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Do concreto ao virtualInteração e interatividade no letramento de indivíduos surdos

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  • 1

    Relatrio Final de Pesquisa

    Bolsa Modalidade Produtividade em Pesquisa

    Do concreto ao virtual

    Interao e interatividade no letramento de indivduos surdos

    Profa. Dra. Rita Maria de Souza Couto

    Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro

    www.multi-trilhas.com

    Rio de Janeiro, 30 de abril de 2009

  • 2

    Sumrio

    Introduo 3

    Captulo 1 - Fundamentos Norteadores da Pesquisa 6

    Captulo 2 - Processo de Projeto 40

    Captulo 3 Objetos projetados

    3.1 Multi-Trilhas concreto para mesa e piso

    3.2 Multi-Trilhas multimdia

    66

    73

    Captulo 4 - Resultados das validaes finais 78

    Captulo 5 - Concluses e desdobramentos 84

    Captulo 6 - Divulgao da Pesquisa 88

    Bibliografia

    94

  • 3

    Introduo

    Relatos sobre experincias que tm por base a interao do Design com outras reas de conhecimento so freqentes em encontros e publicaes desta rea. Eles falam de itinerrios variados que vm enriquecendo o Design tanto no mbito terico quanto no prtico.

    Atualmente, tem crescido significativamente o interesse pela rea da surdez, principalmente entre pesquisadores lingistas, educadores, psiclogos, entre outros, visto que este tema constitui um campo frtil para discusses. A presente pesquisa traz o designer para este universo de investigao e sua participao se d por meio de instrumentos prprios a seu campo de expertise: o projeto de um material educativo que tem por objetivo auxiliar crianas surdas no processo inicial de aquisio do Portugus escrito como segunda lngua, no mbito do ensino fundamental, da 1a 4a sries, atravs de uma abordagem interdisciplinar, com foco no Design.

    Objeto do presente relatrio, esta investigao foi realizada por professores e alunos vinculados ao Laboratrio de Pedagogia do Design1, LPD, a partir de uma parceria entre o Departamento de Artes & Design da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, PUC-Rio e o Instituto Nacional de Educao de Surdos do Rio de Janeiro, INES-RJ2.

    O trabalho aqui relatado exemplifica o modelo triangular que deve compor as atividades desenvolvidas no mbito da universidade: incluiu a pesquisa, contemplada com duas bolsas de rgos de fomento FAPERJ e CNPq, o que permitiu o projeto e a confeco do material educativo e viabilizar a continuidade desta investigao; teve reflexos no ensino e tambm na pesquisa, com a vinculao de bolsistas PIBIC/CNPq, de alunos de mestrado e doutorado do Programa de Ps-graduao em Design da PUC-Rio; desenvolveu trabalho de extenso universitria, por meio da parceria com o Instituto Nacional de Educao de Surdos, INES-RJ, na figura de fonoaudilogos, professores, alunos e consultores em LIBRAS.

    Esta investigao, que teve como inspirao a dissertao de Mestrado me Design vinculada ao LPD de Carlos Klimick Pereira3, est inserido no mbito da linha de pesquisa intitulada Design de Situaes de Ensino-aprendizagem, que tem como princpio bsico a reflexo critica sobre objetos, sistemas e linguagens utilizados em ambientes concretos ou mediados pela tecnologia onde, de alguma forma, pretenda-se uma aquisio de conhecimentos. Esta uma rea ampla, que se preocupa no s com o desenvolvimento de um objeto ou de um sistema de objetos, mas tambm com o seu entendimento, utilizao e eficcia. 1 O LPD um laboratrio de pesquisa vinculado ao Programa de Ps-graduao em Design da PUC-Rio e coordenado, desde sua criao em 1997, pela Profa. Dra. Rita Maria Couto 2 No ano de 2004 foi montada uma equipe de pesquisa constituda por professores e alunos do curso de Design da PUC-Rio para trabalhar no desenvolvimento de materiais didticos para alfabetizao de crianas surdas. Ainda neste ano o projeto recebeu, em nome da sua coordenadora, Profa. Rita Couto, seu primeiro apoio atravs de uma bolsa Cientistas de Nosso Estado da FAPERJ, finalizada no corrente ano. Em 2006, esta pesquisadora foi contemplada, tambm, com uma bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq para dar continuidade a esta investigao, principalmente no que diz respeito experimentao dos objetos projetados e ao desenvolvimento de novos objetos multimdia com o mesmo fim. 3 Pereira, Carlos Eduardo Klimick. Construo de Personagem & Aquisio de Linguagem - O Desafio do RPG no INES. Rio de Janeiro, 2003. 225 pag. Dissertao de Mestrado - Departamento de Artes & Design, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro. Orientao da Profa. Dra. Rita Maria de Souza Couto.

  • 4

    Seu resultado concreto um jogo, um material educativo, idealizado principalmente, mas no exclusivamente, para auxiliar crianas surdas no processo inicial de aquisio de segunda lngua. Com ele, o professor pode trabalhar verbos, substantivos, adjetivos e pronomes em duas lnguas: Lngua Brasileira de Sinais - LIBRAS e Portugus escrito, apresentadas em contextos temticos variados. Este jogo recebeu o nome de Multi-Trilhas e ser apresentado em detalhes ao longo do presente relatrio, que traz, alm do horizonte terico sobre o qual este trabalho foi fundamentado, uma descrio do percurso metodolgico que foi empreendido para a configurao do jogo Multi-Trilhas, o processo de validao dos objetos e o panorama de divulgao ao longo de sua execuo.

    A presente pesquisa teve como objetivo principal a configurao de objetos didticos auxiliares aquisio de segunda lngua por crianas surdas. Guiados pelos ensinamentos de Frascara (1988), tem-se no Design uma oportunidade para projetar no apenas um material didtico, mas uma situao didtica, na qual professores, alunos e fonoaudilogos possam completar o material proposto.

    Tendo por base uma abordagem interdisciplinar com foco no Design, buscamos desenvolver estratgias para auxiliar o processo educacional de crianas surdas no mbito do ensino fundamental, contribuindo para a ampliao dos limites do Design sendo direcionado a situaes de ensino-aprendizagem.

    Os objetivos operacionais que guiaram a pesquisa foram: 1. Identificar modelos diferenciados de Design quando relacionado a alfabetizao de crianas surdas; 2. Constituir um espao acadmico direcionado ao aprofundamento de reflexes e discusses sobre prticas de alfabetizao de crianas surdas, visando a resignificao do uso materiais concretos e virtuais; 3. Facilitar o acesso de crianas surdas leitura e escrita na lngua portuguesa; 4. Experimentar material didtico concreto com apelo ldico e condizente com o universo das crianas surdas em fase de aquisio de segunda lngua; 5. Experimentar material didtico virtual que possa ser utilizado como reforo aos contedos apresentados de forma concreta; 6. Explorar possibilidades de utilizao de linguagem visual em objeto didtico para este pblico; 7. Estudar possibilidades de interao entre crianas surdas e ouvintes durante o uso dos objetos de aprendizagem que compem o corpo de experincia da pesquisa.

    A relevncia desta pesquisa pode ser avaliada por meio das seguintes consideraes:

    - O carter interdisciplinar e o alcance social do projeto de pesquisa que foi executado, assim como as possibilidades de ampliao que se descortinaram para a rea do Design da Informao, com o trabalho realizado em torno da ilustrao em LIBRAS.

    - A possibilidade de descrio de parmetros para guiar a criao de materiais didticos para ciranas surdas, sendo este um pedido recorrente de educadores e fonoaudilogos do INES-RJ, local em que o objeto didtico virtual elaborado por Carlos Klimick Pereira foi testado;

    - A possibilidade de consolidao da linha de pesquisa Design em Situao de Ensino-aprendizagem no mbito do Programa de Ps-graduao em Design. Esta linha consolidao tem sido buscada por meio das pesquisas que vem sendo desenvolvidas no Laboratrio de Pedagogia do Design do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio;

    - A pesquisa realizada teve por base o enfoque metodolgico do Design em Parceria, uma vez que os objetos didticos foram desenvolvidos com a participao direta dos

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    educadores, fonoaudilogos e crianas do INES-RJ. O curso de Graduao em Design da PUC-Rio tem como sua principal marca o uso deste enfoque metodolgico na formao de seus alunos. Por meio dele, so desenvolvidos trabalhos acadmicos com grupos sociais reais, que atuam como parceiros durante todo o processo de projeto de objetos ou sistemas de informao.

    O desafio que se colocou para o campo do Design nesta pesquisa foi o de descobrir, no processo de ensino-aprendizagem, as possibilidades de interao e interatividade que acontecem na relao entre professores, alunos ouvintes e no ouvintes, informaes, mtodos e suportes didticos.

    A parceria do Design com a Educao, que permeia esta investigao, tem como ponto de partida a linguagem e suas variadas formas de comunicao concernentes aos gestos, oralidade, escrita, imagem, ao som, ao colorido, s aes, aos sentimentos e aos valores.

  • 6

    Captulo 1 Fundamentos Norteadores da Pesquisa

    A excluso social dos surdos , ainda hoje, um fato concreto.

    Segundo estimativas de 2005 da Organizao Mundial de Sade, apenas 278 milhes de pessoas no mundo tm perdas auditivas ou so surdas, o que significa que esse povo uma minoria de menos de dois por cento da populao mundial (World Health Organization, 2008). Por isto, o impacto social, financeiro ou monetrio que se obtm quando se objetiva alcanar essas pessoas muito pequeno e, em consequncia, elas e suas questes ficam sempre em segundo plano ou, em alguns casos, at mesmo fora de consideraes ou estatsticas (Freitas, 2009).

    Ser surdo diferente de ser deficiente auditivo (Freitas, 2007). Surdos so sujeitos que se vem como componentes de uma minoria lingstica, e deficientes auditivos so sujeitos que se vem como pessoas com um problema de falta de audio.

    As lnguas de sinais, de modalidade gestual-visual, se ajustam mais adequadamente aos surdos, pois segundo Chaveiro (2004), elas so um canal que os surdos dispem para receber a herana cultural, e adquirida como lngua materna pelas crianas surdas. O simples contato com a comunidade de surdos adultos propicia a sua aquisio naturalmente. No caso do Brasil, trata-se da Lngua de Sinais Brasileira, a LIBRAS.

    Segundo Skliar (1998), os surdos no possuem uma pedagogia oficial prpria que considere a sua especificidade como uma diferena real, que no apenas retrica e sim uma construo histrica e social.

    H, por parte dos projetos polticos e pedaggicos oficiais, uma tentativa recorrente e poderosa de normalizar os surdos, incluindo a tratamentos mdicos e fonoaudiolgicos. Tais projetos, ao lidarem com o surdo a partir de sua representao como sendo um ouvinte com um defeito provoca, entre outras coisas, graves dificuldades dos surdos de entendimento das lnguas orais escritas.

