direito tributÁrio e os limites ao poder de...

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DIREITO TRIBUTÁRIO E OS LIMITES AO PODER DE TRIBUTAR A constituição coloca limites ao poder de tributar, ou seja, limites à invasão patrimonial, tendente à percepção estatal de tributo, que advém dos princípios das imunidades constitucionais tributárias e estão nos artigos 150, 151 e 152 CF. LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR Convém primeiro entrar no conceito de Estado e o conceito de Poder. Estado é “a corporação territorial dotada de um poder de mando originário”. Enquanto o território delimita a atuação de soberania estatal. Aliás, para a formação do Estado, faz –se necessária a existência de três elementos fundantes e condicionais: um território, o povo e o governo soberano. Como o ente político, intitulado “Estado”, exige dos indivíduos uma parcela do seu patrimônio particular? Tudo se dá no exercício da soberania estatal. De fato, dentre as várias facetas da soberania do Estado, destaca -se uma, o poder de tributar. O poder “é uma relação entre dois sujeitos onde um impõe ao outro sua vontade e lhe determina, mesmo contra vontade, o comportamento”. Imperioso destacar, todavia, que a noção de poder (político) não se confunde com a ideia de “força”, e vice -versa. A esse propósito, Norberto Bobbio nos ensina que “o fato de a possibilidade de recorrer à força ser o elemento que distingue o poder político das outras formas de poder não quer dizer que o poder político se resolva através do uso da força. O uso da força é uma condição necessária, mas não suficiente para a existência do poder político (...)”. Daí se assegurar que a relação de tributação não é relação de poder -força, mas, sim, uma relação de poder -direito. O poder de tributar é, em verdade, um poder de direito, lastreado no consentimento dos cidadãos, destinatários da invasão patrimonial, tendente à percepção do tributo. Se há em seu emprego uma parcela de força, ela se mostra institucionalizada, dotada de juridicidade. Por essa razão, Ruy Barbosa Nogueira assevera que “o poder de tributar é, portanto, uma decorrência inevitável da soberania que o Estado exerce sobre as pessoas de seu território, ao qual corresponde, por parte dos indivíduos, um dever de prestação”.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E OS LIMITES AO PODER DE TRIBUTAR

A constituição coloca limites ao poder de tributar, ou seja, limites à invasão patrimonial,

tendente à percepção estatal de tributo, que advém dos princípios das imunidades

constitucionais tributárias e estão nos artigos 150, 151 e 152 CF.

LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR

Convém primeiro entrar no conceito de Estado e o conceito de Poder.

Estado é “a corporação territorial dotada de um poder de mando originário”.

Enquanto o território delimita a atuação de soberania estatal.

Aliás, para a formação do Estado, faz –se necessária a existência de três elementos

fundantes e condicionais: um território, o povo e o governo soberano.

Como o ente político, intitulado “Estado”, exige dos indivíduos uma parcela do seu

patrimônio particular?

Tudo se dá no exercício da soberania estatal.

De fato, dentre as várias facetas da soberania do Estado, destaca -se uma, o poder de

tributar.

O poder “é uma relação entre dois sujeitos onde um impõe ao outro sua vontade e lhe

determina, mesmo contra vontade, o comportamento”.

Imperioso destacar, todavia, que a noção de poder (político) não se confunde com a

ideia de “força”, e vice -versa. A esse propósito, Norberto Bobbio nos ensina que “o fato de a

possibilidade de recorrer à força ser o elemento que distingue o poder político das outras formas

de poder não quer dizer que o poder político se resolva através do uso da força. O uso da força é

uma condição necessária, mas não suficiente para a existência do poder político (...)”.

Daí se assegurar que a relação de tributação não é relação de poder -força, mas, sim,

uma relação de poder -direito.

O poder de tributar é, em verdade, um poder de direito, lastreado no consentimento dos

cidadãos, destinatários da invasão patrimonial, tendente à percepção do tributo. Se há em seu

emprego uma parcela de força, ela se mostra institucionalizada, dotada de juridicidade.

Por essa razão, Ruy Barbosa Nogueira assevera que “o poder de tributar é, portanto,

uma decorrência inevitável da soberania que o Estado exerce sobre as pessoas de seu território,

ao qual corresponde, por parte dos indivíduos, um dever de prestação”.

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É cediço que o Estado necessita, em sua atividade financeira, captar recursos

materiais para manter sua estrutura, disponibilizando ao cidadão -contribuinte os serviços

que lhe compete, como autêntico provedor das necessidades coletivas. A cobrança de

tributos se mostra como uma inexorável forma de geração de receitas, permitindo que o

Estado suporte as despesas necessárias à consecução de seus objetivos.

Enquanto o tributo visa suprir os cofres públicos de recursos bastantes ao custeio das

atividades estatais, no plano da arrecadação, o Direito Tributário almeja efetivar o controle do

poder de tributar, perpetrado pelo Estado que tributa.

Entendemos que a relação de poder na seara tributária, apresentando -se pela via

da compulsoriedade, atrela -se à inafastável figura da legalidade, o que transforma a

relação tributária em uma nítida relação jurídica, e não “de poder”.

