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SALA GARRETT 17 de Fev a 27 de Mar 2011 4.ª a Sáb. às 21h30 Dom. às 16h co-produção DOSSIER PEDAGÓGICO

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SALA GARRETT17 de Fev a 27 de Mar 20114.ª a Sáb. às 21h30 Dom. às 16h

co-produção DOSSIER PEDAGÓGICO

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2Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

FICHA ARTÍSTICA

de ARTHUR SCHNITZLER (1899)tradução FREDERICO LOURENÇOencenação LUIS MIGUEL CINTRAcenário e figurinos CRISTINA REISdesenho de luz DANIEL WORM D’ASSUMPÇÃOcolaboração para a dramaturgia e encenação CHRISTINE LAURENT

assistente de encenação MANUEL ROMANOassistentes para o cenário e figurinos LINDA GOMES TEIXEIRA e LUÍS MIGUEL SANTOSdirector técnico JORGE ESTEVESconstrução e montagem de cenário JOÃO PAULO ARAÚJO, ABEL FERNANDO com TOMÁS CALDEIRAmontagem e operação de luz RUI SEABRAguarda-roupa EMÍLIA LIMA e MARIA DO SAMEIRO VILELAcostureiras MARIA DO SAMEIRO VILELA com TERESA BALBIassistente de produção TÂNIA TRIGUEIROSsecretária do teatro da cornucópia AMÁLIA BARRIGAacompanhamento vocal LUÍS MADUREIRAdirecção de cena PEDRO LEITEponto JOÃO COELHOauxiliares de camarim PAULA MIRANDA / PATRÍCIA ANDRÉapoio à operação de som SÉRGIO HENRIQUESapoio à operação de luz FELICIANO BRANCOmaquinaria PAULO BRITO / RUI CARVALHEIRAmúsica LE TEMPS DES CERISES (BERTRAND CANTAT E NOIR DÉSIR)co-produção TNDM II e TEATRO DA CORNUCÓPIA

com

Émile, duque de Cadignan JOÃO GROSSO (Teatro Nacional D. Maria II)

François, visconde de Nogeant DUARTE GUIMARÃESAlbin, cavaleiro de la Tremouille VÍTOR D’ANDRADEMarquês de Lansac JOSÉ MANUEL MENDESRollin, poeta DINIS GOMESProspère, taberneiro, antigo director de teatro LUIS MIGUEL CINTRAHenri RICARDO AIBÉOBaltasar/Guillaume TIAGO MATIASJules JOÃO VILLAS-BOAS (estagiário)

Scaevola GONÇALO AMORIM Maurice MIGUEL MELO

Grasset, filósofo ANTÓNIO FONSECAGrain, vagabundo MIGUEL LOUREIRO O Comissário LUÍS LIMA BARRETOSéverine, a mulher do Marquês RITA BLANCOGeorgette SOFIA MARQUES

Michette CATARINA LACERDA

Flipotte CLEIA ALMEIDA Léocadie, actriz, mulher de Henri RITA LOUREIROLebret, alfaiate MIGUEL MELOÉtienne TIAGO MANAIA (estagiário)

Dois jovens nobres TOBIAS MONTEIRO (estagiário mestrado ESTC) e NUNO CASANOVAS (estagiário)

Três mulheres populares ALICE MEDEIROS (estagiária), NEUSA DIAS (estagiária mestrado

ESTC) e JOANA DE VERONA (estagiária ESTC)

M/12

A Cacatua Verde. Ensaio de Leitura. Dezembro 2010 © Luís Santos

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3Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

A Cacatua Verde não é um espectáculo preparado com intenções pedagógicas. É um espec-

táculo para todos os públicos a partir de uma pequena obra-prima do repertório dramático

mundial. O autor chama-lhe um “grotesco em um acto”. Parece um conto moral aparente-

mente simples. E no entanto levanta tantas questões com pertinência para a nossa épo-

ca e referências históricas fundamentais que, que facilmente se pode tornar em ponto de

cruzamento de muitas temáticas e trampolim para muitos campos pedagógicos. No fundo,

através de um hábil artifício dramatúrgico que retoma a ideia do aprendiz de feiticeiro, lu-

gar comum da cultura ocidental que reproduz o erro de Adão, o Homem querer saber tanto

como Deus, ter o seu poder, e por isso ser castigado, o autor representa a Humanidade como

uma estranha taberna que é uma espécie de pequeno teatro de marionetas vivas dirigidas

por um taberneiro-encenador numa situação que o ultrapassa, quando o Mundo tenta deixar

de ser estático, quando numa situação revolucionária a marcha da História se cruza com o

Teatro. Teatro e Revolução é o eixo temático da peça.

Mas esta interpretação simbólica que já anuncia o teatro expressionista, no seu primeiro ní-

vel de leitura é uma história simples que envolve outra temática cara à filosofia, à psicologia

e ao teatro: a distância que vai ou não do ser ao parecer. E as marionetas de Schnitzler são

verdadeiras personagens com comportamentos humanos típicos e facilmente expostos pela

peça com a lucidez crítica de um analista.

O autor, Arthur Schnitzler, austríaco, por sinal médico, como Tchekov, outro grande dra-

maturgo mais conhecido e da mesma época, a transição do século XIX para o século XX,

imaginou que um antigo director de teatro, Prospère (óbvia brincadeira com o nome do

protagonista de uma peça tão fundamental para a História da Cultura como A Tempestade

de Shakespeare, Prospero) numa situação histórica de crise social e económica, a Fran-

ça do fim do século XVIII, para sobreviver resolve transformar a sua antiga companhia de

teatro caída em desgraça, numa taberna em que os actores fingem que são marginais e

criminosos, para que os clientes nobres sintam a excitação de serem atacados e insultados,

esconjurando assim o medo da óbvia extinção da sua classe social, ou seja, o medo de uma

revolução. No fundo, o medo de morrer. E imaginou o que com essa situação base se pode-

ria passar quando a realidade se mistura com a ficção e tudo acontece mesmo: a noite da

tomada da Bastilha, o 14 de Julho de 1789. A realidade ultrapassa a ilusão de Prospère e a

própria mentira revela a verdade que o fingimento já continha: quando um dos actores está

a fazer uma “representação” construída sobre a sua própria história, a da sua rivalidade

amorosa com um Duque, amante da sua mulher, e inventa que o matou, o próprio Duque

entra na taberna e o actor mata-o de verdade. A situação torna-o num herói da Revolução

tornando o crime passional num acto revolucionário de ódio de classe. Mas a realidade

revolucionária acaba com a possibilidade de prosseguir o jogo de ilusões, acaba com o

teatro-taberna, a chamada CACATUA VERDE, e torna-se ela própria em mentira: aquilo que

não passava de uma história de amor, passou a ser uma história política. Que afinal nunca

deixara de ser. Só que aquele taberneiro e director de Teatro pensou que, com o seu teatro,

A Cacatua Verde de Schnitzler

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além de sobreviver e de isso ser possível graças à exploração dos clientes e aos roubos que

efectivamente os seus actores faziam, podia organizar o mundo para seu próprio proveito,

podia substituir-se a Deus, ou ao Destino, ou à Marcha da História, como se queira, e o pro-

cesso que inventou acaba por incendiar-se e queimar a sua oficina de ilusões. Voltou-se o

Feitiço contra o feiticeiro. Brincava com o Fogo.

A anedota pode ser interpretada à luz de muitos pontos de vista. Mas é afinal um cruel re-

alismo na análise dos seres humanos e um gosto de revelar os motores dos seus comporta-

mentos aquilo em que assenta a escrita teatral. Esse é um dos pontos em que Schnitzler é

um inovador, coincidindo aliás com o trabalho do fundador da psicanálise que co-habitava

a mesma cidade, a elegante Viena de Áustria dessa fervilhante viragem de século: Sigmund

Freud. Esta escrita teatral traça retratos de personagens através de um novo tipo de diálo-

gos. Tal como em Tchekov, o texto, as palavras que as pessoas proferem em cena, deixa de

ser a exposição da própria personagem para passar a ser o sintoma de personagens que,

como na vida, vivem antes de falarem, e que existem tanto quando calam como quando

falam e falam coisas que não querem dizer, ou dizem contradições que desconhecem, uma

escrita dramática que conta com um novo conhecimento da linguagem, e uma nova desco-

berta dos diferentes níveis da consciência humana, uma escrita que, em suma, conhece por

dentro a cabeça das pessoas e das personagens que inventa e põe em cena.

O autor põe em cena cerca de 25 personagens e com esse grupo que ele naquela noite junta

na taberna A Cacatua Verde constrói uma pequena imagem de uma sociedade em crise. E

nessa taberna que afinal é como uma espécie de Caverna de Platão, se revela como uma so-

ciedade é a soma de muitos indivíduos contraditórios, todos diferentes nas diferentes com-

binatórias das suas personalidades, como é difícil e errado reduzir e classificar uma realida-

de tão complexa como o comportamento dos seres humanos. E como tudo é contraditório,

frágil, pouco sublime, grotesco. Como a História acaba por apagar as vidas individuais mas

como contraditoriamente também as constrói. Com o processo dramático de fazer chegar à

taberna, quase uma por uma, essas diferentes personagens, Schnitzler traça um breve retra-

to de cada uma, artifício de escrita que já não permitirá olhar como multidão a multidão que

no fim se junta ali. Nunca mais deixarão de ser pessoas. Ao contrário da multidão anónima a

que a “política” costuma reduzir as multidões.

Até neste ponto a peça é pertinente para os dias de hoje e para a sua descrença no sistema

democrático e a consequente desresponsabilização política individual. Mas de um ponto de

vista estritamente histórico, é de facto da Revolução Francesa, fundamental para a História

do Mundo, que se trata. A abordagem da peça por esse ponto de vista também será interes-

sante. Há referências concretas ao que nesses dias se passou. E subtilmente até a evolução

dos acontecimentos se prevê. Em ponto pequeno e em dois ou três traços, percebe-se como

ao momento revolucionário se sucederá um período de terror com Robespierre no poder e

como finalmente chegará a inevitável normalização napoleónica que, sabemos nós, se de-

senvolverá em ambição imperial. Como dizia Jean Renoir, autor de um dos mais belos filmes

sobre a Revolução, La Marseillaise, as revoluções não são a vitória dos revolucionários, são a

derrota dos reaccionários.

Mas é com uma habilíssima e tão perfeita como evidentemente teatral estrutura cénica que

tudo isto se consegue, com um sabor a um leve divertimento e com a proverbial leveza do

chamado “espírito vienense” que disto tudo se fala em A Cacatua Verde. E por vezes qua-

se de uma peça de “boulevard” parece tratar-se. Uma taça de champanhe. Mas já se sabe

como a arma da lucidez é o humor.

Luis Miguel Cintra

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5Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

Miserere. Maquette do cenário de C. Reis Miserere. Teatro Nacional D. Maria II/Teatro da Cornu-cópia. Abril e Maio/2010 © Cristina Reis

A Cacatua Verde. Maquette do cenário de C. Reis

A Cacatua Verde. Ensaio, Fevereiro/2011 Teatro da Cor-nucópia /Teatro Nacional D. Maria II © Luís Santos

Assassinato de Le Pelletier, 20 de Janeiro de 1793 Assassinato de Le Pelletier, 20 de Janeiro de 1793

Assassinato de Le Pelletier, 20 de Janeiro de 1793 Assassinato de Le Pelletier, 20 de Janeiro de 1793Desenho de Swebach-Desfontaines

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6Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

ARTHUR SCHNITZLER

1862 - 15 de Maio: nasce em Viena, filho de um médico otorrinolaringologista, Dr Johann

Schnitzler e de Louise Schnitzler.

É assim; as histórias tornam-se frequentemente

mais sombrias enquanto penso nelas, as perso-

nagens que quero descrever parece não terem

força para resistirem à sua sorte. É preciso estar-

-se investido de uma serenidade miraculosa ou de

uma melancolia soberana, ou então de um ódio

grande e nobre contra toda a gentalha, um ódio

que não teme a solidão, para poder escrever co-

médias. Eu… sou…. demasiadamente egoísta para

escrever uma verdadeira tragédia, e demasiada-

mente irritadiço para uma comédia a sério.

A Schnitzler, carta a O. Brahm, 1807

Pequena cronologia

Arthur Schnitzler

Postal com silhuetas de Viena à Noite, 1890 © Direitos reservados

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7Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

1865 - 13 de Julho: nascimento do seu irmão Julius.

1867 - 20 de Dezembro: nasce a sua irmã Gisela.

1879 - Arthur Schnitzler começa a estudar medicina na Universidade de Viena.

1885 - Acaba o curso na Escola Médica de Viena; começa a trabalhar no Allgemeines Kranke-

nhaus (Hospital Central).

1887 - Escreve na revista médica Internationale Klinische Rundschau (Revista Clínica Interna-

cional), fundada pelo pai.

1888 - Torna-se assistente na Allgemeine Poliklinik, dirigida pelo pai. Visita Berlim e Londres.

1889 - Publica um artigo, “Sobre a afonia funcional e o seu tratamento por hipnotismo e su-

gestão”, na Internationale Klinische Rundschau.

Conhece Marie Glümer; a relação dura até 1899.

1892 - É publicada em livro a série de peças em um acto, Anantol.

1893 - 2 de Maio: morte de Johann Schnitzler. A. S. sai da Poliklinik e passa a exercer clínica

privada.

14 de Julho: estreia da peça em um acto Abschiedssouper, do ciclo Anatol.

1 de Dezembro: estreia de Das Märchen, com a famosa actriz Adele Sandrock (‘Dili’) na pro-

tagonista; início de uma relação entre ela e Schnitzler que se prolonga até à primavera de

1895.

1894 - 12 de Julho: encontra Marie Reinhard, inicialmente uma das suas doentes;

começa com ela uma relação em Março de 1895. Com sintomas de surdez e zumbido nos

ouvidos, um problema crescente para o resto da vida de Schnitzler.

O conto Sterben (“Morrer”), o seu primeiro trabalho em prosa de grande envergadura, apa-

rece na importante revista Neue Deutsche Rundschau, sendo publicada em livro em 1895.

Outubro: termina Liebelei.

1895 - 9 de Outubro: estreia de Liebelei no Vienna Burgtheater, com Adele Sandrock no pa-

pel de Christine.

1896 - Julho e Agosto: estadia na Escandinávia. Encontra-se com Ibsen.

1897 - Fevereiro: termina Reigen (“Dança de Roda”).

24 de Setembro: Marie Reinhard tem um filho nado morto de A. Schnitzler.

1899 - 1 de Março: estreia de Der Grüne Cakadu (“A Cacatua Verde”) no Burgtheater (com

duas outras peças em um acto, Paracelsus e Die Gefährtin).

18 de Março: morte de Marie Reinhard

11 de Julho: encontro com a actriz Olga Gussmann, inicialmente sua doente.

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8Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

1900 - Reigen é impressa particularmente.

25 de Dezembro: publicação do conto Lieutenant Gusl, no importante jornal vienense Neue

Freie Press; provoca um escândalo, como sátira a um oficial do exército, sendo Schnitzler

licenciado compulsivamente como oficial na reserva (14 de Junho de 1901).

1902 - 4 de Janeiro: estreia de Lebendige Stunden , um ciclo de peças em um acto, incluindo

Die letzen Masken

9 de Agosto: nascimento do filho Heinrich, de Olga e Arthur Schnitzler

1903 - 26 de Agosto: casamento com Olga Reinhard. Primeira edição de Reigen.

1904 - Reigen é proibida na Alemanha.

1908 - Publicação da novela Der Weg ins Freie, onde aborda a “Questão judaica”.

1909 - 5 de Janeiro: estreia de Komtess Mizzi no Deutsches Volksteater.

13 de Setembro: nascimento da sua filha Olga.

1910 - Schnitzler compra a casa, na Sternwarterstrasse, onde viverá o resto da vida.

1911 - 9 de Setembro: morte de Louise Schnitzler.

14 de Outubro: estreia de Das weite Land, no Vienna Burgtheater e, simultaneamente, em

Praga e várias cidades da Alemanha.

1912 - 28 de Novembro: estreia de Professor Bernhardi, no Kleines Theater de Berlim. A peça

foi proibida na Áustria.

Alfred Gerasch e Else Wohlgemuth nos papeis de Medardus e Helena de Valois em Jungen Medar-dus numa representação de 1910

Der einsame Weg de Arthur Schnitzler. Deuts-ches Volkstheater, Viena, 1925

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9Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

1914 - Estreia do filme baseado numa obra de Scnhitzler, Elskovsleg, uma versão dinamar-

quesa de Liebelei

Agosto: o eclodir da 1ª Guerra Mundial, vai encontrá-lo em férias, com a família, na Suíça.

Schnitzler escreve no seu diário: “Guerra Mundial. Ruína mundial. Notícia espantosa e ater-

radora”.

1918 - 21 de Dezembro: primeira apresentação na Áustria de Professor Bernhardi, no Deuts-

ches Volkstheater.

1920 - 23 de Dezembro: estreia de Dança de Roda no Kleines Schauspielhaus de Berlim.

1921 - 1 de Fevereiro: estreia de Dança de Roda em Viena no teatro de câmara do Deutsches

Volkstheater. Proibida pela polícia de Viena em 17 de Fevereiro por ameaça à ordem pública.

26 de Junho: Olga Reinhard e Schnitzler divorciam-se.

1922 - 16 de Junho: primeiro encontro alargado com Freud.

1924 - Publicação de Fräulein Else (“Menina Else”), um conto inovador, um monólogo interior

(técnica já usada em Lieutenant Gusl).

1925- 6 - Publicação de Traumnovelle numa revista. Die Dame.

1927 - 15 de Março: estreia do filme mudo Liebelei, em Berlim.

1928 - 26 de Julho: suicida-se a sua filha Lili, casada no ano anterior com um fascista italiano,

Arnoldo Cappellini.

Publicação da sua segunda novela: Therese: Chronik eines Frauenlebens.

1931 - 21 de Outubro: Schnitzler morre em Viena

in Arthur Schnitzler, Round Dance and Other Plays, Oxford World’s Classics, University Press, 2004, Trad. LLBarreto

Fritz Kortner no personagem de Professor Ber-nhardi. Berlim, 1930

Liebelei de Arthur Schnitzler. Berlim, 1931

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Arthur Schnitzler. Por si só, este nome evoca em Viena um mundo que ainda não parou de

intrigar todos aqueles que se interessam por este “mudar de século”, a “Jahrhundertwende”,

mais decisivo que um final de século, como uma página a ser virada. E Schnitzler faz parte

daqueles que a viram com resolução, sem compromisso, sem nostalgia, e no entanto sem

optimismo. E nem por isso o encara como um apocalipse, e muito menos um apocalipse

alegre. Contenta-se em assistir à inevitável desumanização do ser, incapaz de a prever, re-

duzido a constatar, nos recantos mais recônditos do seu pensamento e das suas reacções,

a destruição irremediável do homem. O médico, grande revelador dos males que atingem o

indivíduo e a sociedade, recorre à escrita, a um trabalho paciente de localização, para tornar

visíveis e sensíveis os complexos percursos que levam à indiferença, muitas vezes afectada,

à revolta, muitas vezes desesperada, e ao abandono de si mesmo, muitas vezes mortal.

Revoltado com os ataques mesquinhos, pérfidos, estúpidos, de que não pára de ser alvo,

Schnitzler não deixa por isso de ser a testemunha lúcida e tão imparcial quanto possível do

seu tempo. Não gosta do jornalismo, nem do folhetim de traços grosseiros; ele reconstrói,

com detalhes e subtilezas, a realidade que o rodeia. “Ser artista, significa: saber polir as su-

perfícies rugosas da realidade ao ponto de a tornar capaz de reflectir todo o espaço infinito

entre as alturas do céu e as profundezas do inferno.” Deste modo, ele oscila entre duas reali-

dades: aquela que pode apreender, e a que recria e retrabalha incansavelmente, até atingir

o critério máximo: a autenticidade das personagens e das situações.

Schnitzler viveu durante quase sessenta e nove anos; grande parte das suas personagens

nasceu dos seus múltiplos conhecimentos. Se ele tenta defini-los até aos mais íntimos con-

tornos, não é por voyeurismo nem por perversão. Precisa simplesmente de pôr à vista aquilo

que está na base de um sentimento, de uma acção que possa parecer irracional, sondar as

motivações dos seres quando confrontados com uma ou outra situação. O acontecimento

Do “boulevard” ao realismo psicológico“No “Modern Kunst”, artigo de Hermann Bahr sobre a arte aus-

tríaca. Três jovens talentos, Loris Dörmann e eu. Sobre mim (ele

desculpou-se há umas semanas, pois na altura não conhecia

Conto de Fada): “Temos portanto A.S., um conversador espiritu-

oso, delicado, divertido, pouco e crupuloso quanto ao estilo, que

faz todo o tipo de experiências. Tenho a sensação de que é mais

profundo do que deixa transparecer e que esconde sob a sua

graciosa frivolidade uma paixão séria, ainda tímida, e pudica,

porque quer começar por descobrir formas mais sólidas.”

Diário, 10 de Fevereiro de 1892

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11Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

em si, considera-o como trivial, para se concentrar apenas na acção ou no discurso do indi-

víduo, acção e discurso esses que o distinguem de qualquer outro ser. E essa diferença, isso

sabe-o ele, é vivida pelo indivíduo com angústia, com o pavor do falhanço, da morte, num

vazio existencial que ainda não se ousava referir.

Schnitzler também não o refere. Foge a todo o tipo de didactismo. Escolhe para as suas de-

monstrações seres complexos, em situações simples, ou que parecem sê-lo. Deixará rapida-

mente para os autores de boulevard o tipo de diálogos agradáveis que utiliza, pontualmen-

te, em Anatole (um ciclo de sete peças em um acto, exercício de estilo inspirado em autores

franceses da época). Irá também libertar-se do esquematismo ilustrativo que está na base

de A Dança de Roda (ciclo de dez diálogos cuja representação proíbe durante vinte e cinco

anos, por receio, precisamente, de utilização em estilo de boulevard). A distância irónica

que este tipo de escrita implica perante as personagens não o satisfaz. Inverte o princípio:

o acontecimento, a queda, passam a intervir muitas vezes no início da peça, para melhor

mostrar as personagens nas suas reacções. E a partir daí, não se raciocina. Não se trata de

construir uma intriga nem de criar com pinceladas sucessivas personagens que obedeçam

a determinada lógica. Trata-se de lhes dar vida, e uma qualidade de vibrações que as tor-

nará autênticas. Talvez se possa encontrar aqui a razão pela qual Freud não procurava a

companhia daquele que tratava de seu “duplo” em termos de “psicologia das profundezas”

(“Tiefenpsychologie”): Schnitzler recusa a sistematização, a representação de casos-tipo,

analisando no entanto os seus sujeitos com um rigor científico. As suas personagens são

difusas, imprevisíveis, ambíguas: é esse o segredo da vitalidade da sua escrita, e é por isso

que ainda hoje estão tão próximas de nós: as situações bem podem mudar, mas as perso-

nagens mantêm-se.

H. Schwartzinger, Arthur Schnitzler, Autheur Dramatique, Actes Sud – Papiers, 1982

Trad. Manuel Cintra

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12Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

Fotografias de ensaio A Cacatua Verde © Luís Santos

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13Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

Uma entrevista

- Que fazia se fosse Deus?

- Não sei, diz Arthur Schnitzler com um sorriso, mas tentaria fazer melhor. A minha pergunta,

feita a partir de uma quadra de Omar Khayyam e de um poema de Heine, divertiu o drama-

turgo.

- Transformava, como Heine no seu sonho de todo-poderoso, os rios em torrentes de champa-

nhe, ou estilhaçava a ordem triste das coisas como o poeta persa?

- Não estilhaçava, responde o escritor, com um nome bem mais duradouro que o império de

Francisco José e que se iria perpetuar muito para além da Segunda Guerra Mundial. Não, não

transformava a água em champanhe, excepto talvez naquelas zonas áridas dos Estados Uni-

dos. Não preciso de ser todo-poderoso. Tenho uma relação excelente com o universo. Não

sou pessimista. Aos deuses, só faria um reparo: terem feito a vida tão curta.

Embora tendo ultrapassado em alguns passos o limite dos sessenta anos, nem a sua tez mo-

rena, nem os olhos vivos – olhos que mergulharam profundamente no coração das mulheres

– denunciavam a sua idade. Era depois do jantar. Estávamos na varanda da sua casa, situada

num dos mais belos bairros de Viena, e contemplávamos o jardim em plena floração. A lua,

sobre as nossas cabeças, reflectia a sua imagem pálida nos nossos copos de vinho.

- Ali, onde a natureza se repete, reconhecemos a sua infinita variedade. Quando um escri-

tor se repete, dizemos que está gasto. Este juízo não tem qualquer fundamento. Tal como a

natureza, o escritor procura também a perfeição, exercitando-se nos mesmos assuntos. A

crítica não parece entender isso. A crítica moderna, tal como os governos modernos, é feita

com e segundo slogans usados.

-É um filósofo?

- Não, responde Schnitzler, acariciando a barba, não sou filósofo. Felizmente que não há um

sistema de pensamento filosófico que esgote toda a variedade do universo. É precisamente

essa variedade, escapando a qualquer sistematização duradoura, que me faz respirar todos

os dias com prazer. A idade estimula-me a curiosidade. Quanto mais envelheço, mais vanta-

gens tiro de qualquer experiência. Cada ano me torna mais rico.

- Nunca se aborrece?

- O aborrecimento é uma garridice, até mesmo uma doença. Reflecte um estado psíquico

que abomino. Lembro-me de um colega que me disse a propósito da morte de um outro:

“Gostava de estar no lugar dele.” Nunca mais o pude ver por causa dessa pose. Nunca gostei

de me armar em blasé. Os outros talvez me aborreçam; sozinho, não me aborreço nunca.

A solidão não assusta Schnitzler.

Entrevista transcrita por George Sylvester Viereck, no seu

livro Glimpses of the Great, 1930

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14Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

- Nunca me aborreceria, mesmo que fosse o último homem vivo do Pólo Norte! Pode-se sem-

pre pensar. Pensar é o exercício mais saudável.

- É assim que se mantém jovem?

- Escrevo sempre pelo menos duas peças ao mesmo tempo. Se me canso um pouco de uma,

viro-me para a outra. E, como exercício mental, leio sempre vários livros ao mesmo tempo.

Não quero evidentemente dizer que consigo ler mais do que um livro ao mesmo tempo, mas

mergulho ora num ora noutro, para manter a minha frescura de espírito.

