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Introdução aos direitos reais - Módulo 1 Direitos reais em espécie

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Aula 1 - Direitos reais em espécieObjetivo: Introdução aos Direitos Reais em Espécie, com uma necessária análise das características gerais dos Direitos Reais, notadamente da posse (aula 2) e da propriedade (aula 3), esta última o chamado “direito real pleno”, do qual os demais são desdobramentos.

Podemos começar?

Introdução aos direitos reais

1- Breve Evolução Histórica Costuma-se dizer, no estudo das variadas disciplinas que compõem o ordenamento jurídico brasileiro, que existe interdisciplinaridade entre elas. Ao mesmo tempo que se estudam as relações travadas entre os variados ramos da Ciência Jurídica, também são analisadas as relações entre esta e as demais Ciências Humanas e Sociais. Da leitura do trecho acima conclui-se uma lição aos estudantes e aplicadores do Direito: é impossível dissociar o fenômeno Jurídico dos fatores históricos, econômicos e políticos que compõem o quadro social existente numa dada época. Assim já visualizaram os romanos, a cuja construção jurídica devemos as raízes do Direito Europeu continental, bem como da América Latina: “Ubi societas, ibi jus” (Onde está a sociedade, está o Direito).

Desta forma, o Código Civil de 16 é reflexo da sociedade de sua época. Retratava um Brasil de economia predominantemente agrária, de forte influência católica e pautando suas relações sociais e econômicas por um liberalismo puro. Assim, três pilares estruturavam a sociedade de então (e consequentemente o Digesto): Família, Contrato e Propriedade.

A Família, indissolúvel (até o advento da chamada “Lei do Divórcio” – Lei 6.515/77) e exclusivamente matrimonial (até o posterior reconhecimento da união estável e da família monoparental como entidades equiparadas), atendia aos dogmas da religião Católica (o Brasil é até hoje o maior país católico do mundo, em números absolutos);

A Propriedade, à época ilimitada, era expressão necessária do sistema liberal-capitalista. O homem valia por aquilo que possuía. Vivíamos a época do “ter” sobrepondo-se ao “ser”. A propriedade de então, uma vez

regularmente adquirida, dizia-se incondicionada;

O Contrato, por sua vez, era o instrumento por excelência da circulação do capital, e forma de aquisição da propriedade. Partia-se da máxima “pacta sunt servanda” (pactos são para ser cumpridos) para justificar toda sorte de abusos, decorrentes da

desigualdade sócio-econômica.

Com o advento da Carta Magna de 1988, surge uma preocupação do legislador

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em humanizar o Direito (em parte, tal fenômeno se deu pelas feridas que ainda cicatrizavam na nação, decorrentes dos chamados anos de chumbo da Ditadura Militar). Sem pretensões de estender demasiado o tema, detendo-nos mais à sistemática dos Direitos Reais (objeto deste curso), destacamos os seguintes dispositivos:

Art. 1º, III – A Carta Magna consagrou aqui o paradigma pelo qual passar-se-á a analisar todo o ordenamento brasileiro: a dignidade da pessoa humana. Desta forma, passa a ser o homem, e seu direito à expressão e desenvolvimento, o polo gravitacional do sistema como um todo. Supera-se a “Era do Ter”, dando vez à “Era do Ser”. A dignidade humana constitui, então, mais que um princípio, um fundamento da República Federativa do Brasil;

Arts. 5º, XXII e XXIII - Dentre os direitos fundamentais do homem, a Lei Maior garante o direito de propriedade, contudo condiciona-o ao atendimento de sua função social. Não basta mais simplesmente ter. É preciso que do fato de ser proprietário de um bem advenha uma consequência útil para a sociedade. A palavra função pode possuir diversas acepções. Quando o Direito emprega este termo, está a condicionar a existência e validade de um determinado Direito ao cumprimento de uma dada finalidade. Como conclusão lógica, teremos os institutos da desapropriação (arts. 184, 243, CF/88), ou da usucapião (arts. 183 e 191,CF/88), a serem oportunamente estudados. Além de direito fundamental, a propriedade e sua função social constituem princípios gerais da atividade econômica (art. 170, II e III, CF/88).

Código Civil de 2002 e seus novos paradigmas: eticidade, operacionalidade, e funcionalidade

Podemos afirmar que o Código Civil atual, em vigor desde janeiro de 2003 (a controvérsia, já superada, sobre a data de entrada em vigor foge ao tema do curso), é oriundo de Projeto do jurista e filósofo Miguel Reale, surgido na década de 70 (anterior à Constituição de 1988, portanto). Traz como pilares interpretativos a eticidade (as relações jurídicas e sociais devem ser permeadas por um viés ético, sendo exemplo claro a chamada boa-fé objetiva, prevista no art. 422), operacionalidade (preocupa-se o código em tornar efetivas suas regras) e a funcionalidade (temos assim a função social do contrato, prevista no art. 421, e da propriedade – art.1238, § 1º, numa tentativa de conceituar o que seja função social). Trata o Digesto Civil, em seu Livro III (Do Direito das Coisas), dos assim chamados Direitos Reais, elencados no art. 1.225, e da Posse (prevista nos arts. 1.196 a 1.224), cuja própria natureza (se mero estado de fato, ou se Direito e, neste caso, se real ou obrigacional) foi objeto de acirrada controvérsia, prevalecendo a doutrina que entende tratar-se igualmente de Direito Real.

Tudo entendido até aqui?

Continuando...

