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Distores cognitivas em usurios do CAPS: A esquizofrenia na viso da TCC.

Mara Dantas Bispo1

RESUMO

A terapia cognitiva comportamental (TCC) tem se mostrado uma das tcnicas psicoterpicas de melhor eficcia no tratamento dos transtornos psiquitricos, visto que sua abordagem se presta para tratar tanto do contedo cognitivo desordenado, quanto do processamento cognitivo falho. O presente estudo teve como objetivo analisar as influncias de crenas, pensamentos automticos e distores cognitivas presentes em usurios de um CAPS portadores de esquizofrenia a partir da observao, aplicao do Questionrio de Crenas Pessoais de Beck e das anotaes dos pronturios. Assim, a pesquisa mostrou que as distores cognitivas e crenas esto presentes nos pensamentos automticos ocorrendo basicamente em delrios e alucinaes, sintomas comuns na Esquizofrenia.

1

Psicloga graduada pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), ps-graduanda em Terapia Cognitiva Comportamental pela Faculdade de Cincias Medicas de Minas Gerais - Centro de Estudos Silvio Romero.

Palavras-Chave: Psiquiatria. 1. INTRODUO

Terapia

cognitivo-comportamental.

Esquizofrenia.

Dentro do campo da Psicologia Clnica existem muitas teorias que so utilizadas pelos psiclogos como ferramentas para entender o funcionamento do comportamento humano. A Terapia Cognitivo- Comportamental (TCC) vem sendo utilizado como um termo genrico que abrange uma variedade de abordagens dentro do modelo cognitivo e comportamental. Os pilares centrais da TCC levam principalmente em conta as interpretaes que cada um d a si e aos acontecimentos para tentar entender e modificar suas emoes e seu modo de agir.

Aaron Beck foi a primeira pessoa a desenvolver exclusivamente teorias e intervenes cognitivas comportamentais a transtornos emocionais. As primeiras formulaes de Beck centravam-se no papel do processamento de informaes desadaptativos para depresso e ansiedade. Essa proposta de Beck estendeu a uma grande variedade de outros quadros clnicos, incluindo a esquizofrenia.

Segundo Beck, Freeman, Davis & col (2005), as respostas emocionais e comportamentais so produtos de pensamentos, interpretaes e crenas construdas a partir das experincias vividas e dos estmulos ambientais. Os tericos consideram que as pessoas

com transtornos psiquitricos tm mais chances de apresentar erros de interpretao, chamadas de distores cognitivas.

Por muitos anos, a principal forma de tratamento para pacientes severamente comprometidos por doenas mentais, como a esquizofrenia, estava relacionada ao uso de medicao antipsictica. Mais recentemente, pesquisas demonstraram que a efetividade das medicaes pode ser melhorada com intervenes, com terapias familiares, terapia cognitiva e comportamental (TCC), auxiliando a adeso ao tratamento farmacolgico e na reduo dos ndices de recadas, na diminuio quanto severidade das alucinaes e delrios, contribuindo tambm para um melhor com o funcionamento global do paciente (HADDOCK apud BARRETO & ELKIS, 2007).

O surgimento de movimentos questionadores da estrutura e das praticas psiquitricas se uniram em prol de uma Reforma Psiquitrica que tinha como objetivo uma transformao nos modos como as pessoas eram tratadas. Eles no pretendiam acabar com o tratamento clnico da doena mental, mas sim eliminar a prtica do internamento como forma de excluso social dos indivduos portadores de transtornos mentais, como a esquizofrenia. E conseqentemente, foi proposta a substituio do modelo manicomial pela criao de uma rede de servios de ateno psicossocial, entre eles o Centro de Ateno Psicossocial - CAPS (COSTA-ROSA, 2000)

E nesse sentido que este estudo pretende analisar as crenas e distores cognitivas que influenciam ou esto relacionadas esquizofrenia, em usurios de CAPS, visando

contribuir para futuros estudos e intervenes psicoterpicas na abordagem cognitivacomportamental.

2. REVISO DA LITERATURA

O termo TCC um termo utilizado para definir uma linha de atuao que inclui a combinao de uma abordagem cognitiva associada a um conjunto de tcnicas e procedimentos da Teoria Comportamental. Uma das premissas bsicas defendida na TC que a cognio tem primazia sobre a emoo e sobre o comportamento (BECK, 1997). Segundo a autora, mais importante que a situao real so as cognies associadas a elas. Ou seja, so as avaliaes atribudas a um evento especfico que influenciam as emoes e os comportamentos.Para Wright, Basco & Thase (2008), no h a primazia do pensamento, mas uma interferncia mutua entre pensamento, sentimento e emoo.

