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TALITHA YRUAMA TEIXEIRA LACERDA TA DO CUBO BRANCO À CAIXA PRETA UMA ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DOS ESPAÇOS EXPOSITIVOS DE ARTE 2019

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  • TALITHA YRUAMA TEIXEIRA LACERDA

    TA

    DO CUBO BRANCO À CAIXA PRETA

    UMA ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DOS ESPAÇOSEXPOSITIVOS DE ARTE

    2019

  • Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRNSistema de Bibliotecas - SISBI

    Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Dr. Marcelo Bezerra de Melo Tinôco - DARQ - CT

    Lacerda, Talitha Yruama Teixeira.Do cubo branco à caixa preta: uma análise da evolução dos espaços

    expositivos de arte / Talitha Yruama Teixeira Lacerda. - Natal, RN,2019.

    65f.: il.

    Monografia (Graduação) - Universidade Federal do Rio Grande doNorte. Centro de Tecnologia. Departamento de Arquitetura e Urbanismo.

    Orientador: George Alexandre Ferreira Dantas.

    1. Arte Contemporânea - Monografia. 2. Teoria e História daArquitetura - Monografia. 3. Espaços expositivos - Monografia. I.Dantas, George Alexandre Ferreira. II. Universidade Federal do RioGrande do Norte. III. Título.

    RN/UF/BSE15 CDU 7.01

    Elaborado por Ericka Luana Gomes da Costa Cortez - CRB-15/344

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTECENTRO DE TECNOLOGIADEPARTAMENTO DE ARQUITETURACURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO

    Trabalho Final de Graduaçãoapresentado à banca Examinadora daUniversidade Federal do Rio Grande doNorte, como parte dos requisitos para aobtenção do título de Bacharel emArquitetura e Urbanismo.

    Orientador: George Alexandre Ferreira Dantas

    NATAL, RN2019

    TALITHA YRUAMA TEIXEIRA LACERDA

    DO CUBO BRANCO À CAIXA PRETA

    UMA ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DOS ESPAÇOSEXPOSITIVOS DE ARTE

  • RESUMO

    Até meados do século passado, as artes plásticas enquadravam-sebasicamente em duas categorias: a pintura e a escultura. Noentanto, a partir das vanguardas artísticas, os suportes e temáticasda arte ficaram mais diversificados, alterando a maneira deproduzir e expor. A arquitetura, por sua vez, como expressão deum tempo e sociedade, se molda às mudanças para manter suautilidade. Desse modo, o presente trabalho tem por objetivoanalisar as alterações da arquitetura dos espaços expositivos dearte contemporânea à luz da mudança do paradigma daneutralidade, proposto como Cubo Branco por Brian O'Doherty,para uma máxima flexibilização dos espaços, proposto por delCastillo como o conceito de Caixa Preta.

    PALAVRAS-CHAVE: Arte Contemporânea; Teoria e História daArquitetura; Espaços expositivos.

    ABSTRACT

    Until near the half of the last century, plastic arts participated inmainly two categories: paintings and sculptures. However, with thestarting of the artistic vanguard, the platforms and the thematic ofart turned out more diverse, changing the way to develop andexhibit. Architecture, on the other hand, as an expression of timeand society, adjusts itself according to the perspective to maintainits applicability. Furthermore, the present manuscript has theobjective of analyze the architecture mutation of the contemporaryarts exhibition spaces by the renewal of the paradigm of neutralityproposed as White Cube by Brian O'Doherty, for maximum offlexibility of the spaces, designed by del Castillo as the Black Boxconcept.

    KEY-WORDS: Contemporary arts; Teory and History ofArchitecture; Exhibition spaces.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Planta baixa da Galeria Uffizi.......................................12Figura 2 - Galeria Uffizi................................................................... 12Figura 3 - Sala Tribuna dos Uffizi.................................................. 13Figura 4 - Museu Fridericianum.....................................................13Figura 5 - Planta baixa do Museu Fridericianum........................14Figura 6 - Museu do Crescimento Ilimitado de Le Corbusier... 16Figura 7 - MoMa em 1939................................................................ 17Figura 8 - Plantas do MoMA de 1939............................................. 18Figura 9 - Galerias do MoMA, espaços neutros e flexíveis....... 19Figura 10 - Museu Guggenheim..................................................... 23Figura 11 - Interior do Guggenheim.............................................. 24Figura 12 - Salão Parisiense do século XVIII (Exposición en el

    Salon del Louvre en 1787 de Pietro Antonio Martini)......................................................................................26

    Figura 13 - 1.200 sacos de carvão - Marcel Duchamp, 1938......27Figura 14 - Montagem da instalação de Richard Hamilton na

    This is Tomorrow.......................................................29Figura 15 - Esquema tridimensional da exposição This is

    Tomorrow................................................................... 31Figura 16 - TELAS DE FRANK STELLA NA GALERIA LEO

    CASTELLI EM 1964.....................................................31Figura 17 - SPIRAL JETTY, ROBERT SMITHSON 1970..................34Figura 18 - Instalação ATRAVÉS, CILDO MEIRELES...................35Figura 19 - Exposição FRIDA KAHLO: suas fotos / olhares sobre

    o México......................................................................................41Figura 20 - Planta baixa do 1º pav. da Pinacoteca de São Paulo44Figura 21 - Octógono da Pinacoteca de São Paulo.....................45Figura 22 - Exposição de Ernesto Neto no Octógono da

    Pinacoteca de São Paulo..........................................46Figura 23 - TAKE YOUR TIME DE OLAFUR ELIASSON na

    Pinacoteca.................................................................. 46Figura 24 - Residência artística no Octógono, 2018....................46

    Figura 25 - Vista aérea do Instituto Inhotim, Brumadinho/MG. 48Figura 26 - Galeria Adriana Varejão no Instituto Inhotim..........48Figura 27 - Echo, de Richard Serra, 2016......................................50Figura 28 - Instituto Moreira Salles Paulista...............................50Figura 29 - Instituto Tomie Ohtake................................................ 52Figura 30 - Exposição Yayoi Kusama no Instituto Tomie Ohtake53Figura 31 - Plantas das salas de exposição do Instituto Tomie

    Ohtake......................................................................... 54Figura 32 - Pinacoteca Potiguar.................................................... 60Figura 33 - Sala de exposição da Pinacoteca Potiguar..............61

  • SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO............................................................................701. O CUBO BRANCO COMO PARADIGMA...........................10. O PARADIGMA DO MoMA........................................................12O CUBO BRANCO.....................................................................20O CUBO BRANCO SE DISSOLVE..........................................2202. AS MUDANÇAS NO PANORAMAARTÍSTICO.......................................................................................25OS NOVOS CAMINHOS DA ARTE.........................................3203. A POLIVALÊNCIA DA CAIXA PRETA.............................37O OCTÓGONO.............................................................................43ARQUITETURA COMO ARTE PARA ARTE......................... 47A EVOLUÇÃO DO PROGRAMA E AMONUMENTALIDADE............................................................ 49INSTITUTO TOMIE OHTAKE....................................................51RECUPERAÇÃO DE ANTIGOS CENTROS .........................55

    CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................... 57REFERÊNCIAS........................................................................63

  • 7

    “Arte é sentir o ambiente para criar”Ernesto Neto

    INTRODUÇÃO

    Com as vanguardas artísticas do começo do século XX, o

    conceito de arte começou a se alargar, passando a ser muito

    mais fluido e abrangente no contexto contemporâneo.

    Apropriando-se de suportes, temáticas e métodos variados,

    surgiram os conceitos de Land Art, Instalação, Body Art, arte

    urbana, Light Art, Happenings, etc.

    O interesse por essas manifestações artísticas e como

    elas podem representar a sociedade em que estão inseridas

    despertou a motivação deste ensaio, que, aliando-se à

    questão espacial, busca investigar a arquitetura dos espaços

    expositivos de arte, tão carentes na cidade de Natal.

    Sobre essa sociedade, Guy Debord (2003) afirma que

    vivemos a sociedade do espetáculo:

    uma fase específica da sociedade capitalista,quando há uma interdependência entre oprocesso de acúmulo de capital e o processo deacúmulo de imagens. O papel desempenhadopelo marketing, sua onipresença, ilustraperfeitamente bem o que Debord quis dizer: dasrelações interpessoais à política, passando pelas

  • 8

    manifestações religiosas, tudo estámercantilizado e envolvido por imagens. (Coelho,2011, n. p.)

    Apesar de ser um conceito de 1967, ele vem se

    mostrando cada vez mais atual. Basta pensarmos que os

    espaços atualmente não são feitos apenas para serem

    experienciados, mas também “instagramados”, isto é, terem

    sua decoração e iluminação, por exemplo, pensadas

    especialmente para atrair o compartilhamento nas redes

    sociais, e assim, uma maior publicidade, que por

    consequência, gera mais lucros.

    Sobre essa mercantilização, Hal Foster (2017, p. 59) alega

    que o âmbito cultural não mais está separado do econômico,

    e que uma característica do capitalismo contemporâneo é

    justamente “a combinação de ambos, que subjaz não só à

    proeminência dos museus como também à remodelação de

    tais instituições a serviço de uma “economia da experiência”.

    Dessa forma, alguns museus parecem seguir a lógica da

    espetacularização, seja com a forte mercantilização de sua

    própria marca, como é o caso da “Pina”, apelido construído

    para a Pinacoteca do Estado de São Paulo e estampado em

    dezenas de seus produtos, seja pela própria mercantilização

    dentro de seus espaços, com a presença de lojas e

    restaurantes, ou pela sua própria forma monumentalizada.

    Desse modo, este ensaio tem como objetivo analisar os

    espaços expositivos contemporâneos à luz da mudança do

    paradigma do Cubo Branco para a Caixa Preta. E para isso,

    compreender a evolução desses espaços que formaram o

    contexto para consolidação do paradigma do Cubo Branco,

    considerando as mudanças da produção artística do

    pós-guerra, que criaram novas necessidades espaciais, até as

    características dos espaços contemporâneos a partir do

    conceito da Caixa Preta.

    A princípio, esta pesquisa nortearia diretrizes para

    criação de um projeto para um espaço expositivo de arte

    contemporânea como ilustração de seus resultados. No

    entanto, o processo foi dando origem a descobertas difusas

    e abertas, fazendo com que se fosse necessário dar mais

  • 9

    ênfase a essa pesquisa, de modo a não ter como resultado

    dois produtos (projeto e pesquisa) pouco embasados. Foi

    realizada, então, uma revisão bibliográfica acerca do assunto,

    bem como considerada visitas de campo e vivências da

    autora em espaços desse tipo.

