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Semiologia Ausculta

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Semiologia

Ausculta

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• Caso Clínico

Paciente masculino de 79 anos de idade, portador de hipertensão arterial sistê-mica, diabetes mellitus em tratamento irregular é trazido pelos seus familiares para a emergência de um hospital universitário. O quadro clínico é marcado por uma evolução crônica de dispneia aos esforços, ortopneia, dispneia paroxística noturna, edema bilateral de membros inferiores, nictúria, aumento de volume ab-dominal e aparente emagrecimento na face apesar do aumento de peso na ba-lança. O motivo da vinda do paciente à emergência, especialmente no dia de hoje, foi uma dor torácica, precordial intensa iniciada hoje associada a sudorese pro-fusa, parestesia em membro superior esquerdo e uma piora súbita da dispneia. Este paciente aparenta ter um diagnóstico crônico sobreposto a um agudo. Quais seriam os sinais auscultatórios pulmonares condizentes com a principal hipótese diagnóstica para a doença crônica? E para a aguda?

• Introdução

Os sons cardíacos e pulmonares já eram examinados muito tempo antes da in-venção do primeiro estetoscópio. Contudo, o pudor e intimidade dos pacientes, especialmente das mulheres era um assunto considerado tabu visto que o mé-todo de escuta da época obrigava que o médico - na época homens em sua to-talidade (lembre-se que Elizabeth Blackwell, a primeira mulher médica somente se graduou em 1849 na Universidade de Geneva) - era obrigado a encostar a face diretamente nas costas e peito dos pacientes. Outro problema enorme, eram aqueles pacientes que tinham uma camada adiposa mais exuberante o que difi-cultava consideravelmente a capacidade de identificação dos sons pelo médico assistente. Vamos falar a verdade: Se hoje em dia, às vezes a posição é tão desconfortável que não conseguimos auscultar o paciente durante períodos prolongados ima-gine fazendo o mesmo procedimento sem a ajuda de um estetoscópio.

A partir de todos esses desafios e após reparar em como crianças conversavam através de um pedaço de madeira (uma criança falava de um lado enquanto a outra repousava o ouvido do outro) René Laennec desenvolveu o primeiro ins-trumento que mais tarde viria a se transformar no estetoscópio. Na ocasião, ape-nas um pedaço de papel enrolado na forma de um cilindro foi o suficiente para auxiliar na ausculta do tórax de um paciente obeso.

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Nos anos seguintes, Laennec criou o nome "estetoscópio" a partir de duas pala-vras gregas: stethos (peito) e skopein (para visualizar ou ver) e pediu a um mar-ceneiro que produzisse o primeiro – um tubo de madeira cilíndrico oco de ma-deira medindo 30cm de comprimento e 4cm de espessura, onde uma extremi-dade deveria ser repousada na pele do paciente enquanto o médico auscultava na outra. Vinte e cinco anos mais tarde, George P. Camman de Nova York, de-senvolveu o primeiro estetoscópio com um fone de ouvido para cada orelha.

Hoje em dia os estetoscópios são dos mais avançados possíveis. Existem mode-los eletrônicos que aumentam e abaixam o volume a gosto do médico, apagam os ruídos externos e até gravam sons para serem analisados novamente em um segundo momento ou até mesmo para fins docentes. Mas o seu avanço não adi-anta de nada se o examinador não souber a técnica correta para tirar o máximo proveito possível deste instrumento.

Então vamos lá! O que você precisa saber?

1) O estetoscópio só é capaz de ouvir sons advindos de uma distância de-terminada limite, de modo que se deve posicioná-lo o mais próximo pos-sível do ponto de interesse. Uma ausculta pulmonar através, exclusiva-mente, do dorso do paciente, por exemplo, pode fazer com que um parên-quima pulmonar anterior no tórax não seja auscultado.

