educaÇÃo escolar pÚblica e educaÇÃo escolar … · a constituição federal de 1988 sobrepaira...

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1 Instituto Serrano Neves - Reg. nº 580935 do 2º Tab. Prot. e Registro de Pessoas Jurídicas, Tit. e Docs. de Goiânia - CNPJ 05508400/0001-26 - Sede Provisória: Rua 23 esq. c/Av. B Qd. A-6 Lt. 15/24 - Sala 214 Jardim Goiás - Goiânia - Go - CEP: 74805- 100 - Fones: 2438263/8261 O © pertence aos autores que autorizaram a publicação. Cite "Acervo da Página Pessoal de Serrano Neves http://www.serrano.neves.nom.br" para que os autores tenham certeza sobre a origem. 02AGO03 EDUCAÇÃO ESCOLAR PÚBLICA E EDUCAÇÃO ESCOLAR PRIVADA: REGIMES CONTITUCIONAIS Dâmares Ferreira (*) SUMÁRIO: Introdução - 1. Direito. Norma Jurídica. Sistema. 1.1. Direito. Conceito. Finalidade. Estrutura - 1.2. Competência constitucional para legislar sobre educação - 1.3. Educação. Legislação aplicável. Delimitação do objeto cognoscível - 2. A Edu-cação e o Ensino na Constituição de 1988 - 2.1. A importância da educação na CF/88 - 2.2. Educação e ensino. Configuração constitucional - 2. 3. Direito à educação escolar - 3. Princípios Constitucionais Especiais relativos à Educação - 3.1. Princípios e regras. Diferenças - 3. 2. Princípios constitucionais especiais relativos à educação escolar - 4. Educação Escolar Pública e Educação Escolar Privada: Regimes Constitucionais - 4.1. Educação escolar pública. Serviço público. Direito público subjetivo - 4.2. Educação escolar privada. Serviço privado. Direito privado subjetivo - 5. Conclusões - 6. Referências Bibliográficas. INTRODUÇÃO Nesse trabalho pretendemos demonstrar que o Direito Positivo é constituído por normas jurídicas prescritivas, subordinadas a um Texto Superior que fixa os matizes de todos os ramos jurídicos. Na seqüência, abordaremos as normas constitucionais que traçam a configuração do direito social fundamental à educação, bem como os princípios constitucionais que o informa. Por fim, trataremos dos regimes jurídicos constitucionais imputados à educação escolar pública e educação escolar privada, evidenciando as normas constitucionais comuns e específicas a ambos setores educacionais. 1. DIREITO. NORMA JURÍDICA. SISTEMA. 1.1. Direito. Conceito. Finalidade. Estrutura. A palavra “Direito” é polissêmica, dela decorrendo vários significados. Neste trabalho, utilizaremos-na aliada ao predicativo Positivo para significar um complexo de normas jurídicas existentes em determinado momento histórico e em dado espaço territorial. Expresso em linguagem prescritiva 1 , o Direito Positivo é criado pelo Estado a partir da técnica da atributividade, ou imputação, e sua finalidade é disciplinar as relações humanas interpessoais. 1 Cfr. VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 85.

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Instituto Serrano Neves - Reg. nº 580935 do 2º Tab. Prot. e Registro de Pessoas Jurídicas, Tit. e Docs. de Goiânia - CNPJ

05508400/0001-26 - Sede Provisória: Rua 23 esq. c/Av. B Qd. A-6 Lt. 15/24 - Sala 214 Jardim Goiás - Goiânia - Go - CEP: 74805-100 - Fones: 2438263/8261

O © pertence aos autores que autorizaram a publicação. Cite "Acervo da Página Pessoal de Serrano Neves

http://www.serrano.neves.nom.br" para que os autores tenham certeza sobre a origem.

02AGO03

EDUCAÇÃO ESCOLAR PÚBLICA E EDUCAÇÃO ESCOLAR PRIVADA : REGIMES CONTITUCIONAIS

Dâmares Ferr eira(* )

SUMÁRIO: Introdução - 1. Direito. Norma Jurídica. Sistema. 1.1. Direito. Conceito. Finalidade. Estrutura - 1.2. Competência constitucional para legislar sobre educação - 1.3. Educação. Legislação aplicável. Delimitação do objeto cognoscível - 2. A Edu-cação e o Ensino na Constituição de 1988 - 2.1. A importância da educação na CF/88 - 2.2. Educação e ensino. Configuração constitucional - 2. 3. Direito à educação escolar - 3. Princípios Constitucionais Especiais relativos à Educação - 3.1. Princípios e regras. Diferenças - 3. 2. Princípios constitucionais especiais relativos à educação escolar - 4. Educação Escolar Pública e Educação Escolar Privada: Regimes Constitucionais - 4.1. Educação escolar pública. Serviço público. Direito público subjetivo - 4.2. Educação escolar privada. Serviço privado. Direito privado subjetivo - 5. Conclusões - 6. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO Nesse trabalho pretendemos demonstrar que o Direito Positivo é constituído por normas jurídicas prescritivas, subordinadas a um Texto Superior que fixa os matizes de todos os ramos jurídicos. Na seqüência, abordaremos as normas constitucionais que traçam a configuração do direito social fundamental à educação, bem como os princípios constitucionais que o informa. Por fim, trataremos dos regimes jurídicos constitucionais imputados à educação escolar pública e educação escolar privada, evidenciando as normas constitucionais comuns e específicas a ambos setores educacionais. 1. DIREITO. NORMA JURÍDICA. SISTEMA. 1.1. Direito. Conceito. Finalidade. Estrutura.

A palavra “Direito” é polissêmica, dela decorr endo vários significados. Neste trabalho, utilizaremos-na aliada ao predicativo Positivo para significar um complexo de normas jurídicas existentes em determinado momento histórico e em dado espaço terr itorial. Expresso em linguagem prescritiva1, o Direito Positivo é criado pelo Estado a partir da técnica da atr ibutividade, ou imputação, e sua finalidade é disciplinar as relações humanas interpessoais.

1 Cfr. VILANOVA, Lourival. As estruturas lóg icas e o sistema do d ireito po sitivo. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 85.

2 As normas jurídicas positivas têm uma estrutura dual (descritor/prescritor)2, participam de uma ordenação escalonada3, em cujo cume encontra-se a Constituição, e relacionam-se através de mecanismos de coordenação (relação horizontal) e hierarquia (relação vertical)4. Para maior clareza, segue um exemplo: as normas constitucionais materiais coordenam-se horizontalmente com as normas constitucionais educacionais; e este conjunto relaciona-se verticalmente com a norma nacional que fixa as diretr izes e bases de educação (LDB). Esta lei infraconstitucional, por sua vez, relaciona-se horizontalmente com outras normas de sua hierarquia, e verticalmente com as normas estaduais, distr itais e municipais prescritoras dos sistemas estaduais (e distr ital) e municipais de educação que, a despeito de ocuparem os “ degraus mais baixos” da pirâmide jurídica, explicitam o sentido das primeiras e funcionam, ainda, como fundamento de validade para outros atos normativos; assim, um dispositivo jurídico vai auxiliando o outro na busca de uma construção normativa harmônica. Dessas considerações decorr e uma conclusão simples, mas essencial: um dispositivo jurídico não pode ser interpretado separadamente do conjunto onde está inserido. Ao interpretá-lo o jurista deverá levar em consideração as demais prescrições constitucionais e infraconstitucionais relativas à matéria regulada, pois, na maioria das vezes, um único dispositivo é insuficiente para prescrever uma norma jurídica completa. 1. 2. Competência constitucional para legislar sobre educação A Constituição Federal de 1988 sobrepaira a estrutura que a doutrina chama de pirâmide jurídica. É este Diploma que prescreve o perfil do Estado Brasileiro, bem como seus fundamentos e objetivos; fixa, também, os direitos e garantias fundamentais dos brasileiros e estrangeiros residentes no terr itório nacional, os modos de produção legislativa, os órgãos estatais, suas competências, etc. Para facilitar o estudo das normas jurídicas, os juristas classificam-nas. Tomando por critério a finalidade de cada uma, Norberto Bobbio classificou-as em normas de estrutura (ou de competência) e normas de conduta. Segundo o autor, estas visam regular condutas, propriamente ditas, e aquelas visam regular as condições e os procedimentos para a feitura de outras normas. Assevera o autor italiano: “ Em todo o ordenamento jurídico, ao lado das normas de conduta, existe um outro tipo de normas, que costumamos chamar de normas de estrutura ou de competência. São aquelas normas que não prescrevem a conduta que se deve ter ou não ter, mas as condições e os procedimentos através dos quais emanam normas de conduta válidas” 5. Com base nessa classificação identificamos no Texto Constitucional de 1988, as normas que indicam a medida da competência do legislador para criar normas infraconstitucionais relativas à educação. É uma norma de estrutura a veiculada pelo art. 22, inc. XXIV, da CF, quando prescreve:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: .............................…………………………………………………………….. XXIV - diretr izes e bases da educação nacional; .............................…………………………………………………………….. Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

2 Cfr. Idem, ibidem, p. 112. 3 Cfr. KELSEN, Hans. Teoria pura do d ireito. Tradução João Batista Machado, 6 ed., 4ª tiragem, São Paulo: Martins

Fontes, 2000, 246. 4 Cfr. BOBBIO, Norberto. Teoria do o rdenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília/São Paulo: UNB/Polis, 1991, 48. 5 Idem, ibidem , p. 33.

3 Nos termos do dispositivo transcrito, o constituinte atr ibuiu ao Congresso Nacional a competência para legislar privativamente sobre a educação nacional. Esta competência privativa, entretanto, não impede que o legislador dos Estados-membros, devidamente autorizado por lei complementar federal, crie normas para regular questões específicas de seu sistema de educação. Além da competência privativa acima referida, o constituinte ainda atr ibuiu à União, aos Estados e ao Distr ito Federal, uma competência concorr ente para legislar sobre educação, cultura, ensino e desporto, conforme segue:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distr ito Federal legislar concorrentemente sobre: .............................…………………………………………………………….. IX - educação, cultura, ensino e desporto; .............................………………………………………………………….. § 1º. No âmbito da legislação concorr ente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º. A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º. Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º. A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. 6

Note-se que com o disposto no art. 24, IX, a delegação de competência ao Estado, por meio de lei complementar, a que se referiu o art. 22, parágrafo único, terá pouca aplicação em matéria de educação, dado que os Estados já estão autorizados, pelo inciso IX, supra, a suplementar as normas gerais nacionais relativas ao assunto, ou legislar plenamente sobre a matéria na ausência destas. Partindo de uma visão sistemática, entendemos que o constituinte, ao tratar das “ diretr izes e bases da educação nacional” , não pretendeu outra coisa que não se referir ao conteúdo a ser veiculado por meio de normas gerais nacionais. Assim, o inciso XXIV, do art. 22 e o inciso IX do art. 24, deverão ser interpretados em conjunto e as expressões “ diretr izes e bases” e “ normas gerais” deverão ser entendidas como faces de uma mesma competência. O que as normas de competência acima comentadas estabelecem é um mecanismo de descentralização vertical de competências, que autoriza o Congresso Nacional a fixar normas gerais sobre a educação e as Assembléias Legislativas a suplementar o que for necessário. Esta técnica de repartição de competências " reserva ao ente central uma parcela de competências para uniformizar determinada matéria, ao mesmo tempo em que atr ibui aos demais entes federados um campo de competência suplementar, para conformar as diretr izes, bases ou fundamentos daquela uniformização à suas peculiaridades" 7. 1. 3. Educação. Legislação aplicável. Delimitação do objeto cognoscível. A prestação de serviços educacionais (pública ou particular) é regida pelo art. 6º e artigos 205 a 214, da Constituição Federal, pela Lei Nacional n. 9.394/96, pelas leis estaduais (e distr ital) suplementares, pelas leis municipais (em situações onde imperar o interesse local) e pelos pareceres dos Conselhos Nacional e estaduais (distr ital) de educação.