Schnitzler é para toda a gente o dramaturgo do amor. As suas crónicas de amor, divertidas,

de Anatole a Regresso de Casanova, fazem dele, no teatro, o intérprete mais subtil da alma

feminina. E na prosa pinta o coração das mulheres com um espírito igualmente consumado.

Estava á espera de que Schnitzler levantasse pelo menos um bocadinho do véu que enco-

bre as paixões humanas… a palavra “mulher” não foi nunca mencionada. Na nossa conversa,

abordando cada aspecto do saber e da experiência do escritor, só vagamente aflorou o amor.

- Para nós, americanos, o senhor é o mais fino dos analistas do erotismo moderno, para quem

a alma feminina é um instrumento de cordas que toca muito bem.

- Lisonjeia-me, diz ele a sorrir, e incomoda-me. Abordo todos os problemas. Não posso dei-

xar de falar do amor, principal fonte de todos os actos humanos. Mas não sou um escritor

erótico. Interesso-me muito mais pelas questões sociais e pelos problemas da família do que

pelo erotismo.

As pessoas esquecem-se muitas vezes de que escrevi uma peça inteira onde não há uma

heroína. Falo do Professor Bernhardi, onde o assunto principal é a ética médica. Diga-se a

propósito que O Professor Bernhardi foi apresentado em Viena, quando os revolucionários

tomavam a cidade. Apesar da agitação, foi representada.

Habituamo-nos a viver numa casa a arder… É mais fácil atravessar grandes catástrofes do

que vermo-nos privados dos pequenos prazeres da vida. Lembro-me de ter percorrido em

vão toda a Viena, pouco tempo depois da guerra, para encontrar um bolo de chocolate.

- Concorda com aqueles que negam totalmente o livre arbítrio?

- Não. Afasto-me cada vez mais das minhas antigas ideias mecanicistas. Acredito no livre

arbítrio. O homem é responsável pelos seus actos. Não seria capaz de viver num mundo sem

responsabilidades.

Posso decidir em função da minha vontade, se vou para a esquerda ou para a direita. Moral

ou material, o acto é auto determinado. O homem é senhor da sua alma, mesmo se a liber-

dade da sua decisão é limitada por certas circunstâncias ou estorvada pela hereditariedade.

E mesmo se na vida os nossos actos são até certo ponto pré-determinados, somos livres

na arte; na arte podemos escolher. Posso desenvolver as minhas personagens conforme a

minha vontade, posso formar os meus heróis como quero. Estou convencido de que sou,

também na vida, senhor de mim próprio. E se o não for, terei que agir de qualquer maneira

como se a minha vontade fosse livre, ou então a sociedade humana acabaria numa formi-

dável ruína.

Se me pede uma prova do livre arbítrio, confesso que não consigo dar-lha. Há coisas que não

se podem provar, temos que confiar na intuição. Sabe-se que é assim.

- Em que medida depende da sua intuição?

- Na arte, na política, nos negócios, no amor, a intuição não tem preço. Ela determina mes-

mo as nossas amizades. Quando encontro alguém pela primeira vez, sei logo se vou ou não

gostar dessa pessoa.

- Acredita que as suas intuições são determinadas por uma força divina?

- Talvez.

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15Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

- Pertence a alguma religião?

- Não. Acredito na santa trindade do espírito, da consciência e da vontade… do livre arbítrio.

O espírito inspira, a consciência guia, a vontade remata os nossos actos. O génio e a força

são uma expressão do nosso espírito. E da nossa vontade também.

Como é que alguém que tenha lido a história de Napoleão poderá duvidar do seu poder?

Napoleão queria ser senhor, preparou-se duramente para isso. Chegou mesmo a contratar

um actor vedeta, Talma, para aprender a caminhar como um rei. Não precisava disso; Napo-

leão teria governado mesmo se não tivesse havido a Revolução Francesa.

Quando Napoleão perdeu o poder e vivia na Ilha de Elba, continuava a governar; melhorava

coisas, dava grandes festas, deslocava-se numa carruagem de seis cavalos e mantinha o

cerimonial de uma grande corte. E mesmo em Santa Helena, continuava rei até à raiz dos

cabelos.

- Não é monárquico?

- Não sou monárquico nem republicano. Napoleão fascina-me por ser o exemplo mais per-

feito de uma personalidade extraordinária.

- Suponho que é então individualista.

- Sou. Tanto como sou adversário do bolchevismo. Oponho-me ao bolchevismo não por

razões políticas mas porque ele nega a diversidade humana. A diversidade é uma lei natu-

ral fundamental. Se os homens não fossem diferentes, o homem seria um monstro fora do

quadro da natureza. Negar a personalidade é negar a cultura. Não gosto dos escritores que

piscam o olho ao bolchevismo.

- Acho que não se deve levar muito a sério esse bolchevismo de salão…

- O bolchevismo de salão favorece as forças de desintegração da sociedade. Encorajar o

caos é um erro imperdoável, um pecado contra o espírito santo da criação.

- Parece-me que um homem, graças ao seu conhecimento da alma humana, capaz de pene-

trar nas camadas mais recuadas do inconsciente, devia ter tendência para tudo perdoar.

- Compreender não significa de modo nenhum perdoar. A expressão que diz “compreender

éperdoar” é uma inverdade perniciosa. Tudo desculpar é renunciar à sua própria personali-

dade e, portanto, à sua opinião.

Eu não desculpo tudo. Pelo contrário, tenho grandes aversões. As minhas aversões são mais

fortes que as minhas simpatias.

- Quais são as suas principais aversões?

- As minhas aversões principais, replica Schnitzler com a velocidade de uma rajada de me-

tralhadora, são Wilson, Poincaré e Lenine. Esses três homens foram três acidentes, ruínas,

catástrofes do nosso mundo.

- Não inclui Clemenceau?

- Não. Clemenceau era apenas um pequeno acidente. Mas Lenine é responsável pela desin-

tegração da cultura. Wilson destruiu o idealismo. A sua derrota tornou o idealismo despre-

zível. Poincaré incarna o espírito inflexível do jurista que foi desde sempre uma calamidade

para a humanidade.

- Não estará a ser muito severo para com Wilson? O seu objectivo era grande, mesmo que o

não tenha atingido.

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16Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

- Wilson - disse Schnitzler levantando-se, agitado - era um ignorante. A ignorância é também

um pecado. Apesar do seu papel como árbitro do mundo, não tinha os mais elementares co-

nhecimentos geográficos. Sabia mais sobre geografia e história do que um aluno da escola

primária austríaco.

Um membro do consulado americano em Viena contou-me os exemplos mais incríveis da

ignorância de Wilson. O tratado de paz no seu conjunto, e mais particularmente a sorte re-

servada ao meu país, a Áustria, é uma prova monumental da sua incapacidade.

Tenho horror aos políticos de carreira. Não percebo como é que se pode ser. Mas quem se

quiser fazer valer na cena política, deve pelo menos saber o seu papel!

- Como investigador da vida humana, já alguma vez tentou catalogar os homens segundo o seu

tipo e profissão?

- Pensei nisso, sim. Escrevi mesmo um ensaio para o explicar com dois diagramas onde ten-

tava inscrever a tipologia humana. O primeiro traça a manifestação do espírito pela palavra;

o segundo pelos actos. Cada diagrama é feito por dois triângulos separados por um traço: a

linha de demarcação entre o positivo e o negativo. No topo do triângulo positivo está Deus,

como suprema representação humana. No topo do triângulo negativo, o diabo. Divido os ho-

mens em políticos, poetas, padres, charlatães, homens de Estado, bandidos e por aí adiante.

Os tipos classificados ao longo dos lados correspondentes, superior e inferior, têm muito em

comum, à excepção do signo mais ou menos. Acima da linha, o tipo é provido do signo mais,

abaixo, do signo menos, o da destruição. O homem político, por exemplo, é um homem de

Estado provido do signo menos.

O explorador e o aventureiro, o herói e o vigarista, o construtor e o especulador, o histo-

riador e o jornalista, o guia e o tirano, o cientista e o impostor, o poeta e o literato são as

manifestações respectivamente positivas e negativas das mesmas qualidades. O homem de

Estado pode ser forçado a adoptar as práticas do homem político. O homem político pode

às vezes, raramente, elevar-se à sabedoria do homem de Estado. O literato pode, sob o cho-

que de uma experiencia humanamente forte, criar uma grande obra. Isso impede que esses

tipos sejam claramente desenhados.

Com o tempo, ninguém escapa ao seu destino, ser ele próprio. Uma pessoa pode dissimular

as suas qualidades, camuflar a sua natureza verdadeira, mas acabará por se trair e a sua

grandeza ou a sua franqueza irá dominá-lo.

É ao tipo positivo que o mundo deve o seu progresso. Criam valores eternos. O tipo negativo,

esse é habitualmente um entrave para o homem. A sua obra é destruidora ou passageira.

- Essa divisão compreende tanto homens como mulheres?

- No domínio do espírito não há sexo, diz-me Schnitzler, desdobrando à minha frente um

esboço com aquela curiosa partilha. Não leve este esquema muito a sério. A natureza recu-

sa deixar-se reduzir a regras. Ninguém consegue encerrar o espírito do mundo num único

pensamento.

O meu diagrama é apenas uma tentativa de ver melhor, para mim, não um raciocínio de-

finitivo. Pelo menos pode perceber a minha aversão por Wilson, Poincaré e Lenine, porque

incarnam o triunfo do negativo; são filhos do caos e não de Deus.

- As suas simpatias são tão fortes como as aversões?

- As minhas simpatias são menos fortes, mas mais alargadas que as minhas aversões.

- Admira algum homem de Estado ou algum político da Europa?

- Não.

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17Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

- Quais são os autores contemporâneos mais importantes na Alemanha e na Áustria?

- Gosto de Thomas e Heinrich Mann. Hofmannsthal é um grande poeta. Wassermann é um

grande romancista. Atribuo a grandeza de Thomas Mann à paciência que ele tem para culti-

var as vinhas do Senhor. Trabalhou mais de doze anos na sua Montanha Mágica.

Há um grande número de autores que admiro na Alemanha, na Áustria e noutros países. É

impossível enumerar toda uma literatura numa entrevista.

- Entre a nova geração, há algum autor a que se possa chamar grande?

Schnitzler nega com a cabeça.

- É difícil dizer. Não leio a décima parte, provavelmente, nem mesmo a centésima do que se

edita. É possível que um grande número do que é significativo ou importante me escape.

A experiência ensinou-me a desconfiar das grandes descobertas. Antigamente, as pessoas

hesitavam em reconhecer um génio, com medo de admirarem o que não merecia. Hoje

aclama-se cada novo autor, com medo de perder quem for marcado pelo selo divino. Isso

faz explodir uma geração de pretendentes e de falsos deuses na literatura e na filosofia.

- Há muitos autores novos da Alemanha e da Áustria que são reconhecidos na América.

- Fico contente com isso. Só espero que a América altere os seus direitos de autor para pro-

teger finalmente os autores que admira. Tenho pedido muito dinheiro pelo facto da América

não ser membro da Convenção de Genebra para a protecção dos autores.

- Gostava de visitar os Estados Unidos?

- Gostava de ver a América, mas não gostaria que a América me visse.

- A América gostaria de ouvir as suas conferências.

- Poderia fazer uma ou duas se depois pudesse cair no esquecimento.

- Que autores americanos gostaria de encontrar?

- Não estou interessado em encontrar autores, nem na América nem noutro lado qualquer.

Não se é fascinante só porque se escreveu um livro fascinante.

- Quantos livros já escreveu?

- Trinta e cinco, talvez. A edição das obras completas tem doze volumes.

- Quando é que começou a escrever?

- O meu primeiro livro foi publicado quando eu tinha trinta anos. Mas comecei a escrever

com onze. Penso que todos os assuntos que um autor aborda repousam nele antes de che-

gar aos trinta anos.

- Que é que escreveu aos onze anos?

- Comecei a escrever a história da minha vida. Por outras palavras, o meu diário. Em cada

dia da minha vida, registei nele os meus pensamentos, experiências, sem nunca falhar.

Numa das suas últimas estadias em Viena, veio visitar-me. Basta abrir o meu diário para lhe

repetir todas as suas palavras. Acho que também falámos dos direitos de autor.

- Pensa publicar o seu diário?

- Nunca antes de cinquenta anos depois da minha morte.

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18Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

- O seu diário está escrito com a mesma imprudência que a autobiografia de Frank Harris?

- Não é preciso ultrapassar os limites do bom gosto, mesmo nas confissões. As brutalidades

de expressão incomodam o autor e os outros. O espírito do homem é como a inconveniência;

se ultrapassar os limites da razão e da decência, isso é tão marcante que oculta partes mais

importantes de um livro.

O meu diário acompanha a minha evolução como dramaturgo e como homem. Os meus

primeiros modelos eram os franceses. Durante uma visita que fiz a um tio meu em Londres,

dei-me conta que tinha lido todos os seus livros em alemão e em inglês. Pus-me a ler os dra-

maturgos franceses que ele tinha na sua biblioteca. Estes autores marcaram-me bastante.

Pode ver traços deles em Anatole e noutras obras de juventude.

- Gosta das suas obras de juventude?

- O meu último filho é sempre o mais querido. Acho que a crítica tende a sobrestimar as

minhas primeiras obras em detrimento das mais recentes. Para cada talento a sua imagem.

Precisei de algum tempo antes de me encontrar a mim próprio, de descobrir, por assim di-

zer, a minha própria imagem.

- O que é que o levou a afastar-se do naturalismo?

- Virei costas ao naturalismo mas não à natureza. Converti-me ao ritmo e fugi de uma reali-

dade desagradável para atracar no país sagrado do estilo.

- Qual é para si a sua melhor obra?

- Gosto muito de Menina Else; e de O Regresso de Casanova; também de O Caminho Solitá-

rio, e Terra Estranha. Esta última peça nunca foi representada em Inglaterra nem na América.

O teatro americano quer economizar as personagens. Eu preciso de mostrar a vida tal como

eu a vejo. Se a vejo cheia de personagens não posso bani-las de uma peça ou de um livro.

- Qual é a sua posição perante A Dança de Roda, tantas vezes proibida?

- Essa peça faz parte das minhas tentativas menos importantes. No entanto, o processo que

se seguiu à sua proibição em Berlim foi apaixonante. Era a censura quem estava no banco

dos réus. Os depoimentos das testemunhas enchiam só por si seiscentas páginas.

- Está a trabalhar agora nalguma obra que ultrapasse as precedentes?

- Não é preciso estarmo-nos sempre a ultrapassar. Todo o trabalho criativo tem as suas ma-

rés, altas e baixas. Nenhuma maré vai no mesmo sentido.

- Trabalha às vezes cá fora?

- Não. As ideias ocorrem-me mais facilmente na minha biblioteca. Nem mesmo à sombra

das árvores do meu jardim consigo trabalhar. A natureza tem demasiadas vozes estranhas,

quase inaudíveis, que distraem a atenção.

Um relógio ali perto deu meia-noite.

- Falámos durante horas, diz Schnitzler, num tom quase melancólico, e no entanto não sei se

consegui exprimir-me. Quando preparo um artigo, chego a redigi-lo doze vezes seguidas

antes de ficar satisfeito com o resultado. A palavra, sobretudo a palavra dita, é enganadora

e fugidia.

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19Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

- Porque será impossível para um escritor atingir o carácter definitivo da expressão, encontrar

a palavra única e inevitável que carregue a sua mensagem?

- Porque nós não pensamos nem por palavras nem por imagens, mas por qualquer coisa

que somos incapazes de aprisionar. Se conseguíssemos apanhá-la, teríamos uma língua uni-

versal… a língua que os homens talvez falavam antes da torre de Babel, antes da confusão

das línguas. O músico, fala uma língua universal. O sentimento é universal. O pensamento é

pessoal e intransmissível.

In H. Schwartzinger, Arthur Schnitzler, Autheur Dramatique, Actes Sud – Papiers, 1982.

Trad. LLBarreto

La Ronde de Arthur Schnitzler, filme de Max Ophüls, 1950

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20Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

Uma carta

A N. N.

Viena, 21.6.95

Caro Senhor:

fi-lo esperar muito tempo pela minha resposta – queira perdoar-me! Não censuro à sua peça

aquilo que ela pretende exprimir – mas pelo contrário o facto de não exprimir aquilo que de-

sejaria provavelmente fazer. Não censuro à sua peça que ela descreva um tipo de seres que

ainda não existem, mas que descreva seres que eu não vejo, que são apagados e proferem

de modo misterioso discursos que não são nem dramáticos nem naturais. – O Desconhecido

é tipicamente não dramático. Era a ele, precisamente, ele que é tão importante para a ideia

da peça, que deveria ter dado corpo e vida.

Posso até imaginar grandes artistas que não conhecem Nietzsche, assim como outros

igualmente grandes que, embora o conheçam, não gostam dele. Não interprete mal as mi-

nhas palavras: eu conheço-o e gosto dele. O facto de não se tratar de um filósofo, no sentido

da filosofia sistemática, até o aproxima de mim. No entanto, não encontro nele nada que

possa, a algum nível, ter influenciado o meu modo de ver a arte. Vejo hoje em dia tudo o que

é belo e grande do mesmo modo que antes de o ter lido. – O que Nietzsche criou parece-

-me ser uma obra de arte em si. Venero-o imenso – ao nível (se bem que a alguma distân-

cia) de Goethe, de Beethoven, de Ibsen, de Maupassant – ao nível de Miguel Ângelo – tenho

um prazer a mais desde Nietzsche – mas não tenho um prazer diferente daquele que teria

tido se não o tivesse lido. É decerto provável que a produção moderna não deixe de sofrer

influências, mesmo em obras importantes, por parte de um tão grande espírito – mas não

reconheço que seja o dever de um poeta deixar-se influenciar por seja que espírito for, como

você parece pensar. Não irei contestar a correcção das opiniões que a sua carta destaca,

na medida em que se apoiam em Nietzsche; e nada tenho a apontar contra o facto de você

contrariar os cânones artísticos vigentes – se ao menos se cingisse a alguma lei, mesmo

uma lei que lhe fosse inteiramente pessoal, uma lei que só tivesse valor para si – mas apenas

consigo ver no Desconhecido uma incerteza mantida no interior das antigas leis. Não peço

nem leis antigas, nem seres antigos, nem ideias antigas – apoie-se no que entender, puxe

fogo às heranças do passado por todos os lados – mas dê-me alguma outra coisa em troca,

algo que esteja vivo, e isso sobretudo se escrever uma peça de teatro. Seja obscuro – mas

não seja confuso. Existem certamente obras de arte dramáticas que estão encerradas num

certo nevoeiro – mas elas são iluminadas, por lampejos, por uma ideia, e nesses momentos

vemos que todas as suas linhas encontram contornos firmes. Também você faz com que por

vezes a sua peça seja iluminada desse modo, mas então, nessa iluminação crua, que vejo eu?

Que as linhas tremem, e que há véus poisados sobre os rostos.

Com a minhas mais dedicadas saudações,

O seu

Dr. Arthur Schnitzler

In H. Schwartzinger, Arthur Schnitzler, Autheur Dramatique, Actes Sud – Papiers, 1982. Trad. Manuel Cintra

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21Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

Cartas de amor de juventude (à actriz Maria Glümer)

A Marie Glümer

Segunda-Feira [23 de Setembro de 1889]

Oh, se ao menos eu pudesse dizer-te de uma vez por todas, minha querida, o que eu quero

dizer-te exactamente – se eu conseguisse fazê-lo, acabarias por não poder evitar de sentir

aquilo que és para mim! Se assim fosse, o que aconteceu ontem também não seria possí-

vel. De modo nenhum! Ou achas que ainda terias coragem, nesse caso, de falar em adeus?

Trarias na ponta dos lábios, enquanto este outro ser estaria perante ti como um demente e

um desesperado, estas tranquilas palavras: “Não tornaremos a ver-nos como amantes, está

tudo acabado!” – Acabado! Acabado! … Mas vê se sentes em ti o efeito dessas palavras – a

mim, quando penso nisso, fazem-me estremecer dos pés à cabeça como um arrepio ao

sentir aproximar-se a loucura! E muito sinceramente! Eu perguntei-te: “Será que devemos

separar-nos?” E tu respondeste: “Sim, é melhor!” – Tu, tu, tu que te penduravas no meu pes-

coço e que por entre mil beijos me juravas que nada te poderia separar de mim! Tu a quem

eu disse mil vezes que representavas a minha única felicidade!... Tu que declaravas, há al-

gumas semanas: “Sim, só agora é que a minha vida faz sentido, vivo para ti, e trabalharei

para ti!” – Tu, que descansavas nos meus braços, mergulhada num grande amor que de tudo

se alheava! Recusas a mais bela, a melhor, a mais nobre coisa que possa fazer desabrochar

Arthur Schnitzler, 1891 A actriz Mizi Glümer, 1890

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dois seres – e isso para… - Mas talvez valha muito, aquilo por que poderias trocar… - Mas que

estou eu a dizer? Faz apenas parte do passado! – Quero dizer, aquela noite horrível com

aquelas ideias horríveis – essa noite em que compreendi várias coisas que me eram até

então incompreensíveis! Que má impressão de mim não terei podido evitar de te dar!... Mas

não podia agir de outro modo! Teria sido sem dúvida muito viril afirmar: “Hesitas, pois bem!

Sendo assim, vou-me embora!” – Mas eu não podia, não queria ir-me embora. Não estavas

a falar a sério. Era apenas a reacção aos momentos de contrariedade – e eterna influência

de todos os outros. Não foste tu quem disse uma parte dessas coisas! Não, não é possível!

Não é verdade! Não achas, Mizi? Tu, a minha doce e fiel amiga, nunca poderias ter saído de

casa com essa ideia já pronta: - “Bom, vamos acabar com estas turbulências lá em casa; é

melhor dizer-lhe adeus a ele” – Estavas confusa, disseste algo diferente do que pretendias. –

Não é verdade? – Mizi! – E tudo está bem outra vez! – Quando nos despedimos, beijaste-me

com lábios tão escaldantes, e havia nos teus olhos um brilho de amor eterno! – Quando as

moças nos querem abandonar, não nos lançam um olhar assim! – E no entanto, a dor que me

vem desse pensamento está para além das palavras: fui eu que te arranquei essas últimas

frases! – estavas tão decidida: não foi uma vez, mas dez vezes que me disseste adeus! Se

eu tivesse mesmo partido de uma vez por todas – não me terias perseguido; terias voltado

para casa – e terias pensado com orgulho: “Acabou – se – estou decidida.” – Mas fui eu quem

não aceitou. Minha terna amiga – tive a sensação de estar prestes a perder a razão. Não

posso acreditar nisso, combato essa ideia com toda a força do meu infinito amor – a ideia

de ter realmente vivido o dia de ontem. Diz-me por favor que apenas o sonhei! Diz-me que

só acordei nos dois últimos minutos, quando eras de novo o terno anjo aos pés do qual eu

teria querido cair de joelhos, cujas palavras me fazem feliz – feliz como uma maldição! – Não

posso imaginar uma vida depois disto, uma vida sem poder esperar as tuas palavras, os

teus beijos, o teu amor. E tu amas-me! Devias ter-me dito antes que não me amavas! E se me

amas, não deves acreditar que esse amor deva ceder à pressão de outros elementos. Tam-

bém não podes acreditar que um amor como o nosso te diminua. Oh, minha Miza, isso não

seria amor! Talvez os meus desejos sejam loucos, mas penso que se é verdade que me amas

como eu te amo, então esta noção de que nós, tu e eu, somos feitos um para o outro, esta

noção não pode deixar de te absolver de toda a parte má do que estás a viver. – Senti uma

sensação tão desgraçada ontem, quando após o meu discurso que tinha demorado horas te

mantiveste tal como à chegada… Terna amiga! Aquelas palavras: “Mais vale separarmo-nos

hoje” – faz com que as esqueça, pois enlouquecem-me! Não é possível que tenhas querido

dizer isso. – E neste mesmo instante, já estás de novo a ser pressionada! E recomeças a ce-

der! E pensas outra vez: - “Sim, os outros têm razão; mas ele não.” E pensas: “Mais vale ter

paz em casa, e conforto para estudar – paz no coração.” – Mas o que eu te disse, eu que te

adoro, já o esqueceste de novo. Esqueceste que és a minha felicidade, esqueceste que sa-

crificamos a nossa juventude perante regras decrépitas, que enxotamos como um morcego

essa felicidade que nos pertence e que entrou pela janela borboleteando com as suas asas

multicoloridas, em vez de permitir que ele nos venha envolver, zumbindo docemente, com

as suas cores maravilhosas. – Sim, fechas a janelita, encerras-te no teu quartito, e lá fora, a

borboleta afasta-se para muito longe. E nunca mais a poderemos apanhar!

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23Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

Mais tarde.

Tentei trabalhar! Ler! Estudar! Escrever! – Em vão! – Os livros e os manuscritos estão espa-

lhados à minha frente como máscaras mortas, nem um sopro de vida emanam para devolver

energia aos meus olhos cansados. – Levantei-me e sentei-me, ali, no sofá, na minha secre-

tária, e tentei pensar. – Pensar! – Estou bloqueado; passo o tempo em divagações. É sempre

o mesmo sentimento que me pesa no espírito e o esmaga – um sofrimento perturbador,

sem igual – e existe uma jovem, uma “terna amiga” , que o pode dissipar com um só sopro,

enxotá-lo com um beijo, um simples olhar!

Acabo de ler a tua última carta, que só recebi hoje ao meio-dia; diz no final: “Sou tua e

desejaria ficá-lo eternamente – “ – E quando penso no que foste capaz de dizer, poucas ho-

ras depois de ter escrito isso! – Minha querida, venho suplicar-te: faz luz dentro de ti! Não

te autorizes a viver nessa miserável incerteza, que vai acabar por me enlouquecer! – Eu sei

– tens que suportar muitas, muitas coisas. Repara, minha querida: eu não sou cego; isso eu

entendo. Nada quero pedir-te: deves dar livremente aquilo que deres. – Mas talvez tenhas

tido durante estes últimos dias o pressentimento daquilo que és para mim. Não há simples-

mente palavras para o descrever. – Sofres muito, mesmo muito, e isso muito me dói, como

bem sabes, minha doce querida. Mas aquilo que do meu lado sofri durante estes últimos dias

e estas últimas horas, em dúvidas, em desespero e em incompreensão, e tudo isso vindo de

ti – vai muito além do limite daquilo que se pode aguentar conservando a razão! – Não pos-

so suportar esta vida. – Teria o sentimento de ser o mais feliz dos eleitos se te atirasses ao

meu pescoço e me dissesses: “Amo-te – mesmo que eles lá em casa me atormentem – amo-

-te, apesar de tudo, e vamos ficar juntos! Acho que o teu amor não me fará mal, nem a mim,

nem à minha profissão. Acho que o teu amor me fará feliz – amo-te tão fervorosamente, com

tanta eternidade como tu me amas.” – Feliz, sim! Demasiado feliz.

