edição 315 - de 12 a 18 de março de 2009

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Crianças pobres da vila de Jamba, no sul de Angola Trabalhadoras ocupam área do grupo Cosan em Barra Bonita (SP) Na 4ª reportagem da série sobre a Revolução Cubana, o povo da ilha sentencia: o so- cialismo é irrevogável e per- manente. Págs. 10 e 11 Em Cuba, o capitalismo não voltará Petroleiros pararam por 5 dias as atividades da Refi- naria de Paulínia. Categoria agora promete greve nacio- nal para o dia 23. Pág. 3 Greve paralisa refinaria da Petrobras São Paulo, de 12 a 18 de março de 2009 www.brasildefato.com.br Ano 7 • Número 315 Uma visão popular do Brasil e do mundo Circulação Nacional R$ 2,50 ISSN 1978-5134 Angola, pese o forte cres- cimento econômico recente, com média de 20% ao ano, segue sendo detentora de bai- xíssimos indicadores sociais. Dos cerca de 18,5 milhões de habitantes, 12,5 milhões vivem na pobreza. Em artigo, o cientista político angolano Nelson Pestana analisa as raízes de tamanha miséria em um dos principais países ex- portadores de petróleo e dia- mante do mundo. Para ele, a explicação está na vulnerabi- lidade estrutural das famílias e na falta de acesso a serviços básicos. Pág. 12 Riqueza e miséria: a Angola dos contrastes Mulheres camponesas lutam contra a crise e o agronegócio Milhares de militantes de diversos movimentos sociais do campo e de entidades que apoiam as lutas feministas e a reforma agrária realizaram diversos atos simbólicos em todo o país. Nos protestos, que ocorreram em quatro regiões do Brasil, as mulheres denunciaram a expansão do agronegócio e os incentivos do governo para empresas transnacionais em plena crise financeira. As mobilizações fazem parte da Jornada Nacional de Luta contra o Agronegócio e em Defesa da Reforma Agrária e da Soberania Alimentar, que acontece todos os anos para celebrar o 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Págs. 2 e 7 Um ano após ser im- plementada, a proposta curricular do governo do Estado de São Paulo vem sendo duramente criticada por profissionais e enti- dades ligadas à educação. Para eles, o pacote massi- Escolas de São Paulo formam mão-de-obra, mas não cidadãos fica os conteúdos a serem transmitidos, priorizando a superficialidade. Assim, o foco é voltado para o ensino de habilidades capazes de adequar os estudantes às exigências do mercado de trabalho. Págs. 4 e 5 AFOGANDO EM NÚMEROS Em 2008, a União gastou R$ 282 bilhões com pagamento de juros e amortizações da dívida. Esse valor é 4 vezes maior do que o gasto público com educação (R$ 44 bilhões) e saúde (R$ 23 bilhões) juntos. Com a quantia, poderia-se pagar o salário de Ronaldo no Corinthians, R$ 400 mil, durante 58.750 anos. Daniel Augusto Jr./Folha Imagem A postura conservadora que a Igreja assumiu em dois casos recentes acerca de temas como aborto, métodos con- traceptivos e discriminação de homossexuais explicitam a incapacidade que a instituição tem de se adequar ao mun- do contemporâneo. Pág. 6 Igreja Católica não quer se adaptar ao mundo atual A Frente Farabundo Mar- tí de Libertação Nacional (FMLN), antiga guerrilha de esquerda transformada em partido, tem, no dia 15, a chance de ganhar as eleições presidenciais em El Salvador. O candidato é o comunicador Maurício Funes, que apresen- ta um discurso de mudança: maior intervenção estatal na economia e manutenção dos Tratados de Livre Comércio com os EUA. Pág. 9 Em El Salvador, FMLN deve ganhar eleições Se estivesse vivo, o poeta cearense Patativa do Assaré completaria o seu centésimo aniversário. Há quase sete anos, o “Sinhozinho”, como era chamado por Dona Be- linha, sua esposa, faleceu. Entretanto deixou o legado de ter repassado, na forma de poesia, toda a informação ne- cessária para que o povo ser- tanejo pudesse compreender a complexidade do mundo no século 20. Pág. 8 O centenário do Patativa do Sertão A coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), diante das manifesta- ções do presidente do STF, Gilmar Mendes, divulgou do- cumento denunciando a par- cialidade e o comportamento do ministro. “Como grande proprietário de terra no Mato Grosso, ele é um representan- te das elites brasileiras, ciosas dos seus privilégios”. Pág. 2 Gilmar Mendes não esconde sua parcialidade Igor Ojeda João Zinclar João Zinclar Reprodução Edvaldo Rodrigues/Folha Imagem

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Uma visão popular do Brasil e do mundo Riqueza e miséria: a Angola dos contrastes pagamento de juros e amortizações da dívida. Esse valor é 4 vezes maior do que o gasto público com educação (R$ 44 bilhões) e saúde (R$ 23 bilhões) juntos. Com a quantia, poderia-se pagar o salário de Ronaldo no Corinthians, Em Cuba, o capitalismo não voltará Uma visão popular do Brasil e do mundo São Paulo, de 12 a 18 de março de 2009 www.brasildefato.com.brAno7•Número315 AFOGANDO EM NÚMEROS Edvaldo Rodrigues/Folha Imagem

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Page 1: Edição 315 - de 12 a 18 de março de 2009

Crianças pobres da vila de Jamba, no sul de Angola

Trabalhadoras ocupam área do grupo Cosan em Barra Bonita (SP)

Na 4ª reportagem da série sobre a Revolução Cubana, o povo da ilha sentencia: o so-cialismo é irrevogável e per-manente. Págs. 10 e 11

Em Cuba, ocapitalismonão voltará

Petroleiros pararam por 5 dias as atividades da Refi-naria de Paulínia. Categoria agora promete greve nacio-nal para o dia 23. Pág. 3

Greve paralisarefi nariada Petrobras

São Paulo, de 12 a 18 de março de 2009 www.brasildefato.com.brAno 7 • Número 315

Uma visão popular do Brasil e do mundoCirculação Nacional R$ 2,50

ISSN 1978-5134

Angola, pese o forte cres-cimento econômico recente, com média de 20% ao ano, segue sendo detentora de bai-xíssimos indicadores sociais. Dos cerca de 18,5 milhões de habitantes, 12,5 milhões vivem na pobreza. Em artigo, o cientista político angolano Nelson Pestana analisa as raízes de tamanha miséria em um dos principais países ex-portadores de petróleo e dia-mante do mundo. Para ele, a explicação está na vulnerabi-lidade estrutural das famílias e na falta de acesso a serviços básicos. Pág. 12

Riqueza emiséria: aAngola doscontrastes

Mulheres camponesas lutamcontra a crise e o agronegócio

Milhares de militantes de diversos movimentos sociais do campo e de entidades que apoiam as lutas feministas e a reforma agrária realizaram diversos atos simbólicos em todo o país. Nos protestos, que ocorreram em quatro regiões do Brasil, as mulheres denunciaram a expansão do agronegócio e os incentivos do governo para empresas transnacionais em plena crise financeira. As mobilizações fazem parte da Jornada Nacional de Luta contra o Agronegócio e em Defesa da Reforma Agrária e da Soberania Alimentar, que acontece todos os anos para celebrar o 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Págs. 2 e 7

Um ano após ser im-plementada, a proposta curricular do governo do Estado de São Paulo vem sendo duramente criticada por profissionais e enti-dades ligadas à educação. Para eles, o pacote massi-

Escolas de São Paulo formammão-de-obra, mas não cidadãos

fica os conteúdos a serem transmitidos, priorizando a superficialidade. Assim, o foco é voltado para o ensino de habilidades capazes de adequar os estudantes às exigências do mercado de trabalho. Págs. 4 e 5

AFOGANDO EM NÚMEROS

Em 2008, a União gastou R$ 282 bilhões com

pagamento de juros e amortizações da dívida. Esse valor é

4 vezes maior do que o gasto público com educação (R$ 44 bilhões)

e saúde (R$ 23 bilhões) juntos. Com a quantia,

poderia-se pagar o salário de

Ronaldo no Corinthians,

R$ 400 mil,

durante 58.750 anos.

Daniel Augusto Jr./Folha Imagem

A postura conservadora que a Igreja assumiu em dois casos recentes acerca de temas como aborto, métodos con-traceptivos e discriminação de homossexuais explicitam a incapacidade que a instituição tem de se adequar ao mun-do contemporâneo. Pág. 6

Igreja Católica não querse adaptar ao mundo atual

A Frente Farabundo Mar-tí de Libertação Nacional (FMLN), antiga guerrilha de esquerda transformada em partido, tem, no dia 15, a chance de ganhar as eleições presidenciais em El Salvador. O candidato é o comunicador Maurício Funes, que apresen-ta um discurso de mudança: maior intervenção estatal na economia e manutenção dos Tratados de Livre Comércio com os EUA. Pág. 9

Em El Salvador, FMLN deve ganhar eleições

Se estivesse vivo, o poeta cearense Patativa do Assaré completaria o seu centésimo aniversário. Há quase sete anos, o “Sinhozinho”, como era chamado por Dona Be-linha, sua esposa, faleceu. Entretanto deixou o legado de ter repassado, na forma de poesia, toda a informação ne-cessária para que o povo ser-tanejo pudesse compreender a complexidade do mundo no século 20. Pág. 8

O centenáriodo Patativado Sertão

A coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), diante das manifesta-ções do presidente do STF, Gilmar Mendes, divulgou do-cumento denunciando a par-cialidade e o comportamento do ministro. “Como grande proprietário de terra no Mato Grosso, ele é um representan-te das elites brasileiras, ciosas dos seus privilégios”. Pág. 2

Gilmar Mendes não esconde sua parcialidade

Igor Ojeda João Zinclar

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Page 2: Edição 315 - de 12 a 18 de março de 2009

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Marcelo Netto Rodrigues, Luís Brasilino, Tatiana Merlino • Subeditor: Igor Ojeda • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper,

João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte - Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – [email protected] • Gráfi ca: FolhaGráfi ca • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Antonio David, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou [email protected] Para anunciar: (11) 2131-0800

O recado do 8 de março: as mulheres não pagarão pela crise

A COORDENAÇÃO NACIONAL da Comissão Pastoral da Terra (CPT), diante das manifestações do presi-dente do STF, Gilmar Mendes, vem a público se manifestar.

No dia 25 de fevereiro, à raiz da morte de quatro seguranças arma-dos de fazendas no Pernambuco e de ocupações de terras no Pontal do Paranapanema, o ministro acusou os movimentos de praticarem ações ilegais e denunciou o Poder Executivo de cometer ato ilícito por repassar re-cursos públicos para quem, segundo ele, pratica ações ilegais. Cobrou do Ministério Público investigação sobre tais repasses. No dia 4 de março, vol-tou à carga discordando do procura-dor-geral da República, Antônio Fer-nando de Souza, para quem o repasse de dinheiro público a entidades que “invadem” propriedades públicas ou privadas, como o MST, não deve ser classifi cado automaticamente como crime. O ministro, então, anunciou a decisão do Conselho Nacional de Jus-tiça (CNJ), do qual ele mesmo é pre-sidente, de recomendar aos tribunais de todo o país que seja dada priorida-de a ações sobre confl itos fundiários.

Essa medida, de dar prioridade aos confl itos agrários, era mais do que necessária. Quem sabe com ela aconteça o julgamento das apelações dos responsáveis pelo massacre de Eldorado de Carajás (PA), sucedido em 1996; tenha um desfecho o pro-cesso do massacre de Corumbiara (RO), 1995; seja por fi m julgada a chacina dos fi scais do Ministério do Trabalho, em Unaí (MG), 2004; seja também julgado o massacre de sem-terras, em Felisburgo (MG), 2004; o mesmo acontecendo com o arrastado julgamento do assassinato de Irmã Dorothy Stang, em Anapu (PA), em 2005, e cuja federalização foi negada pelo STJ no mesmo ano.

Quem sabe com essa medida pos-sam ser analisados os mais de 1.500 casos de assassinato de trabalhadores do campo. A CPT, com efeito, re-gistrou, de 1985 a 2007, 1.117 ocor-rências de confl itos, com a morte de 1.493 trabalhadores. (Em 2008, ainda dados parciais, são 23 os assassina-tos). Destas 1.117 ocorrências, só 85 foram julgadas até hoje, tendo sido condenados 71 executores dos crimes e absolvidos 49, e condenados somen-te 19 mandantes, dos quais nenhum se encontra preso – ou aguardam jul-gamento das apelações em liberdade, ou fugiram da prisão, muitas vezes pela porta da frente, ou morreram.

