editorial - appoa.com.br · passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a...

34
1 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 EDITORIAL “Os nomes diferentes são indicadores evidentes de deuses primitivamente diferentes” 1 N ovamente a questão do pai nos ocupa e preocupa. Assim como re- tornava aos textos clássicos, encontrando neles inspiração para o desdobramento das interrogações fundamentais, nos dirigimos ao texto freudiano onde, seguramente, – a persistência de seu trabalho sobre o discurso o comprova – poderemos reencontrar conceitos orientadores. “Moisés e o monoteísmo” é o texto sobre o qual trabalharemos nas próximas jorna- das “Relendo Freud e conversando sobre a APPOA”, na trilha de novas inda- gações sobre o que hoje faz sintoma no discurso social: o declínio da função paterna e a decadência do patriarcado. Precisamente nesse texto, Sigmund Freud desdobra uma cuidadosa análise da delicada arquitetura em que os significantes se articulam para produzir essa trança que vai do Pai ao Outro, ligando o Discurso Social ao Fantasma singular. No texto lacaniano, essa arquitetura segue o percurso do Nome-do- Pai, tendo como ponto de partida o suposto de pai único para cada um – em termos de posição chave para determinar a função simbólica, temos aqui o Seminário 3, “As Psicoses” – embora o significante que o represente não seja um só. Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário 18 (“De um discurso que não o seria do Semblante”) e no Seminá- rio 21 (“Os não ingênuos se equivocam”, ou os “Nomes-do-Pai”). Certamente hoje este é um guia de leitura essencial para se compre- ender no quê estamos metidos, atualizando o que Freud inspiradamente denominou “nervosismo contemporâneo”. 1 GRESSMANN apud FREUD, S. Moisés y la religión monoteísta (1934-8 [1939]). In:_____. Obras Completas . Madri : Biblioteca Nueva, 1968, p. 207-8.

Upload: nguyenhuong

Post on 13-Feb-2019

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

1C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

EDITORIAL

“Os nomes diferentes são indicadoresevidentes de deuses primitivamentediferentes”1

Novamente a questão do pai nos ocupa e preocupa. Assim como re-tornava aos textos clássicos, encontrando neles inspiração parao desdobramento das interrogações fundamentais, nos dirigimos ao

texto freudiano onde, seguramente, – a persistência de seu trabalho sobre odiscurso o comprova – poderemos reencontrar conceitos orientadores. “Moisése o monoteísmo” é o texto sobre o qual trabalharemos nas próximas jorna-das “Relendo Freud e conversando sobre a APPOA”, na trilha de novas inda-gações sobre o que hoje faz sintoma no discurso social: o declínio da funçãopaterna e a decadência do patriarcado. Precisamente nesse texto, SigmundFreud desdobra uma cuidadosa análise da delicada arquitetura em que ossignificantes se articulam para produzir essa trança que vai do Pai ao Outro,ligando o Discurso Social ao Fantasma singular.

No texto lacaniano, essa arquitetura segue o percurso do Nome-do-Pai, tendo como ponto de partida o suposto de pai único para cada um – emtermos de posição chave para determinar a função simbólica, temos aqui oSeminário 3, “As Psicoses” – embora o significante que o represente nãoseja um só. Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup,para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção noSeminário 18 (“De um discurso que não o seria do Semblante”) e no Seminá-rio 21 (“Os não ingênuos se equivocam”, ou os “Nomes-do-Pai”).

Certamente hoje este é um guia de leitura essencial para se compre-ender no quê estamos metidos, atualizando o que Freud inspiradamentedenominou “nervosismo contemporâneo”.

1 GRESSMANN apud FREUD, S. Moisés y la religión monoteísta (1934-8 [1939]). In:_____.Obras Completas . Madri : Biblioteca Nueva, 1968, p. 207-8.

Page 2: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

2 3C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

NOTÍCIAS NOTÍCIAS

EM DIREÇÃO A UM CONGRESSO DE PSICANÁLISE

OTÁVIO DE SOUZA E A IMPORTÂNCIA DA ALTERIDADENA ESTRUTURAÇÃO DO PSIQUISMO

Na tarde do último dia 24 de março, estivemos reunidos para mais ummomento de diálogo e discussão com nosso colega do Rio de Janeiro. Nes-te dia, contamos com a presença de dois outros psicanalistas cariocas: AnaCarolina Lobianco, membro do “Tempo Freudiano” e Luciano Elia, do “LaçoAnalítico do RJ”. Na ocasião, que também tinha a função de encontro prepa-ratório para o Congresso de outubro, Otávio discorreu algumas linhas de seutrabalho mais recente: “Aspectos do encaminhamento da questão dacientificidade da psicanálise no Movimento Psicanalítico” –, tema ao qualestá se dedicando há algum tempo; e a transferência de trabalho com APPOApermite sua discussão de tempos em tempos.

É um projeto de fôlego investigar e analisar algumas das mais impor-tantes orientações do movimento psicanalítico (Melanie Klein, Anna Freud,Bion, Balint, Winnicot e Lacan) a fim de “buscar matéria de reflexão emalguns dos problemas que estiveram na origem de sua diversificação”. Umadas discussões importantes está expressa na controvérsia entre Klein eAnna Freud, em que transparece uma diferença de concepção fundamentalpara o futuro do movimento psicanalítico: a questão da alteridade e da signi-ficação como estruturantes do nascimento dos processos psíquicos. Istopassa por toda a tradição pós-freudiana, na qual Lacan está incluído, nodizer de Otávio, que se empenha em fazer a crítica dos fundamentos biológi-cos e energéticos da teoria das pulsões.

Combinamos continuar o trabalho, dialogando em futuro próximo, so-bre os efeitos na clínica desta mudança conceitual, a qual J. Lacan dedicouboa parte de seus primeiros seminários.

Robson de Freitas Pereira

JORNADA DE ABERTURA

No dia 8 de abril de 2000, encontramo-nos para a IX Jornada de Aber-tura, que teve como título: “A clínica psicanalítica”, um tema que nos ocupasempre no sentido de fazer, mas que vem, cada vez mais, convocando-nos aescrever e falar.

A primeira mesa do dia abriu a possibilidade de pensar sobre a posi-ção do analista enquanto autor e a clínica como ato criativo, um tema muitopresente nas discussões da jornada. Edson de Souza falou da escrita de umcaso clínico como um espaço no qual se revelam o sujeito e o analista; con-cebendo o caso, não como uma história do paciente, mas como uma ficçãoclínica construída com a memória do analista, sendo impossível suprimir seusentido transferencial. Simone Rickes nos falou da necessidade de reinventara clínica a cada momento, do a posteriori como tempo de apropriação dofazer clínico e de uma certa dose de “loucura” implicada no trabalho do ana-lista.

A mesa seguiu convocando-nos a pensar a responsabilidade do ana-lista sobre os atos que produz. O trabalho de Liz Ramos interrogou a posi-ção da psicanálise nas instituições, propondo que a análise depende maisda sustentação em ato do inconsciente do que de lugares idealizados, queofereçam a ilusão de se estar mais próximo da prática do pai fundador. AnaMaria da Costa, entre outras questões, apontou o ato criativo – falar e escre-ver sobre a clínica – como uma “saída para a tranferência”, concebendo atransmissão da experiência como uma transposição resolutiva do trabalhoanalítico.

Ao encerrar a Jornada, Alfredo Jerusalinsky referiu-se à direção dotrabalho de transmissão ao qual a APPOA se propõe: produzir através dodiscurso analítico – naquilo que Lacan formulou como o lugar do analista – apossibilidade de que todos sintam-se convocados a sustentar um lugar desaber, marcado pela falta. É nesta aposta que inauguramos os trabalhos doano, renovados pelos interrogantes desta jornada.

Ana Laura Giongo Vaccaro

Page 3: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

4 5C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

NOTÍCIAS NOTÍCIAS

DÉCIO FREITAS NO ANIVERSÁRIO DE GILBERTO FREYRE

O autor de “Casa Grande e Senzala”, um dos livros que inventaram oBrasil, estaria completando cem anos dia 15 de março passado. Naquelanoite, a APPOA realizava uma de suas reuniões preparatórias ao Congresso“Brasil: descoberta invenção” e se associava a uma série de comemora-ções que acontecerão em diversas cidades brasileiras ao longo deste ano.

O conhecido professor, escritor e historiador gaúcho lembrou de seusencontros com o antropólogo pernambucano e, apesar das ressalvas e críti-cas feitas ao “Mestre de Apipucos”, não deixa de reconhecer sua genialidadee grandeza. Décio Freitas afirmou que a obra de Freyre irá permanecer porseu valor literário, mostrando o grande escritor que ele foi. Gilberto Freyreconseguiu a proeza de produzir uma tese que, sem deixar de fazer as pes-quisas aprofundadas que a academia exigia, ainda inovou ao descrever osdetalhes biográficos e cotidianos de uma cultura que, até então, não haviasido analisada por seus costumes e hábitos. Hoje, estamos acostumadosàs “histórias da vida cotidiana”; entretanto, no início da década de 30 (“CasaGrande...” teve primeira edição em 1933), isto foi verdadeiramente revolucio-nário.

No início dos anos 80, Gilberto Freyre respondia assim a uma entre-vista: “Casa Grande e Senzala foi escrito para responder a seguinte pergun-ta: afinal, o que é o Brasil? E a primeira e principal fonte de pesquisa fui eumesmo. Minhas histórias, de minha família, meu medo da morte...” Para ospsicanalistas esta é uma resposta conhecida; pois ela indica o nascimentoda própria psicanálise, a começar por Sigmund Freud.

Robson de Freitas Pereira

DILEMAS E DESAFIOS DO SÉCULO XX

Professor da Universidade de Paris VII, no curso de doutorado emCiências Sociais, o sociólogo e psicólogo Eugène Enriquez esteve, no dia22 de março próximo passado, na sede da APPOA, onde desenvolveu, numa

enriquecedora palestra, o tema que o ocupa neste momento: “Desafios doséculo XX: entre a civilização e a barbárie”. Sendo um teórico da sociologia,encontra suas referências também na psicanálise, trabalhando com concei-tos desta, que importa para entender o homem e seu tempo.

Citando Walter Benjamin, que inspirou o título deste trabalho, lembraque todo fenômeno de civilização é também um fenômeno de barbárie, umavez que um dos custos daquela é o recalque e seu retorno. Um estudiosoatento do poder e de como ele se manifesta nos regimes totalitários, anotaque, onde há poder, há a tentação de abusar dele.

No contexto do individualismo contemporâneo, onde o homem sofreconstantemente a injunção da performance, Eugène Enriquez distingue duasposições subjetivas que, pelo aumento de sua incidência, merecem aten-ção: uma é a posição sádica, com seu desejo de dominar o outro e a segun-da, que ele chamou de apática, sobre a qual se deteve mais longamente.Encontra a descrição desta em Sade, no desejo daquele que jamais quer serperturbado por qualquer emoção, que busca o controle ou a eliminação dasmesmas, desenvolvendo uma insensibilidade em relação aos outros, umdesinvestimento de si e do próximo na mesma proporção de umsuperinvestimento dos objetos que se compraz em dominar.

O desprezo para com a subjetividade do outro e para com a própriaproduz a assustadora face de um ego grandioso e frio; eis a nova barbárie,pois tal posição produz uma disposição à “servidão voluntária”, produtora oucoadjuvante de grandes tragédias sociais e políticas, que regimes totalitári-os não cessam de demonstrar.

Durante o debate das idéias apresentadas, foi possível aproximar adescrição da posição apática, ao ideal de impessoalidade da neurose ob-sessiva, que os valores contemporâneos parecem incrementar – tema quefoi objeto de trabalho das nossas últimas jornadas clínicas. Apesar do qua-dro pessimista que descortina, o professor Enriquez aposta na capacidadedos humanos em desenvolver a sublimação, em fundamentar seus atos nãoapenas na ética da convicção (baseada nas ideologias), mas na ética daresponsabilidade, que avalia antecipadamente as conseqüências de nossas

V

Page 4: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

6 7C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

NOTÍCIAS NOTÍCIAS

ações. Não houve tempo para que pudéssemos trabalhar com mais detalheas facetas do conceito de sublimação que ele utiliza, pois, se a tomarmoscomo des-sexualização, suas conseqüências seriam semelhantes ao qua-dro que denuncia.

O professor Eugène Enriquez finalizou sua palestra, propondo areinvenção da solidariedade, que permitiria a vivência de uma aventura cole-tiva, que não se contrapõe à capacidade de estar só, de criar e de fantasiar.Nossos agradecimentos aos coordenadores do Programa de pós-graduaçãode Administração de Empresas da UFRGS, a cujo convite o Professor E.Enriquez esteve em Porto Alegre, proferindo a aula inaugural do curso, e àprofessora Rosinha Carrion, que oportunizou o encontro.

Maria Ângela Brasil

‘SOUL FOOD’

Dando prosseguimento as suas atividades em torno da obra de Gilber-to Freyre, Casa Grande e Senzala, o Cartel preparatório ao Congresso dePsicanálise, Brasil: descoberta invenção, contou, no dia 29 de março, coma participação da antropóloga da UFRGS, professora Maria Eunice Maciel.O tema de sua palestra foi “Sociedade e Cultura”, que propôs articulaçõesentre a obra citada e outros autores tais como Sérgio Buarque de Holanda,Caio Prado Jr. e Roberto Da Matta.

Maria Eunice também deu destaque às recentes contribuições doantropólogo inglês, naturalizado brasileiro, Peter Fry que escreveu o artigo“Para inglês ver”. Neste, o autor analisa, com propriedade, o quanto umacomida, ou um certo tipo de música, ou um esporte pode, no Brasil, tomar ocaráter de símbolo nacional. Exemplos disso são a feijoada, o samba e ofutebol. A feijoada, só para comentar um destes exemplos, é tomada, emmuitos países, não como símbolo nacional, mas, ao contrário, num certocaráter pejorativo como “soul food”. Isto está evidentemente relacionado, deuma certa forma, à própria história da feijoada no nosso país: no período

escravocrata, quando um porco era carneado, as melhores partes eram des-tinadas à casa grande, enquanto que as patas, as orelhas e outras partesmenos nobres, na senzala misturavam-se ao feijão, para alimentar os escra-vos (daí a expressão soul food).

Às contribuições de Peter Fry, Maria Eunice acrescenta o fato dealgumas características físicas também poderem constituir-se em emble-mas – para reivindicações identitárias, por exemplo – passando da partepara o todo, estendendo-se de um grupo étnico para o restante do país.

Carmen Backes

“PÂNICO E DESAMPARO”

Ainda neste mês de abril, recebemos na APPOA o psiquiatra MarioEduardo Costa Pereira, apresentando seu livro “Pânico e desamparo”, lança-mento da editora Escuta, resultado de sua tese de doutorado realizado noLaboratórie de Psychopathogie Fondamental da Universidade de Paris VII,sob a orientação do Professor Doutor Pierre Fédida.

O palestrante nos traz algumas considerações a respeito do termo“Pânico” – que este reaparece hoje com grande impacto, através da criaçãoda categoria psiquiátrica “transtorno de pânico”, o que gerou inúmeras con-trovérsias. Ele diz que em 1980, essa categoria foi incorporada à terceirarevisão do Manual de Diagnóstico e de Estatística da Associação Psiquiátri-ca Americana (DSM– III), passando a ter uma forte repercussão sobre asconcepções contemporâneas dos “estados de angústia”. Lembra-nos que adivulgação maciça pela mídia também contribuiu para a construção da ima-gem de uma “nova doença” descoberta pela medicina moderna, originadapela disfunção dos neurotransmissores cerebrais e curável com drogas es-pecíficas.

Então, a “incompreensibilidade” dessas “crises de pânico” foi um dosargumentos usados em favor de inúmeras hipóteses biológicas, elaboradas

V

Page 5: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

8 9C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

NOTÍCIAS NOTÍCIAS

para explicar os enigmas propostos por este “transtorno”. O fenômeno deve-ria ser considerado como de natureza estritamente biológica, independenteda vida psíquica e da história do indivíduo. Inclusive, acrescenta o palestrante,muitos autores propuseram que a abordagem psicanalítica deveria ser des-cartada, já que corresponderia à introdução de uma preocupação suplemen-tar, inútil para um paciente que sofre com uma doença orgânica.

Em relação ao seu livro, afirma que pretende introduzir uma perspec-tiva psicanalítica – obviamente não querendo demonstrar a superioridade deuma abordagem teórica sobre as demais no campo da psicopatologia –,mas mostrando como se configura o campo do pânico quando este é estu-dado a partir do vértice da psicanálise. Sua hipótese de trabalho, segundoconsta em seu livro, é a de que a noção freudiana de desamparo é capaz desituar o problema psicopatológico do pânico em um plano metapsicológico,abrindo a possibilidade de um discurso psicanalítico sobre este estado afetivo.

A partir daí, aponta que já podemos abrir um debate, que permitaespecificar o pânico no interior desse vasto campo “angustiante”, por issotraz abordagens de Freud, Lacan e outros que tecem considerações impor-tantíssimas sobre o tema.

Luzimar Stricher

RELENDO FREUD E CONVERSANDO SOBRE A APPOAO HOMEM MOISÉS E A RELIGIÃO MONOTEÍSTA (1939 [1934 - 1938])

Nos dias 19, 20 e 21 de maio, estaremos nos reunindo em Canelapara mais uma edição do Relendo Freud e Conversando sobre a APPOA.

O texto escolhido para animar o nosso trabalho deste ano surge naesteira de nossas indagações sobre o lugar do Outro no Brasil e em outrasparagens, tema do Congresso de Psicanálise da APPOA “Brasil: descober-ta invenção” e do Colóquio Internacional APPOA/Associação FreudianaInternacional, que acontecerão no mês de outubro.

