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DIREITO TRIBUTÁRIO E OS LIMITES AO PODER DE TRIBUTAR
A constituição coloca limites ao poder de tributar, ou seja, limites à invasão patrimonial,
tendente à percepção estatal de tributo, que advém dos princípios das imunidades
constitucionais tributárias e estão nos artigos 150, 151 e 152 CF.
LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR
Convém primeiro entrar no conceito de Estado e o conceito de Poder.
Estado é “a corporação territorial dotada de um poder de mando originário”.
Enquanto o território delimita a atuação de soberania estatal.
Aliás, para a formação do Estado, faz –se necessária a existência de três elementos
fundantes e condicionais: um território, o povo e o governo soberano.
Como o ente político, intitulado “Estado”, exige dos indivíduos uma parcela do seu
patrimônio particular?
Tudo se dá no exercício da soberania estatal.
De fato, dentre as várias facetas da soberania do Estado, destaca -se uma, o poder de
tributar.
O poder “é uma relação entre dois sujeitos onde um impõe ao outro sua vontade e lhe
determina, mesmo contra vontade, o comportamento”.
Imperioso destacar, todavia, que a noção de poder (político) não se confunde com a
ideia de “força”, e vice -versa. A esse propósito, Norberto Bobbio nos ensina que “o fato de a
possibilidade de recorrer à força ser o elemento que distingue o poder político das outras formas
de poder não quer dizer que o poder político se resolva através do uso da força. O uso da força é
uma condição necessária, mas não suficiente para a existência do poder político (...)”.
Daí se assegurar que a relação de tributação não é relação de poder -força, mas, sim,
uma relação de poder -direito.
O poder de tributar é, em verdade, um poder de direito, lastreado no consentimento dos
cidadãos, destinatários da invasão patrimonial, tendente à percepção do tributo. Se há em seu
emprego uma parcela de força, ela se mostra institucionalizada, dotada de juridicidade.
Por essa razão, Ruy Barbosa Nogueira assevera que “o poder de tributar é, portanto,
uma decorrência inevitável da soberania que o Estado exerce sobre as pessoas de seu território,
ao qual corresponde, por parte dos indivíduos, um dever de prestação”.
É cediço que o Estado necessita, em sua atividade financeira, captar recursos
materiais para manter sua estrutura, disponibilizando ao cidadão -contribuinte os serviços
que lhe compete, como autêntico provedor das necessidades coletivas. A cobrança de
tributos se mostra como uma inexorável forma de geração de receitas, permitindo que o
Estado suporte as despesas necessárias à consecução de seus objetivos.
Enquanto o tributo visa suprir os cofres públicos de recursos bastantes ao custeio das
atividades estatais, no plano da arrecadação, o Direito Tributário almeja efetivar o controle do
poder de tributar, perpetrado pelo Estado que tributa.
Entendemos que a relação de poder na seara tributária, apresentando -se pela via
da compulsoriedade, atrela -se à inafastável figura da legalidade, o que transforma a
relação tributária em uma nítida relação jurídica, e não “de poder”.
O poder de tributar (ius imperium) não é, assim, absoluto. Limita -se por regramentos
que vêm refrear
O exercício arbitrário da tributação, amoldando -o de acordo com a carga valorativa
ínsita ao texto constitucional. De modo reflexo, a Constituição Federal define o modus operandi
do exercício desse poder, que deverá se dar de forma justa e equilibrada, sem provocar danos à
liberdade e à propriedade dos contribuintes.
As relações de tributação entre governante e governado deverão transitar dentro
do espaço modulador do texto constitucional, Tal modulação se exterioriza nas (I) normas
jurídicas de competência tributária e (II) nos princípios constitucionais tributários.
(I) Normas jurídicas de competência tributária: destinam -se à delimitação do poder
de tributar, uma vez que a própria Constituição Federal (arts. 153, 155 e 156) faz a
repartição da força tributante estatal entre as esferas políticas (União, Estados -membros,
Municípios e o Distrito Federal), de forma privativa e cerrada.
(II) Princípios constitucionais tributários: os arts. 150, 151 e 152 da Carta Magna
hospedam variados comandos principiológicos, insculpidos à luz de pautas de valores
pontualmente prestigiados pelo legislador constituinte. Aliás, em muitos casos, como já se viu,
servem esses princípios como verdadeiras garantias constitucionais do contribuinte contra a
força tributária do Estado, assumindo a postura de nítidas limitações constitucionais ao
poder de tributar. Nessa toada, “consoante a jurisprudência firmada pelo STF, o poder que
tem o Estado de tributar sofre limitações que são tratadas como cláusulas pétreas”
PRINCIPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA
Previsão inaugural desse princípio foi na Carta Magna Inglesa, 1215, do Rei João
Sem Terra.
O intento marcou a história do constitucionalismo inglês: tal estatuto foi a primeira
constituição inglesa, chamada Magna Charta Libertatum.
