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ESTADO DE MINAS GERAIS ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DIREITO PÚBLICO: Revista Jurídica da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais Fascículo Especial Direito Ambiental Coordenadores Lyssandro Norton Siqueira Onofre Alves Batista Júnior Direito Público: Rev. Jurídica da Advocacia-Geral do Estado MG Belo Horizonte v.17 n.1 p. 1- 301 jan./dez. 2020

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ESTADO DE MINAS GERAIS

ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO

DIREITO PUacuteBLICO

Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais

Fasciacuteculo Especial

Direito Ambiental

Coordenadores

Lyssandro Norton Siqueira

Onofre Alves Batista Juacutenior

Direito Puacuteblico Rev Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado MG Belo Horizonte v17 n1 p 1- 301 jandez 2020

ISSN 1517-0748 DIREITO PUacuteBLICO

REVISTA JURIacuteDICA DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS Avenida Afonso Pena nordm 4000 ndash Cruzeiro ndash 30130009

Belo Horizonte ndash MG ndash Brasil Fone (31) 3218-0700 - (31) 3218-0718

httpwwwagemggovbr

GOVERNADOR DO ESTADO Romeu Zema Neto

PRESIDENTE DO CONSELHO EDITORIAL Seacutergio Pessoa de Paula Castro

CONSELHO EDITORIAL Prof Dr Anderson Santana Pedra (ES ndash Universidade Federal do Espiacuterito Santo-UFES e Faculdade de Direito de Vitoacuteria ndash FDV) Prof Dr Andreacute Mendes Moreira (MG ndash Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG) Prof Dr Antoacutenio Agostinho Cardoso da Conceiccedilatildeo Guedes (PORTUGAL - Faculdade de Direito da Universidade Catoacutelica Portuguesa) Profordf Draordf Betina Treiger Grupenmacher (PR ndash Universidade Federal do Paranaacute) Profordf Drordf Carla Amado Gomes (Portugal ndash Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) Prof Dr Carlos Viacutector Muzzi Filho (MG ndash Advocacia-Geral do Estado e Faculdade de Direito da FUMEC) Profordf Drordf Eacutelida Graziane Pinto (SP ndash Ministeacuterio Puacuteblico de Contas do Estado de Satildeo Paulo) Prof Dr Elival da Silva Ramos (SP ndash Universidade de Satildeo Paulo-USP) Prof Dr Emerson Gabardo (PR ndash Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paranaacute) Prof Dr Eacuterico Andrade (MG ndash Advocacia-Geral do Estado e Faculdade de Direito da FUMEC) Prof Dr Fernando Facury Scaff (SP ndash Universidade de Satildeo Paulo-USP) Prof Dr Giovanni Christian Nunes Campos (SP ndash Superintendecircncia da Receita Federal) Prof Dr Jason Soares Albergaria Neto (MG ndash Advocacia-Geral do Estado e Faculdade de Direito Milton Campos) Prof Dr Joseacute Jairo Gomes (DF ndash Procuradoria-Geral da Repuacuteblica) Prof Dr Juarez Freitas (RS ndash Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRS) Prof Dr Juvecircncio Vasconcelos Viana (CE ndash Procuradoria-Geral do Estado) Profordf Drordf Liana Portilho Mattos (MG - Advocacia-Geral do Estado) Profordf Drordf Lilian Cordeiro Tenoacuterio de Miranda (PE ndash Procuradoria-Geral do Estado de Pernambuco)

Prof Dr Lucas Galvatildeo de Brito (SP ndash Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo-PUCSP) Profordf Drordf Luciana Grassano de Gouvecirca Melo (PE ndash Universidade Federal de Pernambuco) Profordf Drordf Ludmila M Monteiro de Oliveira (MG ndash Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais) Profordf Drordf Luiacutesa Cristina Pinto e Netto (MG - Advocacia-Geral do Estado) Prof Dr Lyssandro Norton Siqueira (MG ndash Advocacia-Geral do Estado) Profordf Drordf Maacutercia Carla Ribeiro (PR - Procuradoria-Geral do Estado e Faculdade de Direito da UFPR e PUC-PR) Profordf Drordf Maria Clara da Cunha Calheiros de Carvalho (PORTUGAL - Escola de Direito - Universidade do Minho) Profordf Drordf Mary Elbe Queiroz (SP - Instituto Brasileiro de Estudos Tributaacuterios-IBET) Profordf Drordf Misabel Abreu Machado Derzi (MG ndash Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais) Prof Dr Paulo Rosenblatt (PE ndash Universidade Catoacutelica de Pernambuco ndash UNICAP) Prof Dr Ricardo Lodi Ribeiro (RJ ndash Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ) Prof Dr Taacutecio Lacerda Gama (SP ndash Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica ndash PUCSP) Prof Dr Tarciacutesio Diniz Magalhatildees (HOLANDA ndash Amsterdatilde ndash International Bureau of Fiscal Documentation-IBDF) Prof Dr Ulisses Schwarz Viana (DF ndash Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Pesquisa - IDP) Prof Dr William Byrnes (EUA - Thomas Jefferson School of Law)

COORDENADOR EDITORIAL Prof Dr Carlos Alberto Rohrmann

DIRETOR Prof Dr Onofre Alves Batista Juacutenior

COMISSAtildeO TEacuteCNICA Liacutecia Ferraz Venturi

Solicita-se permuta Piacutedese canje On deacutemande lrsquoeacutechange Si richiede lo scambio We ask for exchange Wir bitten um Austausch

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais ndash Vol 1 n 1 (JulDez 2004) ndash Belo Horizonte Imprensa Oficial de Minas Gerais 2004 - Anual Formada pela fusatildeo de Direito Puacuteblico Revista da Procuradoria-Geral do Estado de Minas Gerais e Revista Juriacutedica da Procuradoria-Geral da Fazenda Estadual ISSN 1517-0748 1 Direito puacuteblico - Perioacutedico 2 Direito tributaacuterio - Perioacutedico I Minas Gerais - Advocacia-Geral do Estado II Tiacutetulo

Bibliotecaacuteria Liacutecia Ferraz Venturi CRB6-1913

copy 2019 Centro de Estudos - ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS O conteuacutedo dos artigos doutrinaacuterios publicados nesta Revista e os conceitos emitidos satildeo de uacutenica e exclusiva responsabilidade de seus autores Qualquer parte desta publicaccedilatildeo pode ser reproduzida desde que citada a fonte Publicado no Brasil - Publishing in Brazil

SUMAacuteRIO

1 - OS DESASTRES DE MARIANA E BRUMADINHO E A GESTAtildeO DE RESIacuteDUOS DAS INDUacuteSTRIAS EXTRATIVISTAS uma anaacutelise comparativa dos regimes de prevenccedilatildeo de riscos associados a barragens de rejeitos no Brasil e na Uniatildeo Europeia - Carla Amado Gomes (Portugal) - Carlos Alberto Valera (MG) - Monique Mosca Gonccedilalves (MG) 5

2 - RESPONSABILIDADE CIVIL E REDISTRIBUICcedilAtildeO DO OcircNUS DA PROVA DO DANO MATERIAL as grandes trageacutedias da mineraccedilatildeo- Bruno Henrique Tenoacuterio Taveira (RJ) 41

3 - ASPECTOS URBANIacuteSTICOS E AMBIENTAIS DA REGULARIZACcedilAtildeO FUNDIAacuteRIA DOS NUacuteCLEOS URBANOS INFORMAIS CONSOLIDADOS EM AacuteREAS DE PRESERVACcedilAtildeO PERMANENTE - Matheus de Aguiar Rodrigues Cembranelli (SP) 59

4 - UMA SOLUCcedilAtildeO HARMOcircNICA PARA A MAIOR TRAGEacuteDIA AMBIENTAL DO PAIacuteS comentaacuterios ao termo de ajustamento de conduta ldquogovernanccedilardquo ndash TACGOV - Homero Andretta Junior (DF) 77

5 - DA SOLUCcedilAtildeO DE CONFLITOS NO AcircMBITO DO DESASTRE DE MARIANA uma metamorfose ambulante - Luiz Henrique Miguel Pavan (ES) 95

6 - EXPERIEcircNCIAS DO CASO SAMARCO - Pedro Campany Ferraz (SP) 117

7 - DIREITOS HUMANOS SOB A PERSPECTIVA DA EDUCACcedilAtildeO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE - Renato Alves Vieira de Melo (AL) - Racquel Valeacuterio Martins (AL) 131

8 - VEDACcedilAtildeO AO RETROCESSO AMBIENTAL - Alice Abreu Lima Jorge (MG) - Marina Soares Marinho (MG) 151

9 - A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL NO STJ subjetiva ou objetiva - Inara de Pinho Nascimento Vidigal (MG) 167

10 - UMA VISAtildeO CRIacuteTICA SOBRE A OBRIGACcedilAtildeO PROPTER REM NO DIREITO AMBIENTAL A Responsabilidade do Superficiaacuterio por Danos Causados ao Imoacutevel na Servidatildeo de Mina - Leonardo Polastri Lima Peixoto (MG) 179

11 - Princiacutepio da Precauccedilatildeo NO DIREITO AMBIENTAL Pressupostos e aplicaccedilatildeo - Luniza Carvalho (MG) 191

12 - O MECANISMO CONSTITUCIONAL DE MONETIZACcedilAtildeO DE RECURSOS NATURAIS NAtildeO RENOVAacuteVEIS COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZACcedilAtildeO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS um estudo da CFEM em Minas Gerais - Paulo Honoacuterio de Castro Juacutenior (MG) 203

13 - A COMPENSACcedilAtildeO AMBIENTAL E A QUESTAtildeO ORCcedilAMENTAacuteRIA NA CONSERVACcedilAtildeO DOS PARQUES DO SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVACcedilAtildeO - Rodrigo W S Ribeiro Filho (MG) 221

14 - AUDIEcircNCIAS PUacuteBLICAS E LICENCIAMENTO AMBIENTAL Legitimaccedilatildeo e correccedilatildeo das teacutecnicas pelas vozes - Samuel Giovannini Cruz Guimaratildees (MG) 229

15 ndash O CARAacuteTER PUNITIVO DA INDENIZACcedilAtildeO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL AMBIENTAL ndash Erika Bechara (SP) 249

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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OS DESASTRES DE MARIANA E BRUMADINHO E A GESTAtildeO DE

RESIacuteDUOS DAS INDUacuteSTRIAS EXTRATIVISTAS

uma anaacutelise comparativa dos regimes de prevenccedilatildeo de riscos associados a

barragens de rejeitos no Brasil e na Uniatildeo Europeia

CARLA AMADO GOMES

CARLOS ALBERTO VALERA

MONIQUE MOSCA GONCcedilALVES

____________________ SUMAacuteRIO __________________

INTRODUCcedilAtildeO A O QUADRO BRASILEIRO 1 A

anaacutelise teacutecnica no licenciamento ambiental de barragens

11 O meacutetodo de alteamento a montante como risco

intoleraacutevel e a determinaccedilatildeo de descaracterizaccedilatildeo 12 A

obrigatoriedade das melhores teacutecnicas disponiacuteveis como

alternativa agrave disposiccedilatildeo de rejeitos em barragens 13 O

princiacutepio da adaptabilidade e a instabilidade da licenccedila

ambiental 2 A poliacutetica de afastamento e a delimitaccedilatildeo

territorial do risco 21 Zonas de Autossalvamento entre a

remoccedilatildeo do risco e o reassentamento da populaccedilatildeo 22

Estudos de Dam Break a mancha de inundaccedilatildeo 23 O

efeito dominoacute 3 A cauccedilatildeo ambiental B O QUADRO

EUROPEU 1 A regulaccedilatildeo anterior agrave Diretiva 2006 e as

liccedilotildees aprendidas com o acidente de Baia Mare 2 A

disciplina da Diretiva 200621CE do Parlamento

Europeu e do Conselho de 15 de marccedilo 21 A prevenccedilatildeo

de acidentes graves 22 A elaboraccedilatildeo de planos de gestatildeo

de resiacuteduosrejeitos 23 A garantia financeira 24 A

participaccedilatildeo do puacuteblico e o ldquodireito a saberrdquo C

Consideraccedilotildees Finais

Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Investigadora do Centro de

Investigaccedilatildeo de Direito Puacuteblico Professora Convidada da Faculdade de Direito da Universidade Catoacutelica

Portuguesa (Porto) Alameda da Universidade Cidade Universitaacuteria 1649-014 Lisboa Portugal +351

217984600

Doutor em agronomia-ciecircncia do solo pela Universidade Estadual Paulista ldquoJuacutelio de Mesquita Filhordquo

UNESPFCAV Campus JaboticabalSP Coliacuteder do Grupo POLUS- Poliacutetica de Uso do Solo Mestre em direitos

fundamentais pela UNIFRAN-Universidade de Franca Promotor de Justiccedila do Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de

Minas Gerais Rua Coronel Antocircnio Rios 951 Santa Marta UberabaMG +55 34991357787

carlosvalerampmgmpbr

Mestre em Ciecircncias Juriacutedico-Ambientais pela Universidade de Lisboa Promotora de Justiccedila do Ministeacuterio

Puacuteblico do Estado de Minas Gerais Rua Coronel Antocircnio Rios 951 Santa Marta UberabaMG +55

34999252766 moniquemgmghotmailcom

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Resumo O presente texto visa na primeira parte analisar como as ldquoliccedilotildees aprendidasrdquo com

os desastres de Mariana e Brumadinho influenciaram a Lei Estadual nordm 232912019 que

institui a Poliacutetica de Seguranccedila de Barragens no Estado de Minas Gerais Na segunda parte

aborda o quadro legislativo europeu sobre prevenccedilatildeo de acidentes com barragens de rejeitos

Palavras-chave gestatildeo de risco barragens de rejeitos prevenccedilatildeo de acidentes

INTRODUCcedilAtildeO

A histoacuteria recente do Brasil estaacute marcada por graves acidentes com barragens de rejeitos os

dois uacuteltimos em Mariana e Brumadinho Ambos ocorreram no estado de Minas Gerais com

curto tempo de intervalo (20152019) O primeiro teve um saldo pesado de perda de vidas

humanas (19 mortes) e um lastro imenso de consequecircncias ambientais O segundo foi brutal

com quase trecircs centenas de mortes magnas consequecircncias ambientais e uma disrupccedilatildeo no

abastecimento puacuteblico de aacutegua na regiatildeo O lado traacutegico destes desastres soma-se agrave surpresa

de concluir que nenhuma liccedilatildeo foi retirada do episoacutedio de Mariana quanto agrave prevenccedilatildeo de

riscos de barragens que pudesse ter evitado ou minimizado a fatura no caso de Brumadinho

Quando se fala na gestatildeo do risco de desastres tecnoloacutegicos a teacutecnica de liccedilotildees aprendidas

surge como um dos principais instrumentos de prevenccedilatildeo uma vez que a ocorrecircncia de um

evento desastroso constitui rica fonte de conhecimento sobre os deacuteficits de prevenccedilatildeo e a sua

anaacutelise detalhada pode servir como um poderoso mote para o reforccedilo nas exigecircncias

normativas de seguranccedila a fim de evitar a repeticcedilatildeo de trageacutedias semelhantes

Retirar as liccedilotildees aprendidas de um desastre industrial significa em primeiro lugar estudar

profunda e detalhadamente todas as causas e desconformidades que contribuiacuteram para a

eclosatildeo do evento danoso e sua dimensatildeo e a partir de entatildeo identificar os deacuteficits de

prevenccedilatildeo e partilhar as informaccedilotildees entre oacutergatildeos e entidades puacuteblicas de diferentes niacuteveis

para que as ditas liccedilotildees tenham o maior alcance possiacutevel no sentido de evitar a repeticcedilatildeo de

eventos semelhantes1 Significa sobretudo gerar uma resposta normativa que resulte no

aprimoramento do sistema de gestatildeo do risco em atenccedilatildeo ao princiacutepio-matriz da prevenccedilatildeo

Como se adiantou a referida teacutecnica natildeo foi utilizada apoacutes o desastre com a Barragem do

Fundatildeo em Mariana sendo certo que a trageacutedia que se sucedeu com as Barragens B-I B-IV e

B-IV_A da Mina Coacuterrego do Feijatildeo em Brumadinho apoacutes pouco mais de 03 (trecircs) anos

representa em boa medida a repeticcedilatildeo dos mesmos erros e tem nas suas causas os mesmos

deacuteficits de prevenccedilatildeo e de resposta soacute que desta vez com consequecircncias humanitaacuterias muito

mais graves jaacute que provocou a morte de 270 (duzentos e setenta) pessoas aleacutem de

1 Vide por exemplo a referecircncia agraves liccedilotildees aprendidas no sistema europeu de controle de riscos associados a

acidentes graves que envolvem substacircncias perigosas precisamente no art 21ordm (4)(b) e (6)(c) da Diretiva

201218UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de julho (Diretiva Seveso III)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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estratosfeacuterica degradaccedilatildeo ambiental constituindo a niacutevel mundial o segundo maior desastre

industrial do seacuteculo2 e a pior trageacutedia com barragem nas uacuteltimas trecircs deacutecadas

3

Pouco tempo apoacutes o desastre provocado pela Vale SA em Brumadinho precisamente no dia

25 de fevereiro de 2019 foi finalmente editada a resposta legislativa esperada que teve na sua

origem o Projeto de Lei de Iniciativa Popular nordm 36952016 conhecido como Mar de Lama

Nunca Mais o qual por sua vez tramitava na Assembleia Legislativa do Estado de Minas

Gerais desde 5 de julho de 2016 como proposta de resposta ao desastre de Mariana a fim de

aprimorar a legislaccedilatildeo estadual sobre seguranccedila e licenciamento ambiental de barragens4

Em um Estado com economia de base mineral5 natildeo eacute difiacutecil supor porque a proposta

legislativa encontrou tamanha resistecircncia e somente foi aprovada apoacutes a segunda trageacutedia

depois de quase 03 (trecircs) anos de tramitaccedilatildeo A adoccedilatildeo de um grau de sustentabilidade fraco

historicamente norteou a poliacutetica brasileira de gestatildeo dos riscos provocados pela mineraccedilatildeo

como sobreposiccedilatildeo do interesse econocircmico aos interesses ambientais e sociais

A partir deste contexto a primeira parte do presente estudo busca analisar algumas das

principais respostas normativas agraves duas trageacutedias mineiras recentes com especial destaque

para a Lei Estadual nordm 232912019 que institui a Poliacutetica de Seguranccedila de Barragens no

Estado de Minas Gerais

Assinale-se que no plano mundial haacute episoacutedios do mesmo geacutenero se bem que com faturas

socioambientais menos impressivas Segundo a Comunicaccedilatildeo da Comissatildeo Europeia

Seguranca da actividade mineira analise de acidentes recentes6 os registos ocorrem um

pouco por todo o globo em 1992 a rotura de uma barragem de rejeitos na mina de ouro de

Summitville (EUA) causou a destruiccedilatildeo total da vida aquatica num trecho de 25 km do rio

Alamosa em 1993 uma massa de lama e entulho abateu-se sobre um aldeamento de uma

mina de ouro no Equador ceifando a vida a 24 pessoas em 1994 um desabamento similar

ocorreu na Harmony Gold Mine (Africa do Sul) tendo perecido 17 pessoas em 1995 25

milhotildees de metros cuacutebicos de uma soluccedilatildeo de cianetos proveniente da mina de ouro de Omai

(Guiana) contaminaram o rio Essequibo causando aniquilamento das espeacutecies aquaacuteticas em

1996 na Ilha Marinduque (Filipinas) 3 milhotildees de toneladas de lamas toxicas provenientes

de uma mina de cobre desaguaram no rio Boac destruindo 20 aldeias

Tendo presente este quadro mas atentando particularmente em dois acidentes que tiveram

lugar no espaccedilo da Uniatildeo Europeia mdash nomeadamente em 1998 Aznalcollar Espanha7 em

2 Fonte httpsepocanegociosglobocomBrasilnoticia201901brumadinho-pode-ser-2-maior-desastre-

industrial-do-seculo-e-maior-acidente-de-trabalho-do-brasilhtml Acesso em 04 de julho de 2020 3 Fonte httpswwwbbccomportuguesebrasil-47034499 Acesso em 04 julho 2020

4 Ver um histoacuterico da tramitaccedilatildeo do PL Mar de Lama Nunca Mais em

httpswwwmpmgmpbrcomunicacaonoticiasmar-de-lama-nunca-mais-por-que-a-importancia-de-aprimorar-

a-legislacaohtm Acesso em 04 de julho de 2020 5 Segundo dados do Instituto Brasileiro de Mineraccedilatildeo ndash IBRAM do ano de 2014 o Estado de Minas Gerais eacute

responsaacutevel pela extraccedilatildeo de mais de 160 milhotildees de toneladasano de mineacuterio de ferro A atividade mineraacuteria

estaacute presente em 250 Municiacutepios e haacute mais de 300 minas em operaccedilatildeo A induacutestria extrativa representa 8 do

PIB do Estado Instituto Brasileiro de Mineraccedilatildeo IBRAM Informaccedilotildees sobre a Economia Mineral no Estado de

Minas Gerais Disponiacutevel em httpwwwibramorgbrsites1300138200004355pdf Acesso em 04 de julho de

2020 6 Comunicaccedilatildeo da Comissatildeo Europeia de 23 de outubro de 2000 COM(2000) 664 final

7 Rompimento da barragem de rejeitos da mina de Aznalcollar com vazamento de cerca de trecircs milhotildees de

metros cuacutebicos de lamas e quatro milhotildees de metros cuacutebicos de aguas acidas no meio adjacente poluindo 4500

hectares de terreno nas bordas do Parque Nacional de Coto Donana e no rio Guadiamar Sobre este acidente

ver GRIMALT Joan FERRER Miguel MACPHERSON Enrique The mine tailing accident in Aznalcollar in

Elsevier December 1999 pp 3 segs

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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2000 Baia Mare Romeacutenia8 mdash a Comissatildeo Europeia detetou falhas no plano da regulaccedilatildeo da

gestatildeo deste tipo de resiacuteduos e decidiu tomar a iniciativa de aprovar uma diretiva

especificamente dedicada fundamentalmente a adaptar a disciplina de prevenccedilatildeo de

acidentes graves constante da diretiva Seveso9 Eacute sobre o regime dessa diretiva 200621CE

do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Marccedilo (diretiva relativa a gestatildeo dos residuos

de induacutestrias extrativistas) que incidira a segunda parte deste texto

1 A ANAacuteLISE TEacuteCNICA NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE BARRAGENS

11 O MEacuteTODO DE ALTEAMENTO A MONTANTE COMO RISCO

INTOLERAacuteVEL E A DETERMINACcedilAtildeO DE DESCARACTERIZACcedilAtildeO

Um dos aspectos em comum das barragens que colapsaram nos dois episoacutedios era a utilizaccedilatildeo

do meacutetodo de alteamento a montante que consiste na metodologia construtiva de barragens

onde os maciccedilos de alteamento se apoiam sobre o proacuteprio rejeito ou sedimento previamente

lanccedilado e depositado10

Trata-se do meacutetodo de construccedilatildeo de barragens mais antigo simples

econocircmico e recorrente No entanto constitui a pior teacutecnica disponiacutevel do ponto de vista da

seguranccedila em razatildeo da instabilidade gerada pela aacutegua dos poros do rejeito e do reservatoacuterio

motivo pelo qual jaacute foi banida em diversos paiacuteses mineradores a exemplo do Chile

De acordo com o estado da arte a disposiccedilatildeo de rejeitos da mineraccedilatildeo pode ser feita por seis

meacutetodos I) minas subterracircneas II) em cavas exauridas de minas III) em pilhas IV) por

empilhamento a seco (meacutetodo ldquodry stackingrdquo) V) por disposiccedilatildeo em pasta e VI) em

barragens de contenccedilatildeo de rejeitos (do tipo a montante a jusante e ldquoem linhasrdquo de centro)11

Dentre as seis teacutecnicas listadas a disposiccedilatildeo de rejeitos de barragens eacute a mais perigosa ndash e

dentre elas a do tipo a montante - em razatildeo do risco de colapso da estrutura fator que jaacute

provocou desastres ambientais e humanitaacuterios em todo o mundo12

Apesar disso ainda

constitui o meacutetodo mais utilizado no Brasil Somente no Estado de Minas Gerais haacute o

expoente assustador de quase 700 barragens de rejeitos de mineraccedilatildeo algumas das quais

classificadas como de alto dano potencial associado13

Mesmo em relaccedilatildeo aos demais meacutetodos alternativos a literatura teacutecnica aponta que natildeo haacute

risco zero de forma que a melhor estrateacutegia para garantir um padratildeo ambiental e de seguranccedila

8 Rompimento da barragem de rejeitos da mina de ouro ldquoBaia Marerdquo em Sasar Estima-se em cerca de 100 000

m3 o volume de lamas e aguas residuais com uma concentraccedilatildeo de cianetos de 126 mglitro que fluiram via

canais de drenagem para vaacuterios afluentes do Danuacutebio daiacute para este rio e finalmente para o Mar Negro 9 Diretiva 6982CE do Conselho de 1 de junho de 1982 Foi alterada por duas vezes e hoje encontra-se

revogada pela directiva 201218UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de julho (Diretiva Seveso III) 10

Conforme definiccedilatildeo da Agecircncia Nacional de Mineraccedilatildeo (art 2ordm paraacutegrafo uacutenico inciso I da Resoluccedilatildeo nordm 13

de 8 de agosto de 2019) 11

Instituto Brasileiro de Mineraccedilatildeo ndash IBRAM Gestatildeo e Manejo de Rejeitos de Mineraccedilatildeo Brasiacutelia (2016) p

17 Disponiacutevel em httpwwwibramorgbrsites1300138200006222pdf Acesso em 04 de julho de 2020 12

Segundo dados da ICOLD atualmente ocorrem em meacutedia dois grandes eventos de colapso de barragem de

rejeitos por ano no mundo Fonte ICOLD ndash International Commission on Large Dams Disponiacutevel em

httpswwwicold-cigborgGBdamsdams_safetyasp Acesso em 04 de julho de 2020 13

Fonte Fundaccedilatildeo Estadual do Meio Ambiente ndash FEAM Disponiacutevel em

httpwwwfeambrmonitoramentogestao-de-barragens Acesso em 04 junho 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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adequados ao setor encontra-se no modelo de hierarquia da poliacutetica de gestatildeo de resiacuteduos14

com foco na prevenccedilatildeo da geraccedilatildeo no sentido do desenvolvimento de tecnologias para a

diminuiccedilatildeo da geraccedilatildeo e para o reaproveitamento dos rejeitos em um processo de

ldquoreengenharia de minasrdquo a partir da utilizaccedilatildeo do rejeito como futuro bem mineral ou do seu

aproveitamento para outros usos como a utilizaccedilatildeo para finalidades agriacutecolas (ex rochagem)

e o preenchimento de cava exaurida15

Para a garantia da estabilidade fiacutesica e quiacutemica das barragens eacute de fulcral relevacircncia o

desenvolvimento de meacutetodos para a reduccedilatildeo do uso de aacutegua com o consequente

favorecimento de barragens de pequeno ou meacutedio porte16

acrescentando-se a reduccedilatildeo da

geraccedilatildeo de resiacuteduos perigosos como o cianeto a prevenccedilatildeo ou minimizaccedilatildeo de lixiviados e o

controle da formaccedilatildeo de drenagem aacutecida

O objetivo maior eacute evitar a formaccedilatildeo de grandes barragens por representar a adoccedilatildeo da

teacutecnica de fim de tubo - end of pipe treatment - que eacute mais onerosa do ponto de vista

ambiental e propicia a ocorrecircncia de eventos catastroacuteficos O risco de rompimento da

barragem aumenta progressivamente com o tempo de atividade uma vez que a diminuiccedilatildeo de

mineacuterio na extraccedilatildeo provoca o aumento progressivo da quantidade de rejeitos produzidos e

em consequecircncia o aumento progressivo da barragem A probabilidade de evento catastroacutefico

aumenta conforme a altura do reservatoacuterio e a consequecircncia do impacto aumenta conforme o

volume de rejeitos17

associado ao seu conteuacutedo (resiacuteduos perigosos metais pesados etc)

Atenta a este cenaacuterio a Lei Estadual nordm 2329119 que instituiu a Poliacutetica de Seguranccedila de

Barragens no Estado de Minas Gerais - LPESB trouxe a vedaccedilatildeo da concessatildeo de licenccedila

ambiental para operaccedilatildeo ou ampliaccedilatildeo de barragens de rejeitos que utilizem o meacutetodo de

alteamento a montante (art 17 caput) passando este a integrar a classe de riscos intoleraacuteveis

Posteriormente a proibiccedilatildeo ganhou projeccedilatildeo nacional por determinaccedilatildeo da Agecircncia Nacional

de Mineraccedilatildeo - ANM atraveacutes da Resoluccedilatildeo nordm 13 de 8 agosto de 2019 (art 2ordm caput)

A novel proibiccedilatildeo foi dotada de caraacuteter irrestrito na medida em que ambos os instrumentos

normativos determinaram a descaracterizaccedilatildeo de todas as barragens a montante atualmente

existentes com a obrigatoriedade de migraccedilatildeo para tecnologia alternativa de acumulaccedilatildeo ou

disposiccedilatildeo de rejeitos e resiacuteduos Na LPESB fixou-se o prazo geral maacuteximo de 3 (trecircs) anos

enquanto a ANM estabeleceu prazos diferenciados para a conclusatildeo da descaracterizaccedilatildeo de

14

Conforme art 3ordm VII e XV e art 7ordm II da Lei nordm 1230510 ndash Lei de Poliacutetica Nacional de Resiacuteduos Soacutelidos 15

Para outros exemplos de tecnologias modernas ver Instituto Brasileiro de Mineraccedilatildeo ndash IBRAM Gestatildeo e

Manejo de Rejeitos de Mineraccedilatildeo 1ordf ed Brasiacutelia (2016) p 3037 Disponiacutevel em

httpwwwibramorgbrsites1300138200006222pdf Acesso em 04 de junho de 2020 16

Uma alternativa para reduzir a quantidade de aacutegua nas bacias de rejeitos eacute a utilizaccedilatildeo do meacutetodo de

empilhamento drenado com o tratamento em separado das lamas e dos rejeitos de flotaccedilatildeo de forma que

somente as lamas pobres sejam estocadas em barragens A utilizaccedilatildeo do meacutetodo proporciona a formaccedilatildeo de

barragens ateacute 13 (treze) vezes menores do que o meacutetodo convencional e aleacutem de diminuir o potencial de danos

reduz os custos de fechamento da instalaccedilatildeo GUEDES Gilse B e SCHNEIDER Claacuteudio L Disposiccedilatildeo de

rejeitos de mineraccedilatildeo as opccedilotildees tecnoloacutegicas para a reduccedilatildeo dos riscos em barragens CETEMMCTIC Seacuterie

estudos e documentos nordm 95 Rio de Janeiro (2018) p 1920 Disponiacutevel em

httpsmineraliscetemgovbrhandlecetem2229 Acesso em 04 de julho de 2020 17

Um estudo realizado em 2011 apontou que a cada 30 (trinta) anos as barragens e as cavas de mineraccedilatildeo em

acircmbito mundial aumentaram 10 (dez) vezes em volume e dobraram em altura Atualmente satildeo gerados cerca de

670000 toneladasdia e a previsatildeo eacute que o setor mineral passe a gerar aproximadamente 1 milhatildeo de

toneladasdia de rejeitos em 2030 o que possibilita estimar que o risco de rompimento tende a aumentar 20

(vinte) vezes a cada 30 (trinta) anos considerando as projeccedilotildees do setor mineral de aumento da demanda

mundial por mineacuterios SCHNEIDER Claudio GUEDES Gilse A busca das melhores opccedilotildees tecnoloacutegicas para

evitar acidentes (2017) p 37 Disponiacutevel em httpswwwcetemgovbrimagesperiodicos2017saneamento-

ambientalpdf Acesso em 04 de julho de 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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acordo com o volume de rejeitos das barragens com o termo final em 15 de setembro de 2027

para a descaracterizaccedilatildeo de todas as barragens a montante existentes no territoacuterio nacional

(art 8ordm inciso III)18

Conforme conceito apresentado pela LPESB barragem descaracterizada eacute aquela que natildeo

opera como estrutura de contenccedilatildeo de sedimentos ou rejeitos natildeo possuindo caracteriacutesticas de

barragem sendo destinada a outra finalidade (art 13 sect3ordm) A previsatildeo sobre o procedimento

de descaracterizaccedilatildeo foi delegada ao oacutergatildeo ambiental competente (art 13 sectsect1ordm e 2ordm in fine)19

Note-se que a legislaccedilatildeo estadual apresentou conceito restrito de descaracterizaccedilatildeo com foco

na seguranccedila da estrutura fazendo distinccedilatildeo entre descaracterizaccedilatildeo e desativaccedilatildeo esta

uacuteltima designativa da fase final do ciclo de vida da barragem (art 3ordm) que inclui aspectos de

remediaccedilatildeo ambiental da aacuterea para uso futuro A desativaccedilatildeo da barragem deve ser objeto de

planejamento inicial mediante a apresentaccedilatildeo do correspondente plano20

para a obtenccedilatildeo da

Licenccedila de Instalaccedilatildeo ndash LI (art 7ordm II ldquofrdquo) em paralelo ao plano de fechamento da mina21

aleacutem de estar expressamente abrangida pela cauccedilatildeo ambiental (art 7ordm I ldquobrdquo)

Jaacute a Resoluccedilatildeo ANM nordm 132019 por meio da alteraccedilatildeo da Portaria DNPM nordm 7038917 (art

2ordm VIII) trouxe previsotildees mais estritas sobre o processo de descaracterizaccedilatildeo com a previsatildeo

miacutenima de quatro etapas sendo elas descomissionamento controle hidroloacutegico e

hidrogeoloacutegico estabilizaccedilatildeo e monitoramento

Sobre esta questatildeo eacute preciso atentar que o encerramento de barragens de rejeitos requer

especial atenccedilatildeo uma vez que apresenta grande propensatildeo para gerar passivos ambientais

caso natildeo sejam exigidos padrotildees de remediaccedilatildeo estritos aleacutem de natildeo prescindir da criaccedilatildeo de

um sistema de gestatildeo de riscos proacuteprio para o poacutes-operaccedilatildeo

O procedimento de descaracterizaccedilatildeo em si constitui atividade de alto risco capaz de

incrementar o risco de desastre por rompimento em razatildeo da movimentaccedilatildeo em massa dos

rejeitos a depender do meacutetodo de descomissionamento adotado22

Tanto que atento a este

aspecto no mecircs de abril de 2020 o Ministeacuterio Puacuteblico encaminhou Recomendaccedilatildeo ao oacutergatildeo

ambiental estadual (FEAM) e agrave ANM para alertar sobre os impactos socioambientais do

18

Ao todo 61 barragens a montante deveratildeo ser descaracterizadas sendo que 41 delas estatildeo em Minas Gerais

Fonte Agecircncia Nacional de Mineraccedilatildeo ndash ANM Disponiacutevel em httpwwwanmgovbrnoticiasanm-publica-

nova-norma-para-barragens-de-mineracao Acesso em 04 julho 2020 19

A Resoluccedilatildeo Conjunta SEMAD nordm 2784 de marccedilo de 2019 estabeleceu a criaccedilatildeo de um Comitecirc para

estabelecer diretrizes premissas e termo de referecircncia para a descaracterizaccedilatildeo 20

A Lei Federal nordm 1233410 ndash Lei de Poliacutetica Nacional de Seguranccedila de Barragens estabelece que a desativaccedilatildeo

da barragem deve ser objeto de projeto especiacutefico (art 18 sect1ordm) 21

Sobre o fechamento de mina o Decreto nordm 940618 dispotildee que esta fase deve incluir dentre outros aspectos I

- a recuperaccedilatildeo ambiental da aacuterea degradada II - a desmobilizaccedilatildeo das instalaccedilotildees e dos equipamentos que

componham a infraestrutura do empreendimento III - a aptidatildeo e o propoacutesito para o uso futuro da aacuterea e IV - o

monitoramento e o acompanhamento dos sistemas de disposiccedilatildeo de rejeitos e esteacutereis da estabilidade geoteacutecnica

das aacutereas mineradas e das aacutereas de servidatildeo do comportamento do aquiacutefero e da drenagem das aacuteguas (art 5ordm

sect3ordm) No Estado de Minas Gerais o plano de fechamento de mina encontra-se previsto na Deliberaccedilatildeo Normativa

do COPAM nordm 22018 como exigecircncia para os empreendimentos das classes 5 e 6 22

Segundo Miguel Fernandes Felippe professor do Departamento de Geociecircncias da Universidade Federal de

Juiz de Fora dentre os meacutetodos de descomissionamento de barragens o mais simples e barato eacute o aterro a partir

da drenagem da parte liacutequida dos rejeitos com a sobreposiccedilatildeo de terra e posterior reflorestamento Eacute tambeacutem o

que apresenta maior risco em razatildeo da instabilidade fiacutesica e possibilidade de deslizamento pela pressatildeo dos

rejeitos A teacutecnica mais segura ndash e naturalmente mais cara - requer o esvaziamento do reservatoacuterio com a

dragagem dos rejeitos e o transporte para posterior separaccedilatildeo e destinaccedilatildeo especiacutefica e somente apoacutes a

recobertura e estabilizaccedilatildeo do solo de acordo com o uso futuro definido para a aacuterea Fonte

httpswww2ufjfbrnoticias20190131clipping-28-29-30-e-31-de-janeiro Acesso em 04 julho 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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projeto de descaracterizaccedilatildeo e em especiacutefico sobre a necessidade de evacuaccedilatildeo da populaccedilatildeo

como medida para evitar ou mitigar o dano23

Poreacutem a questatildeo mais preocupante a longo prazo e que ateacute agora natildeo tem merecido a devida

atenccedilatildeo refere-se agrave estabilidade quiacutemica da aacuterea Trata-se de assunto desafiador na

comunidade cientiacutefica tendo em vista que as condiccedilotildees geoteacutecnicas da antiga aacuterea de

barragem tendem a sofrer alteraccedilotildees com o tempo e ainda paira a incerteza sobre todos os

fatores capazes de desencadear processos quiacutemicos perigosos que tambeacutem satildeo altamente

variaacuteveis de empreendimento para empreendimento24

A maior preocupaccedilatildeo eacute com a

qualidade da aacutegua em razatildeo do risco de contaminaccedilatildeo por substacircncias toacutexicas e metais

pesados que pode decorrer de transformaccedilotildees perigosas nas substacircncias presentes no solo

como drenagem aacutecida e combustatildeo espontacircnea ou da migraccedilatildeo de poluentes dos resiacuteduos

pelo ar e pela aacutegua

No cenaacuterio mundial a desativaccedilatildeo de barragens de grande porte da mineraccedilatildeo ainda eacute assunto

novo jaacute que se trata de atividade de consideraacutevel vida uacutetil e de teacutecnica que foi desenvolvida

com a industrializaccedilatildeo da produccedilatildeo Satildeo poucas experiecircncias implementadas ateacute agora no

mundo e a literatura teacutecnica eacute escassa Os proacuteprios especialistas alertam para que haacute uma

lacuna de informaccedilotildees sobre as fontes de riscos no poacutes-operaccedilatildeo uma vez que o estado

geoteacutecnico da aacuterea tende a sofrer alteraccedilotildees ao longo do tempo e essas alteraccedilotildees podem ser

provocadas por processos quiacutemicos de diversas origens Assim mesmo com a adoccedilatildeo da

melhor teacutecnica disponiacutevel na atualidade natildeo haacute certeza cientiacutefica sobre o seu grau de

eficiecircncia25

Independentemente do meacutetodo adotado para a descaracterizaccedilatildeo a literatura teacutecnica adverte

que natildeo haacute risco zero uma vez que a antiga aacuterea de barragem representaraacute fonte prolongada

de riscos26

o que exige o cuidado permanente com a aacuterea para a prevenccedilatildeo de danos

ambientais e agrave sauacutede puacuteblica A situaccedilatildeo ganha maior complexidade no contexto em anaacutelise

na medida em que a ampla maioria das barragens que seratildeo descaracterizadas nos proacuteximos

anos natildeo foram construiacutedas com base na principal estrateacutegia para minimizar os riscos do poacutes-

operaccedilatildeo consistente na teacutecnica de design for closure como direccedilatildeo de todo o planejamento

inicial da atividade para as questotildees relacionadas ao fechamento de forma que apresentam

altas potencialidades para experimentar danos e deixar passivos ambientais futuros

Em todo o caso de acordo com os padrotildees internacionais atuais mais estritos o desempenho

esperado na desativaccedilatildeo de barragens de rejeitos da mineraccedilatildeo eacute para prover estabilidade

fiacutesica e quiacutemica do siacutetio em um ciclo de vida de 1000 (mil) anos27

Para o alcance de tal

escopo eacute imprescindiacutevel a existecircncia de regulamentaccedilatildeo estrita e a adoccedilatildeo de um modelo de

23

Acesse as Recomendaccedilotildees em httpswwwmpmgmpbrcomunicacaonoticiasmpmg-expede-

recomendacoes-a-fundacao-estadual-do-meio-ambiente-e-agencia-nacional-de-mineracao-sobre-impactos-de-

descaracterizacao-de-barragenshtm Acesso em 19 julho 2020 24

SCHAFER Haley SLINGERLAND Neeltje MACCIOTTA Renato e BEIER Nicholas Overview of

Current State of Practice for Closure of Tailing Dams 6th

International Oil Sands Tailings Conference

AlbertaCanadaacute (2018) p 238 Disponiacutevel em

httpswwwresearchgatenetpublication329717328_Overview_of_Current_State_of_Practice_for_Closure_of_

Tailings_Dams Acesso em 04 de julho de 2020 25

Ibidem p 53 26

SLINGERLAND Neeltje SCHAFER Haley e EATON Tim Long-term Performance of Tailing Dams in

Alberta Marccedilo de 2018 p 51 Disponiacutevel em wwwgeotechnicalnewscom Acesso em 04 de julho de 2020 27

BJELKEVIK A G Sustainable design and post-closure performance of tailings dams Boletim nordm 153

International Committee on Large Dams - ICOLD Committee on Tailings Dams (2013) p 355 Disponiacutevel em

httpspapersacguwaeduaup1152_37_Bjelkevik Acesso em 04 julho 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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gestatildeo de riscos que seja proacuteprio para o poacutes-operaccedilatildeo28

o que hoje inexiste no sistema

juriacutedico brasileiro

12 A OBRIGATORIEDADE DAS MELHORES TEacuteCNICAS DISPONIacuteVEIS COMO

ALTERNATIVA Agrave DISPOSICcedilAtildeO DE REJEITOS EM BARRAGENS

Aleacutem do banimento do meacutetodo de alteamento a montante a LPESB inovou na

regulamentaccedilatildeo do licenciamento ambiental brasileiro ao prever expressamente a

obrigatoriedade das melhores teacutecnicas disponiacuteveis (MTDs) A partir de entatildeo o EIA e o

respectivo RIMA referentes agrave instalaccedilatildeo de barragens abrangidas pela lei29

devem conter a

comprovaccedilatildeo da inexistecircncia de melhor teacutecnica disponiacutevel e alternativa locacional com menor

potencial de risco ou dano ambiental para a acumulaccedilatildeo ou para a disposiccedilatildeo final ou

temporaacuteria de rejeitos e resiacuteduos de mineraccedilatildeo em barragens (art 8ordm I) Aleacutem disso deveratildeo

ser priorizadas as alternativas de disposiccedilatildeo que minimizem os riscos socioambientais e

promovam o desaguamento dos rejeitos vedando-se a acumulaccedilatildeo ou a disposiccedilatildeo final ou

temporaacuteria de rejeitos em barragens sempre que houver melhor teacutecnica disponiacutevel (art 8ordm

sect2ordm)

Atente-se que a legislaccedilatildeo mineira natildeo prevecirc a obrigatoriedade das MTDs para todo e

qualquer empreendimento de gestatildeo de rejeitos da atividade mineraacuteria direcionando o recurso

a tal instrumento exclusivamente para o licenciamento ambiental de barragens A diretriz a ser

seguida eacute no sentido de evitar a disposiccedilatildeo de rejeitos em barragens de forma que a anaacutelise

teacutecnica direciona-se de forma geneacuterica agrave disponibilidade das metodologias alternativas agrave

barragem mediante raciociacutenio de exclusatildeo

Natildeo corresponde destarte agraves MTDs na sua conformaccedilatildeo originaacuteria de caraacuteter positivo

amplo e irrestrito concebidas por Carla Amado Gomes como o instrumento-chave de gestatildeo

de riscos ambientais foacutermula aberta atraveacutes da qual a Administraccedilatildeo pode conformar ndash e ir

conformando - o dever de proteccedilatildeo do ambiente por parte de sujeitos que desenvolvam

actividades especialmente lesivas da integridade dos bens ambientais agrave luz das mais recentes

inovaccedilotildees teacutecnicas30

De larga utilizaccedilatildeo no sistema juriacutedico norteamericano ndash best available technologies ndash e no

europeu - beste verfuumlgbare Techniken ndash a foacutermula das MTDs tem na sua origem a regulaccedilatildeo

privada oriunda do conceito de ldquoboas praticasrdquo e surgiu da necessidade de estruturaccedilatildeo de um

sistema puacuteblico de gestatildeo de riscos no contexto da formaccedilatildeo da sociedade do risco

tecnoloacutegico Consiste na sua essecircncia em uma claacuteusula teacutecnica uma referecircncia do sistema

28

Neste sentido SCHAFER Haley SLINGERLAND Neeltje MACCIOTTA Renato e BEIER Nicholas

Overview of Current State of Practice for Closure of Tailing Dams 6th

International Oil Sands Tailings

Conference AlbertaCanadaacute (2018) p 239 Disponiacutevel em

httpswwwresearchgatenetpublication329717328_Overview_of_Current_State_of_Practice_for_Closure_of_

Tailings_Dams Acesso em 04 julho 2020 29

A LPESB aplica-se agraves barragens de rejeito da mineraccedilatildeo que apresentem no miacutenimo uma das caracteriacutesticas a

seguir I ndash altura do maciccedilo contada do ponto mais baixo da fundaccedilatildeo agrave crista maior ou igual a 10m (dez

metros) II ndash capacidade total do reservatoacuterio maior ou igual a 1000000msup3 (um milhatildeo de metros cuacutebicos) III ndash

reservatoacuterio com resiacuteduos perigosos IV ndash potencial de dano ambiental meacutedio ou alto conforme regulamento

(art 1ordm paraacutegrafo uacutenico) 30

AMADO GOMES Carla Risco e modificaccedilatildeo do acto autorizativo concretizador de deveres de proteccedilatildeo do

ambiente Dissertaccedilatildeo de doutoramento em Ciecircncias Juriacutedico-Poliacuteticas Faculdade de Direito da Universidade de

Lisboa (2007) p 129 Disponiacutevel em

httpswwwicjpptsitesdefaultfilespublicacoesfilesRiscoampmodificaccedilatildeopdf Acesso em 04 julho 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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juriacutedico ao estado atual da teacutecnica em determinada aacuterea estatuiacuteda necessariamente por uma

foacutermula aberta diante da dinacircmica do desenvolvimento tecnoloacutegico a fim de permitir uma

permanente adaptaccedilatildeo do Direito agrave evoluccedilatildeo da teacutecnica

A sua adoccedilatildeo pelo legislador o que ordinariamente se daacute no acircmbito da regulaccedilatildeo das

autorizaccedilotildees ambientais implica na escolha de um grau de sustentabilidade forte poreacutem natildeo

haacute consenso sobre o grau de vinculaccedilatildeo agrave melhor teacutecnica uma vez que em razatildeo da junccedilatildeo do

adjetivo ldquodisponiveisrdquo compreende-se que tal qualificativo introduz um novo fator de

ponderaccedilatildeo a saber o da suportabilidade econocircmica da utilizaccedilatildeo da melhor tecnologia pelo

operador

Se a consideraccedilatildeo de uma certa racionalidade econocircmica na avaliaccedilatildeo da melhor teacutecnica natildeo

encontra maiores objeccedilotildees na doutrina dos paiacuteses de tradiccedilatildeo das MTDs eacute no espaccedilo de

ponderaccedilatildeo administrativa que reside a maior divergecircncia com predomiacutenio da concepccedilatildeo que

toma o qualificativo da disponibilidade como um fator de racionalidade necessariamente

objetivo refutando-se a multiplicaccedilatildeo de desvios economicistas e a excessiva flexibilizaccedilatildeo

da claacuteusula teacutecnica em nome de objetivos econocircmicos resultantes da consideraccedilatildeo das

conveniecircncias de cada agente econocircmico concreto31

No Brasil natildeo obstante a obrigatoriedade das MTDs natildeo encontre previsatildeo expressa no

sistema juriacutedico-base do licenciamento ambiental32

de acircmbito federal e estadual haacute quem

defenda a sua adoccedilatildeo a partir de uma leitura constitucional ancorada no princiacutepio do niacutevel

elevado de proteccedilatildeo segundo o qual impotildee-se ao Estado natildeo apenas a vedaccedilatildeo de retrocesso

mas a obrigaccedilatildeo de aprimorar as condiccedilotildees normativas e faacuteticas em prol da qualidade

ambiental e com isso assegurar um contexto cada vez mais favoraacutevel ao desfrute de uma

vida digna e saudaacutevel pelo indiviacuteduo e pela coletividade como um todo33

De acordo com o referido entendimento a imposiccedilatildeo constitucional de salvaguarda do meio

ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras geraccedilotildees (art 225 caput) e

o dever concreto estatuiacutedo ao Poder Puacuteblico no sentido do controle do emprego de meacutetodos e

teacutecnicas que comportem risco para a vida para a qualidade de vida e para o meio ambiente

(art 225 sect1ordm V) dentre outras previsotildees complementares fundamentam a adoccedilatildeo do

princiacutepio do niacutevel elevado de proteccedilatildeo em mateacuteria ambiental que por sua vez conforma a

atuaccedilatildeo do Estado no sentido de exigir que quando houver dois ou mais niacuteveis de proteccedilatildeo

adotaacuteveis deve-se optar por aquele que melhor atenda ao interesse ambiental

Como maior referecircncia na doutrina brasileira sobre a temaacutetica Luciano Loubet acrescenta que

a obrigatoriedade das MTDs no sistema brasileiro deriva da previsatildeo constitucional relativa

ao Estudo de Impacto Ambiental ndash EIA no sentido de que a exigecircncia de avaliaccedilatildeo preacutevia da

atividade por meio do EIARIMA seria inoacutecua se natildeo tivesse por efeito a conformaccedilatildeo da

escolha das teacutecnicas disponiacuteveis por parte do empreendedor Neste sentido o fundamento da

31

Ibidem pp 305308 32

Apesar de natildeo estar prevista expressamente na regulaccedilatildeo de base do licenciamento ambiental a foacutermula das

MTDs encontra referecircncia expressa em outras legislaccedilotildees valendo-se destacar semelhante previsatildeo na Lei nordm

1230510 ndash Poliacutetica Nacional de Resiacuteduos Soacutelidos quando ao apresentar o conceito de rejeitos faz referecircncia a

ldquoprocessos tecnologicos disponiveis e economicamente viaveisrdquo (art 3ordm XV) e de forma mais precisa incorpora

no conceito de residuo solido a obrigatoriedade da consideraccedilatildeo a ldquomelhor tecnologia disponivelrdquo (art 3ordm XVI) 33

SARLET Ingo FENSTERSEIFER Tiago Notas sobre a proibiccedilatildeo de retrocesso em mateacuteria

(socio)ambiental In SENADO FEDERAL (ed) Princiacutepio da proibiccedilatildeo de retrocesso ambiental Brasiacutelia

Senado Federal [sd] Disponiacutevel em

httpwwwmpmampbrarquivosCAUMAProibicao20de20Retrocessopdf Acesso em 04 julho 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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proacutepria existecircncia do EIA seria a identificaccedilatildeo dos referenciais teoacuterico-cientiacuteficos aplicaacuteveis agrave

atividade pretendida a fim de conduzir agrave eleiccedilatildeo da melhor teacutecnica disponiacutevel34

Na jurisprudecircncia a obrigatoriedade das MTDs jaacute foi reconhecida pelo Superior Tribunal de

Justiccedila no ceacutelebre julgado que decidiu pela proibiccedilatildeo da queima da palha da cana-de-accediluacutecar

prescrevendo a adoccedilatildeo da foacutermula como uma exigecircncia concreta na medida em que teve

como fundamento principal o reconhecimento da existecircncia de tecnologias modernas mais

sustentaacuteveis e economicamente viaacuteveis35

Foi com base neste entendimento que o Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Minas Gerais como

parte da atuaccedilatildeo da forccedila-tarefa montada para coordenar e executar as accedilotildees de resposta ao

desastre da Samarco Mineraccedilatildeo SA ingressou na data de 04 de novembro de 2016 com

accedilatildeo civil puacuteblica contra o Estado de Minas Gerais buscando a obtenccedilatildeo em caraacuteter liminar

de provimento jurisdicional que impedisse o ente puacuteblico de conceder novas licenccedilas

ambientais para a instalaccedilatildeo de barragem a montante e em caraacuteter definitivo dentre outras

medidas a obrigatoriedade do recurso agraves MTDs no acircmbito do licenciamento ambiental de

instalaccedilotildees de gestatildeo de rejeitos da mineraccedilatildeo

A demanda judicial proposta foi aleacutem da previsatildeo legislativa estadual posteriormente editada

na medida em que busca natildeo apenas evitar a adoccedilatildeo da teacutecnica de disposiccedilatildeo de rejeitos por

barragem mas postula que o ente licenciador decirc prioridade a determinadas tecnologias

especiacuteficas nomeadamente agraves tecnologias com desaguamento o empilhamento drenado a

disposiccedilatildeo de rejeitos finos com secagem a disposiccedilatildeo de rejeitos em forma de pasta (paste

tailings) e agraves tecnologias envolvendo a reduccedilatildeo reutilizaccedilatildeo e reciclagem dos rejeitos

Apesar de ter sido proposta nos idos de 2016 incriacutevel e lamentavelmente a liminar soacute veio a

ser apreciada e concedida apoacutes quase 02 (dois) anos e 03 (trecircs) meses depois precisamente no

dia 28 de janeiro de 2019 ou seja apoacutes a trageacutedia que se sucedeu em Brumadinho Alguns

meses depois sobreveio sentenccedila de total procedecircncia dos pedidos com a fixaccedilatildeo de multa

cominatoacuteria no valor de R$10000000 (cem mil reais) por descumprimento Atualmente o

processo ainda aguarda o julgamento em grau de recurso36

13 O PRINCIacutePIO DA ADAPTABILIDADE E A INSTABILIDADE DA LICENCcedilA

AMBIENTAL

Como fator de destaque da instabilidade e do dinamismo da licenccedila ambiental de barragens a

PESB incluiu como exigecircncia para a obtenccedilatildeo da Licenccedila Preacutevia a apresentaccedilatildeo de proposta

de estudos e accedilotildees acompanhada de cronograma para o desenvolvimento progressivo de

tecnologias alternativas com a finalidade de substituiccedilatildeo da disposiccedilatildeo de rejeitos ou resiacuteduos

de mineraccedilatildeo em barragens (art 7ordm I ldquodrdquo)

Esse dever imposto ao operador no sentido da obrigatoacuteria programaccedilatildeo inicial voltada agrave

progressiva migraccedilatildeo para tecnologia de gestatildeo de rejeitos alternativa agrave barragem deve ser

analisado em conjunto com a exigecircncia das melhores teacutecnicas disponiacuteveis de forma que

independentemente do projeto e do cronograma apresentados pelo operador quando do

requerimento da LP o oacutergatildeo ambiental poderaacute (rectius deveraacute) posteriormente com a

34

LOUBET Luciano Licenciamento ambiental a obrigatoriedade da adoccedilatildeo das Melhores Teacutecnicas

Disponiacuteveis (MTD) Belo Horizonte Del Rey (2015) p 308 35

STJ REsp 1094873SP rel Min Humberto Martins DJE 04-08-2009 36

Autos nordm 5162864-2920168130024 3ordf Vara da Fazenda Puacuteblica e Autarquias de Belo Horizonte (PJE)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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efetiva evoluccedilatildeo tecnoloacutegica e a disponibilidade das teacutecnicas alternativas alterar os termos da

licenccedila para o fim de sua adequaccedilatildeo ao estado da teacutecnica

Recorde-se que a Resoluccedilatildeo CONAMA nordm 23797 expressamente permite a modificaccedilatildeo a

qualquer tempo das condicionantes e das medidas de controle e adequaccedilatildeo da licenccedila

ambiental desde que mediante decisatildeo motivada Autoriza ainda a sua suspensatildeo ou

cancelamento quando dentre outros motivos ocorrer a superveniecircncia de graves riscos

ambientais e de sauacutede (art 19) Prevista portanto a instabilidade da licenccedila ambiental natildeo haacute

espaccedilo para a sustentaccedilatildeo de direito adquirido neste acircmbito

Esse aspecto de vinculaccedilatildeo da licenccedila ao estado da teacutecnica eacute da essecircncia do conceito das

melhores teacutecnicas disponiacuteveis uma vez que natildeo faria sentido exigir o emprego da melhor

teacutecnica disponiacutevel quando da instalaccedilatildeo da barragem e permitir que a tecnologia se tornasse

obsoleta ao longo do tempo Aliaacutes como bem alertado por Luciano Loubet uma das

principais consequecircncias juriacutedicas decorrentes da adoccedilatildeo da foacutermula das MTDs como fator

de limitaccedilatildeo da discricionariedade administrativa consiste justamente no dever imposto agrave

Administraccedilatildeo Puacuteblica no sentido da adaptaccedilatildeo constante da atividade ao progresso da teacutecnica

e da ciecircncia com possibilidade natildeo apenas de revisatildeo mas da proacutepria revogaccedilatildeo da licenccedila

ambiental37

Trata-se ainda de instrumento de densificaccedilatildeo do princiacutepio da adaptabilidade - princiacutepio

especiacutefico da gestatildeo do risco na doutrina de Carla Amado Gomes - que confere contiacutenuo

dinamismo agrave licenccedila ambiental diante das circunstacircncias de incerteza que rodeiam a decisatildeo e

a contiacutenua evoluccedilatildeo do conhecimento cientiacutefico Aleacutem da instabilidade gerada ao

empreendedor impotildee agrave Administraccedilatildeo a obrigaccedilatildeo de supervisatildeo a fim de verificar

periodicamente a compatibilidade entre os moldes em que a atividade eacute exercida e os avanccedilos

tecnoloacutegicos38

Por fim vale citar outra evoluccedilatildeo de notaacutevel relevacircncia trazida pela LPESB no acircmbito do

licenciamento ambiental referente agrave obrigatoriedade do licenciamento trifaacutesico e a previsatildeo

especiacutefica do conteuacutedo exigido para cada licenccedila (LP + LI + LO) com a vedaccedilatildeo da emissatildeo

de licenccedilas concomitantes provisoacuterias corretivas e ad referendum (art 7ordm caput)

A previsatildeo tem por objetivo exigir uma anaacutelise mais cuidadosa da atividade pelo oacutergatildeo

ambiental de forma que a concessatildeo das trecircs licenccedilas ocorra em momentos distintos

exigindo-se a efetiva comprovaccedilatildeo do cumprimento das condicionantes da licenccedila anterior

para a concessatildeo da proacutexima o que natildeo ocorreu por exemplo no licenciamento ambiental

das barragens da Mina Coacuterrego do Feijatildeo no qual foram concedidas licenccedilas concomitantes

seguindo a normativa do oacutergatildeo ambiental estadual vigente agrave eacutepoca

2 A POLIacuteTICA DE AFASTAMENTO E A DELIMITACcedilAtildeO TERRITORIAL DO

RISCO

37

LOUBET Luciano Licenciamento ambiental a obrigatoriedade da adoccedilatildeo das Melhores Teacutecnicas

Disponiacuteveis (MTD) Belo Horizonte Del Rey (2015) p 309 38

AMADO GOMES Carla Subsiacutedios para um quadro principioloacutegico dos procedimentos de avaliaccedilatildeo e gestatildeo

do risco ambiental In Revista de Estudos Constitucionais Hermenecircutica e Teoria do Direito ndash RECHTD vol

3 nordm 2 (2011) p 148 Disponiacutevel em httprevistasunisinosbrindexphpRECHTDarticleview1399 Acesso

em 04 julho 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

16

21 ZONAS DE AUTOSSALVAMENTO ENTRE A REMOCcedilAtildeO DO RISCO E O

REASSENTAMENTO DA POPULACcedilAtildeO

O grande nuacutemero de mortes provocadas pela trageacutedia da Vale SA em Brumadinho deixou

como liccedilatildeo a necessidade de criaccedilatildeo de uma poliacutetica de afastamento para minorar as

consequecircncias decorrentes de rompimento de barragens de mineraccedilatildeo

Para tanto a LPESB estabeleceu a proibiccedilatildeo de construccedilatildeo instalaccedilatildeo ampliaccedilatildeo ou

alteamento de barragem quando houver comunidade na Zona de Autossalvamento - ZA

compreendida esta como a porccedilatildeo do vale a jusante da barragem em que natildeo haja tempo

suficiente para uma intervenccedilatildeo da autoridade competente em situaccedilatildeo de emergecircncia

utilizando-se de modo alternativo referencial territorial (dez quilocircmetros) ou temporal (trinta

minutos) de acordo com o que se revelar mais protetivo no caso concreto (art 12)

Apesar da anterior inexistecircncia de disposiccedilatildeo expressa na lei a presenccedila de comunidades na

ZA deveria ser analisada no acircmbito do licenciamento ambiental como elemento fulcral de

anaacutelise dos riscos E ainda a partir da adoccedilatildeo do entendimento que compreende a

obrigatoriedade das MTDs como regra no licenciamento ambiental brasileiro deveria servir

de fundamento para a natildeo concessatildeo da licenccedila quando constatada por exemplo a

impossibilidade de mitigaccedilatildeo do risco por medidas teacutecnicas apoacutes a anaacutelise de todas as

alternativas teacutecnicas e locacionais agrave disposiccedilatildeo de rejeitos

A novel vedaccedilatildeo legal foi dotada de efeitos pro futuro na medida em que diferentemente da

questatildeo do meacutetodo a montante natildeo houve a determinaccedilatildeo de descaracterizaccedilatildeo das barragens

em operaccedilatildeo aplicando-se a estas a declaraccedilatildeo como Aacuterea de Vulnerabilidade Ambiental (art

28)39

lembrando-se contudo que a realizaccedilatildeo de novos alteamentos por depender de

licenciamento ambiental fica abrangida na proibiccedilatildeo

Exatamente com esse fundamento o Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Minas Gerais ingressou

em fevereiro de 2020 com Accedilatildeo Civil Puacuteblica em face do Estado de Minas Gerais e da Anglo

American Minas Rio Mineraccedilatildeo SA objetivando a declaraccedilatildeo de nulidade do ato

administrativo de concessatildeo de licenccedila ambiental para alteamento da barragem do

empreendimento Minas-Rio

O ponto de maior destaque da referida accedilatildeo foi a busca inclusive em tutela de urgecircncia da

garantia do reassentamento coletivo das comunidades a jusante da barragem com base no

reconhecimento do direito agrave remoccedilatildeo ndash frise-se coletiva - agraves comunidades localizadas na ZA

garantindo-se os modos comunitaacuterios de vida e de uso da terra A liminar ainda aguarda

apreciaccedilatildeo judicial40

O reassentamento da populaccedilatildeo embora natildeo previsto expressamente na LPESB41

eacute

reconhecidamente um mecanismo anocircmalo de gestatildeo de riscos ambientais aplicaacutevel tanto

39

Nos termos da Lei Estadual nordm 2000912 a declaraccedilatildeo como Aacuterea de Vulnerabilidade Ambiental refere-se

aos locais onde haja possibilidade de ocorrecircncia de acidentes que resultem em dano ambiental capaz de

comprometer uma populaccedilatildeo ou um ecossistema onde deveraacute se aplicar uma poliacutetica especial de prevenccedilatildeo de

acidentes 40

Autos nordm 5000129-4220208130175 Vara Uacutenica da Comarca de Conceiccedilatildeo do Mato Dentro (PJE) 41

No PL nordm 55019 (Substitutivo da Cacircmara dos Deputados) que visa alterar a Lei nordm 1233410 ndash Lei de Poliacutetica

Nacional de Seguranccedila de Barragens o reassentamento da populaccedilatildeo foi previsto como uma das alternativas

para as barragens existentes com comunidades nas ZAS ao lado da descaracterizaccedilatildeo da barragem e do reforccedilo

da estrutura (art 18-A sect1ordm) O PL foi aprovado pelo Senado Federal no uacuteltimo dia 02092020 e aguarda a

sanccedilatildeo presidencial Fonte httpswww12senadolegbrnoticiasmaterias20200902senado-envia-nova-

politica-nacional-de-seguranca-de-barragens-para-sancao Acesso em 05 set 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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agravequeles de origem natural como tecnoloacutegica42

Em relaccedilatildeo aos uacuteltimos a legislaccedilatildeo de outros

paiacuteses apresenta previsotildees especiacuteficas a exemplo do Decreto nordm 312012 de Moccedilambique

que estabeleceu a obrigatoriedade de apresentaccedilatildeo do plano de reassentamento da populaccedilatildeo

como parte da avaliaccedilatildeo de impacto ambiental prefigurando-se como medida de

compensaccedilatildeo ex ante dos impactos socioambientais a fim de combater injusticcedilas ambientais

em conformidade com as conhecidas Siacutendromes NIMBY e NIABY43

A anaacutelise deste aspecto socioambiental natildeo prescinde da compreensatildeo da forte relaccedilatildeo

existente entre risco e vulnerabilidade a partir da constataccedilatildeo de que como regra os

indiviacuteduos mais afetados por riscos ambientais fazem parte das camadas mais vulneraacuteveis da

sociedade e satildeo incapazes de se defenderem por si soacute especialmente em face de grandes

empresas como as mineradoras Samarco Mineraccedilatildeo SA e Vale SA Esse fator deve

conformar natildeo apenas o grau e a forma de prevenccedilatildeo do risco44

mas igualmente a forma de

comunicaccedilatildeo o direito a saber e a estrateacutegia para a formaccedilatildeo de culturas de autoproteccedilatildeo sem

descurar do reconhecimento da participaccedilatildeo das comunidades como standard internacional da

poliacutetica ambiental aplicada ao setor mineraacuterio45

Com base neste vieacutes deve-se considerar ainda que apesar do reconhecimento da eficaacutecia do

reassentamento da populaccedilatildeo para prevenccedilatildeo de desastres industriais a sua utilizaccedilatildeo requer

cautela jaacute que provoca outros problemas sociais relevantes decorrentes da desterritorialidade

e da perda de valores identitaacuterios da coletividade o que fica evidente a partir da anaacutelise das

populaccedilotildees afetadas pelas trageacutedias da Samarco Mineraccedilatildeo SA e da Vale SA46

Por isso a

sua utilizaccedilatildeo exige um processo transparente de consulta e participaccedilatildeo e somente deve-se

dar de forma excepcional quando a remoccedilatildeo do risco em prejuiacutezo da atividade econocircmica

revelar-se inviaacutevel do ponto de vista teacutecnico

A ANM tambeacutem incorporou a poliacutetica de afastamento com vieacutes de seguranccedila do trabalho ao

estabelecer a proibiccedilatildeo de instalaccedilotildees destinadas a atividades administrativas de vivecircncia de

sauacutede e de recreaccedilatildeo nas Zonas de Autossalvamento ndash ZAS (Resoluccedilatildeo nordm 132020 art 3ordm

I)47

42

A Lei nordm 1260812 que trata da Poliacutetica Nacional de Proteccedilatildeo e Defesa Civil ndash PNPDC estabeleceu como um

de seus objetivos combater a ocupaccedilatildeo de aacutereas ambientalmente vulneraacuteveis e de risco e promover a realocaccedilatildeo

da populaccedilatildeo residente nestas aacutereas a partir do instrumento do mapeamento das aacutereas Contudo a referida

legislaccedilatildeo eacute destinada precipuamente agrave prevenccedilatildeo de desastres naturais como deslizamentos e inundaccedilotildees o que

se verifica por exemplo da promovida alteraccedilatildeo da Lei nordm 1025701 com o acreacutescimo do art 42-A 43

Ao discorrer sobre a equidade intrageracional e os problemas de justiccedila ambiental em relaccedilatildeo agrave siacutendrome de

NIMBY Carla Amado Gomes defende a criaccedilatildeo de mecanismos de compensaccedilatildeo ambiental como

contrapartida para a coletividade que tem sua qualidade de vida diminuiacuteda por um empreendimento industrial e

sugere a negociaccedilatildeo da compensaccedilatildeo ambiental entre o operador e o Poder Puacuteblico atraveacutes de serviccedilos sociais

Quando realizada de forma ex ante essa compensaccedilatildeo encontraraacute fundamento no princiacutepio do poluidor pagador

como corolaacuterio do princiacutepio da equidade intrageracional e numa loacutegica de reparticcedilatildeo de encargos puacuteblicos

Introduccedilatildeo ao Direito do Ambiente 4ordf ediccedilatildeo Editora AAFDL Lisboa (2018) pp 246-247 Sobre justiccedila

ambiental ver tambeacutem da mesma autora Justica Ambiental Justica Espacial e deveres de proteccao do Estado

in Diaacutelogo Ambiental Constitucional e Internacional Vol V (2017) pp 33 segs mdash disponiacutevel aqui

httpswwwicjpptsitesdefaultfilespublicacoesfilesebook_dialogoambiental_5_3-18pdf Acesso em 14 de

agosto de 2020 44

Neste sentido ARAGAtildeO Alexandra Prevenccedilatildeo de Riscos na Uniatildeo Europeia o dever de tomar em

consideraccedilatildeo a vulnerabilidade social para uma proteccedilatildeo civil eficaz e justa In Revista Criacutetica de Ciecircncias

Sociais Nordm 93 (2011) pp 71-93 45

Neste sentido UNEP Environmental Guidelines for Mining Operations (1997) p 2223 46

Sobre o tema veja STEIGLEDER Annelise M Desterritorializaccedilatildeo e danos existenciais uma reflexatildeo a

partir do desastre ambiental da Samarco In Revista de Direito Ambiental Vol 24 nordm 96 (2019) pp 47-80 47

O conceito de ZAS da ANM encontra-se estabelecido na Portaria DNPM nordm 703892017 (art 2ordm XLI)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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A garantia do afastamento preventivo entre a populaccedilatildeo e as fontes de riscos eacute uma tocircnica do

direito dos desastres aplicaacutevel tanto na gestatildeo de riscos tecnoloacutegicos como na prevenccedilatildeo de

cataacutestrofes naturais quando referentes a riscos com incidecircncias territoriais ou seja aqueles

que embora natildeo delimitaacuteveis no tempo possam ser delimitados quanto ao local Eacute o caso por

exemplo das zonas vizinhas de uma induacutestria quiacutemica relativamente a acidentes industriais

das zonas ribeirinhas inundaacuteveis em relaccedilatildeo a cheias e das imediaccedilotildees de um vulcatildeo

relativamente a erupccedilotildees vulcacircnicas

O instrumento-chave para a gestatildeo desta modalidade de risco eacute o ordenamento do territoacuterio

que funciona para garantir afastamentos entre as fontes de riscos e os bens juriacutedicos

fundamentais como vida e sauacutede humana e os valores ecoloacutegicos elevados

Alexandra Aragatildeo apresenta trecircs princiacutepios que devem nortear a distribuiccedilatildeo das atividades

em um territoacuterio por ela categorizados como princiacutepios ecoloacutegicos do ordenamento territorial

de cunho ambiental e social Em primeiro lugar princiacutepio do afastamento preventivo

preocupa-se com as aacutereas sensiacuteveis e com a localizaccedilatildeo de bens juriacutedicos relevantes em

aspecto similar ao escopo das ZAS Jaacute o princiacutepio da proximidade sineacutergica estabelece a

relaccedilatildeo entre as atividades com o intuito de estabelecer uma ldquorelaccedilatildeo associativa simbioticardquo

entre elas evitando-se o chamado ldquoefeito dominordquo aspecto que sera abordado adiante Por

uacuteltimo o princiacutepio da justiccedila territorial considera justamente a presenccedila de desigualdades na

distribuiccedilatildeo espacial dos riscos a fim de coibir injusticcedilas ambientais e situaccedilotildees agudas de

discriminaccedilatildeo geograacutefica48

No sistema juriacutedico brasileiro como se sabe o planejamento territorial urbano eacute de

competecircncia dos Municiacutepios (cf art 30 VIII da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica) que podem se

valer de instrumentos como o zoneamento industrial e o zoneamento ecoloacutegico-econocircmico

(ZEE)49

para a gestatildeo de riscos ambientais Contudo independentemente da natureza da aacuterea

(urbana x rural) natildeo haacute oacutebice agrave previsatildeo de distacircncias de seguranccedila na legislaccedilatildeo federal e

estadual diante da competecircncia concorrente para legislar em mateacuteria ambiental (cf art 24 VI

e VIII da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica)

Justamente para evitar celeumas decorrentes de conflitos entre normas de diferentes niacuteveis o

que eacute da tocircnica do direito ambiental brasileiro em razatildeo da multiplicidade de fontes

normativas a LPESB trouxe a previsatildeo expressa do princiacutepio da prevalecircncia da norma

ambiental mais protetiva incluindo tambeacutem a prevalecircncia da norma mais protetiva agraves

comunidades potencialmente afetadas pelos empreendimentos (art 2ordm I) do que se extrai por

oacutebvio a inclusatildeo da poliacutetica de afastamento

O princiacutepio da prevalecircncia da norma ambiental mais protetiva eacute corolaacuterio do princiacutepio

constitucional da precauccedilatildeo e relaciona-se com o princiacutepio hermenecircutico in dubio pro natura

densificado a niacutevel infraconstitucional no art 2ordm caput da Lei nordm 693881 que instituiu a

Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente ao prever o objetivo de melhoria progressiva da

qualidade ambiental

A interpretaccedilatildeo em conjunto da regra de competecircncia legislativa concorrente com o art 225

caput da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica considerando a indefiniccedilatildeo do que seja norma especial

sustenta a adoccedilatildeo da diretriz exegeacutetica de prevalecircncia da norma ambiental mais protetiva para

a soluccedilatildeo de eventuais conflitos quando a noccedilatildeo de norma geral e especial natildeo for suficiente

em atenccedilatildeo ao princiacutepio in dubio pro natura Ainda compreende-se que as normas

48

ARAGAtildeO Alexandra Uma Europa Inspiradora Sustentabilidade e Justiccedila Territorial Atraveacutes dos Sistemas

de Informaccedilatildeo Geograacutefica In Boletim de Ciecircncias Econoacutemicas Tomo I Coimbra (2014) pp 504518 49

Conforme previsatildeo no art 9ordm II da Lei nordm 693881 ndash Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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suplementares editadas nos acircmbitos estadual e municipal natildeo podem ser menos protetivas do

que as normas gerais editadas pela Uniatildeo de forma que estas configuram-se como piso

miacutenimo de tutela ao ambiente

Neste sentido independentemente da previsatildeo expliacutecita na legislaccedilatildeo infraconstitucional o

princiacutepio da prevalecircncia da norma ambiental mais protetiva deve ser retirado da proacutepria

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica no sentido de se aplicar a todo o ordenamento ambiental50

Vale

transcrever a precisa liccedilatildeo de Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer51

Tomando por base os argumentos lanccedilados ateacute aqui o estado e o municiacutepio devem

respeitar o padratildeo normativo estabelecido na norma geral e tomar tal standard de

proteccedilatildeo ambiental como piso legal protetivo miacutenimo de tal modo que mdash a

prevalecer esse argumento mdash apenas estaria autorizado a atuar para aleacutem de tal

referencial normativo e natildeo para aqueacutem Ao legislar de forma ldquomenos protetivardquo em

relaccedilatildeo ao padratildeo estabelecido pela norma geral editada pela Uniatildeo o legislador

estadual ou municipal subverte a sua competecircncia legislativa suplementar e incorre

em praacutetica inconstitucional A aplicaccedilatildeo do princiacutepio (e postulado hermenecircutico) da

prevalecircncia da norma mais beneacutefica a tutela ecologica (e tambeacutem do principio ldquoin

dubio pro naturardquo) na hipotese de conflito normativo existente entre a norma geral

federal e a legislaccedilatildeo estadual ou municipal reforccedila a tese de que no acircmbito do dever

de proteccedilatildeo ambiental do Estado no exerciacutecio da sua competecircncia legislativa

ambiental impotildeem-se tanto o dever de progressiva melhoria da qualidade ambiental

e de sua respectiva proteccedilatildeo quanto as correlatas noccedilotildees de proibiccedilatildeo de retrocesso

e insuficiecircncia de proteccedilatildeo

De todo modo a previsatildeo expressa na LPESB tem o meacuterito de afastar qualquer celeuma

interpretativa por parte dos operadores da norma exigindo no acircmbito da poliacutetica de

seguranccedila de barragem a escolha daquela que proporcione maior tutela ao meio ambiente e agraves

comunidades proacuteximas de forma que havendo duas ou mais disposiccedilotildees relativas agrave poliacutetica

de afastamento deveraacute ser aplicada a norma mais protetiva

A LPESB inovou o sistema brasileiro de gestatildeo de riscos de desastres tecnoloacutegicos ao

estabelecer de modo preciso as distacircncias de seguranccedila restringindo a atuaccedilatildeo do ente

puacuteblico no acircmbito do licenciamento ambiental Diferentemente de outros paiacuteses no Brasil

natildeo haacute uma legislaccedilatildeo especiacutefica sobre prevenccedilatildeo de acidentes industriais graves52

e no

acircmbito das disposiccedilotildees setoriais existentes ateacute entatildeo a poliacutetica de afastamento constituiacutea

quando muito uma mera diretriz53

No Decreto Federal nordm 50982014 que criou o Plano

Nacional de Prevenccedilatildeo Preparaccedilatildeo e Resposta Raacutepida a Emergecircncias Ambientais com

Produtos Quiacutemicos Perigosos - P2R2 por exemplo sequer haacute a previsatildeo do distanciamento

como um dos instrumentos de prevenccedilatildeo limitando-se a estabelecer o mapeamento das aacutereas

de risco54

50

Neste sentido na jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal cite-se a ADIN nordm 6218RS 51

SARLET Ingo e FENSTERSEIFER Tiago STF e a soluccedilatildeo de conflitos de competecircncias legislativas em

mateacuteria ambiental Disponiacutevel em httpswwwconjurcombr2020-jan-17direitos-fundamentais-stf-

conflitoscompetencia-legislar-materia-ambiental Acesso em 04 de julho de 2020 52

Sobre o regime Seveso ver TAVARES LANCEIRO Rui Acidentes industriais e outros regimes

internacionais de prevenccedilatildeo preparaccedilatildeo e resposta in Direito(s) dos Riscos Tecnoloacutegicos coord de Carla

Amado Gomes Lisboa (2014) pp 365 segs 53

Vide por ex o art 5ordm IV da Lei nordm 1260812 que instituiu a Poliacutetica Nacional de Proteccedilatildeo e Defesa Civil 54

A criaccedilatildeo do P2R2 tambeacutem foi decorrente de evento de rompimento de barragem de rejeitos fato que ocorreu

em 29 de marccedilo de 2003 em CataguazesMG O evento gerou a contaminaccedilatildeo por substacircncias quiacutemicas dos rios

Pomba e Paraiacuteba do Sul com a suspensatildeo temporaacuteria do fornecimento de aacutegua para diversas cidades dos estados

de Minas Gerais e do Rio de Janeiro Fonte

httpswwwmmagovbrestruturassqa_p2r2_1_arquivoslivro_2007_106pdf Acesso em 11 julho 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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22 ESTUDOS DE DAM BREAK A MANCHA DE INUNDACcedilAtildeO

Aleacutem da ZA a LPESB previu outro instrumento de delimitaccedilatildeo territorial no acircmbito do

licenciamento ambiental de barragens desta vez de aplicaccedilatildeo concreta a mancha de

inundaccedilatildeo Trata-se de instrumento ligado agraves accedilotildees de emergecircncia impostas ao operador no

caso de eclosatildeo de evento de colapso da estrutura a partir da identificaccedilatildeo preacutevia da aacuterea

suscetivel de ser afetada pelo derramamento de rejeitos (cf art 7ordm I ldquofrdquo e III ldquoardquo)

Diferentemente da ZA a mancha de inundaccedilatildeo natildeo incorpora uma determinaccedilatildeo de

afastamento Consiste na verdade em uma delimitaccedilatildeo da aacuterea abrangida pelas accedilotildees que

integraratildeo o Plano de Accedilatildeo de Emergecircncia ndash PAE direcionadas agrave minimizaccedilatildeo de danos a

exemplo da instalaccedilatildeo de sistemas sonoros de alerta agrave populaccedilatildeo55

Na loacutegica da normativa

precedente da ANM (Portaria DNPM nordm 7038917 art 2ordm XLI e XLII) essas accedilotildees satildeo

diversas conforme se trate de ZAS ou de Zona de Seguranccedila Secundaacuteria - ZSS

Note-se que o conteuacutedo do Plano de Accedilatildeo de Emergecircncia - PAE natildeo se limita agrave proteccedilatildeo da

vida humana devendo abarcar as medidas de resgate de animais mitigar impactos ambientais

salvaguardar o patrimocircnio cultural e assegurar o abastecimento de aacutegua potaacutevel agraves

comunidades atingidas (art 9ordm sect1ordm)

Esse caraacuteter ampliado conferido ao PAE tambeacutem eacute corolaacuterio direto do contexto faacutetico das

duas uacuteltimas trageacutedias No caso da Vale SA por exemplo o resgate e o cuidado com os

animais atingidos pelos rejeitos derramados soacute foram garantidos apoacutes a intervenccedilatildeo do

Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Minas Gerais por meio da expediccedilatildeo inicial de

Recomendaccedilatildeo e posterior celebraccedilatildeo de Termo de Compromisso Preliminar pelo qual a

mineradora se obrigou a adotar medidas emergenciais para a proteccedilatildeo da fauna domeacutestica e

silvestre atingidas pelo rompimento em Brumadinho56

Em relaccedilatildeo ao abastecimento de aacutegua potaacutevel o Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas

Gerais firmou tese em sede de IRDR no sentido do reconhecimento do dano moral em razatildeo

de suspensatildeo do fornecimento de aacutegua por vaacuterios dias eou pelo fornecimento de aacutegua

contaminada agrave populaccedilatildeo nas localidades que captam aacutegua do Rio Doce e foram afetadas

pelo rompimento da Barragem do Fundatildeo em Mariana fixando o valor miacutenimo de R$

200000 (dois mil reais) por pessoa57

55

Na normativa da ANM muitas vezes o proacuteprio conceito de ZA eacute utilizado como referencial para a descriccedilatildeo

das medidas do Plano de Accedilatildeo de Emergecircncia a exemplo do art 34 IV (simulados de emergecircncia) XIV

(estrateacutegias de alerta comunicaccedilatildeo e orientaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo) e XXIII (sistemas de alarme) da Portaria DNPM nordm

7038917 56

Fonte httpswwwmpmgmpbrcomunicacaonoticiasbalanco-de-seis-meses-de-atuacao-do-mpmg-no-caso-

brumadinhohtm Acesso em 11 de julho de 2020 Veja ainda o PL nordm 29502019 jaacute aprovado no Senado

Federal que trata das medidas destinadas agrave proteccedilatildeo dos animais em situaccedilatildeo de desastre estabelecendo dentre

outros deveres do operador o treinamento de pessoas para busca e salvamento de animais a previsatildeo de accedilotildees

para o salvamento de animais no acircmbito do plano de accedilatildeo de emergecircncia e a restriccedilatildeo de acesso de animais a

determinadas de maior risco de desastre Fonte httpswww25senadolegbrwebatividadematerias-

materia136839 Acesso em 11 de julho de 2020 57

TJMG IRDR - Cv 1027316000131-2001 2ordf Seccedilatildeo Ciacutevel Rel Des Amauri Pinto Ferreira Dje 04122019

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21

Destarte a LPESB estabeleceu uma poliacutetica de afastamento de caraacuteter impositivo a partir da

consideraccedilatildeo de fatores locacionais na eleiccedilatildeo do risco intoleraacutevel direcionada precipuamente

agrave proteccedilatildeo da vida humana e uma poliacutetica territorial de caraacuteter reativo com base na previsatildeo

de medidas teacutecnicas voltadas agrave minimizaccedilatildeo dos danos no caso de eclosatildeo do evento

abrangendo natildeo apenas a proteccedilatildeo humanitaacuteria mas tambeacutem de outros valores de alta

magnitude a exemplo dos animais e do patrimocircnio cultural

Em caraacuteter complementar o legislador mineiro possibilitou a majoraccedilatildeo da extensatildeo da ZA

ateacute 25km (vinte e cinco quilocircmetros) em consideraccedilatildeo agrave densidade e agrave localizaccedilatildeo das aacutereas

habitadas bem como aos dados sobre o patrimocircnio natural e cultural da regiatildeo (art 12 sect3ordm)

Apesar da inclusatildeo de valores ecoloacutegicos e culturais na delimitaccedilatildeo da extensatildeo da ZA

considerando que o distanciamento impositivo estaacute vinculado agrave preacutevia identificaccedilatildeo de

comunidade na zona natildeo se vislumbra o estabelecimento de distacircncia de seguranccedila para a

proteccedilatildeo dos espaccedilos territoriais especialmente protegidos a exemplo das Unidades de

Conservaccedilatildeo58

Neste sentido a poliacutetica de afastamento criada pela LPESB atraveacutes da ZA como diretriz de

ordenaccedilatildeo territorial aplicaacutevel agrave instalaccedilatildeo de barragens de mineraccedilatildeo constitui instrumento

vocacionado agrave prevenccedilatildeo de desastres humanitaacuterios o que se extrai natildeo apenas da referecircncia agrave

existecircncia de comunidade no local mas do seu proacuteprio conceito ligado agrave possibilidade

temporal de accedilatildeo pela autoridade competente o que remete precipuamente ao deslocamento e

resgate de pessoas podendo se estender aos animais e aos bens moacuteveis Natildeo se presta

contudo agrave tutela de aacutereas de especial interesse ecoloacutegico

Mesmo com a estratosfeacuterica proporccedilatildeo dos danos ecoloacutegicos provocados pelas trageacutedias da

Samarco Mineraccedilatildeo SA59

e da Vale SA natildeo houve reaccedilatildeo legislativa neste aspecto no

sentido da instituiccedilatildeo de uma poliacutetica de afastamento impositiva de tutela ecoloacutegica Por forccedila

da Resoluccedilatildeo ANM nordm 322020 a existecircncia de aacutereas de interesse ambiental relevante de

siacutetios arqueoloacutegicos e espeleoloacutegicos e de infraestruturas de interesse cultural dentre outros

bens sensiacuteveis deve constar necessariamente do mapa de inundaccedilatildeo mas natildeo representam

impeditivo locacional

Natildeo haacute por exemplo vedaccedilatildeo legal para a instalaccedilatildeo de barragens de rejeitos em que se

verifique nos estudos de Dam Break a existecircncia de Unidade de Conservaccedilatildeo na mancha de

inundaccedilatildeo recordando-se ainda que na Lei nordm 1265112 (Coacutedigo Florestal) a mineraccedilatildeo eacute

considerada atividade de utilidade puacuteblica o que permite a sua realizaccedilatildeo em aacuterea de

preservaccedilatildeo permanente e de uso restrito

58

No interior de Unidade de Conservaccedilatildeo a atividade mineraacuteria eacute vedada podendo se estender agrave zona de

amortecimento e aos corredores ecoloacutegicos a depender de decisatildeo do oacutergatildeo responsaacutevel pela administraccedilatildeo da

unidade (conforme art 24 25 sect1ordm e 28 da Lei nordm 998500 que institui o Sistema Nacional de Unidades de

Conservaccedilatildeo da Natureza) 59

Segundo dados divulgados pelo ICMBIO foram diretamente afetadas pelos rejeitos vazados da Barragem do

Fundatildeo da Samarco pelo menos 6 (seis) Unidades de Conservaccedilatildeo federais e 15 (quinze) Unidades de

Conservaccedilatildeo estaduais e municipais sendo 13 (treze) delas inseridas no Estado do Espiacuterito Santo e 2 (duas) no

Estado de Minas Gerais Fonte

httpswwwicmbiogovbrportalimagesstoriesRio_Docenota_tecnica_2_2016_apa_costa_das_algas_icmbio

pdf Acesso em 19 de julho de 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

22

Em casos deste jaez a existecircncia de aacutereas de especial interesse ecoloacutegico deveraacute ser

considerada no acircmbito das alternativas locacionais como instrumento previsto no

licenciamento ambiental Contudo eacute importante lembrar que a atividade mineraacuteria eacute marcada

pela rigidez locacional uma vez que a localizaccedilatildeo da jazida eacute determinada pelas

condicionantes geoloacutegicas60

e este aspecto reduz as alternativas locacionais para a instalaccedilatildeo

da barragem

Destaque-se por fim que um dos maiores deacuteficits de prevenccedilatildeo identificado a partir dos dois

episoacutedios mineiros recentes refere-se agrave falta de confiabilidade dos documentos teacutecnicos

apresentados pelas mineradoras e agrave ineficiecircncia do automonitoramento valendo lembrar que

ambas as barragens que colapsaram tinham Declaraccedilatildeo de Condiccedilatildeo de Estabilidade ndash DCE

vaacutelidas Especificamente em relaccedilatildeo ao estudo de Dam Break identificou-se que os estudos

de ruptura hipoteacutetica apresentados pela Vale SA natildeo refletiam a mancha de inundaccedilatildeo

efetivamente ocorrida o que ensejou mediante acordo celebrado com o Ministeacuterio Puacuteblico e

a Advocacia-Geral do Estado a revisatildeo dos estudos de todas as demais barragens da Vale SA

situadas em Minas Gerais por auditorias teacutecnicas independentes e observada a melhor teacutecnica

disponiacutevel61

23 O EFEITO DOMINOacute

Aleacutem da limitaccedilatildeo territorial decorrente da existecircncia de populaccedilatildeo e outros valores sensiacuteveis

no entorno do empreendimento haacute outra teacutecnica que integra a poliacutetica de afastamento

aplicaacutevel agrave gestatildeo do risco de desastres industriais que toma em consideraccedilatildeo o agravamento

do risco decorrente da existecircncia de outras atividades perigosas na mesma zona

Na precisa definiccedilatildeo de Alexandra Aragatildeo62

embora se referindo agraves disposiccedilotildees do direito

europeu

Estas satildeo as zonas onde jaacute estatildeo localizadas uma ou mais instalaccedilotildees desenvolvendo

atividades idecircnticas agraves projetadas ou lidando com substacircncias suscetiacuteveis de reagir

com aquelas Satildeo zonas onde muito provavelmente se iriam desenvolver sinergias

negativas sobretudo em caso de acidente industrial e agraves quais a Diretiva chama em

linguagem prosaica mas sugestiva ldquoefeito de dominordquo Na utilizaccedilatildeo do

ordenamento do territoacuterio como instrumento de prevenccedilatildeo de riscos territoriais a

prevenccedilatildeo do ldquoefeito de dominordquo vem complementar a politica de afastamentos

()

Natildeo se trata aqui de proteger os valores jaacute existentes na zona mas apenas de evitar

que um acidente numa das instalaccedilotildees possa ver os seus efeitos amplificados pela

60

Aleacutem da rigidez locacional Hildebrando Hermann aponta as seguintes particularidades da mineraccedilatildeo que

conformam a sua relaccedilatildeo com o meio ambiente que satildeo 2) exauribilidade da jazida 2) singularidade das minas

3) dinacircmica particular do projeto mineiro 4) transitoriedade do empreendimento 5) alto risco da atividade e 6)

monitoramento ambiental especiacutefico A Mineraccedilatildeo sob a Oacutetica Legal In Brasil 500 Anos A Construccedilatildeo do

Brasil e da Ameacuterica Latina pela Mineraccedilatildeo Fernando Antocircnio de Freitas Lins et al (ediccedilatildeo) Rio de Janeiro

CETEMMCT (2000) pp 166167 61

Confira a minuta do acordo em httpsmpmgbarragensinfoestudos-dam-break Acesso em 22 julho 2020 62

ARAGAtildeO Alexandra A prevenccedilatildeo de Riscos em Estados de Direito Ambiental na Uniatildeo Europeia FDUC ndash

Universidade de Coimbra (2012) p 21 Disponiacutevel em httpsestudogeralsibucpthandle1031620155 Acesso

em 11 julho 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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reaccedilatildeo com o outro estabelecimento proacuteximo assumindo o acidente proporccedilotildees

ainda mais catastroacuteficas e de difiacutecil controlo

A LPESB natildeo estabeleceu qualquer distacircncia de seguranccedila em atenccedilatildeo a esta classe de risco

limitando-se a estabelecer uma anaacutelise sistecircmica dos estudos de cenaacuterios de ruptura no

acircmbito do licenciamento ambiental quando houver mais de uma barragem na aacuterea de

influecircncia de uma mesma mancha de inundaccedilatildeo (art 7ordm sect12ordm)

Jaacute a Resoluccedilatildeo ANM nordm132019 atentou minimamente para a questatildeo ao incorporar na

poliacutetica de distanciamento impositivo das ZAS a proibiccedilatildeo de barragens de mineraccedilatildeo ou

estruturas vinculadas ao processo operacional de rejeitos situadas imediatamente agrave jusante da

barragem de mineraccedilatildeo cuja existecircncia possa comprometer a seguranccedila da barragem situada a

montante bem como qualquer instalaccedilatildeo obra ou serviccedilo que manipule utilize ou armazene

fontes radioativas (art 3ordm II e III)

No contexto preacute-Brumadinho apoacutes a ocorrecircncia da trageacutedia de Mariana mas anteriormente agrave

ediccedilatildeo dos referidos instrumentos legais o Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Minas Gerais

atento ao efeito dominoacute ingressou com Accedilatildeo Civil Puacuteblica em face da Vale SA e do ente

puacuteblico estadual buscando barrar a implantaccedilatildeo da Barragem Maravilha III Como um dos

fundamentos considerou a existecircncia de outras duas barragens de rejeitos existentes na

mancha de inundaccedilatildeo do empreendimento proposto o que sequer havia sido considerado no

acircmbito dos estudos de ruptura apresentados63

Atualmente por forccedila da Resoluccedilatildeo ANM nordm 322020 aleacutem da necessidade de anaacutelise

conjunta quando houver mais de uma barragem no mapa de inundaccedilatildeo os modos de ruptura

constantes do estudo e do mapa de inundaccedilatildeo devem considerar o cenaacuterio de maior dano o

que por loacutegica implica em considerar eventual incremento do risco decorrente do efeito

dominoacute

Aleacutem disso a referida normativa estabeleceu no acircmbito das atividades e bens que devem

necessariamente constar da avaliaccedilatildeo no estudo de Dam Break a identificaccedilatildeo de

equipamentos com potencial de contaminaccedilatildeo tais como postos de gasolina e induacutestrias ou

depoacutesitos quiacutemicosradioloacutegicos (cf nova redaccedilatildeo dada ao art 6ordmsect6ordm da Portaria nordm

7036917)

Em conclusatildeo o efeito dominoacute eacute considerado hoje na legislaccedilatildeo brasileira para efeito de

estabelecer distacircncias de seguranccedila apenas em relaccedilatildeo a barragens e estruturas que possam

comprometer a seguranccedila da barragem existente a montante e no que tange a instalaccedilotildees

radioativas Para os demais casos a existecircncia de outras atividades capazes de incrementar os

riscos ou as consequecircncias decorrentes de rompimento constitui elemento dos estudos de Dam

Break e da mancha de inundaccedilatildeo que vatildeo subsidiar as medidas teacutecnicas impostas no Plano de

