economia regional e urbana

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  • Economia Regional e UrbanaContribuies Tericas Recentes

    Cllio Campolina DinizMarco Crocco

    (Organizadores)

    O debate econmico tem se caracterizado pela recorrente a rmativa de que existe uma nica poltica econmica a ser implementada. No entanto, esta a rmao do pensamen-to nico, da inevitabilidade de alternativas, no encontra respaldo em parte signi ca-tiva da produo cientfica contempornea. Preservando a melhor tradio acadmica, em universidades do Brasil e do mundo, pesquisadores tm confrontado esta perspec-tiva por meio de uma elabo-rao crtica constante, na busca de um melhor entendi-mento do funcionamento da economia. Este livro segue a linha de recusa ao pensamento nico e trata do desenvolvimento econmico, algo raro no Brasil, pelo menos nas ltimas dcadas. Tambm discute as desigualdades regionais, presentes no pas desde a poca colonial e at hoje no superadas. Em suma, por tratar de algo raro o desen-volvimento e por lidar com um problema to presente as disparidades regionais este livro j tem mritos. Cllio Campolina e Marco Crocco, ambos do Centro de Desenvolvimento e Plane-jamento Regional da Uni-versidade Federal de Minas Gerais (CEDEPLAR-UFMG),

    optaram por organizar um livro em que h diversidade de estudos sobre economia regional e, mais especi ca-mente, sobre polticas para o desenvolvimento regional e local. Os textos que compem o livro discorrem sobre uma variedade de interpretaes tericas sobre o desenvolvi-mento regional e urbano. Delas decorrem propostas de polticas com in uncias keynesiana, schumpeteriana, marxista, neoclssica e estruturalista, alm de out-ras mais eclticas. Os temas relao entre globalizao, nao e regio, inovao, arranjos produtivos locais, escalas territoriais, localismo, regionalizao, o papel das cidades, as teorias de cresci-mento endgeno, a nova geografia econmica e as novas tcnicas de investi-gao emprica so discuti-dos a partir dos mais diversos pontos de vista. Para quem pensa o desenvolvimento re-gional e local, este livro abre um panorama de teorias e alternativas de polticas pblicas. Este livro, portanto, pode ser entendido como um antdoto para os que ficam aterrori-zados ou entediados com os economistas do pensamento nico.

    Econom

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    (Organizadores)

    A chamada globalizao, representada pelo m das barreiras comerciais e pela livre movi-mentao do capital, juntamente com o desen-volvimento das tecnologias da informao e das comunicaes, forneceu campo frtil para o surgimento de interpretaes tericas que a rmavam ser possvel a questo territorial car em segundo plano. Seria o m da geogra a econmica. Entretanto, aps cerca de 20 anos deste processo, a problemtica regional e urbana, principalmente sua grande disparidade, mantm-se cada vez mais viva e retoma papel de destaque nas polticas pblicas. Este livro uma re exo acerca desta retomada e procura fornecer ao leitor um referencial terico atual e crtico, de forma a capacit-lo a entender a dinmica territorial e urbana recente e seus desdobramentos futuros.

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  • Economia Regional e UrbanaContribuies Tericas Recentes

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  • Universidade Federal de Minas GeraisReitora: Ana Lucia Almeida GazzolaVice-Reitor: Marcos Borato Viana

    Editora UFMGDiretor: Wander Melo MirandaVice-Diretora: Heloisa Maria Murgel Starling

    Conselho EditorialWander Melo Miranda (presidente)Carlos Antnio Leite Brando Heloisa Maria Murgel Starling Jos Francisco Soares Juarez Rocha Guimares Maria das Graas Santa Brbara Maria Helena Damasceno e Silva Megale Paulo Srgio Lacerda Beiro

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  • Cllio Campolina DinizMarco CroccoORGANIZADORES

    Economia Regional e UrbanaContribuies Tericas Recentes

    Belo Horizonte Editora UFMG

    2006

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  • Projeto grficoFormatao e montagem de capa

    Editorao de textosReviso e normalizao

    Reviso de provas

    Produo grfica

    Marcelo Belico

    Eduardo FerreiraAna Maria de Moraes e Lourdes da Silva do NascimentoAna Maria de Moraes, Sayonara A. Melo Gontijo e Vanessa Batista de OliveiraEduardo Ferreira

    2005, Cllio Campolina Diniz, Marco Aurlio Crocco, Editora UFMG Este livro ou parte dele no pode ser reproduzido sem autorizao escrita do Editor

    Economia regional e urbana / Cllio Campolina Diniz, Marco Aurlio Crocco. Orga-nizadores. - Belo Horizonte : Editora UFMG, 2006.

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    Ficha catalogrfica elaborada pela CCQC - Central de Controle de Qualidade da Catalogao da Biblioteca Universitria da UFMG

    Editora UFMGAv. Antnio Carlos, 6627 - Ala direita da Biblioteca Central - trreoCampus Pampulha - CEP 31270-901 - Belo Horizonte/MGTel.: (31) 3499-4650 - Fax: (31) 3499-4768 [email protected] / www.editora.ufmg.br

    CEDEPLARCentro de Planejamento e Desenvolvimento RegionalFaculdade de Cincias Econmicas - FACE/UFMGRua Curitiba, 832 - 9 andar - 30170-120 - Belo Horizonte /MGTel.: (31) 3279-9100www.cedeplar.ufmg.br [email protected] da FACE Cllio Campolina DinizDiretor do CEDEPLAR Jos Alberto Magno de Carvalho

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  • Prefcio

    O livro Economia regional e urbana: contribuies tericas recentes uma coletnea pioneira de anlises sobre as mais importantes interpretaes atuais do desenvolvimento regional. Nasceu do desejo de organizar um acervo de idias adequado para a construo de uma Poltica Nacional de Desenvolvimento Regional no pas, que contasse com slidas bases no debate acadmico contemporneo.

    No decorrer do primeiro ano do governo Lula e sob a liderana do Ministro Ciro Gomes e da ento Secretria de Polticas de Desenvolvimento Regional do Ministrio da Integrao Nacional, Prof. Dra. Tnia Bacelar, decidiu-se organizar um projeto capaz de fornecer o lastro necessrio proposio da nova Poltica. Com esse intuito, optou-se por uma parceria com o Centro de Planejamento e Desenvolvimento Regional (CEDEPLAR) da Universidade Federal de Minas Ge-rais, um dos Centros mais tradicionais e respeitados na rea, sob a liderana do Prof. Dr. Cllio Campolina Diniz. O CEDEPLAR assumiu a condio de ncleo principal de articulao do projeto, que contou ainda com a colaborao de diversos especialistas da questo regional brasileira.

    O Projeto Diretrizes para Formulao de Polticas de Desenvolvimento Regional e de Ordenao do Territrio Brasileiro, contratado pelo Ministrio da Integrao Nacional por meio do Instituto Interamericano de Cooperao para Agricultura (IICA) Fundao de Desenvolvimento da Pesquisa (FUNDEP) da Universidade Federal de Minas Gerais, foi uma referncia importante para os primeiros momentos da Poltica Nacional de Desenvolvimento Regional. Produziu mais de duas dezenas de relatrios de pesquisa, que animaram uma seqncia de seminrios com reper-cusso positiva, atraindo o interesse de tcnicos de reas governamentais afins e da Academia. Pelo mrito tcnico-cientfico das contribuies, o Projeto realizado ganha, com a publicao em formato de livro, a possibilidade de obter mais ampla e merecida divulgao.

    Finalmente, cabe assinalar que o projeto MI/IICA/FUNDEP/CEDEPLAR reali-zou outra ampla reflexo sobre diversas experincias internacionais de poltica de desenvolvimento regional, a ser publicada em novo volume desta srie.

    Antonio Carlos F. GalvoSecretrio de Polticas de Desenvolvimento Regional

    Ministrio da Integrao Nacional

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  • Sumrio

    Introduo Bases tericas e instrumentais da economia regional e urbana e sua aplicabilidade ao Brasil: uma breve reflexo

    Cllio Campolina Diniz Marco Crocco

    As contradies do o: globalizao, nao, regio, metropolizaoFrancisco de Oliveira

    As teorias urbanas e o planejamento urbano no BrasilRoberto Lus Monte-Mr

    Conhecimento, inovao e desenvolvimento regional/localCllio Campolina DinizFabiana SantosMarco Crocco

    As novas teorias do crescimento econmico contribuio para a poltica regionalLzia de Figueiredo

    Polticas regionais na nova geografia econmica

    Ricardo Machado Ruiz

    Desenvolvimento econmico e a regionalizao do territrioMauro Borges Lemos

    Construir o espao supra-local de articulao scio-produtiva e das estratgias de desenvolvimento: os novos arranjos institucionaisCarlos Antonio BrandoEduardo Jos Monteiro da CostaMaria Abadia da Silva Alves

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  • Mesorregies como escala para polticas regionais: articulao de atores e gesto territorialPedro Silveira Bandeira

    Mtodos de anlise regional: diagnstico para o planejamento regionalRodrigo Simes

    Sobre os autores

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  • InTRoDUo

    Bases tericas e instrumentais da economia regional e urbana e sua aplicabilidade ao BrasilUma breve reflexo

    Cllio Campolina DinizMarco Crocco

    1. Marcos Tericos da Poltica Regional e Urbana

    Uma reviso do atual estado da arte no que se refere s teorias de desenvol-vimento regional e urbana faz saltar aos olhos a existncia de uma clara diviso temporal nas concepes tericas de desenvolvimento regional e nas conseqentes polticas de desenvolvimento regional e urbano da derivadas. Este marco temporal datado dos anos 1970, quando a economia mundial vivenciou crises simultneas e as mudanas do paradigma e do padro tecnolgico: os choques do petrleo de 1973 e 1979, e seus impactos sobre o crescimento econmico; a crise do Estado Keynesiano de Bem-Estar Social; a crise urbana; e a emergn-cia de um novo padro tecnolgico, liderado pelo paradigma microeletrnica, informtica e telecomunicaes.

    neste contexto que pode ser observada uma clara transio no que diz respeito estrutura das polticas regionais utilizadas. At meados dos anos 1970, notam-se polticas regionais Top-Down, com nfase na demanda e na correo

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    das disparidades inter-regionais, caracterizadas como polticas keynesianas. Aps esse perodo, o desenho de polticas regionais centra-se na estrutura Botton-up, de carter descentralizado e focado na produtividade endgena das economias regionais e locais, aqui denominadas de polticas de enfoque na competitividade. Essa mudana de concepo de poltica tem sua origem em uma gama variada de fatores, que podem ser sintetizados em trs grandes blocos: a) mudanas tericas e ideolgicas na concepo e no papel do Estado, criticando a excessiva interveno deste e advogando sua retirada; b) crticas tericas e empricas ao pequeno alcance social das polticas regionais, resgatando a questo das classes sociais nos padres de desenvolvimento capitalista; e c) desafio dos novos fenmenos no explicados pela teoria anterior, a exemplo dos processos de desindustrializao e crise dos padres fordistas de organizao produtiva, das mudanas na diviso internacional do trabalho e da emergncia dos NICs Newly Industrialized Countries ,de novos padres tecnolgicos e novas regies produtivas (Diniz, 2002)1.