2 - Os Direitos Reais: Conceitos, características, classificação,

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comparação com os direitos obrigacionaisConceito

Podemos conceituar os Direitos Reais (O Código Civil Brasileiro atual manteve a orientação do de 1916, filiando-se ao Código Civil Alemão, o BGB, e empregando a terminologia Direito das Coisas, em virtude de Clóvis Beviláqua, para quem a posse era um mero estado de fato, antecedente à propriedade) como sendo

“o ramo do Direito Civil regente da situação jurídica gerada pela norma de direito que confere ao indivíduo o poder de titularidade sobre os bens apropriáveis, apontando sua extensão e limites, fundados primordialmente na função social e na boa-fé.” (MELO, 2008, pág 2)

Do mesmo modo, Cristiano Chaves de Farias, na esteira do conterrâneo Orlando Gomes, define-os como ramo do Direito que “regula o poder do homem sobre certos bens suscetíveis de valor, e os modos de sua utilização econômica” (FARIAS, 2006. Pág. 2)

Deve-se desde logo desfazer o equívoco de compreender os direitos reais como travados entre o homem e a coisa. Toda relação jurídica é intersubjetiva (Kant), e disto não diferem os direitos reais. Apenas neles, o direito do sujeito titular (possuidor, proprietário, usufrutuário) sobre a coisa (objeto) é exercido em face de uma coletividade (erga omnes) indeterminada aprioristicamente, porém determinável diante do caso concreto. Também se depreende dos conceitos doutrinários acima ser a função social a condicionante de tais direitos, eminentemente econômicos.

coisa - Para efeitos deste curso, empregaremos as expressões “bem” e “coisa” como sinônimos, desprezando a divergência doutrinária que, vezes atribui ao bem a relação espécie do gênero coisa, vezes inverte as bases desta continência, ou que reduz a expressão “coisa” aos bens materiais, passíveis de apropriação física.

Saiba mais

Características

Os Direitos Reais possuem as seguintes características:

a) Oponibilidade Contra Todos (erga omnes) – Os direitos reais, conforme já explicado, são oponíveis à coletividade, mesmo a terceiros que não guardem qualquer relação com o titular do bem. Assim, e.g., O locatário poderá defender sua posse contra terceiro, totalmente estranho ao contrato de locação, que venha turbar o uso do bem (poderá também defendê-la em face do proprietário-locador, conforme se verá adiante). Daí se costuma afirmar que são direitos absolutos (assertiva que deve ser entendida cum grano salis, tendo em vista que o bom uso da coisa é um fator condicionante, logo limitante, da mesma);

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b) Ambulatoriedade – Os direitos reais submetem a coisa a seu titular, “caminhando” com ele, até o perecimento do próprio bem. Existem, contudo, direitos reais temporalmente limitados (ex: usufruto, que pode ser subordinado a termo art. 1.410, CC);

c) Direito de seqüela (jus pesequendi) – O Direito de Sequela significa o direito que assiste ao titular da coisa de persegui-la, aonde quer que se encontre, com quem quer que esteja. Assim, o proprietário poderá mover ação reivindicatória em face de quem quer que detenha o bem que lhe pertence, ainda que não seja o esbulhador (ex: JOÃO, proprietário de um relógio de ouro, é furtado por MALAQUIAS, o qual entrega o mesmo para ROGER, receptador. JOÃO poderá intentar a ação reivindicatória em face de ROGER, que é quem estará na posse da coisa). O credor hipotecário poderá executar sua garantia mesmo em face de terceiro adquirente do bem – FABIO hipoteca seu imóvel em Miguel Pereira em favor de BRUNO. Posteriormente, FABIO aliena seu bem para ORFEU, sem, entretanto, adimplir o débito hipotecário. Poderá BRUNO promover a execução da garantia mesmo em face de ORFEU desde que a hipoteca esteja devidamente registrada em cartório. (TACSP – Ap. c/ Ver. 634.248-00/5, 17/04/2002, 10ª Câmara, Rel. Irineu Pedrotti).

d) Taxatividade – O rol dos Direitos Reais, em nosso ordenamento, é taxativo (numerus clausus), estando previsto no art. 1.228 do Código Civil. Moderna doutrina, entretanto, mitiga o rigor da assertiva, incluindo entre os direitos reais a posse, a multipropriedade imobiliária (time sharing) e, para alguns doutrinadores, a retrovenda (art. 505, CC), tendo em vista que seu registro em cartório de imóveis gera oponibilidade contra todos (art. 507, CC).

e) Perpetuidade – Diz-se que os direitos reais tendem a ser perpétuos, não se extinguindo pelo não-uso. Contudo, a rigor técnico, apenas a propriedade pode-se dizer assim. O usufruto a priori é vitalício (art. 1.410, VIII, CC), ou por duração de trinta anos se o beneficiário for pessoa jurídica. A hipoteca possui prazo legal de eficácia. A anticrese possui prazo contratual. Desta feita, somente a propriedade é, a rigor, perpétua.

f) Publicidade – Para alguns autores, a publicidade seria igualmente atributo dos direitos reais. Consiste na ampla divulgação dos atos concernentes à constituição e transferência de ditos direitos para que todos possam conhecê-los e respeitá-los. Parece-nos, entretanto, que a publicidade advém do registro em cartório competente.

g) Preferência - Tal característica refere-se aos chamados direitos reais de garantia (penhor, anticrese e hipoteca), nos quais o bem dado em garantia fica afetado ao cumprimento da obrigação (art. 1.419, CC).

Classificação

De suma importância para qualquer ciência que se promova uma correta classificação de seus elementos componentes. Classificar é agrupar em razão

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de determinadas características. A Doutrina nos traz algumas classificações:

- Quanto ao titular da coisa - Esta classificação toma em conta a possibilidade do desdobramento da titularidade do direito real. Assim, temos:

a) Direitos reais sobre a própria coisa – São exemplos: a propriedade, o condomínio, a propriedade horizontal;

b) Direitos reais sobre coisa alheia – Podem referir-se ao gozo, ou a garantia. Os direitos reais de gozo conferem ao titular faculdades de uso e efetiva participação sobre a coisa. São exemplos o usufruto, o uso, a habitação. Direitos reais de garantia são aqueles, já mencionados, nos quais o bem é dado em garantia ao cumprimento de uma obrigação (penhor, hipoteca, anticrese).

