schaden 1967 vida.nimuendaju

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VOLUMES 15 e 16 1967-68 e SUMARIO CAR\'ALHO DE MEL LO e AL\' IM DE:\'IZART PEREIRA DE MELLO FILHO : Morfologia da pcpulação do Sambaqui do Forte Marechal Luz (Santa Catarina) ................................ . ... . .............. . .. 5 PHYLLIS B. EVEL ET H: Ph ysical gro,vth ai Arn crican children in lhe tr opi es .... 13 OS WA LDQ FI DALGO: Co nhecimento m ico lógico dos índios bras il eir os ....... ..... 21 AMADEU DUA RTE LA NN A: Aspectos eco nômicos da organização so cial d os Suyá. 35 DESI RI O AYTAI : As fl autas rituais dos Nambikuara ........... o.. . ......... 69 EGO:\' SCHADEN: Notas sôbre a vi da e a obra de C urt Nimuendajú ....... .. .. 77 FLAVIO \'E LLINI FE RR E IRA : D is tribuição dos valôres relativos ao co mprimento (G la bella-O pist hocTanion) e largura (Bi -E uryon) xim as do crânio cerebral, em brancos e negros br as il eiros, de ambos os se xos .......... . .... . ...... 91 CAS IM IR O BEKST A, S. D . B .: Expe ri ências de ' um pesq uis ador entre os Tukân o .. 99 HE IXZ KELM : O canto matinal d os Siriono .. .... .. ..... . .................... III CADOGAN: Cbonó Kybwyrá: aves y almas en la mitol og ia guarani ...... 133 uno OBEREM: Un g ru po indígena d es3.pa recido d.J O ri ent e ecuatoriano ... . .. .. 14 9 ] OR GEN R IE STER : EI habla popular del Orie nt e boliviano: el Chiquito .. .. .. .. 171 THEKLA HARTMA N,:...r: Museus etnográficos ao ar livre ........ ... .. : ........ 197 NOTI CIÁRI O ....... , ...... , .. ",.",.,., .. " .. ,,' .. ,.,. . .......... ..... .. .. 20 7 BIBLIOGRAFIA .............. ...... ........... •... . .......... . ............. 229 S EL EÇAO DE PUBLICAÇÕES REC EBID AS .... .... ......... .... .. .. .... .. .. .. 25 1 DIRETOR: EGON SCHADEN, U NIVERSIDADE DE SAO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, CItNCIAS E LETRAS Nota da Biblioteca Digital Curt Nimuendajú: A Bibliografia ao final deste artigo contém itens clicáveis, com links de acesso a outros trabalhos disponíveis em nosso acervo. O presente texto está também disponível em html.

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Revista de Antropologia

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  • VOLUMES 15 e 16 1967-68

    e

    SUMARIO

    ~!ARILIA CAR\'ALHO DE MELLO e AL\'IM DE:\' IZART PEREIRA DE MELLO FILHO : Morfologia da pcpulao do Sambaqu i do Forte Marechal Luz

    (Santa Cata rina) ................................ . ... . .............. . .. 5 PHYLLIS B. EVELETH : Physical gro,vth ai Arncrican child ren in lhe tropies .... 13 OSWALDQ FIDALGO: Conhecimento micolgico dos ndios brasileiros....... . . . . . 21 AMADEU DUARTE LANNA: Aspectos econmicos da organizao social dos Suy. 35 DESIDRIO AYTAI : As fl autas rituais dos Nam bikuara ........... o.. . ......... 69 EGO:\' SCHADEN: Notas sbre a vida e a ob ra de Curt Nimuendaj ....... .. .. 77 FLAVIO \'ELLIN I FERR EIRA : Distribuio dos va lres relativos ao comprimento

    (Gla bella-OpisthocTanion) e largura (Bi-Euryon) mximas do crnio cerebral , em brancos e negros brasileiros, de ambos os sexos .......... . .... . ...... 91

    CASIMIRO BEKSTA, S. D . B.: Experincias de ' um pesquisador entre os Tukno .. 99 HEIXZ KELM : O can to matinal dos Siriono .. . . . . .. ..... . .................... III

    LE~ CADOGAN: Cbon Kybwyr: aves y almas en la mitologia guarani ...... 133 uno OBEREM : Un gru po indgena des3.parecido d.J Oriente ecuatoriano ... . .. . . 149 ] ORGEN RIESTER : EI habla popular del Oriente boliviano: el Chiquito .. . . .. . . 171 T HEKLA HARTMAN,:...r: Museus etnogrficos ao ar livre ........ . . . .. : ........ 197 NOTICIRIO ....... , ...... , .. ",.",.,., .. " .. ,,' .. ,.,. . .......... ..... . . .. 207 BIBLIOGRAFIA .............. ...... .............. . .......... . ............. 229 SELEAO DE P UBLICAES RECEBIDAS.... .... ......... .... . . .. .... .. .. .. 25 1

    DIRETOR: EGON SCHADEN, UNIVERSIDADE DE SAO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, CItNCIAS E LETRAS

    Nota da Biblioteca Digital Curt Nimuendaj:

    A Bibliografia ao final deste artigo contm itens clicveis, com links de acesso a outros trabalhos disponveis em nosso acervo.

    O presente texto est tambm disponvel em html.