Ou seja, a interpretao que a pessoa d ao evento, influencia e influenciada pela maneira como as pessoas se sentem e se comportam. Por isso, que uma vez que se considera que na base do sofrimento emocional existem interpretaes distorcidas, as interpretaes dadas constituem um dos constructos bsicos mais importantes da TCC.

Pensamentos automticos so cognies que passam ligeiramente pela mente das pessoas quando estas esto em determinadas situaes; so espontneos, breves, coexistindo com nossos fluxos de pensamento mais manifestos

De acordo com Judith Beck (1997, p.29), "o terapeuta cognitivo est particularmente interessado no nvel de pensamento que opera simultaneamente com o nvel mais bvio e superficial de pensamento".

Corroborando com a autora, esses pensamentos esto nas fronteiras da conscincia (pr-consciente), que ocorrem espontnea e rapidamente e so uma interpretao imediata de qualquer situao (WRIGHT, BASCO & THASE 2008). Recebem o nome de automticos pois so com freqncia bastante rpidos e breves. A maioria das pessoas no est imediatamente consciente deles. De acordo com Beck (apud KNAPP 2008) to possvel perceber um pensamento, focar nele e avali-lo, como possvel identificar e refletir sobre uma sensao como a dor.

Nas razes dessas interpretaes automticas existem pensamentos mais profundos, menos acessveis a conscincia, denominados crenas nucleares ou crena central, embora alguns autores refiram-se a elas como esquemas. No entanto, os esquemas so estruturas cognitivas dentro do pensamento, cujo contedo especfico so as crenas centrais.

Podem ser conceituados como:Crenas nucleares que agem como matrizes ou regras subjacentes para o processamento de informaes. Eles servem a uma funo crucial aos seres humanos, que lhes permite selecionar, filtrar, codificar e atribuir significados s

informaes vindas do meio ambiente

(WRIGHT, BASCO & THASE,

2008, p.19) Os esquemas so estruturas psquicas que contm avaliaes firmemente estabelecidas: so o nvel mais fundamental de crenas; elas so globais, rgidas e supergeneralizadas (BECK 1997).

As

crenas

centrais

podem

ser

entendidas

como

regras

inflexveis

e

hipergeneralizveis que regem a vida do indivduo e determinam a maneira dele entender o mundo. aquilo no que o sujeito acredita fortemente, independente do momento ou da situao. Segundo Rang ( 2001) so idias centrais, essenciais sobre si mesmo, sobre os outros e sobre o mundo, profundamente arraigados nos processos mentais e que no tem acesso direto, consciente e racional a elas. Ainda segundo os autores, uma vez que uma determinada crena bsica se forma, ela pode influenciar a formao subseqente de novas crenas relacionadas e, se persistirem, so incorporadas na estrutura cognitiva duradoura ou esquema. As crenas modelam o estilo de pensamento de um indivduo e quando distorcidas, promover os erros cognitivos encontrados na psicopatologia. As crenas so formadas precocemente no desenvolvimento, agindo como filtros pelos quais as informaes e experincias atuais so processadas. Essas crenas so moldadas por experincias pessoais e derivam da identificao com outras pessoas significativas e da percepo das atitudes das outras pessoas em relao ao indivduo. As crenas de indivduos bem ajustados permitem avaliaes realistas, ao passo que nos indivduos mal ajustados levam a distores da realidade, que, por sua vez, podem ocasionam um transtorno psicolgico.