    Os textos que compem o presente livro buscam apresentar as diferentes vises tericas recentes sobre a questo regional e urbana e seus desdobramentos e implicaes para as polticas de desenvolvimento regional e urbano. Antes, porm, gostaramos de demarcar o que se entende por fundamentos tericos do que ser denominado como trs geraes de polticas regionais.

    a) A perspectiva keynesiana

    Os anos de 1950 e 1960 experimentam o que foi chamado por alguns autores de primeira gerao de polticas regionais (Maillat, 1998; Helmsing 1999; Jimnez, 2002, entre outros). Tais polticas foram formuladas em um ambiente terico fortemente influenciado pelo keynesianismo. Como se sabe, esta corrente de pensamento coloca em questionamento a hiptese de existncia de mecanismos automticos de correo dos mercados e, portanto, defendendo a necessidade de uma interveno externa na economia. Entre os mercados que no se ajustam automaticamente estaria o de trabalho, certamente o mais importante nesta abordagem. O no ajuste automtico nesse mercado significa admitir a existncia de equilbrio com desemprego involuntrio, hiptese esta negada tanto por autores clssicos, como Ricardo, quanto pela corrente neoclssica. A principal conseqncia, no tocante s polticas econmicas da abordagem Keynesiana, era colocar a obteno do pleno emprego como objetivo central da poltica macroeconmica. Assim sendo, a atuao do Estado na economia seria necessria para a obteno do pleno emprego.

    1 Para um balano da crise da economia regional e de suas perspectivas, veja a coletnea de artigos publicada nos volumes 17 (3) e 18 (2), da International Regional Science Review, 1995.

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    Esta concepo macroeconmica mais geral influenciou vrias interpretaes tericas acerca do desenvolvimento regional e das polticas necessrias para combater os desequilbrios existentes. Tais teorias postulavam que o desenvolvimento de uma regio estaria condicionado pela posio ocupada por esta regio em um sistema hierarquizado e assimtrico de regies, cuja dinmica estava em grande medida fora da regio. Esta era a perspectiva que estava presente nas teorias de centro-periferia e da dependncia e modelos de causao cumulativa (Myrdal 1957; Kaldor 1957; Hirschman, 1958). Estas teorias mostravam claramente os mecanismos que determinavam a concentrao do investimento em determinadas regies em detrimento de outras.

    De forma semelhante, a abordagem Keynesiana tambm se faz presente na anlise de plos de crescimento de Perroux (1955) e Boudeville (1968), que combinam a existncia de efeitos acumulativos de escala e aglomerao com efeitos de demanda induzida. Esta mesma caracterstica de demanda induzida (autnoma), agora explicitamente vinculada ao mecanismo do multiplicador, se faz presente nas teorias da base exportadora (North, 1955) e do potencial de mercado interno (Harris, 1955) e Jimnez, 2002).

    Embora distintas em suas derivaes de poltica econmica, as teorias mencionadas partilhavam o entendimento de que o desenvolvimento regional no era garantido automaticamente pelas foras de mercado, sendo necessria a interveno estatal para que os desequilbrios regionais fossem superados. Assim sendo, estas teorias pressupunham estratgias e polticas deliberadas para impulsionar o desenvolvimento regional, entre as quais se destacam:

    Big-Push (Rosenstein-Rodan, 1943)

    Este autor, ao analisar a situao economicamente deprimida de algumas regies europias, detectou como principais motivos deste atraso a escassez de capital, a ausncia de complementaridade da demanda local e a existncia de um mercado de capitais inexpressivo. Para enfrentar este problema, proposto um grande pacote de investimentos promovidos pelo Estado.

    Plos de crescimento

    A partir dos trabalhos de Perroux, os plos de crescimento baseavam-se em uma racionalidade similar aos projetos Big-Push. A idia central consistia na instalao, em regies atrasadas, de uma indstria motriz que, atravs de seus efeitos a montante e a jusante se tornaria um plo de crescimento e estimularia o desenvolvimento da regio.

    Prioridades para o setor industrial

    Em ambas as estratgias anteriormente citadas, como em vrias outras, as polticas de desenvolvimento regional estiveram, em sua grande maioria, direcionadas ao setor industrial. Com isso, ficava clara a perspectiva, exposta

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    nos trabalhos de causao cumulativa (Myrdal, 1957; Kaldor 1957; Hirschman, 1958), de que para a superao das diferenas regionais era necessrio tambm eliminar, ou pelo menos diminuir, as diferenas entre as estruturas produtivas das regies, implicando um significativo processo de industrializao de regies atrasadas. Como este processo no ocorreria naturalmente, a ao estatal se fazia necessria.

    Mecanismos de compensao para as regies atrasadas

    Vrios mecanismos de compensao para as regies atrasadas foram imple-mentados, em conjunto ou no com as vrias estratgias anteriores, sendo o mais comum o sistema de incentivos fiscais. O principio bsico aqui utilizar o Estado para subsidiar a atrao de empresas de forma a compensar as desvantagens locacionais em regies atrasadas, fazendo com que o Estado garanta parcela da lucratividade de empresas. Neste contexto, a atrao de investimento externo, atravs destes subsdios foi amplamente utilizada.

    Investimentos estratgicos do setor pblico

    A partir do entendimento da necessidade do gasto autnomo do Estado para garantir a obteno do pleno emprego, vrias estratgias de investimento estatal em regies atrasadas foram desenvolvidas. Tais investimentos poderiam ser de gasto em infra-estrutura ou mesmo na instalao de empresas estatais nestas regies, quando a iniciativa privada no se dispunha para tanto.

    Restries localizao de atividades em determinadas regies

    Por fim, e no menos importante, em alguns casos foram utilizados mecanismos regulatrios para restringir a localizao de atividades em determinadas regies, em uma tentativa de evitar a concentrao, especialmente em algumas cidades, e desviar tais atividades para outras regies, como foi o exemplo clssico da poltica francesa, principalmente no que se referia a Paris.

    Algumas concluses podem ser formuladas a partir da descrio feita. No perodo anterior aos anos 1970, a formulao terica em economia regional foi fortemente influenciada pelo paradigma macroeconmico vigente, qual seja, a no existncia de mecanismos naturais que garantiriam a obteno do pleno emprego na economia. Do ponto de vista regional, isto implicaria dizer que o crescimento de regies e pases no ocorreria de forma equilibrada e no sentido de uma convergncia de crescimento e desenvolvimento. Ao contrrio, neste perodo as teorias dominantes aceitavam que o processo de desenvolvimento de uma sociedade capitalista implicaria, necessariamente, o desenvolvimento desigual e desequilibrado, gerador de significativas desigualdades regionais. Como conseqncia, as polticas da derivadas tiveram como caracterstica mais marcante a interveno ativa do Estado, visando reduzir as disparidades inter-regionais, tanto por razes de eficincia macroeconmica (pleno emprego e impulso da demanda agregada) quanto de equilbrio territorial.

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    Uma segunda concluso tambm pode ser derivada da anlise dos desenvolvimentos tericos desse perodo: a excessiva crena nos mecanismos puramente econmicos no combate s desigualdades regionais. Aspectos insti-tucionais, como cultura, tradio, associativismo e hbitos, no fazem parte do arcabouo terico desenvolvido. Isso apesar da escola institucionalista, por meio de autores como Veblen, Mitchell, entre outros, ser amplamente conhecida e difundida poca. Isto pode ser indicado como a principal deficincia terica, responsvel por duas crticas s polticas Top-Down do perodo, a saber: no ser capaz de enraizar os mecanismos de crescimento; e possuir pouca vinculao com as capacidades locais.

    b) Enfoque da Competitividade

    A dcada de 1970 um marco na histria econmica tanto no que diz respeito s teorias vigentes, quanto s polticas implementadas. O perodo que vai do final da Segunda Guerra at o incio dos anos 1970 ficou conhecido na literatura como os Anos Dourados (Golden Age) do capitalismo. A economia mundial apresentou taxas de crescimento significativas, at hoje no superadas. Aliado a este crescimento, e, em certa medida, em funo dele, construiu-se o chamado Sistema de Bem-Estar Social.

    No entanto, este crescimento foi, no seu final, acompanhado por fortes presses inflacionrias. Isso, aliado crise do petrleo, gerou uma sria crise para a economia mundial. A resposta a este fenmeno foi variada, mas pode-se observar o surgimento de uma srie de questionamentos quanto eficcia tanto da teoria, quanto dos instrumentos de poltica econmica keynesianos. Ou seja, o enfoque da demanda e a sua conseqente poltica intervencionista passam a no mais obter o consenso de antes. Em relao produo terica em econo-mia, este o perodo do ressurgimento de concepes que entendiam que os mecanismos de mercado so capazes de garantir o crescimento a longo prazo de forma sustentada, como o caso da Escola Novo-Clssica. Neste contexto, as intervenes do Estado na economia s serviriam para desviar, de forma no sustentvel, a economia de sua trajetria natural, resultando, no longo prazo, em mais inflao.