6 Destaques nossos. 7 RANIERI, Nina Beatriz. Educação Superior, Direito e Estado n a Lei de Diretrizes e Bases (Lei n. 9394/96). São Paulo: EDUSP, 2000, p. 88.

4 Não obstante isso, nesse trabalho, lançaremos olhos apenas ao contido no Texto Constitucional, especialmente em seus artigos 6º, 205, 206, 208 e 209, que fixam os perfis da educação escolar pública e da educação escolar privada em nosso País. 2. A EDUCAÇÃO E O ENSINO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 2.1. A importância da educação na CF/88 Os valores fazem parte do conteúdo das normas jurídicas, pois o Direito é um produto cultural. Os valores são atr ibuídos a determinado objeto em função das necessidades do homem ou da sociedade. Não é algo existente por si mesmo, mas em relação ao homem e suas necessidades. Esta relação atr ibui uma qualidade (valor) ao objeto, e esta será mais ou menos intensa dependendo do quanto o objeto posto em relação com o sujeito for necessário a este último8. A educação, como processo de transmissão de conhecimentos, também é um objeto relacionado ao homem. A sociedade brasileira – assim, como todas as sociedades do mundo - atr ibui à educação uma grande importância, pois é através dela que se desenvolve. No Ordenamento Jurídico pátrio, essa relação valorativa restou evidenciada em vários princípios e regras constitucionais, principalmente nos artigos 1º, III , 3º, I , II e III , 6º, 34, VII alínea “e” , e, artigo 205 da Carta Constitucional. Garantida como direito social fundamental, a educação funciona como um instrumento de realização da dignidade do ser humano e da democracia social e política. Por esta razão, para conhecer o conteúdo do direito à educação, o intérprete deverá cotejar os artigos que o prescrevem com os artigos 1º, III e 3º, I , I I e III , da CF/88, que estabelecem a estrutura do Estado Brasileiro e elegem como princípio fundamental deste Estado a dignidade da pessoa humana9.

Sábias são as palavras do professor Luis Roberto Barr oso: “o ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são um conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins” 10, dado que os princípios constitucionais “ são as normas jurídicas que veiculam o “fundamento” ou “ qualificações essenciais” de uma ordem jurídica.

A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do ordenamento jurídico pátrio. Apesar dos vários significados atr ibuídos ao termo dignidade humana todos relatam uma mesma realidade: a dignidade é o valor do ser humano. Para Kant, o conteúdo da palavra dignidade de ser definido como um valor absoluto e intrínseco ao ser humano. Em sua Metafísica dos Costumes, Immanuel Kant entendeu que uma pessoa não pode nunca ser vista como meio, mas sempre como fim11. Parafraseando o autor acima, Nicola Abbagnano considerou: “ ’Age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre também como um fim e nunca unicamente como um meio. Esse imperativo estabelece que todo homem, aliás, todo ser r acional, como fim em si mesmo, possui um valor não relativo (como é, p. ex. um preço), mas intrínseco, ou seja, a dignidade. ‘O que tem preço pode ser substituído por alguma outra coisa equivalente, o que é superior a uma equivalência, tem dignidade” 12.

8 HESSEN, Johannes. Filosofia dos valores. 4 ed., Tradução e prefácio do Professor L. Cabrasl de Moncada, Coimbra: Armênio Amado, 1974, p. 47. 9 Sobre o assunto, a lição de Perez: “”El Estado respetará siempre la dignidad de la persona. Y no se limitará al respeto, sino que promoverá las condiciones que la hagan posible y removerá los obstáculos que impidan su plenitud”. PEREZ, Jesus Gonzales. La dign idad de la persona. Madrid: Civitas, 1986, p.59. 10 Luis Roberto Barroso. Interpretação e Aplicação da Constituição. p.141. 11 Apud: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. (Tradução de Alfredo Bosi). 4.ed., São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 276 12 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. (Tradução de Alfredo Bosi). 4.ed., São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 276.

5 A dignidade da pessoa humana foi eregida, no direito pátrio, ao status de princípio estruturante13; consta do art. 1º, III , da Constituição Federal de 1988 e participa mesmo da formação do Estado brasileiro, configurando-se numa das pilastras-mestres do ordenamento jurídico. Nesse contexto, a educação atua como o mecanismo apto a provocar a consciência (individual e coletiva), o reconhecimento (individual e coletivo) e a promoção (coletiva) do valor do ser humano. Sem a educação, a eficácia social do princípio constitucional da dignidade humana fica mais distante da realidade. Além de mecanismo de preservação da dignidade humana, a educação também é a base para a democracia, dado que esta não existe sem as idéias de liberdade na manifestação do pensamento (art. 5º. IV), de liberdade de consciência (art. 5º. VI), e de liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (art. 5º. IX), idéias que se concretizam, principalmente, pela educação. Quanto mais educada for uma comunidade, mais facilmente exercitará e respeitará os preceitos democráticos da igualdade e da liberdade. É através da educação que os fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º) podem ser r ealizados e os objetivos da República Federativa do Brasil (art. 3º) podem ser alcançados. Perseguindo, por meio da educação, o cumprimento dos direitos e garantias fundamentais, o desenvolvimento nacional, a err adicação da pobreza, da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, o Estado Brasileiro conseguirá diminuir as ofensas à dignidade dos seres humanos que representa e construir uma sociedade mais justa e solidária. A importância da educação também se evidencia por meio do prescrito nos artigos 34, VII , “ e” e 35, III , da CF/88. Estes artigos excepcionam o princípio federativo (princípio estruturante do Estado brasileiro) e autorizam a intervenção da União no Estado-membro e, deste no município, se não for aplicado na educação escolar, pelos dois últimos entes federados, o mínimo legal exigido de receita na manutenção e desenvolvimento deste ensino formal14. Note-se que o pacto federativo é um dos sustentáculos da estrutura estatal, mas em nome do valor atr ibuído pela sociedade à educação, o constituinte autorizou afastá-lo quando não forem aplicados nesta área os recursos financeiros necessários ao seu desenvolvimento. Isso só demonstra a posição de destaque que a educação ocupa no Direito Positivo Brasileiro.

2. 2. Educação e ensino. Configuração constitucional. Demonstrada a importância da educação na sociedade brasileira, o próximo passo será identificar o perfil do direito a ela, traçado pela Constituição Federal de 1988. No Título II , Dos Direitos e Garantidas Fundamentais, art. 6º, o constituinte prescreveu:

Art. 6º. São direitos sociais a educação,..., na forma desta Constituição. Antes de tecermos quaisquer considerações sobre a natureza do direito supra referido, devemos delimitar o conteúdo do termo “educação”. O significado dos signos lingüísticos é estudado pela semântica. Um termo ou palavra pode ter significado aberto, permitindo extensões e restr ições em seu conteúdo, ser vago, ser impreciso, ser ambíguo. As características da ambigüidade e da vagueza não se confundem entre si. A primeira terá lugar quando existir uma multiplicidade de conteúdos atr ibuídos a um mesmo signo, por exemplo, a

13 Ressalte-se que, em outro ponto deste trabalho, a expressão “princípio estruturante” será adequadamente esclarecida. 14 A diferença entre ensino formal (espécie) e educação (gênero) será evidenciada durante o desenvolvimento do próximo tópico.

6 palavra vela que poderá significar: um equipamento para funcionamento de motor de um automóvel, a estrutura construída a partir madeira e tecido que, aliada ao vento, faz um barco navegar, ou ainda, o instrumento, munido de pavio, que é utilizado para produzir luminosidade. Quanto à vagueza, diz-se que um termo é vago quando existir uma zona de indeterminação na extensão de seu conteúdo, por exemplo, as palavras: magro e belo. Não é possível determinar os conteúdos destas palavras sem uma certa dose de subjetividade e imprecisão. “ Sempre que um termo precisa de esclarecimento, dizemos que é um termo vago. Aclarar o significado de um termo equivale a eliminar a sua vagueza, o que é obtido, dando-lhe uma definição que permitirá decidir sobre a sua aplicabilidade em cada situação particular” 15. Esses esclarecimentos são pertinentes, pois o significado da palavra educação, prescrita como o conteúdo de um direito social fundamental, não está totalmente determinado no suporte físico do art. 6º supra referido. O texto do mencionado dispositivo não consegue, por si só, traduzir o significado da palavra educação, porque a mesma é vaga. Reconhecer que um termo possui a característica da vagueza ou da polissemia não quer dizer que o seu conteúdo não possa ser determinado. Em função disso, passearemos pelos demais artigos do Texto Maior em busca daqueles que formam a norma jurídico-constitucional completa cujo conteúdo prescreve o formato exato do direito social fundamental à educação. Dentre as várias normas jurídico-constitucionais que tratam da educação invocamos, inicialmente, o art. 205, presente no Capítulo III (Da Educação, da Cultura e do Desporto), Seção I (Da Educação), que prescreve:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Note-se que o significado atr ibuído ao suporte físico educação neste art. 205 é o mesmo daquele previsto no art. 6º. Significado diverso, porém, consta do artigo 206, onde o constituinte lançou mão de um sentido mais restr ito ao referir-se a “ensino” e não mais a “educação”. Será que os termos “ ensino” e “ educação” são sinônimos? Se seguirmos para o artigo 208, a dúvida também não será esclarecida, pois o Legislador Maior, no caput deste artigo prescreveu: “ O dever do Estado com a educação será efetivado...” ; mas nos incisos do mesmo artigo referiu-se aos ensinos: fundamental, médio, superior, etc. Ainda em busca dos significados mencionados, seguimos em nossa análise constitucional para identificar que os termos pesquisados (educação e ensino) também se encontram em vários outros artigos da Constituição, dentre os quais, os seguintes:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: ................................................................................................................. XXIV - diretr izes e bases da educação nacional; ................................................................................................................. Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distr ito Federal e dos Municípios: ................................................................................................................. V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; .................................................................................................................

15COPI, Irwing M. Introdu ção à lóg ica. (Tradução de Álvaro Cabral). 2.ed., São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 107.

7 XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito. ................................................................................................................. Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distr ito Federal legislar concorr entemente sobre: ................................................................................................................. IX - educação, cultura, ensino e desporto; ................................................................................................................. Art. 30. Compete aos Municípios: ................................................................................................................. VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental; ................................................................................................................. Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à: I - err adicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do País. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. ................................................................................................................. VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; ................................................................................................................. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.16

Não é nosso intento esclarecer o conteúdo normativo de cada um dos dispositivos transcritos, mas apenas chamar a atenção para o fato de que neles o constituinte atr ibuiu à palavra educação sentidos distintos. Esta assertiva ganha contornos mais expressivos pela leitura do art. 24, IX, da CF/88, onde a educação e o ensino foram tratados como objetos distintos. No art. 214 o constituinte referiu-se ao plano nacional de educação, colocando-o como instrumento necessário para a articulação e o desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis. Como o plano citado trata especificamente dos níveis de ensino formal, concluímos que aqui foram imputados conteúdos sinônimos a suportes físicos distintos. Já no art. 23, XII , o constituinte outorgou competência comum a todos os entes políticos para promoção de políticas de educação para o trânsito, note-se que neste caso o Legislador Maior não