Causa estranheza, porém, o fato dessa medida estar sendo tomada neste momento. A prioridade pedida pelo CNJ será para o conjunto dos confl itos fundiários ou para levantar as ações dos sem-terra, a fi m de incri-miná-los? Pelo que se pode deduzir da fala do presidente do STF, “faltam só dois anos para o fi m do governo

Lula”... e não se pode esperar, “pois estamos falando de mortes”. Nos pa-rece ser a segunda alternativa, pois confl itos fundiários seguidos de mor-tes são constantes. Alguém já viu, por acaso, esse presidente do Supremo se levantar contra a violência que se abate sobre os trabalhadores do cam-po, ou denunciar a grilagem de terras públicas, ou cobrar medidas contra os fazendeiros que exploram mão-de-obra escrava?

Ao contrário, o ministro vem se mostrando insistentemente zeloso em cobrar do governo as migalhas repassadas aos movimentos, que hoje abastecem dezenas de cidades brasi-leiras com os produtos dos seus as-sentamentos, que conseguiram, com sua produção, elevar a renda de diver-sos municípios, além de suprirem o Poder Público em ações de educação, de assistência técnica e comunitárias. O ministro não faz a mesma cobrança em relação ao repasse de vultosos recursos ao agronegócio e às suas en-tidades de classe.

Pelas intervenções do ministro, de-duz-se que ele vê na organização dos

trabalhadores sem-terra, sobretudo no MST, uma ameaça constante aos direitos constitucionais.

O ministro Gilmar Mendes não esconde sua parcialidade e de que lado está. Como grande proprietário de terra no Mato Grosso, ele é um representante das elites brasileiras, ciosas dos seus privilégios. Para ele e para elas, os que valem são os que im-pulsionam o “progresso”, embora ao preço do desvio de recursos, da grila-gem de terras, da destruição do meio ambiente e da exploração da mão-de-obra em condições análogas às de trabalho escravo. Mendes escancara aos olhos da nação a realidade do Poder Judiciário, que, com raras exceções, vem colocando o direito à propriedade da terra como um direi-to absoluto e relativiza a sua função social. O Poder Judiciário, na maioria das vezes leniente com a classe do-minante, é muito ágiíl para atender suas demandas contra os pequenos e extremamente lento ou omisso em face das justas reivindicações destes. Exemplo disso foi a veloz libertação do banqueiro Daniel Dantas, também grande latifundiário no Pará, mesmo pesando sobre ele acusações muito sérias, inclusive de tentativa de cor-rupção.

O Evangelho é incisivo ao denun-ciar a hipocrisia reinante nas altas esferas do poder: “Ai de vocês, guias cegos, vocês coam um mosquito, mas engolem um camelo” (MT 23,23-24).

Que o Deus de Justiça ilumine nos-so país e o livre de juízes como Gilmar Mendes!

Dom Xavier Gilles de Maupeou d’Ableiges é presidente da Comissão

Pastoral da Terra.

debate Dom Xavier Gilles de Maupeou d’Ableiges

“Ai dos que coam mosquitos e engolem camelos” (MT 23, 24)

crônica Luiz Ricardo Leitão

NOS ÚLTIMOS dias tivemos uma gran-de mobilização de mulheres do campo e da cidade ao redor das celebrações do Dia Internacional de Luta da Mulher. Milhares de militantes de diversos movimentos sociais do campo e de en-tidades que apoiam as lutas feministas e a reforma agrária realizaram diversos atos simbólicos em todo o país.

Mas, afi nal, contra o que combateram as mulheres? Muita gente poderia pen-sar que, em função da celebração do 8 de março, haveriam apenas manifesta-ções antimachistas, contra o capitalismo patriarcal, que explora duplamente as mulheres, seu trabalho e sua condição feminina. Mais além dessa consciência, as mulheres romperam novamente o silêncio para bradar contra a crise e contra o modelo do agronegócio.

De um tempo para cá, a dominação do capital fi nanceiro e das empresas transnacionais sobre a agricultura brasileira impôs um novo modelo de organização da produção no campo, que concentra terra e se apropria dos recursos naturais. Transforma tudo em mercadoria, aumenta a exploração do trabalho, mecaniza e expulsa a mão-de-obra e abusa do uso de agrotóxicos, que destroem a natureza e envenenam os alimentos.

Os governos, satisfeitos, estimulam tal modelo. São coniventes e procuram apenas fazer suas alianças eleitorais.

Os fazendeiros brasileiros, grandes proprietários de terra, comemoram sua aliança com as transnacionais, que lhes garante mercado e preço. Ao povo, fi ca só a exploração, pois a Lei Kandir isenta os produtores até de pagar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e pres-tação de Serviços (ICMS).

Nessas circunstâncias, o agronegócio passou a controlar grandes extensões de terra em todo o país, avançou sobre os recursos da Amazônia e impôs a produ-ção apenas para a exportação: pecuária extensiva, etanol, café, soja e milho. Mas isso não desenvolve o país. Apenas concentra riqueza nas mãos de alguns e gera ainda mais pobreza e desigualdade social, que só não se transforma em tragédia por causa do Bolsa Família. Para se ter ideia, existem 11 milhões de famílias recebendo comida mensalmen-te; destas, 2 milhões residem no campo. São trabalhadores e trabalhadoras que poderiam viver com seu trabalho, pro-duzindo na agricultura.

Os alimentos se transformaram em mera mercadoria, compra quem tem di-

nheiro. Além disso, estão cada vez mais contaminados por agrotóxicos.

Com a crise do capitalismo, esses pro-blemas não só não se resolveram como se agravaram, e os alimentos fi caram mais caros. Algumas empresas do agro-negócio, como Aracruz, Sadia, Votoran-tim, Perdigão e dezenas de usinas, estão a ponto de falir. Mas, eis que a mão salvadora do Estado – sempre renegado pelas elites com o neoliberalismo e o tal Estado mínimo – agora os socorre. O governo do Brasil, através do BNDES, repassou bilhões de reais para salvá-las. Mas, não satisfeitos com isso, os rura-listas pressionaram e a União aceitou regularizar terrenos de até dois mil hectares por pessoa, de todas as terras griladas na Amazônia. E, se cada fazen-deiro grileiro tiver quatro familiares, já poderá legalizar oito mil hectares. É a legalização da grilagem e a apropriação legalizada dos recursos naturais que são de todo o povo.

E não para por aí. Avança o controle das empresas transnacionais também sobre as sementes. Ou seja, através da

“aprovação” das sementes transgênicas, estas vão monopolizando o mercado. O milho geneticamente modifi cado estava proibido, mas foi liberado em 2008. E, já na primeira safra, as empresas ven-deram sementes transgênicas para mais de 52% da área cultivada. Esses grãos vinham sendo cultivados ilegalmente e ninguém falava nada.

O monocultivo do eucalipto também avança em todo o país. É usado para a produção do carvão vegetal e para a celulose destinada à exportação. Os efeitos são devastadores. No Rio Grande do Sul, já há comunidades que precisam de carro-pipa para se abastecer de água, tal o desequilíbrio que a destruição da biodiversidade provoca, devido a essas monoculturas.

Alerta ao povoPara denunciar todos esses absurdos

decorrentes do modelo do agronegócio e pedir mudanças na política agrícola, as mulheres da Via Campesina se mo-bilizaram em todo país. Deram o seu recado.

Esperamos que a sociedade e as auto-ridades entendam esse alerta, antes que seja tarde.

A imprensa da burguesia e setores do Poder Judiciário optaram por cumprir seu papel de classe: condenar as mani-festações legítimas das trabalhadoras. Isso mostra que a imprensa corporativa brasileira se transformou apenas em guardiã dos interesses da classe de seus proprietários, além de buscar o lucro, é claro. Já no Judiciário, a direita bra-sileira construiu seu mais novo líder, o pequeno-grande Berlusconi, o senhor Gilmar Mendes, que, do alto do cargo que lhe foi doado pelo seu ex-patrão Fer-nando Henrique Cardoso, se considera acima, um verdadeiro “dulce” todo-po-deroso. Apesar de presidente do STF, se arvora o direito de opinar sobre tudo e sobre todos. Inclusive tem a pachorra de telefonar para os governadores exigindo repressão aos movimentos sociais e co-bra de juízes de primeira instância mais celeridade contra os trabalhadores.

Sobre os crimes dos capitalistas, dos latifundiários, dos banqueiros, dos Dan-tas da vida: silêncio. Mais de 60% dos parlamentares respondem processos. E a sua imprensa fi el escudeira lhe garan-te espaço de popstar.

O povo brasileiro não merece uma classe dominante tão medíocre.

Como fez falta uma verdadeira Revo-lução Francesa neste país.

de 12 a 18 de março de 20092

editorial

Gama

O Dia Internacional da Mulher em Bruzundanga

E esta quem me contou / Foi Lima do Camarão:Dom José excomungou / A equipe de plantão,A família da menina / E o ministro Temporão,Mas para o estuprador, / Que por certo perdoou,O arcebispo reservou / A vaga de sacristão.(“A Excomunhão da Vítima”, Miguezim de Princesa)

A mídia celebrou com certo alarde o Dia Internacional da Mulher em Bruzundanga, mas eu não consigo imaginar o que a data terá sig-nifi cado para aquela menina pernambucana de nove anos e sua mãe, que, além de padecerem a violência e humilhação de um estupro, se viram “excomungadas” pelo arcebispo de Olinda e Recife – o qual, para pasmo dos próprios católicos, declarou com rara desfaçatez aos jornais que “roubar, assaltar e estuprar também são pecados, mas não tão graves como o aborto”. As duas, decerto, sequer tiveram paz para refl etir sobre a triste sina das mulheres e dos demais excluídos de uma “nação” que se ergueu sobre os pilares do latifúndio agroex-portador e da escravidão, repleta de “senhores de baraço e cutelo” que exerciam (e até hoje exercem) um poder infi nito sobre seus ser-vos – julgando, inclusive, “natural” o direito de violar suas escravas, sem o menor pejo de atribuir toda e qualquer culpa às vítimas, que, afi nal, foram feitas “à imagem do demônio” e são indignas de nossa fé...

O episódio é uma demonstração cabal do ranço (ou seria essência?) de conservadorismo que permeia esta sociedade estamental e oligár-quica, “cujos donos do poder”, cultivando o tipo “ideal” do homem “cordial”, de que nos falou Sérgio Buarque de Holanda, se apropriaram do Estado para promover a mais ampla e desavergonhada pilhagem das riquezas que milhões de trabalhadores explorados até a exaustão produzem nos campos e cidades da triste República. Aliás, no mesmo instante em que dom José Cardoso Sobrinho enunciava suas heresias aos jornais, Fernando Collor era eleito o novo “gerente do PAC”, ou seja, presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado, unindo as duas pontas – do PT ao PTB – das forças políticas que administram a colônia, graças às artimanhas do velho coronel Zequinha do Sir Ney, símbolo rematado da capacidade que as oligarquias tupiniquins têm de permanecer no poder “desde os tempos da lamparina”, como opor-tunamente escreveu um colunista da grande imprensa.

As reações às declarações do arcebispo ecoaram em todo o país. Não faltou quem associasse a “excomunhão” aos tempos da Inquisição, para desespero de alguns católicos mais honrados, e até Lulinha Paz & Amor, fi ador da “salada” que elegeu o “caçador de marajás”, ergueu sua voz para lamentar o “comportamento conservador” do religioso e dizer que, “neste caso, a medicina está mais correta que a Igreja”. O inevitável desgaste da instituição já é visível nas seções de cartas dos jornais: um leitor de Paulínia (SP), por exemplo, diz que “o Deus de dom José é um Deus mau e insensato, que não aceita em seu reino as pessoas que fazem o bem e salvam vidas”. E o cordelista Miguezim de Princesa afi nou sua lira para cantar que “o mundo está virado / e cheio de desatinos: / missa virou presepada, / tem dança até do pepino / padre que usa bermuda, / deixando mulher buchuda / e bulindo com os meninos”...

