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Universidade Federal de Pernambuco Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação ‐ 1 ‐ A argumentatividade no e‐gênero fórum de discussão: uma estratégia para produção em contexto escolar Anelilde Lima Resumo: O artigo aborda questões argumentativas desenvolvidas no e‐gênero fórum de discussão, tomando como base a perspectiva de gênero de Bazerman (2004) e Marcuschi (2007) e (Devitt, 2004), bem como as teorias de argumentação de Aristóteles (2007) Perelman(2005) e Ducrot (1984). Objetiva apresentar esse gênero digital como instrumento para o desenvolvimento da argumentatividade nas práticas pedagógicas de produção textual, levando em conta o predominante uso de gêneros digitais nas atuações discursivas dos sujeitos atuais, conforme afirmação de Crystal (2005), Xavier (2009) e Araújo (2007). Abstract: The article approaches argumentative questions developed in and‐sort quarrel forum, taking as base the perspective of sort of Bazerman (2004) and Marcuschi (2007) and (Devitt, 2004), as well as the theories of argument of Aristotle (2007) Perelman (2005) and Ducrot (1984). The main objective is to present this digital sort as instrument for the development of the argument in practical the pedagogical ones of literal production, taking in account the predominant use of digital sorts in the discursive performances of the current citizens, as affirmation of Crystal (2005), Xavier (2009) and Araújo (2007). Palavras‐chave: argumentação, gênero e‐fórum, produção textual Introdução Não é raro presenciarmos professores de língua portuguesa que trabalham com produção textual em sala de aula revelar sua angústia sobre o nível de argumentatividade dos textos de seus alunos, seja qual for o gênero textual estudado. Também é comum observar as mais diversas estratégias para melhorar esse desempenho, auxiliado por uma vasta bibliografia dedicada à produção textual no contexto escolar. Entretanto, paralelo a essa angústia, pouco tem se verificado como avanço nessa área, e muitos textos de alunos de ensino médio continuam com ideias rasas, com argumentos de obviedade, e com muito pouco argumento de autoria. Se buscarmos algumas justificativas para isso, poderemos encontrar algumas respostas na própria concepção de gênero textual, em consonância com algumas teorias de gêneros, sejam tradicionais ou contemporâneas, no que diz respeito ao seu aspecto interacionista. Koch (2003) afirma que “na concepção interacional da

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Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação  ‐ 1 ‐

A argumentatividade no e‐gênero fórum de discussão: uma estratégia para produção em

contexto escolar

Anelilde Lima

Resumo: O artigo aborda questões argumentativas desenvolvidas no e‐gênero fórum de discussão, tomando como base a perspectiva de gênero de Bazerman (2004) e Marcuschi (2007) e (Devitt, 2004), bem como as teorias de argumentação de Aristóteles (2007) Perelman(2005) e Ducrot (1984). Objetiva apresentar esse gênero digital como instrumento para o desenvolvimento da argumentatividade nas práticas pedagógicas de produção textual, levando em conta o predominante uso de gêneros digitais nas atuações discursivas dos sujeitos atuais, conforme afirmação de Crystal (2005), Xavier (2009) e Araújo (2007).

Abstract: The article approaches argumentative questions developed in and‐sort quarrel forum, taking as base the perspective of sort of Bazerman (2004) and Marcuschi (2007) and (Devitt, 2004), as well as the theories of argument of Aristotle (2007) Perelman (2005) and Ducrot (1984). The main objective is to present this digital sort as instrument for the development of the argument in practical the pedagogical ones of literal production, taking in account the predominant use of digital sorts in the discursive performances of the current citizens, as affirmation of Crystal (2005), Xavier (2009) and Araújo (2007). Palavras‐chave: argumentação, gênero e‐fórum, produção textual

Introdução

Não é raro presenciarmos professores de língua portuguesa que trabalham com produção textual em sala de aula revelar sua angústia sobre o nível de argumentatividade dos textos de seus alunos, seja qual for o gênero textual estudado. Também é comum observar as mais diversas estratégias para melhorar esse desempenho, auxiliado por uma vasta bibliografia dedicada à produção textual no contexto escolar.

Entretanto, paralelo a essa angústia, pouco tem se verificado como avanço nessa área, e muitos textos de alunos de ensino médio continuam com ideias rasas, com argumentos de obviedade, e com muito pouco argumento de autoria. Se buscarmos algumas justificativas para isso, poderemos encontrar algumas respostas na própria concepção de gênero textual, em consonância com algumas teorias de gêneros, sejam tradicionais ou contemporâneas, no que diz respeito ao seu aspecto interacionista. Koch (2003) afirma que “na concepção interacional da

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língua, o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e são construídos.” Da mesma forma Bronckart (1999) ,citado por Marcuschi (2007) defende que “ a apropriação dos gêneros é um mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas humanas”. Poderíamos mencionar, também, nessa mesma concepção de gênero, Bakhtin(1979); Bhatia (1997); Bazerman (2004), só para citar alguns. Para todos eles, não é possível imaginar um texto eficaz sem seu aspecto dialógico. Entretanto, muitas vezes, os textos escritos em sala de aula apresentam esse dialogismo de forma distante e superficial, contribuindo, talvez, para as apresentações insatisfatórias de teor argumentativo.