  • NOTAS SOBRE A VIDA E A OBRA DE CURT NIMUENDAJ

    Egon Schaden (Universidade de So Paulo)

    Em 10 de dezembro de 1945, faleceu numa aldeia dos Tukna, perto de Santa Rita no alto Solimes, o eminente etnlogo Curt Nimuendaj, que (ui tambm grande amigo e protetor dos aborgines brasileiros . Empregou quarenta aTIOS de sua vida no estudo dos idiomas e das culturas indgenas e realizou numerosas expedies at os mais longnquos recantos do Brasil.

    No houve, nem por certo jamais haver melhor conhecedor das tribos Jndias do pas. Dificilmente se encontrar outro cientista em condies de

    ded icar quatro decnios inteiramente a viagens de explorao etnolgica e 110 estudo intensivo da literatura especializada. O material recolhido pelo sbio provm de dezenas de tribos, com as quais conviveu. Um notvel IIcervo de contribuies cientficas - de etnologia, de lingstica e de ar-

    qucologia -, publicadas cm revistas americanas e europias, e uma srie de monografias etnogrficas se enumeram entre os melhores estudos sbre o indgena brasileiro. O esplio de Nimuendaj, arquivado no Museu Na-cional do Rio de Janeiro, inclui grande cpia de material indito, princi-pa lmente relativo a idiomas indgenas. E, embora se queixasse de a natu-reza no o ter dotado de talento para o estudo de lnguas, falava corrente-mente vrios dialetos amerndios, registrou muitos e extensos textos ditados pelos prprios ndios no idioma nativo e contribuiu para a elucidao dos

    problemas Iingsticos do Brasil aborgine.

    Chamava-se originriamente Curt Unkel (ou Unckel). Nascido em 17 de abril de 1883, na cidade alem de Jena, cedo se tornou rfo. O pai, que era comerciante, faleceu por ocasio de uma viagem a Moscou no ano do nascimento do filho, ou pouco mais tarde. Logo aps, deu-se a morte da me, ficando o pequeno, por um ano, sob os cuidados da av c, depois, de uma tia. Menino de escola, Curt organizou com alguns companheiros um "bando de ndios", que brincava nos bosques de lena. Da lhe nasceu por certo o desejo de um dia viver com os indgenas. Fz o curso secun-drio e foi trabalhar na fbrica Zeiss. Passava ento muitas horas estudando mapas e lendo tudo o que na biblioteca da fbrica havia sbre os ndios da America do Norte e do Sul. Ao mesmo tempo fazia exerccios de tiro ao

    Biblioteca Digital Curt Nimuendaj http://www.etnolinguistica.org/biblio:schaden-1967-notas

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    alvo no bosque de lena, a fim de preparar-se para a vida nas selvas. O seu grande sonho era emigrar para o Brasil; realizou-o afinal com o auxlio de sua meia-irm, que se tornara professra e que reuniu o dinheiro neces-srio ao pagamento da passagem 1.

    Quis o acaso que em 1905, apenas dois anos aps a sua chegada ao Brasil, Curt Unkel entrasse em contacto com os Guarani do interior do Estado de So Paulo, tribo sbre a qual existia abundante literatufl, remontando at o sculo XVI, mas cuja religio era apesar disso muito mal conhecida. O jovem pesquisador, bastante bem familiarizado com os textos etnolgicos, no tardou a verificar que estaria em condies de apresentar ao mundo cientfico muitos conhecimentos novos e importantes sbre os Guaran. Ademais, tratava-se de silvcolas que viviam em contacto estreito com os caboc1os da regio, que, alm de desprez-los, s vezes tambm os maltratavam. Tudo isso deu ensejo a que se manifestassem logo nos primei-ros escritos de Nimuendaj dois traos marcantes de sua personalidade, o do pesquisador consciencioso e o do intransigente defensor do indgena ludibriado. Esses traos o distinguiriam pela vida afora. Sempre se preo-cupou com a soluo de novos problemas etnolgicos e em tda parte to-mou a defesa intransigente do silvcola contra injustias de tda espcie . Ainda trs dias antes de morrer redigiria veemente protesto contra a atitude brutal" covarde dos brancos em face dos Parakan do Rio Tocantins.

    O nome Nimuendaj, sob o qual o jovem indianista logo se tornou conhecido entre os etnlogos, lhe foi impsto pelos Guaran. Em pouco tempo, o forasteiro aprendera a lngua e captara a confiana dsses ndios. Em 1906 o adotaram com tda a formalidade no seio da tribo, batizamlo-o segundo os ritos de sua religio. E pelo menos desde o ano de 1910 encon-tramos o nome Nimuendaj na assintura do pesquisador, ora juntamente com Unkel, ora em lugar do nome germnico. substituio esta que se tomou oficial em 1922, quando o govrno brasileiro concedeu naturalizao ao ento funcionrio do Servio de Proteo aos Indios.