- Quanto à relação de principalidade – Aqui podem os direitos reais ser:

a) Principais - Possuem existência autônoma, independente de qualquer outro. Ex: Propriedade, usufruto;

b) Acessórios – Sua existência e validade são condicionadas a de outro direito real. Ex: hipoteca, penhor, servidões.

Comparação entre os direitos reais e os obrigacionais

Quadro comparativo Direitos Reais x Direitos Obrigacionais

DIREITOS REAIS DIREITOS OBRIGACIONAIS

Absolutos (eficácia erga omnes) – São oponíveis a toda coletividade.Relativos (eficácia inter partes) – Possuem sujeito passivo determinado, muito embora se reconheça a eficácia externa dos direitos contratuais. Ex.: Estipulação em favor de terceiro (art. 436, CC).

Permanentes – Extinguem-se pelo perecimento do objeto.Transitórios – Via de regra, extinguem-se pelo adimplemento da obrigação, ou inércia do titular.

Taxatividade – Os Direitos Reais serão sempre criados por lei (numerusclausus).

Ampla liberdade – Em se tratando de Direito Obrigacional, predomina a autonomia da vontade, sendo permitidas obrigações criadas pelo acordo de vontades, desde que lícitas.

Ambulatoriedade – Acompanham o titular do direito, onde quer que esteja.

Estanques – Os direitos pessoais são desprovidos da prerrogativa de acompanhar o titular.

Possibilidade de aquisição por usucapião. Inadmissibilidade de aquisição por usucapião.

Os direitos reais são suscetíveis de posse. Os direitos obrigacionais são insuscetíveis de posse.

Exclusividade – Os Direitos Reais são exclusivos (as noções de condomínio e composse não inviabilizam esta assertiva).

Os direitos obrigacionais admitem pluralidade de titulares num de seus polos.

Os Direitos Reais dão direito ao uso da coisa (no caso do direito de propriedade, mais ampla espécie de Direito Real, o titular da coisa possui o uso, gozo, fruição e disposição da mesma).

Os direitos obrigacionais dão direito a uma prestação (num contrato de compra e venda, o comprador tem direito a receber a coisa, e o vendedor, ao preço).

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Para efeitos de reforço didático, segue quadro comparativo entre os direitos reais, e os obrigacionais, ressaltando-se as principais diferenças entre eles:

Indo além

O endereço eletrônico abaixo remeterá ao artigo jurídico de autoria da Profª Gisele Leite, acerca das diferenças entre direitos reais e obrigacionais, publicado no site Universo Jurídico:

http://www.universojuridico.com.br/publicacoes/doutrinas/5859/A_Diferenca_entre_os_Direitos_Reais_e_Direitos_Pessoais_Obrigacionais_ou_de_Credito

Saiba mais

Leia atentamente o artigo e faça suas anotações.

Estaremos aguardando os seus comentários no Fórum de Discussão

3 - Obrigações reais (obrigações propter rem)

Tais figuras jurídicas (conhecidas ainda pelo designativo obrigações reais, ou reipersecutórias) configuram zona fronteiriça entre os direitos reais e os direitos obrigacionais. Nestas, a obrigação se dá não em função da pessoa do devedor, mas da titularidade do bem. Qualquer um que titularize a coisa deverá adimplir a obrigação.

Para que você compreenda melhor esta explicação: Ex: obrigação dos condôminos em conservar a coisa comum (art. 1.315, CC) e pagar-lhe os impostos devidos. Se há alienação do bem, o novo titular deverá arcar com os impostos, inclusive os em atraso. Tal se dá mesmo pela simples posse do bem, antes do registro da escritura de compra e venda, e conseqüente transmissão de propriedade, desde que esta posse seja do conhecimento do condômino (“Somente quando já tenha recebido as chaves e passado a ter assim a disponibilidade da posse, é que o comprador do imóvel passa a responder pelos encargos condominiais, mesmo que não tenha ocorrido o registro da promessa de compra e venda” – REsp nº 243.968 – SP, 4ª Turma, Rel. Aldir Passarinho Júnior, 21/03/2000).

4 - Obrigações com eficácia real

Conforme já estudado, uma das características dos direitos reais é a taxatividade. Somente a lei pode criar Direitos Reais. Em determinadas situações, dada a sua importância, uma relação obrigacional adquire eficácia real, por força de lei.

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Para que você compreenda melhor esta explicação:

Ex: Lei 8.245/91, art. 33 (permite ao locatário cujo contrato esteja registrado no registro imobiliário exercer direito real de preferência na aquisição da coisa

alugada); Art. 1.417, CC (a promessa irretratável de compra e venda, registrada, confere ao promitente-comprador direito real à aquisição do imóvel);

E então, chegamos ao final do primeiro Tópico de estudo do Módulo 1. Esperamos que ao final da leitura, tenha assimilado todas as informações necessárias referentes ao conteúdo estudado.

Para que possa ampliar seus conhecimentos e ir além dos assuntos aqui tratados, leia os artigos apresentados a seguir.

Código Civil de 16 e seus pilares: Família, Contrato e Propriedadehttp://www.tex.pro.br/wwwroot/02de2004/ostrespilares_felipecamilo.htm

A Constituição Federal de 1988 e a função social da propriedadehttp://www.unificado.com.br/calendario/10/const88.htm

Código Civil de 2002http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm

Indo além

Exercício de auto-avaliação

Avalie seu desempenho realizando os Exercícios Online do Módulo 1, disponíveis na Sala de Aula Virtual em Acessórios, através da ferramenta Atividades.

Entre em contato com o Orientador Acadêmico através da Sala do Tutor, ou consulte o Quadro de Atendimento Presencial, para conhecer os horários do plantão do Orientador no laboratório de Informática da sua unidade UNISUAM e converse com ele pessoalmente.

Dúvidas

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Referências

MELLO, Marco Aurélio Bandeira de. Direito das Coisas. 2ª ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2008.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, vol. V: Direitos Reais. 4ª ed. Atlas. São Paulo. 2004.

ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 3ª ed. Impetus. Rio de Janeiro. 2004.

FARIAS, Cristiano Chaves de, apud ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 2ª ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2006

LEITE, Gisele. A Diferença entre os Direitos Reais e Direitos Pessoais, Obrigacionais ou de Crédito in Universo Jurídico.www.universojuridico.com.br.

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Anexo - Atividades Direitos reais em espécie

Bloco de notase anotações

Este espaço é para você anotar suas observações com relação a disciplina estudada.Importante: Leia todas as orientações passo a passo no “Tutorial do Aluno” de como realizar suas Atividades.

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Anexo - Atividades XxDireitos reais em espécie

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Aula 2 - Da posseHoje, você está iniciando o segundo Tópico de estudo do Módulo1. Leia atenciosamente todo o conteúdo apresentado, visite os links sugeridos e realize suas atividades de auto avaliação.Bom estudo!

1. Breve justificativa do tema

Muito embora o escopo deste curso seja Direitos Reais em espécie, faz-se necessário, ainda que brevemente, tecer considerações de índole teórica acerca da propriedade e da posse. A razão de tal fato reluz aos olhos: sendo a propriedade o direito real por excelência, conferindo ao seu titular todas as prerrogativas legais, nada mais são os demais direitos reais (usufruto, uso, habitação, servidões, hipoteca etc.) que desdobramentos desta.

A posse, de sua vez, é conceituada como a visibilidade da propriedade. Tendo o Código Civil Brasileiro optado por conceituar a figura do possuidor (aquele que tem de fato o exercício pleno ou não de alguns dos poderes inerentes à propriedade – art. 1.196).

Desta feita, imperativo rememorar elementos acerca de ambos os institutos, tendo em vista a facilitação do aprendizado dos demais direitos reais. Assim, nas próximas duas aulas serão resumidamente abordados os temas. Optando por seguir a ordem do Código (e da maioria dos manuais que abordam o tema), será procedida primeiro a análise da posse e suas principais classificações, sendo a propriedade abordada na próxima lição. Não serão abrangidos neste curso os modos de aquisição e perda da posse, bem como seus efeitos e proteção processual (as chamadas ações possessórias).

Podemos continuar?

2. Conceito. Teorias Subjetiva, Objetiva e Funcional

O estudo da posse, como de qualquer instituto de qualquer ciência, principia pela tentativa de obter uma adequada conceituação. No que tange à posse, duas foram as principais correntes, havendo recentemente surgido terceira manifestação doutrinária:

Teoria Subjetiva (Friedrich Karl Von Savigny) Savigny escreveu, em 1803 (e com apenas 24 anos), em sua obra Tratado da Posse, a primeira tentativa doutrinária relevante de conceituar o fenômeno. Para o jurista, posse seria o poder que a pessoa tem de dispor fisicamente da coisa, com intenção de tê-la para si e defendê-la contra a intervenção de alguém. Desdobra-se, assim, em dois elementos constitutivos, que, uma vez presentes, completam o conceito:

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a) Corpus – Trata-se do elemento material, do poder físico da pessoa sobre a coisa.

b) Animus – É o elemento volitivo, consistindo na intenção de ter a coisa, como se dono fosse (animus domini).

A expressão latina Animus Domini significa a intenção de ser dono ou ânimo de dono.

Indo além

Aquele que não tivesse um dos elementos acima descritos não poderia ser considerado possuidor, mas mero detentor. Peca a teoria por não considerar como possuidores figuras como a do locatário ou do comodatário, que, evidentemente, não possuem animus domini. Da mesma forma, a ausência do poder físico sobre a coisa não necessariamente afastará o conceito. No usufruto, e.g., o proprietário que entrega ao usufrutuário os poderes de usar e fruir a coisa é possuidor indireto. Não detém fisicamente a posse da coisa (posse direta), mas a possui de maneira indireta.

Teoria Objetiva (Von Ihering) – A posse, para a teoria objetiva, é a exteriorização de um ou alguns dos poderes da propriedade. O que importa verdadeiramente é o uso econômico, a destinação da coisa possuída. A posse seria o poder de fato, e a propriedade, o poder de Direito sobre a coisa, podendo ambas se encontrar sob a titularidade do proprietário ou a subsistência de uma delas, isoladamente. Para esta teoria, despreza-se o animus domini (podendo assim o locatário, o usufrutuário, o mandatário e o comodatário ser considerados possuidores). Admite-se também o desdobramento da posse. O Código Civil adotou a teoria objetiva ao conceituar no art. 1.196 a figura do possuidor como sendo “aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.

Teoria Social da Posse, ou Teoria Funcional (Sailelles, Ana Rita Vieira Albuquerque, Luiz Edson Fachin) – O art.1.228, §4º, CC, obediente ao mandamento constitucional da função social como condicionante do Direito de propriedade, traz-nos a possibilidade da privação do direito de domínio se em contraposição a este houver número considerável de pessoas exercendo posse por mais de cinco anos, de forma ininterrupta e incontestada, devendo ser realizadas obras e serviços considerados pelo juiz como de relevante interesse social e econômico.

Da dicção do artigo depreende-se a função social da posse, da qual resultam algumas consequências:

O Direito eleva a dignidade da pessoa humana a um plano concreto, como instrumento efetivo para atender às exigências de moradia e erradicação da pobreza;

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A posse passa a ser protegida como instrumento de proteção da cidadania;

O modo como se utiliza a posse ganha mais relevo que a causa de sua aquisição;

A função social se manifesta de forma muito mais evidente na posse que na propriedade, sendo nesta uma restrição (limite) e naquela um fator essencial.