    Assim, o texto se divide em três partes: o primeiro

    capítulo traz um breve histórico dos espaços expositivos

    desde o seu surgimento até as galerias modernistas, sob o

    paradigma do cubo branco, conceito do artista e autor Brian

    O’Doherty, presente em seu livro No interior do cubo branco

    (2002).

    O segundo capítulo trata das mudanças do panorama

    artístico, com enfoque a partir das vanguardas artísticas do

    começo do século XX, que levaram às transformações desses

    espaços, considerando a arquitetura como continente,

    influenciando e sendo influenciada por seu conteúdo.

    O terceiro capítulo trata da dissolução do paradigma do

    cubo branco, sendo substituído pelo conceito da caixa preta,

    proposto por Sonia Salcedo del Castillo, em seu livro Cenário

    da Arquitetura da Arte (2008), em que “o espaço expositivo

    adquire flexibilidade semelhante à caixa preta do teatro”

    (Farias, 2008). Por fim, considerações finais são feitas acerca

    dos espaços expositivos, considerando um contexto geral e

    também focando na cidade de Natal, cujo cenário de

    espaços expositivos, bem como seus problemas e

    potencialidades, foi o grande motivador deste trabalho.

    É importante destacar que, apesar de se tratar de

    espaços expositivos de arte de maneira geral, o presente

    ensaio recai sobre exemplos e conceitos relacionados a

    museus, por ser sua categoria mais representativa.

  • 10

    i

    01. O CUBO BRANCO COMO PARADIGMA

    MoM

    Ade

    1939

  • 11

    Com o objetivo de compreender as bases que

    possibilitaram a consolidação do paradigma do cubo branco

    como espaço expositivo ideal, neste capítulo será apresentado

    um breve histórico desses espaços1, buscando pontos-chave

    de sua arquitetura até chegar nos preceitos defendidos pelo

    racionalismo modernista.

    Os primeiros espaços expositivos foram criados a partir de

    coleções privadas, na época do Renascimento Europeu,

    quando o interesse e entusiasmo pela história da humanidade

    era crescente. Essas coleções dividiam-se em basicamente dois

    tipos: o primeiro eram os gabinetes de curiosidades, os quais

    reuniam objetos e animais exóticos, trazidos principalmente de

    viagens por exploradores, e que viriam a formar os museus de

    história natural; enquanto o segundo tipo eram coleções de

    arte abrigadas em salas intensamente ornamentadas de

    palácios, cujo primeiro grande exemplo foi o Palácio dos

    1 Baseado principalmente no artigo de Kiefer (2000) e na dissertação deLima (2015).

    Médici, e que daria origem aos museus de belas artes (LIMA,

    2012, p. 09). Este segundo tipo será o enfoque deste trabalho.

    No entanto, de acordo com Kiefer (2000, p. 09), o primeiro

    espaço especificamente criado para exibição de obras de arte,

    sem preocupações decorativas como as salas dos palácios, foi

    a Galeria degli Uffizi (Figura 2) em Florença, criada por François

    I no final do século XVI, quando o burguês decidiu expor sua

    coleção de arte no último andar de seu edifício comercial.

    A galeria, que funciona até hoje como um circuito de salas

    divididas em ordem cronológica (Figura 1), abriga a sala

    Tribuna dos Uffizi (Figura 3), que se tornou um paradigma da

    história da arquitetura de museus por causa de sua volumetria

    octogonal, coroada por uma cúpula e fortemente

    ornamentada (LIMA, 2012, p. 10).

  • 12

    Figura 1 - Planta baixa da Galeria Uffizi.

    Acesso em 22/10/2019.

    Figura 2 - Galeria Uffizi.

    Acesso em 10/2019.

    http://www.museumsinflorence.com/foto/uffizi/plan.htmlhttps://post-italy.com/ingresso-galleria-degli-uffizi-em-florenca/.

  • 13

    Figura 3 - Sala Tribuna dos Uffizi

    Acesso em 10/2019.

    Concomitante à consolidação da Galeria Uffizi, tornou-se

    cada vez mais comum a inserção de galerias nos projetos dos

    palácios da época. E com a vontade de expor as coleções dos

    nobres à população, as galerias passaram do interior dos

    palácios para edifícios independentes. Mas foi apenas no final

    do século XVIII que foi concebido o primeiro museu de acesso

    público na Europa: o Fridericianum, na cidade de Kassel,

    Alemanha (Lima, 2012, p. 12). A edificação, que ainda hoje é

    sede da Documenta de Kassel, considerada a mais importante

    exposição de arte contemporânea e moderna, é composta por

    dois pavimentos e uma planta dividida em três naves (figura 5),

    com um exterior que mistura elementos barrocos e

    neoclássicos.Figura 4 - Museu Fridericianum.

    Acesso em 10/2019.

    https://www.lonelyplanet.com/italy/florence/images/galleria-degli-uffizi-47dbfd6ec77fe46ed97ba7a0e144a94a.https://www.lonelyplanet.com/italy/florence/images/galleria-degli-uffizi-47dbfd6ec77fe46ed97ba7a0e144a94a.https://fridericianum.org/contact/.

  • 14

    Figura 5 - Planta baixa do Museu Fridericianum

    Acesso em 10/2019.

    Os museus até o século XIX possuíam uma arquitetura

    com muitas características em comum que remetiam ao

    passado: frontões clássicos, pilastras romanas, abóbadas e

    cúpulas. Isso se deu principalmente com a Revolução Francesa,

    que derrubou a monarquia, fazendo com que os antigos

    palácios fossem ocupados com a finalidade dos museus, os

    quais tinham o papel de delinear e afirmar as ideologias

    nacionais.

    Outros edifícios foram construídos seguindo os padrões

    palacianos, pois se tratava de uma arquitetura imponente e

    que causa o sentimento de reverência às obras expostas. Suas

    plantas normalmente eram resolvidas através de um átrio que

    dava acesso a corredores ligando inúmeras galerias, com

    exposições quase sempre ordenadas em categorias de

    temáticas. De acordo com Kiefer:

    A fórmula de museu-palácio conseguiu resultadossignificativos em termos urbanos e simbólicosdurante mais de um século, tendo por base osprotótipos criados por Klenze e Schinkel, quepermitiam tanto um circuito seqüencial de visitaçãoquanto o estabelecimento de subcircuitosindependentes e especializados. Por outro lado,essa acomodação tipológica facilitou oaparecimento de problemas crônicos, como oamontoamento das salas e depósitos e umadificuldade de comunicação com o público. Assalas eram repletas de objetos apresentados,muitas vezes, sem nenhum comentário. (KIEFER,2000, p. 17)

    https://www.europeana.eu/portal/pt/record/08535/local__default__13564.htmlhttps://www.europeana.eu/portal/pt/record/08535/local__default__13564.html

  • 15

    Com a Revolução Industrial, a partir do final do século XVIII,

    a burguesia ascendente passou a se apropriar da arte como

    símbolo de distinção social, vinculando a ideia de arte cada vez

    mais à de mercadoria. Nesse contexto, os movimentos de arte

    moderna buscavam fortalecer os ideais e convicções artísticas

    para além de sua mercantilização, sendo contrários ao padrão

    vigente na época. Dessa forma, decretavam em seus

    manifestos a morte dos museus por se tratar de uma

    instituição voltada ao passado, sem comprometimento ou

    ligação com as mudanças da sociedade em que estavam.

    “No Manifesto Futurista de 1909, Filippo Marinetti chamava

    os museus e bibliotecas de ‘cemitérios’ e exigia que fossem

    destruídos; Jean Cocteau qualificou o Louvre como "depósito

    de cadáveres" (Montaner, 2003, p. 09). Dessa forma, para eles,

    o museu como era deveria desaparecer ou transformar-se

    para se adaptar à nova realidade.

    Durante esse período de contestações dos artistas,

    aconteciam também as duas primeiras guerras mundiais,

    deslocando o foco, principalmente na Europa, das

    preocupações das construções de museus para necessidades

    mais básicas como a reconstrução de cidades destruídas nos

    conflitos. No entanto, apesar do contexto político ter atrasado

    o surgimento de teorias acerca desse tipo de espaço, ele não

    evitou que isso acontecesse. E em 1931, Le Corbusier idealizou

    o Museu do Crescimento Ilimitado (Figura 6), com forma em

    espiral, possibilitando o seu crescimento acompanhar a

    evolução da sociedade. Esse modelo estabeleceu as bases

    fundamentais para discutir e reformular toda a museologia

    tradicional, e preconizava paredes imaculadamente brancas,

    com salas intensamente “iluminadas, de preferência de

    maneira zenital, mas necessariamente de maneira equânime e

    sem nenhum tipo de interferência arquitetônica” (del Castillo,

    2008, p. 61).

  • 16

    Figura 6 - Museu do Crescimento Ilimitado de Le Corbusier

    Acesso em 10/2019.

    O PARADIGMA DO MOMA

    Com o período entre-guerras, o centro artístico mundial

    foi transferido da Europa para os Estados Unidos. Nesse

    contexto surgiu o Museum of Modern Art de Nova York

    (MoMA), que acabou tornando-se um exemplo paradigmático

    da arquitetura de museus dessa época. Apesar de ter sido

    inaugurado em 1929, no 12º andar de um edifício, foi apenas

    em 1939 que seria construída sua sede própria, com projeto

    dos arquitetos Phillip Goodwin e Edward Durell Stone. O

    edifício, cujos preceitos expositivos são copiados até os dias de

    hoje, possuía uma “arquitetura neutra, disponibilizando para

    montagens expositivas um espaço purista, livre de

    interferências decorativistas ou arquiteturais” (CASTILLO, 2003,

    p. 117).

    O MoMA foi projetado sob os mais rígidos preceitos

    modernos, transpirava em sua fachada plana o Estilo

    Internacional, a qual possuía grande área de vidro translúcido

    com janelas em fita nos últimos pavimentos (Figura 7). Todos

    os elementos buscavam comunicar "uma nova arquitetura

    como volume e não como massa, o primeiro princípio do Estilo

    Internacional" (RICCIOTTI, 1985, p. 52). A ornamentação foi

    reduzida ao máximo, e para dar maior leveza, foi colocada

    uma cobertura de efeito flutuante e com círculos vazados no

    https://www.pinterest.ch/pin/287104544974010136/?autologin=true

  • 17

    último pavimento. A sensação de harmonia era dada não mais

    pela simetria, mas pela regularidade das formas. Dessa

    maneira, o conhecido e até hoje utilizado letreiro vertical foi

    posto lateralmente em sua fachada.

