Adultos em nossocontinente: a opção alfabetizadora da revolução cubana, e sua lutapara modificar o conjunto das estruturas socioeconômicas na buscada construção de novas ordens sociais, e a ideia de desenvolvimentocomunitário e de extensionismo rural influenciada pela Aliança para oProgresso.

Em estudo sobre a Educação de Adultos enquanto políticapública, Torres (1992), tomando como parâmetros o tipo de conjunturasocial (ativação e participação política ou controle político comparticipação limitada) e os modos de formulação de políticas naeducação (de perspectiva incrementalista ou estruturalista), identificaquatro abordagens neste campo de educação: a abordagem da

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modernização, o idealismo pragmático, a pedagogia do oprimido e osmodelos de educação popular e a engenharia social.

Apresenta-se no Gráfico 1 as possibilidades de abordagem depolíticas públicas referidas por Torres (1992), considerando ointercruzamento dos parâmetros postulados pelo autor.

Gráfico 1 – Abordagens em EJA, considerando os modos de formaçãode políticas e a conjuntura social.

A abordagem da modernização da educação de adultos emergecomo estratégia de uma política educacional de naturezaincrementalista, numa dinâmica social de ativação e participaçãopolítica. Este tipo de abordagem considera a educação em geral, e aeducação de adultos em particular, como variável que está intimamenterelacionada aos processos de desenvolvimento socioeconômico deum país. Nesta perspectiva, a alfabetização e a educação básica deadultos se constituem em instrumentos relevantes para a antecipaçãode mudanças sociopsicológicas, de atitudes, valores e expectativas,importantes no processo de modernização, tendo como modelo associedades capitalistas avançadas.

A abordagem da pedagogia do oprimido e dos modelos deeducação popular, por sua vez, emerge como estratégia de umapolítica de orientação de mudança estrutural numa conjuntura social

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de ativação política e de participação da cidadania. A pedagogia dooprimido se caracteriza como uma pedagogia para transformaçãosocial, definindo o ato educativo como ação cultural para a liberdade.O desenvolvimento do programa educativo ocorre nos círculos decultura. É com base na Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire,desenvolvida no início da década de 60, em nosso país, que seestruturam modelos de educação popular.

Sob a denominação de idealismo pragmático, Torres (1992)caracteriza a abordagem de educação de adultos que se estruturanuma perspectiva de planejamento de educação incrementalista numaconjuntura social em que a ordem social e política é fortalecida pormeio de controle político e de participação limitada. Esta abordagemtem suas raízes, segundo o autor, no progressivismo de Dewey, nascontribuições de Pierrre Furter, na concepção de educaçãopermanente que inspirou o relatório da Comissão Faure e nasorientações de andragogia. Contrariamente à perspectiva damodernização, que concentra sua ação educacional na escola e nossistemas acadêmicos, o idealismo pragmático enfatiza como estratégiaas novas tecnologias da educação.

A engenharia social, por sua vez, é a abordagem da educaçãode adultos para uma sociedade pós-industrial, baseada num altonível de racionalidade burocrática, dominada por uma elite técnica ecientífica, que impõe à ação social uma racionalidade científica eobjetiva. Estrutura-se, portanto, num sistema com participaçãolimitada numa política de perspectiva estruturalista (TORRES, 1992,p. 28). A engenharia social caracteriza-se pelo planejamento eexpansão de sistemas maciços de educação de adultos, voltados emgeral para métodos avançados de planejamento e de administraçãocomo meios de racionalização de processo educativo.

É de fundamental importância a proposição de Torres (1992)de que as abordagens alternativas de educação de adultos emergemda relação dinâmica das racionalidades teóricas em educação, comreferência a diferentes conjunturas histórico-estruturais.

Especificamente, no que diz respeito ao Brasil, cabe ressaltara influência da abordagem de modernização e da educação popularna estruturação e desenvolvimento, respectivamente, dos modelosescolares e populares de educação de adultos.

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De que forma as abordagens da modernização e da educaçãopopular e os modelos escolarizados e populares de Educação deJovens e Adultos, respectivamente, têm respondido às demandas deuma educação democrática? Para tratar desta questão, é importantereferir que, no campo da Educação, três expressões relacionam aspalavras educação e democracia, com diferentes significados:

– Democratização da educação;

– Educação democrática;

– Educação para a democracia.

Em geral, os esforços dos sistemas educativos têm seorientado em direção a um processo de democratização da educação,isto é, garante o acesso à demanda por educação a contingentescada vez maiores da população do país, buscando, ao mesmo tempo,a sua permanência na escola, de modo a diminuir taxas de evasãoescolar.

No que diz respeito à EJA escolarizada, esta se institui enquantomodalidade de educação como resultado da não-democratização dosistema de educação e sua consequente incapacidade de absorver ademanda da população por escolarização, bem como suas precáriascondições de manter esta população na escola.

A EJA, na perspectiva do modelo popular, por sua vez, seorganiza de modo responsivo à variedade de demandas de diferentesgrupos populares – povos indígenas, mulheres, minorias étnicas... –com o objetivo de democratizar possibilidades de inserção socialdesses grupos.

Na segunda perspectiva da relação entre educação edemocracia, ou seja, na perspectiva de uma educação democrática,é possível identificar algumas experiências escolares. Nessasexperiências, estudantes, professores, administradores e funcionáriosse comportam democraticamente na comunidade educativa. Dessemodo, a educação democrática diz respeito ao estilo de funcionamentodas organizações educativas no sentido de construir uma cultura departicipação como um processo de formação da cidadania: todostêm direito a votar, todos participam ativamente das decisões dogrupo, etc.

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Já no âmbito de experiências populares de Educação de Jovense Adultos, a educação democrática é exercida de formahorizontalizada, buscando a construção de redes de ação coletiva.A gestão da proposta educativa tem um caráter descentralizadornas decisões.

No entanto, inexistem práticas destinadas a desenvolver umaeducação para a democracia, no campo da EJA escolarizada; isto é,uma educação com o propósito de preparar cidadãos para quevalorizem os sistemas democráticos e que internalizem conhecimentos,habilidades e valores necessários para defender e promover sistemase procedimentos democráticos, no âmbito dos direitos civis, políticose sociais.

Uma educação que dê conta de uma “nova cidadania”, de umprojeto para uma nova sociabilidade, direcionada não só pelo direitoà igualdade, mas também pelo direito à diferença (DAGNINO, 1994).Refiro-me, aqui, à introdução de uma educação política no currículo.

A educação para a democracia na EJA escolar é realizada deforma tangencial, sendo desenvolvida mediante trabalho com temastransversais. Neste cenário, a introdução de uma educação políticano currículo é uma questão em aberto. Segundo Silva (1998, p. 66):

Paradoxalmente, após tantos anos de discussão sobre as possibilidadesde um currículo crítico, ainda não sabemos exatamente como lidarcom um currículo que possibilite aos estudantes uma crítica políticaarticulada aos arranjos existentes, que examine criticamente as diversasdivisões sociais existentes, exploração e as misérias de uma sociedadede classes, machista, racista.

O modelo popular de EJA, por sua vez, se apoia nacompreensão da educação como um processo de emancipação dossujeitos, com o propósito de contribuir para o processo detransformação social. O processo de educação de grupos popularesse propõe como um processo educativo de natureza democrática.

À guisa de conclusão

A Educação de Jovens Adultos constitui-se um campo dedisputa que vem se constituído a partir do embate entre diferentesatores sociais que postulam diferentes relações entre educação e

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democracia, a serviço do desenvolvimento de distintas políticaspúblicas. Enquanto, no modelo escolar de EJA, a relação educação-democracia é equacionada com o desenvolvimento de competênciassociais e culturais para atender exigências de ordem familiar, do mundodo trabalho e para o exercício da cidadania, no modelo popular estarelação associa educação à emancipação social. No primeiro caso, oobjetivo é o processo de modernização da sociedade, enquanto que,no segundo, o objetivo é contribuir para a transformação social.

Há, na literatura, um debate sobre a relação que existe entredemocracia e educação. Ela tem mostrado que, muitas vezes, paísescom populações com altos níveis de escolarização têm se afastadodo regime democrático (VILLEGAS-REIMERS, 1995). No entanto, Rifkin(1993) assinala que “a maioria dos estudos demonstram que não hádemocracia sem educação, ou seja, não existe um país democráticocom uma população não educada”.

Por outro lado, a autora refere que nem todo tipo de educaçãoé garantia de democracia: “De hecho, en los países con regimenesmas opresores se encuentra que la educación há sido utilizada comoherramienta de esa opresión [...]” (VILLEGAS-REIMERS, 1995, p. 52).

Dessa forma, embora a educação seja necessária, ela não écondição suficiente para a existência de uma democracia. Segundoa autora, não existe na literatura estudo empírico sobre os efeitosda educação na democracia latino-americana. No entanto, estudodesenvolvido por Garay e Schvartzman (1987) evidencia o poucoconhecimento que os cidadãos latino-americanos – paraguaios – têmsobre a vida democrática. Resultados de entrevistas realizadas comcerca de 2.000 pessoas entre 19 e 24 anos revelaram que: somente33% dos entrevistados disseram que um componente básico de sercidadão é ter direitos políticos; 33% não sabiam o que era aConstituição; somente 66% sabiam o que era votar e, embora agrande maioria valorizasse o direito de livre expressão, 40% disseramque o governo não deveria ser criticado, pois os governantes sempresabiam o que faziam, ou porque criticar o governo era umcomportamento subversivo.

Embora estes resultados possam ser explicados pelo fato deque esta era a situação no Paraguai, depois de tantos anos sem umregime democrático, resultados similares foram encontrados em paíseslatino-americanos com uma tradição democrática, como a Venezuela,

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onde a pesquisa de Mendez et al. (1989) identificou que cerca de70% dos entrevistados não tinham conhecimento de seus direitosconstitucionais mais básicos. Pouco conhecimento e muito baixointeresse pela vida democrática são referidos também por Rodriguez(1987, 1989) em pesquisas realizadas em países latino-americanos –Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, Costa Rica, Venezuela, Colômbia,Peru e Nicarágua.

Resultados semelhantes são relatados por pesquisadoresbrasileiros: Nazzari (1995), em estudo sobre a socialização políticade jovens paranaenses, e Baquero (1997), em pesquisa comadolescentes gaúchos. Nazzari (1995) constatou que os jovensparanaenses têm vago conhecimento dos problemas nacionais ecarecem de valores democráticos fundamentais, como a confiançanas pessoas e nas instituições. Baquero (1997) observou, por partedos adolescentes gaúchos, a tendência à descrença e ao ceticismoem relação à política e aos valores democráticos, apesar demanifestarem um sentimento favorável à democracia, de formaabstrata.

Schmidt (2001, p. 209), em estudo recente sobre juventudee política no Brasil, destaca que:

[...] há uma série de traços que se repetem nas pesquisas localizadasem diversos pontos geográficos no Brasil: preferência pela democracianum sentido abstrato, baixa eficácia política, descrença nos políticos enas instituições, sensibilidade para ideais de mudança mas semorientações ideológicas definidas, pequena participação política efetiva.

Esses dados têm levado os pesquisadores a questionarem:que tipo de educação política é necessária?

Conforme Villegas-Reimers (1995, p. 52) destaca:

Entonces no es que cualquier educación es deseable; es que tiene quehaber un tipo particular de educación que prepare a los ciudadanospara vivir en democracia. [...] Hace falta educar para la democraciaexplícitamente.

Em relação a essa discussão, Freire dá uma contribuiçãofundamental ao problematizar a educação como prática para aemancipação. Esta, no meu entender, é essencial para que se possaeducar para a democracia.

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Uma ação pedagógica, como prática para a emancipação,exige o desenvolvimento de um pensamento crítico, o que implica,necessariamente, de acordo com Freire (2001), o desenvolvimentoda “curiosidade epistemológica”.

A “curiosidade epistemológica” caracteriza-se como “[...]inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo,como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento,como sinal de atenção que sugere alerta [...]” (FREIRE, 1996, p.35).

Uma educação emancipadora não é só uma questão demétodos e técnicas. Como alerta Freire (1986, p. 48): “A questão éo estabelecimento de uma relação diferente com o conhecimento ecom a sociedade”.

Assim como a educação não é só uma questão de métodos,da mesma forma a democracia não é só uma questão de procedimentos(BAQUERO, 2004). Se essas premissas fossem verdadeiras, bastaria,como diz Freire (1986, p. 48), “mudar algumas metodologiastradicionais para outras mais modernas”, assim como “para se teruma sociedade mais democrática bastaria que fossem mudados osprocedimentos políticos – (de voto de legenda para voto distrital, depresidencialismo para parlamentarismo)” (BAQUERO, 2004).

Gentili (2000, p. 154), ao questionar qual educação, paraqual cidadania, numa reflexão sobre a formação do sujeitodemocrático, diz:

A formação da cidadania supõe a possibilidade de criar espaçoseducativos nos quais os sujeitos sociais sejam capazes de questionar,de pensar, de assumir e também [...] de submeter à crítica os valores,as normas e os direitos morais pertencentes a indivíduos, a grupos e acomunidades, inclusive os seus próprios.

Além disso, o sujeito político construído nos discursos sobreos processos de educação para a democracia é aquele ao qual seatribui um ethos individualista, engendrado pelo pensamentodemocrático liberal, no contexto de um Estado de Direito reduzido aopoder público como soma dos poderes particulares e que se assentasobre a divisão entre o público e o privado (BOBBIO, 2000). Nestesentido, impõe-se a questão: Como promover uma educação para ademocracia, no campo da Educação de Jovens e Adultos, com vistas

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à formação de um sujeito político ético, solidário, comprometido como bem comum, com competência para um protagonismo responsável?

Gadotti (1985, p. 85) sinaliza com uma direção, ao referirque:

Mede-se [...] uma educação popular e democrática pela capacidadeque ela tem de acolher criticamente os problemas da sociedade, pelacapacidade dos educadores de escutarem criticamente esses problemas,para identificá-los, equacioná-los, responder a eles. Concretamente, oque fará com que nossos planos de estudo, nossos programas tenhamalgum valor [...] será [...] a vinculação desse “dizer” com esse povo[...] nosso [...].

Referências

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Marcos legais para aeducação inclusiva

Amélia Rota Borges de Bastos*

A verdadeira igualdade consiste em aquinhoar desigualmente seresdesiguais

Rui Barbosa

A inclusão de alunos com necessidades educacionais especiaisna escola comum1 ganha, no ordenamento legal, espaço de destaque.A garantia de acesso e permanência de todos os alunos na escolavem sendo defendida, desde a lei soberana, por uma série dedispositivos jurídicos que contemplam o tema da educação infantilao ensino superior. O conhecimento de tais dispositivos pode tornar-

1 Adotarei o termo escola comum ou somente escola, para diferenciá-la daescola especial. Segundo Carneiro (2007): “[...] escolas e classes comunssão as escolas que operam de acordo com as exigências da ConstituiçãoFederal e da legislação infraconstitucional e cuja autorização de funcionamentoocorre nos termos da LDB e dos dispositivos complementares de cada sistemade ensino. As classes comuns, por outro lado, são uma forma de distribuiçãodos alunos adotada pelas escolas comuns em função do nível de conhecimentodestes. Na educação básica, as escolas e classes comuns são organizadas deacordo com regras previstas no art. 24 da LDB – Lei de Diretrizes e Bases”(p. 30-31).

* Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, professorada Universidade Federal do Pampa. E-mail: [email protected]

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se uma ferramenta interessante para professores, pais e alunoscomprometidos com a árdua tarefa de garantir, em uma sociedadecaracterizada por processos desiguais e excludentes, direitos decidadania, como o acesso à escola.

Obviamente, o conhecimento do ordenamento legal, sem oprotagonismo dos envolvidos no processo, não será garantia de queo ideário de construção de escolas abertas, que acolham e valorizemas diferenças, seja efetivado. No entanto, é preciso ter consciênciade que tais dispositivos afirmam um direito e, ao reconhecê-lo, épreciso efetivar ações que façam com que esse direito seja cumprido.Como cidadãos, esse deverá ser nosso compromisso; comoprofessores, pais e pessoas com deficiência, esse é o nosso dever.

Mobilizada por esse compromisso e pelo fato de perceber que odesconhecimento dos dispositivos legais que garantem o acesso e apermanência desse alunado na escola comum tem colaborado parasua exclusão de espaços sociais como a escola, organizei o presentecapítulo. Como forma de facilitar a leitura e pelo desejo de que elepossa ser utilizado como um guia rápido de consulta para pais,professores e pessoas com deficiência, organizei-o em tópicos. Aescolha por determinados pontos é fruto de nove anos de trabalhosobre o tema. Alguns foram motivos de luta judicial, como a quepleiteou, para uma aluna surda, o direito ao intérprete de LIBRASpago pelo poder público, e outra que garantiu, na justiça, o acessode um aluno cego ao atendimento educacional especializado, negadopelos pais por um processo de não-aceitação da condição do filho.

Legislação que garante o acesso de alunos comnecessidades educacionais especiais à escola comum

Constituição Federal de 1988

Art. 205 A educação, direito de todos e dever do Estado e dafamília, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para oexercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 206 O ensino será ministrado com base nos seguintesprincípios:

I – Igualdade de condições para o acesso e permanência naescola.

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LDB 9394/96 – Estabelece as diretrizes e bases da educaçãonacional

Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintesprincípios:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência naescola.

Art. 5° O acesso ao ensino fundamental é direito públicosubjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associaçãocomunitária, organização sindical, entidade de classe ou outralegalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público acionar o PoderPúblico para exigi-lo.

Resolução nº 2/01–CEB/CNE – Institui Diretrizes Nacionaispara a Educação Especial na Educação Básica

Parágrafo único. O atendimento escolar desses alunos teráinício na educação infantil, nas creches e pré-escolas, assegurando-lhes os serviços de educação especial sempre que se evidencie,mediante avaliação e interação com a família e a comunidade, anecessidade de atendimento educacional especializado.

Art. 2º Os sistemas de ensino devem matricular todos osalunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aoseducandos com necessidades educacionais especiais, assegurandoas condições necessárias para uma educação de qualidade para todos.

Art. 7° O atendimento aos alunos com necessidadeseducacionais especiais deve ser realizado em classes comuns doensino regular, em qualquer etapa ou modalidade da educação básica.

Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069 de 13 dejulho de 1990

Art. 53 A criança e o adolescente têm direito à educação,visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para oexercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-lhes:

Marcos legais para a educação inclusiva 51

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I – igualdade de condições para o acesso e permanência naescola;

V – acesso à escola pública e gratuita próxima de suaresidência.

Art. 54 É dever do Estado assegurar à criança e aoadolescente:

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito públicosubjetivo.

Legislação que garante a permanência de alunos comnecessidades educacionais especiais na escola comum, atravésda garantia de recursos e serviços especializados

Constituição Federal de 1988

Art. 208 O dever do Estado com a educação será efetivadomediante a garantia de:

III – atendimento educacional especializado aos portadoresde deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.

LDB 9394/96 – Estabelece as diretrizes e bases da educaçãonacional

Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública seráefetivado mediante a garantia de:

III – atendimento educacional especializado gratuito aoseducandos com necessidades especiais, preferencialmente na rederegular de ensino.

Art. 58º Entende-se por educação especial, para os efeitosdesta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecidapreferencialmente na rede regular de ensino, para educandosportadores de necessidades especiais.

§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoioespecializado, na escola regular, para atender às peculiaridades daclientela de educação especial.

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§ 3º A oferta de educação especial, dever constitucional doEstado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante aeducação infantil.

Art. 59° Os sistemas de ensino assegurarão aos educandoscom necessidades especiais:

I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos eorganização específicos, para atender às suas necessidades;

II – terminalidade específica para aqueles que não puderematingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, emvirtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menortempo o programa escolar para os superdotados;

III – professores com especialização adequada em nível médioou superior, para atendimento especializado, bem como professoresdo ensino regular capacitados para a integração desses educandosnas classes comuns;

IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetivaintegração na vida em sociedade, inclusive condições adequadaspara os que não revelarem capacidade de inserção no trabalhocompetitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bemcomo para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreasartística, intelectual ou psicomotora.

Resolução nº 2/01–CEB/CNE – Institui Diretrizes Nacionaispara a Educação Especial na Educação Básica

Art. 8º As escolas da rede regular de ensino devem prever eprover, na organização de suas classes comuns:

I – professores das classes comuns e da educação especialcapacitados e especializados, respectivamente, para o atendimentoàs necessidades educacionais dos alunos;

II – distribuição dos alunos com necessidades educacionaisespeciais pelas várias classes do ano escolar em que foremclassificados, de modo que essas classes comuns se beneficiem dasdiferenças e ampliem positivamente as experiências de todos os alunos,dentro do princípio de educar para a diversidade;

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III – flexibilizações e adaptações curriculares que consideremo significado prático e instrumental dos conteúdos básicos,metodologias de ensino e recursos didáticos diferenciados e processosde avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos queapresentam necessidades educacionais especiais, em consonânciacom o projeto pedagógico da escola, respeitada a frequênciaobrigatória;

IV – serviços de apoio pedagógico especializado, realizadonas classes comuns, mediante:

a) atuação colaborativa de professor especializado emeducação especial;

b) atuação de professores-intérpretes das linguagens e códigosaplicáveis;

c) atuação de professores e outros profissionais itinerantesintra e interinstitucionalmente;

d) disponibilização de outros apoios necessários àaprendizagem, à locomoção e à comunicação;

V – serviços de apoio pedagógico especializado em salas derecursos, nas quais o professor especializado em educação especialrealize a complementação ou suplementação curricular, utilizandoprocedimentos, equipamentos e materiais específicos;

VI – condições para reflexão e elaboração teórica da educaçãoinclusiva, com protagonismo dos professores, articulando experiênciae conhecimento com as necessidades/possibilidades surgidas narelação pedagógica, inclusive por meio de colaboração cominstituições de ensino superior e de pesquisa;

VII – sustentabilidade do processo inclusivo, medianteaprendizagem cooperativa em sala de aula, trabalho de equipe naescola e constituição de redes de apoio, com a participação dafamília no processo educativo, bem como de outros agentes e recursosda comunidade;

VIII – temporalidade flexível do ano letivo, para atender àsnecessidades educacionais especiais de alunos com deficiência mentalou com graves deficiências múltiplas, de forma que possam concluirem tempo maior o currículo previsto para a série/etapa escolar,

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principalmente nos anos finais do ensino fundamental, conformeestabelecido por normas dos sistemas de ensino, procurando-se evitargrande defasagem idade/série;

IX – atividades que favoreçam, ao aluno que apresente altashabilidades/superdotação, o aprofundamento e enriquecimento deaspectos curriculares, mediante desafios suplementares nas classescomuns, em sala de recursos ou em outros espaços definidos pelossistemas de ensino, inclusive para conclusão, em menor tempo, dasérie ou etapa escolar, nos termos do Artigo 24, V, “c”, da Lei nº9.394/96.

LEI nº 10.436 de 24 de abril de 2002 – Dispõe sobre a LínguaBrasileira de Sinais – Libras – e dá outras providências

Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação eexpressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos deexpressão a ela associados.

Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais– Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistemalinguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria,constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos,oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

Art. 2º Deve ser garantido, por parte do poder público emgeral e empresas concessionárias de serviços públicos, formasinstitucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira deSinais – Libras como meio de comunicação objetiva e de utilizaçãocorrente das comunidades surdas do Brasil.

Art. 4º O sistema educacional federal e os sistemaseducacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantira inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, deFonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, doensino da Língua Brasileira de Sinais – Libras, como parte integrantedos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, conforme legislaçãovigente.

Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais – Libras nãopoderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa.

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Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005 – Regulamentaa Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a LínguaBrasileira de Sinais – Libras

CAPÍTULO II DA INCLUSÃO DA LIBRAS COMO DISCIPLINACURRICULAR

Art. 3º A Libras deve ser inserida como disciplina curricularobrigatória nos cursos de formação de professores para o exercíciodo magistério, em nível médio e superior, e nos cursos deFonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, dosistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, doDistrito Federal e dos Municípios.

§ 1º Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas doconhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior,o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são consideradoscursos de formação de professores e profissionais da educação parao exercício do magistério.

§ 2º A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativanos demais cursos de educação superior e na educação profissional,a partir de um ano da publicação deste Decreto.

Art. 10 As instituições de educação superior devem incluir aLibras como objeto de ensino, pesquisa e extensão nos cursos deformação de professores para a educação básica, nos cursos deFonoaudiologia e nos cursos de Tradução e Interpretação de Libras –Língua Portuguesa.

Art. 12 As instituições de educação superior, principalmenteas que ofertam cursos de Educação Especial, Pedagogia e Letras,devem viabilizar cursos de pós-graduação para a formação deprofessores para o ensino de Libras e sua interpretação, a partir deum ano da publicação deste Decreto.

Art. 13 O ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa,como segunda língua para pessoas surdas, deve ser incluído comodisciplina curricular nos cursos de formação de professores para aeducação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental, denível médio e superior, bem como nos cursos de licenciatura emLetras com habilitação em Língua Portuguesa.

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CAPÍTULO IV – DO USO E DA DIFUSÃO DA LIBRAS E DA LÍNGUAPORTUGUESA PARA O ACESSO DAS PESSOAS SURDAS À EDUCAÇÃO

Art. 14 As instituições federais de ensino devem garantir,obrigatoriamente, às pessoas surdas, acesso à comunicação, àinformação e à educação nos processos seletivos, nas atividades enos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapase modalidades de educação, desde a educação infantil até a superior.

§ 1º Para garantir o atendimento educacional especializado eo acesso previsto no caput, as instituições federais de ensino devem:

I – promover cursos de formação de professores para:

a) o ensino e uso da Libras;

b) a tradução e interpretação de Libras – Língua Portuguesa;e

c) o ensino da Língua Portuguesa, como segunda língua parapessoas surdas;

II – ofertar, obrigatoriamente, desde a educação infantil, oensino da Libras e também da Língua Portuguesa, como segundalíngua para alunos surdos;

III – prover as escolas com:

a) professor de Libras ou instrutor de Libras;

b) tradutor e intérprete de Libras – Língua Portuguesa;

c) professor para o ensino de Língua Portuguesa como segundalíngua para pessoas surdas; e

d) professor regente de classe com conhecimento acerca dasingularidade linguística manifestada pelos alunos surdos;

IV – garantir o atendimento às necessidades educacionaisespeciais de alunos surdos, desde a educação infantil, nas salas deaula e, também, em salas de recursos, em turno contrário ao daescolarização;

V – apoiar, na comunidade escolar, o uso e a difusão de Librasentre professores, alunos, funcionários, direção da escola e familiares,inclusive por meio da oferta de cursos;

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VI – adotar mecanismos de avaliação coerentes com oaprendizado de segunda língua, na correção das provas escritas,valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidadelinguística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa;

VII – desenvolver e adotar mecanismos alternativos para aavaliação de conhecimentos expressos em Libras, desde quedevidamente registrados em vídeo ou em outros meios eletrônicos etecnológicos;

VIII – disponibilizar equipamentos, acesso às novas tecnologiasde informação e comunicação, bem como recursos didáticos paraapoiar a educação de alunos surdos ou com deficiência auditiva.

§ 2º O professor da educação básica, bilíngue, aprovado emexame de proficiência em tradução e interpretação de Libras – LínguaPortuguesa, pode exercer a função de tradutor e intérprete de Libras– Língua Portuguesa, cuja função é distinta da função de professordocente.

§ 3º As instituições privadas e as públicas dos sistemas deensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarãoimplementar as medidas referidas neste artigo como meio de asseguraratendimento educacional especializado aos alunos surdos ou comdeficiência auditiva.

Art. 15 Para complementar o currículo da base nacional comum,o ensino de Libras e o ensino da modalidade escrita da LínguaPortuguesa, como segunda língua para alunos surdos, devem serministrados em uma perspectiva dialógica, funcional e instrumental,como:

I – atividades ou complementação curricular específica naeducação infantil e anos iniciais do ensino fundamental; e

II – áreas de conhecimento, como disciplinas curriculares,nos anos finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educaçãosuperior.

Art. 16 A modalidade oral da Língua Portuguesa, na educaçãobásica, deve ser ofertada aos alunos surdos ou com deficiênciaauditiva, preferencialmente em turno distinto ao da escolarização,por meio de ações integradas entre as áreas da saúde e da educação,

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resguardado o direito de opção da família ou do próprio aluno poressa modalidade.

Art. 21 A partir de um ano da publicação deste Decreto, asinstituições federais de ensino da educação básica e da educaçãosuperior devem incluir, em seus quadros, em todos os níveis, etapase modalidades, o tradutor e intérprete de Libras – Língua Portuguesa,para viabilizar o acesso à comunicação, à informação e à educaçãode alunos surdos.

§ 1º O profissional a que se refere o caput atuará:

I – nos processos seletivos para cursos na instituição deensino;

II – nas salas de aula para viabilizar o acesso dos alunos aosconhecimentos e conteúdos curriculares, em todas as atividadesdidático-pedagógicas; e

III – no apoio à acessibilidade aos serviços e às atividades-fim da instituição de ensino.

§ 2º As instituições privadas e as públicas dos sistemas deensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarãoimplementar as medidas referidas neste artigo como meio de asseguraraos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação,à informação e à educação.

CAPÍTULO VI – DA GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO DASPESSOAS SURDAS OU COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA

Art. 22 As instituições federais de ensino responsáveis pelaeducação básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou comdeficiência auditiva, por meio da organização de:

I – escolas e classes de educação bilíngue, abertas a alunossurdos e ouvintes, com professores bilíngues, na educação infantil enos anos iniciais do ensino fundamental;

II – escolas bilíngues ou escolas comuns da rede regular deensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais doensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, comdocentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes dasingularidade linguística dos alunos surdos, bem como com a presençade tradutores e intérpretes de Libras – Língua Portuguesa.

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§ 1º São denominadas escolas ou classes de educação bilíngueaquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesasejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo oprocesso educativo.