Accedilatildeo de Emergecircncia ndash PAE

3 A CAUCcedilAtildeO AMBIENTAL

63

O processo ainda estaacute pendente de julgamento mas a tutela de urgecircncia que inicialmente tinha sido concedida

em outubro de 2017 para efeito de barrar o licenciamento ambiental foi posteriormente revogada Autos nordm

5154226-7020178130024 (ACP) 1ordf Vara da Fazenda Puacuteblica e Autarquias de Belo Horizonte (PJE)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

24

Uma das grandes novidades introduzidas pela LPESB foi a previsatildeo da cauccedilatildeo ambiental

como exigecircncia no acircmbito do licenciamento ambiental de barragens A partir de entatildeo para a

obtenccedilatildeo da Licenccedila Preacutevia ndash LP o empreendedor deve apresentar proposta de cauccedilatildeo

ambiental com duplo objetivo garantir a recuperaccedilatildeo socioambiental para casos de sinistro e

para desativaccedilatildeo da barragem A Licenccedila de Operaccedilatildeo ndash LO soacute poderaacute ser concedida apoacutes a

efetiva implementaccedilatildeo da cauccedilatildeo ambiental (art 7ordm I ldquobrdquo e III ldquobrdquo)

Em relaccedilatildeo agrave responsabilidade civil ambiental aleacutem da reafirmaccedilatildeo da responsabilidade

objetiva do operador jaacute consagrada jurisprudencialmente com base na teoria do risco

integral64

a LPESB estabeleceu expressamente o dever de reparar os danos causados ao meio

ambiente de acordo com a soluccedilatildeo teacutecnica exigida pelo oacutergatildeo ambiental incidente em todo o

ciclo de vida da barragem e inclusive apoacutes a desativaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo do uso futuro

(art 23)

A previsatildeo expressa da permanecircncia da responsabilidade civil do operador apoacutes a finalizaccedilatildeo

do processo de desativaccedilatildeo eacute bem-vinda diante dos jaacute apontados riscos do poacutes-operaccedilatildeo e seu

caraacuteter de perpetuidade Contudo a persistecircncia da cauccedilatildeo ambiental fica adstrita agrave

desativaccedilatildeo de modo que o legislador mineiro natildeo estabeleceu instrumento para a garantia de

recursos visando eventuais danos apoacutes a implementaccedilatildeo do uso futuro aleacutem de ter se omitido

quanto a questotildees fundamentais do fechamento de barragens de rejeitos a exemplo da

transferecircncia de custoacutedia e do monitoramento do siacutetio apoacutes a implementaccedilatildeo do uso futuro

questotildees que compotildeem a fase que se denomina nos referenciais teacutecnicos internacionais de

poacutes-fechamento (post-closure)65

As demais especificaccedilotildees sobre a cauccedilatildeo ambiental (tipos metodologia de caacutelculo etc) foram

delegadas para previsatildeo em regulamento atualmente pendente de ediccedilatildeo de forma que

apesar da sua relevacircncia o instrumento ainda carece de ampla aplicabilidade como exigecircncia

por parte do ente puacuteblico O que natildeo impede a sua implementaccedilatildeo por outras vias como

mediante intervenccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico o que ocorreu por exemplo no acircmbito de Termo

de Compromisso firmado com a empresa Mosaic Fertilizantes PampK Ltda em julho de 2019

destinado agrave regularizaccedilatildeo ambiental das barragens do Complexo Minero-Quiacutemico de

AraxaacuteMG no qual restou acordada a efetivaccedilatildeo de uma cauccedilatildeo ambiental no valor de R$

2000000000 (vinte milhotildees de reais)

A importacircncia da cauccedilatildeo ambiental como forma de garantir recursos para a reparaccedilatildeo em caso

de eventos draacutesticos eacute corolaacuterio do caraacuteter multifacetado e gravidade dos danos ambientais

decorrentes de rompimento de barragens de rejeitos o que fica evidente a partir da anaacutelise das

cataacutestrofes ambientais ocorridas em Mariana e em Brumadinho de forma que constitui uma

importante liccedilatildeo aprendida

No caso da trageacutedia provocada pela Vale SA por exemplo diante da inexistecircncia do

instrumento da cauccedilatildeo ambiental agrave eacutepoca do fato semelhante garantia somente foi efetivada

64

Na jurisprudecircncia do Superior Tribunal de Justiccedila A responsabilidade por dano ambiental eacute objetiva

informada pela teoria do risco integral sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco

se integre na unidade do ato sendo descabida a invocaccedilatildeo pela empresa responsaacutevel pelo dano ambiental de

excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigaccedilatildeo de indenizar (Tese julgada sob o rito do art

543-C do CPC1973 - TEMA 681 e 707 letra a) 65

Veja por exemplo International Committee on Large Dams ndash ICOLD Sustainable design and post-closure

performance of tailings dams Bulletin 153 Committee on Tailings Dams (2013)

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mediante intervenccedilatildeo judicial em decisatildeo proferida no acircmbito de tutela cautelar antecedente

datada de 26 de janeiro de 2019 que determinou o bloqueio do valor de 05 (cinco) bilhotildees de

reais da mineradora em uma valoraccedilatildeo preliminar que considerou a dimensatildeo dos danos e a

capacidade financeira da empresa66

Posteriormente outras garantias foram implementadas no

acircmbito das accedilotildees de reparaccedilatildeo socioambiental e socioeconocircmica propostas pelo Ministeacuterio

Puacuteblico do Estado de Minas Gerais ora mediante acordo ora por decisatildeo judicial67

Eacute importante atentar que de acordo com a soluccedilatildeo legal a cauccedilatildeo ambiental natildeo abrange

todos os danos advindos de sinistro a exemplo dos danos socioeconocircmicos e trabalhistas

referindo-se especiacutefica e limitadamente agrave reparaccedilatildeo socioambiental

Por reparaccedilatildeo socioambiental deve-se compreender a reparaccedilatildeo de todas lesotildees aos diversos

interesses ambientais conforme a tipologia das espeacutecies incorporadas no conceito de meio

ambiente68

e desde que vinculadas ao sistema de responsabilidade ambiental69

Abrange por

isso os chamados danos ecoloacutegicos puros como eventuais danos a aacutereas de especial interesse

ecoloacutegico e os danos agrave fauna os prejuiacutezos aos demais bens e recursos ambientais (aacutegua ar e

solo)70

aleacutem dos danos ao meio ambiente urbano e ao patrimocircnio cultural turiacutestico e

paisagiacutestico71

Em razatildeo da precisa referecircncia agrave reparaccedilatildeo socioambiental e em atenccedilatildeo ao princiacutepio da

reparaccedilatildeo integral dos danos ambientais com base em entendimento jurisprudencial

sedimentado72

a valoraccedilatildeo da cauccedilatildeo ambiental deve considerar ainda os danos ambientais

intercorrentes e os eventuais danos extrapatrimoniais sociais e o dano moral coletivo que

podem decorrer de um evento de sinistro A proacutepria utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo socioambiental eacute

designativa da inclusatildeo desta espeacutecie de dano no alcance da cauccedilatildeo ambiental de forma que

natildeo enseja maiores discussotildees73

Jaacute no que se refere agrave desativaccedilatildeo a previsatildeo da cauccedilatildeo ambiental relaciona-se com o alto risco

e o alto custo do procedimento de descomissionamento mas tambeacutem com o passivo

66

Autos originaacuterios nordm 5000056-6820198130090 1ordf Vara Ciacutevel Criminal e Infacircncia e Juventude da Comarca

de BrumadinhoMG 67

Para maiores informaccedilotildees consultar os autos no sistema PJE autos nordm 5044954-7320198130024 (accedilatildeo de

reparaccedilatildeo socioambiental) e autos nordm 5087481-4020198130024 (accedilatildeo de reparaccedilatildeo socioeconocircmica) ambas

em tramitaccedilatildeo na 6ordf Vara da Fazenda Puacuteblica e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte 68

Veja o conceito amplo de meio ambiente empregado na Lei nordm 693881 (art 3ordm I) 69

Conforme art 225 sect3ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e art 14 sect1ordm da Lei nordm 693881 70

Conforme art 3ordm V da Lei nordm 693881 71

Joseacute Rubens Morato Leite e Patryck de Arauacutejo Ayala destacam a complexidade e ambivalecircncia do dano

ambiental que decorre da complexidade e amplitude do conceito legal de meio ambiente e da ausecircncia de

definiccedilatildeo legal do conceito de dano ambiental o que por sua vez atrai as concepccedilotildees de dano ambiental lato

sensu dano ecoloacutegico puro e dano ambiental individual (reflexo ou indireto) Dano ambiental do individual ao

coletivo extrapatrimonial teoria e praacutetica 5ordf ediccedilatildeo revista atualizada e ampliada Satildeo Paulo RT (2012) pp

9193 72

Conforme Suacutemula 629 do Superior Tribunal de Justiccedila 73

Para maiores desenvolvimentos sobre o dano social ver AZEVEDO Antocircnio Junqueira de Por uma nova

categoria de dano na responsabilidade civil o dano social In Revista Trimestral de Direito Civil vol Nordm 5 nordm

19 (2004) pp 211-218 Sobre o dano socioambiental veja-se AMADO GOMES Carla Compensacao socio-

ambiental como mecanismo de construcao de justica intrageracional na exploracao de recursos naturais in O

direito ao meio ambiente ecologicamente adequado org de Ronilson da Paz et alli Cabedelo (2018) pp 1 segs

disponiacutevel aqui httpswwwiespedubrsistemauploadsarquivospublicacoeso-direito-ao-meio-ambiente-

ecologicamente-equilibradopdf Acesso em 14 agosto 2020

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ambiental histoacuterico da mineraccedilatildeo decorrente do abandono de minas no passado74

Este uacuteltimo

aspecto prende-se mais precisamente com a desativaccedilatildeo da barragem como parte do projeto

de fechamento da mina como um todo e consequente finalizaccedilatildeo da atividade

Isso porque uma das causas do enorme quantitativo de minas abandonadas fator presente natildeo

soacute no Brasil mas em todo o mundo decorre da combinaccedilatildeo entre a escassez de recursos de

caixa no fim da vida uacutetil do empreendimento e o alto custo do fechamento75

Como referecircncia internacional na temaacutetica as diretrizes do Banco Mundial estabelecem a

importacircncia de garantir recursos para o fechamento adequado de minas como forma de evitar

que os encargos recaiam sobre o Poder Puacuteblico e consequentemente a indispensabilidade de

previsatildeo legal de uma garantia financeira a ser fixada antes do iniacutecio da atividade e

continuamente atualizada

A referida agecircncia orienta no sentido da maior abrangecircncia da garantia financeira a fim de

abarcar natildeo apenas as implicaccedilotildees ambientais mas tambeacutem o custo das medidas relacionadas

com a gestatildeo dos impactos socioeconocircmicos Dentre os mecanismos de seguro financeiro

apresenta alguns exemplos como garantias por terceiros depoacutesitos em dinheiro cartas de

creacuteditos e apoacutelices de seguro e elenca as vantagens e desvantagens de cada instrumento e suas

adequaccedilotildees para cada caso especiacutefico76

Enfim embora prevista de modo unitaacuterio - para a reparaccedilatildeo socioambiental decorrente de

sinistro e para a desativaccedilatildeo - a obrigatoriedade de implementaccedilatildeo de uma garantia financeira

no acircmbito do licenciamento ambiental de barragens tem escopos e contornos distintos

conforme os objetivos eleitos aspeto que deveraacute ser considerado no acircmbito do regulamento a

ser editado especialmente para fins de valoraccedilatildeo

B O QUADRO EUROPEU

1 A REGULACcedilAtildeO ANTERIOR Agrave DIRETIVA 2006 E AS LICcedilOtildeES APRENDIDAS

COM O ACIDENTE DE BAIA MARE

Como se adiantou na Introduccedilatildeo a Comissatildeo Europeia ldquodespertourdquo para o problema da gestatildeo

das barragens de rejeitos na induacutestria extrativista na sequecircncia de dois acidentes em territoacuterio

74

Um estudo recente realizado pela Fundaccedilatildeo do Meio Ambiente (FEAM) estimou que existem mais de 400

minas abandonadas ou paralisadas somente no Estado de Minas Gerais muitas delas classificadas como de ldquoalto

riscordquo para o ambiente Fonte httpwwwfeambrrecuperacao-de-areas-de-mineracaocadastro-de-minas-

paralisadas-e-abandonadas Acesso em 22 de julho de 2020 75

Segundo dados do Banco Mundial os custos do fechamento para questotildees ambientais variam de menos de um

milhatildeo de doacutelares para pequenas minas na Romecircnia a centenas de milhotildees de doacutelares para grandes minas de

lenhite e recursos conexos na Alemanha World Bank and International Finance Corporation Itacutes Not Over

When Itacutes Over MINE CLOSURE AROUND THE WORLD The World Bank Groupacutes Mining Department

Mining and Development Washington DC USA (2002) p 5 76

World Bank Guidelines for the Implementation of Financial Surety for Mine Closure (2009) pp 08-13

Disponiacutevel em httpsdocumentsworldbankorgptpublicationdocuments-

reportsdocumentdetail915061468163480537financial-surety-guidelines-for-the-implementation-of-financial-

surety-for-mine-closure Acesso em 22 julho 2020

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27

europeu77

o segundo dos quais particularmente grave em termos de irradiaccedilatildeo e de danos

ecoloacutegicos Baia Mare na Romeacutenia (2000) Tratou-se de um acidente numa mina de ouro de

cuja barragem de rejeitos se escaparam cerca de 100 000 m3 de lamas e aacuteguas residuais

fortemente contaminadas por cianeto Este conteuacutedo verteu para afluentes do Danuacutebio uma

carga poluente de tal forma letal que dizimou flora e fauna num trajeto de 3040 km Graccedilas agrave

cooperaccedilatildeo entre autoridades romenas huacutengaras e jugoslavas evitou-se o agravamento dos

danos ecoloacutegicos e sociais pois o encerramento temporaacuterio da hidreleacutetrica do Tisza permitiu

mitigar o alastramento da poluiccedilatildeo e salvaguardar o abastecimento de aacutegua agraves cidades

proacuteximas

No quadro do inqueacuterito levado a cabo sobre as razotildees do acidente foi constituiacuteda uma Task

Force para avaliar metodologias de incremento da prevenccedilatildeo de novos desastres A Comissatildeo

Europeia com base nas conclusotildees aiacute sintetizadas procedeu por seu turno a uma avaliaccedilatildeo

do quadro legislativo europeu sobre a gestatildeo de rejeitos de exploraccedilotildees mineiras e constatou

que era insuficiente Na verdade natildeo existia regulaccedilatildeo dedicada a este tema encontrando-se

apenas normas pulverizadas por diversos diplomas que poderiam ser utilizadas

adaptativamente mas com lacunas Acresce que um dos problemas detetados pela Task Force

foi o da multiplicaccedilatildeo de licenccedilas necessaacuterias agraves operaccedilotildees extrativistas que prolongavam os

procedimentos autorizativos durante anos com desarticulaccedilatildeo entre entidades e obsolescecircncia

de teacutecnicas durante o percurso

A anaacutelise da Comissatildeo identificou seis diretivas que sustentavam soluccedilotildees para partes do

problema diretiva sobre avaliaccedilatildeo de impacto ambiental diretiva sobre poluiccedilatildeo no meio

aquaacutetico diretiva sobre prevenccedilatildeo de acidentes industriais graves duas diretivas sobre

deposiccedilatildeo de resiacuteduos e diretiva sobre prevenccedilatildeo e controlo integrado da poluiccedilatildeo78

O

quadro normativo que viria a ser construido pela diretiva que passaremos a analisar

entrecruza-se com alguns destes regimes e colhe contributos particulares das diretivas sobre

prevenccedilatildeo de acidentes graves e das diretivas sobre gestatildeo de resiacuteduos bem como faz por

absorver algumas das liccedilotildees aprendidas no acidente da mina de Baia Mare

2 A DISCIPLINA DA DIRETIVA 200621CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO

CONSELHO DE 15 DE MARCcedilO

A diretiva 200621CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de marccedilo sobre gestatildeo

de resiacuteduos de induacutestrias extrativistas insere-se no conjunto de diplomas da Uniatildeo Europeia

relativos agrave poliacutetica de ambiente Dentro deste domiacutenio existem inuacutemeros subramos que

convergem nos objetivos de tutela ambiental de entre os quais a gestatildeo de resiacuteduos perigosos

e natildeo perigosos cuja palavra de ordem eacute a prevenccedilatildeo ou seja a evitaccedilatildeo de produccedilatildeo dos

mesmos E eacute essa a primeira mensagem do Preacircmbulo da diretiva depois concretizada no

artigo 5ordm (a que aludiremos mais adiante) numa tentativa de aproveitar o maacuteximo dos

recursos explorados

77

No ano 2000 outros dois acidentes se verificaram em barragens de rejeitos em solo europeu um na mina de

Baia Borsa (Romeacutenia) mdash chuvas torrenciais provocaram vazamento de rejeitos minerais de zinco ferro e

chumbo mdash e outro na mina de cobre de Aitik (Sueacutecia) mdash abertura de uma racha na barragem e vazamento de

lamas 78

Para informaccedilatildeo mais detalhada veja-se a Comunicaccedilatildeo da Comissatildeo Seguranca da actividade mineira

analise de acidentes recentes cit pp 11-16

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

28

A diretiva preocupa-se apenas com os resiacuteduos resultantes diretamente da operaccedilatildeo

extractivista natildeo se aplicando nem aos acessoacuterios (como pilhas oacuteleos restos de comida) nem

aos resiacuteduos radioativos que se regem por diretivas especiacuteficas As operaccedilotildees mineraacuterias

realizadas em zonas litoracircneas tatildeo pouco se encontram abrangidas por este regime

Uma segunda trave mestra da diretiva 200612CE eacute a acircncora das melhores teacutecnicas

disponiacuteveis Desde a diretiva 9661CE do Conselho de 24 de setembro que esta foacutermula

preside agrave metodologia de gestatildeo de riscos tecnoloacutegicos tentando conciliar ciecircncia e economia

por amor ao ambiente e agrave sauacutede As melhores teacutecnicas disponiacuteveis apelam ao estado da

teacutecnica para promover altos niacuteveis de seguranccedila e pressupotildeem uma monitorizaccedilatildeo constante

desde o iniacutecio ao fim das operaccedilotildees de exploraccedilatildeo ou seja desde a emissatildeo da licenccedila de

operaccedilatildeo agrave conclusatildeo das diligecircncias de desmantelamento mdash cfr o art 4ordm nordms 2 e 3 Esta

monitorizaccedilatildeo cabe primacialmente ao operador mas a Administraccedilatildeo ambiental deve

identicamente prover para que atraveacutes de inspeccedilotildees perioacutedicas se garanta a observacircncia de

standards de seguranccedila elevados bem assim como atraveacutes da atualizaccedilatildeo das condiccedilotildees da

licenccedila mesmo antes do seu termo de validade se necessaacuterio

Um terceiro ponto a ressaltar quanto agrave diretiva 200612CE prende-se com a aproximaccedilatildeo ao

regime Seveso A diretiva incorpora vaacuterios instrumentos do procedimento de prevenccedilatildeo de

acidentes graves de entre os quais os planos de emergecircncia internos e externos a partilha de

informaccedilatildeo com o puacuteblico a monitorizaccedilatildeo de resultados o registo de lsquoquase acidentesrsquo mdash v

infra 21 O quadro de medidas preventivas natildeo se restringe a estes aspectos assumindo

particularidades que refletem as especificidades das induacutestrias extrativistas Note-se que a

Diretiva Seveso III (Diretiva 201218UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de

julho) expressamente exclui do seu acircmbito de aplicaccedilatildeo os locais de deposiccedilatildeo de resiacuteduos

cfr o art 2ordm nordm 2 al h) Isso natildeo impede os Estados membros todavia de terem alguns

aspetos do regime de prevenccedilatildeo de acidentes graves em consideraccedilatildeo no licenciamento de

instalaccedilotildees de gestatildeo de rejeitos extractivistas79

Em quarto lugar ressalta-se a imposiccedilatildeo de garantias de enfrentamento de danos ecoloacutegicos

por parte do operador atraveacutes da remissatildeo para o regime da responsabilidade por danos

ambientais plasmado na diretiva 200435CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21

de abril (art 15ordm) O operador fica sujeito agrave hierarquia de medidas de reparaccedilatildeo aiacute consagrada

que colocam em posiccedilatildeo cimeira a reposiccedilatildeo natural mas natildeo esquecem alternativa ou

complementarmente a compensaccedilatildeo por equivalente ecossisteacutemico e as medidas transitoacuterias

Tambeacutem nesse contexto se explica a obrigatoriedade de constituiccedilatildeo de garantia financeira

(art 14ordm) mdash v infra 22

Em quinto lugar devemos realccedilar a importacircncia da transmissatildeo de informaccedilatildeo entre os

Estados membros e entre estes e a Comissatildeo no plano dos acontecimentos de facto e no plano

da evoluccedilatildeo da teacutecnica (art 21ordm) que contribui para o incremento da seguranccedila no espaccedilo

global da Uniatildeo Europeia Este intercacircmbio eacute positivo tanto no plano da cooperaccedilatildeo como

sobretudo da prevenccedilatildeo na medida em que muitos destes acidentes tecircm aptidatildeo a produzir

efeitos transfronteiriccedilos

79

Veja-se por exemplo o Guidance on the waste management regulations da Environmental Protection Agency

irlandesa (2009) que determina (pag 84) que na elaboraccedilatildeo de planos de emergecircncia externos as autoridades

irlandesas devem ter em conta as informaccedilotildees dos operadores com vista a reduzir as consequecircncias do efeito-

dominoacute mdash httpswwwepaiepubsadvicewasteextractiveGuidance-On-The-Waste-Management-Regulations-

2009-WEBpdf Acesso em 16 ago 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

29

Finalmente e em sexto lugar chamamos a atenccedilatildeo para a menccedilatildeo que no Preacircmbulo eacute feita agrave

possibilidade de irradiaccedilatildeo do regime desta diretiva para Estados terceiros nomeadamente no

acircmbito da cooperaccedilatildeo para o desenvolvimento Conforme se assinala no considerando 33 ldquo a

presente directiva podera ser um instrumento uacutetil a ter em conta quando se proceder a

verificaccedilatildeo de que os projectos que recebem financiamento comunitario no contexto da ajuda

ao desenvolvimento incluem as medidas necessarias para evitar ou reduzir na medida do

possivel os impactos negativos para o ambienterdquo

Apresentada a diretiva de forma panoracircmica selecionaacutemos quatro aspectos do seu regime

para analisar em maior pormenor

21 A PREVENCcedilAtildeO DE ACIDENTES GRAVES

A diretiva 200612CE reflete fortemente o regime Seveso pelo menos em parte Na medida

em que as minas se situam em zonas natildeo urbanas e natildeo satildeo deslocalizaacuteveis a questatildeo da

autorizaccedilatildeo de localizaccedilatildeo natildeo se potildee mdash pelo menos no tocante a distacircncias de seguranccedila em

face de edifiacutecios habitacionais e de serviccedilos porque pode eventualmente levantar-se a questatildeo

de autorizaccedilatildeo de mineraccedilatildeo em aacutereas protegidas Mas todo o instrumentarium relativo agrave

poliacutetica de prevenccedilatildeo de acidentes aos planos de seguranccedila interno e externo e aos deveres de

informaccedilatildeo aos trabalhadores puacuteblico em geral e autoridades de proteccedilatildeo civil de sauacutede e de

tutela ambiental faz parte deste regime

Deve comeccedilar por sublinhar-se que a operaccedilatildeo de gestatildeo de resiacuteduos merece licenciamento

autoacutenomo relativamente agrave instalaccedilatildeo mineraacuteria80

e que a prevenccedilatildeo de riscos de que trata a

diretiva diz respeito especificamente a esta operaccedilatildeo (cfr os artigos 7ordm e 11ordm) Assim no plano

de prevenccedilatildeo de riscos de gestatildeo de resiacuteduosrejeitos o operador natildeo veraacute o seu pedido de

licenciamento deferido se natildeo tiver elaborado um plano de emergecircncia interno mdash que protege

especialmente os trabalhadores mdash e se natildeo tiver fornecido os elementos informativos

necessaacuterios agraves autoridades competentes para que estas elaborem um plano de emergecircncia

externo o qual visa proteger a populaccedilatildeo residente em locais que possam ser mais

imediatamente afetados em caso de acidentes com rejeitos (art 7ordm nordm 3) Do mesmo passo do

pedido de licenccedila deveraacute constar a declaraccedilatildeo de impacto ambiental favoraacutevel ou

condicionalmente favoraacutevel sob pena de indeferimento art 7ordm nordm 2 al e)81

Aspecto absolutamente essencial do ato autorizativo de instalaccedilatildeo de uma operaccedilatildeo de gestatildeo

de rejeitos eacute a sua dinacircmica constante em diaacutelogo com a evoluccedilatildeo da teacutecnica A foacutermula das

melhores teacutecnicas disponiacuteveis jaacute realccedilada no ponto 12 deste estudo estaacute bem presente na

80

Note-se que tanto a nova licenccedila como qualquer alteraccedilatildeo substancial agrave existente devem passar por um

procedimento autorizativo o qual no caso de renovaccedilotildees ou revisotildees deveraacute ter em conta as inovaccedilotildees teacutecnicas

surgidas no sentido de alcanccedilar niacuteveis de seguranccedila mais altos quer do ponto de vista ambiental quer sanitaacuterio

(art 7ordm nordm 4) 81

Ressalte-se que no quadro da legislaccedilatildeo portuguesa de avaliaccedilatildeo de impacto ambiental (DL 151-B2013 de

31 de outubro na redaccedilatildeo dada pelo DL 152-B2017 de 11 de dezembro) faz parte do conteuacutedo miacutenimo do

estudo de impacto ambiental das instalaccedilotildees sujeitas a tal procedimento a ldquoestimativa dos tipos e quantidades de

resiacuteduos e emissotildees previstos (poluiccedilatildeo da aacutegua da atmosfera do solo e do subsolo ruiacutedo vibraccedilatildeo luz calor

radiaccedilatildeo) durante as fases de construccedilatildeo e de exploraccedilatildeordquo nos termos do Anexo V 1d) (v tambeacutem o nordm 6) As

instalaccedilotildeeslocaisoperaccedilotildees de gestatildeo de resiacuteduos perigosos e natildeo perigosos ficam sujeitos a avaliaccedilatildeo de

impacto ambiental nos termos do artigo 1ordm nordm 3 Anexos I (nordm 9) ou II nordm 11 als b) e c)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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legislaccedilatildeo ambiental da Uniatildeo Europeia e natildeo podia deixar de constar nesta diretiva

Estabelece o art 4ordm nordm 2 que ldquoOs Estados-Membros asseguraratildeo que o operador tome todas as

medidas necessarias para evitar ou reduzir o mais possivel os efeitos adversos para o ambiente

e a sauacutede humana resultantes da gestatildeo dos residuos de extracccedilatildeo Isto inclui a gestatildeo de toda

e qualquer instalaccedilatildeo de residuos mdash incluindo apos o respectivo encerramento mdash a

prevenccedilatildeo de acidentes graves que a envolvam e a limitaccedilatildeo das consequecircncias destes para o

ambiente e para a sauacutede humanardquo Adita o nordm 3 que as medidas preventivas se basearatildeo nas

melhores teacutecnicas disponiveis conforme as define a diretiva 9661CE do Conselho de 24 de

setembro sublinhando que natildeo havera imposiccedilatildeo de nenhuma teacutecnica ou tecnologia

especifica em geral antes se devendo tomar ldquoem conta as caracteristicas teacutecnicas da

instalaccedilatildeo de residuos a localizaccedilatildeo geografica da mesma e as condiccedilotildees ambientais locaisrdquo

Recorde-se que a diretiva 9661CE define no artigo 11ordm melhores teacutecnicas disponiveis como

a metodologia mais ldquoeficaz e avanccedilada das actividades e dos respectivos modos de

exploraccedilatildeo que demonstre a aptidatildeo pratica de teacutecnicas especificas para constituir em

principio a base dos valores-limite de emissatildeo com vista a evitar e quando tal natildeo seja

possivel a reduzir de em modo geral as emissotildees e o impacto no ambiente no seu todordquo

Particulariza em seguida cada um dos segmentos da definiccedilatildeo assim

ldquomdash laquoteacutecnicasraquo tanto as teacutecnicas utilizadas como o modo como a instalaccedilatildeo eacute projectada

construida conservada explorada e desactivada

mdash laquodisponiveisraquo as teacutecnicas desenvolvidas a uma escala que possibilite a sua aplicaccedilatildeo no

contexto do sector industrial em causa em condiccedilotildees economica e tecnicamente viaveis

tendo em conta os custos e os beneficios quer essas teacutecnicas sejam ou natildeo utilizadas ou

produzidas no territorio do Estado-membro em questatildeo desde que sejam acessiveis ao

operador em condiccedilotildees razoaveis

mdash laquomelhoresraquo teacutecnicas mais eficazes para alcanccedilar um nivel geral elevado de protecccedilatildeo do

ambiente no seu todordquo

A adoccedilatildeo das melhores teacutecnicas disponiacuteveis deve nortear quer a atribuiccedilatildeo da licenccedila inicial

quer a sua renovaccedilatildeo e mesmo a sua revisatildeo (ou seja a sua alteraccedilatildeo antes do termo final

atendendo agrave evoluccedilatildeo da teacutecnica) Isso fica bem claro no artigo 7ordm nordm 4 da diretiva

200621CE O caraacuteter tendencialmente transfronteiriccedilo dos danos provocados por acidentes

graves que envolvam gestatildeo de rejeitos bem assim como a necessidade de uniforme aplicaccedilatildeo

da diretiva e do seu standard de seguranccedila implicam cooperaccedilatildeo dos Estados no acircmbito da

troca de informaccedilatildeo e de aplicaccedilatildeo dos mais elevados padrotildees teacutecnicos os quais se forjam no

diaacutelogo constante entre um Comiteacute da Comissatildeo Europeia especialmente constituiacutedo para este

efeito e as estruturas competentes dos Estados-membros (art 21ordm)

Toda esta dinacircmica preventiva se desenvolve no quadro de uma ldquopolitica de prevenccedilatildeo de

acidentes gravesrdquo envolvendo residuos (detalhadamente descrita no Anexo I) pela qual eacute

responsaacutevel um gestor de seguranccedila (art 6ordm) e que eacute vertida num documento que tambeacutem

deve ser entregue antes de a instalaccedilatildeo de gestatildeo de rejeitos iniciar o seu funcionamento (art

6ordm nordm 3)

Esta poliacutetica de gestatildeo de acidentes traduz-se em primeira linha na prevenccedilatildeo de riscos

decorrentes da deposiccedilatildeo de rejeitos Para tanto estabelece o artigo 11ordm nordm 2

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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ldquoA autoridade competente deve certificar-se de que ao construir uma nova instalaccedilatildeo de

residuos ou ao modificar uma instalaccedilatildeo de residuos existente o operador garanta que

a) A instalaccedilatildeo de residuos tenha uma localizaccedilatildeo adequada atendendo em especial as

obrigaccedilotildees comunitarias ou nacionais no que se refere a areas protegidas e a factores

geologicos hidrologicos hidrogeologicos sismicos e geoteacutecnicos e tenha sido concebida de

modo a satisfazer as condiccedilotildees necessarias para prevenir numa perspectiva de curto e de

longo prazo a poluiccedilatildeo do solo da atmosfera e das aguas subterracircneas e superficiais () e

para garantir uma recolha eficiente das aguas contaminadas e dos lixiviados de acordo com o

requerido pela licenccedila se for esse o caso e reduzir tanto quanto tecnicamente possivel e

economicamente viavel a erosatildeo causada pelas aguas e pelo vento

b) A construccedilatildeo gestatildeo e manutenccedilatildeo da instalaccedilatildeo de residuos se processem de um modo

adequado capaz de garantir a estabilidade fisica da mesma e de evitar a poluiccedilatildeo ou

contaminaccedilatildeo do solo da atmosfera das aguas superficiais e das aguas subterracircneas numa

perspectiva de curto e de longo prazo bem como de minimizar tanto quanto possivel danos a

paisagem rural

c) Existam planos e disposiccedilotildees adequados em mateacuteria de monitorizaccedilatildeo e inspecccedilatildeo

regulares da instalaccedilatildeo de residuos por pessoas competentes e para que sejam tomadas

medidas em caso de resultados indicativos de instabilidade ou contaminaccedilatildeo das aguas ou do

solo

d) Estejam previstas disposiccedilotildees adequadas para a reabilitaccedilatildeo dos terrenos e o encerramento

da instalaccedilatildeo de residuos

e) Estejam previstas disposiccedilotildees adequadas para a fase pos-encerramento da instalaccedilatildeo de

residuosrdquo

Conforme se depreende desta disposiccedilatildeo a estrateacutegia de gestatildeo de acidentes com rejeitos

prolonga-se igualmente no chamado ldquopos-minardquo nomeadamente quando a instalaccedilatildeo de

gestatildeo for encerrada e no periacuteodo posterior ao encerramento Assim e em segunda linha o

artigo 12ordm da diretiva alude a procedimentos de encerramento e poacutes-encerramento que se

traduzem no seguinte

O encerramento natildeo pode ser efetuado sem uma autorizaccedilatildeo para o efeito autorizaccedilatildeo

essa que soacute pode ser concedida apoacutes uma vistoria realizada pela autoridade competente na

qual se certifique que a reabilitaccedilatildeo do terreno foi efetuada e que a operaccedilatildeo de encerramento

foi aprovada (art 12ordm nordms 2 e 3)

Caso a instalaccedilatildeo de gestatildeo de rejeitos possa provocar poluiccedilatildeo em aacuteguas superficiais

e subterracircneas o operador poderaacute ficar obrigado a monitorizar a estabilidade fiacutesica e quiacutemica

da mesma atraveacutes de mediccedilotildees de utilizaccedilatildeo e da limpeza de canais de transbordamento (art

12 nordm 5)

Os resultados das monitorizaccedilotildees tanto no que concerne a gestatildeo no periacuteodo de

funcionamento como nos periacuteodos de encerramento e poacutes-encerramento deveratildeo ser

regularmente comunicados agrave autoridade competente e qualquer acidente e quase acidente

deveraacute ser reportado de imediato com acionamento do plano de emergecircncia interno (o qual

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

32

permaneceraacute ativo mesmo apoacutes o encerramento quando necessaacuterio art 12ordm nordm 6)82

Especial

atenccedilatildeo deveraacute merecer a monitorizaccedilatildeo da presenccedila e teor de lixiviados em razatildeo da sua

especial perigosidade para o meio hiacutedrico (cfr o art 13ordm)

Uma terceira dimensatildeo de prevenccedilatildeo de acidentes filia-se na obrigaccedilatildeo de construir e manter

um inventaacuterio de instalaccedilotildees encerradas e tambeacutem das abandonadas ficando esta

incumbecircncia a cargo dos Estados-membros (art 20ordm) A existecircncia destes locais por natildeo estar

associada agrave dinacircmica de funcionamento de uma mina pode passar despercebida se natildeo estiver

convenientemente assinalada A sua inventariaccedilatildeo eacute determinante para monitorizar os riscos

associados

Uma quarta nota incide sobre a necessidade de sujeiccedilatildeo dos procedimentos autorizativos agrave

consulta entre Estados-membros sempre que os riscos associados agrave operaccedilatildeo de gestatildeo de

rejeitos configurarem potencial impacto transfronteiriccedilo O artigo 16ordm determina deveres de

comunicaccedilatildeo de consulta de promoccedilatildeo do acesso agrave informaccedilatildeo do puacuteblico estrangeiro e de

alerta em caso de acidente

Um quinta e uacuteltima nota diz respeito a envolvimento do puacuteblico interessado ndash potenciais

viacutetimas de acidente associaccedilotildees de defesa do ambiente puacuteblico em geral mdash no procedimento

autorizativo e na monitorizaccedilatildeo de resultados de funcionamento encerramento e poacutes-

encerramento O Anexo I nordm 2 eacute particularmente explicativo do teor da informaccedilatildeo que deve

ser transmitida ao puacuteblico de modo a mantecirc-lo pontualmente informado sobre os riscos

associados ao funcionamento da instalaccedilatildeo no sentido da prevenccedilatildeo de danos agrave sauacutede e ao

ambiente Sobretudo no que tange agraves pessoas residentes em aacutereas de impacto imediato o

conteuacutedo dos planos de seguranccedila externos deve ser devidamente comunicado bem assim

como os comportamentos a adotar em caso de acidente

22 A ELABORACcedilAtildeO DE PLANOS DE GESTAtildeO DE RESIacuteDUOSREJEITOS

Conforme se afirma no Preacircmbulo a diretiva pretende tanto quanto possiacutevel disciplinar a

atividade extrativa e colocaacute-la em linha com a poliacutetica de residuos da Uniatildeo Europeia cuja

maacutexima fundamental eacute a prevenccedilatildeo de geraccedilatildeo de residuos Se esta natildeo puder ser evitada

entatildeo deve minimizar-se essa produccedilatildeo Os resiacuteduos produzidos deveratildeo ser reutilizados ou

valorizados soacute se destruindo em uacuteltima instacircncia

Assim se compreende que o artigo 5ordm da diretiva coloque a enfacircse nessa hierarquia mdash

prevenccedilatildeo minimizaccedilatildeo tratamento valorizaccedilatildeo e eliminaccedilatildeo mdash apontando para a

necessidade de o operador elaborar um plano de gestatildeo de residuos O nordm 2 dessa disposiccedilatildeo

expotildee os objetivos do plano

ldquo2 Os objectivos do plano de gestatildeo de residuos seratildeo os seguintes

82

Cfr a alinea f) do Anexo I sobre ldquoMonitorizaccedilatildeo dos resultados mdash adopccedilatildeo e aplicaccedilatildeo de procedimentos

para a avaliaccedilatildeo continua do cumprimento dos objectivos estabelecidos pela politica de prevenccedilatildeo de acidentes

graves e pelo sistema de gestatildeo de seguranccedila do operador e de mecanismos de investigaccedilatildeo e correcccedilatildeo em caso

de inobservacircncia Os procedimentos devem cobrir o sistema utilizado pelo operador para comunicar acidentes

graves ou quase‐acidentes mdash em especial quando implicarem falhas das medidas de protecccedilatildeo ndash a investigaccedilatildeo

dos mesmos e o seguimento a dar‐lhes com base na experiecircncia adquiridardquo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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a) Evitar ou reduzir a produccedilatildeo de residuos e a sua perigosidade em particular

mediante a ponderaccedilatildeo

i) da gestatildeo de residuos na fase de projecto e na escolha do meacutetodo a utilizar

para a extracccedilatildeo e tratamento dos minerais

ii) das alteraccedilotildees que os residuos de extracccedilatildeo possam sofrer devido ao

aumento da area superficial e a exposiccedilatildeo das condiccedilotildees a superficie

iii) da reposiccedilatildeo dos residuos de extracccedilatildeo nos vazios de escavaccedilatildeo depois da

extracccedilatildeo do mineral desde que seja viavel em termos teacutecnicos e economicos e

no respeito do ambiente de acordo com as normas ambientais vigentes a nivel

comunitario e com os requisitos da presente directiva se aplicaveis

iv) da reposiccedilatildeo do solo superficial depois do encerramento da instalaccedilatildeo de

residuos ou se tal natildeo for exequivel da reutilizaccedilatildeo do solo superficial noutro

local

v) da utilizaccedilatildeo de substacircncias menos perigosas no tratamento dos recursos

minerais

b) Promover a valorizaccedilatildeo dos residuos de extracccedilatildeo atraveacutes da reciclagem

reutilizaccedilatildeo ou recuperaccedilatildeo dos mesmos no respeito do ambiente de acordo com

as normas ambientais vigentes a nivel comunitario e com outros requisitos da

presente directiva se aplicaveis

c) Garantir a eliminaccedilatildeo segura dos residuos de extracccedilatildeo a curto e a longo prazo

tendo particularmente em conta durante a fase de projecto a gestatildeo durante o

funcionamento e apos o encerramento da instalaccedilatildeo de residuos e optando por um

projecto que

i) requeira pouca e em uacuteltima instacircncia nenhuma monitorizaccedilatildeo controlo e

gestatildeo da instalaccedilatildeo de residuos apos o seu encerramento

ii) evite ou pelo menos minimize qualquer efeito negativo a longo prazo por

exemplo imputavel a migraccedilatildeo de poluentes aquaticos ou de poluentes

transportados pelo ar provenientes da instalaccedilatildeo de residuos e

iii) garanta a estabilidade geoteacutecnica a longo prazo de quaisquer barragens ou

escombreiras situadas em plano superior ao da superficie do terreno preacute-

existenterdquo

Duas notas finais sobre estes planos Por um lado eles devem integrar o pedido de licenccedila

que significa que esta natildeo poderaacute ser concedida sem a sua exibiccedilatildeo art 7ordm nordm 2 al c) e por

outro lado deveratildeo merecer revisatildeo de cinco em cinco anos ou antes caso haja alteraccedilotildees

teacutecnicas que permitam incrementar a sua eficaacutecia (art 5ordm nordm 3)

23 A GARANTIA FINANCEIRA

A constituiccedilatildeo de garantia financeira (ou equivalente depoacutesito financeiro por exemplo) serve

para assegurar que o operador cumprira todas as obrigaccedilotildees decorrentes da licenccedila incluindo

as relativas ao encerramento e ao periodo posterior ao encerramento da instalaccedilatildeo de residuos

A garantia financeira devera ser suficiente para cobrir o custo da reabilitaccedilatildeo do terreno

afetado pela instalaccedilatildeo de residuos Tal garantia deve ser providenciada antes do inicio das

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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operaccedilotildees de deposiccedilatildeo na instalaccedilatildeo de residuos sendo condiccedilatildeo de emissatildeo da licenccedila

(artigos 7ordm nordm 2 al d) e 14ordm nordm 1) e deve ser ajustada periodicamente (art 14ordm nordm 3)

O calculo do valor da garantia tem como base nos termos do art 14 nordm 2 o impacto

ambiental potencial da instalaccedilatildeo de residuos atendendo em especial a categoria da

instalaccedilatildeo as carateristicas dos residuos e a futura utilizaccedilatildeo dos terrenos reabilitados e

pressupotildee que os trabalhos de reabilitaccedilatildeo eventualmente necessarios seratildeo avaliados e

efetuados por terceiros independentes e devidamente qualificados

Esta garantia estaacute portanto estreitamente relacionada com a reparaccedilatildeo de danos ao estado do

solo mdash pois o terreno apoacutes o encerramento da instalaccedilatildeo poderaacute ter que sofrer uma operaccedilatildeo

de limpeza profunda caso venha a ser afeto a uma utilizaccedilatildeo urbana ou agriacutecola mdash tendo em

atenccedilatildeo a proteccedilatildeo da sauacutede da qualidade da aacutegua que possa ter sofrido contaminaccedilatildeo e da

biodiversidade envolvente A ligaccedilatildeo agrave diretiva da responsabilidade ambiental (supra referida)

eacute pois evidente Em contrapartida esta garantia natildeo tem por objetivo a reparaccedilatildeo ou

compensaccedilatildeo de outros danos aleacutem dos da reparaccedilatildeo dos elementos mencionados ou seja

para o seu caacutelculo natildeo relevam danos pessoais e socioambientais que decorram de eventuais

acidentes

Refira-se por uacuteltimo que a aprovaccedilatildeo do encerramento da instalaccedilatildeo liberta o operador da

exigecircncia de garantia mas poderaacute essa subsistir relativamente aos deveres de manutenccedilatildeo

monitorizaccedilatildeo controlo e medidas corretivas da instalaccedilatildeo na fase de pos-encerramento (art

14ordm nordm 4)

24 A PARTICIPACcedilAtildeO DO PUacuteBLICO E O ldquoDIREITO A SABERrdquo

Porque lida com riscos seacuterios para a sauacutede e ambiente a diretiva insiste na questatildeo da

divulgaccedilatildeo da informaccedilatildeo Isso eacute particularmente niacutetido no Ponto 2 do Anexo I que descreve

o conteuacutedo da ldquopolitica de prevenccedilatildeo de acidentes gravesrdquo O puacuteblico interessado deve ter

acesso agrave informaccedilatildeo essencial sobre a instalaccedilatildeo deve ser admitido a participar no

procedimento autorizativo atraveacutes da consulta dos elementos do pedido mdash nomeadamente a

identificaccedilatildeo do operador a caraterizaccedilatildeo da instalaccedilatildeo e do tipo de resiacuteduos aiacute gerados os

riscos que dela podem advir mdash e deve poder ter acesso aos relatoacuterios de monitorizaccedilatildeo da

instalaccedilatildeo Quanto ao puacuteblico mais diretamente afetado por um eventual acidente os planos

de emergecircncia externo e as medidas de proteccedilatildeo a adotar devem-lhe ser especificamente

comunicados

Esta obrigaccedilatildeo de divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees pelo operador deve ser exigida pelo Estado

atraveacutes das autoridades competentes O natildeo cumprimento do operador poderaacute acarretar

sanccedilotildees e responsabilizaccedilatildeo por acidente mas tambeacutem responsabilidade internacional do

Estado no plano da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Deve assinalar-se aqui a

decisatildeo da Corte Europeia dos Direitos Humanos no caso Tatar vs Romeacutenia precisamente na

sequecircncia do vazamento na mina de Baia Mare em 2000 a que jaacute aludimos (acoacuterdatildeo de 27 de

janeiro de 2009 proc 6702101)83

Neste aresto a Corte Europeia considerou que o Estado

romeno violou o artigo 8 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos Humanos na medida em que

natildeo exigiu do operador da mina nem a divulgaccedilatildeo de informaccedilatildeo sobre as carateriacutesticas da

instalaccedilatildeo de gestatildeo de rejeitos constante do procedimento de avaliaccedilatildeo de impacto

ambiental nem a informaccedilatildeo relativa ao acidente o que contende com a tranquilidade de que

83

O texto da decisatildeo em francecircs pode ser consultado aqui httpshudocechrcoeintengitemid[001-

90909] Acesso em 13 agosto 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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as pessoas devem poder usufruir na sua vida privada Nas palavras da Corte (em traduccedilatildeo

nossa)

ldquo121 O Tribunal constatou que as obrigaccedilotildees positivas inerentes ao respeito efetivo pela vida

privada ou familiar que incumbem agraves autoridades nacionais tambeacutem se estendiam mesmo a

fortiori ao periacuteodo posterior ao acidente de Janeiro de 2000

122 Dadas as consequecircncias para a sauacutede e o meio ambiente do acidente ecoloacutegico conforme

constam de estudos e relatoacuterios internacionais a Corte considera que a populaccedilatildeo da cidade de

Baia Mare incluindo os demandantes deve ter vivido em estado de anguacutestia e incerteza

acentuadas pela passividade das autoridades nacionais que tinham o dever de fornecer

informaccedilotildees suficientes e detalhadas sobre as consequecircncias passadas presentes e futuras do

acidente ecoloacutegico relativamente agrave sua sauacutede e ao meio ambiente e sobre as medidas

preventivas e recomendaccedilotildees a dirigir a populaccedilotildees que estariam sujeitas a eventos

comparaacuteveis no futuro A isso se soma o medo pela continuaccedilatildeo da atividade e a possiacutevel

recorrecircncia no futuro do mesmo acidente

123 O Tribunal observa que o primeiro recorrente intentou sem sucesso numerosos processos

administrativos e penais para apurar os riscos potenciais na sequecircncia do acidente ecoloacutegico de

Janeiro de 2000 ao qual esteve exposto bem como a sua famiacutelia bem assim tendo em vista

punir os responsaacuteveis por este incidente ()

124 No mesmo contexto que se seguiu ao acidente de Janeiro de 2000 o Tribunal estaacute

convencido apoacutes anaacutelise dos elementos dos autos que as autoridades nacionais descumpriram

o seu dever de informar a populaccedilatildeo do municiacutepio de Baia Mare e mais particularmente os

requerentes Estes uacuteltimos ficaram totalmente impossibilitados de conhecer as medidas

preventivas susceptiacuteveis de travar ou minimizar um acidente semelhante ou as medidas de accedilatildeo

em caso de reincidecircncia desse acidente Esta tese eacute tambeacutem apoiada pela Comunicaccedilatildeo da

Comissatildeo Europeia sobre a seguranccedila das actividades mineiras Seguranca da actividade

mineira analise de acidentes recentes 2000rdquo

A Corte Europeia por vias travessas eacute certo84

apela aqui ao respeito pelo direito de acesso agrave

informaccedilatildeo ambiental tal como consagrado na Convenccedilatildeo de Aarhus adotada em Junho de

1998 e em vigor desde outubro de 200185

Como tal direito natildeo consta da Convenccedilatildeo mais

natural seria abordaacute-lo a partir da liberdade de informar86

sem embargo do raciociacutenio

obliacutequo que faz entroncar o direito a ser informado sobre riscos vivenciais no direito ao

respeito pela vida privada (como sucedeu no caso Tatar) ou no direito agrave vida (no

paradigmaacutetico caso Oumlneryildiz vs Turquia mdash Acoacuterdatildeo de 18 de junho de 2002 proc nordm

4893999) o ldquodireito a saberrdquo da existecircncia de riscos capazes de pocircr em causa a vida e a

integridade fiacutesica das pessoas permeia cada vez mais os regimes de autorizaccedilatildeo de instalaccedilotildees

perigosas como aquelas que satildeo objeto deste texto

84

Cfr AMADO GOMES Carla Direito ao respeito pelo ambiente natildeo associado agrave protecccedilatildeo do domiciacutelio in

Comentaacuterio da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem e dos Protocolos adicionais II org de Paulo Pinto

de Albuquerque Lisboa (2019) pp 1579 segs 85

A Uniatildeo Europeia aderiu agrave Convenccedilatildeo atraveacutes da Decisatildeo 2005370CE do Conselho de 17 de fevereiro

relativa agrave celebraccedilatildeo em nome da Comunidade Europeia da Convenccedilatildeo sobre o acesso agrave informaccedilatildeo

participaccedilatildeo do puacuteblico no processo de tomada de decisatildeo e acesso agrave justiccedila em mateacuteria de ambiente 86

Recorde-se que a Corte Europeia recusou filiar o direito a ser informado sobre riscos de poluiccedilatildeo no artigo 10

da Convenccedilatildeo no caso Anna Maria Guerra e outros c Itaacutelia (Acoacuterdatildeos de 19 de fevereiro de 1998 procs nordms

1161996735932) Os autores um conjunto de residentes nas imediaccedilotildees de uma faacutebrica de quiacutemicos que

utilizava trioacutexido de arseacutenio recorreram agrave Corte de Estrasburgo depois de terem tentado obter informaccedilotildees

(junto das autoridades e inclusive dos tribunais nacionais) sobre os componentes emitidos pela instalaccedilatildeo cuja

disseminaccedilatildeo jaacute provocara na sequecircncia de um acidente ocorrido em 1976 a hospitalizaccedilatildeo de uma centena e

meia de pessoas por envenenamento

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C CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A gestatildeo dos resiacuteduos da atividade extrativa constitui sem duacutevida o eixo problemaacutetico

principal da noccedilatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel aplicado ao setor materializado na busca

por um sistema que previna a ocorrecircncia de desastres humanitaacuterios e ambientais com

derramamento de rejeitos e garanta um desempenho ambiental forte durante todo o ciclo de

vida do empreendimento e inclusive apoacutes o seu encerramento com a minimizaccedilatildeo de riscos

e a prevenccedilatildeo de passivos ambientais

A principal estrateacutegia para o alcance dos objetivos eleitos centraliza-se na poliacutetica hieraacuterquica

de gestatildeo de resiacuteduos cuja maacutexima fundamental eacute a prevenccedilatildeo da geraccedilatildeo acrescida da

minimizaccedilatildeo da perigosidade dos resiacuteduos e do incentivo agrave sua valorizaccedilatildeo Este eacute de resto o

modelo do futuro a economia circular visando evitar a todo custo a disposiccedilatildeo

finaleliminaccedilatildeo de resiacuteduos incluindo os rejeitos Especificamente do ponto de vista da

seguranccedila o risco de desastres encontra seu maior expoente na utilizaccedilatildeo da teacutecnica de

disposiccedilatildeo de rejeitos em barragens e no seu meacutetodo de alteamento combinado com a poliacutetica

de ordenamento territorial aplicaacutevel ao entorno do empreendimento

As duas uacuteltimas trageacutedias ocorridas em solo mineiro nos anos de 2015 e 2019 evidenciaram

o abismo existente entre o ideal proposto e a realidade faacutetica da atividade no Brasil Esta

conclusatildeo se extrai natildeo apenas do fracasso do sistema de prevenccedilatildeo de desastres por

rompimento de barragens mas do proacuteprio quantitativo de barragens existentes no territoacuterio

nacional e da constataccedilatildeo da adoccedilatildeo de um modelo de sustentabilidade fraco por um lado

dada a eleiccedilatildeo como regra da pior teacutecnica disponiacutevel por parte das mineradoras e por outro

lado em virtude da inexistecircncia de uma poliacutetica de gestatildeo de riscos eficaz

A trageacutedia provocada pela Vale SA em Brumadinho especialmente na sua dimensatildeo

humanitaacuteria decorrente do nuacutemero de perdas de vidas humanas tambeacutem evidenciou que natildeo

houve ganho de prevenccedilatildeo substancial na legislaccedilatildeo apoacutes o evento de Mariana de forma que

somente com a ediccedilatildeo da Lei Estadual nordm 232912019 foi possiacutevel se vislumbrar a

incorporaccedilatildeo legal de liccedilotildees aprendidas enquanto teacutecnica de prevenccedilatildeo de desastres repetidos

Dentre elas destacam-se a vinculaccedilatildeo do operador agraves melhores teacutecnicas disponiacuteveis a adoccedilatildeo

de uma poliacutetica territorial para minorar as consequecircncias no caso de eclosatildeo do evento e a

exigecircncia de uma garantia financeira para a reparaccedilatildeo de danos socioambientais decorrentes

de sinistro e para a desativaccedilatildeo de barragens

Sem olvidar o problema referente agrave qualidade e agrave confiabilidade das avaliaccedilotildees teacutecnicas

produzidas pelo operador - questatildeo natildeo versada no presente estudo - e da temaacutetica sensiacutevel

do fechamento das instalaccedilotildees de rejeitos que ainda se encontra pendente de ampla

regulamentaccedilatildeo no que pertine aos trecircs eixos temaacuteticos acima referenciados o legislador

mineiro destacou a devida atenccedilatildeo num modelo que configura notaacutevel ganho de proteccedilatildeo

ambiental especialmente no acircmbito da prevenccedilatildeo de desastres

Por sua vez a anaacutelise do quadro europeu traduzido na diretiva 200621CE que tambeacutem

representou resposta legislativa a desastre com rompimento de barragem (Baia Mare 2000)

demonstra que os aspectos retratados na novel legislaccedilatildeo do Estado de Minas Gerais embora

de modo natildeo idecircntico foram igualmente objeto de atenccedilatildeo especial pelo legislador europeu

acrescentando-se ainda o relevo concedido agrave participaccedilatildeo do puacuteblico agrave salvaguarda do

ldquodireito a saberrdquoconhecer informaccedilatildeo sobre riscos vivenciais e a criaccedilatildeo de disposiccedilotildees

especiacuteficas sobre o fechamento das instalaccedilotildees de resiacuteduosrejeitos

Apoacutes a ediccedilatildeo da citada diretiva natildeo se teve mais notiacutecias da ocorrecircncia de grandes desastres

socioambientais com colapso de barragens de rejeitos no territoacuterio da Uniatildeo Europeia Natildeo haacute

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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como se afirmar com absoluta certeza que este dado eacute corolaacuterio exclusivo da efetividade da

diretiva relativa agrave gestatildeo dos resiacuteduos de induacutestrias extrativas ateacute porque como se sabe o alto

padratildeo ambiental imposto pelo ordenamento europeu restringiu muitas atividades em seu

territoacuterio contribuindo em contrapartida para a expansatildeo de induacutestrias poluentes para paiacuteses

em desenvolvimento com regulamentaccedilatildeo ambiental menos restritiva mdash exatamente o caso

da atividade mineraacuteria no Brasil

Nada obstante espera-se ao menos que a semelhanccedila dos instrumentos legais abordados

provoque semelhante ganho de prevenccedilatildeo na praacutetica e que a novel legislaccedilatildeo do Estado de

Minas Gerais (Lei Estadual nordm 232912019) sirva como inspiraccedilatildeo e modelo para a alteraccedilatildeo

da Lei de Poliacutetica Nacional de Seguranccedila de Barragens (Lei Federal nordm 1233410) para que

esta possa tambeacutem absorver as liccedilotildees aprendidas das trageacutedias de Mariana e Brumadinho

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ABSTRACT This text aims in the first part to analyze how the ldquolessons learnedrdquo from the disasters of

Mariana and Brumadinho influenced State Law Nordm 232912019 which institutes the Dam

Safety Policy in the state of Minas Gerais In the second part it addresses the European

legislative framework on accident prevention with tailings dams

KEYWORDS risk management tailing dams accident prevention

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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RESPONSABILIDADE CIVIL E REDISTRIBUICcedilAtildeO DO OcircNUS DA

PROVA DO DANO MATERIAL AS GRANDES TRAGEacuteDIAS DA

MINERACcedilAtildeO

BRUNO HENRIQUE TENOacuteRIO TAVEIRA

____________________ SUMAacuteRIO __________________

1 Introduccedilatildeo 2 Desastre da Samarco no Rio doce ndash

rompimento da barragem de fundatildeo em MarianaMG ndash

enquadramento como conflito socioambiental 3 Da

responsabilidade civil objetiva na sociedade de risco 4

Teoria da carga dinacircmica da prova ndash aplicaccedilatildeo aos casos

envolvendo trageacutedias no setor de mineraccedilatildeo 5 Do

entendimento do tribunal de justiccedila do estado de minas

gerais acerca da redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova nos casos

envolvendo trageacutedias no setor de mineraccedilatildeo 51 Do

entendimento do tribunal de justiccedila do estado de minas

gerais acerca da redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova nos casos

envolvendo trageacutedias no setor de mineraccedilatildeo 52

Redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova em accedilatildeo indenizatoacuteria

ajuizada em razatildeo de problemas de sauacutede 6 Conclusatildeo

RESUMO O estudo se utiliza do conceito de sociedade de risco e da teoria da carga

dinacircmica da prova na tentativa de proceder a uma redistribuiccedilatildeo mais justa do ocircnus da prova

nas accedilotildees de indenizaccedilatildeo por danos materiais decorrentes das grandes trageacutedias provocadas

pelo setor de mineraccedilatildeo Aponta-se que a aplicaccedilatildeo da responsabilidade objetiva nas

atividades de risco natildeo possui sozinha a condiccedilatildeo de levar justiccedila ao caso concreto O

entendimento proposto neste trabalho impotildee agrave mineradora que possui mais conhecimento

teacutecnico bem como recursos materiais e econocircmicos o ocircnus de provar a extensatildeo do dano

material sofrido pelo atingido

Palavras-chave Responsabilidade civil Dano material Redistribuiccedilatildeo ocircnus da prova

Doutorando em Ciecircncias Juriacutedicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense Mestre em Direito pela

Universidade Federal de Minas Gerais Mestre em Justiccedila Administrativa pela Universidade Federal

Fluminense

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1 INTRODUCcedilAtildeO

O presente trabalho se vale da teoria da carga dinacircmica do ocircnus da prova na tentativa de

proceder a uma distribuiccedilatildeo mais justa dos encargos probatoacuterios nas accedilotildees de indenizaccedilatildeo

ajuizadas por atingidos por grandes trageacutedias provocadas pelo setor de mineraccedilatildeo

O estudo discorre acerca do desastre da Samarco no Rio Doce decorrente do rompimento da

barragem de Fundatildeo em MarianaMG com o enquadramento do mesmo como sendo um

conflito socioambiental que tambeacutem gerou milhares de prejuiacutezos considerados pelo direito

como de caraacuteter individual

Em seguida observa-se como deve ser tratada a responsabilidade civil na sociedade de risco

O conceito de sociedade de risco foi desenvolvido por Ulrich Beck o qual explica que a

ciecircncia e a tecnologia modernas criaram uma sociedade de risco na qual o sucesso na

produccedilatildeo de riqueza foi ultrapassado pela produccedilatildeo do risco

O estudo traz a forma como a responsabilidade civil estaacute disciplinada no Coacutedigo Civil com

adoccedilatildeo da responsabilidade objetiva em razatildeo da atividade de risco desenvolvida pelas

mineradoras natildeo sendo necessaacuteria comprovaccedilatildeo de dolo ou culpa na conduta das mesmas

Apesar do avanccedilo do sistema de responsabilidades no Coacutedigo Civil em mateacuteria de grandes

trageacutedias provocadas pelo setor de mineraccedilatildeo mostra-se essencial debater e avanccedilar no

sentido de se realizar a redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova na decisatildeo de saneamento e

organizaccedilatildeo do processo em virtude de eventual influecircncia na disposiccedilatildeo das partes na

produccedilatildeo de provas

Eacute nesse contexto que o trabalho se utiliza da teoria da carga probatoacuteria dinacircmica que jaacute

contava com ampla aceitaccedilatildeo na doutrina e jurisprudecircncia paacutetria sendo expressamente

positivada no art 373 sect1ordm do Coacutedigo de Processo Civil para propor uma redistribuiccedilatildeo do

ocircnus da prova do dano material nas accedilotildees de indenizaccedilatildeo movidas por atingidos em face das

mineradoras que provocaram grandes trageacutedias

Por fim o estudo enumera as hipoacuteteses em que o Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas

Gerais se manifestou acerca do tema em accedilotildees de indenizaccedilatildeo movidas por atingidos em face

da Samarco com julgados admitindo e outros rejeitando a proposta deste trabalho

2 DESASTRE DA SAMARCO NO RIO DOCE ndash ROMPIMENTO DA BARRAGEM

DE FUNDAtildeO EM MARIANAMG ndash ENQUADRAMENTO COMO CONFLITO

SOCIOAMBIENTAL

A barragem de mineacuterios rompida em Mariana era de propriedade da empresa Samarco

Mineraccedilatildeo SA cujo capital eacute controlado paritariamente por duas gigantes internacionais da

mineraccedilatildeo as empresas Vale SA e BHP Billiton Brasil Ltda

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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De acordo com estimativas foram 50 milhotildees de metros cuacutebicos de resiacuteduos mineraacuterios que

carreados ateacute o Rio Doce um dos rios mais importantes do sudeste brasileiro percorreram

aproximadamente 600 km ateacute a foz no Oceano Atlacircntico

De imediato 19 pessoas morreram centenas de moradias foram destruiacutedas com prejuiacutezos agraves

atividades produtivas de diversas comunidades ribeirinhas

O comprometimento da vida do Rio Doce ateacute o litoral do estado do Espiacuterito Santo ocasionou

ainda significativos danos agrave qualidade da aacutegua naquela bacia hidrograacutefica fonte de

abastecimento e de produccedilatildeo de alimentos para milhotildees de habitantes

Cabe nesta decisatildeo traccedilar consideraccedilotildees iniciais a respeito da caracterizaccedilatildeo do desastre do

Rio Doce (rompimento da barragem de Fundatildeo em MarianaMG) como conflito

socioambiental e da possibilidade de inversatildeo do ocircnus da prova

Kirsch aponta que os conflitos ambientais remetem a situaccedilotildees de disputa sobre a apropriaccedilatildeo

dos recursos e serviccedilos ambientais em que imperam condiccedilotildees de desproporcionalidade no

acesso agraves condiccedilotildees naturais bem como uma desigualdade na disposiccedilatildeo dos efluentes Aleacutem

disso os conflitos ambientais caracterizam-se pela irrupccedilatildeo de embates entre praacuteticas

espaciais distintas que operam sobre um mesmo territoacuterio ou sobre territoacuterios interconexos

levando agrave colisatildeo e concorrecircncia entre sistemas diversos de uso controle e significaccedilatildeo dos

recursos em que natildeo raro se processa a despossessatildeo dos grupos locais (KIRSCH 2014)

Andrea Zhori esclarece que trata-se de lutas poliacuteticas e simboacutelicas estabelecidas em torno do

sentido e do destino dos territoacuterios Desta forma duas observaccedilotildees se fazem relevantes a

primeira eacute a de que os conflitos ambientais natildeo se restringem ao confronto de interesses entre

duas ou mais partes litigantes e tampouco podem ser reduzidos agrave irrupccedilatildeo de uma

controveacutersia entre polos cujas posiccedilotildees sociais equivalentes redundam em iguais condiccedilotildees de

negociaccedilatildeo Ao contraacuterio constituem cenaacuterios nos quais os agentes envolvidos ocupam

posiccedilotildees assimeacutetricas em que uma distribuiccedilatildeo desigual dos capitais econocircmico poliacutetico e

simboacutelico lhes define o poder de accedilatildeo e de enunciaccedilatildeo Os conflitos ambientais surgem dos

distintos modos de apropriaccedilatildeo teacutecnica econocircmica social e cultural do mundo material

(ZHOURI 2018 p 39)

Nesse contexto o desastre do Rio Doce pode ser entendido como uma consequecircncia de

conflitos anteriores os quais natildeo foram adequadamente tratados de acordo com os autores

acima mencionados

Verifica-se a existecircncia de diversas demandas individuais buscando a responsabilidade civil

das mineradoras Mostra-se essencial encontrar soluccedilotildees para essas questotildees individuais

decorrentes e com ligaccedilatildeo direta com os conflitos socioambientais envolvendo a

responsabilidade civil pelos danos materiais e morais causados agraves pessoas atingidas com

recorte especiacutefico neste ponto

Nestas accedilotildees de caraacuteter individual em que se busca a responsabilidade civil da mineradora

encontra-se a justificativa para uma mudanccedila de paradigma ante as dificuldades dos autores

das accedilotildees em comprovar a extensatildeo do dano material ou moral sofrido

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Eacute preciso buscar a melhor soluccedilatildeo a ser dada nas accedilotildees individuais em que se busca a

responsabilidade civil do empreendedor de atividades de risco especialmente no campo da

mineraccedilatildeo

A temaacutetica abordada deve ser objeto de anaacutelises constantes em razatildeo da relevacircncia dos

aspectos juriacutedicos da mineraccedilatildeo bem como das cautelas devidas e da anaacutelise juriacutedica dos

riscos envolvidos na operaccedilatildeo Em virtude destes riscos envolvidos nas operaccedilotildees de

mineraccedilatildeo aponta-se a necessidade de buscar soluccedilatildeo para minimizar os riscos tornando

mais segura a operaccedilatildeo e buscando a adequada responsabilidade civil em caso de desastre

Neste contexto a mineraccedilatildeo eacute uma atividade econocircmica muito importante para o Estado de

Minas Gerais mas que produz riscos igualmente relevantes

Em situaccedilotildees de enormes desastres como ocorreu no rompimento da barragem de Fundatildeo em

MarianaMG constata-se a extrema dificuldade dos atingidos em comprovar ateacute mesmo a

extensatildeo dos danos materiais sofridos o que impotildee uma mudanccedila de paradigma da ciecircncia

juriacutedica para permitir a efetividade da claacuteusula de responsabilidade objetiva

3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA NA SOCIEDADE DE RISCO

A responsabilidade civil se encontra em permanente modificaccedilatildeo sendo um desafio para a

teoria juriacutedica atual a elaboraccedilatildeo de uma teoria da responsabilidade que se adeacuteque agraves novas

exigecircncias econocircmicas e sociais Pode-se contextualizar a responsabilidade civil com a

utilizaccedilatildeo do conceito de ldquosociedade de riscordquo desenvolvido por Ulrich Beck O referido

autor explica que a ciecircncia e a tecnologia modernas criaram uma sociedade de risco na qual o

sucesso na produccedilatildeo de riqueza foi ultrapassado pela produccedilatildeo do risco As principais

preocupaccedilotildees da ldquosociedade industrialrdquo e da ldquosociedade de classesrdquo ndash a criaccedilatildeo e a

distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza ndash foram substituiacutedas pela busca de seguranccedila em nome da

sociedade catastroacutefica na qual o estado de exceccedilatildeo ameaccedila converter-se em normalidade

(BECK 2011 p 28)

Beck (2018 p 33) aponta o risco como uma caracteriacutestica definidora de nossa era O autor

elabora um diaacutelogo com o direito pelo vieacutes da seguranccedila enfatizando que os riscos nesta

modernidade satildeo muito maiores sendo relevante a capacidade de antecipar os perigos bem

como os suportar

O presente toacutepico pretende se concentrar nas alteraccedilotildees da noccedilatildeo de responsabilidade civil

com o advento da atual ldquosociedade de riscordquo

Eacute preciso destacar que conforme o tempo e o lugar a responsabilidade civil possui quatro

funccedilotildees fundamentais reparatoacuteria preventiva precaucional e punitiva

Com efeito a mutaccedilatildeo juridica do termo ldquoresponsabilizarrdquo aponta para a constante alteraccedilatildeo

da noccedilatildeo de responsabilidade civil ldquoResponsabilizarrdquo ja significou punir reprimir culpar nos

primordios dos estudos do tema Com a adoccedilatildeo da teoria do risco ldquoresponsabilizarrdquo se

converteu em reparaccedilatildeo de danos Atualmente utiliza-se a ideia de ldquoresponsabilizarrdquo natildeo so

como compensaccedilatildeo mas tambeacutem como prevenccedilatildeo de iliacutecitos

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

45

Os fatos que desencadearam os problemas a serem enfrentados decorrem de desastres

causados pelos rompimentos de barragens em locais em que mineradoras desenvolviam suas

atividades

Os danos causados pelos desastres satildeo gigantescos e tempos depois dos fatos constata-se que

os atingidos natildeo tiveram o ressarcimento dos prejuiacutezos sofridos e encontram dificuldades em

comprovar ateacute mesmo os danos pois em muitos casos todos os objetos foram levados com a

lama e rejeitos de mineacuterios

Nesse contexto cabe destacar que a responsabilidade civil objetiva nas atividades de risco jaacute

existe no Brasil e se pode destacar o processo contiacutenuo gradual e exitoso de substituiccedilatildeo da

ideia de busca de um culpado pela necessidade de reparaccedilatildeo de danos Todavia o abandono

da discussatildeo acerca da culpa e sua substituiccedilatildeo pelo risco nem sempre geram a imediata e

necessaacuteria reparaccedilatildeo dos graves danos causados pela atividade mineraacuteria o que tem gerado

prejuiacutezo a diversos atingidos

A claacuteusula geral de responsabilidade pelo risco tem previsatildeo no artigo 927 paraacutegrafo uacutenico

do Coacutedigo Civil o que estabelece que haveraacute obrigaccedilatildeo de reparar o dano independentemente

de culpa nos casos especificados na lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida

pelo autor do dano implicar por sua natureza risco para os direitos de outrem

Da anaacutelise das normas no direito civil brasileiro em um primeiro momento parece que o

Coacutedigo Civil brasileiro tem uma proteccedilatildeo mais riacutegida nos danos decorrentes das atividades de

risco

O ato antijuriacutedico eacute a infraccedilatildeo de uma norma um mandamento ou uma proibiccedilatildeo expressos no

ordenamento A legislaccedilatildeo brasileira destaca a antijuridicidade ao prever a violaccedilatildeo ao direito

no artigo 186 do Coacutedigo Civil o qual define ato iliacutecito

Assim aleacutem dos Tribunais aceitarem a utilizaccedilatildeo da responsabilidade objetiva em razatildeo da

atividade de risco desenvolvida pelas mineradoras natildeo sendo necessaacuteria comprovaccedilatildeo de

dolo ou culpa na conduta das mesmas mostra-se essencial debater e avanccedilar no sentido de se

realizar a redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova na decisatildeo de saneamento e organizaccedilatildeo do

processo em virtude de eventual influecircncia na disposiccedilatildeo das partes na produccedilatildeo de provas

4 TEORIA DA CARGA DINAcircMICA DA PROVA ndash APLICACcedilAtildeO AOS CASOS

ENVOLVENDO TRAGEacuteDIAS NO SETOR DE MINERACcedilAtildeO

A teoria da carga probatoacuteria dinacircmica que jaacute contava com ampla aceitaccedilatildeo na doutrina e

jurisprudecircncia paacutetria foi expressamente positivada no art 373 sect1ordm do Coacutedigo de Processo

Civil (Brasil 2015) in verbis

Art 373 O ocircnus da prova incumbe I - ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito II - ao reacuteu quanto a existecircncia de fato impeditivo modificativo ou extintivo do

direito do autor

sect 1oNos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas a

impossibilidade ou a excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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caput ou a maior facilidade de obtenccedilatildeo da prova do fato contrario podera o juiz

atribuir o ocircnus da prova de modo diverso desde que o faccedila por decisatildeo

fundamentada caso em que devera dar a parte a oportunidade de se desincumbir do

ocircnus que lhe foi atribuido sect 2

o A decisatildeo prevista no sect 1o deste artigo natildeo pode gerar situaccedilatildeo em que a

desincumbecircncia do encargo pela parte seja impossivel ou excessivamente dificil sect 3

o A distribuiccedilatildeo diversa do ocircnus da prova tambeacutem pode ocorrer por convenccedilatildeo

das partes salvo quando I - recair sobre direito indisponivel da parte II - tornar excessivamente dificil a uma parte o exercicio do direito sect 4

o A convenccedilatildeo de que trata o sect 3opode ser celebrada antes ou durante o processo

Tal teoria ganha especial aplicaccedilatildeo em demandas que versem sobre a responsabilidade civil

por dano decorrente de rompimento de barragem de mineraccedilatildeo jaacute tendo sido reconhecida

pelo Tribunal de Justiccedila de Minas Gerais antes mesmo da previsatildeo expressa no ordenamento

processual brasileiro A ilustrar o esposado entendimento cita-se o seguinte acoacuterdatildeo

ldquoEMENTA DIREITO CIVIL RESPONSABILIDADE CIVIL ROMPIMENTO

DE BARRAGEM MINERACcedilAtildeO RIO POMBA CATAGUASES ENCHENTE EM

MURIAEacute TEORIA DO RISCO INTEGRAL DESNECESSIDADE DE

COMPROVACcedilAtildeO DO DOLO OU CULPA NECESSIDADE DE

COMPROVACcedilAtildeO DO DANO E DO NEXO CAUSAL POSSIBILIDADE DE

INVERSAtildeO DO OcircNUS DA PROVA MEcircS QUE JANEIRO DE 2007 QUATRO

ENCHENTES EM VINTE E CINCO DIAS NEXO CAUSAL DE APENAS UMA

COM O ROMPIMENTO DA BARRAGEM DANO MORAL OCORREcircNCIA

DANO MATERIAL COMPROVACcedilAtildeO 1 No caso a inundaccedilatildeo que atingiu a

residecircncia da parte autora ocorreu na madrugada do dia 10012007 enquanto haacute

informaccedilatildeo nos autos do Comandante do Corpo de Bombeiros de que os rejeitos da

barragem rompida vieram a atingir o municiacutepio de Muriaeacute agraves 0130h da madrugada

do dia 110107 2 Em janeiro de 2007 Muriaeacute foi atingida por enchentes nos dias

04 1011 15 e 25 devidos agraves fortes chuvas sendo que apenas aquela ocorrida na

madrugada do dia 11 tem nexo causal com o rompimento da barragem da Mineraccedilatildeo

Rio Pomba Cataguases 3 Segundo entendimento do STJ a viacutetima de dano

ambiental natildeo se caracteriza como consumidor mas equipara-se a tal para a

finalidade da tutela dos direitos pois justifica-se a inversatildeo do ocircnus da prova

transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ocircnus de

demonstrar a seguranccedila do empreendimento a partir da interpretaccedilatildeo do art 6ordm

VIII daLei 80781990 cc o art 21 da Lei 73471985 conjugado ao Princiacutepio

Ambiental da Precauccedilatildeo 4 A simples rejeiccedilatildeo dos embargos de declaraccedilatildeo como

entendeu aquele juiacutezo primevo natildeo impotildee que sejam os mesmos considerados

protelatoacuterios havendo de ser caracterizado o dolo de realizar a procrastinaccedilatildeo do

feito (BRASIL Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel

1043907073669-9001 Apelante Mineraccedilatildeo Rio Pomba Cataguases Ltda

Apelado Joatildeo Ferreira Mendes e outros Rel Desembargador Cabral da Silva j

26062012 DJe 10072012)

Nessas situaccedilotildees envolvendo desastre no setor de mineraccedilatildeo ressai patente que o

empreendedor do setor de mineraccedilatildeo possui maior facilidade para esclarecer os pontos

controvertidos notadamente pelo conhecimento teacutecnico e pela possibilidade de acessos agraves

informaccedilotildees especiacuteficas sobre o caso

Nesses termos diante das melhores condiccedilotildees ostentadas pela mineradora para produzir a

prova sobre os fatos controvertidos no feito especialmente pela ampla atuaccedilatildeo necessaacuteria em

decorrecircncia dos transtornos causados por enormes desastres socioambientais no Brasil eacute caso

de redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Por oportuno cabe destacar de forma expressa que natildeo se trata de reconhecer a existecircncia de

relaccedilatildeo de consumo entre as partes autora e requerida Este natildeo eacute o fundamento da presente

tese

O que se estaacute a sugerir eacute distribuir o ocircnus da prova conforme o Novo Coacutedigo de Processo

Civil em uma accedilatildeo envolvendo direito civil e a responsabilidade objetiva em atividades de

risco com inegaacutevel influecircncia socioambiental em que se impotildee a observacircncia de uma

principiologia proacutepria e especiacutefica

Passo a fundamentar a inversatildeo do ocircnus da prova com base na legislaccedilatildeo processual civil

O Superior Tribunal de Justiccedila consoante decisatildeo prolatada pela sua Segunda Seccedilatildeo no REsp

802832MG divulgada no seu Informativo de Jurisprudecircncia nordm 0469 entendeu que eventual

inversatildeo do ocircnus da prova deve ocorrer preferencialmente por ocasiatildeo do saneamento do

processo Assim in verbis

Trata-se de REsp em que a controveacutersia consiste em definir qual o momento

processual adequado para que o juiz na responsabilidade por viacutecio do produto (art

18 do CDC) determine a inversatildeo do ocircnus da prova prevista no art 6ordm VIII do

mesmo codex No julgamento do especial entre outras consideraccedilotildees observou o

Min Relator que a distribuiccedilatildeo do ocircnus da prova apresenta extrema relevacircncia de

ordem praacutetica norteando como uma buacutessola o comportamento processual das

partes Naturalmente participaraacute da instruccedilatildeo probatoacuteria com maior vigor

intensidade e interesse a parte sobre a qual recai o encargo probatoacuterio de

determinado fato controvertido no processo Dessarte consignou que influindo a

distribuiccedilatildeo do encargo probatoacuterio decisivamente na conduta processual das partes

devem elas possuir a exata ciecircncia do ocircnus atribuiacutedo a cada uma delas para que

possam produzir oportunamente as provas que entenderem necessaacuterias Ao

contraacuterio permitida a distribuiccedilatildeo ou a inversatildeo do ocircnus probatoacuterio na sentenccedila e

inexistindo com isso a necessaacuteria certeza processual haveraacute o risco de o

julgamento ser proferido sob uma deficiente e desinteressada instruccedilatildeo probatoacuteria

na qual ambas as partes tenham atuado com base na confianccedila de que sobre elas natildeo

recairia o encargo da prova de determinado fato Assim entendeu que a inversatildeo ope

judicis do ocircnus da prova deve ocorrer preferencialmente no despacho saneador

ocasiatildeo em que o juiz decidiraacute as questotildees processuais pendentes e determinaraacute as

provas a serem produzidas designando audiecircncia de instruccedilatildeo e julgamento (art

331 sectsect 2ordm e 3ordm do CPC) Desse modo confere-se maior certeza agraves partes referente

aos seus encargos processuais evitando a inseguranccedila Com esse entendimento a

Seccedilatildeo ao prosseguir o julgamento por maioria negou provimento ao recurso

mantendo o acoacuterdatildeo que desconstituiu a sentenccedila a qual determinara nela proacutepria a

inversatildeo do ocircnus da prova Precedentes citados REsp 720930-RS DJe 9112009 e

REsp 881651-BA DJ 2152007 (BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila REsp nordm

802832 Recorrente Ana Maria Guimaratildees Cruz Recorrido Tecar Minas

Automoacuteveis e Serviccedilos Ltda Rel Ministro Paulo de Tarso Sanseverino j

13042011 DJe 21092011)

A despeito de a decisatildeo ter sido proferida em sede de relaccedilotildees de consumo o que natildeo eacute o caso

da presente hipoacutetese (como jaacute mencionei) certo eacute que a ratio decidendi transcende esse

limite aplicando-se a todas as demais hipoacuteteses em que a inversatildeo do ocircnus da prova seja

admitida

Nos casos envolvendo os desastres da Samarco e da Vale cabe destacar que a teoria da carga

dinacircmica da prova tem como escopo justamente obstar que um caso ldquosub judicerdquo receba tutela

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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jurisdicional divorciada da realidade buscando assim cada vez mais a verdade real no

acircmbito do Direito Processual Civil

Para esta moderna teoria o ocircnus ldquoprobandirdquo eacute distribuiacutedo natildeo em razatildeo da espeacutecie dos fatos ou

da posiccedilatildeo ocupada pela parte na lide mas sim em estrita observacircncia aos conhecimentos

teacutecnicos das partes e a facilidade que cada qual teraacute para carrear aos autos os elementos

necessaacuterios a uma prestaccedilatildeo jurisdicional efetiva ou seja calcada na realidade material

Cabe destacar liccedilotildees da doutrina acerca do tema (MARINONI 2019)

Eacute evidente que o fato de o reacuteu ter condiccedilotildees de provar a natildeo existecircncia do fato

constitutivo natildeo permite por si soacute a inversatildeo do ocircnus da prova Isso apenas pode

acontecer quando as especificidades da situaccedilatildeo de direito material objeto do

processo demonstrarem que natildeo eacute racional exigir a prova do fato constitutivo mas

sim exigir a prova de que o fato constitutivo natildeo existe Ou seja a inversatildeo do ocircnus

da prova eacute imperativo de bom senso quando ao autor eacute impossiacutevel ou muito difiacutecil

provar o fato constitutivo mas ao reacuteu eacute viaacutevel ou muito mais faacutecil provar a sua

inexistecircncia

A mencionada observacircncia das reais circunstacircncias que norteiam cada parte na relaccedilatildeo

juridica processual dar-se-a atraveacutes das maximas da experiecircncia consagrada no Novo Codigo

de Processo Civil Com efeito natildeo satildeo as maximas da experiecircncia que autorizam a

distribuiccedilatildeo dinacircmica do ocircnus da prova sendo elas em verdade instrumento de afericcedilatildeo das

condiccedilotildees pessoais teacutecnicas e de viabilidade da produccedilatildeo dos meios de prova

Por oportuno cumpre trazer a baila a liccedilatildeo de Eduardo Cambi

Assim a referida teoria reforccedila o senso comum e as maacuteximas da experiecircncia ao

reconhecer que quem deve provar eacute quem estaacute em melhores condiccedilotildees de

demonstrar o fato controvertido evitando que uma das partes se mantenha inerte na

relaccedilatildeo processual porque a dificuldade da prova a beneficia (CAMBI 2006 p

342)

No caso concreto consoante salientado alhures o ocircnus da produccedilatildeo da prova deve ser das

mineradoras revelando-se em descompasso com os princiacutepios do processo civil admitir que

este ocircnus seja transferido para o atingido

Vale observar que a distribuiccedilatildeo dinacircmica do ocircnus da prova natildeo deve servir como meio de se

prejulgar a causa transferindo a dificuldade probatoacuteria de uma das partes para a outra que

manifestamente natildeo se encontra em melhores condiccedilotildees pessoais ou teacutecnicas de produccedilatildeo do

instrumento de formaccedilatildeo da convicccedilatildeo do juiz (CAMBI 2006 p 343)

Artur Thompsen Carpes (2007 p36) tambeacutem escreve sobre o tema

Originada no campo doutrinaacuterio vem ganhando grande aceitaccedilatildeo pelos tribunais

brasileiros a denominada ldquodistribuiccedilatildeo dinacircmica do ocircnus da provardquo que preconiza

uma alternativa ao esquema rigidamente estabelecido na lei processual para

consideradas as peculiaridades concretas do caso onerar da produccedilatildeo da prova a

parte que se encontra em melhores condiccedilotildees profissionais teacutecnicas ou de fato para

produzi-la

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Por todo o alinhavado pode-se inferir que a premissa baacutesica da teoria da carga dinacircmica da

prova consiste na inaptidatildeo de a partir de uma distribuiccedilatildeo in abstrato do ocircnus da prova se

prestar uma tutela juriacutedica adequada agrave res in iudicium deducta o que a torna absolutamente

necessaacuteria no desiderato de prolaccedilatildeo de um provimento judicial efetivo

A teoria da carga dinacircmica da prova alicerccedila-se em princiacutepios que norteiam a efetiva

prestaccedilatildeo da tutela jurisdicional visando sempre agrave estrita observacircncia da igualdade

constitucional bem como da solidariedade da lealdade da boa-feacute e da veracidade que devem

permear os atos processuais praticados pelas partes em juiacutezo garantindo-se assim o acesso agrave

justiccedila

Garantir um tratamento igualitaacuterio aos litigantes nada mais eacute que propiciar-lhes meios de

obterem um provimento judicial em consonacircncia com a realidade faacutetica ou seja que tenham

efetivo acesso aos instrumentos necessaacuterios a propiciar a formaccedilatildeo do convencimento do juiz

Quanto ao princiacutepio da igualdade cabe transcrever o ensinamento de processualistas

a) princiacutepio da igualdade (art 5ordm caput CF e art 125 I CPC) (art 139 I do Novo

CPCP) uma vez que deve haver uma paridade real de armas das partes no processo

promovendo-se um equiliacutebrio substancial entre elas o que soacute seraacute possiacutevel se

atribuiacutedo o ocircnus da prova agravequela que tem meios para satisfazecirc-lo (DIDIER JR

2006 p 521)

Destarte distribuir o ocircnus da prova de acordo com as condiccedilotildees pessoais ou conhecimentos

teacutecnicos de cada uma das partes significa propiciar uma igualdade substancial na instruccedilatildeo

probatoacuteria de modo a se alcanccedilar a verdade real e consectaacuterio loacutegico a justa prestaccedilatildeo

jurisdicional exarando-se provimento final em estrita harmonia com o mundo faacutetico

O Coacutedigo de Processo Civil arrola como um dos deveres dos sujeitos que integram o

processo a procedecircncia de acordo com os ditames da lealdade e boa-feacute

Estritamente no que tange agrave teoria da carga dinacircmica das provas a lealdade reflete-se na

vereda das partes apresentarem-se em juiacutezo dispostas a alcanccedilarem um provimento justo

sempre sob o manto da legalidade Desta forma criar embaraccedilos agrave instruccedilatildeo processual e ao

protelamento do feito natildeo se coaduna com a lealdade processual razatildeo pela qual devem

sempre carrear aos autos as provas necessaacuterias ao deslinde da causa

Ademais o princiacutepio da veracidade prescrito no ordenamento juriacutedico brasileiro harmoniza-se

categoricamente com a aludida teoria pois visa conforme salientado alhures propiciar que o

juiz alcance a verdade real atraveacutes da efetiva produccedilatildeo dos possiacuteveis meios de prova no caso

concreto

A seu turno o princiacutepio da solidariedade consiste no dever de todos natildeo apenas partes

embora principalmente auxiliarem o magistrado a descortinar a verdade dos fatos (DIDIER

JR 2006 p 521) Ao diligenciar no sentido de auxiliar o juiz a apreciar a verdade dos fatos

as partes principalmente acabam por desincumbir-se do seu dever de veracidade

A mais clara expressatildeo do princiacutepio da solidariedade encontra-se prescrito no referido art

378 CPC porquanto eacute categorico em afirmar que ldquoningueacutem se exime do dever de colaborar

com o Poder Judiciario para o descobrimento da verdaderdquo Infere-se assim que o dever de

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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colaborar na perquiriccedilatildeo da verdade substancial reflete-se na produccedilatildeo probatoacuteria natildeo

podendo as partes eximir-se de instruiacuterem o feito com os meios necessaacuterios ao real

convencimento do julgador

A livre investigaccedilatildeo das provas a seu turno consiste em instrumento crucial para que o juiz

possa distribuir dinamicamente o ocircnus na produccedilatildeo das provas pois especificaraacute de acordo

com o caso concreto quais fatos necessaacuterios ao seu convencimento deveraacute cada parte

efetivamente demonstrar nos autos

O processo tem como finalidade uacuteltima o acesso agrave justiccedila que consiste na busca incessante

para que jurisdicionado alcance uma tutela efetiva agrave sua posiccedilatildeo na relaccedilatildeo juriacutedica

processual

Infere-se pelo exposto que a tendecircncia do Direito Processual contemporacircneo eacute garantir aos

litigantes instrumentos que possibilitem uma substancial realizaccedilatildeo do direito subjetivo

levado agrave maacutequina judiciaacuteria por meio da demanda

Dentre esses instrumentos pode-se indubitavelmente arrolar a teoria da carga dinacircmica da

prova porquanto permite que as partes processuais sejam incumbidas de instruir o feito

processual tatildeo-somente com o que praticamente pode ser produzido extirpando

consequentemente a prova diaboacutelica que por sua vez obsta a prestaccedilatildeo de uma tutela

jurisdicional efetiva devendo-se considerar assim que o acesso agrave ordem juriacutedica justa

encontra intima relaccedilatildeo com ldquoum procedimento probatorio adequadordquo (KNIJNIK 2006 p

943)

A aplicaccedilatildeo da teoria da carga dinacircmica da prova ademais jaacute foi admitida pelo Superior

Tribunal de Justiccedila

RESPONSABILIDADE CIVIL MEDICO CLINICA CULPA PROVA 1 Natildeo viola regra sobre a prova o acoacuterdatildeo que aleacutem de aceitar implicitamente o

princiacutepio da carga dinacircmica da prova examina o conjunto probatoacuterio e conclui pela

comprovaccedilatildeo da culpa dos reacuteus 2 Legitimidade passiva da clinica inicialmente procurada pelo paciente 3 Juntada de textos cientiacuteficos determinada de oficio pelo juiz Regularidade 4 Responsabilizaccedilatildeo da clinica e do medico que atendeu o paciente submetido a

uma operaccedilatildeo cirurgica da qual resultou a secccedilatildeo da medula 5 Inexistencia de ofensa a lei e divergencia natildeo demonstrada Recurso especial natildeo

conhecido (BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila REsp nordm 60309 Recorrente

Cliacutenica Neuroloacutegica e Neurociruacutergica de Joinville e outro Recorrido Getuacutelio

Raphael Bittencourt Machado Rel Ruy Rosado de Aguiar j 18061996 DJ

26081996)

Ao se tratar do ldquoonus probandirdquo na esfera processual civil a primeira observaccedilatildeo que vem agrave

mente do operador do direito eacute indubitavelmente a regra prescrita no art 373 da respectiva

codificaccedilatildeo ao fixar de forma preacutevia e estaacutetica o ocircnus do autor em provar os fatos

constitutivos do seu direito e ao reacuteu os fatos extintivos modificados ou impeditivos daquele

direito Com efeito mencionado dispositivo legal distribui o ocircnus probatoacuterio a partir de um

emoldurado abstrato e preacutevio agrave relaccedilatildeo juriacutedica processual a partir da posiccedilatildeo em que se

situam as partes e tambeacutem observando a natureza dos fatos

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Todavia natildeo haacute como negar que as dificuldades na produccedilatildeo das provas variam de acordo

com o caso concreto o que exige assim uma dinamicidade na distribuiccedilatildeo das cargas

probatoacuterias Assim por vezes eacute imputado um ocircnus demasiadamente difiacutecil quiccedilaacute impossiacutevel

de ser desincumbido por uma ou ambas as partes que integram a relaccedilatildeo processual razatildeo

pela qual necessaacuterio se faz uma distribuiccedilatildeo ou inversatildeo do ocircnus observando as peculiaridades

do caso concreto

Com efeito o sect 1ordm do art 373 do Novo Coacutedigo de Processo Civil tambeacutem eacute expresso ao

afirmar que o juiz pode atribuir o ocircnus da prova de modo diverso desde que o faccedila por

decisatildeo fundamentada caso em que deveraacute dar agrave parte a oportunidade de se desincumbir do

ocircnus que lhe foi atribuiacutedo

A proposta apresentada nesse estudo exige uma decisatildeo judicial suficientemente

fundamentada e que concede oportunidade agraves partes para se desincumbirem do ocircnus que no

momento da decisatildeo estaacute sendo atribuiacutedo

Nesse sentido o Coacutedigo de Processo Civil

Art 373 sect 1ordm CPC Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa

relacionadas agrave impossibilidade ou agrave excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos

termos do caput ou agrave maior facilidade de obtenccedilatildeo da prova do fato contraacuterio poderaacute

o juiz atribuir o ocircnus da prova de modo diverso desde que o faccedila por decisatildeo

fundamentada caso em que deveraacute dar agrave parte a oportunidade de se desincumbir do

ocircnus que lhe foi atribuiacutedo sect 2ordm A decisatildeo prevista no sect 1ordm deste artigo natildeo pode gerar situaccedilatildeo em que a

desincumbecircncia do encargo pela parte seja impossiacutevel ou excessivamente difiacutecil

O sistema juriacutedico brasileiro com o Novo Coacutedigo Civil acolhe expressamente a natureza

dinacircmica das provas possuindo ainda princiacutepios que a fundamentam natildeo apenas como norte

ao inteacuterprete mas inclusive de forma positivada Assim ao se analisar o teor da ordem

juriacutedica vigente infere-se a acolhida ao princiacutepio da igualdade (art 5ordm caput CF e art 139 I

CPC) ao princiacutepio da lealdade processual (art 77 e art 80 CPC) ao princiacutepio da veracidade

(art 77 I e art 80 I CPC) ao princiacutepio da solidariedade ao princiacutepio da livre investigaccedilatildeo

das provas (art 370 CPC) ao princiacutepio do devido processo legal (art 5ordm LIV CF) e por

derradeiro ao princiacutepio do acesso agrave justiccedila(art 5ordm XXXV CF)

Desta forma resta patente a admissibilidade da teoria da carga dinacircmica das provas no

ordenamento juriacutedico sendo possiacutevel consectaacuterio loacutegico afastar a incidecircncia da regra

prevista no ldquocaputrdquo do art 373 CPC a partir de uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica bem como a

partir da interpretaccedilatildeo literal de seu sect 1ordm

Diante do exposto constata-se que em processos envolvendo grandes trageacutedias causadas pela

atividade mineraacuteria a redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova eacute a medida mais adequada para que a

instruccedilatildeo processual demonstre a verdadeira extensatildeo do dano material possibilitando que o

magistrado encontre o valor da mais justa indenizaccedilatildeo

Especialmente para esclarecimento das consequecircncias decorrentes do rompimento de

barragens de mineraccedilatildeo bem como acerca da eventual ausecircncia dos elementos configuradores

da responsabilidade civil deve-se impor ao causador da trageacutedia o ocircnus de provar a

inexistecircncia do alegado dano

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5 DO ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DO ESTADO DE MINAS

GERAIS ACERCA DA REDISTRIBUICcedilAtildeO DO OcircNUS DA PROVA NOS CASOS

ENVOLVENDO TRAGEacuteDIAS NO SETOR DE MINERACcedilAtildeO

O Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais ja teve a oportunidade de se manifestar

acerca da redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova em accedilotildees de indenizaccedilatildeo em que se discute dano

material

As hipoteses tratavam de danos causados em virtude do rompimento da barragem de Fundatildeo

em MarianaMG

Foram casos envolvendo danos a imovel rural produtivo e danos em virtude de problemas de

sauacutede conforme se passa a analisar abaixo

51 REDISTRIBUICcedilAtildeO DO OcircNUS DA PROVA EM ACcedilAtildeO INDENIZATOacuteRIA

AJUIZADA EM RAZAtildeO DE DANIFICACcedilAtildeO DE IMOacuteVEL RURAL PRODUTIVO -

PERDA DE PLANTACcedilOtildeES - ALEGACcedilAtildeO DE INUTILIZACcedilAtildeO DO SOLO