O homem Moisés e a religião monoteísta, precedido de Totem e tabu(1912-13) e Psicologia das massas e análise do eu (1921), integra uma série

religiosos, do romance individual ao acontecimento histórico, do trauma àtradição de um povo. Freud publicou este texto não sem antes hesitar.

O homem Moisés e a religião monoteísta, título que figura na ediçãoalemã, é, então, muito mais do que uma mera aplicação da psicologia doindivíduo à psicologia social.

Como se pode observar, a referência à herança paterna e à herança deum povo ocupa um lugar nodal neste texto. Eis aí uma questão que podeguiar-nos no debate acerca da transmissão da psicanálise no Conversandosobre a APPOA.

PROGRAMARELENDO FREUDSexta-feira – 19 de maio18h30Abertura: Cartel do Relendo Freud – Ieda PratesO homem Moisés, um romance histórico – Valéria Rilho

Sábado – 20 de maio9h30Porque só Freud poderia ter escrito “O homem Moisés”...? – Maria AuxiliadoraSudbrackAfinal, quem tinha razão? Entre Freud e a Bíblia – Maria FolbergCoordenação: Henriete Karam10h30 – Coffee-break11h – Os filhos escolhidos e a recusa do ato: os destinos do narcisismo – MarioFleigCoordenação: Luzimar StricherTarde livre20h30 – Coquetel de confraternização por adesão

de textos freudianos dedicados às questões do inconsciente e do social.Fazendo um esforço para nos desvencilharmos do encantamento que

as formulações deste texto freudiano nos provoca, atentemos para o modocomo Freud tece sua linha argumentativa.

Estabelece uma via que vai dos processos neuróticos aos fenômenos

V

Page 6: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

10 11C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

NOTÍCIAS NOTÍCIAS

 CARTEL DO INTERIOR

Informamos que nossa próxima reunião será em Canela, no RelendoFreud e Conversando sobre a APPOA.

 O horário combinado para essa reunião do cartel, é no dia 21 demaio, às 8h e 45min, lembrando que está aberta a todos os interessados.

CONGRESSO DE PSICANÁLISE 

  Informamos que o Congresso da APPOA acontecerá no Salão deAtos da UFRGS, nos dias 26 a 29 de outubro. Já foram confirmadas as pre-senças de: Charles Melman, Roland Chemama, Contardo Calligaris e MariaBelo, entre outros.

Articulado ao Congresso, estaremos promovendo, em conjunto com aAssociation freudienne internationale - AFI, o Colóquio “Questões sobre oOutro” (nos dias 30 e 31 de outubro).

Em breve, estaremos divulgando os programas.Comissão de Eventos

JORNADAS PREPARATÓRIAS PARA O CONGRESSO

Com a realização da jornada de trabalhos em Santa Maria/RS, teminício, no interior do Estado, as atividades preparatórias ao Congresso daAPPOA. O tema “Brasil: descoberta invenção”, tomado como um signifi-cante, nos faz trabalhar as diversas possibilidades de interpretação e análisedos efeitos em nossa cultura. Assim, incentivar uma discussão sobre osaspectos culturais particulares de cada região e as peculiaridades da práticaclínica local foi uma das conseqüências mais diretas. A Coordenação Prepa-ratória do Congresso, expressando um desejo da Associação, espera queestas iniciativas, que acontecerão ao longo do ano, sejam parte deste pro-cesso que visa, além do Congresso de outubro, reafirmar e ampliar o exercí-cio de laços de trabalho que se constróem e renovam desde o início daAPPOA. Além da jornada em Santa Maria (e do evento que se realizará nomês de maio, em Bento Gonçalves, junto à Fenavinho) estão previstos en-contros no sul do Estado, na região das Missões e na Serra Gaúcha.

CONVERSANDO SOBRE A APPOADomingo – 21 de maio9h30A transmissão da psicanálise: comissões de ensino, eventos, publicações, ana-listas-membros, biblioteca e serviço de atendimento clínico12h – Encerramento – Alfredo Jerusalinsky

INSCRIÇÕES:Abertas a todos os associados e freqüentadores do ensino da APPOA

LOCAL: GRANDE HOTEL CANELA – Rua Getúlio Vargas, 300 – Canela/RS Tel./Fax: (54) 282 1285 e-mail: [email protected]

VALOR DE DIÁRIAS (por pessoa):Chalé / apto. sgl. R$ 70,00 + 10%Chalé / apto. dbl./tpl. R$ 40,00 + 10%

V

Chalé / apto. qdpl. R$ 37,00 + 10%Buffet (almoço ou janta) R$ 8,00 + 10%

SANTA MARIA500 ANOS: REDESCOBRINDO AS ORIGENS

E CONSTRUINDO UMA HISTÓRIA

Em que a história ou as origens de uma cidade, estado ou país podeminteressar à psicanálise? O que o relato ou a transmissão dos saberes entreas gerações, a tradição, importam para os analistas e de que forma esseregistro se torna memória, recalque, sintoma?

Page 7: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

12 13C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

NOTÍCIAS NOTÍCIAS

As produções discursivas indicam uma origem determinada, um traçona constituição dos sujeitos que ali são inscritos pela filiação. Vergonha ouorgulho parecem ser os traços mais comumente manifestados pelas pesso-as, quando interpeladas para falar sobre sua raça, etnia, ou descendência...Não temos como escapar da nossa origem, mesmo que quiséssemos, osobrenome, o gesto, o sotaque, o cabelo ou a cor dos olhos nos inscrevenessa história, produzindo uma dívida que nos cabe assumir e em algummomento pagá-la com o repasse.

No Brasil, país-continente, do futuro, da miscigenação, parece nãohaver unanimidade sobre o que é ser brasileiro, sobre uma identidade nacio-nal. Além da língua, o que nos une?

De que forma as diferentes colonizações e imigrações recortaram oBrasil, trazendo suas recordações, suas filiações primeiras, tendo, ao mes-mo tempo, que fazer seu nome numa nova terra? E como isso repercute naclínica pela via do relato dos pacientes?

O Núcleo Psicanalítico de Santa Maria, a Associação Psicanalíticade Porto Alegre e o Centro Universitário Franciscano, reconhecendo a impor-tância do tema, convidam profissionais, alunos e interessados a participardesta jornada.

PROGRAMA

05 de maio 2000 – Sexta-feira19h30Brasil - memória e invenção. Lúcia Serrano PereiraA família vista pelo direito. Roger Raupp RiosA campanha de Getulio Vargas e a colonização alemã. Angélica Ruiz Veras

06 de maio 2000 – Sábado08h30História da cidade: ecologia ou memória. Paula Uglione RitterHistória e religião na Quarta Colônia Imperial do RS. Edir Brondani

Mostra Fotográfica - Cultura material: arte, design e tecnologia na 4ª colônia demigração italiana. Sérgio Brondani

10h30O fascínio da brasilidade. Carmen BackesRedescobrindo o Brasil: vicissitudes do aprender. Norton Cezar Rosa Jr.

14hOs saberes populares: reminiscências ou resistências. Alberto Manuel QuintanaO homem Moisés e o Ato Fundador. Mario Fleig

15h45A história oficial. Conceição BeltrãoHistória e ficção na clínica psicanalítica. Volnei Antonio Dassoler

BENTO GONÇALVES

A comissão organizadora da XI Festa Nacional do Vinho, a Associa-ção Psicanalítica de Porto Alegre e o Centro Psicanalítico de Bento Gonçal-ves, convida-os a participar do evento: Pensando a imigração: língua e histó-ria.

A Jornada terá lugar em Bento Gonçalves, Hotel Dall‘Onder (rua ErnyH. Dreher, 197, sala Chardonnay) no dia 13 de maio com início marcado para8h e 30min.

PROGRAMAMESA 1:Um caso no qual a avó e sua língua precisavam ser esquecidas – ConceiçãoBeltrão, psicanalista;A influência da cultura na linguagem do sintoma – José Zir, gastroenterologista;A educação no tempo do Império – Nadir Bonini Rodrigues, historiador;Intervalo: Apresentação do CD-Rom “Imagens e Palavras”, cedido pela UNISINOSe sob a coordenação de Cleci Favaro.

Page 8: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

14 15C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

NOTÍCIAS NOTÍCIAS

CONVERGÊNCIA PROMOVE ENCONTRO NO RIO DE JANEIRO

Nos próximos dias 27 e 28 de maio estará acontecendo, no Rio deJaneiro, o primeiro encontro preparatório ao Congresso da Convergência,Movimento Lacaniano para a Psicanálise Freudiana (previsto para fevereirode 2001, em Paris).

Na ocasião, as instituições brasileiras que assinaram a convocatóriade Barcelona, assim como outras entidades psicanalíticas que estão traba-lhando sua entrada no Movimento, terão a oportunidade de discutir questõesque afetam sua prática, assim como as vicissitudes dos laços interinstitu-cionais no Brasil.

A APPOA, como uma das oito instituições brasileiras signatárias daAta de Fundação da Convergência, estará presente através de seus repre-sentantes, tanto na primeira parte, cujo tema será “O inconsciente”, comono segundo dia da jornada, quando os trabalhos institucionais serão discuti-dos.

MESA 2:A antiga colonização italiana e a religião: graças a Deus? – Luciane Dal VescoFerrari, psicanalista;Bordando enquanto trabalham, os panos de prato nas casas dos imigrantes –Cleci Favaro, historiadora;O que significa perguntar: qual é a tua origem? – Mario Fleig, psicanalista.

Portanto, apresentamos aqui uma das reuniões preparatórias que en-laçam a instituição e a comunidade, ampliando o espaço de discussões quevem sendo trabalhadas no interior da APPOA (cartel preparatório para o Con-gresso, no cartel do Interior e cartel preparatório para o Relendo Freud).

Inscrições no local, sem taxa, mas com vagas limitadas.

“O QUE QUEIMA DESDE A PUBERDADE”

No dia 15 de abril, teve início na APPOA a série de seminários minis-trada pelo psicanalista Rodolpho Ruffino, já conhecido por sua extensa pes-quisa e produção acerca do tema adolescência. Foi uma oportunidade naqual várias questões em torno da clínica e da teoria puderam ser levantadas.

Rodolpho Ruffino iniciou falando da pouca atenção delegada à adoles-cência na teoria psicanalítica, destacando, neste sentido, a ausência desteconceito tanto em Freud quanto em Lacan. Ele apontou o fato de Freudreferir-se à expressão “puberdade”, dirigindo sua atenção ao caráter econô-mico, ou seja, ao equilíbrio das “descargas” pulsionais. Lembrou-nos ainda,de que no “Projeto para uma Psicologia Científica”, texto de 1895, Freudconcebe a puberdade como uma possibilidade de “arranjo” em um aparelhopsíquico em estado de “desarranjo”. Este ponto na teoria permitiria tomar aadolescência como um momento decisivo para a constituição subjetiva, ummomento re-estruturante, no entanto esta questão desdobrou-se por outroscaminhos. A perspectiva econômica colocava limites para pensar a adoles-cência e Freud não contava com os conceitos de Real, Imaginário e Simbó-lico, fundamentais para compreender o que está em jogo na adolescência.Numa outra via, a leitura de Ernest Jones acabou tendo efeitos sobre astraduções e biografias de Freud, de tal modo que os ingleses apostarammais na idéia de adolescência como “turbilhão” e tomaram-na numa vertenteevolutiva.

Uma das questões trabalhadas no seminário foi a importância dedesvincular a adolescência de um processo evolutivo, para compreendê-lacomo uma operação psíquica. Segundo Ruffino, a problemática adolescenteé detonada pelo Real, sendo o Real tomado aqui não somente no sentido doque vem do organismo, mas também naquilo que as mudanças do corpopodem produzir sobre o olhar do outro, por exemplo, na mãe que estranha ocheiro do filho adolescente e percebe-se não tendo o mesmo acesso ao seucorpo. Em um processo aproximado ao que foi vivido no Estádio do Espelho,na adolescência o olhar do outro tem o seu peso, e produz um estranhamento,

Page 9: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

16 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO TEMÁTICA

17C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

NOTÍCIAS

ENSINO – ARGUMENTOSSEMINÁRIO – A CONSTRUÇÃO DO FANTASMA

Freud, ao deparar-se com as produções fantasmáticas de seus pacien-tes, elaborou a noção de ‘realidade psíquica’ do sujeito como sendo produçõesindividuais. A existência real de sedução feita pelo adulto não tem mais consis-tência explicativa para o que seja o trauma na neurose. Permanece, no entanto,uma questão: se não houve trauma real, qual é a origem destas fantasias?Freud responde esta indagação com uma elaboração das fantasias originárias.

Lacan retorna à leitura freudiana e inscreve a fantasia no âmbito de umaestrutura significante e não somente imaginária. Para Lacan, a construção dofantasma vem responder à sujeição original do sujeito ao Outro.

O que é fantasia? Qual é a função da construção do fantasma na clínica?Como podemos articular a temática da construção do fantasma do sujeito com o

uma desacomodação para o sujeito, do mesmo modo que seu corpo passaa ser tomado num lugar diferente aos olhos do outro.

Para Ruffino, a puberdade configura-se como uma forma de trauma,sendo que a eclosão do Real exige do adolescente ressituar-se no Simbóli-co. As mudanças pubertárias são vividas como trauma devido ao declínio dafunção paterna na cultura, o que convoca o sujeito adolescente a um traba-lho psíquico, no qual é preciso construir uma passagem para a vida adultasem poder apoiar-se em dispositivos sociais – rituais, cerimônias –, queautorizem e garantam esta passagem. Nos rituais, a função paterna erasustentada pela rede simbólica, não estava encarnada em uma figura quedeveria dar conta deste lugar. Foram levantadas questões a respeito do quepoderia estar cumprindo hoje a função de ritual de passagem, dado que nãoencontramos na atualidade um dispositivo que contenha a eficácia simbólicados rituais das sociedades tradicionais. Ruffino afirma que o ritual, atualmen-te, precisa ser substituído por um trabalho singular, no qual cada sujeitoencontre seu modo de simbolizar as mudanças convocadas pela puberdade.Lidar com o trauma da puberdade implicaria, segundo Ruffino, o trabalho deconstruir uma paternidade que escape à paternidade infantil, onde o Pai seencarna num personagem. A adolescência seria um momento privilegiadode descoberta da função paterna, e o trabalho psíquico fundamental de umadolescente seria alcançar a questão do pai para além de uma encarnação.

Compreender a adolescência enquanto operação psíquica traz comoefeito a impossibilidade de tomá-la como um momento da evolução cronoló-gica. Neste sentido, Ruffino afirma que o único tempo possível para se pen-sar a adolescência é o Tempo Lógico. Não há um tempo específico para oinício e o fim do trabalho psíquico ao qual um adolescente precisa dedicar-se. A adolescência não se dá somente numa proximidade temporal à puber-dade, é comum que ela se estenda por um longo tempo. Cabe considerar,também, que um trabalho psíquico pode encontrar êxito ou não, sendo que agrande maioria das adolescências não são resolvidas e convocam um traba-lho de recalque. Desde aí, emergem questões deixadas em aberto: haveriaum final da adolescência? O que restaria de não elaborado ao fim da opera-

ção adolescente? Poderíamos estabelecer uma associação entre o términoda adolescência, na passagem aí implicada, e o término da análise, no passe?

Escutando Ruffino, percebemos que a adolescência é um momentoprivilegiado para se pensar questões fundamentais para a psicanálise, poisali coloca-se em jogo a estrutura mesma do sujeito, e é por isso que, segun-do ele, ao pensar a adolescência como operação psíquica, nos vemos con-vocados a rever várias questões teóricas. Neste sentido, este seminário nãose dispõe somente a pensar na adolescência, mas a retomar pontos funda-mentais da clínica e da teoria psicanalítica. Instigados por estas e outrasquestões levantadas por Ruffino, renovamos, o convite para os próximos en-contros. Abaixo lembramos a programação dos seminários de maio e junho.

PROGRAMAÇÃO (sábados, das 09 às 14h)13/05 – A invocação do Pai na adolescência24/06 – Do suposto limite do tratar do real pelo simbólico, uma interrogação

Ana Laura Giongo Vaccaro

Page 10: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

18 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

NOTÍCIAS

19C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEMINÁRIO – PSICOSSOMÁTICA: INTERDISCIPLINA E TRANSDICIPLINA

A psicossomática é hoje um tema abordado por múltiplas disciplinas –inclusive a psicanálise – geralmente de forma isolada, com pouca ou nenhumainterlocução e questionamento recíproco entre elas. A abordagem multidisciplinaré, por isto, empobrecedora e reducionista, pois cada disciplina cuida de seuobjeto de estudo, sem levar em consideração às demais, bem como ao sujeitoque está sendo atendido de forma fragmentada pelas mesmas.

Este seminário visa à constituição de um espaço comum, no qual osparticipantes (de diferentes especialidades), partindo do desejo de interdisci-plinariedade, possam construir uma rede de significações que articule as res-pectivas disciplinas e transcenda as fronteiras dos saberes de cada uma. Issonão implica uma descaracterização de cada disciplina, mas, sim, a construçãode um saber compartilhado, a partir do trabalho das diversas especialidades ede intervenções clínicas específicas dos participantes.

A psicanálise, neste contexto, é o fio condutor da comunicação interdis-ciplinar, através uma concepção compartilhada (a ser construída no decorrer doseminário) a respeito do sujeito do desejo e do posicionamento ético comumque decorre da mesma, o que permite a convergência das diferentes especiali-dades na transdisciplinariedade.

Com este objetivo, serão trabalhados textos psicanalíticos de diferentesautores, bem como contribuições das disciplinas dos participantes presentesou de convidados, centrados em torno de intervenções clínicas.