É importante também lembrar que, para os mesmos autores, não é possível considerar um texto sem um propósito comunicativo. Assim, voltando ao contexto escolar, salvo raríssimas exceções, o que temos são jovens escrevendo para serem avaliados por um professor, ou, no máximo, simular um gênero que será usado futuramente. O propósito real do gênero se perde em lugar dos propósitos escolares.

It proposes that we teach genre awareness, not specific genres, and that we consider carefully the genres we have students write with a view to the antecedents those genres may provide for future writing tasks. (Devitt, 2004, p.4)

Não é objetivo deste trabalho julgar se esse procedimento é correto ou não, se escola deve ou não continuar com essa prática. A análise aqui se dá para melhor se perceber por que, às vezes, o professor não obtém os resultados que gostaria, no caso, em relação ao nível de argumentação.

Este trabalho pretende apresentar algumas contribuições que um ambiente

virtual trouxe para o jovem escritor no contexto escolar. Considerando o domínio

que essa ferramenta tem exercido sobre a maioria dos estudantes secundaristas e

os inúmeros gêneros digitais com os quais eles têm passado a conviver, ou melhor,

a usar, é possível verificar algumas conduções relevantes para seu desempenho na

construção do conhecimento.

Evidentemente não vou me adentrar nas contribuições visíveis nas

áreas de conhecimentos gerais, tecnológicos, enfim nas ciências exatas e naturais.

O foco desse trabalho está no teor argumentativo que esse jovem tem desenvolvido

no ambiente virtual. Essa constatação pode ser feita em diversos gêneros digitais,

mas por uma questão didático‐metodológica, trataremos desse fenômeno

especificamente no gênero digital fórum de discussão, disponibilizado no site de

relacionamento Orkut. Não haveria muita eficácia, se ficássemos meramente na

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constatação, considerando que este trabalho visa uma contribuição para as

produções textuais em contexto escolar. É necessária uma análise, baseado nas

concepções de argumentação, de como esse fenômeno ocorre e o que difere dos

textos escolares, para, então, identificar uma possível intervenção nas produções

em sala de aula.

Por outro lado, uma das principais características dos gêneros veiculados em ambientes virtuais é a interatividade, consequentemente, são gêneros que têm exercido um maior fascínio nos seus usuários. Considerando o fórum de discussão do site de relacionamento Orkut como um gênero amplamente usado por jovens de todas a idades, inclusive aqueles que mantêm atividades de produção escolar, é possível que tenhamos a mesma pessoa demonstrando teor de argumentatividade diferenciado.

Para isso, é necessário um estudo histórico das Teorias de argumentação,

observando com as diversas teorias categorizam e auxiliam numa análise mais

precisa das estratégias argumentativas apresentadas nas práticas discursivas

escritas.

1. Teorias da argumentação

O estudo sobre argumentação tem tomado algumas linhas de investigação

bastante relevantes para várias áreas do conhecimento, mas sabemos que os

conceitos sobre argumentar, as teorias que delas surgiram não são recentes.

Tomando como base os estudos mais historicamente conhecidos, nos remetemos à

Retórica de Aristóteles, para quem argumentar era demonstrar supremacia na

palavra. Entre seus conceitos de retórica está “o poder de provar uma verdade, ou

uma verdade aparente, por meio de argumentos persuasivos.”

A partir desse enfoque sobre argumentação, diversas teorias surgiram,

algumas em oposição à ideia aristotélica de retórica, outras ampliando, mas

sempre tomando sua clássica visão de argumentação. Entre as concepções de

argumentação relevantes, consideramos os conceitos de Perelman (1958) básicos

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para discussões posteriores, visando às produções escritas. Como seus estudos

sobre argumentação tinham um olhar diferenciado em relação à retórica de

Aristóteles, a ele foi designado como autoria de uma Nova Retórica. Na verdade,

Perelman tentava apresentar um estudo de argumentação sem estar preso à

concepção de silogismo de Aristóteles, para quem, a princípio, tratava as

proposições baseadas num raciocino lógico.

Para Perelman (1970), “a argumentação visa a provocar a adesão dos

espíritos às teses apresentadas ao seu assentimento, caracterizando‐se, portanto,

como um ato de persuasão.” Fica claro que, para o autor, todo enunciado

pressupõe uma ação argumentativa. As estratégias utilizadas para essa persuasão é

que será nosso objeto de estudo mais adiante.

