diversidade e inclusão novo paradigma
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DIVERSIDADE E INCLUSÃO: a vivência de um novo paradigma.
Ana Sheila de Uricoechea
INTRODUÇÃO
Heterogeneidade Como Forma de Cidadania
As megatendências da vida atual, além de atravessarem a economia global e a
mundialização da informação, estão também se projetando e atingindo todos os níveis da sociedade,
e para isso faz-se necessário preparar-nos de forma criativa, eficaz e dinâmica para enfrentarmos os
desafios com que nos deparamos a cada momento. O tema "inclusão" nos parece bastante
desafiante, pois segundo Foucault (1987), a sociedade moderna desenvolveu uma série de
mecanismos de controle e punição dos desviantes. Da mesma forma foi constituído um forte
esquema de identificação das pessoas, de modo que as mesmas possam ser facilmente reconhecidas
quando se afastam dos padrões de normalidade socialmente aceitos.
Um novo paradigma está nascendo, um paradigma que considera a diferença como algo
inerente na relação entre os seres humanos. Cada vez mais a diversidade deveria ser vista como algo
natural. Inclusão é o termo que se encontrou para definir uma sociedade que considera todos os seus
membros como cidadãos legítimos.
Para Boff (1996), estamos abandonando o paradigma clássico da ciência que arrancava
o fenômeno do seu ecossistema, analisando-o e explicando-o pela redução e simplificação baseada
na lógica da identidade. Está emergindo o paradigma da lógica dialógica, uma lógica includente da
complexidade, o pensamento ecológico tendo como referencial a vida, um estilo de pensar e agir
num contexto de interconexão ecológico e histórico, levando em consideração a
multidimensionalidade de tudo.
Quando falamos de heterogeneidade, está implícito um aspecto anterior a ela, que é o
classificar. Classificar significa separar, segregar e dar ao mundo uma estrutura, manipulando suas
probabilidades. Então classificar consiste nos atos de incluir e excluir. Cada ato nomeado divide o
mundo em dois: entidades que respondem ao nome, e todo o resto que não. Segundo Bauman
(1999), certas entidades podem ser incluídas (tornar-se uma classe), na medida em que outras são
excluídas, deixadas fora. Esta operação de Inclusão/Exclusão, para o autor, "é um ato de violência
perpetrado contra o mundo". (op. cit. p. 11).
Estamos sendo chamados a nos mobilizarmos em nosso potencial criador e gerador de
soluções aos impasses que atingem a nossa vida e a de nossos semelhantes. Para isso muitas vezes é
* Musicoterapeuta clínica, docente do Curso de Formação e Especialização em Musicoterapia e Mestre em Educação
Musical
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necessário transgredir, o que, em língua portuguesa quer dizer, entre outras coisas: deixar de
cumprir, postergar, deixar para trás. É ultrapassar os limites demarcados e transformar o espaço.
Enfim, para criar é preciso muitas vezes transgredir, instituir o novo. E este relato é uma pequena
contribuição e uma tentativa de colocar em circulação algumas idéias sobre este tema tão atual,
polêmico e desafiador.
INCLUSÃO: do que estamos falando?
Antes de pensarmos em inclusão, julgamos oportuno iniciar esta exposição com
algumas definições que podem ser encontradas no dicionário Aurélio da língua portuguesa e que se
referem a termos que tem sido utilizados principalmente no âmbito da Educação Especial que é o
nosso campo de estudo. Estes são: normalização, integração e inclusão.
Então vejamos:
Normalização: tornar normal; fazer voltar à normalidade, regularizar, voltar ao estado
normal (...).
Integração: ato ou efeito de integrar-se; ação ou política que visa integrar em um grupo
as minorias raciais, religiosas, sociais e outras (...).
Inclusão: ato ou efeito de incluir; ato pelo qual um conjunto contém e inclui outro.
O Termo Inclusão: O termo "inclusão" num contexto de Educa;áo Especial, é a
tentativa e esforço de se desenvolver um sistema educacional unificado que seja flexível e com
recursos necessários para atender as necessidades da diversidade de alunos de nossas comunidades.