    H quase uma dcada, Skliar (1998) afirmou que a surdez constitui uma diferena a ser politicamente reconhecida. Ela uma experincia visual, uma identidade mltipla ou multifacetada. Contudo, a surdez ainda est localizada dentro do discurso sobre a deficincia nos nossos dias.

    O indivduo surdo usa para se comunicar uma linguagem visuo-espacial que se expressa por meio de sinais. Isto o coloca numa situao diferente de outros indivduos que apresentam deficincias motoras, cegueira, sndromes diversas, por exemplo, que compartilham a mesma linguagem oral de pessoas ouvintes.

    As dificuldades de comunicao do indivduo surdo precisam ser trabalhadas desde a mais tenra idade, para que ele possa crescer como cidado. Assim, seu desenvolvimento cognitivo requer um ambiente em que a LIBRAS esteja presente desde cedo, como primeira experincia lingustica.

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    INES-RJ

    O Instituto Nacional de Educao de Surdos - INES, rgo do Ministrio da Educao - MEC, tem como misso institucional a produo, o desenvolvimento e a divulgao de conhecimentos cientficos e tecnolgicos na rea da surdez em todo o territrio nacional, bem como subsidiar a Poltica Nacional de Educao, na perspectiva de promover e assegurar o desenvolvimento global da pessoa surda, sua plena socializao e o respeito as suas diferenas4.

    Na presente pesquisa foi escolhida esta Instituio para seu estudo de caso por ser um Centro de Referencia Nacional na rea da Surdez, que presta assessoria tcnica nas seguintes reas: preveno surdez, audiologia, fonoaudiologia, orientao familiar, orientao para trabalho e qualificao profissional, artes plsticas, dana, biblioteca infantil, Lngua de Sinais, informtica educativa, atendimento mltipla deficincia (sempre aliada a surdez), preveno s drogas, experincia educacional bilnge, ensinos fundamental e mdio e aes para a cidadania (palestras sobre temas atuais). Tambm promove anualmente, Seminrio Nacional/Congresso Internacional sobre temas relevantes na rea da surdez, alem de publicaes semestrais de revistas e peridicos de cunho tcnico e cientifico.

    No INES encontra-se o Colgio de Aplicao onde so atendidos alunos surdos, desde a Educao Infantil at o Ensino Mdio. Alm de educao formal, os alunos recebem atendimento especializado nas reas de fonoaudiologia, psicologia e assistncia social. Os cursos profissionalizantes e estgios remunerados capacitam os surdos para sua insero no mercado de trabalho. O Projeto do Centro de Atendimento Alternativo Florecer atende alunos matriculados nos segmentos da escolaridade formal do CAP/INES que apresentam dificuldades de aprendizagem e/ou outros comprometimentos, como tambm a crianas e jovens com mltipla deficincia que vm em busca de escolaridade. Arte e esporte completam o atendimento diferenciado do INES aos seus alunos.

    Dentre as principais aes que so desenvolvidas pelo INES esto: capacitao de recursos humanos na rea da deficincia auditiva; realizao de estudos e pesquisas na rea de surdez; elaborao do informativo tcnico-cientfico Espao; articulao institucional atravs de convnios para estgios de universitrios; capacitao profissional do aluno surdo; realizao de seminrios e fruns permanentes.

    Sua histria comeou em 26 de setembro de 1857, durante o Imprio de D. Pedro II, quando o professor francs Hernest Huet que era surdo fundou, com o apoio do imperador o Imperial Instituto de Surdos Mudos. Na poca, o Instituto era um asilo, onde s eram aceitos surdos do sexo masculino. Eles vinham de todos os pontos do pas e muitos eram abandonados pelas famlias. Em 1931 foi criado o externato feminino com oficinas de costura e bordado. Com isso, o INES consolida o seu carter de estabelecimento profissionalizante, institudo em 1925.

    Os anos 50 foram marcados por uma srie de aes importantes, como a criao do primeiro curso normal para professores na rea da surdez (1951). Neste ano, o INES recebeu a visita de Helen Keller, cidad americana, surda e cega, cuja trajetria de vida um exemplo at os dias de hoje. Em 1952 foi fundado o Jardim de Infncia do Instituto e no ano seguinte criou-se o curso de Artes Plsticas, com o acompanhamento da Escola

    4 http://www.ines.org.br/Paginas/oquefazemos.asp, consultado em maro de 2007.

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    Nacional de Belas Artes. Em 06 de junho de 1957, o Instituto passou a denominar-se Instituto Nacional de Educao de Surdos. Neste mesmo ano foi criado o Centro de Logopedia do Instituto, o primeiro do Brasil.

    Na dcada de 70 foi criado o Servio de Estimulao Precoce para atendimento de bebs de zero a trs anos de idade. No incio dos anos 80, com a criao do Curso de Especializao para professores na rea da surdez, o INES investe na capacitao de recursos humanos, com a finalidade no s de capacitar, como de gerar agentes multiplicadores nesta rea, uma vez que o curso, atualmente chamado de Curso de Estudos Adicionais, recebe professores de todo o pas que, ao retornarem s origens, disseminam os conhecimentos adquiridos no INES.

    Em 1990 criado o informativo tcnico-cientfico Espao, cujos artigos so voltados para a educao do aluno surdo. A partir de 1993, o INES adquiriu nova personalidade com a mudana de seu Regimento Interno, atravs de ato ministerial. O Instituto passa a ser um centro nacional de referncia na rea da surdez. Com esta nova atribuio so realizadas aes que subsidiam todo o pas.

    O INES, ao longo de sua existncia, seguiu as correntes internacionais de educao de surdos, tendo passado nos anos 90 do "imprio oralista" para o bilingismo.

    Segundo Fernandes (2003), o Bilingismo no um mtodo de educao. Define-se pelo fato de um indivduo ser usurio de duas lnguas. Educao com bilingismo no , portanto, em essncia, uma nova proposta educacional em si mesma, mas uma proposta de educao onde o Bilingismo atua como uma possibilidade de integrao do indivduo ao meio scio-cultural a que naturalmente pertence, ou seja, s comunidades de surdos e de ouvintes. Educar com Bilingismo cuidar para que, atravs do acesso a duas lnguas, se torne possvel garantir que os processos naturais de desenvolvimento do indivduo, nos quais a lngua se mostre instrumento indispensvel, sejam preservados. Isto ocorre por meio da aquisio de um sistema lingstico o mais cedo e o mais breve possvel, considerando a Lngua de Sinais como primeira lngua.

    Dentro do INES, esta pesquisa foi conduzida pela DIFON (Diviso de Fonoaudiologia) e pelo SEDIN (Servio de Educao Infantil). Contou, tambm, com a participao de professores da Educao Infantil e da Alfabetizao.

    A DIFON possui uma equipe de fonoaudilogos e atende crianas e adolescentes de zero aos 15 anos de idade. Seus objetivos so propiciar a aquisio da lngua portuguesa oral e escrita e a integrao do surdo sociedade. A LIBRAS entra como um recurso para estes fins, no cabendo ensin-la neste setor. O atendimento s crianas e adolescentes individual e vrios recursos so usados, entre eles o computador e jogos de desenvolvimento da fala.

    O SEDIN tem uma equipe de professores e profissionais que fazem atendimento extraclasse com as atividades de contador de histrias, informtica, fonoaudiologia, biblioteca, monitoria (adulto surdo), educao fsica e psicomotricidade. No SEDIN so atendidas crianas de zero a seis anos. A Educao Infantil faz parte do primeiro segmento de escolaridade, compondo juntamente com a Educao Fundamental a chamada Educao Bsica. Tem, portanto, como propsito trabalhar todo o potencial da criana visando sistematizao dos contedos escolares. Seus objetivos incluem o desenvolvimento cognitivo das crianas, aquisio da Libras, alfabetizao e integrao do

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    surdo sociedade. O trabalho que est sendo realizado de orientao bilnge com a LIBRAS como primeira lngua e a lngua portuguesa como segunda lngua.

    A experincia tem demonstrado que a criana surda compreende melhor as solicitaes do professor quando estas so feitas em Libras. Assim, esta Lngua de Sinais utilizada continuamente desde a educao precoce, levando alfabetizao e aquisio do portugus nas suas verses escrita e oral. O atendimento s crianas feito normalmente em grupo, com a utilizao de vrios recursos como, por exemplo, quadro-negro, desenhos, cartazes, jogos etc.

    Para contextualizar a presente investigao fez-se necessrio, tambm, conhecer aspectos relativos histria da educao de surdos no mundo, que tem como marco principal o o Congresso de Viena, realizado em 1880.

    Congresso de Viena

    Evento tcnico em educao, o Congresso de Viena teve uma forte prevalncia poltica de interpretaes equivocadas das teorias ento vigentes, entre elas o conceito de seleo natural de Darwin e a busca do progresso e desenvolvimento por meio da ordem, protagonizada pelos positivistas. Considero que as ms interpretaes desses iderios pelos congressistas, aliadas j estabelecida ordem social baseada no conceito de normalidade, favoreceram a prevalncia de vises de mundo bastante restritas, discriminatrias, onde o que prevaleceu foi a desconsiderao da diversidade humana. lamentvel, mas foi o que aconteceu no Congresso de Viena, um importante frum que se props a discutir a educao dos surdos e que, paradoxalmente, no lhes deu o direito de opinar sobre si prprios e seus pares. Os resultados imediatos mais emblemticos foram a cassao dos diplomas de licenciatura dos surdos e a proibio de praticar as lnguas de sinais em todo o mundo ocidental moderno.

    Apesar das mudanas conceituais na poltica e nos meios acadmicos de pesquisa que so notados nas sociedades industriais globalizadas da contemporaneidade, a educao dos surdos no mbito das escolas est, at hoje, invariavelmente baseada no discurso da normalidade, ou seja, eles ainda so considerados anormais, onde o discurso e a prtica esto focados na deficincia. Isto se d tanto no mbito escolar como no mbito familiar e empresarial, sendo desta forma mesmo quando est sob a gide da incluso, pois no raro esta tem sido equivocadamente interpretada.

    Esses discursos foram formalizados desde as resolues do Congresso de Viena que, alijando os surdos da possibilidade de tomadas de deciso sobre si mesmos no sistema educacional, tirou o prazer que poderia haver na aprendizagem formal, que se tornou apenas uma questo utilitarista e de servio, levando os aprendizes surdos da poca at hoje, significao do conhecimento e da aprendizagem como algo desagradvel, pois marcado por emoes e sentimentos negativos em que a lngua de sinais sempre ocupou o centro das controvrsias e proibies.

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    A educao bilnge de indivduos surdos

    A educao de crianas surdas um problema complexo que se coloca em diferentes nveis. Ela se desenvolveu em diferentes direes, segundo Kozlowski (1998), sendo importante verificar os benefcios e os inconvenientes dentro de cada uma delas, em funo das caractersticas das prprias crianas.

    As opes tericas para a educao do surdo se encontram em dois extremos: o oralismo puro, de um lado, e a posio gestualista pura, de outro.