    No muito fcil dizer o que significa a palavra Nimuendaj. Nimuen-d quer dizer "arranjar para si um lugar". O final j ou dj um verbo defetivo que indica o ser 2 . Unkel se estabelecera na aldeia Guarani do Batalha, na proximidade de Bauru, e l construra um rancho, donde por certo o nome que lhe deram. O paraguaio Iuan Francisco Recalde, que era exmio conhecedor do idioma guaran, interpreta nimuend como "aqu~e que soube abrir o seu prprio caminho neste mundo e conquistou o seu lu-gar" .s . Esta traduo um tanto livre, inteiramente satisfatria do ponto de vista simblico. Nada mais expressivo para bem caracterizar a vida de um homem que, sem formao universitria de espcie alguma, se tornou expoente mximo de uma cincia altamente especializada, como o a etno-logia brasileira. Isto como fruto de incomparvel fra de vontado, da firme deciso de pr a existncia a servio de uma s idia. Em minha bi-

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    blioteca guardo com carinho um velho e mutilado compndio de etnografia geral de meados do sculo passado, ''Die Vlker des Erdballs", de Heinrich Berghaus '. E' o exemplar que pertenceu a Nimuendaj. Serviu-lhe para a iniciao autodidtica em etnografia. Em letra caligrfica esto ai nume-rosas anotaes marginais que testemunham a seriedade com que o jovem de ento tomou contacto com uma cincia na qual, por seu prprio esirc;o, haveria de tornar-se mestre de projeo.

    O parentesco espiritual que o liga a todos os indianistas assume para mim um sentido peculiar por trmos sido ambos - Nimuendaj e eu - re-cebidos no smente, com todos os ritos. como irmos de tribo no me~mo bando de Apapokva ou I'l"andva-Guarani, mas at na mesma famlia. O pai acotivo de Nimuendaj, Avakadj, era irmo de Poydj, a quem eu devo o tratamento de txerang, que corresponde ao da pessoa que toma o lugar do pai na cerimnia batismal do nimongara IS. Uma vez que irmo e so-brinho so sinnimos em guaran, Nimuendaj txerykey, ou seja, meu irmo mais velho. Como talo tenho considerado tambm no campo dos es-tudos etnolgicos e, em particular, na investigao da cultura guaran con-tempornea. E medida que trato de aprofundar-me no conhecimento des-sa cultura, vai crescendo a minha admirao por quem a estudou antes de mim, txerykey Nimuendaj.

    Na noite de 20 a 21 de abril de 1947, na aldeia de Ararib - atual P .1. Curt Nimuendaj fui submetido ao batismo guarani, recebendo o nome Avanimondyi. Na mesma aldeia, 41 anos antes, Curt Unkel recebera o nome Nimuendaj, passando pela mesma cerimnia, que o abnegado cien-tista caracterizou com acrto como "algo complicada e incmoda". Com-preende ela uma srie de ritos e danas que se estendem por tda uma noite. desde o pr do sol at o seu retrno na barra do horizonte. Complicada c incmoda, sim, mas tambm impressionante cerimnia, que constituiu para mim, como deve ter consttuido para Nimuendaj, uma vivncia ines-quecvel.

    As suas publicaes sbre o indgena abrangem crca de sessenta ttulos, entre monografias, relatrios, artigos e vocabulrios. Alguns de seus trabalhos mais importantes saram do prelo aps a morte do cientista. A srie se inicia, ao que parece, com um artigo "Nimongara", inserto em 1910 no jornal ''Deutsche Zeitung" de So Paulo e no qual descreve a sua adoo ceri-monial na tribo guaran 6. Em portugus saram apenas alguns vocabulrios, relatrios e artigos menores, alm de um estudo monogrfico sbre os Api-nay 7. Cogita-se de uma edio completa das obras em lngua portugusa, para torn-las mais acessveis aos estudiosos brasileiros. E' tarefa urgente. Quanto ao grande mapa etnogrfico do Brasil. obra-prima que no tem igual entre os congneres do mundo e que s poderia ter como autor a quem, como Nimuendaj, dedicou tda uma existncia ao estudo das po-pul aes indgenas, foi le confiado h mais de dez anos s oficinas da Im-

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    prensa Nacional no Rio de Janeiro. Continuamos aguardando a sua pu-blicao.

    De Karl von den Steinen afirma-se com justia, alis _ ter le inaugurado uma nova poca da etnologia brasileira. Em primeiro lugar, por haver dado incio serie de expedies especialmente destinadas in-vestigao dos nossos problemas etnolgicos; em segundo, por ter sido o primeiro a estudar de modo sistemtico as culturas indgenas do Brasil sob o prisma de uma teoria cientfica. Mas tambm Curt Nimuendaj impri-miu novos rumos pesquisa etnolgica em nosso pas.

    O primeiro trallalho de envergadura escrito por Nimuendaj saiu em 1914 na "Zeitschrift fr Ethnologie", de Berlim 8. Trata da mitologia e da religio de um bando guaran, os Apapokva, e ainda hoje indispensvel a quantos queiram ter uma compreenso satisfatria da cultura dessa tri-bo. Nle se mostra, de forma extraordinriamente viva, o papel das idias religiosas e, em especial, dos mitos da criao e da destruio da terra no destino dos ndios Guaran a partir dos primeiros decnios do sculo pas-sado. Tomados de pnico diante da destruio do mundo, que acreditavam iminente, e apegando-se idia de encontrarem salvao numa "Terra sem Males", situada na direo do Nascente, alm do Oceano, numerosos ban-dos da tribo se deslocaram de seu primitivo hbitat, migrando para o lito-ral a~ntico. Ao analisar essa histria e os seus fundamentos mtico-reli-giosos,. Nimuendaj conseguiu, sem grande aparato terico, mas com no-tvel capacidade de penetrao, pr a descoberto o "ethos" da cultura e as suas conseqncias para a determinao do tipo de personalidade pe-culiar tribo guaran. Firmou com sse estudo a sua posio de destaque no rol dos grandes etnlogos.