De acordo com Datillio & Freemam (2004, p.22) citando Aaron Beck, os esquemas e as crenas so "o substrato cognitivo que gera as vrias distores cognitivas observadas nos pacientes servindo para aumentar ou diminuir a vulnerabilidade dos indivduos a muitas situaes".Quando existe algum tipo de transtorno uma sndrome sintomtica (Eixo I) ou um transtorno de personalidade (Eixo II) a utilizao ordenada desses dados assume sistematicamente um vis disfuncional. Esse vis na interpretao e o conseqente comportamento so criados por crenas disfuncionais (BECK,

FREEMAN, DAVIS & col, 2005, p.47) As distores cognitivas so hbitos mentais errneos que a pessoa usa para interpretar a realidade de forma irreal, ou seja, imprecisas e falsas, contribuindo para a inadequao e o sofrimento. Algumas das distores cognitivas mais citadas por autores como Rang, Wright, Basco & Thase e Knapp so: Abstrao seletiva - Diante de uma situao, focalizar um aspecto em particular, no considerando outros, vendo apenas o que quer ver; Inferncia arbitrria - Chegar a concluses, sem evidncias suficientes para tal; Supergeneralizao - Um evento nico e isolado interpretado como um padro constante: Maximizao e Minimizao - Uma circunstncia tem sua importncia aumentada ou diminuda. Geralmente, os negativos so maximizados e os positivos minimizados; Pensamento Absolutista (dicotmico ou tudo ou nada) - Avaliar situaes em categorias extremas, polarizadas. Tudo visto como preto ou branco, sem gradaes; CatastrofizaoO futuro avaliado negativamente, sem avaliar os resultados provveis; e Personalizao Acredita que os outros se comportam mal devido a voc sem considerar outras explicaes.

Conforme estes autores pode-se afirmar que pessoas com transtornos psiquitricos freqentemente vivenciam inundaes de pensamentos automticos desadaptativos ou distorcidos; e estes, por conseguinte, podem gerar reaes dolorosas e comportamentos

disfuncionais, na maioria das vezes presente nos transtornos mentais, entre eles a esquizofrenia.

Neste ponto de vista as psicopatologias so decorrente de interpretaes errneas de situaes experenciadas. Assim, "o mundo considerado como constituinte de uma srie de eventos que podem ser classificados como neutros, positivos e negativos" (BAHLS & NAVOLAR 2004).

A avaliao cognitiva que o sujeito faz destes acontecimentos o que determina o tipo de resposta que ser dada na forma de sentimentos e comportamentos, ou seja, a partir das distores que esto ocorrendo na forma do sujeito avaliar a si mesmo e ao mundo.

Aaron Beck (1997) postulou que na lgica dos pensamentos automticos e outras cognies das pessoas com transtornos emocionais existem equvocos caractersticos.Por isso, um dos objetivos da TCC identificar e corrigir as distores cognitivas que esto gerando problemas ao indivduo e fazer com que este desenvolva meios eficazes para enfrent-los.

A terapia cognitiva para qualquer transtorno depende da conceitualizao do transtorno e de sua adaptao s caractersticas singulares de cada caso. Os esquemas mais idiossincrticos e disfuncionais deslocam os esquemas mais orientados e adaptativos para a realidade, em funes como processamento da informao, recordao e predio (BECK, FREEMAN, DAVIS & col, 2005). Assim, pode-se dizer que os esquemas e erros de distoro o cerne dos transtornos. Ou seja, as tpicas crenas disfuncionais e estratgias

desadaptativas anunciadas nos transtornos tornam os indivduos suscetveis a experincias que se chocam com sua vulnerabilidade cognitiva, pois a maneira pela qual as pessoas processam os dados sobre si mesmos e os outros so influenciados por suas crenas e pelos outros componentes de sua organizao cognitiva.

1.2 O CAPS

O Centro de Ateno Psicossocial II (CAPS) Marta Barreto uma instituio de natureza jurdica pblica, mantida por recursos do Ministrio da Sade, com o apoio da Prefeitura de Nossa Senhora do Socorro, localizado na Avenida Perimetral A s/n Conjunto Maos Freire I,na cidade de Nossa Senhora do Socorro Sergipe.

Esta instituio faz parte do novo modelo de servios substitutivos de ateno em sade mental, inspirados nos processos de desistintucionalizao, e pretende, de acordo com o disposto no Projeto Teraputico, prestar atendimento em sade mental a pessoas portadoras de sofrimento psquico egressas ou no de internaes psiquitricas, buscando a promoo de sua autonomia pessoal e sua insero social conformo o modelo preconizado nas Portarias/SAS/MS n 224/92 e n 336/02.

So admitidas no CAPS pessoas de ambos os sexos, com idade acima de 16 anos, portadoras de transtornos mentais graves, egressas ou no de internaes psiquitricas, de

diferentes classes sociais, principalmente da classe mdia baixa e baixa; e nveis de escolaridade diversos, predominando o analfabetismo e o ensino fundamental.