- Ou então, dizes-me: “Amo-te, na mesma – mas lá em casa, eles têm razão e quando penso

em ti não consigo estudar, e bem podemos tagarelar um pouco de três em três semanas –

não faz mal – “ Minha querida, lembras-te do mendigo no Filho Pródigo (nessa noite, ama-

vas-me muito!) que pede a Flotwell metade da sua fortuna, e não aceita menos do que isso?

- Meu tesouro, apenas te direi mais uma coisa: pensa, ao ler esta carta, que te pego na mão,

que te beijo a ponta dos dedos e os teus olhos. – Uma só coisa te digo: amo-te!

E se achares que este amor, que é aquilo que já senti de mais maravilhoso, de mais intenso,

está a perturbar o rumo da tua existência, nesse caso, afastar-me hei calmamente desse

caminho que é o teu e que tu percorres, mas num recanto, sem sequer roçar no rebordo do

teu vestido, continuarei a amar-te, calado e triste, e no entanto às vezes a lembrança desse

pensamento irá fazer-te tremer. Porque é que nos separámos? Loucura! Loucura! Meu tesou-

ro doce e terno, beijo-te nos lábios!

A.

Que estás a fazer? Estas últimas linhas escritas por baixo da tua janela – não te vi, estive

lá às seis, às sete horas, e agora.

Adeus, minha bem-amada!

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A Marie Glümer

[18].11.90

Percorro mais uma vez a tua última carta, pela terceira, quarta, quinta vez – é verdadei-

ramente incrível! – Isto vindo de ti, minha cara, minha amiga sinceramente afectuosa? – Mi-

nha querida, vou fiar-me intensamente nas tuas palavras; não quero submetê-las a nenhum

“exame cruel” – mas o que eu agora tenho para te dizer, és tu que me obrigas a isso – pois

não posso suportá-lo, não suporto que me faças representar esse papel. Vejamos: da tua

carta conclui-se – tu não o afirmas explicitamente – mas conclui-se com perfeita evidên-

cia – agora preciso de ser completamente sincero, preciso de falar justamente segundo os

sentimentos que tenho – que consideras egoísta, ou digamos deselegante e comodista – o

facto de eu não pedir a tua mão. Será que eu te atribuo intenções diferentes das tuas? Não

– transcrevo-te aqui os excertos que me levam a essa conclusão: “Se eu recusar um bom

casamento, será um sacrifício…” etc. – e mais adiante: “Eu não falo nada dos meus sacrifícios,

e já to disse, tu representas para mim uma confirmação suficiente das tuas reais intenções.”

Outro excerto: “Tu, naturalmente, hás-de evitar pôr ao corrente do que quer que seja as pes-

soas da tua família”. Outro excerto, menos significativo: “O que é que vais fazer da próxima

vez que a minha mãe te perguntar: Quer casar-se… etc. – Por favor! Vais esconder-lhe o que

é impossível eu própria dizer-lhe? Que farás tu? – “

Já que parece ultrapassada a época em que o meu amor te bastava, e que a tua confiança

na eternidade desse amor – ignoro totalmente por que razão – parece fraquejar – não posso

evitar de te explicar as razões do meu comportamento, embora te considere suficiente-

mente nobre para as vires a entender sozinha. Mas tu não o fazes. – Não, queres ouvi-las da

minha boca. – Pois bem, ouve-as! “ Pôr ao corrente de alguma coisa as pessoas da minha

família”. E de quê, posso saber? – Descrevo-te os acontecimentos como não podem deixar

de se desenrolar – e tenho como dado adquirido que és sempre para mim a única, a bem-

-amada, a corajosa amiga. – A minha família, então: Quem é a rapariga? – Faz teatro! – Hum.

– E além disso, leva uma vida honesta? – Sim. – Sempre a levou? – (O que se segue não é

por mim, mas pelos outros que eles virão a saber) - Dois amantes; ela abandonou o primeiro,

o segundo pô-la a fazer teatro, e depois casou-se com outra, mas continuou a sustentá-la

durante algum tempo. – A sua reputação? – Pois bem, em geral, dizia-se que ela ia ao teatro

encontrar-se com um rico proxeneta ou com um bom partido, o que afinal pode não passar

de puras calúnias. – Certo, e desde a vossa ligação? – Ela sempre foi séria e fiel, ela amava-

-me verdadeiramente; esteve apenas uma vez prestes a casar com outro, o que afinal de

contas bem pode vir a suceder. – E tu achas que essa rapariga te proporciona, como esposa,

um futuro feliz? – Sim. Apesar de tudo isso, por se ter transformado. – É sempre isso que se

pensa. – Mas enfim, vou cortar relações com a minha família – pois quando souberem do teu

passado – e vão sabê-lo – jamais darão o seu consentimento. – Visto isto, caso-me contigo

e apresento-te à sociedade. Uma sociedade onde nos pode muito bem acontecer que, num

salão em que venhas a ser apresentada como minha mulher, se encontre um homem que já

te tenha tido nos braços, um homem que te tenha atirado para cima de um divã e possuído,

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na tua casa, enquanto a tua mãe estava na cozinha, um homem que, quando sairmos do sa-

lão, poderá continuar a sorrir para si mesmo dizendo-se: - Também eu gozei com ela – antes

dele – e não fui o primeiro! “Minha querida menina, se entendes que é dar prova de amor

ao conforto tremer perante a perspectiva dessa horrorosa ignomínia, pois bem, então não

é de todo possível falar contigo sobre isso. Ignoro se estás suficientemente cega para não

ver de todo o que tudo isso contém de horrível – o que significa encontrar um homem que

foi amante da nossa mulher – mas para acreditar que nos possamos pura e simplesmente

colocar acima de uma tal coisa, é preciso ser doida, nem mais nem menos. – Teremos por-

tanto que sair de Viena, é muito claro. Talvez seja cobarde por ter vergonha de passear de

braço dado na rua contigo, e ouvir murmurarem nas minhas costas: “É a mulher de S., que

antes foi a amiguinha dos senhores F. e G.”? – Cobarde, cómodo, egoísta! – E já agora, se

a tua mãe e a tua irmã soubessem o que aconteceu antes, não seriam elas as primeiras a

compreender, elas, que eu possa hesitar? “Pois bem, me dirás tu, se me consideras murcha

a um ponto de tal modo irreversível, porquê, porque é que me amas? – Porque é que não

me abandonas? – Como é que eu posso servir para ti como bem-amada?” – Vou dizer-to:

porque te amo precisamente enquanto não puder viver sem ti. – Porque sinto que há em ti

qualquer coisa de verdadeiramente bom e santo que se esconde e que se conservou intacto,

e que fez a minha felicidade. Porque acho que um dia conseguirei vencer-me a mim próprio,

e tomar consciência de que a lembrança do teu passado pouco mais sentido tem para ti que

a lembrança de uns quantos erros. – Porque me estou a convencer de que, nos meus braços,

um novo amor, algo de melhor, de superior, acordou verdadeiramente em ti, assim como eu

senti perto de ti algo de cuja existência não fazia a mínima ideia. Mas expor-me contigo no

meio de um mundo onde há pessoas que vão e vêm com as lembranças que têm de ti – que

te observam lembrando-se das belezas do teu corpo e do deleite da tua embriaguez no

prazer que fizeram nascer em ti e do qual partilharam? – É isso que eu não suporto. – Peço-

-te que penses nisso de uma vez por todas e a seguir ainda consigas ousar dizer-me que eu

gosto do meu “conforto”. Podes perguntar a milhares, a milhões de homens – qualquer um

sentiria respeito pela minha dor, compreenderia os combates que se travam na minha alma.

Tu – não! Tu queres provar-me que me amas mais, que me amas de um modo diferente de

como amaste os outros homens. Não sei se é por desejares que eu me case contigo que isso

transparece. – Oh, minha querida, não há instante em que eu receba mal esse desejo! Com o

que se passa em ti agora, sentes-te tão pura que para ti tudo está mesmo acabado. – Mas na

realidade, nada acabou, e outros para além de mim escutaram os teus suspiros voluptuosos

e embriagaram-se com os teus encantos. E quando eu penso nisso, e mesmo que eu te ado-

re e acredite em ti como num milagre, a enorme repulsa que me invade nesses momentos

é insuportável. Ainda vês nisso muitas vezes uma censura pérfida que possa ter acabado

de me atravessar o espírito – tornas-te má, enfureces-te contra mim, que te “enervo”. – Se

tivesses a mais pequena noção da característica básica dessa raiva que desaba sobre mim

como uma vertigem, como uma desgraça invencível – não ousarias ter esse comportamento

de rapariga que me diz por meias palavras: “Porque me fazes tantas censuras? Basta que

alteres as coisas casando-te comigo.” – Talvez o meu suplício fosse menos doloroso (embora

seja uma estupidez pensar assim) se, ainda por cima, um desses homens não fosse uma das

minhas boas relações. –

Gostaria de tornar as nossas relações mais claras. – Quero saber se compreendes final-

mente aquilo que a minha situação tem de atroz – se ainda pensas que é apenas por uma

questão de amor próprio exacerbado que eu hesito com receio de te apresentar como mi-

nha mulher no seio dessa gente que sabe que te entregaste a outros homens antes do teu

marido. – Queres provar-me a sinceridade não interesseira do teu amor? – Continua a amar-

-me, depois de eu te ter dito tudo isto. – Sabes que eu te amo tão infinitamente que esse

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amor nunca poderá parar. – Mas se julgas poder encontrar um homem que te ame de um

amor sem escrúpulos – se é difícil para ti, nem que seja o pressentimento do sacrifício de te

manteres minha ainda por muito tempo, pelo menos até que eu possa partir para sempre,

levando-te como minha bem-amada – então abandona-me. – Mas nada de mentiras. O meu

amor por ti é inviolável – e nunca te abandonarei. – Se pensas poder ser mais feliz sendo a

esposa de outro e não ficar comigo – então casa-te e sê feliz. – Mas se algo te diz que a tua

felicidade está perto de mim e apenas de mim, não sacrifiques essa felicidade. – Vais querer

expiar, cair aos meus pés com arrependimento – mas eu não quero a tua expiação, nem o

teu arrependimento, só quero o teu amor – e só exijo compreender, como única prova do teu

amor infinito, que podemos ser felizes a sós; mas que encontraremos a morte lutando contra

o desprezo do mundo, e o sorriso trocista de dois amantes esquecidos.

[sem assinatura]

_____________

A Marie Glümer

29.3.1893

É uma coisa humana parar de amar e começar a amar outro ser. É humano até enganar

alguém que nos jurou que, se assim fosse se mataria, e não lhe dizer nada. – Quanto a nós,

o caso é diferente. - Durante anos e anos, eu supliquei-te: “Sê franca!” – Durante anos, em

quase todas as conversas, em quase todas as cartas: “Não te peço nada, apenas a verda-

de!” – Já não sou uma criança, e também não sou um optimista – como é que eu poderia

exigir o amor eterno de quem quer que fosse! – Mas a mim, era-me permitido exigir de ti,

que não mentisses durante semanas e meses, que não me enganasses como a mais nojenta

das prostitutas, com requinte, que não fingisses, com mil pequenos detalhes que não eram

de todo necessários, a alegria de me ver voltar, a nostalgia de mim, a alegria que te davam

coisas que para ti já nada significavam – o meu retrato, por exemplo, que está pendurado na

parede do teu quarto – escrevendo-me cartas de amor empolgadas e indignando-te com a

vulgaridade da “denunciadora” – que no entanto, vá-se lá saber porquê, escrevia mesmo a

verdade – e que não me tratasses de “teu Arthur” nem me atribuísses todos esses nomezi-

nhos ternos de sempre, enquanto pertencias a outro, enquanto me enganavas e troçavas de

mim e me rebaixavas com cada um dos teus olhares. Julgo também que eu teria aguentado

isso como um homem, se me tivesses confessado tudo e se, tal como eu esperava de ti, me

tivesses atirado à cara um adeus honesto. Isso teria provocado uma grande dor, uma dor in-

finita; mas não teria desonrado nenhum de nós dois. – Mas aquilo que me fizeste é tremendo

e jamais poderá ser consertado. Atraiçoaste-me da mais miserável das maneiras: enquanto

eu te adorava, enquanto todos os meus pensamentos te pertenciam, enquanto acreditava

em ti, apesar de todas as dúvidas que, diga-se de uma vez por todas, estão na minha natu-

reza – e por muitas razões! – pelo menos ao ponto de te considerar, senão forte, pelo menos

honesta, enquanto que eu [palavras ilegíveis] toda a minha vida, todas as minhas alegrias,

tudo o que eu queria, tudo aquilo a que eu aspirava – julgava eu então ter realmente encon-

trado a mulher que representa tudo para nós, uma camarada e uma amante – e enquanto

tu, nas tuas cartas quotidianas, fazias por sublinhar essa opinião – conspurcaste de modo

ignóbil a minha fé e o meu amor. – Um tal comportamento deixa atrás de si um rasto de infe-

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licidade para a qual não há palavras. Não se trata do tipo de dores que trazem em si a recon-

ciliação; é uma infelicidade a que seríamos incapazes de pôr um fim, porque destruiu con-

sigo tudo o que a vida ainda poderia trazer. – Não é só o meu futuro que está envenenado,

é também todo o tempo que passámos juntos, esse tempo cheio das mais doces e sagradas

lembranças – tudo isso acabou de repente. Pois eu amei um ser que me enganava vergonho-

sa e imperdoavelmente como nunca um homem foi enganado – uma mulher que continuava

a praticar todo esse engano, mesmo numa altura em que não podia deixar de saber que

tudo acabaria por vir a lume em plena luz – e que não hesitava em continuar a expor-me à

troça de todos aqueles que o sabiam. – Devo dizer-te isso, por pouco que te julgue capaz de

ter consciência da dimensão da dor que pode ficar no fundo do coração, quando um amor

como aquele que tenho por ti foi forçado a terminar de um modo tão vergonhoso, pela mais

baixa traição. E no entanto, devo fazê-lo, porque a tua última carta contém uma censura:

a de te ter deixado sózinha durante sete meses. – As razões pelas quais não te vi durante

esse período, sempre as soubeste; mas mesmo que não as tivesses considerado suficientes,

era-te… perfeitamente possível dizer-me adeus. Mas tu preferiste… fazer exactamente aquilo

que fizeste, e contar com a bondade de um acaso que nada viesse a revelar-me. – E pelo que

posso ver na tua penúltima carta, terias regressado, tranquila, sorridente e sem vergonha –

como a amante de um actor quando a época chega ao fim – para os braços de um ser que

te adora, e que viu em ti a sua felicidade – e a sua honra! “Assim é melhor, pois teríamos que

separar-nos de novo” – dizes tu: não podes “deixar-me alimentar nenhuma ilusão”. Pois bem,

se é mesmo melhor assim, e se é mais vergonhoso aceitar uma coisa por parte de um ser

que amámos e que nos ama – ou pelo contrário fazer aquilo que agora tens na consciência

– também podemos deixar tranquilamente que seja a opinião moral, e em última instância

a tua opinião, quem possa decidir. – E temos portanto que ficar por aqui; - eu teria pensado

em ti com uma tristeza calma, se me tivesses dito há meses atrás: “Agora eu amo outro.” O

que nem tu nem as tuas semelhantes poderão jamais compreender é o modo como agora

penso em ti, e ficarei a pensar em ti enquanto for vivo, pois nunca poderei escapar a esta

lembrança atroz.

Arthur

As últimas informações que recebi esta manhã – com provas indesmentíveis – fazem-me

hesitar algum tempo se chegarei a enviar-te estas linhas, tu, a mais baixa das criaturas sob

o sol. – Pois bem, sempre é verdade o que é mais habitual dizer-se sobre uma meretriz! – E

todos os segundos da minha vida que contigo passei, e tantas doces lembranças, tornaram-

-se outras tantas manchas na minha vida, e terei que corar de vergonha perante todos

aqueles que alguma vez encontrei na rua na tua companhia. – Acho que aconteceu o que

era inédito e inconcebível: a minha repulsa por ti torna-se maior do que o meu amor alguma

vez o foi! –

In Arthur Schnitzler, Lettres aux amis 1886-1901, Rivages poche/Petite Bibliothèque, 1991

Trad. Manuel Cintra.

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Fotografias de ensaio A Cacatua Verde © Luís Santos

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A CACATUA VERDE

Josef Kaains no papel de Henri na Der grüne Kakadu de Arthur Schnitzler, 1899

Der grüne Kakadu de Arthur Schnitzler. Renaissance – Theater. Berlim, 1945

Der grüne Kakadu de Arthur Schnitzler, 1952

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30Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

Der grüne Kakadu de Arthur Schnitzler. Klaus Kinski no papel de Henri. Encenação de Rudolf Noelte. Freie Volksbühne. Berlim, 1957

Der grüne Kakadu de Arthur Schnitzler. Encenação de Pere Planella. Teatre Lliu-re. Barcelona, Abril e Maio de 1977

Au Perroquet Vert de Arthur Schnitzler. Encenação de Matthias Langhoff. Théa-tre de la Ville. Paris, 1989

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A Cacatua Verde

Uma carta

A Ludwig Fulda (1)

28.11.98

XI Frankagasse 1,

Viena

Caro Senhor Fulda:

A polícia, em Berlim, não autorizou que O Papagaio verde seja representado em público

no Teatro Alemão. Consequentemente, e em acordo com Brahm, permito-me apresentar-

-lhe esta pequena peça com vista a uma eventual representação. Brahm, que vai estar de

regresso a Berlim no final da semana, poderá ter a amabilidade de o informar melhor sobre

o assunto; por agora, apenas lhe peço que a leia bastante depressa, e caso tenha tempo, me

escreva umas palavras sobre o assunto.

Com as mais cordiais saudações do seu

Arthur Schnitzler.

(…) Alegro-me de saber que As Últimas Vontades tenham tido alguma aprovação da sua

parte. Quanto a mim, só gosto do primeiro acto e certas partes do último. Durante todo o

tempo em que a personagem principal está em cena, não gosto da peça. Julgo que ficou

completamente impessoal. Durante os ensaios, vieram-me muitas ideias à cabeça que me

teriam permitido melhorá-la; - mas parece que eu não sou suficientemente honesto para

interromper uma peça durante os ensaios, mesmo quando sei como poderia ser melhorada.

Teve muito sucesso em Berlim e em Viena na estreia; em Berlim, saiu de cena rapidamen-

te; aqui, parece aguentar-se. Em todo o caso, não há dúvida de que não tem futuro, e isso

não se deve de todo à sua tristeza - ! – Acabo precisamente de escrever outra coisa que me

agrada mais: três pequenas peças – O Papagaio verde, a melhor das três, está a encontrar

grandes dificuldades. Em Berlim, foi proibida; e aqui, a censura imperial exige alterações

inconcebíveis. A peça passa-se em Paris, na noite da tomada da Bastilha – mas querem que

eu faça desaparecer “o cheiro a sangue”. E o assassinato de um duque que nela decorre iria,

segundo dizem, desagradar ao público. Poderei enviar-lhe tudo isso em breve com prazer,

pois certamente que o vai divertir. Neste momento, estou ocupado com uma grande peça

fantástica em cinco actos, com a qual julgo estar a abordar novos assuntos. Quem sabe se

tudo o que a antecedeu não passava de um diário íntimo; pelo menos, a partir de certa al-

tura. (Pois houve uma altura, do meu nono ao meu vigésimo ano, em que eu escrevia “como

um pássaro canta” – e devo ter sido muito feliz nesses tempos; pois já não me lembro como

é que o fazia exactamente. Conservei muitos desses textos: dramas, peças de carnaval, e

romances cómicos; tudo isso quase totalmente idiota; mas na época em que eu escrevia

essas coisas, nunca senti a necessidade de as mostrar a quem quer que fosse. É assim que,

de ano em ano, nos tornamos mais inoportunos, mais vis e mais infelizes.)

_______

1. Ludwig Fulda (1862-1939), dramaturgo alemão, e também tradutor. Foi co-fundador, com Otto Brahm, da Freie Bühne de Berlim. A

colaboração de Schnitzler com Brahm consolidou a amizade deles. Destituído das suas funções em 1933 por causa das suas origens

judaicas, começou por abandonar a Alemanha, onde voltou mais tarde, suicidando-se em Berlim a 30 de Março de 1939.

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32Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

A subversão do historicismo em A Cacatua Verde

A Cacatua Verde é o nome de um cabaré parisiense dirigido por Prospère, um antigo di-

rector de teatro reconvertido que conseguiu arranjar uma boa clientela na alta sociedade,

propondo todas as noites um divertimento de género muito particular. Os cientes, o Duque

Emile de Cadignan, o Visconde François de Nogeant, o Cavaleiro Albin de la Trémouille, o

Marquês de Lansac, com os seus amigos, as esposas ou as amantes, mas também gente das

letras e boémios, como o poeta Rollin ou o filósofo Grasset, encontram-se no cenário de uma

estalagem para meliantes, facínoras e prostitutas. O divertimento, para estas pessoas da

alta e para estes intelectuais, consiste em estar lado a lado com actores que representam

com talento os papéis de marginais da ralé parisiense. Deixam-se roubar por brincadeira,

têm um prazer masoquista em ser maltratados por tipos insolentes, deixam-se acariciar por

actrizes que fazem o papel de pegas. Pode-se imaginar que A Cacatua Verde tem como mo-

delo alguns cabarés de Monmartre do fim do século XIX. Por exemplo, o Chat Noir, aberto em

1881 por Rodolphe Salis, onde se encontrava a boémia literária e artística, lado a lado com os

burgueses, em busca de sensações fortes. Rodolphe Salis recebeu o Príncipe de Gales em

altos gritos: “Então meu príncipe, a sua mãe continua boa?”: a anedota tinha ficado famosa.

Havia também Aristide Bruant no Mirliton, que cantava canções de crimes e cadafalso sem

provocar indignação, exaltando Jo l’Apache, François le Grelotteux, Lolo la Gigolette e Nini

Peau de chien. Na sua crítica sobre a estreia de A Cacatua Verde, Rudolf Lothar cita também

o cabaré A la taverne dês forçats de Papa Lisbonne. Estas alusões aos cabarés parisienses

do fim do século permitem compreender melhor o que Schnitzler quer dizer com a indica-

ção do género, Groteske, que acrescenta ao título da peça. Como os clientes dos cabarés de

Montmartre, os habitués de A Cacatua Verde são mundanos à procura de realismo picante.

Prospère, o patrão, sabe a receita: é preciso provocar arrepios em ligação com a actualidade.

A acção passa-se em 14 de Julho de 1789. Os temas revolucionários andam no ar. Os actores

d’ A Cacatua Verde vão assim excitar o público representando os populares e cantado can-

ções revolucionárias.

No Chat noir, a Alteza britânica era chamada por bom príncipe. Mas a censura imperial de

Francisco José não teve esse sentido de humor perante a peça de Schnitzler. O director do

Burgtheater, Paul Schlenter, tinha feito passar o texto pela censura. Schnitzler tinha sido

convocado para ler o texto em voz alta e responder a algumas perguntas. Pediram-lhe para

mudar o nome do duque, primeiramente chamado “Duque de Chartres”, para suprimir al-

guns “Viva a liberdade” e corrigir o papel, francamente burlesco, do Comissário. Schnitzler

acedeu aos dois primeiros pontos, mas não suprimiu o Comissário. A censura deu no entanto

o seu consentimento oficial em 26 de Janeiro de 1899.

No entanto, o autor iria conhecer os mesmos dissabores que Grillpazer com o seu Treuer Diner

se ines Herm: apesar do acordo formal da censura, algumas pessoas da Corte viram com

maus olhos o êxito da peça. No dia 6 de Maio de 1899, Schnitzler informou Schanitzler de

que o príncipe de Liechtenstein tinha pedido ao Freiherr Plappart von Leenheer, o Inspec-

tor Geral do “k.k, Hoftheater” para reduzir ao mínimo o número das representações. Motivo

oficial: o carácter licencioso dado pelo autor a uma personagem que devia representar a

aristocracia, Séverine, a marquesa de Lansac. Na verdade, são os slogans revolucionários

que inquietam a corte; tanto lhes importa saber se Schnitzler os interpreta à letra ou se per-

tencem ao repertório dos actores de cabaré da Cacatua Verde… Na primeira temporada a

peça só foi representada oito vezes. Em Setembro de 1899, Schnitzler espanta-se que ela

não tenha sido reposta. Depois de uma troca de cartas bastante viva com Schlenther, dá-se

a ruptura. A peça seguinte de Schnitzler, Der Schleier der Beatrice, foi recusada por Sch-

lenther. Foi preciso esperar por 1905, com a estreia de Zwischenspiel, para que uma nova

peça de Schnitzler fosse apresentada no Burgtheater. A Cacatua Verde teve a mesma sorte

em Berlim, onde a censura tinha proibido a peça em 26 de Agosto de 1898 (decisão retirada

no entanto em 1899). O que não impediu que tivesse uma bela carreira em diversas cidades

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33Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

alemãs. Refira-se que A Cacatua Verde tinha sido recomendada por Georg Brandes, já em

Junho de 1899, a André Antoine, director do Théâtre Antoine, que organizou a sua primeira

representação em 1903, não tendo seduzido o público francês. Pelo contrário, Die Gefährtin,

uma das duas outras Einakter do ciclo de Schnitzler, teve na mesma época um enorme êxito

no Théatre Antoine.

Toda a peça se baseia na confusão entre a ilusão e a realidade, o teatro e a vida, o simulacro

e a verdade e também, portanto, entre a farsa de cabaré e a História. O achado incontestá-

vel de Schnitzler nesta obra de grande virtuosidade, consiste em comunicar ao leitor ou ao

espectador a mesma hesitação, em inspirar-lhe a mesma incerteza que a que perturba as

personagens da peça: é um jogo ou devemos acreditar? Cada acontecimento, cada palavra

relança a questão. Uma perturbação suplementar é introduzida pelo processo do «teatro

dentro do teatro»: é posto em cena um cabaré com os seus actores e os seus espectadores.