    A maior contribuio de Curt Nimuendaj para a etnologia braslica diz respeito a vrias culturas da famlia j. Das monografias principais de sua lavra, duas tratam dos n,dios Timbra: uma do ramo ocidental, (JS Apinay, e outra, dos diferentes grupos reunidos sob a denominao cie Timbra Orientais l0. Esta ltima obra, que por si s bastaria para consa-grar o nome de um cientista, foi publicada em 1946, aps a morte do autor, pela Universidade da Califrnia. Robert H. Lowie, que a traduziu para o ingls, a apresenta aos leitores como um dos mais notveis traba-lhos cientficos sbre indgenas da Amrica do Sul.

    Era antigo o intersse de Nimuendaj pelas tribos J. Logo nos primeiros anos de sua carreira tivera repetidos contactos com os Kaingng ou Coroados do oeste paulista e do Paran, ndios tradicionalmente clas-sificados como j meridionais, mas hoje, segundo o esquema de Chestmr Loukotka, em geral encarados como representando famlia Iingstica parte. J em 1913, comeando com um bando de ndios Canelas, em So Lus, Nimuendaj se pe a fazer o levantamento Iingstico e mitolgico dos J setentrionais; em .1914 publica um vocabulrio e textos mticos co-

    Notas sbre a vida e a obra de Curt Nimuendaj 81

    Ihidos de um indio Krey (Timbra) de Bacabal u . Nesse mesmo ano visita os Timbra em suas aldeias do Alto Gurupi, demorando-se na regio por um perodo de seis meses, o que lhe permite trabalhar tambm e.ntre os Temb e os Urubus, tribos tup daquele territrio; dos Temb pubhcou valiosa coleo de mitos 12. Em 1929 prossegue no levantamento dos dia-letos Timbra IS. Dsse ano data tambm a sua ocupao mais intensiva com os problemas da estrutura social das tribos j, ocupao persistente, embora interrompida por outras tarefas, que se "prolongou at 1940, ano em que o cientista visita os Grotire do Xingu e os Kayap do Arraias".

    Em mais de um sentido, os resultados dessas expedies s tribos j, custeadas em parte pelos museus etnolgicos de Hamburgo, Dresden e Leipzig e em parte pelo Instituto Carnegie. e pela Universidade da Cal~frnia, constituram surprsa para os estudIOSOS de nossas culturas Jndl-genas. No possvel entrar aqui em pormenores. mas basta talvez chamar a ateno para o intricamento da estrutura e da organizao sociais, de cujas caractersticas se tinha idia apenas vaga e bastante errnea. Com ardor cientfico e persistncia a tOOa prova. Nimuendaj conseguiu des-vendar, se no de maneira cabal, pelo menos em grau reaboente notvel a complexidade do sistema. Talvez no haja tribo brasileira cujo sistema social seja hoje to bem conhecido como o dos Timbra Orientais.

    Em suma, as monografiru; sbre tribos j representam a contribuio mxima de Nimuendaj no campo da etnologia braslica. No que as monografias tribais em si constituam o objetivo ltimo de nossas preo-cupaes cientficas. Mas so a base indispensvel para uma anlise pro-funda de qualquer problema de importncia. Ciente embora de que um estudo monogrfico nunca chega a ser completo, a retratar uma cultura tribal em todos os seus pormenores e em tdas as perspectivas, o pesqui-sador no se cansava em ir levando avante as suas indagaes, em voltar ao campo mais e mais vzes, em conviver com os ndios durante muitos meses seguidos, para, assim, penetrar o quanto possvel na complexidade da existncia social e no intimo das concepes religiosas. No somente os J lhe mereceram sse rigor de documentao cientfica. Ainda no fim da vida depois de prticamente concludo o manuscrito sbre os Tukna, fruto d~ onze meses de rduo convvio com a tribo. volta s regies fron-teirias com o Peru e a Colmbia para obter mais clareza sbre umas tantas questes. No lhe foi dado realizar o intento, pois a morte o sur-preendeu logo aps a sua chegada aldeia indgena.

    Autores como Cooper, Robert H. Lowie e, mais recentemente, Claude Lvi-Strauss tiveram o mrito de precisar em que sentido os trabalhos de Nimuendaj sbre as tribos j so revolucionrios nos quadros da etnolo-gia brasileira. Pode-se dizer, sem mdo de errar, que a importncia des-

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    sas contribuies se revelar em sua plenitude somente a partir do mo-mento em que algum se proponha fazer - o que h decnios no se tem feito - uma nova sistematizao e exposio de sntese dos problemas fundamentais do estudo cientfico das culturas indgenas do Brasil.