Mas, antes de entendermos as categorizações argumentativas propostas por

Perelman, é importante observar as distinções que ele traz para os termos

convencer e persuadir. Essa distinção é importante para identificarmos os

mecanismos que estão sendo usados, muitas vezes, nos discursos orais ou escritos.

Para o autor, convencer se dá pelo raciocínio lógico. É possível convencer alguém

quanto maior for a certeza e o compromisso com a verdade comprobatória que se

tiver. Por outro lado, persuadir se dá através da interferência na vontade do outro,

na força ao atingir o sentimento do interlocutor. Todo tempo o homem faz uso da

língua, oral ou escrita, para atingir esse outro, trazendo audiência para si.

Perelman defendia uma argumentação livre para conclusões diversas, de acordo

com situações particulares dos interlocutores.

Ao produzir um discurso, o homem se apropria da língua, não só com o fim de veicular mensagens, mas, principalmente, com o objetivo de atuar, de interagir socialmente, instituindo‐se com EU e constituído, ao mesmo tempo, como interlocutor, o outro, que é por sua vez constitutivo do próprio EU, por meio do jogo de representações e de imagens recíprocas que entre eles se estabelecem. (Koch, 2008 p. 19)

É nessa linha, muito mais voltada às descrições linguísticas, que se apresenta

a Semântica argumentativa. Para análises que pretendemos fazer, estudar a

argumentatividade inserida no nível fundamental da língua, será muito útil. Apesar

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de ser uma linha teórica ampliada por Ducrot, para quem a argumentatividade não

consiste em algo preso apenas ao mundo linguístico, não podemos desprezar as

concepções de orientação e conclusão na argumentação verificada em textos,

principalmente no texto escrito, nosso objeto de análise.

No texto escrito, alguém se fixa como locutor, fixando o(s) outro(s) como destinatário, não havendo possibilidade de uma troca (pelo menos imediata) de papéis entre ambos. (Koch, apud Guimarães, 1981, p. 21)

Entretanto, essa premissa ‘de não possibilidade de troca imediata’ tende a

sofrer alterações quando se tratando de alguns textos do ambiente virtual.

2. Tipos de argumentação

Estudos atuais sobre argumentação sempre apresentam formas de

categorizar os argumentos presentes nos discursos, de acordo com as intenções

pretendidas e com a força persuasiva que se quer empregar. Contudo, as ‘ técnicas

argumentativas’ introduzidas por Perelman &Olbrechts‐Tyteca (2005) são, sem

dúvida, um dos estudos mais completos para categorização dos argumentos. Os

esquemas ali apresentados fornecem as mais variadas possibilidades de análise de

enunciados.

É através das técnicas argumentativas que será possível identificar de que

forma o interlocutor tentou atingir o outro, muito embora, muitas vezes, sem a

devida consciência do fenômeno apresentado. Em se tratando de um texto escrito,

é possível que as estratégias sejam mais planejadas, considerando que cada

expressão selecionada tem sua força argumentativa. Ducrot (1980) colabora com

essa análise na medida em que explica o valor dos operadores argumentativos.

Elementos que a gramática descritiva usa como unidades da língua o autor se

apresentam como recursos de persuasão, como orientadores no processo

argumentativo.

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As pesquisas concernentes à argumentação que J.C. Ascombre e eu temos desenvolvido visam a mostrar que ela nem sempre é acrescentada às possibilidades semântico‐pragmáticas inscritas na língua: ocorre ao contrário, que, para descrever determinada expressão construção ou torneio, faz‐se preciso indicar as restrições argumentativas que ela impõe aos enunciados em que aparece. ( DUCROT, 1987, p. 139

É bem verdade que estamos tratando aqui de uma perspectiva de Ducrot da

década de 80. Nesse período, ele ainda defendia que

A significação de certas frases contém instruções que determinam a intenção argumentativa a ser atribuída a seus enunciados: a frase indica como se pode, e como não se pode argumentar a partir de seus enunciados.”(DUCROT, 1989, p. 18)

Seus últimos trabalhos têm mostrado uma nova orientação para os estudos

dos topoi 1 argumentativos, defendendo que as conclusões podem estar além do

linguístico. Ducrot (1999) desenvolveu análises sobre situações discursivas em que

os efeitos argumentativos não são mais orientados apenas pelo termo linguístico,

mas pelos fatores sociais, culturais e históricos em que o enunciado se apresenta.

Ainda com os estudos de tipificação de Ducrot, é necessário considerar um

dos seus trabalhos mais relevantes que diz respeito ao argumento de autoridade.

Embora não signifique o tipo de argumento mais importante, mas, é através dele,

que podemos fazer análises sob uma perspectiva de autoridade polifônica,

aproveitando, também, as concepções de dialogismo dos textos de Bakhtin (2003).

Com uma preocupação didático‐metodológica, daremos enfoque em algumas

técnicas argumentativas, não apenas sob a perspectiva de Perelman, bem como nas

análises iniciais de Aristóteles 2 e os orientadores argumentativos de Ducrot (1987).