§ 2º Os alunos têm o direito à escolarização em um turnodiferenciado ao do atendimento educacional especializado para odesenvolvimento de complementação curricular, com utilização deequipamentos e tecnologias de informação.

§ 3º As mudanças decorrentes da implementação dos incisosI e II implicam a formalização, pelos pais e pelos próprios alunos, desua opção ou preferência pela educação sem o uso de Libras.

§ 4º O disposto no § 2º deste artigo deve ser garantidotambém para os alunos não usuários da Libras.

Art. 23 As instituições federais de ensino, de educação básicae superior, devem proporcionar aos alunos surdos os serviços detradutor e intérprete de Libras – Língua Portuguesa em sala de aula eem outros espaços educacionais, bem como equipamentos etecnologias que viabilizem o acesso à comunicação, à informação eà educação.

§ 1º Deve ser proporcionado aos professores acesso àliteratura e informações sobre a especificidade linguística do alunosurdo.

§ 2º As instituições privadas e as públicas dos sistemas deensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarãoimplementar as medidas referidas neste artigo como meio de asseguraraos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação,à informação e à educação.

Art. 29 O Distrito Federal, os Estados e os Municípios, noâmbito de suas competências, definirão os instrumentos para a efetivaimplantação e o controle do uso e difusão de Libras e de sua traduçãoe interpretação, referidos nos dispositivos deste Decreto.

Art. 30 Os órgãos da administração pública estadual, municipale do Distrito Federal, direta e indireta, viabilizarão as ações previstasneste Decreto com dotações específicas em seus orçamentos anuaise plurianuais, prioritariamente as relativas à formação, capacitaçãoe qualificação de professores, servidores e empregados para o uso e

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difusão da Libras e à realização da tradução e interpretação deLibras – Língua Portuguesa, a partir de um ano da publicação desteDecreto.

PORTARIA nº 1.793, de dezembro de 1994 – Formação docente

Art.1º Recomenda a inclusão da disciplina “ASPECTOS ÉTICO-POLITICO-EDUCACIONAIS DA NORMALIZAÇÃO E INTEGRAÇÃO DAPESSOA PORTADORA DE NECESSIDADES ESPECIAIS”, prioritariamente,nos cursos de Pedagogia, Psicologia e em todas as Licenciaturas.

PORTARIA MEC nº 1.010, de 10 de maio de 2006 – uso doSOROBAN

Art. 1º Institui o Soroban como um recurso educativo específicoimprescindível para a execução de cálculos matemáticos por alunoscom deficiência visual.

Considerações finais

A legislação sobre o tema é deveras extensa, o que demonstraa preocupação dos legisladores com a garantia dos direitos daspessoas com deficiência. No entanto, apesar do aparato legal protegerjuridicamente essas pessoas, pouco ainda é feito no sentido de efetivaros benefícios concedidos pela lei.

Pode-se inferir que a ignorância de tais dispositivos seja umadas possíveis causas do não cumprimento da legislação, o que indicaa necessidade de ampla divulgação da matéria, principalmente paraas pessoas envolvidas com o tema da inclusão.

Nesse sentido, a escola deve tornar-se um polo irradiadordesta informação, fazendo também valer os direitos que lhe sãoassegurados, como, por exemplo, formação adequada para seusprofessores e recursos específicos, conforme as características doalunado que atende.

Espero que este artigo, apesar de todas as suas limitações,tenha despertado o interesse pelo assunto e que os leitores desteescrito, bem como os alunos que partilharam das reflexões sobre o

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tema no curso de extensão universitária “Educação inclusiva e açãonão-violenta”, assumam para si o compromisso de buscar, nasinstâncias competentes, o cumprimento de tais direitos.

Para finalizar, recomendo o acesso ao site da Secretaria deEducação Especial (MEC), que tem compilada legislação ligada aosdireitos das pessoas com deficiência. Além disso, recomendo comoleitura os livros citados como referências.

Referências

BOLONHINI JUNIOR, R. Portadores de necessidades especiais:as principais prerrogativas dos portadores de necessidadesespeciais e a legislação brasileira. São Paulo: ARX, 2004.

CARNEIRO, M. A. Acesso de alunos com deficiência às escolase classes comuns. Petrópolis: Vozes, 2007.

FÁVERO, E. A. Direito das pessoas com deficiência: garantiade igualdade na diversidade. Rio de Janeiro: WVA, 2004.

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Capital Social, democracia inercial eintegração latino-americana

Marcello Baquero*

O otimismo que se gerou na América Latina, por ocasião doprocesso de democratização que se inicia na década de 1970, temdado lugar a posturas de desilusão e decepção, por parte dos cidadãos,com a frustração de expectativas, principalmente em relação a ganhossociais. Se, por um lado, não se pode negar que procedimentosformais da democracia avançaram significativamente, processosemelhante não tem ocorrido na dimensão de melhorar as condiçõesmateriais mínimas da grande maioria da população.

Nessas circunstâncias, é necessário reconhecer que a AméricaLatina está longe de ter instituições políticas efetivas e, também,não possui uma base normativa de apoio aos princípios democráticos.Torna-se imperativo, portanto, investir não só na construção deinstituições sólidas, mas também promover a constituição de CapitalSocial e de empoderamento dos cidadãos, com vistas a construiruma cultura política participativa que auxilie na promoção de umaintegração latino-americana sólida.

É nesse contexto que o presente artigo se orienta. Busca-se,em primeiro lugar, pensar a democracia na América Latina à margemdos modelos tradicionais, propondo o conceito de democracia inercial

* Doutor em Ciência Política, professor da Universidade Federal do Rio Grandedo Sul. E-mail: [email protected]

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como alternativa de compreensão das deficiências da democraciacontemporânea. Num segundo momento, tenta-se identificar aconfiguração da cultura política existente para, no final, aceitando aimportância do conceito de Capital Social, que tem encontrado críticasacirradas para mostrar o que não é, procurar desenvolver o argumentode que tal conceito pode possibilitar a materialização de açõestangíveis positivas na construção democrática.

Situando o problema

Se analisado do ponto de vista econômico, as décadas deredemocratização e reformas econômicas de mercado têm fracassadoem promover crescimento ou progresso social, gerando uma espiralde frustração e ansiedade, não somente com o processo político,mas também com as lideranças políticas e com a forma como ademocracia tem funcionado nos últimos anos. Igualmente, sob aperspectiva econômica, nos últimos cinco anos, a América Latinaexperimentou um crescimento que não passou de 2% anuais, nãoacompanhando o crescimento populacional que se situa na média em3% (CEPAL, 2004). A proporção de pobres tem praticamente dobradona Argentina, Bolívia, Peru, Venezuela, Uruguai e Equador (BIRDSALL;MENEZES, 2005).

Se invocarmos argumentos macrossistêmicos, constata-se queo processo de globalização, com seus corolários negativos, aparececomo um dos principais fatores de instabilidade econômica e política.Isto porque, para os países da América Latina, o desafio daglobalização é maior na medida em que essas nações não têmdesenvolvido a capacidade de controlar os fatores que determinamsua própria evolução enquanto entidades territoriais, sociais e políticassoberanas. A globalização, a despeito dos seus efeitos positivos,tende a reduzir ainda mais essa capacidade se levado em conta adependência dos estados latino-americanos em relação ao vaivémdo mercado global, sobre o qual têm pouca ou nenhuma influência. Éevidente que o impacto da globalização tem gerado efeitos positivos,entre os quais a pressão internacional na institucionalização deregimes democráticos. Entretanto, essa pressão não tem conseguidoproduzir uma nova distribuição de poder capaz de garantir ganhossignificativos para a maioria da população. Nesse cenário, as reformas

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empreendidas de caráter social são sempre incompletas e insuficientes,produzindo o retorno eventual a velhas práticas e manipulaçõespolíticas.

Na dimensão cultural, alguns autores sugerem que a existênciade valores tradicionais impede que as sociedades latino-americanasse atualizem e prosperem. Nesta dimensão, por exemplo, sugere-seque a naturalização da corrupção tem criado uma cultura políticapredisposta para resolver problemas por meio das ações e organizaçõesinformais. Numa sociedade com essas características a corrupção seconstitui em obstáculo para o desenvolvimento político e de umacultura política que valorize os princípios da democracia. Váriosestudos têm apontado os efeitos negativos da corrupção nodesenvolvimento e no crescimento econômico (LEDERMAN et al.,2005). Para ilustrar este ponto, é pertinente avaliar os dadosproduzidos pelo Relatório da Transparência Internacional sobre aCorrupção no Mundo em 2004. O que mais chama atenção no referidorelatório é a percepção que as pessoas têm dos partidos políticos.Em 32 dos 62 países pesquisados, os partidos políticos foram avaliadoscomo as instituições mais afetadas pela corrupção. Igualmente osentrevistados de 33 países responderam que, caso lhes fosse dada aoportunidade, limpariam a corrupção prioritariamente nos partidospolíticos.

Nesse cenário, enumerar ou tentar analisar tudo que tem sidoescrito sobre democracia é uma tarefa inútil e impossível. Tentardelimitar um campo de análise também incorreria em injustiças,principalmente em relação a autores nacionais ou locais cujasreflexões sobre a democracia não têm encontrado espaço dedivulgação. Assim, preferimos apontar três grandes linhas de reflexãoque se institucionalizaram na academia e que dominam o campo dereflexões sobre esta temática, argumentando que a tendência temsido o tratamento fragmentado dessas linhas de pensamento,contribuindo, dessa forma, para manter a democracia num estado deinércia, reduzindo seus confrontos ao meio acadêmico com poucaincidência na realidade.

Em primeiro lugar, encontra-se a chamada “escola dademocracia representativa”, a qual remonta à ideia de criar um sistemade delegação de poderes para um corpo de representantes que agiriam

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em nome e autorizado pelo povo, por meio de um processo de escolha(eleições), que se constituiria em garantia dos eleitos não se desviaremdo caminho da virtude, honestidade e transparência. Recentemente,este campo de pensamento se institucionaliza na chamada “abordageminstitucionalista” ou “neo-institucionalista”. A premissa central é deque a participação das massas é desnecessária ou secundária paranão comprometer a governabilidade da nação. Numa perspectivaminimalista, bastaria a promoção do desenvolvimento econômico e aconstituição de instituições eficientes para gerar “melhoresdemocracias” (PRZEWORSKY et al. 2003).

A questão a ser enfrentada, neste contexto, não é se essasinstituições são ou não importantes (obviamente que o são), mascomo os cidadãos as percebem. O problema das democraciaspoliárquicas, portanto, não é a derrubada dos regimes, mas a suaerosão e enfraquecimento gradual, por parte daqueles que forameleitos para dirigi-las.

Num segundo grupo, podem ser identificadas as chamadas“teorias radicais da democracia” que defendem uma maior valorizaçãodo ser humano na política. O cidadão, segundo esta linha de análise,não se reduz a ser meramente um espectador da política, mas devese envolver ativamente na determinação das políticas públicas e doprocesso decisório do seu país. Esta postura, muitas vezes, ébanalizada por questionamentos de natureza técnica sobre a viabilidadede proporcionar mecanismos de participação para todos. Parece-mesuficiente dizer que tais posicionamentos estão baseados nainterpretação distorcida que é feita daquilo que os autores destaabordagem defendem, ou seja, criar condições que possibilitem ocidadão participar de forma crítica e consciente.

Entre as principais abordagens que valorizam a ingerênciacidadã na política estão: a democracia deliberativa de Habermans(2003), a democracia radical de Mouffe (2000), a democracia reflexivade Guiddens (2000) e a democracia participativa de Pateman (1992).

As linhas de pensamento dessas teorias radicais em muitotêm contribuído para identificar os entraves da participação cidadã,bem como têm proposto mecanismos alternativos de participaçãopolítica (deliberação, reflexividade e participação social). Entretanto,tais teorias têm se mostrado limitadas na sua aplicação, em virtude

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da excessiva simplificação que produzem da realidade latino-americanae os pressupostos por elas aceitos, principalmente os que dizemrespeito à igualdade de condições socioeconômicas e a racionalidadedas pessoas.

Uma terceira linha de reflexão identifica a chamada democraciailiberal (ZAKARIA, 1997), a “democracia predatória” (DIAMOND, 2001)e a “democracia defeituosa” (PUHLE, 2004). No âmago destas teoriasestá a ideia de que as democracias contemporâneas nos paises emdesenvolvimento atravessam crises de credibilidade e legitimidade,geradas por uma situação onde o regime democrático convive compráticas oligárquicas enraizadas no Estado, descaracterizando aessência democrática.

Em síntese, não faltam quadros de referência teórica paraanalisar os déficits democráticos da América Latina. De fato, namedida em que o enfoque predominante na Ciência Política latino-americana adere aos princípios poliárquicos, a literatura sobre estatemática prolifera na direção de pensar exclusivamente regras eprocedimentos como a única tecnologia capaz de gerar prosperidadeeconômica, social e política. Neste sentido, está saturada de estudosque propõem mecanismos técnicos de solução dos problemas sociais.Num cenário com essas características, o poder político é concedidocrescentemente aos grupos política e economicamente poderosos;dessa forma, a possibilidade de pensar e implementar políticas públicasigualitárias, por meio da redistribuição do poder e reduzindo aconcentração de renda, é mínima. Ignorar ou negligenciar fatores decaráter cultural na compreensão dos déficits democráticos na AméricaLatina conduz, em minha opinião, ao desenvolvimento de umconhecimento reativo (somos dependentes e reagimos a tudo que éproduzido externamente) e pouco propositivo (não desenvolvemosmodelos a partir de nossa realidade). Em tais circunstâncias, adiscussão em torno da democracia na América Latina se reduz àantiga dicotomia democracia/não democracia, sem levar em contaque, em determinadas realidades é necessário produzir elementosnovos para dinamizar a construção democrática. Se isto não forfeito, os debates sobre a democracia se dão num sentido inercial,pois, enquanto os procedimentos formais proliferam, os instrumentosdisponibilizados para a população se fragilizam cada vez mais.

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Características da democracia inercial

É inegável que, nos últimos anos, a América Latina passou aintegrar o grupo de países onde a democracia procedimental seconsolida. Este fato faz parte do movimento de democratização globalexaminado por Huntington no seu livro a Terceira Onda (1994). Talsituação ocorre no momento em que se institucionaliza, também, omercado como eixo regulador de todas as atividades políticas eeconômicas.

Imaginava-se que um sistema onde o mercado regula asrelações sociais se orientaria na direção de sanar os déficits não sóeconômicos, mas fundamentalmente sociais, ao propiciar mecanismosmais modernos de fiscalização da ação do Estado.

O Estado na América Latina, de forma geral, até a década de1950, operava como entidade que, além de manter a ordemcapitalista, atuava no interior do sistema produtivo nacional paraorganizar a acumulação de capital, constituindo-se, dessa forma,não apenas num agente protetor, regulador e promotor das atividadeseconômicas, mas também em agente econômico direto do processode industrialização. O Estado, neste sentido, era o indutor das políticaspara o desenvolvimento da região. Uma das principais característicasdeste tipo de Estado é a sua capacidade de articular os interessesdas elites dentro do aparelho estatal, sem alterar a estrutura social,a qual mantinha, à margem das políticas públicas, a grande maioriada população. Não eram incomuns as práticas de natureza clientelísticae de cooptação. Por meio dessas práticas políticas, os interesseseconômicos das minorias poderosas eram preservados e ampliados àcusta da não inclusão da grande maioria de cidadãos. Tal modalidadepolítica de funcionamento seria também utilizada durante o processode industrialização do continente latino-americano.