3. Natureza Jurídica da Posse

Uma das maiores polêmicas do mundo jurídico, até hoje ainda não completamente sanada, refere-se à natureza jurídica da posse. Basicamente, os doutrinadores dividem-se em três correntes:

1ª Corrente: A posse é um estado de fato – Um dos maiores defensores desta teoria foi Clóvis Beviláqua, criador do Código Civil de 1916. Seu argumento era o de que a posse antecede a propriedade, e que, em si considerada, é um fato. Tal posição hoje possui aceitação bastante reduzida, merecendo ser ressaltada a posição do prof. Marco Aurélio Bezerra de Melo, para quem “a posse é um fato e um direito, pois todo fato com relevância jurídica é direito e todo direito nasce de um fato (ex facto ius oritur)

2ª Corrente: A posse é um direito obrigacional – Elpídio Donizetti, dentre outros juristas, entende ser a posse um direito obrigacional, baseando sua tese nos seguintes argumentos:

A posse não foi contemplada no rol dos Direitos Reais, o qual é taxativo (numerus clausus);

A posse não se localiza no mesmo título do Código Civil relativo aos Direitos Reais (muito embora localize-se no mesmo livro, que aborda o Direito das Coisas);

A posse não é passível de registro no Ofício Imobiliário, pelo que não goza de oponibilidade erga omnes, nem de direito de sequela.

3ª Corrente: a posse é um direito real – Para juristas como Orlando Gomes e Marco Aurélio Bezerra de Melo, a posse é um direito real, pois seu objeto é uma coisa determinada, e não uma prestação, podendo exercer-se diante de todos (inclusive o proprietário), sendo o direito do possuidor exercido de forma direta e imediata, sem necessidade de um sujeito passivo (como nas relações obrigacionais) possuindo assim todas as características dos Direitos Reais.

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Clóvis Beviláquahttp://www.biblio.com.br/defaultz.asp?link=http://www.biblio.com.br/conteudo/biografias/clovisbevilaqua.htm

Elpídio Donizetti,http://www.elpidiodonizetti.com.br/?pag=texto&cat=elpidio

Orlando Gomes e Marco Aurélio Bezerra de Melohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Orlando_Gomeshttp://www.cc2002.com.br/jurisprudencia.php?id=181

Saiba mais

4. Classificação da Posse

Classificar é agrupar determinados institutos ou situações em grupos de características similares, com base em um traço comum. Assim, quanto ao fenômeno possessório, a doutrina elenca as seguintes classificações:

Posse Direta e Indireta – O Código Civil, ao adotar a teoria objetiva de Ihering, admitiu o desdobramento da posse em direta e indireta. Assim, exerce posse direta quem mantém o contato físico com a coisa e indireta aquele que mantém um “resíduo de posse”. Para que haja o desdobramento da posse, necessário se faz que haja entre os dois possuidores uma relação jurídica, seja de direito pessoal (locação, comodato), seja de direito real (usufruto, penhor). Assim, o locatário, o comodatário, o usufrutuário e o devedor pignoratício possuem posse direta (ou imediata), e o locador, o comodante, o nu-proprietário e o credor pignoratício possuem posse indireta (ou mediata).

Posse exclusiva e composse – A posse presume-se exclusiva. Contudo, o Direito Civil brasileiro admite a existência da composse indivisível, ou seja, o exercício dos direitos possessórios por duas ou mais pessoas sobre coisa indivisível (aquela que não se pode dividir sem destruir a substância ou causar sensível depreciação econômica. Nesta hipótese, cada compossuidor poderá defender perante terceiros a posse como um todo, como autoriza o art. 1.199, CC), ou divisível (na qual a cada compossuidor é titular de uma parte certa, adequadamente partilhada).

Posse Justa e Posse Injusta – Esta classificação toma em consideração os chamados vícios objetivos da posse. Assim, temos:

a) Posse justa – O conceito do que seja posse justa é obtido por exclusão. Assim, se a posse não for violenta, clandestina ou precária será justa.

b) Posse injusta – Divide-se em:

Violenta (vis) – A posse será violenta quando adquirida por força física ou grave ameaça. Está relacionada à figura penal do roubo (CP, art. 155). Ex. 1:

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João arranca das mãos de Ronaldo seu telefone celular, tomando-o para si. Ex. 2: Olavo, fazendeiro, expulsa moradores de pequenas áreas rurais próximas à sua propriedade, invadindo seus terrenos.

Clandestina (clam) – Esta posse se dá às escondidas, sem que dela tome conhecimento o possuidor original. É oculta, dissimulada. Correlaciona-se com o tipo penal do furto (art. 157, CP). Ex. 1: Almásio, vendo que Pedro esquecera sua carteira num banco da praça, toma-a para si. Ex. 2: Durante a madrugada, vizinho mal-intencionado altera a cerca que divide seu terreno com o contíguo, apoderando-se de certa parcela de terra deste.

Precária (precario) – Diz-se precária uma posse sempre que, implicando um dever de restituição, o possuidor desviar-se dele. É o caso, e.g., do locatário que não entrega ao locador a coisa alugada após decorrido o prazo. Encontra relação com o tipo penal da apropriação indébita (art. 158, CP).

Obs.: Sobre a possibilidade de convalescimento da posse injusta, a maioria da doutrina entende que somente a posse precária não é hábil a ensejar usucapião. Segmento doutrinário há, entretanto, que vê mesmo na posse precária possibilidade de gerar usucapião, em face de sua função social.

Posse de boa-fé e posse de má-fé – Aqui, o que se verifica é a presença de vício subjetivo da posse. Verifica-se a ignorância, ou não, do possuidor, com relação à ilegitimidade de sua posse. Desta forma:

a) Posse de boa-fé - É aquela na qual o possuidor desconhece o vício que macula sua posse. Normalmente vem acompanhada do chamado justo título (instrumento que, emanasse do verdadeiro proprietário, seria hábil a ensejar a transferência da propriedade ou da posse). É importante observar aqui que a boa-fé a que se refere o Código é subjetiva. Diferente da boa-fé objetiva a que se refere o art. 422 do Codex, referente às relações contratuais e conceituada como o conjunto de postulados éticos que devem permear as relações negociais. Ex.: Pedro Henrique, possuidor de um terreno em Rio das Flores, desconhece o fato de que parte da área do mesmo em realidade pertence ao terreno vizinho.

b) Posse de má-fé – Em sentido oposto, a posse será de má-fé quando houver a plena ciência de se estar invadindo o direito alheio. Ex: Thomas, maliciosamente, na calada da noite, estende sua cerca divisória dois metros adentro do terreno de seu vizinho, Aquino.