Ora, o jogo orquestrado por Prospère, o patrão d ‘ A Cacatua Verde, não tem nada de inocen-

te, porque depressa se nota que cada um escolheu o papel que melhor desmascara a sua

natureza profunda. A marquesa Séverine vem à Cacatua Verde para se fazer engatar como

uma costureirinha de bairro pelos actores da companhia de Prospère; cedo se percebe que,

nesse papel, ela não representa um papel emprestado, traindo, sim, o seu verdadeiro carác-

ter. Inversamente, a prostituta Georgette, que representa a mulher fiel, revela-se de facto a

mais sincera das apaixonadas. O palco da Cacatua Verde, onde se divertem a representar a

revolução, vai tornar-se teatro de acções tragicamente revolucionárias. A praça da Bastilha,

nesse mesmo dia 14 de Julho de 1789, não será também outro palco onde se representará

uma farsa gigantesca? “Sabe distinguir entre o que somos… e o que representamos? […] A

realidade torna-se comédia e a comédia realidade”, diz Rollin, o poeta. Ao ouvir o rumor

crescente que chega da rua, onde a multidão ululante se dirige em cólera para a Bastilha,

o cavaleiro Albin de la Trémouille, a quem Schnitzler dá o papel de um jovem e cândido fi-

dalgote de província, faz esta pergunta divertida: “Que curioso!... Um autêntico burburinho;

é como se houvesse pessoas a correr lá fora. Faz também parte do espectáculo?” As auto-

ridades do reino em crise também se enganam com a revolução. Enquanto a multidão se

enraivece nas ruas, o Comissário é mandado para vigiar o que se passa na Cacatua Verde;

quando Prospère grita no fim da peça que a Bastilha foi tomada de assalto pela insurreição,

“O povo de Paris venceu!”, o Comissário intervêm e declara: “Silêncio!... Proíbo a continua-

ção do espectáculo!”. Enquanto Albin se interroga se os acontecimentos do 14 de Julho não

faziam parte da engenhosa encenação de Prospère, a Cacatua Verde torna-se subitamente

cenário de um assassinato revolucionário: o actor Henri, que acaba de saber que o duque

de Cadignan seduziu Leocádia, a sua noiva, apunhala o duque. A comédia transformou-se

numa sangrenta realidade. A primeira execução de um nobre aconteceu no palco da Caca-

tua Verde.

Esta mistura inextrincável de representação com realidade, de ilusão com verdade, de sonho

com vigília, era um dos temas essenciais de Schnitzler no mesmo ciclo que A Cacatua Verde.

Toda a gente conhece os célebres versos que Paracelso diz em modo de conclusão:

Was ist nicht Spiel, das wir auf Erden treiben,

Und schien es noch so groB und tief zu sein ![...]

Mit Menschenseelen spiele ich. Ein Sinn

Wird nur von dem gefunden, der ihn sucht.

Es flieBen ineinander Traum und Wachen,

Wahrheit und Lüge. Sicherheit ist nirgends

Uma das “realidades“ que Scnitzler transforma em “ficção” nesta trilogia (Paracelsus, Die

Gefährtin, Der Grüne Kacadu) é o casamento e o amor conjugal. N’ A Cacatua Verde, reen-

contramos o tema vivido por Henri. Estas peças esboçam ainda o que poderíamos designar

como uma Kritik der Aufklärung. Em Paracelsus, Schnitzler mostra todo o poder da psico-

logia da profundidade e da hipnose, mas também os seus limites e perversões possíveis.

Paracelso, que julgava manipular à sua vontade a psique das personagens que o rodeavam,

encontra caracteres que lhe podem resistir, e a sessão de hipnose não tem o resultado que

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ele imaginara. O médico hipnotizador aparece como o aprendiz de feiticeiro que sabe mui-

to bem libertar as forças do inconsciente, mas sabe muito menos bem controlá-las, como um

burlão que põe a sua habilidade (ou meia habilidade) ao serviço da sua vontade de poder

e não conhece a deontologia.

A ambivalência da psicologia das profundezas é posta em evidência: muito mais penetrante

que a psicologia clássica, capaz dos êxitos terapêuticos mais espectaculares, resulta apesar

de tudo de uma visão terrivelmente redutora da personalidade humana e pode, nas mãos

de um cínico, transformar-se em intrujice ou em técnica de manipulação das consciências.

Do mesmo modo, A Cacatua Verde é no fim de contas uma crítica à Revolução Francesa, no

fim da qual pouco fica da ideia de revolução. Carl E. Schorske é nesse aspecto muito pru-

dente quando escreve: “Schnitzler não toma partido nem a favor nem contra a Revolução

que, para ele, como para muitos dos seus contemporâneos liberais, tinha perdido o seu

significado histórico. Utilizava este acontecimento apenas como pretexto para a sátira da

sociedade austríaca em crise”. O que Schnitzler não põe em causa é a corrupção e a injus-

tiça do Antigo Regime e a legitimidade da aspiração a uma mudança.

Mas ele contesta radicalmente que a revolução seja o bom meio para melhorar a ordem

do mundo. A Revolução Francesa é apresentada n’ A Cacatua Verde como (para retomar

as palavras de Nietzsche num dos fragmentos de Para além do Bem e do Mal) uma “farsa

sinistra e supérflua”. A nota de Schorske põe em todo o caso em evidência o bom caminho:

não se deve procurar na peça de Schnitzler seja que esforço for de “realismo” histórico. Os

aristocratas franceses que ele pinta são concebidos à imagem da aristocracia e da grande

burguesia vienense da Jahrhundertwende . O prazer que aquele público d’ A Cacatua Verde

toma com o espectáculo da sua própria decadência e do triunfo das “classes perigosas” é

para Schnitzler o maior indício da sua profunda corrupção moral. Através do poeta Rollin é

a jovem Viena literária que é o alvo da sátira.

Schnitzler apresenta os aristocratas do Antigo Regime sob um ponto de vista muito pouco

simpático. Mesmo o jovem Albin, apesar da sua ingenuidade e do seu bom senso provincia-

no, aparece como prisioneiro dos preconceitos mais conformistas, indignando-se por terem

tratado o seu tio, proprietário rural, como “açambarcador”.

O visconde François de Nogeant não tem qualquer ilusão sobre as injustiças sociais e a

miséria popular, mas aproveita com cinismo a ordem estabelecida; a sua lucidez tem aliás

limites e acredita piamente que os actores d’ A Cacatua Verde são as pessoas mais honestas

do mundo e que a cólera do povo de Paris não terá consequências sérias. A sua cegueira é

muito clara quando, a propósito da mímica de Grain, o criminoso verdadeiro que se refugiou

n’ A Cacatua Verde, faz este comentário: “Este é muito fraquinho. É um amador”. Finalmen-

te, confessa a sua incapacidade para compreender os acontecimentos do 14 de Julho de

1789: “O povo perdeu a razão”, exclama ele no meio do tumulto final. O mais brilhante dos

representantes do Antigo Regime, o duque de Cadignan, cujo desembaraço e inteligência

sobressaem no meio do seu séquito, avilta-se em intrigas amorosas que acabarão por lhe

custar a vida. Sonha com uma juventude eterna, com uma vida vivida como se fosse teatro,

representando papéis; é um pessimista que não se cega com a realidade e que só acredita

na morte. Incarna o espírito de decadência que afecta como um veneno final a fina-flor da

aristocracia francesa – e sobretudo vienense.

Aparecem dois intelectuais na peça de Schnitzler: Rollin, o poeta, amigo da sociedade nobre

que frequenta A Cacatua Verde, e Grasset, o filósofo, que pertence ao grupo de Prospère,

o dono do cabaré. Rollin é um esteta enfático. A Revolução que começa não passa para ele

de um pretexto para uns versos de pé quebrado: vê a marcha popular contra a Bastilha

“Tal como uma onda gigante que rebenta contra a margem, / Funda e ameaçadora, a pon-

to de a própria Terra, / Filha da Água, se lhe opor… “. As imagens épicas escondem mal a

grande confusão de ideias de um sonhador desarmado perante a realidade: “Tudo isso me

ultrapassa”, são as suas últimas palavras. Quanto ao filósofo Grasset, era uns dias antes um

dos oradores mais prolixos da companhia de Prospère, n’ A Cacatua Verde; presentemente,

encontrou um palco mais prestigioso e um novo público: representa o papel dos tribunos

da plebe nos jardins do Palais-Royal. Em 14 de Julho de 1789 falou às massas depois de

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Camille Desmoulins, anuncia orgulhoso no primeiro quadro da peça. Para Grasset a ilusão

teatral é total: d’ A Cacatua Verde para o Palais-Royal é o mesmo espectáculo que continua.

Aquele histrião palrador não tem nada a ver com um militante político a sério. Vemos isso

claramente no último quadro, quando Grasset transforma ali mesmo um crime passional (o

assassinato do duque) num acto revolucionário e grita: “Quem trucida um duque é amigo do

povo! Viva a liberdade!”. Em suma, as duas personagens de Rollin e Grasset são caricaturas

muito severas do papel dos intelectuais na Revolução.Schnitzler não é mais indulgente para

com os “sans-culottes” da companhia de Prospère. Henri é o melhor actor e o mais bonito,

admirado pelo duque, provocando ciúmes nos outros (na representação de 1899, o papel

de Henri foi entregue a Josef Kainz, uma estrela do Burgtheater), apaixonado de Leocádia.

Mas aquele génio do teatro é um actor desastroso na comédia do amor e, se se torna num

assassino revolucionário, é de facto sem o ter desejado. Adivinha-se nele um rousseauniano

idealista e sentimental: para desfrutar o perfeito amor com a sua amada Leocádia, vai dei-

xar a cidade corrupta e irá viver para o campo. Quer dar ao seu público de aristocratas uma

“sensação antecipada do fim do seu mundo”, mas esse pressentimento traduz-se menos em

ideias políticas do que num desejo de fugir da sociedade.

O dono d’ A Cacatua Verde, Prospère, joga um jogo duplo perigoso. Enquanto a exploração

do cabaré der lucro, contenta-se com o papel de patrão e chefe da companhia. Mas está

atento: “Lá virá o dia em que a brincadeira se transforma em coisa a sério e eu estou pre-

parado para o caso de…”, declara ele a Grasset. Prospère é um leitor atento dos artigos de

Camille Desmoulins, e parece aprovar as suas ideias: “Vamos pôr o jugo aos que se tomam

por conquistadores, vamos depurar a nação.” Esta mistura de cinismo mercantil (a Revolu-

ção é para Própsero – nomen est omen – um espectáculo que rende), de hipocrisia sonsa

para com a clientela aristocrática d’ A Cacatua Verde, e de espírito de vingança pronto a

estabelecer a ditadura do povo, faz de Prospère a personagem mais inquietante da peça.

À sua volta gravita o misterioso Grain. Para aquele verdadeiro criminoso, A Cacatua Verde,

onde vem representar os vagabundos, é o esconderijo ideal. Para Grain, a simpatia pelo mo-

vimento revolucionário resulta muito naturalmente da revolta de um excluído e de um fora

da lei contra a sociedade.

Como pode ver-se, o grupo dos verdadeiros-falsos-revolucionários que se dão em espectá-

culo n’ A Cacatua Verde não é mais simpático que o dos aristocratas.

O palrador Grasset, o rousseauniano sentimental Henri, o futuro comissário do povo, Prospè-

re, e o criminoso Grain: percebe-se que dessa gente nada de bom poderá vir. A Revolução é

inevitável: quem pensaria em defender o Antigo Regime incarnado pela clientela d’ A Caca-

tua Verde? Mas a perversão da Revolução e a instauração de uma nova tirania são também

inevitáveis: é o que revela um olhar deitado para os bastidores deste estranho cabaré. A

ideia de revolução perdeu todo o prestígio, as ilusões dissiparam-se, e percebe-se que será

necessário seguir por outros caminhos para que o novo regime não conduza ao antigo.

Simpatia pelas ideias de 1789, na medida em que elas trazem a primeira formulação do li-

beralismo moderno, e desconfiança pela acção revolucionária, onde o sublime soçobra pelo

grotesco e o justo no odioso: esta atitude de Schnitzler aparece como fruto de uma tradi-

ção liberal própria dos escritores austríacos. No seu drama histórico, Marie Roland, de 1867,

Marie von Ebner-Eschenbach fazia uma vibrante apologia dos Girondinos, representantes a

seus olhos da nobreza moral e da sábia moderação, face aos Jacobinos. Na peça Danton e

Robespierre, de 1870, Robert Hamerling valorizava Danton, representado como um simpático

bon vivant e como realista, contra Robespierre, o idealista dogmático; as belas ideias rous-

seaunianas eram pervertidas e desacreditadas pelo Terror. Do mesmo modo Eugenie delle

Grazie, na sua epopeia intitulada Robespierre (1894), mostrava que na origem da Revolução

estavam as mais nobres aspirações de justiça, mas propunha sobretudo uma visão pessimis-

ta do inelutável extravio da acção política. Ferdinand von Saar interessava-se pela tragédia

de Luís XVI, que apresentava como estóico resignado perante a fatalidade, nos dois actos

de Ludwig XVI, publicada em 1899. A leitura de A Interpretação dos Sonhos, de Freud, mostra

bem que o intelectual liberal, por volta de 1900, vê a Revolução Francesa como um encade-

amento de actos sangrentos: “Um sonho de Maury atingiu uma grande notoriedade. Estava

doente e deitado, a mãe sentada ao pé dele. Sonhava com o Terror, intrometiam-se cenas

horríveis de assassinatos e via-se por fim citado para o Tribunal revolucionário. Encontrava

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lá Robespierre, Marat, Fouquier-Tinville e todos os tristes heróis daquela época terrível, fa-

lava com eles, era condenado […], sobe ao cadafalso, o carrasco prende-o a uma tábua, ela

oscila, a lâmina da guilhotina cai, sente a cabeça separada do tronco, acorda numa angústia

espantosa – e vê que o dossel do leito tinha caído e que o pescoço tinha sido de facto atin-

gido como que por uma lâmina de uma guilhotina”. Um pouco mais adiante, Freud comenta

no seu livro o sonho de Maury nestes termos: “Quem não se teria sentido cativado […] pela

descrição da época do terror? A nobreza, homens e mulheres, a flor da nação, mostrava

como se pode morrer com a alma feliz e manter, até ao apelo fatal do seu nome, a vivaci-

dade de espírito e a elegância de maneiras […] ”. Para o liberal Sigmund Freud, de que se

conhece a ligação profunda aos ideais de 1848, a Revolução Francesa é antes de mais uma

“época terrível”, enquanto que o Antigo Regime lhe provoca nostalgia. Podiam encontrar-se

muitos outros testemunhos desta imagem, no conjunto muito negativa, da Revolução Fran-

cesa, por entre os intelectuais vienenses de 1900. Pode citar-se uma passagem espantosa

do crítico literário Friedrich M. Fels, num artigo intitulado “Die Moderne”, de Novembro de

1891. O autor começa por constatar. “Nós somos decadentes”. E continua: “Quando me es-

forço por interpretar a arte de hoje, parto sempre da Revolução Francesa. Porque, para além

do facto de termos que datar a partir daí o início de uma nova história internacional, […] ela

apresenta um certo número de pontos comuns com o nosso assunto. Os seus fundamentos

foram suficientemente sondados para que hoje se saiba que nem um só daqueles que a

incendiaram fazia a mínima ideia de como apagar o incêndio. A situação revelou-se insus-

tentável; viram-se livres disso sem reflectir sobre o que se iria construir em seu lugar, nem

como. Pode chamar-se a isso inconsciência, ou sabe-se lá o quê: a vida e a história são muito

ingenuamente inconscientes […]. Para este crítico, a Revolução Francesa aparece como uma

fatalidade cega, inevitável, desencadeada pela ruína do mundo antigo, mas desprovida de

projecto, errática e imprevisível, à imagem da modernidade artística e literária, tal como

Friedrich M. Fels a considera. A visão da história atinge aqui o cúmulo do niilismo.

Este mesmo género de cepticismo histórico inspira Schnitzler em A Cacatua Verde. O poten-

cial utópico da Revolução Francesa está aí totalmente desarmadilhado. A Aufklärung deve

seguir outro caminho. Mas qual? A esse respeito ele não se pronuncia.

Pode dizer-se que A Cacatua Verde exprime um sentimento pos-moderno antecipado da

história. Um dos sentimentos “pos-moderno” é que o mundo vive ao ritmo da “pos-história”.

A História parece ter perdido todo o sentido e parece reduzir-se a um espectáculo, tão

granguinholesco como absurdo e sangrento. Nenhuma das grandes ideologias mantém o

seu prestígio. O intelectual, resignado, céptico, até mesmo cínico, encara os acontecimentos

como uma sequência de catástrofes e retrocessos cujo desfecho, feliz ou fatal, permanece

indeciso. Este ponto de vista tanto conduz a uma visão crepuscular da decadência contem-

porânea como a uma desmistificação irónica e subversiva das belas ilusões chamadas “pro-

gresso”, “revolução”, “libertação”, etc. Jean Clair, que tinha sido um dos primeiros a falar em

França de “pos-modernidade”, tinha dado à exposição “Viena 1880-1938”, do Centro Pompi-

dou, o título de “O alegre apocalipse”. Esta fórmula, extraída de Hermann Broch, condensa

uma certa concepção pos-moderna da história.

Os pos-modernos prestam uma atenção particularmente crítica ao credo clássico da Au-

fklärung ; desencantam no próprio Iluminismo a causa do falhanço do programa político

que dele se reclama. Por exemplo, pode defender-se que em Kant se encontra prefigurada

a noção de “história-espectáculo”. É evidente que Kant falava apenas de espectáculo edifi-

cante, destinado à instrução dos povos. Para ele, a Revolução Francesa era um daqueles es-

pectáculos sublimes, capazes de suscitar um entusiasmo comunicativo. Na segunda secção

do Conflito das Faculdades, escrito em 1795, interroga-se sobre se o género humano está em

constante progresso e, se houver progresso, como é que se pode reconhecê-lo. Esboça uma

teoria do “signo histórico”, que aplica ao caso da Revolução Francesa.

A sua argumentação baseia-se numa distinção entre o teatro da Revolução, onde os actores

representam o papel em que se encontram implicados, e o público, na ocorrência o público

alemão, está afastado do teatro dos acontecimentos.

A Revolução é um espectáculo para o resto do mundo. Fará progredir a humanidade? A

acção apresentada em cena não permite afirmá-lo com segurança, sublinha Kant, porque

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na acção se vê sobretudo a violência e a corrupção. O signo histórico do progresso é dado

pela reacção do público, cujo entusiasmo prova que o género humano progride apesar de

tudo. Pouco importa se a Revolução multiplica as atrocidades, uma vez que ela dá ao género

humano espectador ocasião para manifestar as suas disposições morais. Lyotard e Descom-

bres realçam os problemas que levanta este juízo estético a propósito de uma revolução

que se representa noutro palco. Não jogaram muitas vezes os intelectuais com esta diferen-

ça entre o palco e a sala para defenderem que o banho de sangue das grandes tragédias

revolucionárias (em França, mas Também na Rússia, na China, etc.) ganha um sentido posi-

tivo se se levar em conta a cathasis que provoca no lado do público? O espectáculo, apesar

dos excessos sangrentos, tem a sua utilidade para dar ideias de mudança ao público das

outras nações.

Quando o “entusiasmo” da sala perante os comportamentos revolucionários passa a ser ob-

jecto de troça, Schnitzler desmistifica o argumento que tenderiam a justificar as exacções

em nome dos sentimentos do sublime histórico que podem suscitar do lado dos espectado-

res. Em A Cacatua Verde, a sala do teatro dentro do teatro não tem mais valor que a própria

cena. O entusiasmo daquele público é tão grotesco como o fingido ardor revolucionário das

personagens. A peça de Schnitzler apresenta uma visão extremamente desiludida, anteci-

padamente pos-moderna, da história espectáculo. O público d’ A Cacatua Verde adopta pe-

rante os acontecimentos políticos e sociais a posição do estetismo. Reduzindo a revolução a

uma representação, a uma performance de actor ou de mimo, representa este jogo (uma vez

que a regra, nesse cabaré, quer que o público se misture com o espectáculo) com a ilusão

de poder sair de lá como se sai de uma sala de teatro. Aqueles aristocratas são os irmãos de

Anatol: estetas apanhados no seu próprio jogo, incapazes de tomar qualquer acontecimento

a sério, considerando a sua sociedade como um pequeno teatro do mundo. No entanto, têm

o sentimento de pertencerem a um mundo ameaçado. A sua ligeireza é uma defesa.

«Vamos aplaudir, meus amigos, é a única maneira de nos libertarmos deste encanto ne-

fasto», grita um deles. Faz pensar no que escrevia Hermann Broch, no seu Hofmannsthal e

o seu tempo, a propósito dos vienenses do fim do século: “O ruído político que faziam os

outros, em particular as nacionalidades, era por eles visto como uma comédia grotesca e

absurda”. Seria, pois, inexacto interpretar a A Cacatua Verde como uma sátira à aristocra-

cia francesa do antigo regime, à aristocracia vienense da belle époque e dos seus émulos,

estetas aristocratas da Nova Viena. O “povo” nesta peça vale tanto como a elite. Vaidoso,

cúpido, violento, calculista, até mesmo manipulador, como o temível Prospère, aquele povo

representa nos espectáculos do cabaré o papel que lhe convém. Não é ele que irá alterar

o curso dos acontecimentos reais. A Revolução Francesa: um espectáculo que acaba mal. É

uma comédia? É uma Groteske, que faz sorrir no momento mas que dá sobretudo azo para

a reflexão. É o próprio estatuto da realidade histórica que é posto em questão: “Deus do céu,

é verdadeiramente real ou não?”, exclama um dos participantes do espectáculo d’ A Cacatua

Verde. Esta mistura da ilusão com a realidade, do teatro com a vida, transforma a história

numa Großes Wurstel .

Há uma peça contemporânea que faz eco d’ A Cacatua Verde: A Perseguição e Assassinato

de Jean-Paul Marat, representada pelo grupo teatral do hospício de Charenton sob a di-

recção do Senhor Sade, de Peter Weiss. Em Peter Weiss a história representa-se num asilo

psiquiátrico. Enquanto que a Groteske de Schnitzler acaba no momento em que começa a

Revolução Francesa, 14 de Julho de 1789, o espectáculo organizado pelo marquês de Sade

no hospício de Charenton passa-se depois do acontecimento: 13 de Julho de 1808. Acontece

que a peça de Peter Weiss também se podia designar como Groteske: Marat é representa-

do por um paranóico condenado à banheira pelo seu tratamento de hidroterapia; Charlotte

Corday por uma sonâmbula insone; Duperret (o deputado girondino) por um fanático, tudo

encenado pelo marquês de Sade, sob o refrão: “Revolução, copulação, nação, Charentão”.

Em Schnitzler, a história desenrola-se como uma farsa de cabaré, e não é um acontecimento

qualquer que será assim desmistificado, mas sim o dia inaugural das “ideias de 1789”, a que

Schnitzler, intelectual liberal, está profundamente ligado. Há uma nota de desespero nesta

irrisão. Em Peter Weiss, é Marat, o mais premonitório de todos os revolucionários franceses,

nota o autor nos seus comentários, mas é também o povo insurrecto, cujos discursos e as

reivindicações se encontram transpostas no psicodrama inquietante dos loucos de Cha-

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renton. A História: uma casa de doidos. Peter Weiss, ele também, mistura uma boa dose

de desespero à sua irrisão provocadora. Porque ele não pensa dar mais razão a Sade do

que a Marat e quer ainda acreditar (estamos em 1964) na utopia socialista, mais além dos

socialismos realmente existentes. E todavia, Peter Weiss, de forma muito mais violenta que

Schnitzler, pinta-nos a Grande Revolução como uma orgia de reivindicações e de revolta,

desembocando no assassínio e no Terror. A distância entre a desmistificação irónica, n’ A

Cacatua Verde de Arthur Schnitzler e a desilusão rangente, no Marat /Sade, de Peter Weiss,

é a de uns sessenta anos de perversão, do projecto moderno de “revolução”.

Jaques le Rider

In Austriaca, decembre 1994, n39, Université de Rouen- Centre d’Etudes et de Recherches Scientifiques. Trad. LL-

Barreto

História e ficção no teatro sobre a Revolução: A Cacatua Verde de Arthur Schnitzler

Como muitos críticos defenderam, A Cacatua Verde é de facto uma peça sobre a Revolução

Francesa. “ O modo como a peça lida com este acontecimento histórico pode também re-

flectir a situação política da Áustria do fim do século XIX”, afirma Peter Howarth. Contudo,

como eu vou aqui sustentar, o que muitos críticos menosprezaram ver é que a peça de Sch-

nitzler não apresenta apenas uma análise da Revolução Francesa; serve-se ainda do aconte-

cimento para questionar as possibilidades e os limites da análise histórica.

Uma vez que a Revolução Francesa é ainda geralmente celebrada e não apenas em Fran-

ça como uma inequívoca prova do progresso histórico, em A Cacatua Verde, “die Zeit zu

Taten” (o tempo de acção) é redutível a uma mera fase de um processo que conhece repe-

tições mas não mudanças radicais e a um acontecimento que está totalmente dependente

das diferentes interpretações dos seus diferentes protagonistas. A maneira como Schnitzler

trata o tema da Revolução demonstra que não há na História factos inequívocos, apenas

interpretações. Peça dentro de uma peça, A Cacatua Verde não estabelece diferença entre

realidade e aparência.

O motivo Sein/Schein (ser/parecer) é o mesmo em toda a obra de Schnitzler, tanto em A

Cacatua Verde, como em Parcelsus, A Companheira, ou Menina Else por exemplo: “[Foi] a

confluência entre gravidade e jogo, vida e comédia, verdade e mentira… o que sempre me mo-

tivou e ocupou para além de todo o teatro e de toda a teatralidade, acima de toda a arte” (Ju-

gend in Wien). A inevitável mistura de realidade e ficção, facto e interpretação, resultante da

dificuldade em distinguir entre Sein e Schein, Wahrheit (verdade) e Lüge (mentira) é um dos

motivos presente em toda a obra de Schnitzler e em dois filósofos seus contemporâneos:

Nietzsche e Mach. Desconstrutivistas do fim do século, Mach e, sobretudo, Nietzsche, apre-

sentam uma série de argumentos que Schnitzler também podia hoje partilhar com autores

como Roland Barthes, Hayden White e os representantes da escola pós-estruturalista. Sein e

Schein confundem-se da mesma maneira que se confundem para esses pós-estruturallistas:

a verdade, histórica ou não, é sempre relativa; está baseada na perspectiva e na linguagem

em que for expressa mais do que na coisa em si que é suposto reflectir.