    Como se pode caracterizar a personalidade e os intersses cient-ficos que se espelham nas produes do incansvel pesquisador? Antes de mais nada. cada uma de suas pginas testemunha uma preocupao cons-tante e nunca desmentida em confiar apenas em observaes prprias. uma honestidade espontnea em confessar deficincias e lacunas, em ser o primeiro a apontar o carter fragmentrio do material colhido. Em segun-do lugar, um receio quase doentio de propor ou sugerir alguma interpre-tao terica possivelmente falha; nada mais longe de seu esprito do que o desejo de impressionar com fraseado balofo ou com formulaes arroja-das que acaso pudessem mascarar as deficincias do conhecimento real. E, em terceiro lugar, a atitude humilde de quem procurava apedeioar ca(~a vez mais o seu mtodo de trabalho com auxlio dos que estivessem mais bem informados no tocante aos requisitos tericos da etnologia moderna. Se, com isto, no decorrer dos anos, o seu estilo foi perdendo um pouco da es-pontneidade das primeiras produes, por outro lado as monografias ela-boradas no ltimo decnio de sua vida satisfazem mais s exigncias dos padres acadmicos. Ainda assim, ou por isso mesmo, no se surpreende nunca eln seus textos a mais leve pretenso de estar dizendo a ltima pa-lavra sbre os assuntos versados.

    Quanto predileo por tais ou quais setores da cincia, houve certa mudana nas diferentes fases de sua carreira de etnlogo. O levantamen-to de vocabulrios e textos f-lo sempre, em tdas as circunstncias pro-pcias. Constante foi tambm a sua curiosidade pela histria das migra-es, pela distribuio geogrfica das tribos e pelos contactos intertnicos, sem com isso cair na tentao, a que poucos resistem, de ensaiar aventu rosas reconstrues histrico-culturais. No setor propriamente etnolgico, porm, o ponto de gravidade se deslocou dos estudos de religio e mitolo-gia para os de estrutura social, em parte talvez pela influncia que sbre le exerceu Robert Lowie, que muito o estimulou e auxiliou nos ltimos anos.

    Longe de se reduzirem a simples objetos de pesquisa cientfica, os indios eram para le tambm sres humanos que precisavam de ajuda. Onde quer que se lhe oferecesse oportunidade, empenhava-se em dar-lhes amparo contra os abusos a que estavam expostos. O que Rondon realizou em escala nacional, f-lo Nimuendaj, com igual convico e persistn-cia, em inmeras situaes particulares. Os seus relatrios ao Servio de Proteo aos lndios exprimem bem a sua revolta contra o tratamento in-justo dado aos silvcolas. Mas, embora as medidas concretas que reclama-

    Notas sbre a vida e a obra de Curt Nimuendaj 83

    va pudessem ter minorado muito sofrimento, ~o pare~ia. ter iluses. quan-to ao destino que, cedo ou tarde, ser o das tr.lbos braS1lelr~s .em conlu~to. Conhecia de perto as conseqncias catastrftcas das mol:sttas dlSsemma-das pelo branco, como a ausncia de escrpulos com_ que este se comporta na conquista e na explorao de novas reas do sertao.

    Lo o nos primeiros anos estivera s voltas CO~ u~ dos ~asos mais doloros;s de que h noticia no desbravamento dp mterlO\pa~l~ta . .?~creveu-o num relatrio publicado em 1910 . pela "De;ts~ e ul !It~ng 9 d: So Paulo e de forma resumida, em "O Estado de . a. o ~ .. novembro d~ 1911 15. Tratava-se da tribo dos Ot, gente mUIto pnmltlva do oeste de So Paulo, que no conhecia a cermica~ n~m a lavou~a, nem mesmo o uso de canoas. Viviam sses ndios em terntno mal aqull~hoa~O pela natureza, caando lagartixas, cobras e peque~os. roedores T~O p.-quenos eram os seus ranchos que nles no se podIa ~Icar em p '. as ~ Ot destros no manejo de arco e flecha, eram temIdos pelas tribos VI- . zinhas como valentes guerreiros. Eis que, em meados do sculo passado, alguns fazendeiros do sul de Minas, em procura de ?ovas pastagens, leva~ ram o seu gado aos campos dos Ot. Aos pob~es l~dlO~, ~costumados a fome isso parecia uma ddiva dos cus. Com toda mocenCIa, mata~am e

    .' s re' zes Ficaram at morando na proximidade dos fazendeIrOS e comiam a ' AI f olhidos de surprsa quando stes desencadearam contra e es uma oram c _, A se cruenta e inexorvel guerra de extermnio, Eram tao mgenuos,ao ~ue afirmava, que, atingidos por uma carga de chumbo e antes .de sentIrem a dor, se riam e se coavam. Dentro em pouco estav~m reduzIdos a u~ pe~ queno grupo, que se retirou para uma rea de !ef~glo. Para _os S1ttant~, brancos, porm, vieram dias difceis, po~s os J:

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    restou fazer seno relatar a triste histria da tribo. E pela vida a fora no lhe faltaria ocasio para contar fatos no menos deprimentes. Em sua longa carreira de indianista presenciou o declnio rpido ou a fase final da existncia de muitas populaes nativas outrora numerosas e felizes.