As instituições, dentro de uma sociedade de classes, servem ao status quo, mas podem cindir-se e, até mesmo, aliar-se às classes populares, como fi zeram notáveis bispos defensores da Teologia da Libertação na América Latina. Convém, porém, não esquecer que a proximidade com o poder tem sido fatal para alguns: em Cuba, após a Revolução, foi a Igreja Católica que patrocinou a absurda Operação Peter Pan, enviando para os EUA milhares de fi lhos da burguesia, sob a alegação de que estes seriam seques-trados pelo governo de Fidel e remetidos para a Sibéria, onde seriam assassinados para fazer salsichas (!!!). As relações do regi-me com a hierarquia católica se abalaram tanto que somente nos anos de 1990 se logrou uma reconciliação com o Vaticano, selada com a visita de João Paulo II ao arquipélago. Será que dom José e outros seguirão pela mesma trilha, açoitando as fi lhas de Eva? Miguezim já avisou: há “milhões morrendo de Aids / É grande a devastação, / Mas a Igreja acha bom / Furunfar sem proteção / E o padre prega na missa / Que camisinha na linguiça / É uma coisa do Cão.”

Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana,

é autor de Extranjeros: refl exões, crônicas e fi cções de um brasileiro em Cuba no “Período Especial”.

O ministro Gilmar Mendes não esconde sua parcialidade e de que lado está. Como grande proprietário de terra no Mato Grosso, ele é um representante das elites brasileiras, ciosas dos seus privilégios

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ta o terceirizado, que, duran-te dois dias, abriu e fechou o reator.

Houve coação da Petrobras também entre os trabalhado-res concursados, com o envio de telegramas para suas casas, pressionando-os a voltar pa-ra o trabalho e alegando que o Sindicato estava servindo aos interesses de poucos trabalha-dores. “É um grupo pequeno [o dos novatos e futuros], mas é um grupo que tem direito de receber o extraturno”, destaca Itamar Sanches, coordenador do Sindipetro-SP. (AS)

*Nome fi ctício.

Assembleia: segurança comprometida

Trabalhadores na Replan: reação ao ataque da Petrobras a direitos trabalhistas

de 12 a 18 de março de 2009 3

brasil

Aline Scarsode Paulínia (SP)

DURANTE SETE longos dias, os trabalhadores da Refi naria de Paulínia (Replan), em São Paulo, cruzaram os braços contra o corte do extraturno – adicional recebido nos fe-riados trabalhados – aos ad-mitidos depois de 1999. De forma radicalizada, o movi-mento, que durou da meia-noite do dia 2 até às 19 ho-ras do dia 8, diminuiu a pro-dução da maior refi naria do país, responsável por 20% do abastecimento do mercado nacional de combustíveis, e reascendeu o movimento or-ganizado de petroleiros. Es-tes têm agendada uma greve nacional para o dia 23, nas 17 bases sindicais.

As duas entidades nacionais da categoria prometem, ago-ra, dar sequência à luta. “Os bravos companheiros(as) da Replan dão o exemplo: é na luta que nossos direitos são conquistados e mantidos!”, exalta nota da Frente Nacio-nal dos Petroleiros (FNP).

Já a Federação Única dos Petroleiros (FUP) entende que “a suspensão do paga-mento das horas-extras dos feriados trabalhados (extra-turno) na Replan foi a gota d’água de uma série de ata-ques feitos pela Petrobras aos direitos dos trabalhado-res”. Em comunicado, o Con-selho Deliberativo da entida-de indicou cinco dias de gre-ve a partir do dia 23.

A mobilizaçãoSob o sol abrasador (na se-

mana mais quente dos últi-mos quatro anos na região de Campinas, SP), os petro-leiros fi zeram pipocar pique-tes nas 14 portarias da refi na-ria. Muitos dormiam no lo-cal, dentro dos carros ou em

MOVIMENTO SINDICAL Justiça e estatal reprimem mobilização e petroleiros tiram greve nacional para o dia 23

barracas, alimentando-se de “quentinhas” e lanches, vol-tando para casa somente pa-ra tomar banho. A resistência teve adesão de mais de 90% dos operários próprios da unidade, especialmente entre os trabalhadores mais novos, contratados em 2008 e co-nhecidos pelos veteranos co-mo “borrachos”. Na refi naria, trabalham 1,1 mil trabalhado-res concursados.

A Petrobras respondeu ra-pidamente diante da movi-mentação, antes mesmo de decretado formalmente o iní-cio da greve. Prevendo a pa-ralisação dos turnos poste-riores, a empresa impediu os 72 trabalhadores do Gru-po 5 de deixarem a refi naria logo após encerrado o turno de domingo (1º), às 15h30. A partir de então, seriam 43 ho-ras de tensão, pressão e cár-cere, sob a ameaça de perda do emprego por justa causa, caso os operários abandonas-sem o posto de trabalho.

Perseguição judicialDiante da situação, o Sindi-

cato Unifi cado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sin-dipetro-SP) entrou com uma ação de habeas corpus na 2ª vara do Trabalho de Paulínia. O recurso, porém, foi nega-do pelo juiz federal do Tra-balho, Álvaro dos Santos. Em processo, a excelência decla-rou que “parece natural” que trabalhadores “se disponham a manter o funcionamen-to desse sistema. Mais natu-ral então, ainda, que estejam exaustos, preocupados e de-sanimados”. Para Santos, os trabalhadores não eram im-pedidos de sair da refi naria, o que havia era “uma eviden-te colaboração responsável. Com elevado custo pessoal, mas responsável”.

O parecer do juiz foi cor-roborado após a visita de um

ofi cial de Justiça, que visi-tou os setores da Replan in-dagando aos trabalhadores se sentiam-se em cárcere. “O ofi cial estava acompanhado de um dos gerentes e do ju-rídico da Petrobras. Era uma situação de coação, as pesso-as não se sentiam à vontade para falar”, conta o trabalha-dor Alberto Fontes*.

TorturaSetores como o Centro de

Controle Integrado, compos-to por operadores conheci-dos pela atuação em movi-mentos de greve, foram ig-norados pela empresa e pe-

la Justiça. Dele fazia parte a operadora Luciana Lopes*. “Quando não saiu o habeas corpus foi duro, havia muita expectativa de ir embora. Fo-mos obrigados a fi car, está-vamos cansados, há 30 horas sem dormir. Sabíamos que só poderíamos sair se a refi -naria parasse ou outra equi-pe assumisse, porque havia risco de vazamento de gás e de incêndio. E isso é pior que cárcere privado, é tortura psicológica”, denuncia.

O operário Alberto tam-bém relata que se sentiu nu-ma sessão de tortura. “O am-

biente era hostil, estressante.A ausência da família judia dopeão. Estávamos confi nados, dormindo pouco, cansadose com a responsabilidade decuidar de uma refi naria.” Ain-da abalado, o operador refor-ça a negligência da Petrobras,que optou por produção, enão por segurança. “A cadahora que passava, o cansaçoaumentava e o estágio de vi-gilância naturalmente dimi-nuía, colocando em risco a vi-da dos próprios trabalhado-res e da comunidade circun-vizinha”, explica.

*Nomes fi ctícios.

de Paulínia (SP)

Depois de quase dois dias presos dentro da Refi naria de Paulínia (Replan), somente às 11 horas do dia 3 o Grupo 5 foi liberado das instalações da fá-brica. Os trabalhadores foram recebidos em clima de euforia pelos grevistas, após negocia-ção de entrada de uma equi-pe de contingência da Petro-bras. O novo time foi formado fundamentalmente por geren-tes e supervisores, conhecidos popularmente por “chefetas” e “pelegos”. Para eles, a situ-ação seria ainda mais deses-peradora, pois trabalhariam até às 19 horas do dia 7, tota-lizando cinco dias de confi na-mento.

O coordenador da regional de Campinas do Sindipetro, Danilo Silva, chama a aten-ção para o fato de que “os che-fetas” exerceriam cargos de operadores na refi naria, fun-ção que conheciam, mas que não era executada há tempos. “Isso, somado ao cansaço, re-

vela o real compromisso da Petrobras com a segurança”, pontua.

PressãoTrabalhadores terceirizados

também foram obrigados a se juntar à equipe de contingên-cia e realizaram funções dife-rentes das que estão capacita-dos. É o que relata Sandro Go-doy*: “A Produman [empresa de manutenção] pediu para fi -car. A gente, com medo de ser mandado embora, fi cou. Per-der o emprego é o maior me-do do trabalhador. Mas não via a hora de ir embora”, rela-

de Paulínia (SP)

No dia 4, o segundo da pa-ralisação, em assembleia lo-tada, os terceirizados apro-varam por unanimidade greve de solidariedade aos petroleiros parados. Outras unidades do Brasil também manifestaram apoio, atra-sando as atividades e redu-zindo a emissão de permis-sões de trabalho (PTs) – au-torização para execução de operações.

O clima era de confrater-nização e combate nos pi-quetes. Operários escreviam em quadros o nome dos ge-rentes, supervisores e ope-radores que furavam a gre-ve, barravam caminhões de comida e de produtos es-

tratégicos para a produção, como o gás nitrogênio. Um abaixo-assinado foi feito e endereçado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, exigindo que ele interviesse na situação.

Alta tensãoPiqueteiros lançavam-se

ao chão para impedir que

de Paulínia (SP)

Após reunião realizada no Ministério Público do Tra-balho (MPT) de Campinas, no dia 6, a procuradora Re-nata Coelho Vieira entrou com ação contra a Petrobras para a retirada da equipe de contingência. O desem-bargador federal do Traba-lho, Renato Buratto, a pedi-do do MTP, visitou a Replan e constatou a “condição de-gradante” dos funcionários da Petrobras, muitos dor-mindo em colchões espalha-

dos pelos setores. No entan-to, ele exigiu o relaxamento dos piquetes, com a entrada de comida, pessoal de lim-peza e caminhões de gás ni-trogênio.

Perto de entrar no oita-vo dia de paralisação, no dia 8, Buratto decretou que cobraria pena de R$ 50 mil por cada pessoa ou veícu-lo barrado pelos piquetei-ros. A decisão ocorreu sob clima de revolta entre os trabalhadores, que se vi-ram obrigados a suspender a greve. Ironicamente, se-riam subtraídos da empre-

90% dos operários da unidade aderiram à greve

Quanto “Fomos obrigados a fi car, estávamos cansados, há 30 horas sem dormir”, relata funcionário

Paralisação radicalizada em refi naria da Petrobras incendeia a categoria

“Perder o emprego é o maior medo do trabalhador”, reconhece contratado

caminhões entrassem na re-fi naria. A Petrobras alugou pelo menos oito helicópte-ros para aumentar o efetivo e garantir a produção. Greve parecida não se via há tem-pos. A última foi a de 1995, tornando-se, inclusive, re-ferência para o movimen-to sindical petroleiro e na-cional.

A radicalização obrigou a Petrobras a abrir negocia-ções. Em reunião com re-presentantes do sindica-to em São Paulo, no dia 5, a empresa disse que paga-ria o extraturno para os ad-mitidos até 2007, excluindo os novatos e os futuros con-tratados. A proposta não foi aceita e, diante da recusa, não foi feita nenhuma ou-tra. (AS)

sa R$ 1 mil de cada funcio-nário mantido no grupo decontingência. “Foi revol-tante”, sinaliza o coordena-dor regional do Sindipetro,Danilo Silva.

Os trabalhadores, no en-tanto, não se sentiram der-rotados. “Entro em greve mais uma vez se precisar. A Petrobras não pode tra-tar o trabalhador como se isso fosse um regime escra-vo”, afi rma o “borracho” Pe-dro Gama*, que já trabalhou dois feriados sem receber o extraturno. (AS)

*Nome fi ctício.

Medo e coação espalhados entre os terceirizadosEmpresa obrigou trabalhadores a realizar funções diferentes daquelas para as quais foram capacitados

O movimento se agudizaGrevistas montam piquetes e recebem apoios pelo país

Operários barravam caminhões de comida e de produtos estratégicos para a produção

No fi m, a Justiça obstrui mobilizaçãoDesembargador federal impõe multa de R$ 50 mil

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João Zinclar

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O arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho

de 12 a 18 de março de 20096

brasil

Brasil arcaicoTodo mundo sabe que o gover-

nador do Maranhão, Jackson Lago, tem uma vida política marcada por seriedade e honestidade. É a his-tória dele. Todo mundo sabe que a família Sarney tem exercido o domínio daquele Estado na base de negociatas políticas e administrati-vas, com corrupção das grossas. Por isso mesmo o Tribunal Superior Eleitoral cassou Jackson Lago para entregar o governo maranhense pa-ra Roseana Sarney. Com a bênção de quem?