Obs.: Admite-se a situação de um possuidor de boa-fé cuja posse seja injusta (como exemplo, podemos mencionar aquele que, convicto de ser o legítimo possuidor, comete ato de violência para arrebatamento da posse de terceiro. Ex.: Paulo, julgando ser o legítimo possuidor de um celular que está nas mãos de Otávio, toma-o de suas mãos mediante violência, vindo posteriormente a descobrir que o aparelho não lhe pertencia), assim como o possuidor de má-fé cuja posse seja justa (Ex.: Sobral adquire a posse de um celular de Cardoso que sabe ter sido furtado por este junto a Sílvio).

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Posse nova e posse velha – Avalia-se por meio desta classificação o tempo de exercício da posse. Será considerada posse nova aquela que soma até um ano e um dia (segundo alguns doutrinadores, este critério teria sido adotado pelos antigos como sendo o tempo de colheita), considerando-se posse velha a que supera este tempo. Sua importância se refere a efeitos processuais, conforme a dicção do art. 924 do CPC, que autoriza procedimento mais célere, com direito à liminar de manutenção ou reintegração de posse quando tratar-se de posse nova (a questão da utilidade ou não da especialização do rito, ou da referida liminar, diante da possibilidade da obtenção da tutela antecipada “genérica” do art. 273 do CPC, é questão de cunho processual que foge aos objetivos deste trabalho).

O Quadro a seguir resumirá tudo até aqui mencionado sobre as diversas classificações da posse.

Indo além

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Introdução aos direitos reais - Módulo 1 Direitos reais em espécie

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5. Interversão da posse

Tratamos aqui da possibilidade de alteração do caráter da posse (inversão).

O art. 1.203 afirma que, salvo prova em contrário, a posse permanecerá com as características de sua aquisição. Sempre que a lei utiliza-se da expressão “salvo prova em contrário”, significa que está a estabelecer presunção relativa (júris tantum) acerca de alguma coisa. Admite-se a interversão:

a) Consensual – Pacífica a possibilidade de interversão pelo consenso entre as partes, sob a forma da traditio brevi manu, quando o possuidor direto a adquire das mãos do possuidor indireto. Ex.: O locatário que adquire o imóvel que lhe fora previamente locado.

b) Unilateral – Controvertida a possibilidade de alguém, por ato unilateral de vontade, inverter o caráter de sua posse. Admite parte da doutrina a interversão por ato unilateral quando o possuidor passa, a moto próprio, a possuir com intenção de dono. É o caso, e.g., do comodatário que, findo o contrato de comodato sem a restituição do bem (empréstimo gratuito de coisa infungível), e diante da inércia do dono em retomar o bem, passa a possuir com animus dominus, consolidando a posse plena. Deve-se observar que juristas de peso, como Sílvio Rodrigues e José Carlos Moraes Salles, negam tal possibilidade de inversão na ocorrência de posse precária, a qual não daria azo a convalescimento.

Exercício de auto-avaliação

Avalie seu desempenho realizando os Exercícios Online do Módulo 2, disponíveis na Sala de Aula Virtual, em Acessórios, através da ferramenta Atividades.

Dúvidas?Entre em contato com o Orientador Acadêmico através da Sala do Tutor, ou consulte o Quadro de Atendimento Presencial, para conhecer os horários do plantão do Orientador no laboratório de Informática da sua unidade UNISUAM e converse com ele pessoalmente.

Referencias

MELLO, Marco Aurélio Bandeira de. Direito das Coisas. 2ª ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2008.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, vol. V: Direitos Reais. 4ª ed. Atlas. São Paulo. 2004.

ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 3ª ed. Impetus. Rio de Janeiro. 2004.

FARIAS, Cristiano Chaves de, apud ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 2ªed. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2006

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Anexo - Atividades XxDireitos reais em espécie

Bloco de notase anotações

Este espaço é para você anotar suas observações com relação a disciplina estudada.Importante: Leia todas as orientações passo a passo no “Tutorial do Aluno” de como realizar suas Atividades.

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Anexo - Atividades Direitos reais em espécie

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Introdução aos direitos reais - Módulo 1 Direitos reais em espécie

Aula 3 - Da PropriedadeO Direito de Propriedade. Considerações iniciais

Por mais que o escopo deste curso sejam os Direitos Reais em espécie, impendioso abordarmos a temática da propriedade, ainda que sob poucas linhas. Fazemo-lo por duas razões básicas: a primeira é o fato de ser a propriedade o Direito Real por excelência, nada mais sendo as outras modalidades de direitos reais que desdobramento de suas faculdades. A segunda razão que nos leva a abordar o instituto (um dos pilares do sistema capitalista) é o fato de muitos de seus princípios aplicarem-se aos demais direitos reais. Logo, forçoso que se tracem neste capítulo breves loas acerca do tema.