Dentro deste sistema, os portadores de necessidades especiais poderão desenvolver as
habilidades que os capacitem a participar, de maneira apropriada, dentro da sociedade. Para isso os
sistemas de apoio serão necessários a fim de possibilitar a esses alunos uma Competência Social
eficiente. (Inclusion InterAmericana, 2001).1
Para Forest e Pearpoint (1997), no início do novo milênio nossa questão chave é: "como
vivemos uns com os outros?" Enfim, inclusão significa entre outras coisas, "estar com", afiliação,
combinação, compreensão, envolvimento, ou seja, traduz-se em mobilizar pais, estudantes,
membros da comunidade para ser parte de uma nova cultura, de uma nova realidade.
Inclusão significa também, juntar-se a novos e excitantes conceitos educacionais. Além
disso significa convidar aqueles que de alguma forma têm esperado para "entrar" e pedir-lhes para
1 Para melhores esclarecimentos consultar "Inclusion InterAmericana", Gordon L. Porter, Presidente (Canadá)
E-mail: g'porter @ nbnet.nb.ca.
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ajudar a desenhar novos sistemas que encorajem todas as pessoas a participarem da completude de
suas capacidades.
Por que a proposta de acolher pessoas rotuladas de "descapacitadas" ou "diferentes"
provoca reações tão fortes, sendo vista como uma atividade de cunho radical? Acredita-se que esta
questão fere diretamente o núcleo de nossos valores e crenças.
Para isso faz-se necessário buscar um panorama maior. Segundo Bauman (op. cit.),
podemos pensar a modernidade como um tempo em que se reflete a ordem: a ordem do mundo, do
"habitat" humano, do "eu" humano e suas conexões. Para o autor, a existência é moderna, na
medida em que contém a alternativa da ordem e do caos.
Apesar da diversidade começar a ser vista como natural, a intolerância continua sendo a
inclinação natural da prática moderna. Ela exige a negação dos direitos e das razões de tudo que não
pode ser assimilado: a deslegitimação do outro. "Esta mesma intolerância, às vezes, se esconde,
com vergonha, sob a máscara da tolerância (quer dizer: você é abominável, mas eu sou generoso...)
(Bauman, op. cit. p. 16)
O "outro" do intelecto moderno é a polissemia, a dissonância cognitiva, as definições
polivalentes, a contingência, os significados superpostos no mundo das classificações e arquivos
bem ordenados.
Tem-se a impressão de que os excluídos entraram no mundo da vida sem ser
convidados, tornando-se uma ameaça constante à ordem no mundo. Sua presença seria um desafio à
confiabilidade dos limites ortodoxos e a dos instrumentos universais de ordenação, ou seja: a
falibilidade da ordem, a vulnerabilidade interna.
Segundo Bauman, faz-se necessário manter o "estranho" a uma distância mental,
encerrando-o numa concha de exotismo. Afinal, ele continua por perto e num momento de
desatenção, o "intercâmbio" pode transbordar os limites permitidos. Para o autor, o conceito de
"estigma" pode ser aplicado quando uma característica observável de certa categoria de pessoas é
interpretada como um sinal visível de falha, mancha (...) inferior e indesejável e perigosa. Os
demais são alertados das "possíveis conseqüências sinistras da interação descuidada". A essência do
estigma é enfatizar a diferença, justificando uma permanente exclusão (op.citp.77).
Mesmo num processo de inclusão o "estranho" é alguém em processo de aprovação e
em permanente julgamento, cuidadosamente vigiado e sob pressão.
Eis aqui o dilema, o impasse e o desafio para aqueles que acreditam que algo pode e
deve ser feito a respeito.