Hugo de Brito Machado assegura, com propriedade, que, “no Brasil, como, em geral, nos
países que consagram a divisão dos Poderes do Estado, o princípio da legalidade constitui o
mais importante limite aos governantes na atividade de tributação.
Em nossa órbita doméstica, o princípio da legalidade tributária é previsão centenária,
percorrendo todos os textos constitucionais, com exceção da Constituição Federal de 1937,
omissa a respeito, podendo -se observá -lo, de modo genérico, no art. 5º, II, da atual Carta
Magna, sob a disposição “Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei”.
No plano específico do Direito Tributário, desponta o art. 150, I, CF/88. Observe -o:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.
É fato que o preceptivo em epígrafe é a franca especificação do indigitado art. 5º,
II, da CF/88, permitindo -se a adoção do importante aforismo nullum tributum sine lege.
Em outras palavras, o tributo depende de lei para ser instituído e para ser majorado. Se o
tributo é veículo de invasão patrimonial, é prudente que isso ocorra segundo a vontade
popular, cuja lapidação se dá no Poder Legislativo e em suas Casas Legislativas. Tal
atrelamento, no trinômio “tributo -lei -povo” assegura ao particular um “escudo” protetor contra
injunções estatais feitas por instrumento diverso de lei.
A Constituição Federal de 1988 foi explícita ao mencionar os elementos “instituição” e
“aumento”, levando o intérprete, à primeira vista, a associar a lei apenas aos processos de
criação e majoração do tributo. Essa não parece ser a melhor exegese: a lei tributária deve
servir de parâmetro para criar e, em outro giro, para extinguir o tributo; para aumentar e,
em outra banda, reduzir a exação. Com efeito, conforme se estudará no transcorrer da
obra, as desonerações tributárias, quer no plano da extinção (e.g., isenções, remissões
etc.), quer no plano das reduções (v.g., redução de base de cálculo, concessão de crédito
presumido etc.), adstringem -se à reserva de lei (art. 150, § 6º, CF)
Daí se assegurar que o comando previsto no inciso I do art. 150 da CF/88 atrela -se,
inexoravelmente, aos paradigmas fáticos instituição -extinção e aumento -redução.
Pontes de Miranda, de há muito, preconizava a ideia de que a legalidade na tributação
significa o povo tributando a si mesmo. Não há dúvida: sendo a lei uma expressão da vontade
coletiva, não se pode imaginar que o povo possa oprimir a si mesmo. Com efeito, “o ser
‘instituído em lei’ significa ser o tributo consentido”, sinalizando que “é da essência de nosso
regime republicano que as pessoas só devem pagar os tributos em cuja cobrança consentirem”.
TRIBUTO E AS LEIS ORDINÁRIA E COMPLEMENTAR
O consentimento emanará, como regra, da lei ordinária. Esta é o veículo normativo
hábil a instituir e a aumentar as exações tributárias. Como é cediço, a lei ordinária é a lei
comum, do dia a dia das Casas Legislativas, cuja elaboração prescinde de quorum
privilegiado de votantes.
Exemplo: (I) se há um IPTU, em dada municipalidade, há, por certo, uma lei ordinária
municipal que o instituiu e que deverá veicular, quiçá, um possível aumento; (II) se há um IPVA,
em dado Estado da Federação, há, certamente, uma lei ordinária estadual que o instituiu e que
deverá veicular, talvez, um possível aumento; e (III) se há um ITR, na Federação, há,
seguramente, uma lei ordinária federal que o instituiu e que deverá veicular, porventura, um
possível aumento.
(I) o tributo federal, dependendo de lei ordinária federal, provirá de ato do
Congresso Nacional; (II) o tributo estadual, dependendo de lei ordinária estadual, provirá
de ato da Assembleia Legislativa (ou da Câmara Legislativa, para o Distrito Federal); e, por
fim, (III) o tributo municipal, dependendo de lei ordinária municipal, provirá de ato da
Câmara de Vereadores (ou da Câmara Legislativa, para o Distrito Federal).
Todavia, há casos excepcionais de tributos federais que, obedecendo ao postulado
da legalidade tributária, avocam o processo elaborativo desencadeado pela maioria absoluta
dos representantes do Poder Legislativo Federal, a saber, a edição de lei complementar. Com
efeito, no Brasil, é juridicamente possível a criação de certos tributos por meio de leis
complementares.
OBS.: “Há alguns tributos que para serem exigidos ou majorados necessitam de lei
complementar, são eles: Empréstimos compulsórios, contribuições previdenciárias novas ou
residuais, impostos residuais e imposto sobre grandes fortunas”.
Segundo a literalidade do texto constitucional, são eles:
a) Imposto sobre grandes fortunas (art. 153, VII, CF)
b) Empréstimos Compulsórios (art. 148, I e II, CF);
c) Impostos Residuais (art. 154, I, CF);
d) Contribuições Social -previdenciárias Residuais (art. 195, § 4º, CF c/c art.
154, I, CF).