    O museu surgia com um papel inovador porque tinha

    como preceito ser uma instituição educacional, que informava

    e difundia os temas e a produção da arte moderna. Dessa

    forma, um auditório foi colocado no subsolo para receber

    cursos e palestras, bem como uma biblioteca no quarto

    pavimento. Os setores administrativos e de curadoria

    ocupavam parte do quarto pavimento além do quinto. Toda a

    parte de serviço era subterrânea e se conectava com o restante

    do museu através de escadas e elevadores, que formavam um

    núcleo de serviço vertical, e possuía também fácil acesso à rua.

    A figura 8 apresenta, de cima para baixo e da esquerda para a

    direita, as plantas do edifício a partir do porão com mezanino.

    Figura 7 - MoMa em 1939

    Acesso em 04/11/2019.

  • 18

    Figura 8 - Plantas do MoMA de 1939

    Acesso em 05/11/2019.

  • 19

    As galerias, que tornariam-se paradigmáticas como

    espaços expositivos no século XX, encontravam-se no primeiro

    e segundo pavimento. Além das salas com paredes brancas e

    flexíveis (figura 9), uma vez que não eram autoportantes,

    contavam com um sistema de divisórias em madeira

    compensada mantidas sob tensão para as exposições

    temporárias dos primeiros anos. Havia também uma galeria

    estreita e iluminada por uma clarabóia para as esculturas. É

    interessante notar que, apesar da flexibilidade das salas, havia

    uma clara separação entre espaços para quadros e para

    esculturas.

    Figura 9 - Galerias do MoMA, espaços neutros e flexíveis.

    Acesso em 05/11/2019.

    https://www.jstor.org/stable/1594435?read-now=1&seq=8#page_scan_tab_contents.https://www.jstor.org/stable/1594435?read-now=1&seq=8#page_scan_tab_contents.

  • 20

    O CUBO BRANCO

    Acerca desse novo tipo de museu que começava a se

    destacar com a corrente modernista e a consolidação do

    MoMA, Lima (2012, p. 17) escreve: “O Museu Modernista traz

    importante alteração em seus espaços internos: a sua

    simplificação. As salas de exposição e as circulações passam a

    ser integradas num contínuo espacial”.

    Dentre esses novos preceitos, Pfeiffer destaca a

    acessibilidade, a intensa iluminação (em contraponto às salas

    mal iluminadas dos museus palacianos):

    um museu deve ser extenso, contínuo e bemproporcionado, desde o nível inferior até o superior;que uma cadeira de rodas possa percorrê-lo, subir,baixar e atravessá-lo em todas as direções. Seminterrupção alguma e com suas seçõesgloriosamente iluminadas internamente desdecima, de maneira apropriada a cada grupo depinturas ou a cada quadro individual, segundo sequeira classificá-los (Pfeiffer apud Kiefer, 2000, p.19).

    É sobre esse novo paradigma do museu moderno que

    Brian O’Doherty, artista, crítico, escritor e diretor de filmes,

    escreve entre as décadas de 1970 e 1980, o primeiro dos quatro

    ensaios que compõe o livro No Interior do Cubo Branco,

    publicado em 2002. A publicação faz uma crítica a esse

    modelo de espaço, o qual assemelham-se às igrejas medievais

    no que diz respeito aos seus preceitos rigorosos de construção,

    vedando completamente o mundo exterior e criando uma

    atmosfera própria e sacralizada.

    As paredes são pintadas de branco. O tetotorna-se a fonte de luz. O chão de madeira épolido, para que você provoque estalidos austerosao andar, ou acarpetado, para que você ande semruído. A arte é livre, como se dizia,"Para assumirvida própria". Uma mesa discreta talvez seja a únicamobília. Nesse ambiente, um cinzeiro de pétorna-se quase um objeto sagrado” (mcevilley,2002, p. Iv)

    O’Doherty, como artista, já trabalhava diálogos irônicos

    com as linguagens tradicionais da arte. Como escritor, criticava

    a galeria modernista em um contexto de forte crítica a todo o

    movimento moderno. Wisnik (2018) aponta a simultaneidade

  • 21

    do surgimento e consolidação dos experimentalismos artísticos

    dos anos 1960 e 19702 com a publicação de livros3 que faziam a

    revisão crítica dessa arquitetura. Que, por sua vez, veio a ser

    consolidada, em 1972, “com a implosão do conjunto

    habitacional de Pruitt-Igoe, em Saint-Louis, tomada pelo

    historiador da arquitetura Charles Jencks como o grande

    funeral do Movimento Moderno” (Wisnik, 2018, p. 17). A partir

    disso surgiriam variadas correntes linguísticas na arquitetura,

    tornando ainda mais favorável o contexto de crítica da

    publicação.

    Dentre as críticas de O’Doherty, é destacada a separação

    que a galeria provoca entre o artista e sua sociedade, uma vez

    criada com o intuito de gerar um espaço sacralizado, separado

    do mundo real, que dá ares de eternidade aos valores artísticos

    e, como reflexo, aos valores da parcela da sociedade que a

    legitima. Dessa forma, o cubo branco, além de afirmar o status

    de superioridade e intangibilidade das obras que contém,

    2 Ver capítulo 02.3 Por exemplo, Complexidade e contradição em arquitetura, de RobertVenturi, e A arquitetura da cidade, de Aldo Rossi.

    ainda reduz as possibilidades de diversidade, promovendo seu

    próprio ponto de vista, de uma realidade única, e

    consequentemente de sua continuidade ou legitimidade

    eterna (McEvilley, 2002, p. XVIII).

    O’Doherty (2002) desejou mostrar como o modelo“cubo branco” privilegiava a apreensão das obrasde arte como entidades autônomas, separadas davida – do mundo externo e da passagem do tempo–, favorecendo sua aparência de eternidade, debeleza imortal própria aos objetos sagrados. Seuargumento é uma forte crítica a uma ideia de“neutralidade” do espaço expositivo

    Uma vez erguido como exemplar dos preceitos

    modernistas para arquitetura de espaços de arte, o MoMA é

    enquadrado no paradigma do cubo branco. Para del Castilo

    (2008, p. 118), ele provoca no espectador uma relação de

    passividade perante as obras, beirando o ritualismo e

    privilegiando a percepção museográfica sob a lógica da

    linearidade histórica.

  • 22

    Enquanto na galeria tradicional, a obra era para o

    espectador mais um ornamento em uma sala já intensamente

    detalhada, uma janela para uma realidade representada,

    encerrada e separada das demais obras por uma espessa e

    detalhada moldura, na galeria modernista o espaço se dissolvia

    para dar voz apenas à obra. Ela mesma se tornava seu próprio

    contexto, em um espaço instrospectivo e autorreferente . Ao

    espectador, por sua vez, cabia o papel de apenas observar e

    absorver, contido em um espaço neutro, sem expressão

    nenhuma diante das obras expostas. No entanto, “por mais

    sedutores que sejam esses constructos, a arte necessita sempre

    aferir e calibrar seus valores com o mundo que a abriga e a

    inspira” (Grossmann, 2002, p. 14).

    O CUBO BRANCO SE DISSOLVE

    Vinte anos mais tarde da criação do MoMA, em 1959, o

    Guggenheim de Nova York (figura 10) é construído com

    projeto de Frank Lloyd Wright. Uma torre helicoidal de

    concreto branco que destaca-se do seu entorno por sua forma

    irreverente, linhas elegantes e gabarito mais baixo. Apesar de

    sua forma já representar um rompimento com os ideais

    modernistas para construção de museus, sua arquitetura

    significa um rompimento ainda maior no que diz respeito aos

    espaços expositivos.

    Se Wright, nos primeiros anos do século XX, játinha sido o primeiro a conseguir romper com acaixa tradicional da casa residencial, em meados doséculo XX foi também ele quem concebeu asolução que convertia o museu em um percursogerador de movimento contínuo. Era o primeirogrande passo para evoluir da caixa estética efechada, acadêmica e simétrica, para uma formainédita e cinemática; um novo museu ativo edinâmico, configurado, neste caso, em espiral(Montaner, 2001, p. 12)

    A principal diferença é seu percurso espiralado. A galeria

    convencional dá lugar a uma grande rampa contínua de seis

    pavimentos que contorna um fosso iluminado pela luz natural

    proveniente de uma cúpula (Figura 11). Essa arquitetura traz a

    atenção do expectador para o edifício, além do que está

  • 23

    exposto, dando-lhe protagonismo. De acordo com del Castillo

    (2008, p. 116), o Guggenheim inaugurou a ideia do museu

    como obra de arte, podendo gerar conflito com as obras

    expostas, ou seja, indo de encontro a um dos principais ideais

    modernistas, e contrariando sua função.

    Figura 10 - Museu Guggenheim

    Acesso em 05/11/2019.

    Elaine Caramella (2013, n. p.) chega a comparar a

    arquitetura do Guggenheim à da torre observatório da

    Mesquita de Samarra, no Iraque, e à Torre de Babel, os quais

    são templos sagrados com santuários localizados no topo,

    lugar mais perto do céu, em noção de ascendência, e portanto

    que faz ligação com o divino. No caso do museu

    nova-iorquino, a torre está invertida, e o percurso começa do

    topo, através dos elevadores, sendo conduzido de forma

    descendente. Dessa forma, “o arquiteto inverte o significado da

    forma helicoidal, apontando não para o desprendimento

    material, mas para a própria materialidade da obra” (Caramella,

    2013, s. p.).

  • 24

    Figura 11 - Interior do Guggenheim

    Acesso em 05/11/2019.

    Não foi apenas por sua arquitetura escultural que o

    Guggeinheim foi criticado. Embora tenha se tornado um

    símbolo da arquitetura americana, a falta de ortogonalidade de

    suas galerias atraiu muitas críticas principalmente dos artistas

    da época, os quais reclamavam da falta de uma grade

    ortogonal de referência, alegando que a edificação era

    “inadequada para uma exposição favorável à pintura e

    escultura” (COHEN, 2013, p. 435). Além disso, a falta de

    linearidade do percurso também foi criticada, assim como a

    incapacidade de suportar obras de grande porte, o que viria a

    ser solucionado com ampliações posteriores.

    Wright recria e re-significa a concepção tradicional demuseu, ao saturar a Arquitetura na Escultura,apresentando o edifício não como invólucro, mas comosigno híbrido, entre Arquitetura e Escultura e, portantoalgo para ser visto/visitado como acervo, provandoassim que o meio é a mensagem. (...)Quem vai visitar o Guggenheim não vai apenas para veras exposições temporárias, mas principalmente paravê-lo. Ele é acervo do seu próprio acervo e não abrigoda arte, ou espaço das musa. Ele é a musa.”(CARAMELLA, 2013, s. p.)