    Foi incansvel em denunciar os crimes praticados contra os ndios por seringalistas, madeireiros e outros representantes da civilizao. Em um de seus relatrios ao Servio de Proteo aos lndios, em que, a certa altura, traa o perfil de um tal Constantino, estabelecido na rea do Xingu, lemos as seguintes frases: "As suas primeiras vtimas foram aqules m-seros restos dos Yuruna, dantes to numerosos, que tinham fugido at acima da Cachoeira de Martius. Constantino mandou busc-los por um mateiro, tripulou logo uma embarcao grande com 15 canoeiros Yuruna e desceu a Altamira, onde 13 dles morreram miservelmente: eu mesmo assisti a esta tragedia em 1915. Quando os que haviam ficado no barraco souberam o que acontecera, o seu velho chefe Mma fugiu com o resto rio acima, levando a canoa de Constantino. ~ste perseguiu os fugitivos, alcan-ou-os e massacrou-os. Debaixo das gargalhadas de seus cabras le mes-mo me contou esta faanha" 16.

    Com coragem, pacincia e habilidade conseguiu Nimuendaj em 1922 a pacificao dos Parintintn, tribo amazonense do Rio Madeira at ento tida coJtlo "indomvel". At 1920 no se sabia quase nada dos Parintintn e de sua:' cultura. Entre os brasileiros, diz o indianista, tinham ''pssima fama". Fato que reagiram de forma hostil s suas tentativas de com les entrar em contacto. A cabana de flhas de ferro zincado, construda por Nimuendaj e alguns companheiros no mago da floresta, margem do Maici-Mirim, foi durante algum tempo alvo predileto das flechas dos ndios, naturalmente ansiosos por eliminar o mais depressa possvel os inoportunos invasores de seu territrio. Mas a perseverana do pacificador afinal os levou a mudar de atitude. Graas a presentes e a vozes na Lngua Geral, parecida com o idioma da tribo, convenceram-se pouco a pouco das boas intenes com que eram procurados.

    Tratava-se de tribo provvelmente antropfaga. "No vi os Parin-tintin comerem carne humana, escreve Nimuendaj, mas da maneira como os conheo, acho-os muito capazes de afazer, e ocasionalmente ouvi de sua bca coisas que tornam provvel a existncia dste costume entre les." No faziam, alis, segrdo disso. "Por diversas vzes, cara a cara, les tm ameaado de comer-nos". Um moo que se tornara amigo dos forasteiros, zangando-se por um motivo qualquer, sentou-se ao lado do indianista e disse-lhe em voz baixa e com olhar cheio de dio: "Os teus ps eu quero comer! Os teus olhos eu quero comer! E: bom!" 17 .

    Como si acontecer, a aceitao de relaes pacficas com o mundo dos brancos foi o passo inicial para o declnio da tribo dos Parintintin, hoje

    Notas sbre a vida e a obra de Curt Nimuendaj 85

    reduzida a uns mseros restos. Desde logo, o impacto de epidem!as teve efeito devastador, e Nimuendaj no tardou a lame~tar .a emp.resa que executara com tanta coragem e firmeza. "Nunca maiS, disse, aJudarei a pacificar uma tribo" 18 .

    No foi por excentricidade romntica que em 1905 o jovem alemo, de vinte e poucos anos de idade e mal c?egad? da E~rop~, se embrenhou pelo serto paulista para viver com os indlOs e a maneIra deles. ~Ie mesmo o testemunha em um de seus primeiros artigos, "Zur Coroadofrag~", de 1910. Discute a a afirmao, corriqueira na poca, de. que , o~ frequ~mt~s ataques dos Kaingng na reg~o da Noroeste :r~ deVIdos a mterferencla de indivduos de passado dUVIdoso que no recondlto das florestas procur~vam ficar a salvo da justia. "Nem se compreende, escrev:: por qu~ moti-vo poderia algum que no seja ndio, ~ind.a ma~s u~ alemao, a~s?Clar-se a essa tribo bravia a no ser talvez por mtmtos CientifiCaS ou SOCIaIS. Gente que no conhec~ por experincia prpria a vida in,dgen~ encontra I?go a explicao: trata-se de criminosos. q~e, escapando a ]uslla, se refugIaram entre os selvagens. Ora, a um cnmmoso que. por sua vontade se subm.e~ tesse a castigo dessa ordem quase que se podenam per~oar todos_os de'."als. A vida do slvicola sul-brasileiro to incrivelmente mIservel, tao cheIa de penria e privaes, de perseguio e de perigos, o convvio. prolongado com os selvagens pueris, teimosos e obstinados de tal modo msuportvel, que um criminoso fugitivo deveria estar ,Positivamente. maluco. para subme-ter-se a tudo isso espontneamente vIsta da frontelfa pr6xlma de Mato Grosso e do Paran onde se lhe abre carreira bem melhor do que no C'Jn-vvio com uma horda de ndios bravios, votada ao extermnio" 19. ~ste n~o o tom de um aventureiro, mas de quem avalia os sacrifcios a 9ue se dl~~ pe por ter em mira um objetivo definido_o P?r outro lado, se Nlmuend~Ju carrega nas tintas ao falar das agruras, nao e q~e lhe escapem as alegnas que a vida, at a mais rdua, oferece. ~ que~ sal?a encontr-Ias. Qu.an.do, em 1928 e 1929, realizou uma expedlao ao mtenor d_o nordeste ~rasdelfo, a fim de estudar as tribos j da regio e fazer coleoes etnogrfIcas para museus da Europa, declara, em carta ao Padre Koppers, que a .. sua per-manncia na tribo dos Apinay, que o tratavam com grande af~blhdade , se inscrevia entre as recordaes mais gratas de sua vida .. Tambem entre os Ramkokramekr obteve a amizade dos ndios e em espeCIal acr:scenta -das ndias que gastavam horas a fio em pint-lo da cabea aos pes e que o enfeitavan: como uma rvore de Natal. Entretanto, tambm n~ faltavam a circunstncias negativas, que tornavam penosa a es~ada na ~flb~. Uma das pragas eram os vendedores de cachaa, que d~ dOIs. em dOl~ d~as apa-reciam na aldeia e contra os quais teve de tomar afmal alltude e~erl?ca para mant-los afastados. E aborrecia-o a insistncia com que os mdlgenas o assediavam com pedidos de tda sorte. "Imagine bem o senhor, diz le cm