Assim, evidencia -se que a lei complementar se põe como instrumento de
utilização excepcional, o que faz com que o legislador constituinte, pretendendo que tal
matéria seja por ela disciplinada, estabeleça previsão explícita no texto constitucional,
ressalvados casos esparsos, que avocam uma interpretação sistemática (vide art. 150, VI,
“c”, parte final, CF).
Por fim, registre -se que, segundo o art. 62, § 1º, III, CF, inserto pela EC n. 32/2001, as
matérias cabentes à lei complementar não poderão ser objeto de medida provisória. Daí se
afirmar que seria inconstitucional, por exemplo, um empréstimo compulsório ou, mesmo, uma
residual contribuição social -previdenciária, instituídos por medida provisória.
Ainda sobre o ato de instituir o tributo, calha assinalar que é imperioso que na lei
tributária se estabeleçam, com clareza meridiana, todos os elementos configuradores da
relação obrigacional tributária, v.g., o quanto se deve pagar; quem deverá proceder ao
pagamento; por que se deve pagar; o ônus imposto para quem não pagar; entre outros
indicadores
LEGALIDADE ESTRITA
A lei que institui um tributo deve conter, na esteira do art. 97 do CTN, elementos
obrigatórios, conforme se nota no preceptivo abaixo reproduzido:
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26,
39, 57 e 65;
III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto
no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;
IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos
artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus
dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de
dispensa ou redução de penalidades.
Desse modo, o art. 97 do CTN, veiculando nítidas explicitações do preceito
constitucional, sinaliza a necessidade de composição de uma lista taxativa (numerus clausus)
de rudimentos configuradores da estrita legalidade, a seguir expendida:
ALÍQUOTA
BASE DE CÁLCULO
SUJEITO PASSIVO
MULTA
FATO GERADOR
Conforme se notou no art. 97, I ao VI, do CTN, são prerrogativas legais em matéria
tributária, ficando reservadas, exclusivamente, à lei estabelecer: instituição de tributos;
suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário; cominação de penalidade; fixação
de alíquota e de base de cálculo; definição de fato gerador da obrigação principal e de
sujeito passivo. Quanto à “majoração de tributos”, há ressalvas descritas nos §§ 1º e 2º do
próprio art. 97.
ATENÇÃO: Tal composição exaustiva tem sido rotulada pelos teóricos, na forma de
variadas denominações, a saber: Estrita Legalidade, Tipicidade Fechada (Regrada ou
Cerrada) e Reserva Legal.
OBS.: É uma das limitações constitucionais ao poder de tributar: a ‘legalidade
tributária estrita’, incluída na Constituição Federal de 1988 pela EC n. 42, de 19 de
dezembro de 2003”
Impende mencionar que o intitulado princípio da tipicidade não é autônomo perante o
princípio da legalidade tributária, mas “um corolário do princípio da legalidade”, segundo Ricardo
Lobo Torres. Na trilha de Alber to Xavier, “antes é a expressão mesma desse princípio, quando
se manifesta na forma de uma reserva absoluta de lei”, nos contornos da segurança jurídica.
Para Sacha Calmon avarro Coêlho, o princípio da tipicidade, dizendo respeito ao conteúdo da
lei, é uma extensão lógica do princípio da legalidade material.
OBS.: “É princípio constitucional tributário, estando literalmente expresso na
Constituição, o da tipicidade”.
Nesse passo, não basta que se disponha na lei que um dado tributo fica assim instituído,
deixando -se, por exemplo, para um ato infralegal a indicação da alíquota, da base de cálculo, do
sujeito passivo ou do fato gerador. Ou, em outro giro, se houver omissão ou obscuridade quanto
a esses elementos essenciais, descabe ao administrador e ao juiz integrarem a lei, colmatando a
lacuna por analogia.
Pretende -se, sim, que a lei tributária proponha -se a definir in abstracto todos os
aspectos relevantes da fisiologia do tributo, para que se possa, in concreto, identificar o
quanto se pagará, por que se pagará, a quem se pagará, entre outras respostas às
naturais indagações que se formam diante do fenômeno da incidência.
A lei tributária deverá fixar, com hialina clareza, por exemplo, a alíquota, a base de
cálculo, o sujeito passivo do tributo, a multa e o fato gerador, sendo -lhe vedadas as
indicações genéricas no texto legal de tais rudimentos numerus clausus da tipologia
cerrada
ATENÇÃO: O STF tem entendido que o Poder Executivo detém competência para
expedir ato infralegal fixando o prazo de pagamento do tributo, ao fundamento de que a
fixação de prazo para recolhimento das exações tributárias não é matéria reservada à lei.
“Segundo orientação dominante do STF, o prazo para pagamento de tributo deve estar definido
em lei no sentido formal”.
ATENÇÃO: Este tem sido o posicionamento adotado pelas principais Bancas
Examinadoras, a saber, Esaf, Vunesp e Cespe/UnB (atual Cespe/Cebraspe). Curiosamente,
o TRF da 3ª Região, em provas realizadas para o cargo de Juiz Federal Substituto, tem
adotado posicionamento diverso – em mais de uma prova! –,entendendo que um decreto
que reduz prazo de recolhimento é inconstitucional, uma vez que o prazo integra as
exigências do princípio da legalidade, sendo vedado ao decreto tratar dessa matéria.