Com a implantação do modelo neoliberal, o Estado deixa deser indutor do desenvolvimento, transferindo essa tarefa para omercado ou a iniciativa privada. Tal postura justificava-se na supostaineficiência do Estado e suas práticas corporativistas. Dessa forma,uma das razões da crise de governabilidade dos anos 1980 é a própriacrise do Estado, que tem origem na sua expansão desordenada duranteo regime político autoritário e que foi agravada pela crise do déficitpúblico.

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Nesse contexto, o padrão tradicional de funcionamento dospartidos políticos que privilegiava o clientelismo, o personalismo e opatrimonialismo, altera sua função, mas não sua matriz, quepraticamente se manteve inalterada.

Dessa forma, estão configuradas as condições econômicasque possibilitam compreender a condição de inércia da democracialatino-americana: cabe ressaltar que por inércia se entende areprodução de padrões de comportamento do passado no presente(RESENDE, 1985). Ou seja, a memória do passado age como fatorestrutural na constituição de um tipo de cultura política pouco afeitaa se envolver em assuntos de natureza política. Nesse cenário, asautoridades responsáveis tentam introduzir novas medidas para rompercom a inércia; porém, como são ineficazes, acabam contribuindopara o aprofundamento da mesma. Compreende-se, assim, por queprocedimentos poliárquicos (novo) não conseguem derrubar práticaspolíticas informais (antigas), pois: (1) o crescimento acelerado dodesemprego e a incerteza no futuro se mantêm inalterados ao longodo tempo e não conseguem resolver o problema da ingerência políticadas massas, a qual é vista como desnecessária; (2) os entravesgerados pelo estatismo numa determinada época e o neoliberalismonoutra época desestimulam a organização da sociedade e desmotivama participação dos cidadãos na política; (3) a ausência de uma proteçãosocial eficiente por parte do Estado (para ilustrar esta situação,pode se tomar como exemplo o México e a Argentina, onde mais de60 e 80%, respectivamente, dos desempregados não recebem nenhumbeneficio da previdência social) – imagina-se que não seja diferentenos outros países da Região; (4) a incapacidade tanto da iniciativaprivada quanto do Estado em gerar mais empregos e que, quandocriados, são de baixa qualidade e temporários; (5) empobrecimentogradual e linear da classe média.

Dois elementos tipificam a democracia inercial latino-americana:(1) políticas econômicas que não favorecem as massas excluídas eque mantêm o desemprego inalterado e estagnado; (2) a estagnaçãoda renda média anual dos latino-americanos, produzindo uma quedana qualidade de vida. Numa democracia com essas características, éinevitável que a desconfiança dos cidadãos na política e nasinstituições assuma uma natureza estrutural, o que pode comprometersua solidificação no futuro.

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A dimensão da confiança

Em virtude da prevalência de uma situação de democraciainercial e que não foi resolvida pela perspectiva institucionalista,cientistas sociais têm desenvolvido esforços no sentido de rever ossupostos males da associatividade na construção democráticacontemporânea e, sobretudo, a influência que a ausência de confiançanas instituições políticas poderia ter na constituição de uma culturapolítica pouco afeita normativamente à democracia. Presentemente,a confiança e a cooperação têm se transformado em conceitos-chave nos debates sobre as possibilidades da democracia prosperarna América Latina. Vista dessa forma, a confiança é consideradacrítica para a democracia, pois estabelece conexões entre os cidadãose as instituições que os representam, aumentando a legitimidade dogoverno democrático (MISHLER; ROSE, 2001, p. 30). Assim, emsistemas políticos onde a credibilidade das instituições e dosgovernantes é baixa, como é o caso dos países latino-americanos, apossibilidade da democracia prosperar é baixa, mantendo-se em estadoinercial.

A dimensão da confiança em relação à legitimidade eestabilidade da democracia já era discutida por autores clássicos naCiência Política, entre os quais Almond e Verba (1965) e Inglehart(1999). Estes autores, que desenvolveram a teoria da cultura política,propõem que a confiança nas instituições políticas é um fator exógenoque se origina fora da esfera política e em crenças enraizadas nasnormas culturais e transmitidas por meio do processo de socializaçãopolítica. Do ponto de vista da abordagem da cultura política, aconfiança é uma extensão da confiança interpessoal, aprendida nainfância e projetada para as instituições políticas.

As teorias institucionalistas, por sua vez, postulam que aconfiança política é endógena. A confiança institucional tem a vercom as expectativas positivas da utilidade que as instituições geram,caso funcionem satisfatoriamente; portanto, a confiança, nestaperspectiva, é uma consequência e não uma causa do desempenhoinstitucional. A confiança, segundo esta linha de raciocínio, estábaseada na racionalidade, fundamentada nas avaliações que oscidadãos fazem do desempenho das instituições. Assim, instituiçõesque funcionam bem geram confiança, e quando não funcionamefetivamente geram desconfiança e ceticismo.

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Dessa forma, em nossa opinião, a compreensão de como aconfiança funciona e se origina é de relevância fundamental paraavaliar as implicações para o estabelecimento de democraciasduradouras e socialmente eficientes. Por exemplo, por que os latino-americanos parecem demonstrar uma predisposição permanente denão-confiança nas instituições políticas? É o legado histórico queestabeleceu formas autoritárias de relações sociais importantes? Asatitudes de caráter autoritário permanecem, ao longo do tempo, adespeito da institucionalização de procedimentos poliárquicos? Estassão questões dentro do âmbito da perspectiva da cultura política.Na abordagem institucionalista, a desconfiança nas instituiçõespolíticas é vista como resultado da pouca experiência dos paísescom governos democráticos. A solução a este dilema está com otempo e com o aprendizado de testar e errar que, segundo esta linhade raciocínio, levará à consolidação de melhores democracias.

O tempo para a criação de mecanismos de convivência eprática democrática é o parâmetro fundamental na distinção entreas duas abordagens. Na perspectiva cultural, modificações de valoresculturais levam décadas para acontecer, enquanto que para osinstitucionalistas não é necessário esperar muito tempo: bastacontrolar as práticas corruptas e promover o crescimento econômicoque a base normativa de apoio à democracia ocorre.

Independente dos postulados apresentados tanto pela teoriaculturalista quanto pela institucionalista, os dados empíricos referentesàs predisposições dos latino-americanos em relação às instituiçõespolíticas mostram uma tendência de anomia, alienação, desconfiançae ceticismo, agravada por um processo crescente e recente de maiordesengajamento da política tradicional que sugere uma estagnaçãopolítica ou, como se argumenta neste artigo, uma democracia inercial.

Democracia Inercial e Capital Social

Tendo em vista o cenário global que sinaliza para ainstitucionalização de atitudes e comportamentos de desvalorizaçãodas instituições políticas adicionais e um afastamento crescente daspessoas da arena política, a teoria de Capital Social surge comomecanismo que poderia proporcionar as bases de um resgate e

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revigoramento da participação dos cidadãos na política. Capital Social,acreditam seus defensores (PUTNAM, 2000; COLEMAN, 1988;KLIKSBERG, 2005; BAQUERO, 2003), pode mobilizar as pessoas, pormeio de um processo de empoderamento, a se interessar e se envolverna política protagonicamente, buscando, dessa forma, a construçãode identidades coletivas de base que auxiliem e complementem osmecanismos tradicionais de fiscalização dos gestores públicos, atravésde uma fiscalização societária (SMULOVITZ; PERUZZOTTI, apudRODRIGUES, 2003). Fiscalização societária é “un mecanismo de controlde las autoridades a través de las actividades de asociaciones de lasociedad civil, movimientos ciudadanos y medios de comunicación.Básicamente, particulariza a un conjunto heterogéneo de iniciativaspor parte de los actores mencionados que demandan legalidad a lasinstituiciones gubernamentales así como tanbién están abocados adenunciar los actos ilegales” (p. 1).

Dessa forma, as molduras constitucionais formais proporcionama base fundamental do funcionamento da democracia, mas é oengajamento cívico, segundo a teoria de Capital Social, que possibilitaa constituição de uma democracia socialmente eficiente.

Existem diferentes concepções do que seja Capital Social,mas todas convergem para o princípio de que esse termo implica numconjunto de expectativas institucionalizadas de que as pessoas serãorecíprocas em atividades cooperativas. A teoria de Capital Socialenvolve, fundamentalmente, dois componentes: (1) redes sociaisestabelecidas por envolvimento em associações formais ou informaise (2) normas de reciprocidade e confiança entre os cidadãos. Estaperspectiva é que coloca a ideia de confiança num outro patamar deanálise, pois, segundo Norris (2002), gera consequências políticasde interações sociais não-políticas. Todo e qualquer envolvimentoem associações de todo tipo é considerado como treinamento emhabilidades cívicas que podem auxiliar no revigoramento da vidapolítica, por meio da constituição da confiança recíproca, elementoeste que é visto como sendo fundamental para a estabilidadedemocrática (PUTNAM, 2000).

No caso da América Latina, constata-se uma situaçãoparadoxal, pois, por um lado, enfatiza-se a importância de aderir auma vida partidária disciplinada, ao mesmo tempo em que a prática

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política conduz ao individualismo e à atomização do sujeito. Existemcentenas de obras que celebram a terceira onda da democracia e asvirtudes da cidadania, mas pouco ou nada se faz para colocar emprática ações de emancipação social e política.

Nesse contexto, a teoria de Capital Social aparece como umelemento importante para explicar por que algumas sociedadespersistem e têm sucesso democrático, sugerindo que não são ascrenças dos cidadãos nem as instituições políticas, mas as relaçõesentre eles que determinam as fundações da democracia. Asconstituições podem proporcionar a moldura legal do funcionamentode um sistema político e as instituições determinam o contexto, mas,da perspectiva da teoria de Capital Social, é o envolvimento doscidadãos que proporciona as bases da reciprocidade mútua, que, porsua vez, constituem-se nas bases da construção democráticasocialmente eficiente. Neste sentido, Putnam (2000) sugere que umacomunidade cívica e Capital Social dão suporte para a sociedadecivil e a democracia.

Nesse sentido, o Capital Social é elemento essencial numprocesso democrático. Se este conceito pode explicar a maior parteda variação dos êxitos do desempenho democrático, é outra questão.Assim, embora existam dúvidas quanto aos indicadores empíricos oua natureza antecedente ou consequente de Capital Social edemocracia, o que não parece gerar mais controvérsias é aimportância de Capital Social para o sucesso democrático, no casolatino-americano, a resolução da ação coletiva. Atualmente, se falana importância de desenvolver um enfoque sinérgico na questãodemocrática, ou seja, além das instituições e do Estado, são osvalores culturais ingredientes essenciais para a solidez democráticade um país. Deve-se salientar, entretanto, que tal objetivo dependeda integração compreensiva de confiança interpessoal, participaçãocívica e confiança no governo.

Conclusões

Os principais estudos históricos de autores latino-americanos,os quais alertavam para a necessidade de empreender esforços decaráter estrutural que objetivassem promover a democraciasimultaneamente com reformas estruturais e autonomia do Estado

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(FURTADO, 2000) nesta Região, sob pena de experimentar atrasosna dimensão social e comprometer a construção de uma democraciaplena, têm se mostrado consistentes na virada do século.

Os dados que utilizamos neste trabalho sinalizam que, do pontode vista da teoria de Capital Social, a Região latino-americana secaracteriza por baixos estoques desse tipo de capital, se pensadoem termos de confiança política. Os dados examinados mostram umprocesso crescente de distanciamento e desconfiança das pessoasem relação às instituições poliárquicas. Essa desconfiança é alimentadaou se alimenta de uma situação econômica que não tem propiciadoavanços econômicos e sociais de caráter distributivo. Pelo contrário,os dados da CEPAL apontam para uma situação de queda dosrendimentos médios anuais das pessoas, bem como a estagnaçãodas taxas de desemprego, mantendo uma situação de inércia, ouseja, economia e política se movimentam por um processo deinevitabilidade, sem que existam induções eficientes por parte dosgovernantes para sanar os crescentes problemas sociais.

Nessas condições, dificilmente poderá se institucionalizar umabase normativa de apoio à democracia. Igualmente, os procedimentosutilizados para sanar tais problemas, a médio e longo prazo, se revelaminconsequentes e de pouca efetividade na tentativa de constituiruma cultura política participativa.

Creio que enfrentar o desafio de propor mecanismosalternativos de natureza propositiva é uma tarefa inadiável para oscientistas políticos latino-americanos. Infelizmente, o que se constataé a adesão a um conhecimento estabelecido que pouco ou nada tema ver com a realidade. Por outro lado, a academia latino-americanaparece ainda aderir a uma reflexão que reproduz o conhecimentoestabelecido, não abrindo possibilidades para pensar em instrumentosalternativos de modificação da situação social precária que estespaíses enfrentam.

Dessa forma, o conceito de Capital Social nos parece servalioso na medida em que propõe a reconstituirão de mecanismos,tanto de confiança interpessoal quanto de confiança política, paradar mais efetividade à sociedade civil e tornar tangível sua importânciano processo de construção de uma sociedade democrática.

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Deficiência mental:revisando enfoques

Silvia Pinheiro*

Cada criança possui um compasso no seu desenvolvimentoque é diferencial, peculiar, em síntese, individual. Algumas criançaspossuem um desenvolvimento lento, um atraso desarmônico em relaçãoaos momentos e aos limites evolutivos alcançados pela grande maioriade seus colegas com a mesma idade. Não é apenas um atraso escolar,mas um desenvolvimento lento e tardio na aquisição da leitura e daescrita ou em outras aprendizagens. Trata-se de um atraso nosprocessos evolutivos de personalidade e de cognição e na capacidadede aprender para o desempenho na vida e para relacionar-se com osdemais. Além de irregular e atrasado, o desenvolvimento dessascrianças é deficitário. Progridem lentamente, atingindo mais tarde ede modo desigual os diferentes níveis evolutivos de aprendizagens ehabilidades normais, sendo que não chegam aos mesmos níveis damaioria das pessoas (FIERRO, 2004).

Revisão conceitual

A definição para deficiência mental encontrada na literatura(TELFORD, 1976; AMILALIAN, 1986) era a antiga proposta daAssociação Americana de Deficiência Mental (AAMD), de Heber (1961),que a conceituava como: funcionamento intelectual geral abaixo da

* Mestre em Saúde e Comportamento/Psicologia, professora pela UniversidadeFederal do Pampa. E-mail: [email protected]

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média, originado durante o período de desenvolvimento, somado adificuldades no comportamento adaptativo.

Nessa definição, três condições deveriam estar presentes eeram indispensáveis: inteligência abaixo da média, origem ecomportamento adaptativo.