Analisarei este aspecto em A Cacatua Verde, à luz de Nietzsche e de Mach, não com o intuito

de construir uma qualquer inter-relação causal entre a obra deles e a de Schnitzler, mas

para apresentar mais claramente os problemas suscitados por Schnitzler no seu contexto

cultural.

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A Cacatua Verde é mais do que uma peça sobre a Revolução Francesa. Contudo, se o acon-

tecimento é usado para questionar o conceito de Revolução como progresso e para mostrar

os limites da historiografia, não deixa de apresentar também as suas causas, pressupostos

e objectivos reais. Tanto Prospère, o anfitrião, como François, Visconde de Nogeant, vêem a

pobreza e a fome como causa primeira da Revolução. Prospère comenta: “Daqui a pouco não

haverá uma única colheita em toda a França”. François observa: “O que é que queres? Têm

fome.” Os aristocratas não percebem nada do que se passa e acham que não podem fazer

nada para melhorar a situação. Mesmo se Cadignan parece perceber o perigo, a atitude

geral é parecida com a de Albin, que afirma: “Contra a fome deles não posso fazer nada”. Ao

contrário de Grasset, os aristocratas não interpretam os primeiros sinais de Revolução como

tal. Isso é muito evidente para a Marquesa, para quem tudo é espectáculo. Mas a atitude

dos outros não é muito diferente: “Paris está doente, está com febre; mas há-de passar”. O

Visconde, quando convida Albin para o Palais Royal, diz: “É tudo brincadeira. Mas olha que

há sítios em Paris onde ouves estas coisas ditas a sério.” O verdadeiro objectivo da Revolução

consiste simplesmente numa mudança de distribuição de propriedade. As massas alcança-

rão finalmente o que pertencia à aristocracia e tomarão lugar no topo da escala social. Isto

foi o que já aconteceu não longe de Paris, segundo Grasset : “Em Toulon mataram o presi-

dente da câmara, em Brignolles houve dúzias de casas saqueadas…”. Em Paris, Séverine, a

Marquesa, informa: “ … saltou um homem que se empoleirou na nossa carruagem aos gritos,

a dizer “para o ano serão vocês a sentarem-se o lado do cocheiro e nós é que vamos sentados

dentro da carruagem!”.

Concluindo, Schnitzler, aludindo às causas e pressupostos da Revolução, mostra apenas uma

redistribuição radical da riqueza como seu objectivo principal, o que seria muito superficial.

Sublinha também a brutalidade e a violência que caracteriza a marcha revolucionária. O

acontecimento histórico é apresentado como “Menschenjagd” (caça ao homem) (Selling).

As últimas palavras da peça são de Grasset: “Por hoje deixa-os fugir”, diz ele referindo-se aos

aristocratas que abandonam a Taverna, “está descansado que não escapam”.

Segundo Karl Griewank, a revolução define-se como um momento inequívoco de progresso

e pode ver-se como a peça de Schnitzler se a justa muito pouco a esta definição. Mesmo que

A Cacatua Verde mostre a Revolução Francesa como um “processo violento descontinuado”,

com um “conteúdo social”, dois aspectos importantes da definição de Griewank, não enfatiza

certamente o terceiro elemento que caracteriza a revolução como “a forma ideal de uma

ideia programática ou ideológica, com objectivos positivos, em termos de estabelecer uma

renovação, o desenvolvimento ou o progresso da humanidade”. É um facto que a Revolução,

tal como é apresentada em A Cacatua Verde, não é vista como prova de progresso históri-

co, correspondendo só em parte a um conceito de revolução que “apenas se tornou possível

com uma compreensão do mundo especificamente moderna que tem como pressuposto não

a perspectiva de mudança e mutabilidade, mas também a valoração do que é novo e radical”

(Griewank)

No fim da peça, as palavras de Grasset apresentam a Revolução como mais um mero exem-

plo de violência generalizada.

No entanto, mais do que uma solução final, A Cacatua Verde apresenta a Revolução Francesa

como uma etapa do que pode ser visto como a Reigen (dança de roda) da história, onde o

Justo e o Bom, mais do que etapas absolutas do progresso, são apenas ilusões criadas pela

classe que tomou o poder. Isto é evidente na estrutura da peça em um acto. Como bem

aponta Michaela Perlmann, referindo-se à estrutura em um acto: “uma observação mais cui-

dada, todavia, mostra como em Schnitzler, os conflitos escapam a uma clarificação definitiva.

Em lugar da solução unificadora pela catástrofe, surge nele a inércia de uma sociedade em

que não parece ser possível inovar, dominando o estado de ilusão”. A imobilidade, a falta de

progresso típica da forma em um acto é deste modo utilizada por Schnitzler como um ma-

nifesto contra a visão tradicional da história como progresso.

Peter Horwath nota que o modo céptico como Schnitzler representou a Revolução podia ter

sido influenciado pela situação política austríaca no fim do século. O ano de 1873 é usual-

mente considerado como um ponto de viragem sócio económico na Áustria. É não apenas

o ano da Feira Mundial, símbolo da posição da burguesia liberal da época, mas também o

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40Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

ano da queda arrasadora da bolsa de valores. Além disso, assiste-se nessa altura a uma crise

da classe média e a uma gradual proletarização das classes mais baixas, com a inevitável

erosão dos valores cristãos e de um utopismo liberal. Um quarto de século depois, a situa-

ção não tinha mudado. A Cacatua Verde, na opinião de Howard, reflecte isto: “Os membros

do Ancien Régime estão decadentes, a classe média está doente e sem ideais, e o homem do

futuro é, moralmente, uma estúpida falência”.

A questão não é saber se a interpretação de Peter Howarth está ou não errada; A Cacatua

Verde pode de facto apresentar uma imagem da Revolução Francesa influenciada pela si-

tuação política austríaca do começo do século; a questão maior é saber se a peça de Sch-

nitzler, lidando com um conceito de revolução que não se baseia no conceito de progresso

histórico, pode oferecer mais do que um manual de história qualquer pode dar.

Se A Cacatua Verde apresenta uma análise da Revolução Francesa, como Friedrichsmeyer

afirma, questiona simultaneamente a objectividade dessa mesma análise. Gunter Selling

e Holger Sandig, em particular, estão entre os críticos que viram a peça apenas como um

exemplo de análise histórica e menosprezaram, ou não enfatizaram totalmente, se é uma

peça dentro da peça, um Spiel im Spiel, o que é crucial para a obra. É precisamente devido

a este formato da peça, mostrando apenas as sombras da Revolução, que se levantam, tanto

ao público do palco como ao da sala, inevitáveis questões e confusões e que ela pode desse

modo ser vista, não tanto como uma análise da Revolução mas como um questionar dessa

análise. Consequentemente, é também uma ilustração da relação inevitável entre realidade

e interpretação, História e ficção.

Inicialmente, o leitor e o espectador sentem-se a salvo, tão a salvo como François, Viscon-

de de Nogeant, o Marquês e o Duque, os habitués da Cacatua Verde, porque a revolução é

do conhecimento comum, muita gente leu acerca dela e pode dar uma definição dela. No

entanto, muito cedo se altera a posição tanto dos que a conhecem, como dos observadores

passivos. O que sabe cada um da revolução, ou melhor, o que sabe cada um do que está a

acontecer no exterior da Cacatua Verde? Tanto o público da peça de Schnitzler como os ac-

tores do espectáculo de Prospère, ouvem apenas barulho (“Parece trovoada ao longe”), e re-

latos de “… uma barulheira infernal nas ruas. À frente da Bastilha gritam todos como doidos.”;

contudo, não se pode confiar nesses relatos e no carácter de quem os faz. Por isso Albin

exclama: “ Curioso. Parece mesmo barulho que vem lá de fora”. Prospère, que acredita pro-

fundamente que o negócio é mais importante que o que está a acontecer fora da taberna,

diz que só os que não têm nada para fazer é que estão na rua. Para o político Grasset, “agora

é tempo de acção”. O seu apelo é tão poderoso que, juntamente com o que ouvimos narrado

por outras vozes, conseguimos acreditar que Guillaume é um actor, como foi Grasset, e ain-

da é. Portanto, para os aristocratas não há perigo, não está a acontecer nada na realidade.

Não há um ponto de vista específico privilegiado na peça. No ponto de vista de Schnitzler, o

14 de Julho reduz-se a sombras e muitas interpretações diferentes. A tomada da Bastilha, em

Julho de 1914, não é por isso um acto tão monumental como popularmente se considerou.

Algumas vozes na Cacatua Verde preparam o caminho para a afirmação recente de dois

historiadores: só havia seis pessoas na prisão, dois deles eram doentes mentais, “o facto de

a Revolução ter avançado depois para a Bastilha, prisão lendária e quase vazia, justifica-se

pela procura de armas “ (Furet, Richet). Contudo, para o Grasset de Schnitzler, “ para os

cidadãos de Paris só uma profissão conta: libertar os nossos irmãos! “. Como o mesmo Gras-

set comenta, há uma diferença entre “discursar” e “agir”. No entanto, “ eles não disparariam

se nós não tivéssemos falado.” Mas este “agir” não é ainda importante para os aristocratas.

Para Séverine, por exemplo, para quem a palavra Liberdade não sugere provavelmente mais

nada que satisfação sexual, a morte do Duque torna ainda o espectáculo mais intenso, “Achei

o máximo”, comenta, “ Não é todos os dias que se vê um Duque verdadeiro a ser assassinado.”.

Assim, os factos existem apenas conforme as interpretações. Isto é particularmente claro de

novo no fim da peça, quando Henri, a personagem menos revolucionária, o único que quer

deixar a cidade em busca de paz, e que não matou o Duque por razões políticas, é aclama-

do como herói revolucionário. Nestes “Groteske in einem Akt” (“Grotescos em um acto”), na

ideologia política de Schnitzler, a retórica de Grasset e os gritos de “Viva a Liberdade” são

apresentados como interpretações que escondem as pressuposições e se impõem como

absolutos.

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41Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

Assim, a questão da historiografia, da inevitável relação entre História e ficção equaciona-

das por Roland Barthes e Hayden White está patente em toda a peça, não apenas no fim,

quando Henri mata o Duque e, por esse motivo, é aclamado como herói; reflecte-se de facto

no Spiel im Spiel. O que é verdade e o que é falso? Se não há resposta fora do texto, como

diriam Barthes e White, aqui não há de facto resposta fora da peça, nem na de Prospère nem

na de Schnitzler. A peça é, como comenta Singer, “apenas um jogo dentro de um jogo mais

amplo, o teatro do mundo, mas em que não há público”. Frisando a diferença entre conceito

do mundo como um palco de Schnitzler e o conceito barroco de theatrum mundi, Singer

continua: “Enquanto a concepção barroca do mundo como theatrum mundi se fundamenta

na existência de uma verdade indubitável, para lá da engrenagem ilusória e volúvel do mundo,

bem como no facto da história terrena se medir pela suprema realidade da história celestial,

da qual ele emana por prestidigitação, o valor do teatro do mundo de Schnitzler assenta na

convicção de que nada mais existe para além do teatro”.

Deste modo, em A Cacatua Verde, vida e comédia, história e ficção, longe de estarem rigi-

damente opostos, estão inevitavelmente misturados. François não percebeu isto. Pensa que

é tudo a brincar, mas roubam-lhe o dinheiro durante o espectáculo, apesar de estar senta-

do entre “a gente mais honesta”. Prospère parece controlar os comportamentos: Séverine

entra no jogo e interpreta o seu papel de forma mais convincente que Michette, Georgette

e Flipotte. Grain, apesar de estar debaixo de olho, não consegue evitar roubar. Levado pela

sua própria ficção, que a mulher é amante do Duque, Henri, ainda melhor que Séverine, dá o

exemplo mais claro de como verdade e ficção se misturam. É também difícil distinguir a fic-

ção da realidade no que respeita à identidade das diversas personagens: “Reúnem-se aqui

pessoas que fingem ser criminosos; e outras que são de facto criminosos sem o saberem”,

diz Grasset. Séverine expressa-se pela acção. Grain, um criminoso a sério, torna-se actor e

é tomado por um “Dilettant” quando conta a história verdadeira da sua vida. Gaston é um

actor, mas Grain viu-o roubar uma bolsa no Boulevard des Capucines. Grasset, tendo já tra-

balhado para Prospère, pergunta-lhe se o volta a aceitar se “a coisa der para o torto” e não

puder seguir a carreira política.

Quando se lê a peça pela primeira vez, podemos ficar tão desorientados como Albin; “Tudo

isto me faz uma certa confusão!”, diz ele, exprimindo mais do que uma vez essa atitude ao

longo da acção. Parte da confusão resulta do facto de ainda pensarmos em oposições, em

termos de se/ou, verdadeiro/ falso, que a própria linguagem encoraja. Rollin, o poeta pode

dar uma ajuda neste campo:

ROLLIN: Mas acha que há assim tanta diferença entre fingir e falar a sério? (…) Sabe o que eu

acho mais interessante observar aqui? O que é verdade e o que é mentira faz tudo parte da

mesma coisa, acaba por nem valer a pena estar a distinguir entre uma coisa e outra. O que é

real é só mais uma faceta do que é a fingir.

Com excepção de uma parte dos críticos que releva o tema essencial do Spiel im Spiel, uma

segunda leitura secundariza estas oposições. De acordo com pelo menos alguns deles, que

Hayden White apresenta em The Historical Text as Literary Artifact, pode chegar-se à conclu-

são de que a verdade é uma coisa relativa, na sua ligação estreita com a ficção. O próprio

14 de Julho de 1789 existe como “um tropo no processo segundo o qual todo o discurso con-

siste nos objectos que pretende apenas caracterizar com realismo e analisar objectivamente”.

“Por outras palavras”, para citar Roland Barthes, “o discurso histórico não segue o real, pode

apenas significá-lo”.

O problema da percepção e interpretação em A Cacatua Verde é também central em Paracel-

sus e A Companheira, mas Schnitzler explora-o num nível mais íntimo nessas duas peças. O

tema da realidade e ficção reaparece sobretudo em Paracelsus, onde o protagonista afirma:

“Confluem entre si sonho e vigília, verdade e mentira. Não existe certeza em parte alguma.

Nada sabemos sobre os outros nem sobre nós. Estamos sempre a “jogar”; quem sabe isto é

esperto”.

Segundo Martin Swales, o facto do casamento de Justina e Cyprian resistir às artes de Pa-

racelsus chegaria para provar esta afirmação. Mas, se Cyprian consegue uma “consciência

das precárias certezas da natureza humana, uma consciência com que tem que aprender a

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viver” (Swales), está exactamente na base do confluir que caracteriza a crença de Paracel-

sus. Isto é também evidente em A Companheira. Tudo o que se pode saber sobre a falecida

mulher do Professor Pilgram é o que ele nos diz sobre ela, acrescentado-se ainda que a vê

em diferentes momentos da vida.

Vejamos agora os problemas que Schnitzler levanta em A Cacatua Verde no seu contexto

cultural. Nessa análise, Ernst Mach e Nietzsche foram fundamentais para Schnitzler. Mach,

fundador do Empiriokritizismus, não lida directamente com o problema da História, mas

aborda bastante o problema do Sein und Schein, realidade e aparência, um problema evi-

dente na obra de Schnitzler. Na Analyse der Empfindungen (Análise das Sensações) (1885),

Mach releva a impossibilidade de nos limitarmos a um único modo de pensar baseado na

antítese, que enfatiza a pretensa oposição entre realidade e aparência:

“Que nos leva a nós a declarar um facto mais real que outro, e a desvalorizar o outro a nível

do seu aspecto? Em ambos os casos teremos que lidar com factos que se nos apresentam em

diferentes combinações, e que nos dois casos são diferentemente condicionados”.

Realidade e aparência são uma questão de perspectiva, de interpretação, tal como são Spiel

e Wirklichkeit no grupo de Prospère. “Mesmo o sonho mais louco é um facto como outro qual-

quer”, escreve Mach. Paracelsus faz eco disto: “confluem entre si sonho e vigília / verdade e

mentira”.

Ao contrário de Mach, Nietzsche leva em conta as consequências da perspectiva e da objec-

tividade em relação à História, o que é uma noção proveitosa no que respeita a Schnitzler.

Tal como Schnitzler, Nietzsche sublinha a tendência limitadora de pensar por oposições e

ver facto e interpretação como opostos. Aquilo que o “Philosoph des Gefährlichen” (Filósofo

do Perigo) (Jenseits) oferece é o mesmo que faz Schnitzler, o artista do perigo, que é ver

como é que qualquer coisa se pode desenvolver fora daquilo que sempre foi visto como

seu oposto (Jenseits). Em A Cacatua Verde, Henri sabe a verdade através da ficção, Grasset

aprende a odiar os aristocratas enquanto representa, Prospère diz a verdade ao dirigir a

sua companhia.

Em Vom Nutzen und Nachteil der Historie für das Leben (“Sobre a vantagem e desvantagem

História para a Vida”) (1983/4), a crítica de Nietzsche à noção tradicional de História como

a narrativa objectiva do passado é análogo à visão de Schnitzler em A Cacatua Verde. Pre-

vine-nos contra “a monumental arte da História”, um “conjunto de efeitos por si só” que “se

celebra em festas populares e em comemorações religiosas ou militares” (Nutzen). Como

a “a natureza antiquária da História”, a história monumental é História com letra grande.

Por oposição à história crítica, a História mata a vida porque apresenta o passado como

qualquer coisa sagrada, uma referência claramente inequívoca em relação á qual todo e

qualquer progresso posterior deveria ser avaliado. Schnitzler ataca um conceito parecido

de História, a monumentalização da verdade, que pode apenas ficar-se pela interpretação e

pela perspectiva. Não existe nada por si só, como nota Schnitzler: “as verdades são sempre

duvidosas…. Quando duas pessoas chamam verde à árvore e vermelha à beterraba, trata-se

do entendimento de uma verdade, não da cor em si própria. Nietzsche afirma que apesar da

“invenção de Platão do Espírito Puro e do Bem por si próprio”, é actualmente claro que “a

perspectividade” é “a condição fundamental de toda a vida”.

Portanto, tanto Nietzsche como Schnitzler criticam o mito da objectividade: “E será que

mesmo à mais elevada interpretação da palavra objectividade não está subjacente uma ilu-

são? A palavra pressupõe, no historiador, uma situação em que ele aborda um acontecimento

em todas as suas causas e consequências de modo tão isento que não tem sobre ele nenhuma

influência… contudo, é uma superstição pensar que a imagem reproduz a essência empírica

das coisas… Isso seria uma Mitologia. (Nutzen)

Em A Cacatua Verde, onde Sein e Schein se confundem, o 14 de Julho de 1789 pode apenas

ser um dia, um espectáculo ou nada de muito importante. Aqui, o conceito de Freiheit en-

cobre violência, ganância, ou, no caso de Séverine, sexo. Nas palavras de Nietzsche: “Como

aconteceu com a Revolução Francesa, com toda a clarividência dos tempos mais recentes,

surgiram aquelas farsas horríveis e escusadas, em cuja interpretação os espectadores selec-

tos e entusiásticos de toda a Europa têm longa e apaixonadamente colocado as suas indigna-

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ções e os seus arrebatamentos ao ponto de o texto desaparecer por baixo da interpretação.”

(Jenseits)

O facto de o texto desaparecer “por baixo da interpretação” também pode querer dizer que

não pode existir sem ela. De facto, torna-se numa farsa horrível. Em A Cacatua Verde, as

personagens interpretam o que está a acontecer no mundo de Prospère e fora dele de dife-

rentes maneiras, segundo as suas necessidades e desejos. É bastante natural para eles “uti-

lizarem a realidade”, como diria Hayden White, de maneira a dar-lhe algum sentido. Criam

a sua ficção a partir da ficção, tanto como o teatro. “É uma forma humana de compreensão

primária e irredutível” (Mink 132). Excepto Rollin, o poeta, nenhuma das outras personagens

tem consciência do que está a fazer. Confundem interpretação com verdade, procuram a

exacta diferença ente Spiel e Wirklichkeit. Tanto para Nietzsche como para Schnitzler, a úni-

ca objectividade é mostrar que Sein e Schein se confundem, e a história não pode ser mais

que “uma verdade artística” (Nutzen).

“Pensar a História deste modo, objectivamente, é a tarefa silenciosa do dramaturgo; pensar

tudo em conjunto, entretecer a parte no todo, sempre no pressuposto de que, caso não exista,

deve criar-se um plano de unidade dentro das coisas. É assim que o homem tece o passado

e o domina. É assim que se manifesta o seu impulso artístico”.

Em conclusão: A Cacatua Verde não oferece apenas uma interpretação crítica da Revolução

Francesa influenciada pela situação política austríaca do fim do século. Apresentando as

sombras e os ecos de um acontecimento histórico, a mistura de Ein e Schein numa peça

dentro de uma peça antecipa também o debate sobre a relação inevitável entre História

e ficção, convidando o leitor a ver as coisas nesta perspectiva, na “Perspektivische” (pers-

pectividade) que Nietzsche via como a condição necessária de vida. Dentro da inevitável

condição da linguagem, a peça de Schnitzler pode ainda conseguir levar os seus leitores a

uma experiência de liberdade, cortando certezas pela base, desmascarando pressupostos

políticos e ideológico e interpretações que se apresentam como absolutas.

Marianna Squarcina

(New German Review, 1989/90)

Trad. LLBarreto, com a colaboração de Maria Augusta Alves

A Cacatua Verde: peça histórica?

Parece difícil, com tão poucos meios, respeitar melhor do que isso a verdade, e recriar a vida

mais habilmente. No entanto, entendemos que seria um erro encarar A Cacatua Verde como

um drama histórico. A crise política ligada ao surgimento da revolução não está no centro da

acção. Mais do que os acontecimentos em si, o trágico advém da fluidez do real, e da inca-

pacidade em que os homens mergulham de distinguir a ficção da realidade. A personagem

do actor Henri, como dissemos, ilustra e simboliza esta confusão. Mas gostaríamos de saber

por que razão Schnitzler terá querido situar no início da Revolução de 1789 a evocação

deste tema, que lhe era particularmente querido. Talvez ele tenha sido sensível ao acordo

profundo que pressentia entre a sua própria filosofia da dúvida e uma época repleta das

piores contradições, em que a luta contra os abusos e a procura apaixonada do bem tinham

feito multiplicar-se crimes e destruições. Para este burguês vienense do final do séc. XIX, o

que é que tinha saído da Revolução? Os massacres do ano terrível, as longas misérias das

guerras napoleónicas, após 1815 o regime reaccionário e policial do Vormärz, eram razões

capazes de fazer esquecer uma embriaguez passageira de liberdade. Ou então terá sido o

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dramaturgo que quis realçar a inconsistência das paixões e dos pensamentos, a traição das

palavras, confrontando-as com a realidade brutal de uma rixa e de um assassinato? O caso

é que os caprichos da inspiração lhe permitiram atingir um perfeito sucesso no difícil género

que consiste em fazer reviver uma sequência de acontecimentos que são do conhecimento

geral, sem no entanto se cingir a uma ressurreição fiel do passado. Esse desejo excluía as

pesquisas eruditas, e não há dúvida que o pintor de A Cacatua Verde se limitou a utilizar

conhecimentos habituais em qualquer leitor com uma cultura média. Mas ele observou a

imagem que os temperamentos originais mostravam dessas banalidades. Antes dele, Büch-

ner tinha sido seduzido por uma experiência do mesmo tipo, e não parece impossível ligar

A Cacatua Verde e A Morte de Danton como as duas partes de um mesmo díptico. As duas

obras servem-se de facto da história para fazer uma meditação sobre o sentido da vida. /…/

A Cacatua Verde: verdade ou mentira?

Este pequeno acto é sem dúvida um dos melhores achados teatrais de Schnitzler. Cheio

de acção e de reviravoltas, debruça-se bastante sobre temas queridos do autor: a falta de

lógica da paixão, a impossibilidade de separar com rigor o real do irreal, a imoralidade tí-

pica e o gosto pela perversão que são características de certas categorias decadentes de

seres humanos, ao que parece nas épocas mais policiadas. Mas a intriga também mostra,

com uma nitidez quase simbólica, a que ponto o papel, para o actor, se pode confundir com

a realidade. Um dos actores de Prospère, cingido a papéis de ladrão por arranque, acaba

por roubar verdadeiramente e ser preso. Os comportamentos das raparigas que optaram

por representar mulheres da rua tornam-se extremamente licenciosos. Henri, sobretudo, co-

mete realmente o assassinato que tinha começado por imaginar; a sua actuação emana-

va uma tal intensidade de convicção que continha de certo modo uma verdade potencial,

capaz, graças a um simples acaso – a credulidade e falta de destreza de Prospèro – de se

transformar pura e simplesmente. O actor torna-se o instrumento do papel, e a força dessa

fatalidade que pesa então sobre ele exclui no interior da sua alma qualquer debate entre

sinceridade e hipocrisia.

Françoise Derré, L’Oeuvre d’Arthur Schnitzler, imagerie viennoise et problèmes humains, Germanica 9, Didier, 1966

(Trad. Manuel Cintra)

O Magister Ludi em A Cacatua Verde como em O Grande Teatro Do Mundo

No Grande Teatro do Mundo, de Calderón de la Barca, o Criador/ Deus pretende que se re-

presente uma peça de teatro, e manda ao Mundo tratar disso. Distribui os papéis e depois

observa e julga-os. Em resumo, é um Magister Ludi. O impacto da tradição barroca, e es-

pecialmente do paradigma de Calderón, pode ser encontrado em muitas peças austríacas,

obras que revelam não só uma predilecção pela mistura do emocional com o farsesco, mas

também um forte sentido da teatralidade da vida, que leva muitas vezes ao esbater das

fronteiras entre teatro e a realidade.