De acordo com as análises pretendidas, daremos ênfase ao argumento de

comparação, argumento de causa e efeito, argumento de alusão histórica e

argumento de autoridade. 

1 pontos de vista, lugares comuns, princípios argumentativos, pressupostos, fundamentos, que consistem já numa interpretação do mundo e têm uma força persuasiva. (Martins,  ) 2 A maioria dos tipos de argumentos apresentados por qualquer teoria da argumentação tomou como base as linhas argumentativas na Retórica de Aristóteles.

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3. A interatividade e e‐gênero fórum de discussão

Para entendermos melhor o valor do processo interativo que se dá no

ambiente virtual, é necessário antes reconhecer o valor que a prática interativa

exerce para o desenvolvimento de uma argumentação. Segundo Plantin (2008), “A

atividade argumentativa é desencadeada quando se põe em dúvida um ponto de

vista”. É aquilo que o próprio Perelman defendia como o contradiscurso. É no jogo

de ideias e de confronto que o interlocutor pode se sentir desafiado e formular

mentalmente seus argumentos.

Ora, sem dúvida, essa prática cognitiva provocará movimentos mentais em

busca de melhor forma de persuasão para com o interactante naquele momento do

discurso. Plantin(2008) acrescenta que “essa situação interacional obriga o

interlocutor a argumentar, isto é, a desenvolver um discurso de justificativa”.

Trazendo essa situação argumentativa para um texto produzido em sala de aula,

percebemos as limitações que o nível de argumentação sofrerá, tendo em vista o

aspecto monológico dessa prática em contexto escolar. Evidentemente que não

estamos desconsiderando o valor argumentativo de qualquer texto escrito, pois

temos a consciência que, enquanto gênero, todo ele faz parte de um processo

interativo. Refiro‐me a textos exigidos nas escolas sem a preocupação do efeito de

ação social.

(...) o processo de produção textual requer dos interactantes “um conjunto de estratégias de construção de sentido, entre as quais se contam as estratégias textual‐interativas, (...) que tem como objetivos, entre outros, aumentar a força retórica do texto, (...) (KOCH, 2004).

É pensando nesse desenvolvimento argumentativo através da interatividade

que imaginamos o ambiente virtual como uma ferramenta importante e eficaz.

Primeiro pelo seu uso predominantemente através da modalidade escrita e, em

seguida, pela sua característica dialógica.

Com o advento da Internet, diversos gêneros textuais surgiram ou passaram

por modificações para uma melhor viabilização do seu uso no meio tecnológico.

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Essa inserção de novos gêneros nas práticas comunicativas dos jovens, sem dúvida,

tem exigido algumas mudanças dos processos de ensino de línguas no contexto

escolar. Por muito tempo, algumas escolas imaginavam que a contribuição da

ambiente virtual estava mais voltada para as influências tecnológicas e tentaram

trazer para os alunos algumas práticas de inserção digital. Entretanto essa

preocupação não se apresentava eficazmente nos estudos de gêneros, nas

observações sobre variações lingüísticas e, muito menos, em relação à produção

textual.

Atualmente, com o avanço de estudos sobre vários aspectos dos gêneros

digitais, e até mesmo com a tímida, mas presente preocupação acerca desse tema

pelos Parâmetros Curriculares,é possível identificarmos algumas contribuições

relevantes dos textos de ambientes virtuais para as práticas de ensino em sala de

aula presencial. É considerando essa atual visão pedagógica que o presente

trabalho acredita numa contribuição relevante para as aulas de produção textual.

Tomando como base o que Marcuschi (2004) já dissera que nunca se escreveu tanto

como com as novas práticas computacionais, é possível fazer uso desse contato

crescente com a escrita para minimizar alguns problemas recorrentes nas

produções de texto em sala de aula.

É bem verdade que estamos falando de uma escrita híbrida, com todas as

variações permitidas pelo ambiente tecnológico, mas estamos também falando de

uma escrita mais livre, sem a monitoração e exigências peculiares às atividades de

produção textual em sala de aula. Dessa forma, é possível perceber, em vários

gêneros veiculados na Internet, mais especificamente no fórum de discussão do

Orkut, uma escrita espontânea, com teor argumentativo superior aos textos

produzidos em sala de aula.

Evidentemente não irei discutir aqui a obviedade das diferenças dos

ambientes. Um ambiente didatizado tende a tolher a criatividade e,

consequentemente, inibir a argumentação. O que se espera não apenas a

constatação, mas a transposição de um desenvolvimento argumentativo, presente

no ambiente virtual, para as práticas discursivas escolares.

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É um ponto comum entre os estudiosos de genros textuais, como Bazerman

(2006); Davitt ( 2004 ); Miller (2008); Marcuschi (2004), Bronckart (1999) a

relevância do caráter interativo dos gêneros. É indiscutível que nenhum texto pode

ser escrito ou falado sem que haja um outro como participante imediato dessa ação

discursiva. Quando se trata de gêneros digitais esse processo interativo ainda é

mais evidente pelas possibilidades de simultaneidade de participação em algumas

práticas.