2) A caixa torácica não protege somente os pulmões. Na realidade temos ainda o coração e todo o componente do mediastino, fígado, baço, estô-mago entre outros. E, portanto, deve-se esperar sons específicos de cada um desses pontos.

3) A passagem de ar gera sonoridades distintas de acordo com o ponto ana-tômico que está sendo estudado (traquéia, brônquios, alvéolos).

4) Da mesma forma que o ar transmite sons diferentes de acordo com o ponto anatômico que é estudado, a presença de líquido ou secreção pode gerar sons distintos de acordo com a topografia que se encontra.

5) Os lobos superiores e inferiores de ambos os pulmões são organizados dimensionalmente como se fossem dois triângulos com vértices opostos (um para baixo e outro para cima). No caso do lobo superior direito ainda há uma subdivisão pela cissura horizontal que produz o lobo médio. Essa

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conformação confere uma extensão média de ambos os pulmões até os seguintes locais bilateralmente: 6º espaço intercostal na região anterior, 8º espaço intercostal na região lateral e 10º espaço intercostal na região posterior.

• Semiotécnica

Deve-se utilizar preferencialmente o diafragma do estetoscópio, visto que os sons pulmonares costumam apresentar uma frequência de onda maior (mais agudos) sendo mais facilmente audíveis pelo diafragma quando comparado com a campânula. Vale lembrar também que o examinador pode aumentar ou reduzir a pressão que é empregada no estetoscópio em busca de sons mais agudos (maior pressão) ou sons mais graves (pressão mais suave).

O estetoscópio deve ser posicionado em diversas áreas do tórax, sempre se-guindo a escada grega para que pequenas alterações sejam mais facilmente per-cebidas. Desde que a escada grega seja seguida, pouco importa a ordem que o examinador opte, contudo, sugere-se adotar o seguinte roteiro para que ne-nhuma área deixe de ser auscultada por esquecimento:

1) Saboneteira anatômica (região entre clavícula, trapézio e pescoço): Ápice pulmonar

2) Região anterior do tórax: Lobos superior e médio (incluindo língula) 3) Região lateral do tórax: Única região na qual se auscultam todos os lobos

(superior, médio e inferior direitos e superior e inferior esquerdos) 4) Região superior posterior do tórax: Lobo inferior e ápice pulmonar 5) Bases pulmonares: Lobo inferior

• Achados e correlações clínicas

Os sons auscultatórios pulmonares são divididos em 3 grandes grupos: os sons respiratórios, a ressonância vocal e os ruídos adventícios.

1) Sons respiratórios

São divididos entre sons tranqueal, bronquial e murmúrio vesicular. Cada um possui características topográficas e auscultatórias que nos permite diferenciá-los entre eles mesmos.

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O murmúrio vesicular, por exemplo, é um som audível principalmente na fase inspiratória e suave comparado, segundo Laennec, a uma “brisa de primavera”. É audível virtualmente em toda a projeção do pulmão pela caixa torácica. O som bronquial, por outro lado, possui um proeminente componente expiratório mais rude, comparado a um ar fortemente soprado dentro de um tubo. É audível nor-malmente nas projeções dos brônquios fonte na região anterior do tórax, ou seja, próximo às vias aéreas mais proeminentes. O som traqueal funciona como se fosse uma extensão ou exacerbação do som bronquial. Se diferencia, porém, pois é mais alto e principalmente por possuir uma pequena pausa, - um pequeno si-lêncio - entre as fases inspiratória e expiratória. Experimente em você mesmo. Posicione o estetoscópio em seu pescoço e no tórax e perceba o pequeno silên-cio ocorrendo apenas no som traqueal.