    Esta inflexo terica tem sua contrapartida em termos de poltica econmica com a emergncia de polticas denominadas Supply-Side. Neste contexto, em uma clara contraposio ao perodo anterior, o crescimento deveria ser obtido no mais por meio do estmulo demanda, mas sim da melhoria das condies de oferta, como por exemplo, flexibilizao do mercado de trabalho, reduo significativa dos encargos pagos pelas empresas e aumento do capital humano. Em termos macroeconmicos, o paradigma passa a ser a busca da estabilidade

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    monetria a qualquer custo. No campo poltico, torna-se majoritrio o entendimento de que o Estado deve se retirar da economia, ficando apenas com suas funes bsicas, determinadas pelo chamado Estado Mnimo. Este processo de mudana continuou e foi aprofundado durante os anos 1980, determinando um movimento de abertura comercial e financeira sem precedentes e acelerando a reestruturao econmica e a internacionalizao da produo.

    Estas transformaes tiveram o seu rebatimento no espao geogrfico, determinando a perda de dinamismo de regies afetadas pela desindustrializao e de reestruturao produtiva e o surgimento de novas regies de crescimento acelerado, como o Vale do Silcio e os chamados novos distritos industriais da terceira Itlia.

    Todo este processo repercute tanto na elaborao terica quanto nas polticas de desenvolvimento regional. Como ser visto mais adiante e em outros captulos deste livro, teoricamente, as duas principais alteraes so: a incorporao de aspectos institucionais (formais e informais, tais como conhecimento, rotinas, capital social, e cultura, entre outros) no entendimento da dinmica regional e a valorizao da capacitao local para o combate s desigualdades regionais. Politicamente, a grande alterao a nfase na competitividade, mensurada na insero internacional, como elemento central do desenvolvimento. Isto implica em um enfoque na inovao, nas economias de conhecimento e nos mecanismos facilitadores desses processos: redes, cooperao; contatos face a face; regies que aprendem; Sistemas Regionais de Inovao, entre outros. Este conjunto de polticas foi definido por Helmsing (1999) e Jimnez (2002) como a segunda gerao de polticas regionais. No cerne destas novas polticas de desenvolvimento regional endgeno esta o objetivo de

    promover o desenvolvimento das capacitaes da regio de forma a prepar-la para enfrentar a competio internacional e criar novas tecnologias atravs da mobilizao ou desenvolvimento de seus recursos especficos e suas habilidades prprias. (Mallat, 1998).

    c) A busca de uma Terceira Gerao de Polticas Regionais: a sntese exgeno-endgeno

    possvel ainda falar em uma terceira gerao de polticas regionais, que se inicia no final dos anos 1990, fruto de avaliaes das polticas de desenvolvimento endgeno. A partir do entendimento de que o processo de globalizao impe que a competio no ocorre apenas entre firmas, mas tambm entre sistemas industriais regionais, entende-se que as polticas de desenvolvimento regional no podem ser exclusivamente locais. Devem, tambm, levar em considerao tanto o posicionamento econmico dos sistemas regionais de produo no

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    contexto global, quanto as polticas e os contextos setoriais e (inter)nacionais. Nesse sentido, a coordenao horizontal de vrios atores deve ser complementada com a coordenao vertical entre os diversos nveis de ao. Nas palavras de Helmsing (1999),

    As polticas de terceira gerao se baseiam no reconhecimento de que uma nova orientao no necesariamente requerem mais recursos, mas sim o aumento da racionalidade sistmica no uso dos recursos e dos programas existentes. A terceira gerao, de certa forma, supera a oposio entre polticas de desen-volvimento exgeno e endgeno.

    No restante desta Introduo, ser efetuada uma reflexo acerca do estado da arte no que diz respeito teoria acerca da problemtica regional e urbana, a fim de contextualizar melhor os determinantes tericos desta evoluo no que se refere s polticas regionais.

    2. Avanos Recentes da Teoria Regional e Urbana

    A economia regional e urbana teve, nas ltimas dcadas, grandes avanos tericos e instrumentais que servem de base e suporte para a anlise e a compreenso das tendncias urbanas e regionais e, ao mesmo tempo, para a formulao e a implementao de polticas pblicas e privadas relacionadas a esses temas. Do ponto de vista terico, alm do resgate de formulaes clssicas sobre localizao, reas de mercado, centralidade urbana, foram desenvolvidas diferentes interpre-taes sobre os determinantes da concentrao e do crescimento diferenciado das cidades e regies. Destacam-se: a) a incorporao do conceito de retornos crescentes, com um esforo de modelagem, para explicar os efeitos de polarizao e de concentrao regional das atividades econmicas e das relaes entre regies desenvolvidas e subdesenvolvidas, convencionalmente chamadas de relao centro-periferia; b) o papel do investimento e de aspectos macroeconmicos (edu-cao, abertura, estabilidade macro-econmica etc.) no crescimento econmico diferenciado e nas possveis convergncias de renda entre regies; c) a anlise do papel da inovao ou das mudanas tecnolgicas e das diferentes formas institucionais de sua organizao para explicar o surgimento e a expanso de novas reas industriais baseadas em indstrias de alta tecnologia ou de novas formas de organizao e aglomerao produtiva; d) a anlise dos condicionantes do ambiente social e institucional, tambm conhecido por capital social, no desenvolvimento das regies ou localidades, com destaque para os exemplos dos novos distritos industriais italianos e a possibilidade de seu desenvolvimento em outras regies; e) as mudanas das foras organizadoras do espao e as novas caractersticas da centralidade urbana, luz do processo de globalizao, metropolizao e reconfigurao do espao.

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    Do ponto de vista instrumental, aos tradicionais mtodos de anlise regional vieram se juntar s novas tcnicas baseadas em modelos e mtodos computacionais, novas tcnicas de econometria espacial, e uma infinidade de novas tcnicas matemticas, a exemplo dos conjuntos nebulosos. Desenvolveram-se tambm os sistemas de informaes geogrficas (SIG) e a cartografia digitalizada. Depois de 1980, com o enfraquecimento ou fechamento da maioria das instituies e das polticas regionais, assistimos a uma profunda retomada das polticas regionais como instrumentos de promoo do desenvolvimento e de reduo das desi-gualdades de renda e do desemprego. Entre estas experincias, destacam-se as polticas regionais da Unio Europia e as vrias formas de poltica de inovao regional que se generalizaram no mundo. Assim, dispe-se hoje de uma ampla e diversificada base terica e instrumental para a interpretao dos fenmenos regionais e urbanos e para a preparao de polticas de desenvolvimento.

    As sees seguintes sero destinadas anlise das diferentes contribuies tericas e das variveis centrais em cada uma delas, procurando refletir sobre o caso brasileiro, o que est melhor desenvolvido dos demais captulos deste livro.

    3. As Teorias do Crescimento e a Varivel Investimento

    As novas teorias do crescimento econmico retomaram uma das formulaes mais bem aceitas no ps-guerra, representada pelo modelo de crescimento de Solow (1956). Este procura demonstrar que o crescimento do produto depende de trs variveis bsicas: investimento, tecnologia e crescimento populacional. Este modelo refora o aspecto, reconhecido em toda a literatura econmica, de que o investimento a varivel determinante da formao do estoque de capital, da capacidade de produo e, por conseqncia, do crescimento econmico. Nesta acepo, para a sustentao do investimento, a capacidade de poupar da sociedade torna-se um dos elementos centrais. Assim sendo, a anlise dos deter-minantes do investimento e, portanto, do crescimento, centra-se na investigao dos fatores que possam influenciar no desempenho desta varivel.2

    No entanto, deve ser enfatizado que a prevalncia e a antecedncia da poupana sobre o investimento no so questes consensuais em economia. Os modelos com inspirao terica em Keynes (1936) e Kalecki (1954) postulam justamente a inverso desta causalidade e, portanto, apresentam proposies bastante distintas das oriundas do modelo de Solow. No caso do Brasil, por exemplo, a incapacidade do Governo de sustentar seus investimentos estaria muito mais relacionada com

    2 Uma sntese interpretativa das novas teorias do crescimento encontra-se no texto As novas teorias do crescimento econmico contribuio para a poltica regional, de Figueiredo, neste volume.

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    os nveis de endividamento, histrico e crescente, do que com a capacidade de poupana do Estado. Atualmente, essa a incapacidade decorre tambm da opo poltica do Governo de controlar o gasto pblico e gerar supervit primrio com vistas a atender orientaes e exigncias da comunidade financeira internacional. No que se refere ao setor privado, as dificuldades em encontrar mecanismos de sustentao dos investimentos esto relacionadas deficincia do sistema de intermedio financeira privada para prover financiamentos de mdio e longo prazos. Essa deficincia est ligada s vantagens que o sistema financeiro privado encontra para negociar ttulos pblicos. Os ttulos pblicos possuem alta rentabilidade e segurana, ao contrrio dos riscos, do esforo e do custo de negociao e acompanhamento de aplicaes junto ao setor privado.

    Um bom contraponto com a atual poltica econmica brasileira, no que se refere relao entre investimento e poupana, pode ser feito analisando-se a poltica econmica do Governo JK. Naquele perodo, o Governo Federal decidiu pela implementao de uma grande massa de investimentos pblicos em infra-estrutura (estradas, energia), em atividades produtoras de bens (siderurgia, petrleo) e na construo da nova capital (Braslia), articulados e planejados por meio do Programa de Metas, para os quais no havia poupana prvia. Estimulado pelo crescimento liderado pelo Estado, o setor privado, nacional e estrangeiro, tambm passou a fazer grandes volumes de investimento. O resultado foi que o prprio investimento e seus efeitos multiplicadores inter-setoriais realimentaram o crescimento e geraram os excedentes para autofinanci-los, assegurando uma fase de grande crescimento econmico no pas, embora com alguma presso inflacionria.