    O Guggenheim simbolizou o desenrolar da ruptura com

    os ideais arquitetônicos modernistas para os museus, surgindo

    também como museu obra de arte. No entanto, todas as

    alterações vistas no presente capítulo foram acompanhadas

    por mudanças também no contexto artístico, que iriam

    desencadear o surgimento do museu pós-moderno.

  • 25

    ii

    02. AS MUDANÇAS NO PANORAMA

    ARTÍSTICO

    Walking

    thewall

  • 26

    Uma vez que a arquitetura é continente, é preciso

    entender as mudanças pelas quais o seu conteúdo, no caso

    deste trabalho, a arte, passou para que se justifique as

    mudanças espaciais dos espaços expositivos. Dessa forma, este

    capítulo traz um panorama das principais mudanças do

    contexto artístico com foco no pós-guerra.

    Desde o impressionismo, no fim do século XIX, possamos

    observar rompimentos da arte com a pintura tradicional, como

    o fim da composição formal, sobre o qual Brian O”Doherty

    escreve:

    Essas e outras pinturas centradas em um trechoindeterminado da paisagem que geralmenteparece ser o tema “errado” apresentam a ideia deperceber algo, de um olho rastreando. Essaaceleração temporal faz da moldura uma áreaequivocada, e não absoluta” (O’DOHERTY, 2002, p.10)

    Embora tenha havido esse rompimento com expressões

    artísticas mais tradicionais, ainda não foi suficiente para que

    houvesse um rebatimento nos espaços expositivos. Os

    impressionistas ainda penduravam as pinturas lado a lado,

    como era feito nos salões parisienses (Figura 12) do século XVIII.

    Esses salões estavam intimamente ligados à elite, sendo fonte

    de investimentos e lucros financeiros, valorizando “muito mais

    a disputa artística sob critérios de um juri duvidoso, do que o

    verdadeiro sentido das exposições: dar concretude às ideias e

    às convicções artísticas” (Del Castillo, 2008, p. 26).

    Figura 12 - Salão Parisiense do século XVIII (Exposición en el Salon del

    Louvre en 1787 de Pietro Antonio Martini)

    Acesso em 04/10/2019.

    https://www.metmuseum.org/art/collection/search/393346.

  • 27

    Mudanças mais significativas no modo de expor vieram

    apenas com as vanguardas artísticas do começo do século XX,

    como forma de oposição ao gosto público dominante

    promovido pelos salões. Os artistas passaram a criar suas

    próprias exposições, por vezes individuais, por vezes em grupo,

    buscando atrair a atenção do público através de estratégias de

    montagens originais (del Castillo, 2008, p. 28). Como exemplo,

    em 1938, na Exposição Internacional do Surrealismo, Marcel

    Duchamp subverteu o espaço da galeria. Enquanto várias

    obras eram expostas tradicionalmente penduradas nas paredes

    com molduras ortodoxas, o artista, pela primeira vez na

    história, transformou o espaço inteiro da galeria em sua obra

    de arte (O’Doherty, 2002, p. 75).

    1.200 sacos de carvão (Figura 13) virou a galeria ao

    contrário, transformando o teto em chão e vice-versa ao

    colocar sacos de carvão pendurados no teto e um tonel com

    uma lâmpada no chão metaforizando o fogareiro. O’Doherty

    (2002, p. 75) aponta para a interpretação de que a, ainda não

    denominada assim, instalação de Duchamp fazia referência à

    própria história da arte, com obras prestes a entrar em

    combustão e transformar-se em cinzas.

    Figura 13 - 1.200 sacos de carvão - Marcel Duchamp, 1938

    Acesso em 04/11/2019.

    https://doattime-arthistory.blogspot.com/1981/04/1938-marcel-duchamp-1200-coal-bags-sala.html.https://doattime-arthistory.blogspot.com/1981/04/1938-marcel-duchamp-1200-coal-bags-sala.html.

  • 28

    Enquanto movimentos como o surrealismo e dadaísmo

    propunham o espaço expositivo como parte de uma obra de

    arte total, o De Stijil, com suas experiências neoplásticas, dá

    destaque à parede branca como suporte ideal para a

    exposição das obras sem causar interferências com o espaço

    ao redor. Como resultado desse embate ideológico,

    somando-se ao contexto da arquitetura modernista no

    começo do século XX, ganham força as propostas expositivas

    racionalistas, como mencionadas no capítulo anterior.

    Na década de 1950, o mercado vinha se aquecendo no

    pós-guerra, fato que levou ao diálogo entre lógica capitalista e

    produção artística, fazendo surgir um consumo cultural de

    massa (del Castillo, 2008, p. 114) que incentivou novas

    experimentações artísticas. Nesse contexto, uma exposição

    marcaria um ponto de ruptura com os modos de expor da

    época, uma vez que já surgia como um discurso, antecipando

    as práticas expositivas atuais: a I Documenta de Kassel, em

    1955.

    Mais do que apenas expor visualmente as obras, a I

    Documenta se destacada por ter como objetivo criar um

    discurso para reavivar a cultura na Alemanha após os conflitos

    bélicos mundiais. Apesar disso, ainda buscava trazer uma nova

    leitura da arte moderna a seu público. E com essas intenções, a

    exposição afirmava a museografia

    como veículo de adequação da tipologia modernano cubo branco a antigos espaços degradados ereabilitados pelo uso de materiais efêmeros ousintéticos, como, por exemplo, painéis plásticos,suportes metálicos, cortinas de tecido fino em fiosde náilon como difusores de luz, assim comocarpetes, aplicados harmoniosamente àssuperfícies rústicas de tijolos. (del Castillo, 2008, p.140)

    O contexto começava, portanto, a aparecer cada vez mais

    como parte integrante da obra. Por sua vez, as exposições

    começava a reaparecer como uma obra total, assim como

    propuseram as vanguardas mais radicais do começo do século,

    maculando o espaço sacralizado do cubo branco, até então já

    consolidado como paradigma. Além disso, a partir dessa

    exposição, o curador passava da figura ligada apenas à

  • 29

    pesquisa e articulação da produção artística para criador de

    um discurso cultural.

    Se por um lado, ainda haviam esforços para afirmar a arte

    moderna, por outro se consolidava movimentos de ruptura e

    que estreitavam laços com a lógica capitalista, como a

    fotografia que “encontra na estética dos anos 1960 o espelho

    da questão da reprodutibilidade técnica anunciada por (Walter)

    Benjamin” (ibid., p. 147), e a Pop Art, que banalizava a arte,

    dessacralizando-a, ao passo que criticava sua mercantilização.

    Outra exposição que seria emblemática e se tornaria mais

    um marco de ruptura com a lógica modernista de exposição

    foi a This is Tomorrow, que apresentou, na Whitechapel Art

    Gallery em Londres, uma instalação de Richard Hamilton

    (Figura 14), inaugurando uma das primeiras manifestações da

    Pop Art na Inglaterra. De acordo com del Castillo (2008, p. 149),

    a exposição reunia artistas londrinos que já em 1956 utilizavam

    quadrinhos, anúncios, filmes e outros produtos e objetos em

    suas produções.

    Figura 14 - Montagem da instalação de Richard Hamilton na This is

    Tomorrow

    Acesso em 08/11/2019.

    Além disso, a própria montagem já era inovadora ao ser

    pensada desde do início, não só como um discurso, como fez

    a I Documenta de Kassel, mas como um projeto artístico

    completo e interdisciplinar, unindo de forma inédita, arquitetos,

    https://www.ft.com/content/a5228eaa-2418-11e9-8ce6-5db4543da632.https://www.ft.com/content/a5228eaa-2418-11e9-8ce6-5db4543da632.

  • 30

    designers e artistas, como pode ser observado na figura 15,

    representando a planta de um dos três espaços.

    Como naquelas exposições do passado, quebuscaram ser uma obra de arte total, tudo que eraexposto na This is Tomorrow vinculava-se aoespaço expositivo, porém, de forma efêmera esegundo critérios que manipulassem a percepçãodo espectador.Influenciados pelo rápido progresso tecnológicodo pós-guerra, seus organizadores desenvolveramprincípios e concepções de espaços e montagemconforme os modelos que a indústria decomunicação, a ciência e a tecnologia faziam surgir.(ibid., p. 149)

    Como pode ser observado na figura 15, a exposição que

    tinha como objetivo representar as visões dos artistas sobre a

    arte contemporânea, resultou em uma mostra fragmentada

    com 12 ambientes, que buscavam provocar os sentidos dos

    espectadores de maneiras únicas, explorando efeitos ópticos e

    interativos. A participação do espectador, portanto, era

    essencial na construção do sentido da exposição, levando ao

    conceito do “espectador emancipado” de Rancière:

    A emancipação, por sua vez, começa quando sequestiona a oposição entre olhar e agir, quando secompreende que as evidências que assimestruturam as relações do dizer, do ver e do fazerpertencem à estrutura da dominação e da sujeição.Começa quando se compreende que olhartambém é uma ação ” (Rancière, 2014, p. 17)

    Del Castillo aponta que essa importância dada ao

    observador foi bastante forte também em um movimento

    divergente da Pop Art, mas que compartilhava de algumas

    caracteísticas: o Minimalismo. Ambos os movimentos “adotam

    igualmente, formas seriais; insistem na externalidade, na

    superficialidade das representações e experiências

    contemporâneas; e se valem da lógica do ready-made não

    apenas de maneira temática e formal, como estruturalmente”

    (Foster apud del Castillo, 2008, p. 154).

  • 31

    Figura 15 - Esquema tridimensional da exposição This is

    Tomorrow

    Fonte: Juan Cabello Arribas4

    4 Apresentado durante o curso O que é uma exposição? PráticasColaborativas para a Construção De Uma Experiência Coletiva no MuseuCâmara Cascudo em parceria com a Universidade Federal do Rio Grandedo Norte, ministrado em setembro de 2017

    O'Doherty destaca a exposição das telas de Frank Stella, de

    1960, apresentadas na Galeria Leo Castelli de Nova York, como

    um marco Minimalista. Isso porque as telas negras tinham

    como formato o rebatimento de seus núcleos vazios (figura 16),

    travando um "diálogo sem precendentes" entre as obras e o

    espaço, graças ao formato inédito das telas. (O’Doherty, 2002,

    p. 22)Figura 16 - telas de Frank Stella na galeria Leo Castelli em 1964.

    Acesso em 07/11/2019.