O poder de tributar (ius imperium) não é, assim, absoluto. Limita -se por regramentos

que vêm refrear

O exercício arbitrário da tributação, amoldando -o de acordo com a carga valorativa

ínsita ao texto constitucional. De modo reflexo, a Constituição Federal define o modus operandi

do exercício desse poder, que deverá se dar de forma justa e equilibrada, sem provocar danos à

liberdade e à propriedade dos contribuintes.

As relações de tributação entre governante e governado deverão transitar dentro

do espaço modulador do texto constitucional, Tal modulação se exterioriza nas (I) normas

jurídicas de competência tributária e (II) nos princípios constitucionais tributários.

(I) Normas jurídicas de competência tributária: destinam -se à delimitação do poder

de tributar, uma vez que a própria Constituição Federal (arts. 153, 155 e 156) faz a

repartição da força tributante estatal entre as esferas políticas (União, Estados -membros,

Municípios e o Distrito Federal), de forma privativa e cerrada.

(II) Princípios constitucionais tributários: os arts. 150, 151 e 152 da Carta Magna

hospedam variados comandos principiológicos, insculpidos à luz de pautas de valores

pontualmente prestigiados pelo legislador constituinte. Aliás, em muitos casos, como já se viu,

servem esses princípios como verdadeiras garantias constitucionais do contribuinte contra a

força tributária do Estado, assumindo a postura de nítidas limitações constitucionais ao

poder de tributar. Nessa toada, “consoante a jurisprudência firmada pelo STF, o poder que

tem o Estado de tributar sofre limitações que são tratadas como cláusulas pétreas”

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PRINCIPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

Previsão inaugural desse princípio foi na Carta Magna Inglesa, 1215, do Rei João

Sem Terra.

O intento marcou a história do constitucionalismo inglês: tal estatuto foi a primeira

constituição inglesa, chamada Magna Charta Libertatum.

Hugo de Brito Machado assegura, com propriedade, que, “no Brasil, como, em geral, nos

países que consagram a divisão dos Poderes do Estado, o princípio da legalidade constitui o

mais importante limite aos governantes na atividade de tributação.

Em nossa órbita doméstica, o princípio da legalidade tributária é previsão centenária,

percorrendo todos os textos constitucionais, com exceção da Constituição Federal de 1937,

omissa a respeito, podendo -se observá -lo, de modo genérico, no art. 5º, II, da atual Carta

Magna, sob a disposição “Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude de lei”.

No plano específico do Direito Tributário, desponta o art. 150, I, CF/88. Observe -o:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à

União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.

É fato que o preceptivo em epígrafe é a franca especificação do indigitado art. 5º,

II, da CF/88, permitindo -se a adoção do importante aforismo nullum tributum sine lege.

Em outras palavras, o tributo depende de lei para ser instituído e para ser majorado. Se o

tributo é veículo de invasão patrimonial, é prudente que isso ocorra segundo a vontade

popular, cuja lapidação se dá no Poder Legislativo e em suas Casas Legislativas. Tal

atrelamento, no trinômio “tributo -lei -povo” assegura ao particular um “escudo” protetor contra

injunções estatais feitas por instrumento diverso de lei.

A Constituição Federal de 1988 foi explícita ao mencionar os elementos “instituição” e

“aumento”, levando o intérprete, à primeira vista, a associar a lei apenas aos processos de

criação e majoração do tributo. Essa não parece ser a melhor exegese: a lei tributária deve

servir de parâmetro para criar e, em outro giro, para extinguir o tributo; para aumentar e,

em outra banda, reduzir a exação. Com efeito, conforme se estudará no transcorrer da

obra, as desonerações tributárias, quer no plano da extinção (e.g., isenções, remissões

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etc.), quer no plano das reduções (v.g., redução de base de cálculo, concessão de crédito

presumido etc.), adstringem -se à reserva de lei (art. 150, § 6º, CF)

Daí se assegurar que o comando previsto no inciso I do art. 150 da CF/88 atrela -se,

inexoravelmente, aos paradigmas fáticos instituição -extinção e aumento -redução.

Pontes de Miranda, de há muito, preconizava a ideia de que a legalidade na tributação

significa o povo tributando a si mesmo. Não há dúvida: sendo a lei uma expressão da vontade

coletiva, não se pode imaginar que o povo possa oprimir a si mesmo. Com efeito, “o ser

‘instituído em lei’ significa ser o tributo consentido”, sinalizando que “é da essência de nosso

regime republicano que as pessoas só devem pagar os tributos em cuja cobrança consentirem”.

TRIBUTO E AS LEIS ORDINÁRIA E COMPLEMENTAR

O consentimento emanará, como regra, da lei ordinária. Esta é o veículo normativo

hábil a instituir e a aumentar as exações tributárias. Como é cediço, a lei ordinária é a lei

comum, do dia a dia das Casas Legislativas, cuja elaboração prescinde de quorum

privilegiado de votantes.

Exemplo: (I) se há um IPTU, em dada municipalidade, há, por certo, uma lei ordinária

municipal que o instituiu e que deverá veicular, quiçá, um possível aumento; (II) se há um IPVA,

em dado Estado da Federação, há, certamente, uma lei ordinária estadual que o instituiu e que

deverá veicular, talvez, um possível aumento; e (III) se há um ITR, na Federação, há,

seguramente, uma lei ordinária federal que o instituiu e que deverá veicular, porventura, um

possível aumento.