Coordenador: Jaime BettsFreqüência: mensal, sábado das 10 às 11h e 45minLocal: Novo HamburgoInformações e inscrições: (51) 5941561 e 99880798

que seja a construção do espaço/laço coletivo? Estas são algumas das ques-tões que orientarão nossas discussões.Coordenação: Cristian GilesSeminários quinzenais, às terças-feiras, às 20h.Local: Espaço de Estudos Psicanalítico – Ijuí.

Como de costume, o mês de maio é marcado por nosso encontroanual em Canela. Um momento muito especial para retomarmos aleitura dos textos de Freud. O escolhido para este ano é “Moisés e

o Monoteísmo”. O título mesmo já lança interrogações, pois se consultar-mos o original em alemão – Der Mann Moses und die Monotheistische Religion– encontraremos uma alusão ao homem Moisés, questão fundamental, apartir da qual se desenvolve toda a elaboração de Freud sobre a fundação dareligião judaica em torno de um pai estrangeiro.

Desde o homem Moisés, desenrola-se um fio condutor que nos leva atestemunhar a implicação do homem Freud na produção do texto. Como semirássemos através de um caleidoscópio, ao lermos os trabalhos de MariaAuxiliadora Pastor Sudbrack, Anna Irma Callegari e Maria Elisabeth da SilvaTubino, vamos desvelando diferentes nuances da história da escrita destetexto e do fascínio que o personagem Moisés exercia sobre Freud.

O trabalho de Rodolpho Ruffino discute as hipóteses e formulaçõesteóricas de Freud sobre a questão da transmissão, levando em conta o espí-rito naturalista de sua formação e sua época. Falar de transmissão implicafalar de um Pai simbólico, fundador e, nesta via, contamos com o texto deAlfredo Jerusalinsky sobre o desejo paterno.

Destacamos, ainda, uma entrevista com Charles Melman, realizadapor Conceição Beltrão e Mário Fleig, e a resenha do livro de Richard Bernstein– Freud e o legado de Moisés, por Luzimar Stricher – que vêm compor estenúmero do Correio da APPOA, o qual se traduz em um convite para nosaventurarmos no texto freudiano.

Ana Laura Giongo VaccaroMárcia Ribeiro

Maria Lúcia Müller Stein

SEÇÃO TEMÁTICA

Page 11: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

20 21C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO TEMÁTICA

aquela turba incapaz de manter-se fiel a nenhuma convicção, que não tinhafé, nem sabia esperar, e que se rejubilava ao reconquistar seus ilusóriosídolos”.

Assim, a representação de Moisés lhe é intensa e perturbadora: Freudvê, num de seus “sonhos romanos”, uma Roma tomada em penumbras, talcomo a Terra Prometida que o herói bíblico contempla do monte Nebo...

Ainda nessa obra, baseado em suas observações da estátua de már-more, vai dizer ao leitor das diferenças que ele encontra entre o Moisés deMichelangelo e o da Bíblia: “... este não é o Moisés da Bíblia, porque esteteve uma crise de ira, jogou longe as Tábuas e quebrou-as. Esse Moisésdeve ser um homem inteiramente diferente, um novo Moisés da concepçãodo artista (p.273). E mais adiante: “Mais importante é a alteração que, emnossa suposição, Michelangelo fez no caráter de Moisés(...), dessa manei-ra, acrescentou algo novo e mais humano à figura de Moisés” (p.275).

Essa forma de pensar viria a ser apenas de Michelangelo? Vejamos oque se passara em Freud: em carta a Lou Andreas-Salomé (1935), Freudcomenta sobre o poder com que a figura de Moisés assombrou-o durantetoda a sua vida. Assim, seguindo um vínculo com as afirmativas apresenta-das há vinte e cinco anos atrás em Totem e Tabu, começa a trabalhar em Ohomem Moisés e a religião monoteísta, título que J. Strachey mudou paraMoisés e o monoteísmo.

Freud se pergunta como se teria criado, realmente, o caráter particu-lar do povo judeu, chegando à conclusão que este se devia a uma criação deMoisés. Então, quem foi esse Moisés e o que realizou? A resposta estáneste texto, aliás, o último que Freud publicou, e que consta de três ensai-os, os dois primeiros Moisés, um egípcio e Se Moisés fosse egípcio foramescritos em Viena, sob o período da ameaça nazista; porém o terceiro –Moisés, o seu povo e a religião monoteísta – já residindo em Londres onde,afirma, “novamente posso falar e escrever, (...) e pensar”.Isto porque a ditaproteção da igreja Católica na Áustria, a qual Freud tanto cuidava para nãomelindrá-la, não passara, no momento em que se efetuava a invasão alemã,de um mero engano, mostrando-se como “uma cana quebrada”, segundosua expressão tirada da Bíblia.

MOISÉS É UM PLURAL?

Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack

No caminho de casa, Hans perguntou ao pai: “O professor Freud conversa com Deus?parece que já sabe tudo, de antemão”.

“Pequeno Hans”, Freud.

Está em todos os jornais desta semana: “O Papa João Paulo II refaz ocaminho de Moisés, em sua peregrinação à Terra Santa – Jordânia eIsrael – realizando parte do percurso de Moisés durante o êxodo do

Egito, segundo a Bíblia. Nessa ocasião, visitará o monte Nebo, próximo deAmã, local onde Moisés, conforme a tradição, teria avistado a Terra-Prome-tida, antes de morrer. Também aí conhecerá uma igreja do século IV,construída no lendário lugar onde Moisés morreu”.

Ainda no mês passado esteve no monte Sinai – Egito – na terra emque Moisés teria recebido os Dez Mandamentos. Também é esperada umacarta do Papa, intitulada “Memória e Reconciliação: A Igreja e os Pecadosdo Passado”, pedindo perdão por “todas as faltas graves do passado”, aolongo da História ,como a “utilização da violência a serviço da verdade”, inclu-indo a Inquisição, a colaboração à escravidão na América e a posição omis-sa da Igreja no extermínio dos judeus pelos nazistas, durante a SegundaGuerra Mundial.

Reportemo-nos, agora, a Freud. Ele sempre teve uma especial fasci-nação pela figura de Moisés, por isso não é sem razão, que fizesse constan-tes e demoradas visitas à igreja de S. Pietro in Vincoli, em Roma, a cadaviagem àquela cidade.

Em 1914 publica anonimamente um minucioso trabalho intitulado OMoisés de Michelangelo, onde numa série de confidências, ele expressa suagrande admiração por tudo o que aquela estátua pudesse representar: oolhar colérico de Moisés enraivecido, olhar que Freud procurava sustentar,“... como se eu mesmo pertencesse àqueles que seus olhos fulminavam,

SUDBRACK, M. A. P. Moisés é um plural?

Page 12: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

22 23C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO TEMÁTICA

teria nome nem semblante. É o triunfo da intelectualidade – geistigkeit –comenta Freud -; origem do simbólico?

O povo, não suportando aquela tão áspera vida, revoltou-se e assassi-nou Moisés. A lembrança desse ato é recalcada. E seu povo retornou aosantigos ídolos.

Acompanhando os estudos de Edouard Meyer e Ernst Sellin, Freudconsidera que as tribos judaicas, que mais tarde se desenvolveram no povode Israel, adquiriram uma nova religião num determinado ponto do tempo. Noentanto, isso não se realizou no Egito ou no sopé de uma montanha naPenínsula do Sinai, mas numa certa localidade conhecida como MERIBA –CADES, um oásis rico em águas, no sul da Palestina (próximo, talvez aoatual Negev – cf. Bíblia, Números XX, XIV).

Portanto, nesse lugar, eles assumiram a adoração de um deus local,vulcânico, demônio sinistro sedento de sangue, de nome JAVÉ (Jahve), pro-vavelmente pertencente às tribos vizinhas dos midianitas.

Importante é ressaltar que o mediador entre esse deus e o povo, nafundação dessa religião, era também chamado Moisés (... e apascentava orebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote em Midian... – Exodo III, I). Nesseponto Freud afirma que é esse outro, o Moisés que nós chegamos a conhe-cer, o ancestral dos sacerdotes de Cades, ou seja, uma figura oriunda deuma lenda genealógica colocada em relação a um culto, um pastor a quemJavé se revelou, diferente da personalidade histórica, de um Moisés perten-cente à realeza egípcia. É este, o egípcio, o Homem Moisés, o que provavel-mente exerceu uma influência muito mais poderosa sobre a evolução poste-rior do povo, porque trouxe de seu país uma tradição que faltou aos outros,além de que, certamente, ter sido acompanhado por um séquito de seguido-res mais chegados, inclusive escribas e professores, provavelmente os Levi-tas, da tribo de Levi, razão porque seja apenas entre estes que os nomesegípcios ocorram mais tarde.

Os Levitas multiplicaram-se nas gerações seguintes, fundiram-se, maspermaneceram fiéis ao seu senhor egípcio, preservando a sua memória econtinuando a tradição de suas doutrinas, na figura dos Profetas, pelos tem-pos afora. Formavam, pois, uma minoria culturalmente influente e superior

Freud, no começo de sua tese, dá um detalhe crucial: o nome deMoisés é um nome egípcio. De acordo com a interpretação de diversas len-das bíblicas, Freud sustenta que os fatos históricos ocorrem de modo exata-mente contrário de como nos chegaram. Não foi Deus quem escolheu o povojudeu para que o adorasse e obedecesse a seus mandamentos, mas sim,Moisés, aristocrata egípcio que escolhera o povo judeu para perpetuar neleum antigo monoteísmo egípcio. Como acontecera? Moisés talvez fosse umpríncipe da dinastia real e zeloso adepto da fé monoteísta que o faraó egípcioAmenófis IV havia transformado na religião dominante, por volta de 1350 a.C.

O Egito estava no apogeu de suas conquistas, poder que se refletiuno desenvolvimento de idéias religiosas, sob a influência dos sacerdotes dodeus solar ON; surgindo, nesse momento, a idéia de um deus universalATEN. Contra o politeísmo então reinante, o jovem faraó empenhou-se empromover a nova religião, que tornou seu deus único e universal, ATON, deus-sol, objeto de adoração exclusiva. No seu ardor pela neoreligião, o rei atémudou o seu nome, passando a chamar-se AQUENATON, mandando apa-gar, ao mesmo tempo, as inscrições onde aparecia o nome de seu pai.Rejeitava o antropomorfismo, magias, bruxarias e não aceitava vida após amorte.

Com sua morte, porém, as coisas mudaram: não havia possibilidadede continuação dessa religião no Egito, já que ela não era popular e ossacerdotes queriam vingança por terem sido excluídos; assim, voltaram to-dos aos antigos deuses.

Moisés, um monoteísta convicto, resolve salvar a religião de Aton e,tendo consciência de que não haveria possibilidade de continuá-la no Egito,decidiu, para tanto, escolher uma atrasada tribo semita que lá vivia, libertou-os da escravidão e os fez submeter-se ao costume egípcio da circuncisão,para que não se sentissem inferiores àqueles, levando-os para o deserto,onde fundou uma nova nação.

Entretanto, Moisés revelou-se ainda mais exigente, excedia a rigidezda religião de Aton, impondo-lhes preceitos e condutas por demais severas:uma das mais importantes consistia na proibição de fabricar imagem deDeus, deveriam, sim, adorar um Deus que não podiam ver, um Deus que não

SUDBRACK, M. A. P. Moisés é um plural?

Page 13: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

24 25C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO TEMÁTICA

variedades de temas , mais parecendo os trajetos errantes dos judeus nodeserto. O próprio Freud nos diz que falta–lhe “a consciência de unidade”,mas não a “ausência de convicção na correção da conclusão”, a qual eleadquirira já em 1912, ao escrever “Totem e Tabu”. E acrescenta: “Desdeaquela época, nunca duvidei que os fenômenos religiosos só pudessem sercompreendidos segundo o padrão dos sintomas neuróticos individuais quenos são familiares(...)”.

Para tanto, transita através de conceitos como o trauma primitivo, adefesa, latência, tradição, clínica da neurose, retorno parcial do recalcado,relacionado, este último, ao assassinato de Moisés – idem o suposto assas-sinato judicial de Cristo – com o do Pai Primevo, após um longo período delatência entre eles. É como se a gênese do monoteísmo não pudesse pas-sar sem essas ocorrências, nos diz Freud. As mortes de Moisés e de Cristopassam para primeiro plano como causas, já que elas significaram o assas-sinato primeiro.

Assim, uma tradição deve ter experimentado a sorte de ter sidorecalcada, demorando-se no inconsciente, antes de se capacitar a apresen-tar efeitos tão poderosos no seu retorno, como no caso da tradição religiosa.São as metáforas das leis do funcionamento psíquico. A religião judaico-cristã é fundada no amor ao Pai e no recalcamento da hostilidade contra ele.O “grande homem” Moisés é a figura paterna de autoridade, não só amado,como temido, ambivalência que faz parte do âmago desta relação. É o verda-deiro Pai, porque é o pai morto.

O interessante é que, na antiguidade, não foi encontrado nenhum tex-to que mencionasse traços sobre a neurose obsessiva, isto é, sobre o Paimorto, a não ser, após à fundação da religião judaica. Ora, a religião, aoproporcionar a filiação, realiza uma operação de simbolização do real. Tam-bém, isso é relativo porque a religião faz com que o Urverdrängt, orecalcamento originário, seja apenas parcialmente recalcado. É a nossaconhecida e ambivalente recusa de que haveria uma falha no grande Outro.

Outra abordagem nos mostra que o Pai no obsessivo apresenta-se“bifurcado”, numa dublagem, onde ele produz paradoxalmente o desfaleci-mento imaginário do pai efetivo, ao mesmo tempo em que provoca simbolica-

ao resto da população.Nessa sequência, Freud sustenta a existência de acomodações e

acordos entre as duas religiões – Entstellung – , isto é, deformações e des-locamentos ocorridos entre elas, com o intuito de demonstrar a grandeza e opoder do novo deus Javé, renegando, inclusive, o longo intervalo ocorridoentre uma e outra. Desse modo, o homem Moisés foi fundido com a figura dofundador religioso posterior, o genro do midianita Jetro, emprestando-lhe seunome Moisés.

“Estamos justificados em separar as duas figuras e em presumir queo Moisés egípcio nunca esteve em Cades e nunca escutou o nome de Javé,e que o Moisés midianita nunca esteve no Egito e nada sabia da Aten. A fimde soldar as duas figuras, a tradição ou a lenda receberam a missão detrazer o Moisés egípcio a Midiã, e vimos que mais de uma explicação dissoera corrente.’’(p.57)

Freud ainda acrescenta que o homem Moisés, dando essa religião aseu povo, imprimiu neles esse caráter que os mantinha unidos, ou seja, aposse comum de uma certa riqueza intelectual e emocional, escolhendo-osa participar de uma nova idéia de Deus.

Ao final de seu II ensaio, após uma longa argumentação, Freud fazuma interessante conclusão, diz ele que a história judaica nos é familiar porsuas dualidades, ou seja, dois grupos de pessoas que se reúnem para for-mar a nação; dois reinos – de Israel e Judá – em que esta nação se divide;dois nomes de deuses nas fontes documentárias da Bíblia; a fundação deduas religiões – a primeira recalcada pela segunda, emergindo depois vitori-osamente; e dois fundadores religiosos, ambos chamados pelo mesmo nomede MOISÉS, cujas personalidades se distinguem uma da outra. Podemos,ainda, acrescentar os dois nomes do faraó: Amenófis e Aquenaton. Portan-to, essas dualidades são conseqüências necessárias uma da outra, pelofato de uma parte do povo ter tido uma experiência traumática, a qual a outraescapou.

Este é um texto de Freud de uma enorme complexidade, apresentan-do repetições de assuntos que vêm e vão, sempre acrescentando ou modifi-cando algo, difíceis de serem atraídos por um fio condutor, circulando sobre

SUDBRACK, M. A. P. Moisés é um plural?

Page 14: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

26 27C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO TEMÁTICA

O HOMEM MOISÉS E A RELIGIÃO MONOTEÍSTA

Anna Irma Callegari

“Ohomem Moisés e a religião monoteísta” é uma das maiores o- bras de Freud, foi o último livro que publicou, e pelos conteú- dos que aborda provocou ataques polêmicos na época entreos próprios judeus e mesmo admiradores. É um livro desconcertante, difícil,que instiga a reflexão e o questionamento, ainda hoje.

Apesar dos apelos de alguns judeus, estudiosos sobre o assunto,que Freud não publicasse o livro, ele o lançou num período mais ameaçadore crítico da histórica judaica.

Freud sempre teve grande interesse pela figura de Moisés, especial-mente nos últimos anos de sua vida. Em seus escritos procura especificarseu caráter distintivo e a contribuição do povo judeu, que deixou como heran-ça na memória cultural o monoteísmo ético, a espiritualidade, (o avanço naintelectualidade) permitindo a sobrevivência do povo judeu, a despeito dasperseguições.

A preocupação de Freud neste inabalável e constante esforço em co-nhecer a história milenar do povo judeu, tinha a finalidade de buscar no pas-sado às raízes históricas judaicas que dariam sustentação no presente eainda exerceriam, de certa forma, a garantia de estender sua influência nofuturo.

Freud fez um longo e minucioso estudo dos fatos históricos e da reli-gião atribuída a Moisés, dedicando-se mais intensivamente a esta pesquisae estudo a partir de 1930.

Os dois primeiros ensaios sobre o tema foram publicados em 1937,pela Imago, quando Freud morava em Viena.

No primeiro ensaio ele aborda: Moisés, um egípcio. Neste texto oautor não discute o monoteísmo, mas sustenta que Moisés libertou o povojudeu, lhe deu as leis e fundou a religião monoteísta. Ocupa-se também nainterpretação do mito em torno de Moisés.

CALLEGARI, A. I. O homem Moisés e a religião monoteísta.

mente um segundo pai, ideal, ali se mantendo. Então, há Um – numa condi-ção religiosa do Outro não castrado –, em oposição a sua neurótica castra-ção imaginária.