Exsurgem outros bons exemplos de matérias que passam ao largo da estrita legalidade.
São eles:
a) ESTIPULAÇÃO DE OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS (ART. 113, §2°, CTN)
Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. (...)
§ 2º. A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as
prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização
dos tributos.
As obrigações acessórias, intituladas “deveres de contorno”, segundo o jurista italiano
Renato Alessi, citado por Geraldo Ataliba, referem-se àqueles deveres instrumentais do
contribuinte, que gravitam no entorno do tributo, na esteira das relações jurídico -tributárias,
de cunho não patrimonial.
Nesse passo, as obrigações tributárias acessórias, consistentes nas prestações
positivas ou negativas, de interesse da arrecadação e fiscalização dos tributos, podem ser
previstas em atos infralegais (portarias, circulares, instruções normativas, entre outros), e
não necessariamente em lei – esta, sim, necessária à veiculação dos deveres patrimoniais,
ínsitos à obrigação tributária principal (art. 114 do CTN).
Tal entendimento vai ao encontro da chancela do estimado Hugo de Brito Machado, para
quem as obrigações acessórias devem ser meros deveres instrumentais – adequados,
necessários e não excessivos, empregados no intuito de se aferir se as obrigações
principais (estas, sim, previstas em lei) estão sendo adimplidas. Dessa forma, a multa pelo
descumprimento de obrigação acessória deve se adstringir à lei tributária (art. 97, V, CTN), mas
não à própria obrigação acessória.
Nesse passo, evidencia-se a obrigação acessória, em seu viés instrumental, como uma
obrigação imposta para a fiel execução de uma lei, que, por sua vez, impõe a obrigação principal
(v.g., fiscalização do IRPF, a partir do montante declarado na Declaração do Imposto de Renda –
DIRPF).
O STJ tem assim entendido
b) A ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
(...)
§ 1º. Equipara -se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que
importe em torná -lo mais oneroso.
§ 2º. Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo,
a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.
A atualização monetária do tributo, quando obedecer a índices oficiais de correção
de dado período, devida e publicamente revelados, será inequívoca atualização.
Diversamente, se, sob a capa da “atualização”, forem utilizados índices acima da
correção monetária do período em análise, não se terá atualização, mas induvidoso
aumento de tributo.
Daí se dizer que, no primeiro caso – em que há legítima atualização – não há majoração
do tributo, permitindo -se o tranquilo uso de atos normativos infralegais. De outra banda, no
segundo caso, em que há falsa “atualização” – e verdadeira majoração do tributo –, há de se
ter a lei, como conditio sine qua non, sob pena de eiva de legalidade tributária.
A esse propósito, impende citar a Súmula n. 160 do STJ, segundo a qual “é defeso, ao
Município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de
correção monetária”.
Em tempo, frise-se que o STF, em 2013, considerou inconstitucional a majoração, sem
edição de lei em sentido formal, do valor venal de imóveis para efeito de cobrança do IPTU,
acima dos índices oficiais de correção monetária (RE 648.245/Reperc. geral, rel. Min. Gilmar
Mendes, Pleno, j. em º-08-2013).
A MITIGAÇÃO DO PRINCIPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA
O Princípio da Legalidade Tributária comporta uma atenuação ou mitigação – ou,
simplesmente, “exceção”.
A bem da verdade, todos os tributos estão sujeitos ao princípio da legalidade, embora,
em relação a alguns, sob as vestes de uma “aparente exceção”, nos dizeres de José Eduardo
Soares de Melo, o princípio se mostre mitigado, com relação às alíquotas (e não com
relação à base de cálculo!). Significa dizer que, em certas circunstâncias – e dentro dos limites
legais –, não se submetem “completamente” ao princípio da legalidade tributária. Com efeito, há
limites legais, dentro dos quais o Poder Executivo alterará as alíquotas dos tributos considerados
“exceções”. Frise-se que a “alteração de base de cálculo”, aceita pelo art. 21 do CTN, não
foi recepcionada pelo art. 153, § 1º, da CF, permanecendo apenas a possibilidade quanto
às alíquotas.
É vital destacar, no estudo da legalidade tributária, que a doutrina tem lapidado a
distinção entre lei material e lei formal.
A lei material é a própria norma, na condição de comando abstrato, geral e
impessoal, dotado de hipoteticidade. Diz -se, assim, que determinada matéria se submete
à chamada “reserva de lei material” ou “reserva material da lei”.
Por outro lado, a lei formal é o ato normativo que detém a forma de lei. Assim, destaca -
se como o comando que deve ser formulado por órgão titular da função legislativa, na condição
de ato jurídico emanado pelo Poder Competente, segundo a forma estabelecida no texto
constitucional. Diz -se, pois, que se trata de “reserva de lei formal” ou “reserva formal de lei”.