  • Egon Schadcn

    sua cnrla, o que significa conviver pelo espao de um ms ou mais com um bando de 300 pedintes e ter de mant-los com boa disposi.o de nimo!" 20.

    O ~ue. talvez defina melhor do que qualquer outra coisa a personali-dade Ind.anlsta de Curt Nimuendaj foi a plenitude com que lograva iden-

    . I.flcar-se com a v.da e a maneira de ser das tribos por le visitadas e estu-dadas. Fal~-s: muito em observao participante com referncia pesqui-sa antropologlCa moderna. Poucos so, porm, os que tm idia precisa do que ~sto venha a ser. No basta comer alimentos indgenas, beber cauim de milho ou d~ ~atata doce, dormir em rde de buriti, pintar-se com jenipapo e ?rucu e partIcIpar de danas e cerimnias tribais - preciso sentir na pr-pna carne os problemas "do grupo como os prprios, temer as mt:smas amea-

    ~as, acale~tar ,as mesmas ~speranas, encolerizar-se com as mesmas injus-tias e arbltra~ledades. FOI por esta porta que o jovem Nimuendaj entrou na antropologIa. Tudo o mais veio depois.

    E' claro que os ndios por sua vez sentiam perfeitamente a atitude com que er~m por le tr~tados . ~a a rapidez com que em geral lhes granjeava a co~flana e a amizade, Nao nos admiraramos se um dia viesse a ser menCIonado, P?r tais ou q,uais ndios, entre os heris civilizadores da tribo. Entre .os l')an~eva,-GuaraDl - ou Apapokva, como le os chamava _ en-

    con~rel VIva n~o ~o~ente a recordao de sua pessoa, o que era natural, pois havIa na aldeIa mdlOs que o conheceram pessoalmente, mas sobretudo a Imagem go b~nfe~tor e do. defensor, que sempre e em tda parte tomava as dores de s~us Irmaos de tn~o ; que, segundo o testemunho do velho Poydj, chego.u a msta!ar no Aranba uma escolmha de primeiras letras para le prpno alfabetIzar as crianas.

    A tal ponto os ndios passavam a consider-lo como um dos seus que, por exempl~, os Apinay acabaram por cas-lo nalens valens ~om uma Jovem da tr.lbo 2'. Por seu turno, os Ramkokmekr, depois de le lhes, captar a amlZa~e, o homenagearam com uma cerimnia na praa da aldeIa, em q.ue lhe Impuseram, como honra mxima, o nome do chefe su-premo da tnbo, que havia falecido 22.

    . No s~e?te os ndios o tinham por um dos seus. rue prprio se consIderava mdlo ~m sentido p!eno da palavra. Com a maior naturalidade se apresenta aos leItores da "Zeltschrift fr Ethnologie" (1914) como mem-bro da horda dos Apapokva. E, narrando ter certa vez adoecido na aldeia d~ Aranb, p~ostrado. pela subnutrio, pelo impaludismo e pela disenteria, afIrma que fOI a me?cma guaran~ que o salvou aps le haver perdido a esp~r,a~a de sobrevIver e ter assIstido, um pouco prematuramente, fa-se m,cIaI de sua prpria cerimnia fnebre. O curioso que a maneira de re!atar o acontecImento delxa_ no leitor a impresso de que o indianista fOI salvo realme~te pelas canoes mgico-religiosas do sacerdote guarani ". Pare~la . haver cnado em si a necessidade psquica de ser tido e de se ter por mdlO para todos os efeitos.

    Notas sbre a vida e a obra de Curt Nimuendaj 37

    Por isso mesmo, era grande o seu desapontamento quando algum gru-po o tratava como a qualquer outro civilizado: com desconfiana e. at. com desprzo. A experincia que teve entre as tnbos do Iana, do Alan e do Uaups, relata-a com as seguintes palavras: "O ndio hoje v em qualquer civilizado com que le depara o seu algoz implacvel e uma fera temvel. E' hoje trabalho perdido querer conquistar a confiana do ndio por meio de tratamento fraternal e justiceiro. Mesmo os atos mais desinteressados le os atribui a motivos sujos, convencido de que ' s por uma convenincia qualquer o civilizado disfara ocasionalmen.te_ a. s~a .natureza de fer.a. Para mim pessoalmente, acostumado conVIvenCla mtlma com os ndIOS das tribos e regies mais diferentes, a permanncia entre os do Iana e Uaups foi muitas vzes um verdadeiro martrio, vendo-me sem mais nem menos e com a maior naturalidade tratado como criminoso, perverso e bruto" 24. No nos difcil imaginar o estado de alma com que estas pa-lavras foram lanadas no papel.