Freud comenta que os mitos gregos homéricos não passam de frag-mentos de lendas gregas, que sobreviveram de uma brilhante pré-civilização– minóico-miceniana –, que desapareceu antes de 1250 a.C.. Penso, então,que posso usar de liberdade para citar o mito de Édipo, mostrando aequivocidade que ele apresenta desde a figura da Esfinge, isto é, de doissemi-corpos, como o semi-dizer, quanto lançando a pergunta que inclui tam-bém uma tripartição: – O que é o homem? quem sabe o que ele é?. Interro-gação que também se encontra implícita nos subterrâneos de O HomemMoisés..., romance-estudo da estrutura do sujeito, e pelo qual Freud se per-gunta, também, sobre seu lugar de judeu e ateu, trabalho do processo de“homonização” que ele estende a toda humanidade.

Nos caminhos que se encontram entre Freud e o monoteísmo, pode-mos asseverar que somente ele, Freud, criador da psicanálise, a qual sesustenta apenas na palavra e na falta, poderia ter escrito o Homem Moisés.

Page 15: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

28 29C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO TEMÁTICA

Ao falar das dificuldades que encontrou na composição do estudo deMoisés, menciona a mudança fundamental que ocorreu, dando a seguinteexplicação: anteriormente vivia sob a proteção da Igreja católica, que eradominante no governo austríaco, e temia que a publicação do meu trabalhoresultasse numa proibição da publicação. Acrescenta: com a invasão ale-mã, tinha certeza de que seria agora perseguido, não apenas por minha linhade pensamento, mas também por minha “raça”, acompanhado por muitosamigos, abandonei a cidade que desde minha primeira infância, fora meu lardurante setenta e sete anos.

Sobre a ocupação nazista de Viena, a migração forçada para a Ingla-terra, Freud assim se expressa: se a invasão alemã me forçou abandonar omeu lar, mas também me libertou da ansiedade de minha publicação que elapoderia ser viável num lugar onde a psicanálise ainda era tolerada. Acheiirresistível a tentativa de tornar acessível ao mundo o conhecimento que euhavia retido. Aventuro-me agora apresentar ao público a última parte da mi-nha obra (p. 125).

Freud revela, com esta decisão, muita coragem e força para enfrentaro desafio de tornar público as conclusões a que chegara na análise teórica eprática do tema.

Em toda a sua obra é constante o questionamento em relação ao queescreve. Ele mesmo se confessa insatisfeito e preocupado, e faz a seguinteafirmação: Sinto-me incerto do meu próprio trabalho, falta-me a consistênciada unidade. Meu discurso é constantemente atravessado por interrogações,aparece cheio de lacunas, de falhas, de idas e vindas. “A meu senso crítico,este livro, que tem sua origem no homem Moisés, assemelha-se a umadançarina a equilibrar-se na ponta de um dedo do pé...”.

Religião Monoteísta. O estilo de Freud (1938) é espontâneo. O méto-do que emprega convida o leitor a acompanhá-lo no seu próprio caminhar.

O leitor segue o autor e no próprio percurso constatam suas desco-bertas e suas contradições, suas idas e vindas. Segue o caminho ao longodo qual o próprio investigador já viajou anteriormente (é o método que poderiase chamar genético) (Freud, 1938).

No segundo ensaio assume a hipótese da negação do mito: Se Moisésfosse egípcio... Afirma ser um enigma difícil de decifrar. Queixa-se da falta deprovas objetivas para sustentar a reconstrução histórica do assunto. Ele retornaa questão do monoteísmo, a tradição judaica, a circuncisão, o assassinatode Moisés...

O livro “O homem Moisés e a religião monoteísta” se destaca pelacriatividade que Freud se dedica ao tema. Há um certo fascínio no conteúdoe nos argumentos que o autor apresenta. Escrito em sua forma definitivaquando Freud já tinha passado os oitenta anos, o livro constitui um últimoesforço criador (Jones, 1976).

A apresentação excepcional que foi escrita explica a forma irregulardo livro. Freud inicia o primeiro prefácio dizendo: – “Com a audácia daqueleque tem pouco ou nada a perder, proponho-me a acrescentar a parte finalque retive sobre Moisés. É uma investida arriscada, não é uma tarefa sim-ples”. Ele não nega a existência de lacunas e incertezas.

Quando ele retoma a continuação do livro, já na Inglaterra, escreve:Aqui me sinto bem; agora o peso foi tirado de mim e mais uma vez possofalar e escrever – quase disse “e pensar” – como quero ou como devo.

O livro surpreende pelo modo que foi composto e pela excentricidadede suas conclusões. São três partes escritas em períodos diferentes e vári-as vezes revisadas. São dois prefácios situados no começo da terceira partee um terceiro localizado na metade desta última. Há inúmeras repetições eredundâncias entre elas e também no interior de cada uma. Não era a manei-ra habitual de Freud escrever. Ele mesmo critica esta forma de expor seutrabalho e se desculpa mais de uma vez.

Freud não tinha dúvida sobre o perigo que corria sua obra. Já no pri-meiro prefácio escreve: “... minhas forças não seriam suficientes para isso...”.Refere-se, não só ao debilitamento dos poderes criativos, mas também asenormes dificuldades externas que viveu na fase final: os distúrbios políticosna Áustria, a ocupação nazista de Viena, a migração forçada para a Inglater-ra e também a saúde, devido ao câncer. Constantemente preocupado comos acontecimentos violentos que se sucediam, mostrava-se cauteloso e re-ceoso com a publicação do livro.

CALLEGARI, A. I. O homem Moisés e a religião monoteísta.

Page 16: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

30 31C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO TEMÁTICA

O DESEJO PATERNO1

Alfredo Jerusalinsky A meu pai

Amodo de introdução, vamos citar Lacan. No seminário XXV, “Momen-to de Concluir”, ele diz: “A psicanálise não consiste em que a gentese sinta liberado de nossos sintomas de modo algum. A psicanálise

consiste em que a gente saiba em quê está enredado.”Vamos tentar desenodar, se isso for possível, pelo menos provisoria-

mente, vamos tentar desenredar uma parte dessa meada na qual estamosenredados.

Digo, provisoriamente, porque nessa hora de trabalho que temos pelafrente, se conseguíssemos – não sei se vamos conseguir – mas se conse-guíssemos desenredar algo da rede na qual estamos tomados, certamentebastaria sairmos daqui – não digo atravessar a porta da sala, mas, quemsabe, já atravessando a porta daqui debaixo, certamente estaríamos enreda-dos de novo. O que de alguma maneira, me deixa tranqüilo para falar, porquehá uma certa garantia de que todos nós vamos sair daqui tal como entramos.

Não é porque a palavra não tenha seu efeito. Se não tivesse, nãoestaria aqui falando. Mas qual o efeito que ela poderia vir a ter naquilo quepreserva nossa consistência imaginária?

Dito de outro modo, que, ao sairmos daqui, embora os efeitos dapalavra, cada um de nós continuará a se sentir si mesmo. Que cada um sesinta “si mesmo”, sabemos não é mais do que um engano. Porque não hánada mais alheio que o “si-mesmo”. Até porque para ser “mesmo”, esse “si”,ele precisa se repetir. Dito de outro modo, tem que se advertir de que seusegundo aparecimento não é o primeiro. Ou seja, que, como mínimo, há,nesse aparecimento uma diferença cardinal. Isto é, do segundo para o pri-meiro. Senão não tem “mesmo”. Isto quer dizer que, evidentemente não há

Neste, escreveu o que é sua própria caminhada; o autor busca desco-brir aquilo que pensa e faz do leitor um acompanhante do seu andar e de suaaventura.

E, por que não acompanhar este longo caminho percorrido por Freud?No percurso desta leitura, nos deparamos com a nossa cultura, tradição,ritos, mitos, lendas, esperanças, ilusões, sonhos, decepções, e no maisíntimo de nós mesmos seguimos como se fizesse para ele nossa história!...

O livro “O homem Moisés e a religião monoteísta”, o último a ser pu-blicado, poderia ser tomado como a última mensagem de Freud, “o canto docisne”. Ele pagou um preço muito alto pelo conteúdo dessa sabedoria quelhe custou muito esforço, preocupação, sofrimento e conflito.

O conteúdo nos dá inúmeros caminhos para estudo de temas de psi-canálise.

Tomamos, por exemplo, a figura de Moisés, o grande homem idealiza-do, que impôs uma renúncia pulsional sob a pressão da autoridade. É o paisimbolicamente necessário como agente de castração. A função paternanão é a simples repetição de um fato anterior, mas é algo que se impõe (o paideve ser morto) como uma fantasia organizadora do sujeito e da cultura.

BIBLIOGRAFIAFREUD, S. Moisés e o monoteísmo (1939). In: _____. Edição Standard Brasileira

das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro : Imago,1969. v. 23.

_____. Algumas lições elementares de psicanálise (1940 [1938]). In: _____.Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de SigmundFreud. Rio de Janeiro : Imago, 1969. v. 23.

JONES, E. A vida e a obra de Sigmund Freud. Buenos Aires : Hormé, 1976. v. 3.p. 381.

JERUSALINSKY, A. O desejo paterno.

1 Este trabalho foi apresentado na Jornada da APPOA - Função paterna e o sintoma, em maiode 1993; e publicado, originalmente e com os debates que sucederam à sua apresentação,na Revista AM(a)RElinhaS, n. 1, ago./set. 1994, Biblioteca Freudiana de Curitiba, p. 9-24.

Page 17: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

32 33C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO TEMÁTICA JERUSALINSKY, A. O desejo paterno.

um sem outro, já que, esse um para ser “mesmo”, para que esse “si” do umseja “mesmo”, ele precisa de uma repetição. Bem, que cada um se tranqüi-lize ao sair daqui, comprovando que, apesar dos esforços dos analistas queaqui falaram, continuam sendo “si-mesmo” não deixa de constituir uma cer-ta tranqüilidade imaginária. Precisamente o fato dessa tranqüilidade ser ima-ginária é o que entusiasma para falar.

Isto é, sabemos que, muito além dessa consistência imaginária, apalavra se aninha num percurso que causa efeitos bem além desta tranqüili-dade, desta calmaria ilusória da repetição do “si mesmo”. A dizer verdade,quando sairmos daqui, não seremos os mesmos, embora imaginemos quesim.

Mas é disto precisamente que eu quero falar, porque... o quanto queum sujeito suporta? O quê que um sujeito suporta em termos de transforma-ção? Evidentemente, ele não pode suportar nenhuma transformação que possachegar além dos limites do seu reconhecimento. De seu auto-reconheci-mento, isto é, ele não poderia suportar aquilo que lhe provocasse umestranhamento. É por isso que, embora a palavra incessantemente repercu-ta, golpeie de um modo forte em cada um, é por isso mesmo que o sujeitonão pode senão novamente buscar o ponto de consistência imaginária aon-de possa manter esse auto-reconhecimento.

Mas a questão do reconhecimento e do estranhamento que, como éfácil de perceber, está intrinsecamente ligada com a questão especular –isto é, com o fato de se enxergar em algum lugar, em alguém, em algumacoisa – não precisa, evidentemente, do aparelho de vidro, mas de se enxer-gar em algum traço e se reencontrar ali. É fácil de perceber, então, dizíamosque, a função de reconhecimento e do estranhamento tem uma intrínsecaligação com o especular.

É interessante lembrarmos aqui, também, que o que permite o reco-nhecimento no espelho não é a mera analogia do traço, mas uma separaçãoentre a imagem do espelho e a posição do um, já que a imagem do espelhorepresenta o Outro. É esta separação entre a imagem do espelho, que não émais do que o que o Outro enxerga em nós – por isso a imagem do espelhoé o outro e não nós mesmos –, e o fato de nós olharmos, no espelho, paraaquele traço que nos olhos do Outro vai significar nosso reconhecimento. É

isso que faz com que o traço imaginário no espelho, ele se torne secundari-amente analógico. Dito de outro modo, esse traço do espelho somente temuma possibilidade comparativa através do olho do Outro. É o Outro que nosinforma que esse traço o faz dizer nosso nome. A esse traço é aplicávelnosso nome, em função do que o olho do Outro vê ali. E nós não podemossenão sermos capturados por aquele traço que faz com que esse Outro diganosso nome. Como vêem, não há nada mais alheio do que o si mesmo; jáque esse si mesmo que se repete no espelho somente é advertido comorepetição, como duplicação analógica, através do olho do Outro. Entenda-sebem: se não é análogo, não é nós mesmos, mas outro que nos representa.

Interessa assinalar isto aqui porque acabamos de ver que o sujeitonão suporta além dos limites de seu auto-reconhecimento. Quero dizer queele é incessantemente reenviado, pela sua angústia, a encontrar o traço que,no olhar do Outro, lhe permita reencontrar seu próprio nome. Dito de outromodo, nos dedicamos a produzir e reproduzir incessantemente os traçosimaginários que permitam ao Outro nos reconhecer. Porque é nesse reco-nhecimento que podemos nos especularizar, isto é, manter a tranqüilidadede que somos os mesmos. Embora saibamos que não somos, isto é, ape-sar de sabermos que passo a passo não somos já os mesmos, vamos pro-duzir e reproduzir incessantemente os traços imaginários que conduzam oolhar do Outro a testemunhar que somos os mesmos.

Bem, somos então reenviados a buscar uma consistência imaginária.Quer dizer, somos reenviados incessantemente por esta impossibilidade denos reconhecermos a não ser através do Outro; somos reenviados, então,por esse ato de separação entre Um e o Outro, somos reenviados a tentarnos juntarmos com Outro penetrando no seu olhar, ou no seu dizer. Querdizer, vamos buscar no olhar do Outro e nas palavras do Outro o cantinhoque está reservado para nós; e, se não houver, vamos tentar conduzir o traçoe o fazermos. É por isso que a gente se arruma, se penteia – os que podem– enfim, outros apelamos a outras coisas. O Outro do qual estamos falandoevidentemente é o Outro maiúsculo, é o Grande Outro. É o Grande Outrosimplesmente porque não se trata de qualquer semelhante. Se trata daquelainstância desde a qual a marcação de um traço em nós tem uma forçaparticular, isto é, tem uma capacidade de posicionar nossa condição subje-

Page 18: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

34 35C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO TEMÁTICA JERUSALINSKY, A. O desejo paterno.

tiva. Não é o outro qualquer; está marcado por isso com maiúsculo, pelacapacidade que tem de instância, de nos referir, ou seja, de ser nossa refe-rência. Bem, sabemos que este Outro, o grande Outro não é alguém emparticular. Isto é, os olhares e palavras, os textos e discursos nos quais nóspodemos encontrar traços diversos que nos dizem respeito podem estarespalhados pelo mundo todo. Aliás, tudo está distribuído de tal modo, que,eu diria, ao acaso. Não sabemos exatamente em que momento vamos nosencontrar com algo que nos diga respeito desde a posição desse grandeOutro. Mas, incessantemente, nos encontramos com isso, não temos outroremédio senão que estarmos referidos a esse olhar; estamos buscando-opor todos os lados e, certamente, quem busca, encontra.

Acontece que esse encontro com esse grande Outro não é inofensivo.Este encontro com o grande Outro, ele é inquietante.

No mínimo inquietante. Isto é, ali onde encontramos o traço que nosdiz respeito imediatamente um alarme surge. Uma inquietação surge, umaagitação, porque somos incessantemente, imediatamente, convocados a vira nos manter nesse ponto aonde encontramos uma referência no grandeOutro que nos diz respeito. E gostaríamos imensamente que, nesse mo-mento, isso que ali representa o grande Outro, abra sua boca e nos diga: Teamo. Isto é, que aparecesse uma boca ali, que pudesse falar e testemu-nhasse que este encontro com esse grande Outro ele se realiza no campoidílico. Porque, evidentemente, não é o único modo em que se pode realizareste encontro.

Este encontro com o grande Outro não se realiza, não é única possi-bilidade que ele se realize no campo idílico, no campo do amor. Evidente-mente que ele pode ficar muito duro conosco. Muito duro até o ponto denegar-nos seu olhar; de negar-nos seu olhar de um modo inquietante. Oencontro que acabo de ter com o tempo agora, muito apesar da Neuza,evidentemente não é tão tranqüilo. Mas, então? Então, quero fazer aindauma observação antes de passarmos ao ponto mais central de nosso traba-lho de hoje: de que nós bem sabemos que este Grande Outro está intrinse-camente ligado a função paterna. Precisamente o fato de estar intrinseca-mente ligado a função paterna é o que faz com que ele tenha, essa instânciatenha, esse poder particular e uma força particular de nos outorgar uma

referência, seja ela simpática ou não, mas uma referência. Essa função pa-terna que ali se cumpre, se desenvolve, se faz presente, através da instânciado Grande Outro, ela está, como acabamos de ver, intrinsecamente ligada auma operação lógica de separação, ou seja, não há Um sem Outro. E, en-tão, este Um que ali nasce como obra desta separação imediatamente pas-sa a buscar a reunião com este Outro, a re-união com este Outro, ou seja aseparação o angústia porque provoca este estranhamento que o leva a irbuscar este traço de reconhecimento no olhar deste Outro. Isto é, uma ope-ração lógica que conduz inevitavelmente o sujeito, nesta posição de Um, ase dividir na busca do Outro.

Ou seja, o sujeito se instala neste Um, vai buscar o Outro, ali se dividee tenta de novo a junção. É nesta junção, que somente pode ser imaginária,nesta re-unificação, que ele encontra uma certa consistência, esta consis-tência de si-mesmo. “Ah! não sou outro, sou eu. Saí daqui marcado pelapalavra, mas ali ainda sou o mesmo.”

Isso o sujeito vai fazendo numa espécie de espiral, de circulo inacabado.É por isso que topologicamente, Lacan inclusive a marca deste modo, comoum movimento incessante que tem uma forma topológica particular – queagora não vamos ver, mas... – que conduz a uma reincidência da operaçãológica de separação e re-união. Digo re-união, porque este Um, que aquitoma existência nesta separação, e somente toma existência na separação,ele se angustia com isso e então vai buscar a sua consistência imaginária.