(I) o tributo federal, dependendo de lei ordinária federal, provirá de ato do

Congresso Nacional; (II) o tributo estadual, dependendo de lei ordinária estadual, provirá

de ato da Assembleia Legislativa (ou da Câmara Legislativa, para o Distrito Federal); e, por

fim, (III) o tributo municipal, dependendo de lei ordinária municipal, provirá de ato da

Câmara de Vereadores (ou da Câmara Legislativa, para o Distrito Federal).

Todavia, há casos excepcionais de tributos federais que, obedecendo ao postulado

da legalidade tributária, avocam o processo elaborativo desencadeado pela maioria absoluta

dos representantes do Poder Legislativo Federal, a saber, a edição de lei complementar. Com

efeito, no Brasil, é juridicamente possível a criação de certos tributos por meio de leis

complementares.

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OBS.: “Há alguns tributos que para serem exigidos ou majorados necessitam de lei

complementar, são eles: Empréstimos compulsórios, contribuições previdenciárias novas ou

residuais, impostos residuais e imposto sobre grandes fortunas”.

Segundo a literalidade do texto constitucional, são eles:

a) Imposto sobre grandes fortunas (art. 153, VII, CF)

b) Empréstimos Compulsórios (art. 148, I e II, CF);

c) Impostos Residuais (art. 154, I, CF);

d) Contribuições Social -previdenciárias Residuais (art. 195, § 4º, CF c/c art.

154, I, CF).

Assim, evidencia -se que a lei complementar se põe como instrumento de

utilização excepcional, o que faz com que o legislador constituinte, pretendendo que tal

matéria seja por ela disciplinada, estabeleça previsão explícita no texto constitucional,

ressalvados casos esparsos, que avocam uma interpretação sistemática (vide art. 150, VI,

“c”, parte final, CF).

Por fim, registre -se que, segundo o art. 62, § 1º, III, CF, inserto pela EC n. 32/2001, as

matérias cabentes à lei complementar não poderão ser objeto de medida provisória. Daí se

afirmar que seria inconstitucional, por exemplo, um empréstimo compulsório ou, mesmo, uma

residual contribuição social -previdenciária, instituídos por medida provisória.

Ainda sobre o ato de instituir o tributo, calha assinalar que é imperioso que na lei

tributária se estabeleçam, com clareza meridiana, todos os elementos configuradores da

relação obrigacional tributária, v.g., o quanto se deve pagar; quem deverá proceder ao

pagamento; por que se deve pagar; o ônus imposto para quem não pagar; entre outros

indicadores

LEGALIDADE ESTRITA

A lei que institui um tributo deve conter, na esteira do art. 97 do CTN, elementos

obrigatórios, conforme se nota no preceptivo abaixo reproduzido:

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Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26,

39, 57 e 65;

III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto

no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos

artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus

dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de

dispensa ou redução de penalidades.

Desse modo, o art. 97 do CTN, veiculando nítidas explicitações do preceito

constitucional, sinaliza a necessidade de composição de uma lista taxativa (numerus clausus)

de rudimentos configuradores da estrita legalidade, a seguir expendida:

ALÍQUOTA

BASE DE CÁLCULO

SUJEITO PASSIVO

MULTA

FATO GERADOR

Conforme se notou no art. 97, I ao VI, do CTN, são prerrogativas legais em matéria

tributária, ficando reservadas, exclusivamente, à lei estabelecer: instituição de tributos;

suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário; cominação de penalidade; fixação

de alíquota e de base de cálculo; definição de fato gerador da obrigação principal e de

sujeito passivo. Quanto à “majoração de tributos”, há ressalvas descritas nos §§ 1º e 2º do

próprio art. 97.

ATENÇÃO: Tal composição exaustiva tem sido rotulada pelos teóricos, na forma de

variadas denominações, a saber: Estrita Legalidade, Tipicidade Fechada (Regrada ou

Cerrada) e Reserva Legal.

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OBS.: É uma das limitações constitucionais ao poder de tributar: a ‘legalidade

tributária estrita’, incluída na Constituição Federal de 1988 pela EC n. 42, de 19 de

dezembro de 2003”

Impende mencionar que o intitulado princípio da tipicidade não é autônomo perante o

princípio da legalidade tributária, mas “um corolário do princípio da legalidade”, segundo Ricardo

Lobo Torres. Na trilha de Alber to Xavier, “antes é a expressão mesma desse princípio, quando

se manifesta na forma de uma reserva absoluta de lei”, nos contornos da segurança jurídica.

Para Sacha Calmon avarro Coêlho, o princípio da tipicidade, dizendo respeito ao conteúdo da

lei, é uma extensão lógica do princípio da legalidade material.

OBS.: “É princípio constitucional tributário, estando literalmente expresso na

Constituição, o da tipicidade”.

Nesse passo, não basta que se disponha na lei que um dado tributo fica assim instituído,

deixando -se, por exemplo, para um ato infralegal a indicação da alíquota, da base de cálculo, do

sujeito passivo ou do fato gerador. Ou, em outro giro, se houver omissão ou obscuridade quanto

a esses elementos essenciais, descabe ao administrador e ao juiz integrarem a lei, colmatando a

lacuna por analogia.