    Na corrente oralista restrita se aceita nica e exclusivamente a linguagem oral. Com ela, a criana surda treinada a desenvolver seus resduos auditivos e o aprendizado da leitura labial, sendo encorajada a usar a fala para se comunicar. Isto feito por meio de um trabalho sistemtico de educao da articulao.

    A integrao eficaz da criana no universo udio-oral do ouvinte a orientao pedaggica do oralismo. Assim sendo, ela deve desenvolver o mximo possvel sua linguagem oral. Com este objetivo, toda e qualquer comunicao gestual inibida.

    Por seu turno, os defensores da posio gestualista pura, que raramente utilizada em sua forma radical, propem que a criana, desde a mais tenra infncia, utilize um meio de comunicao visuo-manual, que lhe facilmente acessvel, como afirma Kozlowski (1998).

    A evoluo atual, segundo a autora, caminha para uma sntese e uma abrangncia destas duas correntes sob forma de diferentes filosofias como o Bilingismo e a Comunicao Total.

    A necessidade de colocar a criana precocemente dentro de um contexto comunicativo rico e estimulante defendida por psiclogos do desenvolvimento. Isto igualmente vlido para crianas surdas e ouvintes. Assim sendo, necessrio fornecer a estas ltimas, meios eficazes de comunicao para que ela se desenvolva da mesma forma que a criana ouvinte, mesmo que utilize outra modalidade comunicativa.

    Como lembra a autora, se no h razo para educar a criana surda dentro de uma modalidade oral pura, no h tambm nenhuma justificativa para que haja uma prtica nica e isolada de linguagem gestual.

    Buscando compreender melhor o pano de fundo que d base ao bilingismo, faz-se necessrio conhecer um pouco mais sobre os marcos histricos que determinaram as opes tericas para a educao do surdo, assim como o que contribuiu para a mudana de direo da orientao oralista para a gestualista.

    Existem poucos registros sobre as primeiras iniciativas de educao de surdos no mundo, mas possvel encontrar no sculo XVI, na Espanha, informaes que levam a Ponce de Lon (1520-1584), considerado o primeiro professor de surdos. Infelizmente, no foram encontrados registros sobre seus mtodos, pois na poca era tradio guardar segredo sobre os mtodos educativos utilizados (Kozlowski, 1998).

    Em 1620 foi publicado em Madri o primeiro livro sobre educao de surdos, de autoria de Juan Pablo Bonet. Intitulado Reduction de las letras y arte para ensear a ablar los

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    surdos, este livro trazia o alfabeto manual e enfatizava a necessidade de um aprendizado precoce do mesmo. Trazia, tambm, recomendaes de que as pessoas envolvidas com a educao de surdos soubessem utilizar este alfabeto.

    Em 1756, criada em Paris, por Abb de L Epe, a primeira escola para surdos com uma filosofia oralista e manualista. Foi a primeira vez na histria que os surdos adquiriram o direito a uma lngua prpria (Kozlowski, 1998).

    Nesta mesma poca, na Alemanha, Heinicke (1723-1790) lana as bases da filosofia oralista. Nos Estados Unidos, mais tarde, os representantes da educao de surdos so Edward Miller Gallaudet (1837-1922) e Alexander Grahan Bell (1847-1922).

    Reunidos no Congresso Mundial de Surdos em Milo, realizado no ano de 1880, educadores de surdos da Europa e dos Estados Unidos tiveram por objetivo estabelecer critrios internacionais para a educao de surdos. Neste evento, no qual adultos surdos no tiveram voz, o oralismo foi definido como a nova corrente na educao deste grupo. Durante quase 100 anos vigorou, ento, o imprio oralista e a linguagem de sinais passou a ser proibida e estigmatizada. A linguagem oral tornou-se uma condio bsica para a aceitao do surdo na comunidade ouvinte.

    Em 1971 foi realizado em Paris o Congresso Mundial de Surdos e, a partir deste evento, as lnguas de sinais passaram a ser valorizadas. Em 1975, por ocasio do congresso seguinte, realizado em Washington, j era inquestionvel o fato de que quase um sculo de oralismo no havia servido como soluo para a educao de surdos.

    As portas foram abertas para o enfoque Bilingista a partir da publicao em 1981 dos trabalhos de Daniele Bouvet e das pesquisas realizadas na Sucia e na Dinamarca.

    Lngua de Sinais

    A Lngua de Sinais no a nica forma de comunicao por gestos. Segundo Kozlowski (1998), existem pelo menos quatro diferentes sistemas de comunicao gestual, a saber: 1. Linguagens sinalizadas utilizam o lxico gestual, emprestando a organizao gramatical das linguagens orais correspondentes, como por exemplo, o Portugus Sinalizado. Desenvolve-se com base nas dimenses espaciais e corporais; 2. Sistemas de auxlio a leitura orofacial dentro de sistemas de sinais como a Libras e o Portugus Sinalizado, os gestos correspondem a conceitos prprios ou palavras da lngua oral; 3. Alfabeto Dactilolgico (ou alfabeto manual) sistema gestual em que cada letra do alfabeto escrito corresponde a uma configurao particular da mo e dos dedos. Este sistema utiliza uma escrita no espao; 4. Lngua de Sinais sistemas de sinais independentes das lnguas faladas. importante ressaltar que uma Lngua de Sinais no um simples reflexo da lngua oral e no tem, tambm, um padro internacional. A Lngua Brasileira de Sinais diferente da Lngua de Sinais portuguesa; a Lngua de Sinais americana diferente da inglesa e assim por diante.

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    Bilingismo

    O Bilingismo refere-se existncia de duas lnguas no ambiente do surdo que vive, por conseguinte, numa situao bilnge.

    O INES-RJ, por exemplo, uma comunidade diglota, entendida como um grupo social que convive com duas lnguas, apresentando, cada uma, funes sociais especficas. Constitui-se em um espao propcio ao desenvolvimento de um ensino apoiado na proposta bilnge.

    Segundo Drasgow (1993), pesquisas no campo da educao de surdos mostram a tendncia para a educao bilnge/bicultural da criana surda, na qual a Lngua de Sinais considerada a primeira lngua e a lngua oral ou escrita, a segunda lngua (Drasgow, 1993) apud Kozlowski,1998).

    Essa estratgia educativa, segundo a autora, sugerida pelas seguintes bases:

    . reconhecimento de que a Lngua de Sinais usada pela comunidade surda uma lngua verdadeira com itens lexicais, morfologia, sintaxe e semntica;

    . diferentes pesquisas mostram que a criana surda exposta Lngua de Sinais adquire esta lngua da mesma forma que a criana ouvinte adquire a lngua oral.

    A participao ativa de adultos surdos na educao de crianas surdas fundamental. Eles tero a funo de transmitir a lngua da comunidade surda.

    Por meio do aprendizado da lngua natural, a criana surda ter acesso aos processos que permitiro todo seu desenvolvimento lingstico e cognitivo. O surdo adulto no momento em que estabelece contato com a criana surda, estar transmitindo toda a base lingstica necessria para a aquisio de outras lnguas.

    A linguagem como fato social, supe que para qualquer enunciado exista um direcionamento, uma ao, ou seja, que seja dirigido sempre para um outro, porque sem isto, um enunciado no pode existir. O outro est inserido na relao dialgica e no h dilogo entre sentenas, mas sim entre pessoas. A linguagem aprendida, mas no pode ser ensinada. Assim sendo, o contato precoce entre adultos surdos e crianas surdas, por meio da Lngua de Sinais, proporcionar acesso linguagem e assegurar a transmisso da identidade e da cultura surda criana surda.

    Existem vrios modelos Bilnges, que so classificados por perodo/poca de aquisio e por modalidade da segunda lngua. No primeiro grupo, esto: 1. modelo sucessivo logo aps o diagnstico da surdez, a criana surda passa a ter contato com a Lngua de Sinais e s apresentada segunda lngua aps o domnio da primeira; 2. modelo simultneo a primeira e a segunda lngua so apresentadas simultaneamente, em dois momentos lingsticos distintos. O segundo grupo desdobra-se da seguinte maneira: 1. L1 Lngua de Sinais, L2 Lngua escrita (modelo sucessivo); 2. L1 Lngua de Sinais, L2 Lngua oral (modelo simultneo).

    Vale ressaltar, tambm, a diferena existente entre Comunicao Total e Bilingismo. Na primeira ocorre o uso simultneo de duas lnguas oral e gestual, compondo um bimodalismo. J a abordagem bilnge pretende que ambas as lnguas Libras (gestual) e

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    Portugus (oral) sejam ensinadas e utilizadas sem que uma interfira ou prejudique a outra. Assim sendo, as duas lnguas seriam utilizadas em situaes diferentes, em momentos lingsticos diferenciados e veiculadas por pessoas ouvintes e surdas, de acordo com a lngua em foco.

    A identidade e a cultura so essenciais dentro do Bilingismo, por isto, praticamente impossvel pensar em educao bilnge sem a participao do educador surdo.

    O objetivo educacional do enfoque bilnge que o indivduo surdo seja capaz de comunicar-se por meio de duas lnguas utilizando-as em situaes lingsticas distintas. No Brasil corresponderia a Libras e ao Portugus na modalidade oral ou escrita, dependendo do enfoque adotado. Neste caso, no h bimodalidade no processo comunicativo.

    A Lngua de Sinais adquirida como primeira lngua ser utilizada pela criana como instrumento necessrio para que possam realizar uma leitura do mundo de forma singular.

    De tudo que foi visto, pode-se concluir que a proposta de uma abordagem bilnge nos processo educacionais voltados para a criana surda, a qual dever ser exposta o mais precocemente possvel a uma Lngua de Sinais, identificvel com uma lngua passvel de ser adquirida inicialmente por ela sem que sejam necessrias condies especiais de aprendizagem, surge como uma proposta de trabalho que permite o desenvolvimento rico e pleno de linguagem e que possibilita ao surdo em desenvolvimento integral. A abordagem bilnge preconiza, ainda, que tambm seja ensinada criana surda a lngua da comunidade ouvinte, em sua modalidade oral ou escrita, com base nos conhecimentos adquiridos por meio da Lngua de Sinais e, jamais, o inverso.

    Sobre o ensino bilnge sob a tica do scio-interacionismo

    A utilizao da Lngua de Sinais vem sendo reconhecida como um caminho necessrio para a efetiva mudana nas condies oferecidas pela escola no atendimento educacional de alunos surdos. Apesar de haver vrias questes controvertidas perpassando a discusso nesta rea, alm de ambigidades e indefinies nas propostas, percebe-se uma tendncia afirmao da necessidade deste caminho para a escolarizao do surdo. Concretiz-lo um desafio para os educadores e entre os problemas postos por este desafio est o modo pelo qual se pode lidar com a participao de duas lnguas nas experincias escolares.