Segundo o art. 153, § 1º, CF, há quatro impostos federais que poderão ter suas
alíquotas majoradas (ou reduzidas) por ato do Poder Executivo Federal, o que se dá comumente
por decreto presidencial ou portaria do Ministro da Fazenda. São eles:
1. Imposto sobre a Importação (II);
2. Imposto sobre a Exportação (IE);
3. Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);
4. Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros (IOF).
Como se estudou, é defeso à lei instituir o tributo sem lhe precisar a alíquota, por
exemplo, porquanto é de sua exclusiva competência descrever todos os aspectos da hipótese de
incidência. Definindo -se a alíquota, como elemento essencial à reserva legal, é admissível que o
Poder Executivo provoque uma alteração em sua fisionomia. Isso não significa que o Poder
Executivo desfrutará de poder para fixar a alíquota a seu bel-prazer, mas de mera
autorização para flexibilizá-la, segundo os parâmetros legais (máximo e mínimo, teto e
piso, e não apenas um patamar destes). Tais balizas podem ser amplas, mas não serão
ilimitadas.
Insta frisar que, “se quem pode o mais, pode o menos”, a atuação do Poder Executivo
não está adstrita apenas à majoração das alíquotas, mas também à sua redução. Com efeito,
tais impostos, ditos “flexíveis”, abrem -se para o manejo de alíquotas no intuito de
regulação do mercado ou da economia do País. Daí se dizer que tais exações são
gravames regulatórios ou reguladores de mercado.
A MITIGAÇÃO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E A EXTRAFISCALIDADE
Com base nas premissas apresentadas, é possível entender a lógica de tal flexibilidade,
de que dispõe o Poder Executivo, no manejo das alíquotas, prescindindo -se da anuência
do Poder Legislativo. Tais impostos são dotados de extrafiscalidade – poderoso
instrumento financeiro empregado pelo Estado a fim de estimular ou inibir condutas,
tendo em vista a consecução de finalidades não meramente arrecadatórias. Note que a
extrafiscalidade orienta -se para fins outros que não a captação de recursos para o Erário,
visando corrigir externalidades. De fato, os impostos mencionados – II, IE, IPI e o IOF – atrelam -
se à ordenação das relações econômico -sociais, servindo para a intervenção em dados
conjunturais e estruturais da economia.
É cediço que o Estado tributa com vista a auferir receitas, e, assim, a fiscalidade ganha
prevalência significativa. Todavia, a extrafiscalidade, afastando -se do mecanismo de pura
arrecadação, objetiva corrigir anômalas situações sociais ou econômicas, buscando o
atingimento de objetivos que preponderam sobre os fins simplesmente arrecadatórios de
recursos financeiros para o Estado.
Diante do exposto, o princípio da legalidade tributária poderá ser mitigado, em
situação excepcional de extrafiscalidade, permitindo -se ao Po der Executivo a
flexibilização no manejo de alíquotas de certos gravames re gulatórios. Daí, “à luz das
disposições em vigor da Constituição Federal, não ser possível afirmar que qualquer
tributo só pode ter suas alíquotas aumentadas por lei”.
O PRINCIPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E A EMENDA CONSTITUCIONAL N°
33/2001
A EC n. 33/2001 trouxe a lume mais dois casos de mitigação ou ressalvas ao Princípio
da Legalidade Tributária, ambas igualmente justificadas no contexto da extrafiscalidade,
abrindo espaço à alteração de alíquotas por ato do Poder Executivo.
1. CIDE -Combustível: a CIDE é sigla designativa de “Contribuição de Intervenção no
Domínio Econômico”. A CIDE -Combustível é tributo federal, instituído no Brasil, em 2001, à
luz da EC n. 33, por meio da Lei n. 10.336/2001. Conforme o disposto no art. 149, § 2º, II,
c/c art. 177, § 4º, I, “b”, parte inicial, ambos da CF, o Poder Executivo Federal poderá
reduzir e restabelecer as alíquotas do tributo por meio de ato próprio – no caso, o decreto
presidencial. Não pode, portanto, ultrapassar este patamar originário de alíquota, sob
pena de vício de legalidade. Veja o comando:
Art. 177, § 4º. A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico
relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás
natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos:
I – a alíquota da contribuição poderá ser: (...)
b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, (...)
Vale dizer que esta mitigação da legalidade tributária consiste apenas na possibilidade
de o Poder Executivo reduzir a alíquota e restabelecê -la ao limite máximo fixado
inicialmente pela lei. A majoração, em si, da alíquota da CIDE -Combustível deve avocar a
presença da lei.
2. ICMS -Combustível: esta é a única ressalva indicadora de tributo não federal; os
outros cinco tributos, pertencentes ao rol das ressalvas, como se notou, são gravames
federais. Ademais, a mitigação não se refere ao “ICMS” em si, mas a um tipo todo
particularizado deste imposto – o ICMS – Combustível.
Art. 155, § 4º. Na hipótese do inciso XII, “h”, observar -se -á o seguinte: (...)