Pretende -se, sim, que a lei tributária proponha -se a definir in abstracto todos os

aspectos relevantes da fisiologia do tributo, para que se possa, in concreto, identificar o

quanto se pagará, por que se pagará, a quem se pagará, entre outras respostas às

naturais indagações que se formam diante do fenômeno da incidência.

A lei tributária deverá fixar, com hialina clareza, por exemplo, a alíquota, a base de

cálculo, o sujeito passivo do tributo, a multa e o fato gerador, sendo -lhe vedadas as

indicações genéricas no texto legal de tais rudimentos numerus clausus da tipologia

cerrada

ATENÇÃO: O STF tem entendido que o Poder Executivo detém competência para

expedir ato infralegal fixando o prazo de pagamento do tributo, ao fundamento de que a

fixação de prazo para recolhimento das exações tributárias não é matéria reservada à lei.

“Segundo orientação dominante do STF, o prazo para pagamento de tributo deve estar definido

em lei no sentido formal”.

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ATENÇÃO: Este tem sido o posicionamento adotado pelas principais Bancas

Examinadoras, a saber, Esaf, Vunesp e Cespe/UnB (atual Cespe/Cebraspe). Curiosamente,

o TRF da 3ª Região, em provas realizadas para o cargo de Juiz Federal Substituto, tem

adotado posicionamento diverso – em mais de uma prova! –,entendendo que um decreto

que reduz prazo de recolhimento é inconstitucional, uma vez que o prazo integra as

exigências do princípio da legalidade, sendo vedado ao decreto tratar dessa matéria.

Exsurgem outros bons exemplos de matérias que passam ao largo da estrita legalidade.

São eles:

a) ESTIPULAÇÃO DE OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS (ART. 113, §2°, CTN)

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. (...)

§ 2º. A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as

prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização

dos tributos.

As obrigações acessórias, intituladas “deveres de contorno”, segundo o jurista italiano

Renato Alessi, citado por Geraldo Ataliba, referem-se àqueles deveres instrumentais do

contribuinte, que gravitam no entorno do tributo, na esteira das relações jurídico -tributárias,

de cunho não patrimonial.

Nesse passo, as obrigações tributárias acessórias, consistentes nas prestações

positivas ou negativas, de interesse da arrecadação e fiscalização dos tributos, podem ser

previstas em atos infralegais (portarias, circulares, instruções normativas, entre outros), e

não necessariamente em lei – esta, sim, necessária à veiculação dos deveres patrimoniais,

ínsitos à obrigação tributária principal (art. 114 do CTN).

Tal entendimento vai ao encontro da chancela do estimado Hugo de Brito Machado, para

quem as obrigações acessórias devem ser meros deveres instrumentais – adequados,

necessários e não excessivos, empregados no intuito de se aferir se as obrigações

principais (estas, sim, previstas em lei) estão sendo adimplidas. Dessa forma, a multa pelo

descumprimento de obrigação acessória deve se adstringir à lei tributária (art. 97, V, CTN), mas

não à própria obrigação acessória.

Nesse passo, evidencia-se a obrigação acessória, em seu viés instrumental, como uma

obrigação imposta para a fiel execução de uma lei, que, por sua vez, impõe a obrigação principal

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(v.g., fiscalização do IRPF, a partir do montante declarado na Declaração do Imposto de Renda –

DIRPF).

O STJ tem assim entendido

b) A ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

(...)

§ 1º. Equipara -se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que

importe em torná -lo mais oneroso.

§ 2º. Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo,

a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.

A atualização monetária do tributo, quando obedecer a índices oficiais de correção

de dado período, devida e publicamente revelados, será inequívoca atualização.

Diversamente, se, sob a capa da “atualização”, forem utilizados índices acima da

correção monetária do período em análise, não se terá atualização, mas induvidoso

aumento de tributo.

Daí se dizer que, no primeiro caso – em que há legítima atualização – não há majoração

do tributo, permitindo -se o tranquilo uso de atos normativos infralegais. De outra banda, no

segundo caso, em que há falsa “atualização” – e verdadeira majoração do tributo –, há de se

ter a lei, como conditio sine qua non, sob pena de eiva de legalidade tributária.

A esse propósito, impende citar a Súmula n. 160 do STJ, segundo a qual “é defeso, ao

Município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de

correção monetária”.

Em tempo, frise-se que o STF, em 2013, considerou inconstitucional a majoração, sem

edição de lei em sentido formal, do valor venal de imóveis para efeito de cobrança do IPTU,

acima dos índices oficiais de correção monetária (RE 648.245/Reperc. geral, rel. Min. Gilmar

Mendes, Pleno, j. em º-08-2013).

A MITIGAÇÃO DO PRINCIPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

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O Princípio da Legalidade Tributária comporta uma atenuação ou mitigação – ou,

simplesmente, “exceção”.

A bem da verdade, todos os tributos estão sujeitos ao princípio da legalidade, embora,

em relação a alguns, sob as vestes de uma “aparente exceção”, nos dizeres de José Eduardo

Soares de Melo, o princípio se mostre mitigado, com relação às alíquotas (e não com

relação à base de cálculo!). Significa dizer que, em certas circunstâncias – e dentro dos limites

legais –, não se submetem “completamente” ao princípio da legalidade tributária. Com efeito, há

limites legais, dentro dos quais o Poder Executivo alterará as alíquotas dos tributos considerados

“exceções”. Frise-se que a “alteração de base de cálculo”, aceita pelo art. 21 do CTN, não

foi recepcionada pelo art. 153, § 1º, da CF, permanecendo apenas a possibilidade quanto

às alíquotas.