    Neste sentido, se se quer reduzir as desigualdades regionais e promover mudanas estruturais que conduzam a uma melhor distribuio interpessoal da renda, seria necessrio assegurar nveis de investimento adequados ao crescimento e s mudanas estruturais.

    Considerando-se a situao desfavorvel das regies menos desenvolvidas o investimento precisaria pensado em duas dimenses: investimentos pblicos em infra-estrutura e capital social bsico e estmulos ao investimento privado. No primeiro caso, dever-se-ia pensar na possibilidade de utilizao de recursos vinculados a fundos constitucionais e outros fundos legais para investimento no s no setor produtivo privado, mas tambm como mecanismo de financiamento de infra-estrutura fsica e social por meio de instncias pblicas, seja pelo prprio Governo Federal, seja por instncias subnacionais (Estados e Municpios). No que se refere ao setor privado, a fim de se evitar o desvio e o mau uso dos recursos, torna-se necessrio buscar mecanismos de estmulo e prmios aos resultados do investimento e no inteno.

    No que se refere orientao setorial, duas novas dimenses precisam ser consideradas. Em primeiro lugar, o potencial econmico regional, de forma a assegurar resultados econmicos que contribuam tanto para o crescimento

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    econmico da prpria regio como para o do pas e a gerao de excedentes exportveis. Em segundo lugar, estmulo a setores que contribuam para uma melhor distribuio da renda e para a incorporao social dos grandes contingentes de desempregados, subempregados ou marginalizados sociais.

    O prprio desenvolvimento do modelo de Solow, por meio da chamada teoria do crescimento endgeno (Barro, 1996; Barro e Sala-i-Martim, 1995), acrescenta, atravs de observaes empricas e de testes economtricos, um conjunto de elementos estruturais sobre coeficientes tcnicos de produo. Busca demonstrar que a eficincia da mquina pblica, o consumo do Governo, o nvel educacional, o bem-estar social, o grau de abertura externa da economia, a estabilidade poltica e outras variveis de natureza social e poltica afetam o crescimento econmico. O que entendemos que a maioria desses elementos deve fazer parte das polticas macroeconmicas ou setoriais bsicas para o cres-cimento econmico, a incluso social e a estabilidade poltica. Portanto, elas so fundamentais para as polticas de desenvolvimento regional, mas tm uma dimenso e uma natureza diferentes. A maioria das anlises desenvolvidas pelas chamadas teorias do crescimento endgeno est comparando pases ou grandes regies. Ela til como reforo do papel do investimento e da tecnologia no crescimento, mas a introduo dos elementos ou das variveis estruturais deve ser implementada no nvel da poltica macroeconmica.

    No que se refere ao crescimento demogrfico que entra com sinal negativo na relao entre investimento e capacidade de crescimento per capita do produto no caso brasileiro, este foi significativamente reduzido nas ltimas dcadas, deixando de ser, per se, um elemento inibidor do crescimento da renda per capita. O crescimento demogrfico deve ser relacionado com os fluxos migratrios e a distribuio da populao no espao, tendo em vista o freio concentrao urbana em grandes metrpoles e as oportunidades que podem ser abertas nas regies de fronteira agropecuria e mineral e em outras reas vazias ou pouco populosas.

    4. A Varivel Tecnolgica

    No que se refere varivel tecnologia, que no modelo de Solow exgena, esta ganhou nova interpretao a partir dos chamados modelos de crescimen-to endgeno,3 os quais trazem para o centro da anlise a produtividade da mo-de-obra como o gerador de externalidades, potencializando o aumento

    3 O conceito de crescimento endgeno vem sendo utilizado em dois sentidos. Neste caso, seguindo a teoria do crescimento, refere-se capacidade do prprio sistema de gerar inovao. Ele difere do conceito de crescimento endgeno postulado pelas anlises do desenvolvimento local que diz respeito capacidade dos atores locais de induzir o processo de desenvolvimento.

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    da produtividade e compensando a tendncia de retornos decrescentes do capital. Apesar da autodenominao de crescimento endgeno, ao considerar as mudanas tcnicas como uma das variveis centrais do crescimento, esta teoria no consegue demonstrar quais so os determinantes e os condicionantes das mudanas tcnicas. Isto somente feito, de maneira satisfatria, pelo conjunto diversificado de contribuies que compem a chamada linha neo-schumpeteriana ou evolucionista.

    Como demonstra a ampla literatura sobre o tema, a inovao a arma central da competio e do crescimento.4 Para isto, os agentes produtivos esto em permanente processo de busca e seleo, como forma de garantir sua reproduo ampliada, assegurada pela eficincia em termos de qualidade e custo de sua produo e de sua capacidade de competio dentro das estruturas de mercado (Nelson e Winter, 1982). Os resultados do processo de busca vo depender do envolvimento e da capacidade da comunidade empresarial de promover pesquisa e desenvolvimento que permitam a identificao de novos produtos e processos que assegurem o sucesso produtivo e comercial da empresa. Os resultados do esforo de pesquisa e desenvolvimento empresarial, por sua vez, dependero do entorno no qual ela esta inserida, ou das externalidades representadas pela base e estrutura econmica prvia, pelas condies educacionais e de pesquisa, da infra-estrutura fsica e social e de outros condicionantes regionais ou locais.

    Nesse sentido, cada regio ou localidade diferente pelos seus atributos prprios. Assim, no possvel um modelo nico e generalizvel de inovao. Cada regio ou localidade ter que criar as condies e polticas segundo suas especificidades. Assim, vrias formas institucionais de arranjos inovativos com vistas ao desenvolvimento regional vm sendo aplicadas no mundo. Entre elas, destacam-se as incubadoras de empresas, os parques tecnolgicos, e, mais recen-temente, a grande famlia denominada arranjos produtivos locais. Estes formatos esto predominantemente orientados para as atividades urbanas (industriais e de servios), com pouca nfase nas atividades agrrias.

    As incubadoras de empresas e os parques tecnolgicos procuram desenvolver atividades mais intensivas em conhecimento, por meio de fertilizao cruzada entre instituies universitrias e de pesquisa com a capacidade inovadora de pessoas ou empresas. Esta a razo pela qual o sucesso de uma incubadora ou de um parque tecnolgico est fortemente dependente da dimenso das externalidades cientficas e urbanas, sendo difcil o seu sucesso em pequenas e mdias cidades em regies perifricas.

    No caso dos arranjos produtivos locais (APLs), predomina a idia do sucesso obtido pelas pequenas e mdias empresas em setores especficos, mediante esforo de associao e sinergia, com vistas soluo conjunta de problemas

    4 Uma sntese e interpretao do papel do conhecimento e da inovao no desenvolvimento regional encontram-se em Conhecimento, inovao e desenvolvimento local/regional, de Diniz, Santos e Crocco, neste volume.

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    comuns. Eles, no entanto, precisam ser vistos com cautela no caso dos pases em desenvolvimento, pelas deficincias de capacitaes profissionais, pelas maiores dificuldades dos ambientes organizacionais e institucionais, pela menor capacidade de gerao e absoro de externalidades.

    No que se refere aos setores agropecurio e mineral, o esforo de pesquisa fortemente condicionado pelas caractersticas naturais. Um exemplo claro demonstrado pela forma como a Embrapa distribui seus centros de pesquisa, especializando-os segundo as caractersticas naturais e produtivas de cada regio ou localidade. Outro exemplo, no Brasil, a Petrobrs, cujo esforo de pesquisa, no momento, est fortemente orientado para a prospeco e a extrao de petrleo em guas profundas em algumas reas da costa brasileira.

    Por fim, a inovao nas atividades de servios tem carter mais universal, com maiores possibilidades de assimilao dos avanos internacionais. Elas exigem maior escala, conferindo vantagens s grandes metrpoles, por meio das quais os processos de inovao so criados e transferidos para outras localidades ou regies.

    Duas questes importantes emergem da reflexo anterior. Em primeiro lugar, as especificidades do processo de inovao fazem com que qualquer perspectiva de crescimento regional e de reduo das desigualdades inter-regionais fique extremamente condicionada s caractersticas dos diversos locais. Esta uma questo terica importante, pois possui implicaes para a formulao de polticas, uma vez que estas teriam que levar em conta especificidades locais bastante distintas, principalmente quando se comparam pases desenvolvidos com pases em desenvolvimento. Com isso, consideraes de ordem estrutural passam a ter um peso muito maior na conformao destas polticas, ressaltando no s a importncia da herana do espao construdo como tambm dos atributos naturais e do capital social. Em segundo lugar, e relacionado primeira questo, as polticas para APL, Parques Tecnolgicos e outros arranjos locais precisam ser pensadas luz dos condicionantes estruturais de cada pas e/ou regio. Isto implica a existncia de polticas diferenciadas para cada uma das diferentes configuraes produtivas.

    Com o processo de integrao de mercados e de globalizao no mais possvel pensar em estruturas produtivas regionais completas e integradas. Cada regio se especializa naquilo para o qual apresenta potencial produtivo. Sem negar a importncia da base de recursos naturais, que determina as chamadas vantagens comparativas naturais ou ricardianas, o potencial produtivo de uma regio deve ser analisado a partir da sua capacidade de criar vantagens comparativas construdas e dinmicas, pelo desenvolvimento das foras produtivas locais ou regionais. Este o exemplo tpico de pases como o Japo e a Coria do Sul, que com pouca dotao de recursos naturais foram capazes de desenvolver uma avanada produo industrial e de servios.

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    Assim, o potencial produtivo de uma regio pode estar relacionado sua posio geogrfica em relao a mercados e portos, experincia produtiva prvia, s lideranas empresariais, ao conhecimento acumulado, existncia de infra-estrutura universitria e de pesquisa, ao mercado de trabalho, infra-estrutura de transportes, existncia de servios urbanos etc. Por sua vez, esse potencial produtivo no esttico, podendo ser alterado pelas prprias mudanas tecnolgicas e de perfil de demanda, pela localizao de uma grande empresa, pela construo de obras de infra-estrutura etc.