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INCLUSÃO: perspectivas atuais
Depois das grandes Conferências Mundiais dos anos noventa e, em particular, depois da
Conferência de Copenhague (1995) sobre o desenvolvimento social, a luta contra a exclusão social
é reconhecida por todos os governos do mundo. Entretanto isto não quer dizer que existam práticas
coerentes em todos os lugares. Ao contrário, o fenômeno da exclusão social é cada vez maior e
difuso. Apesar de inúmeros programas tais como o "Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento" (PNUD), além da colaboração da Organização Mundial da Saúde (OMS) e a
Organização Mundial do Trabalho (OIT) e outras que se ocupam da luta contra a exclusão social
das pessoas mais frágeis. A partir de 1998, vários países se engajaram na prática dos princípios de
Copenhague relativos à exclusão social.
Nesta ocasião foi elaborado um documento-base de reflexão sobre a oportunidade de se
constituir uma rede, que foi discutido e aprovado no Seminário Internacional de Trieste (1998).
O foco de atenção desta rede seriam as pessoas que, por motivos físicos ou psicológicos
estão em desvantagem na competição geral pelo sucesso individual.
Desde que existe exclusão social, sempre existiram pessoas e grupos que lutaram contra
este fenômeno. Existem experiências que demonstram como é possível superar as motivações
técnicas ou sociais que são usadas para justificar a exclusão. O quadro político-social sempre foi
desfavorável a essas práticas.
No entanto, recentemente, pela primeira vez, parece haver uma transformação cultural e
política que poderia criar condições favoráveis para o processo de inclusão social.
Nossa experiência foi uma tentativa de entrarmos na corrente, na "rede", ou seja pelo
menos recolocar em discussão as regras do jogo na vida dessas pessoas excluídas, sabendo que o
percurso não será fácil nem rápido, mas é possível.
PROJETO "Fazendo Pontes para a Inclusão"2
Em nossa prática como musicoterapeuta do Instituto de Psicologia Clínica Educacional
e Profissional (IPCEP), realizamos um atendimento regular de sessões grupais, individuais e em
Musicalização Terapêutica. Além disso mantemos uma "Oficina de Construção e Restauração de
Instrumentos Musicais"3 onde recebemos estagiários de Graduação e Especialização em
Musicoterapia (CBM-RJ). Em agosto de 2000 contamos com a participação de uma aluna que
2 Este projeto foi realizado numa parceria entre Instituto de Psicologia Clínica Educacional e Profissional (IPCEP),
instituição de assistência a Deficientes Mentais (RJ) e a Associação Beneficente São Martinho (RJ), que tem como
missão resgatar e acolher crianças e adolescentes vítimas de exclusão social. 3 Este projeto é a continuação de uma Pesquisa de Mestrado (1995), cuja dissertação se encontra na Biblioteca do
Conservatório Brasileiro de Música (RJ).
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naquele momento estagiava na Casa São Pedro (Associação Beneficente São Martinho, RJ), num
atendimento a crianças e adolescentes de rua.
Numa de nossas sessões, quando a estagiária relatou-nos suas atividades, surgiu uma
proposta de construirmos instrumentos musicais para serem doados aos meninos da Casa São Pedro.
A idéia foi bem acolhida num primeiro momento, mas logo depois iniciou-se uma discussão sobre o
assunto. Um dos integrantes do grupo (deficientes mentais) manifestou-se cético quanto à proposta,
dizendo "que eles (os meninos de rua) iam quebrar e estragar os instrumentos ... (sic)".
O assunto foi amplamente discutido por todos, o que veio nos mostrar que o preconceito
contra os meninos de rua estava bem presente entre eles.
Posteriormente, na Casa São Pedro, o mesmo preconceito contra os deficientes mentais
também apareceu e foi discutido e esclarecido. Nesse momento
iniciou-se o projeto e houve uma intensa preparação para o futuro encontro dessas duas populações
tão diversas e ao mesmo tempo discriminadas pela sociedade.
Nesse momento percebemos que poderíamos tentar uma experiência com estas duas
populações, que nos desse sinais ou pistas para uma idéia futura de inclusão.
No IPCEP começamos a construir os instrumentos musicais (tambores artesanais e
outros tipos), ao mesmo tempo que na Casa São Pedro, os meninos se preparavam para o nosso
primeiro encontro ensaiando um repertório de músicas.