    Segundo Neves & Gianini (2000), a introduo do Bilingismo na educao de surdos abriu um espao importante para repens-la a partir de pressupostos pedaggicos, historicamente colocados de lado pela chamada educao especial. A adoo da Lngua de Sinais e da cultura surda nas propostas pedaggicas acarretou uma mudana de viso na educao de surdos, agora no mais apoiada na normalizao e na adaptao social, mas nas peculiaridades do ser humano e a necessidade de transformao de uma sociedade que impe aos seus cidados valores dominantes.

    Nesse sentido, dizem Neves & Gianini, a escola para surdos precisou procurar uma nova significao, a partir da cultura surda e da Lngua de Sinais. Contudo, preciso ter em mente que o Bilingismo no esgota as questes referentes educao de surdos, constituindo-se apenas como um recorte terico de uma construo conceitual maior. Neste

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    particular, a escola bilnge para surdos apresenta-se como um ambiente onde est presente uma diversidade de questes que devem ser incorporadas em suas reflexes e prticas pedaggicas. A reflexo sobre as condies filosficas de educao nas quais as escolas se inserem e as relaes entre por que fazer, para que fazer, para quem fazer e como fazer, precisam ser estabelecidas e consideradas, pois no existe um fazer pedaggico neutro e que se adapte a qualquer situao escolar, lembra as autoras. Teoria e prtica, contedo e procedimento, ensino e sociedade, histria de vida pessoal e de vida profissional no so aspectos separados e compartimentalizados.

    A introduo da Lngua de Sinais nas escolas fundamental na constituio do indivduo surdo e base para o seu processo educacional, mas no condio suficiente para a superao do fracasso do ensino da lngua escrita para surdos. necessrio, nas palavras de Pereira & Oliveira (1999), "que se promova uma mudana na concepo de linguagem que norteia as prticas pedaggicas com alunos surdos" (Pereira & Oliveira, 1999 apud Neves & Gianini 2000:104).

    Oliver Sacks (1998), Eullia Fernandes (2003), Carlos Skliar (1997) e Ronice M. Quadros (1997) ressaltam a necessidade da criana surda ser exposta desde cedo a um ambiente comunicacional rico para que seu desenvolvimento cognitivo no seja prejudicado. No caso de uma surdez profunda, para estes autores, isso s possvel se a Lngua de Sinais for a primeira lngua da criana.

    Segundo Sacks (1998), crianas surdas, filhas de pais surdos, executam seus primeiros sinais aproximadamente aos seis meses de vida e adquirem uma fluncia considervel com quinze meses de idade, mas embora possa haver o desenvolvimento precoce de um vocabulrio de sinais, o desenvolvimento da gramtica de sinais ocorre na mesma idade e da mesma forma que a aquisio da gramtica na lngua falada. Para este autor, o desenvolvimento lingstico produz-se, assim, com o mesmo ritmo em todas as crianas, surdas ou ouvintes.

    Para Fernandes (2003), os princpios que regem o que se entende por Bilingismo na educao no podem ser confundidos na sua essncia, com a mera incluso da Lngua de Sinais junto com a lngua portuguesa na sala de aula, ou ainda, da mera traduo do contedo pedaggico para a Lngua de Sinais. Para a autora preciso uma postura que envolva todo um processo psicolgico, social e cultural da educao de surdos e no na presena das duas lnguas na sala de aula.

    Por seu turno, Skliar (1997) ressalta que a proposta do Bilingismo no isolar a criana surda numa comunidade de surdos em que s se use a Lngua de Sinais - a lngua ouvinte, pelo menos em sua verso escrita, igualmente importante. Ele considera, contudo, que necessrio primeiro a criana adquirir fluncia na Lngua de Sinais, a qual inclusive servir de ponte para a leitura e a escrita, para depois aprender a lngua ouvinte.

    Ao utilizar a Lngua de Sinais como meio de instruo, o indivduo surdo no perde sua capacidade de adquirir uma segunda lngua, mas a introduo desta segunda lngua atravs da lngua natural lhe assegura o domnio de ambas. O modelo bilnge prope, ento, dar acesso criana surda s mesmas possibilidades psicolingsticas que tem a ouvinte.

    Segundo Geraldi (1997), a construo dos recursos lingsticos um processo interativo que se d na relao social e, assim sendo, s ocorre com a presena mnima de dois indivduos socialmente organizados. No caso da criana, esta construo realizada

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    por meio de uma familiaridade progressiva com a comunicao verbal ou escrita, que permite a construo de sua conscincia e a aquisio de contedos por intermdio da apreenso de signos socialmente construdos e de apreciaes que outros indivduos fazem dos mesmos (Geraldi,1997 apud Neves & Gianini, 2000).

    O Plano Poltico Pedaggico do INES-RJ, como j exposto anteriormente, concebe a alfabetizao de crianas surdas sob a tica do Bilingismo. Apresenta como referencial terico principal, neste contexto, o scio-interacionismo de Vygotsky, que realizou inmeros estudos sobre a problemtica especfica da linguagem, sua aquisio e a educao de surdos. Um estudo que envolva indivduos surdos implica uma preocupao, no mais centrada, nica e exclusivamente, na surdez, mas na maneira como se realiza seu processo de socializao. Na presente pesquisa, foi adotada esta mesma linha terica no desenvolvimento do jogo Multi-Trilhas.

    Advogado e lingista, Vygotsky contribui para os estudos sobre a epistemologia do conhecimento com um vis pragmtico que influenciar a criao de uma escola que tem como princpio o fato de que as dinmicas scio-interacionais determinam, no somente estruturas, mas todo o sistema de valores em torno dos quais a verdade se constri (Senna, 1998). Assim que, o scio-interacionismo apresentado por Vygotsky desloca a discusso relativa ao conhecimento da natureza ontolgica dos objetos mentais para a sua natureza conceitual, determinada a partir de suas relaes diversas com os sujeitos que os vivem e os representam.

    O modelo mental proposto por Vygotsky centraliza a natureza pragmtica e vivente das representaes, vindo, assim, a definir a produo de conhecimento como dinmica e determinada pelo intercmbio de conceitos, que nada mais so do que representaes com valor cultural determinado local e temporal.

    As principais teses do scio-interacionismo e sua leitura dentro do bilingismo so apresentadas aqui por meio das idias de defensores desta corrente como Skliar e Lopes, alm das opinies de Oliver Sacks, alm do prprio Vygotsky.

    Para Vygotsky (1984) as funes psicolgicas superiores no so inatas, mas desenvolvem-se ao longo do processo de internalizao das formas culturais de comportamento. As funes psicolgicas superiores seriam caractersticas tipicamente humanas como a capacidade de planejamento, memria voluntria, imaginao etc. a capacidade voluntria de se libertar do aqui e agora, do tempo-espao presente, para onde se insere a capacidade de pensamento abstrato. Esta capacidade, para Vygotsky, no se encontra j pronta no ser humano quando ele nasce e, portanto, no se desenvolve naturalmente ao longo da vida. Ela construda na interao com outros seres humanos, dentro de um contexto social, histrico e culturalmente determinado. Sendo um pensador marxista, Vygotsky (1984) afirma que a relao do ser humano com seu meio scio-cultural dialtica. Portanto, ao mesmo tempo em que o ser humano transforma o seu meio para atender suas necessidades, transforma-se a si mesmo. Percebe-se bem a importncia do conceito da mediao no pensamento de Vygotsky, pois atravs dela que o ser humano interage com seu meio, alterando-o e sendo por ele alterado. As duas formas bsicas de mediao so os instrumentos tcnicos, atravs das quais os seres humanos atuam sobre objetos do meio fsico, e os sistemas de signos que fazem a mediao dos seres humanos entre si. A cultura transmite os processos de funcionamento psicolgico justamente atravs da mediao realizada atravs dos instrumentos e signos, possibilitando sua internalizao pelo ser humano. A linguagem ento se destaca como o principal sistema sgnico, capaz de carregar em si conceitos generalizados e elaborados pela cultura humana.

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    Um signo para Vygotsky (1984) seria um elo intermedirio, mediador, entre o estmulo e a resposta numa situao. "Esse elo intermedirio um estmulo de segunda ordem (signo), colocado no interior da operao, onde preenche uma funo especial; ele cria uma nova relao entre S e R.5" (Vygotsky, 1984: 53) A sua colocao nesta funo depende de um indivduo ativamente engajado no estabelecimento deste elo de ligao, o que permite a compreenso do signo e sua ao reversa, ou seja o signo age sobre o indivduo e no sobre o ambiente. O processo simples de estmulo-resposta ento substitudo por um ato complexo, mediado pelo signo. "O uso de signos conduz os seres humanos a uma estrutura especfica de comportamento que se destaca do desenvolvimento biolgico e cria novas formas de processos psicolgicos enraizados na cultura" (Vygotsky, 1984: 54).

    O autor tambm descreve uma inteligncia prtica, a qual inicialmente atua independente da fala, por exemplo, quando a criana pequena na fase pr-lingstica tenta pegar um doce em cima da mesa. Se um adulto v o gesto da criana e pega o doce para ela, ocorre uma mudana fundamental, pois a tentativa malsucedida da criana gera uma reao no no objeto, mas em outra pessoa. O significado daquele gesto ento estabelecido por outras pessoas. Mais tarde, a criana pode associar o movimento situao como um todo e o gesto de "pegar", dirigido ao objeto, transforma-se no gesto de "apontar", dirigido a outra pessoa, num meio de estabelecer relaes. Temos ento o que Vygotsky (1984) chama de internalizao, a reconstruo interna de uma operao externa. Uma ao interpessoal gera uma ao intrapessoal. A fala ento o principal meio de internalizao, reordenando os processos psicolgicos da criana de acordo com a cultura em que ela est inserida.

    Dada a importncia atribuda por Vygotsky mediao para a constituio dos processos psicolgicos superiores que caracterizam a plenitude da condio humana, fica evidente dentro de uma perspectiva scio-interacionista a necessidade de que a criana tenha possibilidade de interagir com seu meio o mais precoce e ricamente possvel atravs de uma linguagem, de uma "fala" com a qual possa se comunicar. A escolha pela "fala" dentro da lngua de sinais se d pela grande facilidade da criana surda em us-la e da dificuldade desta mesma criana de usar a "fala" oral.

    Ainda cabe aqui fazer uma rpida explanao do conceito de "zona de desenvolvimento proximal" do scio-interacionismo.

    Vygotsky (1984) considera que o aprendizado das crianas comea na sua vida cotidiana, muito antes delas freqentarem a escola. Diz ainda que preciso relacionar de alguma forma o aprendizado com o nvel de desenvolvimento da criana para que haja o bom andamento das atividades didticas. Ele estabelece, ento, dois nveis de desenvolvimento, o desenvolvimento real e o desenvolvimento potencial. O primeiro refere-se a ciclos j completados, a atividades e tarefas que a criana consegue realizar por si mesma. O desenvolvimento potencial por sua vez diz respeito a atividades e tarefas que a criana consegue realizar quando recebe alguma forma de auxlio. Por exemplo, o professor d dicas ou comea a soluo para a criana terminar, ou, ainda, ela resolve o problema em colaborao com outras crianas. A distncia entre o nvel de desenvolvimento real e o nvel de desenvolvimento potencial a zona de desenvolvimento proximal.