Ataque culturalCom suas terras reconhecidas

desde 2000, os quilombolas de Al-cântara, no Maranhão, continuam perseguidos pela Empresa Binacio-nal Alcântara Cyclone Space, que invade o território da comunidade e força a remoção de famílias. A ação nefasta da empresa já causou danos culturais e ambientais irreparáveis. As entidades dos quilombolas pe-dem socorro às autoridades estadu-ais e federais.

Crime políticoO líder dos moradores da Ter-

ra do Sol, uma ocupação na zona oeste do Rio de Janeiro, foi assas-sinado no dia 4, com três tiros, aparentemente sem testemunhas, em frente à sede da associação. As famílias que moram na Terra do Sol já vinham sendo ameaçadas pela prefeitura municipal e pela Polícia Militar desde meados de 2008. As autoridades não se manifestaram sobre o crime.

Manobra eleitoralA invasão da favela de Paraisó-

polis pela Polícia Militar, em São Paulo, sob o pretexto de combater o crime organizado, visa não apenas intimidar a comunidade e proteger os ricos moradores dos condomí-nios de luxo do Morumbi, mas tam-bém envolver algumas lideranças locais com a candidatura presiden-cial de José Serra (PSDB). O Estado e a prefeitura vão fazer uma “virada cultural” dentro da favela.

Sem pudorAo assumir o controle acionário

da Universidade Ibirapuera, de São Paulo, o empresário José Campos de Andrade, proprietário de escolas no Paraná e em Brasília, não teve o menor pudor em afi rmar para a imprensa que vai mudar o perfi l da instituição: “Não quero universi-dade barata, nós somos elite”. Está aí um exemplo de mercenário-mo-delo do ensino superior no Brasil, geralmente bajulado pelo MEC.

Modelo atrasadoA revista britânica The Econo-

mist, considerada a bíblia do capi-talismo mundial, publicou no dia 6 uma curiosa versão de que o Brasil, na sua visão, não sofreu com a crise mundial até agora porque a “indo-lência” do Estado brasileiro atrasou o desenvolvimento econômico do país. A revista se esqueceu de dizer que o Estado, aqui, foi moldado pa-ra favorecer o capital. Especialmen-te o estrangeiro!

Crise existencialA crise econômica mundial está

dando nó na cabeça de muitos li-berais, especialmente depois que o governo dos Estados Unidos praticamente estatizou o CitiBank e o governo da Inglaterra assumiu o controle de dois dos maiores bancos do Reino Unido, o RBS e o Lloyds. Já tem liberal achando que esses países aderiram ao comunis-mo. Na verdade, o que estão fazen-do é socializar os prejuízos, algo típico do capitalismo.

Marolinha brasileiraConsiderada pelo presidente Lula

apenas uma “marolinha”, a crise econômica continua fazendo estra-gos no Brasil, como aumento do desemprego, redução da produção industrial, aumento da inadim-plência – o que tem levado a novas revisões na taxa de crescimento deste ano, que já foi de mais de 5%, baixou para 4%, chegou a 3,5% e agora está em 2%. Onde vai parar ninguém sabe.

Reestatização jáDe acordo com a Agência Pe-

troleira de Notícias, a 2ª Plenária Nacional da Campanha “O Petróleo Tem que Ser Nosso”, realizada no Rio de Janeiro no dia 2, com a par-ticipação de mais de 100 represen-tantes de entidades nacionais, de-fendeu a reestatização da Petrobras e rejeitou a criação de uma nova empresa exclusiva para o pré-sal. A luta continua com nova plenária em maio.

fatos em focoHamilton Octavio de SouzaConservadorismo afasta Igreja

Católica da realidade dos fi éisRERELIGIÃO Polêmica em dois casos recentes desnuda a difi culdade da instituição em se adaptar ao mundo atual

Sociedade manifesta opinião contráriaPosição da Igreja Católica foi alvo de críticas de vários segmentos

Crianças pegam água de poça em pequena comunidade quilombola da Ilha de Marajó (PA)

da Redação

Diversas entidades e organiza-ções sociais, muitas delas católi-cas, bem como membros do go-verno, se manifestaram contrá-rias ao posicionamento da Igreja Católica, tanto no caso da menina pernambucana como no do padre e deputado Luiz Couto (PT-PB).

Através de declarações e da di-vulgação de notas de vários seg-mentos, pode-se notar uma forte reação da sociedade em relação ao modo como a direção da insti-tuição sentenciou os dois casos.

Menina pernambucanaNo caso da excomunhão dos

participantes do aborto da me-nina pernambucana de 9 anos, o presidente Luiz Inácio Lula da Sil-va afi rmou que os médicos agiram corretamente e que, apesar de res-peitar a posição da Igreja Católica,

Michelle Amaralda Redação

O POSICIONAMENTO conserva-dor adotado pela Igreja Católica diante de dois casos recentes ge-rou grande polêmica e trouxe à to-na o debate sobre a forma como ela trata assuntos atuais que incidem diretamente na vida da sociedade contemporânea.

No dia 25 de fevereiro, tornou-se público o caso da menina pernam-bucana de 9 anos que foi violenta-da por seu padastro e acabou grá-vida de gêmeos. Com direito ga-rantido por lei e para preservar a saúde da menina, sua mãe decidiu pelo aborto, realizado no dia 4 por uma junta médica do Centro Inte-grado de Saúde Amaury de Medei-ros (Cisam), em Recife.

No entanto, além da violência brutal sofrida por ela, outro fato que chamou a atenção da socieda-de foi a reação da Igreja Católica em relação ao caso. O arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, determinou a excomu-nhão da mãe e dos médicos que re-alizaram o aborto da menina. Para ele, a excomunhão foi dada porque houve desrespeito a uma lei católi-ca: “não matarás”.

Outro caso bastante emblemá-tico também ocorreu no dia 25 de fevereiro. O arcebispo da Paraíba, dom Aldo di Cillo Pagotto, suspen-deu o uso de Ordem do padre e de-putado Luiz Couto (PT-PB). O mo-tivo foi uma entrevista concedida pelo padre na qual questionava o celibato e defendia o uso de cami-sinhas e o combate à intolerância e à discriminação de homossexuais.

Segundo dom Aldo, a posição “provoca confusão entre os fi éis cristãos e contraria as orientações doutrinais, éticas e morais susten-tadas pela Igreja”. Dessa forma, o padre Couto está impedido de rea-lizar atividades próprias de um sa-cerdote, como celebrar missas, até que se retrate publicamente.

Fora da realidadeYury Puello Orozco, da coorde-

nação da organização não-gover-namental Católicas pelo Direito de Decidir, explica que a Igreja se po-siciona assim em situações emble-

máticas porque está completamen-te distante do dia-a-dia das pesso-as, fundamentando suas decisões em princípios abstratos que não condizem com a realidade.

De igual modo, o frade domini-cano Frei Betto considera que, em ambos os casos, pode-se perceber a difi culdade que a instituição tem de se adaptar ao mundo atual. Pa-ra ele, “a Igreja fi ca encastelada em seu principismo abstrato, sem con-siderar o que a teologia chama de ‘moral de situação’, a partir da rea-lidade concreta”.

Orozco defende que a Igreja Ca-tólica deve trabalhar no sentido de criar um discernimento entre seus fi éis, ao contrário de uma ruptura, agindo assim baseada nos princí-pios de misericórdia, consolo e aco-lhimento. Ela defende que, em ca-sos como esses, “a última palavra não deveria ser da Igreja, e sim dos protagonistas do evento, fazendo uso da sua consciência e da sua fé”.

Pensamento controversoUm fato que agravou a polêmi-

ca no caso da menina pernambu-cana foi o arcebispo não excomun-gar o padrasto da menina. De acor-do com dom José, “ele cometeu um crime hediondo. [Mas] Mais grave do que isso é o aborto, eliminar uma vida inocente”, afi rmou.

Orozco considera uma vergo-nha que o arcebispo se declare as-sim: “É triste que ele condene uma criança, a mãe dessa criança e as pessoas que a ajudaram, e não o estuprador”, protesta.

Orozco afi rma que a Igreja Ca-tólica não conhece a realidade das mulheres e mantém uma posição machista em situações como es-ta. “A Igreja, que neste momento

já deveria ministrar os princípios evangélicos da misericórdia, do consolo, novamente mostra o cas-tigo, o autoritarismo”.

Frei Betto afi rma que considera correta a conduta dos médicos que realizaram o aborto e defende que a posição da Igreja Católica deveria ser de perdão ao invés de conde-nação: “Comparo a atitude do ar-cebispo com a de Jesus diante da mulher adúltera... Que diferença! Jesus foi capaz de compreender, perdoar”, pondera.

Liberdade de escolhaEm relação à suspensão do padre

Couto, dom Tomás Balduíno, bispo emérito de Goiás e conselheiro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), defende que haja liberdade de pen-samento dentro Igreja Católica. “Algo que está muito presente na caminhada da Igreja é esse plura-lismo de pensamento, a diversida-de dentro da comunhão”, afi rma.

Dom Tomás explica que isso “não signifi ca que quem pensa des-sa ou daquela maneira esteja rom-pendo com a comunhão. A comu-nhão de adultos supõe liberdade, questionamento, aprofundamen-to e busca”.

Para Orozco, a reação da Igre-ja diante das declarações do pa-dre Couto demonstram que ela não tem considerado questões co-mo saúde pública, como no caso do uso de preservativos.

Ela acrescenta que o direito de escolha deve ser garantido a todos, de modo que as pessoas optem se-gundo sua consciência. “Deus vai julgar os seres humanos pelo se-guimento da sua consciência. Es-te recurso é respaldado, autorizado e explícito dentro do catecismo da Igreja Católica”, completa.

RepercussãoDom Tomás teme agora que jo-

vens seminaristas fi quem com me-do de serem afastados do serviço eclesiástico por manifestar seus pontos de vista. Por outro lado, o bispo acredita que o caso pode ter efeitos positivos: “Espero que gere maior discernimento dentro da co-munidade eclesial”.

Orozco acredita que ambos os casos talvez contribuam para uma mudança no pensamento con-servador da instituição por cau-sa da ampla repercussão que tive-ram. “Eu me atreveria a dizer que a Igreja sai perdendo. Existe um pa-norama de recusa e de indignação geral frente a esse posicionamen-to”, aposta.

Da mesma forma, Frei Betto afi rma que o conservadorismo católico contribui para que os fi -éis busquem outras denomina-ções religiosas, nas quais se sen-tem mais acolhidos pela compai-xão, o perdão e a misericórdia di-vina, manifestados por meio de seus pastores. “A cada ano a Igre-ja Católica perde, no Brasil, 1% dos fi éis”, relata.

considera-a conservadora.Da mesma forma, o ministro da

Saúde, José Gomes Temporão, classifi cou como radical e inade-quada a posição do arcebispo. “Fi-quei impactado pelos dois eventos, pela agressão contra essa menina e pela reação da Igreja. A postura da Igreja é retórica e não tem respal-do no Judiciário. A Igreja tem uma opinião, mas a saúde trabalha em defesa da vida”, afi rmou.

O Conselho Nacional dos Direi-tos da Mulher declarou solidarie-dade à equipe médica que realizou o aborto e criticou a reação da Igre-ja Católica. “Manifestamos nos-so repúdio à ingerência da Igreja Católica, que tentou inviabilizar o atendimento a essa menina, aten-dimento esse que obedece a uma política pública de saúde ampara-da em lei”, conforme nota.

No entanto, o chefe do departa-mento do Conselho Pontifício pa-ra a Família do Vaticano, Gian-

franco Grieco, declarou-se favorá-vel à excomunhão. Para ele, a Igre-ja não pode trair o princípio de de-fesa da vida. “É muito delicado, mas a Igreja nunca pode trair o seu anúncio, que é defender a vida des-de a concepção até à morte natural, mesmo em face de um drama hu-mano tão forte como o da violência de uma criança”, argumentou.

Padre CoutoEntidades católicas e personali-

dades políticas manifestaram apoio

ao deputado Luiz Couto. Ele é pa-dre há mais de 30 anos e foi eleito, pela segunda vez, presidente da Co-missão de Direitos Humanos e Mi-norias (CDHM) da Câmara de De-putados no dia 4.

O presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini, divulgou no-ta em que se solidariza com a si-tuação vivida pelo padre e afi rma que “Luiz Couto tem sido um in-cansável defensor dos direitos humanos, da cidadania e da jus-tiça social”.