1.3 A ESQUIZOFRENIA

De acordo com o CID 10, o agrupamento de F20 - F29 rene os seguintes transtornos, a esquizofrenia, a categoria mais importante deste grupo de transtornos, o transtorno esquizotpico e os transtornos delirantes persistentes, e um grupo maior de transtornos psicticos agudos e transitrios. Os transtornos esquizoafetivos foram mantidos nesta seo, ainda que sua natureza permanea controversa.

Ainda de acordo com o CID 10, o Transtorno psicticos agudos e transitrios pertencem a um grupo heterogneo de transtornos caracterizados pela ocorrncia aguda de sintomas psicticos tais como idias delirantes, alucinaes, perturbaes das percepes e por uma desorganizao macia do comportamento normal, acompanhado, freqentemente de uma perplexidade e de uma confuso, mas as perturbaes de orientao no tempo e no espao e quanto pessoa no so suficientemente constantes ou graves para responder aos critrios de um delirium de origem orgnica. No entanto, quando o transtorno persiste o diagnstico deve ser modificado.

A Esquizofrenia caracteriza-se por uma grave desestruturao psquica, em que a pessoa perde a capacidade de integrar suas emoes com seus pensamentos, podendo apresentar crenas irreais (delrios), percepes falsas do ambiente (alucinaes) e comportamentos que revelam a perda do juzo crtico. A doena produz tambm dificuldades sociais, como as relacionadas ao trabalho e relacionamento

interpessoal,provocando, muitas vezes, a interrupo das atividades produtivas da pessoa (LOUZ, 2000).

No DSM- IV-TR os sintomas caractersticos de Esquizofrenia envolvem uma faixa de disfunes cognitivas e emocionais que acometem a percepo, o pensamento inferencial, a linguagem e a comunicao, o monitoramento comportamental, o afeto, a fluncia e produtividade do pensamento e do discurso, a capacidade hednica, a volio, o impulso e a ateno.

Pensamentos disfuncionais em cada nvel de processamento de informaes delirantes levam a erros que acarretam em distores cognitivas. Segundo Beck (2010) pacientes com esquizofrenia so conhecidos por fazerem interpretaes bastante artificiais de eventos subjetivos e certas distores cognitivas so mais presentes nesse transtorno. Distores Cognitivas como: Catastrofizao, Hipergeneralizao, Rotulao, Desqualificar o positivo, Inferncia arbitrria, Pensamento Dicotmico, Inferncia arbitrria,

Personalizao, etc. so observadas em pacientes psicticos.

E como dito anteriormente, para a TCC necessrio conhecer tais distores cognitivas e crenas, pois as mudanas teraputicas acontecem na medida em que ocorrem alteraes nos modos disfuncionais de pensamento.

Pensamentos distorcidos, idias, imagens e crenas so a base dos sintomas dos transtornos psiquitricos, inclusive na esquizofrenia. O enfoque cognitivo preocupa-se com as causas e motivaes de uma determinada patologia, mas enfatiza as ms-adaptaes na estrutura cognitiva do indivduo e os mecanismos defeituosos de processamento de informao em uma determinada doena (BECK, FREEMAN, DAVIS & col 2005).

Para Beck (2010), neste transtorno, o processamento de informaes (egocentrismo, vieses de externalizao, teste da realidade pobre) e sistema de crenas (grandiosidade, perseguio e controle) pode aumentar na vulnerabilidade psicolgica para o desenvolvimento de parania e delrios.

Outro aspecto central do pensamento do paciente esquizofrnico a atribuio de intenes positivas ou negativas a outras pessoas, o que forma uma composio da viso de mundo que evolve representaes internas de eles x eu. (BECK, 2010).

2. MTODO

2.1. Contexto da pesquisa

A pesquisa foi desenvolvida em uma instituio de servio substitutivo em Sade Mental, o CAPS - Centro de Ateno Psicossocial Marta Barreto, localizado na cidade de Nossa Senhora do Socorro, no perodo de maro a abril de 2010.

Esta instituio faz parte do novo modelo de servios substitutivos de ateno em sade mental no Estado, inspirados no processo de desistintucionalizao, e visa, de acordo com o disposto no seu Projeto Teraputico, prestar atendimento em sade mental a pessoas portadoras de sofrimento psquico conforme preconizado nas Portarias/SAS/MS n 224/92 E N 336/02.