    O grande desafio em pases de grande dimenso territorial e estrutura federativa, como o caso do Brasil, articular os instrumentos federais, estaduais e muni-cipais com as instituies locais, seja com o sistema produtivo e empresarial, seja com as instituies pblicas e civis de cada localidade. Essa tarefa exige um esforo permanente e passa pela criao ou fortalecimento de instncias coorde-nadoras locais, nos moldes de agncias locais de desenvolvimento, sindicatos, associaes empresariais ou outras formas de coordenao local. Como cada localidade ou regio possui caractersticas prprias, no h como sugerir ou implementar estruturas institucionais e de governana nicas e uniformes.

    Se o Governo Federal tem avanado na articulao dos seus instrumentos e instituies, a articulao destes com os instrumentos e as polticas de cada Estado ainda um grande desafio. A maioria dos estados possui secretarias de cincia e tecnologia, fundaes de apoio pesquisa, institutos de pesquisa, universidades, recursos, instrumentos e objetivos prprios. No entanto, a situao entre os estados muito diferenciada e reflete o nvel de desenvolvimento de cada um. Enquanto o estado de So Paulo possui uma ampla e qualificada rede universitria prpria (USP, UNICAMP, UNESP), uma fundao de apoio pesquisa atuante e com significativo volume de recursos (FAPESP), vrios institutos de pesquisa (Instituto Adolfo Lutz, Instituto Agronmico de Campinas, IPT) e uma ampla rede de instituies federais (CTA, Laboratrio de Luz Sincrton, INPE), alm de centros de pesquisa empresariais (CPqD e outros), alguns estados possuem nfimos recursos de pesquisa e fraca base institucional (Diniz e Gonalves, 2000).

    Essa situao traz um grande desafio. Por um lado, h que se aproveitar o potencial de pesquisa existente nos estados mais desenvolvidos de forma a con-tribuir para um salto tecnolgico do pas. Adicionalmente, o avano nas reas mais desenvolvidas servir de base para a transferncia desses conhecimentos para as demais reas. Por outro lado, a busca de um desenvolvimento regional e social mais harmnico exige o esforo de pesquisa e desenvolvimento nas regies e estados menos desenvolvidos. Essa diretriz vem sendo implementada quando o Governo Federal condiciona que determinado percentual dos recursos dos seus fundos seja aplicado nas Regies Norte, Nordeste e Centro-Oeste. No entanto, no adiantam o esforo e a inteno do Governo Federal se no se criam conscincia e esforo dos estados e regies menos desenvolvidas para a capacitao e o aproveitamento desses recursos.

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    Considerando-se um pas como o Brasil, vrios desafios e potencialidades apresentam-se para a formulao de uma poltica tecnolgica regionalizada. Entre estes, destacam-se: a) a experincia acumulada nas ltimas dcadas, tanto em termos da base institucional quanto das polticas e de seus resultados; b) a dificuldade derivada da inadequao da atual regionalizao brasileira, a qual apresenta inmeras inconsistncias para a implementao de polticas pblicas para o desenvolvimento tecnolgico; c) a necessidade de uma melhor articulao das diferentes instncias governamentais (Governos Federal, Estadual, Municipal); d) as deficincias dos canais de complementaridade entre as instncias pblica e privada; e e) a conscientizao e a criao de mecanismos de apoio s iniciativas locais, diante do reconhecimento de que os processos de inovao e de criao de vantagens competitivas esto fortemente enraizados no ambiente local.

    A base produtiva, ou o conjunto de atividades econmicas existentes, condiciona o tipo de suporte necessrio sua modernizao e expanso, tendo em vista uma economia regional e internacionalmente cada vez mais integrada, em que as empresas e regies somente sobrevivero e prosperaro se forem capazes de se adequar, no que se refere a qualidade e custo. O tipo de apoio tecnolgico, por sua vez, vai depender das caractersticas setoriais da regio, em no que diz respeito a atividades portadoras ou receptoras de progresso tcnico, quer intensivas em conhecimento, quer de estrutura produtiva concentrada ou pulverizada em muitas empresas. Em muitos casos, no se trata de busca de conhecimento novo, mas sim de sua adequao, implementao ou difuso no nvel local. Nesse sentido, a anlise das condies econmicas locais pode demonstrar que determinadas atividades no possuem vantagens comparativas regionais, devendo o esforo de pesquisa tecnolgica ser orientado para a busca de reestruturao produtiva regional, com vistas alterao do perfil da produo ou busca de outras alternativas econmicas.

    5. o papel da infra-estrutura e do capital social bsico5

    A linha terica representada pela chamada Nova Geografia Econmica tambm refora a hiptese da no existncia de um processo de reduo das desigualdades regionais a partir da livre atuao das foras de mercado.6 Essa abordagem procura explicar os processos de concentrao espacial por meio de

    5 O conceito de capital social bsico aqui utilizado refere-se infra-estrutura econmica e social (transportes, energia, saneamento, habitao etc.), nos termos propostos por Hirschman (1958) e no ao conceito de capital social como atributos histricos, culturais e institucionais da sociedade civil, no sentido proposto por Putnam (1982).

    6 Uma sntese interpretativa da Nova Geografia Econmica encontra-se em Polticas regionais da Nova Geografia Econmica, de Ruiz, neste volume.

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    um modelo de retornos crescentes, baseado na concepo de centro-periferia. Tomando duas regies, uma desenvolvida e outra atrasada, analisa as foras centrpetas que fazem com que o processo de concentrao seja cumulativo: maiores escalas e menores custos de produo, amplos mercados locais, menores custos de transporte, grande oferta de insumos produtivos e de trabalho, entre outros. O processo de concentrao s cessa diante do surgimento de foras centrfugas que o bloqueiam, permitindo o crescimento das regies perifricas. Entre essas foras centrfugas cabe mencionar aquelas advindas de vantagens perifricas, a exemplo do surgimento de novos mercados na periferia, das vantagens produtivas locais (agricultura, minerao, baixa mobilidade da mo-de-obra e outras vantagens naturais), entre outros. O processo de concentrao poder gerar deseconomias de aglomerao, a exemplo dos custos de congestiona-mento, escassez de insumos e crescente renda fundiria, aumento dos salrios, custo de transporte para atingir mercados perifricos, facilitando o processo de desconcentrao.

    A partir dessas formulaes e entendimentos, Inmeras orientaes de poltica com vistas ao desenvolvimento de regies mais atrasadas podem ser derivadas: oferta de transportes, sistemas locais de inovao, melhorias educacionais, sistemas de informaes, polticas locais de emprego, sistema de subsdios, abertura econmica, entre outros. Vrias dessas polticas tm carter horizontal e devem ser tratadas como pano de fundo naquilo que se caracteriza como formao do capital social bsico.

    No que diz respeito infra-estrutura fsica, merecem ateno especial os sistemas de transporte, energia eltrica, telecomunicaes e as redes de transmisso de dados e imagens. As telecomunicaes tm oferta parcelada e de soluo mais fcil no que se refere ao atual estgio de desenvolvimento da economia brasileira, especialmente pelas mudanas tecnolgicas recentes que reduziram drasticamente os custos de infra-estrutura de telecomunicaes. A oferta de energia eltrica continua como um fator importante para o desenvolvimento regional. No entanto, considerada a integrao da matriz de energia eltrica no espao brasileiro, o esforo regional na maioria das localidades depende apenas da expanso das linhas de transmisso, considerando-se que a expanso da capacidade de gerao deve ser vista como uma problemtica nacional ou macrorregional, mas no local. As redes de transmisso de dados dependem da ampliao e construo de novas redes de cabos de fibra tica, o que ainda exige grande investimento, mas vem sendo atendido com base nos programas governamentais e nos recursos dos fundos setoriais e de infra-estrutura coordenados pelo Ministrio da Cincia e Tecnologia. Adicionalmente, a transmisso de sinais e dados vem sendo facilitada pela possibilidade de transmisso por ondas, facilitando tambm a fragmentao e o parcelamento da oferta.

    O destaque, no que se refere infra-estrutura est relacionado com a oferta e o custo dos transportes, cujos efeitos devem ser vistos em duas dimenses: sistemas de transporte inter-regional e sistema de transportes intra-regional. O

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    sistema de transportes inter-regional facilita a integrao do mercado, podendo enfraquecer economias regionais e ampliar a concentrao em funo do aumento da competio. Por outro lado, facilita a insero recproca nos mercados nos mercados perifricos e destes nos mercados centrais, contribuindo para ampliar a diviso inter-regional do trabalho por meio das especializaes regionais.

    Considerado o processo de integrao da economia nacional, no h como escapar dessas presses. A sada o fortalecimento e a especializao das economias regionais para que estas possam enfrentar a competio nacional e internacional e, ao mesmo tempo, gerar capacidade competitiva nesses mercados.

    A segunda dimenso do sistema de transportes o fortalecimento da malha intra-regional, o que facilita a integrao econmica regional e o fortalecimento de seus respectivos plos. Considerada a desigualdade regional da economia brasileira, a grande concentrao metropolitana e a existncia de reas vazias ou pouco exploradas produtivamente, a reduo das desigualdades e um melhor ordenamento do territrio exigem o fortalecimento de novas centralidades urbanas, para as quais o desenvolvimento dos sistemas de transportes intra-regionais decisivo.

    O impacto de tais polticas, no entanto, deve ser avaliado segundo as carac-tersticas especficas de cada regio e as condies de competio com outras regies. As polticas de incentivos e subsdios podero ter custo elevado, drenando a capacidade do setor pblico em prover outros servios. No que se refere abertura econmica, h grande controvrsia. No entanto, no caso de regies de um mesmo pas, no h barreiras alfandegrias. A alternativa buscar preparar a regio para a competio no mercado nacional e para futuras inseres nos mercados internacionais. Como sntese das formulaes apresentadas, as polticas regionais deveriam ser seletivas, segundo as caractersticas e potencialidades setoriais de cada regio, com vistas a potencializar a expanso produtiva com menores custos e melhores condies de competio.