Deve-se prestar atenção às seguintes condições clínicas patológicas:

a) Murmúrio vesicular diminuído localmente

Pode representar um problema pleural como derrame pleural e pneumotórax ou um problema no parênquima pulmonar propriamente dito como atelectasia e consolidação.

b) Murmúrio vesicular diminuído difusamente

Costuma ser frequente em pacientes obesos ou mulheres com mamas volumo-sas. Contudo, pode ser patológico e representar sinais de enfisema ou doença pulmonar obstrutiva crônica.

c) Som bronquial em topografia não usual

Caso escute um som bronquial por exemplo na região dorsal e lateral, ou até mesmo anterior porém longe da projeção dos brônquios fonte e traqueia atente-se para a possibilidade de uma consolidação.

2) Ressonância vocal

Refere-se ao som da voz do paciente detectada através do estetoscópio repou-sado na pele do doente. Orienta-se na maioria das vezes que o paciente repita diversas

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vezes as palavras “trinta e três”. Normalmente essa voz é reconhecida como aba-fada, baixa, fraca sem grande diferenciação de fonemas. Alterações na resso-nância vocal podem ser para mais ou para menos como vemos a seguir:

a) Ressonância vocal diminuída

Condições que reduzem a ressonância vocal são aquelas pleurais (derrame pleu-ral e pneumotórax) ou até mesmo as atelcetasias.

b) Ressonância vocal aumentada

Também chamada de broncofonia, refere-se a uma voz mais alta do que o nor-mal, como se as palavras estivessem sendo emitidas diretamente ao estetoscó-pio. Nesses casos deve-se suspeitar das mesmas condições que geram sons bronquiais (consolidação). Pode-se haver, também, a exacerbação da broncofo-nia: Neste caso, além de auscultar as palavras mais alto do que o normal, pode-se compreender perfeitamente as palavras com o discurso normal do paciente (pectorilóquia fônica) ou até mesmo com um discurso sussurrado do paciente (pectorilóquia afônica). Ambos possuem o mesmo significado clínico que qual-quer outra broncofonia.

Outro tipo especial de broncofonia é a egofonia. Esta ocorre classicamente na interposição entre a borda superior de um derrame pleural com o parênquima pulmonar subjacente. A qualidade metálica ou “de cabra” fazem com que este achado seja bastante demarcado nos pacientes que padecem de derrame pleu-ral. Este é inclusive um bom método, junto da percussão, para detectar o nível de derrame pleural a fim de realizar drenagens ou acompanhar a evolução dia a dia no quadro clínico.

3) Ruídos adventícios

São definidos como todos os sons ouvidos durante a ausculta pulmonar que não são classificados como 1) sons respiratórios ou 2) ressonância vocal. Aqui vale ressaltar que historicamente houveram diversas nomenclaturas diferentes para se referir a um mesmo tipo de ruído. Por isso não se assuste se encontrar fontes divergente sobre o assunto. Para fins didáticos, porém, usaremos neste capítulo, a nomenclatura adotada pela American Thoracic Society, descrita a seguir:

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a) Ruídos descontínuos

Também chamados de estertores, podem ser divididos em crepitantes ou bolho-sos.

Os crepitantes são auscultados melhor na fase final da inspiração. São mais agu-dos e se assemelham ao “roçar de um pouco de cabelo entre si”. Dependendo da sua localização possuem correlações clínicas distintas: 1) Quando localizados em áreas gravitacionais sugerem edema pulmonar (esse é o tipo mais comum); 2) Quando localizados porém em áreas não dependentes sugerem atelectasia ou consolidação na maioria das vezes; 3) Quando difusos podem sugerir edema agudo de pulmão (uma exacerbação do edema pulmonar) ou fibrose pulmonar, assumindo neste último caso a qualidade sonora de “velcro”. Geralmente a dife-renciação da etiologia desses estertores crepitantes difusos é realizada clinica-mente.