Mas precisamente todo este conceito de Grande Outro, que Lacanintroduz, nos evita a referência imaginária ao Pai e à Mãe. Contardo noslembrava isto nestes dias. Que, digamos, este Grande Outro não é nem pai,nem mãe – ele está na ordem da função paterna, mas o personagem quevem a cumprir esta função pode estar distribuído de um modo diverso.

Pareceria então que os personagens não tem demasiada importân-cia. Bem isso não é assim. Os personagens são decisivos, ou seja, o terre-no do imaginário não é banal. Eu diria que um dos problemas com que comque tropeçamos na psicanálise, hoje em dia, é o fato de que tanto nos de-senvolvimentos kleinianos como os desenvolvimentos lacanianos, o desejodo qual se fala é o desejo materno. Em nenhum dos dois desenvolvimentosse fala do desejo do pai. Não estou falando da função paterna; estou falando

Page 19: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

36 37C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO TEMÁTICA JERUSALINSKY, A. O desejo paterno.

do desejo do pai, isto é, como se a função imaginária não tivesse nada a vercom o pai. Como se a função imaginária não transitasse em sua constitui-ção subjetiva pelo lado paterno. Não enquanto função, mas enquanto perso-nagem. Por que estamos falando do imaginário. Lacan diz que o sujeito seconstitui no barramento do desejo da mãe e na versão significante que afunção paterna introduz, no espaço vazio que este barramento deixa. Dito deoutro modo, no espaço vazio que ocorre, que aparece na separação entre ofilho e a mãe, nesse espaço vazio um significante tem que responder. Essesignificante provem da função paterna. (Estamos resumindo). E estesignificante que responde ali, nesse espaço, nesse intervalo que se abre, éna medida em que ele seja capaz de representar ao sujeito, é nessa medidaque ele é sintoma, isto é, um significante em função imaginária. Como dizLacan, em seu seminário “O avesso da Psicanálise”, o sintoma poderia teroutro nome e esse nome é “signo”. Ou seja, um significante em função ima-ginária. Muito bem, se se trata do barramento do desejo da mãe aquilo queconstitui o sujeito, deveríamos nos interrogar como está estruturado o dese-jo materno para sabermos o quê que ali vem a ser barrado. O desejo mater-no, partindo de Freud, tem a ver com a feminilidade. E sabemos muito bemque a feminilidade consiste em ter que suportar que o objeto que falta àmulher tem de vir do outro. Dito de outro modo, que a mulher seria obrigadaa suportar que a versão do objeto que lhe falta, a versão que ela terá quecarregar nas suas costas, no seu corpo (às vezes não é de costas, às vezesé de frente), venha do outro.

Mas é no seu corpo que terá que carregar essa versão imaginária quelhe falta. É por isso que as mulheres se arrumam muito mais que os ho-mens. Evidentemente porque suportam o olhar do outro de um modo tal queas implica fantasmaticamente. Isto é, as implica de raiz, é a condição – oolhar do Outro – de que elas possam vir a ver – a ter – o objeto que lhes falta.Dito de outro modo, a mulher depende do desejo do outro. Mas não do Gran-de Outro, e essa é sua desgraça; senão do outro qualquer. Isto é, qualquerolhar para a mulher a situa a respeito dessa falta de objeto e em seguida elaterá que responder tentando averiguar o que o outro deseja para oferecer aele. É por isso que Lacan dizia que a mulher é alguém que faz de tudo comnada.

Então temos que o desejo da mulher se ordena em função do desejodo outro qualquer. É por isso que as mulheres são o diabo. Dito de um modomais grosso, são todas putas. Isto é, sem insultar ninguém, elas estão dis-poníveis para o olhar do outro... qualquer. É verdade: quando perguntamospara uma histérica para quem esta se arrumando, ela diz “não sei”, e éverdade: pra todo mundo, para quem quiser.

Então, o que é ser mãe? Ser mãe... é curioso. Eu aqui abro um parên-tese, porque o acesso à maternidade introduz a mulher no campo da pureza.É paradoxal, porque na verdade sua gravidez é testemunha de que ela pe-cou. Mas esse pecado a transforma em pura. Isto é, ela se situa a respeitodo outro numa posição particular. Agora já não é qualquer um: é desse. Édesse que lhe veio o objeto de seu fantasma. Quer dizer, por outro lado, queuma mulher qualquer peque é possível, mas o que faz escândalo é o pecadoda mãe, ou seja, o que faz escândalo é que uma mãe de novo entre emrelação sexual. Aliás, esta é a estrutura do Édipo, não é verdade? Isto é,“como é que a minha mãe transa? Que horror! Uma vez que ela tinha entradono retiro santificado da pureza, ela reincide!”.

Desde então, o que é ser mãe? Ser mãe é desejar ser desejada poroutro qualquer para haver o objeto que ali falta. É por isso que Freud diziaque feminilidade na menina se realiza, ou seja, adquire um certo coroamento,uma certa coroação quando a menina brinca com a boneca. Isto é, quandose encena a fantasia de receber de outro qualquer um filho. Mas o modocomo a menina imaginariza ter um filho não pode ser sob a forma de umoutro qualquer. Dito de outro modo, se a histeria tenta universalizar o olhar dooutro através da moda, por exemplo, de traços escolhidos como supostagarantia de ser olhada pelo outro, evidentemente a menina, a pequena meni-na, não pode apelar a essa universalização. Dito de outro modo, que a histé-rica tenha fantasias de que há um outro do Outro, a menina não chega tãolonge com seu espírito. Ela tem que dar uma versão a esse objeto. Tem quedar uma versão a este objeto e tem que buscá-la no olhar paterno.

Dito de outro modo, não tem outra alternativa a não ser ir buscar suaconsistência imaginária no outro personagem que não representa ainda asua separação. Dito do outro modo, ela acaba de se separar do corpo mater-

Page 20: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

38 39C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO TEMÁTICA JERUSALINSKY, A. O desejo paterno.

no e se instalar no lugar do Um, que vai buscar no olhar do Outro algo que areconheça.

É ali que seu destino se bifurca. Será que vai ser sintoma no olhar damãe ou no olhar do pai? Para que ela possa buscá-lo no olhar do pai, o paitem que ser desejante. Isto é, tem que se mostrar obsceno. A obscenidadedo pai é essencial para a constituição do sintoma feminino. Numa posiçãotal que o desejo da menina – o desejo feminino – escape a uma identificaçãoabsoluta com o fantasma materno. O pai, então, como personagem é essen-cial. É essencial porque é ele que dá ao sujeito uma verão imaginária capazde lhe proporcionar consistência, ou seja, de lhe permitir um SINTHOMA, ouseja, um sintoma na sua estrutura.

É por isto que Lacan diz que o pai não é mais do que um sintoma. Odiz no “Seminário do Sintoma”, precisamente. O pai não é mais do que umsintoma, quer dizer, é um olhar desejante que outorga ao objeto que faltauma versão imaginária determinada, sem a qual o sujeito não tem outrapossibilidade a não ser o retorno à re-unificação com o corpo materno. Con-fesso-lhes que o que me fez pensar essa questão não foi de modo algum aproposta teórica de Lacan no Seminário do Sintoma. O que me fez pensarisso foi um caso clínico.

Um caso clínico do qual não teria conseguido, seguramente, extrairas suas conseqüência se não tivesse lido o Seminário do Sintoma, de Lacan.Este caso clínico é de um menino de três anos e dez meses, que não vourelatar em extensão, mas vou tomar um pequeno fragmento. Um meninocom uma psicose não decidida, isto é, que está a beira da psicose, à beirada forclusão, e que é filho de sua mãe, obviamente, que foi fecundada poresperma extraído do banco do esperma. E quando chegam na primeira en-trevista, os pais se olham entre eles e se dizem entre eles: “bom vamos terque dizer a verdade, não é?” – isto conversando entre eles: “Sim aqui temque dizer a verdade...” “Bom, pois é. Então fala tu”. “Não fala tu.” “Bom, tá,então eu vou falar.” O pai por último. Ele diz: “Ele não é meu filho”. Esta é aapresentação deste menino. Diante do qual a mãe leva um susto e diz:“Como não?”. “Bom acontece que ele é filho de um banco de esperma.”

E o que me determinou a pensar sobre o desejo paterno é que o paicontinua e diz, para mim: “imagine como me sinto”. Esta demanda de que eu

imagine como ele se sente mostra a posição, estritamente, do sintoma, oponto onde o imaginário se une com o real – que essa é a posição do sinto-ma. Onde o imaginário se une com o Real – “Imagine como me sinto” – é oque testemunha da impossibilidade de desejar esse filho, a esse objetomaterno. É por isso que ela se surpreende e diz “Como não é teu filho?”.Então é como se dissesse: Que objeto tenho eu aqui?

Bem, para concluir, vocês sabem que Lacan toma, no “Seminário doSintoma”, James Joyce para ilustrar, particularmente na obra Ulysses, aposição do sintoma. Todo mundo deve saber que a vida de Joyce não foinada fácil, que ele viveu em condições de pobreza, de miséria, de degrada-ção social na sua infância e juventude. Condições terríveis. E cujo pai nãopodia ser investido de dignidade pelo seu alcoolismo, pela sua derrota soci-al. Joyce coloca na boca de Stephen – personagem central a obra de Ulysses– parlamentos que podem ser atribuídos a ele, Joyce, praticamente comoautobiográficos. Não porque contenham um relato histórico de sua vida, masporque Stephan fala – como um alto-falante – somente das coisas que di-zem respeito a Joyce mesmo. E o que forçou provavelmente James Joyce afazer seu sintoma no campo da literatura, isto é, a ter que escrever de novoo nome de seu pai na sua existência, é possivelmente o fato de ele não terencontrado no olhar de seu pai o desejo que lhe permitisse dar a seu sinto-ma uma versão imaginária que lhe tornasse possível transitar tranqüilamentepela vida. Assim, Joyce teve que se agarrar à escritura, ou seja, se viu nanecessidade de instalar uma letra que pudesse cortar o real, isto é, quepudesse fazer ali um Outro do qual ele obtivesse um olhar. Um olhar vindo doleitor ao qual ele convoca a compreendê-lo – função imaginária, como estepai que dizia “Imagine como me sinto” – a compreendê-lo numa língua quenão é a língua de todos, mas que é uma língua ad hoc fabricada por JamesJoyce. E convocar o leitor para que o compreenda na sua posição de nãopoder falar a língua de todos, porque o significante paterno não fez versão dopaterno no desejo do pai. Talvez seja por isso que James Joyce termina oUlysses com uma frase, na boca de Stephen, que diz: “old father, old artificer,stand me now and ever in good stead”. “Velho pai, velho artista. Mantenha-me agora e sempre junto a seu bom calor”.

Page 21: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

40 41C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO TEMÁTICA

obras de arte” (p. 255). Outra, porque ele fez referência anteriormente a Hamlet,“Obra-prima de Shakespeare”.

É interessante que, nesta passagem, ele se refere à análise feita pelapsicanálise, que diz ter acompanhado de perto, reportando-se a “Interpreta-ção dos Sonhos”. Realmente, acompanhou de muito perto, porque foi elepróprio quem se utilizou dessa tragédia para ilustrar o tema edipiano. E acres-centa que, só depois da interpretação psicanalítica, seu efeito foi explicado.

Esta ilustração justifica seu empenho pela interpretação de Moisés:“O Moisés de Michelangelo é representado sentado; o corpo volta-se parafrente, a cabeça com a pujante barba olha para a esquerda, o pé direitorepousa sobre o solo e a perna esquerda acha-se levantada de maneira queapenas os artelhos tocam o chão. O braço direito une as tábuas da lei e umaparte da barba e o esquerdo repousa sobre colo” (p. 256).

Assim, Freud faz a apresentação da sua observação da obra.A partir daí, vai analisando as várias descrições que recolheu.Salienta que não há concordância entre os críticos em suas descri-

ções, por isso não se surpreendeu com a divergência de opiniões quanto aosignificado de diversas características da estátua.

Refere as palavras de um crítico de arte que diz em 1912: “Nenhumaobra de arte no mundo foi julgada de modo tão diverso quanto o Moisés coma cabeça de Pan. A simples interpretação da figura deu origem a pontos devista completamente opostos” (p. 255).

Destaca a descrição de um outro autor, que acha a mais correta, arespeito da expressão facial de Moisés: “Ira em suas sobrancelhas ameaça-doramente contraídas, dor no olhar e desprezo no lábio inferior saliente e noscantos da boca, voltados para baixo” (p. 257).

Critica algumas análises, com as quais não concorda, e outros auto-res que foram indiferentes à obra ou, ainda, que acharam grotesca a figura.

Na sua busca por descobrir qual o momento da vida de Moisés queMichelangelo quis retratar, conclui que: “Foi à descida do Monte Sinai, ondeMoisés recebera de Deus as Tábuas, o momento em que percebe que opovo havia naquele meio-tempo feito para si um Bezerro de Ouro e estavadançando em torno dele e rejubilando-se” (p. 258).

Freud levanta a hipótese de que este é um momento de hesitação, de

O MOISÉS DE MICHELANGELO OU O MOISÉS DE FREUD

Maria Elisabeth da Silva Tubino

Freud, no artigo “O Moisés de Michelangelo”¹, declara seu grande inte- resse pelas artes, em especial a literatura e a escultura e com menor intensidade a pintura.

Um ponto que chama a atenção é que Freud, tendo feito esta declara-ção de seu interesse pessoal, publicou este artigo anonimamente. O artigojá estava planejado em 1912, tendo sido escrito em 1913 e publicado em1914, pela Imago. Porém, só em 1924 a autoria foi descoberta.

Freud fez sua primeira visita a Roma em 1901 e no quarto dia foiconhecer a estátua de Moisés, na Igreja de San Pietro in Vincoli, uma cria-ção de Michelangelo. Ficou muito impressionado com a obra e retornou muitasoutras vezes para analisá-la nos mínimos detalhes2.

Acredito que, neste grande espaço de tempo entre a primeira visita ea publicação do artigo, Freud dedicou-se a pesquisar vários autores que játivessem escrito a respeito de Moisés de Michelangelo. E não foram poucos,ele evoca vários nomes, mais de quinze, com as respectivas citações detrechos de suas análises.

Em sua pesquisa, Freud tenta entender porque um artista escolheexpressar-se através da escultura, e não através das palavras e qual suaintenção ao executar determinada obra. E ainda busca fazer uma interpreta-ção para também compreender porque esta obra, em especial, o afetou tãofortemente.

Freud faz descrições da postura, da expressão facial e até mesmotenta supor o momento histórico que Michelangelo quis retratar.

Refere-se a Moisés como “outra dessas inescrutáveis e maravilhosas

TUBINO, M. E. da S. O Moisés de Michelangelo ou ...

1 FREUD, Sigmund. O Moisés de Michelangelo. In: _____. Edição Standard Brasileira dasObras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro : Imago, 1969. v. 13.2 Cabe destacar que, no início do volume, encontra-se uma ilustração da estátua de Moisésde Michelangelo e, no artigo, ela está em detalhe. E também lá estão os três desenhosencomendados por Freud. Chama a atenção é não ser comum Freud utilizar ilustrações emseus textos.

Page 22: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

42 43C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO TEMÁTICA

Freud passa, então, a concordar com a posição do escritor que acre-dita que Michelangelo quis representar “um certo tipo de caráter”, indepen-dente do relato histórico.

O seu interesse também se volta para a análise de dois pontos quenão foram corretamente descritos ou sequer trabalhados.

Refere-se a posição da mão direita que está em contato com a barbae, simultaneamente, sustenta as Tábuas que estão em uma posição quepode sugerir pouca atenção com estes objetos sagrados.

Para fazer uma análise minuciosa destas questões, volta a se utilizarda hipótese do Bezerro de Ouro. Faz a suposição de que um possível movi-mento súbito de Moisés levou sua mão direita, em especial o dedo indicador,a pressionar parte da barba, indicando que houve uma seqüência de gestosque determinaram essa reprodução da mão em contato com a barba emdecorrência do deslizar das Tábuas.

Chegou a encomendar a um artista três desenhos, para explicar a suahipótese de que a posição representada na estátua é a quarta etapa de umaseqüência de movimentos. Inicialmente, Moisés estaria sentado, com o cor-po e a cabeça voltados para frente, sua mão direita estaria segurando astábuas, perpendicularmente, sob o braço direito. No lado inferior das Tábuas,destaca-se uma saliência na parte dianteira, que é um elemento (como umchifre) indicativo do verdadeiro lado superior das tábuas, com referência aescrita. Este apoio da mão na saliência, indicativa da parte superior dastábuas, explica a posição invertida destas, a facilidade de carregá-las.

Freud abandona a sua interpretação de que a estátua de Moisés retra-tava sua perturbação ao assistir o espetáculo de seu povo a dançar e aadorar um ídolo. Conclui que estava errado em esperar que num momentoseguinte se levantaria, quebrando as tábuas para realizar sua vingança e diz:“O que vemos diante de nós não é o início de uma ação violenta, mas osrestos de um movimento já efetuado. Em seu primeiro transporte de fúria,Moisés desejou agir, levantar-se, vingar-se e esquecer as Tábuas; mas do-minou a atenção e permanecerá sentado e quieto, com sua ira congelada eseu sofrimento mesclado de desprezo. Tampouco atira as Tábuas, de ma-neira a que se quebrem sobre as pedras, pois foi por sua causa especial quemanteve contida sua paixão. (...) Nessa atitude permaneceu imobilizado efoi nela que Michelangelo o retratou como guardião do túmulo” (p. 272).

calma antes da tempestade. No momento seguinte, Moisés se erguerá, poisseu pé esquerdo já está erguido; arremessará as Tábuas por terra e dirigirásua cólera sobre o povo infiel. Portanto, está prestes a levantar-se e agir.