Quando terminamos a fase de construção, visitamos os "meninos de rua" para junto com
a estagiária conversarmos sobre sua ida ao IPCEP. Nesta ocasião foram esclarecidas muitas dúvidas
sobre o assunto.
Também começamos no IPCEP um movimento de conscientização e preparo junto aos
demais alunos, professores, técnicos e outros, na tentativa de evitar algum insucesso futuro.
O primeiro encontro deu-se em novembro de 2000, quando tivemos a oportunidade de
partilhar e vivenciar momentos carregados de significados e emoções. Nessa ocasião houve a
interação dessas duas populações tão diferentes (intelectualmente e socialmente) e ao mesmo tempo
iguais no que concerne à exclusão, quando aconteceram momentos musicais riquíssimos que foram
registrados em vídeo.
Depois dessa experiência tão positiva, os "meninos do IPCEP" foram convidados pelos
"meninos de rua", a visitarem a Casa São Pedro. Este segundo encontro deu-se um mês depois,
quando exibimos o vídeo para todos e tocamos e cantamos juntos num momento visível e concreto
de aceitação mútua, cooperação e grande prazer.
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Após estas duas oportunidades, soubemos que os "meninos de rua" cuidavam dos
instrumentos recebidos com o maior carinho e manifestaram o desejo de criar uma Oficina de
Construção de Instrumentos.
Nessa ocasião, os integrantes de nossa oficina sugeriram que os "meninos de rua"
viessem conhecer nossa Oficina e se propuseram a ensinar-lhes a fazer instrumentos. Percebemos
com isso que qualquer pessoa, com qualquer tipo de limitação, tem sempre algo a partilhar ou
ensinar a outro. Isto ficou claro para nós na "Manhã da Construção", quando abrimos a Oficina para
nossos alunos deficientes mentais, os meninos de rua, os técnicos e auxiliares do IPCEP, estagiários
de Musicoterapia e familiares, numa experiência comunitária totalmente nova para nós.
Para nossa surpresa, nos demos conta que os deficientes mentais ensinaram, a todos os
participantes, as técnicas (bem simples) de construção de instrumentos.
Partimos de uma exposição de protótipos realizados na Oficina, que motivaram os
participantes a escolherem o que gostariam de construir.
Documentamos em vídeo todas as fases desse encontro que nos pareceu trazer grande
prazer lúdico a todos.
Após a construção, nos reunimos para tocar e cantar e nos confraternizarmos, utilizando
o produto de nosso trabalho, quando surgiram manifestações musicais dos mais variados tipos e
aparentemente muito gratificantes.
Nesse momento, perguntamos se gostariam de aprender a tocar algum instrumento.
Praticamente todos revelaram que queriam aprender a tocar bateria (e similares). Isso nos deu a
idéia de procurarmos a Escola de Música Villa-Lobos (RJ), onde fomos docentes durante dezoito
anos, e tentarmos sensibilizar sua Direção a se engajar nesse projeto de Inclusão.
Apresentamos ao Diretor e Coordenador um projeto escrito onde expusemos nossas
idéias. Com a aprovação do mesmo, realizamos a última etapa do "Pontes para a Inclusão", ou seja,
o encontro dos deficientes mentais e meninos de rua com os alunos regulares da Escola Villa-
Lobos, numa aula do curso de Percussão Popular.
Esta experiência foi superior à nossas expectativas, pois a interação se deu de uma
forma natural e todos participaram integrados dessa aula, onde principalmente os deficientes
mentais demonstraram um comportamento novo, sem a rigidez dos papéis estereotipados que
apresentam num ambiente institucional.
Com isso, a Escola de Música Villa-Lobos (RJ) franqueou suas portas, a partir de 2002
para receber pessoas portadoras de necessidades especiais, obedecendo um critério de elegibilidade.
A idéia é que esses novos alunos sejam absorvidos em turmas comuns, de acordo com suas
capacidades.
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Isso veio nos reforçar a idéia que anteriormente comentamos nesse artigo de que a
inclusão é possível. Basta nos dispormos a lutar por ela e principalmente criar infra-estruturas de
apoio a essas primeiras experiências para que se tornem futuros êxitos.