IV – as alíquotas do imposto serão definidas mediante deliberação dos Estados e Distrito
Federal, nos termos do § 2º, XII, “g”, observando -se o seguinte: (...)
c) poderão ser reduzidas e restabelecidas, (...)
Art. 155, § 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...)
XII – cabe à lei complementar: (...)
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal,
isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados;
h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única
vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X,
“b”; (...)
Conforme o disposto no art. 155, § 4º, IV, “c”, da CF, tal ressalva à legalidade tributária
refere -se ao ICMS de incidência unifásica (ou monofásica), nas operações com combustíveis e
lubrificantes previstos em lei complementar federal.
Segundo o texto constitucional, cabe a esta lei complementar federal definir os
combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto (ICMS) incidirá uma única vez, qualquer
que seja a sua finalidade (art. 155, § 2º, XII, “h”, CF). Por sua vez, as alíquotas do ICMS
incidente sobre esses combustíveis serão definidas mediante deliberação dos Estados e
Distrito Federal. Com efeito, os Estados e DF, mediante convênios interestaduais,
celebrados no âmbito do CONFAZ (Conselho de Política Fazendária), definem as alíquotas
do ICMS incidente sobre tais combustíveis.
Frise -se que o convênio – e não um “decreto estadual”! – pode definir e modificar as
alíquotas sem a necessidade de lei, o que torna esta ressalva bem mais abrangente do que
aquela outra, adstrita à CIDE - Combustível. Aliás, é possível assegurar que se trata de caso
único em que se fixam alíquotas por ato do Poder Executivo. Ademais, o preceptivo igualmente
menciona a sistemática de redução e restabelecimento de alíquotas, avocando -se -lhe idêntico
tratamento adotado para a CIDE –Combustível.
Posto isso, é de rigor a memorização das seis ressalvas ao princípio da legalidade
tributária, dentre as quais se destacam cinco, afetas a tributos federais – quatro impostos e uma
contribuição interventiva – e uma, adstrita a tributo estadual (ICMS):
II
IE
IPI
IOF
CIDE -Combustível
ICMS -Combustível
OS REFLEXOS DA EC N. 32/2001 NO PRINCIPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA
Após tramitar durante seis anos no Congresso Nacional, a PEC n. 472, pondo fim a
intensos debates, resultou na EC n. 32/2001. Esta, consoante o comando inserto no art.
62, § 2º, CF, permite a utilização de medida provisória (MP) em matéria tributária.
A medida provisória se traduz em ato normativo de vida efêmera e de utilização
excepcional, no trato de certos assuntos, cujos pressupostos materiais atrelam -se a elementos
de relevância e urgência. Resumidamente, é “ato político, normativo, discricionário, excepcional,
cautelar, precário e com força de lei”.
Como é sabido, “(...) a medida provisória não apreciada pelo Congresso Nacional
podia, até a EC n. 32/2001, ser reeditada dentro do seu prazo de eficácia de trinta dias,
mantidos os efeitos de lei desde a primeira edição”.
Com a EC n. 32/2001, o prazo de validade de uma MP passou a ser de 60 dias, admitida
uma única prorrogação por mais 60 dias (art. 62, § 7º, CF). Não havendo a conversão em lei, no
prazo supracitado, a medida provisória perderá eficácia desde a origem, devendo os produzidos
efeitos serem regulados por decreto legislativo do Congresso Nacional (art. 62, § 3º, CF). Aliás, é
vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada
ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo (art. 62, § 10, CF). Por fim, não editado
o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia
de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante
sua vigência conservar-se-ão por ela regidas (art. 62, § 11, CF).
DIFERENÇAS ENTRE MP E LEI
1ª
MP Forma excepcional de regulação de certos assuntos
LEI Forma normal de regulação de certos assuntos
2ª
MP Instrumento precário, com vida curtíssima
LEI Instrumento não precário, com prazo indeterminado, ressalvado o caso de lei de
vigência temporária
3ª
MP Pode ser infirmada pelo Congresso a qualquer tempo (dentro do prazo para a
apreciação)
LEI Não pode ser infirmada pelo Congresso a qualquer tempo, ligando a sua
persistência à vontade do órgão de que emanou
4ª
MP A MP não convertida em lei perde sua eficácia desde o início (ex tunc)
LEI A lei, ao ser revogada, apenas cessa seus efeitos dali pra frente (ex nunc)
5ª
MP A MP, para ser expedida, depende da ocorrência de certos pressupostos (relevância
e urgência)
LEI Para a lei, a relevância da matéria não é condição para que seja produzida.
Art. 62. (...)
§ 2º. Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os
previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte
se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.
O art. 62, § 2º, CF, ao permitir a utilização de medida provisória (MP) em matéria
tributária, associou -a, com exclusividade, ao campo dos impostos, o que, em si, não contempla
qualquer eiva de legalidade tributária.
A corrente majoritária na doutrina não admite a medida provisória como ato
normativo que acata os princípios constitucionais tributários, dentre os quais se
destacam o princípio da legalidade tributária, o princípio da anterioridade tributária, o
princípio da segurança jurídica.