A primeira referia-se a um desempenho de mais de doisdesvios-padrão abaixo da média, medidos por um teste de inteligênciageral (por exemplo, WISC). Todavia, uma pessoa não poderia serconsiderada deficiente mental apenas por causa de um QI baixo.

A segunda expunha que a deficiência tinha se originadodurante o período de desenvolvimento. Assim, uma pessoa queapresentasse um desenvolvimento normal até a idade adulta, masque passasse a apresentar um baixo QI nessa etapa (ou por lesõesneurológicas, ou por doença mental), não poderia ser consideradadeficiente mental.

A última condição (deterioração do comportamento adaptativo)deveria levar em conta a idade cronológica esperada para determinadafaixa etária e a exigência social do grupo a que a pessoa pertence.

O conceito de deficiência mental atualmente proposto pelaAssociação Americana de Deficiência Intelectual e de Desenvolvimento(AAIDD), antes denominada Associação Americana de DeficiênciaMental – AAMD (1992), e pelo Manual Diagnóstico e Estatístico deTranstornos Mentais (DSM-IV-TR, 2000) refere-se a: limitaçõesessenciais no desempenho intelectual da pessoa, manifestas até os18 anos de idade. Essa definição caracteriza-se pela combinação defuncionamento intelectual significativamente abaixo da média (nocaso, um QI igual ou inferior a 70-75), com limitações relacionadas àconduta adaptativa em duas ou mais áreas seguintes: comunicação,cuidados pessoais, vida escolar, habilidades sociais, desempenho nacomunidade, independência na locomoção, saúde e segurança,desempenho escolar, lazer e trabalho (NUNES, 1993; ROBINSON,ZIGLER, GALLAGHER, 2000; <http://www.aamr.org>).

Decorrem dessa definição cinco aspectos importantes:

1. as limitações no funcionamento são consideradas em relaçãoao contexto e às características dos grupos da mesma idade e damesma cultura;

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2. a diversidade cultural e linguística, bem como as diferençasde comunicação, sensoriais, motoras e fatores comportamentais,são levadas em consideração;

3. no indivíduo, frequentemente limitações coexistem compotencialidades;

4. o propósito de descrever limitações no desenvolvimento éesboçar o suporte necessário;

5. com suporte personalizado adequado por um período, apessoa portadora de deficiência mental progredirá.

Comparando as duas definições, podemos analisar que aprimeira definição exposta (1961) possui o enfoque clássico médicoe psicopedagógico tradicional, quando enfatiza o critério de QI(psicologia diferencial) e a deficiência como patologiadescontextualizada. A segunda definição (1992) resgata um enfoquesocial, tomando a deficiência como um fenômeno socialmenteconstruído (NUNES, 1993).

No enfoque tradicional (avaliação estática), o diagnósticomédico busca a etiologia da deficiência mental e o psicopedagógicoinvestiga o QI, a maturidade psicomotora, os comportamentos dosujeito, a atenção e, em decorrência, uma classificação pedagógica.

Outra crítica à definição da AAMD é que a inteligência nãopode ser reduzida apenas ao raciocínio lógico-dedutivo; outrashabilidades foram levantadas, por exemplo, no trabalho de Gardnercom as inteligências múltiplas (lógico-matemática, pictórica, musical,intrapessoal, interpessoal, espacial, linguística, corporal-cinestésica,naturalista ou biológica, etc.) (SKLIAR, 2001; FRANCISCO FILHO,2002).

Reflexões sobre classificação e avaliação

Sistemas de classificação podem ser usados para umavariedade de propósitos, baseados em um número diferente de fatorese de acordo com a necessidade do indivíduo, de seus familiares,pesquisadores e clínicos. A classificação da deficiência mental podeser feita, por exemplo, com base na necessidade de suporte, deetiologia, de níveis de mensuração da inteligência ou de níveis deavaliação do comportamento adaptativo.

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Esses fatores se confundem e, algumas vezes, são utilizadoscomo sinônimos, categorizando o mesmo grupo.

Cabe ressaltar que, nos sistemas classificatórios, corre-se orisco da formação de preconceitos sociais em relação aos portadoresde necessidades especiais, com a criação de rótulos que, ao invésde permitir o delineamento de programas, levam a diagnósticos erradosde crianças de grupos que possuem falta de experiência, retardammudanças sociais (pois focalizam o indivíduo), permitem discriminaçõessociais (pois não respeitam individualidades e experiências culturaisdiversas) e negam experiências normais na infância e participaçãona comunidade. Entretanto, a classificação também apresentaaspectos positivos quando tem como objetivo o planejamento daintervenção para pesquisa em etiologia, prevenção e terapia,incremento de políticas e organização do atendimento (KIRK;GALLAGHER, 1991).

Para Ballone (2000), a avaliação da pessoa deve ser feitaconsiderando-se sua totalidade. Por isso, faz-se necessário que odiagnóstico seja realizado por equipes interdisciplinares. O autorsalienta que o atraso no desenvolvimento dos portadores de deficiênciamental pode-se dar em nível neuropsicomotor, quando a criançademora em firmar a cabeça, sentar, andar e falar. Pode, ainda, dar-se em nível de aprendizado, com notável dificuldade de compreensãode normas e ordens e dificuldade no aprendizado escolar. Mas épreciso que haja vários sinais para que se suspeite de deficiênciamental. De modo geral, um único aspecto não pode ser consideradoindicativo de qualquer deficiência (BALLONE, 2008).

As ideias a seguir foram retiradas dos seguintes autores: Telford(1978), Amiralian (1986), Fonseca (1995) e AAIDD (2001).

Historicamente, encontramos várias classificações dadeficiência mental, desde as de “tolo”, “imbecil” e “idiota”, até “leve”,“moderado”, “severo”, “profundo”. Vamos detalhar algumas:

Classificação com base nos níveis de QI e educacional

Deficiência Mental Leve (55-60 – 70-75)

Esse grupo é considerado como educável e capaz de tornar-se autossuficiente na idade adulta. Em geral, essa criança só é

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identificada no seu ingresso na escola. A seguir, algumascaracterísticas:

– desenvolvimento mais lento do que o esperado para andar,sentar ou falar;

– habitualmente, ausência de estigmas físicos;

– reações muito lentas, isto é, o indivíduo leva muito maistempo para ajustar-se a ideias novas, obtendo melhor desempenhoem atividades rotineiras;

– dificuldade em manter a atenção em uma mesma atividadedurante um período de tempo longo. Por isso, as atividades devemser planejadas para um período curto de atenção;

– limitações na linguagem, isto é, o indivíduo apresentadificuldade em perceber o significado abstrato das coisas e conceituá-los;

– empobrecimento na capacidade de julgamento, o quecompromete o planejamento de ações na medida em que a pessoatem dificuldades para estabelecer o que é essencial em cadacircunstância;

– possibilidade de inserção no mercado de trabalho, medianteorientação para isso.

Deficiência Mental Moderada (35-40 – 55-60)

O indivíduo portador de deficiência mental moderada temcaracterísticas similares às do grupo anterior. Entretanto, suasdeficiências são maiores. Em alguns casos de deficiência mental leve,dificilmente se percebe “algo errado”, mas, na deficiência mentalmoderada, sempre poderemos perceber algumas características (istoé, estigma físico).

Esse grupo tem atrasos muito perceptíveis no desenvolvimentomotor, especialmente de fala. Em geral, os indivíduos são consideradossemidependentes. Quanto à escolaridade, são treináveis.

As características básicas são:

– atraso notável na aprendizagem de habilidades básicas,como falar, andar, alimentar-se e cuidar de sua higiene pessoal;

– capacidade escolar com limites;

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– capacidade para realizar, na idade adulta, trabalhossupervisionados, frequentemente realizados em oficinas protegidas.

Deficiência Mental Severa e Profunda

Na idade fundamental, a pessoa portadora de deficiência mentalsevera apresenta desenvolvimento motor pobre, com fala mínima,não se beneficia do treino nas áreas de autossuficiência e tem poucasaquisições na área da comunicação. Na idade escolar, ela pode falar,aprender a comunicar-se e pode ser treinada nos hábitos de higiene.Não tem aquisições acadêmicas funcionais e beneficia-se dos hábitosde treino sistemático. Na idade adulta, pode contribuir parcialmenteem tarefas completamente supervisionadas e desenvolvercomportamentos de autoproteção em envolvimentos controlados.

Já o deficiente mental profundo, na idade pré-fundamental,apresenta grande atraso, tem capacidades mínimas para funcionarnas áreas sensório-motoras e necessita de cuidados maternais. Naidade escolar, registra-se algum desenvolvimento sensório-motor, eraramente a pessoa beneficia-se de treino na área da autossuficiência.Na idade adulta, possui algum desenvolvimento motor, mas é incapazde independência, precisando, durante toda a vida, de cuidados esupervisão permanentes.

O QI dos severos treináveis e custodiais varia entre 20-25 e35-40. O QI dos profundos e custodiais situa-se abaixo dos 20-25.

Cabe enfatizar que as classificações “educáveis”, “treináveis”e “custodiais” não são mais adotadas na literatura, pois parte-se dopressuposto de que todo ser humano possui educabilidade. Nãoimportando qual ou quais sejam suas dificuldades, compete aosprofissionais acharem o melhor caminho de intervenção. O conceitode necessidades educativas especiais modifica o foco da limitaçãodo aluno para as demandas que a escola deverá prover para suaeducação.

Classificação com base nos níveis de suporteou intensidade do apoio

Intermitente: apoios quando necessários. Caracteriza-se suanatureza episódica. Assim, a pessoa não precisa sempre de apoio,ou requer apoio de curta duração durante momentos de transição

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em determinados ciclos da vida. Os apoios intermitentes podem serde alta ou de baixa intensidade.

Limitado: apoios intensivos caracterizados por sua duraçãolimitada, mas não intermitente. Pode requerer um menor número deprofissionais e custo menor do que outros níveis de apoio maisintensivos (por exemplo, treinamento para o trabalho por tempolimitado ou apoios transitórios durante o período entre a escola e avida adulta).

Extenso: apoios caracterizados por sua regularidade (porexemplo, apoio diário) pelo menos em algumas áreas (tais como navida familiar ou na profissional) e sem limitação temporal (por exemplo,apoio em longo prazo e apoio familiar).

Generalizado: apoios caracterizados por sua constância eelevada intensidade, envolvendo diferentes áreas, para proporcionara vida. Esses apoios generalizados exigem mais pessoal e maiorintromissão do que os apoios extensivos ou os de tempo limitado.

Segundo Verdugo (1994), essa nova classificação temimportantes implicações para o sistema de prestação de serviçospara essas pessoas. A primeira implicação diz respeito aos elementosdiagnósticos da deficiência mental. Assim, a utilização de um únicocódigo de diagnóstico de deficiência mental se afasta da conceituaçãoprévia amplamente baseada no QI, que estabelecia as categorias dedeficiência leve, moderada, severa e profunda. Essas terminologiasdeixam de ser utilizadas. Assim, um diagnóstico poderá ser expressodo seguinte modo: uma pessoa com deficiência mental que necessitade apoios limitados em habilidades de comunicação e habilidadessociais. Esse ou outros exemplos constituem descrições maisfuncionais, relevantes e orientadas à prestação de serviços e aoestabelecimento de objetivos de intervenção do que o sistema derótulos em uso até agora.

Essa nova classificação também reflete o fato de que muitaspessoas com deficiência mental não apresentam limitações em todasas áreas das habilidades adaptativas e, portanto, não precisam deapoios nessas áreas não afetadas. Isso também exige uma mudançana concepção de prestação de serviços. Frente a uma orientação demanutenção, sobressaem noções de crescimento e desenvolvimentopessoal, o que implica oferecer alguns serviços continuados e variadospara responder às necessidades dessas pessoas.

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Com a mudança do foco do indivíduo para a escola,encontramos atualmente, na bibliografia, termos como “dificuldadesde aprendizagens moderadas, graves e profundas” dentro dadenominação de dificuldades de aprendizagem gerais. Essas estãorelacionadas a comprometimentos chamados cognitivos e requeremprogramas específicos para obter-se progresso na aprendizagem,como também na cognição. Alunos com dificuldades gerais deaprendizagem requerem uma provisão por parte da escola naflexibilização de ensino, no auxílio no processamento da linguagem,na memória e no raciocínio, na aquisição do letramento, nasequencialização e na organização, na resolução de problemas, nodesenvolvimento de conceitos, nas competências motoras, nacompreensão de ideias, conceitos e experiências, pois o principaldéficit é generalizar, transferir e aplicar estratégias já aprendidas emdiferentes situações (FIERRO, 2004; FARREL, 2008).

No enfoque social, a única forma na qual se justificam odiagnóstico e a classificação é quando forem dirigidas para o ensino,de modo que os dados levantados tenham significadoeducacionalmente. No que tange à proposta psicopedagógica, oconstrutivismo piagetiano e o sociointeracionismo vygotskiano estãolentamente tomando o lugar das propostas médico-pedagógicas. Beyer(2001) discute aspectos da avaliação dinâmica proposta por Lunt,com base na teoria de Vygotsky. O autor expõe que o fundamentoda avaliação cognitiva deve ter como base o conceito de zona dedesenvolvimento proximal, questiona as avaliações com base napsicometria (pois o conceito de inteligência é estático e fixo) e enfocao contexto socioafetivo das crianças, na busca por uma avaliaçãomais qualitativa e interativa. Além disso, enfatiza mais o processo doque o produto, interessa-se pela individualidade e pelas idiossincrasiase não pela norma estatisticamente estabelecida, e volta-se para aspossibilidades de aprendizagem e desenvolvimento da criança.

Segundo Feuerstein, citado por Beyer (2001), o ser humanopossui a capacidade de ativar processos de mudança cognitiva(somente os casos mais graves de lesão cerebral são, em princípio,excluídos). Sendo assim, o papel do pedagogo e do psicólogo não serestringe à mera constatação do baixo QI, mas implica reverter aperformance constatada através do efetivo suporte psicopedagógico.

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Em tempos de inclusão, faz-se necessário mudar osquestionamentos “quem é o aluno deficiente mental?” para “quais asestratégias que devemos adotar para que ele possa desenvolver-se?”, “quais as estratégias educacionais que a escola adotará?”,“como será o currículo?”, “como será a avaliação?”, “como estamosensinando?”. Muitas perguntas ainda não têm respostas, os caminhosnão estão prontos, mas deverão ser construídos. Por isso, faz-senecessário o envolvimento de pais, educadores, direções de escolas,funcionários, alunos, profissionais relacionados à área e universidadeno desenvolvimento de pesquisas.

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Formas de resolução de conflitos emescolas públicas de Jaguarão, RS

Lúcio Jorge Hammes*

O conflito é tradicionalmente encarado como algo ruim enegativo. No entanto, não é, em absoluto, obstáculo a uma culturade paz, estando na gênese de muitos grupos sociais, constituindo-se em fonte importante de mudanças e transformações. Grynspan(1999) sugere objetivá-los, tornando-os visíveis, perceptíveis,estatisticamente representativos e politicamente representados.