O e‐gênero fórum de discussão possui esta característica de interação

considerando que é um gênero em que várias pessoas discutem um tema,

geralmente determinado e conduzido por um organizador. Esse gênero permite que

jogos de persuasão sejam desenvolvidos porque há sempre alguém tentando

conseguir audiência para sua ideia defendida.

(...) neste gênero digital, o interlocutor tem ainda a vantagem, relação aos outros gêneros de discurso em celulose, de não apenas processar solitariamente a informação ali exposta, como também poder questionar junto ao produtor do discurso os pontos criticáveis, obscuros ou absurdos do seu discurso. (XAVIER; SANTOS, 2005, P. 35)

Tomando como ponto de partida essa constatação do processo interativo dos

textos, é que surgem algumas preocupações em relação às produções textuais em

sala de aula. Parte das dificuldades advém desse caráter dissociado do texto com

propósitos comunicativos reais. Para Bronckart (2008) “um texto só pode ganhar

sentido pela atividade de interpretação de seus leitores, que reconstroem sentido

a partir dos índices disponíveis na materealidade textual”. Pelos mesmos motivos e

acrescido de outros fatores, Bazerman (2006) afirma que “Quando os alunos

podem fazer seus textos ter vida para leitores á distância, criando interação dos

significados evocados pelo texto, eles terão alcançado a agência mais profunda da

escrita.”

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4. Análise do corpus

Através de alguns comentários no fórum de discussão do Orkut, tentaremos

analisar as estratégias argumentativas utilizadas por alunos da 1ª e 2ª séries do

ensino médio de uma escola privada do Recife. É necessário, antes disso, mostrar o

caminho percorrido para obtenção de alguns resultados.

Inicialmente uma comunidade foi aberta no Orkut, com o título “Penso logo

escrevo”, com a intenção de mobilizar alguns alunos a argumentarem sobre temas

diversos. Alguns desses temas estavam sendo vivenciados em sala de aula e outros

não. A participação passou a ser constante por alguns alunos, e mais raramente por

outros, mas, de modo geral, obtivemos a presença média de 15 alunos escrevendo

quase diariamente sobre assuntos polêmicos do cotidiano. Essas escritas

demonstraram alguns resultados argumentaitovos que analisaremos a seguir.

IMAGEM 1

Página inicial da comunidade “Penso logo escrevo“ do site de relacionamento Orkut.

Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação  ‐ 11 ‐

Esta interface da página inicial da comunidade apresenta seu nome, alguns

participantes e a coluna dos tópicos que são atualizados pelo professor

diariamente. De acordo com alguns critérios particulares, certos temas são

visitados mais que outros, o que deixa mais uma pergunta sobre as propostas de

produção indicadas em sala de aula: os alunos gostam sobre o que estão

escrevendo?

No comentário a seguir, analisaremos algumas estratégias argumentativas

usadas pelo jovem, aluno da 2ª série do ensino médio, ma tentativa de apresentar

algumas considerações, seja pelo valor das palavras como orientadoras

argumentativas, seja pela natureza polifônica 3 do texto em questão.

IMAGEM 2

anelilde

INCLUSÃO SOCIAL

Podemos considerar que, em um país democrático como o Brasil, vivemos num

efetivo processo de inclusão social?

(Participante) por onde quer q

Em parte, se fizermos uma análise histórico‐social, desde tempos muito antigos em

relação aos dias de hoje podemos perceber que a inclusão social no Brasil

aumentou significativamente, as pessoas passaram a obter mais informações, até

mesmo aquelas com pouco grau de instrução,a TV divulga bastante isso de forma

clara e objetiva para pessoas leigas no assunto. Além disso foram estabelecidas leis

de punição à quem excluir uma pessoa por raça, condição social, estado físico e

dentre outros...

...Porém apesar desse avanço significativo de inclusão social o Brasil ainda vivencia 

3 Usamos aqui a concepção de Polifonia de Ducrot, que defende  “como uma incorporação que o locutor faz aos eu discurso de asserções atribuídas a outros enunciadores ou personagens discursivos – ao(s) interlocutor(ES), a terceiros ou à opinião pública em geral. “(KOCH, 2008, p. 140)

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muitos casos de exclusão que afeta o país inteiro pois, em todos os lugares existe

pobres e ricos; negros e brancos; linguas, culturas dentre tantas outras coisas que

são julgadas de forma incoerente pelas pessoas e acabam gerando um descompasso

na sociedadde brasileira fazendo com que o padrão de vida adotado pela maioria

seja único e exclusico fazendo com que pessoas que têm um modo de vida

"diferente" sejam excluidas do meio social de forma cruel.`

É necessário que as pessoas sejam menos individualistas pois o mundo não é apenas

de uns... e sim de todos que o habitam, e encontram‐se na situação em que se

encontram hoje não apenas por querer, mas por uma condição pré‐estabelecida

antes mesmo do mundo tornar‐se submisso aos homens hipócritas.