Outro elemento que Freud destaca é “A posição fora do comum”, coma qual Moisés segura as Tábuas na sua mão direita. Parece que estão pres-tes a cair.

Frente à justificativa de alguns autores, de que a atenção de Moisésfoi despertada bruscamente, o que o levou a voltar a cabeça e os olhos paraa esquerda, enquanto o corpo permaneceu voltado para frente, e que a posi-ção pouco comum das Tábuas deve-se à agitação de seu portador e possi-velmente cairão no solo; Freud afirma que as Tábuas estão sendo segurascalma e firmemente pela mão direita, e não estão a ponto de deslizar.

Contrapondo-se à idéia de que Moisés estivesse em movimento, Freudrefere uma das interpretações que encontrou: “essa estátua foi planejadacomo uma entre seis e a intenção era fazê-la sentada. Ambos os fatos con-tradizem o ponto de vista de que Michelangelo pretendia registrar um mo-mento histórico particular, porque, com referência à primeira consideração, oplano de representar uma fileira de figuras sentadas como tipos de sereshumanos – como a vita activa e a vita contemplativa – excluía a representa-ção de um episódio histórico determinado e, em relação à segunda, a repre-sentação de uma postura sentada – postura necessária à concepção artísti-ca de todo o momento – contradiz a natureza desse episódio, a saber, adescida de Moisés do Monte Sinai para o acampamento” (p. 262).

É a partir dela que Freud passa a admitir que não poderá mais susten-tar a idéia de que Moisés está prestes a levantar-se, mas que está em repou-so, como concebido nas demais estátuas. E, também, que este momentonão é sucedâneo da sua descida do Monte Sinai, não havendo, portanto,motivos para quebrar as Tábuas.

Revela que, muitas vezes, ficou diante da estátua, sentado, esperan-do vê-la levantar-se e atirar as Tábuas ao chão, extravasando sua ira.

E diz: “Nada disso aconteceu. A imagem de pedra torna-se cada vezmais imobilizada, uma calma quase opressivamente solene dela emanava eeu era obrigado a compreender que ali estava representado algo que perma-neceria imutável; que aquele Moisés ficaria sentado assim, em sua cólera,para sempre” (p. 263).

TUBINO, M. E. da S. O Moisés de Michelangelo ou ...

Page 23: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

44 45C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO TEMÁTICA

ÀS MARGENS DO “MOISÉS” DE FREUD1

Rodolpho Ruffino

À minha filha Erika

por Freud em torno de uma curiosa hipótese tomada de Sel-lin2. Malgrado a reputação de pouca seriedade deste histori-

ador, ele deve lhe ter parecido digno de algum crédito, pois sua hipótese bemcombinava com algumas de suas convicções pessoais (expostas em seusescritos através das idéias de memória arcaica, herança filogenética de ex-periências historicamente vividas no passado por nossos ascendentes, re-petição da filogênese na ontogênese e, mais particularmente, a sua especí-fica hipótese, capacitada agora a se reeditar, da incorporação da civilidadepela culpabilidade pelo assassinato real de uma autoridade fundadora come-tido pelos ancestrais, desta feita, para explicar a origem de um povo, comopode antes, dela servir-se, para explicar a passagem da natureza à cultura).Sellin, sendo autor da suposição segundo a qual Moisés, o legislador hebreudo pentateuco, teria sido assassinado pelo excessivo zelo religioso de seusobrinho neto Pinchas (da família sacerdotal de Aharon, o irmão de Moisés),daria a Freud, além do mais, a oportunidade de avançar em novas conseqü-ências teóricas, a partir daquelas convicções. É curioso verificarmos o quan-to Freud, somando convicções pessoais pouco compartilhadas entre os seusmais próximos – a exceção de Ferenczi, mas este já havia falecido antesque a publicação completa do “Moisés” de Freud viesse à luz – com a assunçãode uma tese selliniana, nunca por ninguém mais levada a sério, terminou por

“‘Moisés’-de-Freud” é o nome de uma construção apresentada

RUFFINO, R. Às margens do “Moisés” de Freud.

1 Aqui se apresenta, em primeira mão, um resumo da pesquisa em andamento do autor. Umaversão ampliada e documentada da mesma, ele fará publicar em breve.2 E. SELLIN, E. Mose und seine Bedeutung für die israelitisch-jüdische Religionsgeschichte.Leipzig :s/ed., 1922.

Freud chama ainda atenção para o braço esquerdo cuja mão repousano colo e segura a extremidade da barba com tranqüilidade.

Outra conclusão a que chega é que este não é o Moisés da lenda e datradição. Aquele “tinha um temperamento impetuoso e era sujeito a crisesde paixão.” (p. 275) Lembra o episódio em que matou um egípcio que estavamaltratando um israelita e, por isso, teve que fugir do país para o deserto e,ainda, em outra explosão semelhante quebrou as Tábuas da Lei, escritaspor Deus. “(...) Michelangelo colocou um Moisés diferente na tumba do Papa,um Moisés superior ao histórico ou tradicional. (...) Dessa maneira, acres-centou algo de novo e mais humano à figura de Moisés; de modo que aestrutura gigantesca, com sua tremenda força física, torna-se apenas umaexpressão concreta da mais alta realização mental que é possível a umhomem, ou seja, combater com êxito uma paixão interior pelo amor de umacausa a que se devotou” (p. 275).

Freud acredita que a escolha de Moisés pelo escultor pode ser atribu-ída a seu relacionamento com o Papa Júlio II, que tinha um temperamentoviolento e não costumava pensar nos outros em suas decisões; tendo, porisso, atingido ao próprio Michelangelo. E também porque ambos tinham pro-jetos grandiosos. “Assim, esculpiu seu Moisés na tumba do Papa, não semuma censura ao pontífice morto, mas também como uma advertência a sipróprio, elevando-se, pois, através da autocrítica, a um nível superior à suaprópria natureza” (p. 276).

Não resta dúvida de que Freud dedicou-se a uma análise profunda doMoisés de Michelangelo. Em sua pesquisa, colheu muito material para estetrabalho. O que o levou, penso eu, a refletir a respeito do “homem Moisés”,lendário ou não.

Acredito que, a partir daí, dedicou-se a escrever sua última obra publi-cada, “O homem Moisés e a religião monoteísta”, que continua produzindodiscussões tão controversas quanto à obra do escultor.

Freud encerra seu artigo questionando o seu próprio empenho eminterpretar a intenção do artista, que não sabe se ele pretendeu exteriorizarem sua obra. Por esse motivo utilizei o título.”O Moisés de Michelangelo ouo Moisés de Freud”.

Page 24: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

46 47C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO TEMÁTICA

constitutiva que ela porta para um sujeito?”. Esse x, vê-se, conduz-nos àfunção paterna e à relevância que o estudo do judaísmo veio a ter para nós,mas, para tomarmos essas inquietações em sua origem, faz-se necessário,inicialmente, um deslocamento. Aqui, permaneceremos nesse deslocamen-to. Permaneceremos no inicial. Não mencionaremos explicitamente nem opai, nem o judaísmo e nem Moisés, mas nos comprometemos em explicitaro x que fez daqueles temas pontos de interesse para o campo da psicanálise.

Freud acreditava que uma experiência vivida por gerações anterioresnos seria transmitida filogeneticamente e nos constituiria em nosso funcio-namento. Também acreditava que, por leis físicas ainda não esclarecidas, atelepatia4, a qual não seria um fenômeno psíquico, mas poderia interferir nopsíquico, causava efeitos e merecia ser considerada por alguma ciência,mesmo que esta não precisasse ser a psicanálise. Crente do “lamarckismo”e da telepatia, eis o nosso Freud. Mas como não sê-lo quando, por um lado,a escuta clínica lhe evidenciava que há transmissão, mesmo desprovida deenunciados e inclusive envolvendo distâncias consideráveis e, por outro, seencontrava na ignorância, pelo que pudesse vir do saber constituído, no quese referisse às vias por onde ela poderia se efetuar? Essas crenças, aomenos, estavam no limiar da Weltanschauung científica, eram elas ou aalternativa de supor alguma possessão sobrenatural. Esperaríamos do velhoSigmund que ele seguisse as vias de um Herder5, que desde 1774 pensava aBildung do sujeito como formada pela história e pela linguagem? Mas, sem osaber, ele o fez, só que acrescentando aí o que ele pensava ser o únicosuporte concreto para realizá-la: a concretude do indivíduo6, onde está mate-

RUFFINO, R. Às margens do “Moisés” de Freud.

4 Ver S. Freud: Psicoanálisis y telepatía (1921), só publicado em 1941; Sueño y telepatía(1922); El significado ocultístadel sueño (1925), só liberado da censura dos editores daGesammelte Werke, em 1952; Sueño y ocultísmo, in Nuevas conferencias de introducciónal psicoanálisis (1933[1932]).5 HERDER, J. G. Também uma filosofia da história para a formação da humanidade (1774).Lisboa : Antígona, 1995.6 Freud disse não poder ver no social, em si mesmo, uma concretude como a que nele viamos marxistas. O social adquire sua concretude do que está materializado na concretude dosindivíduos em suas relações e pelo que eles portam, filogeneticamente, do passado. Confir-ma no En torno de una cosmovisión, in Nuevas conferencias de introducción al psicoanálisis(1933[1932]), Buenos Aires : Amorrortu, 1996, p. 146-68.

nos expor, sob o preço de uma deformação infringida à história e de umaatribuição à natureza – o que aqui queremos demonstrar – de um poder queesta, a nosso ver, não possui em si mesma, uma preciosidade no que serefere à eficácia da função paterna e, diríamos, a transindividualidade de seucampo de circulação.

Essa tese de Freud nos remete ao seu “Totem e tabu”3 – onde éafirmada a necessariedade de que, nos primórdios da humanidade, haveriade ter ocorrido realmente, para cada agrupamento, o efetivo assassinato dopai da horda primitiva para que se explicasse a intrusão do que desse contada enigmática passagem, acontecida um dia, da natureza à civilização. Esta,desde 1912, não era pensada por Freud senão como uma resposta à culpa-bilidade pela morte do pai primordial. Deste modo, o assassinato de Moisésexplicaria a constituição particular do povo de Israel, assim como o mitorealístico do assassinato do pai da horda primitiva explicaria a constituiçãoda humanidade. Isto conduz a se pensar que cada povo, cada nação, cadacomunidade de filiação, só teria sua origem freudianamente pensada se selhe encontrasse o sacrifício do pai morto em resposta ao qual o grupo seconstituiu. Mas, antes de assinarmos nossa freudianicidade quanto a esteveredito, saibamos o que compramos com este pacote. “Moisés e o mono-teísmo” e “Totem e tabu” remetem-nos a uma crença dita lamarckiana dohomem Freud, crença esta que era, de fato, a conseqüência de uma inquie-tação freudiana x – o x de nossa questão. Essa inquietação x, sendo impos-sível a Freud de ser resolvida por outra via se não pela sua articulação àsfontes darwinianas – darwinianas, mesmo que todos as suponhem lamar-ckianas – de sua formação, conduziu o pensamento freudiano a considerar otrilhamento que esta via lhe fez parecer pensável como o caminho necessá-rio.

Supomos que o x que, pelas margens, conduz à origem do “Moisés”de Freud se encontra na pergunta que interroga: “o que é uma transmis-são?”, “de onde lhe advém e em quê consiste o elemento da eficácia

3 FREUD, S. Tótem y tabú (1913 [1912-3]). In: _____. Obras Completas. Buenos Aires :Amorrortu, 1996, p. 1-164. v. 13

Page 25: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

48 49C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO TEMÁTICA

dos, Darwin teria “corrigido” tamanha afronta às mais básicas evidênciaspostulando a evolução pela seleção natural. A história foi outra, entretanto.Consultem Lucille B. Ritvo9, na leitura de quem nos instruímos para o que sesegue.

Sim, a tese darwiniana da seleção natural supera a teoria da herançade Lamarck. Mas Darwin não se deu conta disso. Darwin, em seus últimosanos, e outros evolucionistas já vinham opinando, entre si, sem que se lhesocorresse que isso dizia respeito a Lamarck, contra a plausibilidade do quechamavam, abreviadamente, a teoria do uso, mas não se davam conta deque já havia um constructo teórico, formulado pelo próprio Darwin, capaz deultrapassá-la. Quem primeiramente se deu conta, após a morte de Darwin, jáà beira do séc. XX, de que a sua tese da seleção natural era suficiente paradispensar uma teoria da herança filogenética do adquirido ou experienciado,tese que não era de Lamarck, mas a única, agradando ou não, existenteenquanto sistematizada até então, foi August Weismann10 (o mesmo queFreud cita, mas não se referindo a este assunto, quando introduz a pulsãode morte11). Ritvo enumera quantos sábios deixaram documentado, atéWeismann, na história, o seu descontentamento com o dito “lamarckismo”:três! O poeta romano Lucrécio, séc. I a. C., e, no séc. XVIII, Immanuel Kante o naturalista suíço Charles Bonnet. Destes, só o último poderia falar com aautoridade de especialista, mas sua posição era só opinativa, secundáriapara o seu trabalho e não se apoiava em provas evidentes.

Neste sentido, Freud passou por lamarckiano por ter sido um darwinianoinquietado com a eficácia da transmissão dos efeitos e das respostas aexperiências ancestrais não passadas por enunciados educativos e nemdadas a se inscreverem como representação, seja no inconsciente, seja nopré-consciente. Não dispondo de uma teoria do signficante ou do furo do real

RUFFINO, R. Às margens do “Moisés” de Freud.

9 RITVO, L. B. A influência de Darwin sobre Freud. Rio de Janeiro : Imago, 1992.10 WEISMANN, A. The evolution theory (1902[1894]) Trad. com a colab. do autor por J. A.Thomson e M. R. Thomson. London : Edward Arnold Ed., s/d.11 S. Freud refere-se, de Weismann, a Über die Dauer des Lebens (1882), a Über Leben undTod (1884), e a Das Keimplasma (1892), mas não ao na nota acima mencionado, publicadoem 1902, no seu Más alla del princípio de placer (1920). Buenos Aires : Amorrortu, 1996.

rializada uma filogênese “lamarckiana”, isto é, aberta à experiência e àsaquisições da ambiência exógena. Ou então, será que quereríamos o pior?Quereríamos que Freud tivesse engavetado o constatado na clínica, comose este não nos demandasse consideração? Explicá-lo pelas leis da cultura,da história ou da linguagem, convenhamos, para alguém com a formaçãonaturalística que foi a de Freud, era esperar demasiado ou exigir da psicaná-lise um avanço de cinco décadas em sua marcha.

Freud ultrapassou como ninguém o naturalismo de sua formação, mas,cauteloso, só avançava hipóteses fora dele quando, desse fora, lhe adviessemgarantias superiores às daquele, que ele bem conhecia. O excesso de cau-tela, aqui, tornou-o o último dos sábios a professar o “lamarckismo” ou acrença na eficácia da telepatia. Mas também foi o primeiro a ousar confron-tar-se com a transmissibilidade, fazendo “humanidades”, mas armado nãopelas humanidades, e sim pelas ciências naturais7. Hoje não se avançarianessa questão senão pelo que Freud, sem o saber, e pelo que nele escapavaao naturalismo, lá, nas linhas e entrelinhas de sua obra, já nos adiantou.

Ernst Kris, em 1956, numa transmissão da BBC comemorativa aocentenário de nascimento de Freud, observava: “as propensões lamarckianasde Freud eram muito lamentadas por vários de nós”8. Mas Kris não se impor-tava com a constituição da subjetividade. Para ele bastava pensar o homemcomo um organismo que se adapta por ser passível de algum processoidentificatório dos mais elementares entre os assinalados por Freud. E o“lamackismo” freudiano, com toda a conotação de lamentabilidade que essetermo veio a adquirir, é uma atribuição que só a nossa pouca informaçãoautoriza. Desde o nosso “secundário” vem-nos a diferença que teria oposto ogenial Darwin ao obsoleto Lamarck. Como repete a cantilena dos livros didá-ticos, Lamarck teria “afirmado” a herança filogenética de caracteres adquiri-

7 Fazer “humanidades”, armado pelas ciências naturais, foi isto que Freud se viu capaz derealizar quando, passando da medicina à psicanálise, finalmente iria dar cumprimento à suavocação de juventude, tendo agora já percorrido uma formação naturalística, por um desvioa que se viu convocado pela audição, à época do “secundário” da Ode à Natureza, atribuídaa Göthe, em meio a uma palestra sobre a teoria da evolução de Darwin.8 Referência encontrada na p. 47 da obra que mencionaremos na nota seguinte.

Page 26: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

50 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO TEMÁTICA

51C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

ENTREVISTA COM CHARLES MELMAN1

“O COMPLEXO DE ÉDIPO”

Apartir de duas intervenções de Charles Melman a propósito do textode Freud, “O homem Moisés e a religião monoteísta”, uma no seuSeminário do Hospital Sainte-Anne, em 14 de maio de 19982; e outra

em 22 de maio de 1997 no debate promovido pela Revue d’éthique et dethéologie morale3, realizamos a presente entrevista. Segundo Melman, a chavepara decifrar esse incompreensível e derradeiro texto freudiano se encontrano que denomina de “complexo de Moisés”, que assim é caracterizado:

“A radicalidade do ‘romance’ de Freud sobre Moisés é de colocar que,para o eu, o ideal é sempre Outro; a alteridade do ideal nos parece no centrodesta obra, de outro modo incompreensível. Moisés é, sem dúvida, o único ater experimentado que, no encontro supremo no qual o homem espera omodelo que lhe permitirá confortar sua imagem, ele encontra o vazio. Seunome merece, graças ao texto de Freud, definir o complexo: a tentativa de-sesperada do eu de reencontrar um ideal que é Outro, reveladora, no campodo narcisismo, da mesma cesura que aquela que individa o campo objetal. Aconivência do eu com o ideal somente é possível pelo artifício de uma comu-nhão coletiva em que se forja um ancestral comum – em geral a partir deuma língua partilhada – no quadro da forma política que representa hoje ointegrismo nacional ou religioso”.4

Correio – Como podemos, hoje, ler e interpretar “O homem Moisés ea religião monoteísta” de Freud?