É vital destacar, no estudo da legalidade tributária, que a doutrina tem lapidado a

distinção entre lei material e lei formal.

A lei material é a própria norma, na condição de comando abstrato, geral e

impessoal, dotado de hipoteticidade. Diz -se, assim, que determinada matéria se submete

à chamada “reserva de lei material” ou “reserva material da lei”.

Por outro lado, a lei formal é o ato normativo que detém a forma de lei. Assim, destaca -

se como o comando que deve ser formulado por órgão titular da função legislativa, na condição

de ato jurídico emanado pelo Poder Competente, segundo a forma estabelecida no texto

constitucional. Diz -se, pois, que se trata de “reserva de lei formal” ou “reserva formal de lei”.

Segundo o art. 153, § 1º, CF, há quatro impostos federais que poderão ter suas

alíquotas majoradas (ou reduzidas) por ato do Poder Executivo Federal, o que se dá comumente

por decreto presidencial ou portaria do Ministro da Fazenda. São eles:

1. Imposto sobre a Importação (II);

2. Imposto sobre a Exportação (IE);

3. Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);

4. Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros (IOF).

Como se estudou, é defeso à lei instituir o tributo sem lhe precisar a alíquota, por

exemplo, porquanto é de sua exclusiva competência descrever todos os aspectos da hipótese de

incidência. Definindo -se a alíquota, como elemento essencial à reserva legal, é admissível que o

Poder Executivo provoque uma alteração em sua fisionomia. Isso não significa que o Poder

Executivo desfrutará de poder para fixar a alíquota a seu bel-prazer, mas de mera

autorização para flexibilizá-la, segundo os parâmetros legais (máximo e mínimo, teto e

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piso, e não apenas um patamar destes). Tais balizas podem ser amplas, mas não serão

ilimitadas.

Insta frisar que, “se quem pode o mais, pode o menos”, a atuação do Poder Executivo

não está adstrita apenas à majoração das alíquotas, mas também à sua redução. Com efeito,

tais impostos, ditos “flexíveis”, abrem -se para o manejo de alíquotas no intuito de

regulação do mercado ou da economia do País. Daí se dizer que tais exações são

gravames regulatórios ou reguladores de mercado.

A MITIGAÇÃO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E A EXTRAFISCALIDADE

Com base nas premissas apresentadas, é possível entender a lógica de tal flexibilidade,

de que dispõe o Poder Executivo, no manejo das alíquotas, prescindindo -se da anuência

do Poder Legislativo. Tais impostos são dotados de extrafiscalidade – poderoso

instrumento financeiro empregado pelo Estado a fim de estimular ou inibir condutas,

tendo em vista a consecução de finalidades não meramente arrecadatórias. Note que a

extrafiscalidade orienta -se para fins outros que não a captação de recursos para o Erário,

visando corrigir externalidades. De fato, os impostos mencionados – II, IE, IPI e o IOF – atrelam -

se à ordenação das relações econômico -sociais, servindo para a intervenção em dados

conjunturais e estruturais da economia.

É cediço que o Estado tributa com vista a auferir receitas, e, assim, a fiscalidade ganha

prevalência significativa. Todavia, a extrafiscalidade, afastando -se do mecanismo de pura

arrecadação, objetiva corrigir anômalas situações sociais ou econômicas, buscando o

atingimento de objetivos que preponderam sobre os fins simplesmente arrecadatórios de

recursos financeiros para o Estado.

Diante do exposto, o princípio da legalidade tributária poderá ser mitigado, em

situação excepcional de extrafiscalidade, permitindo -se ao Po der Executivo a

flexibilização no manejo de alíquotas de certos gravames re gulatórios. Daí, “à luz das

disposições em vigor da Constituição Federal, não ser possível afirmar que qualquer

tributo só pode ter suas alíquotas aumentadas por lei”.

O PRINCIPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E A EMENDA CONSTITUCIONAL N°

33/2001

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A EC n. 33/2001 trouxe a lume mais dois casos de mitigação ou ressalvas ao Princípio

da Legalidade Tributária, ambas igualmente justificadas no contexto da extrafiscalidade,

abrindo espaço à alteração de alíquotas por ato do Poder Executivo.

1. CIDE -Combustível: a CIDE é sigla designativa de “Contribuição de Intervenção no

Domínio Econômico”. A CIDE -Combustível é tributo federal, instituído no Brasil, em 2001, à

luz da EC n. 33, por meio da Lei n. 10.336/2001. Conforme o disposto no art. 149, § 2º, II,

c/c art. 177, § 4º, I, “b”, parte inicial, ambos da CF, o Poder Executivo Federal poderá

reduzir e restabelecer as alíquotas do tributo por meio de ato próprio – no caso, o decreto

presidencial. Não pode, portanto, ultrapassar este patamar originário de alíquota, sob

pena de vício de legalidade. Veja o comando:

Art. 177, § 4º. A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico

relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás

natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos:

I – a alíquota da contribuição poderá ser: (...)

b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, (...)