  • 32

    Ao serem apresentadas, as obras pairavam entre oefeito conjunto e a independência. O modo dependurar era tão revolucionário quanto os quadros;já que a disposição fazia parte da estética, elacresceu simultaneamente com os quadros. Oabandono do retângulo confirmou formalmente aautonomia da parede, modificando para sempre oconceito de espaço na galeria. Parte da mística dasuperfície pictórica rasa fora transferida para ocontexto da arte. (Ibid., p. 28)

    Como maior contribuição das propostas minimalistas, del

    Castillo aponta, além da ampliação do campo escultórico, a

    ampliação do espaço expositivo. Isso porque o espaço

    minimalista não se restringia apenas aos espaços

    institucionalizados, mas a todo o ambiente urbano, de ruas e

    praças a terrenos e edifícios. E “ao se relacionar com o

    contexto em que se inseriam, romperam tanto com os limites

    cúbicos (arquitetônicos) das galerias quanto com os limites

    físicos (plásticos) do objeto artístico” (del Castillo, 2008, p. 164),

    criando novas linguagens e novos termos.

    As mudanças no panorama artístico, portanto, eram claras.

    O próprio Donald Judd, ícone do movimento minimalista,

    escreveu em seu ensaio “Objetos específicos”, de 1965, que

    “muito da arte que estava sendo feita não podia mais ser

    descrita como pintura ou escultura” (Archer, 2012, p. 43). A

    importância do observador deslocava parte da atenção da

    obra para o espaço em que ela estava inserida, levando em

    consideração o tempo de fruição. A arte começava a invadir a

    vida, como observou o crítico Clement Greenberg, ao afirmar:

    “o que parece definido é que [os artistas] empenham-se na

    terceira dimensão porque ela é, entre outras coisas, uma

    coordenada que a arte deve compartilhar com a não-arte”

    (Greenberg apud Archer, 2013, p. 43).

    OS NOVOS CAMINHOS DA ARTE

    O Minimalismo e experimentalismos dos anos 1960

    abriram caminhos para novos tipos de arte que se

    consolidariam a partir, principalmente, da década de 1970. Ao

    se relacionar com o espaço, levou ao site-specific, que levou à

    Land Art e Instalações. Ao se relacionar ao sujeito e à

    teatralidade, levou às perfomances e à arte conceitual. Esses

  • 33

    novos caminhos, por sua vez, seriam responsáveis por colocar

    a baixo definitivamente os limites da arte.

    Lucy Lippard, crítica americana, tentou documentar todos

    esses acontecimentos, chegando a um resultado bastante

    fragmentado. “Não havia nenhuma maneira simples de

    desenredar todas essas tendências uma da outra e examiná-las

    separadamente” (Archer, 2013, p. 62). Pairava o

    questionamento sobre se a arte tinha um formato substancial

    ou estava se tornando apenas um conjunto de ideias como

    forma de perceber o mundo. E no entanto, apesar da

    dificuldade em se definir o resultado desses experimentalismos,

    alguns deles serão descritos aqui como forma de ilustrar a

    expansão do campo artístico e expositivo.

    LAND ART

    A Land Art surgiu a partir da aproximação do Minimalismo

    ao espaço em que se inseria, mas levando essa condição ao

    máximo e fazendo desse lugar, a própria obra, de maneira que

    seria impossível separá-los. Ao extrapolar as paredes da galeria,

    essas obras ficam sujeitas também à passagem do tempo, além

    dos fatores metereológicos.

    Ao realizar a obra Spiral Jetty, em 1970, o artista Robert

    Smithson depositou pedras negras no lago, emergindo na

    superfície em formato de espiral (Figura 17). Além de estar

    condicionado pela configuração formal do lago salgado do

    deserto de Utah, Estados Unidos, era de seu interesse os

    efeitos que seriam provocados pela deposição de cristais de sal

    e algas vermelhas, bem como as questões relacionadas à

    temporalidade sobre a obra.

    Embora tenha saído da galeria e pareça se desvincular da

    arquitetura desses espaços, esse tipo de arte volta para dentro

    de suas paredes através de fotos, vídeos e outros tipos de

    documentações e registros.

    Quando tais registros eram transportados paradentro do espaço das galerias, não se tornavamapenas um veículo capaz de levar ao olhar doespectador a imagem do que estava do lado defora, sem que o mesmo tivesse que se deslocar desua instalação, mas, sim, parte constituinte dotrabalho. (...) não eram simplesmente memória,documento ou rastros escultóricos da obra, mas

  • 34

    fragmentos do que sua totalidade estabelecia - arelação necessária entre obra e contexto. (delCastillo, 2008, p. 167)

    Figura 17 - Spiral Jetty, Robert Smithson 1970

    Fonte: Dave Sunderland. Disponível em Google Maps. Acesso em

    09/11/2019.

    A partir dessa relação com a imagem, foram necessários

    novos meios de transmissão, como televisões, telões e vitrinas,

    ou seja, eram evocadas novas concepções de montagem, o

    que, mais uma vez, distanciava-se da neutralidade do espaço

    proposta pelo cubo branco.

    INSTALAÇÃO

    As instalações são o resultado da completa relação entre o

    objeto instalado (ou objetos) em determinado lugar, o espaço

    em que está instalado e o espectador, que condiciona a

    existência da obra, sendo a principal intenção, provocar os

    seus sentidos. Apesar da difícil definição, reúnem três principais

    qualidades que foram instauradas pelos experimentalismos das

    décadas em questão, e classificadas por Fernanda Juncqueira

    como: in situ, por funcionar apenas em um lugar; site specific,

    por se tratar de conteúdo para determinado lugar; e

    ambientação, por ser formada por um conjunto de objetos

    parte de um todo (del Castillo, 2008, p. 174).

  • 35

    Figura 18 - Instalação Através, Cildo Meireles

    Fonte: Daniela Paoliello.

    Acesso em 09/11/2019.

    Del Castillo aponta para um rebatimento espacial de

    grande importância provocado pelas instalações: o de que por

    meio delas, o espaço expositivo adquiriu flexibilidade e caráter

    lúdico através de recursos arquitetônicos e cenográficos, “uma

    vez que, no âmbito de suas experimentações, além de

    trabalhos realizados in situ e em site specific, inserem-se

    trabalhos que lidam com ambientações e significados

    metafóricos” (ibid., p. 184)

    ARTE CONCEITUAL

    Na arte conceitual, a ideia é o ponto mais importante da

    obra, sobressaindo-se aos seus aspectos meramente estéticos.

    Esse tipo de arte fez rever o papel do público, do objeto, do

    artista, e principalmente das instituições de arte. Isso porque as

    obras não se apresentavam mais como objeto, mas como

    processo.

    O desaparecimento das obras como objetosconcretos e estáveis dará lugar, neste evento, aidéias, conceitos, processos, informações esituações, cujo caráter provisório, imaterial einacabado funcionou como uma espécie deafirmação para as novas experiências artísticas domomento. (Artmotiv, 2015, n. p.)

  • 36

    Começando com a criação de uma exposição como

    discurso na I Documenta de Kassel, passando pela

    interdisciplinaridade da This is Tomorrow e chegando à

    impossibilidade de definição precisa dos limites artísticos,

    percebemos que a arte ganhou a vida e transpassou seus

    contornos. Mas além disso, Wisnik (2018, p. 16) chega a

    mencionar uma fusão entre os processos produtivos de artistas

    e arquitetos, chegando até mesmo a se inverterem, como é o

    caso de artistas como Richard Serra e Robert Smithson

    trabalhando com

    grossas barras de ferro em estaleiros navais,vestindo botas e capacetes, comandandohelicópteros, tratores e escavadeiras,movimentando terra e orientando o trabalho deequipes de operários.Enquanto que, por outro lado, vemos arquitetoscomo o mesmo Frank Gehry projetando edifíciossingulares através de papéis amassados, que ele eseu assistente dispõe sobre a mesa, olhando-ossob diversos ângulos de modo a avaliar a harmoniavisual de suas proporções, conseguida quase queespontaneamente. (Wisnik, 2018, p. 16)

    Mostrando que a crise do paradigma moderno nessas

    décadas provocou um alargamento das antigas fronteiras

    disciplinares na esfera cultural, aumentando imensamente as

    possibilidades do fazer artístico, e, consequentemente, dos

    seus modos de expor. Ao passo que alguns artistas se

    apropriavam de materiais e técnicas arquitetônicas, arquitetos

    criavam verdadeiras obras de arte, desvinculando-se cada vez

    mais da racionalização modernista.

  • 37

    iii

    03. A POLIVALÊNCIA DA CAIXA PRETA

    RosenthalCenter

    ofContem

    poraryArts

  • 38

    Com as mudanças estruturais no fazer e expor da arte,

    descritas no capítulo 02, muito foi alterado no que diz respeito

    à criação de espaços expositivos para atender as novas

    necessidades de tamanho, forma e características das obras

    artísticas. Essas mudanças espaciais, bem como a análise de

    alguns espaços como forma de exemplificação, serão o

    enfoque deste capítulo.

    Na medida em que as vanguardas mais recentes, como o

    Minimalismo, Pop Art, Videoart, Happenings, Perfomances e

    Instalações, se desvinculam da pura visualidade e tornam o

    espectador imprescindível à existência da obra, requerem

    também uma crescente vinculação ao contexto social e político,

    e assim começam a ditar suas próprias leis para criação dos

    espaços expositivos. E uma vez utilizado como parte do

    discurso artístico, o espaço perde a necessidade de

    neutralidade tão imposta pelos ideais modernistas. “O recinto

    da galeria não é mais ‘neutro’. A parede torna-se uma

    membrana através da qual os valores estéticos e os comerciais

    permutam-se por osmose” (O’Doherty, 2002, p. 89).

    Além disso, as manifestações artísticas das décadas de

    1960 e 1970 questionavam exatamente a institucionalização do

    sistema de arte, apropriando-se de novas propostas e lugares,

    e colaborando para as reflexões acerca do que seria um

    espaço ideal de exposição. E como substituição ao paradigma

    do cubo branco criado durante o modernismo, del Castillo

    defende em sua tese de doutorado, publicada em 2008 como

    Cenário da Arquitetura da Arte, o conceito da caixa preta, no

    qual “o espaço não mais se cala para a obra falar; agora, obra

    e espaço falam, em uníssono, assim como na caixa preta ou

    ‘lugar teatral’” (del Castillo, 2008, p.329).