2. A propriedade. Conceito. Análise do art. 1.228 do Código Civil Brasileiro

Coerentemente com o critério adotado para a posse, o Código Civil pátrio optou por definir o conceito de propriedade através da figura do proprietário. Assim, verbis:

Art. 1.228, CC/02 – “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

De notar-se que nosso legislador positivou os poderes que assistem ao proprietário de um bem. Uma vez que alguém possua todos os poderes mencionados no artigo, estaremos diante da figura da propriedade. Caso falte um ou mais, teremos algum outro real limitado. Sinteticamente, estes são os poderes do proprietário, ou faculdades da propriedade:

Poderes do proprietário

Direito de uso (jus utendi) – Aquele que é proprietário de um bem pode dar a ele a destinação que lhe aprouver, dentro de sua finalidade socioeconômica (veremos, mais adiante, que o direito de propriedade encontrará limitações, sendo a principal delas o atendimento à sua função social). Assim, se e.g., João é proprietário de um apartamento, poderá viver nele, emprestá-lo em comodato para alguém de sua família ou alugá-lo para um terceiro;

Direito de gozo ou fruição (jus fruendi) – Aqui refere-se a Lei ao direito do proprietário em perceber os frutos (tudo aquilo que pode ser retirado da coisa sem perda de sua qualidade, ou valor. Ex: As frutas de um pomar, os juros por um empréstimo, ou os aluguéis de um imóvel) e os produtos (estes, por sua vez, levam a uma gradativa degeneração da coisa. Ex: Os recursos naturais não-renováveis em geral são exemplos de produtos), ou seja, auferir o ganho econômico que a mesma lhe proporcione;

Direito de disposição (jus abutendi) – Dispor de um bem é locução que possui duplo significado. Tanto quer dizer a possibilidade de alterar a substância de um bem (ou mesmo destruí-lo. Ex. 1: Se João é dono de uma biblioteca

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– considerada um bem coletivo –, poderá doar parte de seus livros a uma instituição de caridade e vender outros tantos para um colecionador. Ex. 2: Se Cláudio é proprietário de um cachorrinho e este contrai doença incurável que lhe proporcione sofrimentos, poderá sacrificar o animal. O ato, ainda que moralmente questionável, é juridicamente lícito) como a de aliená-lo – gratuita ou onerosamente – ou gravá-lo;

Direito de reaver o bem de quem injustamente o possua ou detenha – Tratamos do direito que assiste ao proprietário de reivindicar aquilo que é seu, se o bem se encontra na posse ou detenção injusta de alguém. De notar-se que o proprietário não poderá reivindicar do legítimo possuidor (Ex.: o locador não poderá reivindicar o imóvel do locatário, no curso do contrato, sem antes romper o negócio jurídico). O direito de reaver é consequência do direito de sequela, atributo genérico dos direitos reais, e possui forte índole processual.De tudo acima exposto, podemos conceituar a propriedade como o poder de fato sobre a coisa, atribuindo a seu titular o direito de promover todas as faculdades dominiais, excluindo o bem da ingerência de terceiros, condicionado ao atendimento de sua função social. O quadro a seguir traz de forma ilustrativa os poderes inerentes à propriedade acima mencionados:

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3. A função social como um delineador da propriedade

O vocábulo função pode possuir diversos significados (falamos, assim, em função matemática, função orgânica, função como atividade exercida em uma empresa ou emprego). Em Direito, é utilizada sobretudo para delimitar um objetivo e um limite. Assim, ao falarmos em função social da propriedade estamos num mesmo momento afirmando que esta se exerce também para a sociedade (rompendo o dogma exclusivista do Estado liberal e da codificação de 1916) e limitada pelos interesses desta.

Desta forma, não podemos dizer que o fazendeiro que seja proprietário de área de mata nativa possa realizar queimadas ou desmatá-la por completo, ou que possa deixar sua propriedade sem nenhum uso econômico, tão-somente com fins especulativos. A rigor, queimar ou desmatar estariam compreendidos no poder de disposição (jus abutendi), e o não-uso da área cultivável seria uma forma, ainda que negativa, do direito de uso (jus utendi). Entretanto, com o fenômeno da ‘constitucionalização do direito’ (preferimos a terminologia ‘humanização’, pois o Código Civil – ou qualquer outra lei infraconstitucional, em nosso ordenamento regido por uma constituição rígida e superior – encontra seu fundamento de validade normativa e axiológica na Lei Maior, logo deve ser ‘constitucionalizado’ para ser válido e produzir efeitos. Ao empregarmos o vocábulo ‘humanização’, lembramos que todo o ordenamento brasileiro tem como polo gravitacional a dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (insculpido no art. 1º, III, CF), vemos que a propriedade (e outros institutos como o contrato, a empresa etc.) deverá atender à sua função social (art. 5º, XXIII, CF/88), para que goze de tutela jurídica. No exemplo do fazendeiro, este fere o direito da coletividade ao meio ambiente equilibrado e saudável (art. 225, CF/88) e o direito à circulação de riquezas e diminuição de desigualdades sociais (art. 3º, III, CF/88), violando os limites que o Estado lhe impõe.

Assim, acabou a era da propriedade dita ‘absoluta’. Do ‘ser pelo ter’. A lei de mercado e a igualdade formal (pilares do Estado Liberal clássico) não mais irão ser os únicos reguladores do Direito de propriedade. Este continua a existir, constitucionalmente garantido (art. 5º, XXII, CF/88). Continua a possuir índole exclusivista (a propriedade coletivizada, ou estatizada, são características de sistemas socialistas); contudo, deve atender não apenas ao dono, mas à sociedade. Deixa de ser um direito hermético e torna-se um direito social.

Constituição Federal de 1988http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm

Indo além

O Código Civil vigente desde 11 de janeiro de 2003 destaca-se, nas palavras do idealizador de seu anteprojeto, o jurista Miguel Reale, pela “operacionalidade, eticidade e funcionalidade”. Resumidamente, quis-se dizer que as disposições

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contidas no Codex devem buscar o máximo de efetividade possível (daí a operacionalidade, devendo o Código privilegiar normas concretizáveis faticamente, ganhando em prestígio social e concretude), devem atender a ditames éticos fortemente arraigados (o jurista dos tempos atuais, e você que está lendo neste momento é uma parte desse processo tem o dever de não se distanciar do caráter ético que deve permear o Direito.