A Comissão Pastoral da Terra também enviou nota de solida-riedade, afi rmando que o padre é um “sacerdote fi el ao seu Ministé-rio, se colocando a serviço dos po-bres e excluídos, sendo um grande defensor dos direitos humanos”. O comunicado ainda destaca sua atuação política no combate à vio-lência contra as pessoas como re-lator da CPI da Prostituição Infan-to-Juvenil. (MA)

“Luiz Couto tem sido um incansável defensor dos direitos humanos, da cidadania e da justiça social”

Frei Betto afi rma que considera correta a conduta dos médicos que realizaram o aborto

Dom Tomás explica que “a comunhão de adultos supõe liberdade, questionamento e busca”

Juliana Leitão/Folha Imagem

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Cerca de 600 trabalhadoras ocuparam área canavieira do grupo Cosan em Barra Bonita, São Paulo

ANÁLISE

de 12 a 18 de março de 2009 7

brasil

No Rio Grande do Sul, os impactos do plantio comercial de eucalipto para produção de celulose também foram o eixo das mobilizações

da Redação

As ações das mulheres da Via Campesina foram rea-lizadas nas regiões Centro-oeste, Sudeste, Sul e Nor-deste, pautando principal-mente os impactos sociais e ambientais causados pelo agronegócio e pela atuação das transnacionais.

Em Brasília (DF), 800 mulheres da Via Campesi-na ocuparam o prédio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) como protesto con-tra a política agrária do go-verno. O ato também lem-brou o fechamento das esco-las itinerantes do Movimen-to dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST) no Rio Grande do Sul, por determi-nação do Ministério Públi-co Estadual e do governo de Yeda Crusius (PSDB).

Em São Paulo, cerca de 600 trabalhadoras ocupa-ram, na manhã do dia 9, uma área do Grupo Cosan no município de Barra Boni-ta, na região de Jaú, para ex-por os impactos ambientais e sociais do agronegócio no Estado, sobretudo por parte do setor sucroalcooleiro.

No Espírito Santo, 1,3 mil mulheres ocuparam, tam-bém no dia 9, o porto de ex-portações da empresa Ara-cruz Celulose (Portocel) em Barra do Riacho, no municí-pio de Aracruz, para denun-ciar a concentração de terras da empresa, utilizadas para plantio de eucalipto, e o re-

Crise e agronegócio pautam jornada MULHERES Com protestos e ações em quatro regiões do país, mulheres da Via Campesina denunciaram, no dia 8 de março, os impactos do agronegócio no campo e o apoio do governo brasileiro às empresas afetadas pela crise

Patrícia Benvenutida Redação

CAMPONESAS DE todo o pa-ís realizaram protestos e ações para denunciar a expansão do agronegócio e os incentivos do governo brasileiro para em-presas transnacionais em ple-na crise fi nanceira. As mobili-zações fazem parte da Jorna-da Nacional de Luta contra o Agronegócio e em Defesa da Reforma Agrária e da Sobe-rania Alimentar, que aconte-ce todos os anos para celebrar o 8 de março, Dia Internacio-nal de Luta da Mulher.

Marina dos Santos, da coor-denação nacional da Via Cam-pesina Brasil, explica que o objetivo da Jornada, este ano, foi alertar a população sobre os prejuízos do modelo econô-mico que predomina no cam-po, baseado no latifúndio e na exportação, especialmente pa-ra os camponeses. “Esse mo-delo tem trazido várias con-sequências para a sociedade brasileira, seja na questão do trabalho escravo, da degrada-ção e destruição ambiental, na liberação de sementes trans-gênicas ou da produção dos monocultivos com prioridade para exportação, que não dei-xam espaço e terra sufi cientes para a produção de alimentos no Brasil”, afi rma.

As ações das trabalhadoras também foram uma crítica ao apoio que o governo vem ofe-recendo aos grandes empresá-rios afetados pela crise econô-mica, sobretudo àqueles liga-dos ao latifúndio, o que cola-bora, segundo Marina, para a manutenção do sistema capi-talista. “Esse modelo de de-senvolvimento que está aí é fortalecido e sustentado pe-lo Estado brasileiro, que está se colocando a serviço de sal-var as empresas através de re-cursos públicos, com fi nancia-mento do BNDES”, denuncia.

As verbas públicas para o agronegócio, no entanto, não foram sufi cientes para impe-

dir o desemprego no setor, o segundo mais afetado até agora pela crise. De acordo com o Ministério da Agricul-tura, apenas em dezembro de 2008 foram 134 mil demis-sões no campo.

Para evitar mais prejuízos para os trabalhadores rurais, Marina reforça a necessidade de outra postura por parte do governo, que seja voltada para as necessidades da população e não para os interesses de ge-ração de lucro. “O Estado bra-sileiro, nesse momento em es-pecial de crise que a humani-dade está vivendo, tem que se colocar a serviço da refor-ma agrária, da produção de alimentos, da valorização da semente crioula, que, histori-camente, esteve na mão dos camponeses”, argumenta.

Mulheres, as mais afetadasA jornada também debateu

as consequências do agrone-gócio para as camponesas, que, de acordo com Marina, arcam com os maiores pre-juízos. “As mulheres, na nos-sa visão, são as que pagam a conta mais cara, pela falta de educação no campo, pela fal-ta de políticas públicas volta-das à saúde, pelas condições de trabalho e carga de traba-lho e, principalmente, pelas necessidades em torno dos fi -lhos”, explica.

Em relação ao desempre-go no meio rural, as mulhe-res também são as mais atin-gidas, principalmente em re-giões onde há predomínio de monocultivos. Ana Soares, da coordenação da Via Campesi-na no Rio Grande do Sul, lem-bra que, além dessas lavouras gerarem poucos empregos, os poucos postos de trabalho são destinados a homens, restan-do às mulheres poucas op-ções. “O único papel que tem para as mulheres nesse meio é a prostituição ou fi car no es-paço privado de fazer tarefas de casa. E nós compreende-mos que nós temos uma tare-fa, sim, que é a de produzir ali-

mentos”, argumenta.

Ações positivasAs denúncias da Via Cam-

pesina também foram leva-das ao diretor-geral da Orga-nização das Nações Unidas para Agricultura e Alimenta-ção (FAO), Jacques Diouf, que convidou um grupo de mulhe-res para discutir as propostas da organização para o campo brasileiro.

Para Marina dos Santos, o encontro foi uma garantia a mais de que as mobilizações deste ano cumpriram seu pa-pel, que foi levar à população um debate acerca do agrone-gócio e da atuação das trans-nacionais, questões que não têm espaço na grande mídia. “Foi uma jornada positiva, com um saldo importante pa-ra toda a sociedade, não só pa-ra os movimentos sociais do campo”, analisa.

passe de verbas públicas pa-ra a transnacional.

No Rio Grande do Sul, os impactos do plantio comer-cial de eucalipto para pro-dução de celulose também foram o eixo das mobili-zações. No dia 9, cerca de 700 mulheres da Via Cam-pesina ocuparam a Fazen-da Ana Paula, no município de Candiota, de proprieda-de da Votorantim Celulose e Papel (VCP), realizando o corte de eucalipto no local. No dia 10, agricultores as-sentados no entorno corta-ram mais eucaliptos na fa-zenda, em apoio à ação das camponesas. Em Porto Ale-gre, 800 integrantes da Via Campesina e do Movimen-to dos Trabalhadores De-sempregados (MTD) mar-charam em direção ao pré-dio do Ministério da Justiça pedindo o fi m da violência contra as mulheres.

No Paraná, 1,2 mil traba-lhadoras participaram de debates no Centro Comuni-tário da prefeitura de Pore-catu, norte do Estado e, no dia 8, realizaram uma mar-cha no centro da cidade. En-tre as reivindicações estavam o assentamento de 6 mil fa-mílias que permanecem nos cerca de 65 acampamentos do Estado e a desapropria-ção da Fazenda Variante, do grupo Atalla, que fi ca no mu-nicípio de Porecatu.

O alvo dos protestos em Pernambuco foram as usi-nas de cana-de-açúcar e o trabalho escravo. Dia 9, cer-ca de 200 camponesas fi ze-ram um ato na Usina Cru-angi, em Aliança, Zona da Mata Norte de Pernambu-co, onde, em fevereiro deste ano, fi scais resgataram 252 trabalhadores. Em Petroli-na, no sertão pernambuca-no, as camponesas realiza-ram uma manifestação na Companhia de Desenvolvi-mento do Vale do São Fran-cisco (Codefasv) para pro-testar contra o descaso dos órgãos públicos em relação aos trabalhadores rurais.

No Maranhão, as mulhe-res destruíram, dia 9, uma produção de eucalipto em uma fazenda da Vale em Açailândia, em repúdio ao avanço da monocultura na região. (PB)

Antonio Cechin e Jacques Távora Alfonsin

Entre os protestos que as mulheres campesinas estão fazendo para celebrar o Dia Internacional da Mulher, fo-ram encaminhadas cinco car-tas abertas, endereçadas ao presidente do Tribunal de Justiça do Estado, ao presi-dente do Tribunal Regional Federal, ao procurador-ge-ral de Justiça, ao procurador-chefe da Procuradoria Regio-nal da República da 4ª Região e à secretária de Educação do Estado.

É notável o fato de que, em todas essas cartas, as violên-cias das quais elas se queixam – com provas signifi cativas de violações fl agrantes dos seus direitos humanos fundamen-tais, relacionadas com acon-tecimentos recentes ocorridos aqui no Estado – não rece-beram atenção pronta de ne-nhum daqueles órgãos públi-cos administrados pelos desti-natários dessas queixas.

Junto aos Tribunais de Jus-tiça, entre outras coisas, se queixaram do fato de que os confl itos agrários submeti-dos a Juízo nunca ultrapas-sam o exame superfi cial do título de propriedade da ter-ra, sem considerar o que a Constituição Federal, o Es-tatuto da Terra e da Cidade dispõem, a respeito da fun-ção social de um bem como a terra, indispensável à preser-vação do meio ambiente e da vida de toda a população. Do

procurador-geral de Justiça, que comanda os promotores de Justiça do Estado, além de denunciarem a perseguição sistemática que os mesmos estão fazendo contra as(os) agricultoras(es) sem- ter-ra, cobraram as razões pelas quais não se fornece informa-ção sobre o andamento das denúncias que os movimen-tos sociais fazem contra os abusos de autoridade pratica-dos contra as suas lideranças e seus outros integrantes, de modo particular pela Polícia Militar do Estado. Do procu-rador-chefe da Procuradoria Regional da República da 4ª Região, exigiram um posicio-namento claro sobre a grave ameaça que pesa sobre o ter-ritório e a gente daqui, no re-ferente às agressões ao meio ambiente e à pretensão das transnacionais de diminuir a nossa faixa de fronteira, pa-ra facilitar a sua avara sede de lucro, em prejuízo da bio-diversidade, da terra destina-da à alimentação e à moradia. Para a secretária de Educação do Estado, as mães campesi-nas mostraram o irreparável prejuízo que suas fi lhas e seus fi lhos estão sofrendo com o fechamento das escolas itine-rantes que o MST mantinha. É sabido que tais escolas fun-cionavam com apoio expres-so do próprio Conselho Esta-dual de Educação, reconhe-cendo-se o fato de que, por força da própria perseguição que as(os) sem-terra sofrem por parte dos latifundiários, da mídia e do próprio Poder

Público, eles têm de mudar de lugar a toda hora. Como se sabe, “em plena luta pela re-dução da jornada de trabalho para 10 horas (!...), 129 tece-lãs da Fábrica de Tecidos Cot-ton, em Nova York, cruzaram os braços, na primeira greve americana conduzida exclu-sivamente por mulheres, no dia 8 de março de 1857. Cer-cadas pela polícia, foram en-cerradas dentro da fábrica, na qual patrões e policiais atea-ram fogo. Morreram carboni-zadas.” Pelo jeito, a memória vergonhosa desse fato ainda não sensibilizou o Poder Pú-blico do Estado, pela primei-ra vez governado por uma mulher. Quando esse poder somente se relaciona com o povo através das violentas re-pressões da polícia, não é que esteja sendo infi el somente aos fundamentos de um Esta-do que se pretende democrá-tico e de direito, entre eles o da cidadania e o da dignidade humana, previstos na Consti-tuição Federal em seu primei-ro artigo – ele está sendo in-fi el à sua própria origem, que não é outra senão a de respei-tar a soberania desse mesmo povo, reconhecida no mes-mo artigo. É aí que falta a le-gitimidade para a legalidade, abrindo-se a chance não para a possibilidade, mas sim para o dever de desobedecer, como as mulheres campesinas já fi -zeram na Barra de Ribeiro e acabam de fazer em Candio-ta: “Atingir-se-á o “ponto do não-direito” quando a con-tradição entre as leis e medi-

As mulheres e o 8 de março. Um manifesto pelo direito de desobedecer

De acordo com ela, o suces-so da Jornada deste ano ates-ta a importância e a efetivida-de das mobilizações das cam-ponesas em torno do Dia In-ternacional da Mulher, espe-cialmente a partir de 2006, quando 2 mil integrantes da Via Campesina ocuparam um horto fl orestal da Aracruz Ce-lulose em Barra do Ribeiro, Região Metropolitana de Por-to Alegre (RS).