16 Grifos nossos.

8 pretendeu restr ingir a transmissão do referido conteúdo educacional apenas em escolas formais, mas através de todos os meios de divulgação de informações, o que leva à compreensão de que a educação também se constitui por processos formativos externos àqueles desenvolvidos nas escolas. Assim, da leitura dos textos supra transcritos percebemos que a palavra educação foi utilizada com dois sentidos distintos, mas vinculados entre si: a) educação em sentido amplo (artigos 6º, 23, V e XII , 24, IX, 1ª parte, 205, 225 e 227); b) educação em sentido estr ito, ou educação escolar (art. 22, XXIV, 24, IX, 2ª parte, 30, VI e 214). O primeiro sentido refere-se a todos os processos de formação humana, enquanto o segundo somente aos processos desenvolvidos no interior de escolas. Este segundo sentido, na verdade, está contido no primeiro e os conteúdos ministrados poderão ser até coincidentes17. O ambiente onde os conteúdos são oferecidos e a metodologia utilizada para transmiti-los, são pontos que diferenciam os sentidos entre si. A educação em sentido amplo abrange genericamente todos os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil, nas manifestações culturais e também nas instituições de ensino e pesquisa. E a sua a promoção é de responsabilidade da família, da sociedade e também do Estado. Quanto à educação em sentido estr ito (art. 208, caput), esta se desenvolve, predominantemente, por meio de transmissão formal do conhecimento em instituições de ensino e pesquisa e tem por objetivo especialmente preparar o indivíduo para o mundo do trabalho e as práticas sociais18. A responsabilidade de seu oferecimento, aos brasileiros e estrangeiros residentes no País, foi atr ibuída pelo constituinte ao Estado e, supletivamente, aos particulares19. Pelo o exposto, é possível concluirmos que a educação é um gênero do qual a educação escolar é uma espécie. Não obstante, neste trabalho, trataremos principalmente do direito social à educação escolar, garantida pelo constituinte a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, nos termos prescritos no art. 208 e art. 209, da Constituição. 2. 3. Direito à educação escolar Em nosso Sistema Constitucional, o direito à educação consta do Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), Capítulo II (Dos Direitos Sociais), art. 6º e no art. 205. Através desses artigos, a Carta Maior fixou a educação como direito social fundamental de todos, garantindo-lhes o acesso aos processos de formação e desenvolvimento. Entretanto, entendemos que a educação tratada pelos artigos 6º e 205 é aquela em sentido lato, envolvente de todos os processos de formação humana. E assim entendemos porque as regras relativas à educação escolar estão especialmente prescritos nos artigos 206 a 209, da CF. Estes artigos constitucionais veiculam normas especiais e prescrevem que o direito social fundamental, quando relativo à educação escolar, possui contornos mais restr itos, mormente em seu aspecto subjetivo. A razão pré-jurídica que levou o constituinte a fixar a educação como direito social, e protegê-la como tal, foi a sua grande importância para o desenvolvimento social, político, econômico e cultural. Como os direitos sociais são direitos a prestações estatais (materiais ou normativas), tanto será mais efetivo o

17 Os conteúdos transversais, por exemplo, podem ser desenvolvidos tanto fora quanto dentro da escola. 18 Note-se que, a educação estrita, chamada pela Lei n. 9394/96 de educação escolar, divide-se em vários níveis de ensino, conforme a direção dada pelo art. 208, da Carta Maior, daí, em algumas situações serem utilizados os suportes “ensino” e “educação escolar” como sinônimos. 19 Visando mais clareza, neste trabalho, utilizaremos do suporte físico “educação” para significar o processo de formação geral e continuada do ser humano, e os suportes físicos “educação escolar”, “educação formal” e “ensino” para significar o processo de formação viabilizado em escolas.

9 direito à educação quanto mais consistentes forem as ações do Estado para disponibilizá-lo à população. A despeito de, em regra, os direitos sociais fundamentais serem impostos à figura do Estado (por meio da administração direta ou indireta), não há impedimentos para o constituinte facultar a prestação dos mesmos à iniciativa privada, a despeito de essa providência representar alterações no regime jurídico de prestação dos referidos serviços sociais fundamentais. Na condição de prestação material estatal, a educação sempre dependerá de condições sociais, econômicas e administrativas. Tais condicionantes, entretanto, não afastam do Estado a imposição constitucional que o obriga a perseguir a organização e distr ibuição do direito à educação escolar, mormente a educação fundamental que, nos termos do art. 208, § 1º, é um direito público subjetivo daqueles que estiverem em idade própria para exercê-lo. O direito social fundamental à educação escolar possui formatos constitucionais distintos, dependendo do sujeito que irá prestá-lo e o nível de ensino pretendido pelo interessado. Independentemente disso, o primeiro pressuposto fático-jurídico necessário à geração da relação jurídica educacional entre o indivíduo - sujeito ativo do direito - e o prestador - sujeito passivo -, é o nascimento ou a residência daquele indivíduo no terr itório nacional. Aliado a esta exigência, dependendo do nível de ensino que pretender, o interessado também deverá preencher outros requisitos para adquirir o direito ao ingresso20, conforme será evidenciado quando dos comentários ao art. 208 e 209. 3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ESPECIAIS RELATIVOS À EDUCAÇÃO ESCOLAR 3. Princípios e regras. Diferenças. O conjunto de normas jurídicas que tratam da educação escolar tem como referência especial o art. 206, da CF, cujo conteúdo prescreve os princípios norteadores de atos normativos e administrativos educacionais. In verbis:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais do ensino21, garantidos, na forma da lei, planos de carr eira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; (Redação dada ao inciso pela Emenda Constitucional nº 19/98) VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade.

20 Quando prestado pela iniciativa privada o direito à educação tem regime jurídico específico, adaptado às normas constitucionais que prescrevem o perfil da ordem jurídica econômica nacional. Apesar da importância do objeto do serviço a ser prestado, o constituinte atribuiu-o ao regime jurídico privado, cuja razão última de existência e de sustentação é o lucro. Isso, obviamente, altera também as condições para o acesso e o exercício do direito à educação. Mesmo o acesso ao ensino fundamental deixará de ser um direito público subjetivo (regime estatal) para ser um direito privado subjetivo daquele que puder remunerar a escola pelos serviços prestados. Ressalte-se que tais considerações não são de natureza pessoal mas prescrições feitas pelo próprio Texto Constitucional 21 Assim dispunha o inciso alterado: "V - valorização dos profissionais do ensino, garantido, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União;"

10 Para comentarmos o conteúdo semântico dos dispositivos acima, primeiramente devemos fixar o sentido da palavra princípio e sua importância na estrutura do Direito Positivo. Sendo o Direito um conjunto de normas jurídicas, estas são classificadas sob diversos critérios pela Ciência do Direito. Uma das classificações possíveis é a que divide as normas jurídicas em princípios e regras22. J. J. Canotilho, partindo desta classificação dual, subclassificou as normas jurídicas constitucionais em: princípios estruturantes, princípios gerais, princípios especiais e regras.23 Segundo o citado autor português, as diferenças qualitativas entre princípios e regras residem no fato de que os “ princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos” , enquanto, “as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida” .24 Tratando da formação do ramo jurídico constitucional, Canotilho considera que é por meio da “a articulação de princípios e regras, de diferentes tipos e características” que se compreende a Constituição como um sistema interno assentado em princípios estruturantes fundamentais, subprincípios e regras constitucionais. Do geral para o particular, um se assentando sobre o outro, num sistema de particularização ou concretização25. O método de concretização ou densificação (do geral para o particular) se justifica porque as normas jurídicas veiculam conteúdos que possuem densidade semântica diferentes. Segundo Canotilho os princípios estruturantes são constitutivos e indicativos das idéias directivas básicas de toda a ordem constitucional. São, por assim dizer, as traves-mestras jurídico-constitucionais do estatuto jurídico político26. Estes princípios ganham concretização através de outros princípios (ou subprincípios) que os densificam, iluminando-lhes o sentido jurídico-constitucional e político-constitucional, formando com eles, um sistema interno27. Esse sistema é possível porque os princípios convivem, concertam, entre si, de modo que cada um respeita o valor do outro, pois tendo em vista a relevância atr ibuída pela sociedade ao conteúdo de cada um, todos hão de permanecer no sistema, nenhum poderá ser excluído em detrimento de outro, sob pena de ser solapado o cânone da unidade do ordenamento. Essas lições são muito importantes para contextualizarmos os princípios constitucionais especiais prescritos no art. 206, de um lado, com as regras constitucionais, e de outro, com os princípios gerais e princípios estruturantes, constantes da Constituição Federal de 1988. Feitas estas considerações passaremos a analisar o conteúdo de cada um dos princípios constitucionais relativos à educação escolar, sempre levando em conta que os mesmos são concretizações de outros princípios constitucionais.

22 A primeira distinção entre princípios e regras foi feita por Boulanger que entendeu a regra como aplicável a uma situação determinada, enquanto o princípio comporta uma série indefinida de aplicações. (Apud: Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 5 ed. P. 239); Ronald Dworkin também considerou que a regra, em sua aplicação, obedece o critério de tudo ou nada, enquanto o princípio segue a regra do peso ou da importância (Espínola, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. p.69). A classificação em tela também foi adotada e estudada por Robert Alexy, na obra Teoria de los derechos fund amentales e por J.J. Canotilho, em seu Direito constitucional e teoria da constituição. 23 Para distinguir princípios de regras, o autor português lança mão do “grau de abstracção”, do “grau de determinabilidade”, do “carácter de fundamentalidade”, da ”proximidade da idéia de direito” e “natureza normogenética”. Cfr. Direito constitucional e teoria da constituição, 5. ed., Coimbra: Livraria Almedina, 1991, p. 1124. 24 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 5. ed., Coimbra: Livraria Almedina, 1991, p. 1125. 25 Idem, ibidem, p. 1137 26 Idem, ibidem, p. 1137. 27 Idem, p. 1137.

11 3. 2. Princípios constitucionais especiais relativos à educação escolar O rol de princípios especiais que será comentado abaixo consta do art. 206, da Constituição. Apesar de em seu art. 3º, a Lei de Diretr izes e Bases28 ter ampliado o número de princípios aplicáveis à educação, aqueles que não coincidirem com os do artigo constitucional citado não serão abordados, dado a limitação do objeto deste trabalho. 3. 2. 1. Princípio da igualdade de condições ao acesso e permanência na escola Nos termos do art. 1º da Constituição de 1988, o Estado Brasileiro é de natureza republicana. Se assim está prescrito no art. 1º, o art. 206, I não poderia veicular conteúdo diverso daquele que veiculou (v. acima). Explicamos. Os princípios gerais da igualdade e da liberdade são inerentes à própria noção de República; se a liberdade é a medida da legalidade informada pela igualdade, o art. 206, I , ao prescrever a igualdade de condições ao acesso e permanência na escola, está garantindo a efetividade da liberdade de aprender. Geraldo Ataliba ensina que: “ não teria sentido que os cidadãos se reunissem em república, erigissem um Estado, outorgassem a si mesmos um Constituição, em termos republicanos, para consagrar instituições que tolerassem ou permitissem – seja de modo direito, seja indireto – a violação da igualdade fundamental, que foi o próprio postulado básico, condicional da ereção do regime. Que dessem ao Estado – que criaram em rigorosa isonomia cidadã – poderes para serem usados criando privilégios, engendrando desigualações, favorecendo grupos ou pessoas, ou atuando em detrimento de quem quer que seja. A res pública é de todo e para todos. Os poderes que de todos recebe devem traduzir-se em benefícios e encargos iguais para todos os cidadãos. De nada valeria a legalidade se não fosse marcada pela igualdade” 29. Nota-se que foi baseado nesses pressupostos que o constituinte prescreveu o inciso I do art. 206, da CF/88, onde consta a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Tanto um (a igualdade) quanto outro (liberdade) figuram como princípios especiais que informam a educação escolar em nosso país. Na condição de princípio constitucional especial, o princípio da igualdade de condições ao acesso e permanência na escola é a concretização dos princípios gerais da igualdade e da liberdade, que por sua vez, se concretizam nos princípios estruturantes da República, da Democracia e da Dignidade da Pessoa Humana. Dessas prescrições constitucionais decorr em alguns efeitos fundamentais, dentre eles aquele que obriga o Estado a tratar igualmente todos os indivíduos titulares do direito à educação escolar, dado que todos participam e contribuem para a formação do Estado Republicano brasileiro. Os destinatários do inciso I , do art. 206 são dois: o Poder Legislativo, que foi proibido de criar prescrição legal discriminatória impediente do acesso e da permanência citados, e obrigado a legislar 28 Dispõe a LDB: “Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X - valorização da experiência extra-escolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.” 29 ATALIBA, Geraldo. Repúb lica e Constituição, p. 160.