2.2. Sujeitos participantes

A pesquisa de campo teve como base um grupo formado por pessoas diagnosticadas como portadoras de Esquizofrenia, transtornos esquizotpico e delirantes de acordo com o CID 10 (F 20 -29), selecionados entre os usurios do CAPS Marta Barreto. Fez parte do grupo de participantes da pesquisa um total de cinco pessoas e, essa amostra foi considerada ideal e suficiente para refletir as questes abordadas durante a pesquisa.

Os usurios foram escolhidos ainda de acordo com dois critrios antes estabelecidos: o tempo de tratamento, no mnimo um ms de tratamento, e a freqncia com que participam das atividades na instituio, regime semi-intensivo ou intensivo de tratamento. Por fins ticos, os nomes dos usurios foram substitudos pela letra U, seguida do nmero correspondente ordem de indicao:

Tabela 1- Tabela comparativa dos usurios participantes da pesquisa

Usurio U1 U2 U3 U4 U5

Sexo M M M M M

Idade 24 31 36 34 46

CID F 20.0 F 20.0 F 23.1 F 20.9 F 20.0

Admisso 09/12/2005 05/02/2010 05/05/2009 25/06/2009 12/05/2009

Freqncia Intensivo Semi-intensivo Intensivo Intensivo Semi-intensivo

2.3. Instrumentos de coleta de dados

Os dados foram coletados atravs das observaes dirias dos usurios, da aplicao do Questionrio de Crenas Pessoais de Beck2e das anotaes do pronturio de acompanhamento clnico individual.

- Observaes dirias: A observao ocupa um lugar privilegiado na coleta de dados de uma pesquisa, pois possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisados com o fenmeno pesquisado. Nesse sentido, Minayo (1996, p 273) ir afirmar que a observao2

Extrado de Robert L Leahy, Tcnicas de terapia cognitiva manual do terapeuta (2006).

consiste num processo no qual um observador est presente em determinada situao social com a finalidade de realizar uma investigao cientfica.

- Questionrios de Crenas Pessoais: Como instrumento de coleta de dados, foi utilizado um questionrio autoadministrado. A aplicao dos questionrios foi pelo prprio pesquisador na instituio. O questionrio contm 126 afirmaes de carter fechado. Este instrumento pode identificar crenas e esquemas associados, observando a forma como o indivduo v a si mesmo ou ao outro, e foi adaptado para este estudo pesquisa.

- Anotaes do pronturio: Foram utilizados para a coleta de dados, ainda, informaes retiradas dos pronturios de acompanhamento clnico de cada usurio entrevistado, a fim de se conhecer fatos relacionados sua evoluo clnica, desde o dia em que foi admitido no CAPS at o momento da pesquisa.

2.4. Procedimentos

Antes da entrada no campo propriamente dita, foi feito inicialmente um contato com a coordenao e a equipe tcnica do servio a fim de lhes explicar os objetivos dessa pesquisa. Aps essa etapa, foi realizado um levantamento junto com a equipe tcnica, daqueles usurios, que preenchiam os critrios elegidos. Foram selecionados usurios independentes de sexo e faixa etria. Porm os usurios do sexo feminino que preenchiam

os critrios pr-estabelecidos, no compareceram nos dias combinados para aplicao dos questionrios.

Em seguida, de acordo com a compatibilidade de horrios entre o pesquisador e regime de atividade em que estes freqentavam o servio, comearam as observaes e a coleta de dados dos pronturios de acompanhamento clnico. Entretanto, a aplicao do Questionrio de Crenas Pessoais, ocorreu tardiamente, devido a feriados e eventos que aconteciam na instituio, alguns usurios selecionados no compareceram nos dias marcados, precisando agendar novas datas para aplicao dos questionrios, ou mesmo substitu-los.

Assim as observaes dirias dos usurios se deram ao mesmo tempo em que a aplicao do Questionrio de Crenas Pessoais e, paulatinamente a isso, ocorreu tambm o registro de anotaes feitas nos pronturios desses.

3. RESULTADOS

Os dados coletados no trabalho de campo foram tratados a partir de uma exaustiva leitura do material dos questionrios de crenas pessoais, das observaes dirias e das anotaes dos pronturios dos usurios e, tambm, do referencial terico que norteou a pesquisa.