O primeiro caso relacionado agrave redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova do dano material envolve accedilotildees

de indenizaccedilatildeo movidas por atingidos em face da Samarco Mineraccedilatildeo SA em decorrecircncia do

desastre causado pelo rompimento da Barragem de Fundatildeo em MarianaMG

Ao analisar o processo constatava-se o ajuizamento de accedilatildeo pelos atingidos buscando tutela

indenizatoacuteria por danos materiais e morais tendo como causa de pedir a danificaccedilatildeo e

inutilizaccedilatildeo do imoacutevel rural produtivo do qual retiravam parte de sua renda

Tratava-se de agravo de instrumento interposto pela Samarco Mineraccedilatildeo SA contra decisatildeo

proferida pelo Juiz da 2ordf Vara Ciacutevel da Comarca de Ponte Nova que redistribuiu o ocircnus

probatoacuterio conforme o Novo Coacutedigo de Processo Civil em uma accedilatildeo envolvendo direito civil

e a responsabilidade objetiva em atividades de risco com inegaacutevel influecircncia socioambiental

em que se impotildee a observacircncia de uma principiologia proacutepria e especiacutefica

Na minuta recursal a Samarco Mineraccedilatildeo SA argumentou que natildeo lhe poderia ser imputada

a produccedilatildeo de provas no sentido de quais os danos supostamente sofridos pelos atingidos

Alegou que por serem os agravados beneficiaacuterios da justiccedila gratuita poderiam requerer

produccedilatildeo de prova teacutecnica em juiacutezo motivo pela qual se mostra inadequada a inversatildeo do

ocircnus probatoacuterio inexistindo os requisitos previstos no art 373 sect1ordm do CPC

Ademais a Samarco Mineraccedilatildeo SA sustentou que a redistribuiccedilatildeo do ocircnus levaria a uma

imposiccedilatildeo de produccedilatildeo de prova negativa pelo juiacutezo de primeira instacircncia o que seria

rechaccedilado pela jurisprudecircncia do Tribunal de Justiccedila de Minas Gerais

No julgamento do recurso o relator destacou que o sistema brasileiro de distribuiccedilatildeo do ocircnus

da prova entre autor e reacuteu pode ser definido como hiacutebrido pois comporta o sistema estaacutetico

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cujas regras de distribuiccedilatildeo foram previamente determinadas pelo legislador (art 373 I e II

CPC) e o sistema de distribuiccedilatildeo dinacircmica que delega ao juiz permissatildeo para redistribuiacute-la

de acordo com o caso concreto conforme preceitua o art 373 sect 1ordm do CPC

No caso concreto que foi julgado houve a invasatildeo do imoacutevel dos atingidos por dois metros de

rejeito mineral e o Juiz de origem houve por bem impor agrave Samarco o encargo de fazer

eventual prova teacutecnica a respeito dos danos causados pelos rejeitos ao solo

O Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais levou em consideraccedilatildeo as peculiaridades da

narrativa dos autos para julgar que se revela viaacutevel o entendimento externado na medida em

que os rejeitos que afetaram o imoacutevel dos atingidos seriam provenientes da barragem

rompida de propriedade da mineradora sendo possiacutevel adotar-se como premissa o fato de que

a Samarco possui maior acesso a informaccedilotildees atinentes agrave composiccedilatildeo da lama que teria

invadido a propriedade rural

No julgamento o Tribunal Mineiro aponta a maior facilidade da mineradora em obter prova

de fato contraacuterio agraves alegaccedilotildees dos atingidos

O argumento de que o encargo importaria em imposiccedilatildeo de prova diaboacutelica nos termos do

art 373 sect 2ordm do CPC natildeo foi aceito pelo Tribunal na medida em que a proacutepria mineradora

indica a possibilidade de prova dos fatos controvertidos por intermeacutedio de periacutecia teacutecnica

Pela relevacircncia do julgado que foi o primeiro a acolher em parte a tese proposta nesse estudo

transcreve-se a ementa

EMENTA AGRAVO DE INSTRUMENTO - ACcedilAtildeO INDENIZATOacuteRIA - DANO

AMBIENTAL - DANIFICACcedilAtildeO DE IMOacuteVEL RURAL PRODUTIVO - PERDA

DE PLANTACcedilOtildeES - ALEGACcedilAtildeO DE INUTILIZACcedilAtildeO DO SOLO -

REDISTRIBUICcedilAtildeO DO OcircNUS DA PROVA QUANTO A EVENTUAL PROVA

TEacuteCNICA - DANO CAUSADO AO SOLO - POSSIBILIDADE - INTELIGEcircNCIA

DO ART 373 sect1ordm DO CPC - MAIOR FACILIDADE NA OBTENCcedilAtildeO DE

PROVA ESPECIacuteFICA - IMPOSICcedilAtildeO DE PROVA DIABOacuteLICA -

INOCORREcircNCIA - MANUTENCcedilAtildeO DA DECISAtildeO

1 A redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova eacute medida excepcional e desafia a presenccedila de

algum de seus pressupostos materiais nos termos do art 373 sect1ordm do Coacutedigo de

Processo Civil

2 Eacute possiacutevel a redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova quando sopesados os encargos

probatoacuterios dos litigantes verificar-se maior facilidade de obtenccedilatildeo de prova do fato

contraacuterio por uma das partes

3 A inversatildeo do ocircnus da prova quanto a prova teacutecnica especiacutefica natildeo implica

automaticamente em comando para que a parte a produza sendo certo que a sua

produccedilatildeo ficaraacute condicionada ao interesse e requerimento daquele sobre quem recai

o ocircnus

4 Natildeo se verifica imposiccedilatildeo de prova diaboacutelica nos termos do art 373 sect2ordm do

CPC se a proacutepria mineradora sobre quem recaiu o ocircnus de eventual prova teacutecnica

afirma que a prova pode ser produzida por meio de periacutecia

(BRASIL Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel

1052116005964-3002 Agravante Samarco Mineraccedilatildeo SA Agravado Benvindo

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Inecircs Bento e outros Rel Octaacutevio de Almeida Neves (JD Convocado) j

01082019 DJe 06082019)

Cabe ressaltar que a redistribuiccedilatildeo operada pelo Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas

Gerais natildeo ocorreu em relaccedilatildeo ao ocircnus de provar os alegados danos materiais e morais sendo

certo que a inversatildeo abrange apenas eventual prova teacutecnica a respeito do impacto dos rejeitos

no solo do imoacutevel

O presente estudo traz uma proposta mais ampla de redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova mas a

decisatildeo acima mencionada possui indiscutiacutevel importacircncia pela inovaccedilatildeo em aplicar a

redistribuiccedilatildeo ainda que em menor medida

52 REDISTRIBUICcedilAtildeO DO OcircNUS DA PROVA EM ACcedilAtildeO INDENIZATOacuteRIA

AJUIZADA EM RAZAtildeO DE PROBLEMAS DE SAUacuteDE

O Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais tambeacutem jaacute apreciou a questatildeo envolvendo

uma redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova de modo amplo em accedilatildeo ajuizada por problemas de

sauacutede supostamente causados pela poeira produzida pelo rompimento da barragem de Fundatildeo

A accedilatildeo indenizatoacuteria apontava alteraccedilatildeo dos padrotildees da qualidade do ar e aacutegua na regiatildeo

afetada pelo acidente em virtude da onda de resiacuteduos quiacutemicos dele decorrentes e atribui ao

acuacutemulo de poeira os problemas de sauacutede enfrentados pela populaccedilatildeo

Tratava-se de agravo de instrumento interposto pela mineradora BHP Billiton Brasil Ltda

contra decisatildeo que nos autos da accedilatildeo indenizatoacuteria redistribuiu o ocircnus da prova fixando

como incumbecircncia da reacute a prova e esclarecimento acerca das consequecircncias decorrentes do

rompimento da barragem de mineraccedilatildeo bem como a ausecircncia dos elementos configuradores

da responsabilidade civil

A mineradora argumentou que a decisatildeo acabou por impor a produccedilatildeo de prova negativa

Apontou que o nexo de causalidade entre o rompimento da barragem e os alegados danos

sofridos soacute poderia ser demonstrado pelo atingido Afirmou ser impossiacutevel ou extremamente

difiacutecil se desincumbir do ocircnus probatoacuterio imposto

O Tribunal Mineiro registrou o sistema hiacutebrido adotado pelo Brasil na distribuiccedilatildeo do ocircnus da

prova

Apoacutes deixou clara a vedaccedilatildeo agrave redistribuiccedilatildeo se ela implicar situaccedilatildeo de impossibilidade ou

excessiva dificuldade para a parte sobre a qual passa a recair o ocircnus de desincumbir-se do

encargo naquilo que a doutrina convencionou denominar de prova diaboacutelica

No caso concreto o pedido de reparaccedilatildeo pecuniaacuteria por dano moral tem por causa de pedir

uma possiacutevel doenccedila respiratoacuteria causada pelos rejeitos de mineacuterio que vazaram da barragem

de Fundatildeo cuja lama secou e virou poeira acumulada nas ruas tanto que a parte autora

requereu como meio de prova preacute-constituiacuteda que seja oficiado o Hospital Municipal de Barra

Longa (MG) para que junte aos autos coacutepia do prontuaacuterio meacutedico inclusive que informe se

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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existe uma estatiacutestica do nuacutemero de pacientes atendidos com sintoma de poeira toacutexica no

Municiacutepio de Barra Longa (MG)

Por conta desse contexto teacutecnico o Tribunal de Justiccedila entendeu que atribuir agrave mineradora o

ocircnus de comprovar esta premissa faacutetica implica em encargo excessivamente difiacutecil Para

afastar sua obrigaccedilatildeo deveraacute comprovar a inexistecircncia de patologia do nexo causal entre ela e

as situaccedilotildees relatadas que teriam sido geradas pelo acidente e a contemporaneidade entre

referida patologia e os fatos narrados na inicial

Com esses contornos de fundamentaccedilatildeo a jurisprudecircncia entendeu ser impossiacutevel a aludida

redistribuiccedilatildeo quando desta resultar prova diaboacutelica para a parte sobre a qual passa a recair o

encargo conforme ementa abaixo

EMENTA AGRAVO DE INSTRUMENTO - ACcedilAtildeO INDENIZATOacuteRIA - DANO

AMBIENTAL - PROBLEMAS DE SAUacuteDE - REDISTRIBUICcedilAtildeO DO OcircNUS DA

PROVA - IMPOSSIBILIDADE - PROVA DIABOacuteLICA - ENCARGO QUE

IMPLICA EM CERCEAMENTO DE DEFESA - REFORMA - NECESSIDADE

A redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova eacute medida excepcional e desafia a presenccedila de

algum de seus pressupostos materiais nos termos do art 373 sect1ordm do Coacutedigo de

Processo Civil Impossiacutevel a aludida redistribuiccedilatildeo quando desta resultar prova

diaboacutelica para a parte sobre a qual passa a recair o encargo (sect2ordm) (BRASIL

Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais Agravo de Instrumento

1052116008604-2001 Agravante BHP Biliton Brasil Ltda Agravado Menor

representado pela matildee Patriacutecia Aparecida Martins Costa Rel Octaacutevio de Almeida

Neves (JD Convocado) j 30012019 DJe 07022019)

Em outros julgados o Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais confirmou a

impossibilidade de redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova de forma ampla e irrestrita em questotildees

ligadas a problemas de sauacutede decorrentes do rompimento da barragem de Fundatildeo

Nesses casos a situaccedilatildeo invocada pelo atingido para alegar a ocorrecircncia do suposto dano

moral satildeo os problemas de sauacutede ocasionados pela maacute qualidade da poeira e da potabilidade

da aacutegua comprometidos pelo desastre ambiental

O Tribunal Mineiro possui diversos julgados entendendo que atribuir agrave

mineradora o ocircnus de comprovar essa premissa faacutetica implica em encargo excessivamente

difiacutecil jaacute que para afastar sua obrigaccedilatildeo deveraacute comprovar a inexistecircncia de patologia do

nexo causal entre ela e as situaccedilotildees relatadas e que teriam sido geradas pelo acidente bem

como a contemporaneidade entre referida patologia e os fatos narrados na inicial

Duas observaccedilotildees devem ser feitas A primeira eacute que nesses precedentes a questatildeo gira em

torno da existecircncia de dano moral em razatildeo de problemas de sauacutede apontados pelos atingidos

Diferentemente a redistribuiccedilatildeo defendida nesse estudo diz respeito a danos materiais Em

segundo lugar importante destacar que muitas das accedilotildees foram proposta sem a demonstraccedilatildeo

parcial ou ateacute mesmo indiciaacuteria de que o atingido tenha experimentado qualquer problema de

sauacutede apoacutes o acidente ocorrido em 05112015 Em muitos processos nem mesmo foi

informado qual problema de sauacutede o atingido enfrentou em niacutetida falha na elaboraccedilatildeo da

peticcedilatildeo inicial que deveria estar acompanhada com um miacutenimo de prova do alegado

A ausecircncia de provas miacutenimas junto agrave peticcedilatildeo inicial foi determinante para se firmar o

entendimento de que se o atingido alega que sofreu danos em decorrecircncia dos problemas de

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

56

sauacutede apenas ela eacute capaz de oferecer comprovaccedilatildeo da premissa (problema de sauacutede) e da

conclusatildeo (dano) bem como em que extensatildeo e medida

Abaixo transcreve-se ementa de relatoria da Desembargadora Juliana Campos Horta

EMENTA AGRAVO DE INSTRUMENTO - ACcedilAtildeO DE COMPENSACcedilAtildeO DE

DANOS - PROBLEMAS DE SAUacuteDE DECORRENTES DO ROMPIMENTO DA

BARRAGEM DE FUNDAtildeO - DISTRIBUICcedilAtildeO DINAcircMICA DO OcircNUS DA

PROVA - IMPOSSIBILIDADE - PROVA DIABOacuteLICA - ENCARGO QUE

IMPLICA EM CERCEAMENTO DE DEFESA - DECISAtildeO REFORMADA

- A distribuiccedilatildeo dinacircmica do ocircnus da prova eacute medida excepcional e natildeo se mostra

possiacutevel quando verificado que ela implica em prova diaboacutelica para a parte sobre a

qual passa a recair o encargo (BRASIL Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas

Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel 1052116008535-8001 Agravante BHP Biliton Brasil

Ltda Agravado Menor representado pela matildee Arlinda Ferreira dos Santos Rel

Desembargadora Juliana Campos Horta j 31102018 DJe 08112018)

O entendimento firmado nos julgados acima mencionados se repetiu em diversos outros

processos todos ligados a pedidos de dano moral em decorrecircncia da poeira advinda do

rompimento da barragem de Fundatildeo que supostamente teria causado problemas de sauacutede nas

pessoas que residiam no municiacutepio de Barra LongaMG

6 CONCLUSAtildeO

Apos a exposiccedilatildeo acima a pesquisa apontou que o entendimento acerca da necessidade de

redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova em questotildees ligadas a comprovaccedilatildeo do dano material

decorrente da trageacutedia da Samarco (rompimento da barragem de Fundatildeo) comeccedila a ser

adotado pelo Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais ainda que apenas eventual prova

teacutecnica a respeito do impacto dos rejeitos no solo do imovel

O estudo sugere uma redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova de forma mais ampla nas questotildees

ligadas ao dano material

Especialmente em relaccedilatildeo as trageacutedias causadas pelo setor de mineraccedilatildeo a disparidade entre

os litigantes eacute enorme De um lado as maiores mineradoras do mundo contratam os melhores

escritorios de advocacia do pais que atuam de moda incansavel na defesa dos interesses

patrimoniais de seus clientes Do outro lado os atingidos muitas vezes natildeo possuem estrutura

de apoio teacutecnico e juridico adequados e se encontram absolutamente impossibilitados de

produzir a necessaria prova do dano material sofrido

Eacute urgente haver um avanccedilo ainda maior da jurisprudecircncia no reconhecimento da necessidade

de redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova nas questotildees ligadas ao dano material

Lado outro quanto ao dano moral decorrente de problemas de sauacutede causados pela poeira

toxica que invadiu municipios que se encontravam no caminho da lama forccediloso reconhecer

que o atingido deve ajuizar a accedilatildeo de indenizaccedilatildeo contendo provas minimas do suposto

problema de sauacutede

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

57

Por fim o Poder Judiciario deve ter redobrado cuidado ao analisar lides envolvendo danos

socialmente relevantes especialmente aqueles decorrentes das grandes trageacutedias causadas

pelo setor de mineraccedilatildeo com o escopo de encontrar a justa decisatildeo para o caso concreto posto

em sua apreciaccedilatildeo

REFEREcircNCIAS

BECK Ulrich Sociedade de risco rumo a uma outra modernidade Traduccedilatildeo de Sebastiatildeo

Nascimento 2ed Satildeo Paulo Editora 34 2011

BRASIL Lei 13105 de marccedilo de 2015 Instituiu o Coacutedigo de Processo Civil Disponiacutevel em

httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2015-20182015leil13105htm Acesso em 3 jul

2019

BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila REsp n 60309 Recorrente Cliacutenica Neuroloacutegica e

Neurociruacutergica de Joinville e outro Recorrido Getuacutelio Raphael Bittencourt Machado Rel

Ruy Rosado de Aguiar j 18061996 DJ 26081996

BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila REsp n 802832 Recorrente Ana Maria Guimaratildees

Cruz Recorrido Tecar Minas Automoacuteveis e Serviccedilos Ltda Rel Ministro Paulo de Tarso

Sanseverino j 13042011 DJe 21092011

BRASIL Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais Agravo de Instrumento

1052116008604-2001 Agravante BHP Biliton Brasil Ltda Agravado Menor representado

pela matildee Patriacutecia Aparecida Martins Costa Rel Desembargador Octaacutevio de Almeida Neves

(JD Convocado) j 30012019 DJe 07022019

BRASIL Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel 1043907073669-

9001 Apelante Mineraccedilatildeo Rio Pomba Cataguases Ltda Apelado Joatildeo Ferreira Mendes e

outros Rel Desembargador Cabral da Silva j 26062012 DJe 10072012

BRASIL Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel 1052116008535-

8001 Agravante BHP Biliton Brasil Ltda Agravado Menor representado pela matildee Arlinda

Ferreira dos Santos Rel Desembargadora Juliana Campos Horta j 31102018 DJe

08112018

BRASIL Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel 1052116005964-

3002 Agravante Samarco Mineraccedilatildeo SA Agravado Benvindo Inecircs Bento e outros Rel

Desembargador Octaacutevio de Almeida Neves (JD Convocado) j 01082019 DJe 06082019

CAMBI Eduardo A Prova Civil admissibilidade e relevacircncia Satildeo Paulo Revista dos

Tribunais 2006

CARPES Artur Thompsen Apontamentos sobre a inversatildeo do ocircnus da prova e a garantia do

contraditoacuterio In KNIJNIK Danilo (Coord) Prova Judiciaacuteria estudos sobre o novo direito

probatoacuterio Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 36-37

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

58

DIDIER JR Fredie Direito processual civil teoria geral do processo e processo de

conhecimento 6ed Salvador JusPODIVM 2006

KIRSCH S Mining Capitalism the relationship between corporations and their critics

Berkeley Los Angeles London University of California Press 2014

KNIJNIK Danilo As (perigosissimas) doutrinas do ldquoocircnus dinacircmico da provardquo e da ldquosituaccedilatildeo

de senso comumrdquo como instrumentos para assegurar o acesso a justiccedila e superar a probatio

diaboacutelica In FUX Luiz NERY JR Nelson WAMBIER Teresa Arruda Alvim (Coord)

Processo e Constituiccedilatildeo estudos em homenagem ao professor Joseacute Carlos Barbosa Moreira

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2006

MARINONI Luiz Guilherme Formaccedilatildeo da convicccedilatildeo e inversatildeo do ocircnus da prova segundo

as peculiaridades do caso concreto Disponiacutevel em

httpwwwabdpcorgbrartigosartigo103htm Acesso em 1 jul 2019

ZHOURI Andreacutea (org) Mineraccedilatildeo violecircncias e resistecircncias [livro eletrocircnico] um campo

aberto agrave produccedilatildeo de conhecimento no Brasil MarabaacutePA Editorial iGuana 2018

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

59

ASPECTOS URBANIacuteSTICOS E AMBIENTAIS DA

REGULARIZACcedilAtildeO FUNDIAacuteRIA DOS NUacuteCLEOS URBANOS

INFORMAIS CONSOLIDADOS EM AacuteREAS DE PRESERVACcedilAtildeO

PERMANENTE

MATHEUS DE AGUIAR RODRIGUES CEMBRANELLI

________________ SUMAacuteRIO _________________

I Parcelamento do solo e a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

II Direito de propriedade e a funccedilatildeo social da

propriedade III Concepccedilatildeo da tutela ambiental no

brasil IV A busca pela sustentabilidade nas

cidades V A Reurb de nuacutecleo urbano informal

situado em APP VI O estudo teacutecnico exigido na

Reurb VI Principais caracteriacutesticas encontradas em

nuacutecleos urbanos informais nos Municiacutepios do Litoral

Norte de Satildeo Paulo VII Medidas urbaniacutesticas e

ambientais nas aacutereas consideradas de relevante

interesse ecoloacutegico VIII Conclusatildeo

Resumo O presente estudo por meio de uma revisatildeo histoacuterica da legislaccedilatildeo que diz

respeito ao parcelamento do solo e meio ambiente e atraveacutes do meacutetodo de observaccedilatildeo e

coleta de dados no campo das caracteriacutesticas das ocupaccedilotildees informais em municiacutepios do

litoral norte buscou demonstrar a possibilidade de melhoria das condiccedilotildees de

sustentabilidade urbano ambiental e de habitabilidade dos moradores a partir da

Regularizaccedilatildeo Fundiaacuteria Urbana (Reurb) A Reurb eacute o processo que inclui medidas

juriacutedicas urbaniacutesticas ambientais e sociais com a finalidade de incorporar os nuacutecleos

urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e agrave titulaccedilatildeo de seus ocupantes As

medidas juriacutedicas correspondem especialmente agrave soluccedilatildeo dos problemas dominiais que

decirc a plena propriedade ao beneficiaacuterio direto da Reurb As medidas urbaniacutesticas dizem

respeito agraves soluccedilotildees para adequar os parcelamentos agrave cidade regularizada como a

implantaccedilatildeo de infraestrutura essencial (calccedilamento esgoto energia fornecimento de

aacutegua) a realocaccedilatildeo de moradias em face de estarem em locais sujeito a

desmoronamento enchentes em locais contaminados insalubres entre outros As

medidas ambientais buscam superar o problema dos assentamentos implantados sem

licenciamento ambiental e em desacordo com a legislaccedilatildeo urbana e de proteccedilatildeo ao meio

ambiente As medidas sociais por sua vez dizem respeito agraves soluccedilotildees dadas agrave

Engenheiro Agrocircnomo da Companhia Ambiental do Estado de Satildeo Paulo - CETESB lotado na Agecircncia

Ambiental de Satildeo Sebastiatildeo Graduado em Direito da Faculdade de Satildeo Sebastiatildeo e em Engenharia

Agronocircmica pela Universidade de Taubateacute (2002) Mestre em Gestatildeo de Recursos Agroambientais pelo

Instituto Agronocircmico de Campinas (2006)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

60

populaccedilatildeo beneficiaacuteria da Reurb especialmente nas ocupaccedilotildees por famiacutelias de baixa

renda (mas natildeo excluindo as demais populaccedilotildees) de forma a propiciar o exerciacutecio

digno do direito agrave moradia e agrave cidadania proporcionando qualidade de vida

Palavras chaves Parcelamento do solo urbano Sustentabilidade Aacuterea de Preservaccedilatildeo

Permanente Interesse Social

I PARCELAMENTO DO SOLO E A REGULARIZACcedilAtildeO FUNDIAacuteRIA

Com a chegada da Revoluccedilatildeo Industrial intensificou-se a urbanizaccedilatildeo no Brasil

ocasionando a necessidade de moradia proacutexima aos centros urbanos o que acelerou o

parcelamento do solo

Com a finalidade de garantir maior seguranccedila aos compradores de lotes foram editados

os primeiros textos legislativos com regramento de parcelamento e venda de imoacuteveis a

prazo contudo naquele momento sem considerar as questotildees urbaniacutesticas com ecircnfase

no Decreto-Lei nordm 581937 e seu regulamento o Decreto nordm 30791938

Em 1965 comeccedilaram as preocupaccedilotildees urbaniacutesticas tornando obrigatoacuteria a aprovaccedilatildeo

pela Prefeitura Municipal do plano e planta de loteamento para serem observadas

questotildees sanitaacuterias militares e florestais (Lei nordm 47781965) Com o advento do

Decreto Lei nordm 2711967 novos padrotildees e exigecircncias foram criados para a implantaccedilatildeo

de um loteamento urbano87

Posteriormente com a ediccedilatildeo da Lei nordm 67661979 passou a ser obrigatoacuterio o registro

do parcelamento do solo em todos os loteamentos e desmembramentos impondo-se ao

parcelamento requisitos mais riacutegidos e uma maior gama de documentos e aprovaccedilotildees a

serem apresentados Essa lei introduziu paracircmetros para permitir o reconhecimento

juriacutedico das formas de ocupaccedilatildeo do solo e definiu em normas gerais as modalidades de

parcelamento o lote os requisitos urbaniacutesticos a infraestrutura baacutesica de parcelamento

e aacutereas passiacuteveis de parcelamento88

O grande benefiacutecio trazido pela lei do parcelamento

do solo urbano foi reconhecer a competecircncia dos Municiacutepios para regularizarem os

parcelamentos feitos ilegalmente dentro de seus territoacuterios previsatildeo dos artigos 40 e 41

e ainda possibilitou com base em seu artigo 4deg II a urbanizaccedilatildeo especiacutefica ou

edificaccedilatildeo de conjuntos habitacionais de interesse social para a populaccedilatildeo de baixa

renda89

87

MACEDO Paola de Castro Ribeiro O novo panorama da Regularizaccedilatildeo Fundiaacuteria Urbana de acordo

com a Medida Provisoacuteria nordm 759 de 22 de dezembro de 2016 04 de maio de 2017 Disponiacutevel emlt

httpiregistradoresorgbro-novo-panorama-da-regularizacao-fundiaria-urbana-de-acordo-com-a-

medida-provisoria-no-759-de-22-de-dezembro-de-2016gt Acesso em 11122018 88

CONCEICcedilAtildeO Ediana Santos Fiuza Souza Arnaldo de Geoprocessamento aplicado agrave aacuterea de

regularizaccedilatildeo fundiaacuteria um estudo de caso baseado em modelagem e banco de dados geograacuteficos Revista

de Discentes de Ciecircncia Poliacutetica da UFSCAR Vol6 ndash n1 ndash 2018 89

SAULE JUacuteNIOR Nelson A Perspectiva do direito agrave cidade e da reforma urbana na revisatildeo da lei do

parcelamento do solo Nelson Saule Jr org Fernando Bruno [et al] ndash Satildeo Paulo Instituto Poacutelis 2008

112p - (Cadernos Poacutelis 10) Disponiacutevel em lt httpibduorgbrimagensO_DIREITPDFgt Acesso em

10122018

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

61

Com a Lei ndeg 102572001 autodenominada Estatuto da Cidade o legislador atendendo

agraves determinaccedilotildees constitucionais procurou introduzir no sistema vaacuterios instrumentos de

poliacutetica urbana regulamentando os artigos 182 e 183 da Constituiccedilatildeo Federal Em 2009

a questatildeo da irregularidade fundiaacuteria passa a ser tratado especificamente por meio da

Lei ndeg 11977 Esse diploma legal eacute sem duacutevida o marco mais importante da

regularizaccedilatildeo fundiaacuteria urbana que a definiu como o conjunto de medidas juriacutedicas

urbaniacutesticas ambientais e sociais que visam agrave regularizaccedilatildeo de assentamentos

irregulares e agrave titulaccedilatildeo de seus ocupantes a fim de garantir o direito social agrave moradia o

pleno desenvolvimento das funccedilotildees sociais da propriedade urbana e o direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado

A partir de julho de 2017 foi dado mais um passo no marco regulatoacuterio da

regularizaccedilatildeo fundiaacuteria urbana com a Lei ndeg 13465 trazendo novos processos com a

finalidade de desburocratizar a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria tornando-a mais clara e objetiva

em sua execuccedilatildeo90

De acordo com o artigo 10 da Lei ndeg 134652017 in verbis

Constituem objetivos da Reurb a serem observados pela Uniatildeo Estados

Distrito Federal e Municiacutepios I - identificar os nuacutecleos urbanos informais

que devam ser regularizados organizaacute-los e assegurar a prestaccedilatildeo de serviccedilos

puacuteblicos aos seus ocupantes de modo a melhorar as condiccedilotildees urbaniacutesticas e

ambientais em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo informal anterior91

Os legitimados para requerer a Reurb previstos no artigo 14 da referida Lei satildeo a

Uniatildeo o Estado o Distrito Federal ou Municiacutepio diretamente ou por meio de entidades

da Administraccedilatildeo Puacuteblica indireta O beneficiaacuterios da regularizaccedilatildeo de forma individual

ou coletivamente por meio de cooperativas habitacionais associaccedilotildees de moradores

fundaccedilotildees organizaccedilotildees sociais organizaccedilotildees da sociedade civil de interesse puacuteblico ou

outras associaccedilotildees civis que tenham por finalidade atividades nas aacutereas de

desenvolvimento urbano ou regularizaccedilatildeo fundiaacuteria urbana Os proprietaacuterios de imoacuteveis

ou de terrenos loteadores ou incorporadores Tambeacutem a Defensoria Puacuteblica em nome

dos beneficiaacuterios hipossuficientes econocircmicos o que ocorre apenas na Reurb-S e o

Ministeacuterio Puacuteblico

De acordo com o artigo 13 da Lei Federal supra citada a Reurb compreende duas

modalidades a regularizaccedilatildeo de interesse social (Reurb-S) aplicaacutevel aos nuacutecleos

urbanos informais ocupados predominantemente por populaccedilatildeo de baixa renda assim

declarados em ato do Poder Executivo municipal e a de Interesse Especiacutefico (Reurb-E)

aplicaacutevel aos nuacutecleos urbanos informais ocupados por populaccedilatildeo natildeo qualificada na

hipoacutetese de que trata o inciso I deste artigo

A classificaccedilatildeo do interesse Reurb-S ou Reurb-E visa exclusivamente agrave Identificaccedilatildeo

dos responsaacuteveis pela implantaccedilatildeo ou adequaccedilatildeo das obras de infraestrutura essencial

conforme disposto nos artigos 37 e 38 da Lei 134652017 Sendo que na Reurb-S

caberaacute ao poder puacuteblico competente diretamente ou por meio da administraccedilatildeo puacuteblica

indireta implementar a infraestrutura essencial os equipamentos comunitaacuterios e as

melhorias habitacionais previstos nos projetos de regularizaccedilatildeo assim como arcar com

os ocircnus de sua manutenccedilatildeo Enquanto que na Reurb-E o Distrito Federal ou os

Municiacutepios deveratildeo definir por ocasiatildeo da aprovaccedilatildeo dos projetos de regularizaccedilatildeo

fundiaacuteria nos limites da legislaccedilatildeo de regecircncia os responsaacuteveis pela

90

CONCEICcedilAtildeO op Cit 91

Artigo 10 da Lei ndeg 134652017

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

62

I - implantaccedilatildeo dos sistemas viaacuterios

II - implantaccedilatildeo da infraestrutura essencial e dos equipamentos puacuteblicos ou

comunitaacuterios quando for o caso e

III - implementaccedilatildeo das medidas de mitigaccedilatildeo e compensaccedilatildeo urbaniacutestica e

ambiental e dos estudos teacutecnicos quando for o caso

A lei nordm 134652017 define em seu art 36 sect 1ordm que satildeo considerados infraestrutura

essencial os seguintes equipamentos

I - sistema de abastecimento de aacutegua potaacutevel coletivo ou individual

II - sistema de coleta e tratamento do esgotamento sanitaacuterio coletivo ou

individual

III - rede de energia eleacutetrica domiciliar

IV - soluccedilotildees de drenagem quando necessaacuterio e

V - outros equipamentos a serem definidos pelos Municiacutepios em funccedilatildeo das

necessidades locais e caracteriacutesticas regionais

II DIREITO DE PROPRIEDADE E A FUNCcedilAtildeO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Quando o Estado se vecirc obrigado a respeitar e garantir o direito do membro de seu

grupo somente podendo nele intervir na forma estipulada em lei estaacute sendo exercida a

limitaccedilatildeo aos poderes do Estado seja no exerciacutecio do Poder Constituinte Derivado seja

na execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas que reconhecem entre as garantias fundamentais o

direito de propriedade92

Nesse sentido nos explica Scheid93

Com a construccedilatildeo juriacutedica da funccedilatildeo social da propriedade e o surgimento

do Estado de Bem-Estar Social a partir da falecircncia do Estado Liberal surge a

idealizaccedilatildeo da funccedilatildeo social da propriedade como forma de buscar a justiccedila

social e passa a ser incorporada em diversas Constituiccedilotildees inclusive no

Brasil

Em consonacircncia com a perspectiva do Estado Social de Direito delineada nas

Constituiccedilotildees de 1934 e 1937 a Constituiccedilatildeo de 1946 igualmente concebe a funccedilatildeo

social da propriedade Inovando no ordenamento juriacutedico ao prever a modalidade de

desapropriaccedilatildeo por interesse social posteriormente disciplinado na Lei ndeg 41321962

que ainda amplia as hipoacuteteses de desapropriaccedilatildeo com finalidade ambiental em seu

artigo 2deg aliacutenea VII ao considerar como interesse social a proteccedilatildeo do solo

preservaccedilatildeo das aacuteguas e florestas94

92

RODRIGUES Daniela Rosaacuterio Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria coordenadores Joseacute Renato Nalini e Wilson

Levy ndash 2 ed rev atual e ampl ndash Rio de Janeiro Forense 2014 93

SCHEID Cintia Maria O princiacutepio da funccedilatildeo social da propriedade e sua repercussatildeo na evoluccedilatildeo da

regularizaccedilatildeo fundiaacuteria urbana no ordenamento juriacutedico brasileiro Revista de Direito Imobiliaacuterio | vol

832017 | p 423 - 454 | Jul - Dez 2017 94

COELHO Hebert Alves Pinto Joatildeo Batista Moreira A evoluccedilatildeo no brasil da concepccedilatildeo do direito de

propriedade em sua dimensatildeo ambiental Revista de Direito Ambiental vol 882017 p 91 ndash 108 Out -

Dez 2017

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

63

Entatildeo com a Constituiccedilatildeo de 1967 em seu artigo 157 III estabelece expressamente

como um dos princiacutepios da ordem econocircmica a funccedilatildeo social da propriedade a

concebendo desvinculada de desapropriaccedilotildees95

Foi a partir da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que se estabeleceu a uniatildeo indissociaacutevel

entre a propriedade e a necessidade do atendimento de sua respectiva funccedilatildeo social ao

estatuir no artigo 5ordm incisos XXII e XXIII a garantia do direito de propriedade com a

determinaccedilatildeo de que a propriedade atenderaacute a sua funccedilatildeo social natildeo podendo ser objeto

de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir essa garantia nos termos do

artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo Federal96

Por certo ldquoa garantia outorgada pelo

constituinte ao direito de propriedade qualificado pelo seu fim eacute de tal importacircncia que

foi revisto constitucionalmente em clausula peacutetreardquo97

Natildeo haacute como garantir os elementos essenciais agrave dignidade humana como sauacutede

moradia lazer trabalho entre outros se natildeo houver a efetivaccedilatildeo de uma poliacutetica real de

desenvolvimento urbano sustentaacutevel tanto para os que buscaram nos centros urbanos na

esperanccedila de uma melhoria na vida mas tambeacutem agraves futuras geraccedilotildees que colheratildeo o

resultado de toda a exploraccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo do solo antes promovidas98

O projeto constitucional para alcanccedilar o fundamento da dignidade da pessoa humana

se baseou na funccedilatildeo social da propriedade como vetor para a interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo

da legislaccedilatildeo atinente agrave propriedade como um dos instrumentos capaz de atender os

objetivos fundamentais estabelecidos no artigo 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

principalmente para a construccedilatildeo de uma sociedade livre justa e solidaacuteria99

Em perfeita consonacircncia com os dispositivos da Carta Magna que definiu o conteuacutedo

da funccedilatildeo social da propriedade rural (art 186) e a funccedilatildeo social da propriedade urbana

(art 182 sect 2ordm) o Codigo Civil de 2002 ainda estabelece no sect 1ordm do art 1228 que (hellip) o

direito de propriedade deve ser exercido em consonacircncia com as suas finalidades

econocircmicas e sociais e de modo que sejam preservados de conformidade com o

estabelecido em lei formal a flora a fauna as belezas naturais o equiliacutebrio ecoloacutegico e

o patrimocircnio histoacuterico e artiacutestico bem como evitada a poluiccedilatildeo do ar e das aacuteguas

Nos moldes da Constituiccedilatildeo Federal vigente a propriedade privada em uma nova fase

mais civilizada e comedida para atender uma nova ordem puacuteblica ambiental abandona

sua configuraccedilatildeo essencialmente individualista100

95

SANTOS Cacilda Lopes dos Desapropriaccedilatildeo e Poliacutetica Urbana Uma Perspectiva Interdisciplinar

Belo Horizonte Editora Foacuterum 2010 p 23 96

SCHEID op cit 97

CALMON Eliana Aspectos constitucionais do direito da propriedade urbana Disponiacutevel em

[wwwstjjusbrinternet_docsministrosDiscursos0001114Aspectos20Constitucionais20do20Dire

ito20da20Propriedade20Urbanadoc] Acesso em 10122018 98

RODRIGUES op cit 99

SCHEID op cit 100

BENJAMIN Antocircnio Herman de Vasconcelos e Reflexotildees sobre a hipertrofia do direito de

propriedade na tutela da reserva legal e das aacutereas de preservaccedilatildeo permanente Palestra proferida na XVI

Conferecircncia Nacional dos Advogados promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil Conselho

Federal Fortaleza 1-5 de setembro de 1996 Disponiacutevel em

[httpbdjurstjjusbrjspuibitstream201120711ReflexC3B5es_Sobre_Hipertrofiapdf] Acesso em

09122018 p 22

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

64

Ao atender a limitaccedilatildeo imposta pela funccedilatildeo social da propriedade o proprietaacuterio natildeo

pode usar ou deixar de usar a propriedade conforme seus desiacutegnios Necessaacuterio que ela

cumpra uma funccedilatildeo social quer seja com caraacuteter de moradia unidade produtiva ou

simplesmente de preservaccedilatildeo ambiental101

III CONCEPCcedilAtildeO DA TUTELA AMBIENTAL NO BRASIL

Na deacutecada de 1960 diante do esgotamento dos recursos naturais comeccedila a florescer a

conscientizaccedilatildeo mundial da importacircncia do meio ambiente102

Impulsionando a

produccedilatildeo de leis voltadas agrave tutela ambiental no Brasil como a Lei ndeg 45041964

conhecido como Estatuto da Terra e o Decreto Lei ndeg 2271967 conhecido como o

Coacutedigo de Minas103

Em 1972 com a realizaccedilatildeo da Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas em Estocolmo que

tornou-se um marco no entendimento mundial sobre o meio ambiente o mundo voltou

os olhos para o tema emergente o que acabou influindo decisivamente em reformas

constitucionais que foram concretizar-se principalmente na deacutecada de oitenta no

Brasil e ainda na deacutecada de 70 na Espanha e em Portugal que tiveram suas

Constituiccedilotildees grandemente influenciadas por esta nova concepccedilatildeo das questotildees

ambientais104

Em 31 de agosto de 1981 praticamente por unanimidade pois soacute teve dois votos

contraacuterios foi aprovada a Lei ndeg 6938 que instituiu a Poliacutetica Nacional do Meio

Ambiente Data de um acontecimento crucial que uniu na mesma e sob uma diretriz

comum governo oposiccedilatildeo empresaacuterios produtores rurais e sociedade civil organizada

Eacute bom lembrar neste contexto que a Lei ndeg 69381981 teve influecircncia decisiva na

elaboraccedilatildeo do Capiacutetulo do Meio Ambiente da Constituiccedilatildeo de 1988105

A Lei ndeg 69381981 trouxe substancial inovaccedilatildeo legislativa ao prever em seu art 14 a

responsabilidade civil objetiva por danos ambientais No mesmo sentido foi

estabelecido por meio da Lei ndeg 73471985 um sistema processual de tutela dos

direitos coletivos dos quais se destaca o direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado106

A partir de entatildeo diversas outras leis de cunho ambiental foram editadas

no Brasil tais como a Lei de Reforma Agraacuteria (Lei ndeg 86291993) Lei dos Recursos

Hiacutedricos (Lei ndeg 94331997) e Lei da Biotecnologia (Lei ndeg 111052005)

IV A BUSCA PELA SUSTENTABILIDADE NAS CIDADES

101

DE CASTRO Clarice Rogeacuterio Reserva legal proteccedilatildeo indispensaacutevel ou intervenccedilatildeo estatal indevida

2015 102

GUERRA Sidney Desenvolvimento Sustentaacutevel nas trecircs Grandes Conferecircncias Internacionais de

Ambiente da ONU o Grande Desafio no Plano Internacional In GOMES Eduardo B BULZICO

Bettina (Org) Sustentabilidade Desenvolvimento e Democracia Ijuiacute Unijuiacute 2010 103

COELHO 2017 op cit 104

FREITAS Vladimir Passos de A Constituiccedilatildeo Federal e a Efetividade das Normas Ambientais Satildeo

Paulo Editora Revista dos Tribunais 2000 105

(Publicado em Ambiente Legal e Justiccedila poliacutetica ndash wwwambientelegalcombr) 106

COELHO 2017 op cit

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

65

Os novos indicadores mostram oportunidades de cidades mais sustentaacuteveis e mais

inteligentes no seacuteculo 21 com a reinvenccedilatildeo das metroacutepoles contemporacircneas do que as

que cresceram e se expandiram sem limites no seacuteculo 20 O maior desafio do seacuteculo 21

eacute o desenvolvimento sustentaacutevel com as cidades como a mais importante das pautas

para todos os paiacuteses Pois dois terccedilos do consumo mundial de energia advecircm das

cidades 75 dos resiacuteduos satildeo gerados nas cidades e vive-se um processo dramaacutetico de

esgotamentos dos recursos hiacutedricos e de consumo exagerado de agua potavel A agenda

Cidades Sustentaveis eacute assim desafio e oportunidade uacutenicas no desenvolvimento das

naccedilotildees A ecologia da cidade e natildeo a ecologia na cidade ou a natureza como um

sistema separado na cidade Tratam-se de questotildees seacuterias e prementes

independentemente de roacutetulos107

Como se sabe maiores densidades urbanas representam menor consumo de energia per

capita Justamente pelas suas altas densidades otimizando as infraestruturas urbanas e

propiciando ambientes de maior qualidade de vida promovida pela sobreposiccedilatildeo de

usos entatildeo cidades sustentaveis satildeo necessariamente compactas e densas108

Na busca

pelo desenvolvimento sustentado o crescimento deve ser voltado para dentro da cidade

reciclar a estrutura existente e natildeo simplesmente substituiacute-la No planejamento

estrateacutegico eacute possiacutevel e desejaacutevel a reestruturaccedilatildeo produtiva ou seja utilizando-se dos

novos processos de inovaccedilatildeo econocircmica e tecnoloacutegica para regenerar os territoacuterios

existentes

Muito aleacutem de um desejaacutevel conjunto de construccedilotildees sustentaacuteveis a cidade sustentaacutevel

deve incorporar paracircmetros de sustentabilidade no desenvolvimento urbano puacuteblico e

privado O setor privado que sempre estiveram presentes no desenvolvimento das

grandes cidades deve complementar os paracircmetros de sustentabilidade em consonacircncia

com aqueles pautados pela atuaccedilatildeo puacuteblica109

Por meio de um bom diagnoacutestico que permita outro olhar na estruturaccedilatildeo dos

investimentos puacuteblicos se alcanccedila uma importante mudanccedila de patamar dos indicadores

de sustentabilidade urbana 110

Diferem-se em dois grupos no tocante agrave abordagem de possibilidades de

implementaccedilatildeo de programas de sustentabilidade O primeiro tem foco em aspectos

sociais para promoccedilatildeo da sustentabilidade urbana como governanccedila local mudanccedilas de

comportamento e atitudes revisatildeo dos objetivos do planejamento do uso do solo entre

outros Em muitas cidades a alternativa passa a ser a realizaccedilatildeo de accedilotildees visando

eficiecircncia por reduccedilatildeo de consumo e desperdiacutecio apoio a serviccedilos com baixas emissotildees

de carbono e revitalizaccedilatildeo urbana promovendo a compacidade do uso do solo o

compartilhamento de equipamentos e a valorizaccedilatildeo do espaccedilo puacuteblico O segundo grupo

tem foco em alta tecnologia no uso de equipamentos e sistemas modernos para que a

cidade especialmente os setores de energia mobilidade e gestatildeo de resiacuteduos possa

107

LEITE Carlos Cidades sustentaacuteveis cidades inteligentes [recurso eletrocircnico] desenvolvimento

sustentaacutevel num planeta urbano Carlos Leite Juliana di Cesare Marques Awad ndash Dados eletrocircnicos ndash

Porto Alegre Bookman 2012 108

LEITE 2012 op cit 109

LEITE 2012 op cit 110

LEITE 2012 op cit p 132

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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alcanccedilar altos iacutendices de desempenho em aspectos como emissotildees de gases de efeito

estufa e destinaccedilatildeo de resiacuteduos111

A cidade eacute considerada sustentaacutevel quanto atendidos os objetivos sociais ambientais

poliacuteticos e culturais bem como aos objetivos econocircmicos e fiacutesicos de seus cidadatildeos

Sustentabilidade pressupotildee agilidade para reagir com rapidez agraves mudanccedilas da sociedade

e num cenaacuterio ideal a continuidade do ciclo sem desperdiacutecios O modelo de

desenvolvimento urbano em que se deve operar a cidade sustentaacutevel procura balancear

de forma eficiente os insumos de entrada (terra urbana e recursos naturais aacutegua

energia alimento etc) as fontes de saiacuteda (resiacuteduos esgoto poluiccedilatildeo etc) e a

distribuiccedilatildeo igualitaacuteria para toda a populaccedilatildeo urbana dos recursos de consumo baacutesicos

incluindo desafios prementes como o aumento da permeabilidade nas cidades112

V A REURB DE NUacuteCLEO URBANO INFORMAL SITUADO EM APP

A Lei ndeg 134652017 no Tiacutetulo III Da Regularizaccedilatildeo Fundiaacuteria Urbana conforme o

artigo 9deg ldquoFicam instituiacutedas no territoacuterio nacional normas gerais e procedimentos

aplicaacuteveis agrave Regularizaccedilatildeo Fundiaacuteria Urbana (Reurb) a qual abrange medidas

juriacutedicas urbaniacutesticas ambientais e sociais destinadas agrave incorporaccedilatildeo dos nuacutecleos

urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e a titulaccedilatildeo de seus ocupantesrdquo

De acordo com a Deliberaccedilatildeo Normativa CONSEMA ndeg 03 de 04 de dezembro de

2018113

() considera-se imoacutevel urbano aquele localizado em aacuterea consolidada que

atenda simultaneamente aos seguintes requisitos

I - incluiacuteda no periacutemetro urbano ou em zona urbana pelo plano

diretor ou por lei municipal especiacutefica

II - com sistema viaacuterio implantado e vias de circulaccedilatildeo

pavimentadas ou natildeo

III - organizada em quadras e lotes predominantemente

edificados

IV - de uso predominantemente urbano caracterizado pela

existecircncia de edificaccedilotildees residenciais comerciais industriais institucionais

mistas ou voltadas agrave prestaccedilatildeo de serviccedilos e

V - com a presenccedila de no miacutenimo 3 (trecircs) dos seguintes

equipamentos de infraestrutura urbana implantados

a) drenagem de aacuteguas pluviais

b) esgotamento sanitaacuterio

c) abastecimento de aacutegua potaacutevel

d) distribuiccedilatildeo de energia eleacutetrica e

e) limpeza urbana coleta e manejo de resiacuteduos soacutelidos

111

LEITE 2012 op cit 112

LEITE 2012 op cit 113

artigo 1ordm paraacutegrafo uacutenico da Deliberaccedilatildeo CONSEMA ndeg 032018

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67

Considerando que de acordo com o sect2deg do artigo 11 da Lei ndeg 134652017 in verbis114

Constatada a existecircncia de nuacutecleo urbano informal situado total ou

parcialmente em aacuterea de preservaccedilatildeo permanente ou em aacuterea de unidade de

conservaccedilatildeo de uso sustentaacutevel ou de proteccedilatildeo de mananciais definidas pela

Uniatildeo Estados ou Municiacutepios a Reurb observaraacute tambeacutem o disposto

nos artigos 64 e 65 da Lei nordm 126512012 hipoacutetese na qual se torna

obrigatoacuteria a elaboraccedilatildeo de estudos teacutecnicos no acircmbito da Reurb que

justifiquem as melhorias ambientais em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo

informal anterior inclusive por meio de compensaccedilotildees ambientais quando

for o caso

Sendo que conforme o sect 3ordm da referida Lei de 2017115

No caso de a Reurb abranger aacuterea de unidade de conservaccedilatildeo de uso

sustentaacutevel que nos termos da Lei nordm 99852000 admita regularizaccedilatildeo seraacute

exigida tambeacutem a anuecircncia do oacutergatildeo gestor da unidade desde que estudo

teacutecnico comprove que essas intervenccedilotildees de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria implicam

a melhoria das condiccedilotildees ambientais em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo

informal anterior

Cabendo ao Municiacutepio conforme prevecirc o artigo 12 ainda do referido Diploma Legal a

aprovaccedilatildeo urbaniacutestica do projeto de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria bem como agrave aprovaccedilatildeo

ambiental se o Municiacutepio tiver oacutergatildeo ambiental capacitado Destacando que os estudos

teacutecnicos referidos no artigo 11 que aplicam-se somente agraves parcelas dos nuacutecleos urbanos

informais situados nas aacutereas de preservaccedilatildeo permanente nas unidades de conservaccedilatildeo

de uso sustentaacutevel ou nas aacutereas de proteccedilatildeo de mananciais deveratildeo ser elaborados por

profissional legalmente habilitado compatibilizar-se com o projeto de regularizaccedilatildeo

fundiaacuteria e conter conforme o caso os elementos constantes dos artigos 64 ou 65 da Lei

ndeg 126512012

Entende-se por aacuterea de preservaccedilatildeo permanente (APP) de acordo com o artigo 3deg

inciso I da Lei ndeg 126512012 aacuterea protegida coberta ou natildeo por vegetaccedilatildeo nativa

com a funccedilatildeo ambiental de preservar os recursos hiacutedricos a paisagem a estabilidade

geoloacutegica e a biodiversidade facilitar o fluxo gecircnico de fauna e flora proteger o solo e

assegurar o bem-estar das populaccedilotildees humanas

No artigo 4ordm da referida lei estatildeo as delimitaccedilotildees da Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente e

consideram-se ainda de preservaccedilatildeo permanente quando declaradas de interesse social

por ato do Chefe do Poder Executivo as aacutereas cobertas com florestas ou outras formas

de vegetaccedilatildeo destinadas a uma ou mais das finalidades descritas nos incisos I ao IX

desse artigo Aleacutem disso segundo a mesma lei a supressatildeo de vegetaccedilatildeo nativa

protetora de nascentes dunas e restingas somente poderaacute ser autorizada em caso de

utilidade puacuteblica

A Lei da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria (Lei ndeg 134652017) no seu artigo 35 traz nos

incisos de I a X e no paraacutegrafo uacutenico o que deve conter no miacutenimo o projeto de

regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

A Lei supracitada alterou a redaccedilatildeo dos artigos 64 e 65 da Lei ndeg 126512012

114

artigo 11 sect2ordm da Lei ndeg 134652017 115

Artigo 11 sect3ordm da Lei ndeg 134652017

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substituindo regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de interesse social e interesse especiacutefico dos

nuacutecleos urbanos informais por Reurb-S e Reurb-E respectivamente Anteriormente na

forma da Lei ndeg 119772009 referia-se a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de interesse social e

interesse especiacutefico dos assentamentos inseridos em aacuterea urbana de ocupaccedilatildeo

consolidada

O estudo teacutecnico que deveraacute ser elaborado a fim de demonstrar que a regularizaccedilatildeo

fundiaacuteria de um dado nuacutecleo urbano informal implementaraacute melhorias das condiccedilotildees

ambientais em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo anterior estatildeo exigidos no sect 1o em ambos os artigos

64 e 65 da Lei ndeg 126512012 e os elementos miacutenimos que constaratildeo no estudo estatildeo

definidos no inciso I e seguintes dos mesmos artigos

Utilizando-se paracircmetros miacutenimos de consolidaccedilatildeo urbana indicados na legislaccedilatildeo

vigente complementada com informaccedilotildees das prefeituras resulta-se na limitaccedilatildeo dos

periacutemetros e a classificaccedilatildeo dos nuacutecleos urbanos informais por ordem de prioridade para

receberem os estudos que deveratildeo atender agraves diretriz e propor melhorias de qualificaccedilatildeo

ambiental a fim de verificar a possibilidade de regularizaccedilatildeo

VI O ESTUDO TEacuteCNICO EXIGIDO NA REURB

As informaccedilotildees coletadas no Relatoacuterio que subsidiaraacute o Estudo Teacutecnico devem trazer

dados da situaccedilatildeo dos nuacutecleos urbanos tais como

- a vulnerabilidade das ocupaccedilotildees a enchentes escorregamentos de terra e outros riscos

- caracterizaccedilatildeo das tipologias e os diversos niacuteveis de ocupaccedilatildeo da aacuterea em estudo

- atendimento aos criteacuterios do conceito de aacuterea urbana consolidada a partir de

paracircmetros previstos em lei

- impedimento da regeneraccedilatildeo da vegetaccedilatildeo qualidade paisagiacutestica

- acessibilidade conforto teacutermico

- definir os periacutemetros de consolidaccedilatildeo urbana e delimitar as ocupaccedilotildees em aacutereas

ambientalmente protegidas e

- verificar a ausecircncia de funccedilotildees ambientais da APP considerando o disposto nos

artigos 2ordm 3ordm 4ordm e 7ordm da Deliberaccedilatildeo Normativa CONSEMA ndeg 032018116

Podendo-se iniciar priorizando a busca de dados que permitiratildeo as avaliaccedilotildees quanto agrave

situaccedilotildees de risco e com esses dados eleger as edificaccedilotildees que natildeo teratildeo possibilidade

de permanecer no local

Haacute varias definiccedilotildees para o termo vulnerabilidade de acordo com o Regional Disaster

Information Center Latin America and the Caribbean (CRID)117

a vulnerabilidade

116

artigos 2deg 3deg 4deg e 7deg da Deliberaccedilatildeo CONSEMA ndeg 032018

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69

pode ser definida como o grau de suscetibilidade ou de risco a que estaacute exposta uma

populaccedilatildeo de sofrer danos por um desastre natural Segundo a United Nations

Development Program (UNDP)118

vulnerabilidade eacute uma condiccedilatildeo ou processo

resultante de fatores fiacutesicos sociais econocircmicos e ambientais os quais determinam a

probabilidade e escala dos danos causados pelo impacto de um determinado perigo De

acordo com Koeler citado por Schenkel 119

vulnerabilidade estaacute relacionada a fatores

fiacutesicos (urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e tipo de construccedilatildeo) fatores ambientais

(uso do solo recursos hiacutedricos vegetaccedilatildeo biodiversidade e sustentabilidade) fatores

econocircmicos (condiccedilatildeo socioeconocircmica solidez da economia pobreza acesso a serviccedilos

baacutesicos e taxa de desemprego) e fatores sociais (percepccedilatildeo do risco educaccedilatildeo direitos

humanos participaccedilatildeo social renda acesso a informaccedilatildeo gecircnero raccedila e idade)

Por meio dos bancos de dados disponiacuteveis para o local como avaliaccedilotildees mapas e os

zoneamentos especiacuteficos possibilita-se a realizaccedilatildeo de uma setorizaccedilatildeo da aacuterea e dentro

da proacutepria aacuterea em estudo Identificando as de Baixo Meacutedio Alto e Muito Alto risco no

intuito de diagnosticar a situaccedilatildeo atual e posteriormente indicar as accedilotildees mitigadoras do

risco atraveacutes de medidas estruturais (obras) e natildeo estruturais (planos preventivos

remoccedilotildees definitivas ou temporaacuterias)

No caso de nuacutecleos urbanos informais que inserem-se totalmente ou parcialmente em

area de preservaccedilatildeo de curso drsquoagua definida no artigo 4ordm inciso I da Lei ndeg

126512012 o primeiro item a ser avaliado em termos de prioridade pode ser quanto

a proximidade das edificaccedilotildees ao curso drsquoagua Nesse caso a coleta e registro de dados

pluviomeacutetricos (iacutendices de chuvas) e fluviomeacutetricos (niacutevel dos rios) eacute imprescindiacutevel

sendo necessaacuterio inclusive dados das interferecircncias existentes na bacia inclusive agrave

montante da aacuterea em regularizaccedilatildeo Como dados complementares pode-se incluir a

taxa de impermeabilizaccedilatildeo estudo qualitativo e quantitativo da vegetaccedilatildeo ciliar faixa

da aacuterea de preservaccedilatildeo permanente remanescente livre de ocupaccedilatildeo avaliaccedilatildeo da

qualidade das aacuteguas Nessa etapa os dados obtidos seratildeo determinantes para decidir se a

edificaccedilatildeo poderaacute permanecer no local O estudo deveraacute abranger aleacutem da aacuterea do

nuacutecleo objeto de regularizaccedilatildeo a aacuterea de sua vizinhanccedila de forma a possibilitar o

estudo das funccedilotildees ambientais da aacuterea de preservaccedilatildeo permanente definidas no artigo

3ordm inciso II da Lei ndeg 126512012 agrave montante e agrave jusante do nuacutecleo

Natildeo menos importante eacute a avaliaccedilatildeo das edificaccedilotildees inseridas em aacutereas declivosas que

podem ser enquadradas na mesma categoria de risco do item anterior considerando que

os dados obtidos tambeacutem seratildeo determinantes na tomada de decisatildeo se a edificaccedilatildeo

poderaacute permanecer no local Satildeo aacutereas de preservaccedilatildeo permanente de acordo com o

artigo 4ordm inciso V da Lei ndeg 126512012 as encostas ou partes destas com declividade

superior a 45deg equivalente a 100 (cem por cento) na linha de maior declive e ainda

satildeo aacutereas de uso restrito de acordo com o artigo 11 da referida lei aacutereas de inclinaccedilatildeo

entre 25deg e 45deg

117

CRID - Regional Disaster Information Center Latin America and the Caribbean Disaster Controlled

Vocabulary San Joseacute CRID 2001 118

UNDP ndash United Nations Development Program Reducing disaster risk a challenge for development

New York UNDP 2004 119

SCHENKEL Juacutelia Cigana Mapeamento das aacutereas de risco de escorregamentos translacionais na bacia

do Arroio Forromeco ndash RS Trabalho de Conclusatildeo Porto Alegre 2014

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

70

O relatoacuterio de campo deve objetivar coletar todos os dados topograacuteficos da aacuterea ou

seja sistema viaacuterio intervenccedilotildees no sistema viaacuterio testadas dos lotes divisotildees de

terrenos construccedilotildees existentes coacuterregos pontes marcos taludes de morros A

caracteriacutestica das ocupaccedilotildees informais eacute se desenvolverem em aacutereas remanescentes de

pouco valor imobiliaacuterio com algum grau de risco Quando o motivo de desvalorizaccedilatildeo

da aacuterea eacute a topografia ou satildeo aacutereas inundaacuteveis ou em morros com alta declividade

Nesse sentido o estudo se baseia nos bancos de dados e mapas de aacutereas susceptiacuteveis a

escorregamento e inundaccedilotildees

Identificadas as edificaccedilotildees que para as quais a soluccedilatildeo encontrada como medidas

mitigadoras eacute a remoccedilatildeo nesse caso mesmo sendo vista como uma medida de alto

impacto social natildeo deixa de ser considerada uma melhoria ambiental no nuacutecleo objeto

de regularizaccedilatildeo Em seguida passa-se ao estudo das melhorias possiacuteveis para as

ocupaccedilotildees passiacuteveis de permanecircncia no local

Na metodologia empregada para o levantamento dos dados sempre que possiacutevel deve

contar com o auxiacutelio de moradores locais que poderatildeo facilitar os acessos e vistorias

das equipes no interior dos nuacutecleos e ainda trazer informaccedilotildees importantes que podem

natildeo estar evidentes num primeiro contato de quem natildeo estaacute familiarizado com o local

VI I PRINCIPAIS CARACTERIacuteSTICAS ENCONTRADAS EM NUacuteCLEOS

URBANOS INFORMAIS NOS MUNICIacutePIOS DO LITORAL NORTE DE SAtildeO

PAULO

No levantamento eacute feita a caracterizaccedilatildeo da arquitetura das edificaccedilotildees As ocupaccedilotildees

informais muitas vezes satildeo caracterizadas por grande adensamento de edificaccedilotildees e

situadas em aacutereas de topografia acidentada Nessa situaccedilatildeo quando em declividade os

acessos satildeo caracterizados pela construccedilatildeo de ldquoescadinhasrdquo para ajudar a subida o

arruamento eacute muito irregular pois as construccedilotildees invadem o que seria a via puacuteblica e o

afloramento de rochas eacute constante

Por tratar-se de nuacutecleo informal na maioria dos casos o local natildeo eacute atendido pela rede

puacuteblica de aacutegua sendo o abastecimento em grande parte por rios e nascentes Nesse

caso a captaccedilatildeo pode ser realizada em poccedilos nascentes ou diretamente do curso drsquoagua

de forma coletiva ou individual Em geral natildeo existe nenhum tipo de tratamento de

aacutegua A aduccedilatildeo da aacutegua eacute feita por canos flexiacuteveis (mangueiras) com distacircncias

variaacuteveis da captaccedilatildeo ateacute a edificaccedilatildeo e armazenadas em caixas ou sem nenhum tipo de

armazenamento A disponibilidade de aacutegua eacute variaacutevel estando sujeita agraves variaccedilotildees de

volume caracteriacutesticas das estaccedilotildees do ano e variaccedilatildeo no consumo pela sazonalidade da

populaccedilatildeo

Considerando que os lanccedilamentos de esgotos domeacutesticos constituem a principal fonte

de poluiccedilatildeo dos recursos hiacutedricos superficiais e potencialmente tambeacutem dos recursos

hiacutedricos subterracircneos deve-se avaliar o tipo de tratamento que estaacute sendo dado ao

esgotamento sanitaacuterio Em geral os efluentes domeacutesticos satildeo lanccedilados diretamente nos

rios ou em fossas negras e menor incidecircncia em fossas seacutepticas Quando haacute fossa lanccedila-

se principalmente nessa os efluentes provenientes dos vasos sanitaacuterios e os demais

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

71

efluentes como das cozinhas e lavatoacuterios satildeo lanccedilados diretamente sobre o solo ou nos

cursos drsquoaguas

Quanto aos resiacuteduos soacutelidos eacute cultural poreacutem em baixa porcentagem a queima do lixo

feita pelos moradores Na maioria das vezes os resiacuteduos soacutelidos satildeo levados ateacute as

lixeiras do bairro quando existente local onde o caminhatildeo da coleta puacuteblica recolhe

Poreacutem natildeo satildeo raros os locais em que eacute encontrado lixo espalhado pelo terreno e

arredores tambeacutem haacute registro de lixo nos coacuterregos e nos caminhos

Outra potencial fonte de poluiccedilatildeo satildeo os animais de criaccedilatildeo na maioria representada

pelos cachorros e gatos poreacutem quase sempre eacute constatada a presenccedila de galinhas patos

ou outras aves e em bem menor porcentagem cavalos cabras e bovinos

Em parte das residecircncias verifica-se que possuem algum cultivo composta em grande

parte por aacutervores frutiacuteferas e temperos aparecendo a banana como destaque seguido da

mandioca Entre os legumes o chuchu satildeo os mais cultivados e em alguns casos satildeo

encontradas ervas medicinais

Dada agraves caracteriacutesticas das ocupaccedilotildees informais eacute difiacutecil a conduccedilatildeo de bons programas

de arborizaccedilatildeo ocupaccedilatildeo urbana desordenada ruas e calccediladas estreitas redes eleacutetricas

muito baixas e desprotegidas animais soltos praccedilas com solo impermeabilizado Satildeo

raros os espaccedilos puacuteblicos disponiacuteveis Sendo necessaacuterio a busca de dados como

definiccedilatildeo dos locais mais carentes de arborizaccedilatildeo observaccedilatildeo das atividades mais

comuns (comeacutercio residecircncias lazer induacutestrias serviccedilos etc) largura das ruas e dos

passeios existecircncia de pavimentaccedilatildeo nas ruas e calccedilamento nos passeios iluminaccedilatildeo

puacuteblica e redes eleacutetricas telefocircnicas aeacutereas (altura e lado da fiaccedilatildeo espaccedilamento entre

postes tipo e altura da iluminaccedilatildeo) redes subterracircneas de aacutegua esgoto energia e

telecomunicaccedilotildees (localizaccedilatildeo e profundidade) tipo e intensidade de traacutefego recuo das

construccedilotildees fatores ambientais (clima e solo do local) aspectos socioeconocircmicos e

histoacuterico e culturais da comunidade valor artiacutestico ou histoacuterico das fachadas As

categorias de arborizaccedilatildeo (arborizaccedilatildeo de calccediladas e canteiros de vias puacuteblicas praccedilas e

jardins e outras aacutereas verdes) se complementam mas uma natildeo substitui as outras

Todos esses elementos e mais algumas conversas com os moradores ou usuaacuterios vatildeo

ajudar a escolher a espeacutecie adequada e definir os cuidados necessaacuterios ao

desenvolvimento das aacutervores

VII MEDIDAS URBANIacuteSTICAS E AMBIENTAIS NAS AREAS

CONSIDERADAS DE RELEVANTE INTERESSE ECOLOacuteGICO

O que se deve buscar eacute a otimizaccedilatildeo do uso das infraestruturas urbanas disponiacuteveis por

meio da eficiecircncia energeacutetica melhor uso das aacuteguas e reduccedilatildeo da poluiccedilatildeo

Com o adequado planejamento municipal eacute possiacutevel o uso misto do solo misturando as

funccedilotildees urbanas (habitaccedilatildeo comeacutercio e serviccedilos) promovendo relativamente altas

densidades de modo qualificado120

120

LEITE 2012 op cit

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

72

Por meio da implantaccedilatildeo de infraestrutura essencial como calccedilamento a coleta e o

afastamento do esgoto fornecimento de energia e de aacutegua e o seu reaproveitamento

menor consumo de energia e utilizaccedilatildeo de matrizes energeacuteticas renovaacuteveis reciclagem

do lixo urbano aumento do gradiente verde das cidades e formaccedilatildeo de corredores

ecoloacutegicos busca-se o bem estar das populaccedilotildees que eacute uma das metas da Reurb como

melhoria das condiccedilotildees ambientais em relaccedilatildeo agraves anteriormente existentes Com a

possibilidade de permanecircncia dos moradores no nuacutecleo regularizado e as facilidades de

obtenccedilatildeo dos serviccedilos e comeacutercio local Aliados a um eficiente sistema de mobilidade

urbana que conecte os nuacutecleos adensados em rede O planejamento adequado do

municiacutepio deve promover maior eficiecircncia nos transportes puacuteblicos e ainda desenvolver

um modelo que incentive a caminhada e o ciclismo121

O compartilhamento dos espaccedilos como calccediladas e espaccedilos de uso coletivo aliados agrave

proximidade dos serviccedilos no interior dos nuacutecleos incrementam as oportunidades para

interaccedilatildeo social bem como favorece a sensaccedilatildeo de seguranccedila puacuteblica uma vez que

estabelece melhor o senso de comunidade122

Um ambiente sustentaacutevel deve buscar uma relaccedilatildeo do ambiente construiacutedo com a

geografia natural a mais harmoniosa possiacutevel que respeite as caracteriacutesticas geograacuteficas

do territoacuterio de forma a promover uma boa relaccedilatildeo com os recursos hiacutedricos e aacutereas

verdes Esses nuacutecleos urbanos se desenvolveram e estatildeo cercados por aacutereas de elevada

biodiversidade e de grande fragilidade ambiental Muitos desses ambientes quando

preservados desempenham diversas funccedilotildees como o amortecimento dos processos

erosivos decorrentes da dinacircmica da zona costeira a formaccedilatildeo e preservaccedilatildeo da recarga

das aacuteguas subterracircneas corredores ecoloacutegicos entre um mosaico de ecossistemas que

vatildeo da vegetaccedilatildeo de praia passando pelas restingas e manguezais pela vegetaccedilatildeo de

encostas alcanccedilando as maiores cotas altimeacutetricas ateacute os limites do Parque Estadual da

Serra do Mar

Devido a essas caracteriacutesticas ambientais as diretrizes normativas de uso e ocupaccedilatildeo a

serem aplicadas na Reurb devem objetivar a proteccedilatildeo de toda a biodiversidade e dos

serviccedilos ambientais Com base no Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro

regulamentado pelo Decreto Federal ndeg 53002004 qualquer empreendimento na zona

costeira deveraacute ser compatiacutevel com a infraestrutura de saneamento e sistema viaacuterio

existentes devendo a soluccedilatildeo teacutecnica adotada preservar as caracteriacutesticas ambientais e a

qualidade paisagiacutestica Incluindo o levantamento e a fiscalizaccedilatildeo de atividades

potencialmente poluidoras em superfiacutecie

Propotildeem-se o monitoramento e a implantaccedilatildeo de planos de manejo de espeacutecies

ameaccediladas de extinccedilatildeo Outra importante ferramenta para a conservaccedilatildeo das populaccedilotildees

de fauna e de flora locais eacute a previsatildeo da implantaccedilatildeo de corredores ecoloacutegicos que

permitam a conexatildeo entre os fragmentos de habitats localizados dentro e fora dos

limites municipais A criaccedilatildeo de Unidades de Conservaccedilatildeo municipais em aacutereas

remanescentes tambeacutem eacute uma alternativa de conservaccedilatildeo de espaccedilos ambientalmente

fraacutegeis e importantes e toda a sua biota associada

121

LEITE 2012 op cit 122

LEITE 2012 op cit

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

73

Finalmente eacute de grande importacircncia para a continuidade ao longo das geraccedilotildees da

conservaccedilatildeo dos ecossistemas localizados na aacuterea de estudo a realizaccedilatildeo de educaccedilatildeo

ambiental nas escolas dos municiacutepios voltada para a conservaccedilatildeo dos ecossistemas

locais

Com isso o estudo teacutecnico visa embasar o planejamento e gestatildeo eficientes contiacutenuos e

de longo prazo para propor soluccedilotildees a fim de adequar os nuacutecleos urbanos informais agrave

cidade regularizada mitigando os efeitos entre a colisatildeo dos princiacutepios constitucionais

do direito agrave moradia digna e do direito do meio ambiente ecologicamente equilibrado

VIII CONCLUSAtildeO

Com a definiccedilatildeo das aacutereas de risco poderatildeo ser aplicadas nos nuacutecleos em processo de

regularizaccedilatildeo as medidas estruturais (obras) ou natildeo estruturais (planos preventivos

remoccedilotildees definitivas ou temporaacuterias)

O estudo teacutecnico para comprovar a melhoria das condiccedilotildees de sustentabilidade urbano

ambiental e de habitabilidade dos moradores a partir da regularizaccedilatildeo poderaacute se basear

nos dados de densidade adequada aos paracircmetros do municiacutepio sempre respeitando as

condicionantes do meio fiacutesico e a densidade adequada ao niacutevel de vulnerabilidade dos

ecossistemas envolvidos sendo que para a maior vulnerabilidade deveratildeo previstas a

menor densidade por exemplo nas zonas de amortecimento de Unidades de

Conservaccedilatildeo No mesmo sentido o estudo deve ser capaz de identificar as unidades

territoriais que por suas caracteriacutesticas fiacutesicas bioloacutegicas e soacutecio econocircmicas bem

como por sua dinacircmica e contrastes internos devam ser objeto de disciplina especial

com vistas ao desenvolvimento de accedilotildees capazes de conduzir ao aproveitamento agrave

manutenccedilatildeo ou agrave recuperaccedilatildeo de sua qualidade ambiental e do seu potencial produtivo

respeitando-se as normas e metas ambientais e soacutecio econocircmicas definidas pelo

Zoneamento Ecoloacutegico Econocircmico (Decreto Estadual ndeg 629132017)

Deve ser exigido o tratamento de esgoto de forma que natildeo comprometa a qualidade dos

recursos hiacutedricos superficiais e subterracircneos Na impossibilidade de implantaccedilatildeo da

Estaccedilatildeo de Tratamento de Esgotos apoacutes as avaliaccedilotildees necessaacuterias inclusive os testes de

infiltraccedilatildeo e verificadas as condiccedilotildees do solo e dadas agraves caracteriacutesticas topograacuteficas

poderatildeo ser recomendados como sistema adequado para as moradias as Fossas Seacutepticas

Filtro Bioloacutegico Anaeroacutebio e Sumidouro conforme NBR 72291993 da ABNT123

Como medida imediata para controle da contaminaccedilatildeo do aquiacutefero pelo esgoto

domeacutestico eacute sugerida a fiscalizaccedilatildeo rigorosa das fossas seacutepticas atuais das residecircncias

Deveratildeo estar previstas a coleta e destino adequado do lixo urbano atentando-se para o

fator da sazonalidade ou seja a populaccedilatildeo residente e flutuante em eacutepoca de veraneio

Deve ser previsto tambeacutem o abastecimento de aacutegua da populaccedilatildeo dentro dos padrotildees de

potabilidade e o controle do uso das aacuteguas subterracircneas coibindo a disposiccedilatildeo de

123

NBR 722993 da ABNT

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

74

poluentes e resiacuteduos de qualquer natureza em poccedilos e perfuraccedilotildees ativas ou

abandonadas

Eacute recomendaacutevel a adoccedilatildeo de pavimentaccedilatildeo natildeo impermeabilizada das vias (pedra

paralelepiacutepedos lajotas etc) calccediladas com faixas pavimentadas e vegetadas Quando

natildeo possiacutevel a pavimentaccedilatildeo natildeo impermeabilizada por exemplo nas vias onde

circulam os veiacuteculos de transporte urbano a pavimentaccedilatildeo impermeaacutevel deve atentar-se

a drenagem pluvial Recomenda-se tambeacutem o ordenamento do sistema viaacuterio atendendo

cada uma das modalidades de circulaccedilatildeo dando preferecircncia a pedestres e ciclistas

Adequaccedilatildeo e revitalizaccedilatildeo da arborizaccedilatildeo de forma a resgatar as espeacutecies nativas eou

frutiacuteferas que aleacutem de contribuir agrave estabilizaccedilatildeo climaacutetica embeleza pelo variado

colorido que exibe fornece abrigo e alimento agrave fauna e proporciona sombra e lazer nas

praccedilas parques jardins e sistemas viaacuterios Destacando que para a regularizaccedilatildeo

fundiaacuteria de interesse especiacutefico (Reurb-E) ao longo dos rios ou de qualquer curso

drsquoagua devera ser mantida faixa natildeo edificavel com largura minima de 15 metros de

cada lado Em aacutereas urbanas tombadas como patrimocircnio histoacuterico e cultural a faixa natildeo

edificaacutevel poderaacute ser redefinida de maneira a atender aos paracircmetros do ato do

tombamento Sendo que para o total da APP objeto de regularizaccedilatildeo caberaacute a

compensaccedilatildeo ambiental nos termos da Resoluccedilatildeo SMA nordm 072017

REFEREcircNCIAS

_______ Deliberaccedilatildeo CONSEMA ndeg 03 de 04 de dezembro de 2018 que reconhece

como atividade de baixo impacto ambiental a implementaccedilatildeo ou a regularizaccedilatildeo de

edificaccedilotildees em imoacuteveis urbanos cujas Aacutereas de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) tenham

perdido suas funccedilotildees ambientais

________ Lei Federal ndeg 13465 de 11 de julho de 2017 que dispotildee sobre a

regularizaccedilatildeo fundiaacuteria rural e urbana e daacute outras providecircncias

ASSOCIACcedilAtildeO BRASILEIRA DE NORMAS TEacuteCNICAS NBR 7229 Projeto

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Alegre 2014

UNDP ndash United Nations Development Program Reducing disaster risk a challenge for

development New York UNDP 2004

URBAN AND ENVIRONMENTAL ASPECTS OF THE LAND

REGULARIZATION OF CONSOLIDATED INFORMAL URBAN CENTERS IN

PERMANENT PRESERVATION AREAS

ABSTRACT The present study through a historical review of the legislation

regarding land subdivision and the environment and through the method of observation

and data collection in the field of the characteristics of informal occupations in

municipalities of the north coast sought to demonstrate the possibility of improvement

of the urban environmental sustainability and habitability conditions of the residents

from the urban land regularization (Reurb) Reurb is the process that includes legal

urban environmental and social measures with the purpose of incorporating the

informal urban nuclei into the urban territorial ordering and the titling of its occupants

The legal measures correspond in particular to the solution of the problems of the land

which gives full ownership to the direct beneficiary of Reurb The urban measures relate

to the solutions to adapt the installments to the regularized city such as the implantation

of essential infrastructure (pavement sewage energy water supply) reallocation of

dwellings due to being in places subject to collapse floods unhealthy places among

others The environmental measures seek to overcome the problem of settlements

implemented without environmental licensing and in disagreement with urban

legislation and environmental protection Social measures in turn concern the solutions

given to the Reurb beneficiary population especially in low-income families (but not

excluding other populations) in order to promote the dignified exercise of the right to

housing and the right to housing citizenship providing quality of life

Key words Land parceling urban Sustainability Permanent preservation area Social

Interest

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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UMA SOLUCcedilAtildeO HARMOcircNICA PARA A MAIOR TRAGEacuteDIA

AMBIENTAL DO PAIacuteS

comentarios ao termo de ajustamento de conduta ldquogovernanccedilardquo ndash

TACGOV

HOMERO ANDRETTA JUNIOR

_________________ SUMAacuteRIO _________________

I O dia seguinte da trageacutedia de Mariana o que

fazer II Um objetivo uma soluccedilatildeo juriacutedica para o

maior desastre ambiental do Brasil III O Termo de

Ajustamento de Conduta-Governanccedila (TAC-GOV)

IV O Comitecirc Interfederativo ndash CIF V Cacircmaras

Teacutecnicas VI Comissotildees de Pessoas Atingidas VII

Custeio das Despesas do CIF e das CTs VIII

Auditoria Externa Independente e Compliance IX

Alteraccedilotildees na Estrutura Interna da Fundaccedilatildeo X

Repactuaccedilatildeo XI Conclusotildees

Palavras-Chave Barragem de Fundatildeo Rompimento Mariana-MG Desastre ambiental

Termo de Ajustamento de Conduta sobre Governanccedila - TAC-Gov

I O DIA SEGUINTE DA TRAGEacuteDIA DE MARIANA O QUE FAZER

Alguns dias apoacutes o rompimento da barragem de Fundatildeo em Mariana-MG as notiacutecias

de que a lama atingiria o Rio Doce e que chegaria ao mar territorial brasileiro levaram agrave

inevitaacutevel necessidade de pronta resposta da Advocacia-Geral da Uniatildeo - AGU para a

maior trageacutedia ambiental do paiacutes124

considerando-se que uma bacia hidrograacutefica inteira

Procurador Federal Advocacia-Geral da Uniatildeo

124 Conquanto a trageacutedia de Brumadinho tenha ceifado maior nuacutemero de vidas humanas o volume de

resiacuteduo despejado sobre os rios natildeo foi suficiente para atingir rio da Uniatildeo ou comprometer a bacia

hidrograacutefica como um todo ao contraacuterio do que ocorreu em Mariana Assim reputo que a trageacutedia de

Brumadinho do ponto de vista humano e social foi significativamente mais impactante poreacutem do ponto

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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restou afetada caracterizando-se o dano ambiental a um rio da Uniatildeo o Rio Doce que

corta os Estados de Minas Gerais e do Espiacuterito Santo Igualmente vulnerado o mar

territorial bem da Uniatildeo

Inegaacutevel a legitimidade da Uniatildeo para a adoccedilatildeo de medidas judiciais a AGU logo

reconheceu a necessidade de atuaccedilatildeo conjunta com os Estados afetados buscando

contato com as Procuradorias Estaduais dos entes federados de forma a buscar uma

maior coordenaccedilatildeo e efetividade das medidas a serem adotadas pelos entes puacuteblicos

De pronto tambeacutem ficou clara a necessidade de uma soluccedilatildeo acordada com os

responsaacuteveis pelo dano basicamente a empresa SAMARCO e suas controladoras a

VALE SA antiga Cia Vale do Rio Doce e maior mineradora do Brasil e a BHP

BILLITON mineradora anglo-australiana

Contatos iniciais do Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) e da AGU com as empresas

natildeo renderam frutos o que ensejou a adoccedilatildeo de accedilatildeo civil puacuteblica de reparaccedilatildeo de danos

conjunta ajuizada pela Uniatildeo e pelos Estados a primeira accedilatildeo que buscou enfrentar

todas as consequecircncias da trageacutedia de uma forma global

Desde o iniacutecio pensou-se nos riscos que a pulverizaccedilatildeo de litiacutegios acarretaria sobretudo

ao meio-ambiente visto que accedilotildees de reparaccedilatildeo locais poderiam ser dissonantes de um

projeto amplo e coordenado de recuperaccedilatildeo da Bacia

O presente artigo se baseia nos pareceres que engendraram a atuaccedilatildeo da AGU na

mateacuteria lavrados na Coordenaccedilatildeo-Geral de Patrimocircnio e Meio-Ambiente (CGPAM)

alguns em parceria com a Coordenaccedilatildeo-Geral de Recuperaccedilatildeo de Creacuteditos (naquele

momento) ambos no Departamento de Patrimocircnio Puacuteblico (DPP) e Probidade da

Procuradoria-Geral da Uniatildeo (PGU)

II UM OBJETIVO UMA SOLUCcedilAtildeO JURIacuteDICA PARA O MAIOR

DESASTRE AMBIENTAL DO BRASIL

Um primeiro Termo de Transaccedilatildeo e Ajustamento de Conduta que ficou conhecido pelo

acrocircnimo TTAC foi inicialmente firmado pela AGU AGEMG PGEES e empresas

nos autos da ACP nordm 0069758-6120154013400 homologado originalmente pela

Central de Conciliaccedilatildeo do Tribunal Regional Federal da 1a Regiatildeo (TRF1) anulada

Diante do ajuizamento da ACP nordm 0023863-0720164013800 (12a VFBH) pelo

MPF que questionou o TTAC partiu-se para a rodada de negociaccedilotildees que levou agrave

minuta do instrumento de que ora se cuida que teve por efeito extinguir a fase de

conhecimento da ACP de 2015 movida pelos entes puacuteblicos bem como uma seacuterie de

pedidos da ACP de 2016 movida pelo MPF

Outros dois instrumentos firmados entre as empresas causadoras do desastre e o

Ministeacuterio Puacuteblico tambeacutem merecem menccedilatildeo pois formam um arcabouccedilo de quatro

de vista exclusivamente ambiental a trageacutedia de Mariana teve consequecircncias mais devastadoras ao meio-

ambiente

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

79

documentos que estruturaram uma soluccedilatildeo holiacutestica para o desastre o Termo de

Ajustamento Preliminar conhecido como TAP e o Aditivo ao TAP por meio do

qual o MPMG aderiu ao TAP inicialmente firmado pelo MPF com acreacutescimos de

meacuterito

Em siacutentese estes documentos visaram a contrataccedilatildeo de experts para auxiliar os MPs

nas periacutecias socioeconocircmicas e socioambientais e de assessorias teacutecnicas para

auxiliar as pessoas atingidas Nem a Uniatildeo nem os Estados satildeo partes signataacuterias destes

instrumentos e portanto natildeo arcam com qualquer ocircnus financeiros deles decorrentes

Com efeito as empresas e ONGs contratadas pelas empresas por indicaccedilatildeo eou

orientaccedilatildeo dos MPs satildeo por elas custeadas para as finalidades previstas nestes

instrumentos

O TAC-GOV uacuteltimo dos documentos firmados alterou parcialmente o Termo de

Transaccedilatildeo e Ajustamento de Conduta (ldquoTTACrdquo) celebrado nos autos da Accedilatildeo Civil

Puacuteblica ajuizada pela Uniatildeo pelos Estados de Minas Gerais e do Espiacuterito Santo e entes

da administraccedilatildeo indireta em face das EMPRESAS nos autos do processo no 0069758-

6120154013400 em tracircmite perante a 12ordf Vara Federal da Seccedilatildeo Judiciaacuteria de Minas

Gerais em Belo Horizonte

Conquanto o TAC-GOV natildeo tenha implicado homologaccedilatildeo expressa do TTAC e

impeccedila que a Uniatildeo e Estados peccedilam homologaccedilatildeo do TTAC - ponto inegociaacutevel para o

Ministeacuterio Puacuteblico e objeto de aacuterduos debates - fato eacute que toda sistemaacutetica de

governanccedila prevista no TTAC foi reconhecida pelos MPs e Defensorias com

acreacutescimos e aumento da participaccedilatildeo social

Na praacutetica apenas os PROGRAMAS e o funding do TTAC restaram sem

homologaccedilatildeo aguardando a discussatildeo da repactuaccedilatildeo dos programas sociais e

ambientais originalmente previstos na praacutetica eles continuaratildeo sendo executados ateacute

que sejam repactuados (vide capiacutetulo proacuteprio abaixo) jaacute que o TTAC natildeo obstante sem

homologaccedilatildeo expressa fez lei entre as partes e continuou sendo cumprido ateacute que sofra

eventuais alteraccedilotildees

No iniacutecio das tratativas os MPs pretendiam firmar um instrumento sem nenhuma

menccedilatildeo ao TTAC e tinham a pretensatildeo de firmar um TAC Final que chegou a ser

referenciado no TAP e no Aditivo ao TAP como TACF Ocorre que a realidade do

TTAC se impocircs como uacutenico instrumento que direcionou a atuaccedilatildeo de todos os atores

diante de um desastre ambiental sem precedentes no Paiacutes e que demandava e demanda

atuaccedilatildeo articulada dos oacutergatildeos federais e estaduais e do Poder Puacuteblico em geral

Ao cabo satildeo incontaacuteveis as menccedilotildees ao TTAC no TAC-GOV de forma que se o

TTAC natildeo pode ser homologado certo que os instrumentos nele previstos restaram

inegavelmente consagrados como soluccedilatildeo inovadora de articulaccedilatildeo interfederativa e

interinstitucional no campo dos desastres soacutecio-ambientais de grande magnitude

Com efeito nenhum dos Poderes da Repuacuteblica poderia isoladamente enfrentar os

nefastos efeitos do rompimento da barragem de Fundatildeo de forma que o TAC-GOV

comprova que a criaccedilatildeo de uma Fundaccedilatildeo privada supervisionada por um Comitecirc

puacuteblico de natureza interfederativa eacute a forma mais ceacutelere uacutetil e eficaz para promover a

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

80

reparaccedilatildeo soacutecio-econocircmica e soacutecio-ambiental da bacia do Rio Doce e das comunidades

atingidas direta e indiretamente

III A TRANSACcedilAtildeO NO DIREITO AMBIENTAL E NA VALORACcedilAtildeO DO

DANO AMBIENTAL

Antes de examinarmos os pontos principais do TAC-GOV e seu diaacutelogo com o TTAC

algumas palavras sobre a possibilidade de transaccedilatildeo no Direito Ambiental satildeo de rigor

Com efeito escrevemos artigo especiacutefico sobre o tema ainda em vias de publicaccedilatildeo

por ocasiatildeo do Curso sobre Governanccedila Global da Universidade Nova de Lisboa125

Pois bem questiona-se com frequecircncia se sendo o direito ao meio ambiente

indisponiacutevel eacute possiacutevel transacionar a seu respeito e em menor grau se a Uniatildeo os

Estados e os Municiacutepios podem colher Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) na

mateacuteria

A esparsa doutrina no Brasil sobre essa questatildeo especiacutefica tem respondido

afirmativamente o que natildeo tem sido negado pela jurisprudecircncia Com efeito

ldquoContrariamente ao que tem sido apregoado questotildees ambientais satildeo essencialmente

negociaacuteveisrdquo ndash afirma o Procurador Regional da Repuacuteblica Paulo de Bessa Antunes126

-

ldquocomo claramente estabelecido pela Resolucao nordm 23797 do Conselho Nacional do

Meio Ambiente pois todas as intervenccedilotildees sobre o meio ambiente implicam opccedilotildees

entre possibilidades diversas privilegiando este ou aquele aspecto conforme uma

tomada de decisao em grande parte discricionariardquo

Ora se a decisatildeo eacute em grande parte discricionaacuteria nada mais legiacutetimo que Uniatildeo

Estados e Municiacutepios possam assinar acordo em mateacuteria ambiental O Poder

emanado pelo voto soberano do povo eacute a maior fonte de legitimidade para qualquer

decisatildeo discricionaacuteria da Administraccedilatildeo inclusive e especialmente em mateacuteria

ambiental

Bessa Antunes ainda cita como exemplos da disponibilidade do direito ao meio

ambiente a alteraccedilatildeo e supressatildeo (ainda que atraveacutes de lei) das unidades de

conservaccedilatildeo prevista no art 225 da Constituiccedilatildeo a possibilidade de supressatildeo de aacutereas

de preservaccedilatildeo permanente e o proacuteprio licenciamento ambiental ldquoum instrumento

administrativo para definir o grau de ldquopoluicaordquo ambiental tido como aceitavel pela

sociedaderdquo127

a competecircncia atribuiacuteda pela Lei nordm 943397 aos Comitecircs de Bacia

125

ANDRETTA JUNIOR Homero Valoraccedilatildeo do dano ambiental pressupostos juriacutedicos no Brasil em

Portugal e na Uniatildeo Europeacuteia In Atas do I Curso Sobre Governanccedila e Regulaccedilatildeo Global COUTINHO

Francisco Pereira SANTOS Ruth SILVA Matheus (coord) Universidade de Lisboa Faculdade de

Direito CEDIS ndash Centro de IampD sobre Direito e Sociedade Campus de Campolide Lisboa Abril 2020

ISBN 978-898-8985-03-3 p 233 126

ANTUNES Paulo de Bessa Direito Ambiental 17ed Satildeo Paulo Atlas 2015 pp 78 e 79

Destaques nossos 127

ANTUNES Paulo de Bessa Direito Ambiental 17ed Satildeo Paulo Atlas 2015 p 80

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

81

Hidrograacutefica para ldquoarbitrar em primeira instacircncia administrativa os conflitos

relacionados aos recursos hiacutedricosrdquo128

Defendendo a possibilidade de arbitragem e transaccedilatildeo em mateacuteria ambiental o autor

vaticina

ldquoMuito embora o meio ambiente na condicao de macrobem nao possa ser tido

como ldquopatrimonialrdquo e de ldquocarater privadordquo na condicao de microbem

seguramente ele pode ser reduzido a um valor econocircmico portanto patrimonial e

da mesma forma pode estar submetido ao regime do direito privadordquo129

O renomado ambientalista faz ainda a seguinte observaccedilatildeo

ldquoCuriosamente eacute muito comum que um dos colegitimados a tomar o Termo de

Ajustamento de Conduta impugne tais termos quando firmados pelos demais

colegitimados sem sua presencardquo130

Demonstrando que essa tese encontra amparo na jurisprudecircncia cita o RESP 299400 a

Apelaccedilatildeo Ciacutevel 427003 da 6ordf Turma Especializada do TRF2 e a Apelaccedilatildeo Ciacutevel

415974 do TRF2 relatado pelo Desembargador Federal Reis Friede verbis

Eacute preciso ressaltar que a previsatildeo legal estabelece a possibilidade de intervenccedilatildeo do

MPF Desta forma apesar de aconselhaacutevel desejaacutevel a intervenccedilatildeo do MPF eacute

desnecessaacuteria na elaboraccedilatildeo do referido TAC Logo sua ausecircncia natildeo acarreta

portanto nulidade do mesmo por natildeo haver dispositivo legal que imponha tal

presenccedila

()

Boa parte da doutrina mostra-se perplexa com a possibilidade de transaccedilatildeo em mateacuteria

ambiental e de forma contraditoacuteria cria construccedilotildees cerebrinas bastante afastadas da

realidade dos fatos chegando a sustentar que ldquo[o] compromisso de ajustamento deve

ser homologado judicialmenterdquo Ora a homologacao judicial um Termo de

Ajustamento de Conduta caso inexistente a Accedilatildeo Civil Puacuteblica eacute uma contradiccedilatildeo pois

qual seria o sentido de que um documento vaacutelido como tiacutetulo executivo extrajudicial

fosse levado a juiacutezo para a homologaccedilatildeo e ser por essa via transformado em um tiacutetulo

executivo judicial () O fato eacute que a Lei da Accedilatildeo Civil Puacuteblica natildeo colocou nenhum

dos legitimados para a celebraccedilatildeo do Termo de Ajustamento de Conduta em posiccedilatildeo

superior aos demaisrdquo131

Se eacute possiacutevel transaccedilatildeo na mateacuteria ambiental nada impede a transaccedilatildeo tambeacutem com

relaccedilatildeo agrave valoraccedilatildeo dos danos ambientais

IV O TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA-GOVERNANCcedilA (TAC-

GOV)

128

ANTUNES Paulo de Bessa Direito Ambiental 17ed Atlas Satildeo Paulo 2015 p 81 129

ANTUNES Paulo de Bessa Direito Ambiental 17ordfed Atlas Satildeo Paulo 2015 p 82 Veja-se o

exemplo irrefutaacutevel que o autor daacute a respeito da aacutegua ldquo() nao se pode deixar de aceitar que a Lei nordm

9433 de 8 de janeiro de 1997 de forma ampla reconhece o valor econocircmico do bem ambiental aacutegua

determinando a cobranccedila pelo seu uso bem como a ampla arbitrabilidade administrativa das questotildees

relativas aos conflitos de uso muito embora nao deixe de afirmar a natureza de bem puacuteblico da aguardquo 130

ANTUNES Paulo de Bessa Direito Ambiental 17ed Atlas Satildeo Paulo 2015 p 82 131

ANTUNES Paulo de Bessa Direito Ambiental 17ed Atlas Satildeo Paulo 2015 p 86

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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O documento final que contou com a aquiescecircncia de todas as instituiccedilotildees juriacutedicas que

participaram de alguma forma do caso ficou conhecido como Termo de Ajustamento

de Conduta-Governanccedila ou mais simplificadamente TAC-GOV

Com efeito ele previu a estrutura responsaacutevel pela fiscalizaccedilatildeo da Fundaccedilatildeo Renova

criada pelas empresas causadoras do desastre ao mesmo tempo em que permitiu a

atuaccedilatildeo de todos os atores interessados inclusive a populaccedilatildeo atingida sem abrir matildeo

da necessaacuteria de tomada de decisatildeo governamental pelos oacutergatildeos puacuteblicos legalmente

responsaacuteveis

Seguindo-se ao contato132

em julho de 2017 da Coordenaccedilatildeo-Geral de Patrimocircnio e

Meio-Ambiente da Procuradoria-Geral da Uniatildeo (CGPAMDPPPGU) com o

Procurador da Repuacuteblica Coordenador da Forccedila Tarefa do MPF sobre o caso do

rompimento da Barragem de Fundatildeo em Mariana-MG iniciou-se na terccedila-feira dia