REFLEXÕES FINAIS:
A Inclusão não é um "produto" novo, um modismo a ser descartado, nem é um novo
rótulo: "pessoas incluídas". Ela se baseia em concepções filosóficas que consideram os homens
como iguais em direitos e em valor..
Nosso mundo está cheio de conflitos. Não podemos negá-los e sim fortalecer nossa
capacidade de aprender a viver com as diferenças. Se conseguirmos entrar nessa dimensão,
estaremos começando a era do "alto contacto" ("high touch"), em contraste com o "high tech" ("alta
tecnologia"), segundo Forest e Pearpoint (1997), onde a comunicação pessoal poderá ser mais
genuína.
A experiência de grupos que vêm combatendo a exclusão em instituições e serviços é,
antes de tudo, uma experiência de como se pode levar a fundo uma atitude crítica em defesa dos
direitos humanos universais. Direito de garantia da integridade física, da liberdade fundamental, de
informação, de expressão e de participação.
Entretanto, torna-se necessário pensarmos com cuidado como pode e deve ser feito o
processo de inclusão, para não cairmos em armadilhas, ou seja, a inclusão perversa. Aqui voltamos
ao pensamento de Bauman (op. cit.) quando afirma que a essência do estigma é enfatizar a
diferença, justificando uma permanente exclusão.
Num processo de inclusão, o "ex-estranho" é alguém em processo de aprovação e
vigilância constante. Esse "extranhamento", a nosso juízo, se deve principalmente ao despreparo e
falta de informação das pessoas envolvidas em acolher os excluídos.
Ouvimos, a miúdo, relatos de experiências mal sucedidas, onde tanto os excluídos como
aqueles que o recebem estão em permanente conflito, gerando impasses e frustrações que fecham
todas as portas à idéia de inclusão.
O "acolher" pessoas com necessidades especiais pressupõe um posicionamento que
avance muito além do paternalismo humanitário e condescendente,ou seja: uma na busca de
capacitação de recursos humanos para esta empreitada.
Por outro lado, vamos aceitar que os portadores de necessidades especiais se comportem
como o seu impulso lhes sugere? Vamos deixar que, por exemplo, os autistas continuem com os
seus maneirismos e crer que deficientes mentais nunca vão aprender? Vamos nos acomodar e deixar
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tudo como está? Assim sendo, qual o preço que vamos pagar? Que repercussões terão essas
atitudes nos indivíduos e na sociedade?
Identificamo-nos muito com as idéias de Reuven Feurstein (in Fonseca, V., 1998) que
enfoca a problemática das pessoas portadoras de necessidades especiais numa perspectiva atual e
cujo eixo principal é a Modificabilidade Cognitiva Estrutural (MCE). Suas idéias tem sido aplicadas
em mais de trinta países, com muitos resultados positivos.
Segundo Feurstein (neuro-psicólogo israelita, 1987, 1993), qualquer ser humano,
independente de sua experiência ou idade, a etiologia do funcionamento do seu potencial e do seu
contexto cultural, está aberto ao que chama de Modificabilidade Cognitiva, independente de seu
percurso educacional ou social desfavorecido. Este teórico tem seus pressupostos básicos
sintonizados com Vygotsky (professor e pesquisador russo). O enfoque de Feurstein se insere numa
linha de pesquisa denominada sócio-cognitivista, que vem sendo desenvolvida desde Guilford
(Santos, 1986) e que entende a inteligência humana como o potencial de realização do indivíduo,
considerado numa visão sócio-histórico-cultural.
Sua proposição é otimista, porém prática e aplicativa sobre o potencial dos seres
humanos, uma crença sobre as suas capacidades intelectuais, que podem ser ampliadas ou
modificadas com esse novo pensar em Educação.
Acreditamos que nós musicoterapeutas somos chamados a refletir sobre nossa prática.