/…/

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45Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

O esteticismo e o sensualismo do modernismo vienense têm uma forte afinidade com a cul-

tura emotiva do Rococó. De facto, muitos dos artistas vienenses do virar do século tinham

uma particular predilecção pelo tema do jogo. Para além da tragédia e dos mitos gregos e

do classicismo alemão, o teatro do Século de Ouro espanhol – em particular, o de Calderón

- teve uma importância paradigmática para os dramaturgos modernistas. /…/

Não é coincidência a acção da teatro passar-se em Paris, na noite de 13 de Julho de 1789: a

data da tomada da Bastilha. Os aristocratas ameaçados assistem ao espectáculo de teatro

improvisado que se realiza na taberna A Cacatua Verde e que lhes permite gozarem como

espectáculo o que está a acontecer realmente lá fora, nas ruas de Paris. A Cacatua Verde é

uma espécie de teatro, que tem Prospère como director. A peça inicia-se antes da “repre-

sentação” começar. Grasset, um antigo membro da companhia, que está a visitar os antigos

companheiros, explica a um amigo o que está a acontecer:

“Os meus antigos colegas vêm para aqui frequentar esta taberna, fingindo que são crimino-

sos. Estás a perceber? Contam histórias de arrepiar os cabelos, histórias que nunca acon-

teceram; falam de crimes que nunca cometeram… E o público que aqui vem sente o frisson

agradável de privar supostamente com os mais perigosos facínoras de Paris…”

O público é composto pela gente mais elegante de Paris. Os actores, neste teatro improvi-

sado, representam basicamente o que está a acontecer no exterior, a Revolução, que está

naquele momento a começar. À primeira vista, espectáculo e realidade estão nitidamente

separados: o teatro decorre no interior, a realidade está fora da taverna. No entanto, quando

Grasset, que se tinha juntado aos revolucionários, pergunta por brincadeira a Prospère se

ele o aceita de volta, caso falhasse a sua carreira como político, Prospère responde com um

enfático: “Por nada deste mundo!”. Temia que Grasset atacasse a sério algum convidado.

Apesar de estar preocupado com o facto de Grasset poder tornar o teatro em qualquer coi-

sa mais séria, mostra que os seus insultos são verdadeiros:

“Delicia-me dizer na cara desses tipos tudo aquilo que penso deles, delicia-me insultá-los –

enquanto eles pensam tratar-se tudo de brincadeira. É a minha maneira de me libertar da

raiva. (tira e exibe um punhal)”. Quando Grasset troça dele e sugere que o punhal não está

afiado, Prospère responde: “Aí é que te enganas, meu caro amigo. Há-de chegar o dia em

que tudo isto deixará de ser a brincar, para ser mesmo a sério; e para esse dia estou bem

preparado.” Mas nós ainda não sabemos se de facto o punhal é a sério ou apenas um adere-

ço. Grasset, contudo, que aparece como tendo trocado o palco pelo mundo real da política

revolucionária, sente-se atraído para esta nova vocação, porque lhe oferece um público mais

vasto e um palco mais amplo. Gaba-se de, num comício recente, o seu discurso ter sido mais

aplaudido que o de Camille Desmoulins:

“Pus-me em cima da mesa… eu próprio parecia um monumento… sim, não tenhas dúvida!... e

aquela gente reuniu-se à minha volta aos milhares – eram cinco mil ou dez mil! – como antes

se reuniam à volta de Camille Desmoulins… e aplaudiram-me loucamente.”

Esta distinção entre teatro e realidade, que aparece tão clara à primeira vista, depressa se

complica. Algumas personagens acham-na confusa; por exemplo, Albin, o ingénuo nobre

de província. Outros, como Rollin, acham isso maravilhoso. Rollin sente-se fascinado pelo

facto de pairar uma componente de realidade ao longo de toda a peça. Chama a isso “en-

cantador” (“Das Entzückende”). A realidade revelada através do teatro (arte, ficção) pode

ser apreciada esteticamente (como qualquer coisa agradável ou bela). Por outras palavras,

o poeta Rollin transforma a ameaçadora realidade política em ficção (teatro). A erosão da

separação entre as esferas do real e da ficção está claramente mostrada na apresentação

da cena. Há um público real a ver uma peça chamada A Cacatua Verde. O palco apresenta

o interior de uma taverna com esse nome. Na taverna, no palco, vemos um público fictício e

uma peça improvisada, representada no palco, a que assiste esse público fictício. Estamos

perante um teatro dentro do teatro. No entanto, a separação entre o público fictício e o que

eles vêem no palco não é clara. Os “actores” deslocam-se livremente pelo meio do público

e o público (fictício) intervém na peça improvisada. Além disso, um pequeno teatro podia

transformar-se numa taverna como “A Cacatua Verde”, onde o público autêntico partilha

com o público fictício a mesma sala e até as mesmas mesas. Ao longo da acção, a revolução

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fica ainda mais próxima. Aquilo que a princípio é ouvido como um ruído no exterior (Lärm

draussen), no fim invade a taverna: “Barulho lá fora, cada vez mais alto. Entra gente, ouvem-

-se gritos. À frente dos que entram vem Grasset, com outros, entre os quais Lebrêt. Ouve-se

gritar “liberdade!, liberdade!”

É tentador concluir-se a partir daqui que finalmente a realidade triunfa e o jogo terminou.

No entanto, pode-se tirar uma conclusão oposta, sobretudo porque, ao invadir a cena, a tão

chamada realidade da Revolução Francesa se tornou numa espécie de teatro: portanto é

tudo uma peça de teatro. Mas isto não é o fim: a realidade ambivalente entre as duas esfe-

ras leva a novas conclusões. A invasão pela populaça traz um ar de realidade ao teatro e os

clientes da taverna acreditam finalmente que o actor Henri está a dizer a verdade quando

diz que matou a mulher, porque descobrira que ela o tinha atraiçoado com o Duque de Car-

dignan. O problema é que todos, excepto Henri, já sabiam há algum tempo que Léocadie

enganava o marido e estão por isso inclinados a acreditar nele. É um momento em que nem

o público fictício nem o real já não conseguem mais distinguir a ficção da realidade. É só

então, quando toma consciência da reacção dos companheiros, que Henri descobre que a

mulher lhe tinha sido de facto infiel e que, por vontade do acaso, o Duque entra na taverna

e Henri o apunhala. Poderia ser isto o fim da peça? Não há nada mais real do que a morte –

mas não é bem assim. O comissário de polícia, cuja tarefa é decidir se o que se está a passar

na taverna é realidade ou divertimento, está totalmente confundido e aparentemente pensa

que o assassinato do Duque não é real mas faz parte da peça. Quando afirma “Das geht zu

weit!”( “Ai, não, isto assim já é demais!”), zanga-se por se representar em cena o assassinato

de um nobre. E a Marquesa Séverine de Lansac, quando se apercebe de que o assassinato

foi a sério procura transformar isso num divertimento diferente: “Es trifft sich wundwrbar.

Man sieht nicht alle Tage einen wirklichen Herzog wirklich ermorden” (Achei o máximo. Não é

todos os dias que se vê um Duque verdadeiro a ser assassinado). Enquanto ela transforma a

realidade sangrenta em arte sangrenta (como num filme que pretende captar a verdade do

real), os revolucionários aclamam Henri como um herói por ter matado o Duque – sem per-

ceberem que o motivo tinha sido totalmente apolítico. A Marquesa, que é amante do poeta,

sente-se excitada pelos acontecimentos recentes e anseia por uma noite com ele. O teatro

torna-se realidade, a realidade transforma-se numa nova espécie de teatro, este torna-se

realidade, e assim ad infinitum.

Apesar de teatro e realidade se estarem constantemente a sobrepor, é impossível perceber-

-se precisamente onde ocorrem as transições. Se há uma esfera mais elevada, onde a distin-

ção é obsoleta, é a esfera divina, do Autor de El Gran Teatro del Mundo. Se os humanos são

meio deuses e meio animais, é compreensível que eles se esforcem em direcção ao divino.

O cientista tenta aproximar-se do conhecimento divino ao estudar as leis da natureza, o Ma-

gister Ludi procura o poder divino de jogar com as pessoas. Em Paracelsus, escrita em 1898,

no mesmo ano da Cacatua Verde, Schnitzler resume isto desta maneira:

“Um joga com exércitos de mercenários selvagens,

Outro com pessoas extravagantemente supersticiosas,

Outro com sóis e estrelas, Eu jogo com almas humanas.

O seu significado

É apenas descoberto por quem o procura.

Sonho e realidade, verdade e mentira emergem,

A certeza não está em nenhum lado para ser encontrada.

Não sabemos nada dos outros e nada de nós próprios:

Estamos sempre a jogar e é sábio quem o sabe”.

Herbert Herzmannn

Play and Reality in Austrian Drama: The Figure of the Magister Ludi, in The Play within the Play, The Performance of Me-

ta-Theatre and Self-Reflexion, edited by Gerhard Fischer and Bernhrd Greiner, Rodopi, Amsterdam-New York, 2007.

Trad. LLBarreto

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47Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

Fichas das personagens (material de tra-balho para os ensaios do espectáculo)

EMILE, DUQUE DE CADIGNAN

Na peça, é o mais brilhante representante do Ancien Régi-

me. A sua inteligência e à-vontade colocam-no largamente

acima dos que o rodeiam.

Multiplica as suas intrigas amorosas, o que o levará à morte.

Sonha com uma juventude eterna, sonha com uma vida de

ficção teatral onde tivesse que representar todos os pa-

péis, até mesmo, talvez, a sua própria morte.

É um esteta pessimista nato. Sabe bem onde está a reali-

dade mas ri-se dela, só acreditando na morte. E sabe que

o seu mundo caminha para a perdição. É uma personagem

que erotiza todas as situações, mesmo as mais criticas ou

as mais perigosas. Dir-se-ia que faz a corte à morte. Embo-

ra “favorito do Rei” poderia ligar-se intelectualmente com

o «divino Marquês de Sade».

(No princípio de Julho de 1789, precisamente dez dias an-

tes da tomada da Bastilha, o marquês de Sade é retirado

da sua cela da Bastilha para ser ser definitivamente trans-

ferido para o asilo do loucos de Charenton).

Émile de Cadignan incarna o espírito de decadência que

afecta como um veneno a fina flor da aristocracia francesa

(e a vienense, no tempo de Schnitzler). Sabe-se que gosta

particularmente da arte do teatro. Frequenta toda a es-

pécie de teatros, do mais clássico, o Théâtre Français, aos

mais populares, como o Théâtre de la Porte Sain Martin,

onde se representam melodramas, adornados com cenas

onde aparecem algumas actrizes semi nuas.

Sabe-se que frequentara também o teatro em Saint Denis,

onde Prospère dirigia uma companhia; foi aliás aí que conheceu Henri e Léocadie.

Pode-se, pois, imaginar que depois do encerramento desse teatro, inventou com Prospère e

(por que não?) subsidiou aquele tipo muito especial de teatro clandestino que é A Cacatua Verde.

Ter-se-iam entendido os dois, cada um a partir do seu lugar na escala social do Ancien Ré-

gime, para que Prospère fosse o encenador do confronto de fantasmas, de medos e desejos

daqueles ricos que dominam e dos sans-culottes que sonham dar cabo dos nobres. É um

teatro onde se brinca com o fogo através das palavras. É um “reality show” onde é suposto

a ficção vir sempre à frente da realidade.

Era esse o génio dos dois oponentes lúcidos e no entanto cúmplices que são Émile e Pros-

père… Até ao momento em que o vento da História vem precipitar o desenlace da pequena

história. E há sempre alguns oportunistas para darem a volta ao que relatam e transforma-

rem um acontecimento passional num acto revolucionário.

Não seria o desejo profundo e inconsciente de Émile cair, justamente como que em cena,

aos golpes do punhal dum rival amoroso, amado e respeitado, em vez dos golpes daquela

barbárie anónima que já começou lá fora a cortar cabeças? Maneira artística, irónica, de

contornar o destino inelutável dos representantes da sua classe. Última facécia de um ser

desesperado e lúcido sobre a sorte que o vento da História deveria reservar para ele.

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48Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

FRANÇOIS, VISCONDE DE NOGENT

É o espectador ideal. De facto, a sua ingenuidade per-

mite aos actores da companhia de Prospère multiplicar e

exagerar as situações humilhantes e provocadoras. Para

François, ali, tudo é teatro. Engole todas as patranhas.

É alguém que aproveita a ordem estabelecida. Não tem

qualquer ilusão sobre as injustiças sociais, sobre a miséria

real do povo. Mas está-se nas tintas. Nada disso é grave.

É tão grande a sua superficialidade que se diverte a ver

como o seu amigo Albin leva a sério aquele jogo, ao ponto

de se sentir humilhado pelas suas provocações homosse-

xuais. Exibe Albin como um troféu de caça. No entanto, a

sua pretensa lucidez tem limites: acredita que os actores

sans-culottes da Cacatua são as pessoas mais honestas do

mundo. Pensa que a cólera do povo não terá uma grave

consequência. É evidente a sua cegueira, quando, a propó-

sito de Grain, um criminoso a sério, faz esta observação di-

vertida: «- Aquele é fraquinho, não passa de um amador!»

Participa divertido em tudo que para ele é brincadeira e

espectáculo.

Adora mostrar-se um iniciado nos princípios da casa pe-

rante o seu amigo da província. De facto é muito ingénuo,

quase mais do que Albin, o seu tímido companheiro.

Gosta particularmente quando Prospère o provoca. Na Ca-

catua sente-se à vontade. No entanto, chega um momento

em que confessa a sua incapacidade para perceber o que

se passa, ali e lá fora, nas ruas: «- O Povo enlouqueceu!».

São as suas últimas palavras.

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49Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

ALBIN, CAVALEIRO DE LA TRÉMOUILLE

É um ingénuo, dotado de todo o bom senso provinciano.

Prisioneiro dos preconceitos mais conformistas. Sente-se

muitas vezes incomodado, chocado.

No entanto a ingenuidade leva-o a querer bater-se pelos

seus, com uma certa coragem.

Para ele, aquela noite na Cacatua Verde é uma espécie de

desfloração intelectual. Às vezes parece perceber mais de-

pressa que François. Aqui, descobre um mundo diferente,

é para ele talvez uma abertura para um mundo mais ver-

dadeiro…

A dada altura está contente por estar ali: quando chega o

Duque de Cadignan. Sente-se de facto seduzido, maravi-

lhado, pela aura de Émile.

Mas fica pasmado com Sévérine. Quem é de facto ela?

Será que os aristocratas parisienses terão todos aquela

falta de virtude?

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50Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

O MARQUÊS DE LANSAC E SÉVERINE, SUA ESPOSA

O casal Lansac poderia representar o par real. Com efeito, conta-se que Maria Antonieta

vinha por vezes clandestinamente a Paris misturar-se com a canalha em festas licenciosas,

mascarada ou travestida.

É a primeira vez que põe os pés na Cacatua Verde.

A sua futilidade e inconsciência podem parecer insolentes. É uma mulher ingénua, irrespon-

sável e perigosa. Metida entre um marido velho com quem só casou por causa do título, e um

poeta pouco inspirado, não tem oportunidade para dar azo á sua liberdade. Provavelmente

nunca tinha tido oportunidade de dizer tão frontalmente o que aqui exprime. A excitação

erótica também a vai arrastar e, à falta de melhor, vai propor, talvez pela primeira vez, ao

seu poeta apaixonado, um “jogo de pernas para o ar”.

O marido condescendente, talvez um voyeur, é sobretudo patético no seu embaraço. Do

género de dizer para si próprio: “- Eu nunca devia ter…”

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51Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

ROLLIN

É um poeta que frequenta a sociedade nobre (Representa

para Schnitzler os jovens literatos vienenses que ele consi-

dera superficiais e irresponsáveis)

Arrasta-se no rasto daquele casal aristocrata aproveitan-

do-se da sua magnanimidade. E, nessa noite, participa na

“excursão” que eles fizeram à ralé.

Toma-se por um intelectual, passando por ser um poeta

bastante digno de aparecer nos salões da nobreza. No en-

tanto, o seu estilo é muito enfático.

Para ele, a Revolução não passa de um pretexto para es-

crever umas rimas. Vê a marcha popular contra a Bastilha

como “uma onda gigante que rebenta contra a margem, /

Funda e ameaçadora, a ponto de a própria Terra, / Filha da

Água, se lhe opor…”Aquelas imagens épicas traem a gran-

de confusão de pensamento daquele sonhador desarma-

do com a realidade. Gostaria de poder aproveitar-se de

tudo, pronto para dar o grande salto. O que nem sempre

é confortável. Gostaria de conciliar o inconciliável. Estar

na moda, estar sempre a par, é o que ele sempre procura.

Mas, naqueles dias, que quererá dizer “estar a par”? Como

fazer? Como não perder plumas no caos que se anuncia?

“- Ainda não consigo acreditar!” São as suas últimas pala-

vras. Nunca tinha ido para a cama com Sèvérine. Aliás, ela

acha-o muito maçador. E é graças aos estímulos triviais

dos actores de Prospère que ela, subitamente, como uma

fêmea com cio, vai propor fazer amor com Rollim…A ele

que se sente obrigado a perguntar-lhe todos os cinco mi-

nutos se ela o ama. No fundo, é um empregado, uma espé-

cie de guarda real ou director de consciência, que, inespe-

radamente irá ver-se, contra toda a expectativa, investido

do papel de amante. E excita-o vê-la à beira da perdição!

Estará ele à altura?

Quer perdoar todas as antigas infidelidades de Léocadie. Quer começar a partir do zero,

em novas bases. Apagar o passado, reencontrar uma certa virgindade na fidelidade. Ultra-

passar o ciúme e a mesquinhez.

Antes de se ir embora com ela, quer dar ao seu publico de aristocratas “… uma prova do fim

do seu mundo”,

O tema do monólogo quase auto ficcional que vai interpretar, será precisamente o do ciú-

me… Este sentimento impregna o género melodramático.

Ao contar aquela história, dir-se-ia que esconjura, de uma vez por todas, as suas antigas

desconfianças.

Só que, lá está, vai ser tão genial no seu relato que o próprio Prospère vai acreditar nele.E é

assim que de uma peripécia de ficção surge uma verdade insustentável para Henri.

A sua arte tão subtil terá por consequência a revelação de uma semi-verdade que levará a

um crime. A ficção era lírica. Mas a realidade será cruel, impiedosa: vai precipitar Henri na

acção verídica de uma execução perpetrada sob o efeito de uma pulsão de morte.

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52Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

LÉOCADIE

Outrora, para sobreviver, prostituiu-se. Através de um cliente teve a sorte de se tornar figu-

rante e, depois, conseguir alguns papéis pequenos em diversas companhias.

Depois de ter feito parte da companhia de Prospère, foi contratada pelo Théâtre Saint Mar-

tin. Representa aí o papel de uma heroína que, com os seus encantos, consegue entrar na

alta sociedade pela porta das traseiras. O ponto alto do espectáculo é uma cena em que ela

aparece nua, vestida de sereia.

Henri e ela amam-se há vários anos. É uma vida complicada, anda sempre perseguida e ro-

deada por antigos clientes ou por novos admiradores.

Henri acaba de se casar com ela e de lhe propor que deixem a cidade. Mudar de vida, tentar

partilhar um amor tranquilo, sem nuvens negras, foi o que ela aceitou, questionando-se ao

mesmo tempo secretamente sobre a real possibilidade de aceder a uma felicidade daquelas.

Nunca ninguém, nem mesmo o Duque de Cadignan, lhe deu uma tal prova de amor. Mas tal-

vez esse projecto seja bom demais para ser verdade… Apesar de tudo, decidiu seguir Henri,

mesmo não tendo a certeza de estar à altura…

Henri e Léocadie incarnam o par trágico dos melodramas do século XIX, sacudidos entre a

vida pública e a vida privada, entre o princípio da fidelidade e as múltiplas tentações.

O seu verdadeiro drama incarna-se aqui, no cabaré da Cacatua Verde, ainda com mais in-

tensidade que num dos palcos de um dos teatros do Boulevard do crime. A beleza da arte

e a crueldade da vida vai aniquilá-los, como seres demasiado puros, demasiado idealistas.

Henri, poderia matar-se?

Léocadie, poderia enlouquecer?

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53Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

GRAIN

É um verdadeiro criminoso que gravita à volta de Prospère.

Para um criminoso, A Cacatua Verde é o melhor esconde-

rijo possível.

A sua simpatia pelo movimento revolucionário resulta da

revolta de um excluído e de um fora da lei contra a socie-

dade. É uma personagem que não mente nem representa.

O seu discurso é fiável. O seu olhar não é deformado, é

novo. O seu ponto de vista poderia ser como o de um es-

pectador que assiste à peça. A sua curiosidade dá-lhe uma

maneira de ser e de se comportar que não se parece com

nenhum outro.

Olha, toca, fareja as pessoas como se se sentisse feito de

outra matéria, como se fosse invisível. Dir-se-ia alguém

que se passeia num jardim zoológico.

O seu segredo, a sua história é tão atroz e miserável que

tem ali o ar falso e construído de todas as peças. É que ele

representa os entregues a si próprios, os abandonados e

os párias, condenados antecipadamente por toda a socie-

dade.

Tudo o que diz ou revela é verdade, mesmo se é incom-

pleto.

Prospère acredita nele.

Prospère conta servir-se dele para espantar a plateia pela

violência inédita de uma história autêntica saída da sarje-

ta da humanidade.

Grain fica ali, arrumado como refugo, alheio a qualquer

lógica de vingança, mais livre e sozinho que nunca…

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54Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

O COMISSÁRIO

É quase uma personagem de comédia. Representante da

ordem do Ancien Régime, nessa noite vai perdendo pro-

gressivamente toda a sua autoridade, a sua razão de ser,

e, finalmente, a sua legitimidade. Ainda mais, porque para

parecer mais espião, Prospère lhe recomendou tirar a far-

da para passar despercebido entre os espectadores.

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55Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

PROSPÈRE

A sua paixão é, desde sempre, o teatro, o jogo, a arte do

simulacro. É o rei do jogo duplo. As suas propostas são de

uma grande audácia. Pagam-lhe bem para assistir e até

representar nas suas encenações que têm sempre por

tema a complacência turva de que uns e outros se servem

para se meterem medo, para se seduzirem, para se com-

prometerem e, sobretudo, se misturarem: os nobres e os

sans-culottes. Quem lhe paga o fornecimento de bebidas e

os actores? Os representantes da nobreza que vêm mistu-

rar-se com a canalha no seu estabelecimento. Mas talvez

também o Duque de Cadignan que é o seu verdadeiro ins-

pirador. Se oo seu cabaret continuar a correr bem, estará

cada vez mais orgulhoso do seu papel de demiurgo. Mas

ele já sabe que aquele exercício terá apenas um tempo.

Pressente os acontecimentos. Está pronto para, um dia, ter

que mudar de repertório.

Hoje caiu por acaso num artigo de Camille Desmoulins que

faz eco da violência que ele sente. Prospère não é um ver-

dadeiro político. É mais um angariador de provocações.

Para ele, desde que abriu aquele cabaré clandestino, a

Revolução é um motivo do espectáculo que fornece. Ma-

nifesta ao mesmo tempo uma hipocrisia sonsa para com

a sua clientela aristocrática e um espírito de vingança, de

tal modo que estaria pronto para apostar numa ditadura

do Povo.

Mas haverá sempre teatros? Teatros tão estimulantes como

aquele que ele inventou em cumplicidade com o Duque de

Cadignan? Que oferecer como espectáculo àqueles cida-

dãos inflamados de Liberdade? Quando chegar, a Liber-

dade, que fazer? Que teatro irá exigir essa nova religião

chamada Liberdade? (Na realidade, a nova mística irá

produzir grandes espectáculos pomposos e intermináveis,

como a “celebração do Ser Supremo”, nada no género de

Prospère! Eram manifestações que pretendiam edificar o

povo, prometendo todas a espécie de formulas e de géneros, para que ele se esqueça, como

sempre, de pensar com a sua própria cabeça).

Prospère gosta é das intrigas, dos dispositivos que valorizam o que está por dentro dos se-

gredos, mesmo os mais inconfessáveis, da natureza humana. Ora, no que a isso diz respeito,

foi pelo teatro que conseguiu obter resultados espantosos.

Prospère é inquietante como um estratega que orienta, sem se desmascarar, que se interro-

ga sobre o futuro, e que está rodeado de pessoas cegas ou cheias de sede. Émile de Cadig-

nan, a personagem que está ao seu nível, parece fascinado pela catástrofe, ou perdidamen-

te atraído pela morte; mesmo adivinhando os encadeamentos funestos que a realidade dos

tempos novos vai suscitar; o pragmático Prospère tentará desembaraçar-se deles.

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56Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

GRASSET

Gostava que o tomassem por um intelectual, “sem mais”.

Diz-se filósofo. Na realidade é um lúbrico narcisista e pre-

guiçoso. Uns dias antes, era ainda um dos pretensos ora-

dores da companhia de Prospère. Mas acaba de encontrar

uma tribuna muitíssimo mais prestigiosa: o Palais Royal.

Hoje arengou para a multidão, tendo tomado a palavra de-

pois de Camille Desmoulins. Para ele, a ilusão teatral é total:

da Cacatua Verde ao Palais Royal, é sempre o mesmo es-

pectáculo. Este histrião palrador não tem nada de militante

político. Seduzir a multidão pelo seu sopro encantatório é

o que mais o excita. A sua voz e a disposição das palavras

é o que dá mais ponta. Depois das discursatas, tem a voz

estragada, mas tem que engatar imperiosamente uma ra-

pariga e ir com ela. É um oportunista miserável e patético

que está sempre a vangloriar-se. Que com isso engana as

pessoas e a si mesmo. Gosta de inventar fórmulas feitas

e slogans. Tem a faculdade de transformar um qualquer

sinal, facto ou gesto, numa acção revolucionária (no último

quadro, Grasset transforma imediatamente um crime pas-

sional num acto revolucionário, gritando: “Quem mata um

Duque é amigo do povo! Viva a Liberdade!”) Enquanto o

povo se insurge de armas na mão, ele satisfaz os seus ins-

tintos sexuais com não importa quem, não importa onde,

desde que se sinta embriagado. Sente-se que Prospère,

que sabe reconhecer os verdadeiros talentos, o despreza.

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57Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

HENRI

É o melhor e o mais bonito actor da companhia. O público

gosta dele. Prospère tem orgulho nele. O Duque admira-

-o, os colegas têm ciúmes. Léocadie ama-o. Infelizmen-

te, aquele génio das tábuas é de facto verdadeiramente

idealista no amor. E não apenas no amor. É ultrapassado

pela realidade e é ele que, sem querer, se torna num as-

sassino revolucionário. Incarna a filosofia de Jean Jacques

Rousseau. Idealista. Sentimental, puro, só sonha com uma

coisa, deixar a cidade e passar a vida feliz, longe de qual-

quer conflito, no campo, com a sua amada Léocadie. Este

sonho bucólico prefigura um instinto mais caseiro e pe-

queno-burguês. Flores, filhos, animais, a lareira. Volta, pois,

ataviado não importa como, com o que lhe veio primeiro

parar às mãos, e de maneira bastante ridícula. A princípio,

observa tudo, até chega a intervir; mas a maneira como

está vestido torna-o ridículo e inoperante. Depois do relato

de Henri, não lhe serve de muito gritar: -“Isto já passa dos

limites, isto é inaceitável!”, e depois exigir com voz avinha-

da que ninguém saia: ”Este homem vai preso, em nome da

lei!”. A sua autoridade caduca será ridicularizada e achin-

calhada. Só lhe resta afogar-se no álcool. E sozinho como

uma barrica, acabará por adormecer.