    Por fim, ressalte-se um aspecto pouco explorado na Nova Geografia Econ-mica (NGE). Como visto, a existncia de externalidades uma condio central no modelo. No entanto, o que o modelo no discute de forma adequada so os determinantes da capacidade de gerao e absoro destas externalidades. Como mostra a literatura neo-schumpeteriana, por exemplo, a absoro das externalidades tecnolgicas no garantida apenas pela proximidade fsica entre os agentes. A capacitao mais geral de uma regio tambm influencia na possibilidade de gerao e absoro destas externalidades. Esta capacitao, por sua vez, influenciada pela existncia ou no de instituies geradoras e difusoras de conhecimento, tais como centros de pesquisas, universidades etc. na regio. Dessa forma, como mostra Lemos et al. (2005), existe uma grande variedade de elementos territoriais que, por definio, variam de pas para pas e/ou regio para regio que condicionariam os processos de gerao e

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    absoro de externalidades derivados dos processos de aglomerao industrial. Todas as questes tericas acima discutidas possuem impactos sobre o processo de conformao do espao.

    6. os efeitos da globalizao sobre a centralidade urbana e o ordenamento do territrio

    As mudanas decorrentes dos processos de globalizao, financeirizao e mundializao do capital, por um lado, e a revoluo molecular-digital, por outro, influenciam ou mesmo determinam as escolhas locacionais do capital produtivo, alterando os clssicos padres locacionais. Em atividades de alto valor, baixo volume e baixo peso, os custos de transporte perdem importncia relativa. Nesses casos, tambm perde importncia a proximidade s fontes de matrias-primas. Para vrios produtos, as reas de mercado tornam-se significativamente amplas ou at mundiais, podendo haver diferentes alternativas locacionais. A separao das atividades de pesquisa, concepo e projeto podem ser separadas das atividades de produo, permitem que as ltimas tenham pequena exigncia de trabalho qualificado e grande flexibilidade locacional. Em muitos casos, a capacidade de se obter vantagens do setor pblico nacional, regional ou local passa a ter grande influncia nas escolhas locacionais. H, como decorrncia dessas transformaes, um crescimento das ubiqidades dos fatores produtivos clssicos, levando a um processo de desteritorializao. Aumenta-se a importncia dos fatores histricos, culturais e institucionais o chamado capital social e da estabilidade poltica, condicionando os caminhos do capital internacional e a reterritorializao das atividades. Como decorrncia, fortalecem-se as funes de governana global, exercida pelas organizaes dos pases desenvolvidos (OECD, Grupo dos 8) e operacionalizada pelas grandes instituies multilaterais (FMI, BIRD, OMC). Esse processo gera, ao mesmo tempo, a integrao e a fragmentao da economia mundial, fortalecendo o papel das grandes cidades ou cidades mundiais, nas quais se localizam a governana e o comando do capital.7

    Nesse sentido, com a crescente ampliao da integrao mundial e da impor-tncia das grandes metrpoles, a questo da centralidade urbana voltou ao cerne do debate sobre a organizao do espao: cidades globais, cidades mundiais, metrpoles, conubares etc8.

    7 A anlise das relaes do processo de globalizao e seus impactos sobre as naes, regies e metrpoles encontra-se em As contradies do o: globalizao, nao, regio, metropolizao, de Oliveira, neste volume.

    8 Para uma ampla viso da evoluo histrica do urbanismo e das concepes de planejamento urbano e da crise das cidades nas dcadas de 1960 e 1970, ver As teorias urbanas e o planejamento urbano no Brasil, de Monte-Mr, neste volume.

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    No caso do Brasil, o acelerado processo de urbanizao registrado nas ltimas seis dcadas e as dinmicas regionais e urbanas diferenciadas provocaram um forte processo de concentrao populacional em um conjunto limitado de metrpoles e de uma rede urbana mais bem estruturada nas regies Sudeste e Sul. Enquanto isso, permanecem regies vazias ou populacionalmente rarefeitas nas regies Centro-oeste e Norte e concentrao em grandes cidades com rede urbana fraca na regio Nordeste. Ao mesmo tempo, ocorreu um processo de urbanizao extensiva, por meio do qual a influncia das cidades atingiu o campo e submeteu-o cultura e s condies de consumo e produo das cidades, eliminando a separao entre cidade e campo, unificando a problemtica regional e urbana.

    Isto significou a ampliao da importncia do urbano e da centralidade urbana. Nestes termos, o processo de planejamento e desenvolvimento regional do Brasil deve partir de uma viso prospectiva da rede urbana e de seu papel na estruturao e ordenao do territrio. Considerando-se o irreversvel processo de concentrao em grandes metrpoles e os problemas sociais inerentes deficincia da infra-estrutura urbana (transporte, saneamento, habitao, servios coletivos), falta de oportunidades de trabalho e pssima distribuio da renda, torna-se central pensar no suporte ao desenvolvimento da rede urbana em cidades mdias e grandes, no metrpoles, como base de estruturao do espao nacional.

    Alm de um sistema de transportes inter-regional que unifique e integre o mercado nacional, uma poltica urbana orientada para a reestruturao do espao e para a reordenao do territrio exige o reforo da infra-estrutura intra-regional para fortalecer a capacidade de polarizao e comando dessas cidades sobre os seus entornos territoriais e produtivos. Somado ao sistema de transportes intra-regional, destaca-se tambm o papel da infra-estrutura intra-urbana, especialmente transporte pblico, saneamento, habitao e servios coletivos.

    7. A Questo das Escalas Territoriais e os Desafios da Regionalizao

    Um dos grandes desafios para a implementao de polticas regionais a definio das escalas territoriais de atuao e a operacionalizao destas mediante critrios de regionalizao.

    A regionalizao do territrio para efeitos de polticas pblicas tem sido um desafio constante. Por um lado, cada territrio enquanto espao social (construdo) um produto social, estando, portando, em permanente mutao

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    (Lefebvre). A simples identificao do termo regio pressupe o reconhecimento do desenvolvimento desigual no territrio, o qual decorre de razes histricas, naturais,culturais, polticas, econmicas etc. Em funo de suas caractersticas e dos pressupostos analticos, as regies vm recebendo diferentes denominaes: homogneas, polarizadas, plano (Boudeville), perifrica, centrais (CEPAL), agrcolas, industriais, ou outras denominaes. As caractersticas econmicas e territoriais podem indicar uma economia de subsistncia, uma rea de mercado, uma base exportadora, uma centralidade urbana e sua rea complementar etc. Por essas razes, as escalas de interveno so diferenciadas, em funo dos objetivos, das polticas e dos instrumentos. Assim, a regionalizao, para efeitos de polticas de desenvolvimento regional, necessita ser definida em diferentes escalas e no em uma escala nica. Por sua vez, o critrio de regionalizao no pode se ater somente aos aspectos econmicos. Alm desses, pelo menos dois aspectos merecem considerao especial. O primeiro, os condicionantes ambientais, tendo em vista a importncia de se compatibilizar desenvolvimento econmico com sustentabilidade. O segundo, a identidade e a vinculao entre populao e territrio, de forma a dar consistncia e representatividade aos atores regionais.9

    A identificao do chamado problema regional, geralmente relacionado com as desigualdades regionais de desenvolvimento e a existncia de regies atrasadas, levou a maioria dos governos a definir regies especficas para a implementao de polticas regionais, iniciadas com o Tennesse Valley Authority (TVA), nos EUA, em 1933, e generalizadas mundialmente no Ps- Segunda Guerra. Alm do TVA, so exemplos tpicos as regies definidas para implementao das polticas de desenvolvimento para os Appalaches, nos Estados Unidos, do Mezzogiorno, na Itlia, do Nordeste brasileiro, entre muitas outras. Posio diferente tiveram os franceses, que se orientaram por uma viso de conjunto, materializada nas polticas de ordenamento do territrio nacional, visando o desenvolvimento das regies atrasadas, o arrefecimento da concentrao em Paris e uma melhor distribuio regional do desenvolvimento.

    Como resultado dessas experincias, surgiram fortes crticas ao planejamento de regies isoladas dentro de um pas, na medida em que a regio parte deste e, portanto, est integrada econmica e politicamente ao restante do territrio, tambm sendo influenciada pela poltica econmica geral. A partir dessas consta-taes, passou-se a entender que o planejamento regional deve ser concebido e implementado como parte da poltica nacional de desenvolvimento, como ocorre nas experincias contemporneas, inclusive nas polticas da Unio Europia.

    As transformaes contemporneas vm impactando as escalas territoriais por meio da universalizao da dominao do capital, especialmente do capital finan-

    9 Para uma viso dos problemas relativos relao entre desenvolvimento econmico e regionalizao, ver Desenvolvimento econmico e a regionalizao do territrio, de Lemos, neste volume.

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    ceiro, estabelecendo uma hiper-escala de circulao do capital, materializada pelo processo de globalizao. Ao mesmo tempo, e como parte do mesmo processo, reforam-se as vises da importncia do crescimento endgeno, pela identificao da fora e da sinergia das comunidades locais, enfatizando as microdecisses e os microprocessos, negando os aspectos estruturais do desenvolvimento, como a poltica, os conflitos, as classes sociais, os aspectos macroeconmicos (cmbio, juros, tributao etc.),o papel do Estado.10 Essa orientao combina a viso da importncia do capital social com os efeitos das polticas neoliberais de desregulao, de nfase no mercado, de reduo do Estado, inclusive por meio de amplos e generalizados processos de privatizao.

    Essa contraditria combinao que enfatiza o localismo vem sendo requa-lificada e criticada. Nesse sentido, em pases de grande dimenso territorial como o Brasil, h consenso de que os extremos, tanto da escala macrorregional como de um localismo exacerbado, no so adequados para uma orientao de poltica. Em primeiro lugar, advoga-se que uma poltica de desenvolvimento regional deve ser pensada e articulada em escala nacional, como passou a ser a orientao do Governo Federal nos ltimos anos, significando um avano sobre as vises anteriores e o tratamento de regies isoladas, como foi a poltica de desenvolvimento para o Nordeste. Em segundo lugar, a prpria diviso territorial nas cinco macrorregies hoje se apresenta ultrapassada pela diversidade interna de cada uma delas. Em terceiro lugar, porque a nfase no local, a exemplo da generalizada defesa dos APLs, pode ser um instrumento adequado para certas aes, mas no tem alcance e capacidade de articular uma viso integrada do territrio.