    5 S = estmulo; R= resposta. 6 Para uma apresentao da questo da lngua de sinais dentro de um bilingismo com base em Chomsky, ver o livro Educao de Surdos - a Aquisio de Linguagem, de Ronice M. Quadros.

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    A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funes que ainda no amadureceram, mas que esto em processo de maturao, funes que amadurecero, mas que esto presentemente em estado embrionrio. Essas funes poderiam ser chamadas de "brotos" ou "flores" do desenvolvimento, ao invs de "frutos" do desenvolvimento. O nvel de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente (Vygotsky, 1984: 113).

    Para Vygotsky, se o aprendizado tomar como base somente o nvel de desenvolvimento real, os processos que j foram completados, ele estar voltado para o passado e ser ineficaz do ponto de vista do desenvolvimento global da criana. O "bom aprendizado" deve levar em considerao a zona de desenvolvimento proximal da criana e se adiantar ao desenvolvimento, estimulando-o. Vygotsky prope que um aspecto essencial do aprendizado que ele de fato pode criar a zona de desenvolvimento proximal, despertando "vrios processos internos de desenvolvimento que so capazes de operar somente quando a criana interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperao com seus companheiros." (Vygotsky, 1984: 117) Depois de internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisies de desenvolvimento independente da criana, ou seja, a zona proximal de hoje o nvel de desenvolvimento real de amanh.

    Skliar coloca que a maior parte dos escritos de Vygotsky sobre educao para surdos data de 1928. Considerando a hegemonia oralista nesta poca, com a proibio explcita do uso das mos e a inexistncia de estudos cientficos sobre a Lngua de Sinais, Vygotsky estaria numa situao em que uma postura bilingista seria extremamente difcil. Para Skliar, Vygotsky encontrava-se num paradoxo de difcil soluo. Por um lado, criticava a postura oralista que apoiava mtodos de aquisio da lngua oral em oposio natureza do surdo e que enfatizam mais suas deficincias do que suas virtudes. O resultado destes mtodos seria uma linguagem oral artificial e intil. Por outro lado, afirma Skliar, Vygotsky duvidava que a Lngua de Sinais fosse capaz de contribuir plenamente para formao social dos surdos e atuar como forma de mediao eficaz dos processos psicolgicos superiores. Vygotsky teria considerado a Lngua de Sinais, chamada por ele de mmica, pobre e limitada, dando preferncia ao ensino da lngua oral, por mais artificial e difcil que fosse o processo. Ele temia que a Lngua de Sinais encerrasse os surdos em um microcosmo estreito e restrito, constitudo apenas pelas poucas pessoas que a dominavam.

    Deve-se observar, porm, que Vygotsky reconheceu a lngua de sinais dos surdos mudos como linguagem, conforme sua declarao: "A linguagem no depende necessariamente do som. H, por exemplo, a linguagem dos surdos-mudos e a leitura dos lbios, que tambm interpretao de movimentos. Na linguagem dos povos primitivos, os gestos tm um papel importante e so usados juntamente com o som. Em princpio, a linguagem no depende da natureza do material que utiliza" (Vygotsky, 1987: 47).

    As restries de Vygotsky ao que ele entendia ser uma lngua limitada e utilizada apenas por um grupo muito pequeno de pessoas, so compreensveis dentro de sua viso da forte relao entre a linguagem e pensamento, onde "o desenvolvimento do pensamento determinado pela linguagem, isto , pelos instrumentos lingsticos do pensamento e pela experincia scio-cultural da criana." (Vygotsky, 1987: 62) Logo, quanto mais rico e diversificado for o ambiente lingstico da criana, quanto maiores forem suas possibilidades de interao, maior ser seu desenvolvimento intelectual. Num ambiente terico dominado pelo oralismo, esse raciocnio talvez o levasse a considerar vital a oralizao dos surdos para facilitar-lhes a comunicao com o mundo ouvinte e, conseqentemente, ampliar-lhes os horizontes.

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    Skliar (1997) diz que Vygotsky posteriormente modificou em parte sua posio sobre a Lngua de Sinais e em 1931 publicou um trabalho na revista Voprosy difektology - Problemas de Defectologia em que admite a inevitvel vitria da linguagem gestual em relao a oral no que se refere ao uso por parte dos surdos. Neste artigo, Vygotsky admite que do ponto de vista psicolgico a "mmica" a verdadeira lngua do surdo porque ela uma verdadeira lngua em toda a riqueza de seu significado funcional, enquanto a pronncia oral das palavras inculcadas artificialmente apenas o modelo morto de uma linguagem viva. Vygotsky admitiria ento o uso de diferentes linguagens como o caminho mais vivel para a educao de surdos.

    As investigaes psicolgicas, experimentais e clnicas demonstram efetivamente que a poliglossia, isto , o domnio de diferentes formas de linguagem, no estado atual da pedagogia para surdos, uma via inevitvel e frutfera para o desenvolvimento da linguagem e da educao da criana surda-muda (Vygotsky, 1931 apud Skliar, 1997: 125).

    Para Skliar uma proposta bilingista no pode ser diretamente encontrada nos escritos especficos de Vygotsky sobre a educao para surdos, mas pode ser inferida dos princpios gerais da teoria scio-interacionista, principalmente naqueles relacionados aquisio, ao desenvolvimento e ao papel que cumpre a linguagem na formao dos processos psicolgicos superiores e em determinadas passagens de sua teoria "defeitolgica" que prope uma pedagogia compensatria que enfatizaria os pontos fortes da criana ao invs de suas deficincias.

    Para Skliar (1997), as reservas de Vygotsky em relao Lngua de Sinais podem ser derivadas do contexto histrico e cientfico em que ele viveu, o qual no lhe teria sido possvel superar. Assim, toda a conceituao feita por Vygotsky sobre a linguagem oral pode ser aplicada a linguagem de sinais, uma vez que ambas so equivalentes.

    Lopes (1997) trabalha com a perspectiva scio-interacionista de Vygotsky, utilizando os conceitos de mediao por signos, internalizao e zona proximal. A autora destaca a atuao dos signos como veculos intermedirios entre a ao humana e seu pensamento e como ferramentas que auxiliam nos processos psicolgicos. Observando ento que a linguagem o meio pelo qual o ser humano se apropria da cultura do meio em que vive e desenvolve os chamados processos mentais superiores. Dentro da linguagem se destaca a palavra, pois atravs dela podemos designar, categorizar, conceituar, relacionar, enfim, codificar nossas e outras experincias. Lopes ento coloca que, dentro da perspectiva de Vygotsky, o meio no qual a pessoa est inserida ter conseqncias diretas para o desenvolvimento das suas funes psicolgicas superiores:

    O meio ao qual a pessoa pertence est repleto de informaes, de construes comportamentais que so traduzidas culturalmente pela linguagem. A linguagem representa o veculo por excelncia atravs do qual o homem tem condies de se apropriar dos produtos culturais da humanidade. Por intermdio dela, podemos nos beneficiar no s das nossas experincias, mas, tambm, das experincias das outras pessoas (Lopes, 1997: 91).

    Lopes destaca, ento, a importncia da aceitao social do surdo, da compreenso dos pais de que a criana surda vive num contexto lingstico diferente e no deficiente. Considerando ento a importncia de uma boa interao para o desenvolvimento cognitivo atravs da internalizao de conceitos, a qual pede uma linguagem de fcil acesso para a criana, e a dificuldade das crianas surdas com a aquisio da lngua oral, Lopes opta pela Lngua de Sinais como primeira lngua. A opo pelo bilingismo para ela a decorrncia lgica do horizonte terico scio-interacionista de Vygotsky.

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    Sacks (1998) utiliza-se dos conceitos de zona proximal, mediao e internalizao de Vygotsky para falar da importncia de um ambiente comunicacional rico para o desenvolvimento cognitivo da criana. Ele destaca a atuao dos pais, professores, colegas etc. nesse sentido.

    Sacks discorre sobre os textos de "Defectologia" de Vygotsky, colocando que o autor russo opunha-se veementemente avaliao das crianas portadoras de deficincias com base nestas, seus "menos", propondo em vez disso uma avaliao com base no que elas tinham de intacto, seus "mais". Vygotsky veria as crianas portadoras de incapacidades como sendo representantes de tipos diferentes de desenvolvimento. Era esta diferena que qualquer esforo educacional deveria privilegiar. Sacks cita palavras do prprio Vygotsky:

    Se uma criana cega ou surda atinge o mesmo nvel de desenvolvimento de uma criana normal", escreve ele, "ento a criana com uma deficincia atinge-o de outro modo, por outro caminho, por outro meio; para o pedagogo, particularmente importante conhecer a singularidade do caminho pelo qual deve conduzir a criana. Essa singularidade transforma o menos da deficincia no mais da compensao. (Vygotsky apud Sacks, 1998: 63)

    Sacks diz que para Vygotsky o desenvolvimento das funes psicolgicas superiores se d atravs dos instrumentos da cultura e o mais importante destes instrumentos a lngua. S que as lnguas foram criadas para as pessoas que tm todos os seus sentidos biolgicos. Para os deficientes seriam ento necessrios instrumentos culturais alternativos que, no caso dos surdos, seria a lngua de sinais a qual voltada para seus rgos sensoriais que esto intactos e que respeita sua diferena.

    Concluindo, cabe observar que existem diferentes correntes dentro do Bilingismo. O ponto comum considerar a Lngua de Sinais como primeira lngua do surdo e lngua ouvinte como segunda lngua. H debates se a ordem correta de ensino da lngua ouvinte deve ser primeiro pela alfabetizao e depois a oralizao ou ambas simultaneamente etc. Dentro do Bilingismo, Carlos Skliar e Maura Corcini Lopes seguem o scio-interacionismo, enquanto Eullia Fernandes e Ronice M. Quadros se orientam pela gramtica universal de Noan Chomsky.

    Como o Plano Poltico Pedaggico do INES segue o scio-interacionismo, optou-se por este horizonte terico, utilizando colocaes de Quadros e Fernandes6 apenas onde elas esto em concordncia com Skliar e Lopes, como no status da Libras como primeira lngua e a existncia da cultura surda.

    Design da Informao em Situaes Educativas

    Em paralelo ao estudo das questes relacionadas com a educao de indivduos surdos, foi realizada uma pesquisa bibliogrfica com o objetivo fundamentar questes de Design Grfico, com nfase no Design da Informao.

    Nos dias atuais, sabe-se que a consolidao do campo do Design no Brasil e o avano das novas tecnologias expandiram e tornaram mais complexas as reas em que um designer pode atuar. Para ter competncia no trato da diversidade de natureza dos

    6 Para uma apresentao da questo da lngua de sinais dentro de um bilingismo com base em Chomsky, ver o livro Educao de Surdos - a Aquisio de Linguagem, de Ronice M. Quadros.