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58Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

LEBRÊT

Representa a classe média, cobarde e desarmada. É alfaia-

te. É rico, a sua clientela é nobre. Acaba de ter dado uma

volta pelo Palais Royal. Acaba de assistir à arenga de Gras-

set e acaba de perceber que qualquer coisa grave poderá

passar-se. E se as coisas correrem mal, terá que mudar de

clientela…Grasset assinalou-o na multidão… Tomaram co-

nhecimento e Grasset, que não tem um tostão no bolso,

deu-lhe volta à cabeça vendendo-lhe a sua propaganda.

Mostrou-lhe panfletos. Impregnou-o de palavreado para,

em troca, ele lhe pagar uma rodada. Lebrêt está aterrori-

zado. Tem tanto medo do futuro que parece pronto, como

bom alfaiate que é, a virar de imediato a casaca… De qual-

quer modo, aqui, agora, só é bom para esvaziar os bolsos

e contar as notas.

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59Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

A companhia de Prospère:

BALTHAZAR E GUILLAUME

Por ordem de entrada em cena, é Balthazar (e não Guillaume) o

primeiro. Guillaume faz parte dos que vêm anunciar o que se pas-

se lá fora. Aproveita para se lançar numa narrativa onde transfor-

ma alegremente a sua provável tentativa de assalto num acto de

piromania revolucionária. Chega à Cacatua sem fôlego, preten-

dendo ter escapado por um triz aos seus justiceiros. Prospère não

o acha particularmente bom naquela noite. Guillaume interrompe

o seu número à entrada de Lansac, Séverine e Rollin.

Balthazar chega mais tarde. Faz-se passar por marido protec-

tor de Georgette. Quer convencer que está cansado por ser ver

obrigado a trucidar os clientes da devassa da mulher. No entanto,

este casal passa por ser o mais fiel do mundo. Então em quem

acreditar? É um casal perito em interpretar e agigantar o tema

do ciúme, em versão de comédia. O seu dueto é uma espécie de

contra-ponto paródico à história de Henri e Léocadie.

SCAEVOLA E JULES

Entra em cena na companhia do seu parceiro

Jules. São os primeiros a anunciar a insurrei-

ção que cresce nas ruas e da marcha para a

Bastilha. Normalmente o número de Scaevo-

la consiste em relatar rapinanços miseráveis.

Prospère considera-o um actor muito mau

que tem a péssima tendência para berrar

para dar intensidade às suas improvisações.

Evidentemente, tem ciúmes de Henri, o pre-

ferido de Prospère. Gostava de ter as graças

de Georgette, mas ela não lhe liga meia. En-

tão, faz-se passar por chulo de Flipotte. Ele

e Jules são os primeiros a reconhecer a vo-

zearia que vem da rua… o barulho do povo

em fúria.O que Jules viu nas ruas faz-lhe

muito medo. Aproveita para preparar uma

improvisação que tem por tema o remorso.

Scaevola e Jules, a partir do momento em

que Henri anuncia o seu casamento com a

sua bem amada, entre si, e em voz baixa,

vão tentar enumerar com exactidão todos os

sucessivos clientes e amantes de Léocadie.

São invejosos. Têm tendência para criticar a

prestação dos outros. Depois do assassinato,

serão os primeiros a safar-se com os nobres.

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60Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

GEORGETTE

Esta actriz é brilhante no papel da prostituta generosa, com de-

cote voluptuoso e ancas largas. Representa a figura ancestral de

mãe poderosa, sexual, tão insinuante como protectora. Uma espé-

cie de Saraghina, tão cara a Federico Fellini. A sua entrada vesti-

da de puta reles é notável: “- Boa noite, meninos…”. Foi ela quem

ensinou a Michette e a Flipotte todos os ademanes provocantes e

impúdicos da mais velha profissão do mundo. Observa-as e cer-

tamente no seu íntimo sabe apreciar e criticar o seu jogo. Ela, e

o seu Balthazar são verdadeiramente cúmplices. Têm segredos

entre si. Talvez Balthazar lhe mostre o resultado dos seus roubos.

Talvez lhe ceda uma parte: jóias de pechisbeque! Georgette adora

representar as apaixonadas. Gosta de representar papéis contrá-

rios ao seu carácter. Adora o seu vestido de puta de viela. Poderia

ser uma heroína de opereta.

MICHETTE

Tem menos “métier” que Georgette, mas tem uma ar mais desem-

baraçado que Flipotte. Não tem falta de zelo no trabalho. Gosta-

ria que Prospère tivesse orgulho nela. Por vezes, procura com os

olhos a sua aprovação. Gostava de reinar como “primeira dama”,

mas ainda não chegou lá.

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61Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

FLIPOTTE

É a última aquisição feminina. Aproveita aquela situação para lhe

acrescentar a sonsice e os trejeitos de simplória atarantada. Po-

deria representar o papel da jovem virgem que acaba de ser des-

florada. Percebeu que aqui, como em todas as casas de meninas,

é preciso corresponder a todos os gostos.

Interroga-se a si própria se, para sua carreira, é proveitoso que

Scaevola pretenda ser seu protector, porque o acha um bocado

burro, mau actor e ordinário!

ETIENNE E MAURICE

Dois inseparáveis, como os indivíduos com o

mesmo nome. “O inseparável é um tipo por

vezes agressivo, que pensa ser mais forte do

que na realidade é. Parece não ter medo de

ninguém e pode causar feridas muitas vezes

dolorosas”.

O seu emploi: falsos nobres. Os fatos de tea-

tro não conseguem disfarçar a sua virilidade

muito popular, o que os torna desejáveis aos

olhos de Séverine. Enfiam-se como ratos nas

festas ou nas cerimónias da alta sociedade

e roubam “de empuxão”, com destreza, tudo

o que podem. Mesmo na igreja durante um

casamento, colam-se às aristocratas até as

apalparem ou acariciarem como sedutores

ousados, com o único fim de lhes surripiar

pequenos objectos preciosos que escondem

nos cações…. O que lhes faz ir aumentando a

pouco e pouco as braguilhas.

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62Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

DOIS JOVENS CLIENTES

Nobres autênticos, esses dois…

É a primeira vez que entram naquele lugar

de que ouviram falar em voz baixa.

Com este duo, obtém-se uma imagem to-

talmente inversa, de tipo carnavalesco. De

facto, estes dois vão ter uma inveja terrível

do à-vontade, da devassidão e até mesmo

da importância do volume da braguilha de

Etienne e Jules.

TRÊS CIDADÃS COM GRÂO NA ASA

Seguiram os passos de Grasset. Esta

noite tudo é permitido: despe-se o

avental, adeus ao marido, pôr de

parte as conveniências. Estão toma-

das por um frenesi quase animal,

que faz pensar no da aristocrática

Séverine. É estranho como às vezes

os extremos se juntam…

Christine Laurent/ Luis Miguel Cintra

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63Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

Os Dias Da Revolução

O Duque de Penthièvre e a sua família. Pintura de Jean-Baptiste Charpentier, 1767 -1768

Le Serment du Jeu de paume, 20 juin 1789. Pintura de Ja-cques-Louis David, 1790 - 1791

Primeiro quadro histórico da Revolução Fran-cesa: Tomada da Bastilha em Versailles a 20 de Junho de 1789. Gravura de P. G. Berthault. Paris, 1791

Saque de armas do Arsenal do Rei a 13 de Julho de 1789.

Pormenor de gravura de P. J. Laminit. Augbourg, 1815

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64Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

1786

Luís XVI de França e o Estado francês estão perante a ruína financeira.

26 de Setembro: o tratado de comércio entre a França e a Grã-Bretanha (Tratado de Eden),

abre a porta aos produtos industriais ingleses levando à falência muitos pequenos indus-

triais e artesãos.

1787

22 de Fevereiro: Primeira Assembleia dos notáveis, convocada por Charles Alexandre de Ca-

lonne num contexto de instabilidade financeira do Estado e de renitência geral (entre outros

pela aristocracia) contra a imposição de novos impostos e reformas fiscais.

1 de Maio: Étienne Charles de Loménie de Brienne substitui de Calonne como Controlador-

-Geral das Finanças.

25 de Maio: Primeira Assembleia dos Notáveis dissolvida.

1788

Formação do “Clube dos Trinta” contra Necker e o ancien régime, iniciando uma intensa

campanha de panfletos e brochuras.

8 de Maio: Luís XVI emite o Édito de Lamoignon, abolindo o poder do parlamento no que

respeita à revisão dos éditos reais.

1789

24 de Janeiro: Instabilidade geral, ocasionada pelas condições económicas, converge para

a convocação dos Estados Gerais pela primeira vez, desde 1614.

5 de Maio: Abertura da reunião dos Estados Gerais em Versailles.

17 de Junho: O Terceiro Estado proclama-se “Assembleia Nacional” - o início da Revolução

política.

24 de Junho: Luís Filipe II, Duque d’Orleães liderando um grupo de 47 nobres, junta-se aos

revoltosos da Assembleia Nacional.

27 de Junho: O rei Luís XVI aceita a demissão de Necker, seu ministro das finanças.

9 de Julho: A Assembleia Nacional proclama-se “Assembleia Nacional Constituinte”.

12 de Julho: Início dos motins em Paris - a “jornada sinistra”.

14 de Julho: Tomada da Bastilha - o ínício simbólico da Revolução francesa.

Pequena cronologia

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65Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

15 de Julho: A “jornada sinistra” estende-se aos campos, com pilhagens de igrejas, queima

de colheitas, casas, etc..

28 de Julho: A Assembleia Nacional institui um comité de investigação de “complots” aris-

tocráticos.

4 de Agosto: Sob proposta do visconde de Noailles e do duque de Aiguillon, a Assembleia

Nacional suprime todos os privilégios das comunidades e das pessoas, as imunidades pro-

vinciais e municipais, as banalidades, e os direitos feudais.

26 de Agosto - “Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão”.

10-11 de Setembro: Derrota dos monárquicos - afirmação da Camara Única e rejeição do

Veto Suspensivo do Rei.

2 de Novembro: Nacionalização dos bens de rendimento da Igreja Católica para garantia

dos assignats.

1790

19 de Abril: O Estado nacionaliza e passa a administrar todos os bens da Igreja Católica.

Maio - Publicação dos decretos de aplicação da abolição dos direitos feudais; início do as-

salto e destruição dos arquivos notariais e senhoriais.

12 de Julho: Constituição Civil do Clero.

No Verão de 1790: início da organização, sob inspiração de Marat e Danton de “Les Corde-

liers”, que vêm a ser muito reprimidos por Lafayette em Julho de 1791.

27 de Novembro: Sob proposta do protestante Barnave, a Assembleia decide que todos os

eclesiásticos católicos que se mantivessem em funções teriam que jurar manter a Consti-

tuição Civil do Clero.

1791

22 de Maio: Lei que anula o direito de Petição colectiva.

14 de Junho: Lei de Le Chapelier proibe os sindicatos dos trabalhadores e as greves, sob a

ameaça de morte.

20 e 21 de Junho - Fuga de Varennes: Luís XVI e sua família, em fuga, são detidos em Varen-

nes-en-Argonne.

17 de Julho: Massacre do “Champ de Mars”, em Paris, sob o comando militar de Lafayette.

Setembro: Aprovação da Constituição.

1 de Outubro: Reunião da Assembléia Legislativa.

9 de Novembro: Todos os emigrés são ordenados pela Assembleia a regressar, sob a ameaça

de morte.

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66Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

11 de Novembro: Luís XVI veta a deliberação da Assembleia sobre os emigrés.

1792

Janeiro – Março : Desacatos por fome em Paris.

7 de Fevereiro: Aliança entre Áustria e a Prússia.

20 de Abril: A França declara a guerra contra a Áustria.

10 de Agosto–13 de Agosto: Ataque ao Palácio das Tulherias. Luís XVI é preso, juntamente com

a família.

19 de Agosto: Lafayette foge para a Áustria.

22 de Agosto: Revoltas monárquicas em Bretanha, Vendeia e Delfinado.

2 de Setembro–7 de Setembro: Os Massacres de Setembro.

20 de Setembro: Batalha de Valmy.

20 de Setembro: Sessões finais da Assembleia Legislativa e primeiro encontro da Conven-

ção Nacional; voto unânime pela abolição da monarquia.

21 de Setembro: promulgada a nova Constituição.

10 de Outubro: Os termos monsieur e madame são banidos por decreto, para ser substitui-

dos por citoyen e citoyenne.

11 de Dezembro: Tem início o julgamento de Louis XVI pela Convenção.

1793

21 de Janeiro: Execução do Rei Luis XVI.

1 de Fevereiro: Declarada a Guerra com a Inglaterra, Holanda e Espanha.

14 de Fevereiro: A França anexa o Mónaco.

Março: revolta monárquica da Vendeia.

10 de Março: Estabelecimento do Tribunal Revolucionário.

6 de Abril: O poder é concentrado no Comitê de Salvação Pública e no Comité de Segurança

Geral.

2 de Junho: 31 deputados Girondinos são presos.

12 de Julho Revolta monarquista em Toulon.

13 de Julho: Assassinato de Jean-Paul Marat por uma jovem girondina.

27 de Julho: Robespierre torna-se membro do Comitê de Salvação Pública.

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67Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

23 de Agosto: Imposto sobre toda a população masculina, o Levée en masse.

17 de Setembro: É aprovada a Lei do Maximum Général: um extenso programa de controlo

de salários e de preços; e a Lei dos suspeitos.

9 de Outubro: Lyon é retomada aos monárquicos por republicanos.

16 de Outubro: Execução da Rainha Maria Antonieta.

31 de Outubro: Execução de líderes Girondinos.

10 de Novembro: Abolição do culto de Deus: Culto da Razão.

Dezembro: Retirada dos aliados do outro lado do Reno.

8 de Dezembro : Madame Du Barry foi executada.

19 de Dezembro: Os ingleses evacuam Toulon.

23 de Dezembro: Batalha de Savenay esmaga a revolta monárquica em La Vendée.

1794

19 de Janeiro: Os ingleses desembarcam na Córsega.

4 de Fevereiro: Abolição da escravatura nas colónias.

24 de Março: Execução dos Hébertistas.

2 de Abril: Julgamento de Danton tem início.

6 de Abril: Execução dos Dantonistas.

8 de Junho: Festival do Ser Supremo.

10 de Junho: Lei de 22 de Prairial, também conhecida como “loi de la Grande Terreur”.

26 de Junho: Batalha de Fleurus (1794) (Vitória francesa na Bélgica).

2 de Julho-13 de Julho: Batalha de Vosges (vitória francesa no Rêno).

27 de Julho: Queda de Maximilien de Robespierre (9 Thermidor).

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68Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

Os direitos do Homem

Os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia Nacional, tendo em vista que a

ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos

males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos

naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente

em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus

deveres; a fim de que os actos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a

qualquer momento comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam por

isso mais respeitados; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas em

princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à

felicidade geral.

DECLARAÇÃO DE DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO

Direitos do Homem e do Cidadão

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69Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

Em razão disto, a Assembleia Nacional reconhece e declara, na presença e sob a égide do

Ser Supremo, os seguintes direitos do homem e do cidadão:

Art. 1.º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem

fundamentar-se na utilidade comum.

Art. 2.º A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e

imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a prosperidade, a segurança e a

resistência à opressão.

Art. 3.º O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma opera-

ção, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.

Art. 4.º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo: assim, o

exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asse-

guram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas

podem ser determinados pela lei.

Art. 5.º A lei não proíbe senão as acções nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela

lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.

Art. 6.º A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concor-

rer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma

para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e

igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua

capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.

Art. 7.º Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei

e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou

mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer cidadão convocado

ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado

de resistência.

Art. 8.º A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém

pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e

legalmente aplicada.

Art. 9.º Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indis-

pensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severa-

mente reprimido pela lei.

Art. 10.º Ninguém pode ser molestado por suas opiniões , incluindo opiniões religiosas, desde

que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.

Art. 11.º A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do

homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, to-

davia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.

Art. 12.º A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública; esta

força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a

quem é confiada.

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70Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

Art. 13.º Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indis-

pensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com

suas possibilidades.

Art. 14.º Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da

necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego

e de lhe fixar a repartição, a colecta, a cobrança e a duração.

Art. 15.º A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua adminis-

tração.

Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida

a separação dos poderes não tem Constituição.

Art. 17.º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser priva-

do, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição

de justa e prévia indemnização.

FRANÇA, 26 DE AGOSTO DE 1789

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71Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

Uma canção da Comuna de Paris (1871)

LE TEMPS DES CERISES

Quand nous en serons au temps des cerises

(Quand nous chanterons le temps des cerises)

Et gai rossignol et merle moqueur

Seront tous en fête

Les belles auront la folie en tête

Et les amoureux du soleil au cœur

Quand nous en serons au temps des cerises

Sifflera bien mieux le merle moqueur

Mais il est bien court le temps des cerises

Où l’on s’en va deux cueillir en rêvant

Des pendants d’oreilles

Cerises d’amour aux robes pareilles (vermeilles)

Tombant sous la feuille en gouttes de sang...

Mais il est bien court le temps des cerises

Pendants de corail qu’on cueille en rêvant!

Quand vous en serez au temps des cerises

Si vous avez peur des chagrins d’amour

Évitez les belles !

Moi qui ne crains pas les peines cruelles

Je ne vivrai pas sans souffrir un jour…

Quand vous en serez au temps des cerises

Vous aurez aussi des peines d’amour !

J’aimerai toujours le temps des cerises

C’est de ce temps-là que je garde au cœur

Une plaie ouverte!

Et Dame Fortune, en m’étant offerte

Ne pourra jamais calmer (fermer) ma douleur…

J’aimerai toujours le temps des cerises

Et le souvenir que je garde au cœur !

Trad. LMC Excertos de Relations et Solitudes, traduzidos por Deshusses, Petite Bibliothèque Rivages, Paris, 1988.

Quando cantarmos o tempo das cerejas

e o alegre rouxinol e o melro trocista

estiverem todos em grande festa

na cabeça das moças haverá loucura

e no coração dos homens brilhará o sol

Quando chegarmos ao tempo das cerejas

o melro trocista vai assobiar muito melhor.

Mas é tão curto o tempo das cerejas

quando vamos a sonhar dois a dois colher

brincos para as orelhas

cerejas de amor que parecem essas roupas

que debaixo da folha são gotas de sangue

Mas é tão curto o tempo das cerejas

brincos de coral que colhemos sonhando.

Quando chegarem ao tempo das cerejas

se tiverem medo dos desgostos de amor

evitai as raparigas

Eu que não temo as penas crueis

não viverei sem um dia sofrer

Quando chegarem ao tempo das cerejas

também vós sofrireis as penas de amor.

Sempre amarei o tempo das cerejas

É desse tempo que guardo

uma chaga aberta no coração.

E quando a Dona Sorte se me vier oferecer

nunca porá fim à minha dor

Sempre amarei o tempo das cerejas

e a lembrança que guardo no meu coração.

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72Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

Curricula

(criativos)

FREDERICO LOURENÇO [tradutor]

Nasceu em Lisboa, em 1963. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Clássicas na Universida-

de de Lisboa, doutorando-se depois em Literatura Grega na mesma universidade, onde en-

sinou durante vinte anos. Desde 2009 é professor da Faculdade de Letras da Universidade

de Coimbra. Tem-se dedicado à tradução de autores clássicos (Homero, Eurípides, poetas

gregos da época arcaica e helenística) e à tradução de poetas alemães, como Goethe e

Schiller, estes últimos para espectáculos do Teatro da Cornucópia. Publicou vários livros de

ficção e ensaio e um livro de poesia, a que se seguirá outro em 2011.

LUIS MIGUEL CINTRA [actor e encenador]

Nasceu em Madrid em 1949. Iniciou a sua carreira de actor e encenador de teatro em 1968

no Grupo de Teatro da Faculdade de Letras de Lisboa. Frequentou a Bristol Old Vic Theater

School em Inglaterra. Em 1973 fundou em Lisboa, com Jorge Silva Melo, o Teatro da Cornucó-

pia que desde essa data dirige, e a partir dos anos 80, com Cristina Reis, e onde, há 36 anos

tem vindo a encenar e representar textos de todo o repertório teatral. Participou com a sua

companhia nos Festivais de Teatro da Bienal de Veneza (l984), de Avignon (1988), de Outono

de Paris (1989) e Europália de Bruxelas (1991), e na sessão da École des Maîtres em Udine que

lhe foi dedicada. Em 1997 actuou no Théâtre de la Commune-Pandora, Aubervilliers/Paris e

em 2005 encenou um espectáculo no Teatro de la Abadia, Madrid.

Como encenador de ópera fez, no Teatro de São Carlos, L’Enfant et les sortilèges e Dido and

Aeneas (1987), Le nozze di Figaro (1988), L’isola disabitata (1997), Jeanne d’Arc au bûcher

(2003) e Medea (2005). Sob a direcção musical de João Paulo Santos, encenou Façade e The

Bear (1990), em co-produção com a RTP, no Teatro da Cornucópia; The Strangler (Martin ),

em 1996, na Culturgest; The English Cat (Henze/E.Bond), em 2000, uma co-produção do Te-

atro da Cornucópia/Culturporto/Teatro Nacional de S. Carlos/Orquestra Nacional do Porto

e Le Vin Herbé (Frank Martin), em 2004, para o Teatro Aberto. Em 2009 fez na Culturgest a

encenação da estreia mundial da ópera de Vasco Mendonça Jerusalém.

Como recitante colaborou em vários concertos e faz regularmente recitais de poesia e gra-

vou nove discos de literatura portuguesa: A. Garrett, Camilo Castelo-Branco, Ruy Belo, So-

phia de Mello Breyner Andresen, Fernando Pessoa, Antero de Quental, Padre António Vieira,

Gastão Cruz.

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73Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

No cinema trabalhou com João César Monteiro, Paulo Rocha, Luis Filipe Rocha, Solveig Nor-

dlund, Jorge Silva Melo, Manoel de Oliveira, Christine Laurent, José Álvaro de Morais, Pedro

Costa, Joaquim Pinto, Maria de Medeiros, Patrick Mimouni, Teresa Vilaverde, João Botelho,

Pablo Llorca, Jorge Cramez, John Malkovich, Raquel Freire, Jean-Charles Fitoussi, Catarina

Ruivo, João Constâncio, João Nicolau.

No TNDM II: Tito Andrónico de William Shakespeare; Miserere O Auto da Alma e Outros Textos

de Gil Vicente.

CRISTINA REIS [cenário e figurinos]

Nasceu em Lisboa em 1945. Fez o curso de pintura da ESBAL. Iniciou formação e trabalhou

em design com Daciano Costa. Fez o curso de Arte e Design Gráfico no Ravensborne Colle-

ge of Art and Design, em Inglaterra. Em Portugal trabalhou no Núcleo de design do INII. Em

1975 inicia actividade no Teatro da Cornucópia onde até hoje é responsável pelos cenários e

figurinos da quase totalidade dos espectáculos. Fez um estágio de cenografia na Schaubüh-

ne Am Halleschen Uffer em Berlim. Fez cenários e figurinos para cinema com Paulo Rocha.

Para teatro no Festival de Avignon em 1988, Festival de Outono de Paris em 1989, Teatro de

La Abadia, Madrid em 2005. Para ópera no Teatro de São Carlos, na Culturgest, Teatro da

Cornucópia, Teatro Rivoli e Teatro Aberto. Fez uma instalação no CAM da Fundação Calouste

Gulbenkian.

No TNDM II: Tito Andrónico de William Shakespeare; Miserere, O Auto da Alma e Outros Tex-

tos de Gil Vicente.

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74Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

(actores)

ANTÓNIO FONSECA

Tem trabalhado em teatro e nos seus trabalhos mais recentes destacam-se os espectáculos:

O Homem Elefante de B. Pomerance, encenação de Sandra Faleiro; Ivanov de Anton Tchekov,

encenação de Tonán Quito; História do Soldado de Ramuz/ Stravinski com a Orquestra Me-

tropolitana de Lisboa, direcção de Cesário Costa / João Pedro Vaz; A Tempestade de William

Shakespeare, encenação de Luis Miguel Cintra; Mona Lisa Show, encenação de Pedro Gil. Em

televisão participou em Zuzarte, de Henrique Oliveira (RTP 1) Perfeito Coração (SIC) e Cida-

de Despida de Patrícia Sequeira (RTP 1). No cinema trabalhou com Raoul Ruiz em Mistérios

de Lisboa. Tem colaborado com regularidade em projectos de formação nas áreas do Teatro

e Expressão Dramática com destaque para a colaboração no Curso de Teatro e Educação da

Escola Superior de Educação de Coimbra desde 2000.

No TNDM II: Ego de Mick Gordon e Paul Broks; O Homem Elefante de B. Pomerance.

CATARINA LACERDA

Nasceu no Porto, em 1981. Licenciou-se em Estudos Teatrais, com distinção pelo prémio Eng.º

António de Almeida, na Escola Superior de Música, Artes e Espectáculo em 2003. Co-fundou

o Teatro do Frio, colectivo de pesquisa teatral, em actividade desde 2005, onde assume

funções de coordenação de produção, co-direcção artística e intérprete. Recentemente co-

-protagonizou os espectáculos Ego, encenação de João Pedro Vaz, Olá e Adeusinho, encena-

ção de Beatriz Batarda, co-produção Culturproject/ Teatro da Cornucópia e S.Ó.S., direcção

de Rosário Costa, Teatro do Frio.

No TNDM II: Ego de Mick Gordon e Paul Broks.