12 autorizando o Poder Executivo assegurar os objetivos pretendidos pela Constituição; e o Poder Executivo que, além de proibido de discriminar, por qualquer meio, qualquer titular do direito ao ensino, também está obrigado a empreender ações positivas eficazes que viabilizem concretamente os referidos acessos e permanências, especialmente no que tange aos titulares do direito ao ensino fundamental, educação especial e ensino noturno. Assim, entendemos que o princípio especial da igualdade de condições ao acesso e permanência na escola não esgota a noção de igualdade formal, pois exige uma prática material, concreta e efetiva do Estado para viabilizar os objetivos nele prescritos. Esta posição é corr oborada pelo dever, imposto ao Estado, de promover ações, no ensino fundamental, que garantam, de forma suplementar, o material didático-escolar, o transporte, a alimentação e a assistência à saúde aos educandos. Ressalte-se que tal prescrição constitucional, na verdade, impõe um dever suplementar, e isso reafirma a idéia de igualdade material a que nos referimos, pois o Estado somente esta obrigado a atingir, por meio de tais programas, aqueles educandos que não contarem com condições de auto-sustentação. Outra prescrição que exige ações positivas do Estado, para igualar o acesso e permanência dos educandos na escola, refere-se ao dever de oferecimento de ensino com metodologia especial aos portadores de deficiência (necessidades especiais) e a adequação, às condições do educando, da oferta e ensino noturno regular. Daí concluir que, o princípio da igualdade de condições impõe ao Estado não somente um agir negativo, a abstenção de atos que possam impedir que todos cheguem à escola, mas o impele a agir positivamente para o alcance do propósito constitucional. Com isso, entendemos que o art. 206, I , autoriza um discrimen entre aqueles que poderão chegar e permanecer na escola por conta própria e aqueles que não possuem as condições necessárias para tanto, obrigando o Estado a providenciar a igualdade material entre uns e outros, mormente para o gozo do direito ao ensino fundamental. Esta discriminação positiva é possível, na medida em que está fundada na proteção de um interesse maior (o acesso efetivo à educação) protegido constitucionalmente, e não atinge “ de modo atual e absoluto, um só indivíduo” 30, mas todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil que não terão acesso ou permanência na escola sem os programas suplementares estatais. Além das densificações acima referidas, o princípio da igualdade no acesso e permanência na escola também se densifica pelas regras constitucionais presentes no art. 208, que será comentado no próximo capítulo no item educação escolar pública. 3.2.2. Princípio da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. O princípio da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, divulgar o pensamento, a arte e o saber veicula três imperativos distintos:

1) Direito à liberdade de aprender – entendemos que este direito deverá ser combinado com o princípio da igualdade de condições ao acesso e permanência na escola para ganhar maior concretude, pois não há que se falar em liberdade de aprender se não houver condições para o acesso e permanência na escola. Tal imperativo também abrange a liberdade de pesquisar, garantida pelos deveres impostos ao Estado pelo art. 218, da Constituição, que lhe atr ibui o dever de promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas;

2) Direito à liberdade de ensinar – este direito possui dois aspectos: a liberdade da escola, cujo

conteúdo autoriza a criação de escolas distintas das do Estado; e a liberdade na escola, que se

30 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Conteúdo jurídico do p rincípio da igualdade, pp. 50-51

13 desmembra, por sua vez, na liberdade de fixação da proposta pedagógica e a liberdade dos docentes ao ministrar suas aulas31;

3) Direito à liberdade de divulgar o pensamento, a arte e o saber - este direito vincula-se a vários

outros princípios e regras constitucionais, em especial os constantes dos incisos IV, VI do art. 5º que garantem a livre manifestação do pensamento (vedado o anonimato), a liberdade de consciência e de crença, a livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (independentemente de censura ou licença), e o acesso à informação.32

3.2.3. Princípio do pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino. As liberdades mencionadas no item anterior colaboram para a eficácia social do princípio constitucional que fixa como ideal o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas (art. 206, III , 1ª parte), que, por outro lado, é uma concretização do princípio do Estado Democrático Social de Direito positivado no Preâmbulo33 e no art. 1º da CF/88. A despeito de o Estado Democrático Brasileiro ter por objetivo o pluralismo político, com vistas à democracia, não haverá democracia política sem respeito aos valores da democracia social, cujos nortes são o pluralismo de idéias, o respeito e a tolerância pelas diferenças individuais e coletivas. O exercício cotidiano dos preceitos democráticos, principalmente na escola - ambiente no qual as pessoas deverão passar grande parte de sua vida - capacita os indivíduos, desde a mais tenra idade, a admitir e respeitar as idéias alheias e as noções de igualdade e liberdade. O princípio do pluralismo de idéias e concepções pedagógicas também impede a criação de um plano nacional de educação exaustivo que obrigue terminantemente tanto escolas públicas quanto escolas privadas. O Plano Nacional deverá indicar um conteúdo mínimo que mencione, inclusive, as diferenças regionais, mas somente à escola caberá a elaboração de propostas pedagógicas específicas e adaptadas a cada realidade espaço-temporal. Regra constitucional que igualmente densifica o princípio do pluralismo de idéias é a constante do art. 210, § 1º, combinado com o art. 5º, VI , do Texto Maior. Esta regra confere a todos a liberdade de crença e não obriga, mas faculta, a freqüência do educando às aulas de religião oferecidas nas escolas públicas de ensino fundamental. Tal prescrição não afasta a religião da escola (pública ou privada), ao contrário, cria mecanismos garantidores para aceitação, em seu meio, das várias religiões existentes34. Por fim, entendemos que o princípio do pluralismo de idéias e concepções pedagógica também deve ser interpretado e compreendido em combinação com a parte final do inciso que o prescreve. O trecho final do dispositivo prevê e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino, fato que contribui para a eficácia social do pluralismo de idéias e concepções pedagógicas. 31 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Direitos fundamentais, T. IV, Coimbra: Ed. Coimbra: 1988, p. 367. 32 Não sendo possível olvidar do art. 220 da Carta Maior que igualmente garante, nos termos do próprio texto constitucional, a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo. 33 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.” 34 Sobre o assunto, Jorge Miranda leciona: “A não confessionalidade do ensino público significa que o ensino público não se identifica com nenhuma religião, convicção, filosofia ou ideologia; não significa que as religiões, as convicções, as filosofias ou as ideologias não devam ter expressão no ensino público. O Estado não pode impor nenhuma; pode permitir - deve permitir – todas, em liberdade e igualdade”. Op. cit. p. 373.

14 3. 2.4. Princípio da gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais Previsto no art. 206, IV, o princípio da gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais não oferece grande dificuldade interpretativa. Dele decorr e a clara proibição constitucional, dir igida ao Estado, de cobrar quaisquer valores relativos à oferta da educação escolar pública, inclusive no ensino superior. A presença de tal princípio no Texto Constitucional reafirma a distinção entre o regime jurídico da educação escolar pública e o regime jurídico da educação escolar privada, prescrito no art. 209 da CF. Note-se que o direito ao ensino público e gratuito não foi afastado daqueles que puderem pagar pela prestação de serviços educacionais. Não há, no caso, uma situação de discriminação, eleita pelo critério da capacidade financeira. Ao permitir a coexistência do ensino público com o privado, o constituinte pretendeu ampliar os instrumentos de oferecimento dos serviços educacionais à população. Assim, apesar da tendência geral de que, no Brasil, está ocorr endo a privatização do ensino, juridicamente não é possível fazer esta afirmativa, pois a coexistência das escolas públicas com as privadas está autorizada na CF/88. O que está ocorr endo, nos tempos atuais, é o afastamento do Estado de sua obrigação de empreender ações capazes de ampliar o oferecimento da educação escolar, nos termos constitucionalmente prescritos. Com este afastamento proposital do Estado, o setor privado tem encontrado espaço político e sustentação jurídica para se expandir, mormente no ensino superior onde a presença do Poder Público é menor e a demanda também é grande. Na verdade, é o Estado que deve assumir seu dever constitucional de ofertar a educação escolar aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil. E no descumprimento deste seu dever a sociedade civil, o M inistério Público e o Poder Judiciário deverão impeli-lo ao cumprimento. Devemos buscar a criação de políticas públicas educacionais sérias capazes de ampliar para todos o direito à educação. Quanto à criação de escolas privadas, pensamos que esta não deverá ser obstada por qualquer meio além daqueles já previstos no art. 209, sob pena de inconstitucionalidade. Isso, entretanto, não afasta o dever do Poder Público de ser muito firme na fiscalização do cumprimento dos padrões de qualidade na prestação destes serviços. 3.2.5. Princípio da valorização dos profissionais do ensino. Nesse texto identificamos as características da vagueza na expressão “profissionais do ensino” , razão pela qual, seguindo os ensinamentos de Eros Grau, tentaremos determinar-lhe o conteúdo indagando se se refere somente à docência, propriamente dita, (trabalho em sala de aula) ou abrange outras funções relacionadas ao ensino35. Os profissionais do ensino são aqueles cujas funções instrumentalizam a essência do processo educacional, são as atividades do setor pedagógico da escola, ou seja: os docentes e os profissionais da administração pedagógica, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional .36

De todos esses profissionais a LDB exigiu a formação profissional em pedagogia (graduação ou pós-graduação). Esta previsão não foi posta por mero capricho do legislador, mas porque tais profissionais participam diretamente do processo de ensino-aprendizagem.

Quando o artigo 64 da LDB alude ao profissional de administração, está se referindo ao administrador ou coordenador pedagógico, ao supervisor e orientador pedagógicos. Estes profissionais são 35 GRAU, Eros Roberto. Direito, conceitos e normas jurídicas . São Paulo: RT, 1988, p. 60. 36 Para melhor explicarmos este item, pedimos licença para invocar a Lei n. 9.394/96, apesar de a proposta do trabalho estar restrita às normas constitucionais educacionais.

15 especializados no encaminhamento do processo educacional formal. Dentro da linha do processo-aprendizagem o docente figura na ponta final, enquanto os demais profissionais citados encontram-se em estágios anteriores do processo educacional, mas tão relevantes quanto o contato direto entre o docente e o discente.

Sem o coordenador pedagógico não é possível ao docente desempenhar sua função adequadamente, uma vez que aquele é quem faz o vínculo entre os conteúdos ministrados em determinado momento com os já oferecidos e apreendidos pelos discentes, em anos anteriores. Também é o coordenador o profissional que define a proposta pedagógica, os conteúdos e os métodos de ensino-aprendizagem que serão utilizados pelo docente em sala de aula, mormente na educação básica.

Igualmente importante para o processo educacional formal é a atividade desenvolvida pelo orientador pedagógico, cuja função é promover a integração psicológica e comportamental do discente no processo ensino-aprendizagem. Sem este apoio tornar-se-á muito difícil a capacitação plena e integral do discente da educação básica, conforme a proposta constante da Constituição Federal, uma vez que este discente se encontra em fase de desenvolvimento psicofísico e necessita de apoio incessante para a sua integração social, descobrimento individual e familiar, processos que interferem decisivamente no resultado final a ser obtido em sala de aula, agora, encaminhado pelo docente. Também imprescindíveis para as escolas são os profissionais de planejamento pedagógico, de supervisão e inspeção pedagógicas.

Todos esses profissionais (seja do ensino público, seja do privado), segundo o art. 206, V, deverão contar com condições adequadas de trabalho, bem como remuneração condigna aos objetivos de sua profissão. Especialmente aos profissionais do ensino público, como mecanismos para maior eficácia social da valorização prescrita no princípio citado, foram fixadas algumas garantias pelo constituinte: 1) plano de carr eira para o magistério; 2) piso salarial profissional; 3) ingresso exclusivamente por concurso de provas e títulos. Note-se que, as escolas privadas não estão obrigadas a conferir as garantias acima a seus empregados, dado que o regime jurídico administrativo a que estas estão obrigadas é o da livre direção. Entretanto, nada as impede, por exemplo, de estabelecer, através de convenções coletivas de trabalho, planos de carr eira e pisos salariais específicos para os profissionais sob comento, vez que tais providências concretizarão o art. 206, V, da CF/88. 3.2.6. Princípio da gestão democrática do ensino público Este princípio só é aplicável, imperativamente, às escolas públicas. Mas, também pode ser tomado como direção pelas escolas privadas. Apesar destas escolas não estarem expressamente obrigadas aos termos do art. 206, VI , da CF/88, têm o dever de difundir as noções de democracia aos seus educandos. E este seu dever constitucional será melhor cumprido quando tais noções participarem do cotidiano de seus alunos. A educação escolar e sua estrutura organizacional influenciarão fortemente a construção da democracia social, se em seu meio for implantado o exercício diário dos ditames democráticos. 3.2.7. Garantia de padrão de qualidade Para adentrarmos ao tema “padrão de qualidade” , devemos primeiramente identificar, no Texto Constitucional, o conteúdo da palavra qualidade e sua relação com o objeto aqui referido: a educação escolar.