24102017 na Procuradoria-Geral da Repuacuteblica (PGR) com o Ministeacuterio Puacuteblico

Federal (MPF) em Brasiacutelia e no dia 25 seguinte com as empresas Samarco Vale e

BHP na Procuradoria-Geral da Uniatildeo (PGU) uma seacuterie de reuniotildees sendo a maioria

realizada na cidade de Belo Horizonte na Procuradoria da Repuacuteblica naquela capital

com as empresas SAMARCO VALE SA e BHP BILLITON DO BRASIL MPF

Defensorias Puacuteblicas Ministeacuterios Puacuteblicos Estaduais de Minas Gerais e Espiacuterito Santo

(MPMG e MPES) Ibama e o Comitecirc Interfederativo - CIF com o objetivo de

elaboraccedilatildeo de um Termo de Ajustamento de Conduta com vistas agrave homologaccedilatildeo parcial

de um acordo sobre a governanccedila do mecanismo de reparaccedilatildeo dos efeitos da trageacutedia

em Mariana-MG decorrente do rompimento da Barragem de Fundatildeo

As reuniotildees se estenderam pelo restante do segundo semestre de 2017 e pelo primeiro

semestre de 2018 com participaccedilatildeo da AGU AGEMG PGEES dos Ministeacuterio

Puacuteblicos Federal e dos dois Estados interessados (Minas Gerais e Espiacuterito Santo)

Defensorias Puacuteblicas (igualmente a Federal e dos dois Estados) escritoacuterios de advocacia

contratados pelas empresas Departamentos Juriacutedicos internos e corpo teacutecnico

representantes das empresas SAMARCO VALE SA e BHP BILLITON DO BRASIL

LTDA

Optou-se por cindir a discussatildeo sobre os instrumentos juriacutedicos que propiciariam o

combate aos efeitos da trageacutedia e por consequecircncia do TTAC inicialmente assinado

pela Uniatildeo Estados e empresas partindo-se da governanccedila e prosseguindo-se

futuramente com os programas socioeconocircmicos socioambientais e com o

financiamento o que acabou chamado na minuta de TAC-GOV de processo de

repactuaccedilatildeo

Cronologicamente antes do TAC-Gov trecircs instrumentos sobre o rompimento da

barragem de fundatildeo em Mariana foram firmados o TTAC o TAP e o Aditivo ao TAP

Os trecircs satildeo mencionados no TAC-GOV sendo portanto reconhecidos de parte a parte

com ressalvas eou ratificaccedilotildees expressas de claacuteusulas pontuais

132

O relato se baseia no PARECER nordm 2712018HAJDPPPGUAGU lanccedilado no processo

administrativo NUP 004050181052017-19

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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V O COMITEcirc INTERFEDERATIVO - CIF

Em suma o mecanismo de governanccedila originalmente previsto no TTAC firmado pela

Uniatildeo Estados de MG e ES com as empresas consistente na criaccedilatildeo de uma Fundaccedilatildeo

(atual Fundaccedilatildeo Renova) supervisionada por um Comitecirc Interfederativo (CIF) foi

mantido e reconhecido pelos Ministeacuterios Puacuteblicos e Defensorias Puacuteblicas Passaram

tambeacutem a ser reconhecidas expressamente e melhor disciplinadas as Cacircmaras Teacutecnicas

importantes conselhos formados por servidores federais estaduais e municipais bem

como nas quais participam defensores puacuteblicos e representantes dos atingidos (agora

com previsatildeo expressa) aleacutem dos teacutecnicos da proacutepria Fundaccedilatildeo (e doravante tambeacutem

dos MPs) e que auxiliam o CIF na elaboraccedilatildeo das propostas de Deliberaccedilatildeo por meio

de notas teacutecnicas antecedidas por debates

A minuta do TAC-Gov firmada ampliou o CIF Ministeacuterio Puacuteblico e a Defensoria

Puacuteblica solicitaram agregar representantes ou indicados no CIF destas instituiccedilotildees

inicialmente com direito a voto Os MPs defenderam sobretudo e inicialmente a

inclusatildeo de representantes dos atingidos indicados por um Foacuterum de Comitecircs Locais

que congregaria ao menos 8 Comitecircs Locais de atenccedilatildeo aos atingidos Nesse sentido

veio a primeira minuta enviada agrave AGU

Com a evoluccedilatildeo das tratativas tanto MPs e Defensorias desistiram de indicar um

representante com direito a voto tendo mantido o representante com direito a voz Ao

cabo o TAC-Gov contemplou ateacute 3 pessoas atingidas no CIF que satildeo indicados pelo

arranjo de Comitecircs Locais (vide infra) na forma em que livremente se auto-

organizaram Segundo defenderam MPs e Defensorias durante as tratativas as pessoas

atingidas poderiam ateacute mesmo desistir de sua participaccedilatildeo no CIF ou nas CTs se assim

entendessem mais conveniente Em outras palavras o TAC-Gov traz um limite de

participaccedilatildeo das pessoas atingidas mas natildeo uma obrigaccedilatildeo

As Defensorias Puacuteblicas ao cabo foram contempladas com dois representantes um

sem direito a voto e outro com direito a voto poreacutem com necessaacuteria formaccedilatildeo teacutecnica

Os representantes do Poder Puacuteblico e do Comitecirc de Bacia do Rio Doce (CBHDoce)

foram mantidos em mesmo nuacutemero em relaccedilatildeo agrave composiccedilatildeo original Ao fim o CIF

ficou composto da seguinte forma

CLAacuteUSULA TRIGEacuteSIMA SEXTA O Comitecirc Interfederativo (CIF) passa

a ter a seguinte composiccedilatildeo todos com direito a voz e voto

I ndash 02 (dois) representantes do Ministeacuterio do Meio Ambiente

II ndash 02 (dois) outros representantes do Governo Federal

III ndash 02 (dois) representantes do ESTADO DE MINAS GERAIS

IV ndash 02 (dois) representantes do ESTADO DO ESPIacuteRITO SANTO

V ndash 02 (dois) representantes dos municiacutepios atingidos pelo rompimento da

barragem de Fundatildeo do ESTADO DE MINAS GERAIS

VI ndash 01 (um) representante dos municiacutepios atingidos pelo rompimento da

barragem de Fundatildeo do ESTADO DO ESPIacuteRITO SANTO

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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VII ndash 03 (trecircs) pessoas atingidas ou teacutecnicos por elas indicados garantida a

representaccedilatildeo de pessoas dos Estados de Minas Gerais e do Espiacuterito Santo

VIII ndash 01 (um) teacutecnico indicado pela DEFENSORIA PUacuteBLICA

IX ndash 01 (um) representante do CBH-Doce

Com a ampliaccedilatildeo do CIF conferiu-se maior participaccedilatildeo popular e portanto

legitimidade Com isso houve sensiacutevel reduccedilatildeo de questionamentos judiciais quanto

agrave proacutepria existecircncia do CIF e CTs mas sobretudo quanto agraves proacuteprias deliberaccedilotildees do

CIF

A ideia de um Foacuterum de Comitecircs Locais acabou abandonada pelos proacuteprios MPs apoacutes

trabalho de anaacutelise em campo empreendida no primeiro semestre de 2018 Com efeito

as partes haviam chegado a uma minuta em dezembro de 2017 poreacutem os MPs e

Defensorias solicitaram a interrupccedilatildeo das negociaccedilotildees ateacute marccedilo de 2018 com objetivo

de promover a oitiva das pessoas atingidas Em abril de 2018 as tratativas foram

retomadas poreacutem natildeo foi trazida nenhuma ata de audiecircncia puacuteblica ou de consulta

popular

Em contrapartida foi apresentado o PARECER Nordm 2792018SPPEA da

Coordenadoria de Inclusatildeo e Mobilizaccedilatildeo Sociais do MPMG e da Secretaria de Periacutecia

Pesquisa e Anaacutelise do MPF contendo Avaliaccedilatildeo participativa da minuta do Termo de

Ajustamento de Conduta sobre a Governanccedila (TAC-Governanccedila) do processo de

reparaccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos danos decorrentes do rompimento de barragens de

rejeitos das mineradoras Samarco BHP e Vale em Mariana Minas Gerais

Agrave vista deste documento ficou acertado que os proacuteprios atingidos definiriam a forma de

sua indicaccedilatildeo agraves reuniotildees do CIF e CTs jaacute que MPs e Defensorias defenderam com

veemecircncia o direito dos atingidos se auto-organizarem mediante auxiacutelio de assessorias

teacutecnicas contratadas pelas empresas em outros instrumentos previamente assinados com

os Ministeacuterios Puacuteblicos

Neste aspecto a AGU consignou ser necessaacuteria clareza de procedimento e indicaccedilatildeo

sob pena do CIF natildeo poder ser compelido a aceitar pessoas que aleatoriamente se

apresentassem como representantes dos atingidos eacute preciso que haja legitimidade

adequada fundamentada na sistemaacutetica de Comissotildees Regionais criadas no TAC-

Gov sob os auspiacutecios dos Ministeacuterios Puacuteblicos e Defensorias de forma que foi incluiacutedo

um paraacutegrafo segundo na claacuteusula trigeacutesima sexta de seguinte teor

PARAacuteGRAFO SEGUNDO A forma de participaccedilatildeo e a representaccedilatildeo das

pessoas atingidas seratildeo por elas definidas por meio da ARTICULACcedilAtildeO

DAS CAcircMARAS REGIONAIS observadas as regras de funcionamento do

CIF

Como forma de contrabalancear esse aumento do CIF foram estipuladas na claacuteusula

Trigeacutesima Seacutetima regras fixando limite temporal para o exerciacutecio da funccedilatildeo de membro

do CIF requisito de conhecimentos teacutecnicos especiacuteficos e rodiacutezio entre Municiacutepios e

indicados de forma a garantir rotatividade participaccedilatildeo de um maior nuacutemero de

pessoas e fiscalizaccedilatildeo pelos proacuteprios interessados quanto agrave atuaccedilatildeo de seus

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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representantes O paraacutegrafo sexto desta mesma claacuteusula autoriza o CIF definir em seu

regimento regras sobre conflitos de interesses de seus membros

Do ponto de vista da gestatildeo reduziu-se a possibilidade de excessiva interferecircncia

poliacutetica sobre questotildees teacutecnicas o uso poliacutetico do CIF por representantes dos entes nele

incluiacutedos e tambeacutem o conflito de interesses Aliaacutes a AGU propugnou pela inclusatildeo de

claacuteusula para que o CIF pudesse regulamentar o conflito de interesses com o setor

privado o paraacutegrafo quinto da Claacuteusula Trigeacutesima Sexta veda a designaccedilatildeo para que

componha o CIF pessoa que nos uacuteltimos cinco anos tenha prestado serviccedilos direta ou

indiretamente para as empresas causadoras do dano cabendo ao CIF prever em seu

regimento interno formas de impugnaccedilatildeo de nomes que violem essa disposiccedilatildeo

A Uniatildeo manteve a Presidecircncia (e seu substituto) mediante escolha pelo MMA dentre

os representantes da proacutepria Uniatildeo conforme dispocircs o paraacutegrafo quinto da Claacuteusula

Trigeacutesima Quinta

Jaacute ao fim das tratativas concordou-se uma regra que evita o uso poliacutetico da

representaccedilatildeo das pessoas atingidas no CIF atraveacutes da inclusatildeo de paraacutegrafo na claacuteusula

trigeacutesima sexta

PARAacuteGRAFO TERCEIRO Os membros indicados ao CIF pela

ARTICULACcedilAtildeO DAS CAcircMARAS REGIONAIS natildeo poderatildeo ser

dirigentes de partido poliacutetico ou titular de mandato eletivo de qualquer ente

da Federaccedilatildeo ainda que licenciado desses cargos ou funccedilotildees aplicando-se

tal vedaccedilatildeo tambeacutem aos parentes consanguiacuteneos ou afins ateacute o terceiro grau

das pessoas indicadas

Com os demais pontos natildeo houve discordacircncia senatildeo em detalhes ou terminologia

empregada No entanto passa-se a explanaacute-los para a finalidade de colheita das

autorizaccedilotildees ministeriais na forma do sect4ordm do art 1ordm da Lei nordm 94691997

VI CAcircMARAS TEacuteCNICAS - CTs (CLAacuteUSULAS QUADRAGEacuteSIMA A

QUADRAGEacuteSIMA QUARTA)

As Cacircmaras Teacutecnicas - CTs tinham previsatildeo tiacutemida no TTAC original Diante da

importacircncia que adquiriram ao longo da atuaccedilatildeo do CIF nos dois anos e meio que se

seguiram agrave trageacutedia ganharam previsatildeo expressa no TAC-GOV

CLAacuteUSULA QUADRAGEacuteSIMA PRIMEIRA O CIF instituiraacute Cacircmaras

Teacutecnicas (CTCIF) e disporaacute sobre sua competecircncia coordenaccedilatildeo

programas afetos e a forma de funcionamento

PARAacuteGRAFO PRIMEIRO As CAcircMARAS TEacuteCNICAS satildeo oacutergatildeos

teacutecnico-consultivos instituiacutedos para auxiliar o CIF no desempenho da sua

finalidade de orientar acompanhar monitorar e fiscalizar a execuccedilatildeo com

base em criteacuterios teacutecnicos socioeconocircmicos socioambientais e

orccedilamentaacuterios de PROGRAMAS PROJETOS e medidas impostas pelo

TTAC e pelo presente ACORDO sem prejuiacutezo das atribuiccedilotildees legais dos

oacutergatildeos que as compuserem

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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PARAacuteGRAFO SEGUNDO As CAcircMARAS TEacuteCNICAS seratildeo instacircncias

prioritaacuterias para a discussatildeo teacutecnica e busca de soluccedilotildees agraves divergecircncias

relacionadas aos PROGRAMAS PROJETOS e ACcedilOtildeES de reparaccedilatildeo

integral dos danos decorrentes do ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE

FUNDAtildeO sem prejuiacutezo do disposto nos paraacutegrafos da CLAacuteUSULA

DEacuteCIMA PRIMEIRA ()

Essa redaccedilatildeo eacute similar ao art 1ordm da Deliberaccedilatildeo CIF nordm 07 de 11072016 e seu

paraacutegrafo uacutenico Como esse procedimento jaacute existia e tinha funcionado com sucesso no

acircmbito do CIF a previsatildeo das CTs no TAC-GOV institucionalizou de uma vez por

todas a sua existecircncia legitimando-as enquanto oacutergatildeos teacutecnicos de assessoramento do

CIF interagindo com os servidores dos Ministeacuterios e secretarias estaduais e municipais

com as Comissotildees Locais de atingidos e com os experts contratados pelas empresas

por forccedila do TAP e seu Aditivo que as empresas firmaram previamente com o MPF

O TAC-GOV esclarece que o produto dos debates das Cacircmaras Teacutecnicas satildeo notas

teacutecnicas que subsidiam o CIF na tomada de decisotildees permanecendo o CIF como

instacircncia deliberativa Dividiu-se o regime das Cacircmaras Teacutecnicas conforme

supervisionem os programas socioeconocircmicos e os socioambientais

Especificamente quanto agraves CTs socioambientais previu-se no paraacutegrafo oitavo da

claacuteusula Quadrageacutesima Primeira que os representantes indicados para as CAcircMARAS

TEacuteCNICAS socioambientais deveratildeo ter formaccedilatildeo teacutecnica adequada salvo as pessoas

atingidas que poderatildeo estar acompanhadas das ASSESSORIAS TEacuteCNICAS

Esta foi uma demanda da mais alta relevacircncia para o CIF e para o IBAMA e que restou

atendida no TAC-GOV Com isso evitam-se decisotildees sem respaldo teacutecnico ou que

pudessem prejudicar ainda mais a Bacia do Rio Doce Esclareceu-se no PARAacuteGRAFO

NONO da mesma claacuteusula que a FUNDACcedilAtildeO participaraacute com direito a voz das

reuniotildees das CAcircMARAS TEacuteCNICAS sem contudo participar da elaboraccedilatildeo dos

documentos teacutecnicos ou das minutas de deliberaccedilatildeo que seratildeo encaminhadas ao CIF

Ponto importante na minuta de TAC-GOV eacute a previsatildeo expressa de um Regimento

Uacutenico para as Cacircmaras Teacutecnicas (RICTs) no Paraacutegrafo Deacutecimo Segundo que

disciplinaraacute o nuacutemero de participantes e procedimentos Esta era uma demanda das CTs

visto que a ausecircncia de normativo dificultava os trabalhos dos Coordenadores muitas

vezes leigos em Direito o que lhes deixava desamparados diante de requerimentos por

vezes indevidos ou extemporacircneos Sobre a interaccedilatildeo de MPs Defensorias e pessoas

atingidas com as CTs restou disciplinado

CLAacuteUSULA QUADRAGEacuteSIMA TERCEIRA A DEFENSORIA

PUacuteBLICA e o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO indicaratildeo cada um 1 (um)

membro titular e 1 (um) membro suplente para atuaccedilatildeo em cada uma das

CAcircMARAS TEacuteCNICAS

CLAacuteUSULA QUADRAGEacuteSIMA QUARTA Fica assegurada agraves pessoas

atingidas a indicaccedilatildeo na forma que decidirem adotar e mediante

comunicaccedilatildeo preacutevia de 02 (dois) membros titulares e 02 (dois) membros

suplentes que poderatildeo contar com apoio das ASSESSORIAS TEacuteCNICAS

se assim o desejarem para atuaccedilatildeo em cada uma das CAcircMARAS

TEacuteCNICAS

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Tambeacutem ficou esclarecido que divergecircncias teacutecnicas das reuniotildees das CTs deveratildeo

constar das notas teacutecnicas a serem expedidas pelas CAcircMARAS TEacuteCNICAS ao CIF

na forma da claacuteusula quadrageacutesima quinta

VII COMISSOtildeES DE PESSOAS ATINGIDAS CLAacuteUSULAS OITAVA A

DEacuteCIMA OITAVA

As Comissotildees Locais satildeo uma forma de institucionalizar as reuniotildees dos atingidos sob

auxiacutelio de assessorias teacutecnicas contratadas pelas empresas responsaacuteveis pelo desastre na

forma prevista em termo de ajustamento preliminar (TAP) e seu aditivo (ADITIVO ao

TAP) firmados entre o Ministeacuterio Puacuteblico e SAMARCO VALE e BHP

Essas Comissotildees constituiriam inicialmente um Foacuterum de Comitecircs Locais (FLC) que

indicaria dois representantes para participarem das reuniotildees do CIF mas esta ideia ao

cabo foi abandonada O TAC-GOV prevecirc uma forma de participaccedilatildeo dos atingidos por

meio de Comissotildees Locais que seratildeo auxiliadas pelos experts contratados pelo MP

Embora possa implicar alguma lentidatildeo no processo decisoacuterio a sistemaacutetica incorporaraacute

demandas dos atingidos aos mecanismos originalmente previstos no TTAC primeiro

instrumento que promovia uma soluccedilatildeo holiacutestica ao desastre De toda forma a

preocupaccedilatildeo da AGU foi garantir que este complexo modelo de organizaccedilatildeo social

impactasse minimamente na organizaccedilatildeo e funcionamento das CTs e CIF objetivo que

foi atendido

Na praacutetica as CTs e o proacuteprio CIF jaacute tem dado direito a voz aos atingidos e agraves

Defensorias de forma que o modelo agora adotado apenas formaliza essa participaccedilatildeo

As Defensorias e os experts contratados pelas empresas a pedido do MP seratildeo

incorporados aos trabalhos das Cacircmaras Teacutecnicas (CTs) com variaccedilotildees cf se trate

daquelas que supervisionam programas socioeconocircmicos ou os socioambientais

Essas Comissotildees Locais de pessoas atingidas estaratildeo espalhadas ao longo da Bacia do

Rio Doce em nuacutemeros limitados Elas poderatildeo interagir segundo o TAC-GOV com a

Fundaccedilatildeo Renova MP e assessores teacutecnicos contratados pelo MP fazendo criacuteticas e

sugestotildees agraves medidas podendo levaacute-las ao CIF por meio dos representantes a serem

definidos

Sua principal funccedilatildeo eacute promover a adequaccedilatildeo acordada prevista na claacuteusula deacutecima

primeira e seguintes da forma de execuccedilatildeo das accedilotildees relativas aos PROGRAMAS agraves

particularidades existentes no acircmbito de seu territoacuterio De toda sorte caberaacute ao CIF a

uacuteltima palavra salvo se as propostas da Comissatildeo Local implicarem alteraccedilatildeo de escopo

dos programas caso em que ou bem seratildeo objeto da revisatildeo perioacutedica prevista na

Claacuteusula 203 do TTAC ou bem para deliberaccedilatildeo conforme esse entender pertinente

nos limites do TTAC (claacuteusula deacutecima segunda) Se por outro lado formular

propostas que extrapolem os limites dos PROGRAMAS tais propostas deveratildeo ser

encaminhadas agraves PARTES para discussatildeo no acircmbito do Processo de Repactuaccedilatildeo

previsto na CLAacuteUSULA NONAGEacuteSIMA TERCEIRA (ldquoPROCESSO DE

REPACTUACcedilAtildeOrdquo) eou ao CIF para revisao periodica prevista na Clausula 203 do

TTAC conforme estatui a claacuteusula deacutecima terceira

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Lembre-se que a claacuteusula 203 do TTAC prevecirc a revisatildeo trienal dos Programas dentro

dos limites do TTAC Por outro lado a repactuaccedilatildeo consiste na rediscussatildeo dos

Programas que se pretende fazer por meio do procedimento proacuteprio previsto em

capiacutetulo especiacutefico do TAC-GOV Os MPs e as empresas tambeacutem chegaram a

consenso quanto ao custeio dessas Comissotildees sejam locais sejam regionais que natildeo

ficou a cargo da administraccedilatildeo puacuteblica Assim natildeo haacute ocircnus financeiro para a Uniatildeo e

Estados

VIII CUSTEIO DAS DESPESAS DO CIF E DAS CTs

Uma importante demanda do CIF foi atendida no TAC-GOV o custeio pela Fundaccedilatildeo

dos gastos com deslocamento refeiccedilatildeo e hospedagem dos servidores federais que atuam

no CIF e CTs O orccedilamento das autarquias notadamente do IBAMA e ANA vinha

sendo fortemente comprometido com essas reuniotildees num momento de forte restriccedilatildeo

de gastos da Uniatildeo somado ao fato de que pelas regras orccedilamentaacuterias o simples

ressarcimento dos gastos pelas empresas seria incorporado ao Orccedilamento Geral da

Uniatildeo - OGU sem benefiacutecio algum aos trabalhos do CIF

Desde o iniacutecio se pensou numa sistemaacutetica de recursos privados justamente para se

evitar as amarras orccedilamentaacuterias quanto agrave reparaccedilatildeo dos efeitos da trageacutedia Esse eacute um

dos principais pontos a caracterizar a vantajosidade para a Uniatildeo na celebraccedilatildeo do

TAC-GOV Os Ministeacuterios Puacuteblicos aquiesceram expressamente e as empresas

consultaram suas aacutereas de compliance tendo concordado com a sistemaacutetica prevista a

partir da claacuteusula quinquageacutesima quinta

Idealizou-se a contrataccedilatildeo de gerenciadores desses gastos pela Fundaccedilatildeo para

garantir suporte logiacutestico agraves reuniotildees por meio de um Orccedilamento de Reuniotildees do CIF

assim como um Orccedilamento de Supervisatildeo dos Programas para as tarefas pontualmente

demandadas pelo CIF Haveraacute dois Gerenciadores um especiacutefico para as Comissotildees

Locais Comissotildees Regionais e Foacuterum de Observadores e outro especiacutefico para os

gastos do CIF e CTs As regras atendem agraves especificidades das pessoas atingidas no

primeiro caso e dos oacutergatildeos puacuteblicos no segundo

Afastou-se a possibilidade de pagamento de numeraacuterio diretamente pela Fundaccedilatildeo aos

servidores federais ante vedaccedilatildeo legal ainda que por meio de diaacuterias Esta posiccedilatildeo foi

esclarecida a pedido da PGU atraveacutes da Nota nordm 28242017ACSCGJRHCONJUR-

MPCGUAGU da Consultoria Juriacutedica do Ministeacuterio do Planejamento

Desenvolvimento e Gestatildeo lanccedilada no processo administrativo NUP

004050181052017-19

Caberaacute ao Gerenciador-CIF organizar as reuniotildees locais de alimentaccedilatildeo e de

hospedagem bem como adquirir passagens para os encontros do CIF e CTs segundo

cronograma por estes fixados Semelhante sistemaacutetica foi prevista para as COMISSOtildeES

LOCAIS e CAcircMARAS REGIONAIS incluindo as atividades e reuniotildees de articulaccedilatildeo

e discussatildeo dessas Cacircmaras (ldquoARTICULACcedilAtildeO DAS CAcircMARAS REGIONAISrdquo) e do

FOacuteRUM DE OBSERVADORES a cargo do Gerenciador-Atingidos

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Caberaacute ao CIF nos termos da claacuteusula quinquageacutesima seacutetima acordar com a Fundaccedilatildeo

um orccedilamento de custeio a ser executado pelo gerenciador ao final de cada ano na

hipoacutetese de dissenso haveraacute submissatildeo ao Juiacutezo da 12a VFBH Admite-se ainda o

incremento de 25 deste orccedilamento para a realizaccedilatildeo de reuniotildees extraordinaacuterias ou de

despesas previstas na claacuteusula quinquageacutesima oitava Esta claacuteusula trouxe previsatildeo de

custeio dos gastos com supervisatildeo dos programas Por ser uma das claacuteusulas mais

relevantes e vantajosas para a Uniatildeo conveacutem transcrevecirc-la na iacutentegra

CLAacuteUSULA QUINQUAGEacuteSIMA OITAVA Ateacute 90 (noventa) dias antes

do encerramento de cada ano o CIF encaminharaacute agrave FUNDACcedilAtildeO a previsatildeo

anual de atividades com a fiscalizaccedilatildeo monitoramento e acompanhamento

dos PROGRAMAS para fins de elaboraccedilatildeo do ORCcedilAMENTO CIF que

conteraacute exclusivamente despesas com

I ndash transporte hospedagem e alimentaccedilatildeo para os membros do CIF e das

CAcircMARAS TEacuteCNICAS comparecerem agraves respectivas reuniotildees bem como

para a realizaccedilatildeo de vistorias e supervisatildeo dos PROGRAMAS

II ndash contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos para auxiliar nas atividades do CIF e

das CAcircMARAS TEacuteCNICAS em questotildees especiacuteficas agrave fiscalizaccedilatildeo ao

monitoramento e ao acompanhamento dos PROGRAMAS como por

exemplo exames laboratoriais e imagens de sateacutelite de alta resoluccedilatildeo ou

levantamentos aerofotogrameacutetricos da bacia do Rio Doce quando

comprovada a necessidade teacutecnica

III ndash embarcaccedilotildees para fins de anaacutelises quiacutemicas e laboratoriais nos rios da

bacia do Rio Doce ou em alto-mar exclusivamente para atividades

relacionadas agrave fiscalizaccedilatildeo ao monitoramento e ao acompanhamento dos

PROGRAMAS quando comprovada a necessidade teacutecnica

IV ndash outras despesas administrativas comprovadamente relacionadas agrave

fiscalizaccedilatildeo monitoramento e acompanhamento dos PROGRAMAS

quando comprovada a necessidade teacutecnica atendidos os limites previstos no

PARAacuteGRAFO QUINTO DA CLAacuteUSULA QUINQUAGEacuteSIMA SEXTA

V ndash contrataccedilatildeo de serviccedilo de secretariado terceirizado limitado a uma

pessoa por reuniatildeo para auxiliar nas reuniotildees do CIF e das CAcircMARAS

TEacuteCNICAS sob coordenaccedilatildeo do Presidente do CIF e do respectivo

coordenador da CAcircMARA TEacuteCNICA

Assim o TAC-GOV trasladou todos esses custos para as empresas causadoras do

desastre por meio da Fundaccedilatildeo Renova Ressalvou-se que esses valores de custeio natildeo

poderatildeo ser abatidos dos valores destinados aos programas na claacuteusula 55 sect3ordm

IX AUDITORIA INDEPENDENTE EXTERNA E COMPLIANCE

CLAacuteUSULAS QUINQUAGEacuteSIMA TERCEIRA E QUINQUAGEacuteSIMA QUARTA

O MPF pretendeu acrescentar claacuteusulas mais exigentes quanto agrave auditoria independente

externa e referente a compliance da Fundaccedilatildeo O CIF durante as negociaccedilotildees informou

que gostaria de pedir auditorias mais detalhadas e o MPF concordou que o proacuteprio CIF

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

90

trouxesse uma proposta de redaccedilatildeo que vingou nas claacuteusulas terceira e seguintes da

minuta

Em suma o CIF seraacute empoderado com a possibilidade de detalhar anualmente o

escopo dos trabalhos e o documento seraacute encaminhado agrave Fundaccedilatildeo Renova de modo

que efetue os ajustes contratuais necessaacuterios na forma do paraacutegrafo sexto da claacuteusula

quinquageacutesima terceira O Comitecirc Interfederativo as cacircmaras teacutecnicas o Ministeacuterio

puacuteblico a Defensoria Puacuteblica e os Conselhos Locais receberatildeo relatoacuterios

circunstanciados dos trabalhos realizados pela(s) auditoria(s)

Dessa forma as empresas de auditoria tambeacutem ficaram vinculadas a prestar

esclarecimentos ao CIF ou direcionar seus trabalhos de forma a obter informaccedilotildees que

o CIF natildeo conseguir diretamente da Fundaccedilatildeo Renova Espera-se que este

empoderamento das auditorias aliado agrave necessaacuteria prestaccedilatildeo de contas aos oacutergatildeos

puacuteblicos aprimore a fiscalizaccedilatildeo da Fundaccedilatildeo e permita maior rigor no conhecimento

de suas accedilotildees

X ALTERACcedilOtildeES NA ESTRUTURA INTERNA DA FUNDACcedilAtildeO

O MP demandou algumas alteraccedilotildees nos Conselhos de Curadores e Consultivo da

Fundaccedilatildeo Os Estados e a Uniatildeo desde sempre concordaram quanto agrave necessidade de se

manter o caraacuteter eminentemente privado e de gestatildeo da Diretoria Executiva da

Fundaccedilatildeo natildeo apenas para uma execuccedilatildeo ceacutelere das medidas necessaacuterias mas tambeacutem

para possibilitar uma responsabilizaccedilatildeo clara por accedilotildees indevidas e eventuais omissotildees

O MP chegou a propor que atingidos e Poder Puacuteblico fizessem indicaccedilotildees agrave Diretoria

Executiva proposta que foi rechaccedilada pelas empresas de plano por natildeo primar pela

melhor teacutecnica juriacutedica e em certa medida pela Uniatildeo e Estados

Primeiro porque essas funccedilotildees implicam gestatildeo de um orccedilamento bilionaacuterio que

demanda expertise em gestatildeo e administraccedilatildeo Segundo porque desde o TTAC foi

adotada a premissa de que a Fundaccedilatildeo era privada e portanto natildeo poderia sofrer

qualquer ingerecircncia do Poder Puacuteblico que inclusive poderia vir a ser responsabilizado

por atos da Fundaccedilatildeo se participasse de seus oacutergatildeos de gestatildeo Terceiro porque a

supervisatildeo dos resultados das accedilotildees projetos e programas da Fundaccedilatildeo eacute feita pelo CIF

E no CIF natildeo pode haver participaccedilatildeo da Fundaccedilatildeo que tambeacutem natildeo pode redigir as

Notas Teacutecnicas das CTs Quarto porque a fiscalizaccedilatildeo contaacutebil e financeira eacute feita pelo

Conselho Fiscal da Fundaccedilatildeo por uma auditoria externa (acima apreciada) pelo proacuteprio

Ministeacuterio Puacuteblico por meio da curadoria de fundaccedilotildees Quinto porque a participaccedilatildeo

dos atingidos e do Poder Puacuteblico se daraacute nas instacircncias supra relatadas Sexto natildeo cabe

ao Poder Puacuteblico fazer gestatildeo de verbas privadas

Por outro lado os MPs e Defensorias postularam uma participaccedilatildeo dos atingidos muito

maior em relaccedilatildeo agrave versatildeo final da minuta Ponderou-se sem embargo que a

participaccedilatildeo de muitos atingidos poderia natildeo ser conveniente inclusive para eles jaacute que

eventuais equiacutevocos ou demora na execuccedilatildeo das accedilotildees pela Fundaccedilatildeo poderia ser

imputada agrave sua participaccedilatildeo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

91

Com relaccedilatildeo ao Conselho de Curadores a composiccedilatildeo majoritaacuteria (6 membros) ficou

com as empresas 1 outro seraacute indicado pelo CIF e 2 pela articulaccedilatildeo das Cacircmaras

Regionais de pessoas atingidas (claacuteusula quadrageacutesima sexta) Jaacute o Conselho Consultivo

seraacute composto majoritariamente por pessoas atingidas e sociedade civil em geral - para

maior detalhamento vide claacuteusula quadrageacutesima oitava)

XI REPACTUACcedilAtildeO

As propostas do Comitecirc Interfederativo de alteraccedilatildeo e ampliaccedilatildeo dos programas

previstos no TTAC original seratildeo objeto de discussatildeo na forma do TAC-Gov no

capiacutetulo entitulado PROCESSO UacuteNICO DE REPACTUACcedilAtildeO DOS PROGRAMAS

SOCIOAMBIENTAIS E SOCIOECONOcircMICOS PARA REPARACcedilAtildeO INTEGRAL

DOS DANOS DECORRENTES DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE

FUNDAtildeO

Os programas previstos no TTAC seratildeo objeto de repactuaccedilatildeo visto que o MPF se

louvaraacute das conclusotildees dos experts contratados pelas empresas em seu favor em dois

instrumentos paralelos ao TTAC conhecidos como Termo de Ajustamento Preliminar e

seu Aditivo (TAP e Aditivo ao TAP ambos mencionados na minuta de TAC-GOV)

Esses instrumentos tambeacutem previram a contrataccedilatildeo pelas empresas de assessorias

teacutecnicas especializadas para fornecerem apoio teacutecnico aos atingidos A revisatildeo dos

programas era conditio sine qua non para os MPs firmarem um instrumento restrito agrave

Governanccedila

Ademais os MPs pretendiam obter uma anaacutelise global de todos os danos causados pela

trageacutedia Nesse sentido criticaram o TTAC e a ACP dos entes puacuteblicos Natildeo obstante eacute

impossiacutevel mensurar do ponto de vista teacutecnico a integralidade do dano ambiental ao

que se soma a ausecircncia de criteacuterios juriacutedicos para essa mensuraccedilatildeo no Direito brasileiro

e mesmo outros sistemas juriacutedicos de nosso conhecimento quando se faz anaacutelise de

direito comparado nem mesmo o Direito Internacional traz resposta para esta questatildeo

Eacute certo e natildeo se duvida que haacute dever de reparar mas natildeo haacute resposta clara para as

questotildees o que deve ser restauradoreparado quanto custaraacute ou ateacute que ponto satildeo

devidas medidas de compensaccedilatildeo ambiental

Fato eacute que passados dois anos e meio do desastre revela-se impossiacutevel mensurar todos

os danos ao menos nesse espaccedilo de tempo ao que se soma a natureza dinacircmica do dano

ambiental Isso comprova que o Poder Puacuteblico deveria mesmo ter agido o quanto antes

com vistas a iniciar a remediaccedilatildeoreparaccedilatildeominimizaccedilatildeo dos efeitos da trageacutedia Sem

embargo objetivando a pacificaccedilatildeo das discussotildees com MPs e Defensorias o TAC-

GOV deixa em aberto a repactuaccedilatildeo dos programas o que redundaraacute no ocircnus de todas

as partes cotejarem as conclusotildees dos teacutecnicos e avaliarem quais programas necessitam

ser ampliados criados terem seu escopo alterado fundidos e ateacute mesmo reduzidos ou

extintos se for o caso Pela clareza vale transcrever as claacuteusulas que tratam dos

requisitos forma e procedimento do Processo de Repactuaccedilatildeo

CLAacuteUSULA NONAGEacuteSIMA SEXTA O PROCESSO DE

REPACTUACcedilAtildeO teraacute por base estudos teacutecnicos a participaccedilatildeo dos

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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atingidos conforme os princiacutepios e claacuteusulas deste ACORDO e observaraacute

as seguintes premissas

I ndash reparaccedilatildeo integral dos danos causados pelo ROMPIMENTO DA

BARRAGEM DE FUNDAtildeO conforme exigida pela legislaccedilatildeo brasileira

II ndash a consideraccedilatildeo das propostas encaminhadas pelas COMISSOtildeES

LOCAIS eou pelas CAcircMARAS REGIONAIS na forma da CLAacuteUSULA

TRIGEacuteSIMA SEGUNDA

III ndash a adoccedilatildeo como base mas natildeo exclusivamente dos PROGRAMAS

definidos no TTAC para fins de repactuaccedilatildeo

IV ndash a consideraccedilatildeo dos resultados de eventuais audiecircncias puacuteblicas nos

termos do TAP e do ADITIVO AO TAP

V ndash as claacuteusulas relativas aos PROGRAMAS voltados para as comunidades

indiacutegenas e demais comunidades tradicionais dependeratildeo das consultas

preacutevias livres e informadas

VI ndash os diagnoacutesticos e estudos realizados pelos EXPERTS DO

MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO aos quais natildeo estaratildeo vinculadas as EMPRESAS

e que poderatildeo aleacutem de outros elementos servir de base teacutecnica para

eventual proposta do MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO de discussatildeo e reformulaccedilatildeo

dos PROGRAMAS inclusive no acircmbito das CAcircMARAS TEMAacuteTICAS

VII ndash os diagnoacutesticos e estudos realizados pelos EXPERTS DAS

EMPRESAS aos quais natildeo estaratildeo vinculados o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO

e o CIF e que poderatildeo servir de base teacutecnica para as EMPRESAS inclusive

no acircmbito das CAcircMARAS TEMAacuteTICAS e

VIII ndash a proposta de repactuaccedilatildeo ser tecnicamente fundamentada

considerando o dever das EMPRESAS de reparaccedilatildeo integral dos danos

causados pelo 38 ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDAtildeO a

legislaccedilatildeo brasileira a seguranccedila juriacutedica o desenvolvimento dos

PROGRAMAS e as medidas implementadas pela FUNDACcedilAtildeO ateacute entatildeo

CLAacuteUSULA NONAGEacuteSIMA SEacuteTIMA As PARTES ajustaratildeo em ateacute 08

(oito) meses da homologaccedilatildeo deste ACORDO procedimento e cronograma

de negociaccedilotildees que primem pela boa feacute pela celeridade e pela busca de

consenso e de sistematicidade seguindo as premissas elencadas nos incisos

abaixo

I ndash a criaccedilatildeo de 01 (uma) cacircmara de repactuaccedilatildeo que poderaacute contar com

cacircmaras temaacuteticas de composiccedilatildeo pluripartite incluindo representaccedilatildeo de

atingidos que debateratildeo as alternativas teacutecnicas e socialmente adequadas

que aperfeiccediloem ou completem os PROGRAMAS (ldquoCAcircMARA DE

REPACTUACcedilAtildeO e ldquoCAcircMARAS TEMATICASrdquo)

II ndash a CAcircMARA DE REPACTUACcedilAtildeO integrada por representantes

indicados pelas PARTES e se assim desejarem 02 (dois) representantes das

pessoas atingidas indicados pela ARTICULACcedilAtildeO DAS CAcircMARAS

REGIONAIS sendo 01 (um) do ESTADO DE MINAS GERAIS e 01 (um)

do ESTADO DO ESPIacuteRITO SANTO faraacute recomendaccedilotildees mediante

comum acordo de seus integrantes Caso natildeo se chegue a um comum

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

93

acordo as eventuais posiccedilotildees divergentes a respeito seratildeo encaminhadas agraves

PARTES

III ndash tanto que possiacutevel as CAcircMARAS TEMAacuteTICAS poderatildeo apresentar agrave

CAcircMARA DE REPACTUACcedilAtildeO a soluccedilatildeo teacutecnica e social mais adequada

agrave reparaccedilatildeo integral dos danos socioambientais e socioeconocircmicos

decorrentes do ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDAtildeO

registradas eventuais visotildees divergentes a respeito e

IV ndash as PARTES e a ARTICULACcedilAtildeO DAS CAcircMARAS REGIONAIS

indicaratildeo nomes para as reuniotildees temaacuteticas que salvo por motivo

justificado passaratildeo a participar da agenda das respectivas reuniotildees

Por fim na CLAacuteUSULA NONAGEacuteSIMA NONA convencionou-se que Chegando

todas as PARTES a um acordo no PROCESSO DE REPACTUACcedilAtildeO as alteraccedilotildees daiacute

decorrentes seratildeo objeto de um termo de ajuste que incorporaraacute o TTAC e seratildeo

implementadas pela FUNDACcedilAtildeO em conformidade com os termos e condiccedilotildees

definidos e aplicaacuteveis

XII CONCLUSOtildeES

As accedilotildees judiciais ajuizadas em face das empresas redundaram em 4 instrumentos

juriacutedicos que agregados sobre o TAC-GOVERNANCcedilA instrumentalizaram uma

soluccedilatildeo juriacutedica holiacutestica para os efeitos do desastre

Os documentos juriacutedicos produzidos satildeo um norte aos gestores aos atingidos aos

oacutergatildeos de controle agrave Fundaccedilatildeo Renova enfim a todos os envolvidos no sentido da

recuperaccedilatildeo econocircmica e social da Bacia do Rio Doce apoacutes a devastaccedilatildeo causada pelo

rompimento da Barragem de Fundatildeo

Esta soluccedilatildeo global evita longas e interminaacuteveis disputas judiciais ndash ao mesmo tempo

que natildeo obsta o acesso agrave justiccedila - promove a oitiva das viacutetimas prevecirc programas e

metas de melhorias sociais e ambientais que devem refletir a recuperaccedilatildeo da qualidade

de vida de toda populaccedilatildeo que dependia do Rio Doce como fonte de aacutegua e de vida

O proacuteprio TTAC original encetava obrigaccedilotildees de fazer que deveriam ser encerradas em

ateacute 15 anos Se natildeo for atingida toda a reparaccedilatildeo prevista entatildeo os aportes agrave Fundaccedilatildeo e

o proacuteprio prazo de vigecircncia dos programasTTAC deveria ser prorrogado Em outras

palavras mesmo na remota hipoacutetese de natildeo haver a revisatildeo dos programas propalada

pelo MP seguramente os valores e o prazo do TTAC natildeo satildeo fechados em si mesmos

podendo ser prorrogados se a recuperaccedilatildeo da Bacia ao cabo dos 15 anos contados da

data de assinatura do TTAC natildeo se revelarem satisfatoacuterios Isso jaacute estaacute expressamente

previsto na claacuteusula 260 do TTAC

Seja como for as discussotildees do TAC-GOV ainda que aacuterduas e em alguns momentos

bastante tensas demonstraram ser possiacutevel uma soluccedilatildeo global consensual e

propositiva para o desastre social e ambiental resultantes do rompimento da Barragem

de Fundatildeo em Mariana-MG e serve de exemplo para iniciativas similares em outros

casos de danos ambientais Evidentemente o ideal eacute que danos ambientais natildeo ocorram

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

94

mas se ocorrerem eacute preciso haver mecanismos que prevejam uma soluccedilatildeo natildeo apenas

para o dano ambiental mas igualmente para o dano social que quase sempre

inevitavelmente decorre de um evento poluidor de certa magnitude

Entendemos que o federalismo de cooperaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo coordenada interinstitucional

a exemplo do que ocorreu no caso de Mariana natildeo soacute podem como devem ser aplicados

na contenccedilatildeo reduccedilatildeo e reparaccedilatildeo dos danos decorrentes de desastres ambientais em

sentido propositivo isto eacute de construccedilatildeo de soluccedilotildees juriacutedicas que permitam aos

gestores aos oacutergatildeos puacuteblicos e aos proacuteprios causadores dos danos se conduzirem de

forma coordenada para a adoccedilatildeo de todas as medidas necessaacuterias

REFEREcircNCIAS

ADVOCACIA-GERAL DA UNIAtildeO PARECER nordm 2712018HAJDPPPGUAGU

lanccedilado no processo administrativo NUP 004050181052017-19

ANDRETTA JUNIOR Homero Valoraccedilatildeo do dano ambiental pressupostos juriacutedicos

no Brasil em Portugal e na Uniatildeo Europeacuteia In Atas do I Curso Sobre Governanccedila e

Regulaccedilatildeo Global COUTINHO Francisco Pereira SANTOS Ruth SILVA Matheus

(coord) Universidade de Lisboa Faculdade de Direito CEDIS ndash Centro de IampD sobre

Direito e DSociedade Campus de Campolide Lisboa Abril 2020 ISBN 978-898-8985-

03-3 p 233

ANTUNES Paulo de Bessa Direito ambiental 17ed Satildeo Paulo Atlas 2015 pp 78 e

79

An harmonic solution to the biggest environmental tragedy of Brazil Comments

on The Conduct-Adjustment Term regarding Governance (TAC-GOV)

Summary I The day after Marianas tragedy what to do II One goal a legal solution

to the biggest environmental disaster in Brazil III The Conduct-Adjustment Term

regarding Governance (TAC-GOV) IV The Interfederative Committee - CIF V

Technical Chambers VI Commissions of Affected People VII CIF and CTacutes

Financing VIII Independent External Auditing and Compliance IX Changes to the

Foundations Internal Structure X Renegotiation XI Conclusions XII References

Keywords Fundatildeo Dam Collapse Mariana Minas Gerais Environmental Disaster

Conduct-Adjustment Term regarding Governance

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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DA SOLUCcedilAtildeO DE CONFLITOS NO AcircMBITO DO DESASTRE DE

MARIANA UMA METAMORFOSE AMBULANTE

LUIZ HENRIQUE MIGUEL PAVAN

_________________ SUMAacuteRIO ________________

1 Introduccedilatildeo 2 Desenho de sistemas de disputas e o

ttac o pontapeacute inicial e alicerce do processo de

reparaccedilatildeo socieconocircmica e socioambiental 3 TAC-

GOV alinhamento das funccedilotildees essenciais agrave justiccedila e

ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo dos atingidos 4 Da

ampliaccedilatildeo do papel do Judiciaacuterio no contexto do

Caso Samarco 5 CONCLUSAtildeO

Palavra-chave Desastre de Mariana Desenho de sistemas de disputas TTAC TAC-

Gov e judicializaccedilatildeo

1 INTRODUCcedilAtildeO

O rompimento da barragem de Fundatildeo localizada no Municiacutepio de MarianaMG de

propriedade da mineradora Samarco SA em 05 de novembro de 2015 eacute um fato que

marcou a histoacuteria contemporacircnea brasileira O tsunami de lama decorrente do

rompimento da barragem gerou uma onda de destruiccedilatildeo por onde passou Ocasionou a

morte de 19 pessoas o soterramento de residecircncias a remoccedilatildeo de centenas de famiacutelias

de suas residecircncias e a destruiccedilatildeo da fauna e flora percorrendo 663 quilocircmetros ateacute

atingir o litoral do Espiacuterito Santo

Logo apoacutes o desastre os Estados atingidos pelos seus efeitos (Espiacuterito Santo e Minas

Gerais) e a Uniatildeo concluiacuteram que era necessaacuterio construir um sistema de gestatildeo dos

conflitos ligados a esse desastre diante de sua magnitude que permitisse uma soluccedilatildeo

coordenada das accedilotildees necessaacuterias agrave reparaccedilatildeo e agrave compensaccedilatildeo nas aacutereas

socioambiental e socioeconocircmica considerando a pluralidade dos danos a extensatildeo da

aacuterea impactada e o nuacutemero de atingidos

Bacharel e Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Espiacuterito Santo ndash UFES

Instituiccedilatildeo Procuradoria-Geral do Estado do Espiacuterito Santo ndash Procurador do Estado e Procurador-

Assessor do Gabinete

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Esse sistema foi construiacutedo inicialmente por intermeacutedio do Termo de Transaccedilatildeo e de

Ajustamento de Conduta-TTAC assinado em marccedilo de 2016 que buscava soluccedilotildees na

esfera extrajudicial e previu a criaccedilatildeo de fundaccedilatildeo privada com o objetivo de elaborar e

executar as medidas veiculadas nos programas socioambientais e socioeconocircmicos e do

Comitecirc Interfederativo-CIF como instacircncia de interlocuccedilatildeo com a fundaccedilatildeo com papel

deliberativo e fiscalizatoacuterio Acordo que pode ser visto como o pontapeacute inicial e o

alicerce do processo de reparaccedilatildeo integral coordenada do desastre

Ocorre que esse desenho sofreu modificaccedilotildees e aprimoramentos ao longo dos anos em

princiacutepio com a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta ndash Governanccedila (TAC-

Gov) em agosto de 2018 marco do alinhamento das funccedilotildees essenciais agrave Justiccedila que

previu a ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo dos atingidos na soluccedilatildeo das questotildees afetas ao

desastre e um prazo para a repactuaccedilatildeo do TTAC

Mais recentemente teve iniacutecio uma nova etapa caracterizada pela ampliaccedilatildeo da atuaccedilatildeo

do Poder Judiciaacuterio com a submissatildeo de determinadas mateacuterias especialmente pelos

signataacuterios do TTAC e do TAC-Gov para a deliberaccedilatildeo ou para a homologaccedilatildeo pelo

Judiciaacuterio

O presente artigo exporaacute cada uma dessas etapas que marcam o processo de soluccedilatildeo de

conflitos no acircmbito do caso Samarco com alusotildees sem pretender esgotar o tema dos

fatores que ensejaram as adaptaccedilotildees do desenho idealizado originalmente

Objetiva-se com este artigo identificar a evoluccedilatildeo do processo de soluccedilatildeo de conflitos

do desastre de Mariana (caso Samarco) No entanto natildeo se almeja ateacute por conta da

complexidade do tema proceder uma anaacutelise exaustiva de todo o processo mas pinccedilar e

examinar as principais medidas tomadas ao longo dos anos para a soluccedilatildeo coordenada

do desastre

A relevacircncia do tema para o Direito puacuteblico brasileiro adveacutem da magnitude social

econocircmica e ambiental do desastre de Mariana e de seus inuacutemeros desdobramentos na

esfera juriacutedica que culminaram na adoccedilatildeo de inovador modelo de gestatildeo do desastre na

seara juriacutedica no Brasil tomando relevo a abordagem do desenho de sistemas de

disputas (dispute system design-DSD) e das entidades de infraestrutura especiacutefica

(claims resolution facilities) oriundas do Direito norte-americano que tem relaccedilatildeo com

o sistema construiacutedo para o enfrentamento das questotildees inerentes ao caso Samarco

2 DESENHO DE SISTEMAS DE DISPUTAS E O TTAC O PONTAPEacute INICIAL

E ALICERCE DO PROCESSO DE REPARACcedilAtildeO SOCIECONOcircMICA E

SOCIOAMBIENTAL

Pouco apoacutes o rompimento da barragem de Fundatildeo o cenaacuterio que se formava era de alta

litigiosidade e de proliferaccedilatildeo de accedilotildees individuais e coletivas Em um periacuteodo inferior a

30 dias do evento jaacute tinham sido protocolizadas mais de 100 accedilotildees perante o Poder

Judiciaacuterio133

133

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique Miguel

VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 p 40

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

97

O litiacutegio coletivo134-135

decorrente do rompimento da barragem de Fundatildeo

consubstanciado no maior desastre ambiental ocorrido no Brasil eacute um caso iacutempar no

sistema juriacutedico brasileiro e eacute marcado pela elevada complexidade faacutetica e juriacutedica e

conflituosidade interna136

Para Cabral e Zaneti Jr a complexidade de um litiacutegio coletivo decorre da sua proacutepria

natureza Afirmam que a ldquoconflituosidade interna dos membros do grupo ou entre os

grupos atingidos e a complexidade da mateacuteria de direito ou situaccedilotildees juriacutedicas

envolvidasrdquo nos litigios coletivos podem ser compreendidas como complexidade em

sentido amplo Destacam em seguida que essa complexidade em sentido amplo ldquorevela

a necessidade da presenccedila nos processos coletivos altamente complexos de soluccedilotildees

diferenciadas capazes de auxiliar na resoluccedilatildeordquo137

Nesse cenaacuterio de grande complexidade e conflituosidade marcado pela pluralidade de

danos pela extensa aacuterea impactada e pelo enorme contingente de cidadatildeos e pessoas

juriacutedicas atingidas a Uniatildeo e os Estados do Espiacuterito Santo e de Minas Gerais suas

autarquias e fundaccedilotildees como resultado de uma convergecircncia poliacutetica juriacutedica e

teacutecnica138

ajuizaram ainda no mecircs de novembro de 2015 uma accedilatildeo civil puacuteblica139-140

em face da Samarco Mineraccedilatildeo SA e de suas controladoras as empresas BHP Billiton

e Vale SA a fim de obrigar as reacutes a adotarem medidas de reparaccedilatildeo integral e

134

Vitorelli conceitua o litigio coletivo ldquocomo o conflito existente na realidade que envolve uma

multiplicidade de sujeitos os quais compotildeem um grupo uma sociedaderdquo (VITORELLI Edilson

Processo estrutural e processo de interesse puacuteblico esclarecimentos conceituais Revista Iberoamericana

de Derecho Procesal Satildeo Paulo v 7 p 147-177 jan-jun 2018 versatildeo eletrocircnica) 135

Abstrai-se do presente artigo a discussatildeo a respeito da relaccedilatildeo entre o desastre de Mariana e os

processos estruturais Apenas para fins de registro apresenta-se o conceito de Vitorelli de processos

estruturais para o qual ldquosatildeo demandas judiciais nas quais se busca reestruturar uma instituiccedilatildeo puacuteblica ou

privada cujo comportamento causa fomenta ou viabiliza um litiacutegio estrutural Essa reestruturaccedilatildeo

envolve a elaboraccedilatildeo de um plano de longo prazo para alteraccedilatildeo do funcionamento da instituiccedilatildeo e sua

implementaccedilatildeo mediante providecircncias sucessivas e incrementais que garantam que os resultados visados

sejam alcanccedilados sem provocar efeitos colaterais indesejados ou minimizando-os A implementaccedilatildeo

dessa decisatildeo se daacute por intermeacutedio de uma execuccedilatildeo estrutural na qual as etapas do plano satildeo cumpridas

avaliadas e reavaliadas continuamente do ponto de vista dos avanccedilos que proporcionam O juiz atua como

um fator de reequilibro da disputa de poder entre os subgrupos que integram a sociedade que protagoniza

o litigiordquo (VITORELLI Edilson Processo estrutural e processo de interesse puacuteblico esclarecimentos

conceituais Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Satildeo Paulo v 7 p 147-177 jan-jun 2018

versatildeo eletrocircnica) A respeito dos processos estruturais conferir ARENHART Sergio Cruz Decisotildees

estruturais no direito processual civil brasileiro Revista de Processo Satildeo Paulo v 225 p 389-410 2013

ARENHART Seacutergio Cruz JOBIM Marco Felix (Org) Processos Estruturais 2 ed Salvador

Juspodivm 2019 928 p e DIDIER JR Fredie ZANETI JR Hermes OLIVEIRA Rafael Alexandria

de Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro Revista de

Processo Satildeo Paulo v 303 p 45-81 maio 2020 versatildeo eletrocircnica 136

CABRAL Antocircnio do Passo ZANETI JR Hermes Entidades de infraestrutura especiacutefica para a

resoluccedilatildeo de conflitos coletivos as claims resolution facilities e sua aplicabilidade no brasil Revista de

Processo Satildeo Paulo v 287 jan 2019 p 446 137

Ibidem p 446-447 138

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique Miguel

VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 p 42 139

Accedilatildeo Civil Puacuteblica nordm 6975861201543400 (Processo nordm 1024354-8920194013800-autos

eletrocircnicos) em tracircmite na 12ordf Vara Federal CiacutevelAgraacuteria de Minas Gerais 140

Anota-se apenas para fins de registro que o Ministeacuterio Puacuteblico Federal propocircs posteriormente uma

accedilatildeo civil puacuteblica tambeacutem ligada ao desastre de Mariana (processo nordm 0023863-0720164013800 - autos

fiacutesicosprocesso nordm 1016756-8420194013800)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

98

compensaccedilatildeo pelas consequecircncias do desastre nas aacutereas social e ambiental cabendo

salientar que a accedilatildeo abarcava todos os danos causados aos indiviacuteduos agrave Bacia do Rio

Doce e agrave vida marinha e terrestre

Consoante anota Adams et al o excessivo nuacutemero de accedilotildees pulverizadas a respeito do

desastre de Mariana ldquotornou imperiosa a modelagem de uma soluccedilatildeo mais global e

holisticardquo141

Soluccedilatildeo que teve iniacutecio com a propositura da r accedilatildeo civil puacuteblica

Continuamente Adams et al salientam que ldquojamais seria possivel a reparaccedilatildeo integral

dos vaacuterios danos causados sem um plano coerente amplo e responsaacutevel tampouco sem

uma linha uacutenica de accedilatildeo ajustada com todos os responsaveis e afetadosrdquo142

Adams et al destacam ao comentarem a r accedilatildeo coletiva que a Samarco a BHP e a

Vale ldquoja vinham se mostrando nos dias subsequentes agrave propositura da ACP

predispostas a manter um canal de diaacutelogo aberto para tratativas com o poder puacuteblico na

busca por um acordo amplo e eficaz para pocircr fim aos litigiosrdquo Continuamente afirmam

que a prolaccedilatildeo da decisatildeo interlocutoacuteria que deferiu o pedido de tutela provisoacuteria (de

carater antecipatorio e cautelar) formulado pelos entes federados ldquoconsubstanciou-se no

elemento que faltava para que as empresas efetivamente iniciassem o diaacutelogo com a

Uniatildeo e os Estados na procura de uma soluccedilatildeo consensual sobre o temardquo143

De um lado a complexidade e a conflituosidade do desastre de Mariana e de outro os

deacuteficits inerentes ao processo judicial e as vantagens da soluccedilatildeo extrajudicial motivaram

a opccedilatildeo naquele momento pela autocomposiccedilatildeo por meio da negociaccedilatildeo direta entre

os litigantes

Apoacutes mencionar que o processo judicial considerado monopoacutelio do Estado mostrou ao

longo do tempo sua fraqueza Grinover destaca que ldquoo formalismo a complicaccedilatildeo

procedimental a burocratizaccedilatildeo a dificuldade de acesso ao Judiciaacuterio o aumento das

causas de litigiosidade numa sociedade cada vez mais complexa e conflituosardquo e ldquoa

propria mentalidade dos operadores do direitordquo contribuiram para expor a

inadequaccedilatildeoinsuficiecircncia da exclusividade da tutela do Estado Ressalta a autora nesse

contexto o ressurgimento atual em escala global ldquodo interesse pelas chamadas vias

alternativas capazes de encurtar ou evitar o processordquo144

Em linha semelhante Bonizzi menciona que o sistema processual civil ldquovem cedendo

espaccedilo a autonomia da vontade dos litigantesrdquo ao tecer consideraccedilotildees a respeito dos

negoacutecios juriacutedicos processuais145

e que essa tendecircncia decorre provavelmente do

141

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique Miguel

VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 p 40 142

Ibidem p 40 143

Ibidem p 46 144

GRINOVER Ada Pellegrini Os meacutetodos consensuais de conflitos no novo CPC In O novo Coacutedigo de

Processo Civil questotildees controvertidas Satildeo Paulo Atlas 2015 p 2 145

Apesar do presente artigo natildeo tratar de negoacutecios juriacutedicos processuais as consideraccedilotildees citadas acima

satildeo vaacutelidas para justificar a tendecircncia de desjudicializaccedilatildeo no sistema processual civil atual brasileiro

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

99

reconhecimento da incapacidade do Estado (juiz) de gerir o processo civil

ldquoespecialmente num cenario de forte congestionamento de processos nos tribunaisrsquo146

A adequaccedilatildeo da opccedilatildeo pela soluccedilatildeo de conflitos por meio da autocomposiccedilatildeo em

determinados casos eacute extraiacuteda das liccedilotildees de Cappelletti O autor menciona ao tratar do

obstaacuteculo processual para o acesso a Justiccedila que ldquoem certas areas ou espeacutecies de

litiacutegios a soluccedilatildeo normal ndash o tradicional processo litigioso em Juiacutezo ndash pode natildeo ser o

melhor caminho para ensejar a vindicaccedilatildeo efetiva de direitosrdquo Continua com a

afirmaccedilatildeo de que ldquoa busca ha de visar reais alternativas (stricto sensu) aos juiacutezos

ordinarios e aos procedimentos usuaisrdquo Ao mencionar a importacircncia da conciliaccedilatildeo

arbitragem e mediaccedilatildeo em mateacuteria de conflitos salienta Cappelletti que ldquoha um novo

elemento consistente em que as sociedades modernas descobriram novas razotildees para

referir tais alternativasrdquo sendo que essas novas razotildees ldquoincluem a propria essecircncia do

movimento de acesso agrave Justiccedila a saber o fato de que o processo judicial agora eacute ou

deveria ser acessiacutevel a segmentos cada vez maiores da populaccedilatildeo aliaacutes ao menos

teoricamente a toda a populaccedilatildeordquo147

Analisando especificamente os gargalos do processo judicial que motivaram a opccedilatildeo

pelo caminho do acordo no acircmbito do desastre de Mariana Adams et al apontam ldquoa

dificuldade de realizaccedilatildeo de provas periciaisrdquo ldquoo elevado nuacutemero de meios de

impugnaccedilatildeo postos a disposiccedilatildeo dos reacuteusrdquo ldquoos dilatados prazos processuaisrdquo ldquoo grande

nuacutemero de recursosrdquo e ldquoa dificuldade no acompanhamento do cumprimento das

decisotildees judiciaisrdquo148

Os autores indicam ainda demandas coletivas de grande

repercussatildeo social e ambiental nas quais a via judicial natildeo se revelou apropriada para

uma soluccedilatildeo adequada mesmo apoacutes deacutecadas de tramitaccedilatildeo no Poder Judiciaacuterio 149

Iniciou-se entatildeo um processo de negociaccedilatildeo entre os entes federados e as empresas que

culminou na confecccedilatildeo do Termo de Transaccedilatildeo e de Ajustamento de Conduta ndash TTAC

em marccedilo de 2016 no qual constou como uma das motivaccedilotildees (ldquoconsiderandordquo) que

ldquoa autocomposiccedilatildeo eacute a forma mais ceacutelere e efetiva para resoluccedilatildeo da controveacutersiardquo

Conforme Adams et al ldquoa estruturaccedilatildeo da soluccedilatildeo consensual objetivava efetivar o real

direito a justiccedilardquo Visava ldquoassegurar uma agil e eficaz soluccedilatildeo para a controveacutersiardquo

ldquodesafogar o Poder Judiciariordquo e evitar ldquoa multiplicaccedilatildeo de accedilotildees idecircnticasrdquo150

Com o escopo de alcanccedilar a reparaccedilatildeo e a compensaccedilatildeo pelos danos decorrentes do

rompimento da barragem de Fundatildeo foram incluiacutedos no TTAC 42 (quarenta e dois)

programas socioambientais e socioeconocircmicos Os programas satildeo o ldquoconjunto de

medidas e de accedilotildees a serem executadas de acordo com um plano tecnicamente

146

BONIZZI M J M Estudo sobre os limites da contratualizaccedilatildeo do litiacutegio e do processo Revista de

Processo Satildeo Paulo v 269 jul 2017 p 139-140 147

CAPPELLETTI Mauro Os meacutetodos Alternativos de Soluccedilatildeo de Conflitos no Quadro do Movimento

Universal de Acesso agrave Justiccedila Revista de Processo Satildeo Paulo nordm 74 abr-jun94 p 87-88 148

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique Miguel

VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 p 56 149

Ibidem p 48-56 150

Ibidem p 57

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

100

fundamentado necessaacuterias agrave reparaccedilatildeo mitigaccedilatildeo compensaccedilatildeo e indenizaccedilatildeo pelos

danos socioeconocircmicosrdquo e pelos danos socioambientais151

Enquanto os programas reparatoacuterios ldquocompreendem medidas e accedilotildees de cunho

reparatoacuterio que tecircm por objetivo mitigar remediar eou reparar impactos

socioambientais e socioeconocircmicos advindos do eventordquo os programas compensatorios

ldquocompreendem medidas e accedilotildees que visam a compensar impactos natildeo mitigaacuteveis ou natildeo

reparaveisrdquo ldquopor meio da melhoria das condiccedilotildees socioambientais e socioeconocircmicas

das areas impactadasrdquo152

O planejamento e a gestatildeo das accedilotildees de reparaccedilatildeo e compensaccedilatildeo apresentam conforme

o acordo dois niacuteveis programas (primeiro niacutevel) de caraacuteter mais geral que precisam de

uma posterior confecccedilatildeo de projetos e projetos (segundo niacutevel) mais detalhados com

as formas caracteriacutesticas e meios para se atingir os objetivos do TTAC153

Essa divisatildeo

considerou a impossibilidade de delimitaccedilatildeo precisa no acordo das accedilotildees de grande

complexidade observando em especial que corriqueiramente natildeo existe apenas uma

soluccedilatildeo teacutecnica adequada e apta a ser previamente definida154

Em relaccedilatildeo agraves instacircncias de governanccedila que seratildeo tratadas mais detalhadamente abaixo

foram criados uma fundaccedilatildeo de direito privado e o Comitecirc Interfederativo-CIF

Acordou-se a instituiccedilatildeo de uma pessoa juriacutedica de direito privado sem fins lucrativos

sob a forma de fundaccedilatildeo que seria instituiacuteda pela Samarco pela BHP e pela Vale com

ldquoo objetivo de elaborar e executar todas as medidas previstas pelos programas

socioambientais e programas socioeconocircmicosrdquo155

Essa fundaccedilatildeo criada em agosto de

2016 foi denominada Renova e tem o papel de administrar com exclusividade os

recursos aportados pelas empresas instituidoras em cumprimento ao acordo156

Um dos nortes que culminaram no desenho dessa estrutura conforme seus

ldquoconsiderandosrdquo foi que o poder puacuteblico natildeo tinha o objetivo de arrecadar ldquovalores

mas a recuperaccedilatildeo do meio ambiente e das condiccedilotildees socioeconocircmicas da regiatildeordquo

Consta no acordo que a gestatildeo das accedilotildees para recuperar mitigar remediar reparar e

compensar os impactos nas esferas socioambiental e socioeconocircmica seratildeo realizadas de

maneira centralizada pela fundaccedilatildeo que tem estrutura proacutepria de governanccedila

fiscalizaccedilatildeo e controle o que tinha o objetivo de tornar mais eficiente as medidas de

enfrentamento agraves consequecircncias do desastre

Adams et al destacam que ldquoa ideia de se constituir uma fundaccedilatildeo privada buscou a

aproveitar a dinamicidade do mercado evitar lentos processos licitatoacuterios e favorecer a

151

Itens IX e X da Claacuteusula 1 do TTAC 152

Itens XVIII e XIX da Claacuteusula 1 do TTAC 153

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique Miguel

VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 p 92 154

Cf Ibidem p 92 155

Item XX da Claacuteusula 01 do TTAC 156

Claacuteusula 209 do TTAC

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

101

ceacutelere reparaccedilatildeo do dano ambientalrdquo Concluem com a afirmaccedilatildeo de que ldquoprocurou-se

aproveitar ao maximo o carater dinacircmico da iniciativa privadardquo157

Jaacute o Comitecirc Interfederativo-CIF eacute o ldquoespaccedilo de discussatildeo e deliberaccedilatildeordquo inspirado nos

ldquocomitecircs permanentes formados no acircmbito internacional para o acompanhamento da

execuccedilatildeo de tratados internacionaisrdquo158

O colegiado foi instituiacutedo como instacircncia

externa e independente da fundaccedilatildeo integrado em sua modelagem original apenas por

representantes do poder puacuteblico para atuar ldquocomo instacircncia de interlocuccedilatildeo permanente

da fundaccedilatildeo acompanhando monitorando e fiscalizando os seus resultadosrdquo159

Ao comitecirc caberaacute dentre outras atribuiccedilotildees definir diretrizes para elaboraccedilatildeo e

execuccedilatildeo de programas avaliar acompanhar monitorar e fiscalizar a elaboraccedilatildeo e a

execuccedilatildeo de programas acompanhar a execuccedilatildeo do acordo e validar os planos

programas e projetos apresentados pela Renova160

O CIF conta na atualidade com o apoio de 11 cacircmaras teacutecnicas temaacuteticas161

de caraacuteter

teacutecnico-consultivo criadas para auxiliar o comitecirc no desempenho de suas finalidades

aleacutem de uma Secretaria Executiva que cabe secretariar em caraacuteter permanente os

trabalhos do CIF e custodiar documentos dentre outras atividades

A respeito do CIF Adams et al anotam que no processo de modelagem do acordo

identificou-se a necessidade de criaccedilatildeo de uma instacircncia permanente de diaacutelogo entre a

fundaccedilatildeo e os oacutergatildeosentidades puacuteblicos com atribuiccedilatildeo de acompanhar as medidas de

reparaccedilatildeo e compensaccedilatildeo do desastre Anotam de um lado a imperatividade do diaacutelogo

interfederativo para ldquoafastar eventuais divergecircncias de posicionamentos na escolha das

providecircncias mais apropriadas para a soluccedilatildeo de cada um dos problemasrdquo e de outro

salientam que os oacutergatildeos puacuteblicos competentes dos entes federativos envolvidos

ldquoisoladamente natildeo possuem condiccedilotildees de acompanhar continuamente os programas

previstos no acordordquo162

Vecirc-se que o CIF natildeo almeja eliminar conflitos entre oacutergatildeos

puacuteblicos competentes em determinadas mateacuterias ldquomas favorece a harmonizaccedilatildeo dos

programas e minimiza os embatesrdquo 163

As atribuiccedilotildees dos oacutergatildeos e das entidades puacuteblicas conferidas pela legislaccedilatildeo natildeo foram

desconsideradas pelo TTAC no qual consta que o CIF ldquonatildeo afasta a necessidade de

157

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena et al op cit p 73-74 158

Ibidem p 80 159

Paraacutegrafo terceiro da Claacuteusula 242 do TTAC 160

Claacuteusula 245 do TTAC 161

Cacircmara Teacutecnica de Conservaccedilatildeo e Biodiversidade Cacircmara Teacutecnica de Restauraccedilatildeo Florestal e

Produccedilatildeo de Aacutegua Cacircmara Teacutecnica de Gestatildeo de Rejeitos e Seguranccedila Ambiental Cacircmara Teacutecnica de

Reconstruccedilatildeo e Recuperaccedilatildeo de Infraestrutura Cacircmara Teacutecnica de Seguranccedila Hiacutedrica e Qualidade da

Aacutegua Cacircmara Teacutecnica de Indiacutegena e Povos e Comunidades Tradicionais Cacircmara Teacutecnica de Sauacutede

Cacircmara Teacutecnica de Organizaccedilatildeo Social e Auxiacutelio Emergencial Cacircmara Teacutecnica de Participaccedilatildeo Diaacutelogo

e Controle Social Cacircmara Teacutecnica de Educaccedilatildeo Cultura Esporte Lazer e Turismo e Cacircmara Teacutecnica de

Economia e Inovaccedilatildeo 162

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique Miguel

VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 p 79 163

Ibidem p 79

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

102

obtenccedilatildeo das licenccedilas ambientais junto ao oacutergatildeo ambiental competente nem substitui a

competecircncia legalmente prevista dos orgatildeos licenciadores e demais orgatildeos puacuteblicosrdquo164

O TTAC previu ademais a criaccedilatildeo de um Painel Consultivo de Especialistas

(atualmente extinto) como uma instacircncia permanente e externa agrave fundaccedilatildeo para

ldquofornecer opiniotildees teacutecnicas natildeo-vinculantes para as partes com o objetivo de auxiliar na

busca de soluccedilotildees para divergecircncias existentesrdquo entre o CIF e a Renova que seria

constituiacutedo por 3 (trecircs) membros165

Somente em caso de persistecircncia de divergecircncias

apoacutes a manifestaccedilatildeo deste painel a mateacuteria poderia ser submetida ao Poder Judiciaacuterio

O Painel Consultivo de Especialistas correspondia a um meacutetodo consensual de soluccedilatildeo

de conflitos idealizado especificamente para o caso Samarco e com caracteriacutesticas

distintas dos meacutetodos usualmente adotados no Direito brasileiro (negociaccedilatildeo mediaccedilatildeo

e conciliaccedilatildeo) e no Direito estrangeiro (rente-a-judge baseball arbitration etc)166

Consta ainda a previsatildeo da auditoria externa independente com o papel de examinar o

cumprimento de metas e indicadores e auditar a contabilidade de cada um dos

programas do TTAC efetuando o controle de resultados A Claacuteusula 198 do acordo

impotildee que ldquotodas as atividades desenvolvidas pela fundaccedilatildeo estaratildeo sujeitas a auditoria

externa independente a ser realizada por empresa de consultoria dentre as 4 (quatro)

maiores empresas do ramo em atuaccedilatildeo no territorio nacionalrdquo

Nesse contexto acabou-se por efetuar na praacutetica por meio do TTAC um desenho de

sistema de disputas (dispute system design-DSD)167

especiacutefico para o desastre de

Mariana DSD que tem como referencial inicial no Direito norte-americano os estudos

de Ury Brett e Goldberg168

O desenho de sistemas de disputas envolve a construccedilatildeo de processo(s) para prevenir

gerir e resolver disputasconflitos O DSD implica na criaccedilatildeo de um produto especiacutefico

para a resoluccedilatildeo de um (ou mais) conflitos especiacuteficos e pode (ou natildeo) ser instituiacutedo a

partir do zero tornando-se personalizado a certo conflito

Smith e Martinez apontam que um ldquosistema de disputas abrange um ou mais processos

internos adotados para impedir gerenciar ou resolver um fluxo de litiacutegios relacionados a

uma organizaccedilatildeo ou instituiccedilatildeordquo 169

164

Paraacutegrafo segundo da Claacuteusula 242 do TTAC 165

Claacuteusula 246 do TTAC 166

Glossaacuterio de meacutetodos de resoluccedilatildeo consensual de conflitos ldquoGLOSSARY OF CONFLICT

RESOLUTION PROCESSESrdquo ldquoARBITRATION ADJUDICATION BASEBALL ARBITRATION

BOUNDED ARBITRATION ALTERNATIVE DISPUTE RESOLUTION (ADR) ARB-MED CASE

EVALUATION COLLABORATIVE LAW CONCILIATION COOPERATIVE LAW COURT-

ANNEXED ADR DISPUTE RESOLUTION BOARD (DRB) EARLY NEUTRAL EVALUATION

(ENE) FACILITATION FACT FINDING INTEGRATED CONFLICT MANAGEMENT SYSTEM

MEDIATION MED-ARB MINITRIAL NEGOTIATION NEUTRAL OMBUDS (ALSO

OMBUDSMAN OR OMBUDSPERSON) PARTNERING SETTLEMENT CONFERENCES

SUMMARY JURY OR BENCH TRIALrdquo In SMITH Stephanie MARTINEZ Janet An Analytic

Framework for Dispute Systems Design Harvard Negotiation Law Review Cambridge v 14 2009 p

165-169 167

Tambeacutem chamado de design de sistema de disputas e desenho de sistema de soluccedilatildeo de conflito 168

URY William BRETT Jeanne GOLDBERG Stephen Getting Disputes Resolved Designing

Systems to Cut the Costs of Conflict Cambridge Harvard Program on Negotiation 1993 201 p 169

SMITH Stephanie MARTINEZ Janet op cit p 126

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

103

Criou-se por meio do TTAC um sistema para a resoluccedilatildeo dos inuacutemeros conflitos

ligados ao desastre de Mariana com base em um regramento especiacutefico desenhado

considerando a complexidade e as peculiaridades intriacutensecas ao desastre como os

diretos que necessitam ser amparados pelo sistema construiacutedo os danos ocasionados

(presentes e futuros) a aacuterea impactada os atingidos e os entes puacuteblicos afetados

Sistema de gestatildeo que se daria por meio de um processo complexo marcado pela

atuaccedilatildeo dialeacutetica entre o Comitecirc Interfederativo e a Fundaccedilatildeo Renova

Foi assim efetuado um desenho para solucionar conflitos a respeito de direitos difusos

coletivos e individuais homogecircneos ligados agrave mateacuteria ambiental patrimocircnio sauacutede

cultura turismo lazer educaccedilatildeo dentre outros

O desenho do TTAC envolveu a criaccedilatildeo de duas instituiccedilotildees permanentes (Fundaccedilatildeo

Renova e CIF) a contrataccedilatildeo de auditoria independente e a previsatildeo da figura do Painel

de Especialistas e de regras para a submissatildeo em caraacuteter subsidiaacuterio da controveacutersia

(coletiva) surgida nesse sistema ao Poder Judiciaacuterio

Como anotam Bordone et al ldquoo designer muitas vezes cria um conjunto de processos

por exemplo mediaccedilatildeo e se natildeo resultar em acordo entatildeo arbitragem ou litiacutegio

judicialrdquo 170

sendo previsto esse conjunto de processos no acircmbito do TTAC

O acordo criou um processo iacutempar para a concretizaccedilatildeo de suas claacuteusulas e em que

foram previstos vaacuterios passos almejando a soluccedilatildeo extrajudicial de divergecircncias a

respeito de pontos dos programas projetos e accedilotildees de reparaccedilatildeo e compensaccedilatildeo e

apenas em casos excepcionais a submissatildeo do conflito ao Poder Judiciaacuterio

Um dos pontos mais relevantes e inovadores no Direito brasileiro no que toca ao

desenho do desastre de Mariana foi a criaccedilatildeo de uma entidade privada (Fundaccedilatildeo

Renova) que eacute identificada por Cabral e Zaneti Jr como uma entidade de infraestrutura

especiacutefica (claims resolution facilities) instituiacuteda para dar cumprimento agrave negoacutecio

juriacutedico (TTAC)171

Cabral e Zaneti Jr afirmam que as claims resolution facilities ldquosatildeo terceiros

responsaacuteveis pela implementaccedilatildeo total ou parcial da decisatildeo judicial ou da

autocomposiccedilatildeo muito embora tenham natureza privada ou mistardquo Continuamente

apontam que satildeo entidades (infraestrutura) ldquocriadas para processar resolver ou executar

medidas para satisfazer situaccedilotildees juriacutedicas coletivas que afetam um ou mais grupos de

pessoas que judicialmente seriam tratadas como milhares de casos individuais casos

repetitivos e accedilotildees coletivasrdquo172

170

BORDONE Robert C McEWEN Craig A ROGERS Nancy H SANDER Frank E Designing

Systems and Processes for Managing Disputes 2 ed New York Wolters Kluwer 2019 p 124 171

CABRAL Antocircnio do Passo ZANETI JR Hermes Entidades de infraestrutura especiacutefica para a

resoluccedilatildeo de conflitos coletivos as claims resolution facilities e sua aplicabilidade no brasil Revista de

Processo Satildeo Paulo v 287 jan 2019 p 449 172

Ibidem p 449

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

104

Essas entidades sugiram nos Estados Unidos da Ameacuterica e foram idealizadas em

decorrecircncia da ldquodificuldade das instituiccedilotildees judiciaacuterias de lidar com processos

complexosrdquo e ldquocom a massificaccedilatildeo de litigios individuaisrdquo173

Apesar de predominar na experiecircncia norte-americana ldquocasos em que se constituiu a

entidade de infraestrutura especiacutefica com o fim de indenizar as viacutetimas de alguma

lesatildeordquo conforme anotam Cabral e Zaneti Jr174

ldquoas facilities natildeo servem apenas para

direitos individuais homogecircneos mas tambeacutem para direitos difusos coletivos stricto

sensu e para a tutela das situaccedilotildees que caracterizem casos repetitivosrdquo175

A respeito dos fatores que levaram a instituiccedilatildeo da Renova Adams et al anotam que no

curso das negociaccedilotildees que culminaram na confecccedilatildeo do TTAC foram analisadas e

descartadas vaacuterias ideias ligadas a governanccedila da gestatildeo das medidas reparatoacuterias e

compensatoacuterias como a instituiccedilatildeo de um fundo puacuteblico ou privado e a criaccedilatildeo de uma

sociedade de propoacutesitos especiacuteficos (SPE) aleacutem da manutenccedilatildeo da obrigaccedilatildeo nas

empresas responsaacuteveis judicialmente pelo dano (Samarco BHP e Vale)176

Conforme narrado por Adams et al a constituiccedilatildeo de uma pessoa juriacutedica de direito

privado para a efetivaccedilatildeo das accedilotildees de reparaccedilatildeo e compensaccedilatildeo nasceu a partir de

quatro constataccedilotildees essenciais A primeira constataccedilatildeo foi que uma empresa (proacutepria

Samarco ou SPE) ldquocom finalidade exclusivamente empresarial natildeo conseguiria a

contento levar a cabo as accedilotildees necessaacuterias agrave complexa tarefa de reparar e compensar o

desastre ambiental decorrente do rompimento das barragensrdquo A segunda constataccedilatildeo

foi ldquoque se o poder puacuteblico assumisse as accedilotildees concretas necessaacuterias para reparar os

danos advindos do desastre poderia assim atrair para si a responsabilidade inerente aos

causadores da trageacutediardquo Em terceiro lugar constatou-se ldquoque seriam necessarias a

afetaccedilatildeo e destinaccedilatildeo de valores significativos dissociados do patrimocircnio da Samarcordquo

No mais viu-se ldquoque a extensatildeo e a complexidade da trageacutedia demandavam a

modelagem de instrumentos de interlocuccedilatildeo e a participaccedilatildeo dos cidadatildeos da sociedade

civil de instituiccedilotildees acadecircmicas e dos entes puacuteblicosrdquo177

A proacutepria Fundaccedilatildeo Renova acabou para Faleck178

por criar um desenho de sistema de

disputas especiacutefico para a indenizaccedilatildeo dos impactados que envolve diferentes

categorias de danos

O TTAC previu que a fundaccedilatildeo ldquodeveria elaborar e executar um programa de

ressarcimento e de indenizaccedilotildees por meio de negociaccedilatildeo coordenada destinado a

173

Ibidem p 450 174

Ibidem p 452 175

Ibidem p 452-453 176

Cf sobre o tema ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique

Miguel VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 p 71-73 177

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique Miguel

VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 p 73 178

FALECK Diego Desenho de sistemas de disputas e o rompimento das barragens de Fundatildeo e

Santareacutem Programa de Indenizaccedilatildeo Mediada (PIM) Revista da Defensoria Puacuteblica do Estado de Minas

Gerais Belo Horizonte n 2 nov 2017 p 13

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

105

reparar e indenizar os impactadosrdquo179

tendo iniacutecio apoacutes aprovaccedilatildeo pelo CIF do

denominado posteriormente Programa de Indenizaccedilatildeo Mediada ndash PIM no acircmbito do

qual foi utilizado do DSD conforme Faleck180

Ao tratar do PIM Faleck menciona que a resposta para ldquoevitar o alto incide de

judicializaccedilatildeo de demandas e com o objetivo de proporcional uma resposta efetiva para

a populaccedilatildeo e para sociedaderdquo foi a estruturaccedilatildeo de um programa de indenizaccedilatildeo

especiacutefico (PIM) e opcional para os benefiacutecios das viacutetimas baseado nos conceitos de

DSD que a finalidade de ldquo(i) identificar os legitimados a receber indenizaccedilatildeo (ii)

atendecirc-los e ouvi-los (iii) verificar seus documentos e informaccedilotildees (iv) calcular o valor

da indenizaccedilatildeo e em caso de acordo entre as partes (v) efetuar o pagamentordquo Esse

programa optou pelo lsquouso da mediaccedilatildeo como o meacutetodo consensual adequado para

possibilitar o tratamento digno dos impactados e a certeza da realizaccedilatildeo do conceito de

ldquoJusticcedila Procedimentalrdquorsquo 181

Finalizando as consideraccedilotildees iniciais a respeito dessa primeira fase de soluccedilatildeo

coordenada do caso Samarco satildeo apresentadas trecircs grandes caracteriacutesticas do TTAC

ligadas ao processo de reparaccedilatildeocompensaccedilatildeo do desastre

Em primeiro lugar esse acordo deu o pontapeacute inicial do processo coordenado para

recuperar e compensar os danos nas aacutereas socioeconocircmica e socioambiental advindos

do rompimento do desastre de Mariana

Em segundo lugar ele eacute o alicerce do processo de reparaccedilatildeocompensaccedilatildeo do desastre

ateacute a atualidade pois o acordo eacute utilizado como a base juriacutedica para amparar as accedilotildees

nas aacutereas socioeconocircmico e socioambiental servindo inclusive para amparar as

decisotildees proferidas pelo Poder Judiciaacuterio

Por fim o TTAC eacute elaacutestico ao ponto de permitir avanccedilos e mutaccedilotildees sem a interferecircncia

de atores exoacutegenos ao sistema por ele criado e gerido Como exemplo pode-se citar a

revisatildeo de ofiacutecio do acordo e a determinaccedilatildeo de inclusatildeo de aacutereas impactadas por meio

de deliberaccedilotildees do CIF182

Aleacutem do mais a ideia primitiva no acordo era que natildeo cabia

ao CIF elaborar projetos mas apenas validar os programas e projetos apresentados pela

Renova No entanto com o tempo o CIF tomou a iniciativa de orientar a elaboraccedilatildeo de

programas e a contrataccedilatildeo de estudos e pesquisas pela fundaccedilatildeo

Apresentado o desenho inicial do processo de reparaccedilatildeocompensaccedilatildeo

ambientalsocialeconocircmico idealizado pelo TTAC passa-se a anaacutelise das alteraccedilotildees

nesse processo ocorrida posteriormente

3 TAC-GOV ALINHAMENTO DAS FUNCcedilOtildeES ESSENCIAIS Agrave JUSTICcedilA E

AMPLIACcedilAtildeO DA PARTICIPACcedilAtildeO DOS ATINGIDOS

179

Claacuteusula 31 do TTAC 180

FALECK Diego op cit p 13-15 181

Ibidem p 13 182

Anota-se que a discussatildeo a respeito das divergecircncias da Fundaccedilatildeo Renova quanto agraves deliberaccedilotildees do

CIF natildeo seraacute abordada neste artigo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

106

O modelo de governanccedila desenhado inicialmente foi objeto de criacuteticas por parte dos

atores judiciais e da sociedade183

criacuteticas que tem relaccedilatildeo com a conflituosidade e a

complexidade do caso Samarco Uma das principais objeccedilotildees a respeito do modelo

idealizado no TTAC era ligada agrave necessidade de participaccedilatildeo popular no processo de

reparaccedilatildeo do desastre de Mariana

O desenho inicial de participaccedilatildeo popular no processo de tomada de decisotildees a respeito

dos programas projetos e accedilotildees conforme o TTAC ocorreria aleacutem da natural

representaccedilatildeo participativa184

no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro - por meio da

atuaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos designados pelos chefes e auxiliares diretos dos governos

federal estaduais e municipais democraticamente eleitos como representantes do povo-

por meio do Conselho Consultivo da Fundaccedilatildeo Renova185

e de suas demais instacircncias

internas e do CIF observando ainda as regras do programa de Comunicaccedilatildeo

Participaccedilatildeo Diaacutelogo e Controle Social (Claacuteusulas 59 agrave 72)

A participaccedilatildeo social permeia o TTAC verificando-se em seus ldquoconsiderandosrdquo ldquoa

necessidade de assegurar aos impactados incluindo as pessoas fiacutesicas e juriacutedicas

comunidades e movimentos sociais organizados a participaccedilatildeo social na discussatildeo e

acompanhamento das accedilotildees previstas no presente Acordordquo ldquoa necessidade de dar acesso

agrave informaccedilatildeo ampla transparente e puacuteblica em linguagem acessiacutevel adequada e

compreensiva a todos os interessados como condiccedilatildeo necessaacuteria agrave participaccedilatildeo social

esclarecidardquo e a ldquonecessidade de criar canais de comunicaccedilatildeo e interaccedilatildeo com a

sociedade em espaccedilos fixos ou itinerantes com a instituiccedilatildeo de mesa de diaacutelogo e

criaccedilatildeo e manutenccedilatildeo de espaccedilos dialogais com as comunidadesrdquo

Visando aperfeiccediloar a governanccedila prevista no acordo de 2016 foi firmado em 2018 o

Termo de Ajustamento de Conduta - Governanccedila (TAC-Gov) Esse novo termo buscou

ldquoaprimorar o sistema de governanccedila previsto no TTAC agregando maior participaccedilatildeo

qualidade e complexidade ao processo de tomada de decisatildeo bem como a necessidade

de evitar impactos nos prazos de implementaccedilatildeo dos PROGRAMASrdquo reforccedilando a

obrigaccedilatildeo de contrataccedilatildeo de assessorias teacutecnicas independentes para auxiliar agraves pessoas

grupos sociais e comunidades atingidos jaacute prevista no aditivo ao Termo de Ajuste

Preliminar-TAP (ldquoassessorias teacutecnicasrdquo) celebrado pelas empresas e pelo Ministeacuterio

Puacuteblico Federal em 2017

183

Cf sobre o tema ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique

Miguel VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 Capiacutetulo 8 184

ldquoDemocracia indireta chamada democracia representativa eacute aquela na qual o povo fonte primaria do

poder natildeo podendo dirigir os negoacutecios do Estado diretamente em face da extensatildeo territorial da

densidade demograacutefica e da complexidade dos problemas sociais outorga as funccedilotildees de governo aos seus

representantes que elege periodicamenterdquo (SILVA Joseacute Afonso da Curso de Direito Constitucional

Positivo 16 ed Satildeo Paulo Malheiros p 140) 185

O Conselho Consultivo composto desde sua formataccedilatildeo inicial por representantes das comunidades

impactadas eacute um orgatildeo de assessoramento da fundaccedilatildeo integrante de sua estrutura que pode ldquoopinar

sobre planos programas e projetos e indicar propostas de soluccedilatildeo para os cenaacuterios presentes e futuros

decorrentes do carater dinacircmico dos danos causados pelo rompimento das barragensrdquo (Clausula 217 do

TTAC)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

107

O TAC-Gov eacute um marco relevante no processo de reparaccedilatildeo do desastre podendo ser

reconhecido como uma segunda fase do processo de soluccedilatildeo de conflitos ligados ao

caso Samarco

Um dos pontos mais emblemaacuteticos do TAC-Gov eacute o fato dele ter sido firmado por todos

os signataacuterios do TTAC pelos Ministeacuterios Puacuteblicos Federal e dos Estados de MG e do

ES e pelas Defensorias Puacuteblicas da Uniatildeo e dos Estados de MG e do ES agregando

assim todas as funccedilotildees essenciais agrave Justiccedila e os entes federados na busca coordenada de

soluccedilotildees para as difiacuteceis e complexas accedilotildees necessaacuterias para fazer frente as

consequecircncias nefastas e dinacircmicas do desastre com a consequente superaccedilatildeo das

principais criacuteticas anteriormente feitas ao TTAC

O TAC-Gov tem como objetivos ldquoa alteraccedilatildeo do processo de governanccedila previsto no

TTAC para definiccedilatildeo e execuccedilatildeo dos programas projetos e accedilotildees que se destinam agrave

reparaccedilatildeo integral dos danosrdquo ldquoo aprimoramento de mecanismos de efetiva participaccedilatildeo

das pessoas atingidas pelo rompimento da Barragem de Fundatildeo em todas as etapas e

fasesrdquo do TTAC e do TAC-Gov e ldquoo estabelecimento de um processo de negociaccedilatildeo

visando a eventual repactuaccedilatildeo dos programasrdquo

Ainda que o TTAC natildeo tenha sido ratificado expressamente foram mantidos a essecircncia

da estrutura de governanccedila e de financiamento com melhorias e os programas do

acordo de 2016 programas que seratildeo repactuados no prazo de 24 meses da

homologaccedilatildeo do TAC-Gov

O r acordo de 2018 sofreu nitidamente a influecircncia da doutrina ligada aos processos

estruturais que defende a ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo popular devido agrave complexidade e a

multipolaridade que usualmente caracteriza esses processos aleacutem da potencialidade de

que as decisotildees atinjam relevante nuacutemero de indiviacuteduos186

Nesse sentido Arenhart

salienta que ldquoa intervenccedilatildeo da comunidade envolvida eacute fundamental para que a soluccedilatildeo

obtida realmente espelhe os anseios sociaisrdquo e que ldquoimpotildee-se a estruturaccedilatildeo de

mecanismos de fiscalizaccedilatildeo e dialogo na implementaccedilatildeo das soluccedilotildees obtidasrdquo 187

O TAC-Gov estabeleceu a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de representantes no CIF com a

introduccedilatildeo de participaccedilatildeo dos atingidos ou teacutecnicos por eles indicados no CIF a

inclusatildeo de membros indicados dentre os atingidos ou teacutecnicos no Conselho Curador da

Renova e o aumento do nuacutemero de atingidos no Conselho Consultivo

Aleacutem do mais foram previstas duas instacircncias de participaccedilatildeo dos impactados

consubstanciadas nas comissotildees locais e nas cacircmaras regionais As comissotildees locais

formadas voluntariamente por atingidos foram reconhecidas como ldquointerlocutoras

legiacutetimas no acircmbito das questotildees atinentes agrave participaccedilatildeo e governanccedila do processo de

reparaccedilatildeo integral dos danos decorrentes do rompimento da Barragem de Fundatildeordquo188

Essas comissotildees tem dentre outras atribuiccedilotildees de formular propostas criacuteticas e

sugestotildees sobre a atuaccedilatildeo do CIF de suas cacircmaras teacutecnicas e das accedilotildees dos programas

186

DIDIER JR Fredie ZANETI JR Hermes OLIVEIRA Rafael Alexandria de Elementos para uma

teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro Revista de Processo Satildeo Paulo v 303

p 45-81 maio 2020 versatildeo eletrocircnica 187

ARENHART Sergio Cruz Decisotildees estruturais no direito processual civil brasileiro Revista de

Processo Satildeo Paulo v 225 p 389-410 2013 188

Claacuteusula Oitava do TAC-Gov

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

108

Ja as cacircmaras regionais satildeo instacircncias de ldquoparticipaccedilatildeo das pessoas atingidas no

processo de reparaccedilatildeo integral dos danos decorrentes do rompimento da Barragem de

Fundatildeordquo189

As cacircmaras regionais natildeo tem hierarquia sobre as comissotildees locais e podem

propor alteraccedilotildees dos programas e projetos destinados a reparaccedilatildeo dos danos no acircmbito

regional de abrangecircncia de cada cacircmara190

As partes concordaram ainda em criar um foacuterum de observadores de natureza

consultiva como uma instacircncia externa de participaccedilatildeo e controle social com a

participaccedilatildeo da sociedade civil dos atingidos e de grupos acadecircmicos que tem como

objetivo ldquoacompanhar os trabalhos e analisar os resultados dos diagnoacutesticos e das

avaliaccedilotildees realizados pelos experts do Ministeacuterio Puacuteblico e acompanhar os trabalhos da

fundaccedilatildeordquo facultada a apresentaccedilatildeo de criticas e sugestotildees191

Foram entatildeo previstas especificamente no TTAC e no TAC-Gov 5 (cinco) instacircncias

externas de acompanhamento das accedilotildees da Renova com diferentes papeacuteis quais sejam