A anlise dos dados dos pronturios dos usurios demonstra que o quadro clnico da esquizofrenia compreende quatro conjuntos separados de sintomas ou comportamentos: delrios, alucinaes, transtornos de pensamentos/discurso e sintomas negativos. Conforme Beck (2010) os dois primeiros conjuntos mostram um fator comum, denominado, muitas vezes, distoro da realidade. Isto fica claro a partir das queixas e relatos dos usurios, como por exemplo, U2 que disse: (...) eu fico vendo as crianas da escola l onde trabalho. Elas parecem monstros e as vozes dizem que eu devo matar elas (Supergeneralizao). E U5 que exps o seguinte: eu sei que eles esto l. Eles ficam me vigiando (Inferncia arbitrria).

O que se percebe atravs das anotaes e do questionrio que os delrios so crenas que produzem considervel aflio e disfuno comportamental em indivduos com esquizofrenia, constatado atravs do relato de U3 ao descrever seus sintomas.U3 trabalhava como segurana e era o mantenedor de sua famlia, porm, aps o surto psictico precisou se afastar das atividades laborativas e crenas disfuncionais de inadequao e menos valia puderem ser verificadas e respectivamente delrios de perseguio em que dizia: minha famlia no gosta de mim porque no trabalho.

Dessa forma o processamento de informaes distorcido desempenha um papel central no pensamento delirante, e que essa distoro motivada por um sistema de crenas desadaptativas, corroborando com a afirmao de Beck (2010) de que o processamento de informaes distorcidas exerce um papel importante no pensamento delirante, e que essa

distoro causada por um sistema de crenas desadaptativas mantidas por uma variedade de viesses e comportamentos.

Como dito, as crenas centrais so como idias globais, rgidas e absolutas (RANG, 2001), e quando ativadas influenciam o indivduo por meio dos pensamentos automticos. No entanto, a depender da natureza da crena delirante, os pacientes tambm podem atribuem certas experincias fsicas, mentais ou emocionais normais manipulao de outras pessoas ou entidades. Conforme observados no discurso de U5, que relatava constantemente que no tinha controle sobre seus pensamentos e seu corpo, mas que estes eram controlados nos seus sonhos por outras pessoas.

E foi isso o que apontou os usurios ao elegeram as crenas seguintes, citadas no Questionrio de Crenas Pessoais, em que se percebeu que todos preenchiam o perfil para a personalidade Paranide, e que apareceram com maior freqncia: No posso confiar nos outros (100%); Os outros tentaro me usar ou manipular se eu no tomar cuidado (80%); Preciso estar alerta o tempo todo (100%); No seguro confiar nos outros (100%);Se as pessoas agirem amigavelmente, podem estar tentando me usar ou explorar (100%); As pessoas se aproveitaro de mim se eu lhes der a chance (100%); As pessoas geralmente dizem uma coisa, mas pensam outra; A pessoa de quem sou prximo pode ser desleal ou infiel (100%).

Uma questo tambm analisada que os pensamentos automticos disfuncionais acarretam interpretaes equivocadas da realidade, o que tendem a reforar suas crenas delirantes. Esses usurios se percebem como o foco central da ateno dos outros, ou ainda

de forma irrealista, como vulnerveis ou superiores, e tambm atribuem significncia pessoal a situaes impessoais ou irrelevantes.

Corroborando com Wright, Basco & Thase (2008) de que crenas cognitivas modelam o estilo de pensamento de um indivduo e promovem erros cognitivos encontrados na psicopatologia, pode-se afirmar tambm que o contedo delirante de crenas costuma ser uma extenso de crenas anteriores ao incio do delrio, pois uma vez iniciada, as distores cognitivas e vieses do processamento de informaes, como tirar concluses precipitadas, servem para consolidar as crenas delirantes.

Dentre vrios exemplos, pode-se citar uma anotao do pronturio de U5, gerente comercial em uma empresa de vigilncia eletrnica, em que relatou que estava sendo vigiado por cmeras de segurana instaladas na cidade, pois existia uma conspirao contra ele. U5 procurou o servio com queixas de insnia, alucinaes visuais e auditivas e delrios. Seus sintomas iniciaram aps mudana na direo da empresa e conseguinte, rebaixamento no seu cargo.