Fonte: Comentário do e‐fórum da comunidade “Penso logo escrevo”.

Como se configura no fórum de discussão do Orkut, existe um mediador que

introduz tópicos e interage com os participantes à medida que vão apresentando

seus argumentos. Inegavelmente, tem‐se, nesse formato, uma possibilidade de

instigar a busca dos mais variados tipos argumentativos em busca da persuasão do

interlocutor(es) imediato(s).

Ao ser indagada sobre o processo de inclusão no Brasil, podemos perceber

algumas linhas argumentativas escolhidas pela participante. Primeiramente, ela faz

uso da comparação temporal. Com esse tipo de argumento, ela consegue

demonstrar conhecimentos de fatos históricos e sociais, tendo em vista que

menciona ‘punições’ para quem exclui. Podemos perceber a primeira situação de

polifonia, considerando que a conclusão que pretende chegar dependeu de fatores

sociais ( a voz da Constituição).

Em seguida, uma nova orientação argumentativa é apresentada, através do

operador de oposição ‘mas’. No nível da linguagem, sabemos que um novo

argumento será apresentado em oposição à constatação anterior. A nova

orientação não é exatamente uma negação do fato apresentado, mas é uma forma

de chegar a seu ‘topoi’ argumentativo: o Brasil não tem sido efetivo no processo de

inclusão social. A escolha lexical também foi relevante para construção da força

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argumentativa. Quando ela diz “pessoas que têm modo de vida diferente sejam

excluídas do meio social de forma cruel.” , tenta ratificar, convencer o

interlocutor sobre o fato da exclusão no Brasil.

Uma outra análise importante sobre os e‐gêneros e sua contribuição para

produção do contexto escolar diz respeito à capacidade de síntese que os usuários

demonstram nesse ambiente. Por essa habilidade precisar ser desenvolvida na

escola, para que os alunos, em textos escritos formais, possam dizer fundamentos

relevantes em poucas linhas, é possível perceber que o fórum de discussão também

auxilia esse desempenho. Temos, por exemplo, nas duas linhas finais do texto, a

seguinte afirmativa: “ (...) e encontram‐se na situação que se encontram hoje não

apenas por querer, mas por uma condição pré‐estabelecida antes mesmo de o

mundo tornar‐se submisso aos homens hipócritas.” A aluna faz uma crítica,

percebida através de inferências, a um mundo dominado pelo capitalismo, sendo

esse regime o responsável pela formação desses ‘homens hipócritas’. A pista para

essa conclusão está em outro termo usado mais acima, ‘individualistas’,

característica consequente das práticas competitivas do consumismo e do

capitalismo.

IMAGEM 3

02/11/09

TRÁFICO DE DROGA

Nesse ambiente em que dezenas de inocentes morrem quase que diarimante, quem

é o verdadeiro vilão?

# Tales Dance, as favelas, acho que é de uma opiniao maciça e integra de toda

sociedade , deveriam ser eliminadas desde dos periodos dos king sizes (1485) ,

desde de la ate os dias de hoje nada foi feito com essa sociedades marginais , que

existe em nosso país

Leomar

Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação  ‐ 14 ‐

o vilão.

Pra mim, o vilão, é o proprio sistema social. Acho que a liberação do uso de drogas

seria a saida mais certa. Sou a favor, da ideia de que o homem em consciencia, faz

o que bem entender com seu corpo e sua vida. Mas, e tudo que poderia gerar

negativamente com a liberação? Uma crise no sistema de saude, uma revolta dos

proprios traficantes, protestos contra a liberação. E mesmo que essa fosse a saida

mais segura, ou pelo menos a mais indicada, o pais tinha que ter uma estrutura, de

dar inveja. E como o pais nao tem essa estrutura, nao é de hoje, o pais tem MUITO

o que fazer. E qndo me refiro a pais, nao to falando dos governantes. A propria

sociedade, impoe preconceito, descaso... Se a propria base do pais que sao os

habitantes, nao mudar, esse e outros problemas vao continuar existindo.

Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação  ‐ 15 ‐

Fonte: Comentário do e‐fórum da comunidade do Orkut: “Penso logo escrevo”

Para esse novo tópico ‐ tráfico de drogas ‐ surgiram alguns comentários

relevantes, mas, por questão metodológica, analisaremos apenas duas

participações. O primeiro participante levanta um argumento polêmico e, até certo

ponto, de bastante autoria. É raro, em textos produzidos em sala de aula, o aluno

trazer uma ideia diferente do senso comum, ou pelo espaço que gera limitações,

ou pela preocupação de ser rejeitado pelo professor (talvez pelo caráter

monológico que às vezes um texto em sala de aula pode indicar). Quando o

participante 1 remete ao período dos King size 4 utiliza o argumento de alusão

histórica para convencer o interlocutor através de fatos que justificam certas

situações do presente. É possível observar que, de forma sucinta, o participante

consegue empregar uma força persuasiva para o aquilo que ele entende como

principal responsável pela disseminação do tráfico de drogas: as favelas. A

princípio pode parecer um posicionamento discriminativo, mas, na verdade, a

crítica do participante 1 é voltada para as autoridades. Esse argumento é percebido

pela sua assertiva “de lá até os dias de hoje nada foi feito com essas sociedades

marginais.”