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    problemas que se apresentam no mundo contemporneo, ele precisa estar capacitado a desenvolver processos projetuais complexos e a apresentar resultados que podem ser objetos tangveis ou intangveis, como as mensagens destinadas a aquisio de conhecimentos. Neste sentido, inteno deste capitulo sistematizar a discusso de conceitos referentes ao campo do Design da Informao, tendo por objetivo especfico chegar discusso de questes que se referem ao desenvolvimento de projetos de situaes educativas.

    Design da Informao

    Pode-se dizer que esta uma rea do Design que vm crescendo e tomando corpo em simpsios, congressos, pesquisas e trabalhos acadmicos nos ltimos anos.

    Se no possvel dizer que o Design da Informao um campo independente do Design Grfico, tampouco possvel afirmar que pertence somente ao seu escopo. Por ser uma disciplina emergente e conjugar conhecimentos multidisciplinares, o Design da Informao recebe contribuies provenientes de profissionais de diferentes formaes e, como qualquer outra especialidade do Design, nela identifica-se influncias de vrias reas do conhecimento.

    Suas aplicaes, tambm, so variadas: ligado imprensa, o Design da Informao chamado de infografia; na gesto, possvel encontr-lo como apresentaes ou business graphics; na cincia, alm da infografia, ainda persiste a designao de ilustrao cientfica. Os engenheiros informticos referem-se a Design de interfaces; na arquitetura e engenharia civil fala-se de sinaltica. Alguns designers grficos chamam-no simplesmente Design. bvio, contudo, que estas prticas (e praticantes) tm interesses distintos que lhes outorgam o direito de atribuir designaes diferentes, sendo, entretanto, muitas das suas preocupaes e objetivos similares. Para Horn (1999), as diferentes designaes indicam simplesmente que o Design da Informao est disperso por diferentes grupos com pouco ou nenhum contato entre si.

    A despeito disso, nota-se que ele, paulatinamente, vai se estabelecendo como um campo que conjuga determinados conhecimentos, traduzindo-se em uma disciplina cujo objetivo organizar e apresentar dados, transformando-os em informao vlida e significativa. Segundo Shedroff (1994), para melhor compreender a funo do Design da Informao, preciso estar ciente de que a grande maioria das coisas que nos bombardeiam nos dias atuais no so informao, mas sim meros dados. Para que dados se transformem em informao, precisam ser organizados, codificados e apresentados de forma a ganharem significado e esse seria o papel do designer da informao.

    Knemeyer (2003) ao discutir a importncia do Design da Informao como um integrador que aglutina vrias disciplinas, de modo a criar solues de informao de alta qualidade, diz que parece no haver dvidas de que ele exerce este papel integrador com vistas a construir informaes que tenham significado para sua audincia.

    Aprofundando a conceituao, nota-se a existncia de um consenso quanto a suas metas. Vrios autores, com destaque para Luiz Antnio Coelho, Gui Bonsiepe, Michel Twyman, Bernard Darras, Carla Spinillo, Jorge Frascara e Anamaria de Moraes concordam que, se comparado ao Design Grfico convencional, a noo Design da Informao, remete necessidade de construir informaes objetivas para alcanar resultados precisos.

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    Portanto, possvel perceber, que muitos autores dedicam-se tarefa de estruturar procedimentos para o desenvolvimento de projetos dentro deste preceito.

    Considerando extremamente oportunos todos esses esforos no sentido de definir o campo do Design da Informao, j que est sendo enfocada a delimitao de fronteiras de um conceito emergente, para esta fundamentao, contudo, ser mais conveniente analisar quais so os pressupostos de um projeto desta natureza, ou seja, em que se apia o conceito de Design da Informao e quais so, basicamente, os pontos que o diferenciam de um projeto de Design Grfico convencional.

    Quanto a ontologia, o Design da Informao possui um parentesco muito prximo com algumas reas do conhecimento, tais como as Cincias da Comunicao, incluindo Publicidade e Marketing; a Psicologia, principalmente a Psicologia Cognitiva; a Lingstica, particularmente a Semitica; a Antropologia, no estudo das relaes entre os indivduos e a produo/interpretao de sua cultura expressa nas comunicaes; e a Educao, no que diz respeito a elaborao e o entendimento de mensagens, ou seja, aprendizagem com e atravs dos meios.

    Iniciando a abordagem ontolgica do Design da Informao pelo campo da Comunicao, nota-se que esta relao provm da Teoria da Informao, apresentada nos anos 40 do sculo XX, quando Warren Weaver e Claude Shannon propem conceber a comunicao enquanto sistema composto por: 1- Fonte de informao - origem da mensagem, podendo ou no ser humana; 2- Mensagem - palavra, msica, movimentos corporais, frmulas matemticas, expresses faciais, imagens, etc; 3- Transmissor - prepara ou codifica a mensagem em um tipo de sinal capaz de ser transmitido atravs de um canal, podendo ser humano ou no; 4- Sinal - codificao das linguagens sob forma prpria do sistema de comunicao utilizado: impulsos eltricos, por exemplo; 5- Rudo de canal - distores atribudas ao sistema e tecnologia desse sistema no momento da transmisso; 6- Receptor - recebe o sinal e o decodifica em mensagem compreensvel para o sistema do destinatrio; 7- Destino/destinatrio - pessoa ou entidade a quem a mensagem dirigida.

    Se a teoria da informao parece um bom ponto de partida para analisar o Design da Informao, vale, contudo, levar em conta algumas observaes realizadas por Coelho (2003) ao tratar das particularidades do Design da Informao diante das noes de informao e mensagem, tratadas no mbito desta Teoria. Segundo este autor, se a Teoria da Informao estuda o processo, o caminho da mensagem de um ponto a outro atravs da codificao e decodificao de sinais, por outro lado, o Design da Informao, preocupa-se primordialmente com o significado, ou seja, com o entendimento da mensagem. No Design da Informao, que se caracteriza pela comunicao indireta e remota, sabe-se que existem dificuldades de monitoramento do processo da mensagem, tornando-se necessrio tentar alcanar uma mxima preciso de sentido.

    Sobre este aspecto, parece interessante observar que para a Teoria da Informao, quanto maior a incerteza e a liberdade de escolha - ou possibilidade de interpretao - na fase de interpretao da mensagem por parte do receptor, maior a quantidade de informao. Em outras palavras, nesta Teoria, a ambigidade ou imprevisibilidade de sentido contm maior potencial de informao do que a mensagem precisa. Traduzindo para a questo de significado, dir-se-ia que a riqueza de possibilidades de sentido de um termo est ligada sua polissemia (Coelho, 2003).

    A eliminao de ambigidade (entropia) conseguida com o reforo da informao, atravs da simetria e repetio. No caso do Design da Informao, tambm possvel notar

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    tal recurso no prprio sistema. No caso da simetria, trata-se da utilizao de diferentes linguagens para veicularem a mesma mensagem simultaneamente e, no caso de repetio, da reiterao da informao na mesma linguagem. Esses tipos de reforo so comuns nos sistemas emergenciais.

    Num mesmo espao textual a mensagem imagtica e verbal reflete-se simetricamente como uma relao especular (simetria); ou quando elementos icnicos - assim como palavras no texto escrito - sob formas alternativas, repetem instrues ou mensagens que devem ser bem assimiladas. Como exemplo possvel citar: sinal de trnsito com varias repeties, bulas com imagem e frases, instrues de segurana, entre outros.

    As diferenas entre os campos da Teoria da Informao e do Design da Informao, encontram-se relacionadas questo da qualidade. Com a definio da primeira de que quanto maior a redundncia menor a informao, conclui-se que a qualidade da informao aqui proporcional ao potencial ou quantidade de possibilidades de sentido, enquanto que para o Design da Informao a qualidade est ligada preciso de significado, ou seja, quanto menor o potencial de possibilidades de sentido, melhor a informao (Coelho, 2003).

    Neste ponto oportuno traar um paralelo entre o Design da Informao e o Design Grfico convencional. Quanto maior a necessidade de obter respostas objetivas do intrprete da mensagem, mais nos aproximamos do campo de Design da Informao. Por outro lado, quanto mais livre for a busca por objetividade, quanto maior espao puder ser dado liberdade formal, mais prximo estamos do Design Grfico.

    Ainda segundo Coelho, um outro termo da Teoria da Informao que tem interesse para o Design informacional o da capacidade do canal. Este termo refere-se habilidade ou potencial do receptor de decodificar a mensagem em face do equilbrio entre rudo e redundncia no canal. Se para a Teoria da Informao essa capacidade est apenas no receptor em face de rudo no canal, para o Design da Informao, que se preocupa primordialmente com a preciso do significado, a questo mais complexa e diz respeito s noes de legibilidade e litercia, esta ltima referindo-se capacidade do receptor de captar o sentido para alm da decodificao pura e simples.

    Ainda dentro do campo da Comunicao, outra questo merece ateno , especificamente, a comunicao publicitria. Ao final do sculo XIX, alguns autores da rea j identificavam que seria estreita a relao do campo das artes grficas com os estudos da Psicologia num futuro prximo.

    Se por um lado de conhecimento geral que o poder do convencimento atravs do discurso j estava expresso na retrica de Aristteles, sendo a prpria retrica visual explorada por grandes figuras da antiguidade como as moedas cunhadas por Alexandre o Grande que divulgaram seu rosto para alm dos domnios do Imprio Persa , parece que a conjuno da Comunicao com a Psicologia (manipulao, persuaso oculta e publicidade subliminar) viria aprimor-lo. Segundo Costa & Moles, as doutrinas cientficas do campo da Psicologia absorvidas pela Publicidade ao longo do sculo XX foram, lamentavelmente, reducionistas e no orientadas a plenitude do ser, seno ao estmulo ao consumo.

    Uma teoria da Psicologia que bastante influenciou o campo da Comunicao foi a Psicologia Associacionista de Pavlov e Skinner 7, que estuda a hegemonia das teorias

    7 Os Associacionistas tiveram, tambm, enorme influncia no campo da Educao, no que diz respeito dogmtica Didtica de Hebart.

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    estmulo-reao. Para os adeptos desta corrente, a intencionalidade (vontade) no tem funo estruturante no funcionamento mental, sendo apenas um produto que vem de fora. Outro fator relevante estudado pela Escola Associacionista a reduo do entendimento do comportamento humano observao do condicionamento ou da formao de hbitos (behaviorismo)8. Grosso modo, o Associacionismo uma doutrina fortemente mecanicista que desvaloriza no indivduo algumas capacidades como crtica, imaginao criadora, raciocnio etc. No campo da Publicidade esta doutrina foi adaptada para estimular os hbitos de consumo (Costa & Moles, 1999). Felizmente, nos dias atuais, podemos contar com contribuies da Psicologia que adotam outros enfoques do ser humano, como veremos mais adiante.