Outra hiptese que os delrios de perseguio parecem advir de crenas de vulnerabilidade pessoal e crenas sobre os outros como mal intencionados e manipulativos; e as crenas de grandiosidade parecem funcionar para compensar as suas percepes de mau, intil e impotente. U1, que tambm portador de epilepsia, referiu ter criado a cura da AIDS e um sabonete para o rejuvenescimento, mas sempre faz perguntas por que no pode nadar ou dirigir devido sua doena.

Segundo Beck (2010, p. 82), um delrio de grandiosidade pode se desenvolver para compensar uma sensao subjacente de solido, desvalia, maldade, incompetncia ou impotncia.

O que se pode notar que pensar fora do contexto um componente de vrias distores cognitivas da esquizofrenia. Assim, a concluso se baseia em um evento ou detalhe em detrimento de caractersticas gerais da situao; ou ainda o indivduo tira uma concluso com base em uma situao imediata sem levar em considerao situaes anteriores. Isso pode ser ilustrado na seguinte tabela:

Tabela 2- Distores Cognitivas observadas nos usurios do CAPS II Marta Barreto

Inferncia arbitrria Distores U1 Catastrofizao Meu CPF sumiu a Polcia vai me pegar Vou processar, minha me, ela quer ficar com meu dinheiro U2 X olha diferente, acho que est enfermeiro usa a gente e Se uma pessoa me Todo mundo que medico e Hipergeneralizao Todo mundo que medico e enfermeiro usa a gente e cobaia

Pensamento Dicotmico Personalizao No posso confiar em ningum Eu tenho a cura da AIDS

Ningum me trata bem X

falando de U3 Meu irmo no me chamou para a formatura dele porque eu estou doente U4 X diferente, ele acha que eu quero as U5 Voc no quer me dar o relatrio da percia hoje, porque tambm quer me ver mal coisas dele As cmeras nos semforos da cidade so para me vigiar Meu irmo olha para mim mim Meu vizinho faz barulho s para me deixar nervoso

cobaia "Tinha um homem olhando para mim no banco ele ia me roubar Tinha uma pessoa me seguindo na rua Minha famlia no me suporta Meu irmo tem raiva de mim porque sou doente Minha famlia no gosta de mim Minha famlia no gosta de mim porque no trabalho

Tinha um homem na Esto todos esquina da me vigiando minha casa, mandaram ele para me vigiar

As pessoas sentem inveja de mim porque eu trabalhei em grandes multinacionais

Pacientes com esquizofrenia apresentam as mesmas distores cognitivas que outros pacientes. Analisando os exemplos acima se pode dizer que: na Catastrofizao, onde se prev o futuro negativamente sem considerar outros resultados mais provveis, para o

paciente com delrios persecutrios, essas circunstncias so mais catastrficas ainda, pois acredita que os outros tm ms intenes contra eles. Outra tendncia do paciente esquizofrnico, conforme observado, tirar concluses precipitadas Inferncia arbitrria; segundo Beck (2010) tal distoro acontece porque o paciente com esquizofrenia no rene dados suficientes para chegar a suas concluses, possivelmente refletindo falta de motivao para fazer um esforo prolongado. Na Hipergeneralizao, as sensaes de perigo envoltas nos delrios de perseguio, como nos exemplos citados, so generalizadas a ponto de situaes seguras serem interpretadas indevidamente como ameaadoras. No Pensamento dicotmico, o esquizofrnico, tambm, parece pensar em termos extremos, ele v uma situao em apenas duas categorias em vez de um contnuo. E na Personalizao, visto que esses pacientes com delrios paranides apresentam uma orientao para eles x eu.

Outro sintoma muito comum na esquizofrenia e relatado por todos foi ouvir vozes, ou seja, as alucinaes, geralmente, definidas como experincias perceptivas na ausncia de estmulo externo, que ocorrem no estado de viglia e no esto sob controle voluntrio: Escuto vozes mandando matar os monstros (U2); As vozes dizem que vo me matar (U3).

licito salientar que as alucinaes podem refletir o contedo de uma memria remota, geralmente comentrios ou crticas que costumava ouvir em sua vida cotidiana, ou um pensamento automtico atual que o paciente tem sobre si mesmo. Em um caso citado por Beck (2010), uma paciente, por exemplo, escutava sons no verbais (grunhidos e

risadas) e interpretava como vozes a chamando de vagabunda, ao observar o contexto, os mdicos observaram que seu namorado a havia insultado com a mesma frase.