    Concordando com O’Doherty em seus ensaios do final da

    década de 1970, del Castillo assume que, uma vez que se torna

    um ponto chave na comunicação do conteúdo através das

    obras e exposições, o espaço expositivo perde a necessidade

    de ser neutro e asséptico em relação ao seu conteúdo. A este

    argumento, a autora adiciona a necessidade do espaço

    transmutar-se de acordo com os ideais do curador e designer

    de exposições, adquirindo uma característica semelhante à

  • 39

    polivalência dos espaços teatrais através, principalmente, dos

    recursos cenográficos.

    Essa mudança de paradigma está intimamente ligada ao

    contexto social e político. De acordo com a autora, a arte

    vincula-se “às transformações sociais em seus aspectos

    políticos e econômicos” (del Castillo, 2008, p. 319), de forma

    que existe uma relação de mão dupla entre a produção

    artística e o contexto em que essa produção está inserida, na

    qual cada uma das partes influencia a outra. O contexto do

    capitalismo industrial está estritamente relacionado às

    mudanças nesse panorama:

    Desde o século XIX, esse sistema econômicoarrastará consigo a evolução de uma estéticaligada ao consumo, ampliando fortemente omercado artístico. Uma prova disso é o fato de que,desde então, as grandes coleções de arte foramconstituídas sobretudo por grandes nomes doempresariado industrial, especialmentenorte-americano, tornando-se - em pouco tempoe por iniciativa própria desses colecionadores -fundações e galerias públicas. Dessa maneira,repetindo o pensamento dos grandes industriais,‘que se fizeram sozinhos’, buscando contribuir para

    uma sociedade moderna e livre de tradicionalismos,a arte, assim como a cultura, sob a égide doprogresso, passou a ser administrada comoempresa financeira - coleções particulares, acervosde museus, tudo se transformava em investimento.(del Castillo, 2008, p. 103)

    Enquanto os expressionistas abstratos buscavam se

    distanciar da impessoalidade trazida pela era industrial, com

    sua produção em massa, os artistas pop buscavam justamente

    se apropriar dessa cultura para se destacar. No que diz

    respeito ao espaço dos museus na pós-modernidade,

    atundo sob a lógica do consumo cultural, essemercado tendia a transformar os museus emempresas, as obras em ações, e os acervos em avalpara financiamentos, ampliando a malhainstitucional por todo o mundo. Assim, vimos aproliferação de galerias, o surgimento de novosespaços, como os centros culturais, masespecialmente a reformulação de antigasconcepções museológicas (ibid., p. 323).

    O espaço expositivo polivalente como a caixa preta teatral

    surgia, portanto, não apenas das transformações nas

  • 40

    dinâmicas de produção da arte, mas também da necessidade

    de alimentar um consumo cultural de massa, que crescia

    conforme o aquecimento do mercado a partir dos anos de

    1950. Del Castillo destaca a definição de Juan Carlo Rico de

    Museu-Negócio, que concilia justamente o mercado de massa

    ao mercado de arte e utiliza-se de “exposições temporárias e

    itinerantes, tornando-as, em pouco tempo, propensas a

    transformar-se em espaço de lazer, diversão e espetáculo” (del

    Castillo, 2008, p. 114), através de montagens elaboradas com

    ambientações e recursos cenográficos, além de um forte apelo

    à mídia, em busca de maiores retornos financeiros para as

    empresas que começaram a investir nessa “cultura de

    exposições”.

    Como produto de uma sociedade espetacularizada,

    os espaços dos museus passaram a requerer umacapacidade de jogo espacial semelhante àpolivalência dos teatros e óperas, e o modusoperandi das montagens a implicar estratégiasmuseográficas dicotômicas: meios transitórios e/ouefêmeros e flexibilização buscam atender à artecomo experimento; e, para responder à museofilia,

    acrescentam-se, além de documentos, recursoscenográficos à expografia. (ibid., p. 327)

    Um exemplo dessa nova característica dos museus pode

    ser observada na exposição FRIDA KAHLO: suas fotos / olhares

    sobre o México, que apresentou ao público a coleção de

    fotografias que a artista possuía, tanto anônimas quanto

    assinadas por grandes fotógrafos, e esteve em cartaz

    conjuntamente no Museu da Imagem e do Som de São Paulo

    e no Espaço Cultural Porto Seguro em 2016. Apesar de ter as

    fotografias como foco, o discurso da exposição apresentava

    uma visão do México e utilizava fortes recursos cenográficos,

    dividindo a exposição em dois principais espaços: um bastante

    lúdico com elementos que remetiam à pintura de Frida Kaklo

    bem como à vegetação e cultura mexicana, e outro mais

    introspectivo, remetendo à uma casa, onde as fotografias eram

    de fato expostas, como pode ser observado na Figura 19.

  • 41

    Figura 19 - Exposição FRIDA KAHLO: suas fotos / olhares sobre o

    México

    Fonte: Juan Cabello Arribas5

    É interessante notar neste exemplo, que existe uma

    distinção muito clara de espaços, em que um parece alimentar

    5 Apresentado durante o curso O que é uma exposição? PráticasColaborativas para a Construção De Uma Experiência Coletiva no MuseuCâmara Cascudo em parceria com a Universidade Federal do Rio Grandedo Norte, ministrado em setembro de 2017.

    as demandas da sociedade espetacularizada, com cenários

    detalhados, além da apresentação de vídeos e documentos

    como forma de contextualização, e outro que apresenta as

    obras em si. No entanto, mesmo com tal distinção, ambos os

    espaços são igualmente cenográficos, utilizando uma

    infinidade de meios efêmeros para criação de atmosferas

    completamente diferentes da arquitetura do edifício em que

    estão inseridas.

    De acordo com del Castillo, essa gama de possibilidades

    espacias trazidas pelas exposições como espetáculo nos leva a

    um limite perigoso, em que “subjetividades temáticas ou

    conceituais, aglutinadoras de um conjunto de obras, podem

    comprometer a fruição dos objetos” (del Castillo, 2008, p. 322),

    mas são também um ponto extremamente positivo ao atrair a

    atenção de uma sociedade espetacularizada como a nossa. E

    acerca disso, Hal Foster é bastante crítico ao afirmar que

    algumas experiências chegam ao ponto de nos subjugar “pois

    quanto mais optam por efeitos especiais, menos nos envolvem

    como espectadores ativos” (Foster, 2017, p. 115). Enquanto del

  • 42

    Castillo trata a espetacularização como um fato inquestionável

    e tendo as exposições cenográficas como possíveis aliadas na

    difusão do conhecimento, embora não desconsidere seu

    ponto fraco, Foster é irremediavelmente contra a relação de

    exposição como espetáculo, pois recai na fetichização,

    subjugando o intelecto do espectador ao criar a dependência

    de fatores externos à obra para sua compreensão.

    Ainda acerca da relação entre o espaço expositivo e o

    teatral, a autora faz outras conexões como a possibilidade que

    o curador tem de passar como mensagem sua ótica própria

    acerca de determinadas obras em uma exposição. Assim como

    o diretor teatral dá uma essência particular às peças com as

    quais trabalha, o curador cria discursos de acordo com as

    intenções que deseja comunicar acerca de um determinado

    período, temática ou artista. Além disso,

    Na cultura das exposições, de forma geral,observamos um crescente interesse em se mantera memória coletiva, expresso por mis-sen-scènesespetaculares, simulações e representações. Porserem formas efetivamente ambíguas, relacionadasao binômio real/imaginário - ora como maneiras

    de afastar o contexto expositivo do real, ora comoformas de aproximá-los das contingências da vida -,entendemos que são semelhantes às teatrais. (delCastillo, 2008, p. 327)

    Dialogando com o conceito de Caixa Preta de Castillo, o

    estúdio espanhol Sol89, ao explicar sua intervenção no antigo

    convento de Madre de Dios para criar um espaço de arte

    contemporânea, em Sevilla, parece dar a definição mais

    adequada para a necessidade mais desejável ao espaço

    expositivo de arte no contexto contemporâneo:

    Podemos reconhecer que grande parte daexpressão da arte contemporânea entende oespaço arquitetônico como matéria de trabalho.Assim, um espaço de exposição poderiapermanecer em pontos de reticências, como sefosse um relato inacabado, aguardando que cadaexposição venha completá-lo. O espaço do museucontemporâneo poderia então se assemelhar aoespaço teatral, mudando ao longo do tempo.(Sol89, 20146, grifo da autora)

    6 Disponível em: http://sol89.sol89.com/2003/07/blog-post.html. Acesso24/10/2019.

  • 43

    A arquitetura das instituições não precisa mais ser

    engessada em paredes brancas e ortogonais. Agora, pode-se

    brincar com suas formas porque a arte atuará em resposta,

    desde que haja potencialidades para isso. Desse modo, os

    espaços expositivos devem possibilitar a criação de diferentes

    cenários, a apropriação pela arte, além da utilização dos mais

    variados tipos de tecnologias, desde da iluminação à projeções

    mapeadas e realidade aumentada. Deve ser, portanto,

    polivalente.

    Às vezes uma exibição específica exige um espaçoespecialmente constituído. Outras vezes, otamanho e o peso do trabalho obrigam o prédio aatender certas condições especiais deinfra-estrutura. Quase invariavelmente é exigidoum espaço com provisões tecnológicas sofisticadas.Resumindo, espaços destinados a abrigar trabalhosde arte contemporânea devem possuir certasqualidades cuidadosamente definidas,provavelmente incluindo flexibilidade, versatilidadee um alto nível de tecnologia.” (Montaner apudKiefer, 2000, p. 20)

    O OCTÓGONO

    Nem sempre, no entanto, as exposições constroem

    ambientes dentro de outros espaços. Por vezes, a arte se

    aproveita de suas características para se mostrar da melhor

    forma. Para exemplificação, foi tomado como exemplo o

    Octógono, átrio central da Pinacoteca do Estado de São Paulo.

    O edifício original da Pinacoteca foi construído no final do

    século XIX para abrigar o Liceu de Artes e Ofícios e teve sua

    mudança de função com a intervenção de Paulo Mendes da

    Rocha e equipe, concluída em 1998. Sua característica mais

    marcante é a clarabóia que toma lugar da nunca construída

    (pois o edifício não foi finalizado) cúpula e ilumina o octógono

    e os pátios internos, bem como as passarelas metálicas criadas

    entre esses pátios para dar um novo eixo de circulação à

    edificação.

    Também foi criada, no espaço do octógono central,uma laje intermediária que delimita um auditóriocom cerca de 150 lugares destinado a cursos,conferências, cinema, desfiles e outros eventos, oque torna o museu, juntamente com os espaços do

  • 44

    café/restaurante e das diversas oficinas, um lugarversátil e multifuncional. (Müller, 2000, n. p.)

    Figura 20 - Planta baixa do 1º pav. da Pinacoteca de São Paulo

    Acesso em 10/11/2019.