    Entende-se que o sistema funciona em mltiplas escalas, mas que a imple-mentao de polticas exige a seleo de escalas adequadas para cada tipo de objetivo e de poltica. Como resposta a esses desafios, vem sendo defendida uma viso multiescalar do pas, destacando-se a escala mesorregional como a mais adequada para a implementao da maioria das polticas de desenvolvimento regional. Ela permite a combinao das diferentes instncias de governo com as especificidades culturais, institucionais e empresariais regionais ou locais, facilitando a articulao, a gesto e a governana dos processos.11

    10 Uma anlise crtica da excessiva nfase ao localismo e busca de uma viso multiescalar encontra-se em Construir o espao supralocal de articulao socioprodutiva e das estratgias de desenvolvimento: os novos arranjos institucionais, de Brando, Costa e Alves, neste volume.

    11 Uma anlise detalhada das mesorregies como escala privilegiada para polticas regionais encontra-se em Mesorregies como escala para polticas regionais: articulao de atores e gesto territorial, de Bandeira, neste volume.

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    8. As Tcnicas e os Instrumentos de Anlise Regional

    Finalizando esta breve reflexo, seria importante ressaltar a ampla gama de tcnicas e mtodos de anlise disponveis hoje economia regional e urbana, permitindo avaliar e simular tendncias, impactos e resultados de forma cres-centemente confivel e rpida. Alm das tcnicas e mtodos j conhecidos, a digitalizao das bases estatsticas e cartogrficas facilita o trabalho de coleta e apresentao das informaes e dos resultados. A grande deficincia est relacionada inexistncia de censos econmicos, nas ltimas dcadas, que permitissem comparaes sistemticas e abrangentes entre as vrias parcelas do territrio. Outra dificuldade est relacionada com a ainda maior deficincia das bases estatsticas e de sua interpretao para a crescente parcela da renda gerada e a ocupao no chamado setor de servios.

    Em que pesem estas dificuldades, o conjunto de mtodos e tcnicas de medidas de localizao e especializao, as medidas de crescimento diferencial e estru-tural, os modelos de insumo-produto e de equilbrio geral computvel, as novas tcnicas de econometria espacial e as anlises multivariadas tm condies de dar suporte aos estudos e s polticas de desenvolvimento regional, permitindo combinar a avaliao dos objetivos e resultados econmicos, sociais, geopolticos e ambientais de forma conjunta ou inter-relacionada.12

    9. Guisa de Concluso

    A teoria do desenvolvimento regional e urbano permite-nos identificar um conjunto de caminhos para a promoo do desenvolvimento das regies menos desenvolvidas e para uma melhor estruturao e reordenao do territrio brasileiro. Nesse sentido, as polticas deveriam partir da concepo de que o urbano estrutura o espao. Dessa forma, e, portanto, a intencionalidade da estrutura urbana que se quer construir deveria guiar as demais polticas. Entre as polticas e caminhos para uma nova poltica de desenvolvimento regional do Brasil a literatura terica nos permite identificar como bsicas: reforo da capacidade de investimento; criao de sistemas locais de pesquisa e inovao; melhoria do sistema educacional; melhoria da infra-estrutura de transportes e telecomunicaes; reorientao do sistema de subsdios e incentivos. Torna-se, assim, fundamental a institucionalizao das instncias de coordenao e governana de forma multiescalar, com destaque para a gesto metropolitana e para as mesorregies.

    12 Uma sntese dos avanos das tcnicas e dos instrumentos de anlise regional encontra-se em Mtodos de anlise regional: diagnstico para o planejamento regional, de Simes, neste volume.

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    Do ponto de vista do reforo da capacidade de investimento, ela deveria estar tambm articulada com os mecanismos e as polticas de atrao regional de investimentos, especialmente das polticas de subsdios e incentivos regionais. Estas polticas deveriam estar voltadas premiao dos resultados e no das intenes, como historicamente se fez em vrias partes do mundo e do Brasil.

    A criao de sistemas regionais e locais de inovao deveria estar orientada criticamente para a combinao do sistema educacional e de pesquisas com as novas modalidades institucionais de inovao, a exemplo das incubadoras, dos parques tecnolgicos e dos arranjos produtivos locais.

    A melhoria educacional, alm de fazer parte de uma poltica horizontal e universal, deveria estar tambm orientada para as condies e potencialidades regionais.

    Por fim, a orientao da poltica de infra-estrutura, especialmente transportes, por condicionar as condies de produo e de insero nos mercados nacional e internacional e de orientao dos fluxos, condicionar os caminhos do desen-volvimento regional no Brasil.

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  • As contradies do oGlobalizao, nao, regio, metropolizao

    Francisco de Oliveira

    Pos e Pes, Questo de Opinies.

    Guimares Rosa

    Direto ao ponto: a globalizao entendida aqui como o processo pelo qual o capital-dinheiro na forma da moeda hegemnica o dlar norte-americano se coloca como pressuposto e resultado de todas as economias nacionais. Por isso, Chesnais a chama de mundializao do capital.1 E claro que esse colocar-se como pressuposto e resultado mais visvel nas economias submundiais, que o nome novo das antigas periferias capitalistas, pois todas so, agora, formas da diviso espacial do capital, enquanto espaos como o da Unio Europia guardam, ainda, e provavelmente a ampliar, autonomia em relao moeda hegemnica, condio de que dispute com esta o estatuto de moeda mundial, ou pelo menos desempenhe o mesmo papel. Isto no verdade nem para o Japo, nem para a China, nem para a ndia, espaos-economias submundiais. Parece paradoxal, mas o Japo aplica seus prprios excedentes monetrios nos ttulos da dvida norte-americana, pelo que se pode dizer que o dlar pres-suposto e resultado tambm para a economia nipnica. Em relao China e ndia, os mastodontes emergentes que esto mudando a diviso mundial do trabalho, ento nem se pode pr em questo: ambos se alimentam do mercado de oferta de capitais para alavancar suas formidveis expanses, e o dlar volta como resultado na forma das exportaes chinesas de manufaturados e das

    1 CHESNAIS, 1996.

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    exportaes indianas de servios. O que no quer dizer que suas prprias formas de capital-dinheiro, no futuro, no possam libertar-se da forma dlar, mas quer dizer que tambm, nesta hiptese, funcionaro como moedas globais; comrcio apenas no transforma uma moeda nacional em mundial: requer-se que ela funcione como reserva de valor mundial, ou nos velhos termos leninistas, seja uma moeda imperialista.

    No se inclui entre os mastodontes a Rssia, embora seu tamanho pudesse ser um critrio que a juntasse China e ndia. Mas a economia russa no encontrou, ainda, seu nicho na expanso capitalista do novo ciclo mundializado. Fora a exportao de comodities como o petrleo, e sua fora em uns poucos setores, como a produo aeronutica e o que lhe resta de fora militar, a Rssia permanece imersa num turbilho de acumulao primitiva a converso de uma economia que Kurz chamou de socialismo de caserna2 em economia capitalista por vias gangstersticas, um problema poltico irresoluto, que brevemente se esta-bilizar no patamar da dissoluo do antigo imprio tzarista-sovitico. Mesmo sua notvel faanha espacial no lhe d um lugar especial na mundializao, tendo em vista que bens espaciais no tm demanda mundial para convert-la em exportador, salvo pela expanso militar; e como a Rssia deixou de ser uma potncia militar, seu setor aeroespacial no se converte em mola propulsora da economia. E a exportao de capitais da Rssia irrelevante.

    neste sentido que existe uma acumulao comandada pelo capital-financeiro, ou uma acumulao dominncia financeira, como quer Chesnais, mas nunca no sentido estrito de que a valorizao do capital deixa de passar pelo sistema produtivo. Ou dizendo de outra maneira: a forma financeira descolou-se da forma capital-produtivo, e a diviso mundial do trabalho agora comandada pela oferta de capital-dinheiro, que escolhe as localizaes espaciais do capital-produtivo.

    O que quer dizer capital-dinheiro hegemnico como pressuposto e resultado dos produtos das economias submundiais? As dvidas externas das economias submundiais respondem parcialmente questo: em antigas periferias como as latino-americanas, e o Brasil um caso exemplar, a dvida externa uma espcie de adiantamento sobre o produto futuro, que o caso de todo crdito, necessrio porque a moeda nacional no tem mais a qualidade de reserva de valor. Sobretu-do, porque o processo de acumulao do capital-produtivo foi lanado a uma carreira como reproduo ampliada para a qual o capital-dinheiro nacional no tem potncia, pois ele no compra nem suas foras produtivas criam o progresso tcnico que imposto pela mundializao da diviso do trabalho.

    No caso das economias como a da China e a da ndia, a dvida externa no aparece como o cordo umbilical a lig-las mundializao, e parece no serem

    2 KURZ, 1992.

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    economias submundiais os seus tamanhos exercem uma espcie de efeito tico que distorce a real subordinao diviso espacial do capital-dinheiro. Isso acontece porque esto internalizando os prprios capitais-mundiais, como investimentos diretos, inclusive como joint-ventures, e assim se ligam diretamente ao capital-produtivo, enquanto as antigas periferias latino-americanas o fazem atravs da dvida externa. H, ainda, um forte controle poltico dessa internalizao da mundializao do capital, enquanto nas periferias latino-americanas a devas-tao neoliberal apequenou os Estados nacionais, que j so presas fceis dos constrangimentos externos e j sofreram a desterritorializao da poltica. Ento a mundializao , de fato, a espacializao do capital-produtivo determinada pelo capital financeiro.