Melman – Creio que Freud escreveu este texto pela origem egípciade Moisés e é esse o grande escândalo. A origem egípcia de Moisés é o

1 Entrevista com Charles Melman realizada em 30/01/2000 por Mario Fleig e ConceiçãoBeltrão.2 Cf. La Célibataire, n. 1, 1998, p. 7-9.3 Revue d’éthique et de théologie morale, n. 201, jun. 1997, p. 221-3.4 La Célibataire, n. 1, 1998, p. 8.

ENTREVISTA COM CHARLES MELMAN

12 A filogênese “lamarckiana”, se era equivocada na afirmação das vias da transmissibilidadedo experiencial, ao menos dava a esta concretude e legitmidade. Hoje é mister que essaconcretude e legitimidade lhe sejam devolvidas pela via do que é da ordem da linguagem. Oensino de Lacan deixou-nos os meios, mas não nos apresentou a tarefa como já realizada.Entre os que se referenciam em Lacan, Pierre Legendre muito avançou para sistematizaresta questão. Não foi seguido por muitos lacanianos. Enquanto nos paralizávamos, PierreFédida introduziu a teoria de Legendre aos neo-ferenczianos da escola francesa, interro-gou seus textos à luz de seus próprios pressupostos e, hoje, pensa o elemento datransmissividade entre as bases da psicopatologia fundamental, pela qual cada sujeito seconstitui em sua singularidade. Por estas interrogações, talvez não seja difícil, ao leitor e anós, recolher alguns elementos significantes do texto freudiano e do ensino de Lacan paraarriscarmos algumas idéias em torno da questão: o que há nessa transmissibilidade quenos constitui sob o signo da brasilidade, em meio a plurinacionalidade e por sobre aplurietnicidade que caracteriza nossa coletividade, nesses quinhentos anos, nos quaisgentes oriundas de lugares distantes vivem nesta terra em vizinhança próxima? Semfilogênese comum, que laço faz a língua? Qual a eficácia estrutural presente no imponderávelde um ato de adoção, na ausência da fatalidade da consangüinidade? Seremos filhos depai nenhum, por não termos sacrificado um, como se supõe a partir de uma noçãoeurocêntrica do monárquico pai Um, tomado por muitos que nos são próximos – querquando o louvam, quer quando o depõem – como o único possível? Lacan sabia que, dopai, seus Nomes são plurais e que o pai do real não consiste como corpo.

no simbólico, a filogênese e a telepatia lhe pareciam boas candidatas, provi-das de certa concretude possível, biológica ou física – e bem ao gosto de umnaturalista – para por elas se pensar o que veicularia experiências à distân-cia e produziria efeitos constitutivos da Bildung do indivíduo, dos povos e dahumanidade. O erro de Freud tem seu mérito: o de nos revelar que em psica-nálise, mesmo quando se perseverava na naturalidade da herança“lamarckiana”, o que Freud negava era a determinação do constitucional emúltima instância. Ele preferiu, podemos dizê-lo, ser obsoleto a recusar oestatuto constitutivo da experiência e do que hoje chamamos o laço quearticula o sujeito ao Outro, atrás do muro da linguagem. Por isso, para todosnós, Freud continua mais atual do que o seu sábio e moderno aluno Kris. Oproblema todo se resume apenas no fato de que, à época, não era possívelse reconhecer que a via mesma da transmissibilidade, ela também, é daordem, não da filogênese12, mas da linguagem.

Page 27: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

52 53C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO DEBATES

Freud, porque isso que ele diz nesse livro não é subjetivamente aceitávelpara nós.

Para os gregos e os romanos não era dessa forma. É para nossasubjetividade. Para os gregos e para os romanos o problema era diferente, epara os egípcios certamente também. Mas para nós, é subjetivamente ina-ceitável.

Correio – É a ferida no narcisismo?Melman – Sim, é o obstáculo definitivo colocado à realização do

narcisismo. Quer dizer, de se afirmar como o filho, como a criança, de ser adescendência.

Correio – Podemos pensar que a cena da faca de pedra, na qualocorre a circuncisão, envolvendo o homem Moisés, e que é trabalhada porLacan no Seminário A angústia, constitui o corte no narcisismo?

Melman – Eu não creio. Você evoca a circuncisão, e essa é umaforma de fazer pacto com o Pai. Isso não é de forma nenhuma uma incisãono narcisismo. A circuncisão é um acontecimento de um pacto simbólicoenlaçado com o Pai, ou seja, como se simbolicamente o sexo estivesseremetido ao Pai, submetido a seu serviço.

Correio – Considerando suas formulações, existe uma relação entreo complexo de Moisés e o complexo de Colombo?

Melman – Se há uma relação, é preciso perguntá-la aos que estãoconcernidos, eventualmente, pelos dois complexos, não é? O que é certo éque se observa bem como uma grande parte da história, desde a Bíblia, éocupada pelo cuidado das comunidades em testemunhar que os verdadeirosfilhos não são esses que se crê. E esses caracteres são ilustrados, é o queeu dizia há pouco a respeito do complexo de Moisés, que nos é intolerávelpensar que não somos as crianças amadas pelo Pai. É um problema banale que se vê bem, por exemplo, de maneira mais simples, mais imediata ecom freqüência no problema das mulheres que são levadas a pensar que ofilho é o verdadeiro representante do Pai, isso vai no mesmo sentido. Tudo oque se vê nas mulheres como esforço para justamente mostrar, por exem-plo, no trabalho como virilização, que o verdadeiro filho do Pai não é o meni-no. É uma ilustração fácil e banal para mostrar como o amor do Pai é issoque nos é ainda mais caro do que a relação com o objeto, que o narcisismo

ENTREVISTA COM CHARLES MELMAN

escândalo puramente romanesco, posto que, do ponto de vista histórico,não temos testemunho, exceto que Moisés era um nome egípcio. Por essefato, não temos nenhuma prova histórica da origem egípcia de Moisés. En-tão, se Freud escreveu tal romance, foi talvez para tentar, como eu havia ditonos artigos referidos, dar conta de um fato de estrutura.

Se o Pai tem para nós uma posição Outra, é justo que a religião sejade um modo a fazer de nós e de estabelecer entre nós e ele um laço sagra-do. Ele fica, todavia, irredutivelmente Outro. Isso quer dizer que a dimensãoOutra do Pai é um fato de estrutura. Então, pretender o estabelecimento dadescendência entre esse Pai e os filhos é um ato, um certo ato de fé, queapenas mascara o caráter Outro do Pai.

Se o complexo de Édipo marca o fato de que a relação com o objetoé tocada por um impedimento, uma vez que esse complexo significa que eunão seria jamais senão um substituto do objeto amado, isso quer dizer queentre o sujeito e o objeto há um fosso intransponível.

O que eu chamo “complexo de Moisés” inscreve o mesmo corte numcampo não mais objetal, mas no campo do narcisismo. Dito de outra forma,se é preciso experimentar meu narcisismo afirmando a filiação com o Pai namedida em que ele é estruturalmente Outro, salvo morrendo eu mesmo, nãoposso pretender reencontrá-lo. Então, se Freud escreveu isso em 1934 e1937, e finalmente publicou em 1939 com muitas hesitações, é, eu suponho,sua resposta aos acontecimentos políticos que o fizeram fugir da Áustria.Ele não percebia o quanto sua afirmação de uma filiação com um Pai seriacapaz de ter efeitos políticos nefastos.

É assim que eu compreendo “O homem Moisés e a religião monoteísta”.De outra forma, parece-me incompreensível, pois senão não se pode absolu-tamente compreender qual seria a intenção de Freud, que, como se sabe,hesitou muito para publicá-lo. Sabe-se que o primeiro artigo remonta a 1934.Após, ele o deixou, estava pouco à vontade, não sabia bem o que fazer. Masé um livro que continua para nós inaceitável, na medida em que imaginar queo Pai no Outro nos é estrangeiro, isso nos é insuportável. Não podemossuportar e isso nos joga na paranóia. Aqui está, também, uma das razõespelas quais o livro foi considerado uma excursão mal conduzida e infeliz de

Page 28: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

54 55C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

SEÇÃO DEBATES

xenofobia, que poderiam se acalmar se, subjetivamente, aceitássemos nãoser aquilo que não é possível ser.

Correio – A questão da diferença entre o Pai em nossa cultura e nosgregos, que o Sr. vem falando em seu Seminário...

Melman – Sim, para os gregos, o Pai não tem posição no funciona-mento social. Não há nada que dê a essa função um caráter sagrado nosgregos. É nos romanos que vai haver uma religião do Deus Lar, mas ondetambém a mãe ocupa um lugar importante no culto dos deuses do Lar. Mas,nos gregos, não há nada de sagrado que se ligue à função paterna e comose sabia e como sabemos, quando um Pai não queria um nascimento, eleexpunha a criança diante de sua porta e se nenhuma pessoa a levasse, elamorria, como um animal. Não importa.

Então, é um mundo completa e subjetivamente diferente. Em nenhumgrego havia a idéia que é preciso ser belo e forte para agradar aos deuses,por exemplo. É preciso ser belo e é preciso ser forte para agradar aos outros,não a Deus. Deus se ocupa de suas coisas, quer dizer, que os deuses nãofazem nenhuma exigência aos gregos, nenhum olhar no Outro e nenhumapalavra vinda do Outro.

Correio – Então isso significa que para os gregos não havia a idéia daprovidência de Deus sobre os homens?

Melman – Em todo o caso, eles absolutamente não pensavam queos deuses estão lá para proteger os homens, mas os deuses se ocupam deseus próprios interesses, de seu próprio desejo.

Correio – Então, se eu compreendi bem, o texto de Freud sobre ohomem Moisés coloca um ponto sobre a questão do narcisismo?

Melman – É essa a questão. Eu creio que é no fim de sua vida quepor sua vez, pelos problemas ligados ao tratamento e aos problemas políti-cos que se passavam no mundo, Freud percebeu que havia qualquer coisade essencial e que ele não havia abordado a questão do narcisismo. Querdizer que o primeiro objeto que nos interessa explicitamente é nosso ser econtamos com que ninguém nos apontará isso. E isso não é vendável. Nin-guém quer saber disso...

ENTREVISTA COM CHARLES MELMAN

prevalece sobre a relação objetal. Então, o complexo de Colombo vem seinscrever aí dentro. Se você toma, por exemplo, um esforço feito atualmentepelos creoles5, os intelectuais creoles, para se inventar uma identidade. Querdizer, inventar uma identidade é propor uma história comum, ao mesmo tem-po, é inventar um ancestral comum, tendo em vista a recusa a considerarque sua comunidade carece de um Pai. O Pai Colombo, o colonizador, nãose comportou como um pai face às suas crianças, pois praticou a escravatu-ra. Então, há esse problema, que você conhece bem por sua formação, queé esse de nossa defesa contra o caráter irredutivelmente Outro desse quenós chamamos Pai. Defendendo-nos contra isso, nós recusamos, não su-portamos e, quando isso se produz, leva a uma relação paranóica em dire-ção a esse que, nesse momento, em vez de ser Pai se torna perseguidor.

Correio – O Sr. colocou que há duas conseqüências dessa relaçãocom o Pai enquanto perseguidor: o surgimento dos integralismos e das sei-tas, enquanto posições paranóicas. Isso é também resultado do amor aoPai?

Melman – Sim, eu quero dizer que nosso amor pelo Pai induz muitofacilmente a posições paranóicas, muito facilmente!

Correio – É nesse sentido que se pode compreender o enunciado deLacan de se servir do Pai com a condição de dispensá-lo?

Melman – O enunciado de Lacan é talvez um pouco diferente. Lacannão diz tudo o que eu falo. Lacan, sobre isso, é talvez bem mais prudenteque eu, porque eu digo coisas que são como esse livro de Freud, não sãoaceitáveis. O que mostra que se pode aceitar perfeitamente o complexo deÉdipo, quer dizer: o objeto com o qual lidamos, não é senão um semblantede objeto, ah! De acordo! Isso se aceita, mas aceitar que o si-mesmo é umsemblante, isso não se pode. Isso é recusado e, contudo, parece que pode-ria ser um grande fator de civilização, porque há toda uma série de reaçõesintegristas, nacionalistas, sectárias ou mesmo na vida cotidiana, como a

5 Trata-se dos habitantes da Martinica, departamento francês e antiga colônia, que falam umdialeto do francês também denominado de creole.

Page 29: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

56 57C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

RESENHA RESENHA

FREUD E O LEGADO DE MOISÉSRICHARD J. BERNSTEIN

BERNSTEIN, Richard J. Freud e o legado de Moisés . Riode Janeiro : Imago, 2000. 180 p.

Este livro inicia com o autor lembrando-nos do prefácio para a edição de Toteme tabu – dezembro de 1930 – em que

Freud escreve: “Nenhum leitor deste livro acharáfácil colocar-se na posição emocional de umautor que ignora a língua da Sagrada Escritura(...) que está afastado da religião de seus pais –bem como de qualquer outra religião – (...) masque nunca repudiou seu povo, sente que é em sua natureza essencial umjudeu (...) Se lhe fosse feita esta pergunta: “Já que o senhor abandonoutodas essas características comuns de seus compatriotas, o que lhe sobroude judeu?”, ele responderia; “Muita coisa, e provavelmente a própria essên-cia. (...) Algum dia, sem dúvida, ela se tornará acessível para o espírito cien-tífico”...

A partir daí, Bernstein começa a questionar-nos: será possível distin-guir tão nítida e rigorosamente a religião judaica da natureza essencial dojudaísmo? Será que Freud conseguiu ou tentou responder esta questão?Afirma que a tese que pretende explorar e defender neste livro é a de queFreud tentou, sim, respondê-la, e essa tentativa se encontra no livro “O ho-mem Moisés e a religião monoteísta”2.

Diz-nos, também, que seu estudo desenvolveu-se por estar persuadi-do de que “a importância das afirmações de Freud sobre religião, tradição,

judaísmo e sua sobrevivência ainda não haviam sido redigidas e confronta-das em sua realidade”.

Comecemos com o resumo do enredo manifesto do Moisés de Freudfeito por Yerushalmi3, que Bernstein expõe:

“O monoteísmo não é de origem judaica, mas uma descoberta egípcia. Ofaraó Amenófis IV estabeleceu-o como religião de estado sob a forma deuma adoração exclusiva do deus – sol, ou Aton, chamando-se a si próprioa partir de então de Aquenáton4.A religião de Aton, segundo Freud, carac-terizava-se pela crença exclusiva em um Deus, pela rejeição doantropomorfismo, da magia e da bruxaria, e pela negação absoluta deuma vida após a morte. Com a morte de Aquenáton, porém, sua extraordi-nária heresia foi rapidamente desfeita, e os egípcios voltaram a seusantigos deuses. Moisés era um sacerdote ou nobre egípcio, e não hebreu,e um ardoroso monoteísta. A fim de salvar a religião de Aton da extinção,ele se pôs à frente de uma tribo semita oprimida que então vivia no Egito,libertou-a da servidão e criou uma nova nação. Deu-lhe uma forma dereligião monoteísta ainda mais espiritualizada, desprovida de imagens,e, para mantê-la à parte, introduziu o costume egípcio da circuncisão. Masa rude massa de antigos escravos não podia suportar as severas exigên-cias da nova fé. Em uma revolta da multidão, Moisés foi morto e a lem-brança do assassinato foi recalcada. Os israelitas formariam uma alian-ça de compromisso com tribos semitas em Madiã cuja divindadeimpiedosa e vulcânica, chamada Iahweh, se tornou então seu deus naci-onal. Em conseqüência, o deus de Moisés fundiu-se com Iahweh e osfeitos de Moisés foram atribuídos a um sacerdote medianita tambémchamado Moisés. Todavia, ao longo de um período de séculos, a tradiçãosubmersa da verdadeira fé e seu fundador reuniu força suficiente para sereafirmar e emergir vitoriosa. Iahweh, daí em diante, foi dotado com ascaracterísticas universais e espirituais do deus de Moisés, embora a lem-

1 Professor de filosofia na cadeira Vera List do curso de pós-graduação na New School forSocial Research, N. York. Outro livro de sua autoria, Hannah Arendt e a questão judaica.2 Bernstein utiliza como base para sua tese, os estudos de Yoset Yerushalmi, Jan Assmane Jacques Derrida.

3 Yosef Hayim Yerushalmi-Historiador do povo judeu. Sugerimos um de seus livros O Moisésde Freud: Judaísmo terminável e interminável. Rio de Janeiro:Imago Ed.4 Freud preferia Ikhnaton para o faraó egípcio que introduziu o monoteísmo, e Yerushalmi oacompanha. A transliteração mais comumente aceita (usada por Strachey) é Akhenaten emportuguês, Aquenáton.