    É interessante notar que, apesar de conter salas mais

    tradicionais, com paredes brancas e ortogonais, os espaços

    centrais, principalmente o octógono (Figura 21), da Pinacoteca

    são intensamente utilizados para exposições de arte

    contemporânea.

    O octógono possui paredes estruturais de tijolos aparentes,

    uma geometria, como sugere seu próprio nome, não

    ortogonal e um pé direito duplo em dois dos seus três níveis.

    Seu interior pode ser visto pelo público através das várias

    aberturas que tiveram suas esquadrias retiradas na intervenção.

    Essas características criam um ambiente com personalidade

    própria, que pode ser facilmente identificado e exprime um

    contexto único às obras que recebe, indo de encontro,

    portanto, a todos os preceitos do cubo branco.

    Enquanto a exposição de Ernesto Neto (Figura 22) criou

    uma atmosfera própria utilizando o espaço, Olafur Eliasson

    tomou partido das características únicas para potencializar sua

    obra Take your time (Figura 23), que convida o espactador ao

    deleite do espaço por uma perspectiva invertida. A Figura 24,

    por sua vez, ilustra a polivalência do espaço, ocupado em julho

    de 2018 por uma residência artística, fazendo as vezes de um

    ateliê, e incluindo a obra de arte como processo.

  • 45

    Figura 21 - Octógono da Pinacoteca de São Paulo

    Acesso em 10/11/2019.

  • 46

    Figura 22 - Exposição de Ernesto Neto

    no Octógono da Pinacoteca de São

    Paulo.

    Acesso em 10/11/2019.

    Figura 23 - TAKE YOUR TIME DE

    OLAFUR ELIASSON na Pinacoteca

    Fonte: Pontes, 2017, p. 165.

    Figura 24 - Residência artística no

    Octógono, 2018.

    Fonte: Acervo da autora (2018).

  • 47

    ARQUITETURA COMO ARTE PARA ARTE

    Se por um lado obras de arte tomam partido do espaço,

    por outro, a arquitetura pode ser feita sob medida para certas

    obras. Um exemplo brasileiro de destaque no mundo todo é o

    Instituto Inhotim (Figura 25), localizado na cidade de

    Brumadinho, Minas Gerais.

    Graças a uma série de contextos específicos,Inhotim oferece um novo modelo distante daqueledos museus urbanos. A experiência do Inhotim estáem grande parte associada ao desenvolvimento deuma relação espacial entre arte e natureza, quepossibilita aos artistas criarem e exibirem suasobras em condições únicas. O espectador éconvidado a percorrer jardins, paisagens deflorestas e ambientes rurais, perdendo-se entrelagos, trilhas, montanhas e vales, estabelecendouma vivência ativa do espaço.7

    As obras são dispostas tanto ao ar livre quanto em

    pavilhões e galerias, muitas das quais construídas

    especificamente para uma exposição ou artista. É o caso da

    7 Informações disponíveis em Acesso em10/11/2019.

    Galeria Adriana Varejão (Figura 26), projetada pelo arquiteto

    Rodrigo Cerviño Lopez, em estreita ligação com a artista que

    lhe dá nome. Com 558m², foi inaugurada em 2008.

    Um seleto conjunto de obras da artistacontemporânea brasileira faz parte do acervo doInhotim. Parte encontra-se exposta no interiordeste cubo de concreto e outros trabalhos estãoinstalados na área externa da edificação. O volumeprismático nos instiga a desvendar o seu conteúdo.(Ribeiro, 2016, p. 182)

    Em espaços como esse, a arquitetura se distancia de vez

    da neutralidade, chegando a tornar-se parte da obra e

    colaborando para o retorno da sua aura, tão condenada pelos

    artistas modernos.

  • 48

    Figura 25 - Vista aérea do Instituto Inhotim, Brumadinho/MG.

    Acesso em 09/11/2019.

    Figura 26 - Galeria Adriana Varejão no Instituto Inhotim

    Acesso em 09/11/2019.

    https://mapio.net/pic/p-48068091/

  • 49

    A EVOLUÇÃO DO PROGRAMA E A MONUMENTALIDADE

    A espetacularização dos museus, tornando-os parte de

    investimentos altamente lucrativos, foi imprescindível para uma

    outra grande mudança na arquitetura dos museus

    contemporâneos: a evolução do seu programa de

    necessidades. É indispensável que os edifícios abarquem um

    programa híbrido, que pode incluir cafeteria, lojas de produtos

    ligados à temática do museu, livraria, ateliês, salas de aula,

    auditório, espaço para residências artísticas, entre outros.

    O edifício construído em 2017 para ser a nova sede do

    Instituto Moreira Salles (IMS) em São Paulo, por exemplo, teve

    como partido arquitetônico a continuação do térreo na

    Avenida Paulista em seu terceiro pavimento (Figura 28), com

    um mirante para esta avenida, além de um café e livraria.

    Dessa forma, a instituição atrai uma intensa visitação que pode,

    dessa forma, tornar-se público para suas exposições. Acerca

    disso, Montaner escreve:

    A afluência maciça de visitantes implicou nanecessidade de multiplicar os serviços do museu,com exposições temporárias e locais para consumo,e redundou no crescimento das áreas dedicadas àdireção, à educação e à conservação. Os museuscontemporâneos seguiram na esteira dosprotótipos do movimento moderno e de algumasrealizações dos anos cinqüenta, recuperandovalores tipológicos dos museus históricos; aomesmo tempo, porém, eles realizaram umacompleta transformação de sua concepçãoconvencional. (Montaner, 2003, p. 08)

    É interessante notar que o IMS é a primeira instituição a

    receber uma exposição permanente do artista Richard Serra na

    América Latina. A obra Echo (Figura 27) é composta por duas

    placas de aço com mais de 18 metros de altura, e muito

    embora o instituto possua uma estrutura reforçada nos

    pavimentos de exposição, já diminuindo alguns entraves

    expositivos relacionados a grandes obras, Echo consegue

    transpor seus limites, e justamente por suas características

    monumentais, não está em uma das salas de exposições, mas

    apropriou-se de um dos recúos laterais do prédio.

  • 50

    Figura 27 - Echo, de Richard Serra, 2016.

    . Acesso em 10/11/2019.

    Figura 28 - Instituto Moreira Salles Paulista

    Acesso

    em 06/11/2019.

  • 51

    A transformação radical mencionada por Montaner se

    refere tanto às novas possibilidades de espaços expositivos e

    ao programa de necessidades expandido, quanto à

    monumentalidade da própria arquitetura, que, no caso dos

    edifícios existentes, com seus acréscimos e reformulações, e

    “conforme a intensidade do comprometimento com a

    espetaculização social (...) pode resultar em colagem e

    fragmentação de vocabulários arquitetônicos precendentes”

    (del Castillo, 2008, p. 119).

    Acerca desse ponto, Hal Foster (2017) afirma que a

    arquitetura contemporânea passa por um “cosmopolitismo

    banal”, no qual os edifícios são pensados, ainda que se

    considerados as especificidades locais, para produzir uma

    imagem que circule globalmente. Aplicando essa questão aos

    museus de arte, o autor defende que “alguns desses edifícios

    são tão performáticos ou escultóricos que os próprios artistas

    devem se sentir os últimos a chegar à festa, colaboradores a

    posteriori” (Foster, 2017, p. 93), apontando para um conflito

    entre forma e função da arquitetura de museus, os quais não

    deveriam possuir uma arquitetura a ponto de atrair visitantes

    por ela mesma, sobrepondo as obras a serem expostas.

    Ainda sobre essa questão, Montaner (2003) defende um

    ponto de vista mais conciliador entre o papel da arquitetura e

    sua imagem. Para ele, a “missão primordial (da arquitetura) é

    expressar o conteúdo do museu como coleção e também

    como edifício cultural e público” (Montaner, 2003, p. 11). Desse

    modo, além de mero continente da arte, os edifícios

    museológicos também guardam a função de mostrar a

    personalidade de uma determinada localidade.

    INSTITUTO TOMIE OHTAKE

    Vemos então a proliferação de edifícios-ícones

    principalmente nas maiores cidades. As instituições buscam se

    destacar através da arquitetura, muitas vezes traduzindo seus

    ideais e temáticas em suas próprias paredes.

    Seguindo essa linha, o Instituto Tomie Ohtake (Figura 29) é

    um dos raros edifícios da cidade de São Paulo especialmente

    projetado, arquitetônica e conceitualmente, para receber

  • 52

    mostras de artes plásticas, arquitetura e design. Construído em

    2001 como parte de um complexo de edifícios de escritórios,

    possui um programa de exposições marcante na cena cultural

    brasileira, focado nos últimos 60 anos, período que diz respeito

    à época de atuação da artista que dá nome ao instituto,

    incluindo também outras atividades, como debate, pesquisa,

    produção de conteúdo, documentação e edição de

    publicações, tendo um papel importante na pesquisa e ensino

    da arte contemporânea no país8.

    Projetado pelo arquiteto Ruy Ohtake para se destacar na

    paisagem, com cores marcantes, diferenças de gabarito e

    ondas sinuosas que marcam muito bem a estética de sua

    fachada, possui salas de exposições com formatos não

    ortogonais (Figura 31), que ainda assim se mantém flexíveis.

    Sendo três galerias maiores e quatro salas menores, mas com

    grande potencial de transformação, como ilustrado pela Figura

    30, com a exposição da artista Yoyoi Kusama, fazendo o

    8 Informações disponíveis em Acesso em10/11/2019.

    expectador adentrar em um ambiente lúdico, proporcionado

    por recursos cenográficos e também tecnológicos.

    Figura 29 - Instituto Tomie Ohtake

    Acesso em 10/11/2019.

    https://live.staticflickr.com/2881/9067383150_4f26257ba0_b.jpghttps://www.institutotomieohtake.org.br/o_instituto/sobre

  • 53

    Figura 30 - Exposição Yayoi Kusama no Instituto Tomie Ohtake

    . Acesso em 10/11/2019.

  • 54

    Figura 31 - Plantas das salas de exposição do Instituto Tomie Ohtake.

    http://www.institutotomieohtake.org.br/o_instituto/espaco

  • 55

    RECUPERAÇÃO DE ANTIGOS CENTROS

    Ao passo que a arte, refletindo a sociedade, se modifica, os

    centros urbanos também se adequam às dinâmicas de cada

    época. De acordo com o Ministério das Cidades (2008), “o

    centro é a expressão de uma infinidade de funções de uma

    cidade e cada cidade tem um tipo de centro, expressando

    práticas, maneiras de fazer, histórias e formas próprias daquele

    local, daquela cultura e daquele conjunto de pessoas”.