Explanando o caso de U4, ele estava afastado do emprego onde era cobrador de nibus desde o incio dos sintomas h 11 meses. Relatava constantemente que observava familiares olhando para ele, sentia-se vigiado em casa e escutava vozes dizendo: voc no presta mais... voc um doente. Esta a viso atual que o usurio tem sobre si mesmo, ele se considera um intil.

Dessa forma, citando Beck (2010), os indivduos com alucinaes apresentam significativamente mais percepes errneas do que os que no tm alucinaes.

Vale pontuar tambm que as crenas dotam de significado as experincias e dizem respeito sobre as relaes do indivduo com o mundo e consigo mesmo. Crenas que assumem a forma de autocrticas, controles, proibies foram encontradas influenciando o contedo das vozes:

U3 e U5 apresentaram sintomas semelhantes, ambos tambm se encontram afastados do emprego desde a ltima crise, o primeiro era segurana e o segundo gerente comercial, e referiram pensamentos automticos como eu sou um fracassado, porm U3 relata ouvir vozes dizendo: Se voc no trabalhar, sua famlia vai te deixar; U5 escuta vozes dizendo voc um fraco e se mate.

Enfim, pode-se dizer que os pensamentos automticos podem ser experimentados como uma alucinao quando crenas, se a cognio esta particularmente mais evidente no momento ou o limar de perceptualizao baixo.

4. CONCLUSO

A realizao deste trabalho foi bastante vlida no sentido de ter focalizado uma temtica to atual e discutida no mbito da Sade, isto , a humanizao no tratamento aos portadores de transtornos mentais, eficaz para o processo de desistintucionalizao almejado pela Reforma Psiquitrica, o que traa na histria da loucura mais uma etapa de questionamentos e redefinies.

A terapia cognitiva comportamental (TCC) tem se mostrado uma das tcnicas psicoterpicas de melhor eficcia utilizada no tratamento da esquizofrenia, pois segundo Beck o fato de pacientes com diagnstico de esquizofrenia apresentar crenas irracionais no significa que eles sejam irracionais (apud BARRETO & ELKIS, 2007). Assim, diferentemente da psicopatologia tradicional, que v o delrio como uma crena irredutvel, deduz-se que a TCC prope outra abordagem para o delrio, a qual permita que o paciente, utilizando reas intactas do seu psiquismo, possa encontrar novas alternativas para sua crena delirante e, com isso, diminuir o impacto desse pensamento disfuncional em sua vida. No entanto, o paciente psictico normalmente no est consciente em relao

freqncia de seus pensamentos delirantes e, mais do que isso, pode no perceber a anormalidade desse contedo. Normalmente, esses pacientes demonstram vises distorcidas sobre si mesmos, sobre o mundo e as pessoas que o rodeiam, o que conseqentemente atrapalha o seu relacionamento interpessoal.

Ainda quanto pesquisa, pode-se dizer que a TCC no se prope a encontrar a explicao e a cura definitivas dos sintomas esquizofrnicos, mas atuar sobre uma outra demanda, mais imediata, a viso e a atitude do sujeito sobre esse rtulo que lhe apresentado e as limitaes reais, catalogadas ou no, que decorrem de sua condio especfica.

Mas, a pesquisa tentou problematizar e contribuir para a discusso dessas questes sem, no entanto, ter a pretenso de esgot-las, pois a produo de conhecimento e um processo constante e inacabado e essa pesquisa no procurou dar respostas definitivas, nem encerrar questionamentos advindos de tal investigao.

Automatic Thoughts, Beliefs And Cognitive Distortions in Psychiatric Pacients of a CAPS

ABSTRACT

Cognitive behavioral therapy (CBT) has been shown as one of the best psychotherapeutic approach used for the treatment of psychiatric disorders. Its efficacy is due to the fact that CBT approach treats both the cognitive content disordered and the cognitive processing failed. The aim of this study was to analyze the influence of beliefs, automatic thoughts and cognitive distortions in CAPS users and to do that we carried out observations, application of Beck survey of personal beliefs and notes from prontuaries. Results showed that cognitive distortions and beliefs are seen in automatic thoughts and basically occur in hallucinations and delusions, common symptoms of schizophrenia.

KEYWORDS: Cognitive behavioral therapy. Schizophrenia. Psychiatry.

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