Ultimamente, os meios de comunicação têm chamado aatenção para os conflitos desencadeados nas escolas(desentendimentos entre colegas e até agressões ao patrimônio eàs pessoas) e diversos pesquisadores (SPOSITO, 2001; ZALUAR,1999) têm-se debruçado sobre tais situações. Mas, quais as dinâmicasque estabelecem? E que propostas de resolução destacam?

Galtung (1978, p. 484) propõe superar a ideia do conflitocomo algo ruim e avançar nos processos de paz. Para o autor, é aresolução dos conflitos que os torna negativos ou positivos,construtivos ou destrutivos. Ou seja, a questão é como resolvemosos conflitos. Por meios violentos ou não-violentos? Maldonado (1997,p. 96) sugere: “para construir uma cultura de paz é preciso mudaratitudes, crenças e comportamentos, até se tornar natural resolver

* Doutor em Educação, professor da Universidade Federal do Pampa. E-mail: [email protected]

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os conflitos de modo não-violento (por meio de acordos) e não demodo hostil”. Neste sentido, a educação poderia explicitar os conflitos,tornando-os trampolim para o desenvolvimento, buscando modoscriativos e não-violentos para resolvê-los.

Grossi e Aguinsky (2006, p. 419) afirmam a “urgência de umaeducação inclusiva voltada para uma cultura de paz na escola, poisesta se constitui um dos principais espaços públicos de inserção doadolescente, tornando-se referência de conhecimento e valores nelapropagados”. As autoras sugerem aos educadores ficar atentos àscenas de violência e seus efeitos, para construir estratégias desuperação da violência com ações voltadas para uma cultura da paz.Tal sugestão vai ao encontro do que propõe a Agenda de Haia pelaPaz, apresentando como alternativa para combater a cultura daviolência uma educação que, ao invés de glorificar a guerra, eduquepara a paz, para a não-violência e para a cooperação1.

Inserida no ambiente educacional, a pesquisa propõe encararos conflitos, buscando aprofundar o conhecimento com o referencialda não-violência e paz, desenvolvido por autores como Galton (1978),Maldonado (1997) e Guimarães (2005). Une-se ao esforço da UNESCOque proclama o período de 2001 e 2010 como a “Década Internacionalpara uma Cultura da Paz e da Não-Violência para as Crianças doMundo” (Resolução nº 53/25, de 10 de novembro de 1998).

Neste artigo, apresento algumas conclusões da pesquisa “Asformas de resolução de conflitos em escolas públicas de Jaguarão,RS”. Foi desenvolvido por uma equipe de pesquisadores capacitadospelo grupo de pesquisa “Cultura escolar, práticas pedagógicas eformação de professores”, organizado na Unipampa. As entrevistasforam feitas junto a professores e alunos das escolas públicas deJaguarão, RS

Metodologia e estratégia de ação

O objetivo da pesquisa é investigar a forma como se dá aresolução de conflitos em escolas públicas de Jaguarão, RS,problematizando-os com os estudos relacionados à educação para a

1 O Programa de Haia pela paz e pela justiça para o século XXI foi aprovado emHaia entre os dias 12 e 15 de maio de 1999. Disponível em: <http://www.comitepaz.org.br/haia_1.htm>. Acesso em nov. 2009.

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paz, e examinar práticas que possam contribuir para solucionar osconflitos de modo não-violento. Especificamente, a pesquisa propunhaidentificar conflitos que se estabelecem nas escolas públicas deJaguarão, RS; problematizar a resolução dos conflitos nos ambientesescolares de Jaguarão com os estudos sobre educação para a paz;buscar formas alternativas para solucionar os conflitos no ambienteescolar; partilhar os resultados da pesquisa com os educadores dasescolas examinadas e com os pesquisadores relacionados à temáticaestudada.

Para alcançar os objetivos propostos, propôs-se comometodologia de coleta dos dados as entrevistas em profundidade,que se constituem dados primários, acompanhados por um diário decampo.

A amostra utilizada para as entrevistas em profundidade é anão-probabilística por julgamento (MATTAR, 1993), selecionada emduas fases. Primeiro, foram selecionadas as escolas a serem visitadase, em seguida, a comunidade escolar, incluindo educadores, estudantese pais dos estudantes. Trata-se de uma pesquisa de naturezaqualitativa, que busca compreender as relações que se desenvolvemnas escolas públicas de Jaguarão, incluindo conflitos que acontecemnas relações sociais.

Para a pesquisa foram entrevistados 10 professores e 2estudantes de escolas públicas de Jaguarão, RS, por pesquisadorespreviamente preparados. Os entrevistados foram convidados comantecedência e as direções foram comunicadas para que permitissemum tempo especial aos que foram entrevistadas.

Dessa forma, a pesquisa é estruturada para expressar adinâmica que se estabelece nas escolas, focalizando conflitos queacontecem na comunidade escolar e as suas resoluções. Os dadospossibilitam a obtenção de um leque compreensivo de informaçõespara relacionar com os estudos sobre a temática da não-violência epaz.

O método dialógico de Paulo Freire (1985) mostra que o atode saber é uma ação reflexiva; o ato toma a forma de uma açãotransformadora sobre o mundo e através dele, não uma acomodaçãoao mundo. O saber dialógico mostra, de forma problemática, umindivíduo ou circunstâncias existenciais do grupo em relação ao

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contexto sociopolítico mais amplo. É precisamente esta perspectivafreireana que orienta esta ação investigativa entre pesquisadores,educadores, funcionários, alunos e pais, sendo que esta propostapode ser uma forma de resolução de conflitos.

Resolução de conflitos e a construçãode uma cultura de paz

Parte-se da compreensão do conflito como algo normal quese estabelece no encontro de pessoas. Compreende-se que ondeexistem pessoas há pensamentos e posicionamentos diferentes, quepodem resultar em conflitos. E a escola, além de ser um espaço deaprendizagem, é também um lugar de encontro de pessoas.

A pesquisa indica que no ambiente escolar podem manifestar-se conflitos diferentes: entre professores, entre estudantes, entrepais e professores, entre direção e professores... As motivações sãoas mais diferentes, podendo se constituir pela busca de valorizaçãodo campo de saber entre os professores, exibição da força entre osestudantes, o modo de avaliação do aprendizado entre pais eprofessores, ou com a elaboração dos horários e alocação dasdisciplinas entre direção e professores.

Maldonado (1997) apresenta diferentes níveis de resoluçãode conflitos, podendo necessitar de uma terceira pessoa paraencontrar uma saída viável para o impasse. A metodologia abrange:neutralização, consenso, negociação, mediação, julgamento, eleiçãoe violência. Neste sentido, é possível encontrar saídas para osconflitos, sem recorrer ao uso da força, ao abuso do poder ou daviolência para subjugar os outros. A autora apresenta detalhes dasolução do conflito pelo consenso, negociação e mediação.

Pelo consenso, as pessoas ou grupos em conflito tentam chegara uma solução mutuamente aceitável. Pode acontecer nos pequenosimpasses da vida diária ou em questões maiores, envolvendo conflitosentre nações ou de grupos divergentes dentro de um mesmo país.Para haver a possibilidade de chegar a um consenso, é preciso queambas as partes desejem realmente encontrar uma solução e nãoderrotar ou subjugar a outra parte. No ambiente escolar, a resoluçãodo conflito pode ser um aprendizado importante para caracterizaruma nova postura diante das situações da vida.

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Também na negociação, a capacidade de escutar e entendero ponto de vista dos outros é qualidade indispensável. O negociadorprecisa ser capaz de analisar as questões das partes envolvidas noconflito e concentrar-se nos respectivos interesses, buscando formularpropostas aceitáveis para chegar a um acordo. Necessita conquistara confiança para estabelecer uma boa relação, equilibrando osaspectos emocionais e racionais, comunicando-se de maneira clarae oportuna e recorrendo à persuasão e não à coerção.

Já a mediação é definida como uma negociação na presençade uma terceira pessoa, aceita pelos envolvidos no conflito. Comono consenso e na negociação, o objetivo da mediação é ajudar aspartes a resolver o conflito de modo não-violento, encontrandosoluções aceitáveis.

Tanto no consenso, quanto na negociação e na mediação, acapacidade de escutar e entender a maneira como os outros pensam,sentem e vêem a situação é muito importante; assim, também acapacidade de se expressar de maneira clara e não ofensiva aosdemais, a capacidade de encarar o problema sem massacrar aspessoas, a criatividade e a flexibilidade na elaboração de soluçõespossíveis são qualidades a serem permanentemente desenvolvidaspara resolver conflitos de modos não-violentos. Dessa forma, o conflitopode ser “terra fértil” para aprofundar a compreensão das diferenças,para ampliar a visão das questões e dos problemas, para atuarcriativamente e com flexibilidade na busca de soluções. Com isso, épossível descobrir o potencial positivo dos conflitos. Por esses motivos,ao construir uma cultura de paz, não se tem por objetivo eliminar osconflitos (missão impossível), mas resolvê-los sem violência (objetivopossível de ser alcançado).

A resolução de conflitos de modo não-violento é requisitoimportante na construção da cultura de paz. E, como cultura, acultura da paz tembém é produto do trabalho ou inerente à pessoahumana, representada pelos bens materiais (utensílios, moradia,ferramentas, etc.) e pelas representações simbólicas (conhecimentocientífico, crenças, etc.). Depende das relações sociais e da variaçãodestas no tempo e no espaço e, conforme Edgar Morin (1999), háuma dialeticidade entre produto e produtor: “a sociedade nasce dasinterações entre indivíduos, mas com sua cultura, com seu saber, elaretroage sobre os indivíduos e os produz para se tornarem indivíduos

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humanos [...] a cultura é uma emergência social que retroage sobreos indivíduos, lhes dá a linguagem e o saber, e, por isso, os transforma”(MORIN, 1999, p. 28).

Essa compreensão de cultura permite entender tanto a culturade violência quanto a cultura da paz como construções humanas:não são inerentes à humanidade. São ensinadas, apreendidas econstruídas, como afirma a Assembleia Geral das Nações Unidas emsua 52ª Sessão:

A Cultura de Paz se constitui dos valores, atitudes e comportamentosque refletem o respeito à vida, à pessoa humana e à sua dignidade,aos direitos humanos, entendidos em seu conjunto, interdependentese indissociáveis. Viver em uma Cultura de Paz significa repudiar todasas formas de violência, especialmente a cotidiana, e promover osprincípios da liberdade, justiça, solidariedade e tolerância, bem comoestimular a compreensão entre os povos e as pessoas (Apud MILANI,2003, p.36).

Esta conceituação é uma consagração dos princípios assumidospor Federico Mayor, ex-Diretor Geral da UNESCO, ao afirmar que:

Não pode haver paz sustentável sem desenvolvimento sustentável.Não pode haver desenvolvimento sem educação ao longo da vida. Nãopode haver desenvolvimento sem democracia, sem uma distribuiçãomais equitativa dos recursos, sem a eliminação das disparidades queseparam os países mais avançados daqueles menos desenvolvidos(apud COMITÊ PAULISTA PARA A DÉCADA DE CULTURA DE PAZ).

As definições das Nações Unidas ajudam a superar a“naturalização” da violência ou a paz ainda presentes, construídahistoricamente, com a colaboração de filósofos como Thomas Hobbes(1558-1679) ou Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), resultando emafirmações como: “por natureza, os meninos são violentos”; “anatureza empurra as pessoas para a guerra”.

Rousseau afirmou que o ser humano é bom por natureza (é asociedade, como está “organizada” que o corrompe), caracterizandofortemente a educação, a partir de então2. Hobbes afirmou que o

2 Na proposta educativa de Rousseau em Emílio não há escola, mas umaformação que se dá no convívio com a natureza, resguardado ao máximodas coerções sociais. O objetivo de Rousseau é não só planejar uma educaçãocom vistas à formação futura, na idade adulta, mas também com a intençãode propiciar felicidade à criança enquanto ela ainda é criança.

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homem é o lobo do homem (Homo homini lupus) e que naturalmentehaverá uma guerra de todos contra todos. O homem, inclusive, sedistinguiria dos insetos sociais, como as abelhas e as formigas, pornão possuir instinto social. Ele não é sociável por natureza e só oserá por acidente.

Outra perspectiva teórica vem com Immanuel Kant (1724-1804), em A paz perpétua (1989), que “condena absolutamente aguerra como procedimento de direito e torna, ao contrário, o estadode paz um dever imediato”, e Ortega y Gasset (1883-1955), queaprofunda esta posição, compreendendo a paz como um esforço eum fazer, opondo-se a todo voluntarismo. Também autores comoPaulo Freire (1921-1997), com a proposta dos círculos de cultura ede uma educação para o empoderamento, e Jürgen Habermas (1929),com a teoria da Ação comunicativa, contribuem para encontrarconsensos e a convivência humana, referência importante para aconstrução da cultura de paz.

A resolução de conflitos nas escolas de Jaguarão

Na pesquisa, partimos da compreensão do conflito comoresultante do encontro entre pessoas, por haver pensamentos eposições diferentes. Especificamente, no ambiente escolar, podemmanifestar-se conflitos entre professores, estudantes, pais eprofessores, direção e professores, etc. Tais conflitos podem serresolvidos de modo violento ou não-violento.

Os professores entrevistados destacam, em suas respostas,conflitos entre alunos, entre alunos e professores, ou, então, entrealunos e pessoas da comunidade, conforme suas respostas, quandofoi pedido para descrever o conflito que mais lhes chamou a atençãono âmbito escolar:

Os conflitos que existem na maioria das vezes são pequenos, comoalunos que jogam bolinha de papel na sala de aula, ou ficam conversandoe não querem ser retirados.

Só de vez em quando acontece alguma briga no lado de fora da escolaou alguma discussão pequena entre pais e professores.

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No ano passado tivemos um problema de alunos que davam apelidosnos outros. Agora, neste ano, não tivemos. Somente na parte da tardeé que existe um pouco disto, devido ao fato de as crianças serempequenas. No ano passado um aluno ofendeu outro, que era muitopobre e tinha que andar de botas de borracha. Ele reagiu agredindofisicamente o colega.

Já os alunos destacam como conflitos mais importantes osque se estabelecem entre alunos e professores:

Nós temos uma professora que não aceita a opinião dos alunos. Muitasvezes ela está errada. Mas isso é bastante comum no ensino médio.

Houve um caso de conflito entre professor e aluno que fez com que aturma interviesse. Conversamos com a conselheira e a presidente declasse, além da direção da escola.

Quando perguntado sobre a resolução de conflitos, tambémhá diferenças entre professores e alunos. Os professores afirmamresolver os conflitos através de:

Conversamos primeiro com o aluno, registramos o que aconteceu, edepois chamamos os pais. Em casos mais graves entramos em contatocom o Conselho Tutelar.

O Estatuto da Criança e do Adolescente está nos ajudando. A partir deum caso em que uma mãe disse que a filha estava sendo discriminadapela professora, nasceu um grande conflito, pois a mãe fez queixa noConselho Tutelar. Mas a criança é muito bagunceira.

Já os alunos sugerem:

Temos procurado evitar os conflitos. A escola já teve mais conflitos eagora melhorou bastante. Nós temos uma colega que é negra. Ela éum exemplo de combate ao racismo.