Hugo de Brito Machado e Luciano Amaro não nutrem simpatia pela medida provisória na
seara tributária, argumentando que a MP não é lei, e só esta pode instituir ou aumentar o tributo.
Na mesma linha da tese de imprestabilidade da MP como veículo implementador do
princípio ora estudado, com destaque para sua “suprema negatividade, que raia pelo âmbito da
insensatez e do disparate constitucional
Vários argumentos críticos à MP podem ser deduzidos:
a) a MP tem apenas “força de lei” (art. 62, caput, CF), não se confundindo, portanto, com
a lei em si.
b) a MP viola o princípio da estrita legalidade tributária, segundo o qual somente a lei
pode instituir e majorar o tributo (art. 97, I e II, CTN). Ademais, atropela o direito fundamental dos
contribuintes de só serem compelidos a pagar o tributo que tenha sido “consentido” por seus
representantes. Daí se falar em possível afronta ao art. 60, § 4º, IV, CF, em um
amesquinhamento de direitos e garantias individuais
c) a indigitada Emenda viola a cláusula pétrea do art. 60, § 4º, III, CF, que estabelece
que nenhuma emenda poderá abolir a separação dos poderes;
d) o próprio art. 59 da CF indica que “lei” e “medida provisória” são espécies normativas
distintas;
e) o caráter efêmero das medidas provisórias, que permite desembocar numa latente
insegurança para as relações jurídico -tributárias;
f) se a medida provisória tem como pressuposto constitucional os casos de relevância e
urgência, não se deve aplicá -la na seara tributária, que, por si só, e como regra, afasta tais
atributos
A RELEVÂNCIA E A URGÊNCIA DA MEDIDA PROVISÓRIA
Com relação à competência para a aferição dos pressupostos constitucionais de
relevância e urgência, justificadores da edição da MP, muito se discute sobre a possibilidade de
ser dada ao Poder Judiciário ou se restringir ao juízo político do Presidente da República. Estaria
tal competência adstrita à discricionariedade do Presidente da República, ou o Poder Judiciário
poderia fiscalizar a presença dos indigitados pressupostos?
Entretanto, se um ou outro pressuposto mostrar -se descabido, no controle judicial, o
Poder Judiciário deverá decidir pela ilegitimidade constitucional da medida provisória. Destarte,
deve haver, em primeiro lugar, o juízo de discricionariedade, de oportunidade e de valor, a ser
feito pelo Presidente da República, sem embargo do ulterior e excepcional controle judiciário
quando houver excesso do poder de legislar.
A bem da verdade, em âmbito tributário, o contexto de relevância e urgência parece ter
sido visualizado pelo constituinte, nas situações excepcionais de beligerância e calamidade
pública, no âmbito do imposto extraordinário de guerra (art. 154, II, CF) e dos empréstimos
compulsórios de emergência (para guerra externa ou calamidade pública: art. 148, I, CF).
A MEDIDA PROVISÓRIA E OS TRIBUTOS
Passando, agora, aos desdobramentos sobre a temática da MP na seara tributária, de
início, calha mencionar que, antes da elaboração da indigitada Emenda, o STF já se
posicionara favoravelmente à possibilidade de se utilizar MP para instituição de tributos.
o STF Não obstante ter aceitado a possibilidade de criar ou aumentar tributo por
meio de medida provisória, tal posicionamento sempre careceu de respaldo
constitucional, uma vez que sua robustez advinha tão somente de chancela
jurisprudencial. A EC n. 32/2001 trouxe, assim, o timbre constitucional à visão do STF, ao
introduzir inúmeras modificações no art. 62 da CF, com a inclusão de 12 (doze) parágrafos ao
comando.
Atualmente, sabe -se que a medida provisória, segundo a literalidade da Constituição
Federal (art. 62, § 2º), é meio idôneo de instituição e majoração de imposto. O comando é claro:
pode haver MP para criar um imposto e pode haver MP para aumentar um imposto.
Assim, não há inconstitucionalidade em um aumento de ITR, de IR ou de outro
imposto federal, por exemplo, por medida provisória.
A alusão a impostos federais, que avocam a MP federal, obsta, para alguns
insignes doutrinadores, a extensão da temática às MPs estaduais, municipais ou distritais.
Portanto, a excepcionalidade da medida implica que só o Presidente da República pode
editá-la, não o Governador ou o Prefeito.
Não obstante os respeitáveis argumentos, entendemos que a temática proposta no art.
62 da Carta Magna merece uma exegese ampliativa, autorizando -se os Estados, Municípios e
Distrito Federal a editarem as medidas provisórias, desde que aceitas, em cada caso, pela
Constituição do Estado, pela Lei Orgânica do Município e pela Lei Orgânica do Distrito Federal,
respectivamente. A esse propósito, o insigne tributarista Roque Antonio Carrazza assevera que
“às medidas provisórias estaduais, municipais e distritais devem, ‘mutatis mutandis’, ser
aplicados os princípios e limitações que cercam as medidas provisórias federais”.