Fotografia de ensaios A Cacatua Verde © Luís Santos

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75Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

CLEIA ALMEIDA

Nasceu em Coimbra em 1982. Em 1998 iniciou a sua carreira teatral na companhia semi-pro-

fissional Bonifrates em Coimbra. Em 2000 mudou-se para Lisboa onde conclui o curso de

representação na Escola Superior de Teatro e Cinema onde trabalhou com Álvaro Correia,

Francisco Salgado, Rogério de Carvalho, Miguel Seabra entre outros. Ao abrigo do programa

Erasmus estudou na RESAD em Madrid. Integrou espectáculos dirigidos por António Augusto

Barros, Sílvia Brito e Sofia Lobo n’A Escola da Noite, Christine Laurent na Cornucópia, João

Craveiro entre outros. No cinema trabalhou com João Canijo, Bruno d’Almeida, Raoul Ruiz,

António Ferreira e Ivo M. Ferreira. Na televisão integrou os elencos de diversas séries e no-

velas entre as quais: Conta-me como Foi, Liberdade 21 e Vila Faia.

DINIS GOMES

Nasceu em 1973. Frequentou o curso de dança do Conservatório Nacional. No teatro, co-

meçou em 1985 com Luis Miguel Cintra em Ricardo III na Cornucópia onde trabalha regular-

mente. No cinema participou em filmes de João César Monteiro, João Botelho, José Álvaro

Morais, José Nascimento, Pedro Ruivo e Margarida Gil entre outros.

Participou em vários projectos ligados à música e desde 1990 que desenvolve a actividade

de disc-jockey, fazendo também selecção de música para recitais de poesia e teatro.

No TNDM II: Miserere, O Auto da Alma e Outros Textos de Gil Vicente.

DUARTE GUIMARÃES

Iniciou a sua actividade teatral com aulas de teatro em Benfica, leccionadas por António

Feio, em 1994, que estiveram na origem do grupo teatral, Pano de Ferro, do qual foi fundador.

Tem o curso de formação de actores da Escola Superior de Teatro e Cinema (1996/2000).

Em 1997, começou uma colaboração com o Teatro da Cornucópia, com a peça Os Sete Infan-

tes de Lara, encenada por Luis Miguel Cintra, que se manteve até hoje, ao longo de vários

espectáculos. Trabalhou ainda como actor em espectáculos de Ricardo Aibéo, António Feio,

Christine Laurent, Carlos Aladro, Joaquim Horta e Catarina Requeijo. No cinema, participou

em filmes realizados por Maria de Medeiros e João Tuna. Participou em várias séries nacio-

nais e telenovelas, tendo também trabalhado com a Globo na telenovela: Sabor da Paixão.

No TNDM II: Tito Andrónico, de William Shakespeare; Miserere O Auto da Alma e Outros Tex-

tos de Gil Vicente.

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GONÇALO AMORIM

Nasceu no Porto em 1976. É licenciado em teatro no ramo de Formação de Actores e Encena-

dores pela Escola Superior de Teatro e Cinema. Fez espectáculos de Ana Nave, Bruno Bravo,

João Brites, Madalena Victorino, Mathias Poppe, Miguel Moreira, Nuno Cardoso, Nuno Cari-

nhas, Olga Roriz, Ricardo Aibéo e Tiago Rodrigues. Em Cinema trabalhou com Edgar Feld-

man, Raquel Freire, Tiago Guedes, José Filipe Costa, Edgar Medina e Margarida Gil. Encenou

Rumor Clandestino de Fernando Dacosta, Casas e Inês Negra de Miguel Castro Caldas, A Mãe

de Bertolt Brecht, Cal de José Luís Peixoto em parceria com Maria João Luís, Maria Mata-os

de Miguel Castro Caldas em parceria com Bruno Bravo, Meias-irmãs de Nuno Milagre e A

Morte de um Caixeiro Viajante de Arthur Miller. Foi co-criador com Dona Vlassova & guests

em Centro de Dia – Festival Alkantara 2010.

No TNDM II: Ricardo II de William Shakespeare

JOÃO GROSSO

Terminou o curso de Teatro, ramo Actores da Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa,

formação que completou com vários estágios. Divide a sua actividade entre o teatro, o cine-

ma, a televisão e o ensino artístico. No teatro, para além de inúmeras participações como

actor, encenou: The Wasteland, de T.S. Elliot; Dinis e Isabel, de António Patrício; As Criadas,

de Jean Genet; A Audição, de Michel Deutsch; O Ano do Pénis, de sua autoria; Há Engano na

Pessoa (colagem); Luto, de Jorge de Sena; O Anfitrião, de Kleist; Cântico dos Cânticos, de

livros hebraicos e cristãos, e Orgia, de Pier Paolo Pasolini.

No TNDM II: Vulcão, de Abel Neves (encenador); Agosto em Osage, de Tracy Letts; Noite Ára-

be, de Roland Schimmelpfennig; Medeia, de Eurípides; Orgia, de Pier Paolo Pasoilini (encena-

dor e actor); Cântico dos Cânticos (encenador); Berenice, de Jean Racine; Serviço d’Amores,

de Gil Vicente; Tito Andrónico, de William Shakespeare; Barcas, de Gil Vicente; A Sobrinha do

Marquês, de Almeida Garrett; A Maçon, de Lídia Jorge; Ricardo II, de William Shakespeare;

Fábrica Sensível, de Carlos Porto; As Troianas, de Eurípides; As Fúrias, de Agustina Bessa-Luís;

Os Jornalistas, de Arthur Schnitzler; Clamor, de Luísa Costa Gomes.

JOSÉ MANUEL MENDES

Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lis-

boa, iniciou a actividade teatral no Grupo de Teatro da mesma faculdade, sob a direcção de

Fernando Amado. Após um interregno longo, voltou ao teatro e trabalha regularmente, des-

de 1981, no Teatro da Cornucópia. Participou em filmes nacionais e estrangeiros, em séries e

teatro televisivo para a RTP e SIC. Gravou para a RDP Antena 2 textos integrais e avulsos em

prosa e verso, para a Universidade Aberta e, em CD, um sermão de Padre António Vieira e

poesia portuguesa do século XX. Fez papéis falados no Manfred de Schumann e Jeanne d

‘Arc au Bûcher de Honegger no Teatro Nacional de S. Carlos, nos anos de 2001 e 2003, res-

pectivamente. Foi narrador na opereta A Viúva Alegre apresentada no Festival Internacional

de Música de Macau (1995) e em As Últimas Sete Palavras de Cristo de Sofia Gubaidulina

(Orquestra Utópica) e de Joseph Haydn (Divino Sospiro), no CCB, 2008.

No TNDM II: Tito Andrónico de William Shakespeare; Miserere O Auto da Alma e Outros Textos

de Gil Vicente.

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77Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

LUÍS LIMA BARRETO

Iniciou a sua actividade no Grupo de Teatro da Faculdade de Letras de Lisboa. Em 1968 en-

trou para o Teatro Experimental de Cascais, tendo passado depois pela Casa da Comédia.

Em 1973 integra o elenco inicial do Teatro da Cornucópia, onde, até hoje, foi dirigido por Luis

Miguel Cintra, Jorge Silva Mello, Stephan Stroux, Christine Laurent e Brigitte Jacques. Gra-

vou discos com obras de Fernão Mendes Pinto, Padre António Vieira, Camilo Pessanha, Ricar-

do Reis, Ruy Bello e uma antologia da poesia portuguesa do Sec. XX. No cinema, participou

em filmes de António Pedro Vasconcelos, Manoel de Oliveira, Alberto Seixas Santos, Maria

de Medeiros e João Nicolau. Colaborou na tradução de O Público, de G. Lorca, Quatro Peças

Curtas, de Courteline, Cimbelino, Tito Andrónico, Júlio César e Tempestade, de Shakespeare

e Tiestes, de Séneca. Participou em 2009 no espectáculo Vieira 400 Anos dirigido por Anna

Maria Kieffer, em São Paulo.

No TNDM II: Tito Andrónico de William Shakespeare; Miserere O Auto da Alma e Outros Textos

de Gil Vicente.

MIGUEL LOUREIRO

Formação em Teatro na Escola Superior de Teatro e Cinema, IFICT e Capitals/Gulbenkian.

Enquanto actor trabalhou com o Teatro da Garagem, Francisco Salgado, Projecto Teatral,

Nuno Carinhas, Cão Solteiro, André Murraças, Álvaro Correia, Casa Conveniente, João Gros-

so, Jean-Paul Bucchieri, Carlos Pimenta, Luis Castro, André Teodósio, Rogério de Carvalho,

Lúcia Sigalho entre outros. Encena também espectáculos dos quais destacaria o último

“Como Rebolar Alegremente Sobre um Vazio Exterior” estreado na edição de 2010 do Festi-

val Alkantara, no Porto e em Lisboa, em parceria com o artista plástico André Guedes.

No TNDM II: Breve Sumário da História de Deus de Gil Vicente.

MIGUEL MELO

Nasceu em Lisboa em 1966. Frequentou o curso de dança do Conservatório Nacional e o

curso profissional do Ballet Gulbenkian. Trabalha profissionalmente desde 1982 em espectá-

culos de ópera, dança, teatro, cinema e TV. Destaca trabalhos com: Ângelo Torres, Ana Bola,

António Pires, Duarte Barrilaro Ruas, Eduardo Guedes, Filipe La Féria, John Mawat, Leonel

Vieira, Luis Miguel Cintra, Nagel Charnauk, Marion Lane, Ricardo Aibéo, etc.

No TNDM II: Passa por mim no Rossio de Filipe La Féria; Tito Andrónico de William Shakes-

peare.

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78Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

RICARDO AIBÉO

Nasceu em Lisboa em 1973. Em 1996 concluiu o Curso Profissional de Artes do Espectáculo

na Escola Profissional de Artes e Ofícios do Espectáculo. Em 1997, começou uma colaboração

com o Teatro da Cornucópia, com a peça Os Sete Infantes de Lara, encenada por Luis Miguel

Cintra, que se manteve até hoje, ao longo de vários espectáculos. Trabalhou ainda sob a di-

recção de Christine Laurent, João Perry, António Pires, Sandra Faleiro, entre outros. Encenou

os espectáculos Hamlet de Buñuel, Duas Farsas Conjugais de Feydeau, César Anticristo de

Alfred Jarry, Leôncio e Lena de Buchner e Gata Borralheira de Walser. No cinema, participou

em filmes realizados por José Álvaro Morais, Inês Oliveira, João Botelho, Catarina Ruivo, Ra-

quel Freire, Raoul Ruíz, Jorge Silva Melo, Manuel Mozos, Jean Claude Biette, Jorge Cramez,

João Constâncio, Paolo Marinou-Blanco. Realizou o filme de curta-metragem O Estratagema

do Amor, que obteve o Prémio de Melhor Actriz no Festival de Vila do Conde de 2004 e o

Prémio de Melhor Realizador no Festival de Cinema da Covilhã em 2005.

No TNDM II: Tito Andrónico, Sonho de uma Noite de Verão de William Shakespeare; Miserere,

O Auto da Alma e Outros Textos de Gil Vicente.

RITA BLANCO

Terminou o Curso de Formação de Actores do Conservatório Nacional em 1985. Divide a sua

actividade entre o teatro, o cinema e a televisão. No teatro, trabalhou com os encenadores

Luis Miguel Cintra, João Canijo, Miguel Guilherme, António Pires, José Nascimento, Adriano

Luz, Ana Tamen, José Pedro Gomes, Fernando Gomes. Em 1991 foi nomeada para o Prémio

Garrett para a Melhor Interpretação Feminina na peça Nunca Nada de Ninguém de Luísa

Costa Gomes. Em cinema trabalhou com João Canijo, João Botelho, Markus Heltschl, João

Mário Grilo, José Nascimento, Manoel de Oliveira, Patrícia Mazoui, João César Monteiro,

Patrícia Plattner, Jorge Silva Melo e Claude D’Anna. Em 2002 recebeu o Globo de Ouro na

Categoria de Melhor Actriz de Cinema, com o filme Ganhar a Vida de João Canijo. A sua par-

ticipação em séries televisivas ficou marcada pelas suas actuações em Médico de Família, A

Minha Sogra É uma Bruxa, Querido Professor e Conta-me como Foi. Participou ainda na Noite

da Má Língua e em vários projectos de Herman José.

No TNDM II: Serviço d’ Amores, a partir de Gil Vicente; Mundo Cão de Escada Vão de José

Meireles; Crimes do coração; Pedro o Cru; Miserere, O Auto da Alma e Outros Textos de Gil

Vicente.

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79Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

RITA LOUREIRO

Formou-se em 1991 pela Escola Superior de Teatro e Cinema. Estreou-se no teatro, no mes-

mo ano, trabalhando regularmente com Luis Miguel Cintra em peças como, Comédia de

Rubena, Máquina Hamlet, Um Sonho, Quando Passarem Cinco Anos, O Casamento de Fígaro,

Afabulação, A Morte de Empédocles, O Novo Menoza, A Vida é Sonho, A Família Schroffenstein,

Sangue no Pescoço do Gato, A Gaivota, Don Carlos Infante de Espanha, A Cidade no Teatro

da Cornucópia. No Teatro Nacional D. Maria II fez parte do elenco da peça Malaquias en-

cenada por José Carretas. Foi encenadora das peças Amor de D. Perlimplim com Belisa em

seu Jardim e ABC da Mulher. No cinema trabalhou com António Campos, Michaela Watte-

aux, Fernando Lopes, João César Monteiro, Paolo Marinou-Blanco, Vicente Alves do Ó, entre

outros. Em Televisão, participou em projectos como Alentejo Sem Lei, Cinzas, Verão Quente,

A Rua Sésamo, Fúria de Viver, Ana e os Sete, Morangos com Açúcar, Liberdade 21, Teatro em

Casa – O Casamento da Condessa, entre outros.

No TNDM II: Malaquias, de Manuel de Lima.

SOFIA MARQUES

Nasceu em Cascais em 1976. Fez o curso de formação de actores da Escola Profissional de

Teatro de Cascais. Tem trabalhado desde 1996 no Teatro da Cornucópia com os encenado-

res Carlos Aladro, Christine Laurent, Luis Miguel Cintra e Ricardo Aibéo. Participou também

em espectáculos dirigidos por Andresa Soares, António Fonseca, Cândido Ferreira, Carlos

Avilez, Diogo Dória, Graça Corrêa, Miguel Moreira, Paulo Filipe Monteiro e Rita Loureiro. Em

cinema participou em filmes realizados por Bruno Lourenço, Carlos Braga, Francisco Villa-

-Lobos, Inês Oliveira, Ivo Ferreira, Jacinto Lucas Pires, Jean Claude Biette, João Botelho, João

César Monteiro, João Constâncio, José Maria Vaz da Silva, Lorenzo Bianchini, Raquel Freire

e Ricardo Aibéo. Tem participado em várias séries televisivas. É sócia fundadora da Sul-

-Associação Cultural e Artística.

No TNDM II: O Crime da Aldeia Velha de Bernardo Santareno; Miserere, O Auto da Alma e

Outros Textos de Gil Vicente.

TIAGO MATIAS

Nasceu em 1978. Em 2000 estreia-se profissionalmente na Companhia de Teatro de Sintra

onde trabalhou com os encenadores João de Mello Alvim, Nuno Correia Pinto, Antonino Sol-

mer, Jorge Listopad, Carlos Pimenta e Pedro Penim. Aí interpretou textos de Tchekóv, Nuno

Bragança, Maquiavel, Bernardo Soares/Fernando Pessoa, Gao Xingjian, entre outros. Na Cor-

nucópia trabalhou com os encenadores Luis Miguel Cintra e Christine Laurent em textos de

Brecht, Pirandello, Sófocles, Shakespeare e Tchekóv. Com os Artistas Unidos trabalhou com

o encenador Jorge Silva Melo em peças de Nuno Júdice, Sófocles e Harold Pinter. Tem par-

ticipado em diversas séries de televisão e faz dobragens de desenhos animados e locuções

de documentários.

No TNDM II: Rei Édipo a partir de Sófocles.

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80Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

VITOR D’ANDRADE

Nasceu em Caldas da Rainha e vive em Lisboa. Terminou o curso da École Internationale

de Théâtre Jacques Lecoq, Paris, para o qual foi bolseiro do Ministério da Cultura, em 2002.

Estagiou no programa europeu École des Maîtres, em 2004. Frequenta o curso de Estudos

Portugueses & Lusófonos, na Universidade Nova de Lisboa. No teatro trabalhou com os en-

cenadores Luis Miguel Cintra, João Grosso, Maria do Céu Guerra, Martim Pedroso, Ana Ri-

beiro, Victor Hugo Pontes, Juvenal Garcês, Emanuel Demarcy-Mota, António Feio, Guilherme

Mendonça, João Lourenço, Denis Marleau e Maria Emília Correia. Em cinema trabalhou com

os realizadores António Duarte, Maria de Medeiros e Rita Nunes. Participou em várias leitu-

ras encenadas no TNDM II e em vários recitais de poesia.

No TNDM II: Tanto Amor Desperdiçado de William Shakespeare; Cartas de Olinda e Alzira,

de Manuel Maria Barbosa du Bocage; Serviço d’ Amores, a partir de Gil Vicente; Cântico dos

Cânticos; Miserere, O Auto da Alma e Outros Textos de Gil Vicente.

(estagiários)

ALICE MEDEIROS

Nasceu em 1983. Terminou o curso profissional da ACT – Escola de Actores, em 2010. Em

teatro trabalhou com os encenadores Orlando Costa em Os Maias, Jorge Estreia e Rosa Villa

em Felizmente há Luar e António Pires em Muito Barulho por Nada. Em cinema trabalhou em

A Bela e o Papparazzo de António Pedro Vasconcelos, em Nice Strip Bar de Marie Brand e

em Blue Dawn de João Teotónio, Miguel Trindade e Pedro Gaspar, que recebeu o prémio de

melhor curta-metragem amadora do Festival de Cinema Festróia 2008.

JOANA DE VERONA

Nasceu no Brasil em 1989. Formou-se no curso de Teatro do Chapitô. Participou em Os Sexos

a partir de Doroty Parker, no Teatro São Luiz, no contexto do Ciclo dos Novos Actores. Em

Teatro trabalhou com Carlos Avillez, Bruno Bravo, Mónica Calle e Joana Craveiro. Tem fre-

quentado workshops com Normam Taylor (Jacque Lecoq), John Mowat e Angela Schanelec.

Actualmente frequenta o último ano da licenciatura em Teatro da Escola Superior de Teatro

e Cinema. Em Cinema trabalhou com os realizadores João Botelho, Marco Martins, Raul Ruiz,

Catarina Ruivo, Luis Filipe Rocha. Em 2010 vence o Prémio de Jovem Actriz pelo Estoril Film

Festival.

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81Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

JOÃO VILLAS-BOAS

Terminou o curso profissional da ACT em 2010, tendo como professores, profissionais como

Beatriz Batarda, Marco Martins, Nicolau Breyner, António-Pedro Vasconcelos, Teresa Lima,

João Brites, Miguel Seabra, Jean-Paul Bucchieri, António Pires. No teatro trabalhou com os

encenadores Dmitry Bogomolov (Da Ratazana Vermelha à Estrela Verde), Jean-Paul Buc-

chieri (Mamet@Lx) e António Pires (Muito Barulho por Nada). Actor d’Os Improváveis desde

2009. Em cinema trabalhou com Raoul Ruiz (Mistérios de Lisboa), António Pedro Vasconce-

los (A Bela e o Paparazzo) e Leonardo António (O Frágil Som do Meu Motor).

NEUSA DIAS

Nasceu em Lagos em 1978. Iniciou a sua formação teatral com o Professor Duval Pestana, em

1994. Em Coimbra integrou o TEUC (Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra)

e colaborou com as companhias O Teatrão, arexploratoriodasartes e A Escola da Noite, tra-

balhando com José Neves, Rogério de Carvalho, Ludger Lamers, João Grosso, Tiago Torres

da Silva, Lúcia Ramos, António Mercado, Valentin Teplyakov, Sofia Lobo, entre outros. Inter-

pretou textos de vários autores, entre eles: Eugène Ionesco, Yvette Centeno, Luigi Pirandello,

García Lorca, Peter Handke, Clarice Lispector, Christina Rossetti, William Shakespeare, Anton

Tchékov, Harold Pinter, Paloma Pedrero. É Licenciada em Antropologia pela Faculdade de

Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Frequenta o Mestrado em Teatro (Inter-

pretação) na Escola Superior de Teatro e Cinema.

NUNO CASANOVAS

Começou a carreira de actor em televisão como figurante. Em 2002 entrou para o elen-

co extra de Bons Vizinhos, tendo depois participado em O Teu Olhar, Clube das Cha-

ves, Tu e Eu, entre outros. Em teatro trabalhou com Luis Miguel Cintra (Don Carlos, In-

fante de Espanha) e Pedro Mexia (Agora a Sério) para o Teatro da Cornucópia e Teatro

Aberto, respectivamente. Em cinema trabalhou com Joaquim Sapinho, Alberto Seixas

Santos e Rosa filmes. Efectuou o curso de Marcia Hauffrecht sobre O Método em 2010.

Actualmente é aluno finalista do curso de Cinema, Vídeo e Comunicação Multimédia da

Universidade Lusófona.

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82Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

TOBIAS MONTEIRO

Nasceu em Leiria em 1979. É actor desde 1996, formado pela Escola Profissional de Teatro

de Cascais (1994/97). Frequentou a Escola Internacional do Actor Cómico em Itália no ano

lectivo 2002/03. Desenvolveu trabalho com vários encenadores, tais como, Carlos Avilez,

João Lourenço, Carlo Boso, Maria Emília Correia, etc. Participou em vários trabalhos de te-

levisão e cinema sob a direcção de Edgar Pêra, Jorge Paixão da Costa, Fernando Vendrel,

entre outros. Actualmente frequenta o Mestrado de Encenação da Escola Superior de Teatro

e Cinema.

No TNDM II: Divisão B de Rui Cardoso Martins encenado por Maria Emília Correia, para os

100 dias da Expo.

TIAGO MANAIA

Nasceu em Lisboa em 1977. Formou-se na Escola Profissional de Teatro de Cascais e no Con-

servatoire National Supérieur D’Art Dramatique de Paris. Estreou-se no Teatro Nacional D.

Maria II em 1995 na peça Ricardo II de William Shakespeare encenada por Carlos Avilez. Em

teatro trabalhou com o colectivo francês MxM de Cyril Teste e com os encenadores Philli-

pe Adrien e Didier Goldschmidt. Foi um dos protagonistas da primeira longa-metragem de

Christophe Honoré, 17 Fois Cécile Cassard, apresentada na Selecção Oficial do Festival de

Cannes em 2002. No cinema trabalhou também com os realizadores Samuel Benchetrit,

Martim Valente, Werner Schroeter, Ariel Kenig, Laure Charpentier, François Favrat e João

Canijo. Para a televisão fez telefilmes com Marion Vernoux, Pierre Boutron e participou na

telenovela Floribella.

No TNDM II: Ricardo II de William Shakespeare.

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83Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico

EQUIPA TEATRO NACIONAL D. MARIA II

direcção artística DIOGO INFANTE

conselho de administração

MARIA JOÃO BRILHANTE

MÓNICA ALMEIDA

JOÃO VILLA-LOBOS

assessoria artística NATÁLIA LUIZA *

assessoria de comunicação RUI CALAPEZ *

assessoria da administração FERNANDA CARVALHO

secretariado CONCEIÇÃO LUCAS

auxiliar administrativo LUÍS FREDERICO

motorista RICARDO COSTA

actores JOÃO GROSSO, JOSÉ NEVES, MANUEL COELHO, MARIA AMÉLIA MATTA, PAULA MORA

direcção de produção CONCEIÇÃO CABRITA

produção executiva MANUELA SÁ PEREIRA, RITA FORJAZ

assistente de produção MARIA JOÃO SANTOS

direcção de cena ANDRÉ PATO, CARLOS FREITAS, ISABEL INÁCIO, MANUEL GUICHO, PAULA MARTINS, PEDRO LEITE

auxiliar de camarim PAULA MIRANDA

pontos CRISTINA VIDAL, JOÃO COELHO

guarda-roupa ELISABETE LEITE, GRAÇA CUNHA

direcção técnica JOSÉ CARLOS NASCIMENTO, VERA AZEVEDO

adereços ILDEBERTO GAMA, ABÍLIO GARCIA, VIRGÍNIA RICO

som RUI DÂMASO, ANTÓNIO VENÂNCIO, PEDRO COSTA, SÉRGIO HENRIQUES

luz JOÃO DE ALMEIDA, DANIEL VARELA, FELICIANO BRANCO, LUÍS LOPES, PEDRO ALVES

maquinaria e mecânica de cena VÍTOR GAMEIRO, JORGE AGUIAR, MARCO RIBEIRO, PAULO BRITO,

NUNO COSTA, RUI CARVALHEIRA

manutenção electrónica e de cena MANUEL BEITO, MIGUEL CARRETO

auxiliar/motorista CARLOS LUÍS

direcção de comunicação e imagem RAQUEL GUIMARÃES

assessoria de imprensa JOÃO PEDRO AMARAL

produção de conteúdos MARGARIDA GIL DOS REIS *

design gráfico MARGARIDA KOL, SUSANA VEIGA *

direcção administrativa e financeira JOÃO VALADAS, CARLOS SILVA, EULÁLIA RIBEIRO,

IDALINA FIALHO, ISABEL ESTEVENS

tesouraria IVONE PAIVA E PONA

recursos humanos ANTÓNIO MONTEIRO, MADALENA DOMINGUES

direcção de manutenção SUSANA COSTA, ALBERTINA PATRÍCIO, CARLOS HENRIQUES,

LUÍS SOUTA, RAUL REBELO, VÍTOR SILVA

informática NUNO VIANA

técnicas de limpeza ANA PAULA COSTA, CARLA TORRES, LUZIA MESQUITA, SOCORRO SILVA

vigilância SECURITAS *

direcção de relações externas e frente de casa ANA ASCENSÃO, CARLOS MARTINS,

DEOLINDA MENDES, FERNANDA LIMA

bilheteira RUI JORGE, MARIA SOUSA, NUNO FERREIRA

frente de sala COMPLET’ARTE *

recepção DELFINA PINTO, ISABEL CAMPOS, LURDES FONSECA, PAULA LEAL

direcção de documentação e património CRISTINA FARIA

livraria ANA GODINHO, RICARDO CABAÇA, SANDRA SILVA

biblioteca | arquivo ANA CATARINA PEREIRA, FERNANDA BASTOS

* prestações de serviços

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Teatro Nacional D. Maria II*

Praça D. Pedro IV

1100-201 Lisboa

Tel.: +351 21 325 08 00

www.teatro-dmaria.pt

*Encerra à 2ª

de

sig

n: S

usa

na

Ve

iga