As respostas dos entrevistados permitem reconhecer osconflitos que se estabelecem no meio escolar. E a inadequadaresolução aparece com um dos obstáculos ao aprendizado. Quandoos conflitos são resolvidos através do diálogo e de modo não-violento,novas relações se estabelecem; aprendem-se e ensinam-se liçõesde vida. E as pessoas envolvidas aprendem a conviver e a superar osobstáculos que continuarão aparecendo nas relações humanas.

Neste sentido, a pesquisa permitiu encontrar alternativas parasolucionar os conflitos, no meio escolar, de modo não-violento.

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A partilha dos resultados da pesquisa com os educadores dasescolas examinadas e com os pesquisadores relacionados à temáticaestudada ajuda a olhar para o conflito como possibilidade de darnovos passos na educação, contribuindo para tornar o ambienteescolar um espaço de educação para a convivência e a paz.

Com a partilha dos resultados, propõe-se ampliar o debatesobre a necessidade de rever as formas como são tratados os conflitosnos ambientes escolares.

Considerações finais

Resultados desta pesquisa permitem auferir que violência epaz deveriam ser compreendidas na relação social mais ampla. E apublicação dos atos de violência deveria ter o cuidado para nãotorná-los triviais, buscando as soluções também em sociedade. Asmanchetes como “jovens morrem em acidente de trânsito”, “estudantemata cinto e fere três”, “escola para por causa de briga entre gangs”,levam, muitas vezes, pelo afã de compreender e prevenir a violência,a olhar os jovens em sua situação individual e familiar (quando muito)e não se pergunta: como, mesmo em comunidades muito pobres,onde a violência e os traficantes de drogas oferecem aos jovensuma renda imediata, tantos jovens optam pela paz? Quais as utopiase esperanças da juventude de hoje? Quais as redes ou grupos quedão sustentação a estas utopias e esperanças?

As relações de confiança, as redes e a cidadania contribuempara a formação de uma sociedade solidária, capaz de dirimir seusconflitos pelos princípios de não-violência e paz. Nessa perspectiva,Abramovay e Pinheiro (2004), García e Sarmento (2002) e Putnam(1995) indicam o capital social como elemento importante para aconvivência humana. Como eles, poder-se-ia afirmar: aumentando ocapital social entre a juventude, diminui a violência. Essa afirmaçãoé possível porque a participação em grupos e comunidades favorecea visibilidade perante a sociedade3 e melhora as chances de se tornarlíder comunitário, atuando em favor da coletividade.

3 Alguns afirmam que a pior forma de violência é a invisibilidade, ou seja, nãoser reconhecido ou valorizado na família, na escola ou outros espaços dajuventude.

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Em Sevilha (Espanha), reuniram-se pesquisadores em diversasdisciplinas para “chamar atenção sobre as atividades mais perigosase mais destrutivas da nossa espécie, a saber, a violência e a guerra”,resultando no Manifesto de Sevilha4, que impugna pretensiososdescobrimentos biológicos, usados para justificar a violência e aguerra. Esses pesquisadores afirmam que é incorreto dizer queherdamos de nossos antepassados (os animais) uma propensão parafazer guerra; que a guerra, ou qualquer outra forma de comportamentoviolento, está geneticamente programado na natureza humana; queno decorrer da evolução humana se operou uma seleção a favor docomportamento agressivo sobre outros tipos; que os homens têmcérebro violento; ou, ainda, que a guerra é um fenômeno instintivoou que responde a um único motivo. Segundo o referido manifesto:“Assim como as guerras começam na alma dos homens, a paz tambémencontra sua origem em nossa alma. A mesma espécie que inventoua guerra, também é capaz de inventar a paz”.

Na mesma perspectiva, Garcia e Sarmiento (2002) afirmamque o conflito armado na Colômbia não só gera respostas violentas,mas também expressões pacifistas de contundente rechaço aos gruposarmados, com marchas e atos de resistência civil, buscando soluçõespara a construção da paz, que transcendem a conjuntura presente,com vistas a melhorar suas condições de vida. Os autores analisamque os Programas Regionales de Desarrollo y Paz (PRDP) têm abrandadoo conflito, com a participação de todos na identificação e soluçãodos problemas, estabelecendo condições que poderiam levar àconsolidação dos processos de descentralização do Estado e suaaproximação com as populações. A integração dos programas leva aum aprendizado coletivo, com uma concepção e prática da promoçãoe criação de capital social que se desenvolve nestes programas.

Essa posição também é assumida por Putnam (2003), aodefender avaliações rotineiras das políticas sobre o impacto noambiente físico, para evitar políticas que danifiquem os laçoscomunitários. Sugere estratégias do “crescimento inteligente” para

4 Manifesto de Sevilha foi lançado no dia 16 de maio de 1986, por uma reuniãomundial de cientistas em Sevilha (Espanha), adotado pela UNESCO na sua25ª sessão da conferência geral em 1989. Trad. de Beatriz Didonet Nery.Disponível em: <http://www.educapaz.org.br>. Acesso em: dez. 2007.

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não só evitar o crescimento desordenado das áreas suburbanas parareduzir a poluição do ar, como também permitir aos trabalhadorespassar mais tempo com a família e os amigos.

Neste sentido, as pesquisas indicam que o capital socialcontribui para o controle da criminalidade e das drogas, através dasnormas e redes comunitárias. Essa perspectiva vai à raiz do problema(violência-criminalidade) e contribui para a sua superação. Comoensina Paulo Freire: “A paz se cria, se constrói, na e pela superaçãodas realidades sociais perversas. A paz se cria, se constrói, naconstrução incessante da justiça social” (apud GADOTTI, 1996, p.52).

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A família na inclusão escolar:uma parceira necessária

Anselmo Barce Furini*

O papel da família na formação e na educação do ser humanoé essencial, tenha ele ou não necessidades especiais. Além dosaspectos básicos à sobrevivência, a família deve exercer o amparopsicossocial, regido por afeto, a fim de garantir melhores possibilidadesde desenvolvimento emocional, servindo de continente às ansiedadesda pessoa em seu processo evolutivo.

O ambiente familiar é o principal “laboratório” de descobertasa respeito de si e do mundo e o primeiro de tantos “palcos” em que oser humano se apresenta ao longo da vida. Por isso, a conscientizaçãoda família nos papéis que deve desempenhar é fundamental, já queexerce influências significativas na vida dos indivíduos comnecessidades educativas especiais (NEE).

Niella (1993) acredita que a família é o agente mais indicadopara imprimir as competências humanas de geração a geração. Elatem, entre outras funções, a de transmitir os princípios à vida emsociedade ao seu descendente. Para um indivíduo pertencer a um

* Mestre em Educação, especialista em Psicomotricidade Relacional, vice-diretorda Educação de Jovens e Adultos da E. E. E. F. Visconde do Rio Grande, emPorto Alegre e professor convidado do Pós-Graduação Lato Sensu emPsicomotricidade na PUCRS. E-mail: [email protected]

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grupo social, para ser membro de uma comunidade, é imprescindívelapropriar-se dos valores de sua cultura e, numa primeira instância,isso requer integrar-se à família, isto é, passar do individual (menorgrupo social, que é a família) ao social, passar de ser filho a seraluno e passar de ser aluno a ser cidadão. A formação de cidadãosinicia em casa e tem continuidade e complemento na instituiçãoescolar e no convívio social. Por isso, a parceria entre a família e aescola é necessária para significativos avanços na aprendizagem eno desenvolvimento social da criança e do jovem.

A inclusão na escola regular é um processo que exige umenvolvimento ativo de todos os seus agentes, que são os educadorese os familiares.

Família: atribuições na educação dos filhos

A família configura a primeira instância de desenvolvimento ede aprendizagem na vida do ser humano. Primeiro, porque ela é aresponsável pelas atribuições básicas de moradia, alimentação,vestuário, proteção. Segundo, porque é nela que se têm as primeirasreferências de como ser pai, mãe, irmão, amigo, motorista, consumidor,preservador ou devastador ecológico, cidadão, entre tantos outrospapéis que os pais representam frente aos filhos. É no ambientefamiliar que se têm as primeiras experiências de convivência comalguns valores, como a ética, a solidariedade, o respeito, o orgulho,a vaidade, entre outros. Todos esses modelos serão as referênciasiniciais da criança enquanto ela não se deparar com outros modelosde família.

A educação dos filhos oferece oportunidades para ocrescimento individual e para o fortalecimento do sistema familiar.Porém, às vezes, é um ambiente onde ocorrem desavenças, e osconflitos não resolvidos dos pais ou do casal são carregados para arelação com os filhos.

Stobäus e Mosquera (2003) destacam que, quando se refereao desenvolvimento infantil, é inevitável compreender a trama familiarem que a criança está inserida. O desenvolvimento da criançaacontece inicialmente no grupo familiar e, por isso, desde cedo, ospais devem estimular o filho para, mais tarde, vinculá-lo a profissionais.

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Entretanto, um dos maiores problemas da educação dascrianças e dos jovens está ligado à indisponibilidade e àdesresponsabilização dos pais, conforme Jesus e Martins (2001). Aausência dos responsáveis pela criança é cada vez mais notada poreducadores nas escolas, visto que é transferida aos professoresuma excessiva responsabilidade, colocando novas funções e tarefasna docência, tornando-se a principal causa de mal-estar docente.Por isso, é fundamental delimitar as responsabilidades e funções queestão a cargo dos professores, dos pais e dos outros agenteseducativos. Os autores sugerem que, no início de todo ano letivo, éimprescindível organizar sessões para informações aos pais,sensibilizando-os sobre a importância de cumprirem com suasatribuições de responsáveis pelas crianças. Eles devem acompanharde perto as tarefas escolares sem, entretanto, fazer as atividadespelos filhos ou interferir no trabalho docente com os inadequadospalpites na questão pedagógica.

Por isso, Dunst (1998) entende que os pais precisamdesenvolver a competência de co-responsabilização ou partilha depoder, expressão traduzida do termo empowerment. Isso é uma realnecessidade de todos os pais e mais ainda daqueles que têm filhoscom NEE. A adoção dessa filosofia permite que os programas deintervenção precoce e os serviços de apoio à família se concretizemmelhor, porque os familiares aceitam e reconhecem a sua parcela deresponsabilidade. Minuchin (1982) pensa que qualquer estudo dafamília deve incluir a sua relação com a sociedade, já que as funçõesfamiliares se modificam à medida que a sociedade muda. A mudançasempre ocorre da sociedade para a família, ou seja, da unidade humanamaior para a menor. O autor acredita que a família tem assumidodemais ou renunciado a funções de proteção e socialização de seusmembros em resposta às necessidades da cultura. O mundo ocidentale a sociedade industrial urbana, em constante estado de transição,fazem a estrutura familiar também mudar, delegando, por exemplo, asocialização das crianças, cada vez mais cedo, à escola. A escola, acomunicação de massa e os amigos e irmãos mais velhos estãoassumindo a orientação e a educação das crianças mais novas.

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A família no processo de inclusão

Para Kortmann (2003), a inclusão da criança com NEE começana família. O nascimento do filho, diferente do imaginado, pode levarà ocorrência de padrões disfuncionais de relacionamento familiar e adiferentes reações dos familiares.

Modificações que ocorrem num dos membros podem afetartodos os demais, conforme a abordagem sistêmica da família propostapor Correia (1999). Se o ambiente familiar é um sistema que funcionade forma interacional, então, independentemente da disfunção quepossui o indivíduo, a família influenciará tanto para amenizar comopara agravar os problemas.

Sentimentos de perda, de angústia, de incerteza e de medodo desconhecido estão normalmente presentes. A criação de umclima de relação tranquilo e o apoio de toda a família são condiçõesnecessárias para o estabelecimento de uma intervenção precoce. Énesse momento que os pais precisam do apoio profissional, da ajudaterapêutica precoce, para perceberem que, apesar da deficiência dofilho, se for amado e estimulado, irá conseguir se desenvolver comopessoa, ou seja, um olhar de aposta sobre seu filho é o que os paisprecisam aprender a desenvolver.

Falkenbach, Drexsler e Werle (2007), em seus estudos dossentimentos e das experiências dos pais de crianças com necessidadesespeciais, permitiram compreender a necessidade da acolhida e doprocesso de contínua aprendizagem de ser pai e mãe de uma criançacom necessidades especiais. Essa aprendizagem inicia-se antes dagestação. A cultura humana, que não ensina para a convivência comas diferenças, também não prepara para a experiência de ser mãe deuma criança com necessidades especiais. Os autores verificaramque as mães que obtiveram experiências e informações sobre asnecessidades especiais apresentaram maior oportunidade e facilidadepara estabelecer a relação inicial de uma forma menos traumática emais saudável com a criança. Essa predisposição da mãe favoreceas condições para a aprendizagem da criança e as possibilidades deavanço no seu desenvolvimento. As evidências do estudo mostramque os pais de crianças com necessidades especiais reavaliam seusconceitos iniciais acerca das necessidades especiais, aprendem avalorizar as potencialidades da criança e requisitam contínuos reforçosem suas estimas pessoais que os auxiliam no processo educativo de

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seus filhos. Por isso, é fundamental a tomada de consciência dospais da necessidade de aprenderem sobre as necessidades especiaisdo filho, de forma a somarem, com os professores, esforços e estímulospara o progresso da criança.

Negrine e Machado (2004) falam que pais comprometidos eresponsáveis sabem que sua função social é dar apoio permanenteaos filhos, pois uma certeza é que filho é para toda a vida. Observamque os pais precisam acreditar que, por pior que seja a síndrome,sempre é possível avançar e, para isso, é fundamental evitarcomparações. Chamam a atenção que, muitas vezes, o tratamentoàs crianças com NEE é voltado para a superproteção, que, além detrazer dependências de todo tipo, impede que a criança supereobstáculos que a fazem evoluir. Pensam que, para ajudar uma criançaportadora de alguma síndrome a avançar, não se pode ter piedade,fazer tudo para ela, sem provocá-la a resolver seus problemas, poisessa atitude impede e paralisa seu crescimento a aprendizagenssignificativas.

Por outro lado, às vezes, o sentimento não é de superproteção,mas de rejeição do filho com NEE. A partir de um laudo médico, ospais podem reagir com afastamento em relação ao filho, pois não éaquele que tinham imaginado. Brauner (2003) cita que a criança nãodesejada, não tocada e não amada experimenta sentimentos derejeição que obscurecem suas possibilidades de avanço. Por isso, éfundamental a família buscar ajuda precoce, pois os pais precisamtambém incluir a criança, acreditar no potencial de avanço do filho.O projeto de vida da criança estará fortemente influenciado pelamaneira como os pais recebam a informação do diagnóstico, quaistratamentos lhe ofereçam, quais os referenciais teóricos dosprofissionais envolvidos e qual o lugar que a comunidade reservapara os membros com necessidades especiais. Os pais devem saberque o diagnóstico não é um oráculo que predetermina o destino dacriança, e a educação e a aprendizagem, num sentido mais amplo,começam em casa e não apenas na instituição escolar. Os autoresressaltam que o objetivo é que os pais tornem-se capazes de poderintervir, de forma positiva, na educação e no desenvolvimento dofilho.