A ação, que repercutiu mun-dialmente, serviu, na sua ava-liação, para que as campone-sas brasileiras resgatassem o 8 de março como um dia de luta. “A partir daí está sen-do um movimento crescen-te a cada ano, e há um envol-vimento maior das mulheres, garantindo também esse pro-cesso de autonomia para se-rem realizadas as ações e as jornadas em torno do 8 de março”, avalia.

Ações denunciam monocultivos e trabalho escravoMarchas e ocupações fazem parte das mobilizações da Via Campesina

das jurídicas do Estado e os princípios de justiça (igual-dade, liberdade, dignidade da pessoa humana) se reve-larem de tal modo insuportá-vel (critério de insuportabili-dade) que outro remédio não haverá senão o de considerar tais leis e medidas como in-justas, celeradas e arbitrárias e, por isso, legitimadoras da última razão ou do último re-curso ao dispor das mulheres e homens empenhados na lu-ta pelos direitos humanos, a justiça e o direito: o direito de resistência, individual e cole-tivo.” Pelo testemunho dessas campesinas na celebração do 8 de março, o fato de recor-darem o martírio massivo e cruel das tecelãs queimadas em 1857 indica que elas co-nhecem muito bem as causas e os responsáveis por aquelas mortes. Não permitirão que isso aqui se repita, nem sob o fogo ideológico do disfarce com que a opressão costuma passar por “natural” o sacrifí-cio intolerável que ela impõe a quem defende a justiça, a li-berdade, a paz e a vida com dignidade .

Antonio Cechin é irmão maris-ta, advogado, especialista em

catequese e um dos fundadores da Pastoral da Terra no Rio Gran-

de do Sul.

Jacques Alfosin é procurador do Estado aposentado, jurista,

advogado dos movimentos po-pulares. Laureado com a meda-

lha Farroupilha, da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

João Zinclar

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de 12 a 18 de março de 20098

cultura

“O que incomoda é a pobreza: não a dos versos, mas a do autor deles”

100 ANOS Patativa do Assaré transformou “coisas complexas para um código de comunicação que fosse compreensivo para o seu povo”

Eduardo Sales de Lima da Redação

No dia 5 completaram-se os 100 anos de nascimento de Patativa do Assaré, um poeta que construiu a si mesmo e desenvolveu uma poesia valo-rizando o sujeito popular. Lei-tor ferrenho de clássicos da li-teratura portuguesa, não se-guiu metodologias acadêmi-cas para elaborar seus versos, e sim sua sensibilidade. O que talhou uma arte para ter, en-tre outras funções, a de en-frentar as injustiças sociais, sem que sua riqueza estética fi casse abalada.

“O Patativa virou um tradu-tor do mundo. Ele se inquieta-va com tudo o que via e ime-diatamente passava a comu-nicar aquilo”, afi rma Luiz Ta-deu Feitosa, antigo amigo e estudioso da obra do autor. Como explica, o poeta trans-formou “coisas complexas pa-ra um código de comunicação que fosse compreensivo para o seu povo”.

Também conhecido como “poeta cidadão”, Patativa vai na contramão de outros escri-tores, considerados eruditos pela universidade, pela aca-demia. O crítico literário Má-

rio Chamie já lembrava pou-co depois da morte de Patati-va: “Enquanto um Guimarães Rosa, um João Cabral de Me-lo Neto e outros escritores eru-ditos convertem a matéria-pri-ma da tradição oral em alta li-teratura, Patativa faz o inver-so; serve-se da literatura eru-dita para enunciar uma lingua-gem de comunicação direta”.

Para ouvirA oralidade dos versos, ca-

racterística acentuada do ser-tanejo e presente desde a “me-ninice” de Patativa, nos reme-te para o fato de que sua po-esia, apesar de conter estilo e métrica, sempre foi cons-truída para ser ouvida. Uma característica produzida pe-la próprio modo de aprender do menino agricultor da Ser-ra de Santana (zona rural de Assaré, no Ceará). Patativa foi “alfabetizado pela voz, não pe-la letra”, lembra Feitosa, que também é professor de jor-nalismo na Universidade Fe-deral do Ceará (UFC). Não à toa, ele recebeu como apeli-do o nome do “Patativa”, pás-saro cantador do nordeste, no período em que visitou Belém (PA), nos anos de 1930.

Um anseio do poeta era o de que o sertanejo se reco-nhecesse por meio da produ-ção cultural local, e não pe-lo que pessoas de outras re-giões do Brasil falavam so-bre ele. Uma parte do poe-

ma “Cante lá que eu canto cá” mostra isso: “A cidade que é sua / Que eu canto o sertão, que é meu”. Segundo Feitosa, o poeta compreendia muito bem o modo preferencial que a mídia eletrônica e outros meios de comunicação utili-zava ao falar do sertão, com “olhar estrangeiro”.

“Ele leu Os Sertões, de Eu-clides da Cunha, e se impres-sionou, por exemplo, com a primeira parte do livro, que de forma muito competen-te falava da ecologia, da geo-grafi a do sertão. Mas na ho-ra em que ele começa a falar do povo e da luta, como pau-lista que era, não havia como retratar esse povo com o có-digo que formava a sua pes-soa; é o olhar do outro”, expli-ca Feitosa.

Doutô?O poeta frequentou a es-

cola somente por seis me-ses. Entretanto, por inicia-tiva própria, leu inúmeras obras clássicas, dentre elas, as de Luiz de Camões e de Bocage. Considerava Castro Alves como seu grande mes-tre. O cearense chegou a ler o Tratado de Versifi cação, es-crito pelos parnasianos Ola-vo Bilac e Guimarães Pas-sos. Agraciado com o títu-lo de Doutor Honoris Causa em três universidades públi-cas do Ceará, Patativa foi es-tudado por universidades na França e na Inglaterra.

Mas sua relação com clássi-cos, eruditos e mesmo com a academia para por aí. Patativa optou por chamar a si mesmo de “poeta matuto”. Segundo Feitosa, era uma forma desde-nhosa de o próprio poeta tra-tar essas instâncias. “A acade-mia acha que para ser o câno-ne literário ou poético tem que

passar pelas bancadas acadê-micas, e isso não é verdade. Porque todos os antropólo-gos sabem que existem for-mas distintas de sabedoria”, afi rma Feitosa.

Outra coisa. Por ter sido al-fabetizado pela voz e não pe-la letra, e posteriormante por transmitir sua arte também pela voz, acadêmicos o classi-fi caram como sendo um poeta analfabeto. Mas tal preconcei-to “faz parte do processo civi-lizatório, em que as hegemo-nias arbitram os padrões que uma sociedade deve seguir”, como explica Feitosa.

Para o pesquisador, Patati-va não precisa desses cânones, da representação materialista, romântica, regionalista para subsidiar sua licença poética, “diferente dos poetas de ban-cada, que precisavam do mo-delo e da metodologia da cria-ção poética para fazer poesia; ele não. Tudo porque ele é gê-nio”, atesta.

Mas o que impede a acade-mia de considerar Patativa tão poeta quanto João Cabral de Mello Neto? Como acrescen-tou outro pesquisador da obra de Patativa, Cláudio Henrique Sales Andrade, “o que inco-moda é a pobreza: não a dos versos, mas a do autor deles”.

Injustiça socialA temática da luta social é

um mote recorrente na poe-sia de Patativa. Segundo seu antigo amigo, Luiz Tadeu Fei-tosa, a proximidade do poeta com a natureza contou como um fator fundamental para esse aprofundamento temáti-co. “Ele via na retidão da na-tureza a antipodia, o contrá-rio das relações sociais. Nu-ma coisa aparentemente sim-ples, havia um fundamento fi -losófi co imenso; era dizer que

cada pássaro tinha seu ninho para habitar e seu ‘pedaço’ de espaço para voar”. Nessa pers-pectiva, segundo Feitosa, ele questionava o porquê de nem todos os sertanejos terem seu “pedaço” de chão, seu “peda-ço” de emprego.

A partir dessa compreensão da natureza, o poeta buscava a correção do social. “Não é por outro motivo que ele abraçou todas as causas dos excluídos e todas as ideologias de es-querda que, com seriedade, buscavam essa democratiza-ção do saber, da igualdade”, completa.

Uma característica forte da personalidade do “poeta cida-dão” foi a coragem com que desenvolveu seu versos em meio ao coronelismo regio-nal. Considerado uma pessoa avançada por seus estudiosos, com mais infl uências do cris-tianismo que de ideias mar-xistas, sofreu mas se rebelou contra a injustiça no campo. Em um de seus poemas escre-veu: “Prucausa de nós sofrê/ Iguá ao boi mamjarra / Sa-mo obrigado a fazê / Reforma Agrara na marra”.

O tradutor centenário dos sertanejosSegundo Gilmar de Carva-

lho, biógrafo e também antigo amigo do poeta, o tratamento especial à questão agrária pro-veio da forte sensibilidade de Patativa, que sempre foi agri-cultor, em relação à concen-tração de terras, seja na região do sul do Ceará, seja no Brasil inteiro. Para ele, a orientação política de poeta não compro-meteu sua poesia. “Isso não fez com que perdesse a quali-dade estilística”, afi rmou Gil-mar à reportagem, então pre-sente na Bienal do Livro do Ceará, realizada em novem-bro de 2008.

Último desejo“Eu não pude dizer isso na

minha tese, senão não pode-ria ter defendido. Mas não te-nho a menor dúvida de que,ainda sem ter leitura sobreo assunto, que havia naqui-lo inspiração divina, trans-cendental”, atesta Feitosa. Opesquisador se explica, afi r-mando “que só quem conhe-ceu de perto Patativa e viu asformas impressionantes decriar a todo instante, sem pa-rar, é que pode dar conta deuma poesia dessa”.

Inspirado até em seu lei-to de morte, Patativa pediuà Luiz Tadeu Feitosa que re-transmitisse seu último dese-jo, menos de poeta, e mais decidadão: que sua obra pudes-se ser estudada, sobretudo,pelas crianças nas escolas. “Eainda disse mais, o que, cer-tamente, faria com que Pau-lo Freire lhe tivesse dado umbeijo no cangote: ‘mas eu nãoquero que seja estudado co-mo é na escola, não, estudarpara fazer prova, estudar pa-ra ser cobrado; eu queria queestudassem para ser refl eti-do’”. (Com informações da Repórter Brasil)

da Redação

Foi na cidade de Assa-ré (CE) que, em 5 de mar-

ço de 1909, nasceu Antônio Gonçalves da Silva. E lá mor-

reu, com 93 anos, no dia 8 de julho de 2002. O poeta era cha-

mado por Dona Belinha e por toda a família de “sinhozinho”. Sempre mo-

rou na Serra de Santana, zona rural lo-calizada a 18 quilômetros do município. Por amor à esposa “Belinha” (Belarmina Paes Cidrão), entretanto, se mudou da

serra para o município de Assaré so-mente aos 70 anos. Ela era mui-

to religiosa e queria morar mais próxima à Igreja.

Luiz Tadeu Feitosa, amigo da família,

conta que o rela-cionamento do poeta com a mu-lher era “algo que não se vê em lu-gar nenhum”. Além de Beli-nha, todos os fi -lhos de Patati-

De 7 de março a 5 de abril, a Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura –, em São Pau-lo (SP), vai expor obras literárias e acervos fonográfi cos e fotográfi cos de Patativa. Paralelamente, ocorrerão pales-tras sobre a vida e a obra do poeta, ofi cinas de xilogravu-ra e repentismo.