Será que o "setting" musicoterápico deve se limitar a ser um acontecer sonoro aleatório, prazeroso,
onde empiricamente tudo possa ser considerado válido? Será que nos contentaremos só em dar um
suporte psicológico e uma oportunidade de catarse, expressão e criatividade? Isso tudo é importante
e vital.
Entretanto, apontamos para uma nova forma de pensar em educação, reabilitação e
reinserção social. Para isso é necessário capacitar os portadores de necessidades especiais,
desenvolvendo não só as competências cognitivas fundamentais, mas levando-os a uma
Competência Social a que tem direito.
Pretendemos avançar nesta linha de pesquisa em Musicoterapia, ou seja, buscar novas
formas de abordagem de trabalho e de capacitação de recursos humanos nesta área, seguindo as
idéias de R. Feurstein que, no momento, nos parecem as mais adequadas à nossa proposta.
Vários grupos vêm trabalhando em conexão com a Rede3 Internacional das práticas,
________________________
3 A Rede Internacional das praticas de luta contra a exclusão social – constituída durante o Seminário Internacional de Trieste (Itália),
em outubro de 1998. Não é uma associação ou movimento.Não possui personalidade jurídica, nem diretoria, nem conselho, nem
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9 presidente. A rede existe na medida em que os aderentes tomem iniciativas. Para esclarecer, consultar o documento que integra a
abertura do livro A loucura da Hitória.
de luta contra a exclusão social, cujos campos de ação são todos aqueles nos quais os direitos
fundamentais das pessoas mais frágeis são respeitados.
Essa Rede é simplesmente a conexão entre experiências e pessoas empenhadas na luta contra a exclusão
social.
Ao abraçarmos a idéia de inclusão, estaremos pensando em termos de globalidade, de
circuito psicossocial ampliado de rede, interrogando continuamente o que o social delega às pessoas
socialmente relegadas ao plano de irrecuperabilidade.
Hoje tratamos de conjugar dialeticamente a utopia e a realidade, aceitando o desafio da
ambigüidade, ou seja, o que Basaglia (apud Tranchina 2000) chamava "de estar na contradição", o
que na prática quer dizer estar com o outro e com nós mesmos, trabalhando continuamente para
ampliar os poderes (empowerment) das pessoas vítimas da exclusão social.
E é aí que vemos o potencial da Arte, em particular da Música e por extensão da
Musicoterapia nessa empreitada. Experiências como a que foi relatada, e muitas outras realizadas
por todo o mundo e em diversas áreas, poderão ser impulsos e contribuições potentes na
transformação do paradigma atual e um passo para nos convencermos que a biodiversidade (e não a
semelhança) é o princípio essencial da vida. É um compromisso ético para o qual estamos sendo
provocados. Faz-se necessário pensar nesse momento na perspectiva da micropolítica proposta por
Felix Guattari (1996), ou seja: buscar, inventar soluções, o singular interferindo e transformando o
coletivo. E nós, musicoterapeutas, devemos refletir sobre o nosso papel e fazer de nossos espaços
profissionais nosso posto de observação e reflexão sobre o futuro que se alarga quando nos
dispomos (apesar das vicissitudes), a transformar o presente.
B I B L I O G R A F I A
AMARANTE, P. (org.) A loucura da História – 2000, LAPS/ENSP/RJ., Fund.
Oswaldo Cruz.
BAUMAN, Z. Modernidade e Ambivalência. 1999, RJ, Zahar.
BOFF, L. Ecologia: Grito da terra, grito dos pobres. 1996, RJ, Ática,
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10
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Assessment, org. C. Lidz, Gulford, 1987, New York.
FONSECA, V. Aprender a aprender: a Educabilidade Cognitiva – 1998, Porto
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FOREST, M. & PEARPOINT, J. Inclusão: um panorama maior. In “A integração de pessoas com
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FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 1985, RJ., Graal.F
SANTOS, R. M. de Simão. A natureza da aprendizagem musical e suas implicações
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TRANCHINA, P. "A desinstitucionalização psiquiátrica na Itália: um processo de
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2000, LAPS/ENSP/RJ. Fundação Oswaldo Cruz.