O STF, na ADI n. 425/TO (rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 04 -09 -2002),
ratificou a possibilidade, anteriormente acolhida na ADInMC n. 812 -9/TO (rel. Min. Moreira
Alves, j. em 1º -04 -1993), externando que podem os Estados -membros editar medidas
provisórias em face do princípio da simetria, obedecidas as regras básicas do processo
legislativo no âmbito da União (CF, art. 62). Portanto, para a Corte Suprema, o eventual óbice ou
limitação imposta às unidades federadas para a edição de medidas provisórias constitui forma de
restrição não prevista no vigente sistema constitucional pátrio (CF, § 1º do art. 25). Há, portanto,
legitimidade e facultatividade de sua adoção pelos Estados - membros, a exemplo da União
Federal. Em 2006, o STF corroborou o entendimento.
Em face do exposto, a MP poderá versar sobre tributos, ressalvados aqueles que
se ligam à lei complementar, salientando -se, ademais, que a MP estadual (distrital ou
municipal) é instrumento jurídico factível. Depende, em verdade, de previsão no texto
constitucional estadual (distrital ou na lei orgânica municipal), além da observância
simétrica do processo legislativo federal.
A MEDIDA PROVISÓRIA E A INCOMPATIBILIDADE COM A LEI COMPLEMENTAR
É defeso à MP tratar de matéria reservada à lei complementar, consoante o art. 62, §
1º, III, da CF. Trata -se de restrição material (por via indireta) à edição de MP na seara do Direito
Tributário. Assim, os tributos adstritos à ação normativa da lei complementar não poderão ser
instituídos ou majorados por medida provisória.
A razão é simples: a inequívoca falta de harmonização entre o natural imediatismo
eficacial da medida provisória – perante a existência de critérios de relevância e urgência – e o
criterioso processo elaborativo próprio de uma lei complementar, em face da necessidade de
quorum privilegiado de votantes (maioria absoluta) na Casa Legislativa (art. 69 da CF).
Os tributos federais que avocam a lei complementar: Impostos sobre Grandes Fortunas,
Empréstimos Compulsórios, Impostos Residuais e Contribuições Social -previdenciárias
Residuais. Logo, não há que se falar, v.g., em instituição de Empréstimos Compulsórios por
medida provisória, ou mesmo em criação de Impostos Residuais por idêntico meio normativo.
Dispositivos constitucionais, afetos à lei complementar:
(I) arts. 146 e 146 -A da CF (para as normas gerais, em matéria de legislação tributária;
conflitos de competência; limitações constitucionais ao poder de tributar);
(II) art. 155, § 2º, XII, e alíneas, da CF (para o ICMS);
(III) art. 155, § 1º, III, CF (para o ITCMD);
(IV) art. 156, III e § 3º, CF (para o ISS);
(V) art. 195, § 11, CF (para contribuição social – remissão e anistia).
(I) Quanto às matérias discriminadas no arts. 146 e 146-A da CF
Art. 146. Cabe à lei complementar:
I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, (...)
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos
discriminados nesta Constituição, a dos
respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades
cooperativas;
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para
as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do
imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da
contribuição a que se refere o art. 239.
Art. 146 -A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com
o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União,
por lei, estabelecer normas de igual objetivo.
(II) Quanto ao ICMS
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...)
§ 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...)
XII – cabe à lei complementar:
a) definir seus contribuintes;
b) dispor sobre substituição tributária;
c) disciplinar o regime de compensação do imposto;
d) fixar, (...), o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das
prestações de serviços;
e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros
produtos além dos mencionados no inciso X, “a”;
f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e
exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias;
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal,
isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados;
h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única
vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X,
“b”;
i) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na
importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço.
(III) Quanto ao ITCMD
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...)
§ 1º. O imposto previsto no inciso I: (...)
III – terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:
a) se o doador tiver domicílio ou residência no exterior;
b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário
processado no exterior; (...)
(IV) Quanto ao ISS
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...)
III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei
complementar; (...)
§ 3º. Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei
complementar:
I – fixar as suas alíquotas máximas e mínimas;
II – excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior;
III – regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão
concedidos e revogados.
(V) Quanto à Contribuição Social
Art. 195. (...)
§ 11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que
tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei
complementar.
Diante de todo o exposto, a temática da “medida provisória e os tributos” deve ser
analisada com cuidado, sobressaindo os seguintes pontos, em resumo:
1. A MP, na visão do STF, é hábil a criar e majorar tributos;
2. A MP, segundo o texto constitucional (art. 62, § 2º), é instrumento adequado a criar e
majorar impostos;
3. A MP, na visão do STF, pode ser editada pelos Estados -membros, levando -se em
conta a observância simétrica do processo legislativo federal;
4. A MP não poderá ser utilizada em campos normativos adstritos à lei complementar,
tais como: instituição de certos tributos federais; matérias dispostas no art. 146 da CF; e
detalhamentos normativos adstritos ao ICMS, ao ITCMD, ao ISS e a certas contribuições social –
previdenciárias.