A xilogravura nos cordéis, com Valdeck de Garanhuns14 de março, às 20 horas

Patativa do Assaré e o reino da cantoria, com Assis Ângelo21 de março, às 20 horas

Literatura de cordel para jovens e crianças e lançamento do livro O Valente Domador, com César Obeid28 de março, às 17 horas

Ideias para a discussão de uma poética popular, com Ricardo Azevedo28 de março, às 20 horas

Ofi cinas de xilogravura, com Nireuda Longobardi12, 19 e 26 de março, das 16 às 18 horas

Repentistas na hora do almoço, com Sebastião Marinho e Luzivan Mathias13, 20 e 27 de março, das 12h30 às 13h10

O “Sinhozinho” de Belinha

No leito de morte, Patativa desejou que sua obra fosse estudada pelas crianças: “como é na escola, não; queria que estudassem para ser refl etido”

Em São Paulo, Casa das Rosas celebra cem anos de Patativa

va tinham um apreço grande pelo pai, entre eles Inês Ci-drão Alencar. Ela recorda que, muitas vezes, lia alguns po-emas de Patativa só para ele ouvir, porque sentia prazer em escutá-la.

Segundo ela, nos quatro anos que antecederam a mor-te de sua mãe, Belinha, em 1994, em três ocasiões, mes-mo com difi culdades de se co-municar por já ter sofrido um derrame, a esposa de Patativa o havia chamado de “sinhozi-nho”. “Depois da morte dela, ele fi cou muito triste e se tran-cou no quarto. Ele fi cou lá, so-zinho, e só abriu a porta quan-do as fi lhas chegaram”, conta.

Inês, hoje com 70 anos, res-salta que seu pai foi bom e ain-da o é, devido aos benefícios fi nanceiros que suas obras ainda trazem à família. Ela ex-plica que toda a quantia fi nan-ceira que chega ao Memorial Patativa do Assaré serve para mantê-lo; mas o restante é re-partido entre os fi lhos. (ESL)

Para Inês, fi lha do poeta, pai era protetor

O tradutor centenário dos sertanejos

Foi em mil novicentoE nove que vim ao mundoMeus pai naquele momentoTivero um prazê profundo Foi na Serra de SantanaEm uma rede chopana Humilde e mudesto lá Foi aqui onde nasci E a cinco de março vi Os raio da luz solá

Patativa do Assaré

Arquivo Luiz Tadeu Feitosa

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Maurício Funes em campanha: discurso semelhante ao da direita para diferenciar-se na prática

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américa latina

Esquerda em El Salvador: entre dólares e colones, a antiga moeda AMÉRICA CENTRAL Nas eleições do dia 15, candidato da FMLN disputa economia dependente e dolarizada

Venâncio de Oliveira ePedro Carrano

de San Salvador (El Salvador) e Curitiba (PR)

UM COMERCIANTE grita num canto da rua: “a libra de uva custa 1 dólar”. O vendedor é ambulante. A moeda, estadu-nidense. Eis a realidade em El Salvador. O papel cunhado por autoridades dos Estados Uni-dos é o dinheiro vigente no menor país da América Cen-tral. No ano 2000, o partido do governo, Arena, com a descul-pa de criar o bimonetarismo, quando circulariam dólares e colones (antiga moeda salva-dorenha), gradualmente tirou do mercado o dinheiro nacio-nal e proibiu o Banco Central de fabricá-lo.

Nem por isso El Salvador vi-rou um país mais rico. A bur-guesia escolheu o caminho fá-cil: o de sócio menor dos ca-pitais estadunidenses. Antes, a elite salvadorenha investia na produção agrícola e indus-trial. Mas a dolarização facili-tou a sua vida. A dependência é menos arriscada e lucrativa: acenaram para a importação. O governo da Arena dedicou-se a importar insumos para a agricultura, cobrando elevados preços dos camponeses. Com facilidades, passaram a com-prar os produtos no exterior, como milho e arroz estaduni-dense subsidiado, e vender no próprio solo. A produção cam-ponesa foi destruída e a migra-ção se acentuou.

A economia do país susten-tou-se na superexploração das fábricas maquiladoras e na de-pendência das remessas dos migrantes que trabalham no EUA. As chamadas “maqui-las”, uma das apostas da dé-cada de 1990, hoje têm como resultado demissões em mas-sa. A conta corrente do país é pressionada pelas importações das maquiladoras e de alimen-

tos: as “fábricas” importam tu-do o que compram e exportam suas vendas.

EleiçõesÉ a partir dessa linha históri-

ca que o candidato de esquer-da da histórica Frente de Li-bertação Nacional Farabundo Martí (FMLN) tem reais pos-sibilidades de vitória nas elei-ções do dia 15. O comunica-dor Maurício Funes apresen-ta um discurso de mudança se-gura, com a pauta de fábricas maquiladoras mais humanas e a manutenção dos Tratados de Livre Comércio (TLCs) en-tre a América Central e os Es-tados Unidos. Ao mesmo tem-po, em sua plataforma, decla-ra-se defensor de maior inter-venção estatal e da construção de um mercado interno cen-tro-americano.

A vitória da Frente demar-caria um ciclo que coincide com a experiência da Frente Sandinista, na Nicarágua, e do Partido dos Trabalhado-res, no Brasil: partidos com-bativos nos anos de 1970 ou 1980, sínteses da classe tra-balhadora, com amplo apoio das massas, que chegam ao governo quando a estratégia volta-se para a gestão do capi-tal, em meio ao refl uxo das lu-tas sociais. Em El Salvador, no contexto atual, há uma gran-de imobilidade dos movimen-tos sociais, o que se refl ete na pouca movimentação nas ru-as, que aponta para além do período eleitoral.

Partido da ditaduraA campanha de Funes este-

ve centrada em transmitir con-fi ança a empresários e inves-tidores estadunidenses. Anti-ga frente guerrilheira, a FMLN aposta na tática de derrotar a direita com um discurso se-melhante, para diferenciar-se na prática. A partir da as-sinatura dos Acordos de Paz, em 1992, o Partido Comunis-ta (uma das organizações his-tóricas em El Salvador) divi-de-se. O campo que permane-ce dentro da FMLN consegue, em 2004, lançar o nome do mi-litante histórico Jorge Shaffi c Handal para a presidência. Já neste ano, ao contrário, o no-me de Funes, jornalista não or-gânico à esquerda, revela uma hegemonia do núcleo conser-vador do partido.

O comunicador Maurício Funes apresenta um discurso de mudança segura

de San Salvador (El Salvador) e Curitiba (PR)

Novos enfrentamentos es-tão ocorrendo em El Salvador, à margem da luta centrada na questão institucional. A partir do enfrentamento concreto e da demanda dos trabalhadores e camponeses, novas lutas es-tão surgindo, em questões con-tra barragens e as mineradoras norte-americanas (canadenses e estadunidenses) de ouro.

A empresa canadense Pacifi c Rim hoje conspira pela apro-vação de projeto de abertura de minas de ouro em El Salva-dor. No resto da América Cen-tral, esse tipo de extração é co-nhecido pelo uso do metal cia-nuro, contaminante ao extre-mo. O gasto e a contaminação

de San Salvador (El Salvador) e Curitiba (PR)

O território de El Salvador é uma mostra de como a crise do capitalismo, e o seu epicen-tro, nos Estados Unidos, afeta os países dependentes latino-americanos. Com a queda pe-la metade na produção do se-tor de construção nos EUA, milhares de imigrantes per-deram o emprego. Números conservadores apontam que, em El Salvador, 80 mil tra-balhadores voltaram para ca-sa em 2008. O país ao norte é a fonte de onde vêm 80% das remessas enviadas ao país por imigrantes salvadorenhos.

No cenário atual, a família deixa de receber as remessas, que chegam a 16% do PIB do

da água afetam cidades e po-voados camponeses de Guate-mala e Honduras. São utiliza-dos, de acordo com o Centro de Pesquisa sobre Investimen-to e Comércio (Ceicom), cerca de 604 mil toneladas de cianu-ro por ano na América Central – quantidade sufi ciente para matar a população mundial.

As fontes secam, os animais morrem e a paisagem se de-sertifi ca. As organizações te-mem que a América Central

Na América Central, a atualconjuntura pauta novas lutasA margem do enfrentamento institucional, movimentos sociais combatem a construção de barragens e mineradoras

Rodrigo Avila, candidato da Arena, é um antigo coman-do do exército paramilitar da época da guerra civil, os co-nhecidos “esquadrões da mor-te”. Seu discurso confl ui para a criminalização agressiva da es-querda. Desde o ano 2000, o país teve aprovada a lei “anti-terrorista”. Organizações co-mo a Tendência Revolucioná-ria (TR), ligada a movimen-tos sociais de luta contra bar-ragens e mineradoras, defen-dem que a vitória da FMLN tem dois aspectos: o primeiro, derrotar o partido histórico da ditadura. O outro, ver a estra-tégia da Frente à prova.

São 70 anos de ditadura de um mesmo grupo político e ex-ploração em El Salvador. Mas os estragos causados ao pa-ís aprofundaram-se na déca-da de 1990. A renda média do trabalhador salvadorenho não alcança o preço da cesta bási-ca. O salário em maquilado-ras foi a 167,1 dólares em de-zembro de 2008, 9,37% mais baixo do que a cesta básica do mesmo período, que esteve em 176,47 dólares.

Os dados da cesta básica am-pliada (saúde, educação e água) fazem do discurso de progresso da Arena um texto de realismo fantástico. Neste ano, o preço está em 758,02 dólares.

de San Salvador (El Salvador) e Curitiba (PR)

A história de enfrentamentos entre as classes em El Salvador, no século 20, teve como ápice a rebelião de cerca de 40 mil camponeses e indígenas que tomaram ci-dades e formaram sovietes temporários. O ano era 1932. Em reação, a ditadura dos la-tifundiários do café instaurou uma repres-são conhecida como La Matanza, que dizi-mou a população indígena.

A capilaridade do Partido Comunis-ta Salvadorenho (PCS) nos acontecimen-tos de 1932 é um dos fatores que encer-ram um período revolucionário na Améri-ca Latina, que teve infl uência da Revolução Russa, dos escritos de Mella e Mariatégui. O fi m de um período de ascenso em todo o continente.

Em 1931, a elite do café instaura a ditadu-ra e vê o seu projeto em decadência apenas em 1950, com a tentativa de implementar o Mercado Comum Centro-americano, início da industrialização no país e surgimento de um proletariado mais numeroso.

A tentativa do Mercomun, mercado in-terno e de produção própria, logo conhece a sua impossibilidade, na década de 1970. O modelo agroexportador cobra o seu qui-nhão. Com a crise mundial, assim como no Brasil, Nicarágua e outros países, tem iní-cio um processo de reorganização da classe trabalhadora. A experiência das Forças Po-

pulares de Libertação (FPLs) é imprescin-dível para estudar os ciclos do movimento de massas na América Latina. As FPLs se constroem como vanguarda armada, inse-rida nos sindicatos e movimentos sociais, com o foco central no movimento de mas-sas. Durante a década, esgotam-se as sa-ídas democráticas com fraudes em duas eleições (1972-1977).

Entre os anos de 1979 e 1980, ocorre um sangramento terrível para o movimento popular. Perseguições, morte do bispo dom Oscar Romero, fatos que levam as cinco correntes políticas de oposição a formar a Frente Farabundo Martí de Libertação Na-cional (FMLN), uma guerrilha popular. Lu-ta de massas, esgotamento dos caminhos institucionais, unidade da força de esquer-da contra o inimigo de classe – lições da ex-periência dos salvadorenhos.

Em 1989, o FMLN não havia sido derro-tado pelo exército ofi cial, nem conseguido tomar a capital do país. A convocatória pa-ra o levante daquele pode ter sido precipi-tada, uma vez que a Frente possuía acúmu-lo militar, mas a capacidade de convocató-ria das massas era frágil. O governo da dita-dura tomou uma decisão inesperada: bom-bardeou bairros populares nas principais cidades, onde os guerrilheiros contavam com o apoio da população. Com os Acor-dos de Paz, assinados em 1992, a esquer-da julgava ter atingido um objetivo: reti-rar o Estado da sua condição militarizada. (VO e PC)

Os ciclos do movimento de massas Aprendizados do colapso globalPaís é exemplo de como a crise golpeia trabalhadores

país, e ainda ganha mais uma boca para sustentar. No cam-po, pequenos produtores so-frem com a falta de dinheiro para adquirir insumos. Falta, ademais, trabalho.