    Ainda no campo da Comunicao, Costa & Moles, comentam que atravs da irrupo do Marketing e do desenvolvimento dos meios de massa, a Publicidade e o Design Grfico abandonaram o compromisso de vender para o de comunicar. Por isto, atualmente um indivduo que vive nas grandes cidades consome mais anncios (consumo psicolgico) que produtos (consumo material). Isto prova que a atividade perceptiva no indivduo constante. Da surge a necessidade de observar, criticamente, a progressiva autonomia da publicidade e sua irrefrevel proliferao de significantes, gerados constantemente, para significados redundantes que se esgotam rapidamente e so substitudos numa prospeco sem fim.

    No tocante a esta questo, Bonsiepe esclarece que, especialmente neste momento, em que muitas queixas so feitas com relao ao excesso de informaes, surge uma nova rea de atuao profissional para os designers que:

    (...) poderiam usar a sua competncia em distines visuais para reduzir a sobrecarga daquilo que deixa o pblico perplexo. A reduo da sobrecarga cognitiva poderia se tornar um campo maior de atuao profissional. Por falta de um termo melhor, ns poderamos empregar o termo Design da Informao (Bonsiepe, 1997: 11).

    Esse mesmo autor argumenta que, se convencional dizer que estamos na sociedade da informao, o designer que trabalha neste setor no somente um visualizador, mas um organizador da informao. Para Bonsiepe, um designer de informao deve ter uma formao que lhe proporcione uma competncia cognitiva, e isso aproxima este profissional do campo da Lingstica e da Psicologia.

    Seguindo este raciocnio, Frascara (1997) comenta que perceber uma tarefa organizativa dirigida a construir significado. Ante um caos incompreensvel, pessoas de diferentes idades, crenas e habilidades diversas respondem de maneira diferente, mas todas esto tentando compreender, entender, que , em primeira instncia, interpretar signos e criar conexes. Assim, uma das maiores tarefas do designer de informaes facilitar os processos ordenadores que o sistema perceptual-cognitivo requer. A percepo um ato de inteligncia. Compreender implica desenvolver um processo de aprendizagem.

    Ainda no esforo de contribuir para consolidao de critrios importantes para o desenvolvimento e avaliao de projetos de Design da Informao, alguns autores do campo da Comunicao Visual preocuparam-se em sistematizar conhecimentos referentes aos aspectos da linguagem da informao.

    8 O condicionamento de reflexos apresenta Pavlov pesquisando o condicionamento de cachorros , e Skinner pesquisando o condicionamento ratos entre seus pesquisadores mais destacados.

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    Ao tratar da linguagem grfica, Twyman (1982) observou que existem diferentes maneiras de se representar visualmente informaes, tais como diagramas, mapas, tabelas e listas, entre outras. J McLuhan (apud Twyman, 1982) dividiu a comunicao grfica, de acordo com a produo, em trs idades: a manuscrita, a impressa e a eletrnica. Independente da organizao, da representao e da tecnologia utilizada na produo, ocorre nas mensagens da comunicao grfica, assim como em qualquer outro meio de comunicao, uma relao entre o contedo e a forma da informao. Esta relao definida por Twyman como o elemento da linguagem na comunicao grfica. Para explicar a linguagem grfica, esse autor define como grfico aquilo que desenhado ou feito visvel em resposta a decises conscientes, e como linguagem aquilo que serve como veculo de comunicao.

    Nessa perspectiva, a mensagem dividida em dois canais, tendo em vista a maneira como recebida: o auditivo e o visual este ltimo subdividido entre linguagem grfica e no grfica, onde se encontra, por exemplo, a linguagem gestual. Para Twyman, a linguagem grfica possui trs modos de simbolizao: o verbal, o pictrico e o esquemtico, sendo que esta ltima categoria envolve tudo o que no for decididamente verbal, numrico ou pictrico, que so os elementos que compem a linguagem grfica. Ainda segundo Twyman, o originador da mensagem grfica, de acordo com o que pretende informar, ter que escolher que elementos utilizar verbal, pictrico e esquemtico e como organizar visualmente a informao, sem esquecer de levar em considerao a tecnologia mais apropriada.

    Fig. 1 - Modelo de interpretao da linguagem grfica segundo Michel Twyman.

    Em seus estudos, Horn (1998) comenta o surgimento de uma nova linguagem atribuda dificuldade do ser humano de expressar idias complexas somente com palavras: a linguagem visual. Este autor amplia a abrangncia da linguagem grfica de Twyman, considerando ainda os exemplares dinmicos, tais como: filmes, animao e websites, por exemplo. Em seu estudo, Horn prope uma subdiviso desta linguagem em dois nveis:

    1. Nvel Primitivo, constitudo de:

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    . Palavras: definidas atravs da abordagem lingstica (podendo ser uma nica palavra, frase, sentena ou bloco de texto);

    . Formas: definidas como gestalts abstratas que se sobressaem do background como unidades, mas no se assemelham a objetos no mundo natural (seriam os pontos, linhas, setas, formas abstratas e espaos entre formas);

    . Imagens: definidas como formas visveis que se assemelham a objetos no mundo natural.

    2. Nvel Propriedade, composto por:

    . Caractersticas dos elementos primitivos: valor; textura; cor; orientao; tamanho;

    . Localizao no espao bidimensional; localizao no espao tridimensional; movimento; espessura e iluminao.

    A combinao dos dois nveis da morfologia dos elementos visuais o comeo para a sintaxe da linguagem visual. Horn denomina o processo de significao como fuso semntica. Para o autor a fuso semntica acontece quando trazemos para as mensagens visuais nossos pensamentos e experincias com aqueles diferentes elementos que as compem. Portanto, o arranjo sinttico dos elementos na mensagem nos encoraja a unir os elementos verbais e visuais criando uma nova interpretao e um novo sentido. Os trs nveis da linguagem visual comunicam melhor se integrados, ao invs de separados.

    Pode-se tentar fazer uma comparao da definio de linguagem grfica de Twyman (1982) com a conceituao de linguagem visual de Horn (1998). Neste caso os elementos do modo de simbolizao verbal seriam as palavras, do modo de simbolizao pictrico as imagens e do modo de simbolizao esquemtico as formas.

    Nessa abordagem, vale considerar que no existe uma nica linguagem visual para todas as representaes grficas. necessrio considerar que existem linguagens diferentes para sinais de trnsito e para mapas de metr, por exemplo. Para Engelhardt (2002), cada linguagem visual especfica possui seu conjunto de regras de composio e um conjunto de constituintes grficos com papis sintticos especficos.

    Mesmo considerando que cada linguagem visual especfica, percebe-se que a viso de alguns tericos das linguagens grficas e visuais ainda est distante da noo que se pretende abordar neste estudo, que se orienta por um vis que procura valorizar a participao do interprete na construo do sentido da mensagem durante o processo de significao. possvel notar que muitos autores ainda avaliam o comportamento humano segundo princpios que consideram ser universais, tentando encontrar enunciados gerais que explicariam o comportamento de qualquer indivduo ao se deparar com uma mensagem grfica. Neste processo, pouca importncia parece ser atribuda ao contexto social ou poca na qual o intrprete da mensagem se encontra. Talvez, possa-se encontrar uma justificativa para esta questo na demasiada nfase atribuda Psicologia Cognitiva que, de uma maneira geral, observa o comportamento social e o razonamento como processos lgicos, como executados por um computador na cabea das pessoas.

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    Situaes Educativas

    Com a inteno de destacar a participao do intrprete na construo do sentido da mensagem buscou-se respaldo em outras reas do conhecimento. Com o objetivo de propor alternativas s questes abordadas acima, muitos autores lanaram mo da Antropologia como fonte complementar de informao e de modelos metodolgicos para pesquisas em Design, j que este campo observa situaes atuais de interao social, aplicando rotinas analticas para categorizar e descrever as observaes destas situaes (Frascara, 2006). o caso de muitos estudos na rea da Ergonomia, como a anlise de tarefas, por exemplo.

    Segundo Frascara (2006), o Design da Informao tradicionalmente vem sendo desenvolvido como uma disciplina baseada no pensamento lgico, concebendo este pensamento como algo cuja qualidade poderia ser medida mediante parmetros universais estabelecidos pela Psicologia Cognitiva. Porm, devido as grandes mudanas scio-culturais durante todo o sculo XX, a experincia diria nos pe em contato com um nmero maior de pessoas diferentes do que na poca de nossos avs. Este contato com uma grande variedade de pessoas demonstrou que os processos lgicos, no necessariamente, tomam lugar da mesma maneira em grupos de pessoas diferentes. Segundo o autor, isso quer dizer que o interesse de diferentes pessoas em utilizar o raciocnio lgico varia porque, numa tarefa cognitiva, muitos outros processos tm lugar ao mesmo tempo e, tambm, porque estas tarefas cognitivas se enquadram em outras dimenses humanas iniludveis, como a cultura.

    Como exemplo, Frascara (2006) comenta que alm da lgica, a tarefa de compreenso de uma informao tambm se relaciona estreitamente com os desejos, experincias, expectativas e com a familiaridade que o intrprete possui com a apresentao da informao. Neste sentido, as metforas cumprem uma funo essencial, uma vez que servem como ncoras de nossos conhecimentos sobre os fenmenos particulares em questo.

    A noo de familiaridade remete ao tema da memria, outra questo considervel quando se aborda o processamento de mensagens, j que implica na recodificao de informaes e conhecimentos. Tanto a memria para aquisio de informao, quanto a metfora para a interpretao de mensagens so importantes, pois qualquer elemento presente ou percebido nas situaes de interpretao, ou seja, experincias pessoais e diferenas nos ambientes fsicos e conceituais, condicionam as maneiras na qual o pensamento lgico usado. Com isto, valoriza-se o contexto ou a conjuntura onde acontece a interao do intrprete com a mensagem.

    Optar por esta nova cognio interacionista implica substituir o modelo que prioriza as representaes que o crebro do observador faz de um mundo que predeterminado em relao a ele. Em vez disso, o processo cognitivo visto como uma construo do mundo uma construo dinmica e, portanto, inseparvel do histrico de vida, do processo do viver.

    Isso implica que os seres vivos so estruturalmente determinados, isto , percebem o mundo segundo sua estrutura. A percepo de um sistema vivo num dado momento depende de sua estrutura nesse momento (Maturana, 1992. O que vem de fora apenas desencadeia potencialidades que j esto determinadas na estrutura do sistema percebedor (autopoiesis) (Maturana, 1992; Varela, 1974).

    Portanto, lcito supor que, se o mundo o mesmo para todos os seres vivos, seguramente no percebido do mesmo modo por todos eles. Conseqentemente, a

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    cognio uma construo que resulta da interao do ser vivo com o seu mundo. medida que vive, ele o constri e vai sendo tambm por ele construdo. Trata-se de uma relao de congruncia, co-determinao, criao mtua. A cognio no uma simples representao do mundo em nossas mentes , seno, o resultado de nossa interao com ele. (Braga, 2005).