    Um dos fatos que mais o preocupavam era a maneira pela qual os ndios so espoliados de suas primitivas terras. Volta e meia insiste na necessidade de se adotarem medidas eficientes no sentido de debelar o mal. Num relatrio sbre os Maxakal, aps expor a situao por le observada acrescenta cheio de indignao: "ento dem-se aos ndios ou-tras terra; para suas habitaes, porque enfim 140 ndios no podem ficar sem mais nem menos nos galhos dos paus" 2~ .

    " Bem se v que no foi por esprito de aventura que Nimuendaj esco-lheu a vida que levou. Moviam-no desde cdo a curiosidade do cientista e, ao mesmo tempo, um genuno idealismo humanitrio. E' neste sentido, a meu ver, que se deve entender tambm a frase final de um artigo, publi-cado em 1910, em que descreve com riqueza de pormenores a sua adoo na horda dos Apapokva. Eis como se exprime: "Quando da a meia hora o sol se ergueu atrs da floresta, os seus raios iluminaram um nvo companheiro de tribo dos Guaran, o qual, a despeito de sua pele clara, compartilhou com les fielmente, pelo espao de dois anos, a misria ete um povo moribundo" 26,

    Os que conheceram Curt Nimuendaj no o retratam como pessoa alegre e expansiva, H, ao contrrio, quem o descreva como sorumbtico, misantropo, taciturno e de ndole esquiva; em suas viagens pela Ama-znia teria passado dias e dias sem falar com quem quer que fsse, pre-ferindo olhar sem parar, dia e noite, a corrente das guas. No sei at onde vai o exagro dsse retrato, mas bem possvel que uma vida de quarenta anos de serto no arrune apenas a sade fsica, como lha arruinou, mas tambm imprima ao esprito um cunho de mel~colismo. Ningum, diria Goethe, vive impunemente sombra das palmeiras.

    Mas h tambm os que lembram e destacam a sua maneira afvel no trato com os que tinham a sua estima; recordam-lhe o idealismo, a sim-

  • 88 Egon Schaden

    plicidade quase desconcertante e, e douta.

    aClma de tudo, a palestra sempre VJva

    Uma coisa certa. O seu ideal humanitrio e o esprito de . indagao cientfica se mantiveram acesos at o ltimo dia com o ardor dos anos de estria. Oxal todos pudessem no fim da vida sentir a satisfao de a ter, como le, dedicado integralmente realizao de uma idia elevada e nobre!

    NOTAS

    . 1) Devemos essas informaes ao mdico Fritz Capp:.-ller, de Bad Salzungen, fale-cido em 1965. Recolheu Ie todos os dados relativos vida de Nimuendaj anterior emigrao dste, publicando o essencial num folheto intitulado "Der grsste Indianer-forscher aller Zeiten" (CAPPELLER, 1963).

    2) Cf. carta de Nimuendaj a Herbert Baldus (NIMUENDAJ, 1944, pg . II). Afirma ai o indianista no haver encontrado, nem em portugus nem em alemo, tradu-o adequada para ssc verbo. Na linguagem hiertica o final dj significa "reluzente como ouro", "sublime", talvez at "sagrado", no parecendo haver dvida de que se liga ao adjetivo dj, "amarelo".

    3) NIMUENDA], 1944, pg. 2. 4) BERGHAUS, 1845-47. 5) ~o tempo de Nimuendaj, Avakadj era chefe e sacerdote da horda do Ararib.

    Cbamavase tambm Djodjyroky e Aradjoguiro. Entre os brasileiros era conhecido por Capito Jos Francisco Honrio. O padrinho de Nimuendaj era outro Guarani de nome Pontxi, ao passo que no meu batismo pai adotivo e padrinho foram uma s6 pe~oa.

    6) 7) 8) 9)

    10) 11) 12) 13) 14) 15) 16) 17) 18) 19) 20) 21) 22) 23) 24) 25) 26)

    NIMUENDA], 1910 . Verso portugusa de NIMUENDAJ, 1939. NIMUENDA], 1914 . NIMUENDA], 1939 . NIMUENDA], 1946 . NIMUENDA], 1914b . NIMUENDA], 1915. NIMUENDA], 1929 . NIMUENDA], 1952.

    Uma edio recente, com comentrios etnolgicos, encontra-se em BALDUS, NIMUENDA], 1952, pg. 432. NIMUENDA], 1924, pg. 233. GUSINDE, 1946, pg. 6i. NIMUENDA], 1910b. NIMUENDA], 1929, pg. 672. lbidem . lbidem. NIMUENDA], 1914, pg . 284-285. NIMUENDA], 1950, pg. 173. NIMUENDA], 1958, pg. 58. NIMUENDA], 1910., pg. 34.

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    Biblioteca Digital Curt Nimuendaj http://www.etnolinguistica.org/biblio:schaden-1967-notas

    [CAPA]NOTAS SBRE A VIDA E A OBRA DE CURT NIMUENDAJNOTASBIBLIOGRAFIA (contm itens clicveis)