CIF auditoria externa foacuterum de observadores comissotildees locais e cacircmaras regiotildees Isso

somado agraves instacircncias de fiscalizaccedilatildeo das medidas de reparaccedilatildeo ambiental e social

previstas na legislaccedilatildeo consubstanciadas no Ministeacuterio Puacuteblico na Defensoria Puacuteblica

e nos entes puacuteblicos

Aleacutem do mais o painel consultivo de especialistas como instacircncia preacutevia agrave atuaccedilatildeo do

Judiciaacuterio que nunca chegou a ser acionado acabou por ser extinto O processo de

soluccedilatildeo de conflitos no acircmbito do coletivo foi abreviado passando portanto a ter duas

etapas 1) CIF x Renova com a participaccedilatildeo das comissotildees e cacircmaras regionais e 2)

Poder Judiciaacuterio

Por fim o TAC-Gov previu um processo de repactuaccedilatildeo dos programas

socioambientais e socioeconocircmicos para reparaccedilatildeo integral dos danos decorrentes do

rompimento da barragem de Fundatildeo a ser realizado no prazo de 24 meses contados da

homologaccedilatildeo do acordo Essa repactuaccedilatildeo dos programas soma-se as regras de revisatildeo

ordinaacuteria (trienal) e extraordinaacuteria (mediante acordo das partes) constantes no TTAC

O processo de renegociaccedilatildeo dos diferentes aspectos do TTAC foi entatildeo separado em

duas fases A primeira jaacute concluiacuteda em 2018 envolvia a adaptaccedilatildeo da governanccedila e as

regras para a repactuaccedilatildeo dos programas A segunda eacute a efetiva renegociaccedilatildeo dos

programas do TTAC ainda pendente

Como pode ser observado o desenho inicial do TTAC sofreu algumas adaptaccedilotildees por

meio de negociaccedilotildees diretas entre as partes interessadas mas sem desnaturar o acordo

originaacuterio

Aliaacutes jaacute era antevisto essa possibilidade de adaptaccedilotildees no momento da construccedilatildeo do

TTAC Essa perspectiva de evoluccedilotildees no acordo sempre foi aventada como anotam

Adams et al segundo os quais ldquoo TTAC foi modelado para permitir avanccedilosrdquo Para os

autores ldquoeventuais ganhos para a sociedade por meio de ampliaccedilotildees das obrigaccedilotildees das

empresas e do aprofundamento dos mecanismos de controlefiscalizaccedilatildeo das atividades

189

Claacuteusula Vigeacutesima Nona do TAC-Gov 190

Claacuteusula Trigeacutesima do TAC-Gov 191

Claacuteusula Deacutecima Nona do TAC-Gov

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

109

da Fundaccedilatildeo sempre seriam bem-vindosrdquo Concluem com a afirmaccedilatildeo de que o acordo

de 2016 ldquonunca afastou a possibilidade de serem adotadas providecircncias complementares

pelo Ministeacuterio Puacuteblico e pelos cidadatildeos natildeo servindo de empecilho para nenhum

processo de convergecircncia e de repactuaccedilatildeo parcialrdquo192

Como salienta Bordone et al ao tratarem do DSD ldquoprocessos satildeo fluidos e precisam

frequentemente ser adaptados a novas situaccedilotildeesrdquo193

E foi exatamente o que ocorreu no

curso do caso Samarco em que verificou-se a necessidade de adaptaccedilatildeo de regras do

acordo primitivo devido agraves dificuldades (e as proacuteprias criacuteticas) enfrentadas culminando

nas alteraccedilotildees levadas a efeito pelo TAC-Gov

Analisado o desenho criado no acircmbito dos acordos extrajudiciais celebrados por meio

de autocomposiccedilatildeo entre os interessados inicia-se a seguir o exame da mais nova

etapa de soluccedilatildeo de conflitos no acircmbito do caso Samarco

4 DA AMPLIACcedilAtildeO DO PAPEL DO JUDICIAacuteRIO NO CONTEXTO DO CASO

SAMARCO

A judicializaccedilatildeo de questotildees afetas ao desastre foi evitada ao menos pelos entes

federados desde o rompimento da barragem de Fundatildeo Como apontado anteriormente

buscou-se a resoluccedilatildeo de conflitos pela via extrajudicial com a celebraccedilatildeo do TTAC e

do TAC-Gov que tinham um processo coordenado de reparaccedilatildeo socioeconocircmico e

socioambiental com regras proacuteprias de soluccedilatildeo de divergecircncias

As demandas coletivas do desastre foram concentradas por forccedila das regras

processuais na 12ordf Vara Federal Ciacutevel de Minas Gerais cabendo ao magistrado com

atuaccedilatildeo na referida unidade judicial natildeo apenas cuidar das accedilotildees coletivas propostas

pelos entes federados e pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal mas por diversas outras accedilotildees

No que interessa ao processo de soluccedilatildeo coordenado do desastre de Mariana que tem

como participantes os entes federados e as funccedilotildees essenciais agrave Justiccedila de um lado e a

Fundaccedilatildeo Renova e as empresas Samarco BHP e Vale de outro ocorreram em um

primeiro momento atuaccedilotildees pontuais do Poder Judiciaacuterio Em especial ocorreu a

submissatildeo de deliberaccedilotildees especiacuteficas do CIF ao exame do Poder Judiciaacuterio Essas

manifestaccedilotildees judiciais eram pontuais e estavam alicerccediladas no proacuteprio desenho

construiacutedo no TTAC com as posteriores modificaccedilotildees do TAC-Gov

Ocorre que a partir do final de 2019 pode-se identificar uma modificaccedilatildeo na postura dos

entes federados e das funccedilotildees essenciais agrave Justiccedila194

que ateacute entatildeo buscavam a

192

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique Miguel

VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 p 143 193

BORDONE Robert C McEWEN Craig A ROGERS Nancy H SANDER Frank E Designing

Systems and Processes for Managing Disputes 2 ed New York Wolters Kluwer 2019 p 128 194

Os entes federados por intermeacutedio de suas Advocacias Puacuteblicas as Defensorias Puacuteblicas e os

Ministeacuterios Puacuteblicos satildeo corriqueiramente denominados de partes integrantes do Sistema de Justiccedila no

acircmbito do caso Samarco

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

110

resoluccedilatildeo de questotildees coletivas na esfera extrajudicial seja por intermeacutedio do sistema

CIF seja por intermeacutedio de tratativas diretas com a Renova Nova postura caracterizada

pela submissatildeo de pontos relevantes atinentes ao caso Samarco para deliberaccedilatildeo ou

homologaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio que somadas agrave decisatildeo judicial sobre o pleito de

atingidos em mateacuteria indenizatoacuteria marcam uma nova fase do processo de construccedilatildeo

de soluccedilotildees para o desastre

A inovaccedilatildeo nessa nova fase pode ser identificada em 3 (trecircs) conjuntos de decisotildees

proferidas nos processos judiciais atinentes ao caso Samarco que podem ser agrupadas

da seguinte forma eixos temaacuteticos indenizaccedilotildees para os atingidos e homologaccedilotildees

judiciais de acordos para o cumprimento de decisotildees do CIF

Pode-se apontar como o embriatildeo da fase de resoluccedilatildeo judicial dos conflitos a

manifestaccedilatildeo conjunta da Advocacia-Geral da Uniatildeo e da Advocacia-Geral do Estado

de Minas Gerais na qual requereram ao Poder Judiciaacuterio a designaccedilatildeo de audiecircncias

para tratamento adequado de temas relacionados aos programas de reparaccedilatildeo e

indenizaccedilatildeo do desastre de Mariana

Jaacute o primeiro passo concreto desta nova etapa foi a audiecircncia realizada em outubro de

2019 na accedilatildeo civil puacuteblica proposta pelos entes federados que envolvia a pauta

ambiental do Estado de Minas Gerais Na r oportunidade apresentou-se uma proposta

de cronograma homologada pelo juiacutezo para as partes integrantes do Sistema de Justiccedila

e as empresasFundaccedilatildeo Renova procedessem negociaccedilotildees diretas para formar eixos

temaacuteticos a serem tratados posteriormente como prioritaacuterios no acircmbito do processo

judicial Foi designada nova audiecircncia para (dezembro2019) as partes apresentarem ldquoos

eixos temaacuteticos definidos como prioritaacuterios eventuais acordos e na hipoacutetese de natildeo

haver acordo os pontos controversosrdquo que seriam apreciados pelo juizo Nesta

oportunidade tambeacutem seria apresentada a proposta relacionada aos temas ldquoCadastrosrdquo e

ldquoIndenizaccedilotildeesrdquo

Os eixos envolvem mateacuterias relevantes imperiosas e prioritaacuterias para a construccedilatildeo de

respostas adequadas para as consequecircncias advindas do rompimento da barragem de

Fundatildeo almejando concretizar accedilotildees lastreadas no TTAC

Os fundamentos que ensejaram essa adoccedilatildeo foram sintetizados na decisatildeo judicial

proferida pela 12ordf Vara Federal Ciacutevel de Minas Gerais que apreciou a peticcedilatildeo conjunta

apresentada pelas funccedilotildees essenciais agrave Justiccedila que juntou as planilhas contendo os eixos

e seus itens Consta na r peticcedilatildeo que a iniciativa ldquose deu no contexto (puacuteblico e notorio)

de que as accedilotildees e programas estabelecidos no acircmbito do processo reparatoacuterio do

desastre de Mariana natildeo estavam atendendo de forma plena justa e satisfatoacuteria aos

anseios da sociedaderdquo e que os ldquoprocedimentos tracircmites burocraacuteticos e programas

reparatoacuterios em curso no Sistema CIF natildeo estava funcionando adequadamente para

determinados eixosrdquo 195

Extrapola ao tema proposto no presente artigo estudar as deficiecircncias e os acertos do

modelo idealizado de governanccedila no TTAC e alternado no TAC-Gov mas pode-se

identificar na linha do citado acima alguns elementos que motivaram a submissatildeo de

determinadas questotildees ao Poder Judiciaacuterio como a necessidade de dar celeridade agrave

195

Decisatildeo judicial proferida em 19 de dezembro de 2019 que homologa a planilha de consenso

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

111

execuccedilatildeo de certos programas a busca da superaccedilatildeo de gargalos no processo de

construccedilatildeo de programas e projetos garantir o cumprimento (ldquoenforcementrdquo) de

deliberaccedilotildees do CIF a dificuldade de superaccedilatildeo de determinadas divergecircncias na esfera

extrajudicial e a imperiosidade de abreviar o processo de construccedilatildeo de soluccedilotildees para

certos temas

Quanto agrave adequaccedilatildeo da soluccedilatildeo judicial para a superaccedilatildeo de temas especiacuteficos consta

na mencionada decisatildeo judicial que lsquoa experiecircncia adquirida com o Caso Samarco

evidencia que determinados temas - dada a sua sensibilidade e o alto grau de

divergecircncia juriacutedica e teoacuterica entre os players envolvidos - natildeo satildeo passiacuteveis de

composiccedilatildeo amigavelrsquo

O objetivo da submissatildeo dos itens ao Poder Judiciaacuterio estaacute relacionado agrave procura dos

ldquocaminhos necessarios para que as accedilotildees e programas sejam efetivamente executados e

implementados pela FUNDACcedilAtildeO RENOVA permitindo que a sociedade obtenha do

sistema de justiccedila uma resposta jurisdicional ceacutelere adequada e eficazrdquo 196

Em trato contiacutenuo as instituiccedilotildees que capitanearam o TTAC e o TAC-Gov deram

iniacutecio as tratativas internas e com a Renova em uma seacuterie de reuniotildees Nas rodadas de

negociaccedilotildees extrajudiciais acabou por serem formuladas propostas de 8 (oito) eixos

temaacuteticos (eixos prioritaacuterios)197-198

intitulados ldquoRecuperaccedilatildeo ambiental extra e intra

calhardquo (eixo 1) ldquoRisco a sauacutede humana e risco ecologicordquo (eixo 2) ldquoReassentamento

das comunidades atingidasrdquo (eixo 3) ldquoInfraestrutura e desenvolvimentordquo (eixo 4)

ldquoRetorno operacional da hidreleacutetrica Risoleta Nevesrdquo (eixo 5) ldquoMediccedilatildeo de

performance e acompanhamentordquo (eixo 6) ldquoRetomada das atividades econocircmicasrdquo

(eixo 8) e ldquoAbastecimento de agua para consumo humanordquo (eixo 9)199

Os itens que compotildeem os eixos foram embasados nas obrigaccedilotildees assumidas pelas

empresas no TTAC e observaram a fase de tramitaccedilatildeo dos programas e dos projetos no

acircmbito do Sistema CIF e as dificuldades enfrentadas para a conclusatildeo destes

projetosprogramas Foram priorizados os programasprojetos que poderiam ser

executados em curto e meacutedio prazo que se encontravam em fase mais avanccedilada e que

poderiam receber uma soluccedilatildeo concreta e mais efetiva por meio da atuaccedilatildeo do

Judiciaacuterio

Esses eixos encontram-se em andamento tornando-se oportuno salientar que essa

proposta de soluccedilatildeo por meio da atuaccedilatildeo judicial eacute somada ao trabalho desempenhado

pelo CIF que participa do sistema formado pelos eixos temaacuteticos por meio de

manifestaccedilotildees de caraacuteter teacutecnico-opinativo podendo apresentar consideraccedilotildees faacuteticas

juriacutedicas e teacutecnicas pertinentes sobre os estudos avaliaccedilotildees projetos relatoacuterios

cronogramas propostas conclusotildees planos de accedilatildeo e planos de execuccedilatildeo expostos pela

196

Trecho da decisatildeo judicial proferida em 19 de dezembro de 2019 197

O Eixo 7 relacionada aos ldquoCadastros e Indenizaccedilotildeesrdquo acabou por ser retirado da mesa de

negociaccedilotildees de maneira natildeo foi levado agrave apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio na audiecircncia realizada no mecircs de

dezembro de 2019 198

Abstrai-se aqui de divergecircncias entre os atores do Sistema da Justiccedila a respeito em relaccedilatildeo aos eixos

prioritaacuterios 199

Posteriormente agrave apresentaccedilatildeo desses eixos o Poder Judiciaacuterio determinou a abertura de mais 3

processos judiciais especiacuteficos correspondentes aos denominados eixos prioritaacuterios nordms 10 (Contrataccedilatildeo

de Assessorias Teacutecnicas) 11 (Accedilotildees de Sauacutede ndash Fundo de 150 milhotildees) e 12 (Portaria IEF nordm 402017 ndash

prorrogaccedilatildeo de prazo ndash quesitos)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

112

Fundaccedilatildeo Renova Aliaacutes o CIF definiu regras especificas para anaacutelise dos temas afetos

aos eixos prioritaacuterios criando um fluxo especial para se exame conforme Deliberaccedilatildeo

nordm 3692019

Caberaacute ao Poder Judiciaacuterio proferir as deliberaccedilotildees finais a respeito dos eixos o que eacute

natural jaacute que os temas foram submetidos agrave apreciaccedilatildeo judicial mas o processo tem a

interferecircncia do CIF nos moldes expostos acima

Paralelamente a esses eixos a Justiccedila Federal de Minas Gerais proferiu em julho de

2020 relevante decisatildeo a respeito de tema tortuoso e que ainda pende de uma soluccedilatildeo

satisfatoacuteria consubstanciado na indenizaccedilatildeo de atingidos 200

Aleacutem da judicializaccedilatildeo relacionada especificamente agrave indenizaccedilatildeo decorrente da

suspensatildeo do fornecimento de aacutegua potaacutevel em razatildeo do rompimento da barragem de

Fundatildeo ocorreram negociaccedilotildees coletivas e subsequentes acordos para o pagamento de

indenizaccedilotildees para grupos especiacuteficos na esfera extrajudicial o que se deu com o

intermeacutedio da atuaccedilatildeo das Defensorias Puacuteblicas e dos Ministeacuterios Puacuteblicos e

negociaccedilotildees individuais com atingidos por meio do PIM levado a efeito pela Renova

Ocorre que ainda existe um excessivo passivo de atingidos que natildeo receberam

indenizaccedilotildees sendo que a supracitada decisatildeo judicial eacute a primeira a tratar do tema

indenizaccedilatildeo de maneira coletiva

No referido processo a comissatildeo de atingidos do Municiacutepio de Baixo GuanduES

requereu judicialmente providecircncias para implementar ldquoo mais rapido possivel o

pagamento integral das Indenizaccedilotildees Lucros Cessantes e Auxiacutelios Financeiros

Emergenciaisrdquo para diferentes categorias (pescadores revendedores de

pescadocomerciantes artesatildeos areeiros carroceiros agricultores produtores rurais

ilheiros lavadeiras e associaccedilotildees em geral) O Poder Judiciaacuterio definiu a matriz de

danos e julgou procedente o pedido para ldquoestabelecer o sistema indenizatorio

simplificado de adesatildeo facultativa e presenccedila obrigatoacuteria de advogado com sua

correspondente matriz de danosrdquo resolvendo parcialmente o meacuterito quanto as categorias

contempladas na matriz

Essa decisatildeo pode ser o marco de iniacutecio da soluccedilatildeo definitiva a respeito da indenizaccedilatildeo

dos atingidos superando gargalos na execuccedilatildeo do PIM

Finalizando o toacutepico referente a esta nova fase marcada pela judicializaccedilatildeo de mateacuterias

afetas ao desastre de Mariana destaca-se que os entes federados (Estados do Espiacuterito

Santo e de Minas Gerais e Municiacutepios capixabas e mineiros) e a Fundaccedilatildeo Renova

submeterem em meados de 2020 agrave homologaccedilatildeo judicial acordos firmados em

cumprimento de deliberaccedilotildees do CIF Tratam-se de acordos referentes as deliberaccedilotildees

do CIF nordms 3772020 3862020 e 3882020 e 3902020 que envolvem a execuccedilatildeo de

trechos rodoviaacuterios nos Estados do Espiacuterito Santo e Minas Gerais (infraestrutura

rodoviaacuteria) a estruturaccedilatildeo de Hospital Regional no Municiacutepio de Governador Valadares

e o fortalecimento da educaccedilatildeo em acircmbito estadual e municipal

200

Processo nordm 1016742-6620204013800

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

113

Pode-se pontuar trecircs grandes peculiaridades em relaccedilatildeo a esses acordos A primeira eacute a

transferecircncia de recursos pela Renova para a execuccedilatildeo dos programas ligados a

aparatos puacuteblicos pelos proacuteprios entes federados Isso implica em uma mudanccedila ainda

que pontual do desenho inicial do TTAC em que todos os programas projetos e accedilotildees

ligadas ao caso Samarco seriam executados pela Fundaccedilatildeo Renova201

alteraccedilatildeo que estaacute

ligada em especial agrave demora na execuccedilatildeo de determinadas accedilotildees pela fundaccedilatildeo A

segunda peculiaridade eacute a submissatildeo do acordo agrave homologaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio o

que corresponde a inovaccedilatildeo no acircmbito do caso Samarco homologaccedilatildeo que natildeo se

revelava necessaacuteria para gerar obrigaccedilatildeo entre as partes mas que foi uma opccedilatildeo de

consenso entre os signataacuterios A uacuteltima peculiaridade eacute a fiscalizaccedilatildeo e

acompanhamento do uso dos recursos pelo Poder Judiciaacuterio que aleacutem do mais teraacute o

papel de liberar os recursos para os entes federados apoacutes o depoacutesito pela Renova em

conta judicial Essa fiscalizaccedilatildeo se daacute paralelamente ao acompanhamento do

cumprimento das referidas deliberaccedilotildees pelo CIF e tem um caraacuteter distinto daquela

fiscalizaccedilatildeo feita pelo comitecirc Nas decisotildees de homologaccedilatildeo dos acordos foi

determinada a nomeaccedilatildeo de perito oficial do juizo ldquopara auxilio no acompanhamento

dos projetos e na fiscalizaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos recursosrdquo com base no art 156 ldquocaputrdquo

do CPC ldquoa fim de atestar a viabilidade teacutecnica dos projetos apresentados assim como

monitorar em tempo real a aplicaccedilatildeo dos recursosrdquo202

5 CONCLUSAtildeO

O processo de reparaccedilatildeo e de compensaccedilatildeo do desastre de Mariana por meio de

soluccedilotildees coletivas de conflitos eacute marcado por eventos que podem ser agrupados em trecircs

fases que se sucederam cronologicamente TTAC (2016) TAC-Gov (2018) e

judicializaccedilatildeo (20192020)

Nos primeiros quatro anos apoacutes o desastre efetuou-se um desenho de sistema de

disputas especiacutefico construiacutedo do zero para fazer frente aos desafios advindos do

rompimento da barragem de Fundatildeo e por adaptaccedilotildees desse desenho inicial em uma

dinacircmica que pode ser separada em fases que marcam as evoluccedilotildees desse processo de

soluccedilatildeo Ressalta-se dentro desse contexto que o TTAC natildeo foi superado pelo TAC-

Gov nem que esses dois acordos foram sobrepujados pela judicializaccedilatildeo de certos

temas Todas essas trecircs fases ainda em curso satildeo marcadas por uma simbiose estando

intrinsecamente atreladas

Como um elemento ligado a essas fases podemos verificar um movimento de

aproximaccedilatildeo das funccedilotildees essenciais agrave Justiccedila que vem somando esforccedilos na busca de

soluccedilotildees mais efetivas e adequadas para atender a complexidade e a conflituosidade que

caracterizam o maior desastre ambiental brasileiro

Entre os dois mecanismos extremos para a soluccedilatildeo de conflitos (soluccedilatildeo integralmente

extrajudicialautocomposiccedilatildeo e soluccedilatildeo integralmente judicialheterocomposiccedilatildeo)

observa-se que o desenho inicial escolhido no caso Samarco ancorado em essecircncia na

201

A exceccedilatildeo a essa regra correspondia ao programa de coleta e tratamento de esgoto e de destinaccedilatildeo de

resiacuteduos soacutelidos (Claacuteusulas 169 e 170 do TTAC) 202

Trechos da decisatildeo proferida no processo nordm 1026741-4320204013800

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

114

soluccedilatildeo extrajudicial acabou por ser modificado para a realizaccedilatildeo de intervenccedilotildees

pontuais do Poder Judiciaacuterio Em resumo em um movimento pendular ocorreu a

passagem de soluccedilotildees focadas na absoluta desjudicializaccedilatildeo para uma judicializaccedilatildeo

parcial de mateacuterias especiacuteficas

No centro desse processo de soluccedilatildeo de conflitos ainda reside o TTAC verdadeiro

acordo camaleatildeo adaptado ao ambiente e a dinacircmica complexa e fluiacuteda do processo de

reparaccedilatildeo do caso de Mariana Suas claacuteusulas correspondem a um guarda-chuvas e

foram confeccionadas com o papel de fornecer uma base adequada para o processo de

reparaccedilatildeo nas aacutereas socioambiental e socioeconocircmica sem descuidar da possibilidade

de evoluccedilotildees em seu acircmago

O desenho inicial idealizado no TTAC natildeo foi abandonado mas sim adaptado A

tensatildeo sofrida pelo sistema de gestatildeo do conflito previsto no acordo de 2016 por

diferentes interesses muitas vezes antagoacutenicos mostra sua resiliecircncia e sua capacidade

de mutaccedilatildeo Mudanccedila do desenho que se deu por meio da ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo

popular e do incremento do papel do Poder Judiciaacuterio no caso Samarco

Apesar das lacunas teoacutericas ao uso da via judicial para a soluccedilatildeo de conflitos ventiladas

no iniacutecio deste artigo a opccedilatildeo pela esfera judicial revela-se como uma tentativa de

aprimoramento das accedilotildees de reparaccedilatildeo e compensaccedilatildeo nas aacutereas socioambiental e

socioeconocircmicas a fim de alcanccedilar o objetivo final dos oacutergatildeos integrantes do Sistema

de Justiccedila que eacute a reparaccedilatildeo integral dos danos advindos do desastre

O futuro do sistema de gestatildeo do conflito do caso Samarco ainda natildeo pode ser antevisto

mas pode-se afirmar que novas dinacircmicas jaacute foram incorporadas ao sistema e

provavelmente seratildeo agregados novos elementos no curso dos anos ao desenho de

sistema de disputa relativo ao desastre

O histoacuterico do processo de reparaccedilatildeo ambiental e social do desastre demonstra de um

lado que o sistema idealizado inicialmente no TTAC eacute aberto e flexiacutevel adaptaacutevel ao

ambiente que circunda como um camaleatildeo e de outro lado que os atores que atuam no

sistema natildeo satildeo avessos a mudanccedilas

Como uma metamorfose ambulante o modelo de gestatildeo de conflitos do desastre de

Mariana vive em um estado de permanente mudanccedila natildeo se apegando a modelos

estanques e padrotildees preacute-definidos

REFEREcircNCIAS

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique

Miguel VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa

concertada como melhor alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do

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BONIZZI M J M Estudo sobre os limites da contratualizaccedilatildeo do litiacutegio e do processo

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A Designing Systems and Processes for Managing Disputes 2ed New York Wolters

Kluwer 2019 477 p

CABRAL Antocircnio do Passo ZANETI JR Hermes Entidades de infraestrutura

especiacutefica para a resoluccedilatildeo de conflitos coletivos as claims resolution facilities e sua

aplicabilidade no brasil Revista de Processo Satildeo Paulo v 287 p 445-483 jan 2019

CAPPELLETTI Mauro Os meacutetodos Alternativos de Soluccedilatildeo de Conflitos no Quadro

do Movimento Universal de Acesso agrave Justiccedila Revista de Processo Satildeo Paulo n 74 p

82-97 abr-jun94

DIDIER JR Fredie ZANETI JR Hermes OLIVEIRA Rafael Alexandria de

Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro

Revista de Processo Satildeo Paulo v 303 p 45-81 maio 2020 versatildeo eletrocircnica

FALECK Diego Desenho de sistemas de disputas e o rompimento das barragens de

Fundatildeo e Santareacutem Programa de Indenizaccedilatildeo Mediada (PIM) Revista da Defensoria

Puacuteblica do Estado de Minas Gerais Belo Horizonte n 2 p 13-15 nov 2017

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novo Coacutedigo de Processo Civil questotildees controvertidas Satildeo Paulo Atlas 2015

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Malheiros 871 p

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Design Harvard Negotiation Law Review Cambridge v 14 p 123-169 2009

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Designing Systems to Cut the Costs of Conflict Cambridge Harvard Program on

Negotiation 1993 201 p

VITORELLI Edilson Processo estrutural e processo de interesse puacuteblico

esclarecimentos conceituais Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Satildeo Paulo

v 7 p 147-177 jan-jun 2018 versatildeo eletrocircnica

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

117

EXPERIEcircNCIAS DO CASO SAMARCO

PEDRO CAMPANY FERRAZ

_________________ SUMAacuteRIO ________________

1 Sobre o rompimento da barragem 2 Sobre a accedilatildeo

civil puacuteblica para reparaccedilatildeo de danos 3 Sobre a

negociaccedilatildeo do Termo de Transaccedilatildeo e Ajustamento

de Conduta 4 Sobre o Termo de Transaccedilatildeo e

Ajustamento de Conduta 5 Sobre a Fundaccedilatildeo

Renova 6 Destaques de alguns programas do

Termo de Ajustamento de Conduta 7 Experiecircncias

adquiridas com o caso Samarco 8 Consideraccedilotildees

Finais

Resumo O presente artigo visa trazer o relato histoacuterico da negociaccedilatildeo do Termo de

Transaccedilatildeo de Ajustamento de Conduta decorrente do rompimento da barragem da

SAMARCO nos autos da accedilatildeo civil puacuteblica (Processo nordm 69758-6120154013400) em

curso na 12ordf Vara Federal de Belo Horizonte e as experiecircncias advindas desse caso

Palavras-chave Termo de Ajustamento de Conduta Negociaccedilatildeo Accedilatildeo Civil Puacuteblica

Fundaccedilatildeo Desastres Barragem Mineraccedilatildeo

1 SOBRE O ROMPIMENTO DA BARRAGEM

Em 5 de novembro de 2015 ocorreu o rompimento integral da barragem de Fundatildeo

localizada no complexo mineraacuterio da SAMARCO no Municiacutepio de Mariana ndash MG

sendo considerado o maior desastre ambiental brasileiro203

Apesar dessa caracterizaccedilatildeo dada pela miacutedia em termos de magnitude ambiental o

acidente de Mariana teve um impacto restrito agrave bacia hidrograacutefica do Rio Doce e parte

do litoral do Espiacuterito Santo atingindo uma regiatildeo habitada por cerca de 15 milhatildeo de

habitantes que foi afetada pelo carreamento de 39 milhotildees de toneladas de lama

armazenada na barragem de Fundatildeo

203

Trageacutedia de Mariana completa 3 anos veja linha do tempo Agecircncia Brasil 05 de nov de 2018

Disponiacutevel em httpsagenciabrasilebccombrgeralnoticia2018-11tragedia-de-mariana-completa-3-

anos-veja-linha-do-tempo Acesso em 12 de set de 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

118

A lama da barragem de Fundatildeo natildeo era um material perigoso nos termos da ABNT

10004 mas em alguns pontos do Rio Doce foram identificados grande concentraccedilotildees de

metais que natildeo estavam contidos na barragem mas que podem ter sido revolvidos do

fundo do Rio Doce por conta da onda de lama204

Esse acidente agravou a situaccedilatildeo ambiental do Rio Doce que jaacute era considerado um dos

rios mais poluiacutedos do Brasil205

por conta de uma seacuterie de impactos ambientais

histoacutericos de atividades econocircmicas com pecuaacuteria siderurgia celulose e garimpos

ilegais da bacia hidrograacutefica

Apesar dos impactos provocados pelo rompimento ter essa classificaccedilatildeo como o maior

desastre ambiental do Brasil deixando as paixotildees de lado e respeito agraves viacutetimas diretas e

indiretas desse caso tecnicamente o maior desastre ambiental do Brasil eacute a falta de

saneamento baacutesico conforme afirma a proacutepria Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede

A Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede estima que anualmente 15 mil pessoas

morram e 350 mil sejam internadas no Brasil devido a doenccedilas ligadas agrave

precariedade do saneamento baacutesico Cerca 35 milhotildees de brasileiros natildeo

tecircm acesso a aacutegua tratada e metade da populaccedilatildeo natildeo tem serviccedilos de coleta

de esgoto afirmou o senador e relator Tasso Jereissati (PSDB-CE)206

A dimensatildeo desse rompimento eacute caracterizada legalmente como desastre207

e exigiu da

mineradora SAMARCO a tomada de medidas emergenciais de socorro agraves viacutetimas e

proteccedilatildeo ao meio ambiente

Os problemas decorrentes da dimensatildeo do desastre e da necessidade de interaccedilatildeo das

accedilotildees reparatoacuterias da SAMARCO com medidas de Poder Puacuteblico como a defesa civil

bombeiros e ateacute mesmo o Exeacutercito Brasileiro impuseram um esforccedilo ineacutedito e hercuacuteleo

entre uma mineradora e autoridades puacuteblicas

Contudo aleacutem das exigecircncias de socorro imediato e material da SAMARCO e

autoridades para com as pessoas nas aacutereas atingidas em especial quanto ao

abastecimento puacuteblico de aacutegua em todos as cidades e localidades abastecidas pelo Rio

Doce a pluralidade de entes legitimados para propor accedilotildees civis puacuteblicas por danos

ambientais colocou a mineradora numa situaccedilatildeo duacutebia de ter que empenhar esforccedilos de

reparaccedilatildeo e ao mesmo tempo ter que negociar com diversas instituiccedilotildees com interesses

distintos sobre a reparaccedilatildeo do desastre ambiental como os Ministeacuterio Puacuteblicos Estaduais

e Federal Ministeacuterio Puacuteblico do Trabalho entre outros

204

FERREIRA Luiz Claudio Desastre com barragem acordou ldquomonstrordquo de poluentes no Rio Doce diz

perito Agecircncia Brasil 16 de dez de 2017 Disponiacutevel em

httpsagenciabrasilebccombrgeralnoticia2017-12desastre-com-barragem-acordou-monstro-de-

poluentes-no-rio-doce-diz-perito Acesso em 12 de set de 2020 205

OS RIOS MAIS POLUIacuteDOS DO BRASIL ABES Disponiacutevel em httpwwwabes-

mgorgbrvisualizacao-de-clippingler2082os-rios-mais-poluidos-do-brasil Acesso em 12 de set de

2020 206

LEMOS Simone Dados da ONU mostram que 15 mil pessoas morrem por doenccedilas ligadas agrave falta de

saneamento Jornal da USP 21 de jul de 2020 Disponiacutevel em httpsjornaluspbratualidadesdados-da-

onu-mostram-que-15-mil-pessoas-morrem-anualmente-por-doencas-ligadas-a-falta-de-saneamento

Acesso em 12 de set de 2020 207

II - Desastre resultado de eventos adversos naturais ou provocados pelo homem sobre um

ecossistema vulneraacutevel causando danos humanos materiais ou ambientais e consequentes prejuiacutezos

econocircmicos e sociais (DECRETO Nordm 7257 DE 4 DE AGOSTO DE 2010)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Essa questatildeo de legitimaccedilatildeo extraordinaacuteria plural deixa os responsaacuteveis por um desastre

numa situaccedilatildeo de profunda inseguranccedila juriacutedica prejudicando de sobremaneira a

velocidade e definiccedilatildeo de que medidas devem ser tomadas nos atendimentos imediatos

de um desastre

Vale destacar que a SAMARCO no periacuteodo de 30 dias apoacutes o acidente chegou a

celebrar diversos Termos de Ajustamento de Conduta com o Ministeacuterio Puacuteblico de

Minas Gerais Ministeacuterio Puacuteblico do Espiacuterito Santo Ministeacuterio Puacuteblico Federal e ateacute

Ministeacuterio Puacuteblico do Trabalho tratando de mateacuterias tais como (i) atendimento

emergencial dos moradores retirados emergencialmente do povoado de Bento

Rodrigues (ii) pagamento de auxiacutelio emergencial a pescadores do Rio Doce (iii) o

salvamento e abrigo de animais atingidos pelo rompimento da barragem e (iv) o

depoacutesito judicial de R$2 bilhotildees de reais para a execuccedilatildeo de medidas emergenciais de

reparaccedilatildeo de danos ambientais do acidente

Aleacutem da celebraccedilatildeo dessa seacuterie de termos de compromissos de forma descoordenada

entre entes puacuteblicos a SAMARCO era alvo constante de medidas de bloqueio judicial

de bens e valores financeiros algumas que impediram ateacute a Companhia em honrar

alguns termos de compromisso celebrados como foi o caso do bloqueio de 570 milhotildees

de reais para garantia de pagamento de uma discussatildeo sobre royalties da mineraccedilatildeo em

uma accedilatildeo judicial anterior ao acidente e com seguro cauccedilatildeo vigente mas natildeo aceito pelo

juiacutezo da causa208

Natildeo obstante a situaccedilatildeo sensiacutevel da SAMARCO a empresa e suas soacutecias priorizaram o

atendimento direto agraves viacutetimas e seus empregados destacando que em 20 de dezembro

de 2015 foi celebrado um acordo judicial emergencial de reparaccedilatildeo e pagamento de

todas as pessoas que foram deslocadas de suas residecircncias e que se encontravam em

situaccedilotildees de precariedade financeira e social sendo assegurado medidas de sauacutede fiacutesica

e mental para essa populaccedilatildeo e com auxiacutelios financeiros mensais ateacute a devida reparaccedilatildeo

integral que seria discutida entre as Partes

A situaccedilatildeo processual judicial da Samarco era caoacutetica e colocava em risco a proacutepria

existecircncia da empresa fato que foi observado pelas advocacias puacuteblicas e que culminou

numa accedilatildeo coordenada em dezembro daquele ano

2 SOBRE A ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA

A dimensatildeo do rompimento que atingiu uma aacuterea em dois Estados e o litoral brasileiro

num avanccedilo gradual do material lanccedilado no ambiente com o rompimento da barragem

exigiu que os entes federativos de Minas Gerais Espiacuterito Santo e Uniatildeo se articulassem

tanto nas medidas emergenciais quanto na propositura da accedilatildeo civil puacuteblica para a

reparaccedilatildeo integral dos danos provocados por esse rompimento da ordem de R$ 20

bilhotildees a serem pagos pela SAMARCO

208

Justiccedila bloqueia R$ 570 milhotildees da Samarco devidos agrave Uniatildeo Jornal O Tempo 25 de nov de 2015

Belo Horizonte Disponiacutevel em httpswwwotempocombrcidadesjustica-bloqueia-r-570-milhoes-da-

samarco-devidos-a-uniao-11174745 Acesso em 12 de set de 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

120

Em 30 de novembro de 2015 as Advocacias Puacuteblicas dos Estados de Minas Gerais e

Espiacuterito Santo e a Advocacia Geral da Uniatildeo representando tanto os entes federativos

quanto a 9 autarquias relacionadas a questotildees ambientais em face da Samarco BHP e

Vale que foram incluiacutedas nessa accedilatildeo por serem soacutecias da Samarco e caracterizadas

como poluidoras indiretas

O objetivo era utilizar os R$ 20 bilhotildees para tentar conter os impactos revitalizar a

bacia do Rio Doce e indenizar pessoas afetadas O Advogado-Geral da Uniatildeo Luiacutes

Inaacutecio Adams disse que a accedilatildeo propotildee agrave Justiccedila que qualquer valor pago pelas

mineradoras natildeo seja direcionado para os cofres da Uniatildeo ou dos estados atingidos pelo

desastre mas para um fundo que deveraacute financiar exclusivamente as accedilotildees de reparaccedilatildeo

dos danos

O valor foi calculado com base em laudos teacutecnicos elaborados por oacutergatildeos como

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovaacuteveis (Ibama)

Instituto Chico Mendes de Conservaccedilatildeo da Biodiversidade (ICMBio) e Agecircncia

Nacional de Aacuteguas (ANA) A AGU diz que a cifra ainda eacute preliminar e pode ser elevada

ao longo do processo judicial jaacute que ainda natildeo foram calculados os danos ambientais

causados pela chegada ao oceano da lama com rejeitos de mineacuterios

A ideia de que os recursos do fundo fossem depositados gradualmente com a retenccedilatildeo

judicial de um percentual do faturamento ou do lucro das empresas A medida deveria

garantir o financiamento a longo prazo das accedilotildees de revitalizaccedilatildeo da bacia jaacute que elas

devem se estender segundo as previsotildees do Ministeacuterio do Meio Ambiente por pelo

menos dez anos

Sobre essa proposta de pagamentos graduais com base no faturamento das empresas

gostaria de destacar o entendimento adequado por parte dos autores dessa accedilatildeo civil

puacuteblica quanto ao real conceito do princiacutepio denominado poluidor pagador definido

pelo artigo 225 sect2ordm em conjunto com o artigo 170 incido VI da Constituiccedilatildeo Federal

Natildeo cabe agrave responsabilidade civil ambiental criar uma condenaccedilatildeo indenizatoacuteria de

modo que o responsaacutevel pelo dano se inviabilize financeiramente A execuccedilatildeo de

medidas de restriccedilatildeo patrimonial desmedidas como pedidos bilionaacuterios de bloqueio

judicial de contas de empresas satildeo mais uacuteteis aos jornais em suas manchetes do que na

efetiva reparaccedilatildeo dos danos das viacutetimas Esses tipos de pedidos de bloqueio devem ser

analisados com base na razoabilidade e principalmente em dois quesitos (i) se haacute a

necessidade desse bloqueio e (ii) quais os efeitos para a sauacutede financeira do Reacuteu com a

execuccedilatildeo dessa ordem

Destaco esses pontos pois na accedilatildeo civil puacuteblica do caso SAMARCO as advocacias

puacuteblicas conseguiram comprovar que o bloqueio judicial pretendido natildeo afetaria a sauacutede

financeira das empresas envolvidas e que havia a necessidade da separaccedilatildeo desses

valores tendo em vista o risco de perda patrimonial decorrente de inuacutemeros processos

judiciais que vinham dilapidando as reservas financeiras das empresas Por essa razatildeo

que a accedilatildeo civil puacuteblica conseguiu uma medida liminar no dia 18 de dezembro de 2015

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

121

para apresentaccedilatildeo de garantias financeiras da ordem de 2 bilhotildees de reais e

indisponibilidade dos direitos mineraacuterios das empresas envolvidas209

Infelizmente o requerimento liminar de bloqueios judiciais milionaacuterios eacute uma praacutetica

recorrente por parte do Ministeacuterio Puacuteblico quando envolve empresas de grande porte210

e o deferimento desses pedidos precisa ser devidamente ponderado pelos juiacutezes pois

reparaccedilatildeo civil mesmo que ambiental natildeo pode ser alvo de uma vinganccedila puacuteblica ou de

um linchamento financeiro dos envolvidos que pode levar agrave proacutepria falecircncia das

empresas ampliando os danos econocircmicos e sociais provocados pelo desastre

Essa situaccedilatildeo levou a todas as partes desse processo e inclusive ao Ministeacuterio Puacuteblico

(Federal e Estaduais) a iniciarem negociaccedilotildees para uma composiccedilatildeo judicial no acircmbito

dessa accedilatildeo que derivaram para um Termo de Transaccedilatildeo e Ajustamento de Conduta

histoacuterico e assinado em 02 de marccedilo de 2016

3 SOBRE A NEGOCIACcedilAtildeO DO TERMO DE TRANSACcedilAtildeO E

AJUSTAMENTO DE CONDUTA

O processo de negociaccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Termo de Transaccedilatildeo e Ajustamento de

Conduta (ldquoTTACrdquo) era um esforccedilo ineacutedito na historia do federalismo brasileiro e na

seara judicial para a reparaccedilatildeo de danos ambientais

Infelizmente esse rompimento da barragem da SAMARCO natildeo era o primeiro caso de

desastre ambiental que atinge mais de um Estado brasileiro como jaacute havia acontecido

como o caso da Induacutestria Cataguazes no Rio Pomba em 2003 cujo rompimento da

barragem de rejeitos contaminou os Rios Pomba e Paraiacuteba do Sul no Estado do Rio de

Janeiro fato que levou o Ministeacuterio Puacuteblico Federal a processar o Estado de Minas

Gerais naquela eacutepoca211

Para as empresas mineradoras tambeacutem era um desafio ineacutedito pois houve a necessidade

de se unir as duas maiores rivais do mercado de mineacuterio de ferro mundial em prol da

sobrevivecircncia de sua empresa em comum a SAMARCO

Os Ministeacuterio Puacuteblicos Federal e Estaduais (ldquoMPrdquo) atraveacutes de suas forccedilas tarefa

tambeacutem compuseram incialmente as mesas de negociaccedilatildeo do TTAC mas natildeo houve

consenso entre as Promotorias as advocacias puacuteblicas e as empresas sobre como seria

definido o processo de reparaccedilatildeo uma vez que o MP exigia consultorias teacutecnicas

ldquoindependentes ldquo tanto para avaliar as medidas de reparaccedilatildeo quanto as atividades de

fiscalizaccedilatildeo dos entes envolvidos

209

Decisatildeo liminar nos autos do Processo 697586120154013400 em curso na 12ordf Vara Federal de Belo

Horizonte 210

Brumadinho MPF pede o bloqueio imediato de R$ 26 bilhotildees da Vale Money Report Em 26 de ago

de 2020 Disponiacutevel em httpswwwmoneyreportcombrnegociosbrumadinho-mpf-pede-o-bloqueio-

imediato-de-r-26-bilhoes-da-vale Acesso em 13 set 2020 211

Acidente de Cataguazes MP Federal propotildee accedilotildees indenizatoacuterias MPF 23 de jun de 2005

Disponiacutevel em httpwwwprrjmpfmpbrfrontpagenoticiasnoticia_104 Acesso em 13 set 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

122

Essa divergecircncia de interesses institucionais definida pela proacutepria legislaccedilatildeo coloca o

MP num papel ambiacuteguo e que prejudica muito uma negociaccedilatildeo de reparaccedilatildeo de danos

que envolve autoridades ambientais pois o Promotor precisa assegurar que a reparaccedilatildeo

seja adequada ambientalmente mesmo natildeo tendo corpo teacutecnico para esse tipo de

avaliaccedilatildeo e ao mesmo tempo cobrar das autoridades puacuteblicas mudanccedilas de processos e

controles para que casos como o ocorrido com a SAMARCO natildeo voltem a acontecer

Aleacutem dessa dubiedade institucional o Parquet tambeacutem faz a apuraccedilatildeo de

responsabilidades entre os envolvidos o que inclui desde avaliaccedilatildeo de atos de

improbidade ateacute questotildees de responsabilidade criminal fato que cria uma receio natural

dos agentes envolvidos a partilharem informaccedilotildees e terem um diaacutelogo aberto numa

mesa quando haacute promotores na mesa

Apesar dessas divergecircncias institucionais o caso SAMARCO trouxe um esforccedilo

federativo ineacutedito de assegurar uma raacutepida e efetiva reparaccedilatildeo de danos e baseado na

linha dos pedidos apresentados na accedilatildeo civil puacuteblica (Processo nordm 69758-

6120154013400)

As discussotildees foram baseadas em Brasiacutelia com reuniotildees diaacuterias realizadas na Advocacia

Geral da Uniatildeo no IBAMA e no Palaacutecio do Planalto

As negociaccedilotildees foram divididas em 4 eixos (i) programas socioambientais (ii)

programas socioeconocircmicos (iii) governanccedila e (iv) funding (obrigaccedilotildees financeiras)

Para tornar o processo mais raacutepido as reuniotildees dos eixos aconteciam simultaneamente e

ao final de cada dia era feita uma organizaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo do avanccedilo das negociaccedilotildees do

dia

As advocacias puacuteblicas ficaram responsaacuteveis pela Secretaria e redaccedilatildeo do TTAC

ficando as empresas com equipes teacutecnicas e juriacutedicas para a discussatildeo de cada uma das

260 claacuteusulas do acordo

4 SOBRE O TERMO DE TRANSACcedilAtildeO E AJUSTAMENTO DE CONDUTA

O TTAC eacute um acordo histoacuterico e uma referecircncia de concertaccedilatildeo dos envolvidos numa

trageacutedia para uma resposta raacutepida para a definiccedilatildeo de que medidas devem ser adotadas

para o reparo de um desastre com fundamentos teacutecnicos e medidas de proteccedilatildeo e

garantias para o cumprimento das medidas reparatoacuterias definidas entre empresas e

Poder Puacuteblico

Primeiramente eacute importante contextualizar que ao se tratar de desastres ambientais a

mensuraccedilatildeo dos danos provocados e a definiccedilatildeo de que medidas precisam ser feitas

evoluem ao longo do tempo conforme o desenvolvimento de estudos e pesquisas fato

que torna a composiccedilatildeo de reparaccedilatildeo de danos de um desastre num modelo de acordo-

quadro ou seja uma acordo que define a execuccedilatildeo de estudos para depois se definir

como executar as medidas reparatoacuterias

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

123

Um acordo quadro possui essa premissa de etapas de obrigaccedilotildees conforme a evoluccedilatildeo

do conhecimento dos efeitos do desastre mas tambeacutem jaacute permite a assunccedilatildeo de

obrigaccedilotildees claras com base em dados jaacute consolidados ao tempo da negociaccedilatildeo do

acordo como foi o caso da quantidade de aacuterea atingida de aacutereas de preservaccedilatildeo

permanente e suas medidas de compensaccedilatildeo

Contudo a reparaccedilatildeo de questotildees socioambientais pode exigir medidas de accedilatildeo poder

puacuteblico que precisam ser acordadas sob pena de se criar obrigaccedilotildees impossiacuteveis de se

cumprir se natildeo houver esse compromisso muacutetuo Por exemplo A Claacuteusula 161 do

TTAC prevecirc a reparaccedilatildeo a tiacutetulo compensatoacuterio de 40 mil hectares de aacutereas de

preservaccedilatildeo permanente (ldquoAPPsrdquo) na bacia hidrografica do Rio Doce ou seja natildeo eacute

possiacutevel se conseguir efetivas essa recuperaccedilatildeo de 40 mil hectares em aacutereas de terceiros

se natildeo houver o apoio e medidas pro parte das autoridades ambientais e florestais para

identificar essas aacutereas e incitar a execuccedilatildeo dessas medidas pelos fazendeiros que

possuem APPs degradadas

Por outro lado diversas medidas socioeconocircmicas jaacute podiam ser definidas com base nos

dados socioeconocircmicos que as autoridades puacuteblicas e oacutergatildeo de pesquisa jaacute possuiacuteam

para estimar os impactos dessas medidas ficando o maior desafio na seara

socioeconocircmica a identificaccedilatildeo dos reais impactados pelo desastre

Vale destacar que no caso das medidas socioeconocircmicas a clausula 18 prevecirc ldquoPara a

regular execuccedilatildeo dos PROGRAMAS SOCIOECONOcircMICOS eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo efetiva da rede puacuteblica no cumprimento de suas atribuiccedilotildees regulares

com a observacircncia de seus fluxos protocolos de atendimento e prestaccedilatildeo dos

respectivos servicos puacuteblicosrdquo e na clausula 197 ha a previsatildeo ldquoAs obrigaccedilotildees e

compromissos decorrentes dos PROGRAMAS SOCIOAMBIENTAIS e

SOCIOECONOcircMICOS executadas pela FUNDACcedilAtildeO natildeo eximem o PODER

PUacuteBLICO de suas as atribuicotildees legaisrdquo

Ou seja todas a medidas previstas no TTAC satildeo medidas complementares agraves poliacuteticas

puacuteblicas e centradas na efetiva mitigaccedilatildeo e reparaccedilatildeo de danos decorrentes do

rompimento da barragem da SAMARCO

Aleacutem da premissa adotada de estudo-reparaccedilatildeo que o acordo traz haacute um sistema de

controle e revisatildeo regulamentados com a exigecircncia de auditorias independentes e a

criaccedilatildeo de um ente federativo ineacutedito que eacute o Comitecirc Interfederativo que avalia o

cumprimento desse acordo

Aleacutem dos mecanismos de controle haacute um capiacutetulo proacuteprio para a definiccedilatildeo dos valores

financeiros a serem aportados no cumprimento das Claacuteusulas do acordo e ateacute a

solidariedade das empresas envolvidas para garantia desse TTAC Cabe aqui uma raacutepida

observaccedilatildeo sobre a manutenccedilatildeo da medida liminar do bloqueio dos direitos mineraacuterios

deferido no processo apoacutes a homologaccedilatildeo do TTAC uma vez que as garantias do

Acordo foram estabelecidas no proacuteprio acordo natildeo havendo a subsistecircncia de medidas

cautelares restritivas dos tiacutetulos mineraacuterios bloqueados em 2015

Aleacutem da questatildeo financeira cabe aqui explicar o porquecirc se optou por criar uma

Fundaccedilatildeo para a execuccedilatildeo das medidas do TTAC

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

124

5 SOBRE A FUNDACcedilAtildeO RENOVA

Inicialmente era interesse das empresas envolvidas a criaccedilatildeo de uma Organizaccedilatildeo da

Sociedade Civil de Interesse Puacuteblico (OSCIP) que eacute uma entidade privada sem fins

lucrativos criadas por particulares - com ou sem a autorizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica a fim de exercerem atividade de interesse social

Seguindo a disciplina da Lei n 97901999 regulamentada pelo Decreto n 31001999

Di Pietro (2014) conceitua Organizaccedilatildeo da Sociedade Civil de Interesse Puacuteblico

ldquoTrata-se de qualificaccedilatildeo juriacutedica dada a pessoas juriacutedicas de direito privado

sem fins lucrativos instituiacutedas por iniciativa de particulares para

desempenhar serviccedilos sociais natildeo exclusivos do Estado com incentivo e

fiscalizaccedilatildeo pelo Poder Puacuteblico mediante viacutenculo juriacutedico instituiacutedo por

meio de termo de parceriardquo

A proposta das empresas em utilizar esse ente se dava por conta dos questionamentos

por parte de entidades da sociedade civil das medidas que estavam sendo tomadas pelas

empresas mineradoras envolvidas com o rompimento da barragem e que as empresas

natildeo possuem expertise ou profissionais qualificados para esse tipo programa

Contudo a proposta de criaccedilatildeo de uma OSCIP foi convertida na criaccedilatildeo de uma

fundaccedilatildeo privada por conta de outras duas caracteriacutesticas que uma Fundaccedilatildeo privada

possui que satildeo a autonomia patrimonial e a devida fiscalizaccedilatildeo por parte do MP

Toda Fundaccedilatildeo eacute criada a partir da destinaccedilatildeo de bens e valores por parte dos seus

instituidores criando uma personalidade juriacutedica proacutepria e autonomia patrimonial que

permite que a entidade natildeo seja prejudicada por eventuais medidas judiciais de bloqueio

de patrimocircnio em face das empresas envolvidas Aleacutem disso a escritura de criaccedilatildeo da

Fundaccedilatildeo eacute um tiacutetulo executivo extrajudicial podendo ser exigido o aporte dos valores

compromissados independentemente da condiccedilatildeo financeira do instituidor Ou seja

criou-se um ente privado com uma autonomia patrimonial e operacional das empresas

mineradoras

Aleacutem dessa autonomia toda Fundaccedilatildeo eacute legalmente fiscalizada pelo MP o que permite

um adequado acompanhamento por parte de uma instituiccedilatildeo independente e com

poderes legais para poder ateacute mesmo intervir na Fundaccedilatildeo se houver desvios da

finalidade ou mau uso dos recursos empregados

Assim a despeito de criticas feitas na midia sobre eventual ldquoterceirizaccedilatildeordquo da

responsabilidade por conta do rompimento da barragem em termos legais e juriacutedicos a

criacutetica natildeo subsiste a proacutepria natureza da fundaccedilatildeo privada para fins de execuccedilatildeo das

medidas reparatoacuterias

Aleacutem dessa caracteriacutestica que permite uma plena autonomia do ente responsaacutevel pela

execuccedilatildeo das medidas reparatoacuterias sob fiscalizaccedilatildeo do MP a Fundaccedilatildeo criada possui

um oacutergatildeo interfederativo criado para acompanhar e fiscalizar o cumprimento do TTAC

ou seja criou-se um mecanismo e um sistema proacuteprio para a reparaccedilatildeo da bacia do Rio

Doce

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

125

Outra questatildeo que eacute uma criacutetica comum ao mecanismo de reparaccedilatildeo criado seria a falta

de participaccedilatildeo do impactados pelo rompimento da barragem na participaccedilatildeo das

medidas a serem adotadas pela Fundaccedilatildeo criacutetica essa que natildeo procede pois o TTAC

prevecirc na Claacuteusula 7212

na Claacuteusula 09213

e em especial na Claacuteusula 11

Entende-se como Participaccedilatildeo nos PROGRAMAS a possibilidade de os

IMPACTADOS efetivamente participarem serem ouvidos e influenciar em

todas as etapas e fases decorrentes do presente Acordo tanto na fase de

planejamento como na efetiva execuccedilatildeo dos programas e accedilotildees referidas neste

Acordo devendo tal participaccedilatildeo ser assegurada em caraacuteter coletivo seguindo

metodologias que permitam expressatildeo e participaccedilatildeo individual nos termos

deste Acordo

Aleacutem das previsotildees expressas de que impotildeem a necessidade de participaccedilatildeo dos

impactados a proacutepria organizaccedilatildeo da Fundaccedilatildeo Renova assegura a participaccedilatildeo de 5

(cinco) representantes das comunidades impactadas sendo trecircs do Estado de Minas

Gerais e dois do Estado do Espiacuterito Santo indicados pelo Comitecirc Interfederativo

O Conselho Consultivo eacute o oacutergatildeo de assessoramento da FUNDACcedilAtildeO podendo opinar

sobre planos programas e projetos e indicar propostas de soluccedilatildeo para os cenaacuterios

presentes e futuros decorrentes do caraacuteter dinacircmico dos danos causados pelo

rompimento das barragens

Assim as criacuteticas de falta de mecanismos de participaccedilatildeo dos impactados na definiccedilatildeo

dos planos e programas das medidas reparatoacuterias natildeo subsiste a uma leitura ao proacuteprio

TTAC

A Fundaccedilatildeo Renova eacute uma das maiores Fundaccedilotildees Privadas do planeta214

constituiacuteda

com um patrimocircnio da ordem de R$10 bilhotildees de reais assegurados por suas

instituidoras com cronograma de aportes por ateacute 15 anos a contar da assinatura do

acordo

A Fundaccedilatildeo Renova deve fechar o ano de 2020 com R$ 12 bilhotildees em recursos

desembolsados nas accedilotildees de reparaccedilatildeo na bacia do rio Doce desde o rompimento da

barragem de Fundatildeo em Mariana (MG) em 2015 Desse total R$ 784 bilhotildees foram

aplicados ateacute dezembro de 2019 sendo que R$ 211 bilhotildees se referem a pagamentos de

indenizaccedilotildees e auxiacutelios financeiros a cerca de 320 mil pessoas em Minas Gerais e no

Espiacuterito Santo

A utilizaccedilatildeo do mecanismo de Fundaccedilatildeo Privada para a reparaccedilatildeo de desastres eacute ineacutedita

no Direito brasileiro e ainda haacute muitos anos para podermos avaliar mas faremos alguns

destaques no proacuteximo toacutepico

212

a) a interlocuccedilatildeo e o diaacutelogo entre a FUNDACcedilAtildeO o COMITEcirc INTERFEDERATIVO e os

IMPACTADOS 213

As partes reconhecem que devem ser assegurados aos IMPACTADOS no acircmbito dos PROGRAMAS

SOCIOECONOcircMICOS Participaccedilatildeo nos PROGRAMAS PROJETOS e accedilotildees 214

Lista de ricas fundaccedilotildees de caridade - List of wealthiest charitable foundations Wikipedia Disponiacutevel

em httpsptqwewikiwikiList_of_wealthiest_charitable_foundations Acesso em 12 de set de 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

126

6 DESTAQUES DE ALGUNS PROGRAMAS DO TERMO DE

TRANSACcedilAtildeO E AJUSTAMENTO DE CONDUTA

Dentre os diversos programas previstos no TTAC gostaria de trazer agrave luz trecircs

programas (i) o Programa de Negociaccedilatildeo Coordenada (ii) Programa de manejo dos

rejeitos decorrentes do rompimento da barragem de Fundatildeo e (iii) Programa de coleta e

tratamento de esgoto e de destinaccedilatildeo de resiacuteduos soacutelidos

61 PROGRAMA DE NEGOCIACcedilAtildeO COORDENADA

O Programa de Negociaccedilatildeo Coordenada eacute um programa criado pela Fundaccedilatildeo Renova

de adesatildeo facultativa que permitiu a composiccedilatildeo amigaacutevel de reparaccedilatildeo dos danos

ocasionados buscando uma reparaccedilatildeo ceacutelere para a recomposiccedilatildeo da vida dos

impactados

Esse programa foi baseado em matrizes de danos e estimativa de valores de reparaccedilatildeo

que satildeo predefinidos e ofertados aos atingidos de forma direta aos impactados sendo

oferecido suporte juriacutedico e teacutecnico para o esclarecimento dos valores ofertados

Esse programa permitiu que a Fundaccedilatildeo Renova destinasse ateacute 31 de agosto de 2109

R$ 184 bilhatildeo em indenizaccedilotildees e auxiacutelios financeiros emergenciais para cerca de 320

mil pessoas sendo pagas mais de 264 mil pessoas por danos decorrentes da suspensatildeo

temporaacuteria por mais de 24 horas ininterruptas no abastecimento de aacutegua 9120

indenizaccedilotildees e 1905 antecipaccedilotildees de indenizaccedilatildeo em razatildeo dos danos gerais sofridos

alcanccedilando mais de 31 mil pessoas Das propostas apresentadas 986 foram aceitas

Apenas a tiacutetulo de comparaccedilatildeo a Fundaccedilatildeo Renova conseguiu em 40 meses apoacutes o

acidente indenizar mais de 264 mil pessoas por danos decorrentes da falta de aacutegua

enquanto a quantidade de accedilotildees judiciais decorrentes do acidente eacute da ordem de 70 mil

processos judiciais em curso no Estado de Minas Gerais ou seja a eficiecircncia do

programa de indenizaccedilatildeo mediada eacute inegaacutevel e um dos maiores de reparaccedilatildeo de danos

do Direito Brasileiro

62 PROGRAMA DE MANEJO DOS REJEITOS DECORRENTES DO

ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDAtildeO

Jaacute o Programa de manejo dos rejeitos decorrentes do rompimento da barragem de

Fundatildeo foi um programa baseado na premissa da avaliaccedilatildeo de custo e benefiacutecio

ambiental e econocircmico para a mensuraccedilatildeo de que medidas devem ser adotadas para a

efetiva reparaccedilatildeo da bacia do Rio Doce

Todavia a Claacuteusula 150 em seu paraacutegrafo terceiro predefiniu a obrigaccedilatildeo de dragagem

dos primeiros 400m (quatrocentos metros) do reservatoacuterio da Usina Hidreleacutetrica

Risoleta Neves ateacute 31 de dezembro de 2016 medida essa que hoje se demonstra

bastante contestaacutevel pois a remoccedilatildeo desse material imputou na necessidade de se criar

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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uma aacuterea adicional para a deposiccedilatildeo desses rejeitos ampliando a extensatildeo dos impactos

do rompimento da barragem sem um efetivo ganho ambiental com essa medida

Essa medida deveria ser revista com base na Claacuteusula 06 inciso IX que permite que

ldquoSempre que a execucao de medidas reparatorias causar impactos ambientais que

superem os benefiacutecios ambientais projetados a FUNDACcedilAtildeO proporaacute ao COMITEcirc

INTERFEDERATIVO a substituiccedilatildeo de tais medidas reparatoacuterias por medidas

compensatoacuterias economicamente equivalentes adicionais agravequelas previstas neste

Acordordquo

63 PROGRAMA DE COLETA E TRATAMENTO DE ESGOTO E DE

DESTINACcedilAtildeO DE RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS

Jaacute em relaccedilatildeo ao Programa de coleta e tratamento de esgoto e de destinaccedilatildeo de resiacuteduos

soacutelidos cabe aqui destacar que a premissa desse programa eacute assegurar a resiliecircncia dos

serviccedilos de abastecimento puacuteblico para a reduccedilatildeo da dependecircncia hiacutedrica do Rio Doce e

aprimorar os sistemas de saneamento puacuteblico que eram praticamente inexistentes na

bacia hidrograacutefica anterior ao acidente

Todavia esse programa se desvirtuou na sua execuccedilatildeo pois os valores de R$500

milhotildees previstos na Claacuteusula 169 deveriam ser um lastro financeiro para o devido

financiamento por parte do BNDES dessas medidas de financiamento que

corresponderia com a contraprestaccedilatildeo financeira exigida dos Municiacutepios conforme

consta no paraacutegrafo quarto dessa Claacuteusula e cujas estimativas de valores para

saneamento de toda a bacia hidrograacutefica era da casa do R$10 bilhotildees215

mas acabou se

tornando como custeio direto das obras pelos Municiacutepios216

7 EXPERIEcircNCIAS ADQUIRIDAS COM O CASO SAMARCO

Apoacutes atuar diretamente no caso do rompimento da barragem da SAMARCO entre os

anos de 2015 e 2019 e no caso de Brumadinho em 2019 posso dar meu testemunho

como profissional do Direito sobre as experiecircncias adquiridas nesse processo tortuoso e

de difiacutecil compreensatildeo mas que considero importante compartilhar para que erros

aprendidos natildeo se repitam e acertos confirmados sejam replicados

Por tal razatildeo posso destacar algumas experiecircncias positivas nesse processo das quais

destaco a concertaccedilatildeo interfederativa na busca de uma raacutepida resoluccedilatildeo consensual para

a reparaccedilatildeo dos danos ocorridos respeitando-se a autonomia dos impactados e

215

Recuperaccedilatildeo da Bacia do Rio Doce custaraacute bilhotildees avalia presidente de comitecirc Agecircncia Brasil 18 de

mar de 2018 Disponiacutevel em httpswwwistoedinheirocombrrecuperacao-da-bacia-do-rio-doce-

custara-bilhoes-avalia-presidente-de-comite Acesso em 12 de set de 2020 216

Municiacutepios da Bacia do Rio Doce satildeo habilitados a receber R$ 500 Milhotildees para obras de saneamento

Fundaccedilatildeo Renova 05 de abr de 2018 Disponiacutevel em

httpswwwfundacaorenovaorgnoticiamunicipios-da-bacia-do-rio-doce-sao-habilitados-a-receber-r-

500-milhoes-para-obras-de-saneamento Acesso em 12 de set de 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

128

assegurando-lhes o direito de participaccedilatildeo na elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo dos planos e

programas derivados do TTAC

Tambeacutem gostaria de destacar como experiecircncia positiva a competecircncia e empenhos dos

advogados puacuteblicos envolvidos nesse caso que foram fundamentais para uma adequada

negociaccedilatildeo e celebraccedilatildeo de um acordo complexo e abrangente num periacuteodo de 3 meses

O modelo de definiccedilatildeo de aacutereas atingidas e conceitos de impactados diretos e indiretos

foi uma opccedilatildeo teacutecnica adequada pois se buscou um criteacuterio de avaliaccedilatildeo adequado para

raacutepida identificaccedilatildeo do atingido direto que teria a sua localizaccedilatildeo de moradia ou

atividade econocircmica na aacuterea atingida pelo desastre sendo legitimado a uma reparaccedilatildeo

direta de seus danos

Jaacute os atingidos indiretos seriam as pessoas que estavam localizadas nas aacutereas atingidas

pelas lamas do rompimento mas que natildeo tiveram prejuiacutezos econocircmicos diretos e

seriam beneficiadas de forma indireta pelas medidas de reparaccedilatildeo de serviccedilos puacuteblicos

ou programas complementares a serem desenvolvidos pela Fundaccedilatildeo Renova217

Haacute mais uma experiecircncia positiva desse caso eacute a adoccedilatildeo de um programa de

indenizaccedilatildeo voluntaacuterio para com os atingidos o que permitiu uma adesatildeo de centena de

milhares de pessoas impactadas e um iacutendice da ordem de 986 de aceitaccedilatildeo das

propostas de indenizaccedilatildeo

Essa experiecircncia do programa de indenizaccedilatildeo foi utilizada pela Vale no caso do

rompimento da barragem de Brumadinho-MG em janeiro de 2019 mas com o

aprimoramento da definiccedilatildeo da matriz de danos e valores a serem ofertados serem

discutidos junto agrave Defensoria Puacuteblica do Estado de Minas Gerais fato que permitiu uma

devida assessoria juriacutedica aos impactados e mais de 3500 acordos indenizatoacuterios jaacute

celebrados218

Outra experiencia que foi aproveitada do caso Samarco no acidente de Brumadinho foi

a definiccedilatildeo dos criteacuterios para qualificaccedilatildeo das pessoas atingidas para o recebimento dos

auxiacutelios emergenciais e das doaccedilotildees emergenciais pois a celeridade na indenizaccedilatildeo das

pessoas impactadas eacute um fator primordial para uma justa reparaccedilatildeo

Ademais vale destacar que ao se tratar de reparaccedilotildees de larga escala decorrente de

desastres especialmente que demandem a remoccedilatildeo involuntaacuteria de pessoas o direito a

ser assegurado em questatildeo eacute o direto de moradia natildeo devendo o responsaacutevel se limitar a

definiccedilatildeo de proprietaacuterios dos imoacuteveis atingidos premissa essa que permite uma

flexibilidade na classificaccedilatildeo dos impactados e permite uma correta mitigaccedilatildeo dos

impactos sociais de um desastre

A reparaccedilatildeo final das viacutetimas de Bento Rodrigues soacute comeccedilou a ser resolvida de forma

definitiva em 2018 pois nesse iacutenterim a assessoria teacutecnica escolhida pela comissatildeo de

217

Vale destacar que o Coacutedigo Civil brasileiro natildeo permite a indenizabilidade por danos indiretos apenas

por danos diretos uma vez que o conceito de dano eacute o patrimocircnio juridicamente tutelado prejudicado por

outrem caso em que se verifica a reduccedilatildeo de patrimocircnio alheio e por conta de ato iliacutecito pelo responsaacutevel 218

Reparaccedilatildeo e desenvolvimento Vale SA Disponiacutevel em

httpwwwvalecombrasilPTaboutvaleservicos-para-comunidademinas-

geraisatualizacoes_brumadinhoPaginasindenizacoesaspx Acesso em 12 de set de 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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moradores indicada pelo Ministeacuterio Puacuteblico atrasou muito a entrega de seus trabalhos

natildeo permitindo que os atingidos tivessem uma avaliaccedilatildeo ldquojustardquo de seus danos

Em junho de 2018 o TTAC foi complementado por outro acordo negociado com os

Ministeacuterios Puacuteblicos Federal e Estaduais chamado TAC Governanccedila e que alterou

algumas regras de governanccedila e formas de participaccedilatildeo dos impactados contrataccedilatildeo de

assessorias teacutecnicas e criaccedilatildeo de comitecircs de atingidos mas preservou o modelo de

acordo quadro jaacute definido pelo TTAC

O TAC Governanccedila visa dar maior legitimidade agraves accedilotildees de reparaccedilatildeo acordadas

todavia ao se tratar de desastres a figura do ldquoatingidordquo eacute um sujeito juriacutedico

indeterminado219

natildeo havendo garantias que as assessorias teacutecnicas escolhidas ou

mesmo as comissotildees assegurem uma devida representatividade social por isso a

necessidade de um trabalho vigilante das Partes a fim de assegurar que esse modelo

adicional de governanccedila natildeo se desvirtue do necessaacuterio atendimento aos impactados

Assim o modelo de acordo-quadro utilizado no caso SAMARCO eacute uma referecircncia para

reparaccedilotildees de desastres permitindo a execuccedilatildeo de medidas a partir de diagnoacutesticos sem

prejuiacutezo da execuccedilatildeo de medidas emergecircncias de acordo com a severidade dos impactos

ou a fundamentalidade do direito atingido

8 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Gostaria de dedicar o presente artigo a todos os profissionais envolvidos no caso

SAMARCO e que forma fundamentais para a construccedilatildeo dessa ferramenta de resoluccedilatildeo

de conflitos de larga escala

O caso SAMARCO eacute resultado da fragilidade do sistema de fiscalizaccedilatildeo das barragens

de mineraccedilatildeo mas permitiu a construccedilatildeo de mecanismos de reparaccedilatildeo ceacutelere e efetiva

de desastres antropogecircnicos de uma forma sem precedentes no Direito brasileiro

O Termo de Transaccedilatildeo e Ajustamento de Conduta se demonstrou como um modelo

adequado para a assunccedilatildeo de responsabilidades das partes para a definiccedilatildeo de planos e

programas de reparaccedilatildeo de danos decorrentes de desastres

A Fundaccedilatildeo Renova eacute uma das maiores fundaccedilotildees do mundo e possui patrimocircnio

adequado para honrar com todas as suas obrigaccedilotildees e de forma independente da sauacutede

financeira das empresas envolvidas no rompimento da barragem

A avaliaccedilatildeo de alguns dos programas jaacute podem ser apontados como de grande ecircxito

como o caso dos programas de indenizaccedilatildeo outros tiveram suas finalidades deturpadas

e outros se comprovaram como grande erro

219

Vale destacar que o TTAC possui a definiccedilatildeo de impactados diretos e indiretos com base num conceito

econocircmico geograacutefico ou seja haacute a necessidade de demonstraccedilatildeo da localizaccedilatildeo da pessoa e sua

comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo para a sua qualificaccedilatildeo na reparaccedilatildeo No caso de Brumadinho a Vale num

primeiro momento apenas adotou o modelo geograacutefico para as indenizaccedilotildees emergenciais

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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As principais criacuteticas ao TTAC natildeo correspondem agraves regras definidas no proacuteprio

acordo especialmente quanto agrave participaccedilatildeo dos impactados e quanto ao uso de uma

fundaccedilatildeo privada na execuccedilatildeo dos estudos e programas de reparaccedilatildeo

A execuccedilatildeo dos programas estaacute prevista para os proacuteximos 15 anos e por maiores

criacuteticas que possam ser tecidas sobre a velocidade de execuccedilatildeo dessas medidas o caso

do ponto de vista juriacutedico pode ser considerado devidamente assegurado cabendo agora

o acompanhamento e fiscalizaccedilatildeo das reparaccedilotildees devidas

REFEREcircNCIAS

BRASIL Decreto nordm 7257 de 4 de agosto de 2010 Regulamenta a Medida Provisoacuteria

nordm 494 de 2 de julho de 2010 para dispor sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil -

SINDEC sobre o reconhecimento de situaccedilatildeo de emergecircncia e estado de calamidade

puacuteblica sobre as transferecircncias de recursos para accedilotildees de socorro assistecircncia agraves

viacutetimas restabelecimento de serviccedilos essenciais e reconstruccedilatildeo nas aacutereas atingidas por

desastre e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 05 de ago 2010

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2007-

20102010DecretoD7257htm Acesso em 13 de set 2020

DI PIETRO Maria Sylvia Zanella Direito administrativo 27ed Satildeo Paulo Atlas

2014

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

131

DIREITOS HUMANOS SOB A PERSPECTIVA DA EDUCACcedilAtildeO

AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

RENATO ALVES VIEIRA DE MELO

RACQUEL VALEacuteRIO MARTINS

__________________ SUMAacuteRIO _______________

1 Introduccedilatildeo 2 A natureza histoacuterica dos direitos

fundamentais 3 A natureza histoacuterica Visatildeo de

bobbio dos direitos fundamentais 4 A importacircncia

do meio ambiente para os direitos humanos 5

Antropocentrismo versus ecocentrismo 6 Educaccedilatildeo

ambiental e os direitos humanos 7 O desafio da

sustentabilidade 8 Consideraccedilotildees finais

1 INTRODUCcedilAtildeO

A insustentabilidade eacute crescente devido agrave demanda do modelo de desenvolvimento

capitalista que conduz as sociedades ao colapso global O falso bem-estar do ser

humano atrelado ao atual desenvolvimento econocircmico eacute um caminho que beneficia

pequenos grupos que ganham com o poder econocircmico e assim a questatildeo ambiental e a

busca pela sustentabilidade tem ganhado muita importacircncia no entanto natildeo podemos

somente defender a natureza devemos tambeacutem mudar o modelo de civilizaccedilatildeo que

atualmente vivemos que eacute ecologicamente insustentavel e socialmente injusto com

isso o contexto cultural ganha forccedila no desafio de transformar o comportamento e os

valores do ser humano

Nosso objetivo com o presente artigo eacute relatar a importacircncia da consciecircncia do

individuo para se alcanccedilar um novo desenvolvimento intitulado Sustentavel Com uma

metodologia qualitativa a partir de uma pesquisa bibliografica descritiva utilizaremos

como procedimento a triangulaccedilatildeo em que seratildeo combinadas duas perspectivas teoricas

para consolidar uma conclusatildeo sobre a problematica dos Direitos Humanos

Com a degradaccedilatildeo do meio ambiente e escassez de mateacuteria prima as empresas tecircm sido

forccediladas a buscarem maneiras de reduzir seus impactos ambientais com compromissos

sociais mas sem reduzir o seu crescimento econocircmico tendo como objetivo alcanccedilar

formas competitivas e sustentaacuteveis ao mesmo tempo Neste contexto consideramos

existir uma complexidade no entendimento sobre os princiacutepios do Desenvolvimento

Sustentaacutevel que surgiu a partir da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) atraveacutes do

Relatoacuterio de Brundland em 1987

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

132

A verdade eacute que o mundo estaacute sendo prejudicado pela destruiccedilatildeo e contaminaccedilatildeo

massiva dos seus bens e serviccedilos com prejuiacutezos ecoloacutegicos incontestaacuteveis e assim

crescem as causas dos problemas poacutes-modernos como o desperdiacutecio dos recursos

naturais a falta de responsabilidade e disciplina com o meio ambiente o crescimento

populacional a desregrada diferenccedila social e alienaccedilatildeo cultural exigindo urgentemente

a expansatildeo de uma nova consciecircncia para o futuro com vistas a que deixemos de lado o

imediatismo

A grande concentraccedilatildeo de pessoas nas cidades vem ocasionando seacuterios problemas na

poacutes-modernidade que compromete a sustentabilidade e dificulta obter uma melhor

qualidade de vida e o uso eficiente dos espaccedilos nos centros urbanos deste modo

devemos alterar nossos comportamentos para que as cidades se tornem sustentaacuteveis com

uma consciecircncia sobre a preservaccedilatildeo do meio ambiente

Nesse sentido os desafios das sociedades contemporacircneas para o seacuteculo XXI exigem

cidades sustentaacuteveis com indiviacuteduos conscientes sobre a reduccedilatildeo dos desperdiacutecios de

aacutegua energia e utilizaccedilatildeo de materiais renovaacuteveis e uma melhor distribuiccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

de aacutereas verdes parques e jardins para reduzir a insustentabilidade vivida nos dias de

hoje onde a relaccedilatildeo entre a accedilatildeo humana e desenvolvimento deve ser repensada porque

poderaacute definir o destino dos seres humanos e do ecossistema Terra

E a busca da sustentabilidade nas cidades envolve objetivos ambiciosos como

gerenciamento do clima urbano desenvolvimento social e o respeito ao meio ambiente

A adequaccedilatildeo dessas questotildees vai se materializando como uma das agendas

fundamentais na ldquoera do desenvolvimento sustentaacutevelrdquo (SACHS 2015)

Tal conscientizaccedilatildeo leva a maiores conquistas dos Direitos Humanos onde se evidencia

o meio ambiente protegido e preservado assim buscamos nos Objetivos do

Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) a indicaccedilatildeo concreta de um caminho para atingir

um modelo de desenvolvimento sustentaacutevel partindo do consenso estabelecido entre os

paiacuteses na Conferecircncia da Rio + 20 Necessitamos portanto estarmos envolvidos num

Movimento Global pela Cidadania e Solidariedade o qual conclama todos noacutes seres

humanos a reforccedilarmos nossas accedilotildees e parcerias em prol dos ODS compostos por

metas e indicadores para diminuir as desigualdades sociais e promover agrave inclusatildeo social

a erradicaccedilatildeo da pobreza a promoccedilatildeo da igualdade entre gecircneros e raccedilas proteccedilatildeo

ambiental a valorizaccedilatildeo da educaccedilatildeo e sauacutede assim como a promoccedilatildeo das energias

renovaacuteveis rumo a um Desenvolvimento Sustentaacutevel (Vieira de Melo amp Valeacuterio 2019)

Percebemos que atualmente muitas dessas preocupaccedilotildees aparentemente distantes

estatildeo se tornando realidade natildeo soacute para alcanccedilarmos os Objetivos de Desenvolvimento

Sustentaacutevel das Naccedilotildees Unidas mas tambeacutem para efetivar a oportunidade de quase sete

bilhotildees de pessoas tenha direito a uma vida digna o que alcanccedilaraacute uma marca de nove

bilhotildees ateacute 2050

Com uma abordagem qualitativa baseada em uma pesquisa bibliograacutefica tratamos o

tema dos Direitos Humanos relacionando-o com o Desenvolvimento Sustentaacutevel e a

proteccedilatildeo ao meio ambiente a partir da perspectiva da Educaccedilatildeo Ambiental tendo como

base as consideraccedilotildees de Vieira de Melo (2016) Antocircnio Canccedilado Trindade (1992) e

Bobbio (1992) Consideramos existir uma complexidade no entendimento sobre os

princiacutepios do Desenvolvimento Sustentaacutevel que surgiu a partir da Organizaccedilatildeo das

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Naccedilotildees Unidas (ONU) atraveacutes do Relatoacuterio de Brundland em 1987 e ganhou

amplitude com a crise ambiental e com a escala de produccedilatildeo e do consumo onde na

legislaccedilatildeo Brasileira os primeiros indiacutecios podem ser encontrados na Lei nordm 680380

art 1ordm onde se tem a compatibilizaccedilatildeo da atividade industrial com o meio ambiente e

na Lei nordm 693881 na qual foi instituiacuteda a politica Nacional de Meio Ambiente

determinando a avaliaccedilatildeo dos impactos ambientais

Justificamos a produccedilatildeo desse artigo como ponto de interligaccedilatildeo entre uma necessaacuteria

Educaccedilatildeo Ambiental e um novo desenvolvimento com avanccedilos no campo da

desigualdade social do bem-estar social e econocircmico Assim estudaremos o tema dos

Direitos Humanos com base em duas perspectivas privilegiadas a defendida por

Norberto Bobbio e a de Antocircnio Augusto Canccedilado Trindade a partir do meacutetodo de

triangulaccedilatildeo assumindo assim diferentes visotildees a respeito da pesquisa com a

combinaccedilatildeo de diferentes tipos de dados sob uma abordagem teoacuterica produzindo-se um

conhecimento que vai aleacutem do que seria possiacutevel com a adoccedilatildeo de uma uacutenica

perspectiva como nos ensina Flick (2013) 220

2 A NATUREZA HISTOacuteRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O Rumo a um Desenvolvimento Sustentaacutevel faz com que os ODS tenham metas e

indicadores para reduccedilatildeo das desigualdades sociais e promoccedilatildeo da inclusatildeo social a

erradicaccedilatildeo da pobreza promoccedilatildeo da igualdade entre gecircneros e raccedilas proteccedilatildeo

ambiental a valorizaccedilatildeo da educaccedilatildeo e sauacutede assim como a promoccedilatildeo das energias

renovaacuteveis em direccedilatildeo a um novo Desenvolvimento

Como resultado de tal cenaacuterio surgiu a preocupaccedilatildeo com a natureza devido agraves graves

consequecircncias da degradaccedilatildeo do patrimocircnio natural e global juntamente com a evoluccedilatildeo

na conquista dos Direitos Humanos As novas necessidades fizeram surgir e

desenvolver a proteccedilatildeo pelo meio ambiente que passou a ser o objeto de garantias

internacionais e nacionais como comentado por Vieira de Melo amp Valeacuterio (2019) 221

Eacute bem verdade que obtivemos alguns avanccedilos no campo da desigualdade social do

bem-estar social e econocircmico e por isso abordamos o tema dos Direitos Humanos

combinando diferentes tipos de dados sob uma abordagem teoacuterica como nos referimos

na introduccedilatildeo

Analisando a evoluccedilatildeo dos referidos direitos verifica-se que o homem possui aqueles

relativos agrave sua espeacutecie e tendo como base a visatildeo realista os direitos humanos satildeo

resultado do processo de conquista de direitos liderado pelo movimento social burguecircs

que nasceu na Era Moderna Consideramos a concepccedilatildeo de direitos humanos defendida

por Norberto Bobbio (1992) 222

de que satildeo histoacutericos e heterogecircneos e nascem

gradualmente conforme as carecircncias de cada eacutepoca tendo em consideraccedilatildeo as

limitaccedilotildees de poder as condiccedilotildees sociais e o desenvolvimento tecnoloacutegico

220

Flick U Introduccedilatildeo agrave metodologia de pesquisa Porto Alegre Penso 2013 221

Vieira de Melo RA Valeacuterio Martins R Direitos Humanos sob a perspectiva da Educaccedilatildeo Ambiental

e Sustentabilidade In Antocircnio A Canccedilado Trindade e Cesar Barros Leal (Coord) O desafio dos direitos

econocircmicos sociais e culturais ndash Cearaacute FB editora-pp 353-377 2019 222

Bobbio N A era dos direitos Trad Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Campus 1992

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

134

No entanto para Antocircnio Augusto Canccedilado Trindade (1992) 223

os direitos humanos

satildeo inerentes ao ser humano indivisiacuteveis e interdependentes e natildeo heterogecircneos

portanto complementares e natildeo incompatiacuteveis O autor natildeo faz referecircncia direta agrave teoria

do Direito Natural mas eacute possiacutevel identificar essa base filosoacutefica por traacutes de sua

afirmaccedilatildeo sobre a indivisibilidade e universalidade dos direitos humanos sendo

classificada como neopositivista pois haacute um resgate da filosofia do jusnaturalismo com

apelo positivista Bobbio e Canccedilado Trindade tecircm a preocupaccedilatildeo com efetiva proteccedilatildeo

dos direitos humanos com a afirmaccedilatildeo do seu caraacuteter universal conforme Vieira de

Melo amp Valeacuterio (2019)224

Ao analisar as diferentes caracteriacutesticas atribuiacutedas aos direitos humanos de acordo com

o posicionamento de Bobbio e Canccedilado Trindade nos deparamos com o historicismo e

a indivisibilidade respectivamente Defendemos portanto o historicismo dos direitos

humanos nos moldes em que faz Bobbio considerando a percepccedilatildeo dos direitos como

algo dinacircmico que eacute construiacutedo junto das mudanccedilas sociais

3 A NATUREZA HISTOacuteRICA VISAtildeO DE BOBBIO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS

Norberto Bobbio ao analisar a natureza juriacutedica dos direitos do homem questiona a

teoria jusnaturalista que inegavelmente contribuiu de forma essencial na formaccedilatildeo dos

direitos humanos afirmando que eles natildeo possuem um fundamento uacuteltimo absoluto

capaz de justificaacute-los Os direitos do homem mudam conforme a transformaccedilatildeo das

condiccedilotildees histoacutericas Natildeo haacute direito fundamental por natureza porque o que eacute

fundamental em determinada eacutepoca natildeo eacute em outra Direitos historicamente relativos

natildeo podem ter fundamentos absolutos

Vieira de Melo amp Valeacuterio (2019)225

com base no referido autor afirmam que os direitos

do homem satildeo uma classe de direitos heterogecircneos por isso dentro do proacuteprio rol de

direitos humanos haacute direitos incompatiacuteveis entre si Segundo Bobbio226

todo novo

direito para uma categoria de pessoas eacute limitador ou suprime um direito anterior de

outra categoria assim natildeo teriacuteamos uma justificativa vaacutelida para essas restriccedilotildees se

houvesse um fundamento absoluto

Satildeo identificadas diversas geraccedilotildees de direitos e quanto mais aumenta os poderes dos

indiviacuteduos (direitos sociais) mais diminuem as liberdades (direitos individuais) Cada

nova geraccedilatildeo de direitos vem conformar aqueles reivindicados pela anterior e por essa

razatildeo haacute sempre uma grande resistecircncia no reconhecimento dos novos direitos De

acordo com Bobbio (1992) o problema natildeo eacute justificar os direitos humanos mas

protegecirc-los

223

Canccedilado Trindade A A (editor) Derechos humanos Desarrollo Sustentable y Medio Ambiente

Human Rights Sustainable Development and the Environment Direitos Humanos Desenvolvimento

Sustentaacutevel e Meio Ambiente (Seminaacuterio de Brasiacutelia de 1992) Instituto Interamericano de Derechos

Humanos y Banco Interamericano de Desarrollo (BID) San Joseacute de Costa Rica Brasiacutelia Brasil 1992 224

Idem nota 4 225

Idem nota 4 226

Bobbio N A era dos Direitos Traduccedilatildeo Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Campus 1992

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

135

O autor aponta como soluccedilatildeo para a realizaccedilatildeo dos direitos do homem a necessidade de

o filoacutesofo do direito natildeo se isolar ao contraacuterio ele deve buscar vaacuterios fundamentos

possiacuteveis em cada caso concreto juntamente com as ciecircncias histoacutericas e sociais Eacute a

partir desses conceitos sobre os direitos humanos que houve uma evoluccedilatildeo a qual

permitiu construir a teoria das geraccedilotildees Com isso Bobbio afirma que o nascimento e o

crescimento dos direitos do homem estatildeo ligados agrave transformaccedilatildeo da sociedade o que

fica evidenciado na relaccedilatildeo do crescimento dos direitos do homem proporcionalmente

ao desenvolvimento social

Fazendo um recorrido do nascimento dos direitos do homem na Era Moderna ateacute nossos

dias passando pela Revoluccedilatildeo Industrial e a instalaccedilatildeo do Estado Social Democraacutetico

de Direito apoacutes a Segunda Guerra Mundial destacamos que na terceira geraccedilatildeo dos

direitos o indiviacuteduo eacute visto como integrante de uma coletividade humana (direitos

ambientais etc) Fala-se tambeacutem de direitos de quarta geraccedilatildeo em que o indiviacuteduo eacute

tomado como integrante da espeacutecie humana (conflitos relativos agrave engenharia geneacutetica

genomas humanos etc) O paracircmetro utilizado agora para a especificaccedilatildeo dos direitos eacute

o qualitativo e natildeo mais o meramente econocircmico ou patrimonial e a titularidade de tais

direitos eacute coletiva ou difusa e natildeo individual Movimentos sociais principalmente de

mulheres e negros mas tambeacutem de ambientalistas e consumeristas iniciaram esse

processo ao passar a exigir poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa que lhes dessem maiores

garantias de inclusatildeo e proteccedilatildeo dada sua vulnerabilidade seguindo o posicionamento

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (Vieira de Melo amp Valeacuterio 2019)

4 A IMPORTAcircNCIA DO MEIO AMBIENTE PARA OS DIREITOS

HUMANOS227

O meio ambiente nos uacuteltimos tempos ganhou extrema relevacircncia sendo tratado por toda

a comunidade internacional como algo prioritaacuterio para se atingir uma postura voltada agrave

sua preservaccedilatildeo com a preocupaccedilatildeo de assegurar uma qualidade de vida melhor para a

geraccedilatildeo presente e para as futuras geraccedilotildees pois mesmo sendo um ldquoenterdquo vivo a

proteccedilatildeo do meio ambiente somente se deu a conhecer em razatildeo da possibilidade do seu

esgotamento devido agrave exploraccedilatildeo em grande parte pela forccedila da industrializaccedilatildeo para o

progresso da sociedade capitalista Tudo isso provocou o despertar de vaacuterios oacutergatildeos

internacionais que estabeleceram diretrizes de proteccedilatildeo conservaccedilatildeo e preservaccedilatildeo de

inuacutemeras fontes de recursos naturais bem como a utilizam racional incentivando uma

profunda mudanccedila de comportamento e haacutebitos por meio do processo educativo em

todos os acircmbitos das sociedades locais regionais e globais

A Revoluccedilatildeo Industrial do seacuteculo XVIII as inovaccedilotildees tecnoloacutegicas e a acircnsia pelo

progresso em um contexto capitalista dos seacuteculos XIX e XX geraram a degradaccedilatildeo

ambiental que no seacuteculo XXI atinge iacutendices alarmantes A possiacutevel saturaccedilatildeo dos

recursos naturais e a necessidade de se repensar a relaccedilatildeo do homem com a natureza satildeo

temas centrais da atualidade econocircmica poliacutetica social e juriacutedica

227

Iacutetem constante no nosso artigo intitulado Direitos Humanos sob a perspectiva da Educaccedilatildeo Ambiental

e Sustentabilidade referenciado na nota 4

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

136

A partir da deacutecada de 1970 foi percebido pelos pesquisadores sociais que muitas das

accedilotildees humanas produziam um grande impacto sobre a natureza o que levou a alguns

especialistas considerarem a evidente perda de biodiversidade e entatildeo elaboraram

diversas concepccedilotildees metodoloacutegicas para explicar a vulnerabilidade dos sistemas

naturais

No acircmbito internacional a Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas sobre o Meio Ambiente

realizada em 1972 em Estocolmo marca o iniacutecio de uma nova era Reconhecido

internacionalmente como um direito humano o direito ambiental passa a ter um papel

importante nas relaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas sociais e juriacutedicas principalmente no que

tange a corresponsabilidade mundial da sua proteccedilatildeo

Em nova conferecircncia sobre o meio ambiente depois de vinte anos a Rio92 voltou-se a

discutir a questatildeo da proteccedilatildeo ambiental adicionando novos princiacutepios relativos ao

desenvolvimento sustentaacutevel e reforccedilando a necessidade da cooperaccedilatildeo internacional

para uma efetiva proteccedilatildeo do meio ambiente

Cauacutela (2012)228

expotildee que a consciecircncia ecoloacutegica eacute antiga sendo os indiacutegenas seus

precursores tendo surgido em 1854 com um chefe indiacutegena americano de Seattle

quando em resposta ao chefe do governo americano que desejava comprar suas terras o

chefe indiacutegena protestou escrevendo um texto no qual informava que a terra para os

indiacutegenas eacute sagrada e que ela natildeo pertence ao homem e este sim pertence agrave terra

Viera de Melo amp Valeacuterio (2019)229

chamam atenccedilatildeo para o fato de que no Brasil

mesmo sendo a cultura indiacutegena influenciada pelos colonizadores com suas tradiccedilotildees e

costumes da cultura europeia dependente do estilo vida contemporacircneo com luz

eleacutetrica aacutegua encanada televisatildeo e internet algumas tribos sobreviveram agrave colonizaccedilatildeo

do ldquohomem brancordquo e hoje tentam se adaptar a sociedade por eles construida O indio

moderno luta para manter sua heranccedila cultural e de subsistecircncia em meio agrave sociedade

capitalista atual Os antigos iacutendios mesmo vivendo agrave beira das rodovias na

biodiversidade proacutexima das cidades em terras cedidas pelo governo tentam manter-se

longe das grandes metroacutepoles e levar uma vida o mais proacuteximo possiacutevel de suas antigas

tradiccedilotildees plantando e cultivando para o seu sustento Satildeo protegidos pela Funai

(Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio) pela ONU (Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas) que satildeo

oacutergatildeos que protegem os direitos indiacutegenas conservando a sua cultura e a relaccedilatildeo com

meio ambiente e o reconhecimento de seu espaccedilo na sociedade como tambeacutem os seus

direitos humanos no plano nacional e internacional

A cultura e tradiccedilatildeo indiacutegena estatildeo diretamente relacionadas ao meio ambiente ao

cultivo e agrave subsistecircncia tendo a terra como a matildee que fornece os frutos alimenta o

povo proporcionando o bem-estar das tribos (coletividade) Afirmamos que os

indiacutegenas como defende o chefe indiacutegena americano Seattle tem uma atenccedilatildeo especial

para com o meio ambiente os ciclos climaacuteticos e as estaccedilotildees definidas pois satildeo elas

que iratildeo delimitar o melhor periacuteodo para as plantaccedilotildees e cultivo

228

Cauacutela Bleine Queiroz A lacuna entre o Direito e a Gestatildeo do ambiente os 20 anos de melodia das

Agendas 21 locais Fortaleza Premius 2012 229

Idem a nota 4

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

137

Os referidos autores salientam que em um plano nacional destaca-se a proteccedilatildeo da

cultura indigena referida no Capitulo VIII sobre a ldquoOrdem Socialrdquo da nossa

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 artigo 231 ao artigo 232

como tambeacutem a proteccedilatildeo do meio ambiente ora referida no Capiacutetulo VII artigo 225 da

Constituiccedilatildeo Federal ldquoTodos tecircm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

bem de uso comum do povo e essencial agrave sadia qualidade de vida impondo-se ao Poder

Puacuteblico e agrave coletividade o dever de defendecirc-lo e preservaacute-lo para as presentes e futuras

geraccedilotildeesrdquo (Brasil 2012 p 59) e tambeacutem no Capitulo II ldquoDos direitos e garantias

fundamentaisrdquo Artigo 5ordm LXXIII (Vieira de Melo amp Valeacuterio 2019)

A Constituiccedilatildeo Brasileira ao tratar do direito agrave vida nas disposiccedilotildees constitucionais

sobre a Ordem Social direciona a necessidade de um ambiente equilibrado

ecologicamente privilegiando a condiccedilatildeo da dignidade humana Verificamos que

muitas Constituiccedilotildees Nacionais seguiram os princiacutepios estipulados pelas convenccedilotildees e

introduziram o direito ao meio ambiente saudaacutevel no rol de direitos fundamentais dos

Estados Com isso temos na Lei nordm 680380 os princiacutepios do Desenvolvimento

Sustentaacutevel e na Lei nordm 603881 a instituiccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Meio Ambiente