As exportações das mer-cadorias salvadorenhas pa-ra os EUA devem diminuir. Com a falta de remessas e o freio nas exportações, a es-cassez de dólares afeta o pro-jeto das elites do setor impor-tador. Bancos e empresas fi -cam sem liquidez. As elites encontram-se sem condições de comprar insumos, máqui-nas. Os trabalhadores não têm acesso ao alimento e a produtos essenciais.

DependênciaAssinante de Tratado de Li-

vre Comércio (Cafta) com os

No ano 2000, a Arena desenvolveu um pla-no de desmonte do modelo agroexportador. Reduziu impostos e obstáculos das importa-ções de produtos agrícolas. O setor de produ-ção agrícola representava 38% em 1980, mas passou para 10% em 2000. De acordo com

dados da Organização das Nações Unidas pa-ra a Agricultura e a Alimentação (FAO/ONU) referentes a 2008, 600 mil pessoas passam fome em El Salvador, 10% de sua população em 2005. Em 1992, essa proporção era de 9%. (VO e PC)

Dados sobre o impacto do livre comércio

Estados Unidos, 50% das ex-portações de El Salvador têm o destino ao norte do conti-nente. Outros 30% das ex-portações estão centrados no mercado centro-americano, mas a demanda deste último também será afetada e dimi-nuída com a crise.

Do ponto de vista das mo-bilizações de massas e dasações dos movimentos so-ciais, a classe trabalhado-ra está adormecida. Com vi-tória ou derrota, militantesda Frente Farabundo Mar-tí acreditam que as eleiçõespodem mudar essa conjun-tura. Porém, os movimentossociais do país ao lado, Hon-duras, não esperaram tan-to. Só em 2008, três para-lisações gerais balançaramo país. (VO e PC)

se transforme em um cam-po defi nitivo de contamina-ção, ao passo que as desco-bertas de jazidas minerais, deouro e prata estejam a servi-ço das companhias dos paísescentrais.

Em El Salvador, a luta con-tra as represas envolve um en-frentamento contra um proje-to de dez hidrelétricas. O obje-tivo é a proteção do rio Lempa, que percorre 48% do território nacional. De acordo com Erick Barrera, da organização Fun-dação Promotora de Coope-rativas, as hidrelétricas repre-sentam a realocação dos povo-ados, o que gera perda de solos férteis, infraestrutura das co-munidades e sítios arqueológi-cos, além do risco de inunda-ções e da proliferação de doen-ças. (VO e PC)

Resistência às represas envolve enfrentamento contra um projeto de dez hidrelétricas

Divulgação

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Page 12: Edição 315 - de 12 a 18 de março de 2009

Crianças pobres de Jamba, vila localizada no sul de Angola

de 12 a 18 de março de 200912

áfrica

260 crianças, a cada mil, morrem por ano em Angola, que tem uma população de

18,5 milhões

QuantoNelson Pestana

A POBREZA É um fenôme-no mundial. Desde há algum tempo, várias lideranças se deram conta de que ela é uma questão global localizada em um terreno que mina a coesão social dos países e destrói a ir-mandade dos povos.

É também um fenômeno antigo. As idades Antiga e Mé-dia foram muito marcadas pe-la pobreza, uma vez que eram épocas menos produtivas. Já a Modernidade apresenta-se, pela sua capacidade tecnológi-ca, como a era da abundância. Pela primeira vez na história, o homem foi capaz de produ-zir em quantidade e qualida-de sufi ciente para as suas ne-cessidades. No entanto, conti-nua a haver uma grande mas-sa de pessoas afastadas do bem-estar.

A exclusão provoca a degra-dação do ser humano, estimu-la a sua marginalização, divi-de o mundo entre os que são partícipes do sucesso do de-senvolvimento científi co e tec-nológico alcançados e desfru-tam das vantagens do consu-mo e aqueles que nada têm e se escondem, pois estão rele-gados às sarjetas das grandes avenidas do mundo.

Parece ser já um dado in-controverso o fato de que a po-breza não está mais associada à preguiça de uns, à incapaci-dade de alguns ou à identida-de de outros, mas a uma mui-to desigual distribuição da ri-queza produzida. A curva de progressão da riqueza é cada vez maior, porém, lamenta-velmente, a curva de progres-são da pobreza também au-menta. Daí que se fale no “pa-radoxo da abundância”.

País rico, povo pobreEm Angola, a pobreza de-

ve ser tida como uma vergo-nha nacional. Temos um pa-ís extremamente rico e uma população muito pobre. O que denota que o forte crescimen-to econômico registrado pe-lo país, numa média de 20% nos últimos cinco anos, tem

uma fraca incidência social (com informações do Relató-rio Econômico de Angola).

Nosso país tem uma popula-ção estimada em 18,5 milhões de habitantes, sendo cerca de 12,5 milhões pobres, que vi-vem com cerca de 1,7 dólar por dia, numa situação de ser-viços básicos reduzidos, bai-xos indicadores sociais e fra-co funcionamento do sistema de direitos. A pobreza no pa-ís está associada à vulnerabi-lidade estrutural das famílias, à doença e a um fraco acesso a serviços básicos.

O contexto geral de Ango-la diferencia diversas formas de paupérie e, sobretudo, uma diferença entre a carestia no meio urbano e no rural. Ho-je, a maior parte das pessoas vive nas cidades (65%), sen-do a pobreza das famílias aí estimada em 57%, enquan-to que no campo atinge 94% dos agregados. Aqui, “as fa-mílias mais vulneráveis de-pendem normalmente de ati-vidades agrícolas e do cultivo de alimentos para a sua sobre-vivência, porque têm acesso li-mitado a terras de cultivo e a outros inputs [insumos] agrí-colas, porque têm acesso limi-tado a escolas e serviços médi-cos e água potável e, frequen-temente, são excluídos das de-cisões que os afetam, e ape-nas uma minoria tem conhe-cimentos sobre Aids” (Fun-do de Ação Social-FAS, Po-breza, vulnerabilidade e ex-clusão social em Angola pós-confl ito). Essa vulnerabilida-de é agravada por outras va-riáveis estruturais, específi cas e imprevisíveis (fatores natu-rais e agroecológicos), embo-ra seja diferente de região pa-ra região, em função dos hábi-tos e costumes, da organiza-ção comunitária, da organi-zação social e econômica e da composição demográfi ca da população.

Direito ao bem-estarTais fatores, pelos quais se

manifesta a pobreza, têm um impacto direto na vida coti-diana das populações, pois é no acesso à água potável, à

educação, à saúde, ao crédito, à cultura, aos meios de pro-dução e trabalho, à habitação e às necessidades inerentes à dignidade da pessoa humana que se baseia o futuro das so-ciedades, a construção de uma nação solidária e harmoniosa, onde cada um pode encontrar o seu lugar e ter um sentimen-to de pertença, onde nenhuma pessoa, nenhuma camada so-cial se sinta excluída.

A situação social de Angola pode ser ilustrada também pe-los indicadores do desenvolvi-mento humano do país em re-lação às infraestruturas bási-cas, ao mercado de trabalho, à saúde e nutrição, à educação, às características dos agre-gados familiares, à urbaniza-ção e ao direito à cidadania, num contexto não só de redu-zido acesso a serviços básicos, mas também de fraco funcio-namento do Estado de Direi-to. Perante o contínuo cres-cimento da riqueza nacional (real e potencial), agrava-se o “paradoxo de Angola”, de ser um país rico (muito rico) com uma população muito pobre. O que faz do combate à pobre-za, de fato, não só um desafi o crucial das políticas públicas dos anos vindouros, mas tam-bém uma razão de mobiliza-ção de vários atores sociais.

Combate à pobrezaO governo estabeleceu, a

partir de meados de 2004, uma estratégia de desenvolvi-mento baseada, por um lado, na estabilização macroeco-nômica, na correção das dis-torções da economia, no con-trole e redução da infl ação e, por outro lado, no combate à pobreza.

A estratégia de redução da infl ação e a subida em fl echa

do preço do petróleo reforça-ram os resultados positivos no domínio da estabilização macroeconômica, enquanto que a Estratégia de Combate à Pobreza (ECP), que nunca foi assumida como um guia de ação do governo, foi aban-donada, e os baixos níveis dos indicadores sociais per-sistem. No entanto, a ECP ti-nha como propósito concreto (em consonância com os Ob-jetivos do Milênio – ODM’s) reduzir para metade a popu-lação pobre e a mortalidade infantil (que é de 260/ano, por mil nascimentos).

Da conjuntura que moti-vou a Estratégia de Comba-te à Pobreza, então associada ao programa de estabilização econômica, reinserção social, reabilitação e reconstrução nacional, resta, para bem do país, o Fundo de Ação Social (FAS), fi nanciado pelo Banco Mundial.

DesigualdadesMas o país continua a re-

gistrar não somente uma for-te desigualdade social, mas também grandes assimetrias regionais. A capital do país concentra cerca de um quarto da população (mais de 4 mi-lhões de habitantes) e repre-senta 75% da indústria, 65% do comércio e 90% da ativida-

de fi nanceira e bancária. Além disso, o crescimento econô-mico continua concentrado em dois setores de enclave: o petróleo e os diamantes.

O PIB agrícola e da indús-tria transformadora não repre-sentam mais do que, respec-tivamente, 12% e 15% do to-tal (mesmo se agora revelam uma maior dinâmica). A ques-tão da terra e da sua distribui-ção para o aproveitamento da atividade agropecuária conti-nua a privilegiar um grupo res-trito ligado ao poder. Por ou-tro lado, os investimentos na agricultura têm privilegiado a agricultura empresarial, que abarca um universo reduzido de famílias, em detrimento da agricultura familiar, que repre-senta 1,5 milhão de famílias.

Pouco investimentoTodos esses fatores conjuga-

dos que caracterizam o cresci-mento econômico de enclave são responsáveis pelas redu-zidas oportunidades de em-prego e de rendimento, o que não contribui para a redução da pobreza e, nomeadamente, da pobreza urbana extrema. O desemprego permanece al-to devido não só à fraca capa-cidade da economia de criar empregos – porque a econo-mia de enclave requer mão-de-obra qualifi cada e é estru-turalmente incapaz de produ-zir emprego em quantidade –, mas também porque o plano de obras infraestruturais está sendo desenvolvido com re-curso da mão-de-obra expa-triada, incluindo a mão-de-obra não-qualifi cada. Um ou-tro fator é o fraco investimen-to na qualifi cação da mão-de-obra nacional, traduzida pe-la fraca taxa de escolarização bruta combinada (25,6%) e pelas despesas públicas com a educação (2,6% do PIB).

Por isso, é fato incontestável que o forte crescimento eco-nômico tem uma fraca inci-dência social e largas camadas

da população continuam em situação de pobreza e de po-breza extrema. Não há dúvi-da de que o considerável cres-cimento do PIB per capita be-nefi ciou sobretudo as classes mais abastadas (isso é tradu-zido pelo aumento do índice de Gini) e a política clientelar de criação de uma burguesia nacional restrita, que será, se-gundo os seus mentores, uma vez consolidada, o motor do desenvolvimento.

Combate aos pobresNeste contexto, o mercado

informal aparece como um se-tor de recurso para a sobre-vivência dos pobres urbanos, particularmente no peque-no comércio informal varejis-ta. Mas, também aqui, há uma grande pressão, pois os rendi-mentos são cada vez mais difi -cultados pela concorrência do sempre maior número de par-ticipantes nesse mercado e de um programa do Estado de estabelecimento de uma no-va rede de comércio no vare-jo que os exclui.

A tentação é a de crimina-lizar esse tipo de atividade e de combatê-la com medidas de polícia (e não de política). O que se traduz no combate aos pobres, em vez da pobre-za (Pambazuka News – Fó-rum para a Justiça Social na África).

Nelson Pestana é cientista político angolano.

Angola: pobreza é vergonha nacionalANÁLISE Apesar do crescimento provocado pela recente elevação na extração do petróleo e dos diamantes, desigualdade mantém população pobre

Crianças brincam no lixo em periferia de Luanda, capital de Angola

Temos um país extremamente rico e uma população muito pobre

A Estratégia de Combate à Pobreza foi abandonada e os baixos níveis dos indicadores sociais persistem

A questão da terra e da sua distribuição continua a privilegiar um grupo restrito ligado ao poder

O forte crescimento econômico tem uma fraca incidência social

A tentação é a de criminalizar esse tipo de atividade e de combatê-la com medidas de polícia (e não de política). O que se traduz no combate aos pobres, em vez da pobreza

Wilson Bentos/CC

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