Vale dizer que esta mitigação da legalidade tributária consiste apenas na possibilidade

de o Poder Executivo reduzir a alíquota e restabelecê -la ao limite máximo fixado

inicialmente pela lei. A majoração, em si, da alíquota da CIDE -Combustível deve avocar a

presença da lei.

2. ICMS -Combustível: esta é a única ressalva indicadora de tributo não federal; os

outros cinco tributos, pertencentes ao rol das ressalvas, como se notou, são gravames

federais. Ademais, a mitigação não se refere ao “ICMS” em si, mas a um tipo todo

particularizado deste imposto – o ICMS – Combustível.

Art. 155, § 4º. Na hipótese do inciso XII, “h”, observar -se -á o seguinte: (...)

IV – as alíquotas do imposto serão definidas mediante deliberação dos Estados e Distrito

Federal, nos termos do § 2º, XII, “g”, observando -se o seguinte: (...)

c) poderão ser reduzidas e restabelecidas, (...)

Art. 155, § 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...)

XII – cabe à lei complementar: (...)

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g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal,

isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados;

h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única

vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X,

“b”; (...)

Conforme o disposto no art. 155, § 4º, IV, “c”, da CF, tal ressalva à legalidade tributária

refere -se ao ICMS de incidência unifásica (ou monofásica), nas operações com combustíveis e

lubrificantes previstos em lei complementar federal.

Segundo o texto constitucional, cabe a esta lei complementar federal definir os

combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto (ICMS) incidirá uma única vez, qualquer

que seja a sua finalidade (art. 155, § 2º, XII, “h”, CF). Por sua vez, as alíquotas do ICMS

incidente sobre esses combustíveis serão definidas mediante deliberação dos Estados e

Distrito Federal. Com efeito, os Estados e DF, mediante convênios interestaduais,

celebrados no âmbito do CONFAZ (Conselho de Política Fazendária), definem as alíquotas

do ICMS incidente sobre tais combustíveis.

Frise -se que o convênio – e não um “decreto estadual”! – pode definir e modificar as

alíquotas sem a necessidade de lei, o que torna esta ressalva bem mais abrangente do que

aquela outra, adstrita à CIDE - Combustível. Aliás, é possível assegurar que se trata de caso

único em que se fixam alíquotas por ato do Poder Executivo. Ademais, o preceptivo igualmente

menciona a sistemática de redução e restabelecimento de alíquotas, avocando -se -lhe idêntico

tratamento adotado para a CIDE –Combustível.

Posto isso, é de rigor a memorização das seis ressalvas ao princípio da legalidade

tributária, dentre as quais se destacam cinco, afetas a tributos federais – quatro impostos e uma

contribuição interventiva – e uma, adstrita a tributo estadual (ICMS):

II

IE

IPI

IOF

CIDE -Combustível

ICMS -Combustível

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OS REFLEXOS DA EC N. 32/2001 NO PRINCIPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

Após tramitar durante seis anos no Congresso Nacional, a PEC n. 472, pondo fim a

intensos debates, resultou na EC n. 32/2001. Esta, consoante o comando inserto no art.

62, § 2º, CF, permite a utilização de medida provisória (MP) em matéria tributária.

A medida provisória se traduz em ato normativo de vida efêmera e de utilização

excepcional, no trato de certos assuntos, cujos pressupostos materiais atrelam -se a elementos

de relevância e urgência. Resumidamente, é “ato político, normativo, discricionário, excepcional,

cautelar, precário e com força de lei”.

Como é sabido, “(...) a medida provisória não apreciada pelo Congresso Nacional

podia, até a EC n. 32/2001, ser reeditada dentro do seu prazo de eficácia de trinta dias,

mantidos os efeitos de lei desde a primeira edição”.

Com a EC n. 32/2001, o prazo de validade de uma MP passou a ser de 60 dias, admitida

uma única prorrogação por mais 60 dias (art. 62, § 7º, CF). Não havendo a conversão em lei, no

prazo supracitado, a medida provisória perderá eficácia desde a origem, devendo os produzidos

efeitos serem regulados por decreto legislativo do Congresso Nacional (art. 62, § 3º, CF). Aliás, é

vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada

ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo (art. 62, § 10, CF). Por fim, não editado

o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia

de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante

sua vigência conservar-se-ão por ela regidas (art. 62, § 11, CF).

DIFERENÇAS ENTRE MP E LEI

MP Forma excepcional de regulação de certos assuntos

LEI Forma normal de regulação de certos assuntos

MP Instrumento precário, com vida curtíssima

LEI Instrumento não precário, com prazo indeterminado, ressalvado o caso de lei de

vigência temporária

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MP Pode ser infirmada pelo Congresso a qualquer tempo (dentro do prazo para a

apreciação)

LEI Não pode ser infirmada pelo Congresso a qualquer tempo, ligando a sua

persistência à vontade do órgão de que emanou

MP A MP não convertida em lei perde sua eficácia desde o início (ex tunc)

LEI A lei, ao ser revogada, apenas cessa seus efeitos dali pra frente (ex nunc)

MP A MP, para ser expedida, depende da ocorrência de certos pressupostos (relevância

e urgência)

LEI Para a lei, a relevância da matéria não é condição para que seja produzida.

Art. 62. (...)

§ 2º. Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os

previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte

se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.