16 Em vários dispositivos constitucionais encontraremos o termo37. Relativamente ao ensino, o constituinte o prescreveu no art. 214 ao autorizar a criação de um plano nacional de educação conducente à melhoria da “qualidade” do ensino. Também no art. 211, o constituinte obrigou o Estado a prestar serviços públicos educacionais mediante a obediência de um padrão mínimo de “ qualidade” . Já no art. 209, II , a Constituição autorizou a livre criação de escolas privadas desde que obedecido um padrão de “ qualidade” . Com base nesses artigos, pode-se dizer que o constituinte obrigou os prestadores (públicos e privados) de serviços educacionais a exercerem suas atividades com a obediência a determinados padrões de qualidade. Esta constatação, todavia, não esclarece conteúdo mesmo da palavra. Para auxiliar no trabalho de identificação do significado atr ibuído à palavra qualidade, teremos de invocar o art. 4º, IX, da LDB que impõe ao Estado a obediência a padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem38. Note-se que, no caso, o legislador r efere-se apenas aos recursos humanos e recursos materiais indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino aprendizagem. Com isso, promove uma primeira vinculação restr itiva do termo qualidade à presença de recursos humanos e materiais; em seguida, estabelece nova restr ição ao prescrever que tal qualidade será alcançada com a disponibilização destes recursos em quantidades indispensáveis. Parece-nos que a mensuração da qualidade da educação escolar deverá ser tomada para além dos termos fixados no art. 4º. Não obstante a necessidade de os critérios para aferição da mesma deverem ser objetivos, especialmente para vincularem a atividade educacional privada (art. 5º, II , da CF), não poderão ser criados aleatoriamente, mas sim deverão estar adequados aos pressupostos constitucionais que norteiam a educação, e especialmente, a educação escolar. Dentre os critérios para apuração da qualidade da educação deverão constar qualificação do corpo docente, a organização didático-pedagógica e as instalações físicas (mínimas ou máximas), mas, também deverá ser levado em consideração, principalmente, se, a partir dos mencionados recursos, os valores fundamentais constitucionais (a consciência e o reconhecimento do valor ínsito ao ser humano (dignidade), a necessidade de construção de uma sociedade livre, justa e solidária; o dever de se empreender ações capazes de garantir o desenvolvimento local, regional e nacional, a necessidade da err adicação da pobreza e da marginalização no Brasil, a promoção de ações que busquem reduzir as desigualdades sociais e regionais, a consciência dos direitos e garantias fundamentais individuais e coletivos, a descoberta da necessidade de participação social e política, o exercício cotidiano dos instrumentos democráticos e a preparação efetiva para o trabalho) estão sendo transmitidos aos educandos . Entendemos que a educação, e, especificamente, a educação escolar, terá qualidade quando promover os objetivos fundamentais constitucionais. Partindo do pressuposto que (a) o objeto medido (educação) é o instrumento essencial para a formação de todos os indivíduos de um Estado, e (b) que este Estado deverá alcançar objetivos que dependem desta formação, a qualidade da educação será alcançada tão somente quando os próprios objetivos do Estado também forem alcançados. Daí o relevante papel dos prestadores de serviços educacionais para a construção da sociedade pretendida pela Constituição de 1988. 4. EDUCAÇÃO ESCOLAR PÚBLICA E EDUCAÇÃO ESCOLAR PRIVADA : REGIMES 37 Além dos artigos constitucionais que tratam da qualidade na educação, a Carta Maior prescreve o termo qualidade especialmente nos artigos 37, 3º I (qualidade nos serviços), 39, § 7º (programas de qualidade e produtividade), e 225 (qualidade de vida). 38 Grifo nosso.

17 CONSTITUCIONAIS Pelo que foi exposto até o momento percebe-se que vários dispositivos constitucionais tratam do direito social fundamental à educação escolar no Brasil. Alguns artigos garantem o direito de estudar, bem como suas peculiaridades, outros fixam a direção que os conteúdos a serem ministrados deverão seguir e os valores que deverão transmitir; há ainda artigos que fixam os sujeitos que deverão ou poderão prestar tais serviços, e os artigos que prescrevem os vínculos jurídicos que se estabelecerão entre o titular do direito supra referido e o sujeito prestador. De todas essas prescrições constitucionais, sobressaem-se, implicitamente, dois pontos relativos ao regime jurídico pedagógico: a) o conteúdo comum da educação escolar (em qualquer nível escolar e ministrado em qualquer r egião) deverá ter por base os valores e objetivos fundamentais constitucionais (qualidade na educação); b) toda escola deverá possuir os recursos humanos e materiais capazes de garantir a adequada transmissão dos conteúdos pedagógicos (qualidade na escola). Estas normas constitucionais incidirão tanto sobre as escolas públicas quanto sobre as escolas privadas, havendo, sob este aspecto, um regime jurídico comum a ambas. Quanto aos sujeitos prestadores da educação escolar, estes foram definidos pelos artigos 208 e 209 da CF. O art. 208 fixou o dever do Estado para com a prestação da educação escolar. Assim procedendo, o constituinte também fixou para a prestação de serviços educacionais públicos o regime padrão a que as atividades estatais em geral estão submetidas39: o regime jurídico administrativo. Para ampliar a referida prestação de serviços, a Constituição, em seus artigos 206, II (2ª parte), III e. 209, também permitiu às empresas privadas o oferecimento de serviços educacionais. Com isso o constituinte também fixou o regime aplicável a estes serviços: o regime jurídico privado. A despeito do regime jurídico comum (direção pedagógica) a ambos setores, a Constituição também prescreveu regimes jurídicos específicos para regular tanto a prestação da educação escolar pública quanto a educação escolar privada. O primeiro regime caracteriza-se pela admissão de princípios e regras jurídicas incidíveis apenas sobre fatos jurídicos produzidos pelo Estado, por exemplo: o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, a indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos, o princípio da hierarquia administrativa, os princípios presentes no art. 37, caput¸da CF/88, o regime de responsabilização objetiva, etc. E será sob a égide desse regime jurídico que nascerão as relações jurídicas entre: Estado/educando, Estado/escola e Escola/educando. O segundo regime, por outro lado, é composto por normas jurídicas incidíveis apenas sobre os fatos jurídicos realizados por particulares, entre si. Sob o ponto de vista empresarial, este regime está fincado no art. 170, da CF, i. é., na garantia da propriedade privada socialmente funcionalizada, na livre concorr ência, na liberdade de criação de escola, na liberdade administrativa, na responsabilização nos termos do Código de Defesa do Consumidor, etc. E este regime jurídico regerá apenas as relações jurídicas produzidas entre escola/educando. Quanto às relações entre Estado/escola privada, estas serão regidas por normas imperativas de caráter pedagógico, e normas permissivas (indicativas) fundadas no art. 174, da Constituição, no aspecto administrativo.40 39 Salvo quando o Estado pretender a exploração direta de atividade econômica, nos termos do art. 173, da CF. No caso de empresa pública e sociedade de economia mista explorar atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, deverá cumprir com sua função social e sujeitar-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários (art. 173, § 1º). 40 Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

18 4.1. Educação escolar pública. Serviço público. Direito público subjetivo. O direito social fundamental à educação escolar, quando prestado pelo Estado, configura-se num serviço público. A expressão serviço público, pelas lições de Bandeira de Mello, refere-se “ à prestação de atividade e comodidade material fruível singularmente pelo administrado, desde que tal prestação se conforme a um determinado e específico regime: o regime de Direito Público, o regime jurídico-administrativo” 41. Essa noção se compõe de dois elementos, ensina o autor: “ (a) um deles, que é seu substrato material, consistente na prestação de utilidade ou comodidade fruível singularmente pelos administrados; o outro, (b) traço formal indispensável, que lhe dá justamente caráter de noção jurídica, consistente em um específico regime de Direito Público” 42. “ Percebe-se, sem dificuldade, então, que o primeiro elemento do serviço público é absolutamente insuficiente para configurá-lo, de vez que se trata de simples suporte fático, substrato material, sobre que se constrói a noção jurídica propriamente dita. Por isso, tal substrato pode existir inúmeras vezes sem que, entretanto, se possa falar em serviço público” 43. Se o regime jurídico administrativo é o que formalmente caracteriza o serviço público, a educação escolar será considerada como tal somente quando prestada pelo Estado. Quando prestada por particular, a educação escolar assumirá o perfil de serviço privado, apesar da importância de seu conteúdo. Tirante o ensino fundamental, cujo dever de oferta é de eficácia imediata e o direito a ele já está fixado como direito público subjetivo no próprio texto constitucional, o Estado está constitucionalmente obrigado a buscar os meios necessários para disponibilizar os demais níveis de ensino. Assim, o único nível da educação escolar a que o Estado está obrigado a disponibilizar imediatamente, sob pena de responsabilidade, é a educação escolar fundamental; o que faz gerar para os indivíduos (em idade própria) um direito público subjetivo imediato a este nível de educação. Conceitualmente, o direito subjetivo é a permissão legal, ou contratual, conferida a determinado sujeito, para fazer ou não-fazer alguma coisa, ter ou não ter algo, ou, ainda, exigir perante os órgãos competentes o cumprimento da norma ou do contrato. Diz-se que o direito subjetivo é público quando o dever de cumpri-lo foi imputado ao Estado – ou a alguém a seu mando; por outro lado, será privado quando o dever de cumprimento foi atr ibuído a um particular44. Relativamente ao direito à educação escolar pública fundamental, como já ressaltado, o constituinte atr ibuiu força de direito público subjetivo. Esta providência autoriza qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o M inistério Público, acionar o Poder Público para exigir, em nome individual ou coletivo, o exercício efetivo e imediato deste direito (o ensino fundamental foi eleito pelo constituinte como uma prioridade irr etorquível). Note-se, mais uma vez, que a condição de direito público subjetivo (imediatamente exigível) foi garantida somente ao direito ao ensino fundamental. Daí o dever de as esferas administrativas do Poder Público assegurar em primeiro lugar o acesso a este nível de ensino, e contemplar em seguida os demais níveis e modalidades, conforme as prioridades constitucionais e legais. Esta particularidade, entretanto, não afasta a natureza pública subjetiva imputada também ao direito aos demais níveis de ensino quando estes forem disponibilizados pelo Poder Público, dado que se configuram no resultado de um serviço público.

41 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso..., p. 602. Grifos no original 42 Idem, ibidem, p. 602. 43Idem, ibidem, p. 606 44 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdu ção à Ciência do Direito. 3 ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 224.