Os bolhosos podem ser auscultados na expiração ou inspiração apesar de mais comumente serem expiratórios. São mais grossos e costumam se correlacionar com a presença de secreção grosseira na via aérea. Na prática costuma ser bas-tante confundido com os roncos (explicados a seguir). Uma maneira de localizar na árvore brônquica essa secreção é solicitando ao paciente que tussa. O pro-cesso de tosse só é capaz de mobilizar a secreção de vias aéreas proximais, de modo que se os estertores bolhosos sumirem após um acesso de tosse, pode-se com certo grau de certeza afirmar que a secreção não acomete alvéolos e bron-quíolos, por exemplo.

Um tipo especial de ruído adventício descontínuo que também é classificado como estertor por alguns autores é o atrito pleural. Este é predominantemente expiratório (65% do som ocorre durante a expiração) e mais audível na região axialar (local onde há maior atrito entre as pleuras parietal e visceral). O atrito pleural, da mesma forma que o atrito pericárdio, aponta para a presença de in-flamação local – pleurite.

b) Ruídos contínuos

De acordo com a American Thoracic Society sibilo é um som agudo, contínuo e musical enquanto o ronco é similar porém apresenta uma tonalidade mais grave. A distinção pode ser supérflua visto que as características patofisiológicas são as mesmas e não há evidência nenhuma de importância clínica ao diferenciá-las. Talvez seja, inclusive, melhor evitar o termo ronco já que não somente por essas

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razões mas também porque muitos usam este termo para se referir aos esterto-res bolhosos (sons descontínuos) auscultados em pacientes com excesso de se-creção nas vias aéreas.

Os sibilos são originados da vibração das paredes opostas das vias aéreas es-treitas, ou seja condições em que a luz brônquica está reduzida como por exem-plo, asma, doença pulmonar obstrutiva crônica e outras causas de bronquite. Em um primeiro momento, os sibilos são audíveis somente na fase expiratória, mas de acordo com a progressão da doença, podem ocupar também a fase inspira-tória até que, finalmente, somem junto com o murmúrio vesicular (casos extre-mos) pois a estenose já é tão exacerbada que o ar não consegue mais fluir. Essa evolução é clássica das exacerbações asmáticas com evolução desfavorável.

Como ruído contínuo ainda devemos comentar sobre o estridor. Um som agudo, contínuo e musical. Percebe-se que, portanto, este é bem similar ao sibilo. Con-tudo sua diferenciação é imprescindível visto que o estridor aponta para uma obstrução de via aérea superior <5cm o que demanda uma conduta emergencial. Desse modo, a melhor maneira de diferenciá-los é a seguinte:

O estridor é confinado à inspiração enquanto o sibilo é confinado a expiração (30 a 60% dos pacientes) ou ocorre durante ambas inspiração e expiração (40 a 70% dos pacientes). Além disso o estridor é sempre mais alto na altura do pescoço enquanto o sibilo é sempre mais alto no tórax.

• Desfecho do caso clínico

O paciente do enunciado apresenta diversos fatores de risco cardiovasculares (idade avançada, sexo masculino, hipertensão e diabetes) além de não realizar tratamento regular para as suas condições clínicas.

Quanto à doença crônica, o quadro clínico é caracterizado por uma síndrome dis-pneia e edemigênica que nos permite suspeitar com um certo grau de certeza do diagnóstico de insuficiência cardíaca congestiva. Nesse caso, a ausculta pulmo-nar condizente teria um murmúrio vesicular diminuído ou abolido com ressonân-cia vocal diminuída e egofonia se houvesse um derrame pleural. Ou até mesmo estertores crepitantes em bases pulmonares se houvesse edema pulmonar. Am-bas condições clássicas da insuficiência cardíaca congestiva.

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Quanto à doença aguda, o quadro clínico com dor precordial e parestesia para membro superior esquerdo determina uma dor torácica do tipo A (definitiva-mente anginosa), que nos leva a crer, no diagnóstico de infarto agudo do mio-cárdio. Nesse caso, a ausculta pulmonar pode ser limpa ou apresentar estertores crepitantes (caso seja um infarto classificado a partir do Killip II).