O art. 62, § 2º, CF, ao permitir a utilização de medida provisória (MP) em matéria

tributária, associou -a, com exclusividade, ao campo dos impostos, o que, em si, não contempla

qualquer eiva de legalidade tributária.

A corrente majoritária na doutrina não admite a medida provisória como ato

normativo que acata os princípios constitucionais tributários, dentre os quais se

destacam o princípio da legalidade tributária, o princípio da anterioridade tributária, o

princípio da segurança jurídica.

Hugo de Brito Machado e Luciano Amaro não nutrem simpatia pela medida provisória na

seara tributária, argumentando que a MP não é lei, e só esta pode instituir ou aumentar o tributo.

Na mesma linha da tese de imprestabilidade da MP como veículo implementador do

princípio ora estudado, com destaque para sua “suprema negatividade, que raia pelo âmbito da

insensatez e do disparate constitucional

Vários argumentos críticos à MP podem ser deduzidos:

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a) a MP tem apenas “força de lei” (art. 62, caput, CF), não se confundindo, portanto, com

a lei em si.

b) a MP viola o princípio da estrita legalidade tributária, segundo o qual somente a lei

pode instituir e majorar o tributo (art. 97, I e II, CTN). Ademais, atropela o direito fundamental dos

contribuintes de só serem compelidos a pagar o tributo que tenha sido “consentido” por seus

representantes. Daí se falar em possível afronta ao art. 60, § 4º, IV, CF, em um

amesquinhamento de direitos e garantias individuais

c) a indigitada Emenda viola a cláusula pétrea do art. 60, § 4º, III, CF, que estabelece

que nenhuma emenda poderá abolir a separação dos poderes;

d) o próprio art. 59 da CF indica que “lei” e “medida provisória” são espécies normativas

distintas;

e) o caráter efêmero das medidas provisórias, que permite desembocar numa latente

insegurança para as relações jurídico -tributárias;

f) se a medida provisória tem como pressuposto constitucional os casos de relevância e

urgência, não se deve aplicá -la na seara tributária, que, por si só, e como regra, afasta tais

atributos

A RELEVÂNCIA E A URGÊNCIA DA MEDIDA PROVISÓRIA

Com relação à competência para a aferição dos pressupostos constitucionais de

relevância e urgência, justificadores da edição da MP, muito se discute sobre a possibilidade de

ser dada ao Poder Judiciário ou se restringir ao juízo político do Presidente da República. Estaria

tal competência adstrita à discricionariedade do Presidente da República, ou o Poder Judiciário

poderia fiscalizar a presença dos indigitados pressupostos?

Entretanto, se um ou outro pressuposto mostrar -se descabido, no controle judicial, o

Poder Judiciário deverá decidir pela ilegitimidade constitucional da medida provisória. Destarte,

deve haver, em primeiro lugar, o juízo de discricionariedade, de oportunidade e de valor, a ser

feito pelo Presidente da República, sem embargo do ulterior e excepcional controle judiciário

quando houver excesso do poder de legislar.

A bem da verdade, em âmbito tributário, o contexto de relevância e urgência parece ter

sido visualizado pelo constituinte, nas situações excepcionais de beligerância e calamidade

pública, no âmbito do imposto extraordinário de guerra (art. 154, II, CF) e dos empréstimos

compulsórios de emergência (para guerra externa ou calamidade pública: art. 148, I, CF).

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A MEDIDA PROVISÓRIA E OS TRIBUTOS

Passando, agora, aos desdobramentos sobre a temática da MP na seara tributária, de

início, calha mencionar que, antes da elaboração da indigitada Emenda, o STF já se

posicionara favoravelmente à possibilidade de se utilizar MP para instituição de tributos.

o STF Não obstante ter aceitado a possibilidade de criar ou aumentar tributo por

meio de medida provisória, tal posicionamento sempre careceu de respaldo

constitucional, uma vez que sua robustez advinha tão somente de chancela

jurisprudencial. A EC n. 32/2001 trouxe, assim, o timbre constitucional à visão do STF, ao

introduzir inúmeras modificações no art. 62 da CF, com a inclusão de 12 (doze) parágrafos ao

comando.

Atualmente, sabe -se que a medida provisória, segundo a literalidade da Constituição

Federal (art. 62, § 2º), é meio idôneo de instituição e majoração de imposto. O comando é claro:

pode haver MP para criar um imposto e pode haver MP para aumentar um imposto.

Assim, não há inconstitucionalidade em um aumento de ITR, de IR ou de outro

imposto federal, por exemplo, por medida provisória.

A alusão a impostos federais, que avocam a MP federal, obsta, para alguns

insignes doutrinadores, a extensão da temática às MPs estaduais, municipais ou distritais.

Portanto, a excepcionalidade da medida implica que só o Presidente da República pode

editá-la, não o Governador ou o Prefeito.

Não obstante os respeitáveis argumentos, entendemos que a temática proposta no art.

62 da Carta Magna merece uma exegese ampliativa, autorizando -se os Estados, Municípios e

Distrito Federal a editarem as medidas provisórias, desde que aceitas, em cada caso, pela

Constituição do Estado, pela Lei Orgânica do Município e pela Lei Orgânica do Distrito Federal,

respectivamente. A esse propósito, o insigne tributarista Roque Antonio Carrazza assevera que

“às medidas provisórias estaduais, municipais e distritais devem, ‘mutatis mutandis’, ser

aplicados os princípios e limitações que cercam as medidas provisórias federais”.