Evidentemente que a expressão categórica ‘nada’ pode causar dois efeitos

quanto à natureza argumentativa. Primeiro pode reduzir a orientação do

argumento à medida que não leva em consideração alguns fenômenos sociais que

demonstram mudanças nesse aspecto de inclusão. Por outro lado, pode fortalecer a

ideia defendida do descaso pelos governantes. Com esse último efeito, pode

ampliar a situação em que vivem as sociedades marginais para um estado caótico

de abandono.

Quanto ao participante 2, desse mesmo tópico, podemos observar sua

posição interativa. O início de seu argumento: “Pra mim, o vilão, é o próprio

sistema social” se apresenta com duas intenções: Primeiro deixar claro uma tese

pessoal, numa tentativa de mostrar autoria em relação ao ponto de vista da 

4 Dinastia portuguesa que invadiu o Rio de Janeiro no período de 1485 aproximadamente.

Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação  ‐ 16 ‐

maioria. Em segundo lugar, responder, reagir ao argumento do participante 1( para

quem a favela seria o vilão). É essa possibilidade de reagir a um argumento já

defendido que tende a fortalecer as ideias a serem apresentadas, conforme já

mencionamos anteriormente quando defendemos o valor da interação para o

desenvolvimento argumentativo.

É interessante observar que, para chegar à conclusão de sua tese, o

participante 2 faz um jogo de dedução, utilizando algumas proposições que levarão

o interlocutor a um fim desejado. Podemos, com esse exemplo, retomar o conceito

de ‘entimema’ de Aristóteles (Retórica I, 78). Plantim (2008), ao citar Aristóteles,

explica que entimema é “o meio de prova dedutivo típico da Retórica, que leva o

debate para seu fim (...)”. Essa estratégia pode ser observada no texto do

participante 2, que apresenta a seguinte sequência:

1º) “Acho que a liberação do uso de drogas seria a saída mais certa...”

2º) “O homem em consciência, faz o que bem entender com seu corpo e sua

vida...”

Em seguida, o participante 2 toma outro curso argumentativo. Com o

orientador “mas”, ele inicia uma nova sequência, como contraponto às suas

proposições anteriores. Ele trata, então, das conseqüências com a liberação.

1º) “uma crise no sistema de saúde”

2º) “ a revolta dos próprios traficantes”

3º) “protestos contra a liberação...”

4º) “o país não tem essa estrutura...”

Para, então, chegar á conclusão de sua trajetória argumentativa: o Brasil

não pode legalizar o uso das drogas. Ao mencionar a falta de estrutura do país, o

participante faz uma nova sequência argumentativa para responder |à pergunta

inicial: o vilão é a própria sociedade.

Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação  ‐ 17 ‐

Podemos observar que o nível argumentativo, as muitas vozes que perpassam

o discurso dos participantes 1 e 2 foram desenvolvidas em pouco espaço, com a

leveza de quem argumenta oralmente sobre qualquer tema. É, nesse ponto,

também que acreditamos no efeito dessa prática como contribuição para a

produção dos textos escritos formais em sala de aula.

Quando um professor promove um debate em sala, sobre o tema que será

abordado no texto argumentativo, geralmente ele o faz com a intenção de

desenvolver o raciocínio argumentativo do aluno. Essa prática é bastante relevante

porque é o momento do jovem escritor ter contato com os mais variados pontos‐

de‐vista sobre o mesmo tema. Sem dúvida é um momento rico. Entretanto,

também é possível perceber que, ao tentar transpor toda riqueza argumentativa

que foi explorada no momento do debate, até mesmo o resultado de algumas

leituras em conjunto, alguns entraves acontecem. O momento da produção escrita

se revela como um inibidor de boa parte de suas manifestações argumentativas. Os

motivos são óbvios e clássicos, mas não nos deteremos a eles agora.

É por esse motivo que pensamos em uma estratégia, não melhor que um

debate em sala de aula, mas além do debate. No fórum de discussão, há a riqueza

do debate com características da oralidade, mas tem que ser, necessariamente, na

modalidade escrita. Por isso apostamos numa transposição cognitiva, numa

memória argumentativa mais eficaz, pois passou pelo processo escrito. Os textos

analisados demonstram a riqueza e as estratégias argumentativas para defender um

ponto‐de‐vista.