19 Tais afirmações, a despeito de parecerem absurdas45, serão melhores entendidas após a leitura dos comentários que se seguirão, acerca da configuração do direito social fundamental a cada nível da educação escolar pública. 4.1.1. Configuração do direito a cada nível da educação escolar pública Como dito acima, a educação escolar pública está prescrita no art. 208, da CF. Este artigo, que veicula norma jurídica especial, se comparado com a norma jurídica geral prescrita nos artigos 06 e 205, do Texto Maior, estabelece a medida constitucional do dever do Estado para com a educação escolar prestada em regime de direito público. Dispõe o preceptivo constitucional:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada ao inciso pela Emenda Constitucional nº 14/96)46 II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;(Redação dada ao inciso pela Emenda Constitucional nº 14/96)47 III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta e ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.48 § 1º. O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º. O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irr egular, importa responsabilidade da autoridade competente. § 3º. Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

O conteúdo do artigo supra transcrito é muito importante, pois desenha o dever do Estado para com a educação escolar, ao mesmo tempo em que concretiza, no âmbito público, o princípio da igualdade de condições de acesso e permanência na escola. Este princípio somente poderá ser interpretado a partir de sua combinação com o art. 208, e relativamente a cada nível de ensino. É o que faremos a seguir: a) Educação infantil em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. O inciso IV do art. 208, retro transcrito, antes de ser aplicado, exige combinação com o art. 7º, XXV , da Carta Maior, que prevê como direito dos trabalhadores urbanos e rurais a assistência gratuita, a filhos e dependentes, desde o nascimento até seis anos de idade, em creches e pré-escolas. Com o disposto neste artigo, todo trabalhador (gênero) possui o direito público subjetivo de exigir do Estado a assistência educacional gratuita às suas crianças (filhos ou dependentes) desde o nascimento até os seis anos de idade. Note-se que, no caso específico, não há imposição aos pais de matrícula de suas crianças, mas sim um direito destes pais a tal assistência educacional. Os objetivos da concessão deste direito

45 Isso perante a afirmação categórica e corrente de que todos têm direito à educação - entendida esta (em regra) como sendo a educação escolar. 46 Assim dispunha o inciso alterado, com vigência até 31.12.1996: "I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;" 47 Assim dispunha o inciso alterado, com vigência até 31.12.1996: "II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;" 48 A Lei nº 8.913, de 12.07.1994, dispõe sobre a municipalização da merenda escolar.

20 são: ampliar as condições de desempenho laboral, especialmente para as trabalhadoras, e promover a formação educacional infantil. Perceba-se que com o disposto no art. 7º, XXV , o constituinte criou um discrimen à igualdade ao acesso e permanência na escola pública, dando preferência aos filhos e dependentes de trabalhadores, se a oferta de vagas nas escolas de educação infantil não for suficiente para atender todos os interessados. Assim, a escola pública está autorizada a admitir preferencialmente os filhos e dependentes da classe trabalhadora em detrimento dos demais. Entendido como trabalhador todo aquele que figurar como apto ao trabalho, sob pena de se autorizar discriminação odiosa daquele que estiver em situação de desemprego. b) Ensino fundamental Relativamente ao ensino fundamental, a Constituição Federal de 1988 prescreveu em seu a art. 208:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: ..................……………………………………………………………………. I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; ..................……………………………………………………………………. VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. § 1º. O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo § 2º. O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irr egular, importa responsabilidade da autoridade competente. § 3º. Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

Do suporte físico supra transcrito é possível extrair o seguinte conteúdo:

1) O ensino fundamental e as condições materiais necessárias à viabilização do acesso a este nível de ensino são direitos sociais fundamentais deferidos, gratuitamente, a todas as crianças em idade própria. E na condição de direito público subjetivo estes direitos possuem eficácia plena e aplicabilidade imediata, exigível perante o Estado, inclusive, por meio de mandado de segurança;

2) Os pais/responsáveis têm o dever constitucional fundamental de matricular suas crianças no

ensino fundamental, se estas estiverem na idade própria, bem como têm igual dever de cuidarem da freqüência destas à escola49, com a colaboração do Estado.

3) O Estado tem o dever constitucional fundamental de providenciar as condições materiais de

acesso (escola e programas suplementares) da criança ao ensino fundamental. Sendo que o não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irr egular, importará responsabilidade da autoridade competente.

4) O ensino fundamental gratuito também é deferido como direito social fundamental àqueles

indivíduos que não tiveram a oportunidade de estudar em idade própria. Mas, diferentemente do previsto no item 1, este direito não poderá ser exigido do Estado a qualquer tempo, porque

49 A desobediência a este dever, sem justo motivo, poderá fazer incidir a norma prescritiva do crime de abandono intelectual, previsto no art.246,do Código Penal Brasileiro.

21 não se configura em direito público subjetivo e a oferta a todos os interessados dependerá da disponibilidade financeira do Estado.

Note-se que o ensino fundamental é o único nível de ensino disponibilizado constitucionalmente como direito público subjetivo, motivo pelo qual o Estado está obrigado, desde já, a oferecer a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País, que estiverem em idade própria. O fato de nascer ou permanecer no terr itório nacional e cumprir com a idade mínima exigida (07 anos para o ensino público e 06 anos para o ensino particular) credencia o indivíduo a exigir do Estado o direito ao ensino fundamental. Feito este passeio rápido pela configuração constitucional do ensino fundamental, faremos um comentário igualmente breve acerca do caráter obrigatório deste nível de ensino para as crianças e os adolescentes entre 7 a 14 anos. Para tanto, indagamos: apesar de ter se referido a direito ao ensino fundamental, nos termos acima referidos, o constituinte teria pretendido referir-se a um dever (obrigação)? Ou teria incorr ido em contradição? Parece-nos que a resposta às duas questões é pela negativa. O constituinte originário prescreveu o ensino fundamental como obrigatório, mas a relação jurídica onde será gerada esta obrigatoriedade não tem em seu pólo passivo a criança ou adolescente (dado que este tem o direito ao ensino fundamental), mas sim o pai ou responsável pelo educando. Dessa forma, tendo a criança brasileira, ou estrangeira residente no terr itório nacional, completado a idade mínima legal para ingresso no ensino fundamental, nascerá uma relação jurídica entre o pai/responsável e o Estado, cujo modal deôntico obriga o primeiro a matricular a criança sob sua guarda em escola formal, bem como lhe acompanhar a freqüência à escola, sob pena de sérias conseqüências legais, incluindo a consumação do crime de abandono intelectual se a ausência de matrícula for por motivo injusto. Por outro lado, por o direito ao ensino fundamental ter sido desenhado com status de direito público subjetivo, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o § 1º do art. 208 passou a incidir imediatamente para gerar r elações jurídico-constitucionais-administrativas entre o Estado e todos os pais/responsáveis por crianças e adolescentes em idade própria. Na qualidade de sujeito passivo destas relações jurídicas o Estado foi (e está) obrigado a construir escolas e criar programas suplementares que auxiliem o pai/responsável a cumprir com o seu dever de matricular a criança, sob sua guarda, no ensino fundamental e manter-lhe a freqüência durante o processo de formação. Todos esses mecanismos jurídicos foram criados para garantir eficácia social ao direito público subjetivo ao ensino fundamental deferido às crianças e aos adolescentes presentes no terr itório brasileiro. Estas providências, entretanto, são obrigatórias apenas para o ensino fundamental, não sendo extensíveis impositivamente à educação infantil, ao ensino médio ou ao ensino superior. c) Ensino médio O princípio da igualdade de condições ao acesso e permanência na escola também ganha contornos específicos quanto analisado sob o ponto de vista do ensino médio. Assim é denominado o conjunto de três séries que seguem o término do ensino fundamental. Nos termos do inciso II do art. 208, da CF/88, o Estado tem o dever de construir escolas e oferecer condições necessárias para o exercício do direito ao ensino médio gratuito, entretanto, este direito não pode ser chamado de “ público subjetivo constitucional” , dado que não lhe foi atr ibuído pela Constituição, eficácia plena e aplicabilidade imediata. Esta assertiva, a despeito de ser contundente,

22 advém da expressão “progressiva universalização” referida ao ensino médio gratuito a que o Estado está constitucionalmente obrigado50. O dever do Estado, neste caso, é o de continuar empreendendo ações positivas com vistas a continuamente ampliar a universalização subjetiva ao ensino médio, ou seja, possibilitar progressivamente o aumento do número de adolescentes com acesso ao ensino médio gratuito. Isso quer dizer que o Estado não está obrigado a proporcionar o acesso de todos os adolescentes em idade própria, mas do contingente que for possível, dentro da realidade de cada ente federado, já que é aos Estados-membros que cabe, em regra, a distr ibuição deste nível de ensino. d) Ensino superior O inciso V do art. 208 trata da igualdade de condições ao acesso dos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística. Relativamente a este nível educacional, o constituinte foi ainda mais restr itivo do que quando prescreveu as obrigações estatais frente ao ensino médio. Aos sujeitos acima referidos, não se pode dizer que o constituinte conferiu direito público subjetivo de exigir do Estado o ensino superior, ao contrário, este nível de ensino somente será conferido àquele que for capaz de ultrapassar os mecanismos de aferição de sua capacidade; este é o entendimento que decorr e da parte final do inciso V quando ele prescreve que o ensino superior será distr ibuído “ segundo a capacidade de cada um” . e) Ensino especial e ensino noturno Nesse item, vale invocar o inciso III , do art. 208, da CF/88, que dá o tom da igualdade de condições, pretendida pelo constituinte, ao obrigar aqueles que oferecem o ensino a conferir atendimento educacional especializado também aos portadores de deficiência (auditivas, visuais, mentais, etc), independentemente do nível de ensino (se oferecido), mas obrigatoriamente na educação básica. Este método especial de ensino é chamado de educação especial, modalidade da educação escolar, caracterizada por uma proposta pedagógica que assegure recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educação básica. A previsão constitucional do dever de oferecimento de educação especial, entendida como método específico de transmissão de conhecimentos, só corr obora o argumento que o direito a educação é um meio eficiente para preservar a dignidade humana e garantir o direito de cada aluno de realizar seus projetos de estudo, de trabalho e de inserção na vida social, garantindo também busca a identidade própria de cada educando, o reconhecimento e a valorização das suas diferenças e potencialidades, e por fim, ainda assegurar o desenvolvimento do indivíduo para o exercício da cidadania, da capacidade de participação social, política e econômica. Foi embasado nestas prescrições constitucionais e na Lei de Diretr izes e Bases de Educação Nacional que Conselho Nacional de Educação, através do Parecer CNE/CEB nº l7/2001, de 03 de julho de 2001 e a Resolução CNE/CEB nº 02, de 11 de setembro de 2001, impôs aos sistemas de ensino (público ou particular) o dever de matricular todos os educandos com necessidades educacionais especiais51.

50 A redação do inciso referido foi dada pela Emenda Constitucional nº 14/96. Até 31.12.1996 o inciso II prescrevia a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio. 51 Os atos normativos administrativos citados também fixaram o conteúdo semântico da expressão “educando com necessidades educacionais especiais". Em seu art. 5º, a Resolução CNE/CEB n.º 02 prescreveu: “Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os que, durante o processo educacional, apresentarem: I -

23 Em todo nível de ensino regular, mas, observadas as condições do educando, o Estado também está obrigado a ofertar o ensino noturno regular. 4.1.2. A distr ibuição de competências para a prestação da educação escolar. Organização administrativa do sistema de ensino público. No art. 211, do Texto Magno, o constituinte distr ibuiu as competências (dever-poder) dos entes políticos para prestar a educação escolar pública. Prescreve o citado artigo:

Art. 211. A União, os Estados, o Distr ito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. § 1º. A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Terr itórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistr ibutiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade de ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distr ito Federal e aos Municípios. (Redação dada ao parágrafo pela Emenda Constitucional nº 14/96) § 2º. Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. (Redação dada ao parágrafo pela Emenda Constitucional nº 14/96) § 3º. Os Estados e o Distr ito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. (Parágrafo acrescentado pela Emenda Constitucional nº 14/96) § 4º. Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório. (Parágrafo acrescentado pela Emenda Constitucional nº 14/96)

A configuração do Estado Brasileiro encontra-se prescrita no art. 1º, da CF, e se compõe dos seguintes entes políticos: União, Estados-membros, Distr ito Federal e Municípios. A construção do sistema nacional de educação é de obrigação de todos estes entes, em regime de colaboração, e a atuação conjunta deverá assegurar especialmente a universalização do ensino obrigatório. Nessa distr ibuição de competências, à União coube a organização e o financiamento do sistema federal de ensino - e dos Terr itórios (hoje inexistentes) -, bem como o exercício da função redistr ibutiva e supletiva garantidora da equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade de ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distr ito Federal e aos Municípios, quando for necessário. Aos Estados-membros e ao Distr ito Federal foi imputado atuar prioritariamente no ensino fundamental e médio e aos municípios coube a atuação, igualmente prioritária, no ensino no ensino fundamental e na educação infantil. Note-se que o dever estatal para com a educação escolar foi distr ibuição aos entes políticos conforme os níveis de ensino. Entretanto, a atuação prioritária em um nível não afasta a possibilidade de atuação em outros níveis se, para tanto, houver condições técnicas e financeiras. Quanto ao sistema organizacional da educação escolar privada, apesar de o art. 211 aparentemente não tê-lo mencionado, integrará os sistemas federal, estaduais/ distr ital e municipais de ensino,

dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos: a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica; b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências;II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis; III - altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes.”