O STF, na ADI n. 425/TO (rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 04 -09 -2002),

ratificou a possibilidade, anteriormente acolhida na ADInMC n. 812 -9/TO (rel. Min. Moreira

Alves, j. em 1º -04 -1993), externando que podem os Estados -membros editar medidas

provisórias em face do princípio da simetria, obedecidas as regras básicas do processo

legislativo no âmbito da União (CF, art. 62). Portanto, para a Corte Suprema, o eventual óbice ou

limitação imposta às unidades federadas para a edição de medidas provisórias constitui forma de

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restrição não prevista no vigente sistema constitucional pátrio (CF, § 1º do art. 25). Há, portanto,

legitimidade e facultatividade de sua adoção pelos Estados - membros, a exemplo da União

Federal. Em 2006, o STF corroborou o entendimento.

Em face do exposto, a MP poderá versar sobre tributos, ressalvados aqueles que

se ligam à lei complementar, salientando -se, ademais, que a MP estadual (distrital ou

municipal) é instrumento jurídico factível. Depende, em verdade, de previsão no texto

constitucional estadual (distrital ou na lei orgânica municipal), além da observância

simétrica do processo legislativo federal.

A MEDIDA PROVISÓRIA E A INCOMPATIBILIDADE COM A LEI COMPLEMENTAR

É defeso à MP tratar de matéria reservada à lei complementar, consoante o art. 62, §

1º, III, da CF. Trata -se de restrição material (por via indireta) à edição de MP na seara do Direito

Tributário. Assim, os tributos adstritos à ação normativa da lei complementar não poderão ser

instituídos ou majorados por medida provisória.

A razão é simples: a inequívoca falta de harmonização entre o natural imediatismo

eficacial da medida provisória – perante a existência de critérios de relevância e urgência – e o

criterioso processo elaborativo próprio de uma lei complementar, em face da necessidade de

quorum privilegiado de votantes (maioria absoluta) na Casa Legislativa (art. 69 da CF).

Os tributos federais que avocam a lei complementar: Impostos sobre Grandes Fortunas,

Empréstimos Compulsórios, Impostos Residuais e Contribuições Social -previdenciárias

Residuais. Logo, não há que se falar, v.g., em instituição de Empréstimos Compulsórios por

medida provisória, ou mesmo em criação de Impostos Residuais por idêntico meio normativo.

Dispositivos constitucionais, afetos à lei complementar:

(I) arts. 146 e 146 -A da CF (para as normas gerais, em matéria de legislação tributária;

conflitos de competência; limitações constitucionais ao poder de tributar);

(II) art. 155, § 2º, XII, e alíneas, da CF (para o ICMS);

(III) art. 155, § 1º, III, CF (para o ITCMD);

(IV) art. 156, III e § 3º, CF (para o ISS);

(V) art. 195, § 11, CF (para contribuição social – remissão e anistia).

(I) Quanto às matérias discriminadas no arts. 146 e 146-A da CF

Art. 146. Cabe à lei complementar:

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I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, (...)

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos

discriminados nesta Constituição, a dos

respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades

cooperativas;

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para

as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do

imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da

contribuição a que se refere o art. 239.

Art. 146 -A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com

o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União,

por lei, estabelecer normas de igual objetivo.

(II) Quanto ao ICMS

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...)

§ 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...)

XII – cabe à lei complementar:

a) definir seus contribuintes;

b) dispor sobre substituição tributária;

c) disciplinar o regime de compensação do imposto;

d) fixar, (...), o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das

prestações de serviços;

e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros

produtos além dos mencionados no inciso X, “a”;

f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e

exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias;

g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal,

isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados;

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h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única

vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X,

“b”;

i) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na

importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço.

(III) Quanto ao ITCMD

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...)

§ 1º. O imposto previsto no inciso I: (...)

III – terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:

a) se o doador tiver domicílio ou residência no exterior;

b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário

processado no exterior; (...)

(IV) Quanto ao ISS

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...)

III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei

complementar; (...)

§ 3º. Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei

complementar:

I – fixar as suas alíquotas máximas e mínimas;

II – excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior;

III – regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão

concedidos e revogados.

(V) Quanto à Contribuição Social

Art. 195. (...)

§ 11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que

tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei

complementar.

Diante de todo o exposto, a temática da “medida provisória e os tributos” deve ser

analisada com cuidado, sobressaindo os seguintes pontos, em resumo:

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1. A MP, na visão do STF, é hábil a criar e majorar tributos;

2. A MP, segundo o texto constitucional (art. 62, § 2º), é instrumento adequado a criar e

majorar impostos;

3. A MP, na visão do STF, pode ser editada pelos Estados -membros, levando -se em

conta a observância simétrica do processo legislativo federal;

4. A MP não poderá ser utilizada em campos normativos adstritos à lei complementar,

tais como: instituição de certos tributos federais; matérias dispostas no art. 146 da CF; e

detalhamentos normativos adstritos ao ICMS, ao ITCMD, ao ISS e a certas contribuições social –

previdenciárias.