Page 30: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

58 59C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

RESENHA RESENHA

brança do assassinato de Moisés permanecesse recalcada entre os ju-deus, reemergindo apenas em uma forma disfarçada com a ascensãodo cristianismo.”Bernstein salienta que, embora este seja o enredo manifesto da histó-

ria que Freud nos conta, não é a forma como ele conta. No primeiro ensaio“Moisés, um egípcio”, Freud aborda a questão de Moisés ser, ou não, egíp-cio. Na narrativa bíblica – fonte primária de nosso conhecimento sobre Moisés-, onde é a princesa egípcia que descobre o menino e o cria, Freud aponta asua argumentação sobre isto, considerando “O mito do nascimento do he-rói”, publicado em 1909 por Otto Rank. Entretanto, segundo Bernstein, nãofica claro o que tudo isso tem a ver com a questão de Moisés ser ou nãoegípcio. O autor diz que Freud mostra a contradição entre a estrutura do“mito do abandono” e o relato bíblico do nascimento de Moisés. Ou seja, quenas narrativas de abandono em geral, os verdadeiros pais do herói são aris-tocráticos, e os que o salvam da morte são bastante humildes. Moisés,porém, o filho de pais judeus que eram escravos no Egito, é salvo pela prin-cesa real e educado como membro de uma família aristocrática egípcia.Vejam aí que há uma contradição, mas segundo Bernstein, o próprio Freudreconhece o quanto é inconsistente toda essa argumentação e tenta váriostipos de suposições especulativas e injustificadas nesse ensaio. Talvez, “acircunspeção seria uma forma de sentir a repercussão à conjetura de queMoisés era egípcio, sem, contudo, fornecer qualquer indicação clara dasinferências que ele haveria de tirar dessa conjetura”, complementa Bernstein.

SE MOISÉS FOSSE EGÍPCIOO historiador lembra-nos que somente no seu segundo ensaio “Se

Moisés fosse egípcio” é que todo enredo histórico é revelado. E que Freud serefere de forma seletiva às obras de historiadores e estudiosos da Bíblia,escolhendo as fontes que lhe servem para apoiar sua tese de que Moisésseria egípcio. Enfim... Já sabemos que para Freud, o Moisés egípcio, alémde ter sido uma pessoa real, adotou o monoteísmo do faraó egípcio Aquenátone a fim de salvar a religião de Aton, a impôs aos semitas que viviam no Egito.Ou melhor, que Moisés nivelou-se aos judeus e deles fez “o seu povo esco-

lhido”. Bernstein afirma que sem estabelecer esses fatos históricos, Freudnão teria base para as interpretações psicanalíticas que posteriormente apre-senta para explicar esses fatos. Continuemos...

No decorrer de nossas leituras, logo percebemos, então, que não foiDeus, ou mesmo Abraão, ou Isaac ou Jacó, o fundador da religião do povojudeu. Não foi Deus (seja o deus monoteísta de Moisés, seja o deus demô-nio dos madianitas Iahweh) quem escolheu o povo judeu. Foi Moisés que ofez.

A TRADIÇÃO DA CIRCUNCISÃOYerushalmi nos diz que Moisés deu aos semitas uma forma ainda

mais espiritualizada da religião monoteísta, desprovida de imagens, e a fimde assegurar que os semitas escolhidos não se sentissem inferiores aosegípcios, e sim iguais, ou mantidos separados dos povos estrangeiros, intro-duziu o costume egípcio da circuncisão. Em relação à interpretação maistradicional da circuncisão – como sinal da aliança entre Deus e Abraão,como uma marca física do pacto entre Deus e o povo judeu – sabemos queFreud a rejeita. Para Bernstein, talvez essa explicação bastante inventiva deFreud sobre a circuncisão fosse para mostrar que esse costume nos propor-cionaria uma prova adicional de que Moisés era egípcio. Por isso, o autordestaca a questão da circuncisão segundo Heródoto5argumentado por Freud...

POR QUE OS JUDEUS ASSASSINARAM MOISÉSRetomando... As medidas tomadas por Aquenáton para destruir o tra-

dicional politeísmo egípcio e substituí-lo por um monoteísmo rígido, exclusi-vo e intolerante, com o tempo, transformaram-se em um estado de vingança

5 Heródoto aponta que o costume da circuncisão, por muito tempo, fora indígena no Egito -suas afirmações são confirmadas pelas descobertas em múmias e até mesmo por pinturasnas paredes dos túmulos - e pode-se supor que os semitas e os babilônios não eramcircuncidados (...). A possibilidade de que os judeus tenham adquirido o costume da circun-cisão por outra maneira que não seja pelos ensinamentos religiosos de Moisés pode serrejeitada e despida de fundamento...

Page 31: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

60 61C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

RESENHA RESENHA

fanática entre a classe sacerdotal suprimida e o povo comum insatisfeito.Após a morte de Aquenáton, seguiu-se uma violenta reação e um período deanarquia. O politeísmo egípcio foi restabelecido e houve então uma tentativade apagar os traços da religião de Aton – o monoteísmo de Aquenáton. Essatentativa poderia ter tido êxito, se não fosse Moisés, um seguidor daquelareligião. Assim, como ele não podia esperar sobreviver no Egito, precisouescolher um novo povo e conduzi-lo para fora do país, a fim de assegurar asobrevivência da religião de Aton. Como os sacerdotes de Amon executaramsua vingança contra Aquenáton, os judeus que haviam sido forçados a deixaro Egito e adotar um novo, estrito, duro e exclusivo monoteísmo, com rigoro-sos padrões éticos, procuraram vingar-se de Moisés. Com uma diferença, noEgito a reação ocorreu após a morte de Aquenáton, enquanto os judeus nãoesperaram até Moisés morrer, eles o assassinaram.

O HOMEM MOISÉS E A RELIGIÃO MONOTEÍSTABernstein volta a questionar-nos:”A aceitação de todo esse relato his-

tórico que vimos acima nos capacitaria a tirar quaisquer conclusões sobre ocaráter do povo judeu, caráter que provavelmente tornou possível sua sobre-vivência, suas tradições até os dias presentes?”

E mais,”O que Freud quer dizer com tradição? Qual é a dinâmicadesta? Como pode explicar o poder da tradição religiosa e, em particular, datradição judaica?” As respostas de Freud são complexas e sutis, complementao historiador. Aponta que Freud começa dizendo-nos que o trauma do as-sassinato da importante figura paterna de Moisés foi recalcado e pratica-mente todos os traços desse ato foram apagados. Mas, algum tipo de lem-brança manteve-se viva. “O retorno do recalcado”, ou seja, o retorno da reli-gião do Moisés egípcio, após um longo hiato, propiciou ao povo judeu “umaacentuação de sua auto - estima, devido à sua consciência de ter sido esco-lhido”, utilizando as palavras de Freud. Sem esquecermos que adesmaterialização de Deus também trouxe uma nova e valiosa contribuiçãopara o secreto tesouro desse povo...

O RETORNO DO RECALCADOO assassinato do pai primevo e o de Moisés estão intimamente liga-

dos. Explicando melhor, após um longo período de latência, ocorre um retor-no do recalcado, o assassinato do pai se repete. Freud faz uma analogiaentre a gênese de uma neurose traumática e o trauma experimentado comoresultado do assassinato de Moisés, em que a latência (envolvendo simulta-neamente o esquecimento e a lembrança inconsciente) representa um está-gio crucial. De acordo com Freud, ainda segundo Bernstein, o que acontecena gênese de uma neurose traumática no indivíduo é o mesmo que aconte-ceu no decorrer da história judaica. Sem o recurso a essa compreensãopsicanalítica da latência, não seria possível explicar o fato marcante do hiatoem uma tradição religiosa - como uma tradição que em vez de se tornar maisfraca com o tempo, se tornou cada vez mais forte no decorrer dos séculos. Oque fica recalcado na memória de um povo nunca é totalmente recalcado,por esse motivo pode haver um retorno do recalcado, um retorno que podeirromper com grande força psíquica em um indivíduo ou na história de umpovo, complementa o historiador.

A TRADIÇÃOO autor nos diz que há dois motivos para esse conceito de tradição

não ser suficiente para explicar o que aconteceu no curso da história judai-ca. O primeiro é que ele não justifica o “hiato” - o longo período de latência -durante o qual o monoteísmo mosaico foi suprimido e recalcado, antes deafinal sair triunfante. “Como podemos justificar o fato de uma tradição pare-cer morrer e então, ‘de repente’, reafirmar-se?” O autor afirma, ainda, quetradições não são simplesmente contínuas; elas envolvem rupturas e rever-sões. O segundo motivo de os estudos ”tradicionais” sobre a tradição sereminadequados é que eles deixam de explicar a força e a intensidade com queuma tradição religiosa, há muito dormente, se reafirma. E essa intensidaderenovada de elementos dormentes, segundo os estudos de Bernstein, é umfenômeno característico de muitas tradições. Entretanto, já vimos que Freudnão afirma que a religião monoteísta de Moisés foi totalmente obliterada, foi

Page 32: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

62 63C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

RESENHA RESENHA

uma “tradição semi-extinta” que deixou seus traços... Enfim, Freud argu-menta que os profetas mantiveram vivos os ideais mosaicos. E Bernsteinnos lembra também que Freud está perfeitamente a par das complexasmodalidades através das quais uma tradição é transmitida de forma consci-ente – exemplos, histórias, preceitos, rituais, mandamentos, etc. E que nãopodemos esquecer que, ao considerarmos essas modalidades conscientes,devemos também ter em mente o que é inconscientemente comunicado erecalcado.

Então, ao fazer uma analogia entre a dinâmica da neurose traumáticano indivíduo e o papel do trauma na história de um povo, Freud direcionanossa atenção para essa interação de traços de memória, conscientes einconscientes, na transmissão de uma tradição. E aponta que, na tradiçãoreligiosa patriarcal judaica, existem não apenas traços mnêmicos do assas-sinato de Moisés, mas também traços de memória do homicídio do paiprimevo. E para salientar cita Freud: “não hesito em declarar que os homenssempre souberam (dessa maneira especial) que um dia possuíram um paiprimevo e o assassinaram” 6 Essa memória esquecida assim afirma Freudfoi de novo reativada pelo dramático evento da morte de Moisés, assassinatopraticado pelos judeus.

A ESSÊNCIA DO POVO JUDEUEntretanto, todas essas afirmações ou argumentações que Freud faz

sobre o passado não explicam o que ele quer explicar, o caráter do povojudeu, nos diz Bernstein. “No nível manifesto, trata-se de um livro sobre asorigens egípcias do monoteísmo judaico e as vicissitudes históricas dosideais mosaicos na formação do caráter do povo judeu”. Mas Bernstein afir-ma que não podemos ignorar o conteúdo latente da narrativa de Freud.

Vejamos...O segmento da parte III, é uma breve seção na qual Freud apresenta

um sumário de sua análise do significado cultural da religião monoteístamosaica e seu profundo efeito sobre o caráter do povo judeu. É onde eleinsiste que não há preceito mais importante na religião mosaica do que “aproibição de fabricar uma imagem de Deus”. É aqui que ele conta a históriada fundação da “primeira escola de Torá7”, servindo de parábola sobre o quepermitiu a sobrevivência do povo judeu durante sua longa história de perse-guições.

Freud tentou exprimir claramente essa essência que ele resume naexpressão “Der Fortschritt in der Geistigkeit”8. Este é o duradouro legado domonoteísmo judaico - e legado que, segundo Freud, manteve o povo judeuunido e lhe permitiu sobreviver ao longo de séculos de perseguição.

Trata-se de um legado ao mesmo tempo intelectual, espiritual e ético;um legado que sobrevive aos ensinamentos religiosos do judaísmo. E o maisimportante é a tentativa de Freud de colocar em palavras o que ele sentiacomo tão forte convicção emocional. Então, “a proibição mosaica de fabricarimagens - advertência profética para não retroceder à idolatria - não é sim-plesmente um imperativo negativo. No sentido positivo, é a expressão de DerFortschritt in der Geistigkeit, ou seja, “o imperativo ético para se viver umavida de verdade e justiça” complementa Bernstein. Dito de outro modo, seessa proibição (de fabricar imagens) fosse aceita, deveria ter um efeito pro-fundo, pois implica que a percepção sensória passe a um lugar secundáriocom relação ao que poderia ser chamado de idéia abstrata - um triunfo daintelectualidade (Geistigkeit) sobre a sensualidade (Sinnlichkeit) ou, estrita-mente falando, uma renúncia instintual, com todas as suas conseqüênciaspsicológicas necessárias.

Luzimar Stricher

6 FREUD apud BERNSTEIN, op.cit. , p.77

7 Fundada pelo rabino Jochanan Ben Zakkai.8 Strachey utilizou como tradução, a pesada expressão “intelectualidade e espiritualidade”.Em inglês (e em português, embora não em sua etimologia latina), “intelectualidade” nãoconsegue transmitir a força e a qualidade dinâmica da palavra alemã “Geist”. Em alguns deseus empregos em inglês(e em português) , “espiritualidade”, além de não ter o significadointelectual e racional do alemão “Geist”, por vezes é até usada como o oposto do que éverdadeiramente “intelectual”.

Page 33: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

64 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 79, maio 2000

AGENDA

EXPEDIENTEÓrgão informativo da APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre

Rua Faria Santos, 258 CEP 90670-150 Porto Alegre - RSTel: (51) 333 2140 - Fax: (51) 333 7922

e-mail: [email protected] - home-page: www.appoa.com.brJornalista responsável: Jussara Porto - Reg. n0 3956

Impressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.Av. Eng. Ludolfo Boehl, 729 CEP 91720-150 Porto Alegre - RS - Tel: (051) 318 6355

Comissão do CorreioCoordenação: Maria Ângela Brasil e Robson de Freitas Pereira

Integrantes: Ana Laura Giongo Viccaro, Francisco Settineri, Gerson Smiech Pinho, Henriete Karam, Liz Nunes Ramos, Luzimar Stricher,

Marcia Helena Ribeiro e Maria Lúcia Müller Stein

ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGREGESTÃO 1999/2000

Presidência - Alfredo Néstor Jerusalinsky1a. Vice-Presidência - Lucia Serrano Pereira2a. Vice-Presidência - Maria Ângela Brasil1o. Tesoureiro - Carlos Henrique Kessler2a. Tesoureira - Simone Moschen Rickes

1o. Secretário - Jaime Alberto Betts2a.Secretária - Marta Pedó

MESA DIRETIVAAna Maria Gageiro, Ana Maria Medeiros da Costa, Ana Marta Goelzer Meira,

Cristian Giles, Edson Luiz André de Sousa,Gladys Wechsler Carnos, Ieda Prates da Silva, Ligia Gomes Víctora, Liz Nunes Ramos,

Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack, Mario Fleig, Robson de Freitas Pereira, e Valéria Machado Rilho.

Capa: Manuscrito de Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of events in the last decade. London, Hogarth, 1992.)Criação da capa: Flávio Wild - Macchina

MAIO – 2000

Dia Hora Local AtividadeSeminário “O método psicanalítico”- Respon-sável: José Luiz CaonReunião da Mesa DiretivaCartel Preparatório do Relendo Freud e Con-versando sobre a APPOAReunião da Comissão de BibliotecaSeminário “A técnica psicanalítica”- Respon-sável: José Luiz CaonSeminário “O trabalho das passagens...” -Responsáveis: Ana Maria da Costa, Edsonde Sousa e Lucia Serrano PereiraReunião da Comissão de AperiódicosCongresso Brasil: descoberta invençãoTemas psicanalíticos fundamentaisSeminário “A topologia fundamental deJacques Lacan” - Responsável: Ligia VíctoraSeminário “Teoria e clínica psicanalítica daadolescência” - Resp.: Rodolpho RuffinoReunião da Comissão do Correio da APPOAReunião da Mesa Diretiva aberta aos mem-bros da APPOARelendo Freud e conversando sobre a APPOACartel do InteriorReunião da Comissão da Home PageRelendo Freud - Análise Finita e InfinitaReunião do Serviço de Atendimento Clínico

Sede da APPOA

Sede da APPOASede da APPOASede da APPOA

Sede da APPOA

Sede da APPOA

Sede da APPOASede da APPOA

Sede da APPOA

Sede da APPOA

Sede da APPOASede da APPOA

Gr. Hotel CanelaGr. Hotel CanelaSede da APPOASede da APPOASede da APPOA

20h30min

21h20h30min

20h20h30min

21h

20h20h30min

18h30min

09-14h

20h21h

- - - - - - -18h45min20h21hn

PRÓXIMO NÚMERO

UM PAÍS CHAMADO BRASIL

03,10,1724 e 310404 e 11

04 e 2508, 1522 e 2908 e 22

09 e 2311 e 24

12

13

15 e 2925

19 - 21212230

A combinar

V

Page 34: EDITORIAL - appoa.com.br · Passando, depois, o que merece então uma leitura après coup, para a pluralidade da posição paterna que faz a função – na sua produção no Seminário

N° 79N° 79 – ANO IX – ANO IX MAIO MAIO – 2000– 2000

S U M Á R I O

EDITORIAL 1

NOTÍCIAS 2

SEÇÃO TEMÁTICA 19MOISÉS É UM PLURAL?MOISÉS É UM PLURAL?Maria Auxiliadora P. SudbrackMaria Auxiliadora P. Sudbrack 2020O HOMEM MOISÉS E AO HOMEM MOISÉS E ARELIGIÃO MONOTEÍSTARELIGIÃO MONOTEÍSTAAna Irma CallegariAna Irma Callegari 2727O DESEJO PATERNOO DESEJO PATERNOAlfredo JerusalinskyAlfredo Jerusalinsky 3131O MOISÉS DE MICHELANGELOO MOISÉS DE MICHELANGELOOU O MOISÉS DE FREUDOU O MOISÉS DE FREUDMaria Elisabeth da S. TubinoMaria Elisabeth da S. Tubino 4040ÀS MARGENS DOÀS MARGENS DO“MOISÉS”DE FREUD“MOISÉS”DE FREUDRodolpho RuffinoRodolpho Ruffino 4545SEÇÃO DEBATES 51ENTREVISTA COMENTREVISTA COMCHARLES MELMAN:CHARLES MELMAN:“O Complexo de Moisés”“O Complexo de Moisés” 5151RESENHA 56“FREUD E O LEGADO“FREUD E O LEGADODE MOISÉS”DE MOISÉS” 56

AGENDA 64