24 dependendo do nível educacional oferecido pela atividade privada. Em função disso, a natureza do serviço prestado também determinará o órgão autorizador e fiscalizador de suas unidades privadas. 4.1.3. Meios de financiamento do sistema de ensino público Para garantir o cumprimento do dever atr ibuído ao Estado, relativamente à educação, o constituinte prescreveu-lhe um sistema vinculado de financiamento. Impôs à União a aplicação anual de percentual de no mínimo dezoito da receita resultante de impostos para a manutenção e o desenvolvimento do ensino. Na mesma linha, o constituinte também obrigou os Estados, o Distr ito Federal e os Municípios a aplicarem no mesmo objetivo, vinte e cinco por cento, no mínimo52, da receita resultante de impostos de seus impostos e da receita proveniente de transferências constitucionais, nos termos dos parágrafos do art. 212, da Constituição. Note-se que esta é uma exceção importante ao art. 167, IV, da Constituição, cujo conteúdo proíbe a criação de impostos com destinação específica. A razão pré-jurídica que orientou o constituinte a fixar esta exceção constitucional foi a mesma que o orientou a excepcionar o princípio federativo acima referido, i. é., a importância da educação para o alcance dos objetivos da República Federativa do Brasil. Também é interessante perceber que a parcela da arr ecadação de impostos, transferida pela União aos Estados, ao Distr ito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não será considerada para efeito de fixação do percentual a ser investido pelo ente distr ibuidor. E a distr ibuição dos recursos públicos deverá assegurar prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, nos termos do plano nacional de educação. Quanto aos programas suplementares previstos no art. 208, II , estes deverão ser financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários. Para tanto, o constituinte prescreveu como fonte adicional de financiamento do ensino fundamental público a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas. Como visto, a regra é que o Estado financie somente os estabelecimentos públicos de ensino. Uma exceção, entretanto, é a permissão dada pelo art. 213, para que recursos públicos sejam destinados a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que comprovarem finalidade não-lucrativa, aplicarem seus excedentes financeiros na própria educação e assegurarem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerr amento de suas atividades. Nesse caso, a permissão constitucional é para que sejam pagas, pelo Estado às escolas privadas, bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os educandos que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando. Por fim, o Estado também poderá conceder apoio financeiro público às atividades universitárias de pesquisa e extensão. 4.2. Educação escolar privada. Serviço privado. Direito privado subjetivo. No art. 206, II , 2ª parte, está o princípio que prescreve a coexistência de escolas públicas e privadas. Não obstante esta coexistência, o dever de garantir o exercício do direito à educação escolar aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil foi imputado ao Estado, sendo supletiva a atuação particular.

52 Note-se que a Constituição cria um limite mínimo de vinculação, mas não um limite máximo. Esta é uma exceção ampla ao art. 167, IV, da CF/88.

25 Por entender despiciendo, o constituinte não definiu a forma através da qual o setor educacional privado será financiado, dado que deixou a atividade livre à iniciativa privada e isso pressupõe a imputação de regime jurídico privado à mesma. Apesar de não estar previsto expressamente na Constituição Federal, por força do art. 7º, III , da LDB o autofinancimento da escola privada tornou-se fato jurídico condicionante para o exercício da liberdade de criação da própria escola. Tal prescrição, como dito, era de todo desnecessária, dado que é inerente ao regime jurídico aplicável à iniciativa privada. 4.2.1. Direito de propriedade e educação escolar privada Também no artigo 209 da Constituição está prevista a liberdade de criação de escolas privadas. Na verdade, esta é uma regra constitucional que densifica o princípio da liberdade de ensinar constante no art. 206, II , do Texto Magno. Dado o relacionamento horizontal entre normas jurídicas, não podemos interpretar os artigos 206, II e 209 separadamente dos demais artigos constitucionais, e em especial daqueles que regulam a ordem econômica. As escolas particulares, assim como as demais pessoas jurídicas atuantes na ordem econômica, estão adstritas ao cumprimento dos princípios prescritos no art. 170, da Constituição, dispositivos cujos conteúdos orientam a ordem econômica brasileira: soberania nacional; propriedade privada; função social da propriedade; livre concorr ência; defesa do consumidor; defesa do meio ambiente; redução das desigualdades regionais e sociais; busca do pleno emprego. Apesar de vários serem os princípios citados, chamamos a atenção para os incisos II e III que, juntamente com o art. 5º, XXII e XXIII conferem o formato do direito de propriedade garantido pela Constituição de 1988. Como o regime econômico constitucionalmente previsto é o capitalista, foi garantido, aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, o direito fundamental de propriedade nos termos que seguem:

“ Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito (...),à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;” (grifo nosso)

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) II - propriedade privada; III - função social da propriedade;” (grifo nosso)

Dos artigos 5º, XXII e XXIII , 170, caput, II e III decorr e prescrição imperativa que garante a inviolabilidade do direito de propriedade cujo objeto for socialmente funcionalizado. Esta norma jurídica possui eficácia plena e aplicabilidade imediata por força do § 1º do art. 5º, da CF. Mas, indaga-se: o que vem a ser função social da propriedade? Esta função constitui-se num elemento interno ou externo ao direito de propriedade? Primeiramente é interessante fixar que, no art. 5º XXII , o constituinte fixou como conteúdo da palavra propriedade, o objeto passível de ser apropriado e não o direito de se apropriar. Assim, ao prescrever: “ é garantido o direito de propriedade” , criou uma clausula geral garantidora do direito de

26 apropriação de qualquer objeto lícito. Entretanto, quando prescreveu: “a propriedade atenderá a sua função social” a palavra propriedade quer significar o próprio objeto apropriável. A interpretação dos incisos mencionados há de ser feita em conjunto, e dela decorr e que alguém terá direito de apropriar-se de dado objeto se der a ele a função social compatível com sua natureza53. Com a Constituição de 1988, a função social passou a ser um elemento integrante do próprio direito de propriedade. O direito de apropriação somente será garantido se ao objeto apropriado for dada a função social compatível com sua natureza. O contrário afastará o próprio direito de apropriação.

Além do art. 5º, caput e incisos XXII e XXIII , que prescrevem o direito geral de apropriação, a Constituição trata deste mesmo direito em vários outros artigos, consagrando a idéia que o direito de apropriação refere-se não apenas a um objeto, mas aos múltiplos objetos passíveis de serem apropriados, conforme os diversos tipos de bens (materiais ou imateriais) e funções que ocupam no cenário social. Esta constatação autoriza o jurista a falar da existência de direitos de propriedade e não de direito de propriedade. Se o art. 222, da CF/88 trata do direito de propriedade sobre a empresa54 e se o direito geral de apropriação pressupõe a funcionalização social do objeto apropriado, a norma constitucional especial prevista no art. 222 não poderá afastar-se da regra geral. Daí poder-se falar acerca de um dever de funcionalização social da empresa, na medida que esta também ocupa a posição de objeto do direito de propriedade.

Como os objetos possuem naturezas distintas e todos deverão ser socialmente funcionalizados, é conatural que tenhamos que falar em direitos, e não direito, de apropriação, dado que o regime jurídico garantidor do direito ganhará contornos distintos dependendo da natureza do objeto apropriado. Esta a razão pela qual Gustavo Tepedino assevera que a determinação do conteúdo do direito de propriedade dependerá de centros de interesse extra-proprietários sobre o objeto apropriado. Para o mestre, a função social modificar-se-á de estatuto para estatuto, sempre em conformidade com os preceitos constitucionais, e a com a concreta regulamentação dos interesses em jogo55.

Assim, não obstante, o regime jurídico imputado às escolas particulares ser o de natureza privada, o direito à criação de tais pessoas jurídicas possui contornos próprios, pois o constituinte condicionou -o a autorização de funcionamento (exceção expressa ao parágrafo único do art. 170, da CF/88), obediência a padrão de qualidade fixado pelo Poder Público e submissão a avaliação periódica de cumprimento do referido padrão. Note-se que, as exigências referidas não se configuram em limitações ao direito de ter uma escola privada, mas sim colaboram para o formato do próprio direito. Ou seja, na Constituição de 1988 o direito de possuir uma escola privada necessariamente passa pela autorização de funcionamento,

53 Para compreender este novo formato constitucionalizado do direito de propriedade, são relevantes as lições de Júli César Rivera: “Hasta ahora hemos examinado la cuestión de las relaciones entre Derecho Privado y Constitución tomando em consideración la ‘constitucionalización’ de ciertas matérias propias del Derecho Privado, a través de la incorporación a la Constitución formal de reglas que tratan de esas materias. Pero lo cierto es que el fenómeno de las relaciones entre el Derecho Privado y el Derecho Constitucional no se acaba allí, pues esa majstuosa indiferencia recíproca en que han vivido ambas disciplinas largo tiempo, ha escondido una cuestión fundamental cual es que la Constitución informa todo ordenamiento, inclusive el de Derecho Privado”. El Derecho Privado Constitucional, p.27. 54 Como decorrência do reconhecimento do direito de apropriar-se do objeto empresa, o art. 5º , XXIX garantiu a o direito de propriedade sobre as marcas, sobre os nomes de empresas e sobre outros signos distintivos da empresa. “Vê-se que o desenvolvimento econômico do capitalismo impôs uma evolução do próprio conceito de propriedade quanto ao seu objeto: propriedade intelectual, propriedade comercial, propriedade industrial e empresa são conceitos cujo surgimento resulta da necessidade de combater, em nome do desenvolvimento econômico, a propriedade que originariamente estava no centro do suporte teórico do próprio sistema, a propriedade imobiliária.” Cfr. Ana Prata. A tutela constitucional da autonomia privada, p. 170. 55 TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. In: Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999 , p. 280.