    A esta altura parece bastante claro que a noo de emissor-receptor, proveniente da teoria da informao e ainda bastante utilizada no Design da Informao, parece ignorar que existe um enorme espectro de diferenas entre sujeitos e culturas, que acabam por afetar a maneira pela qual as pessoas entendem a informao. Neste mbito, mais conveniente falar de produtor-intrprete, como algumas vezes j est sendo utilizado neste estudo, j que este ltimo, partindo de suas prprias vivncias e da percepo da conjuntura contextual, constri sua interpretao exclusiva e particular da mensagem.

    Neste aspecto, fundamental comparar estes conceitos com algumas perspectivas propostas por autores que prope uma prtica de Design participativo, como a cincia envolvida de Alain Findeli (2001), a metodologia da prtica do internista de Victor Margolin (2002), os preceitos do designer valorizado de Nigel Whiteley (1998) e como o enfoque metodolgico do Design em Parceria desenvolvido pela PUC-Rio. Cada um ao seu modo, termina por destacar a importncia de uma prtica projetual que valoriza as situaes de interpretao, colocando o intrprete das mensagens como um agente de destaque, um co-autor, no transcurso do processo projetual.

    Logo, no h mtodo ou conhecimento existente que possa ser aplicado com eficcia a uma nova situao, j que tratamos de intrpretes sensivelmente diferentes. A busca pela objetividade de significados perseguida no Design da Informao, leva-nos a perceber que cada situao requer abordagens especficas, devido a particularidades dos contextos e intrpretes. Os mtodos podem, no mximo, nos ajudar a enfrentar cada nova situao de maneira mais sensvel e eficiente.

    Dentro dessa abordagem particular do contexto e do intrprete das informaes, procura-se ressaltar a noo de que experincias individuais diferentes levam a respostas diferentes. Porm, importante esclarecer que as diferenas culturais podem ser abordadas como similitudes de experincias em grupo que formam uma cultura particular ou subcultura, entendendo como cultura um sistema de conhecimento, um composto dos sistemas de conhecimento mais ou menos compartilhados pelos membros de uma sociedade (Keesing, apud Frascara 2006).

    Nesta perspectiva, Rice (1980) d um passo alm, propondo que o conhecimento cultural afeta nossas percepes do mundo. Se o sujeito s compreende coisas que se relacionam com outras coisas que ele j entende, evidente que as experincias anteriores e o conhecimento possudo limitam a capacidade dos prprios sujeitos para adquirir nova informao, fazendo tambm com que ele modifique, omita, ou agregue elementos a toda mensagem que recebe, particularmente quando esta mensagem inclui informao divergente da que esta pessoa j possui. Lanando mo de Frascara (2006), pode-se dizer que estas rotinas de comportamento so desenvolvidas sobre a base de modelos culturais e experincias pessoais, de maneira que o sujeito no tenha que enfrentar toda situao como se fosse inteiramente nova. No presente estudo estas rotinas so chamadas de situaes de interpretao (Rice, apud Frascara 2006).

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    Design da Informao de Situaes Educativas

    sabido que nas grandes cidades possvel identificar traos da cultura de forma consciente ou inconsciente nas vestimentas, sotaques, hbitos, msica, culinria etc, que definem estilos subculturais dentro desta mesma cultura. Porm, as mdias tambm desempenham um papel importante na construo de experincias, contribuindo para criar uma coeso interna dessa cultura, tendo ao mesmo tempo, um enorme poder para introduzir mudanas. Por outro lado, apesar de ser impossvel no reconhecer esta diversidade, muitos autores contemporneos observam que a globalizao lentamente pasteuriza os matizes destas diferenas, propondo um estilo internacional que seria consumido pela classe mais elevada da populao de todo o planeta. Poggenpohl discute que o Cross Cultural Design como conhecido este conceito, est realmente dirigido a esta elite e pode ser apreciado em hotis de primeira classe, bancos e linhas areas, por exemplo (Poggenpohl apud Frascara, 2006).

    Em contrapartida, quando no se trata de produtos ou servios para o consumo, o espectro total de usos possveis do Design da Informao considerando a sade pblica, instrues, educao e problemas sociais torna- se indispensvel levar em conta diferenas culturais que o Design comercial tende a ignorar. Segundo Frascara (2006), necessrio manter a conscincia crtica quanto aos preceitos do Cross Cultural Design, j que esta representao pode levar noo de que a homogeneizao do mundo facilita a comercializao e a eliminao de diferenas culturais permite que as corporaes reduzam os custos de produo.

    Em outras palavras, pode-se dizer que os processos de globalizao no nvel cultural tendem a reforar as semelhanas entre as pessoas, promovendo uma iluso de uma base comum para o desenvolvimento de mtodos, quase universais, para o Design da Informao. Porm, crer que somos todos iguais no sinal de uma sociedade avanada. Um sinal de maturidade de uma sociedade a aceitao das diferenas, j que a diferena cria informao, lembra Frascara. Deste modo, a diversidade uma base necessria para que exista a informao e esta a diferena que faz diferena (Bateson, 1973). Uma sociedade sem diferenas uma sociedade sem informao.

    Por este motivo, a razo dos fundamentos, mtodos e concepes do Design participativo serem to eficazes para abordar situaes onde se pretende a aquisio de conhecimentos, resulta do fato deles estarem conscientes das diferenas culturais e das alteraes que estas demandam para o sistema de valores, estratgias cognitivas e estilos de processamento da informao colocando, conseqentemente, o intrprete no centro das preocupaes projetuais.

    Mais do que pensar em situaes de interao torna-se necessrio desenvolver uma prtica mais crtica quanto utilizao de juzos universais. O desafio saber escutar. Partindo deste ponto de vista, Frascara (2006) comenta que necessrio transformar uma situao de interao entre o produtor e o intrprete em um ato de aprendizagem, e no em um sermo, vendo-o como um processo contnuo de comunicao e construo cultural.

    Desta forma, com o intuito de esclarecer as questes discutidas neste artigo, abaixo esto sistematizadas as noes de:

    Design da Informao, que tem por objetivo equacionar os aspectos sintticos, semnticos e pragmticos que envolvem os sistemas de informao atravs da contextualizao, planejamento, produo da interface grfica da informao. Seu princpio

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    bsico otimizar o processo de aquisio da informao efetivando os sistemas de comunicao analgicas e digitais (Sociedade Brasileira de Design da Informao SBDI);

    Situaes Educativas, que revelam a necessidade da prtica de um processo projetual que se desenvolva em parceria com seu intrprete, ao mesmo tempo respeitando as diferenas culturais e preocupando-se com a efetividade do entendimento da mensagem. Neste conceito, ainda, o designer dedica-se a projetar um momento com determinada durao no tempo/espao no qual o usurio interage com o objeto, produzindo a significao.

    Design da Informao de Situaes Educativas, onde as decises envolvidas no processo de Design se localizam num campo criado entre a realidade atual das pessoas e a realidade que se deseja concretizar aps a interpretao destas mensagens. No domnio das situaes de interpretao de mensagens, numa perspectiva atenta s diferenas culturais, este estudo naturalmente aproxima-se do campo de conhecimento da Educao, que oferece bons subsdios para o entendimento das questes que norteiam este conceito. Neste sentido, vale esclarecer que educar no se reduz a transmitir informaes, ao contrrio, direciona-se ao desenvolvimento das pessoas. Na educao, a participao ativa dos usurios indispensvel.

    Conforme Frascara (1988), se o Design comercial persuasivo est orientado a modificar a conduta e as convices do pblico, o Design Educativo persegue os mesmos objetivos, porm, as modificaes buscadas so de carter diferente, no qual o indivduo motivado a pensar, julgar e desenvolver-se independentemente. Portanto, o objetivo das mensagens educativas contribuir ao desenvolvimento do indivduo e da sociedade atravs da reflexo individual e coletiva. Todo material educativo projetado oferece possibilidades de interpretao que requerem o desenvolvimento de juzos e a participao ativa dos intrpretes.

    Vale salientar que material educativo difere de material didtico, j que este ltimo se restringe ao material de ensino para utilizao em classe. Conforme Frascara (2006), educar mais que ensinar, e relaciona-se com o desenvolvimento total do indivduo como ser social, e no somente como acumulador de conhecimentos. Ademais, como mencionado antes, a aprendizagem melhor e mais duradoura quando adquirida de forma ativa. Com isso, amplia-se a abrangncia de material educativo para fora dos muros da escola. Deste modo, material educativo pode ser qualquer tipo de suporte que abrigue uma mensagem visual direcionada a determinado tipo de aprendizagem por pessoas de qualquer idade, tal como: manuais de instruo, bulas de remdio, cartilhas, vdeos ou multimdias didticas, folhetos, livretos ou folders com esta inteno, dentre outros.

    O que faz com que mtodos e procedimentos sejam to eficazes para abordar situaes educativas, o fato destas levarem em considerao diferenas culturais e as alteraes que estas implicam para o sistema de valores, estratgias cognitivas e estilos de processamento da informao colocando, conseqentemente, o intrprete no centro das preocupaes projetuais. Mais do que pensar em situaes de interao, preciso desenvolver uma prtica mais crtica quanto utilizao de juzos universais. O desafio saber escutar.

    Interatividade

    Uma vez que todo o processo de projeto teve como guia a busca de meios que oferecessem oportunidade de interao entre criana surda e material educativo (objetos

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    concreto e virtual), fez-se pertinente aprofundar a questo da interatividade. Assim sendo, foi realizada uma reviso de literatura abordando conceitos e definies concernentes a interatividade, que serviram de referencial para o entendimento e fundamentao da pesquisa.

    Scrates ensinou a seu discpulo Plato a importncia das definies para o desenvolvimento do saber. Conceitos devem ser cuidadosamente definidos e os significados atrelados a eles devem ser capazes de persistir de forma consistente. J naquela poca, o grande problema para os filsofos era como fazer com que as pessoas, cada qual com sua interpretao subjetiva da realidade, chegassem a concordar acerca desses significados. Para que haja comunicao necessrio que exista uma certa concordncia coletiva sobre o significado de um conceito. Alm da interpretao individual, subjetiva, necessrio um processo social para que uma harmonia de significados seja alcanada. Esse processo chamado de construo social da realidade. Pela comunicao entre as pessoas, os significados desses conceitos vo se desenvolvendo e como resultado chega-se concordncia sobre as definies desses conceitos. Isso tambm verdadeiro para definies de coisas que nunca foram vivenciadas antes (Citao traduzida de De Boer & Brennecke, 1998 apud Loes de vos 2000).

    O conceito de interatividade tem se mostrado como uma das caractersticas mais importantes das novas formas de mdia. Entretanto, no podemos tratar da mdia como um todo, uma vez que existem diferenas de tecnologia, de aplicaes disponveis, de usurios e de contextos de uso, conferindo especificidades a cada uma delas.

    Para vrios autores, o conceito de interatividade uma ext