(Cauacutela 2012)230

Deste modo o direito ao meio ambiente equilibrado eacute consagrado

como direito fundamental de terceira geraccedilatildeo

Vieira de Melo (2016)231

afirma que a influecircncia dos pensadores suiacuteccedilos foi fundamental

na construccedilatildeo do conhecimento sobre a consciecircncia ambiental e sua relaccedilatildeo com o

homem abrindo espaccedilo para o entendimento da ideia de desenvolvimento sustentaacutevel

que natildeo eacute nova tampouco passageira no entanto atualmente se constitui na soluccedilatildeo do

homem na terra porque a terra natildeo pertence ao homem e sim a todos os seres e aos

recursos naturais O autor faz referecircncia a Capra (2003)232

que por sua vez afirma que

os problemas atuais natildeo podem ser entendidos isoladamente porque satildeo problemas

sistecircmicos e que a escassez dos recursos e a degradaccedilatildeo do meio ambiente estatildeo ligadas

agraves grandes populaccedilotildees violando o respeito aos princiacutepios baacutesicos da ecologia que

perpassam as relaccedilotildees da existecircncia comunidades educaccedilatildeo administraccedilatildeo poliacutetica

etc Nesse contexto a Educaccedilatildeo Ambiental eacute entendida como promotora de uma

consciecircncia ambiental e uma maior relaccedilatildeo entre a sociedade e o meio ambiente como

tambeacutem uma ferramenta para possibilitar um novo desenvolvimento

Na doutrina tambeacutem natildeo se questiona a importacircncia da preservaccedilatildeo ambiental Ao

contraacuterio aponta-se para sua estreita relaccedilatildeo com o direito agrave qualidade de vida que

eleva o direito ambiental ao status de direito fundamental A partir da percepccedilatildeo do

direito ambiental como direito agrave qualidade de vida eacute que surgem as controveacutersias acerca

da ldquovidardquo que se pretende proteger Tendo como objeto de estudo a relaccedilatildeo do homem

com a natureza o direito ambiental pode ser centrado tanto na vida humana quanto na

vida sem adjetivaccedilotildees (humana ou natildeo) Os movimentos ecoloacutegicos se posicionam sob

dois diferentes prismas na defesa da dimensatildeo antropocecircntrica ou da dimensatildeo

ecocecircntrica do direito ambiental

230

Idem a nota anterior 231

Vieira de Melo R A A Contribuiccedilatildeo dos Pensadores Educacionais Suiacuteccedilos na Construccedilatildeo de uma

Educaccedilatildeo Ambiental para vencer os desafios de um Desenvolvimento Sustentaacutevel En Hernaacutendez Diacuteaz

JM(Coord) Influencias Suizas en la Educacioacuten Espantildeola e Iberoamericana Salamanca Ediciones de

Salamanca pp 347-354 2016 232

Capra F As conexotildees ocultas ciecircncia para uma vida sustentaacutevel Traduccedilatildeo Marcelo Brandatildeo Cipolla

Satildeo Paulo 3ed 2003

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

138

5 ANTROPOCENTRISMO VERSUS ECOCENTRISMO233

A visatildeo do mundo girando em torno do homem eacute o ponto central nos debates ambientais

e muito se avanccedilou no sentido da percepccedilatildeo humana e ao seu redor como parte

essencial de sua proacutepria sobrevivecircncia tem-se o meio ambiente No entanto a proteccedilatildeo

ambiental tem sido fundamental para a percepccedilatildeo do valor da natureza para o ser

humano e com isso o meio ambiente merece a sua tutela

Podemos compreender em conformidade com Vieira de Melo a relaccedilatildeo entre o homem

e o meio ambiente utilizando a antropologia assim temos na visatildeo antropocecircntrica a

relaccedilatildeo do homem com a natureza que nega o valor intriacutenseco do meio ambiente bem

como dos recursos naturais o que resulta na criaccedilatildeo de uma hierarquia na qual o ser

humano deteacutem posiccedilatildeo de superioridade acima e separada dos demais membros da

comunidade natural (2016)234

Os direitos fundamentais agrave vida agrave sauacutede e agrave qualidade de

vida satildeo fatores determinantes para os objetivos da proteccedilatildeo ambiental

Deste modo o meio ambiente soacute eacute protegido como uma consequecircncia e ateacute o limite

necessaacuterio para proteccedilatildeo do bem-estar humano Na visatildeo antropocecircntrica a utilizaccedilatildeo

do direito ambiental se sujeita a todas as outras necessidades interesses e valores da

natureza em favor daqueles relativos agrave humanidade Com isso os seres humanos seratildeo

as viacutetimas pois a exploraccedilatildeo do meio ambiente de maneira ilimitada e incondicional

prejudica toda a biosfera inclusive os seres humanos

O ecocentrismo vem de encontro agrave visatildeo antropocecircntrica e invoca na ecologia a ideia da

bioeacutetica ou seja a natureza tem valor intriacutenseco de direito proacuteprio independentemente

do seu valor para os seres humanos Assim os seres humanos satildeo moralmente

obrigados a respeitar as plantas os animais e toda a natureza que tecircm direito agrave

existecircncia e a um tratamento humano

Deste modo a natureza perde seu caraacuteter instrumental todos os seres vivos possuem

valor proacuteprio que natildeo podem ser mensurados de acordo com sua utilidade para as

aspiraccedilotildees humanas Da mesma forma a biodiversidade tambeacutem deve ser valorada por

ela mesma e natildeo como uma contribuiccedilatildeo para o bem-estar humano A plataforma da

ecologia visa agrave reestruturaccedilatildeo geral da relaccedilatildeo do homem com a natureza

redirecionando o foco que eacute tradicionalmente o ser humano para o meio ambiente

Como estrateacutegia os ecologistas pretendem o miacutenimo de intervenccedilatildeo humana nos

ecossistemas e para isso propotildeem a diminuiccedilatildeo da populaccedilatildeo mundial Essa

conceituaccedilatildeo estaacute fundamentada em uma nova forma de pensar as bases econocircmicas

sociais tecnoloacutegicas e filosoacuteficas da civilizaccedilatildeo humana e seu principal instrumental eacute

a propagaccedilatildeo da consciecircncia ecoloacutegica com a participaccedilatildeo de todos

No acircmbito econocircmico o desenvolvimento tem como base o meio ambiente e os bens e

os serviccedilos produzidos devem ser os necessaacuterios para a sociedade e o paracircmetro natildeo

deve ser a rentabilidade e a eficiecircncia econocircmica deve ser medida pelo grau de afetaccedilatildeo

233

Idem a nota 10 234

Vieira de Melo R A A busca da efetividade de direitos humanos uma anaacutelise dos objetivos do

milecircnio da cidade Aquiraz (Cearaacute Brasil) Revista de Estudos Brasilentildeos volume 3 nuacutemero 5 2ordm

semestre 2016

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

139

aos recursos naturais A produccedilatildeo local e natildeo-industrial deve substituir a produccedilatildeo

globalizada industrial e altamente poluente

No acircmbito social a teoria ecocecircntrica propotildee uma nova forma de solidariedade O ser

humano natildeo pode se colocar isolado ou superior ao meio natural que estaacute agrave sua volta Eacute

necessaacuterio que haja um sentimento de que o ser humano eacute parte do todo da biosfera e

como tal deve se portar O respeito muacutetuo entre os seres humanos deve estender-se para

abranger o respeito aos seres vivos em geral sem se falar em hierarquia A tecnologia

deve servir agrave proteccedilatildeo ambiental criando-se novas formas de reciclagem e

reaproveitamento do que eacute descartado A tecnologia natildeo deve ser um fim mas ser mero

instrumental em favor da vida Assim seu uso e posse devem ser democraacuteticos

A filosofia da ecologia profunda estaacute baseada na eacutetica ambiental que prega exatamente a

mudanccedila da perspectiva antropocecircntrica de enxergar o mundo e as relaccedilotildees dos seres

que o habitam

O filoacutesofo norueguecircs Arne Naess que criou e primeiro desenvolveu as principais

caracteriacutesticas de uma ecologia denominada profunda enumera oito princiacutepios baacutesicos

para identificaacute-la Satildeo eles

1 O bem-estar e o desenvolvimento da vida humana e natildeo humana na terra tecircm

valor em si proacuteprios (sinocircnimos valor intriacutenseco valor inerente) Este valor eacute

independente da utilidade do mundo natildeo-humano aos propoacutesitos humanos

2 A riqueza e a diversidade das formas de vida contribuem para a realizaccedilatildeo

deste valor e satildeo em si mesmos valores

3 Os homens natildeo tecircm o direito de reduzir esta riqueza e diversidade exceto para

satisfazer necessidades vitais

4 O desenvolvimento da vida e das culturas humanas eacute compatiacutevel com uma

reduccedilatildeo substancial da populaccedilatildeo humana O desenvolvimento da vida natildeo

humana exige essa reduccedilatildeo

5 A atual interferecircncia humana com o mundo natildeo-humano eacute excessiva e a

situaccedilatildeo estaacute a piorar rapidamente

6 As poliacuteticas devem ser alteradas Estas poliacuteticas afetam as estruturas

econocircmicas tecnoloacutegicas e ideoloacutegicas baacutesicas O estado das coisas daiacute

resultante seraacute profundamente diferente do presente

7 A mudanccedila ideoloacutegica eacute basicamente a de apreciar a qualidade de vida

(residindo em situaccedilotildees de valor inerente) em vez de aderir a um standard de

vida cada vez mais alto Haveraacute uma consciecircncia profunda da diferenccedila entre

grande e oacutetimo

8 Aqueles que subscrevem os pontos anteriores tecircm direta ou indiretamente a

obrigaccedilatildeo de tentar implementar as mudanccedilas necessaacuterias (1992)235

As maiores criacuteticas ao ecocentrismo profundo dizem respeito agrave afirmaccedilatildeo do valor

intriacutenseco da natureza e ao radicalismo das propostas de transformaccedilatildeo econocircmica e

social Para David Pepper a adoccedilatildeo do ambientalismo profundo levaria ao retrocesso

das comunidades primitivas tratando-se de um projeto aleacutem de inviaacutevel bastante

ingecircnuo ou na sua pior forma um projeto politicamente reacionaacuterio O problema da

235

Naess A Ecologia Profunda e estilo de vida In Terra Maior 1992

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

140

desigualdade e da miseacuteria nunca eacute realisticamente abordado apesar de sua iacutentima

ligaccedilatildeo com as questotildees ambientais (1996)236

Duas correntes mais ponderadas tomam parte no debate na tentativa de reestruturar o

que haacute de mais criticado na ecologia profunda e no antropocentrismo utilitaacuterio Satildeo elas

a ecologia superficial e o antropocentrismo fraco tambeacutem chamado de

antropocentrismo light enlightened ou natildeo-utilitaacuterio

Os ecologistas superficiais admitem que ldquoo resto da natureza pode ter valor intrinseco

mas o valor da humanidade eacute maiorrdquo Para David Pepper (1996)237

a ecologia

superficial acaba confundindo-se com a antropocecircntrica ldquoja que torna a terra um

instrumento para os fins humanosrdquo Os seres humanos satildeo reconhecidos como o uacutenico

ponto de referecircncia de valor Satildeo eles que conferem valor direitos obrigaccedilotildees e dever

moral e decidem o que deve e o que natildeo deve ser valorizado As preocupaccedilotildees dos

seres humanos devem ser resolvidas usando a natureza

A classificaccedilatildeo das correntes ambientalistas pode dar-se de diferentes maneiras a que

abordamos eacute apenas uma delas Por exemplo Michael Zimmerman (1993)238

classifica

a eacutetica ambiental em trecircs campos antropocentrismo fraco ecologia radical e

antropocentrismo reformista Segundo este autor no antropocentrismo fraco os

humanos satildeo intrinsecamente mais valiosos mas alguns seres natildeo-humanos tambeacutem

possuem seu proacuteprio valor natildeo podendo ser tratados apenas como meios para o alcance

de objetivos humanos Diferentemente o antropocentrismo reformista defende que os

seres natildeo-humanos possuem apenas valor instrumental ao homem Os problemas

ambientais natildeo estatildeo nas atitudes antropocecircntricas em relaccedilatildeo agrave natureza e sim nas

atitudes patriarcais falta consciecircncia ecoloacutegica de uso adequado dos recursos naturais

Por fim a ecologia radical pode ser identificada com os movimentos da ecologia

profunda o ecofeminismo e a ecologia social entre outros Para eles apenas uma

revoluccedilatildeo ou uma mudanccedila radical no paradigma cultural pode evitar a devastaccedilatildeo

ambiental

De maneira realmente semelhante o antropocentrismo natildeo-utilitaacuterio tambeacutem

instrumentaliza a natureza Poreacutem diferentemente da ecologia superficial ele natildeo

admite valor intriacutenseco agrave natureza O foco continua sendo o homem mas a anaacutelise

meramente utilitaacuteria de custobenefiacutecio fica superada Na verdade a introduccedilatildeo da eacutetica

no debate ecoloacutegico serve para reforccedilar o caraacuteter antropocecircntrico do ambientalismo

Apenas o homem eacute um ser moral O antropocentrismo natildeo-utilitaacuterio pretende ampliar o

coacutedigo moral para incluir as preocupaccedilotildees ambientais Segundo David Pepper ldquoos

antropocecircntricos fracos estatildeo preparados para alargar o que eacute claramente reconhecido

como um conjunto humano de atitudes morais (natildeo intriacutensecas na natureza) ao resto da

naturezardquo (1996) Ou seja o antropocentrismo fraco situa a questatildeo das atitudes em

favor da natureza tanto na sua relaccedilatildeo material com o homem pela qual o meio

ambiente deve ser preservado como forma de sustentaccedilatildeo da proacutepria vida humana

como tambeacutem na relaccedilatildeo meramente moral no desconforto que o ser humano pode

236

Pepper D Ambientalismo Moderno Coleccedilatildeo perspectiva ecoloacutegica nordm 29 Traduccedilatildeo Carla Lopes

Silva Correia Rio de Janeiro Instituto Piaget 1996 237

Idem a nota anterior 238

Zimmerman M E Callicott J B Sessions G Warren K J amp Clark J Environmental philosophy

From Animal Rights to Radical Ecology 3 1993

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

141

sentir ao se falar em tortura de animais ou pelo prazer esteacutetico de se preservar uma

bonita paisagem De qualquer forma o centro das preocupaccedilotildees eacute sempre o ser humano

Nesse sentido a proteccedilatildeo ambiental natildeo pode escapar de um miacutenimo de

antropocentrismo A humanidade pode natildeo ser o centro da biosfera mas apenas o ser

humano eacute capaz de reconhecer e respeitar a moralidade A questatildeo estaacute na inclusatildeo do

meio ambiente no coacutedigo moral gerando deveres de proteccedilatildeo ambiental como mostra a

figura 1

Figura 1 A importacircncia do Biocentrismo

Fonte googlkaNZun

Ao relacionar a proteccedilatildeo ao meio ambiente como direito humano fundamental com a

discussatildeo sobre a eacutetica ambiental parece que as posiccedilotildees mais ponderadas satildeo as mais

adequadas juridicamente no atual contexto histoacuterico A anaacutelise vem a seguir

Os direitos humanos como valores ocidentais foram concebidos sob a oacutetica

individualista liberal e serviram de base para o desenvolvimento da economia

capitalista Nesse contexto a natureza sempre foi vista como um instrumental

necessaacuterio para alcanccedilar ganhos materiais A natureza pode ser dominada e explorada

desde que se tenha em vista o benefiacutecio humano Essa eacute uma postura essencialmente

patrimonialista e utilitaacuteria De fato essa atitude gerou elevado grau de desenvolvimento

nos paiacuteses que a adotaram entretanto esse processo ocorreu com um alto custo a

degradaccedilatildeo

Assim surge o ecocentrismo sendo uma maneira de atribuir agrave natureza um valor

tornando-a significativa E o biocentrismo onde se tem o respeito agrave vida e nasce todo

comportamento humano Conforme ilustra a figura 2 a soma do antropocentrismo com

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

142

o biocentrismo tem como resultado o ecocentrismo que eacute o caminho para o

desenvolvimento sustentaacutevel

Figura 2 Desenvolvimento Sustentaacutevel

Fonte googlngYyQS

6 EDUCACcedilAtildeO AMBIENTAL E OS DIREITOS HUMANOS239

Eacute inegaacutevel a contribuiccedilatildeo da educaccedilatildeo suiacuteccedila com bases teoacutericas de cunho histoacuterico

social e filosoacutefico para compreender as questotildees que permeiam a educaccedilatildeo ambiental

tanto no Brasil como no mundo

Vieira de Melo chama atenccedilatildeo para o fato de que no Brasil no seacuteculo XX vaacuterios

educadores se destacaram especialmente apoacutes a divulgaccedilatildeo do Manifesto dos Pioneiros

da Educaccedilatildeo Nova240

de 1932 mencionando Lourenccedilo Filho (1897-1970) e Aniacutesio

Teixeira (1900- 1971) como grandes humanistas e nomes importantes da histoacuteria

pedagoacutegica brasileira (2016)241

Atualmente as ideias e experiecircncias dos autores da Escola Nova servem de fonte de

inspiraccedilatildeo pedagoacutegica na busca de rumos para nossa educaccedilatildeo e de modo inovador as

propostas pedagogicas de cidadania de Paulo Freire um educador que ldquoassumia seu

papel no mundo natildeo soacute como um mero constatador do que ocorre mas como algueacutem

239

Idem a nota 10 240

Educaccedilatildeo Nova ou ldquoEscola Novardquo termos que entre outros representam o movimento de renovaccedilatildeo do

ensino que foi especialmente forte na Europa na Ameacuterica do Norte e na primeira metade do seacuteculo XX

no Brasil tendo como os primeiros grandes inspiradores o escritor Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e

os pedagogos Heinrich Pestalozzi (1746-1827) e Freidrich Froumlebel (1782-1852) Destacando-se tambeacutem o

filoacutesofo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859- 1952) e o psicoacutelogo suiacuteccedilo Edouard Claparegravede

(1873-1940) 241

Idem a nota 17

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

143

que interveacutem como sujeitos de ocorrecircnciasrdquo (Valeacuterio 2016 p460)242

apresentam-se

atuais e substancialmente importantes para conceber o que eacute educaccedilatildeo ambiental na sua

visatildeo mais ampla compreendendo nela o desenvolvimento sustentaacutevel em prol da vida

de forma a instrumentar diferentes possibilidades de intervenccedilotildees na relaccedilatildeo sociedade-

natureza e por outro lado nos problemas e conflitos ambientais A oportunidade

portanto de uma Educaccedilatildeo Ambiental Criacutetica muito poderia contribuir para uma

mudanccedila de valores e atitudes fazendo surgir um tipo de subjetividade orientada por

sensibilidades e responsabilidades solidaacuterias com o meio social e ambiental e um

modelo para a formaccedilatildeo de indiviacuteduos e grupos sociais atuantes em relaccedilatildeo agraves questotildees

socioambientais tendo como horizonte uma eacutetica preocupada com a justiccedila ambiental

A proposta da Educaccedilatildeo Ambiental Criacutetica eacute desvendar e transformar a realidade

contribuindo na transformaccedilatildeo da sociedade atual assumindo de maneira inalienaacutevel

sua dimensatildeo poliacutetica desvencilhando-a de acordo com Guimaratildees (2004)243

de uma

postura educacional e de mundo subsidiada por um referencial paradigmaacutetico e

compromissos ideoloacutegicos que se manifestam hegemonicamente na constituiccedilatildeo da

sociedade nesse iniacutecio de seacuteculo

Tomando por exemplo o caso do Brasil o artigo 205 na Constituiccedilatildeo Federal enfoca

que a educaccedilatildeo deve visar ao pleno desenvolvimento da pessoa e ao preparo para

exercer a cidadania e a qualificaccedilatildeo profissional E no artigo 225 CF88 o meio

ambiente ganhou importacircncia de norma constitucional na qualidade de bem essencial agrave

sadia qualidade de vida para os presentes e tambeacutem para as futuras geraccedilotildees E dispotildee

que eacute direito do povo ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado e que a sua

preservaccedilatildeo eacute dever do poder puacuteblico e da coletividade Ou seja apoacutes a referida

legislaccedilatildeo entendemos que a Educaccedilatildeo Ambiental bem como a sustentabilidade satildeo

deveres e natildeo opccedilatildeo do Estado o qual deve dar exemplo para viabilizar o ambiente

sustentaacutevel na gestatildeo puacuteblica e na poliacutetica de seus atos

Na poliacutetica nacional de educaccedilatildeo ambiental em seu artigo 1˚ da Lei nordm 979599

podemos entender por educaccedilatildeo ambiental a construccedilatildeo dos valores sociais por

intermeacutedio do indiviacuteduo e da coletividade como tambeacutem conhecimentos atitudes

habilidades e competecircncias direcionadas para a conservaccedilatildeo do meio ambiente e a

obtenccedilatildeo de uma qualidade de vida sadia com sustentabilidade

Deste modo consideramos a educaccedilatildeo ambiental como uma ferramenta para obtenccedilatildeo

dos Direitos Humanos segundo Urquiza (2014)244

a educaccedilatildeo em especial nas

questotildees ambientais e humanas deve ser realizada de modo compartilhado e em

contiacutenuas capacitaccedilotildees pois o conhecimento eacute um direito e um bem de todos

afastando-se a antiga pedagogia centrada na escola Na contemporaneidade segundo

Edgar Morin (1999)245

a sociedade se tornou complexa exigindo-se entre diversos

242

Valeacuterio Martins R A Influecircncia de Pestalozzi nas pedagogias de Ceacutelestin Freinet e Paulo Freire

Utopias que nos fazem caminhar En Hernaacutendez Diacuteaz J M Influencias Suizas en la Educacioacuten Espantildeola

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1999 Scheila Pinno Oliveira Cadernos de Direito Piracicaba v 12(23) 79-89 jul dez 2012

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

144

saberes conhecimentos interdisciplinares que valorizem a vida o ambiente a cultura a

ciecircncia as diferenccedilas etc sendo a mesma um direito fundamental e humano que deve

estar sempre presente no processo educativo visando a obter nas escolas a cidadania

De acordo com Sheila Pinno Oliveira a sociedade e o poder estatal vecircm aumentando a

preocupaccedilatildeo com a proteccedilatildeo do meio ambiente considerado fundamental e esta proteccedilatildeo

pode ser vista como um meio para se obter a efetivaccedilatildeo dos direitos humanos (2012)246

A ocorrecircncia de danos ambientais viola outros direitos tambeacutem considerados

fundamentais como o direito agrave vida ao bem estar agrave sauacutede que satildeo assim como a

preservaccedilatildeo do meio ambiente reconhecidos internacionalmente A relevacircncia e

atualidade da temaacutetica satildeo consequecircncia da importacircncia que tem este tema em todo o

mundo ao mesmo tempo pelo descaso a todo momento verificamos queimadas

contaminaccedilatildeo dos cursos de aacutegua poluiccedilatildeo atmosfeacuterica devastaccedilatildeo das florestas caccedila

indiscriminada entre outras formas de agressatildeo ao meio ambiente o que nos leva a ter

uma vida cada vez com menos qualidade Com a continuidade de praacuteticas de desrespeito

e negligecircncia para com o meio a tentativa de proteccedilatildeo tornar-se-aacute ineficaz diante dos

atos de irresponsabilidade Assim a tentativa de um meio ambiente equilibrado e

protegido com o objetivo tambeacutem de recuperaccedilatildeo preservaccedilatildeo e melhorias do bem

ambiental eacute fundamental Conforme Oliveira a conscientizaccedilatildeo dessa proteccedilatildeocuidado

tem como ferramenta a educaccedilatildeo ambiental na sociedade sendo ela formal ou informal

(2012)247

Os chamados direitos humanos fundamentais de terceira geraccedilatildeo satildeo dirigidos agrave

coletividade a grupos humanos e natildeo ao indiviacuteduo em si como o direito agrave paz ao

desenvolvimento agrave qualidade de vida ao meio ambiente equilibrado entre outros no

entanto o direito a um ambiente equilibrado representa o grande desafio do seacuteculo XXI

Por serem direitos dirigidos agrave proteccedilatildeo da coletividade a preservaccedilatildeo da integridade do

meio ambiente consideramos direitos humanos por ser o anseio da sociedade por uma

vida com qualidade na contemporaneidade

Conforme expotildee Urquiza a nova concepccedilatildeo de uma educaccedilatildeo com capacitaccedilatildeo

permanente concebe que devemos compartilhar o conhecimento e que natildeo estaacute voltada

somente para o ente capacitador que deteacutem o conhecimento devemos ter a consciecircncia

do compartilhamento no qual essa perspectiva contemporacircnea chamada de

interdisciplinar valoriza os conhecimentos adquiridos na informalidade nos debates

nos foacuteruns etc Assim as accedilotildees praacuteticas do cotidiano devem ser compartilhadas e

precisam ser valorizadas (2014)248

Os dispositivos legais e argumentos discutidos atualmente subsidiam e esclarecem que a

Educaccedilatildeo em geral e especificamente a de Educaccedilatildeo de Direitos Humanos e a

Cidadania devem andar juntas na busca do respeito aos direitos humanos fundamentais

e agrave paz social

Na praacutetica interdisciplinar que integra a aacuterea de direitos humanos e educaccedilatildeo deve

acontecer a integraccedilatildeo entre professores escolas Municiacutepios ou qualquer interessado

246

Scheila Pinno Oliveira Cadernos de Direito Piracicaba v 12(23) 79-89 juldez 2012 247

Idem a nota anterior 248

Idem a nota de nuacutemero 24

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

145

nestes temas com o entendimento de que a Educaccedilatildeo Ambiental auxilia no

desenvolvimento da pessoa humana para efetivaccedilatildeo do exerciacutecio da cidadania

Evidenciamos portanto que a Educaccedilatildeo Ambiental aleacutem de sua caracteriacutestica de

transversalidade eacute uma exigecircncia e uma necessidade imperiosa para todos natildeo podendo

ficar separada dos debates quanto agraves questotildees do desenvolvimento sustentaacutevel da

ecologia e dos Direitos Humanos entre outras (Carvalho et al 2008)249

Com isso podemos constatar que a educaccedilatildeo ambiental eacute uma forma de promover uma

cultura de prevenccedilatildeo agrave degradaccedilatildeo ambiental para que a sociedade tenha consciecircncia da

atual realidade e possa refletir sobre as relaccedilotildees dos indiviacuteduos com o meio ambiente

sendo uma temaacutetica interdisciplinar necessaacuteria para obtermos um ambiente sustentaacutevel

7 O DESAFIO DA SUSTENTABILIDADE250

A sustentabilidade corresponde a um conceito que estaacute associado agrave compreensatildeo de que

o mundo natildeo eacute tatildeo grande e ilimitado como pensaacutevamos Mayor Zaragoza apud Gil

Peacuterez amp Vilches (2011)251

explica que a preocupaccedilatildeo surgida recentemente pela

preservaccedilatildeo de nosso planeta eacute indiacutecio de uma autecircntica revoluccedilatildeo das mentalidades

que apareceu em apenas uma ou duas geraccedilotildees esta metamorfose cultural cientiacutefica e

social rompe com uma antiga tradiccedilatildeo de indiferenccedila para natildeo dizer de hostilidade e

desrespeito Natildeo se trata pois de ldquoresgatarrdquo o perdido de voltar atras mas de seguir

avanccedilando para superaccedilatildeo dos persistentes obstaacuteculos

Los seres humanos estamos alterando la Tierra de forma sustancial y

creciente Entre un tercio y la mitad de la superficie terrestre ha sido

transformada por la accioacuten humana la concentracioacuten de dioacutexido de carbono

en la atmoacutesfera se ha incrementado en cerca de un 30 desde el comienzo de

la Revolucioacuten Industrial la humanidad ha fijado maacutes nitroacutegeno atmosfeacuterico

que el conjunto de todas las fuentes naturales terrestres maacutes de la mitad de

toda el agua dulce accesible esta siendo utilizada por la humanidad (hellip)

Nada ilustra maacutes claramente hasta queacute punto los seres humanos dominamos

la Tierra que el hecho de que mantener la diversidad de las especies

ldquosilvestresrdquo y el funcionamiento de los ecosistemas ldquonaturalesrdquo exigira una

creciente implicacioacuten de la humanidad (Vituosek et al apud Gil Peacuterez amp

Vilches 2011)252

Estamos diante do fenocircmeno Antropoceno253

conforme ilustra a figura 3 a seguir

Como podemos perceber a sustentabilidade se tornou uma necessidade em virtude da

249

Carvalho I C D M Gruumln M amp Trajber R (2008) Pensar o ambiente bases filosoacuteficas para a

educaccedilatildeo ambiental Brasiacutelia DF Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura 250

Idem a nota 10 251

Gil Peacuterez D amp Vilches A Revista Electroacutenica de Ensentildeanza de las Ciencias vol 10 nordm 3 394-419

2011 252

Idem nota anterior 253

Nome proposto de forma oficial agrave International Commission on Stratigraphy (ICS) em um artigo

publicado na revista GSA Today (Geological Society of America) por geoacutelogos britacircnicos que

argumentaram que o Holoceno chegou ao fim dando entrada a este outro periacuteodo do tempo geoloacutegico

consequecircncia dos efeitos da atividad humana sobre o meio ambiente global (Zalasiewicz et al apud Gil

Peacuterez amp Vilches A 2011) A transiccedilatildeo teria ocorrido devido a interferecircncia intensa e irreversiacutevel da

humanidade na natureza

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

146

inviabilidade de vivermos em um ambiente que natildeo suporta o ritmo atual de consumo e

degradaccedilatildeo Hoje todos buscam entender a sustentabilidade como uacutenico caminho capaz

de permitir a continuidade e renovaccedilatildeo do meio ambiente Assim a sustentabilidade natildeo

pode ser vista apenas como um conceito bonito pois ela jaacute passou a ser uma questatildeo de

sobrevivecircncia humana sendo um desafio central do seacuteculo XXI diante da maacute utilizaccedilatildeo

dos recursos naturais Deste modo todos necessitam reverter sua cultura e

comportamento e ir em direccedilatildeo agrave sustentabilidade porque a humanidade estaacute vivendo

um conflito insustentaacutevel

Figura 3 Fenocircmeno do antropoceno

Fonte googl3PkyJ9

A sustentabilidade do ecossistema consiste em adequar o respeito ao meio ambiente e agraves

necessidades do desenvolvimento Um dos grandes objetivos do PNUD (Plano Nacional

das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento) eacute exatamente garantir a sustentabilidade

ambiental posto que segundo as informaccedilotildees desta instituiccedilatildeo um bilhatildeo de pessoas no

planeta ainda natildeo tem acesso agrave aacutegua potaacutevel muito menos ao saneamento baacutesico dois

fatores que satildeo preponderantes para a qualidade de vida da populaccedilatildeo e fundamentais

para se atingir a sustentabilidade Um crescimento econocircmico e social deve ser obtido

considerando e respeitando o patrimocircnio natural das naccedilotildees sem no entanto perturbar

os equiliacutebrios ecoloacutegicos O contexto sustentaacutevel visa ao desenvolvimento ao

preocupar-se com a geraccedilatildeo de riquezas e com uma distribuiccedilatildeo adequada para

melhorar a qualidade de vida da populaccedilatildeo e consequentemente a qualidade ambiental

do planeta

De acordo com Hart apud Coral para alcanccedilar a sustentabilidade os maiores desafios

dos setores puacuteblico e privado eacute tentar resolver problemas como a poluiccedilatildeo a escassez de

recursos naturais e a miseacuteria no mundo (2002)254

Parece utoacutepico mas um dos

primeiros passos do mundo para traccedilar o caminho da sustentabilidade foi dado e um

dos mais importantes que foi a ECO 92 realizada no Rio de Janeiro que teve um

protocolo de intenccedilotildees e como resultado a Agenda 21 que faz constar aleacutem da

254

Coral E Modelo de Planejamento Estrateacutegico para a Sustentabilidade Empresarial Tese do Programa

de Poacutes-Graduaccedilatildeo da UFSC 2002

Os seres humanos modificaram o

Planeta com tamanha intensidade que

temos uma nova era geoloacutegica ndash O

Antropoceno

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

147

erradicaccedilatildeo da miseacuteria a formulaccedilatildeo de que os paiacuteses mais ricos e poluidores deveriam

assumir a responsabilidade pela poluiccedilatildeo pois a populaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados

soma cerca de 12 bilhotildees de pessoas sendo responsaacutevel pela maioria da poluiccedilatildeo e

recursos do planeta (Mcdevitt apud Coral 2002)255

e a degradaccedilatildeo ambiental criada

pela atividade humana eacute uma funccedilatildeo de trecircs fatores a saber o tamanho da populaccedilatildeo o

grau de consumo e a tecnologia e ainda o setor produtivo mundial o maior consumidor

dos recursos naturais e o maior responsaacutevel pela poluiccedilatildeo Todos empresas governos

etc satildeo portanto afetados pela busca por um desenvolvimento sustentaacutevel sendo tal

desenvolvimento um objetivo importante nas poliacuteticas puacuteblicas de governos e nas

estrateacutegias das organizaccedilotildees poreacutem natildeo priorizados

Tendo como base o posicionamento de Coral (2002)256

para se atingir a

sustentabilidade deve-se estabilizar a populaccedilatildeo mundial reduzir o consumo

desenvolver novas tecnologias que modifiquem a maneira atual de produzir riquezas

Pois os estudos mostram que ateacute 2025 a cada trecircs pessoas duas viveratildeo em cidades

(Hart apud Coral 2002)34 e 90 dos agrotoacutexicos utilizados na agricultura ficam no

solo e vatildeo parar nos rios e lagos (Mangretai apud Coral 2002)257

Como vemos as questotildees sociais e ambientais passam a ser evidenciadas no conceito de

sustentabilidade e as intensas crises nos planos econocircmicos poliacuteticos dos valores e da

cultura fazem repensar a preocupaccedilatildeo da sociedade com a degradaccedilatildeo ambiental como

tambeacutem exigir das empresas diretamente responsaacuteveis por essa crise ambiental e social

que consigam o seu crescimento mas mantendo um equiliacutebrio entre o setor produtivo e

a exploraccedilatildeo ambiental

Tais preocupaccedilotildees com o meio ambiente decorrem de um legiacutetimo medo da extinccedilatildeo do

ser humano e refletir sobre a possibilidade do direito a manutenccedilatildeo da vida eacute deste

modo construir uma nova economia com novas praacuteticas de respeito ao meio ambiente

infraestrutura ambiental aleacutem de tecnologias limpas empregos verdes conscientizaccedilatildeo

sensibilizaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental seguindo as novas diretrizes da ONU

Nesse vieacutes consideramos que o meio ambiente eacute um fator importante para o

desenvolvimento sustentaacutevel sendo um bem de utilizaccedilatildeo pelo homem e essencial a

uma sadia qualidade de vida tendo todos o dever de protegecirc-lo e preservaacute-lo

Conforme Eacutedis Milareacute (2005)258

de fato eacute fundamental o envolvimento do cidadatildeo no

equacionamento e na implementaccedilatildeo da poliacutetica ambiental dado que o sucesso desta

supotildee que todas as categorias da populaccedilatildeo e todas as forccedilas sociais conscientes de suas

responsabilidades contribuam para a proteccedilatildeo e melhoria do ambiente o qual afinal eacute

bem e direito de todos

No entanto para almejarmos a sustentabilidade necessitamos de um equiliacutebrio saindo

da insustentabilidade para solidariedade construindo novos valores e comportamentos

com a natureza que pressupotildee uma serie de ensinamentos complexos a exigir uma

transformaccedilatildeo nos aspectos produtivos sociais e econocircmicos

255

Idem nota anterior 256

Idem nota anterior 257

Idem nota anterior 258

Milareacute E Meio Ambiente os Direitos de Personalidade Revista de Direito Ambiental vol 37

janeiro 2005

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

148

O processo sustentaacutevel eacute um desafio constante e nesse sentido consideramos que a

ligaccedilatildeo da sustentabilidade com a preservaccedilatildeo ambiental aleacutem do respeito agrave natureza

estaacute intimamente ligada agrave cultura e agrave educaccedilatildeo ambiental de modo que ter uma vida

sustentaacutevel no seacuteculo XXI significa estar em paz consigo mesmo com a sociedade e

com o meio ambiente em que se vive sendo o reflexo do que deixaremos para as nossas

futuras geraccedilotildees

8 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desafio do seacuteculo XXI diante da maacute utilizaccedilatildeo dos recursos naturais consiste na

necessidade de transformar a cultura e ir em direccedilatildeo agrave sustentabilidade porque a

humanidade estaacute vivendo um conflito insustentaacutevel A construccedilatildeo deste novo mundo

com a reduccedilatildeo da desigualdade tem como fator preponderante a Cultura e a Educaccedilatildeo

Ambiental que auxilia no desenvolvimento da pessoa humana para efetivaccedilatildeo do

exerciacutecio da cidadania fundamental nas relaccedilotildees internacionais como respeito agrave

natureza igualdade liberdade solidariedade toleracircncia e responsabilidade pela gestatildeo

do desenvolvimento econocircmico e social

Em concordacircncia com Norberto Bobbio para quem a terceira geraccedilatildeo dos direitos tem

um enfoque com base em estrateacutegias de prevenccedilatildeo adaptaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo

internacional entre as naccedilotildees Os grandes problemas ambientais do mundo atual satildeo

globais e como tais exigem soluccedilotildees universais marcadas natildeo soacute pela solidariedade dos

ricos para com os pobres do sistema mundial senatildeo tambeacutem pela solidariedade das

geraccedilotildees presentes para com as geraccedilotildees futuras

Haacute mais de duas deacutecadas tivemos no Brasil por exemplo uma decisatildeo do STF

(Supremo Tribunal Federal) sendo relator o Ministro Celso Mello (1995) afirmando

que o direito agrave integridade do meio ambiente eacute tiacutepico de terceira geraccedilatildeo e eacute refletido

dentro do processo dos Direitos Humanos

Enquanto os direitos de primeira geraccedilatildeo realccedilam o princiacutepio da liberdade os direitos

de segunda geraccedilatildeo direitos econocircmicos sociais e culturais os direitos de terceira

geraccedilatildeo consagram o princiacutepio da solidariedade que constitui um momento no processo

de desenvolvimento expansatildeo e reconhecimentos dos Direitos Humanos Ressaltamos

que a doutrina com apoio da jurisprudecircncia e legislaccedilatildeo reconhece que o meio

ambiente deve ser tutelado de forma a natildeo se tornar inapto agrave vida Aliaacutes eacute de

preocupaccedilatildeo geral que o meio ambiente seja amplamente protegido a fim de que o

coletivo seja beneficiado

Num mundo de abundacircncia e de desigualdades crescentes a pobreza eacute natildeo soacute um

propiciador de violaccedilotildees dos Direitos Humanos ela proacutepria eacute uma violaccedilatildeo desses

direitos Nesse sentido era consenso que a agenda poacutes-2015259

deveria ser centrada nas

pessoas nas suas aspiraccedilotildees e nos seus direitos reconhecidos internacionalmente

259

Disponiacutevel em wwwunescoorgnewptbrasiliapost-2015-development-agenda Acesso em

14042018

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

149

Assim destacamos o direito de obter um ambiente equilibrado que eacute a base para um

desenvolvimento sustentaacutevel o qual nos dias de hoje eacute um tema discutido como um

direito fundamental importante ganhando extrema relevacircncia nos uacuteltimos tempos e

passando a ser tratado pela comunidade internacional como prioritaacuterio para obtermos

uma postura voltada agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e assegurar uma qualidade de vida

melhor para as futuras geraccedilotildees

A limitaccedilatildeo dos recursos ambientais que vem na contramatildeo da ganacircncia e do descaso

diante da revoluccedilatildeo dos meios de produccedilatildeo e progressos tecnoloacutegicos agregados agrave

degradaccedilatildeo do meio ambiente torna necessaacuteria a busca por uma vida mais digna e pela

eliminaccedilatildeo da pobreza e da fome o que exige um processo de transformaccedilatildeo e

harmonizaccedilatildeo da exploraccedilatildeo de recursos primando por um crescimento econocircmico

racional e eficiente baseado em novos paracircmetros econocircmicos culturais e de valores

em todo mundo criando fontes alternativas para se atingir um novo desenvolvimento

tendo a consciecircncia de que natildeo se devem esgotar os recursos naturais Estamos falando

da conduccedilatildeo a um novo tipo de desenvolvimento que leve agrave obtenccedilatildeo de um

desenvolvimento sustentaacutevel tendo como base natildeo soacute a parte econocircmica mas a

ambiental a social e a cultural

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151

VEDACcedilAtildeO AO RETROCESSO AMBIENTAL

ALICE ABREU LIMA JORGE

MARINA SOARES MARINHO

__________________ SUMAacuteRIO _______________

1 Introduccedilatildeo 2 Os direitos fundamentais como

claacuteusula peacutetrea 3 O direito ambiental como direito

fundamental 4 Vedaccedilatildeo ao retrocesso princiacutepio

impliacutecito 5 Paracircmetros para a aplicaccedilatildeo do

princiacutepio da vedaccedilao ao retrocesso 6 Conclusotildees

1 INTRODUCcedilAtildeO

Vivemos no meio ambiente Tudo ao nosso redor o integra A incorporaccedilatildeo desse

espaccedilo agraves nossas vidas eacute tatildeo elementar que frequentemente esquecemos que fazemos

parte do conjunto dos seres vivos e natildeo vivos que compotildeem o planeta Terra Natildeo

percebemos sequer que estamos respirando O pertencimento nos impede de nos

afastarmos e percebermos que existe uma ldquorelaccedilatildeo simbioticardquo entre nos e o meio

ambiente dele dependemos e em certa medida ele tambeacutem depende de noacutes

A naturalidade dessa relaccedilatildeo por vezes eacute perturbada Esses momentos satildeo mais

frequentes diante de grandes eventos Assustamo-nos com a influecircncia do homem sobre

a natureza por exemplo quando acontecem desastres ambientais Essa lembranccedila

acarreta reaccedilotildees pessoais e institucionais no sentido de responder agrave inseguranccedila que

sentimos diante desses acontecimentos Tambeacutem gera comoccedilatildeo a divulgaccedilatildeo de dados e

pesquisas que acompanham o impacto da accedilatildeo humana no meio ambiente ao longo dos

anos Nestes momentos tomamos consciecircncia dos impactos intergeracionais das nossas

accedilotildees e daqueles que habitaram o planeta antes de noacutes e de como o meio ambiente estaacute

Doutoranda e mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Poacutes-Graduada em

Direito de Empresa pelo Instituto de Educaccedilatildeo Continuada da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Minas

Gerais ndashIEC PUCMinas Advogada Soacutecia do Coimbra amp Chaves Sociedade de Advogados Doutoranda e mestre em Direito Tributaacuterio pela Universidade Federal do Estado de Minas Gerais

(UFMG) Professora do Curso Superior de Administraccedilatildeo Puacuteblica da Escola de Governo da Fundaccedilatildeo

Joatildeo Pinheiro e da Poacutes-Graduaccedilatildeo da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Minas Gerais (PUCMG)

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integrado e os danos invisiacuteveis podem ser sentidos por outras pessoas em locais muito

distantes de onde estamos

Ocorre que os desastres de agora satildeo os efeitos de accedilotildees do passado guiadas pelo

sentimento de naturalidade da existecircncia das coisas (como se elas nunca fossem acabar)

ou mesmo pela despreocupaccedilatildeo com o futuro Os impactos que no presente se verificam

foram praticados no passado Por isso muitas vezes natildeo identificamos os problemas que

precisamos enfrentar ou nos esquivamos de enfrentaacute-los porque seus resultados natildeo

seratildeo imediatos

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 (CRFB1988) natildeo eacute uma

constituiccedilatildeo com data de validade Ela jaacute atravessa um periacuteodo de vigecircncia de mais de

30 (trinta) anos e natildeo haacute indiacutecios de que seraacute abandonada Haacute como deve ser pretensatildeo

de continuidade estabilidade que as normas juriacutedicas do ordenamento brasileiro se

guiem desde a sua promulgaccedilatildeo pelos mesmos valores e princiacutepios ainda que a

definiccedilatildeo de conceitos constitucionais evolua juntamente com a evoluccedilatildeo da sociedade

A previsibilidade e a confianccedila satildeo essenciais a qualquer Estado Democraacutetico de

Direito

Entatildeo seja sob a perspectiva da intergeracionalidade da estabilidade ou evoluccedilatildeo

social satildeo incitados debates acerca da (im)possibilidade retroceder sobre determinados

comandos constitucionais No caso do Direito Ambiental a proacutepria CRFB1988

estabelece o dever de todos de preservar a qualidade do meio ambiente para as geraccedilotildees

presentes e futuras (art 225 caput) Soma-se a isso a ideia de que o nuacutecleo duro de

qualquer constituiccedilatildeo natildeo deve ser alterado sob pena de alterar-se o espiacuterito e o projeto

baacutesico constitucional Aleacutem disso argumenta-se que as conquistas para implementar o

ideal do Estado Democraacutetico de Direito natildeo podem ser abandonadas porque essa eacute uma

caminhada sempre adiante sobre a qual o Estado natildeo pode voluntariamente retroceder

Este artigo analisa a amplitude da proteccedilatildeo a direitos de terceira geraccedilatildeo mais

especificamente o direito agrave qualidade do meio ambiente Ainda analisa os argumentos

para defender que quanto a ele haveria vedaccedilatildeo ao retrocesso Por fim sugere balizas

para identificar o retrocesso

2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO CLAacuteUSULA PEacuteTREA

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil (CRFB1988) idealizada durante a

redemocratizaccedilatildeo brasileira conjugou em seu texto dois ideais frequentemente vistos

como opostos na construccedilatildeo poliacutetica de governos e Estados igualdade e liberdade

Desde seu preacircmbulo a CRFB1988 deixa claro que o Estado Democraacutetico de Direito

sera plural respeitando as individualidades de cada um consagra ldquoa igualdade e a

justiccedila como valores supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem

preconceitosrdquo

A oposiccedilatildeo entre liberdade e igualdade eacute paradoxal em geral motivada por debates

envolvendo a desigualdade e a propriedade privada Tanto liberdade quanto igualdade

podem ser analisadas por diferentes perspectivas envolvendo diferentes campos dos

relacionamentos sociais Por isso autores como John Rawls (2003) ampliam a anaacutelise

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da ldquoliberdaderdquo para tratar de ldquoliberdadesrdquo (no plural) assim como admitem que em um

contexto de garantia de igualdade subsista desigualdade de recursos [bens primaacuterios] A

igualdade para teorias desse tipo estaacute na garantia das liberdades baacutesicas a todos

(mesmo que o valor de gozo dessas liberdades seja diferente para cada cidadatildeo)

Havendo igualdade na sua promoccedilatildeo entatildeo satildeo admitidas desigualdades de bens

primaacuterios Isso porque as desigualdades tambeacutem seratildeo ocasionadas pelas decisotildees

autocircnomas que os cidadatildeos tomam no sentido viverem a sua vida de acordo com o que

acreditam Se haacute a garantia de um conjunto de liberdades baacutesicas a todos entatildeo cada um

possui o que eacute necessaacuterio para conduzir os seus atoa no sentido de alcanccedilar o que

julgam como vida boa

O breviacutessimo comentaacuterio a respeito da teoria rawlsiana nos serve apenas demonstrar

que existem teorias chamadas liberais que conciliam igualdade e liberdade justamente

com o objetivo de promover liberdade real para todos Por isso natildeo eacute desarrazoado

concluir que a Constituiccedilatildeo brasileira trilhou caminho similar Natildeo haacute incoerecircncia em

pensar igualdade e liberdade como valores complementares e fundamentalmente

necessaacuterios na garantia de um pelo outro

Basta perceber por exemplo que a nossa Constituiccedilatildeo assegura a livre iniciativa e

prevecirc tambeacutem o tratamento favorecido para as micro e pequenas empresas A

conciliaccedilatildeo de ambas as disposiccedilotildees conduz novamente agrave conclusatildeo de que se conjuga

liberdade e igualdade no nosso ordenamento juriacutedico Soacute eacute possiacutevel falar em livre

mercado (ou em livre concorrecircncia) se falarmos de um mercado aberto e permeaacutevel agrave

entrada novos agentes sem a perpetuaccedilatildeo de privileacutegios relacionados com a

desigualdade social Ou seja natildeo eacute ldquolivre mercadordquo se apenas as grandes empresas ou

os grandes grupos econocircmicos conseguem participar da competiccedilatildeo Justifica-se a

intervenccedilatildeo do Estado para assegurar a liberdade de competiccedilatildeo e natildeo haacute incoerecircncia

nisso ainda mais se considerarmos que natildeo partimos do vaacutecuo do momento zero os

privileacutegios e as desigualdades sociais foram construiacutedos e mantidos ao longo de nossa

histoacuteria Por isso sem a garantia material de igualdade eacute impossiacutevel assegurar liberdade

a todos fica impedido o acesso agraves liberdades e com isso a tomada de decisotildees

autocircnomas (como conduzir a sua atividade empresarial por exemplo)

Tambeacutem pelo valor atribuiacutedo aos direitos sociais [direitos fundamentais de segunda

geraccedilatildeo]260

percebemos que a CRFB1988 concilia liberdade e igualdade promovendo a

dignidade da pessoa humana a muito mais que as condiccedilotildees miacutenimas para sobreviver

Como explicam Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Branco Gonet os direitos de segunda

geraccedilatildeo satildeo os meios pelos quais se intenta estabelecer ldquouma liberdade real e igual para

todos mediante a accedilatildeo corretiva dos Poderes Puacuteblicosrdquo Eacute ver o comentario dos autores

sobre o assunto

[o] princiacutepio da igualdade de fato ganha realce nessa segunda geraccedilatildeo dos

direitos fundamentais a ser atendido por direitos a prestaccedilatildeo e pelo

reconhecimento de liberdades sociais ndash como a de sindicalizaccedilatildeo e o direito

de greve Os direitos de segunda geraccedilatildeo satildeo chamados de direitos sociais

natildeo porque sejam direitos de coletividades mas por se ligarem a

reivindicaccedilotildees de justiccedila social ndash na maior parte dos casos esses direitos tecircm

por titulares indiviacuteduos singularizados (MENDES BRANCO 2017 p 129 ndash

e-book)

260

Trata-se dos direitos relacionados a assistecircncia social sauacutede educaccedilatildeo trabalho lazer etc

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Aleacutem dos direitos fundamentais de segunda geraccedilatildeo a CRFB1988 ainda elenca os

chamados ldquodireitos de terceira geraccedilatildeordquo os quais protegem natildeo o individuo

particularizado mas as coletividades e os grupos Sua titularidade eacute difusacoletiva Eacute

nesse espectro que se encontra o direito agrave qualidade do meio ambiente Haacute ainda os

apontados direitos de quarta geraccedilatildeo relacionados com a tecnologia

Mais uma vez invocando Mendes e Branco a utilidadeimportacircncia de classificar os

direitos fundamentais em geraccedilotildees eacute entender os diferentes momentos em que a

demanda por esses grupos de direitos foram acolhidos por nossa ordem juriacutedica

(MENDES BRANCO 2017 p 129) Natildeo haacute relaccedilatildeo de hierarquia entre eles Ademais

embora a titularidade dos direitos de terceira geraccedilatildeo seja coletiva e natildeo individual eacute

faacutecil perceber a sua relaccedilatildeo com o indiviacuteduo e com a garantia da dignidade da pessoa

humana261

A caracteriacutestica da coletividade do direito eacute apenas relativa agrave

impossibilidade de identificar qual eacute o proveito que especificamente cada cidadatildeo tira

daquele direito a indivisibilidade

Identificar direitos fundamentais tambeacutem eacute importante para analisar a norma posta no

art 60 sectsect4ordm e 5ordm da CRFB1988 a qual estabelece as chamadas claacuteusulas peacutetreas do

nosso ordenamento juriacutedico

sect 4ordm Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir

I - a forma federativa de Estado

II - o voto direto secreto universal e perioacutedico

III - a separaccedilatildeo dos Poderes

IV - os direitos e garantias individuais

sect 5ordm A mateacuteria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por

prejudicada natildeo pode ser objeto de nova proposta na mesma sessatildeo

legislativa

A letra fria da norma faz referecircncia ao Capiacutetulo I do Tiacutetulo II da CRFB1988 que

abrange os arts 5ordm a 17 Este capiacutetulo eacute composto apenas do art 5ordm Estariam portanto

literalmente contemplados como claacuteusulas peacutetreas somente os direitos fundamentais de

primeira geraccedilatildeo Os direitos de segunda geraccedilatildeo estatildeo previstos nos art 6ordm e 7ordm

enquanto os terceira tecircm sua previsatildeo distribuiacuteda ao longo da Constituiccedilatildeo Natildeo haacute

referecircncia expressa por exemplo ao direito agrave qualidade do meio ambiente

Haacute por outro lado a previsatildeo no inc LXXIII do art 5ordm agrave legitimidade de qualquer

cidadatildeo para propor accedilatildeo popular que vise a anular ato lesivo ao ldquopatrimocircnio puacuteblico ou

de entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e

ao patrimocircnio historico e culturalrdquo Ou seja o art 5ordm assegura a proteccedilatildeo dos direitos

fundamentais coletivos indicando seus reflexos na esfera individual ao reconhecer

como legiacutetimo para a propositura da accedilatildeo qualquer cidadatildeo Fica claro que aquele

direito que impacta a todos pode ser reivindicado por todos na sua totalidade

261

Natildeo obstante essa visatildeo seja corroborada por Vieira de Andrade para quem o reconhecimento de um

direito fundamental se daacute pela sua vinculaccedilatildeo agrave dignidade da pessoa humana Joseacute Gomes Canotilho

pondera que no caso de direitos coletivosdifusos natildeo haveria essa ligaccedilatildeo clara porque ela dota de

subjetividade os direitos de terceira geraccedilatildeo (MENDES BRANCO 2017 p 131) Discordamos do

professor de Coimbra porque mesmo os direitos coletivos refletem na esfera individual e nesse sentido

vinculam-se agrave dignidade da pessoa humana

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Para aleacutem da anaacutelise da redaccedilatildeo dos dispositivos eacute igualmente relevante apresentar o

posicionamento da doutrina a respeito do tema Primeiramente eacute preciso ter em mente

que as claacuteusulas peacutetreas resguardam a imutabilidade de determinados preceitos

constitucionais Garantem que as reivindicaccedilotildees que impulsionaram o processo

constituinte continuem contempladas na estrutura do ordenamento juriacutedico que natildeo seja

abolido o seu ldquoprojeto basicordquo (MENDES BRANCO 2017 p 118) Aleacutem disso eacute

preciso estabelecer o seu alcance (como visto a literalidade da norma pode levar a uma

interpretaccedilatildeo restritiva)

No que tange ao sect4ordm Ingo Sarlet esclarece que se trata dos limites materiais ao poder de

reforma enquanto os demais paraacutegrafos abrangeriam os limites formais e

circunstanciais Para o autor fala-se em limites materiais porque ldquoconsistem em

mateacuterias que em virtude de constituiacuterem o cerne material de uma constituiccedilatildeo

representa[m] pois a sua propria identidaderdquo (SARLET In CANOTILHO et al 2013

p 2382 ndash e-book) Complementa que essas mateacuterias asseguram certa estabilidade ao

sistema juriacutedico jaacute que para serem alteradas dependeriam de uma constituiccedilatildeo nova

Especificamente com relaccedilatildeo ao inc IV esclarece que haacute forte controveacutersia doutrinaacuteria

a respeito da interpretaccedilatildeo da expressatildeo ldquodireitos e garantias fundamentaisrdquo e antecipa

que a fortes argumentos para ignorar a interpretaccedilatildeo literal do dispositivo

Em primeiro lugar destaca a insuficiecircncia do elemento gramatical no acircmbito da

hermenecircutica juriacutedica Em segundo lugar aponta que a alusatildeo a direitos e garantias

individuais restringe ldquoa condiccedilatildeo de clausula de eternidade aos lsquodireitos e garantias

individuais propriamente ditosrsquo na esteira da Lei Fundamental de Bonn e da

Constituiccedilatildeo Portuguesa (art 79 III e 290 respectivamente)rdquo (SARLET In

CANOTILHO et al 2013 p 2391 ndash e-book) De acordo com Sarlet essa

argumentaccedilatildeo delimita como clausulas peacutetreas ldquoas liberdades fundamentaisrdquo assim

entendidas aquelas que exigem prestaccedilotildees negativas do Estado vinculadas ao nuacutecleo

essencial do Direito (SARLET In CANOTILHO et al 2013 p 2391 ndash e-book) Ainda

assim estariam excluiacutedos os direitos fundamentais de segunda e terceira geraccedilatildeo Por

isso aponta a doutrina majoritaria que uma vez esses direitos comporem o ldquonuacutecleo

durordquo da CRFB1988 eles estatildeo tambeacutem devem ser protegidos pelo que prevecirc o sect4ordm

inc IV do art 60

() parece-nos correta a doutrina majoritaacuteria ao salientar que o constituinte

de 1988 conferiu o status de claacuteusulas peacutetreas aos direitos fundamentais de

primeira segunda e terceira ldquodimensatildeordquo sejam eles direitos de defesa ou

prestacionais Isto porque o sistema constitucional de proteccedilatildeo dos direitos

fundamentais cuja eficaacutecia reforccedilada se revela na aplicabilidade imediata das

normas definidoras de direitos e garantias fundamentais (art 5ordm sect 1ordm) bem

como na sua proteccedilatildeo reforccedilada quanto a accedilatildeo erosiva do constituinte-

reformador (art 60 sect 4ordm IV) caracteriza-se pela unicidade Com efeito de

uma leitura sistecircmica da Constituiccedilatildeo de 1988 natildeo se verifica hierarquia ou

destaque conferido aos direitos de defesa em detrimento dos direitos

prestacionais ou de direitos de uma dimensatildeo em prejuiacutezo das demais Ao

contraacuterio percebe-se uma fina sintonia entre o constituinte de 1988 e a tese

da indivisibilidade e a interdependecircncia das dimensotildees de direitos

fundamentais a qual vem gozando de primazia no direito internacional dos

direitos humanos (SARLET In CANOTILHO et al 2013 p 2391 ndash e-book)

Complementam Mendes e Branco

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[n]o tocante aos direitos e garantias individuais mudanccedilas que minimizem a

sua proteccedilatildeo ainda que topicamente natildeo satildeo admissiacuteveis Natildeo poderia o

constituinte derivado por exemplo contra garantia expressa no rol das

liberdades puacuteblicas permitir que para determinada conduta (e g asseacutedio

sexual) fosse possiacutevel retroagir a norma incriminante

Esses direitos e garantias individuais protegidos satildeo os enumerados no art 5ordm

da Constituiccedilatildeo e em outros dispositivos da Carta (MENDES BRANCO

217 p 122 ndash e-book)

Fica evidente portanto que a doutrina majoritaacuteria concorda com a anaacutelise de que os

direitos fundamentais natildeo apenas os de primeira geraccedilatildeo estatildeo protegidos como

claacuteusula peacutetrea porque a estabilidade da Constituiccedilatildeo depende de manter aquilo que foi

considerado como fundamental (estrutural) para a manutenccedilatildeo do Estado Democraacutetico

de Direito brasileiro

3 O DIREITO AMBIENTAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Consoante visto o direito agrave qualidade do meio ambiente eacute um direito fundamental de

terceira geraccedilatildeo Trata-se de um direito coletivodifuso e indivisiacutevel porque natildeo eacute

possiacutevel delimitar quanto do meio ambiente faz jus cada cidadatildeo Aleacutem disso a

qualidade do meio ambiente eacute um direito que apenas se materializa no todo

Aleacutem da mencionada previsatildeo de que todo cidadatildeo eacute parte legitimada para propor accedilatildeo

popular contra lesivo ao meio ambiente a Constituiccedilatildeo outorga competecircncia comum a

Uniatildeo Estados Distrito Federal (DF) e Municipios para ldquoproteger o meio ambiente e

combater a poluiccedilatildeo em qualquer de suas formasrdquo (art 23 inc VI) competecircncia

concorrente para legislar sobre proteccedilatildeo do meio ambiente e controle da poluiccedilatildeo (art

24 inc VI) competecircncia concorrente para legislar sobre responsabilidade por dano ao

meio ambiente (art 24 inc VIII) estabelece como princiacutepio orientador da ordem

econocircmica a defesa do meio ambiente ldquoinclusive mediante tratamento diferenciado

conforme o impacto ambiental dos produtos e serviccedilos e de seus processos de

elaboraccedilatildeo e prestaccedilatildeordquo (art 170 inc VI) determina que a funccedilatildeo social da propriedade

rural eacute cumprida se houver entre outros requisitos utilizaccedilatildeo adequada dos recursos

naturais disponiacuteveis e preservaccedilatildeo do meio ambiente (art 186 inc II) determina que o

Sistema Uacutenico de Sauacutede colabore na proteccedilatildeo do meio ambiente nele compreendido o

do trabalho (art 200 inc VIII) e no Capiacutetulo VI do Tiacutetulo VIII da CRFB1988 que

trata da ordem social trata especificamente do meio ambiente

CAPIacuteTULO VI

DO MEIO AMBIENTE

Art 225 Todos tecircm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

bem de uso comum do povo e essencial agrave sadia qualidade de vida impondo-

se ao Poder Puacuteblico e agrave coletividade o dever de defendecirc-lo e preservaacute-lo para

as presentes e futuras geraccedilotildees ()

O art 225 de CRFB1988 apesar da redaccedilatildeo simples engloba tudo o que foi dito sobre

os direitos fundamentais de terceira geraccedilatildeo Deixa claro a sua natureza de

indivisibilidade e de titularidade coletiva vincula-se agrave dignidade da pessoa humana por

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destacar a sua essencialidade para a sadia qualidade de vida e ressalta a necessidade da

sua estabilidade jaacute que haacute a obrigaccedilatildeo de preservaacute-lo natildeo apenas para as geraccedilotildees

presentes mas tambeacutem para as geraccedilotildees futuras

A preocupaccedilatildeo com as geraccedilotildees futuras estaacute assentada na percepccedilatildeo de que a

propriedade do meio ambiente natildeo pertence a uma geraccedilatildeo especiacutefica Essa percepccedilatildeo eacute

tranquila jaacute que a todo momento renovam-se as geraccedilotildees que habitaratildeo o planeta terra

(natildeo nascemos e morremos todos juntos) a todo momento nascem novos sujeitos de

direito que dependem do meio ambiente para simplesmente existirem Mais do que isso

a partir da noccedilatildeo de que natildeo possuiacutemos a propriedade do meio ambiente percebemos

que natildeo podemos prejudicaacute-lo de modo a reduzir as condiccedilotildees de dignidade e qualidade

de vida saudaacutevel dos demais cidadatildeos Trata-se de uma demanda da igualdade (e por

consequecircncia de liberdade)

A perspectiva da intergeracionalidade na Constituiccedilatildeo eacute particular ao direito agrave qualidade

do meio ambiente Trata-se da uacutenica utilizaccedilatildeo do termo ldquofuturas geraccedilotildeesrdquo em toda a

CRFB1988 Disso decorre que as normas que versem sobre Direito Ambiental tenham

como principal objeto o resguardo do futuro Muito do que se implementar com relaccedilatildeo

ao meio ambiente teraacute suas consequecircncias percebidas apenas no futuro (assim como os

impactos negativos das atividades degradantes e poluidoras)262

Nas palavras de

Alexandra Aragatildeo

[] aleacutem da impressionante natureza dos problemas ambientais os principais

beneficiaacuterios da legislaccedilatildeo de proteccedilatildeo do ambiente natildeo satildeo os seus

destinataacuterios o que pode conduzir a uma ingovernacircncia intoleraacutevel

Com efeito satildeo as geraccedilotildees atuais que aprovaram as leis as principais

destinataacuterias das normas ambientais que impotildeem limites agraves atividades

econocircmicas condicionamentos aos estilos de vida restriccedilotildees agraves liberdades

individuais Mas jaacute natildeo seratildeo elas as principais beneficiaacuterias dos esperados

efeitos de melhoria da qualidade de vida associados agrave melhoria da qualidade

ambiental no futuro (ARAGAtildeO Alexandra 2012 p 9)

O foco no futuro nas geraccedilotildees que ainda natildeo estatildeo aptas a exercer o seu papel de

cidadatildes e verem legitimadas as suas demandas vinculadas ao meio ambiente conduz a

uma interpretaccedilatildeo particular do instituto conhecido como ldquovedaccedilatildeo ao retrocessordquo

4 VEDACcedilAtildeO AO RETROCESSO PRINCIacutePIO IMPLIacuteCITO

O princiacutepio da proibiccedilatildeo de retrocesso social natildeo encontra previsatildeo expressa na

CRFB1988 mas dela decorre de forma impliacutecita sendo um instrumento para a

concretizaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo dos mandamentos constitucionais e para a maacutexima

eficaacutecia dos direitos fundamentais em especial daqueles que demandam atuaccedilotildees

262

Tambeacutem os direitos sociais devem ser implementados com o foco na continuidade e o seu

financiamento depende da visatildeo de futuro (SCAFF 2019 np) Todavia a argumentaccedilatildeo utilizada pelo

autor eacute muito mais fundamentada na proteccedilatildeo da famiacutelia do que na noccedilatildeo de propriedade e de

indivisibilidade desses direitos (ateacute porque natildeo eacute possiacutevel utilizar essa argumentaccedilatildeo para os direitos

fundamentais de segunda geraccedilatildeo) O que se pretende destacar eacute que embora seja possiacutevel argumentar

que a CRFB1988 protege a famiacutelia a preocupaccedilatildeo demonstrada com a qualidade do meio ambiente no

futuro permite desenvolver mais que essa justificaccedilatildeo

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positivas do Estado para a sua implementaccedilatildeo O referido princiacutepio conta com

consideraacutevel aceitaccedilatildeo na doutrina paacutetria e jaacute foi aplicado em situaccedilotildees concretas pelo

Supremo Tribunal Federal (STF)263

mas aleacutem de natildeo ser esta uma aceitaccedilatildeo unacircnime

natildeo haacute tampouco uniformidade na parametrizaccedilatildeo que lhe vem sendo concedida pelos

distintos autores que se dedicaram ao seu estudo

A vedaccedilatildeo ou proibiccedilatildeo de retrocesso social encontra fundamento na supremacia da

Constituiccedilatildeo e no princiacutepio da maacutexima da eficaacutecia dos direitos fundamentais264

Apesar

de os direitos sociais coletivos e ambientais demandarem uma atuaccedilatildeo legislativa para

viabilizar parte consideraacutevel de sua concretizaccedilatildeo e eficaacutecia as normas constitucionais

que reconhecem os referidos direitos tecircm um niacutevel miacutenimo de eficaacutecia que deve ser

respeitado pelo legislador e que o vincula natildeo apenas em uma dimensatildeo positiva (dever

de legislar para a implementaccedilatildeo do direito constitucionalmente previsto) mas tambeacutem

negativa (dever de natildeo legislar em prejuiacutezo da eficaacutecia do direito fundamental previsto

na Constituiccedilatildeo)265

Na medida em que o direcionamento dado aos Poderes Legislativo

e Executivo pela Constituiccedilatildeo eacute observado e em consequecircncia satildeo efetivados os direitos

fundamentais dentre os quais se inclui o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado

os referidos direitos se incorporam ao patrimocircnio coletivo da sociedade e individual de

cada ser humano266

e natildeo podem mais ser suprimidos sem fundamento razoaacutevel e

constitucionalmente lastreado sob pena de afronta ao proacuteprio texto constitucional que

reconhece estes direitos como fundamentais

A necessidade de atuaccedilatildeo legislativa e executiva para a concretizaccedilatildeo de direitos

fundamentais sociais coletivos e ambientais natildeo decorre de uma delegaccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo ao legislador ordinaacuterio para deliberar sobre a conveniecircncia ou natildeo desta

efetivaccedilatildeo A CRFB88 recorre agrave ediccedilatildeo futura de atos legislativos e executivos para a

efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais com vieacutes prestacional porque natildeo seria viaacutevel a

implementaccedilatildeo imediata destes como uma decorrecircncia direta do texto constitucional O

texto natildeo tem o poder de alterar a realidade e pode apenas apontar as diretrizes e

prioridades a serem observadas na execuccedilatildeo posterior das poliacuteticas puacuteblicas O fato de a

alteraccedilatildeo depender de uma atuaccedilatildeo estatal natildeo significa contudo que a eficaacutecia desses

direitos constitucionais integre o acircmbito de discricionariedade do administrador ou

mesmo do legislador ordinaacuterio e tampouco que as normas constitucionais que

263

Vide a tiacutetulo de exemplo STF ADI 4717 Relator(a) Min CAacuteRMEN LUacuteCIA Tribunal Pleno

julgado em 05042018 PROCESSO ELETROcircNICO DJe-031 DIVULG 14-02-2019 PUBLIC 15-02-

2019 ADI 5016 Relator(a) Min ALEXANDRE DE MORAES Tribunal Pleno julgado em

11102018 PROCESSO ELETROcircNICO DJe-230 DIVULG 26-10-2018 PUBLIC 29-10-2018 264

Acerca da supremacia da Constituiccedilatildeo e da maacutexima eficaacutecia dos direitos fundamentais como

fundamento do princiacutepio da vedaccedilatildeo ou proibiccedilatildeo de retrocesso vide PIOVESAN (2003) NETTO (2010

pp 227-229) e SARLET e FENSTERSEIFER (2012) NETTO (2010 pp 227-229) aponta ainda como

fundamentos para o princiacutepio da proibiccedilatildeo de retrocesso social (i) o princiacutepio da juridicidade que exige

alguma estabilidade da ordem juriacutedica (ii) o princiacutepio democraacutetico que reclama a efetivaccedilatildeo os direitos

de igualdade (iii) o princiacutepio da socialidade pelo qual o Estado deve garantir condiccedilotildees materiais de vida

digna para todo ser humano e (iv) a internacionalizaccedilatildeo dos direitos fundamentais que impotildee um dever

internacional de seu reconhecimento e efetivaccedilatildeo por todas as naccedilotildees 265

Sobre a vinculaccedilatildeo positiva e negativa do legislador aos direitos fundamentais vide NETTO (2010

pp 227-229) A vedaccedilatildeo ou proibiccedilatildeo de retrocesso seria relacionada especialmente agrave vinculaccedilatildeo negativa

do legislador aos direitos fundamentais da qual decorreria a impossibilidade de se legislar em prejuiacutezo da

efetividade desses direitos 266

ROTHENBURG (2012 p 255) afirma que o direito ambiental natildeo seria apenas um direito social mas

tambeacutem um direito fundamental individual que reuacutene tanto a dimensatildeo de direito de defesa quanto de

direito prestacional

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determinam a efetivaccedilatildeo dos referidos direitos sejam dotadas de menor forccedila coercitiva

Uma vez implementada a alteraccedilatildeo na realidade desejada e direcionada pelo

Constituinte natildeo pode mais o legislador retroceder ainda que o progresso tenha

decorrido de uma atuaccedilatildeo deste mesmo legislador

Especificamente em relaccedilatildeo agrave vedaccedilatildeo de retrocesso ambiental acrescem-se aos

fundamentos de legitimidade do referido princiacutepio a responsabilidade intergeracional267

a vinculaccedilatildeo do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado com o proacuteprio direito agrave

vida e agrave dignidade da pessoa humana268

o caraacuteter transnacional dos direitos ambientais

e consequente existecircncia de um dever de cada Estado soberano perante os demais

paiacuteses na medida em que toda a humanidade eacute afetada pelos efeitos negativos da

degradaccedilatildeo ambiental269

e o dever do Estado de defender e preservar o meio ambiente

previsto expressamente na CRFB1988270

Acerca do dever constitucional do Estado e

de toda a sociedade de defender e preservar o meio ambiente haacute previsatildeo

expressamente previsto no artigo 225 da CRFB1988271

Ademais aleacutem da previsatildeo

especiacutefica do art 225 da CRFB88 a Constituiccedilatildeo vale-se dos faz nova referecircncia agrave

conservaccedilatildeo da natureza e proteccedilatildeo do meio ambiente ao tratar da competecircncia

concorrente dos entes federados para legislar (art 24 VI)272

elenca a defesa do meio

ambiente como princiacutepio da ordem econocircmica (art 170 VI)273

e estabelece a

preservaccedilatildeo do meio ambiente como criteacuterio para que seja cumprida a funccedilatildeo social da

propriedade (art 186 II)274

ARAGAtildeO (2012 p 9) aponta ainda como fundamentos

adicionais da vedaccedilatildeo ao retrocesso ambiental (i) os princiacutepios da precauccedilatildeo e da

prevenccedilatildeo sendo o princiacutepio em tela um instrumento cabiacutevel para evitar

irreversibilidades ecoloacutegicas graves e (ii) o fato de que satildeo os mais pobres os mais

fracos e os mais vulneraacuteveis aqueles que mais fortemente sofrem os impactos da

degradaccedilatildeo ambiental

267

Nesse sentido SARLET e FENSTERSEIFER (2012) AYALA (2012) BENJAMIN (2012) 268

Nesse sentido SARLET e FENSTERSEIFER (2012) AYALA (2012) PRIEUR (2012) 269

Nesse sentido ARAGAtildeO (2012) MOLINARO (2012) ROTHENBURG (2012) ROTHENBRUG

(2012) afirma que a anaacutelise da vedaccedilatildeo ao retrocesso ambiental comporta tanto um controle de

constitucionalidade quanto de convencionalidade este uacuteltimo agrave luz dos acordos e tratados internacionais

celebrados pelo Brasil Considerando-se que os direitos ambientais tecircm natureza de direito fundamental e

que a CRFB88 atribui status supralegal aos direitos fundamentais reconhecidos em tratados

internacionais (art 5ordm sect2ordm CRFB88) este controle de convencionalidade ganha ainda mais forccedila e

relevacircncia A anaacutelise da vedaccedilatildeo ao retrocesso ambiental sob a oacutetica dos tratados internacionais natildeo seraacute

contudo o objeto deste artigo 270

Nesse sentido MOLINARO (2012) AYALA (2012) 271

Art 225 Todos tecircm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do

povo e essencial agrave sadia qualidade de vida impondo-se ao Poder Puacuteblico e agrave coletividade o dever de

defendecirc-lo e preservaacute- lo para as presentes e futuras geraccedilotildees () 272

Art 24 Compete agrave Uniatildeo aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre () VI -

florestas caccedila pesca fauna conservaccedilatildeo da natureza defesa do solo e dos recursos naturais proteccedilatildeo do

meio ambiente e controle da poluiccedilatildeo () 273

Art 170 A ordem econocircmica fundada na valorizaccedilatildeo do trabalho humano e na livre iniciativa tem

por fim assegurar a todos existecircncia digna conforme os ditames da justiccedila social observados os seguintes

princiacutepios () VI - defesa do meio ambiente inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o

impacto ambiental dos produtos e serviccedilos e de seus processos de elaboraccedilatildeo e prestaccedilatildeo () 274

Art 186 A funccedilatildeo social eacute cumprida quando a propriedade rural atende simultaneamente segundo

criteacuterios e graus de exigecircncia estabelecidos em lei aos seguintes requisitos () II - utilizaccedilatildeo adequada

dos recursos naturais disponiacuteveis e preservaccedilatildeo do meio ambiente ()

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

160

Superada a questatildeo relativa agrave existecircncia de um princiacutepio de vedaccedilatildeo do retrocesso faz-

se necessaacuteria a sua conceituaccedilatildeo e parametrizaccedilatildeo A doutrina contudo natildeo tem

uniformidade nesta parametrizaccedilatildeo

Haacute autores como BENJAMIN (2012) e MOLINARO (2012) que restringem a

aplicaccedilatildeo da vedaccedilatildeo de retrocesso ao miacutenimo ecoloacutegico constitucional (BENJAMIN

2012)275

ao nuacutecleo duro do direito (MOLINARO 2012) ROTHENBURG (2012) por

sua vez em posiccedilatildeo por noacutes compartilhada entende que a vedaccedilatildeo ao retrocesso ocupa

um ponto intermediaacuterio entre o nuacutecleo miacutenimo do direito fundamental (garantido

independentemente do princiacutepio de vedaccedilatildeo do retrocesso por ser o miacutenimo que se

exige que seja efetivado pelo Estado sob pena de inconstitucionalidade ateacute mesmo por

omissatildeo) e a maximizaccedilatildeo da eficaacutecia desse direito (situaccedilatildeo ideal desejada pela

CRFB88 mas cuja implementaccedilatildeo depende de atuaccedilotildees positivas do Estado)

ROTHENBURG (2012 p 257) afirma que ldquoo conteuacutedo miacutenimo nao se revela um limite

ao natildeo retrocesso mas ao contraacuterio o natildeo retrocesso revela-se um ampliador do

conteuacutedo miacutenimordquo A vedaccedilatildeo ao retrocesso seria para ROTHENBURG (2012 p 253)

um dever de manutenccedilatildeo de um niacutevel de concretizaccedilatildeo do direito jaacute alcanccedilado ou que se

possa razoavelmente obter

ARAGAtildeO (2012) tambeacutem trabalha com algo proacuteximo a um nuacutecleo duro do direito

ambiental (fundamental) ao tratar da vedaccedilatildeo de retrocesso na medida em que sustenta

que nos aspectos em que a proacutepria Constituiccedilatildeo trata especificamente da necessidade de

atuaccedilatildeo protetiva pelo Estado tem-se ldquovalores constitucionais suficientemente

importantes para se considerar que com a sua concretizaccedilatildeo pela via legal se

ultrapassou uma etapa que natildeo deve ser abandonada e em relaccedilatildeo agrave qual um

retrocesso configuraria uma inconstitucionalidade materialrdquo (ARAGAtildeO 2012 p 23)

Natildeo obstante ela destaca que embora o criteacuterio formal seja um balizador ele natildeo eacute

suficiente devendo ser feita sempre uma anaacutelise material do regime legal para se

verificar os casos em que se estaacute diante de progresso ambiental relevante o que indica

um provaacutevel entendimento de que a vedaccedilatildeo de retrocesso natildeo seria restrita ao nuacutecleo

duro do direito

O princiacutepio da vedaccedilatildeo ao retrocesso como apontado acima tem fundamento na

supremacia da Constituiccedilatildeo e na maacutexima eficaacutecia dos direitos fundamentais assim

como especificamente em sede ambiental na responsabilidade intergeracional no

direito agrave vida e dignidade da pessoa humana no caraacuteter transnacional dos direitos

ambientais e no dever do Estado de defender e preservar o meio ambiente previsto

expressamente na CRFB1988

O acircmbito de aplicaccedilatildeo deste princiacutepio por sua vez encontra-se em um ponto

intermediaacuterio entre o nuacutecleo miacutenimo de eficaacutecia do direito fundamental (niacutevel de

eficaacutecia para o qual o princiacutepio da vedaccedilatildeo de retrocesso natildeo eacute necessaacuterio ou pertinente

na medida em que o dever de efetivaccedilatildeo do direito neste niacutevel miacutenimo eacute uma exigecircncia

que independe do fato de que o legislador jaacute ter feito ou natildeo preacutevios avanccedilos nessa

direccedilatildeo sendo a sua natildeo efetivaccedilatildeo hipoacutetese apta a caracterizar inconstitucionalidade

por omissatildeo) e a sua maacutexima eficaacutecia (situaccedilatildeo ideal para a qual se deve caminhar mas

275

BENJAMIN (2012 p 65) aponta como miacutenimo ecoloacutegico constitucional no Direito brasileiro os

processos ecoloacutegicos essenciais a diversidade e integridade geneacutetica e a natildeo extinccedilatildeo de espeacutecies (art

225 sect1ordm I II e VII)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

161

que pode ainda natildeo ter sido alcanccedilada pela inviabilidade cientiacutefica econocircmica ou

material)

5 PARAcircMETROS PARA A APLICACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DA VEDACcedilAtildeO AO

RETROCESSO

NETTO (2010 pp 231-232) sustenta que para que o retrocesso social possa ser

constitucionalmente tolerado a medida deve ser racionalmente fundamentada

demonstrando-se (i) respeito ao nuacutecleo essencial do direito que estaacute sendo atingido pelo

retrocesso (ii) adequaccedilatildeo das medidas para os fins legiacutetimos que lhe sirvam de

justificativa (iii) necessidade da medida adotada e impossibilidade de sua substituiccedilatildeo

por outra menos gravosa (iv) razoabilidade da restriccedilatildeo imposta ao direito fundamental

em cotejo com os benefiacutecios em favor do fim legiacutetimo que se busca resguardar com a

medida (v) conformidade com o princiacutepio da igualdade (vi) respeito agrave seguranccedila

juriacutedica e agrave proteccedilatildeo da confianccedila (vii) aproveitamento pleno e otimizado dos recursos

disponiacuteveis e (viii) observacircncia da participaccedilatildeo social da definiccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas

ARAGAtildeO (2012) por sua vez afirma que o retrocesso ambiental pode ser admitido por

alteraccedilotildees nas circunstacircncias faacuteticas ou sociais que tornem a proteccedilatildeo desnecessaacuteria ou

menos relevante ou por razotildees econocircmicas Especialmente nos casos em que o

retrocesso decorre de razotildees econocircmicas ela aponta as seguintes condiccedilotildees para a

admissibilidade do retrocesso (ARAGAtildeO 2012 pp 31-33) (i) o retrocesso deve ser

temporaacuterio ainda que tenha que ser periodicamente renovado (sempre de forma

justificada) (ii) natildeo deve haver a aniquilaccedilatildeo do bem ambiental cuja proteccedilatildeo estaacute

sendo reduzida (o retrocesso natildeo deve ser definitivo como se tem no caso de extinccedilatildeo

de espeacutecies assoreamento de rios etc) e (iii) o retrocesso deve ser necessaacuterio para

salvaguardar valores de mesma relevacircncia Outros direitos de igual status Na hipoacutetese

de efeitos ambientais graves ou irreversiacuteveis ARAGAtildeO (2012 p 32) sustenta que o

retrocesso somente seria admissivel em caso de ldquoestado de necessidaderdquo

As principais objeccedilotildees agrave aplicaccedilatildeo do princiacutepio da vedaccedilatildeo ao retrocesso como

fundamento para o controle judicial de atos administrativos ou legislativos que reduzem

ou afastam medidas anteriormente implementadas para a concretizaccedilatildeo de direitos

sociais satildeo conforme pontua NETTO (2010 pp 229-230) (i) os princiacutepios

democraacutetico e da separaccedilatildeo de poderes (ii) a hierarquia das normas (iii) a necessidade

de se conferir a eficaacutecia a todo o sistema de direitos fundamentais e natildeo apenas a algum

direito especiacutefico e (iv) a reserva do possiacutevel O enfrentamento das referidas objeccedilotildees

contudo relaciona-se mais agrave parametrizaccedilatildeo e aos limites do princiacutepio da vedaccedilatildeo ou

proibiccedilatildeo do retrocesso do que ao reconhecimento da existecircncia e aplicabilidade do

referido princiacutepio

O desrespeito ao princiacutepio democraacutetico agrave separaccedilatildeo dos poderes e agrave hierarquia das

normas natildeo eacute decorrecircncia necessaacuteria da admissatildeo do princiacutepio da vedaccedilatildeo ao retrocesso

mas um efeito da inadequada aplicaccedilatildeo do referido princiacutepio de sua aplicaccedilatildeo com uma

amplitude tal que viabilize a ingerecircncia judicial na definiccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e na

realizaccedilatildeo de eventuais escolhas ainda que traacutegicas que sejam exigidas dos

representantes democraacuteticos da populaccedilatildeo Se o princiacutepio da vedaccedilatildeo de retrocesso

social inclusive ambiental for aplicado apenas agraves situaccedilotildees nas quais a atuaccedilatildeo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

162

legislativa afronta de forma niacutetida e injustificada a efetividade de um direito

constitucionalmente reconhecido natildeo haacute violaccedilatildeo ao princiacutepio democraacutetico agrave separaccedilatildeo

de poderes ou agrave hierarquia de normas mas sim a sua adequada aplicaccedilatildeo O Estado

Democraacutetico de Direito impotildee a observacircncia da Constituiccedilatildeo que eacute hierarquicamente

superior agrave legislaccedilatildeo ordinaacuteria que concretiza os seus mandamentos Natildeo obstante se o

princiacutepio da vedaccedilatildeo de retrocesso for aplicado de forma irrestrita e como instrumento

para que o Poder Judiciaacuterio usurpe a competecircncia legislativa e executiva para as

decisotildees de conveniecircncia e oportunidade especialmente nos casos em que os recursos

disponiacuteveis natildeo forem suficientes para garantir a efetividade de todos os direitos

fundamentais reconhecidos pela CRFB1988 ter-se-aacute entatildeo nesta circunstacircncia afronta

ao princiacutepio democraacutetico e agrave separaccedilatildeo de poderes276

A necessidade de se conferir eficaacutecia a todo o sistema de direitos fundamentais e natildeo

apenas a algum direito especiacutefico por sua vez refere-se aos criteacuterios a serem

observados para a afericcedilatildeo da existecircncia (ou natildeo) de efetivo retrocesso no caso concreto

Se um determinado direito fundamental eacute prejudicado para viabilizar maior efetividade

a outro de mesmo status natildeo haveria necessariamente violaccedilatildeo ao princiacutepio de vedaccedilatildeo

de retrocesso desde que o nuacutecleo essencial do direito prejudicado natildeo seja afetado Os

direitos (mesmo os fundamentais) natildeo satildeo absolutos277

sendo passiacuteveis de ponderaccedilatildeo e

limitaccedilatildeo desde que entre direitos de igual hierarquia278

Trata-se de uma escolha

legislativa ou executiva diante de recursos escassos O que natildeo se pode admitir salvo

em situaccedilotildees de absoluta excepcionalidade (a exemplo do estado de guerra ou

calamidade) eacute que um direito fundamental seja restringido em seu acircmbito de eficaacutecia

para que os recursos que lhe subsidiavam sejam destinados a fins outros que natildeo a

efetivaccedilatildeo de outros direitos de igual status e hierarquia

Por fim a reserva do possiacutevel eacute fundamento para justificar razoavelmente o retrocesso

nos casos em que ele seja inevitaacutevel mas a sua invocaccedilatildeo natildeo pode ser geneacuterica Para

que a reserva do possiacutevel possa legitimar um retrocesso no caso concreto deve ser

demonstrado que as circunstacircncias econocircmicas sofreram impacto desfavoraacutevel

significativo (ou seja que jaacute natildeo se tem tantos recursos disponiacuteveis quanto se tinha agrave

eacutepoca em que foi viabilizada maior amplitude ao direito fundamental que estaacute sendo

objeto de medida restritiva)

6 CONCLUSOtildeES

A CRFB1988 apresenta um projeto baacutesico formata um Estado que em seu nuacutecleo

duro naquilo que eacute considerado essencial para a democracia pretende-se permanente

sob pena de se comprometer o espiacuterito da Constituiccedilatildeo Como dito eacute preciso garantir

276

Acerca da impossibilidade de se invocar o princiacutepio da vedaccedilatildeo de retrocesso para justificar a

substituiccedilatildeo das escolhas poliacuteticas por escolhas judiciaacuterias vide STF ADC 42 Relator(a) Min LUIZ

FUX Tribunal Pleno julgado em 28022018 PROCESSO ELETROcircNICO DJe-175 DIVULG 12-08-

2019 PUBLIC 13-08-2019 277

NETTO (2010 p 227229) sustenta que o nuacutecleo essencial de um direito fundamental vincula de

forma definitiva o legislador tanto na dimensatildeo positiva quanto negativa Natildeo obstante a autora ressalta

que como todo direito este tambeacutem pode restringido na ponderaccedilatildeo com outros direitos 278

Nesse sentido MOREIRA (2009) e MARCILIO (2009)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

163

estabilidade ao ordenamento juriacutedico nacional e isso se faz especificando valores e

direitos que apontam a direccedilatildeo para qual devemos caminhar

Os direitos fundamentais expressam demandas sociais que foram incorporadas no

ordenamento juriacutedico apoacutes periacuteodos de luta e convulsatildeo social Fazem parte da nossa

histoacuteria e demarcam o nosso caminhar evolutivo Representam as balizas inegociaacuteveis

de um Estado Democraacutetico de Direito Por isso satildeo protegidas como claacuteusulas peacutetreas

ainda que a redaccedilatildeo literal do art 60 sect4ordm inc IV da CRFB1988 natildeo deixei evidente

Entre os direitos fundamentais estaacute o meio ambiente equilibrado Trata-se de direito

fundamental de terceira geraccedilatildeo especialmente disciplinado pela Constituiccedilatildeo (art

225) De acordo com esse dispositivo eacute preciso manter o meio ambiente equilibrado

garantindo a dignidade da pessoa humana para as geraccedilotildees presentes e futuras

Sendo um direito fundamental relacionado com a dignidade da pessoa humana e com as

condiccedilotildees de vida das geraccedilotildees futuras entendemos que haacute quanto a ele vedaccedilatildeo ao

retrocesso Todavia a verificaccedilatildeo de retrocesso comporta a comprovaccedilatildeo de que natildeo haacute

outro caminho razoaacutevel a ser tomado que se estaacute diante de circunstacircncias econocircmicas

novas e consideravelmente piores que as verificadas quando da implementaccedilatildeo do

avanccedilo sacrificado

REFEREcircNCIAS

ALEXY Robert Teoria de los derechos fundamentales Traduccedilatildeo Ernesto Garzoacuten

Valdeacutes Centro de Estudios Constitucionales Madrid 1993

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Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

167

A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL NO

STJ SUBJETIVA OU OBJETIVA

INARA DE PINHO NASCIMENTO VIDIGAL

__________________ SUMAacuteRIO _______________

1 Introduccedilatildeo 2 Fiscalizaccedilatildeo ambiental competecircncia

comum e o federalismo cooperativo 3 A multa e as

demais infraccedilotildees administrativas ambientais

requisitos para sua imposiccedilatildeo 4 Natureza juriacutedica da

responsabilidade administrativa ambiental na

doutrina 5 Infrator e poluidor satildeo figuras distintas 6

Evoluccedilatildeo do posicionamento do STJ sobre a

responsabilidade administrativa ambiental 61

Recurso Especial nordm 1728334 - rj (20170307709-

1) Relator Ministro Herman Benjamin 62

Embargos de Divergecircncia em Resp nordm 1318051 -

RJ (20120070152-3) Relator Ministro Mauro

Campbell Marques 7 Consideraccedilotildees finais

1 INTRODUCcedilAtildeO

A responsabilidade administrativa ambiental eacute aquela que decorre da infraccedilatildeo de

normas ambientais sujeitando o transgressor agrave sanccedilotildees administrativas que devem ser

apuradas mediante processo administrativo proacuteprio assegurada a ampla defesa e o

contraditoacuterio

No entanto a naturea juriacutedica dessa responsabilidade eacute subjetiva ou objetiva Discute-

se culpadolo para fins de responsabilizaccedilatildeo na esfera administrativa ou essa

responsabilidade independe da anaacutelise da culpabilidade do infrator bastando o nexo

causal

A doutrina natildeo eacute uniforme ao tratar do tema e o Superior Tribunal de Justiccedila vem

construindo um posicionamento que ainda mostra-se confuso mas vem seguindo uma

linha na esteira da responsabilidade adminsitrativa objetiva

Mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentaacutevel Especialista em gestatildeo e manejo

ambiental em sistemas florestais Advogada e professora de cursos de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo Email

inarapinhogmailcom

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

168

Eacute pois nesse contexto que o presente artigo busca analisar a natureza juriacutedica da

responsabilidade ambiental administrativa agrave luz da legislaccedilatildeo da doutrina e do atual

posicionamento do STJ

Metodologicamente utiliza-se a revisao bibliograacutefica levantando o entendimento dos

principais doutrinadores sobre a mateacuteria bem como trazendo uma anaacutelise qualitativa

sobre a evoluccedilatildeo do posicionamento do Superior Tribunal de Justiccedila a partir dos

seguintes julgados ERESP Nordm 1318051 - RJ (20120070152-3) 1ordf Turma cujo Relator

foi o Ministro Mauro Campbell Marques RESP Nordm 1728334 - RJ (20170307709-1)

2ordf Turma cujo Relator foi o Ministro Herman Benjamin e REsp nordm 467212 RJ

(20020106671-6) 1ordf Turma cujo Relator Ministro Luiz Fux por serem desses casos as

decisotildees mais recentes do Superior Tribunal de Justiccedila proferidas no ano de 2019

2 FISCALIZACcedilAtildeO AMBIENTAL COMPETEcircNCIA COMUM E O

FEDERALISMO COOPERATIVO

A responsabilidade ambiental fundamenta-se no texto constitucional279

que define trecircs

espeacutecies de responsabilidade a saber

a)A responsabilidade penal que na sua essecircncia eacute subjetiva exigindo prova do dolo ou

da culpa

b) A responsabilidade civil definida como objetiva natildeo prescindindo da prova do dolo

ou da es

d) A responsabilidade administrativa cuja discussatildeo sobre a sua natureza juriacutedica

(subjetiva ou objetiva) discute-se nesse artigo

No acircmbito da responsabilidade administrativa a distribuiccedilatildeo de competecircncias na

Constituiccedilatildeo eacute comum agrave Uniatildeo aos Estados ao Distrito Federal e aos Municiacutepios a

proteccedilatildeo do meio ambiente e o combate agrave poluiccedilatildeo estabelecendo a todos os entes

federativos o poder de fiscalizaccedilatildeo e licenciamento ambiental com vistas agrave uma atuaccedilatildeo

cooperativa podendo ser esta supletiva280

ou subsidiaacuteria281

Nesse sentido tanto o licenciamento quanto a fiscalizaccedilatildeo ambiental podem ser

exercidos nas trecircs esferas administrativas quais sejam federal estadual e municipal

pois a administraccedilatildeo ambiental constitui um sistema uacutenico formado pela Uniatildeo

Estados Distrito Federal e Municiacutepios compondo o Sistema Nacional de Meio

Ambiente (SISNAMA) criado pela Lei 693881 Cabe agrave esse sistema promover a

articulaccedilatildeo coordenada de todos os oacutergatildeos e entidades que o constituem visando evitar

medidas e procedimentos conflitantes na execuccedilatildeo da poliacutetica nacional de meio

ambiente

279

Art225 sect3deg da Constituiccedilatildeo Federal 280

Atuaccedilatildeo supletiva accedilatildeo do ente da Federaccedilatildeo que se substitui ao ente federativo originariamente

detentor das atribuiccedilotildees nas hipoacuteteses definidas nesta Lei Complementar (Art2deg II LC 1402011) 281

Atuaccedilatildeo subsidiaacuteria accedilatildeo do ente da Federaccedilatildeo que visa a auxiliar no desempenho das atribuiccedilotildees

decorrentes das competecircncias comuns quando solicitado pelo ente federativo originariamente detentor

das atribuiccedilotildees definidas nesta Lei Complementar (Art2deg III LC 1402011)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

169

Importante ressaltar poreacutem que havendo duacuteplice autuaccedilatildeo administrativa (bis in idem)

de um empreendimento ou atividade originaacuterias de um mesmo fato deve prevalecer a

autuaccedilatildeo do oacutergatildeo que o licenciou282

3 A MULTA E AS DEMAIS INFRACcedilOtildeES ADMINISTRATIVAS AMBIENTAIS

REQUISITOS PARA SUA IMPOSICcedilAtildeO

Para tratar da natureza juriacutedica da responsabilidade ambiental administrativa eacute

fundamental conhecer as diferentes espeacutecies de infraccedilatildeo ambiental e as regras para a sua

imposiccedilatildeo fazendo um destaque especial para a multa simples dada agraves peculiaridades

que a distinguem das demais

No Brasil os empreendedores bem como as empresas puacuteblicas ou privadas tecircm por

obrigaccedilatildeo desenvolver as suas atividades em consonacircncia com as diretrizes da Poliacutetica