27 adequação às normas gerais da educação nacional, cumprimento com determinado padrão de qualidade e submissão a avaliação periódica. Não observados estes pressupostos não há que se falar em direito de criação de escola privada e isso porque o preenchimento dos contornos do direito garante a função social da pessoa jurídica privada prestadora de serviços educacionais. Um ponto que merece consideração é que as peculiaridades do direito à criação de escola privada, apontadas acima, referem-se tão somente ao próprio serviço educacional a ser ofertado à população: 1) a pessoa jurídica deverá cumprir as normas gerais da educação nacional, que prescrevem a forma e conteúdo mínimo do serviço educacional a ser prestado; 2) a escola deverá ser autorizada, pelo Poder Público, como medida de controle do cumprimento das normas gerais mencionadas anteriormente; 3) também deverá cumprir um padrão de qualidade estabelecido pelo Poder Público; e, por fim, 4) submeter seus serviços (o conteúdo pedagógico e os recursos materiais e humanos utilizados para presta-lo) - a avaliações periódicas feita Poder Público com o fito de controlar a qualidade retro mencionada. Assim, o particular terá o direito de criar (apropriar-se de) uma escola particular de educação escolar (ensino formal regular) se der a devida função social ao objeto de sua apropriação. E esta funcionalização social se dará por meio do cumprimento dos exatos termos do art. 209 da Constituição. A escola privada (objeto do direito de propriedade) será considerada socialmente funcionalizada na medida em que prestar seus serviços com qualidade 56. 4.2.2. Autorização de funcionamento. Padrão de qualidade. Avaliação periódica O art. 170 da Constituição Federal de 1988 fixa os princípios norteadores da ordem econômica nacional. Em seu parágrafo único assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. A necessidade dessa autorização pode ser percebida no art. 209, II , que confere, ao particular o direito de criar uma escola mediante autorização do Poder Público. Note-se que a autorização de que trata o dispositivo citado não é o típico ato administrativo que outorga a particulares a possibilidade de prestação de serviços públicos à população, em nome do Estado. A autorização de que fala o art. 209, II veicula apenas o sentido de uma expressão do poder de polícia estatal. Comentando o parágrafo único do art. 170, Celso Antonio Bandeira de Mello considera que a Administração Pública foi habilitada para “autorizar o exercício de dada atividade econômica cuja conformidade com as sobreditas exigências normativas deva ser aferida previamente” 57. Assim, não é possível falar nesta “autorização” como sinônimo de “ delegação administrativa” 58, mas apenas de conferência administrativa de cumprimento de determinados pressupostos constitucionais, e legais, relativos ao exercício mesmo do direito de propriedade. Essa necessidade de autorização, entretanto, não tem o condão de alterar o regime jurídico aplicável aos serviços educacionais privados. A autorização, o padrão de qualidade e a submissão ao controle desta qualidade, não imputam natureza pública ao serviço prestado pela escola privada, como querem alguns doutrinadores. Não obstante a importância do conteúdo dos serviços passíveis de serem prestados por tais pessoas jurídicas, esta peculiaridade não é suficiente para considerá-los serviços públicos, dado que esta denominação se adequa apenas àqueles serviços prestados sob o regime

56 Sobre o conteúdo da palavra qualidade remetemos o leitor para o item “a importância da educação”. 57 BANDEIRA DE MELLO, Curso..., p. 623 (grifos no original). 58 Neste sentido, o entendimento de José Bonifácio Borges de Andrada: “o que a Constituição hoje estabelece é que o estado se obriga a manter a rede pública de ensino, coexistindo esta com a particular, livre à iniciativa privada sem nenhum favor, delegação ou concessão do Poder Público”. Cf. A constituição de 1988 e a liberdade de ensino . In: Revista de Direito Público, n.100, p. 157.

28 j urídico administrativo, o que foi plenamente afastado pelo artigo 206, II , 2ª parte e art. 209, combinados com o art. 170, da CF/88. Nesse sentido, as lições do professor Celso Antonio Bandeira de Mello: “ ...pouco importa, então, se uma atividade afigura-se-nos mais ou menos relevante ou irr elevante para a coletividade. Não é isto que a qualificará como pública ou privada, mas o regime que lhe houver sido atr ibuído pelo sistema normativo. Perante o Direito será pública ou privada na exclusiva dependência do que houverem decidido a Constituição e a lei: portanto, unicamente em função do regime que a disciplina. Um serviço prestado pelo Estado não se torna público pelo fato de interessar a todos e estar em suas mãos, ou em mãos de pessoa sua, mas pela circunstância de se reger conformemente ao regime de Direito Administrativo, tanto que, se disciplinado pelas regras de Direito Privado – e o legislador é livre para assim decidir -, descaberá reputa-lo serviço público” 59,60. E o autor citado arr emata: “ é correto concluir que os serviços correspondentes à exploração de atividade econômica são serviços privados, atividades privadas, e não serviços públicos” 61. Daí concluirmos que a autorização de que trata o art. 209 não afasta o regime jurídico privado aplicável às relações jurídicas entre aluno/escola, nem torna o serviço prestado pela escola particular em serviço público. 4.2.3. Direito ao ensino privado. Direito subjetivo privado Em função do regime jurídico privado a que estão adstritas as pessoas jurídicas privadas prestadoras de serviços educacionais, somente estarão obrigadas a prestação de seus serviços àqueles que a remunerarem adequadamente. Apesar de alguns poderem entender tal assertiva como uma heresia jurídica, estamos convencidos que não é possível dela se afastar, sob pena de inconstitucionalidade. Sobre essa remuneração dos serviços educacionais, mister traçarmos alguns breves comentários, pelo menos. Dada a importância do conteúdo dos serviços passíveis de serem prestados pelas escolas particulares, parece-nos bastante razoável que o Estado Social prescreva regras específicas que garantam um preço adequado aos referidos serviços, não podendo, todavia, impor r egras tais que afastem o lucro do particular, obrigando-o ao prejuízo, sob pena de inconstitucionalidade. Daí entendermos inconstitucional a MP nº 2173-24/01 que alterou a redação do art. 6º, da Lei n.º 9870/99 para impedir a rescisão do contrato de prestação de serviços educacionais em caso de inadimplência do contratante. Esta providência legal, na verdade, afasta o lucro do particular e impõe-lhe um dever que foi imputado, pela Constituição, especificamente ao Estado: a prestação gratuita de serviços educacionais. Não obstante a função social da propriedade, abordada alhures, esta, no âmbito da pessoa jurídica prestadora de serviços educacionais resolve-se no plano pedagógico, pois está na essência do art. 209 a utilização dos serviços prestados pelas escolas privadas por aqueles que possam remunera-los, sob pena de ofensa ao princípio da igualdade, onde apenas alguns (escola privada) são onerados em benefício coletivo, mas em detrimento de si próprio. 5. CONCLUSÕES 1. O direito social fundamental à educação tem sua estrutura prescrita no conjunto das normas constitucionais vigentes.

59 Idem, ibidem, p. 61-2. 60 Como entendimento diverso, ressaltamos a orientação de Eros Roberto Grau. A ordem econô mica na constituição de 1988. 6 ed., São Paulo: Malheiros, 2001, 152. 61 Idem, ibidem, p.628 (grifos do autor).

29 2. No art. 6º e no art. 205, da CF/88, o direito social fundamental à educação foi garantido a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País. A importância desta garantia revela-se à luz quando se percebe que a educação é o veículo de disseminação do contido no art. 1º, III , da Carta Maior, e é o instrumento através do qual os objetivos previstos no art. 3º serão alcançados e os direitos e garantias fundamentais ganharão maior eficácia social. 3. A Constituição de 1988 atr ibuiu ao termo “educação” significados distintos, mas conexos. Nos artigos 6º, 23, V e XII , 24, IX, 1ª parte, 205, 225 e 227, a Carta Maior r eferiu-se a uma educação em sentido amplo; j á nos artigos 22, XXIV, 24, IX, 2ª parte, 30, VI e 214, referiu-se a uma educação em sentido estr ito, ou educação escolar. O primeiro significado abrange todos os processos formativos humanos, sendo da responsabilidade da família, da sociedade e também do Estado a sua promoção. O segundo significado refere-se à transmissão formal do conhecimento em instituições de ensino e pesquisa e tem por objetivo especialmente preparar o indivíduo para o mundo do trabalho e as práticas sociais. Assim, a educação deve ser considerada um gênero do qual a educação escolar é uma espécie. 4. O direito à educação escolar também foi fixado pela Constituição como direito social fundamental. As normas jurídicas especiais que desenham tal direito foram veiculadas, principalmente, nos artigos 206, 208 e 209, da CF/88. Tais normas prescrevem um direito à educação escolar com contornos mais restr itos que o direito à educação genérica, mormente em seu aspecto subjetivo. A responsabilidade de oferecimento da educação escolar foi imputada ao Estado e permitida, supletivamente, aos particulares. 5. Não obstante a coexistência de escola pública e privada, o constituinte não afastou de ambas as escolas, a necessidade de obediência de um regime constitucional comum relativo ao aspecto pedagógico da educação escolar. O conteúdo desta (em qualquer nível escolar e ministrado em qualquer r egião) sempre deverá ter por base os fundamentos previstos nos incisos do art. 1º, os objetivos constantes do art. 3º e os direitos e garantias fundamentais constitucionais. 6. O art. 206, da CF/88 prescreveu os princípios constitucionais especiais relativos à educação, estes deverão ser interpretados como concretizações dos princípios gerais e estruturantes do Texto Maior. Dos princípios prescritos neste artigo atingem, tanto o setor público quanto o setor privado, o princípio da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; o princípio da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; o princípio do pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; o princípio da valorização dos profissionais do ensino e o princípio da garantia de padrão de qualidade. Aplicáveis unicamente para o setor público foram fixados os princípios constantes dos incisos IV, V (2ª parte) e VI , do art. 206. 7. A coexistência da escola pública e a privada também levou o constituinte a fixar normas distintas para cada uma, especialmente em função da natureza dos interesses do Estado e dos particulares. Para a escola pública foi imputado o regime jurídico administrativo para regular as relações jurídicas entre: Estado/educando, Estado/escola e Escola/educando; j á para a escola privada, o constituinte fixou o regime jurídico empresarial privado (art. 170) para reger as relações jurídicas produzidas entre escola/educando. Quanto às relações entre Estado/escola privada, estas restaram regidas por normas imperativas de caráter pedagógico, e normas permissivas (indicativas) fundadas no art. 174, da Constituição, no aspecto administrativo. 8. A educação escolar quando prestada pelo Estado sob regime jurídico-administrativo foi configurada como serviço público. O nível de ensino que poderá ser exigido imediatamente, por todas crianças e adolescente em idade própria - brasileiros ou estrangeiros residentes no País - é o ensino fundamental; sua oferta, pelo Estado, é obrigatória e a norma que a prescreve é de eficácia imediata. 9. Quanto aos demais níveis da educação escolar, ao Estado foi imputado oferecê-los dentro de sua capacidade técnica e financeira. Estes níveis são os seguintes: a) ensino fundamental aos interessados

30 que não tiveram acesso à escola na época própria; b) educação infantil (creche e pré-escola) gratuita às crianças de zero a seis anos de idade, mas preferencialmente aos filhos e dependentes de pais/responsáveis trabalhadores; c) o ensino médio, dentro de suas possibilidades, mas, mediante a obrigação de continuar empreendendo ações capazes de ampliar o acesso subjetivo gratuito a este nível de ensino; d) acesso gratuito aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística (graduação e pós-graduação), mediante processos que afiram a capacidade de cada um dos interessados; e) atendimento especializado, em todos os níveis educacionais da rede regular, aos portadores de necessidades especiais; e, f) ensino noturno regular, adequado às condições do educando. 10. Apesar de a condição de direito público subjetivo (imediatamente exigível) ter sido garantida somente ao direito ao ensino fundamental, isso não afasta a natureza pública subjetiva também imputada ao direito aos demais níveis de ensino, na medida em que forem sendo disponibilizados pelo Estado. 11. No art. 209, a Constituição de 1988 conferiu aos particulares o direito de criarem escolas (direito de propriedade) desde que devidamente autorizados pelo Poder Público e mediante a observância de padrões de qualidade e controle público periódico. Estas peculiaridades dão os lindes do direito de propriedade sobre escolas, conferido pelo constituinte e garantidores do cumprimento da função social do objeto apropriado. Observadas tais prescrições, bem como as demais acima referidas, os particulares poderão oferecer quaisquer níveis da educação escolar, sob o regime jurídico privado. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. 4 ed., São Paulo: Martins Fontes, 2000. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. (1ª reimpressão) Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. ANDRADA , José Bonifácio Borges de. A constituição de 1988 e a liberdade de ensino. In: Revista de Direito Público, n.100, p. 156-158. ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2 ed., atualizada por Rosolea M iranda Folgosi. São Paulo: Malheiros, 2001. BANDEIRA DE MELL O, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 14 ed., São Paulo: Malheiros, 2002. _____________. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. _____________. Princípio da isonomia: desequiparações proibidas e desequiparações permitidas. In: Revista Trimestral de Direito Público, n.1, 1993, p. 75-83. BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília/São Paulo: UNB/Polis, 1991. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 5. ed., Coimbra: L ivraria Almedina, 1991. COPI, I rwing M. Introdução à lógica. (Tradução de Álvaro Cabral). 2.ed., São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 107.

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(*)Advogada e professora un iversitária no Paraná. Mestre em Direito pela PUC/SP. Especiali sta em Direito Tribu tário pela FGV/RJ