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Percepções dos familiares participantesdo processo de inclusão

O envolvimento familiar pode exercer influências tanto positivasquanto negativas no processo de inclusão. Por isso, compreender apercepção dos pais é relevante para melhor entender esse processo.

A pesquisa de mestrado que se realizou (FURINI, 2006) tevepor finalidade estudar, no contexto das séries iniciais do ensinofundamental, as manifestações comportamentais que sãoevidenciadas pelas crianças com NEE e as percepções dos pais, dosprofessores e da direção sobre o processo de inclusão na escolaregular. Como neste artigo focaliza-se a discussão na família,apresentam-se os resultados desse segmento. Utilizou-se, como umdos instrumentos de coleta de dados, a entrevista com as famílias e,dessa forma, averiguou-se o que pensam as famílias participantes doprocesso de inclusão na escola regular. Os nomes aqui expostos sãofictícios, usados para preservar a identidade dos participantes.

Em relação aos familiares das crianças com NEE, percebeu-seque há pais com expectativas tanto altas como baixas. Há aquelesque enxergam o filho com possibilidades de evolução e investemnisso; mostram-se mais dispostos a buscar novas alternativas deintervenção dentro e fora da escola, acompanham de perto o que ofilho faz na escola. Mas, em contrapartida, há famílias quedesacreditam na melhora do filho e o encaram como um sujeito limitadoe pensam que é só na escola que aquele vai se desenvolver. Nocotidiano, acabam por simplificar as coisas, fazendo tudo pela criançae impedindo-a de ter situações de dificuldades que a ajudariam aprovocar mudanças e avançar no seu desenvolvimento.

O principal papel dos pais é o de acreditar no potencial dofilho, e os professores podem contribuir incentivando isso erespondendo a todos os questionamentos dos pais. Os pais precisamacompanhar as tarefas dadas na escola, ficarem atentos às mudançasdos filhos, terem um bom relacionamento com os professores paratroca de informações, contribuindo, assim, com o trabalho feito naescola, e jamais comparar seu filho com outra criança, pois cadauma se desenvolve de uma maneira e em um ritmo próprio.

Stobäus e Mosquera (2003) destacam que a relação entre osprofissionais da escola e os pais deve ser muito franca, honesta e

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realista. Essa relação é importante para que os professores possamtrocar informações com os pais e esses possam ter melhores condiçõesde ajudar o filho e o trabalho docente. Os pais precisam conhecer aescola para ver se, na prática, o filho está sendo incluído de verdade,pois o filho tem que estar se sentindo bem onde estiver. Para isso, ospais precisam estar presentes na escola, questionar, procurar interagire procurar saber o que lá está acontecendo.

Nas entrevistas realizadas, notou-se que as próprias famíliasadmitem o papel fundamental que possuem na educação dos filhoscom NEE e referem que precisam acompanhar a criança nodesenvolvimento das atividades na escola.

Em relação ao sentimento da criança com NEE em estar naescola regular, os seus responsáveis contribuem relatando como ofilho se sente na escola, seus gostos e desgostos, os comportamentosobservados a partir da entrada da criança na escola regular e aexpectativa dos pais com os filhos.

A mãe de Richard, uma das crianças com NEE observada,conta que o filho gosta da escola e que o menino está maiscomunicativo, contando a ela o que faz na escola. Mesmo com algunsdesentendimentos com os colegas, refere que o filho gosta da escola.Outro relato que se destaca é da avó de Hércules, outra criançacom NEE observada. Ela diz que os pais têm um papel importante naeducação dos filhos, porém precisam dar atenção para isso, o quenem sempre acontece. A avó acredita que os pais têm que estarsempre juntos, têm que ajudar, apoiar e incentivar os filhos no bomcaminho e direcioná-los a uma profissão. Continua dizendo que,atualmente, as coisas não parecem estar muito tranquilas, há muitainsegurança na rua. Por isso, refere que continua sempre observando,acompanhando o neto, inclusive ao levá-lo e buscá-lo na escola.

Outra mãe de criança com NEE observada contribui para exporo sentimento do filho em relação à escola, dizendo:

Ontem eu não deixei ele vir, pois ele tava gripado, com tosse, e ele jáchorou, ficou bem agitado em casa, então a aula pra ele é tudo, escreverpra ele é tudo, aprender pra ele é muito, dizer pra ele que não vai nocolégio é motivo de choro, de briga, fica nervoso (MÃE DE DAVI).

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Essa mãe relatou que o filho não quis trocar de escola, poisgostava dos amigos e das professoras. Nesse relato, fica evidente ogosto da criança em estar na escola regular. O sentimento de bem-estar da criança com NEE na escola parece estimular aresponsabilidade e o compromisso escolar. No relato de outros doisresponsáveis por crianças com NEE observadas, chama-se a atençãopara o empenho dos responsáveis em buscar ajuda profissional forada escola. Eles relatam que os filhos apresentaram melhora na inclusãona escola quando começaram com o acompanhamento psicológicoextraclasse e o uso de medicamentos apropriados à deficiência dacriança.

Os pais precisam entender que o simples fato de levar a criançaà escola não exclui outras tentativas de estimulação e atendimentoprofissional fora do ambiente escolar, o que, na verdade, parece sero ideal, pois, quanto mais variados forem os estímulos à criança comNEE, melhores as possibil idades de aprendizagem e dedesenvolvimento.

Lopes e Marquezan (2000) pensam que é fundamental aconscientização da família de que ela faz parte de um contextosocial, que exerce influências sobre o indivíduo, preparando-o para omundo escolar. Os pais precisam estar conscientes e mobilizadospara participar, apoiar e trabalhar em conjunto e em harmonia com aescola. Para tanto, os autores destacam também a conscientizaçãodos educadores não só em saber trabalhar com o aluno, mas tambémem ajudar o desenvolvimento familiar. É importante que os educadorestambém dêem atenção à família. E isso deve ser feito em parceriaentre os professores, o profissional da sala de recursos e a direção,com ações em rede para melhor envolver e acolher a família.

Além dos sentimentos de bem-estar das crianças com NEEreferidos por seus pais, também perpetuam sentimentos de dúvida,de desconhecimento e até de rejeição por parte das famílias dascrianças ditas normais. As reações mais observadas são de dúvida eansiedade sobre como se processará e que consequências acarretaráa inclusão de crianças com NEE no ensino regular.

A mãe de uma criança dita normal questiona a diretora daescola pública se é justo haver alunos com NEE junto com os demais.

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Com a inclusão, parece que os pais, principalmente dos alunos ditosnormais, sentem-se preocupados e questionam se o ensino será demesmo valor e importância em função da presença de alunos queapresentam NEE. A percepção é de que o ensino será fraco paraatender à demanda das crianças com NEE. Mas, na verdade, essespais desconhecem que são feitas adaptações curriculares a essesalunos.

A respeito da rejeição à inclusão da criança com NEE, umadas professoras participantes da pesquisa comenta que não notou,nas oportunidades em que trabalhou com a inclusão, a rejeição dasfamílias das crianças ditas normais, mas observou muitas dúvidassobre como seriam o dia-a-dia na sala de aula e os conteúdos.Entretanto, alguns educadores e diretores trazem também situaçõesvivenciadas com famílias de crianças ditas normais que nitidamenterejeitaram a inclusão de crianças com NEE. Um exemplo é relatadopela diretora de uma escola particular ao narrar a fala de um pai: “Sena sala da minha filha tiver um aluno com necessidade especial, eutiro minha filha da escola”.

Outra diretora de escola particular relata o caso de famíliasque, ao procurarem a escola e saberem que existe um trabalho deinclusão de crianças com NEE, desistem de matricular seus filhos. Arejeição dos pais muitas vezes é transmitida aos filhos, pois, nasobservações, notaram-se reações de rejeição e exclusão do grupo àcriança com NEE.

Percebe-se que as mudanças curriculares de que a escolainclusiva necessita ainda são recebidas com resistência por algunspais. Essa reação é, de certa forma, natural, porque, na formaçãoescolar deles, a presença de crianças com NEE no ensino regular nãoera uma prática. A escola precisa preparar as famílias para receberemessa proposta de inclusão com paciência e empenho, pois todamudança associada a desconhecimento gera muitas dúvidas, quepodem gerar resistência ou até rejeição.

O que se acredita é que a presença de crianças com NEEpromove avanço a todos os envolvidos e principalmente às própriascrianças. No caso das crianças com NEE, o benefício vem da riquezade modelos e, aos colegas ditos normais, o benefício é iniciar suavivência com as diferenças desde cedo, a fim de serem cidadãosmais sensibilizados e comprometidos com o tema da deficiência,

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contribuindo para uma sociedade mais inclusiva. Por isso, éfundamental o esclarecimento a todos, para reduzir as resistências.Apesar da ausência de algumas famílias da escola e do poucoinvestimento dessas em seus filhos, as crianças com NEE sentem-sebem na escola regular e indicam a possibilidade de inclusão. Escola efamília precisam atuar como verdadeiros parceiros no processo deinclusão.

Família e escola: parceiros de responsabilidadeà inclusão

A união família e escola contribui, de forma positiva, aoprocesso de inclusão. Essa parceria é fundamental para que os paise os educadores possam estabelecer as tarefas de cada parte. Porisso, além de os pais acreditarem que o filho tem potencialidades epode avançar, é fundamental que a escola dialogue com as famílias,para manter um bom relacionamento com as mesmas e envolvê-lasde forma ativa na inclusão.

Mittler (2003) destaca que a relação pais e profissionais passoupor várias fases e, durante algum tempo, os pais foram ignoradospelos profissionais. No fim dos anos 1950, houve o surgimento dasorganizações de pais no Reino Unido, que começaram como gruposde apoio local e, posteriormente, tornaram-se setores nacionais. Nocomeço dos anos 1970, psicólogos e professores realizavam seminárioscom o objetivo de ajudar as famílias a desenvolver habilidades deobservação e avaliação dos filhos com necessidades especiais. Nosanos 1980, houve uma reação contra pais capacitados em habilidadesprofissionais, tanto por parte das famílias como dos profissionais,porque os pais habilitados estavam distanciados das práticas deensino. O movimento das famílias em busca da inclusão no ensinoregular é recente, passou por diversas fases e vem acompanhado demuitas dúvidas. É negativo, para o processo de inclusão, o conflitode poder e de funções entre família e escola. É preciso haver parceriae bom-senso de ambos, para que cada agente da inclusão tenhaconsciência de sua tarefa, nunca desaprovando as decisões e atitudesdo outro. A busca de avanço e bem-estar da criança com NEE naescola deve ser um foco de todos.

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Nas pesquisas de Lopes e Marquezan (2000), sobre oenvolvimento da família no processo de integração/inclusão escolarda pessoa com NEE, são encontradas algumas questões importantesquanto ao envolvimento da família nas atividades escolares do filho/aluno, quanto ao relacionamento da família com os professores equanto ao relacionamento da família com outras famílias. Os resultadosentre as 10 famílias pesquisadas mostram que há o envolvimentodessas com a escola, com seus professores e das famílias entre si.Esse envolvimento provém da inclusão que as famílias tiveram naescola, evidenciando que esse é um indicativo de melhor promoçãoda inclusão do aluno com NEE na escola.

No entanto, os educadores da pesquisa reportada em Furini(2006) demonstraram que nem todas as famílias de crianças comNEE acompanham o filho no andamento das atividades na escolaregular. Na prática, alguns pais mais se preocupam em saber se ofilho com NEE vai conseguir ter um trabalho ou ocupação laboral, enão conseguem lidar com as dificuldades de aprendizagem do filho,não conseguem ter um olhar diferente, um olhar de aposta. Outrospais procuram escolas para os filhos, mas, depois disso, afastam-se,querendo não ver as dificuldades do filho, e frustram-se quando acriança tem que repetir o ano ou não consegue transpor algunsobstáculos em curto prazo. Na verdade, os pais por vezes desanimam,porque não reconhecem os pequenos avanços da criança. Precisamentender que o desenvolvimento do filho com NEE é diferente. Nãodevem compará-los a outras crianças, mas valorizar a forma diferentedo filho de demonstrar sua evolução.

Reações negativas dos familiares de crianças com NEE foramobservadas nas pesquisas de Bronfenbrenner (1996), em que famíliascom filhos deficientes apresentam graus menores de interação, e ospais acabam por se desligarem de atividades e relacionamentos forada família, distanciando-se da escola. No entanto, sempre há famíliasbem comprometidas, uma vez que buscam mais recursos de apoio eatendimento extraescolar e têm uma visão de investimento maiornos filhos, o que se considera como um fator positivo à inclusão.

A família representa um dos pilares de grande relevância paraa promoção do processo de inclusão no ensino regular. O envolvimentoparental ativo e cooperativo com os demais elementos socioeducativosresponsáveis pela inclusão escolar, professores e equipe diretiva é

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importante para um melhor desenvolvimento desse processo. Furini(2006) mostrou que nem todas as famílias se envolvem no processode inclusão. Algumas acreditam que a inclusão na escola regular ébenéfica e apostam no filho. Outras se limitam apenas a levar o filhoe pouco se interessam em saber como esse está se saindo. Aspercepções dos pais sempre devem ser levadas em conta, porqueeles conseguem, por vezes, averiguar aspectos do comportamentodo filho que nem sempre os professores têm condições, pela restritarelação no ambiente escolar.

Considerações finais

O presente artigo encaminha-se à sua finalização, mas adiscussão sobre o papel da família no processo de inclusão de criançascom NEE na escola regular deve continuar. A família é a base de todoser humano, ela fornece a seus membros a descendência e a proteção,apresenta os papéis básicos da cultura, como ser pai, ser mãe e serfilho. Além disso, oferece os primeiros modelos de comportamentosocial e a transmissão de valores éticos, estéticos, religiosos eculturais. No caso das crianças com NEE, a influência familiar é aindamais importante para seu avanço ou não. Para tanto, os responsáveispela criança devem procurar esclarecimento sobre a deficiência dofilho e apoio profissional especializado o mais precocemente possível,tanto para eles quanto para a criança com NEE. A entrada da criançacom NEE na escola parece favorecer seu desenvolvimento e suaaprendizagem. Muitos familiares das crianças com NEE aprovam ainclusão na escola regular, pois acreditam que o contato com criançasditas normais é benéfico e ajuda no crescimento dos filhos. Outrosfamiliares, principalmente os de crianças ditas normais, aindaapresentam resistência, possivelmente por desconhecimento e pelapouca vivência com pessoas com deficiência. A escola e a famíliaprecisam ser parceiras de corresponsabilização pelo avanço dodesenvolvimento e da aprendizagem da criança com NEE. Tem-se apercepção de que a família representa um importante pilar no processode inclusão de crianças com NEE na escola regular.

Esse processo não está pronto, talvez nunca esteja, poisdeve ser adequado a cada realidade, podendo abarcar pontos comunse relevantes já consagrados. Uma reforma educacional profunda querume à inclusão não é feita com fórmulas prontas, ou discutida apenas

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em livros, e muito menos imposta por legisladores que nem sempretêm experiência com docência, mas é um processo que deve respeitaro ritmo necessário dos envolvidos para seu entendimento, suaaceitação e sua adequação.

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