    A mundializao uma via de duas mos. Se as dvidas externas e as expor-taes de mercadorias e servios so a mo que vai das antigas periferias e dos novos mastodontes para o centro, este emite, atravs da dvida externa dos USA, o capital-dinheiro que colocar em ao os capitais que operam aquelas economias submundiais. A mundializao tornou insubstituvel, para os USA, sua dvida externa como exportao de capitais, que aparece invertida, pois dvida, e as exportaes de mercadorias e servios pelas economias submundiais no so exportaes de capitais; provam-no as importaes de capitais que se esforam desesperadamente para atrarem. A taxa de lucro da economia norte-americana que regula o movimento da competitividade mundial e, por isso, as antigas periferias vem-se devastadas por recorrentes crises fiscais, na forma dos superavits primrios, enquanto os novos mastodontes respondem na forma de excepcionais taxas de crescimento que encobrem uma formidvel taxa de explorao da fora de trabalho para lograr a perequao da taxa de lucro exigida pela sua prpria mundializao. No primeiro caso, a mundializao opera como restrio ao crescimento, noutros, ela o exponencia, s vezes custa de um regime poltico fortemente centralizado e totalitrio, no caso da China. Alis, o crescimento da taxa de explorao condio sine qua non para todos que correm atrs no processo acelerado e descartvel do progresso tcnico-cientfico, que a forma tcnica da acumulao de capital. China e ndia beneficiam-se de sua extensssima fora de trabalho e criaram a miragem de formidveis aumentos da produtividade do trabalho, na verdade comandada pela combinao de progresso tcnico e execrveis salrios. Todo o resto da periferia corre atrs dessas miragens. Tal perseguio impe a destruio dos precrios direitos do trabalho, conquistados a duras penas nas periferias latino-americanas, logrados, na verdade, ao preo das ditaduras modernizadoras, como as de Vargas e dos militares do ciclo 1964-1984 no Brasil. Mesmo na Europa Ocidental, me do Estado do Bem-Estar, observa-se uma regresso, em forma ainda atenuada, do componente indireto dos salrios reais. Parece haver uma relao, ainda no compreendida teoricamente, entre a acumulao dominncia financeira e crescimento da taxa de explorao da fora de trabalho.

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    nao Perifrica e Mundializao

    O termo-conceito periferia, elaborado por Prebisch e sua Cepal,3 descrevia e interpretava uma diviso internacional do trabalho que se sustentava na assimetria entre produtores de manufaturados e produtores primrios. De qualquer modo, a periferia se sustentava numa capacidade tnue, mas ainda assim efetiva, de realizar polticas autnomas, viabilizadas pela no-conversibilidade de suas moedas e pelo papel determinante do capital-produtivo no cenrio internacional. O perodo de ouro de Bretton Woods, de alguma maneira, preservava essa autonomia relativa, no sistema chamado dlar-ouro, que supunha uma regra monetria reguladora, com flutuaes em torno do eixo principal de uma relao fixa ouro-dlar nos USA.4 Um sistema que fornecia previsibilidade no mdio prazo. A periferia latino-americana utilizou pro domo suo sua irrelevncia monetria mundial: atravs, sobretudo, de polticas fiscais e coero estatal, criou-se o novo lugar do Estado na economia, inaugurado pelo objetivo de polticas anticclicas que retirassem a economia da severa depresso dos anos 30 que, na Amrica Latina, deu lugar ao desenvolvimentismo.

    O termo-conceito periferia j no tem capacidade heurstica para descrever e interpretar a mundializao, e usado agora para designar uma imagem apenas ideal de uma economia-mundo, no dizer de Immanuel Wallerstein, de crculos concntricos, mas que j no descreve a relao. Mastodontes como China, ndia, Brasil, Rssia, Indonsia, Mxico e frica do Sul, em certa medida, ainda aparecem como economias submundiais, mas a grande maioria comparece apenas como localizaes aleatrias do capital mundializado, o que embaralha a diviso mundial do trabalho. A Microsoft est em Costa Rica, em sua nica unidade fora dos USA: o pequeno pas da Amrica Central uma periferia dentro do centro ou o centro dentro da periferia? E por que ele foi escolhido para sediar esse objeto do desejo de toda a periferia? No h nenhuma razo, ancorada na velha diviso internacional do trabalho, nem nas teorias locacionais de custos comparativos, nem de fontes de matrias-primas. Apenas a escolha da prpria empresa e o uso do Estado como capital-financeiro: o novo Estado latino-americano uma plataforma financeira e os pases convertem-se em plataformas de exportaes. O conceito de periferia supunha o Estado-Nao.

    A desterritorializao operada pela mundializao escandiu o Estado-Nao perifrico. Resta o Estado e quase desaparece a Nao; onde esta persiste, fora da predominncia do Estado na velha juno dos termos: caso dos mastodontes.

    3 PREBISCH, 1949 e RODRIGUEZ, 1981.

    4 Ver SOLOMON, 1979; CARVALHO, 2003 e OLIVEIRA, n. 4, 2004.

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    A iluso de tica elaborada pela doutrina neoliberal do Estado mnimo esconde, na verdade, de um lado, um Estado mximo, que opera o controle da fora de trabalho rebaixando o estatuto dos direitos e propiciando as condies insti-tucionais para a elevao da taxa de explorao; e, de outro, uma forma de capital-financeiro para o capital mundializado, atravs das isenes, subsdios e toda sorte de incentivos. A dvida interna esse capital-financeiro que sustenta a extravagncia da quase-conversibilidade monetria e a assuno, por parte do Estado, do risco cambial inerente a um regime de cmbio flutuante. Da a recorrente poltica fiscal restritiva, que na outra ponta restringe o crescimento autnomo.

    A desterritorializao uma desnacionalizao da poltica e uma despolitizao da economia; mais que um trocadilho sem graa, o primeiro termo refere-se transferncia para o mbito das instituies financeiras mundiais das formula-es de poltica econmica, moeda, cmbio e fiscal, principalmente, mas no menos o estatuto da propriedade pblica e privada. Atravs das instituies da chamada governana mundial, FMI, BIRD e OMC, impem-se as condies de monitoramento, coadjuvadas por organizaes privadas, ligadas ao sistema financeiro-bancrio, que julgam o estado de risco das economias submundiais. Bem observadas, tais instituies arbitram e estabelecem as condies da competio entre as diversas formas do capital mundial, produtivo e financeiro.

    A despolitizao da economia quase uma conseqncia da primeira, pois os conflitos internos entre classes e setores, e em suas relaes com seus Estados nacionais, esto submetidos s condicionalidades externas. Em outras palavras, tais condicionalidades delimitam o espao e os termos dos conflitos de classe e de interesses dos atores internos. O movimento da taxa de lucro parametrizado pelo capital-dinheiro mundial seu principal determinante, para cima ou para baixo. No toa, qualquer movimento na taxa de juros determinada pelo FED pode desencadear, deter ou estimular entradas e sadas de capitais especulativos nas economias submundiais com conversibilidade total ou parcial; para os masto-dontes suas quase incomensurveis taxas de crescimento so as formas de atrao do capital produtivo mundial; assim mesmo, a China viu-se obrigada a entrar na OMC sob pena de ver suas chances de intercmbio comercial minguarem e com elas seu crescimento. Em outras palavras, a intensidade da taxa de explorao chinesa a condio para a atrao do capital-produtivo mundial, e a forma especial do Estado altamente centralizador uma espcie de Estado-caserna5 extremamente funcional para a acumulao de capital.

    A formao da Nao, como o espao de disputa do sentido poltico comum, substituda por um consenso forado, fora do qual no se processa qualquer

    5 A China o mais acabado exemplo, hoje, do que Robert Kurz chamou de socialismo de caserna. Ver KURZ, 1992.

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    crescimento. Est-se num territrio de conflito para alm da hegemonia. quase uma ditadura, a poltica como administrao, nos termos de Adorno e Horkheimer.6 A proliferao de controles, de ndices e indicadores, de polticas sociais focadas, que monitoram permanentemente a realizao e a performance das polticas, a reproduo da fora de trabalho e, no extremo, a vida nua, a poltica como administrao. Que j no depende da relao de foras entre as classes, mas da medida que ajusta o comportamento das principais variveis ao movimento da taxa de lucro mundial, mediada pelas variveis de exclusivo controle estatal. Assim, a Nao subsumida no Estado.

    Um projeto nacional no sentido j apontado de realizao de um projeto comum torna-se, assim, uma quimera. Em seu lugar, como paradoxo do neoliberalismo e da mundializao, viabilizam-se apenas polticas de Estado. Vestidas de retricas nacionais, mas cujos objetivos so, em primeiro, segundo e terceiro lugares, a reificao do Estado como instncia de clculo da reproduo do capital interno e sua relao com o capital mundializado.

    Tudo isso no quer dizer que a mundializao operou uma homogeneizao das condies internacionais; ao contrrio, trata-se de um sistema fortemente hierarquizado, com os USA como olho do furaco onde parece reinar a calma e a Europa dos 25 como sub-olho, enquanto os demais rodam freneticamente, a altas velocidades, impulsionadas pelo olho da acumulao de capital. No roteiro, podem acontecer desastres, como o da Argentina no perodo ps-Menem, em que a outrora grande nao latino-americana, uma das cinco principais economias mundiais do princpio do sculo XX, conheceu taxas de desemprego e regresso no Produto Interno Bruto que no havia experimentado nem na Grande Depresso dos anos 30.

    Regio e Mundializao: o Caminho dos Balcs

    No se pode falar em regio e diviso regional do trabalho no Brasil seno j no sculo XIX e no momento em que a expanso da economia j se d, ainda que parcialmente, sob a forma de reproduo ampliada do capital. Traduzindo, quando a expanso do caf se torna o eixo da nova economia brasileira. Anteriormente, as diversas especializaes regionais ligavam diretamente cada parte do territrio da colnia metrpole portuguesa e ao seu papel de

    6 HORKHEIMER e ADORNO, 1974.

    7 Desenvolvi este ponto originariamente em Francisco de Oliveira, Periferias regionais e globalizao: o caminho para os Balcs, in ARBIX, Glauco et al. (Org.). Brasil, Mxico, frica do Sul, ndia e China: dilogo entre os que chegaram depois.

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