IMAGEM 4

CULTO À BELEZA

Anelilde

Mulheres têm estado deprimidas pelo simples fato de não atingirem a beleza ideal

propagada pela sociedade. O que falta à sociedade em ralação à aceitação pessoal?

Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação  ‐ 18 ‐

Karol Holanda

Hum, não sou a melhor pessoa pra falar disso até porque sou muito vítima dessa

ditadura mas vamos lá!

Acho que um livro muito bom pra quem quer ir mais além e ficar mais por dentro

do assunto é a ditadura da beleza se não me engano.. sei que é do Augusto

Cury(adoro ele:D).

Acho que todo o problema está na mídia, por exemplo .. as revistas de beleza só

nos fazem achar cada dia mais feias e mais gordas sabe?

A mídia faz um molde de ser humano perfeito, ela dita esses padrões e acaba

fazendo um certo tipo de lavagem cerebral mesmo. Conseguiram colocar nas nossas

mentes que ser magra e ter um rosto peferito é ser linda e só assim ser aceita na

sociedade, e agora é o que todas as mulheres querem ser. Se torna algo tão

doentio que as mulheres acabam tomando atitudes até inadmissíveis.

Acho que o que falta à sociedade é um pouco de realidade, acho que se pararmos

pra pensar em quantas pessoas estão dependentes, ou muti doentes e mesmo assim

vivem e são muito felizes e agradecidas pelo simples fato de viver talvez não

pensaríamos com tanta mediocridade. A sociedade deveria pensar mais na

felicidade de ter uma família, de ter saúde, de ter vida! Deveríamos não ser tão

fúteis e nos preocupar menos com coisas tão banais como a beleza. Seriedade e

maturidade são suficientes para vermos que deveríamos ser agradecidos pelo que

somos e aceitar isso.

Fonte: comentário do e‐fórum da comunidade do orkut: „Penso logo escrevo.

Dois aspectos são extremamente interessantes nesse comentário. Primeiro a

participante pode se incluir como estratégia argumentativa. Não quero dizer com

isso que devemos validar os argumentos pessoais em textos escritos formais

(dependendo do gênero), mas o efeito que pode causar, para o desenvolvimento,

no processo cognitivo, de argumentos consistentes em busca de conclusões

relevantes.

Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação  ‐ 19 ‐

Outro ponto importante desse tópico é o uso do argumento de autoridade.

Ao citar Augusto Cury, a participante reveste seu argumento com mais

credibilidade, o que é uma estratégia, numa prática de interação, de se sobrepor

ao argumento do outro, ou seja, é a forma de ter maior persuasão. Ao mencionar o

próprio suposto título do livro “a ditadura da beleza”, a participante já permite

que seus argumentos posteriores tragam a marca dos discursos nele constituídos.

Mais uma vez temos a presença da argumentação polifônica conforme Koch (2004,

p. 143), ao citar Ducrot e Vogt, menciona.

(...) a polifonia é um fato constante no discurso, que oferece ao locutor a possibilidade de tirar conseqüências de uma asserção cuja responsabilidade não assume diretamente, atribuindo‐a a um enunciador estranho.

Considerações finais

Temos consciência de que o trabalho com produção escrita na escola ainda é

um desafio para o professor de língua. Não podemos negar os avanços em outras

áreas, como na leitura, nas análises lingüísticas, como também não podemos negar

a influência positiva que esses avanços têm exercido sobre algumas práticas de

produção. Entretanto pesquisas na área pedagógica, depoimentos de professores e

outras evidências têm revelado que nossos jovens precisam de apoio da escola, de

estratégias visionárias, de mobilização de diversas áreas para ajudá‐los a ter uma

produção escrita eficaz e pragmática.

Como nosso foco está no aspecto argumentativo das produções escritas,

também identificamos como uma área intrínseca ao sucesso da escrita de um

texto. Não ter o que dizer, muitas vezes, tem se tornado um ponto de bloqueio

para o momento da produção e, consequentemente, tem gerado uma baixa auto‐

estima ao jovem como escritor, o que permite os resultados insatisfatórios

percebidos nessa área do contexto escolar.

Pensar em estratégias para o crescimento argumentativo em textos formais

produzidos em sala de aula pode não ser a solução para os inúmeros problemas que

Universidade Federal de Pernambuco ­ Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação  ‐ 20 ‐

essa prática possui, mas, sem duvida, é um passo em direção a uma escrita

interativa. O importante é que haja, de fato, uma preocupação em busca de saídas

pedagógicas. Se outros profissionais desenvolverem estratégias em outras áreas

também relevantes, teremos, sem dúvida, uma projeção positiva para nossas

práticas de produção no contexto escolar. Serão ações pensadas sob a visão de

Antunes (2003) “(...) de forma que todas as ações se orientem parta um ponto

comum e relevante: conseguir ampliar as competências comunicativo‐interacionais

dos alunos.”

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