Nacional do Meio Ambiente283

Nesse sentido o descumprimento dessa e de outras normas destinadas agrave promoccedilatildeo da

qualidade e do equiliacutebrio do meio ambiente configura infraccedilatildeo administrativa e sujeita-

se agrave sanccedilotildees adminisntrativas previstas em lei Portanto infraccedilatildeo administrativa

ambiental eacute toda accedilatildeo ou omissatildeo que viole as regras juriacutedicas de uso gozo promoccedilatildeo

proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo do meio ambiente284

Satildeo autoridades competentes para lavrar auto de infraccedilatildeo ambiental e instaurar processo

administrativo os funcionaacuterios de oacutergatildeos ambientais integrantes do Sistema Nacional de

Meio Ambiente - SISNAMA designados para as atividades de fiscalizaccedilatildeo bem como

os agentes das Capitanias dos Portos do Ministeacuterio da Marinha

Mas vale ressaltar que qualquer pessoa constatando infraccedilatildeo ambiental poderaacute

denunciar dirigindo representaccedilatildeo agraves autoridades relacionadas no paraacutegrafo anterior

para efeito do exerciacutecio do seu poder de poliacutecia

As infraccedilotildees ambientais satildeo apuradas em processo administrativo proacuteprio assegurado o

direito de ampla defesa e o contraditoacuterio E as sanccedilotildees que podem ser aplicadas ao

infrator satildeo285

I - advertecircncia II - multa simples III - multa diaacuteria IV - apreensatildeo dos animais

produtos e subprodutos da fauna e flora instrumentos petrechos equipamentos ou

282

(Art17 LC 1402011) sect 2ordm Nos casos de iminecircncia ou ocorrecircncia de degradaccedilatildeo da qualidade

ambiental o ente federativo que tiver conhecimento do fato deveraacute determinar medidas para evitaacute-la

fazer cessaacute-la ou mitigaacute-la comunicando imediatamente ao oacutergatildeo competente para as providecircncias

cabiacuteveis

sect 3ordm O disposto no caput deste artigo natildeo impede o exerciacutecio pelos entes federativos da atribuiccedilatildeo comum

de fiscalizaccedilatildeo da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores

ou utilizadores de recursos naturais com a legislaccedilatildeo ambiental em vigor prevalecendo o auto de infraccedilatildeo

ambiental lavrado por oacutergatildeo que detenha a atribuiccedilatildeo de licenciamento ou autorizaccedilatildeo a que se refere o

caput 283

As diretrizes e regras da poliacutetica nacional de meio ambiente satildeo estabelecidas pela Lei 693881 284

Definiccedilatildeo dada pelo art70 da Lei 960598 e art2deg do Decreto 65142008 285

As sanccedilotildees estatildeo descritas no art 72 da Lei 960598

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

170

veiacuteculos de qualquer natureza utilizados na infraccedilatildeo V - destruiccedilatildeo ou inutilizaccedilatildeo do

produto VI - suspensatildeo de venda e fabricaccedilatildeo do produto VII - embargo de obra ou

atividade VIII - demoliccedilatildeo de obra IX - suspensatildeo parcial ou total de atividades X ndash

(VETADO) XI - restritiva de direitos

Se o infrator cometer simultaneamente duas ou mais infraccedilotildees poderatildeo ser aplicadas

cumulativamente as sanccedilotildees a elas cominadas

Entretanto para a aplicaccedilatildeo da multa simples eacute exigida a caracterizaccedilatildeo de negligecircncia

ou dolo a teor do que dispotildee a lei 960598

sect 3ordm A multa simples seraacute aplicada sempre que o agente por negligecircncia ou dolo

I - advertido por irregularidades que tenham sido praticadas deixar de sanaacute-las no

prazo assinalado por oacutergatildeo competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos do

Ministeacuterio da Marinha

II - opuser embaraccedilo agrave fiscalizaccedilatildeo dos oacutergatildeos do SISNAMA ou da Capitania dos

Portos do Ministeacuterio da Marinha (art72 sectdeg3 da Lei 960598)

Nota-se que o legislador estabeleceu para a aplicaccedilatildeo especificamente da sanccedilatildeo de

multa simples na qual se deve apurar a existecircncia de negligecircncia ou dolo natildeo se

exigindo tal requisito para a imposiccedilatildeo das demais sanccedilotildees administrativas

4 NATUREZA JURIacuteDICA DA RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA

AMBIENTAL NA DOUTRINA

A doutrina destoa ao tratar do tema Vladimir Passos de Freitas entende que a

responsabilidade administrativa por dano ao meio ambiente eacute objetiva ressaltando que

em momento algum a Lei 960598 faz a distinccedilatildeo excluindo a responsabilidade de

quem natildeo se houve com culpa sendo que haacute casos em que a mera omissatildeo jaacute eacute

suficiente para configurar infraccedilatildeo (FREITAS 2002) Na mesma linha segue o

entendimento de Paulo Affonso Leme Machado relacionandoo regime de

responsabilidade administrativa com a natureza das sanccedilotildees cabiacuteveis sustenta que o

sistema da Lei 693881 eacute plenamente aplicaacutevel pela administraccedilatildeo puacuteblica Ressalta

poreacutem este autor que a uacutenica exceccedilatildeo expressamente prevista em lei eacute a da sanccedilatildeo do

poluidor com multa simples (MACHADO 2001)

Eacutedis Milareacute e Flaacutevia Tavares Rocha Loures por sua vez entendem que eacute inadequada a

aplicaccedilatildeo pura e simples da teoria da responsabilidade objetiva nos casos de

responsabilidade adminisstrativa ambiental e esclarecem que diferentemente da

responsabilidade civil natildeo se podem prescindir a caracterizaccedilatildeo da ilicitude da conduta

e da correspondente pessoalidade (MILAREacute amp LOURES 2004) Concluem os autores

afirmando que se a responsabilidade civil ambiental sob a modalidade de risco integral

jamais admite a incidecircncia das chamadas excludentes a responsabilidade

administrativa em certos casos pode ser elidida com base na alegaccedilatildeo de forma maior

caso fortuito ou fato de terceiro

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

171

Heraldo Garcia Vitta entende que o iliacutecito administrativo a exeplo do iliacutecito penal

exige o elementos subjetivo do suposto infrator e nas suas palavras Sem isto

estariacuteamos aplicando a responsabilidade objetiva nas sanccedilotildees administrativas as quais

inclusive atingem a liberdade (profissional econocircmica e outras) e a propriedade das

pessoas sem configuraccedilatildeo constitucional ante a afronta aos princiacutepios maiores do

regime democraacutetico de Direito (VITTA 2008)

Neste estudo tambeacutem satildeo analisados os pensamentos dos doutrinadores Talden Farias e

Marcelo Abelha Rodrigues especificamente sobre o recente posicionamento

manifestado pelo STJ acerca da responsabilidade ambiental administrativa no ano de

2019

Talden Farias (2018) manifesta-se em consonacircncia com a responsabilidade ambiental

subjetiva no acircmbito administrativo e cita o julgamento do REsp 1401500PR pela 2ordf

Turma do STJ para dizer que a corte vem consolidando entendimento nesse sentido

Analisando o referido julgamento verifica-se que o Instituto Ambiental do Paranaacute

(IAP) impocircs multa simples no valor de mais de R$ 12 milhotildees agrave Hexion Quiacutemica

Induacutestria e Comeacutercio Ltda em razatildeo de um dano cometido por outra empresa com

quem esta firmou contrato sob o argumento de que a responsabilidade administrativa

do poluidor seria objetiva e decorreria do risco gerado pela atividade fazendo com que

o poluidor indireto tambeacutem pudesse ser responsabilizado

O mesmo autor argumenta que de fato se o derramamento de metanol na Baiacutea de

Paranaguaacute foi causado pela Methanex Chile Ltda natildeo haacute sentido em responsabilizar a

primeira empresa ndash ao menos nesse acircmbito de competecircncia diga-se de passagem ndash de

maneira que a sentenccedila e o acoacuterdatildeo do Tribunal de Justiccedila do Paranaacute mereceram sim ser

reformados

Nota-se que Farias em outras palavras entende que a sanccedilatildeo deve ser imposta ao

trangressor qual seja aquele que objetivamente derramou o metanol na aacutegua e natildeo a

empresa prorietaacuteria da substacircncia derramada (considerada poluidora no conceito legal)

Contudo Farias (2018) ressalta que no que se refere agrave multa administrativa simples

a Lei 960598 dispocircs expressamente que a responsabilidade administrativa em mateacuteria

ambiental eacute subjetiva haja vista a necessidade de comprovar a negligecircncia ou dolo

entendendo ser acertada a decisatildeo do STJ pela responsabilidade administrativa

subjetiva

Marcelo Abelha Rodrigues (2019) por sua vez entende que a imposiccedilatildeo da

responsabilidade administrativa ambiental eacute regra geral objetiva podendo o legislador

distinguir este regime geral como fez no caso da multa simples Portanto eacute irrelevante a

culpabilidade do infratortransgressor (e sendo suficiente a sua voluntariedade) na

praacutetica do ato que viole as regras juriacutedicas de uso gozo promoccedilatildeo proteccedilatildeo e

recuperaccedilatildeo do meio ambiente

5 INFRATOR E POLUIDOR SAtildeO FIGURAS DISTINTAS

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

172

Antes de passar ao ponto central desse artigo qual seja a anaacutelise da natureza juriacutedica da

responsabilidade administrativa ambiental agrave luz do posicionamento do Superior

Tribunal de Justiccedila faz-se necessaacuterio trazer agrave tona dois conceitos fundamentais que

norteiam as duas espeacutecies de responsabilidade (subjetiva e objetiva) o de poluidor e o

de infrator

Poluidor286

eacute a pessoa fiacutesica ou juriacutedica de direito puacuteblico ou privado responsaacutevel

direta ou indiretamente por atividade causadora de degradaccedilatildeo ambiental

Note-se que o poluidor eacute considerado como tal pelo simples fato de se colocar no

mercado para o desenvolvimento de atividade que possa causar degradaccedilatildeo ambiental

Portanto apenas a existecircncia do risco oferecido pela atividade por si soacute jaacute imputa ao

poluidor o dever de reparar o dano que porventura decorra do seu empreendimento ou

atividade

Pode-se inferir que a figura do poluidor estaacute diretamente relacionada agrave responsabilidade

civil objetiva visto que natildeo se prescinde da culpa para que exista a obrigaccedilatildeo de reparar

o dano bastando tatildeo somente o nexo causal entre a atividade de risco (ambiental) e o

dano causado

Infrator287

por sua vez eacute a pessoa fiacutesica ou juriacutedica que por accedilatildeo ou omissatildeo viole as

regras juriacutedicas de uso gozo promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo do meio ambiente

Aqui tem-se a figura do trangressor aquele que infringiu normas ambientais e que por

esse motivo estaacute sujeito agrave sanccedilotildees administrativas natildeo sendo exigida ocorrecircncia de

dano ao meio ambiente para que o infrator seja penalizado

Assim para que seja imposta uma sanccedilatildeo administrativa em regra basta o

descumprimento de normas ambientais

Registre-se ainda que pode ser considerado poluidor aquele que natildeo trangrediu

nenhuma norma juriacutedica visto que por meio da interaccedilatildeo de impactos ambientais

dentro dos paracircmetros legais pode vir a ocorrer um dano agrave sauacutede humana ou uma

degradaccedilatildeo da qualidade ambiental e por outro lado eacute possiacutevel haver a trangressatildeo de

normas ambientais sem que haja um dano ao meio ambiente quando por exemplo o

empreendimento deixa de entregar documentos de monitoramente perioacutedico da

qualidade do ar fora do prazo legal

Portanto ao infrator deve-se atribuir a responsabilidade administrativa ambiental que

atrai a anaacutelise da culpabilidade apenas em caso de multa e ao poluidor a

responsabilidade civil ambiental que por sua vez atrai a existecircncia do nexo causal entre

o dano e a atividade desenvolvida pelo empreendedor

6 EVOLUCcedilAtildeO DO POSICIONAMENTO DO STJ SOBRE A

RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL

286

Conceito dado pelo art3deg IV da lei 693881 287

Conceito formulado a partir da definiccedilatildeo de infraccedilatildeo ambiental previsto no art70 da Lei 960598

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

173

Apresenta-se para anaacutelisa-se dois casos julgados pelo Superior Tribunal de Justiccedila em

2018 e 2019 respectivamente os quais conduzem agrave reflexatildeo sobre os posicionamentos

manifestados por essa egreacutegia corte sobre a natureza juriacutedica da responsabilidade

ambiental na esfera administrativa

Eis a siacutentese das referidas decisotildees do STJ

61 RECURSO ESPECIAL Nordm 1728334 - RJ (20170307709-1) RELATOR

MINISTRO HERMAN BENJAMIN

O fato que originou esse julgado foi a autuaccedilatildeo administrativa realizada pelo IBAMA

em desfavor da empresa CMN Engenharia Ltda que construiu sem licenccedila ambiental

seis unidades habitacionais no Condomiacutenio Porto Ciel no municiacutepio de Angra dos Reis

tendo realizado o parcelamento e o desmembramento do solo bem como a implantaccedilatildeo

e ampliaccedilatildeo de empreendimento imobiliaacuterio em zona costeira e aacuterea de preservaccedilao

permanente sem preacutevio licenciamento ambiental A empresa pleiteou a anulaccedilatildeo dos

autos de infraccedilatildeo 074650 e 352767 bem como o cancelamento do auto de embargo e

interdiccedilatildeo ndeg 0044875 e alternativamente requereu a reduccedilatildeo da multa imposta nos

autos de infraccedilatildeo em observacircncia ao princiacutepio da proporcionalidade

Registre-se que a empresa autora adota como argumento para a anulaccedilatildeo do auto de

infraccedilatildeo o fato de que caso o requerimento de licenccedila ambiental natildeo seja deferido ou

indeferido pelo oacutergatildeo ambiental no prazo de 30 (trinta) dias apoacutes seu protocolo

presume-se o licenciamento Sendo assim iniciou as suas atividades entendendo que

nessa situaccedilatildeo haveria uma licenccedila taacutecita do oacutergatildeo ambiental

A sentenccedila em Accedilatildeo Ordinaacuteria concluiu pela correta aplicaccedilatildeo da multa e pela devida

motivaccedilatildeo do auto de infraccedilatildeo culminando apoacutes apelo improvido no Recurso Especial

Em fundamentaccedilatildeo do seu voto o Relator Ministro Herman Bejamin argumentou que

restou comprovado nos autos que a infraccedilatildeo ocorreu em 31112001 e a licenccedila somente

foi concedida em 31012002 o que por si soacute comprova que a Autora estava

promovendo a obra e dando-lhe andamento antes mesmo de obter a devida autorizaccedilatildeo

consubstanciada na licenccedila devida pelo Oacutergatildeo Ambiental quando por oacutebvio o correto

eacute obter a licenccedila e depois iniciar a obra

Sustentou ainda o Relator que eacute incompatiacutevel com os princiacutepios de regecircncia do Estado

de Direito Ambiental vigente no Brasil a possibilidade de licenccedila ou autorizaccedilatildeo taacutecita

automaacutetica ou por protocolo derivada de omissatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica em deferir

ou natildeo o pleito do empreendedor Ressaltou que no nosso ordenamento o silecircncio

administrativo perante simples protocolo do pedido gera ndash ateacute manifestaccedilatildeo expressa

em sentido contraacuterio ndash presunccedilatildeo iuris et de iure (absoluta) de natildeo licenciamento

ambiental

Salientou o Relator que o vaacutecuo administrativo natildeo corresponde a deferimento pois

nada cria e nada consente ou valida A morosidade do administrador corrige-se com os

instrumentos legalmente previstos tanto disciplinares como de improbidade

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

174

administrativa jamais punindo o inocente ou seja o favorecido pelo licenciamento a

coletividade presente e futura

Finalmente o Recurso Especial foi improvido mantendo a multa de

R$1500000(quinze mil reais)aplicada agrave eacutepoca e o embargo da obra

Essa decisatildeo proferida em junho de 2018 demonstra que a imposiccedilatildeo de sanccedilatildeo

administrativa deve se dar pelo simples fato da transgressatildeo legal ter se efetivado que

no caso foi a construccedilatildeo sem a devida licenccedila ambiental cabendo pois ao trangressor

a respectiva penalidade imposta pelo oacutergatildeo ambiental competente

62 EMBARGOS DE DIVERGEcircNCIA EM RESP Nordm 1318051 - RJ (20120070152-

3) RELATOR MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES

O fato que originou esse julgado foi um Auto de Infraccedilatildeo lavrado em desfavor de

Ipiranga Produtos de Petroacuteleo SA em razatildeo do vazamento de 70000 (setenta mil) litros

de oacuteleo diesel de propriedade da Ipiranga causado por descarrilamento de composiccedilatildeo

ferroviaacuteria da Ferrovia Centro Atlacircntica (FCA) cujo oacuteleo atingiu aacutereas de preservaccedilatildeo

permanente e vegetaccedilotildees protetoras de mangue Foi pleiteado em siacutentese a anulaccedilatildeo do

auto de infraccedilatildeo ao argumento de que a penalidade de multa foi aplicada sumariamente

e sem prova teacutecnica elaborado por oacutergatildeo competente para fundamentaacute-la

Alega-se assim que a multa por dano ambiental foi imposta sob o fundamento da

responsabilidade objetiva decorrente da propriedade da carga transportada por outrem

(Ferrovia Centro Atlacircntica) que efetivamente teve participaccedilatildeo direta no acidente que

causou a degradaccedilatildeo ambiental

Discute-se portanto a possibilidade de que terceiro responda por sanccedilatildeo aplicada por

infraccedilatildeo ambiental

Em fundamentaccedilatildeo do voto o Relator Ministro Mauro Campbell Marques em resumo

afirma que a aplicaccedilatildeo e a execuccedilatildeo das penas limitam-se aos transgressores a

reparaccedilatildeo ambiental de cunho civil a seu turno pode abranger todos os poluidores a

quem a proacutepria legislaccedilatildeo define como a pessoa fiacutesica ou juriacutedica de direito puacuteblico ou

privado responsaacutevel direta ou indiretamente por atividade causadora de degradaccedilatildeo

ambiental (art 3ordm inc V da Lei 693881)

Citou ainda precedentes da 2ordf Cacircmara no sentido de que ldquonos termos da jurisprudecircncia

do STJ como regra a responsabilidade administrativa ambiental apresenta caraacuteter

subjetivo exigindo dolo ou culpa para sua configuraccedilatildeo

Entretanto ao concluir o seu voto o eminente Relator afirmou que ante agrave inexistecircncia

de participaccedilatildeo direta da embargante (Ipiranga SA) no acidente que deu causa agrave

degradaccedilatildeo ambiental eacute de se prover o recurso especial para anular o Auto de Infraccedilatildeo

0042005 que deu origem ao creacutedito objeto da CDA executada pelo Municiacutepio de

GuapimirimRJ ou seja decidiu pela ausecircncia de nexo causal contrariando os

precedentes citados

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

175

Portanto depreende-se que a fundamentaccedilatildeo desse voto foi conduzida no sentido de que

a responsabilidade administrativa eacute objetiva eis que destinada ao trangressor da norma

ambiental contudo foram citados precedentes em sentido contraacuterio ou seja que a

mesma responsabilidade administrativa possui caraacuteter subjetivo exigindo dolo ou culpa

mas por fim deu provimento ao recurso ante agrave ausecircncia de nexo de causal deixando de

examinar a existencia ou natildeo de culpabilidade pressuposto da responsabilidade

subjetiva Referido julgamento foi proferido em maio de 2019

A controveacutersia entretanto adveacutem do ano de 2003 quando no REsp 467212RJ da 1ordf

Turma cuja Relatoria foi do Ministro Luiz Fux deveria dirimir a seguinte controveacutersia

ldquoo pagamento da multa ambiental eacute de responsabilidade do proprietaacuterio do navio

estrangeiro ou da Petrobras que o fretou para transportar o petroleo brutordquo Concluiu-se

no sentido da responsabilidade ambiental administrativa ser objetiva fundamentada no

art14 sect3deg da Lei 693881 cabendo agrave Petrobraacutes o pagamento da multa adminsitrativa

em razatildeo da infraccedilatildeo consubstanciada no vazamento de oacuteleo proveniente de navio

estrangeiro em aacuteguas jurisdicionais brasileiras fretado pela referida empresa estatal

Portanto a partir de entatildeo o STJ seguiu esse posicionamento equivocado na visatildeo de

Marcelo Abelha Rodrigues (2019) visto que reconhecia-se a possibilidade de penalizar

administrativamente quem natildeo praticou o fato isto eacute sujeito diverso do transgressor

qual seja o proprietaacuterio da carga e natildeo o transportador

Posteriormente o STJ foi paulatinamente esclarecendo e pacificando a distinccedilatildeo entre

trangressor e poluidor reconhecendo que o conceito de transgressor natildeo eacute tatildeo amplo

quanto o de poluidor e a rigor a consequecircncia disso eacute que a regra da causalidade na

responsabilidade civil ambiental natildeo eacute a mesma da responsabilidade administrativa

ambiental Isso porque enquanto ldquopoluidorrdquo eacute aquele que direta ou indiretamente causa

degradaccedilatildeo ambiental (art 3 IV da lei 9605) o ldquotransgressor ou infratorrdquo eacute aquele que

diretamente por accedilatildeo ou omissatildeo viola as regras juriacutedicas de uso gozo promoccedilatildeo

proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo do meio ambiente (art 14 caput combinado com art 70 da lei

9605)

Nessa linha a responsabilidade administrativa daquele que viola a regra juriacutedica

ambiental decorre do fato objetivo da violaccedilatildeo sendo essa em regra objetiva

Sendo assim pode-se afirmar que o posicionamento recentemente manifestado pelo STJ

em suas ementas a exemplo do ERESP acima citado no sentido de que eacute subjetiva a

responsabilidade ambiental administrativa mostra-se contraditoacuterio ao inteiro teor dos

casos julgados cuja fundamentaccedilatildeo tem seguido a linha da responsabilidade objetiva

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A partir do que dispotildee a lei 960598 sobre as sanccedilotildees administrativas bem como o

Decreto regulamentador das infraccedilotildees ambientais adminsitrativas dos uacuteltimos

julgamentos do STJ sobre o tema e ainda sobre o pensamento dos doutrinadores aqui

estudados eacute possiacutevel concluir que a responsabilidade ambiental administrativa em

regra tem como objetivo baacutesico e fundamental impor uma sanccedilatildeo pela violaccedilatildeo objetiva

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

176

agrave uma norma ambiental devendo tal sanccedilatildeo ser direcionada ao transgressor direto da

norma juriacutedica

Ocorre que o proacuteprio legislador deu tratamento diferenciado agrave uma espeacutecie de sanccedilatildeo

administrativa a multa simples diferenciando expressamente a sistemaacutetica para a sua

aplicaccedilatildeo

Assim a imposiccedilatildeo da multa simples deve ser precedida da anaacutelise subjetiva sobre a

existecircncia de dolo ou culpa esta exclusivamente manifestada pela negligecircncia Tal

anaacutelise deve se dar mediante processo administrativo em que seja proporcionada a

ampla defesa e o contraditoacuterio

Vale destacar que recentemente288

o Decreto Federal ndeg 97602019289

inovou trazendo

o nuacutecleo de conciliaccedilotildees ambientais cujo objetivo eacute fazer a anaacutelise preliminar da

autuaccedilatildeo para convalidar ou anular o auto de infraccedilatildeo e realizar as audiecircncias de

conciliaccedilatildeo ambiental

As audiecircncias de conciliaccedilatildeo visam apresentar as soluccedilotildees legais possiacuteveis para encerrar

o processo tais como o desconto para pagamento o parcelamento e a conversatildeo da

multa em serviccedilos de preservaccedilatildeo melhoria e recuperaccedilatildeo da qualidade do meio

ambiente

Infere-se assim que tais audiecircncias satildeo destinadas especificamente aos casos de

imposiccedilatildeo de multa cuja anaacutelise deve ser subjetiva conforme definou o legislador

ordinaacuterio Resta saber se na praacutetica essa anaacutelise preliminar da autuaccedilatildeo faraacute essa

avaliaccedilatildeo da existecircncia do dolo ou da negligecircncia

Finalmente natildeo se pode generelizar a natureza juriacutedica da responsabilidade ambiental

administrativa como fez o STJ em suas ementas estabelecendo-a como subjetiva

ressaltando ainda que o conteuacutedo dos votos dos Relatores expressam-se pela regra geral

de que comete infraccedilatildeo adminnistrativa aquele que viola objetivamente as normas

ambientais concluindo ser esta objetiva Entretanto a multa simples prescinde da

anaacutelise da existecircncia de dolo ou culpa sendo indispensaacutevel fazer essa diferenciaccedilatildeo ao

se referir agrave responsabilidade ambiental administrativa

Vale transcrever o luacutecido entendimento de Rodrigues (2019) ao afirmar que que

embora o STJ proclame a ldquoconsolidaccedilatildeo do entendimentordquo nos referidos julgamentos

como sendo a responsabilidade administrativa ambiental subjetiva na essecircncia os

acoacuterdatildeos seguem a linha da responsabilidade administrativa objetiva ao afastar o nexo

causal para excluir a imposiccedilatildeo da sanccedilatildeo

Assim pode-se concluir que merecem ser revistas as ementas dos julgamentos aqui

analisados para tornarem-se coerentes com a sua fundamentaccedilatildeo e decisatildeo visto que

em regra a responsabilidade ambiental administrativa eacute objetiva devendo a sanccedilatildeo ser

imposta ao trangressor direto da norma e natildeo ao poluidor ressaltando que em caso de

imposiccedilao de multa a responsabilidade ambiental administrativa eacute subjetiva devendo

288

Entrou em vigor no dia 08 de outubro de 2019 180 dias apoacutes a sua publicaccedilatildeo 289

O Decreto Federal 97602019 altera parte do Decreto Federal nordm 651408 que dispotildee sobre as

infraccedilotildees e sanccedilotildees administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para

apuraccedilatildeo destas infraccedilotildees

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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ser mantida a sanccedilatildeo apenas se existente o dolo ou a negligecircncia apoacutes a devida anaacutelise

em processo administrativo proacuteprio em que se permita a ampla defesa e o contraditoacuterio

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Federal para a cooperaccedilatildeo entre a Uniatildeo os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios

nas accedilotildees administrativas decorrentes do exerciacutecio da competecircncia comum relativas agrave

proteccedilatildeo das paisagens naturais notaacuteveis agrave proteccedilatildeo do meio ambiente ao combate agrave

poluiccedilatildeo em qualquer de suas formas e agrave preservaccedilatildeo das florestas da fauna e da flora e

altera a Lei no 6938 de 31 de agosto de 1981 Congresso Nacional Disponiacutevel em

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA ERESP Nordm 1318051 - RJ (20120070152-3)

1ordf Turma Relator Ministro Mauro Campbell Marques

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA RESP Nordm 1728334 - RJ (20170307709-1) 2ordf

Turma Relator Ministro Herman Benjamin

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA REsp nordm 467212 RJ (20020106671-6)

autuado em 02102002 1ordf Turma Relator Ministro Luiz Fux

VITTA Heraldo Garcia Responsabilidade civil e administrativa por dano ambiental

Satildeo Paulo Malheiros 2008

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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UMA VISAtildeO CRIacuteTICA SOBRE A OBRIGACcedilAtildeO PROPTER REM

NO DIREITO AMBIENTAL A Responsabilidade do Superficiaacuterio

por Danos Causados ao Imoacutevel na Servidatildeo de Mina

LEONARDO POLASTRI LIMA PEIXOTO

__________________ SUMAacuteRIO _______________

1 Introduccedilatildeo 2 Natureza Propter Rem da

Obrigaccedilatildeo de Reparaccedilatildeo por Danos Ambientais 21

Obrigaccedilatildeo Ambiental Propter Rem doutrina

jurisprudecircncia e legislaccedilatildeo 22 Distinccedilatildeo entre

Obrigaccedilatildeo Propter Rem de Reparar Dano

Ambiental e Responsabilidade Civil por Dano

Ambiental 3 Colocaccedilatildeo do Problema A Servidatildeo

de Mina 4 A Responsabilidade Propter Rem do

Superficiaacuterio de Reparar Danos Ambientais

Causados pelo Minerador ao Imoacutevel 5 Conclusatildeo

Resumo Eacute frequente a alusatildeo agrave obrigaccedilatildeo propter rem no Direito Ambiental a fim de

justificar o dever do proprietaacuterio ou possuidor do imoacutevel de reparar os danos ambientais

causados agrave propriedade ainda que tais sujeitos natildeo tenham dado causa agrave ocorrecircncia do

dano Embora a doutrina e a jurisprudecircncia do Superior Tribunal de Justiccedila sejam

firmes nesse sentido o presente estudo lanccedila uma visatildeo criacutetica sobre a obrigaccedilatildeo

propter rem no Direito Ambiental a fim de promover a reflexatildeo sobre se deve tambeacutem

o superficiaacuterio ndash proprietaacuterio ou possuidor ndashser responsabilizado por danos causados ao

imoacutevel em razatildeo de empreendimento viabilizado mediante servidatildeo de mina muitas

vezes instituiacuteda por forccedila de decisatildeo judicial em nome do interesse puacuteblico

Palavras-chave Direito Ambiental obrigaccedilatildeo propter rem servidatildeo de mina

Advogado do Tolentino Advogados Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais

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1 INTRODUCcedilAtildeO

Na definiccedilatildeo civilista obrigaccedilatildeo propter rem eacute a que ldquorecai sobre uma pessoa por forccedila

de determinado direito real Soacute existe em razatildeo da situaccedilatildeo juriacutedica do obrigado de

titular do dominio ou de detentor de determinada coisardquo290

Quando transposta ao

Direito Ambiental a obrigaccedilatildeo propter rem eacute usualmente invocada para justificar a

responsabilidade de um titular de uma posiccedilatildeo juriacutedica pelo dano ambiental ainda que a

ele natildeo tenha dado causa com a praacutetica de um ato iliacutecito

Inclusive eacute paciacutefico no STJ o entendimento de que a obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo por danos

ambientais eacute propter rem291

isto eacute adere ao tiacutetulo e se estende tanto ao proprietaacuterio

quanto ao possuidor sejam eles presentes ou futuros ao momento de ocorrecircncia do

dano A posiccedilatildeo encontra-se tatildeo fortalecida que foi refletida na Suacutemula nordm 623STJ e em

tese de jurisprudecircncia da Corte Superior ndash adiante analisadas

Apesar do dogma em torno da questatildeo situaccedilatildeo peculiar ocorre quando se pensa na

hipoacutetese de servidatildeo de mina instituiacuteda em propriedades nas quais se localize uma

jazida ou em limiacutetrofes para fins de pesquisa ou lavra mineral dentro do que se

compreende tambeacutem demais atividades que se faccedilam necessaacuterias agrave exploraccedilatildeo mineral

como construccedilatildeo de instalaccedilotildees abertura de vias de transporte de material e pessoal

captaccedilatildeo e aduccedilatildeo de aacutegua e depoacutesito de material Nesses casos eacute de se indagar se o

proprietaacuterio do imoacutevel ndash muitas vezes coagido por forccedila de decisatildeo judicial a aceitar a

instituiccedilatildeo da servidatildeo de mina em nome do interesse puacuteblico e assim permitir o

ingresso do minerador em sua propriedade quando tal instituiccedilatildeo natildeo se daacute de forma

amigaacutevel ndash estaacute sujeito agrave responsabilizaccedilatildeo por dano ambiental ainda que a ele natildeo

tenha dado causa direta ou indiretamente

Na praacutetica a questatildeo passa despercebida pois ordinariamente eacute natural que se pense

na responsabilizaccedilatildeo exclusiva da mineradora pelos danos causados ao meio ambiente

Natildeo obstante ela existe e merece ser enfrentada Por isso o presente artigo pretende

realizar uma leitura criacutetica do entendimento do tribunal superior sobre a natureza

propter rem da obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo por danos ambientais a fim de analisar ao final

se deve o superficiaacuterio ser responsabilizado por dano ambiental causado em razatildeo de

empreendimento concebido via servidatildeo de mina

290

GONCcedilALVES Carlos Roberto Direito Civil parte geral obrigaccedilotildees e contrato 6ed Satildeo Paulo

Saraiva 2016 p 502 291

MOREIRA Danielle de Andrade LIMA Letiacutecia Maria Recircgo Teixeira MOREIRA Izabel Freire O

Princiacutepio do Poluidor-Pagador na Jurisprudecircncia do STF e do STJ uma anaacutelise criacutetica Veredas do

Direito Belo Horizonte v 16 nordm 34 2019 p 379-380

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2 NATUREZA PROPTER REM DA OBRIGACcedilAtildeO DE REPARACcedilAtildeO POR

DANOS AMBIENTAIS

21 OBRIGACcedilAtildeO AMBIENTAL PROPTER REM DOUTRINA

JURISPRUDEcircNCIA E LEGISLACcedilAtildeO

Na obrigaccedilatildeo propter rem ldquoa fonte da obrigaccedilatildeo eacute a titularidade de uma posiccedilatildeo

juridica ativardquo 292

Com isso se quer dizer que a obrigaccedilatildeo propter rem natildeo nasce de ato

liacutecito ou iliacutecito mas do mero fato de determinado sujeito assumir uma situaccedilatildeo juriacutedica

Em outras palavras obriga-se simplesmente por ser e natildeo por fazer

No Direito Ambiental as referecircncias agrave obrigaccedilatildeo propter rem satildeo numerosas seja em

estudos acadecircmicos ou em decisotildees judiciais encontrando eco tambeacutem na legislaccedilatildeo

Isso decorre da funccedilatildeo socioambiental da propriedade que eleva o proprietaacuterio ao status

de protetor dos recursos ambientais (art 186 inciso II CF)293

Erika Bechara afirma que a obrigaccedilatildeo ambiental propter rem eacute instituto de alta

relevacircncia para o Direito Ambiental na medida em que ldquopor forccedila dessa obrigaccedilatildeo que

grava o imoacutevel o titular da propriedade danificada tem o dever de restabelecer o

equiliacutebrio ecoloacutegico ainda que natildeo tenha causado ou sequer contribuiacutedo para tal

perdardquo294

Isto eacute o proprietaacuterio deve adotar as providecircncias necessaacuterias para manter a

propriedade incoacutelume contra os danos ambientais seja mediante a proteccedilatildeo dos recursos

naturais existentes na propriedade ou mediante a recuperaccedilatildeo dos que tenham sido

destruiacutedos natildeo importando se o dano foi provocado por ele (atual proprietaacuterio) pelo

proprietaacuterio anterior ou por possuidores (eg locataacuterios comodataacuterios arrendataacuterios)

A intenccedilatildeo em se estabelecer a obrigaccedilatildeo propter rem de reparar o dano ambiental eacute

ampliar o rol de responsaacuteveis pela recuperaccedilatildeo do meio ambiente e assim facilitar o

retorno ao statuo quo anterior agrave degradaccedilatildeo ambiental295

Assim fortalece-se a tutela do

meio ambiente na medida em que institui um viacutenculo de solidariedade entre o titular da

propriedade e o autor do dano ambiental296

Por isso eacute que via de regra a obrigaccedilatildeo propter rem eacute invocada pelo STJ para

fundamentar a existecircncia de obrigaccedilatildeo de reparar o dano ambiental daquele que adquiriu

o imoacutevel posteriormente agrave configuraccedilatildeo do dano297

O entendimento segundo

Wanderley Joseacute dos Reis eacute paciacutefico no STJ desde 2002 no julgamento do Recurso

Especial nordm 343741PR298

Desde entatildeo foram tantos os julgados nesse sentido que a

292

BUZANAR Mauriacutecio Baptistella Da Obrigaccedilatildeo Propter Rem Dissertaccedilatildeo de Mestrado Satildeo Paulo

Faculdade de Direito da Universidade de Satildeo Paulo 2012 p 79 293

Art 186 inciso II CF ldquo[a] funccedilatildeo social eacute cumprida quando a propriedade rural atende

simultaneamente segundo criteacuterios e graus de exigecircncia estabelecidos em lei aos seguintes requisitos

[] II - utilizaccedilatildeo adequada dos recursos naturais disponiveis e preservaccedilatildeo do meio ambienterdquo 294

BECHARA Erika A Responsabilidade Civil do Poluidor Indireto e a Obrigaccedilatildeo Propter Rem dos

Proprietaacuterios de Imoacuteveis Ambientalmente Degradados In Cadernos Juriacutedicos ano 20 nordm 48 Satildeo Paulo

2019 p 137-165 295

Ibid p 157 296

DOS REIS Wanderley Joseacute Natureza Propter Rem da Obrigaccedilatildeo de Reparaccedilatildeo por Danos

Ambientais Dourados Revista Juriacutedica UNIGRAN v 20 n 4 2018 p 107 297

Nesse sentido ver BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila REsp nordm 1090968SP Relator Luiz Fux

Brasiacutelia 15 jun 2010 298

DOS REIS Wanderley Joseacute Op Cit p 108

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Corte Superior firmou a tese de jurisprudecircncia299

segundo a qual ldquoa obrigaccedilatildeo de

recuperar a degradaccedilatildeo ambiental eacute do titular da propriedade do imoacutevel mesmo que natildeo

tenha contribuiacutedo para a deflagraccedilatildeo do dano tendo em conta sua natureza propter

remrdquo

Natildeo bastando em 2018 o STJ publicou o enunciado de Suacutemula nordm 623STJ dispondo

que ldquoas obrigaccedilotildees ambientais possuem natureza propter rem sendo admissiacutevel cobraacute-

las do proprietario ou possuidor atual eou dos anteriores a escolha do credorrdquo Uma

afirmaccedilatildeo inserta em um julgamento da Corte Superior eacute igualmente ilustrativa do quatildeo

forte eacute a orientaccedilatildeo do STJ nesse sentido ldquopara o fim de apuraccedilatildeo do nexo de

causalidade no dano ambiental equiparam-se quem faz quem natildeo faz quando deveria

fazer quem deixa de fazer quem natildeo se importa que faccedilam quem financia para que

faccedilam e quem se beneficia quando outros fazemrdquo300

Tambeacutem na legislaccedilatildeo eacute possiacutevel ver alusatildeo clara agrave obrigaccedilatildeo propter rem O Coacutedigo

Florestal Brasileiro (Lei nordm 126512012) por exemplo estabelece que as obrigaccedilotildees

previstas na referida Lei tecircm natureza real e satildeo transmitidas aos sucessores de

qualquer natureza no caso de transferecircncia do domiacutenio ou posse do imoacutevel rural (art

2ordm sect2ordm Lei nordm 126512012)301

O mesmo diploma impotildee ao proprietaacuterio do imoacutevel a

obrigaccedilatildeo de recompor a vegetaccedilatildeo da Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente ressaltando

que a obrigaccedilatildeo se transmite ao sucessor na mesma hipoacutetese de transferecircncia de

domiacutenio ou posse do imoacutevel rural (art 7ordm sect2ordm Lei nordm 126512012)302

De modo

semelhante a Lei Estadual Paulista nordm 135772009 dispotildee que um sujeito ainda que

natildeo tenha concorrido para a ocorrecircncia do dano ambiental eacute responsaacutevel pela

remediaccedilatildeo da contaminaccedilatildeo ocorrida na aacuterea de sua propriedade (art 13 inciso II Lei

Estadual Paulista nordm 135772009)303

22 DISTINCcedilAtildeO ENTRE OBRIGACcedilAtildeO PROPTER REM DE REPARAR

DANO AMBIENTAL E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO

AMBIENTAL

A obrigaccedilatildeo propter rem de reparar o dano ambiental eacute bom dizer natildeo se confunde

com a responsabilidade civil por dano ambiental embora tais conceitos natildeo raro

sejam mencionados conjuntamente na seara do Direito Ambiental Em parte isso se

deve ao fato de que tais conceitos aplicam-se com frequecircncia de forma concomitante em

299

Tese de jurisprudecircncia nordm 9 em Direito Ambiental 300

BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila Processo REsp nordm 1090968SP Relator Min Luiz Fux

Brasiacutelia 03 ago 2010 301

Art 2ordm sect2ordm Lei nordm 126512012 ldquosect 2ordm As obrigaccedilotildees previstas nesta Lei tecircm natureza real e satildeo

transmitidas ao sucessor de qualquer natureza no caso de transferecircncia de domiacutenio ou posse do imoacutevel

ruralrdquo 302

Art 7ordm sectsect1ordm e 2ordm Lei nordm 126512012 ldquosect 1ordm Tendo ocorrido supressatildeo de vegetaccedilatildeo situada em Area

de Preservaccedilatildeo Permanente o proprietaacuterio da aacuterea possuidor ou ocupante a qualquer tiacutetulo eacute obrigado a

promover a recomposiccedilatildeo da vegetaccedilatildeo ressalvados os usos autorizados previstos nesta Lei sect 2ordm A

obrigaccedilatildeo prevista no sect 1ordm tem natureza real e eacute transmitida ao sucessor no caso de transferecircncia de

dominio ou posse do imovel ruralrdquo 303

Art 13 inciso II Lei Estadual Paulista nordm 135772009 ldquoSatildeo considerados responsaveis legais e

solidaacuterios pela prevenccedilatildeo identificaccedilatildeo e remediaccedilatildeo de uma aacuterea contaminada [] II ndash o proprietaacuterio da

areardquo

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casos versando sobre o dever de reparaccedilatildeo dos danos ambientais De outro lado a

referecircncia indistinta a tais conceitos ocorre muitas vezes por falta de cuidado teacutecnico

como se todos eles se prestassem a um uacutenico significado

A distinccedilatildeo entre obrigaccedilatildeo propter rem de reparaccedilatildeo por danos ambientais e

responsabilidade civil por danos ambientais eacute importante e ressaltada por Tiago

Vaitekunas Zapater

O fundamento teoacuterico dessa distinccedilatildeo e das suas consequecircncias natildeo repousa

apenas na estrutura loacutegica da obrigaccedilatildeo propter rem mas tambeacutem nos

princiacutepios do Direito Ambiental A obrigaccedilatildeo de conservaccedilatildeo ambiental do

imoacutevel deriva do princiacutepio da funccedilatildeo socioambiental da propriedade e por

esse motivo adere agrave propriedade A responsabilidade civil por danos

ambientais deriva do princiacutepio do poluidor-pagador e por isso adere ao risco

assumido ou gerado por determinadas atividades304

Inclusive a noccedilatildeo de responsabilidade civil por dano ambiental vem acompanhada de

outras como de responsabilidade objetiva e solidaacuteria que natildeo se confundem com a

obrigaccedilatildeo propter rem A responsabilidade objetiva refere-se agrave possibilidade de

responsabilizar determinado agente praticante por um dano independentemente da

existecircncia de ato iliacutecito configurado por dolo ou culpa No Direito Ambiental significa

dizer que natildeo eacute por exemplo necessaacuterio perquirir se o poluidor agiu com culpa para

que seja tido como responsaacutevel a indenizar e reparar os danos causados ao meio

ambiente e a terceiros por sua atividade305

(art 14 sect1ordm Lei nordm 69381981)306

De outro

lado a responsabilidade solidaacuteria refere-se agrave existecircncia de mais de um responsaacutevel pelo

cumprimento de uma obrigaccedilatildeo em sua totalidade No Direito Ambiental significa

dizer por exemplo que qualquer um que participar na deflagraccedilatildeo de um dano

ambiental seraacute responsaacutevel pela integralidade dos danos307

(art 942 caput Coacutedigo

Civil) incluindo nesse conceito o terceiro indiretamente relacionado com a atividade

poluidora (artigo 3ordm inciso IV Lei nordm 69381981)308

A distinccedilatildeo mais do que puramente acadecircmica possui implicaccedilotildees praacuteticas Afinal se o

descumprimento de obrigaccedilatildeo ambiental por um possuidor (eg locataacuterio) natildeo danifica

propriamente o imoacutevel tal ato natildeo geraraacute implicaccedilotildees juriacutedicas ndash ie responsabilidade ndash

para o proprietaacuterio mas apenas para os causadores diretos do dano ambiental De outro

lado se esse mesmo possuidor desmata a Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente abrangida

pelo imoacutevel o proprietaacuterio ainda que natildeo tenha concorrido em medida alguma para tal

ato seraacute obrigado a recuperaacute-la Todavia a sua obrigaccedilatildeo encerra-se aiacute natildeo estaraacute o

304

ZAPATER Tiago Vaitekunas Aacutereas Contaminadas e Reparaccedilatildeo Integral diferenccedila entre obrigaccedilatildeo

propter rem e responsabilidade civil por dano ambiental Satildeo Paulo Revista do Advogado n 133 2017

p 218-228 305

GARCIA Leonardo de Medeiros THOMEacute Romeu Direito Ambiental 2ed rev ampl e atual

Salvador Ed JusPodivm 2010 p 138 306

Art 14 sect1ordm Lei nordm 69381981 ldquoSem obstar a aplicaccedilatildeo das penalidades previstas neste artigo eacute o

poluidor obrigado independentemente da existecircncia de culpa a indenizar ou reparar os danos causados

ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade O Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo e dos Estados

teraacute legitimidade para propor accedilatildeo de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio

ambienterdquo 307

ldquoPara correccedilatildeo do meio ambiente as empresas satildeo responsaveis solidarias e no plano interno entre si

responsabiliza-se cada qual pela participaccedilatildeo na conduta danosardquo (BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila

REsp nordm 18567 Relatora Eliana Calmon Brasiacutelia 16 jun 2000) 308

MILAREacute Eacutedis Direito do Ambiente 10 ed rev atual e ampl ndash Satildeo Paulo Editora Revista dos

Tribunais 2015 p 438-440

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proprietaacuterio nesse caso obrigado a pagar indenizaccedilatildeo ou prestar compensaccedilatildeo pelos

danos causados pelo possuidor que natildeo se relacionem diretamente ao imoacutevel309

3 COLOCACcedilAtildeO DO PROBLEMA A SERVIDAtildeO DE MINA

Como se sabe a propriedade do solo natildeo se confunde com a do subsolo Essa dicotomia

entre ambos eacute inclusive pregada na Carta Magna (art 176 caput CF)310

Tambeacutem o

Coacutedigo Civil vai ao encontro dessa separaccedilatildeo ao dispor que a propriedade do solo natildeo

abrange as jazidas as minas e os demais recursos minerais existentes sob ele (art 1230

Coacutedigo Civil)311

Ocorre que em razatildeo da rigidez locacional312

o minerador ldquonatildeo pode escolher sua

atividade produtiva porque as minas devem ser lavradas onde a natureza as colocourdquo313

Por isso eacute normal que o minerador detentor de um tiacutetulo autorizativo de

aproveitamento de substacircncia mineral em aacuterea situada em imoacutevel do qual natildeo seja

proprietaacuterio necessite ingressar em imoacuteveis de terceiros para que possa viabilizar a sua

atividade Essa necessidade existe natildeo apenas para a realizaccedilatildeo da lavra propriamente

dita mas tambeacutem para outras atividades envolvidas no ciclo da mineraccedilatildeo como

realizaccedilatildeo de pesquisa mineral construccedilatildeo de instalaccedilotildees abertura de vias de transporte

de pessoas e materiais depoacutesito de materiais e rejeitos da mineraccedilatildeo transmissatildeo de

energia eleacutetrica e captaccedilatildeo e aduccedilatildeo de aacutegua

Na praacutetica em casos com esse o minerador por vezes viabiliza o seu ingresso no

imoacutevel de forma amigaacutevel seja adquirindo o imoacutevel do superficiaacuterio ndash designaccedilatildeo

usualmente dada ao proprietaacuterio ou posseiro ndash caso a aquisiccedilatildeo do tiacutetulo de propriedade

seja de seu interesse seja firmando um acordo para ingresso no imoacutevel mediante

pagamento de indenizaccedilatildeo caso o ingresso na aacuterea apenas faccedila sentindo em caraacuteter

temporaacuterio Em outros casos contudo isso natildeo eacute possiacutevel sobretudo quando o dono do

imoacutevel resiste ao ingresso do minerador em sua propriedade

Por causa de situaccedilotildees como essa o legislador paacutetrio criou marcos regulatoacuterios

especiais para permitir a atividade mineraacuteria em aacutereas de terceiros Isto eacute mesmo

309

BECHARA Erika Op Cit p 161 310

Art 176 caput CF ldquoAs jazidas em lavra ou natildeo e demais recursos minerais e os potenciais de

energia hidraacuteulica constituem propriedade distinta da do solo para efeito de exploraccedilatildeo ou

aproveitamento e pertencem a Uniatildeo garantida ao concessionario a propriedade do produto da lavrardquo 311

Art 1230 Codigo Civil ldquoA propriedade do solo natildeo abrange as jazidas minas e demais recursos

minerais os potenciais de energia hidraacuteulica os monumentos arqueoloacutegicos e outros bens referidos por

leis especiaisrdquo 312

Como explicado por Adriano Drumond Canccedilado Trindade a rigidez locacional refere-se agrave inexistecircncia

de alternativa locacional para o aproveitamento do recurso mineral O autor menciona que ldquoo setor

mineral se depara com desafios decorrentes da rigidez locacional com grande frequecircncia mesmo em

casos de empreendimentos de pequeno porte que precisam se adaptar agraves circunstacircncias do local onde seraacute

conduzida a operaccedilatildeo (tanto no aspecto ambiental como no aspecto social e no uso do solo) Haacute casos em

que comunidades inteiras tiveram que ser reassentadas em outro local para que empreendimentos

mineiros pudessem ser implementadosrdquo Nesse sentido TRINDADE Adriano Drummond Canccedilado

Mineraccedilatildeo e Intervenccedilatildeo na Propriedade Privada In SION Alexandre Oheb (Org) Empreendimentos de

Infraestrutura e de Capital Intensivo Desafios Juriacutedicos 1ordf ed Belo Horizonte Del Rey 2017 v 1 p

279-296 313

FREIRE William Coacutedigo de Mineraccedilatildeo Anotado Belo Horizonte Mandamentos 2010 p 55-56

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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quando o ingresso amigaacutevel no imoacutevel natildeo eacute possiacutevel a legislaccedilatildeo prevecirc outras formas

de aproveitar os recursos minerais afinal tais atividades satildeo feitas em atendimento ao

interesse nacional (art 176 sect1ordm CF)314

e satildeo consideradas de utilidade puacuteblica (art 5ordm

aliacutenea f Decreto-Lei nordm 33651941)315

Essas formas satildeo a desapropriaccedilatildeo e a

instituiccedilatildeo de servidatildeo de mina

Quanto agrave primeira eacute interessante ressaltar que mesmo com a existecircncia do Decreto-Lei

nordm 33651941 parte da doutrina entendia pela inexistecircncia da figura da desapropriaccedilatildeo

mineraacuteria A questatildeo contudo parece ter sido resolvida com a Lei nordm 135752017316

que prevecirc a competecircncia da ANM para aprovar a delimitaccedilatildeo de aacutereas e declarar a

utilidade puacuteblica para fins de desapropriaccedilatildeo ou constituiccedilatildeo de servidatildeo mineral (art

2ordm XXI Lei nordm 135752017)317

A servidatildeo de mina por sua vez encontra-se expressamente prevista no Coacutedigo de

Mineraccedilatildeo que prevecirc a possibilidade de sua instituiccedilatildeo em propriedades nas quais se

localize uma jazida ou em limiacutetrofes para fins de pesquisa ou lavra mineral dentro do

que se compreende tambeacutem demais atividades que se faccedilam necessaacuterias agrave exploraccedilatildeo

mineral como construccedilatildeo de instalaccedilotildees abertura de vias de transporte de material e

pessoal captaccedilatildeo e aduccedilatildeo de aacutegua e depoacutesito de material (art 59 Coacutedigo de

Mineraccedilatildeo)318

O rol do artigo 59 do Coacutedigo de Mineraccedilatildeo eacute bom dizer eacute

exemplificativo e natildeo taxativo319

Retornando ao cerne deste estudo tem-se que tanto na hipoacutetese de venda do imoacutevel

quanto na de desapropriaccedilatildeo a duacutevida posta sobre a existecircncia de obrigaccedilatildeo do

superficiaacuterio de reparar o dano ambiental resta prejudicada Afinal se a obrigaccedilatildeo

propter rem decorre justamente da situaccedilatildeo juriacutedica de proprietaacuterio (no latim propter =

314

Art 176 sect1ordm CF ldquoA pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que

se refere o caput deste artigo somente poderatildeo ser efetuados mediante autorizaccedilatildeo ou concessatildeo da

Uniatildeo no interesse nacional por brasileiros ou empresa constituiacuteda sob as leis brasileiras e que tenha sua

sede e administraccedilatildeo no Paiacutes na forma da lei que estabeleceraacute as condiccedilotildees especiacuteficas quando essas

atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indiacutegenasrdquo 315

Art 5ordm aliacutenea f Decreto-Lei nordm 33651941 ldquoConsideram-se casos de utilidade puacuteblica [] f) o

aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais das aguas e da energia hidraulicardquo 316

Diz-se ldquoparece ter sido resolvidardquo pois como explica Bruno Feigelson ldquoa competecircncia estabelecida

para a ANM tratar de desapropriaccedilatildeo em projetos mineraacuterios enseja o questionamento a respeito de quais

aacutereas podem ser objeto de tais declaraccedilotildees bem como a respeito dos efeitos juriacutedicos decorrentes destas

Para analises mais apuradas cabe aguardar a regulamentaccedilatildeo do novo institutordquo Nesse sentido

FEIGELSON Bruno Curso de Direito Mineraacuterio Satildeo Paulo Saraiva 2012 317

Art 2ordm XXI Lei nordm 135752017 ldquoA ANM no exercicio de suas competecircncias observara e

implementaraacute as orientaccedilotildees e diretrizes fixadas no Decreto-Lei nordm 227 de 28 de fevereiro de 1967

(Coacutedigo de Mineraccedilatildeo) em legislaccedilatildeo correlata e nas poliacuteticas estabelecidas pelo Ministeacuterio de Minas e

Energia e teraacute como finalidade promover a gestatildeo dos recursos minerais da Uniatildeo bem como a regulaccedilatildeo

e a fiscalizaccedilatildeo das atividades para o aproveitamento dos recursos minerais no Paiacutes competindo-lhe []

XXI - aprovar a delimitaccedilatildeo de aacutereas e declarar a utilidade puacuteblica para fins de desapropriaccedilatildeo ou

constituiccedilatildeo de servidatildeo mineralrdquo 318

Art 59 Codigo de Mineraccedilatildeo ldquoFicam sujeitas a servidotildees de solo e subsolo para os fins de pesquisa

ou lavra natildeo soacute a propriedade onde se localiza a jazida como as limiacutetrofes Paraacutegrafo uacutenico Instituem-se

Servidotildees para a) construccedilatildeo de oficinas instalaccedilotildees obras acessoacuterias e moradias b) abertura de vias de

transporte e linhas de comunicaccedilotildees c) captaccedilatildeo e aduccedilatildeo de aacutegua necessaacuteria aos serviccedilos de mineraccedilatildeo e

ao pessoal d) transmissatildeo de energia eleacutetrica e) escoamento das aacuteguas da mina e do engenho de

beneficiamento f) abertura de passagem de pessoal e material de conduto de ventilaccedilatildeo e de energia

eleacutetrica g) utilizaccedilatildeo das aguadas sem prejuiacutezo das atividades pre-existentes e h) bota-fora do material

desmontado e dos refugos do engenhordquo 319

FEIGELSON Bruno Op Cit

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

186

ldquoem razatildeo derdquo rem = ldquocoisardquo) ao se desfazer do imovel o (antes) superficiario livra-se

da obrigaccedilatildeo320

Na servidatildeo de mina por sua vez o superficiaacuterio permanece proprietaacuterio do imoacutevel o

que a luz do entendimento doutrinaacuterio e da jurisprudecircncia do STJ permitiria afirmar

em princiacutepio a possibilidade de responsabilizaacute-lo pelos danos ambientais causados ao

imoacutevel ainda que natildeo tenha concorrido em grau algum para a sua ocorrecircncia No toacutepico

seguinte promove-se uma reflexatildeo acerca deste ponto

4 A RESPONSABILIDADE PROPTER REM DO SUPERFICIAacuteRIO DE

REPARAR DANOS AMBIENTAIS CAUSADOS PELO MINERADOR AO

IMOacuteVEL

Erika Bechara afirma que ldquoquando o proprietario aluga cede em comodato ou arrenda

o imoacutevel a um terceiro essa obrigaccedilatildeo [de preservar o imoacutevel contra dano ambiental e

reparaacute-lo] natildeo lhe abandonardquo321

pois a obrigaccedilatildeo eacute propter rem Contudo seraacute que se

pode dizer o mesmo na hipoacutetese de servidatildeo em que como visto a interferecircncia de

terceiro no imoacutevel do superficiaacuterio natildeo ocorre por exclusiva liberalidade deste mas

sempre em nome do interesse nacional e da utilidade puacuteblica ainda que a instituiccedilatildeo da

servidatildeo ocorra amigavelmente Isto eacute se o superficiaacuterio natildeo tem escolha senatildeo

permitir o ingresso do minerador em seu imoacutevel deve ele ser obrigado a reparar danos

ambientais causados ao imoacutevel em razatildeo da atividade mineraacuteria

Imagine-se a seguinte situaccedilatildeo uma mineradora constroacutei em terreno de propriedade de

terceiro uma barragem de rejeitos havendo o acesso e o uso do imoacutevel sido viabilizados

mediante instituiccedilatildeo de servidatildeo de mina Vindo a ocorrer um rompimento da barragem

seja por responsabilidade ou natildeo da mineradora (o que eacute irrelevante para o presente

debate) deve o superficiaacuterio que natildeo contribuiu para os danos ambientais causados ser

obrigado a reparaacute-los Poder-se-ia pensar tambeacutem em caso menos extremo vindo uma

mineradora a desmatar parte da Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente em um imoacutevel para

realizaccedilatildeo de pesquisa mineral o superficiaacuterio eacute obrigado a recuperaacute-la

A duacutevida ressalte-se ateacutem-se aos danos provocados ao proacuteprio imoacutevel uma vez que a

obrigaccedilatildeo propter rem decorre justamente da situaccedilatildeo juriacutedica de titular daquele bem

E como obrigaccedilatildeo propter rem de reparar danos ambientais natildeo se confunde com

responsabilidade civil por danos ambientais322

ao superficiaacuterio natildeo poderaacute ser atribuiacuteda

a responsabilidade de responder integralmente pelos danos externos ao imoacutevel causados

pela atividade mineraacuteria Erika Bechara eacute clara nesse sentido

No que tange agrave amplitude da obrigaccedilatildeo propter rem ambiental haacute que se

destacar que por forccedila dela o proprietaacuterio estaacute obrigado a recompor as

caracteriacutesticas ambientais do imoacutevel destruiacutedas pelo terceiro ndash locataacuterio

320

Como explica Erika Bechara a exceccedilatildeo ocorreraacute se o proprietaacuterio do imoacutevel for o causador direto ou

indireto do passivo floresta ou da contaminaccedilatildeo nele existente Nesse caso sua obrigaccedilatildeo de recuperaccedilatildeo

da aacuterea natildeo derivaraacute unicamente da obrigaccedilatildeo propter rem de forma que ainda que extinta a obrigaccedilatildeo

propter rem residiraacute a sua responsabilidade por reparar o dano ambiental em virtude de tecirc-lo causado

Nesse sentido BECHARA Erika Op Cit p 162 321

BECHARA Erika Op Cit p 158 322

Vide toacutepico 22

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

187

comodataacuterio arrendataacuterio ou antigo proprietaacuterio E soacute Os danos ambientais

(aleacutem daqueles observados na propriedade) e os danos agrave sauacutede que o poluidor

direto causar a partir da atividade desenvolvida no imoacutevel estatildeo fora do

campo da obrigaccedilatildeo propter rem que de seu turno estaacute focada unicamente

na situaccedilatildeo (ambiental) da propriedade natildeo nos danos externos a ela323

Obriga-se entatildeo o superficiaacuterio a reparar os danos ambientais causados ao proacuteprio

imoacutevel nesse caso A Suacutemula nordm 623STJ e a tese de jurisprudecircncia da Corte Superior

natildeo excepcionam o superficiaacuterio da regra geral Contudo eacute certo tambeacutem que os

julgamentos que originaram as referidas suacutemula e tese natildeo enfrentaram essa questatildeo

Afinal como dito a obrigaccedilatildeo propter rem eacute usualmente invocada para justificar a

existecircncia de obrigaccedilatildeo de reparar o dano ambiental daquele que adquiriu o imoacutevel

posteriormente agrave configuraccedilatildeo do dano324

O melhor entendimento parece ser o de que o superficiaacuterio estaacute obrigado a reparar o

dano ambiental Apesar de o ingresso de terceiro em imoacutevel de sua propriedade natildeo

decorrer de exclusiva liberalidade do superficiaacuterio deve ele em atendimento aos

princiacutepios da precauccedilatildeo e da prevenccedilatildeo zelar pela incolumidade da propriedade contra

o dano ambiental

De todo modo deve-se assegurar o direito de regresso in casu a ser exercido contra o

minerador Aliaacutes como o STJ jaacute teve a oportunidade de decidir a feiccedilatildeo propter rem da

obrigaccedilatildeo de reparar os danos ambientais natildeo exclui a possibilidade de regresso

[S]abe-se que a accedilatildeo de terceiros natildeo isenta o proprietaacuterio de

responsabilidade civil ambiental por dano ao bem protegido Primeiro

porque conforme jurisprudecircncia paciacutefica do STJ cuida-se de

responsabilizaccedilatildeo de feiccedilatildeo objetiva e propter rem ressalvado o direito de

regresso Segundo porque uma das obrigaccedilotildees do titular do domiacutenio

decorrecircncia da funccedilatildeo ecoloacutegica da propriedade vem a ser exatamente zelar

pela coisa de modo a evitar sua degradaccedilatildeo ambiental325

O fundamento para o direito de regresso eacute simples caso o dano ambiental tenha sido

provocado pelo minerador inexiste duacutevidas de que seraacute ele responsaacutevel a indenizar o

superficiaacuterio por eventuais danos sofridos para reparar o dano ambiental De outro lado

natildeo havendo o dano ambiental sido provocado pelo minerador mas por evento de forccedila

maior por exemplo caberaacute igualmente o regresso contra o minerador pois este eacute

objetivamente responsaacutevel em razatildeo da teoria do risco criado ou do risco integral326

ndash

aplicaacutevel ao minerador em razatildeo do risco de sua atividade mas natildeo ao superficiaacuterio

323

BECHARA Erika Op Cit p 161 324

A tiacutetulo de exemplo veja-se ldquoA obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo dos danos ambientais eacute propter rem por isso

que a Lei 817191 vigora para todos os proprietaacuterios rurais ainda que natildeo sejam eles os responsaacuteveis por

eventuais desmatamentos anteriores maacutexime porque a referida norma referendou o proacuteprio Coacutedigo

Florestal (art 16 sect 2ordm da 477165) que estabelecia uma limitaccedilatildeo administrativa agraves propriedades rurais

obrigando os seus proprietaacuterios a instituiacuterem aacutereas de reservas legais de no miacutenimo 20 de cada

propriedade em prol do interesse coletivordquo Ver BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila Processo REsp

nordm 1090968SP Relator Min Luiz Fux Brasiacutelia 03 ago 2010 325

BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila REsp nordm 1376199SP Relator Min HERMAN BENJAMIN

Brasiacutelia 07 nov 2016 326

O entendimento de que se aplica agrave atividade de mineraccedilatildeo a teoria do risco integral natildeo eacute uniacutessona na

doutrina Em sentido contraacuterio ROSENVALD Nelson DE FARIAS Cristiano Chaves NETTO Felipe

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Com isso assegura-se tanto a manutenccedilatildeo do mais amplo rol de responsaacuteveis pela

reparaccedilatildeo do dano ambiental ndash afinal o interesse maacuteximo eacute de manutenccedilatildeo do meio

ambiente ecologicamente estaacutevel ndash quanto a possibilidade de manter o superficiaacuterio

indene de danos com a posterior possibilidade de se ressarcir perante o minerador

5 CONCLUSAtildeO

Como visto eacute frequente a alusatildeo agrave obrigaccedilatildeo propter rem no Direito Ambiental a fim de

justificar o dever do proprietaacuterio ou possuidor do imoacutevel de reparar os danos ambientais

causados agrave propriedade ainda que tais sujeitos natildeo tenham dado causa agrave ocorrecircncia do

dano A Tatildeo frequente eacute essa alusatildeo que a doutrina e a jurisprudecircncia do Superior

Tribunal de Justiccedila firmaram entendimento nesse sentido

Apesar disso deve-se refletir se o mesmo entendimento pode ser aplicado aos casos em

que o proprietaacuterio ou possuidor do imoacutevel satildeo obrigados em nome do interesse puacuteblico

a permitir o ingresso do minerador em seu imoacutevel via instituiccedilatildeo de servidatildeo de mina

Entende-se que tambeacutem neste caso o melhor entendimento eacute o de que o superficiaacuterio

estaacute obrigado a reparar o dano ambiental em atendimento aos princiacutepios da precauccedilatildeo e

da prevenccedilatildeo

Contudo o dever de reparar estaacute adstrito aos danos ambientais causados ao proacuteprio

imoacutevel afinal obrigaccedilatildeo propter rem de reparar danos ambientais natildeo se confunde com

responsabilidade civil por danos ambientais Aleacutem disso fica assegurado o direito de

regresso a ser exercido contra o minerador pois a feiccedilatildeo propter rem da obrigaccedilatildeo de

reparar os danos ambientais natildeo exclui a possibilidade de regresso

REFEREcircNCIAS

BECHARA Erika A Responsabilidade Civil do Poluidor Indireto e a Obrigaccedilatildeo

Propter Rem dos Proprietaacuterios de Imoacuteveis Ambientalmente Degradados In Cadernos

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BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila Processo REsp nordm 1090968SP Relator Min

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Peixoto Braga Novo Tratado de Responsabilidade Civil 3ordf ed rev e atual Salvador Editora JusPodivm

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CARIBEacute Karla Virgiacutenia Bezerra Reparaccedilatildeo de Dano Ambiental Obrigaccedilatildeo Propter

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____

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2010

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ampl e atual Salvador Ed JusPodivm 2010

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Satildeo Paulo Saraiva 2016

MACHADO Paulo Affonso Leme Direito Ambiental Brasileiro 19ed Satildeo Paulo

Malheiros Editores 2012

MILAREacute Eacutedis Direito do Ambiente 10ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos

Tribunais 2015

MIRRA Aacutelvaro Luiz Valery Responsabilidade Civil Ambiental e a Jurisprudecircncia do

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Izabel Freire O Princiacutepio do Poluidor-Pagador na Jurisprudecircncia do STF e do STJ uma

anaacutelise criacutetica Veredas do Direito Belo Horizonte v 16 n 34 2019

POLIacuteZIO JUacuteNIOR Vladimir Poliacutezio Novo Coacutedigo Florestal Satildeo Paulo Rideel 2012

REIS Wanderley Joseacute dos Natureza Propter Rem da Obrigaccedilatildeo de Reparaccedilatildeo por

Danos Ambientais Dourados Revista Juriacutedica UNIGRAN v 20 n 4 2018

ROSENVALD Nelson DE FARIAS Cristiano Chaves NETTO Felipe Peixoto Braga

Novo Tratado de Responsabilidade Civil 3ed rev e atual Salvador Editora

JusPodivm 2015

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Privada In SION Alexandre Oheb (Org) Empreendimentos de Infraestrutura e de

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ZAPATER Tiago Vaitekunas Aacutereas Contaminadas e Reparaccedilatildeo Integral diferenccedila

entre obrigaccedilatildeo propter rem e responsabilidade civil por dano ambiental Satildeo Paulo

Revista do Advogado n 133 2017 p 218-228

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO NO DIREITO AMBIENTAL

PRESSUPOSTOS E APLICACcedilAtildeO

LUNIZA CARVALHO DO NASCIMENTO

________________ SUMAacuteRIO _________________

1 Introduccedilatildeo 2 Sociedade de Risco 3 O Princiacutepio

da Precauccedilatildeo 31 Princiacutepio da Precauccedilatildeo vs

Princiacutepio da Prevenccedilatildeo 4 A Aplicaccedilatildeo do Princiacutepio

pelo Supremo Tribunal Federal 5 Consideraccedilotildees

Finais

Resumo Trata-se de artigo acadecircmico produzido com o objetivo de delinear os

contornos juriacutedicos do Princiacutepio da Precauccedilatildeo no Direito Ambiental Brasileiro Os

pressupostos para sua existecircncia satildeo traccedilados em um primeiro momento para que em

seguida seus limites e definiccedilotildees sejam abordados Apoacutes um cotejo deste princiacutepio com

o Princiacutepio da Prevenccedilatildeo seraacute feita uma exposiccedilatildeo de decisotildees proferidas pelo Supremo

Tribunal com o intuito de compreender como a Corte o tem aplicado

Palavras-chave Direito Ambiental Princiacutepio da Precauccedilatildeo Aplicabilidade

1 INTRODUCcedilAtildeO

Nos dias atuais a sociedade qualificada como de risco influencia decisotildees poliacuteticas que

corriqueiramente satildeo tomadas para que se evitem danos Ao falar de risco pressupotildee-se

ocorrecircncias provocadas pelo agir humano e ao contraacuterio do que se entende por perigo

que seriam as situaccedilotildees alheias e externas agrave vontade do homem

Advogada graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia Contadora graduada em Ciecircncias

Contaacutebeis pela Fundaccedilatildeo Visconde de Cairu Mestranda em Direito e Justiccedila na Universidade Federal de

Minas Gerais E-mail lunizanascimentosachacalmoncombr

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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A partir disso eacute importante notar a existecircncia de situaccedilotildees que decorrem da accedilatildeo do

homem e que podem acarretar danos generalizados mas que por falta de informaccedilatildeo

cientiacutefica ou da proacutepria incerteza de sua ocorrecircncia conjecturam-se mecanismos que

afastam a praacutetica dessas accedilotildees tendo em vista a grande probabilidade de realizaccedilatildeo de

um dano natildeo soacute a pessoas mas ao ambiente em geral

Eacute importante falar entatildeo em sociedade de risco e da necessidade de conhecimento que

natildeo se restrinja ao estudo teacutecnico que envolva a comprovaccedilatildeo de nexo de causalidade

entre certas accedilotildees e condutas mas tambeacutem de um saber que se ocupa de analisar a

probabilidade de ocorrecircncia de danos acarretada por condutas humanas

Desta forma este estudo se propotildee a explicitar num primeiro momento a qualificaccedilatildeo

da sociedade atual como de risco e suas causas em seguida analisar o principal ponto da

discussatildeo que eacute o princiacutepio da precauccedilatildeo e seus contornos doutrinaacuterios e por fim

entender de que forma o Supremo Tribunal Federal tem aplicado essa norma impliacutecita

no ordenamento constitucional

2 SOCIEDADE DE RISCO

Em outras eacutepocas os danos e os riscos causados individualmente pelo homem eram

tambeacutem individualmente sofridos ao contraacuterio da sociedade atual cujos danos e riscos

convergem para potenciais danos globais

ULRICH BECK pontua que a sociedade nos dias de hoje eacute caracterizada pela

existecircncia de riscos que diferente dos perigos ndash associados aos desastres naturais ou

pragas de outras eacutepocas ndash satildeo artificiais pois satildeo resultados da atividade do homem e

vinculados a uma escolha327

Os riscos satildeo uma ameaccedila potencial a um grande nuacutemero de pessoas e se potencializam

com o avanccedilo tecnologico e o capitalismo selvagem aliados ldquoa exploraccedilatildeo e manejo da

energia nuclear dos produtos quiacutemicos de recursos alimentiacutecios de riscos ecoloacutegicos

ou daqueles que podem chegar a tecnologia geneacuteticardquo328

Esses fatores conjecturam uma

realidade em que o ser humano eacute capaz de causar uma destruiccedilatildeo em massa

Assim eacute que os riscos com efeitos e consequecircncias natildeo queridos pela sociedade satildeo de

difiacutecil prevenccedilatildeo e diagnoacutestico acabando por produzir inseguranccedila social sentida pelas

pessoas e provocada por inuacutemeras condiccedilotildees

Questotildees que eram vistas de modo indiferente e alheias a preocupaccedilotildees causam

externalidades e efeitos secundaacuterios produzindo consequecircncias negativas para a

sociedade ensejam o debate acerca do surgimento de uma das funccedilotildees do Estado o

gerenciamento de riscos329

As origens desses riscos e perigos satildeo diversas tornando-os

327

BECK Ulrich Poliacuteticas ecoloacutegicas en la edad del riesgo El Roure Barcelona 1998 p 120 328

HAMMERSCHIMIDT Denise O Risco na Sociedade Contemporacircnea e o Princiacutepio da Precauccedilatildeo no

Direito Ambiental Revista Sequumlecircncia nordm 45 p 97-122 dez de 2002 p 101 329

CENCI Daniel Rubens KAumlSSMAYER Karin O Direito Ambiental na Sociedade de Risco e o

Conceito de Justiccedila Ambiental Disponiacutevel em lthttpanppasorgbrencontro4cdARQUIVOSGT11-

1015-886-20080510203835pdfgt Acesso em 30 nov 2018 p 04

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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multidimensionais caracteriacutestica que marca certa complexidade e dificuldade para os

variados ordenamentos juriacutedicos no enfrentamento desse tipo de situaccedilatildeo330

Uma sociedade caracterizada como de risco pode ser considerada como um espaccedilo em

que as pessoas satildeo obrigadas a lidar cotidianamente com probabilidades de cataacutestrofes

de situaccedilotildees qualificadas como de perigo de seus responsaacuteveis e de externalidades que

fogem de seus controles sem que exista necessariamente uma medida que elimine tais

possibilidades331

Os riscos podem ser entatildeo vislumbrados como um aspecto permanente da sociedade

mas haacute que se levar em consideraccedilatildeo a sua evoluccedilatildeo uma vez que se diferenciam por

serem invisiacuteveis imperceptiacuteveis e globais decorrentes de um modelo econocircmico de

produccedilatildeo industrial que gera danos irreversiacuteveis

Eacute a tambeacutem denominada por Beck ldquosociedade de risco globalrdquo cuja identificaccedilatildeo esta

atrelada ao enfrentamento de desafios que revertam a possibilidade de destruiccedilatildeo de

todos os tipos de vida ao redor do planeta inicialmente de forma sutil e em seguida de

maneira cada vez mais evidente332

Eacute por existirem riscos desconhecidos e invisiacuteveis que o conhecimento e o saber se

constituem como uma expressatildeo poliacutetica que reverbera em um agir humano em face de

uma ameaccedila que pede uma nova eacutetica que seja preventiva Eacute por isso que urge uma

intervenccedilatildeo do Estado no meio empresarial e principalmente na garantia do acesso agrave

informaccedilatildeo333

Ao lado desse apelo intervencionista impera uma irresponsabilidade organizada cuja

noccedilatildeo consiste no reconhecimento da existecircncia de um ambiente onde a proacutepria

sociedade se natildeo desconhece a realidade de perigo e risco nega a sua existecircncia as

responsabilidades e culpas na formaccedilatildeo desse local de risco334

Com efeito entende-se como necessaacuteria a busca por um modelo de sociedade com

relaccedilotildees que estejam baseadas em uma estrutura juriacutedica que normatize com cautela e

prudecircncia comportamentos que representam riscos natildeo soacute para seres humanos como

tambeacutem para todos os seres vivos do planeta

A sociedade por meio dos instrumentos de democracia participativa tem a incumbecircncia

de assumir a responsabilidade ou de excluir a existecircncia de certos riscos Isso manifesta-

se de forma ainda mais acentuada quando se trata de riscos globais que atingem

indeterminado nuacutemero de pessoas como eacute o caso de riscos ambientais

3 O PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO

330

LEITE Joseacute Rubens Morato AYALA Patryck de Arauacutejo Direito Ambiental na Sociedade de Risco

Satildeo Paulo Forense 2002 p 18 331

GOLDBLATT 1996 p 228 apud idem ibidem 332

BECK op cit p 120 333

CENCI KAumlSSMAYER op cit p 5 334

BECK idem p 115

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Com origem no Direito Alematildeo o princiacutepio da precauccedilatildeo surgiu na deacutecada de 70 a

partir da preocupaccedilatildeo com a necessidade de avaliaccedilatildeo preacutevia das consequecircncias no

meio ambiente dos projetos e empreendimentos que estavam sendo ou em vias de

serem implantados335

O princiacutepio da precauccedilatildeo corresponde agrave essecircncia do direito ambiental uma vez que se

traduz como um princiacutepio estruturante do Estado de Direito Ambiental336

A noccedilatildeo de

precauccedilatildeo traduz uma eacutetica da decisatildeo necessaacuteria em um contexto de incerteza e sua

invocaccedilatildeo eacute resultado das transformaccedilotildees socioloacutegicas e filosoacuteficas na sociedade

atual337

Eacute norma prescrita na Declaraccedilatildeo do Rio338

o Princiacutepio 15

ldquoDe modo a proteger o meio ambiente o princiacutepio da precauccedilatildeo deve ser

amplamente observado pelos Estados de acordo com suas capacidades

Quando houver ameaccedila de danos seacuterios ou irreversiacuteveis a ausecircncia de

absoluta certeza cientiacutefica natildeo deve ser utilizada como razatildeo para postergar

medidas eficazes e economicamente viaacuteveis para precaver a degradaccedilatildeo

ambientalrdquo

Embora esta Declaraccedilatildeo natildeo tenha natureza de tratado internacional para o Brasil trata-

se de compromisso mundial eacutetico cuja recomendaccedilatildeo eacute a de que os Estados tecircm o dever

de observacircncia a fim de que se evite uma irreversiacutevel degradaccedilatildeo ambiental

Aleacutem disso o princiacutepio da precauccedilatildeo estaacute inserido em um dos Comunicados da

Comissatildeo da Uniatildeo Europeia que diz respeito agrave proteccedilatildeo ambiental prevenccedilatildeo de risco

ambiental e poliacutetica ambiental339

ldquoA invocaccedilatildeo do principio da precauccedilatildeo eacute uma decisatildeo exercida quando a

informaccedilatildeo cientiacutefica e insuficiente natildeo conclusiva ou incerta e haja

indicaccedilotildees de que os possiacuteveis efeitos sobre o ambiente a sauacutede das pessoas

dos animais ou a proteccedilatildeo vegetal possam ser potencialmente perigosos ou

incompativeis com o nivel de proteccedilatildeo escolhidordquo

Este princiacutepio se revela entatildeo como um posicionamento de accedilatildeo ou omissatildeo quando haacute

sinais de risco significativo para as pessoas animais e vegetais ainda que tais sinais natildeo

sejam concretamente demonstrados 340

Nesse sentido o princiacutepio demanda uma

atuaccedilatildeo que invoque medidas a serem tomadas mesmo que natildeo haja provas e sim

suspeitas da ocorrecircncia de efeitos gerados a partir de riscos

335

ANTUNES Paulo Bessa O Princiacutepio da Precauccedilatildeo no Direito Ambiental Brasileiro Veredas do

Direito Belo Horizonte v 13 n 27 p70 336

DERANI Cristiane Direito Ambiental Econocircmico 2ed Satildeo Paulo Max Limonad 2001 p 169 337

LASCOUNE 1997 p 131 apud BERGEL Salvador DIAZ Alberto Biotecnologia y sociedad

Buenos Aires Ciudad Argentina 2001 p 77 338

United Nations Conference on Environment and Development Rio Declaration Rio de Janeiro

Brasil 3-14 de junho de 1992 339

UNIAtildeO EUROPEIA Comunicaccedilatildeo da Comunicaccedilatildeo relativa ao Princiacutepio da Precauccedilatildeo Bruxelas

02022000 COM 2000 340

MACHADO Paulo Affonso Leme O Princiacutepio da Precauccedilatildeo e a Avaliaccedilatildeo de Riscos Revista dos

Tribunais RT 85635 fev 2007 p02

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

195

HAMMERSCHIMIDT341

pontua que o princiacutepio da precauccedilatildeo se articula com base em

dois pressupostos o primeiro seria a possibilidade de que determinadas condutas

humanadas causem danos coletivos que podem ser entendidos como situaccedilotildees

catastroacuteficas que afetem seres vivos em geral e o segundo seria a falta de evidecircncia

cientiacutefica relacionada agrave existecircncia do dano que se evita Esta seria uma incerteza natildeo

apenas quanto agrave relaccedilatildeo causal entre ato e efeito mas tambeacutem relativa agrave realidade do

dano

Assim eacute que se eacute possiacutevel que determinada situaccedilatildeo possa causar danos ambientais e

inexiste certeza cientiacutefica em relaccedilatildeo aos efetivos danos e sua extensatildeo mas haacute uma

base cientiacutefica fundada na razoabilidade e probabilidade de ocorrecircncia entatildeo devem ser

invocadas medidas de precauccedilatildeo para evitar ou diminuir a ocorrecircncia de riscos

ambientais

Aqui infere-se que o princiacutepio da precauccedilatildeo se trata de verdadeira presunccedilatildeo tendo em

vista que as presunccedilotildees satildeo regras que resultam de proposiccedilotildees devidamente

comprovadas Dessa forma entendendo que as presunccedilotildees impotildeem o dever de aceitar

como verdadeiras proposiccedilotildees desde que verificadas condiccedilotildees estabelecidas

previamente e que ensejam a sua configuraccedilatildeo342

parece certo afirmar que a utilizaccedilatildeo

do princiacutepio da precauccedilatildeo decorre de uma presunccedilatildeo

Esses institutos prescrevem o reconhecimento juriacutedico de um fato comprovado

indiretamente343

Ou seja eacute o que resulta logicamente por meio de um fato conhecido

de existecircncia certa infere-se o fato controverso ou duvidoso cuja existecircncia torna-se

provaacutevel344

No mesmo sentido de inferecircncia CARRAZA345

defende que presunccedilatildeo eacute suposiccedilatildeo de

um fato desconhecido em consequecircncia provaacutevel e direta de outro fato ordinariamente

conhecido

Comumente satildeo classificadas em (i) simples quando resultam do raciociacutenio humano e

(ii) legais ou de direito quando satildeo prescritas normas juriacutedicas Estas uacuteltimas satildeo

divididas em relativas ou juris tantum quando admitem provas em contraacuterio e

absolutas ou iuris et de jure quando natildeo admitem prova em sentido contraacuterio346

A diferenccedila entre estas diz respeito agrave existecircncia de uma claacuteusula adicional que fixa

condiccedilotildees de superaccedilatildeo do suposto fato descrito na hipoacutetese normativa As presunccedilotildees

relativas como admitem prova em contraacuterio satildeo derrotaacuteveis ou superaacuteveis ao passo

que as presunccedilotildees absolutas natildeo admitem exceccedilotildees Por esse motivo a estrutura dessa eacute

341

HAMMERSCHIMIDT op cit p 109 342

MENDONCcedilA Daniel Presunciones Doxa - Cuadernos de Filosofia del Derecho 21-I 1998 p 89 343

FERRAGUT Maria Rita Presunccedilotildees no Direito Tributaacuterio 2ed Satildeo Paulo Quartier Latin 2005 p

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Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

196

ldquoSe A entatildeo deve ser Brdquo ao passo que naquela a estrutura eacute ldquoSe A e natildeo C entatildeo

deve ser Brdquo347

Pois bem Depreende-se como correto afirmar entatildeo que o princiacutepio se assenta na

necessidade de atuaccedilatildeo do estado face agrave falta de evidecircncia cientiacutefica348

diante de um fato

cuja presunccedilatildeo de seus efeitos eacute a de que provoque danos

Aleacutem disso haacute que se pontuar os contornos da incerteza e da ignoracircncia cientiacutefica que

estruturam esse princiacutepio

A incerteza natildeo necessariamente diz respeito a um fato inexistente mas pode significar

algo que estaacute indefinido e natildeo tem suas dimensotildees evidentemente apontadas O incerto

pode ser uma hipoacutetese que ainda natildeo foi testada nem verificado mas que natildeo pode ser

descartada pois induz a necessidade de avaliaccedilatildeo e pesquisa Assim eacute que se a

informaccedilatildeo eacute incerta revela-se necessaacuteria a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo349

Ressalte-se entretanto que a incerteza no conhecimento como forma de ignoracircncia

natildeo se justifica pela amplitude dos conhecimentos existentes ou ateacute pela falta de

conhecimento daquilo que se considere banal Pelo contraacuterio o saber eacute imprescindiacutevel

para a constataccedilatildeo de que determinado ato ou fato podem natildeo causar risco agrave sauacutede de

animais e vegetais350

Ou seja o princiacutepio da precauccedilatildeo pode ser invocado quando haacute

desconhecimento quanto aos efeitos negativos que podem repercutir ao meio ambiente

quando decorrentes de uma accedilatildeo em que se presume a ocorrecircncia do dano Assim

necessaacuterio se faz a busca por informaccedilotildees para constataccedilatildeo de que a ocorrecircncia

supostamente riscosa natildeo provoca danos irreversiacuteveis ao ambiente

31 PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO VS PRINCIacutePIO DA PREVENCcedilAtildeO

Diante do exposto eacute importante realizar a diferenciaccedilatildeo entre o princiacutepio da precauccedilatildeo e

o princiacutepio da prevenccedilatildeo para melhor delimitaccedilatildeo dos contornos daquele

Quanto agraves semacircnticas prevenccedilatildeo eacute substantivo feminino do verbo prevenir que

significa ldquodispor de antematildeo antecipar algordquo enquanto a palavra precauccedilatildeo eacute

substantivo feminino do verbo precaver-se e sugere cautela para que determinada accedilatildeo

natildeo aconteccedila a fim de evitar efeitos que se deseja evitar351

Para aleacutem das distinccedilotildees de significado o princiacutepio da prevenccedilatildeo diz respeito a uma

conduta racional frente a um dano em que a ciecircncia pode objetivar e medir que estaacute

347

REGLA 2006 apud MOREIRA Andreacute Mendes DERZI Misabel Abreu Machado Presunccedilotildees e

ficccedilotildees na tributaccedilatildeo limites entre a substituiccedilatildeo tributaacuteria progressiva e as pautas fiscais In PARISI

Fernanda Drummond TOcircRRES Heleno Taveira MELO Joseacute Eduardo Soares de (Org) Estudos de

Direito Tributaacuterio em Homenagem ao Professor Roque Carrazza v 2 Satildeo Paulo Malheiros 2014 p

296 348

HAMMERSCHIMIDT op cit 110 349

MACHADO Paulo Affonso Leme op cit p03 350

Idem p 04 351

PRIBERAM Disponiacutevel em lt httpsdicionariopriberamorggt Acesso em 29112019

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

197

dentro do acircmbito de certeza no sentido cientiacutefico A precauccedilatildeo conforme jaacute exposto

possui um pressuposto de incerteza relativo ao conhecimento cientiacutefico352

Nos dois princiacutepios existe o elemento do risco mas em sentidos diferentes O princiacutepio

da prevenccedilatildeo relaciona-se com o perigo concreto ao passo que o princiacutepio da precauccedilatildeo

pressupotildee um perigo abstrato353

O princiacutepio da prevenccedilatildeo portanto deve ser aplicado

para impedir accedilotildees que jaacute se sabem como causadoras de danos por fontes e informaccedilotildees

conhecidas O princiacutepio da precauccedilatildeo eacute aplicado quando o risco do perigo eacute meramente

potencial desconhecido cuja ocorrecircncia natildeo eacute possiacutevel quantificar ou qualificar354

4 A APLICACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Definidos os contornos inerentes e essenciais do princiacutepio da precauccedilatildeo torna-se

importante saber como o tem aplicado a Corte Constitucional brasileira vez que se trata

de princiacutepio impliacutecito no ordenamento juriacutedico

Ainda que natildeo expressamente previsto na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o princiacutepio da

precauccedilatildeo foi consagrado como norma impliacutecita decorrente de seu artigo 225 conforme

relatoria do Ministro Carlos Britto na Accedilatildeo Ciacutevel Originaacuteria 876 MC no Supremo

Tribunal Federal

A ACO tratava de tema relativo agrave Transposiccedilatildeo do Rio Satildeo Francisco com as Bacias

Hidrograacuteficas do Nordeste Setentrional movida em face da Uniatildeo e do Instituto

Brasileiro do Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis ndash IBAMA tendo em vista

a preservaccedilatildeo do meio ambiente supostamente ameaccedilado pela Uniatildeo no

desenvolvimento do Projeto de Integraccedilatildeo cuja discussatildeo girava em torno de violaccedilatildeo

de normas constitucionais ambientais

Essa decisatildeo aleacutem de distinguir claramente o princiacutepio da precauccedilatildeo com o princiacutepio da

prevenccedilatildeo no sentido de esclarecer as duacutevidas quantos aos danos da atividade

fundamentou o princiacutepio com base no artigo 225 da Constituiccedilatildeo pois aparentemente

esta norma conteacutem a preocupaccedilatildeo com as futuras geraccedilotildees355

352

HAMMERSCHIMIDT op cit 111 353

LEITE AYALA op cit p 20 354

WEDY Gabriel Precauccedilatildeo no Direito Ambiental natildeo quer dizer o mesmo que prevenccedilatildeo Disponiacutevel

em lthttpswwwconjurcombr2014-mai-30gabriel-wedy-precaucao-direito-ambiental-nao-

prevencaogt Acesso em 06122019 p 04

355 EMENTA Agravo regimental Medida liminar indeferida Accedilatildeo civil originaacuteria Projeto de

Integraccedilatildeo do Rio Satildeo Francisco com as Bacias Hidrograacuteficas do Nordeste Setentrional Periculum in

mora natildeo evidenciado 1 Como assentado na decisatildeo agravada a Ordem dos Advogados do Brasil -

Seccedilatildeo da Bahia AATR - Associaccedilatildeo de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia

GAMBA - Grupo Ambientalista da Bahia IAMBA - Instituto de Accedilatildeo Ambiental da Bahia Associaccedilatildeo

Movimento Paulo Jackson - Eacutetica Justiccedila e Cidadania PANGEA - Centro de Estudos Socioambientais e

da AEABA - Associaccedilatildeo dos Engenheiros Agrocircnomos da Bahia natildeo detecircm legitimidade ativa para a accedilatildeo

prevista no art 102 I f da Constituiccedilatildeo Federal 2 A Licenccedila de Instalaccedilatildeo levou em conta o fato de

que as condicionantes para a Licenccedila Preacutevia estatildeo sendo cumpridas tendo o IBAMA apresentado

programas e planos relevantes para o sucesso da obra dos quais resultaram novas condicionantes para a

validade da referida Licenccedila de Instalaccedilatildeo A correta execuccedilatildeo do projeto depende primordialmente da

efetiva fiscalizaccedilatildeo e empenho do Estado para proteger o meio ambiente e as sociedades proacuteximas 3

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

198

Outra decisatildeo importante foi a decorrente do Recurso Extraordinaacuterio 627189 de Satildeo

Paulo que tratou da possibilidade de impor agrave concessionaacuteria de serviccedilo puacuteblico de

distribuiccedilatildeo de energia eleacutetrica a obrigaccedilatildeo de reduzir o campo eletromagneacutetico de suas

linhas de transmissatildeo de acordo com padrotildees internacionais de seguranccedila em face de

eventuais efeitos nocivos agrave sauacutede da populaccedilatildeo

Sobre a aplicaccedilatildeo do princiacutepio pelo Poder Judiciaacuterio o Ministro Dias Toffoli asseverou

que o controle em relaccedilatildeo agrave legalidade e agrave legitimidade na aplicaccedilatildeo deve ser feita com

extrema prudecircncia com um controle miacutenimo tendo em vista as diversas incertezas que

cercam o campo cientiacutefico O ministro insistiu os controles administrativo e

jurisdicional do exerciacutecio da precauccedilatildeo devem ater-se tanto agrave observacircncia das regras e

procedimentos ambientais pelo Poder Puacuteblico quanto agrave tomada de decisotildees legislativas

eou administrativas produzidas que devem estar acordo com a competecircncia de cada

poder356

Havendo tatildeo-somente a construccedilatildeo de canal passando dentro de terra indiacutegena sem evidecircncia maior de

que recursos naturais hiacutedricos seratildeo utilizados natildeo haacute necessidade da autorizaccedilatildeo do Congresso Nacional

4 O meio ambiente natildeo eacute incompatiacutevel com projetos de desenvolvimento econocircmico e social que cuidem

de preservaacute-lo como patrimocircnio da humanidade Com isso pode-se afirmar que o meio ambiente pode ser

palco para a promoccedilatildeo do homem todo e de todos os homens 5 Se natildeo eacute possiacutevel considerar o projeto

como inviaacutevel do ponto de vista ambiental ausente nesta fase processual qualquer violaccedilatildeo de norma

constitucional ou legal potente para o deferimento da cautela pretendida a opccedilatildeo por esse projeto escapa

inteiramente do acircmbito desta Suprema Corte Dizer sim ou natildeo agrave transposiccedilatildeo natildeo compete ao Juiz que

se limita a examinar os aspectos normativos no caso para proteger o meio ambiente 6 Agravos

regimentais desprovidos In Supremo Tribunal Federal ACO 876 MC-AGR Disponiacutevel em

lthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=ACampdocID=539061gt Acesso em 07122019

356 EMENTA Recurso extraordinaacuterio Repercussatildeo geral reconhecida Direito Constitucional e

Ambiental Acoacuterdatildeo do tribunal de origem que aleacutem de impor normativa alieniacutegena desprezou norma

teacutecnica mundialmente aceita Conteuacutedo juriacutedico do princiacutepio da precauccedilatildeo Ausecircncia por ora de

fundamentos faacuteticos ou juriacutedicos a obrigar as concessionaacuterias de energia eleacutetrica a reduzir o campo

eletromagneacutetico das linhas de transmissatildeo de energia eleacutetrica abaixo do patamar legal Presunccedilatildeo de

constitucionalidade natildeo elidida Recurso provido Accedilotildees civis puacuteblicas julgadas improcedentes 1 O

assunto corresponde ao Tema nordm 479 da Gestatildeo por Temas da Repercussatildeo Geral do portal do STF na

internet e trata agrave luz dos arts 5ordm caput e inciso II e 225 da Constituiccedilatildeo Federal da possibilidade ou

natildeo de se impor a concessionaacuteria de serviccedilo puacuteblico de distribuiccedilatildeo de energia eleacutetrica por observacircncia

ao princiacutepio da precauccedilatildeo a obrigaccedilatildeo de reduzir o campo eletromagneacutetico de suas linhas de transmissatildeo

de acordo com padrotildees internacionais de seguranccedila em face de eventuais efeitos nocivos agrave sauacutede da

populaccedilatildeo 2 O princiacutepio da precauccedilatildeo eacute um criteacuterio de gestatildeo de risco a ser aplicado sempre que

existirem incertezas cientiacuteficas sobre a possibilidade de um produto evento ou serviccedilo desequilibrar o

meio ambiente ou atingir a sauacutede dos cidadatildeos o que exige que o estado analise os riscos avalie os custos

das medidas de prevenccedilatildeo e ao final execute as accedilotildees necessaacuterias as quais seratildeo decorrentes de decisotildees

universais natildeo discriminatoacuterias motivadas coerentes e proporcionais 3 Natildeo haacute vedaccedilatildeo para o controle

jurisdicional das poliacuteticas puacuteblicas sobre a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo desde que a decisatildeo

judicial natildeo se afaste da anaacutelise formal dos limites desses paracircmetros e que privilegie a opccedilatildeo

democraacutetica das escolhas discricionaacuterias feitas pelo legislador e pela Administraccedilatildeo Puacuteblica 4 Por ora

natildeo existem fundamentos faacuteticos ou juriacutedicos a obrigar as concessionaacuterias de energia eleacutetrica a reduzir o

campo eletromagneacutetico das linhas de transmissatildeo de energia eleacutetrica abaixo do patamar legal fixado 5