    Dessa forma, à medida em que a cidade se desenvolve,

    esse centro pode se deslocar, causando a degradação das

    antigas localidades. Esse processo é conflitante para a cidade,

    uma vez que o deslocamento dessas áreas leva ao abandono

    de uma infraestrutura já assentada. De acordo com Valéria

    Campos:

    pouca atenção é dada ao deslocamento do centrode negócios principal, que ocorre pari passu com odeslocamento das camadas de mais alta renda, ecom os complexos processos verificados nas áreasurbanas centrais — esvaziamento populacional ede atividades econômicas, degradação dopatrimônio construído, subutilização da

    infraestrutura e do solo —, incompatíveis com abusca da sustentabilidade. (Campos, 2012, p. 03)

    Nesse contexto, outra tendência contemporânea que

    se afasta da neutralidade ao passo em que se relaciona com a

    lógica de mercado, são os espaços expositivos que se

    apropriam de edifícios antigos. A recuperação de prédios

    abandonados, o que ocorre principalmente nos antigos

    centros, além de dar um novo potencial à uma arquitetura já

    existente, ajuda na recuperação dessas localidades. Acerca do

    tema, Foster escreve:

    A arte recente está longe de ser um objeto passivonessas alterações; algumas vezes a simplesexpansão de suas dimensões provocou atransformação de armazéns e fábricasabandonados em galerias e museus, e nesseprocesso algumas regiões operárias degradadasrenasceram como sofisticados destinos do turismode arte. Nesse ponto, por certo, a alegação de queo cultural está separado do econômico terácessado. (Foster, 2017, p. 61)

  • 56

    Cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Barcelona vêm

    desenvolvendo nos últimos quinze anos políticas de

    reabilitação de seus centros, em conjunto com a iniciativa

    privada. Apenas mais recentemente, Natal vem

    experimentando aos poucos algumas dessas políticas, como

    melhorias na limpeza e segurança do bairro da Cidade Alta,

    centro econômico que teve seu apogeu entre as décadas de

    1980 e início dos anos 2000, tendo sua decaída graças à

    chegada dos shoppings centers e descaso de políticas públicas

    (Araujo, 2019).

    Muitas dessas políticas de requalificação são aliadas a

    aspectos artísticos e culturais. Um exemplo é o Museu Cais do

    Sertão, criado em um dos armazéns do antigo Porto do Recife,

    destinado pelo Governo do Estado de Pernambuco à enaltecer

    a cultura do Sertão Nordestino, funcionando “como agente de

    requalificação urbanística de todo o centro histórico,

    reforçando os laços da cidade com suas águas – canais, rios e

    mar” (Vada, 2018, n. p.). A já citada Pinacoteca é um dos

    exemplos na cidade de São Paulo, com o objetivo de recuperar

    a região da Luz. Em Natal, esse aspecto cultural nas estratégias

    de requalificação já se apresenta na ação do Beco da Lama,

    que convidou 40 artistas para transformar a rua Vaz Gondim

    em uma galeria de arte urbana a céu aberto.

  • 57

    “Se a era da máquina tinha sua iconografia distinta, qual é

    a nossa?” Hal Foster

    iv

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    PinacotecaPotiguar

  • 58

    O fato de, mesmo com tantas mudanças no cenário de

    produção e exposição de arte, até mesmo as obras menos

    ortodoxas acabam retornando para a galeria sob a forma de

    registros (fotos, vídeos, documentos). O’Doherty (2002) já

    mencionava que desde Duchamp, a arte parecia ser o que é

    criado na galeria, fazendo referência aos ready-mades. Del

    Castillo, acerca de outros contextos como a Land Art e Video

    Art, complementa ao afirmar que a arte “após desligar-se do

    tradicionalismo, volta ao espaço da galeria para obter sua

    ‘função artística’ (Del Castillo, 2008, p. 213), ou seja, para se

    legitimar como tal.

    Isso nos faz perceber a importância que museus e outros

    espaços expositivos têm na consolidação da cultura de uma

    sociedade. Por isso, desde as galerias aos moldes palacianos,

    com suas salas ornamentadas e pouca iluminação, passando

    pela galeria neutra e asséptica modernista, que procurava

    retirar qualquer interferência à obra, até chegar aos espaços

    polivalentes atuais, possíveis de abarcar as infinitas

    possibilidades artísticas, esse tipo de instituição vem sofrendo

    reformulações.

    Acerca desses espaços, Hal Foster faz o questionamento:

    “Se a era da máquina tinha sua iconografia distinta, qual é a

    nossa?” (Foster, 2017, p. 71). No entanto, as infinitas

    possibilidades arquitetônicas trazidas principalmente pela alta

    tecnologia, torna difícil a atividade de catalogar a arquitetura

    pós-modernista. O que se torna ainda mais difícil, visto o papel

    icônico que as instituições museológicas possuem atualmente,

    algumas vezes tornando-se o marco visual mais importante de

    sua localidade, e para isso, portanto, procurando cada uma a

    sua singularidade. “Os arquitetos de hoje, chamados

    pós-modernos, têm uma grande liberdade para propor as

    mais diferentes soluções para seus projetos de museus,

    podendo incluir desde velhos princípios acadêmicos até os

    mais audaciosos hightechs.” (KFEIFER, 2000, p. 21)

    No entanto, se não é possível encontrarmos uma

    iconografia própria de nossa época, como questiona Foster,

    Montaner dá a sua definição das principais características do

  • 59

    museu pós moderno, dando o exemplo do Guggenheim

    Bilbao como sintetizador:

    a manutenção das salas convencionais enfileiradaspara expor os formatos tradicionais dos quadros daarte moderna; a recriação do âmbito do ateliê doartista na gigantesca sala em planta baixa, que seinaugurou com um diálogo com a obra de RichardSerra e que pode abrigar as obras de diferentesformatos do pop e do minimal; a definição deespaços de altura dupla e forma singular parainstalações, coleções concretas ou exposiçõesindividuais; o uso de recantos ou locais depassagem para alojamentos artísticos singulares,coleções de fotografias ou para videoinstalações; ea configuração de grandes salas neutras em plantabaixa para exposições temporárias de visitaçãomaciça. Demonstra-se com isso a habilidade deFrank Gehry para situar dentro do grandecomplexo arquitetônico a máxima diversidade detipos de espaços museísticos, para hospedar osmais diversos formatos adotados pelas exposiçõesde arte contemporânea (Montaner, 2001, p. 18)

    Sob a ótica dessas análises acerca dos espaços expositivos,

    ao observar a cidade de Natal, percebemos9 uma variedade de

    espaços híbridos. Isso é, espaços que possuem outros usos,

    como bares, restaurantes, salões de beleza, coworkings, cafés,

    loja de roupas e até de móveis modulados, que compartilham

    a função de espaços expositivos10.

    De acordo com Nunes, os espaços híbridos “são urgências

    de um tempo, são resultados de desejos e relações afetivas”

    (Nunes apud Duran, 2015, p.50). Esses inúmeros edifícios

    híbridos, portanto, estão provavelmente relacionados à falta de

    espaços institucionalizados voltados à arte na capital potiguar,

    fazendo surgir a necessidade de se adaptar locais para expor a

    produção que vem sendo feita.

    A Pinacoteca Potiguar (Figura 32) é a única instituição

    voltada especialmente para as artes na cidade, funcionando no

    9 Essas observações tomaram como base as percepções e vivências daautora. Serviram para levantar hipóteses e questionamentos para esteensaio, podendo vir a ser foco de pesquisa sistematizada adiante.10 A citar como exemplos: Bar.co Espaço Gastroartístico, Nalva Melo CaféSalão, Casa Séfora, Mahalila Café e Livros e Complexo Iguales.

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    Palácio Potengi, construído entre 1866 e 1873. É um dos

    edifícios neoclássicos de maior importância no estado do Rio

    Grande do Norte, possuindo portanto ares monumentais.

    Apesar disso, a instituição não é tão reconhecida pela

    população, nem recebe tantos visitantes.

    Figura 32 - Pinacoteca Potiguar

    Acesso em

    10/11/2019.

    É preciso destacar que, apesar da necessidade de olhar

    para as questões de uma maneira multidisciplinar,

    considerando outros aspectos, principalmente museológicos e

    administrativos, as considerações feitas aqui levam em conta o

    caráter espacial.

    Embora suas salas expositivas, com paredes brancas e

    ortogonais, como pode ser observado na Figura 33, não

    divergirem de muitos museus da atualidade, que preferem

    ainda optar pela neutralidade do espaço, mantendo a

    flexibilidade, parece haver uma dificuldade em receber

    exposições de caráter menos tradicionais. Como foi descrito,

    apesar dos autores diferirem acerca dos benefícios de

    exposições desse tipo, de caráter menos ortodoxo e mais

    espetacularizados, parece haver um consenso sobre o fato

    delas chamarem mais atenção do público em uma sociedade

    como a nossa, contribuindo para o sucesso de instituições

    museológicas. Além disso, para del Castillo (2008), elas podem

    ainda ser aliadas na difusão do conhecimento.

    https://www.praiasdenatal.com.br/palacio-potengi/

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    Figura 33 - Sala de exposição da Pinacoteca Potiguar

    Acesso em 10/11/2019.

    Contribuindo na diversificação dos espaços, de forma a

    conter apropriações distintas pela arte, a Pinacoteca conta com

    um grande pátio na parte posterior de seu terreno, que possui

    possibilidades de abarcar obras de caráter mais monumental

    ou teatral, fugindo de suas galerias tradicionais. Estar apta - e

    disponível - a receber os novos tipos de arte é essencial para

    uma instituição como essa, que deve refletir a cultura de uma

    sociedade.

    No entanto, o maior problema a ser enfrentado é

    provavelmente o programa de necessidades reduzido. O

    edifício não conta com uma diversidade de usos, como café,

    restaurante, loja, salas de aula ou ateliês. O programa

    expandido é, como Montaner (2001) descreve, uma das

    maiores características do museu pós-moderno, por estar

    ligado à lógica capitalista e atrair um público diversificado, que

    não está ligado apenas às exposições.

    Além disso, a Pinacoteca, situada no bairro da Cidade Alta,

    encontra-se no contexto de um bairro que se recupera da

    decadência pela alteração da centralidade na cidade de Natal.

    Como edifício de caráter cultural, pode contribuir na

    recuperação do bairro, que vem sendo mais focado pelas

    políticas públicas atuais, a exemplo dos investimentos feitos no

    Beco da Lama, transformado em uma g