O Direito puramente como expressão de força, dissociado da Ética, torna-se instrumento autofágico. O Direito é o ‘como’ fazer. A Ética é o ‘por que’ fazer. Ambos são crucialmente importantes), tais como a boa-fé objetiva, a lealdade processual, a solidariedade; e devem, por fim, buscar atender às funções que são socialmente esperadas.

Portanto, o individualismo exclusivista, o homo clausus, está morto. Nasceu em seu lugar o homo apertus, o solidarismo.

Assim, o art. 1.228, § 1º do Código Civil nos traz algumas orientações do que seja a função social (o artigo não é restritivo, devendo suas disposições ser consideradas meramente enunciativas). Os quadros a seguir permite a visualização:

Função Social da Propriedade (art. 1.238, § 1º, CC)

Proteção à Fauna

O ar e as águas

Proteção à Flora

Belezas naturais e paisagísticas

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Patrimônio histórico e artístico

Finalidades econômicas e sociais

Tudo entendido até aqui?

Observe-se que, num contexto de globalização mundial, o lixo industrial de uma empresa que seja enterrado em terreno de sua propriedade irá causar danos a pessoas residentes em outros locais próximos ou mesmo distantes, caso venham a comer alimentos cultivados em terrenos vizinhos que sofram contaminação. Assim, aquilo que pertence a alguém não pode mais ser visto apenas como um bem a ser defendido contra todos, mas algo que deve também atender a todos, para que somente assim seja protegido individualmente.

Acesse a Url abaixo, que remete ao artigo de autoria do prof. Flávio Tartuce cuja temática é a função social da posse e da propriedade; Leia e amplie seus conhecimentos sobre o assunto.

http://www.intelligentiajuridica.com.br/v3/artigo_visualizar.php?id=798

Saiba mais

4. Características da propriedade

Conceituada a propriedade, bem compreendida a sua funcionalização, devemos encerrar esse tópico com brevíssimas referências às suas características:

Equilíbrio ecológico

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O direito de propriedade é exercitável erga omnes – Deve-se deixar bem consolidada a ideia de que tal somente ocorrerá se e quando a propriedade atender à sua função social. Desde que o faça, o proprietário tem o direito de ver seu bem respeitado por todos;

A propriedade é elástica – Um elástico é algo que se tensiona ou flexiona. Assim, o proprietário poderá valer-se de seus direitos na plenitude (sempre condicionando-os ao exercício de sua função social), bem como restringi-los, ou mesmo desmembrá-los. Ex.: Thereza, dona de uma casa, cede-a em usufruto a seu filho, Toni. Thereza conserva a propriedade, restringindo suas faculdades, contudo, ao transferir ao filho os direitos de uso e fruição;

A propriedade é perpétua – O não-uso, puro e simples, não extingue a sociedade. O que ocasionará a sua perda será o não-uso combinado com algum outro fator juridicamente relevante. Assim, se Patrícia é proprietária de um terreno que é ocupado por Guilherme, que o utiliza por 15 anos sem qualquer atitude reivindicatória por parte da proprietária, isso gerará a perda de sua propriedade pela usucapião (no Código Civil, a usucapião é colocada dentre as formas de aquisição da propriedade, por opção legislativa em enfocar aquele que deu finalidade socialmente útil à sua posse, por determinado lapso temporal, tornando-se dono do bem); será a combinação do não-uso (por parte de Patrícia), com o uso socialmente relevante, contínuo e incontestado (por parte de Guilherme), além do não-exercício do direito de reivindicar o bem (por parte de Patrícia);A propriedade é complexa – Porque se desdobra na série de poderes já anteriormente analisados;

A propriedade é limitada – Abolida a ideia de direito ilimitado (tipicamente liberal-burguesa), a propriedade sofre uma série de limitações ou condicionamentos, dentre os quais a função social (já analisada), o exercício regular do direito (vez que o abuso de direito, tipificado no art. 187 do Código Civil como aquele manifestamente excedente de seus fins econômicos e sociais, é causa de limitação e de reparação a quem sofra o dano dele decorrente), ou o interesse público (a desapropriação por necessidade pública, ou interesse social é uma das causas de perda da propriedade – art. 1.275, V, CC; art. 5º, XXIV, CF/88);

A propriedade é exclusiva – Assim a dicção do art. 1.231, CC. Contudo, por tudo acima mencionado, somente manterá esse caráter enquanto atender aos ditames sociais. Uma vez afastados estes, dissolve-se em si mesma. A exclusividade é um “prêmio” do Estado que protege aquele que dá vida útil à sua propriedade. A propriedade é exclusiva, porém solidarizada.

Chegamos ao final do estudo do Módulo1. Esperamos que tenha compreendido todos assuntos abordados até aqui. Para verificar sua aprendizagem, realize as atividades propostas,

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Exercício de auto-avaliação

Avalie seu desempenho realizando os Exercícios Online do Módulo 1, disponíveis na Sala de Aula Virtual, em Acessórios, através da ferramenta Atividades.

Dúvidas? Entre em contato com o Orientador Acadêmico através da Sala do Tutor, ou consulte o Quadro de Atendimento Presencial, para conhecer os horários do plantão do Orientador no laboratório de Informática da sua unidade UNISUAM e converse com ele pessoalmente.

Referências

MELLO, Marco Aurélio Bandeira de. Direito das Coisas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, vol. V: Direitos Reais. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.

ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 3ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004.

FARIAS, Cristiano Chaves de apud ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

Artigos eletrônicos consultados

TARTUCE, Flávio. A função social da posse e da propriedade e o Direito Civil Constitucional. Disponível em: IntelligentiaJuridica.com.br.

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Anexo - Atividades Direitos reais em espécie

Bloco de notase anotações

Este espaço é para você anotar suas observações com relação a disciplina estudada.Importante: Leia todas as orientações passo a passo no “Tutorial do Aluno” de como realizar suas Atividades.

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Anexo - Atividades XxDireitos reais em espécie