Por forccedila da repercussatildeo geral eacute fixada a seguinte tese no atual estaacutegio do conhecimento cientiacutefico que

indica ser incerta a existecircncia de efeitos nocivos da exposiccedilatildeo ocupacional e da populaccedilatildeo em geral a

campos eleacutetricos magneacuteticos e eletromagneacuteticos gerados por sistemas de energia eleacutetrica natildeo existem

impedimentos por ora a que sejam adotados os paracircmetros propostos pela Organizaccedilatildeo Mundial de

Sauacutede conforme estabelece a Lei nordm 119342009 6 Recurso extraordinaacuterio provido para o fim de julgar

improcedentes ambas as accedilotildees civis puacuteblicas sem a fixaccedilatildeo de verbas de sucumbecircnciardquo SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL Recurso Extraordinaacuterio nordm 627189 Relator(a) Min DIAS TOFFOLI

Julgamento 08062016 Disponiacutevel em

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

199

A Ministra Caacutermen Luacutecia em outra ocasiatildeo tambeacutem reconheceu a existecircncia do

princiacutepio da precauccedilatildeo no acircmbito do regime brasileiro e descreveu o conteuacutedo a ser

aplicado no julgamento da ADPF ordm 101 do Distrito Federal Confira-se

ldquoO principio da precauccedilatildeo vincula-se diretamente aos conceitos de

necessidade de afastamento de perigo e necessidade de dotar-se de seguranccedila

os procedimentos adotados para garantia das geraccedilotildees futuras tornando-se

efetiva a sustentabilidade ambiental das accedilotildees humanas Esse princiacutepio torna

efetiva a busca constante de proteccedilatildeo da existecircncia humana seja tanto pela

proteccedilatildeo do meio ambiente como pela garantia das condiccedilotildees de respeito agrave

sua sauacutede e integridade fiacutesica considerando-se o indiviacuteduo e a sociedade em

sua inteireza

Daiacute porque natildeo se faz necessaacuterio comprovar risco atual iminente e

comprovado de danos que podem sobrevir pelo desempenho de uma

atividade para que se imponha a adoccedilatildeo de medidas de precauccedilatildeo ambiental

Haacute de se considerar e precaver contra riscos futuros possiacuteveis que

podem decorrer de desempenhos humanos Pelo princiacutepio da prevenccedilatildeo

previnem-se contra danos possiacuteveis de serem previstos Pelo princiacutepio da

precauccedilatildeo previnem-se contra riscos de danos que natildeo se tem certeza

que natildeo vatildeo ocorrer

(hellip)

As medidas impostas nas normas brasileiras que se alega terem sido

descumpridas nas decisotildees judiciais anotadas no caso em pauta atendem

rigorosamente ao princiacutepio da precauccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo cuidou de

acolher e cumpre a todos o dever de obedecer E natildeo desacata ou desatende

os demais princiacutepios constitucionais da ordem econocircmica antes com eles se

harmoniza e se entende porque em sua integridade eacute que se conforma aquele

sistema constitucionalrdquo (grifamos)

A eminente Relatora elucida o princiacutepio como um paracircmetro a ser alcanccedilado para

resguardar a vida humana e natural em toda sua completude Com base no princiacutepio

torna-se irrelevante a comprovaccedilatildeo de risco atual pelo contraacuterio o importante neste

caso eacute precipitaccedilatildeo em evitar qualquer tipo de dano futuro

Confirmando o entendimento doutrinaacuterio sobre o conteuacutedo do princiacutepio o Supremo

Tribunal Federal entendeu que o princiacutepio da precauccedilatildeo eacute impliacutecito na Magna Carta de

1988 e que seu conteuacutedo alcanccedila os seguintes elementos

ldquoi) a precauccedilatildeo diante de incertezas cientificas ii) a exploraccedilatildeo de

alternativas a accedilotildees potencialmente prejudiciais inclusive a da natildeo-accedilatildeo iii)

a transferecircncia do ocircnus da prova aos seus proponentes e natildeo agraves viacutetimas ou

possiacuteveis viacutetimas e iv) o emprego de processos democraacuteticos de decisatildeo e

acompanhamento dessas accedilotildees com destaque para o direito subjetivo ao

consentimento informadordquo (STF 2008)

Diante disso percebe-se que a utilizaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do princiacutepio tem-se popularizado

na Corte Suprema nos julgamentos de casos que levam em consideraccedilatildeo a existecircncia de

um fato que pode ensejar o risco atrelado agrave incerteza cientiacutefica que ronda a questatildeo

Assim como princiacutepio constitucional que eacute a precauccedilatildeo deve ser observada

rigorosamente por todas as esferas de poder pelo legislativo quando da elaboraccedilatildeo e

lthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=12672680gt Acesso em 7 dez

2019

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

200

produccedilatildeo de normas juriacutedicas pelo executivo restrito ao seu poder discricionaacuterio e

regulamentar e pelo proacuteprio judiciaacuterio parametrizando e controlando o conteuacutedo do

princiacutepio com as poliacuteticas puacuteblicas criadas

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento tecnoloacutegico na sociedade econocircmica atual mostra-se tatildeo vantajosa

quanto inconveniente pois eacute atrelado ao progresso que o risco se apresenta como um

fator constante decorrente de accedilotildees humanas independentemente de serem ou natildeo

intencionais ou se auto interessadas ou natildeo

Atrelado agrave complexidade da sociedade que se mostra cada vez mais difiacutecil de ser

apreendida e estudada a inseguranccedila gerada pela falta de informaccedilotildees e

desconhecimento da existecircncia de riscos provoca medidas que urgem por accedilotildees ou

omissotildees da sociedade frente agrave pequena possibilidade de ocorrecircncia de danos

irreversiacuteveis

Diante disso para que os riscos sejam mais bem pensados e analisados eacute que se invoca

o princiacutepio da precauccedilatildeo cuja busca pelo afastamento do perigo e do risco faz

necessaacuterio o seu estudo

O princiacutepio eacute lastreado em dois pressupostos (i) a existecircncia de um nexo causal entre

uma accedilatildeo humana e a presunccedilatildeo de ocorrecircncia de um fato danoso e (ii) a insuficiecircncia

de informaccedilotildees cientiacuteficas acerca da real ocorrecircncia desse fato Revela-se portanto

como mecanismo de utilizaccedilatildeo do Estado para submeter a criaccedilatildeo de novas tecnologias

industriais ao resguardo do bem-estar da sociedade

Ainda que natildeo expressamente previsto na Constituiccedilatildeo Brasileira o princiacutepio decorre da

norma inserida no artigo 225 da Carta Maior A jurisprudecircncia do Supremo Tribunal

Federal aleacutem de reconhecer expressamente a forccedila normativa do princiacutepio delimita os

contornos de sua aplicaccedilatildeo

Deveras o princiacutepio da precauccedilatildeo eacute verdadeiro instrumento norteador da elaboraccedilatildeo e

execuccedilatildeo de normas ambientais pelos poderes puacuteblicos e deve servir como paracircmetro

para que o judiciaacuterio controle accedilotildees que abusam e ultrapassam do poder

constitucionalmente instituiacutedo

REFEREcircNCIAS

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PRECAUTIONARY PRINCIPLE ON ENVIRONMENTAL LAW

ASSUMPTIONS AND APPLICATION

LUNIZA CARVALHO DO NASCIMENTO

Abstract This is an academic article produced with the objective of outlining the legal

outlines of the Precautionary Principle in Brazilian Environmental Law The

assumptions for its existence are outlined at first so that its limits and definitions are

then addressed After a comparison of this principle with the Prevention Principle an

explanation of decisions issued by the Supreme Court will be made in order to

understand how the Court has applied it

Key words Environmental Law Precautionary Principle applicability

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

203

O MECANISMO CONSTITUCIONAL DE MONETIZACcedilAtildeO DE

RECURSOS NATURAIS NAtildeO RENOVAacuteVEIS COMO

INSTRUMENTO DE CONCRETIZACcedilAtildeO DE DIREITOS

FUNDAMENTAIS UM ESTUDO DA CFEM EM MINAS GERAIS

PAULO HONOacuteRIO DE CASTRO JUacuteNIOR

________________ SUMAacuteRIO _________________

1 Introduccedilatildeo 2 Imposiccedilotildees fiscais sobre recursos

naturais natildeo renovaacuteveis antes da constituiccedilatildeo de

1988 3 A Constituiccedilatildeo se volta para o futuro e os

recursos naturais natildeo renovaacuteveis cuja identificaccedilatildeo

e exploraccedilatildeo satildeo imperativos pertencem ao povo

brasileiro 4 O mecanismo constitucional de

monetizaccedilatildeo de recursos naturais natildeo renovaacuteveis

como instrumento de concretizaccedilatildeo de direitos

fundamentais 5 A CFEM no Estado de Minas

Gerais necessidade de melhor gestatildeo dos recursos

para a concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais 6

Consideraccedilotildees Finais 51 A CFEM na constituiccedilatildeo

do Estado de Minas Gerais 52 O TCEMG no seu

papel de controle sobre os gastos da CFEM 53 Os

investimentos em infraestrutura e a diversificaccedilatildeo

econocircmica 6 Conclusatildeo

1 INTRODUCcedilAtildeO

A atividade de mineraccedilatildeo daacute o nome ao Estado de Minas Gerais Representa parcela

importante da economia local e favorece em grande medida a arrecadaccedilatildeo fiscal de

Municiacutepios

Esse favorecimento na arrecadaccedilatildeo fiscal se deve em boa medida agrave transferecircncia pela

Uniatildeo dos recursos da Compensaccedilatildeo Financeira pela Exploraccedilatildeo de Recursos Minerais

ndash CFEM

Graduado em Direito e Mestrando em Direito Tributaacuterio pela Universidade Federal de Minas Gerais ndash

UFMG Mestrando em Direito Financeiro pela Universidade de Satildeo Paulo ndash USP Poacutes-Graduado pelo

Instituto Brasileiro de Estudos Tributaacuterios ndash IBET Presidente do Instituto Mineiro de Direito Tributaacuterio ndash

IMDT Coordenador da Poacutes-Graduaccedilatildeo CEDINIBDM em Direito da Mineraccedilatildeo e professor agrave frente do

moacutedulo Direito Tributaacuterio Aplicado agrave Mineraccedilatildeo Advogado

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

204

No presente estudo pretende-se investigar a figura dos royalties (CFEM) como um

mecanismo constitucional de monetizaccedilatildeo de recursos naturais natildeo renovaacuteveis

enquanto instrumento de concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais

No primeiro toacutepico seraacute feita uma recomposiccedilatildeo histoacuterica das imposiccedilotildees fiscais sobre

recursos naturais natildeo renovaacuteveis antes da Constituiccedilatildeo de 1988

O segundo toacutepico apresenta trecircs premissas fundamentais relacionadas agrave

intergeracionalidade propriedade dos recursos naturais natildeo renovaacuteveis e os objetivos

constitucionais

O terceiro toacutepico apresenta os contornos do mecanismo constitucional de monetizaccedilatildeo

de recursos naturais natildeo renovaacuteveis como instrumento de concretizaccedilatildeo de direitos

fundamentais Nele seraacute feita a identificaccedilatildeo da natureza juriacutedica da CFEM e o seu

motivo constitucional afastando-a especialmente de figuras meramente indenizatoacuterias

ou compensatoacuterias

Por fim o quarto toacutepico apresenta as regras da Constituiccedilatildeo mineira sobre o gasto da

CFEM as manifestaccedilotildees do TCEMG sobre o descumprimento dessas regras e uma

experiecircncia internacional aplicaacutevel ao Brasil quanto agrave diversificaccedilatildeo econocircmica

mediante investimentos em infraestrutura

2 IMPOSICcedilOtildeES FISCAIS SOBRE RECURSOS NATURAIS NAtildeO

RENOVAacuteVEIS ANTES DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988

Durante o periacuteodo colonial todas as riquezas minerais descobertas em terras

portuguesas eram de propriedade da Coroa Correspondiam a um dos diversos direitos

reais que atribuiacuteam ao rei natildeo apenas a soberania inerente ao Estado absolutista mas

tambeacutem superioridade econocircmica em relaccedilatildeo aos suacuteditos Vigorava em nosso paiacutes ndash

entatildeo colocircnia ndash o sistema regaliano pelo qual o rei concordava com o aproveitamento

das jazidas ndash de sua propriedade ndash desde que mediante retribuiccedilatildeo

Ainda no periacuteodo imperial houve a substituiccedilatildeo do sistema regaliano pelo sistema

dominial segundo o qual os recursos minerais deixaram de pertencer ao Monarca para

se constituiacuterem propriedade do Estado Por isso o particular que explotasse recursos

minerais deveria pagar ao Estado uma participaccedilatildeo denominada transferecircncia da

propriedade da mina que consistia em um pagamento perioacutedico fixo e em outro

variaacutevel de acordo com o resultado da atividade

Com o advento da Primeira Repuacuteblica em 1891 inaugurou-se o chamado regime de

acessatildeo (ou fundiaacuterio) em que o proprietaacuterio do solo tambeacutem detinha a propriedade dos

recursos minerais Por isso havia jazidas privadas ndash caso o solo fosse tambeacutem de

propriedade privada ndash e jazidas puacuteblicas ndash caso o Estado fosse proprietaacuterio do solo A

partir da Lei Simatildeo Lopes (1921) quando a extraccedilatildeo ocorresse em propriedade puacuteblica

passou a ser devida uma forma de participaccedilatildeo ao Estado consistente na cobranccedila de

taxas fixas e um imposto sobre a produccedilatildeo anual da mina de acordo com a natureza e o

teor de cada substacircncia mineral

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

205

A Constituiccedilatildeo de 1934 rompeu com o regime anterior passando a separar a

propriedade do solo da dos recursos minerais atribuindo sua propriedade agrave naccedilatildeo

Contudo preservou o direito consumado de particulares agrave propriedade das minas que se

encontravam em lavra o que veio a ser chamado manifesto de mina (ou mina

manifestada) pelo Coacutedigo de Minas do mesmo ano que determinou ainda a incidecircncia

de royalties pelo aproveitamento econocircmico de recursos minerais em qualquer caso

fosse a mina puacuteblica (concedida ao particular) ou privada (mina manifestada)

A Constituiccedilatildeo de 1946 atribuiu a Uniatildeo a competecircncia para a criaccedilatildeo dos ldquoImpostos

Uacutenicosrdquo sobre Minerais (IUM) Combustiveis e Lubrificantes Liacutequidos e Gasosos

(IUCLG) e Energia Eleacutetrica (IUEE) Determinou que ldquosessenta por cento no minimo

seratildeo entregues aos Estados ao Distrito Federal e aos Municiacutepios proporcionalmente agrave

sua superficie populaccedilatildeo consumo e produccedilatildeordquo A Constituiccedilatildeo de 1967 manteve o

regime dos ldquoImpostos Uacutenicosrdquo e dispocircs sobre sua partilha entre os entes federados357

A loacutegica distributiva entre os entes era (i) lubrificantes e combustiacuteveis em proporccedilatildeo agrave

superfiacutecie populaccedilatildeo produccedilatildeo e consumo (ii) energia eleacutetrica idem adicionando-se

quando coubesse cota compensatoacuteria da aacuterea inundada pelos reservatoacuterios e (iii) em

relaccedilatildeo aos minerais proporcionalmente agrave produccedilatildeo

Aleacutem disso jaacute existia a cobranccedila de royalties sobre a exploraccedilatildeo de petroacuteleo desde a Lei

nordm 2004 de 1953 que tambeacutem autorizou a Uniatildeo a constituir a Petrobraacutes Tais receitas

foram compartilhadas com os entes subnacionais de diversas formas ao longo do tempo

(art 27 caput e sect 4ordm)

O nome dado a exaccedilatildeo pela Lei nordm 2004 de 1953 era ldquoindenizaccedilatildeordquo o que natildeo define a

natureza juriacutedica do instituto criteacuterio interpretativo este inclusive positivado no art 4ordm

I do CTN

3 A CONSTITUICcedilAtildeO SE VOLTA PARA O FUTURO E OS RECURSOS

NATURAIS NAtildeO RENOVAacuteVEIS CUJA IDENTIFICACcedilAtildeO E EXPLORACcedilAtildeO

SAtildeO IMPERATIVOS PERTENCEM AO POVO BRASILEIRO

O objetivo deste toacutepico eacute delinear trecircs premissas fundamentais (i) como a Constituiccedilatildeo

por essecircncia se volta para o futuro qualquer interpretaccedilatildeo das suas normas que se

restrinja ao presente eacute por definiccedilatildeo inconstitucional (ii) os recursos naturais

pertencem ao povo brasileiro ndash e natildeo aos entes federados ndash inclusive agraves futuras

geraccedilotildees (iii) satildeo objetivos constitucionais conhecer as nossas reservas de recursos

357

ldquoArt 28 - A Uniatildeo distribuiraacute aos Estados Distrito Federal e Municiacutepios

I - quarenta por cento da arrecadaccedilatildeo do imposto a que se refere o art 22 nordm VIII II - sessenta por

cento da arrecadaccedilatildeo do imposto a que se refere o art 22 nordm IX III - noventa por cento da arrecadaccedilatildeo

do imposto a que se refere o art 22 nordm X

Paraacutegrafo uacutenico - A distribuiccedilatildeo seraacute feita nos termos da lei federal que poderaacute dispor sobre a forma e

os fins de aplicaccedilatildeo dos recursos distribuiacutedos obedecido o seguinte criteacuterio

a) nos casos dos itens I e II proporcional agrave superfiacutecie populaccedilatildeo produccedilatildeo e consumo adicionando-se

quando couber no tocante ao nordm II cota compensatoacuteria da aacuterea inundada pelos reservatoacuterios

b) no caso do item III proporcional agrave produccedilatildeordquo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

206

naturais e exploraacute-las mediante concessotildees monetizando-as e transformando-as em

direitos fundamentais

Para Peter Haumlberle358

a Constituiccedilatildeo institucionaliza a experiecircncia vivida pela

sociedade na sua historicidade imanente e dirige-se ao futuro vocacionada agrave

eternizaccedilatildeo Trata-se de um pacto das geraccedilotildees que impotildee muacuteltiplas responsabilidades

com as geraccedilotildees futuras especialmente quanto ao equiliacutebrio da ordem econocircmica e das

contas puacuteblicas

Evidentemente se o Estado existe para realizar os fins determinados pela Constituiccedilatildeo

eacute pressuposto um contiacutenuo processo de avanccedilos encadeados na concretizaccedilatildeo dos

direitos fundamentais

A segunda premissa se relaciona com a primeira na medida em que a propriedade da

Uniatildeo sobre os recursos naturais natildeo renovaacuteveis natildeo se daacute no sentido civilista

claacutessico359

Essa noccedilatildeo traduz no ente nacional a propriedade do povo brasileiro sobre

tais recursos conforme observam Onofre Batista e Fernanda Alen

Os minerais no subsolo satildeo bens puacuteblicos de propriedade do povo brasileiro

A CRFB88 estabelece em seu inciso IX art 20 que os recursos minerais

satildeo bens da Uniatildeo O termo ldquoUniatildeordquo empregado no artigo natildeo diz respeito a

pessoa juriacutedica de direito interno mas agrave uniatildeo dos Estados-Membros ao

representante do Estado Federal soberano Os recursos minerais nesse

compasso satildeo bens do povo razatildeo pela qual cabe a todas as pessoas poliacuteticas

proteger e zelar por estas riquezas (art 23 XI da CRFB88)360

Desde a Constituiccedilatildeo de 1934 superou-se o regime de acessatildeo garantindo o direito agrave

propriedade privada das jazidas e minas conhecidas que permanece ateacute hoje As jazidas

descobertas apoacutes esse marco pertencem agrave Uniatildeo enquanto ente nacional Natildeo haacute aqui

espaccedilo para a afirmaccedilatildeo de que os recursos naturais pertencem aos entes federados A

noccedilatildeo de propriedade localizada no ente nacional traduz o direito do povo brasileiro agrave

fruiccedilatildeo das benesses advindas de tais recursos

Por isso a Constituiccedilatildeo de 1988 determina que a pesquisa e a lavra de recursos minerais

e o aproveitamento dos potenciais de energia hidraacuteulica somente poderatildeo ser efetuados

no interesse nacional Natildeo se trata do interesse de nenhum ente federado

especificamente e sim do povo brasileiro A Advocacia-Geral da Uniatildeo possui

relevante manifestaccedilatildeo nesse sentido ldquoOs recursos minerais que em uacuteltima analise

358

HAumlBERLE Peter El Estado Constitucional Trad Heacutector Fix-Ferro Buenos Aires Astrea 2007 p

86-88 359

Acyr Bernardes ensina ldquoquando a Constituiccedilatildeo cataloga os recursos minerais entre os bens da

Uniatildeo por certo natildeo titula sic et simpliciter a Uniatildeo como proprietaacuteria de tais recursos faz sim

solene declaraccedilatildeo de soberania da Uniatildeo sobre eles natildeo importando sob que forma se encontrem na

superfiacutecie ou no interior da terra e em qualquer parte do territoacuterio nacionalrdquo BERNARDES Acyr

Recursos minerais a Uniatildeo eacute proprietaacuteria ou exerce soberania Brasil Mineral Satildeo Paulo n 157 dez

1997 p 72

No mesmo sentido a liccedilatildeo de Roque Carrazza ldquoEm linguagem estritamente juriacutedica podemos dizer que

o subsolo e suas riquezas pertencem ao povo brasileiro representado pela Uniatildeordquo CARRAZZA Roque

Antocircnio Natureza juridica da ldquocompensaccedilatildeo financeira pela exploraccedilatildeo de recursos mineraisrdquo sua

manifesta inconstitucionalidade Revista Justitia Satildeo Paulo v 57 nordm 171 1995 p 90 360

BATISTA JUacuteNIOR Onofre Alves e DA SILVA Fernanda Alen Gonccedilalves A Funccedilatildeo Social da

Exploraccedilatildeo Mineral no Estado de Minas Gerais In Rev Fac Direito UFMG Belo Horizonte n 62 pp

475 - 505 janjun 2013

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

207

pertencem ao povo devem ser explorados visando ao interesse nacional (sect 1ordm do artigo

176 da Constituiccedilatildeo) para satisfazer as necessidades coletivas361

Por essa razatildeo o Decreto-lei nordm 3365 de 21 de junho de 1941 inclui o aproveitamento

industrial das minas e das jazidas minerais das aacuteguas e da energia hidraacuteulica como

casos de utilidade puacuteblica (art 5ordm f)

Por consequecircncia de sua finitude ou exauribilidade as geraccedilotildees presentes devem se

preocupar com os efeitos do bom uso desses recursos em prol das geraccedilotildees futuras

tambeacutem proprietaacuterias Trata-se de aspecto diretamente relacionado agrave natureza juriacutedica

das participaccedilotildees sobre a exploraccedilatildeo de recursos naturais natildeo renovaacuteveis362

Finalmente em decorrecircncia do exposto constitui objetivo constitucional conhecer os

recursos naturais natildeo renovaacuteveis e exploraacute-los mediante atuaccedilatildeo estatal e concessatildeo de

tiacutetulos de pesquisa e de lavra para particulares (art 176) Esse processo tambeacutem se volta

para o futuro na medida em que pouco conhecemos nosso subsolo inclusive em nossos

oceanos a proacutexima fronteira mineral363

Eacute certo que a finitude ou exauribilidade desta espeacutecie de recursos natildeo pode ser tomada

em sentido absoluto porquanto se eacute verdade que a exploraccedilatildeo econocircmica esgota o

recurso conhecido tambeacutem eacute inegaacutevel que a mesma exploraccedilatildeo permite maior

conhecimento geoloacutegico que frequentemente leva a ampliaccedilotildees das jazidas existentes e

ao descobrimento de novos depoacutesitos364

Ainda assim a Constituiccedilatildeo ao tratar destes recursos finitos ou exauriacuteveis por natureza

impotildee que a poliacutetica fiscal do paiacutes leve em consideraccedilatildeo as trecircs premissas aqui

assentadas (i) qualquer interpretaccedilatildeo das suas normas que se restrinja ao presente eacute por

definiccedilatildeo inconstitucional (ii) os recursos naturais pertencem ao povo brasileiro ndash e

natildeo aos entes federados ndash inclusive agraves futuras geraccedilotildees (iii) satildeo objetivos

constitucionais conhecer as nossas reservas de recursos naturais e exploraacute-las mediante

concessotildees monetizando-as e transformando-as em direitos fundamentais

4 O MECANISMO CONSTITUCIONAL DE MONETIZACcedilAtildeO DE

RECURSOS NATURAIS NAtildeO RENOVAacuteVEIS COMO INSTRUMENTO DE

CONCRETIZACcedilAtildeO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

361

Parecer AGUMF-295 - anexo ao Parecer nordm GQ-79 de 080895 publicado no DO de 160895 362

ldquoPor isso natildeo se pode afirmar que a CFEM teria como finalidade a mera reparaccedilatildeo de perdas sendo

esta a suposta causa de sua incidecircncia pois seria o mesmo que negar agrave populaccedilatildeo brasileira o seu

direito a que os recursos provenientes desta exaccedilatildeo sejam perenizados na sociedade como em

investimento em educaccedilatildeo e sauacutede que inclusive beneficiem geraccedilotildees futuras tatildeo proprietaacuterias dos

recursos minerais brasileiros como as geraccedilotildees atuaisrdquo CASTRO JUacuteNIOR Paulo Honorio de SILVA

Tiago de Mattos CFEM Compensaccedilatildeo Financeira pela Exploraccedilatildeo de Recursos Minerais Belo

Horizonte Editora DrsquoPlacido 2018 p 160-161 363

Cf ldquoMineraccedilatildeo no fundo do mar comeccedila a atrair atenccedilatildeordquo

ltlt httpswwwvalorcombrbrasil6206813mineracao-no-fundo-do-mar-comeca-atrair-atencao gtgt 364

DANIEL Philip KEEN Michael MCPHERSON Charles The Taxation of Petroleum and Minerals

New York Routledge 2010 p 25

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

208

A Constituiccedilatildeo de 1988 prevecirc dois mecanismos diretos365

de monetizaccedilatildeo de recursos

naturais natildeo renovaacuteveis que se relacionam os royalties de natureza natildeo tributaacuteria e o

ICMS

O primeiro (art 20 sect 1ordm) eacute o principal mecanismo constitucional para o estudo ora

proposto e o segundo deve ser considerado uma vez que o art 155 sect 3ordm dispotildee que

aleacutem de ICMS IE e II nenhum outro imposto poderaacute incidir sobre operaccedilotildees

relativas a minerais

O presente estudo se volta agrave questatildeo dos royalties

O art 20 da Constituiccedilatildeo atribuiu ao povo brasileiro representado pelo ente nacional

(Uniatildeo) a propriedade sobre os recursos naturais natildeo renovaacuteveis os recursos da

plataforma continental e da zona econocircmica exclusiva o mar territorial os terrenos de

marinha e seus acrescidos os potenciais de energia hidraacuteulica e os recursos minerais

inclusive os do subsolo Nessa relaccedilatildeo estatildeo os recursos minerais hidrocarbonetos e os

potenciais de energia hidraacuteulica equiparados pela Constituiccedilatildeo a recursos naturais natildeo

renovaacuteveis

O sect 1ordm do art 20 por sua vez criou regra de competecircncia para que a Uniatildeo por meio de

lei crie uma participaccedilatildeo sobre a exploraccedilatildeo dos recursos supra descritos ou respectiva

compensaccedilatildeo financeira a ser compartilhada com Estados e Municiacutepios

Conforme Regis de Oliveira ldquoos entes federados tecircm o dever de bem explorar seus bens

e fazecirc-los produzir para suportar as despesas puacuteblicas natildeo soacute em sua manutenccedilatildeo mas

tambeacutem para que deem lucro ao Poder Puacuteblicordquo366

Trata-se de importante objetivo

constitucional que orienta a interpretaccedilatildeo do sect 1ordm do art 20

A regra em questatildeo institui a competecircncia da Uniatildeo para criar um mecanismo de

monetizaccedilatildeo dos recursos naturais natildeo renovaacuteveis de forma que gerem lucro a ser

distribuiacutedo de forma cooperativa e equilibrada entre os entes federados Natildeo se trata

portanto de recompor a perda do recurso natural natildeo renovaacutevel ou de meramente

compensar impactos e eventuais danos ambientais sociais ou econocircmicos decorrentes

da atividade econocircmica

Muito mais do que isso o sect 1ordm do art 20 deve ser lido como o principal mecanismo

constitucional para a concretizaccedilatildeo do direito do povo brasileiro (proprietaacuterio dos bens)

inclusive das geraccedilotildees futuras agrave fruiccedilatildeo de benesses decorrentes da monetizaccedilatildeo dos

recursos naturais natildeo renovaacuteveis que possam ser perenizadas na sociedade mediante a

concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais Esse eacute o seu motivo constitucional

Haacute referecircncias histoacutericas que demonstram o processo poliacutetico de construccedilatildeo do texto do

referido dispositivo Eacute correto o obter dictum do Ministro Nelson Jobim no RE nordm

198088SP e no MS nordm 24312DF de que o sentido histoacuterico do sect 1ordm do art 20 seria

365

O regime juriacutedico das receitas puacuteblicas auferidas a partir de recursos naturais natildeo renovaacuteveis eacute mais

complexo envolvendo os instrumentos indiretos ou natildeo expressamente contemplados na Constituiccedilatildeo

com esse fim IRPJ CSLL PIS Cofins CIDEs e taxas Todos com especificidades relativas agrave espeacutecie de

recurso ora investigada 366

OLIVEIRA Regis Fernandes de Curso de Direito Financeiro 8ed Satildeo Paulo Malheiros 2019 p

346

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

209

compensar politicamente Estados produtores de petroacuteleo pela perda do ICMS na origem

(conforme art 155 sect 2ordm X b)367

Importante destacar que a referida correccedilatildeo histoacuterica quanto agrave origem do texto possui

pouca ou nenhuma relevacircncia interpretativa do direito positivo Francesco Ferrara368

haacute

muito afirmou que o legislador eacute uma abstraccedilatildeo A ldquovontade do legisladorrdquo perde

qualquer sentido quando a norma ingressa no ordenamento juriacutedico A partir disso haacute

pertencimento da norma ao sistema (do contraacuterio deve ser expulsa) sendo este o

conjunto a partir do qual deve ser atribuiacutedo sentido a ela

Com razatildeo Scaff afirma ldquopara analises de direito positivo essa correlaccedilatildeo [entre o sect

1ordm do art 20 e o art 155 sect 2ordm X b] natildeo possui maior relevacircnciardquo369

Por isso eacute incorreto afirmar que Estados e Municiacutepios receberiam parte do produto da

arrecadaccedilatildeo dos royalties na condiccedilatildeo de receitas originaacuterias como fez o STF no

julgamento do MS nordm 24312DF sob o fundamento de que a natureza dos royalties

seria de compensaccedilatildeo pela perda do ICMS na origem Sendo o povo brasileiro

proprietaacuterio dos recursos representado pelo ente nacional a receita eacute originaacuteria da

Uniatildeo e transferida para os entes subnacionais370

Feitas estas consideraccedilotildees sobre o motivo constitucional do sect 1ordm do art 20 vale dizer

que referido dispositivo assegurou aos entes federados participaccedilatildeo no resultado da

exploraccedilatildeo mineral ou respectiva compensaccedilatildeo financeira

Quanto aos royalties instituiacutedos pela Lei nordm 79901989 pode-se afirmar que sua

natureza juriacutedica eacute de receita originaacuteria da Uniatildeo e transferida para os demais entes

federados

Natildeo se trata de tributo porque o fato de se tratar de uma exaccedilatildeo instituiacuteda por lei

exigida compulsoriamente natildeo significa necessariamente que se esteja diante de uma

367

ldquoHa portanto uma correlaccedilatildeo geneacutetica entre os dois artigos da Constituiccedilatildeo o sect 1ordm do art 20 (que

trata de royalties) e a letra b do inciso X sect 2ordm do art 155 (que trata da incidecircncia do ICMS sobre petroacuteleo

e energia eleacutetrica) [] parece claro o acordo poliacutetico havido entre os grupos envolvidos visando

compensar as perdas com a adoccedilatildeo de um regime juriacutedico diferenciado com o ICMS no destino

respeitadas todas as ressalvas jaacute feitas quanto agrave sua validade em termos de direito positivordquo SCAFF

Fernando Facury Royalties do petroacuteleo mineacuterio e energia aspectos constitucionais financeiros e

tributaacuterios Satildeo Paulo Ed Revista dos Tribunais 2014 p 148 368

ldquoa obra legislativa eacute como uma obra artiacutestica em que a obra de arte e a concepccedilatildeo do criador natildeo

coincidem [] Mas quem eacute o legislador Seraacute o Parlamento Se assim fosse teria de admitir-se que o

Parlamento seria um jurista de profissatildeo capaz de conhecer o tiacutetulo e o imenso conteuacutedo das leis

emanadas O legislador eacute entidade que em parte alguma se descobre mdash eacute uma figura miacutestica

indeterminadardquo FERRARA Franceso Trattato di Diritto Civile Italiano Roma Athenaeum 1921 p

211 369

Op Cit p 148 370

Ja afirmamos em outro trabalho que ldquoa classificaccedilatildeo que adotamos quanto agrave origem das receitas

puacuteblicas eacute a seguinte

i) Receita originaacuteria aquela que tem origem no patrimocircnio do Estado seja em regime consensual ou

compulsoriamente

ii) Receita derivada aquela que tem origem no patrimocircnio particular obtida compulsoriamente

iii) Receita transferida aquela arrecadada por ente poliacutetico diferente daquele que utilizaraacute o recurso

financeiro seja receita originaacuteria ou derivadardquo CASTRO JUacuteNIOR Paulo Honorio de SILVA Tiago de

Mattos CFEM Compensaccedilatildeo Financeira pela Exploraccedilatildeo de Recursos Minerais Belo Horizonte

Editora DrsquoPlacido 2018 p 36

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

210

receita derivada jaacute que o motivo constitucional do sect 1ordm do art 20 eacute monetizar recursos

pertencentes agrave Uniatildeo (ainda que representando o povo brasileiro) E o conceito

constitucional de tributo pressupotildee que a origem da receita seja derivada do patrimocircnio

particular (vide RE nordm 228800DF)

Tambeacutem natildeo eacute mera indenizaccedilatildeo pelas razotildees jaacute expostas natildeo se trata de simplesmente

compensar perdas danos ou impactos de qualquer espeacutecie sofridos por Estados e

Municiacutepios e sim de obter lucro monetizando recursos naturais inertes e

concretizando-os em direitos fundamentais para o seu titular o povo brasileiro Natildeo se

nega que a mineraccedilatildeo ndash assim como qualquer atividade humana ndash cause impactos

(liacutecitos) e que os royalties devam ser utilizados para compensaacute-los Mas seria muito

pouco pensar que sua funccedilatildeo se restringe agrave indenizaccedilatildeo371

quando visam na verdade a

concretizar direitos fundamentais na sociedade

Ademais o instrumento que constitui imposiccedilatildeo financeira a empreendimentos de

mineraccedilatildeo em razatildeo do impacto ambiental (logo liacutecito em contraponto ao dano

ambiental iliacutecito) eacute a compensaccedilatildeo ambiental ou compensaccedilatildeo do SNUC prevista na

Lei nordm 99852000 que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservaccedilatildeo da

Natureza Essa compensaccedilatildeo concretiza os princiacutepios do usuaacuterio-pagador e do poluidor-

pagador conforme Lyssandro Norton372

A compensaccedilatildeo ambiental prevista na Lei nordm 998500 ― ou compensaccedilatildeo

ambiental do SNUC assim denominada na pratica juridico ambiental ―

estaacute diretamente relacionada ao licenciamento ambiental Trata-se com

efeito de mecanismo de compensaccedilatildeo de impactos ambientais causados por

atividade empreendedora atraveacutes da arrecadaccedilatildeo de recursos que viabilizaratildeo

em uacuteltima anaacutelise o SNUC mais especialmente o grupo de unidades de

conservaccedilatildeo de proteccedilatildeo integral

[]

Mesmo com a adoccedilatildeo de medidas visando a reduccedilatildeo dos impactos ou a sua

compensaccedilatildeo por meio de accedilotildees por parte do empreendedor subsistem no

curso do licenciamento ambiental impactos residuais Satildeo estes impactos que

deveratildeo ser objeto de preacutevia compensaccedilatildeo ambiental do SNUC

[]

Tratando-se claramente de compensaccedilatildeo de impactos ambientais decorrentes

de atos liacutecitos extrai-se a natureza juriacutedica da compensaccedilatildeo ambiental do

SNUC como reparaccedilatildeo preacutevia de impactos ambientais futuros e certos

Natildeo se trata de preccedilo puacuteblico por ausecircncia de consentimento do particular dado o

caraacuteter ex lege e compulsoacuterio da obrigaccedilatildeo instituiacuteda pela Lei nordm 79901989373

371

Outros fundamentos para tanto foram apresentados em nosso trabalho CASTRO JUacuteNIOR Paulo

Honoacuterio de SILVA Tiago de Mattos CFEM Compensaccedilatildeo Financeira pela Exploraccedilatildeo de Recursos

Minerais Belo Horizonte Editora DrsquoPlacido 2018 p 56 ss 372

SIQUEIRA Lyssandro Norton Os princiacutepios de Direito Ambiental e a compensaccedilatildeo ambiental no

Sistema Nacional de Unidades de Conservaccedilatildeo (SNUC) In GOMES Carla Amado (Coord) Compensaccedilatildeo ecoloacutegica serviccedilos ambientais e protecccedilatildeo da biodiversidade Lisboa Instituto de Ciecircncias

Juriacutedico-Poliacuteticas 2014 p 196-218 373

Cf Ministra Eliana Calmon REsp nordm 1044320PE

ldquoEm suma natildeo eacute simplesmente o fato de serem receitas patrimoniais ingressos originaacuterios que atraem

as normas do Coacutedigo Civil para constituiccedilatildeo e cobranccedila de tais creacuteditos mas sim a relaccedilatildeo juriacutedica que

elas veiculam se puacuteblica ou se privada eacute que deve nortear o inteacuterprete na integraccedilatildeo legislativardquo

Ministro Castro Meira REsp nordm 1064962PE

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

211

Apesar de seu nome denotar uma ldquocompensaccedilatildeordquo a natureza juridica da exaccedilatildeo

instituiacuteda pela Lei nordm 79901989 eacute de receita originaacuteria (gecircnero) da espeacutecie

participaccedilatildeo nos resultados da exploraccedilatildeo conforme definido pelo STF no RE nordm

228800DF

Naquele paradigmaacutetico julgamento a Suprema Corte decidiu que a base de caacutelculo da

exaccedilatildeo (faturamento liquido) natildeo eacute compativel com a noccedilatildeo de ldquocompensaccedilatildeordquo

justamente porque natildeo mensura nenhuma perda ou impacto374

Ao contraacuterio tendo por

base o faturamento quanto maior for a cotaccedilatildeo de uma commodity por exemplo maior

seraacute o royalty Eacute dizer se em dada competecircncia um minerador lavrar uma tonelada de

mineacuterio e o vender precificado a uma cotaccedilatildeo internacional X o royalty seraacute uma

fraccedilatildeo desse valor e se em competecircncia subsequente a cotaccedilatildeo aumentar Y ainda

que seja lavrada a mesma uma tonelada com o mesmo impacto socioambiental o

royalty arrecadado seraacute Y maior do que na competecircncia anterior Isso prova que se

trata de um mecanismo que vai muito aleacutem da mera recomposiccedilatildeo de perdas e que visa

a dar lucro aos entes federativos para concretizar direitos fundamentais

Eacute da essecircncia do art 20 sect 1ordm da Constituiccedilatildeo que a maior parte do produto da

arrecadaccedilatildeo seja compartilhado com Estados e Municiacutepios onde obviamente o povo

brasileiro vive e demanda seus direitos fundamentais e para que seja feita a necessaacuteria

diversificaccedilatildeo da economia local que natildeo deve se tornar dependente da exploraccedilatildeo de

recursos esgotaacuteveis por natureza

Ademais a participaccedilatildeo no resultado da exploraccedilatildeo eacute devida conforme o sect 1ordm do art

20 ldquono respectivo territoriordquo onde ela ocorra Trata-se de criteacuterio relacionado a rigidez

locacional dos recursos naturais natildeo renovaacuteveis Nessa perspectiva compreende-se a

opccedilatildeo constitucional por atribuir mais recursos financeiros aos locais da exploraccedilatildeo

econocircmica da atividade distribuindo receitas onde a riqueza eacute gerada

Os recursos naturais natildeo renovaacuteveis foram amplamente distribuiacutedos no territoacuterio

nacional Haacute petroacuteleo no Sudeste Norte e Nordeste Haacute mineacuterio e potenciais de energia

hidraacuteulica em toda parte especialmente longe dos grandes centros industriais e urbanos

Cumpre-se assim dois objetivos constitucionais (i) primeiro estimula a descoberta

pesquisa e exploraccedilatildeo efetiva de recursos naturais natildeo renovaacuteveis em todo o territoacuterio

nacional e (ii) tambeacutem demonstra o papel constitucional dos royalties em termos de

financiamento centriacutefugo traccedilo marcante do federalismo cooperativo mediante

transferecircncia do produto arrecadado para os ldquorespectivos territoriosrdquo onde ocorra a

ldquoEmbora as determinaccedilotildees do Coacutedigo Civil sejam aplicaacuteveis ao Estado que muitas vezes atua como

particular em regime de direito privado natildeo devem ser consideradas no caso jaacute que as taxas de

ocupaccedilatildeo satildeo receitas patrimoniais decorrentes de uma relaccedilatildeo de direito administrativo em que o

Estado atua com seu jus imperii Natildeo se tratando portanto de relaccedilatildeo juriacutedica disciplinada pelo Direito

Privado natildeo deve o inteacuterprete utilizar como teacutecnica de integraccedilatildeo uma regra proveniente desse

segmento do sistema normativo mas de regra correlata que rege situaccedilatildeo semelhante dentro dos

quadrantes do Direito Puacuteblicordquo 374

Eacute certo que no RE nordm 228800DF restou decidido que ldquoA compensaccedilatildeo financeira se vincula a meu

ver natildeo agrave exploraccedilatildeo em si mas aos problemas que gerardquo Mas a prova de que sua finalidade natildeo eacute

compensar tais perdas eacute justamente a afirmaccedilatildeo de que sua base de caacutelculo natildeo as mensura ldquoNa verdade

ndash na alternativa que lhe confiara a Lei Fundamental ndash o que a L 799089 instituiu [] natildeo foi verdadeira

compensaccedilatildeo financeira foi sim genuina ldquoparticipaccedilatildeo no resultado da exploraccedilatildeordquordquo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

212

exploraccedilatildeo econocircmica concretizando a reduccedilatildeo de desigualdades regionais (art 3ordm III

art 43 e art 170 VII)

A participaccedilatildeo dos royalties no mecanismo constitucional de monetizaccedilatildeo de recursos

naturais natildeo renovaacuteveis para concretizar direitos fundamentais na sociedade pode ser

assim resumido

5 A CFEM NO ESTADO DE MINAS GERAIS NECESSIDADE DE

MELHOR GESTAtildeO DOS RECURSOS PARA A CONCRETIZACcedilAtildeO DE

DIREITOS FUNDAMENTAIS

A partir de 1ordm de agosto de 2017 a Medida Provisoacuteria nordm 789 passou a produzir efeitos

introduzindo um novo marco para a incidecircncia da CFEM A exposiccedilatildeo de motivos da

MP convertida na Lei nordm 135402017 deixa claro que a alteraccedilatildeo decorre dos muacuteltiplos

questionamentos judiciais ndash inclusive no tocante agrave proacutepria natureza juriacutedica do instituto

ndash ldquoque tornaram vulneravel a implementaccedilatildeo dos textos legais especificos

comprometendo a realizaccedilatildeo efetiva do potencial de arrecadaccedilatildeo da compensaccedilatildeo

[]rdquo

Em razatildeo do diagnoacutestico apresentado na exposiccedilatildeo de motivos o novo marco legal da

CFEM representou substancial aumento na sua arrecadaccedilatildeo mediante aumento de

aliacutequotas (de 2 para 35 sobre mineacuterio de ferro e de 1 para 15 sobre ouro por

exemplo) imposiccedilatildeo de teste de preccedilos de transferecircncia em quaisquer exportaccedilotildees

mesmo para natildeo vinculadas e para paiacuteses com tributaccedilatildeo normal aleacutem do impedimento

agrave deduccedilatildeo das despesas com frete e seguro antes autorizadas

Em 2017 a Uniatildeo arrecadou R$ 183856802145 com o royalty transferindo R$

17541154015 a Minas Gerais correspondente aos 23 previstos aos Estados antes da

Lei nordm 135402017

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

213

Jaacute em 2018 na vigecircncia da nova lei a Uniatildeo arrecadou R$ 303614359241 e ateacute o

momento375

R$ 413453158828 em 2019 Isso representa um aumento de 65 na

arrecadaccedilatildeo nacional em 2018 e de 125 em 2019

O Estado de Minas Gerais por sua vez recebeu R$ 28292537628 em 2018 e R$

26042487345376

ateacute o presente momento (2019) o que representa um aumento de

61 e 41 respectivamente frente a 2017

Vale dizer que a Lei nordm 135402017 reduziu o produto da arrecadaccedilatildeo da CFEM

transferido aos Estados e Municiacutepios produtores de 23 para 15 e de 65 para 60

respectivamente passando a contemplar Municiacutepios natildeo produtores desde que afetados

pela mineraccedilatildeo mediante (i) infraestruturas utilizadas para o transporte ferroviaacuterio ou

dutoviaacuterio de substacircncias minerais (ii) operaccedilotildees portuaacuterias e de embarque e

desembarque de substacircncias minerais (iii) abriguem em seus territoacuterios pilhas de

esteacuteril as barragens de rejeitos e as instalaccedilotildees de beneficiamento de substacircncias

minerais bem como as demais instalaccedilotildees previstas no plano de aproveitamento

econocircmico

Os novos percentuais de transferecircncia satildeo 15 para o Distrito Federal e os Estados

onde ocorrer a produccedilatildeo 15 para Municiacutepios afetados 60 para o Distrito Federal e

os Municiacutepios onde ocorrer a produccedilatildeo 02 ao Ibama para atividades de proteccedilatildeo

ambiental em regiotildees impactadas pela mineraccedilatildeo 18 ao CETEM para a realizaccedilatildeo

de pesquisas estudos e projetos de tratamento beneficiamento e industrializaccedilatildeo de

bens minerais 1 ao FNDCT destinado ao desenvolvimento cientiacutefico e tecnoloacutegico

do setor mineral e 7 para a ANM

Importante mencionar as seguintes regras quanto ao gasto da CFEM previstas na

legislaccedilatildeo federal

a) Anualmente a Uniatildeo os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios tornaratildeo

puacuteblicas as informaccedilotildees relativas agrave aplicaccedilatildeo das parcelas da CFEM a eles destinadas

na forma estabelecida na Lei nordm 12527 de 18 de novembro de 2011 de modo a se ter

absoluta transparecircncia na gestatildeo dos recursos da CFEM ndash Art 2ordm sect 13 da Lei nordm

80011990

b) Eacute vedada a aplicaccedilatildeo dos recursos de royalties em pagamento (i) de diacutevida e (ii)

no quadro permanente de pessoal (vide art 8ordm da Lei nordm 79901989) exceto

b1) o pagamento de diacutevidas para com a Uniatildeo e suas entidades

b2) o custeio de despesas com manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino

especialmente na educaccedilatildeo baacutesica puacuteblica em tempo integral inclusive as relativas a

pagamento de salaacuterios e outras verbas de natureza remuneratoacuteria a profissionais do

magisteacuterio em efetivo exerciacutecio na rede puacuteblica

b3) capitalizaccedilatildeo de fundos de previdecircncia

375

Este estudo foi escrito em dezembro de 2019 376

O sistema da ANM ainda natildeo computou a distribuiccedilatildeo da CFEM em setembro e em dezembro de

2019 o que diminui o resultado apontado

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

214

Apesar de receber crescentes valores a tiacutetulo de CFEM mesmo com a reduccedilatildeo do seu

percentual de 23 para 15 o Estado de Minas Gerais natildeo realiza uma boa gestatildeo

desses recursos e descumpre a Constituiccedilatildeo mineira Isso se pode dizer tambeacutem a

respeito dos Municiacutepios mineiros conforme toacutepico seguinte

51 A CFEM NA CONSTITUICcedilAtildeO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

A Constituiccedilatildeo mineira estabelece diretrizes para o gasto da CFEM transferida ao

Estado

Prioritariamente ndash o que implica a nosso ver a maior parcela dos recursos

arrecadados ndash a CFEM recebida pelo Estado deve ser destinada para prestar assistecircncia

a ldquoMunicipio que se desenvolva em torno de atividade mineradora tendo em vista a

diversificaccedilatildeo de sua economia e a garantia de permanecircncia de seu desenvolvimento

socioeconocircmicordquo Este primeiro pilar para o gasto da CFEM contido no art 252 da

Constituiccedilatildeo mineira permite ainda que esta junto a outras fontes de recursos seja

destinada ao ldquoFundo de Exaustatildeo e Assistecircncia aos Municipios Mineradoresrdquo que

deveria ter sido criado por lei377

Residualmente uma parte dos recursos da CFEM deve ser destinada a assegurar a

efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado nos termos dos sectsect

1ordm e 3ordm do art 214 da Constituiccedilatildeo mineira378

52 O TCEMG NO SEU PAPEL DE CONTROLE SOBRE OS GASTOS DA

CFEM

377

ldquoArt 252 ndash Os recursos financeiros destinados ao Estado resultantes de sua participaccedilatildeo na

exploraccedilatildeo de recursos minerais em seu territoacuterio ou de compensaccedilatildeo financeira correspondente seratildeo

prioritariamente aplicados de forma a garantir o disposto no art 253 sem prejuiacutezo da destinaccedilatildeo

assegurada no sect 3ordm do art 214

Art 253 ndash O Estado assistiraacute de modo especial o Municiacutepio que se desenvolva em torno de atividade

mineradora tendo em vista a diversificaccedilatildeo de sua economia e a garantia de permanecircncia de seu

desenvolvimento socioeconocircmico

sect 1ordm ndash A assistecircncia de que trata este artigo seraacute objeto de plano de integraccedilatildeo e de assistecircncia aos

Municiacutepios mineradores a se efetivar tanto quanto possiacutevel por meio de associaccedilatildeo que os congregue

sect 2ordm ndash A lei que estabelecer o criteacuterio de rateio da parte disponiacutevel do imposto a que se refere o art 144 I

ldquobrdquo reservara percentual especifico para os Municipios considerados mineradores

(Vide Lei nordm 13803 de 27122000)

sect 3ordm ndash A lei criaraacute o Fundo de Exaustatildeo e Assistecircncia aos Municiacutepios Mineradores formado por recursos

oriundos do Estado e dos Municiacutepios interessados cuja gestatildeo daraacute prioridade agrave diversificaccedilatildeo de

atividades econocircmicas desses Municipios na forma de lei complementarrdquo 378

ldquoArt 214 Todos tecircm direito a meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do

povo e essencial agrave sadia qualidade de vida e ao Estado e agrave coletividade eacute imposto o dever de defendecirc-lo e

conservaacute-lo para as geraccedilotildees presentes e futuras

sect 1ordm - Para assegurar a efetividade do direito a que se refere este artigo incumbe ao Estado entre outras

atribuiccedilotildees []

sect 3ordm - Parte dos recursos estaduais previstos no art 20 sect 1ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica seraacute aplicada

de modo a garantir o disposto no sect 1ordm sem prejuiacutezo de outras dotaccedilotildees orccedilamentaacuteriasrdquo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

215

A nosso ver trata-se de regras que se harmonizam com o mecanismo constitucional de

monetizaccedilatildeo de recursos naturais natildeo renovaacuteveis para concretizaccedilatildeo de direitos

fundamentais previsto no art 20 sect 1ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Contudo vecircm

sendo descumpridas Eacute o que demonstra o item 16 da Ementa do Balanccedilo Geral do

Estado nordm 1007713 analisando as contas de 2016 e publicado em 2018 pelo TCEMG

ldquo[] 16- recomendar que envide esforccedilos para o cumprimento da

Constituiccedilatildeo Mineira no que tange agrave normatizaccedilatildeo do Plano de Integraccedilatildeo e

Assistecircncia aos Municiacutepios Mineradores agrave criaccedilatildeo do Fundo de Exaustatildeo e

Assistecircncia aos Municiacutepios Mineradores bem como de conta proacutepria para

gerenciamento e controle dos recursos da CFEMrdquo

(TCEMG BALANCcedilO GERAL DO ESTADO n 1007713 Rel CONS

ADRIENE ANDRADE Sessatildeo do dia 11072017 Disponibilizada no DOC

do dia 26022018)

A iacutentegra do documento evidencia que em 2016 o Estado de Minas Gerais recebeu R$

20434654858 a tiacutetulo de CFEM Contudo realizou apenas ldquoR$5887 milhotildees

representando uma utilizaccedilatildeo de apenas 291 da arrecadaccedilatildeo liacutequida (R$202303

milhotildees) e 1945 dos creacuteditos autorizadosrdquo

Ademais segundo o TCEMG ldquonatildeo foi evidenciada a destinaccedilatildeo dos recursos prevista

no ordenamento juriacutedico ou seja agrave assistecircncia prioritaacuteria aos Municiacutepios mineradores

direcionada agrave diversificaccedilatildeo e ao desenvolvimento da economia e assim agrave

independecircncia econocircmica em relaccedilatildeo agrave atividade mineraacuteria bem como agrave proteccedilatildeo

ambientalrdquo

A omissatildeo no cumprimento da Constituiccedilatildeo mineira eacute denunciada pelo TCEMG

tambeacutem em relaccedilatildeo ao art 253 ldquonatildeo ha um plano especifico de integraccedilatildeo e assistecircncia

aos Municiacutepios mineradores cuja efetivaccedilatildeo deve se dar por meio de associaccedilatildeo que os

congregue assim como natildeo foi criado ainda o Fundo de Exaustatildeo e Assistecircncia aos

Municipios Mineradoresrdquo

Vale dizer que em 2016 iniciou-se o controle da CFEM no Estado em conta escritural

proacutepria pela Secretaria de Estado da Fazenda conforme esclarecido em Memorando

direcionado ao TCE e que consta no documento ora analisado Contudo ainda que isso

represente um avanccedilo os recursos ainda permanecem no Caixa Uacutenico do Estado o que

natildeo eacute licito conforme aponta o Tribunal de Contas ldquoa referida conta natildeo permite a

realizaccedilatildeo de controle uma vez que os recursos da compensaccedilatildeo satildeo transferidos para o

Caixa Uacutenico []rdquo Por isso a determinaccedilatildeo do Tribunal foi decisiva ldquoos recursos da

CFEM devem ser gerenciados em conta proacutepria do oacutergatildeo gestor considerando a sua

destinaccedilatildeo vinculada agrave norma constitucional mineirardquo

Quanto aos Municiacutepios mineiros Relatoacuterio de 2016 do Tribunal de Contas do Estado de

Minas Gerais379

sobre Nova LimaMG concluiu que apesar de 23 das suas receitas

correntes decorrerem da CFEM o que ldquoeacute significativo no cocircmputo da receita corrente

totalrdquo ldquonatildeo foram localizados planos ou planejamentos especiacuteficos de longo prazo

para a aplicaccedilatildeo dos recursos da CFEM com vistas agrave diversificaccedilatildeo econocircmica do

Municiacutepiordquo Aleacutem disso o relatorio afirma que ldquoos recursos da CFEM satildeo diluiacutedos nos

gastos da Prefeitura natildeo havendo um planejamento especiacutefico para a sua aplicaccedilatildeordquo

379

Disponiacutevel em ltlt httpswwwtcemggovbrIMG2017NOVA20LIMA20-20Relatorio20Finalpdf

gtgt

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

216

Tudo indica que a forma de gestatildeo dos recursos da CFEM no Estado de Minas Gerais

inclusive em seus Municiacutepios viola o mecanismo constitucional de monetizaccedilatildeo de

recursos naturais natildeo renovaacuteveis destinado a concretizar direitos fundamentais na

sociedade Nesse ponto vale mencionar a Auditoria nordm 932831 realizada pelo TCEMG

junto ao Municiacutepio de Satildeo Gonccedilalo do Rio Abaixo que abarca a mina de mineacuterio de

ferro de Brucutu da Vale SA

[]

2 A eficaacutecia e concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais nos termos do art

5ordm sect 1ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica implica em que os recursos da CFEM

devem ser transformados em investimentos como base para o

desenvolvimento permanente da sociedade nos termos dos arts 3ordm 170

incisos VI VII VIII e IX e 174 da Lei Fundamental paacutetria em consonacircncia

com os arts 252 e 253 da Constituiccedilatildeo Estadual e o proacuteprio art 23 da

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica no tocante aos deveres municipais

3 Os recursos da CFEM devem ser aplicados em sauacutede educaccedilatildeo meio-

ambiente e infraestrutura observada a transparecircncia dos respectivos gastos

puacuteblicos em prol de toda a sociedade em cumprimento aos arts 3ordm 170 196

205 e 225 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica bem como aos arts 48 48-A e 49 da

Lei de Responsabilidade Fiscal De igual modo os recursos advindos da

CFEM devem ser administrados em sua integralidade em cada exerciacutecio

financeiro de forma destacada para as referidas finalidades constitucionais

ultrapassando-se a mera literalidade Precedentes deste Tribunal com

natureza de Balanccedilo Geral do Estado Processo n 912324 Rel Conselheiro

Joseacute Alves Viana Processo n 886510 Rel Conselheiro Mauri Torres

Processo n 872207 Rel Conselheiro Claacuteudio Terratildeo Processo n 951454

Rel Conselheiro Gilberto Diniz

[] ndash (grifei)

Na Auditoria o TCE identificou uma seacuterie de usos irregulares da CFEM pelo

Municiacutepio especialmente em atividades administrativas e em despesas correntes tendo

afirmado o seguinte

A utilizaccedilatildeo dos recursos da CFEM com custeio de atividade administrativa

ou destinaccedilatildeo livre eacute irregular pois os recursos minerais geradores da

referida contribuiccedilatildeo pertencem agrave Uniatildeo art 20 inciso IX da Constituiccedilatildeo

da Repuacuteblica e satildeo finitos em essecircncia ou seja possuem prazo determinado

de exploraccedilatildeo Caso utilizados com despesas correntes da maacutequina estatal os

recursos da CFEM tenderatildeo a criar uma economia de gastos municipais

insustentaacutevel

A essecircncia da manifestaccedilatildeo do TCEMG coincide com o que expusemos neste estudo

ateacute aqui mas vale dizer que os direitos fundamentais natildeo se restringem agrave sauacutede

educaccedilatildeo meio ambiente e infraestrutura De todo modo considerando a opccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo mineira pela assistecircncia aos Municiacutepios mineradores para diversificaccedilatildeo de

atividades e manutenccedilatildeo de seu desenvolvimento eacute muito importante o destaque dado

pelo Tribunal de Contas aos investimentos em infraestrutura e educaccedilatildeo A segunda

permite a formaccedilatildeo de matildeo de obra qualificada apta a empreender e inovar no local A

primeira tem o grande potencial de levar agrave diversificaccedilatildeo econocircmica conforme

subtoacutepico seguinte

53 OS INVESTIMENTOS EM INFRAESTRUTURA E A DIVERSIFICACcedilAtildeO

ECONOcircMICA

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

217

Eacute notoacuterio que grandes projetos de mineraccedilatildeo necessitam de investimentos vultosos em

infraestrutura ferrovias rodovias portos etc Por forccedila da rigidez locacional tais

atividades ocorrem tradicionalmente em locais distantes de grandes centros urbanos

demandando por consequecircncia a criaccedilatildeo de infraestrutura para o projeto tanto sob a

oacutetica urbano-habitacional (haveraacute trabalhadores que viveratildeo nas adjacecircncias da

exploraccedilatildeo dos recursos demandando estrutura miacutenima social) como sob a oacutetica de

aquisiccedilatildeo de insumos e de escoamento da produccedilatildeo no que se inclui a infraestrutura

logiacutestica e energeacutetica necessaacuterias

Ante essa realidade comum em todo o mundo acerca de projetos envolvendo recursos

naturais natildeo renovaacuteveis e considerando que a ausecircncia da infraestrutura ou de

mecanismos de facilitaccedilatildeo (inclusive fiscal) para sua implementaccedilatildeo afugentam

investimentos haacute intenso debate mundo afora sobre o assunto na oacutetica do direito

financeiro e do direito tributaacuterio

Paul Collier e Glen Ireland380

em relevante estudo sobre o tema focado em projetos de

mineraccedilatildeo demonstram que ferrovias e portos construiacutedos para suportar o escoamento

de uma operaccedilatildeo mineral em geral teratildeo capacidade superior agravequela demandada pelo

projeto em si E prosseguem afirmando que os mecanismos para garantir que terceiros

tenham acesso a essa infraestrutura variam em cada jurisdiccedilatildeo podendo ser agrupados

em algumas categorias notadamente negociaccedilatildeo privada access undertaking381

e

regulaccedilatildeo formal

Os mesmos autores demonstram que na Aacutefrica haacute pressatildeo para que o

compartilhamento de infraestrutura de mineraccedilatildeo seja realizado de forma a gerar

diversificaccedilatildeo econocircmica e beneficiar outros setores como o desenvolvimento rural

The African Union urges Africas policymakers ldquoto maximize the beneficial

spill over effects of infrastructure triggered by mining by planning around

resource corridorsrdquo and by encouraging its ldquocollateral or integral use by other

economic sectorsrdquo including for example to promote rural developmentrdquo

To achieve this the African Union reminds policymakers that ldquomineral

transport infrastructure needs to allow third-party access at nondiscriminatory

tariffsrdquo382

380

ldquoRailway and port facilities constructed to support a bulk mining operation will generally have a

throughput capacity that exceeds the initial planned output of the mine This occurs either because the

infrastructure cannot be designed with a lower capacity or the mining firm elects to overbuild the

infrastructure to accommodate increased throughput in the future The capacity of a fully utilized railway

or port can normally be increased through further capital investment Due to the inherent physical

characteristics of such facilities the marginal cost (per unit of throughput) of adding capacity is at least

initially quite low Further capacity increases will eventually require a more substantial or ldquostep-changerdquo

investment Invariably the cost of expanding the capacity of existing infrastructure (even if a step-change

is needed) is significantly lower than the cost of constructing new infrastructure having equivalent

capacityrdquo COLLIER Paul IRELAND Glen Shared-Use Mining Infrastructure Why it Matters and

How to Achieve it In Development Policy Review n 36 January 2017 381

Como eacute o caso da ferrovia de Queensland na Austraacutelia Cf Queensland Rail has an Access

Undertaking (2016) approved by the Queensland Competition Authority (QCA) The access undertaking

sets out the terms and conditions on which Queensland Rail provides access to its rail infrastructure ltlt

httpswwwqueenslandrailcomauforbusinessaccessaccess-undertaking gtgt 382

COLLIER Paul IRELAND Glen Shared-Use Mining Infrastructure hellip cit p 7

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

218

A sinergia entre a infraestrutura necessaacuteria em projetos paraJu

aproveitamento econocircmico de recursos naturais natildeo renovaacuteveis e outros setores da

economia pelo modelo shared-use eacute sintetizada por Benke383

Portanto parece relevante que sejam feitos investimentos em infraestrutura sejam eles

privados com claacuteusulas de shared-use ou puacuteblicos mediante boa aplicaccedilatildeo dos recursos

da CFEM para diversificaccedilatildeo econocircmica local

6 CONCLUSAtildeO

Ante o exposto conclui-se

1) A Constituiccedilatildeo ao tratar dos recursos finitos ou exauriacuteveis por natureza impotildee

que a poliacutetica fiscal do paiacutes leve em consideraccedilatildeo as trecircs premissas (i) qualquer

interpretaccedilatildeo das suas normas que se restrinja ao presente eacute por definiccedilatildeo

inconstitucional (ii) os recursos naturais pertencem ao povo brasileiro ndash e natildeo aos entes

federados ndash inclusive agraves futuras geraccedilotildees (iii) satildeo objetivos constitucionais conhecer as

nossas reservas de recursos naturais e exploraacute-las mediante concessotildees monetizando-as

e transformando-as em direitos fundamentais

2) O art 20 sect 1ordm da Constituiccedilatildeo institui a competecircncia da Uniatildeo para criar um

mecanismo de monetizaccedilatildeo dos recursos naturais natildeo renovaacuteveis de forma que gerem

lucro a ser distribuiacutedo de forma cooperativa e equilibrada entre os entes federados

Natildeo se trata portanto de recompor a perda do recurso natural natildeo renovaacutevel ou de

meramente compensar impactos e eventuais danos ambientais sociais ou econocircmicos

decorrentes da atividade econocircmica Muito mais do que isso o sect 1ordm do art 20 deve ser

lido como o principal mecanismo constitucional para a concretizaccedilatildeo do direito do povo

383

BENKE R Introductory Remarks on Mineral Infrastructure in Regional Integration Second Expert

Group Workshop on Extractive Industries 11ndash12 June 2015 Geneva

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

219

brasileiro (proprietaacuterio dos bens) inclusive das geraccedilotildees futuras agrave fruiccedilatildeo de benesses

decorrentes da monetizaccedilatildeo dos recursos naturais natildeo renovaacuteveis que possam ser

perenizadas na sociedade mediante a concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais Esse eacute o

seu motivo constitucional

3) Os royalties instituiacutedos pela Lei nordm 79901989 possuem natureza juriacutedica de

receita originaacuteria da Uniatildeo e transferida para os demais entes federados Natildeo eacute mera

indenizaccedilatildeo porque natildeo se trata de simplesmente compensar perdas danos ou impactos

de qualquer espeacutecie sofridos por Estados e Municiacutepios e sim de obter lucro

monetizando recursos naturais inertes e concretizando-os em direitos fundamentais para

o seu titular o povo brasileiro

4) O instrumento que constitui imposiccedilatildeo financeira a empreendimentos de

mineraccedilatildeo em razatildeo do impacto ambiental (logo liacutecito em contraponto ao dano

ambiental iliacutecito) eacute a compensaccedilatildeo ambiental ou compensaccedilatildeo do SNUC prevista na

Lei nordm 99852000 que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservaccedilatildeo da

Natureza

5) A CFEM recebida pelo Estado de Minas Gerais deve ser destinada

principalmente para prestar assistecircncia a Municiacutepio que se desenvolva em torno de

atividade mineradora tendo em vista a diversificaccedilatildeo de sua economia e a garantia de

permanecircncia de seu desenvolvimento socioeconocircmico Admite-se para tanto que a

receita obtida com a exaccedilatildeo seja destinada ao ldquoFundo de Exaustatildeo e Assistecircncia aos

Municiacutepios Mineradoresrdquo que deveria ter sido criado por lei Residualmente uma parte

dos recursos da CFEM deve ser destinada a assegurar a efetividade do direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado nos termos dos sectsect 1ordm e 3ordm do art 214 da

Constituiccedilatildeo mineira

6) As manifestaccedilotildees do TCEMG evidenciam que o Estado de Minas Gerais e os

Municiacutepios mineiros descumprem reiteradamente as determinaccedilotildees acima violando a

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e a Constituiccedilatildeo mineira Ademais no caso do Estado

parcela iacutenfima da arrecadaccedilatildeo da CFEM eacute efetivamente realizada em despesa puacuteblica

Em torno de 80 permanece em Caixa Uacutenico

7) Eacute relevante considerando a experiecircncia internacional considerar o investimento

em infraestrutura como forma de gerar diversificaccedilatildeo econocircmica evitando a

dependecircncia das economias locais em relaccedilatildeo agrave mineraccedilatildeo

REFEREcircNCIAS

BATISTA JUacuteNIOR Onofre Alves e DA SILVA Fernanda Alen Gonccedilalves A Funccedilatildeo

Social da Exploraccedilatildeo Mineral no Estado de Minas Gerais In Rev Fac Direito UFMG

Belo Horizonte n 62

BENKE R Introductory Remarks on Mineral Infrastructure in Regional Integration

Second Expert Group Workshop on Extractive Industries 11ndash12 June 2015 Geneva

BERNARDES Acyr Recursos minerais a Uniatildeo eacute proprietaacuteria ou exerce soberania

Brasil Mineral Satildeo Paulo n 157 dez 1997

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

220

CARRAZZA Roque Antonio Natureza juriacutedica da Compensaccedilatildeo Financeira pela

Exploraccedilatildeo de Recursos Minerais sua manifesta inconstitucionalidade Justitia Satildeo

Paulo v 57 n 171 p 88-116 julset 1995

CASTRO JUacuteNIOR Paulo Honoacuterio de SILVA Tiago de Mattos CFEM Compensaccedilatildeo

Financeira pela Exploraccedilatildeo de Recursos Minerais Belo Horizonte DrsquoPlacido 2018

COLLIER Paul IRELAND Glen Shared-Use Mining Infrastructure Why it Matters

and How to Achieve it In Development Policy Review n 36 January 2017

DANIEL Philip KEEN Michael MCPHERSON Charles The Taxation of Petroleum

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HAumlBERLE Peter El Estado constitucional Trad Heacutector Fix-Ferro Buenos Aires

Astrea 2007

OLIVEIRA Regis Fernandes de Curso de direito financeiro 8ed Satildeo Paulo

Malheiros 2019

SCAFF Fernando Facury Royalties do Petroacuteleo Mineacuterio e Energia Satildeo PauloRevista

dos Tribunais 2014

SIQUEIRA Lyssandro Norton Os princiacutepios de Direito Ambiental e a compensaccedilatildeo

ambiental no Sistema Nacional de Unidades de Conservaccedilatildeo (SNUC) In GOMES

Carla Amado (Coord) Compensaccedilatildeo ecoloacutegica serviccedilos ambientais e protecccedilatildeo da

biodiversidade Lisboa Instituto de Ciecircncias Juriacutedico-Poliacuteticas 2014

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

221

A COMPENSACcedilAtildeO AMBIENTAL E A QUESTAtildeO

ORCcedilAMENTAacuteRIA NA CONSERVACcedilAtildeO DOS PARQUES DO

SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVACcedilAtildeO

RODRIGO W S RIBEIRO FILHO

_________________ SUMAacuteRIO ________________

I Introduccedilatildeo II A compensaccedilatildeo ambiental III

Panorama administrativo da compensaccedilatildeo

ambiental IV A execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria da

compensaccedilatildeo V Consideraccedilotildees finais

Resumo O presente artigo objetiva inicialmente traccedilar um panorama sobre o instituto

da compensaccedilatildeo ambiental contextualizando-a em sua relaccedilatildeo com o Sistema Nacional

de Unidades de Conservaccedilatildeo ndash SNUC sob a oacutetica do artigo do Prof Dr Lyssandro

Norton Siqueira Apoacutes seraacute feita uma anaacutelise sobre a atual situaccedilatildeo da compensaccedilatildeo

ambiental a niacutevel federal procurando compreender a realidade administrativa e

orccedilamentaacuteria da compensaccedilatildeo ambiental em relaccedilatildeo Unidades de Conservaccedilatildeo

levantando possiacuteveis problemas e entraves na execuccedilatildeo financeira de tal modalidade

Palavras-chave compensaccedilatildeo ambiental orccedilamento puacuteblico direito ambiental

I INTRODUCcedilAtildeO

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil prevecirc em seu art 225 a obrigaccedilatildeo do poder

puacuteblico assegurar a proteccedilatildeo especial a determinados espaccedilos territoriais como forma

de assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

Coube agrave Lei nordm 998500 instituir o Sistema Nacional de Unidades de Conservaccedilatildeo ndash

SNUC regulamentando o paraacutegrafo primeiro incisos I II III e IV do referido

dispositivo constitucional Embora o diploma tenha conceituado logo no inciso I do art

2ordm o que constitui uma Unidade de Conservaccedilatildeo verdade eacute que elas existem desde

muito antes a exemplo do Parque Nacional do Itatiaia cuja constituiccedilatildeo ocorreu em

1937

Mestrando do PPG da Faculdade de Direito da UFMG

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

222

Aleacutem de conceituar as Unidades de Conservaccedilatildeo e buscar trazer luz agrave necessidade de se

preservar e proteger os ecossistemas atraveacutes de poliacuteticas e medidas constantes no bojo

do regulamente a Lei nordm 99852000 cuidou de endereccedilar preocupaccedilatildeo especiacutefica aos

empreendimentos que possam potencialmente causar danos ou impactos ambientais ndash

e assim o fez atraveacutes da compensaccedilatildeo ambiental

A compensaccedilatildeo ambiental assim natildeo pode ser pensada e estudada sob perspectiva

eminentemente tributaacuteria mas ao contraacuterio em conexatildeo com a proacutepria Lei que a

instituiu e todo sistema ambiental-institucional inclusive devendo se relacionar de

forma contundente agraves praacuteticas e limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias Nessa anaacutelise procedeu-se o

uso da metodologia de pesquisa do tipo juriacutedico-teoacuterica por se tratar de uma anaacutelise das

normas legais e infralegais existentes no ordenamento sobre os toacutepicos debatidos

II A COMPENSACcedilAtildeO AMBIENTAL

A Lei nordm 998500 busca viabilizar a criaccedilatildeo e manutenccedilatildeo das UCrsquos de proteccedilatildeo

integral atraveacutes da compensaccedilatildeo ambiental embasada em dois princiacutepios o usuaacuterio-

pagador e o poluidor-pagador De antematildeo eacute necessaacuterio ressalvar que ambos os

princiacutepios natildeo se confundem com o princiacutepio da reparaccedilatildeo (responsabilidade) Contudo

os trecircs tecircm em comum o objetivo da internalizaccedilatildeo das externalidades ambientais

negativas (terceiros ganhando sem pagar por seus benefiacutecios marginais)

Assim eacute que os princiacutepios do usuaacuterio-pagador e do poluidor-pagador se aplicam ao

impacto ambiental sendo esta atividade poluente liacutecita em conformidade com o

ordenamento juriacutedico o qual difere do dano ambiental atividade iliacutecita e contraacuteria ao

direito

Eacute verdade de outro modo que os princiacutepios do usuaacuterio-pagador e do poluidor-pagador

por vezes se confundem mas se de um lado o usuaacuterio ndash que faz por oacutebvio uso dos

recursos naturaisndash nem sempre eacute poluidor o poluidor sempre seraacute usuaacuterio A

diferenciaccedilatildeo parece ser oacutebvia especialmente pela conceituaccedilatildeo expressa dos princiacutepios

pela sua proacutepria qualificaccedilatildeo Contudo a fim de delimitar a distinccedilatildeo de natureza e

implicaccedilatildeo destes princiacutepios eacute preciso estabelecer que

Sendo os bens ambientais de natureza difusa e sendo o seu titular a

coletividade indeterminada aquele que usa o bem em prejuiacutezo dos demais

titulares passa a ser devedor desse lsquoempreacutestimorsquo aleacutem de ser responsavel

pela sua eventual degradaccedilatildeo Eacute nesse sentido e alcance que deve ser

diferenciado do poluidor-pagador A expressatildeo eacute diversa porque se todo

poluidor eacute um usuaacuterio (direto ou indireto) do bem ambiental nem todo

usuaacuterio eacute poluidor O primeiro tutela a qualidade do bem ambiental e o

segundo a sua quantidade Na verdade o usuaacuterio-pagador obriga a arcar com

os custos do lsquoempreacutestimorsquo ambiental aquele que beneficia do ambiente

(econocircmica ou moralmente) mesmo que esse uso natildeo cause qualquer

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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degradaccedilatildeo Em havendo degradaccedilatildeo deve arcar tambeacutem com a respectiva

reparaccedilatildeo Nesta uacuteltima hipoacutetese diz-se que o usuaacuterio foi poluidor384

Ambos os princiacutepios como visto satildeo fundamentos importantes da compensaccedilatildeo

ambiental embora esta tambeacutem possa ter diversos usos e significados O conceito eacute

trazido poreacutem para esta anaacutelise ndash inserindo-se portanto no bojo da Lei nordm 998500 ndash

como aquele que dispotildee o art 36 da referida lei

Art 36 Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de

significativo impacto ambiental assim considerado pelo oacutergatildeo ambiental

competente com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo

relatoacuterio - EIARIMA o empreendedor eacute obrigado a apoiar a implantaccedilatildeo e

manutenccedilatildeo de unidade de conservaccedilatildeo do Grupo de Proteccedilatildeo Integral de

acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei

O mecanismo da compensaccedilatildeo ambiental portanto funciona para efeitos da normativa

como aquele responsaacutevel pela reparaccedilatildeo de impactos ambientais causados por atividade

empreendedora E assim o faz a partir de um sistema arrecadatoacuterio Eacute dizer aquele que

impactar o meio ambiente da forma como definida pela legislaccedilatildeo deveraacute compensar

sua atividade atraveacutes de arrecadaccedilatildeo especiacutefica de recursos que viabilizaccedilatildeo o Sistema

Nacional de Unidade de Conservaccedilatildeo

Se parece oacutebvia a similitude ao menos semacircntica entre a compensaccedilatildeo e a natureza

ressarcitoacuteria o Supremo Tribunal Federal foi instado a se debruccedilar sobre o tema

quando da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade nordm 3378385

A accedilatildeo questionava a

constitucionalidade do art 36 da Lei nordm 998500 entendendo tratar-se de cobranccedila de

384

RODRIGUES Marcelo Abelha Elementos de Direito Ambiental Parte Geral 2 ed rev atual e

ampl Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2005 p 227 385

A accedilatildeo foi assim ementada ldquoEMENTA ACcedilAtildeO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ART

36 E SEUS sectsect 1ordm 2ordm E 3ordm DA LEI Nordm 9985 DE 18 DE JULHO DE 2000 CONSTITUCIONALIDADE

DA

COMPENSACcedilAtildeO DEVIDA PELA IMPLANTACcedilAtildeO DE EMPREENDIMENTOS DE

SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO sect 1ordm DO

ART 36

1 O compartilhamento-compensaccedilatildeo ambiental de que trata o art 36 da Lei nordm 99852000 natildeo ofende o

princiacutepio da legalidade dado haver sido a proacutepria lei que previu o modo de financiamento dos gastos com

as unidades de conservaccedilatildeo da natureza De igual forma natildeo haacute violaccedilatildeo ao princiacutepio da separaccedilatildeo dos

Poderes por natildeo se tratar de delegaccedilatildeo do Poder Legislativo para o Executivo impor deveres aos

administrados

2 Compete ao oacutergatildeo licenciador fixar o quantum da compensaccedilatildeo de acordo com a compostura do

impacto ambiental a ser dimensionado no relatoacuterio - EIARIMA

3 O art 36 da Lei nordm 99852000 densifica o princiacutepio usuaacuterio-pagador este a significar um mecanismo

de assunccedilatildeo partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade

econocircmica

4 Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade Compensaccedilatildeo ambiental que se revela como

instrumento adequado agrave defesa e preservaccedilatildeo do meio ambiente para as presentes e futuras geraccedilotildees natildeo

havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional

Medida amplamente compensada pelos benefiacutecios que sempre resultam de um meio ambiente

ecologicamente garantido em sua higidez

5 Inconstitucionalidade da expressatildeo ldquonatildeo pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos

para a implantaccedilatildeo do empreendimentordquo no sect 1ordm do art 36 da Lei nordm 99852000 O valor da

compensaccedilatildeo-compartilhamento eacute de ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental apoacutes estudo em

que se assegurem o contraditoacuterio e a ampla defesa Prescindibilidade da fixaccedilatildeo de percentual sobre os

custos do empreendimento

6 Accedilatildeo parcialmente procedenterdquo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

224

natureza tributaacuteria Contudo afastando a inadequaccedilatildeo do dispositivo agrave ordem

constitucional a Corte Constitucional afirmou a natureza reparatoacuteria da compensaccedilatildeo

ambiental

O STF entendeu na mesma accedilatildeo no entanto pela inconstitucionalidade do paraacutegrafo

primeiro do art 36 tendo em vista a impossibilidade de ser estabelecido piso para a

compensaccedilatildeo ambiental E isto porque natildeo haveria como ser especificado ainda que em

percentual quantia miacutenima tendo em vista que soacute seria exigiacutevel do empreender aquilo

que efetivamente compensasse o impacto causado Se inexistente ou miacutenimo natildeo seria

razoaacutevel ou legiacutetima qualquer cobranccedila

O impacto assim quando existente ensejaraacute a cobranccedila da compensaccedilatildeo ambiental

cujo valor para fins reparatoacuterios seraacute apurado por meio de estudo preacutevio Reafirmando

seu recolhimento na exata proporccedilatildeo do impacto causado o montante seraacute portanto

apurado quando da realizaccedilatildeo de procedimento preacutevio (elaboraccedilatildeo do EIARIMA) e

ensejaraacute reparaccedilatildeo tambeacutem precedente ao proacuteprio efeito da accedilatildeo a ser tomada

III PANORAMA ADMINISTRATIVO DA COMPENSACcedilAtildeO AMBIENTAL

Segundo o Ministeacuterio do Meio Ambiente cabe ao Instituto Chico Mendes de

Conservaccedilatildeo da Biodiversidade (ICMBio) a execuccedilatildeo das accedilotildees concernentes agraves

Unidades de Conservaccedilatildeo do SNUC tendo o IBAMA como oacutergatildeo supletivo

Oacutergatildeos executores representados na esfera federal pelo Instituto Chico

Mendes de Conservaccedilatildeo da Biodiversidade (ICMBio) e IBAMA em caraacuteter

supletivo e nas esferas estadual e municipal pelos oacutergatildeos estaduais e

municipais de meio ambiente Os oacutergatildeos executores do SNUC tecircm a funccedilatildeo

de implementaacute-lo subsidiar as propostas de criaccedilatildeo e administrar as unidades

de conservaccedilatildeo federais estaduais e municipais mas nas respectivas esferas

de atuaccedilatildeo386

O Relatoacuterio de Gestatildeo de 2018 do Instituto Chico Mendes de Conservaccedilatildeo da

Biodiversidade (ICMBio) explicita parte da dificuldade para a execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria

dos valores advindos da compensaccedilatildeo ambiental387

Um dos complicadores para isso eacute a

inseguranccedila juriacutedica e legislativa de impera no acircmbito administrativo uma vez que

tanto a legislaccedilatildeo federal quanto as recomendaccedilotildees dos oacutergatildeos executores e

fiscalizadores como o Tribunal de Contas da Uniatildeo sofreram modificaccedilotildees constantes

nos uacuteltimos anos

Ateacute 2016 para executar os recursos de compensaccedilatildeo ambiental destinados agraves

Unidades de Conservaccedilatildeo federais o empreendedor optava por uma de duas

modalidades de execuccedilatildeo lsquoexecuccedilatildeo direta sendo esta a execuccedilatildeo por meios

proprios pelo empreendedor ou lsquoexecuccedilatildeo indiretarsquo por meio de deposito em

contas escriturais de instituiccedilatildeo financeira selecionada sendo a execuccedilatildeo

realizada pelo ICMBio Em ambos os casos o Cumprimento de

386

Ministeacuterio do Meio Ambiente Sistema Nacional de Unidades de Conservaccedilatildeo Disponiacutevel em

httpswwwmmagovbrareas-protegidasunidades-de-conservacaosistema-nacional-de-ucs-snuchtml 387

Disponiacutevel em

httpwwwicmbiogovbracessoainformacaoimagesstoriesrelatorio_gestaorelatorio2018Relatorio_de

_Gestao_2018pdf

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Compensaccedilatildeo Ambiental - TCCA tinha um prazo de 12 meses

Todavia a partir das decisotildees do TCU proferidas por meio dos Acoacuterdatildeos nordm

18532003 1004216 e 17722016 restringiu-se o cumprimento da

obrigaccedilatildeo da compensaccedilatildeo ambiental pelo empreendedor por meio da

execuccedilatildeo direta Tambeacutem em atendimento agraves determinaccedilotildees do TCU os

recursos que estavam nas contas escriturais da instituiccedilatildeo financeira (Caixa

Econocircmica Federal) foram internalizados ao Orccedilamento Geral da Uniatildeo -

OGU inaugurando em 2017 a execuccedilatildeo dos recursos pelo OGU Em

dezembro de 2017 foi publicada a Medida Provisoacuteria nordm 8092017

autorizando o ICMBio a selecionar instituiccedilatildeo financeira oficial para criar e

administrar fundo privado a ser integralizado com recursos oriundos da

compensaccedilatildeo ambiental vindo a ser convertida na Lei nordm 13668 de 28 de

maio de 2018 Desse modo foi editada a Instruccedilatildeo Normativa ICMBio nordm

32018 que revogou a Instruccedilatildeo Normativa ICMBio nordm 102014 A partir

desta nova normativa o empreendedor passa a celebrar Termo de

Compromisso para o TCCA com o Instituto Chico Mendes podendo optar

por uma das duas modalidades de execuccedilatildeo ldquoexecuccedilatildeo diretardquo executada por

meios proprios do empreendedor ou ldquoexecuccedilatildeo pelo Fundo de Compensaccedilatildeo

Ambiental (FCA)rdquo por meio de aporte de recursos no fundo privado

Em 2018 foi realizado processo seletivo de Instituiccedilatildeo Financeira Federal

visando agrave execuccedilatildeo da compensaccedilatildeo pelo mencionado Fundo do qual

resultou vencedora a Caixa Econocircmica Federal ndash CEF388

Apoacutes mudanccedila no entendimento do TCU que deixou como uacutenico caminho para a

compensaccedilatildeo ambiental a execuccedilatildeo direta pelo empreendedor foi necessaacuterio ediccedilatildeo de

Medida Provisoacuteria posteriormente convertida na Lei 136682018 para criar outra forma

de pagamento da compensaccedilatildeo objetivando desburocratizar o processo

A Lei nordm 11516 de 28 de agosto de 2007 passa a vigorar acrescida dos

seguintes arts 14-A 14-B e 14-C

ldquoArt 14-A Fica o Instituto Chico Mendes autorizado a selecionar instituiccedilatildeo

financeira oficial dispensada a licitaccedilatildeo para criar e administrar fundo

privado a ser integralizado com recursos oriundos da compensaccedilatildeo ambiental

de que trata o art 36 da Lei nordm 9985 de 18 de julho de 2000 destinados agraves

unidades de conservaccedilatildeo instituiacutedas pela Uniatildeo

sect 1ordm A instituiccedilatildeo financeira oficial de que trata o caput deste artigo seraacute

responsaacutevel pela execuccedilatildeo direta ou indireta e pela gestatildeo centralizada dos

recursos de compensaccedilatildeo ambiental destinados agraves unidades de conservaccedilatildeo

instituiacutedas pela Uniatildeo e poderaacute para a execuccedilatildeo indireta firmar contrato com

instituiccedilotildees financeiras oficiais regionais

sect 2ordm O depoacutesito integral do valor fixado pelo oacutergatildeo licenciador desonera o

empreendedor das obrigaccedilotildees relacionadas agrave compensaccedilatildeo ambiental

sect 3ordm A instituiccedilatildeo financeira oficial de que trata o caput deste artigo fica

autorizada a promover as desapropriaccedilotildees dos imoacuteveis privados indicados

pelo Instituto Chico Mendes que estejam inseridos na unidade de

conservaccedilatildeo destinataacuteria dos recursos de compensaccedilatildeo ambiental

sect 4ordm O regulamento e o regimento interno do fundo observaratildeo os criteacuterios as

poliacuteticas e as diretrizes definidas em ato do Instituto Chico Mendes

sect 5ordm A autorizaccedilatildeo prevista no caput deste artigo estende-se aos oacutergatildeos

executores do Sistema Nacional de Unidades de Conservaccedilatildeo da Natureza

Criou-se portanto a opccedilatildeo da execuccedilatildeo via Fundo para aleacutem da execuccedilatildeo direta Nesse

sentido o ICMBio esclareceu em nota que o objetivo do Fundo de implantaccedilatildeo eacute

justamente o de conferir maior agilidade na execuccedilatildeo financeira da compensaccedilatildeo

ambiental uma vez que a modalidade de execuccedilatildeo direta pelo empreendedor natildeo foi

capaz de entregar resultado positivo pois dependia da capacidade da empresa executar

388

ICMBio Relatoacuterio de Gestatildeo 2018

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

226

as demandas que os oacutergatildeos puacuteblicos necessitavam O Instituto argumenta que o aporte

de valores no Fundo implica em maior flexibilidade do uso do dinheiro pelo oacutergatildeo

competente

Por meio dessa nova modalidade o empreendedor se desonera da obrigaccedilatildeo a

partir do depoacutesito dos recursos no fundo Nesse sentido a expectativa eacute que

haja maior adesatildeo dos empreendedores no cumprimento da obrigaccedilatildeo

Considerando que existe hoje R$ 11 bilhatildeo de reais jaacute destinados agraves unidades

de conservaccedilatildeo federais estima-se que a totalidade destes recursos seja

aportada no Fundo de compensaccedilatildeo Ambiental no prazo de 5 (cinco) anos389

Em siacutentese atualmente satildeo trecircs as possibilidades de efetivar a compensaccedilatildeo ambiental a

niacutevel federal sendo elas as seguintes a) execuccedilatildeo direta feita pelo proacuteprio

empreendedor b) a execuccedilatildeo pelo Fundo de Compensaccedilatildeo Ambiental administrado

pela Caixa Econocircmica Federal cujos recursos advecircm do pagamento da compensaccedilatildeo

pelo empreendedor e por fim c) a execuccedilatildeo via Orccedilamento Geral da Uniatildeo - OGU

A execuccedilatildeo pelo Orccedilamento Geral da Uniatildeo eacute uma excepcionalidade Trata-se da

incorporaccedilatildeo dos recursos advindos da antiga ldquoexecuccedilatildeo indiretardquo isto eacute quando o

empreendedor podia depositar os valores da compensaccedilatildeo ambienta em contas

escriturais em instituiccedilotildees financeiras mas que eram geridos e aplicados ICMBio Tal

forma de execuccedilatildeo a indireta era possiacutevel ateacute 2016 (Instruccedilatildeo Normativa ICMBio nordm

10 de 05122014) restringida pelas decisotildees do Tribunal de Contas da Uniatildeo nos

Acoacuterdatildeos nordm 1004216 e 17722016 Apoacutes 2016 os recursos que estavam nas contas

escrituradas e os passivos ainda natildeo depositados passaram integrar o Orccedilamento Geral

da Uniatildeo Essa modalidade portanto estaacute vinculada ao exaurimento dos recursos que

deveriam ter sido executados indiretamente

IV A EXECUCcedilAtildeO ORCcedilAMENTAacuteRIA DA COMPENSACcedilAtildeO

Quando se compara as modalidades da compensaccedilatildeo ambiental eacute perceptiacutevel a

preferecircncia pelas formas indiretas de compensaccedilatildeo ficando extremamente preterida a

execuccedilatildeo direta Como pode ser observado nos valores globais da compensaccedilatildeo

ambiental

389

Nota do ICMBio Disponiacutevel em

httpwwwicmbiogovbracessoainformacaoimagesstoriesrelatorio_gestaorelatorio2018Compensaca

o_Ambientalpdf

Firmar TCCA Execuccedilatildeo Direta Execuccedilatildeo OGU

R$103272194624 R$5288747453 R$25100410005

77 4 19

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Contudo para aleacutem da problemaacutetica da regulamentaccedilatildeo das possibilidades de execuccedilatildeo

que sofreou intensa variaccedilatildeo prejudicando inclusive a previsibilidade do empreendedor

sobre as formas possiacuteveis de pagamento da compensaccedilatildeo ambiental outro problema eacute

percebido na anaacutelise da execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria

Conforme dados do ICMBio dos R$5288747553 disponiacuteveis para a execuccedilatildeo direta

apenas R$71227420 foram executados enquanto R$5306424765 aguardam

execuccedilatildeo como valores remanescentes De forma similar dos R$33759281814

transferidos para o Orccedilamento Geral da Uniatildeo ndash OGU apenas R$5335294608 foram

executados e descontando os provisionamentos satildeo R$25100410005 disponiacuteveis para

a execuccedilatildeo390

Quando se analisa o dado de que haacute mais de um bilhatildeo de reais em Termo de

Compromisso de Compensaccedilatildeo Ambiental (TCCA) eacute preocupante imaginar o tempo

que levaraacute ateacute que os oacutergatildeos executores consigam efetivamente disponibilizar os valores

para accedilotildees concretas no SNUC

V CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O instituto da compensaccedilatildeo ambiental foi um ganho importantiacutessimo para suprimir as

deficiecircncias orccedilamentaacuterias do Brasil no campo ambiental Eacute um ganho civilizacional a

garantia de que aquela atividade econocircmica que impacta o meio ambiente deveraacute

compensar em ganhos ecoloacutegicos e ambientais garantindo o miacutenimo de equiliacutebrio entre

desenvolvimento econocircmico e preservaccedilatildeo ambiental

Contudo um comportamento erraacutetico da administraccedilatildeo puacuteblica em relaccedilatildeo ao instituto

da compensaccedilatildeo ambiental representa risco real agrave efetividade do dispositivo As

diversas mudanccedilas legislativas administrativas e de entendimento judicial fizeram com

que em diversos momentos a compensaccedilatildeo ambiental ficasse impossibilitada de

cumprir seu papel dentro do sistema de licenciamento ambiental

Para aleacutem disso a incapacidade dos oacutergatildeos executores de gerir e aplicar os recursos

advindos da compensaccedilatildeo se mostra como um empecilho concreto para a efetividade

desta Desde a criaccedilatildeo deste instituto satildeo centenas de milhotildees de reais que natildeo foram

aplicados em sua destinaccedilatildeo criando um passivo para a proacutepria administraccedilatildeo puacuteblica

Contudo a criaccedilatildeo do Fundo de Compensaccedilatildeo Ambiental no final de 2018 gerido pela

Caixa Econocircmica Federal objetiva precisamente resolver esses impasses trazendo

agilidade e eficiecircncia na cobranccedila gestatildeo e aplicaccedilatildeo dos recursos advindos da

compensaccedilatildeo ambiental Eacute necessaacuterio em breve realizar novo estudo comparativo para

analisar a execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria do Fundo em comparaccedilatildeo com as formas de execuccedilatildeo

vigentes ateacute o momento

REFEREcircNCIAS

390

ICMBio Painel dinacircmico de informaccedilotildees

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

228

GODOI Marciano Seabra de Critica agrave jurisprudecircncia atual do STF em mateacuteria

tributaacuteria Satildeo Paulo Dialeacutetica 2011 pp 214-227

ICMBio Painel dinacircmico de informaccedilotildees Disponiacutevel em lt

httpqvicmbiogovbrQvAJAXZfcopendoc2htmdocument=painel_corporativo_647

6qvwamphost=Localampanonymous=truegt Acessado em 07 de dezembro de 2019

ICMBio Relatoacuterio de Gestatildeo 2018 Disponiacutevel em lt

httpwwwicmbiogovbracessoainformacaoimagesstoriesrelatorio_gestaorelatorio2

018Relatorio_de_Gestao_2018pdfgt Acesso em 7 dez 2019

SIQUEIRA Lyssandro Norton Os princiacutepios de Direito Ambiental e a compensaccedilatildeo

ambiental no Sistema Nacional de Unidades de Conservaccedilatildeo (SNUC) In GOMES

Carla Amado Compensaccedilatildeo ecoloacutegica serviccedilos ambientais e protecccedilatildeo da

biodiversidade Lisboa Instituto de Ciecircncias Juriacutedico-Poliacuteticas 2014 pp 196 ndash 218

STF Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade nordm 3378DF Relator Ministro Carlos Ayres

Britto Julgado em 14062006

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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AUDIEcircNCIAS PUacuteBLICAS E LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Legitimaccedilatildeo e correccedilatildeo das teacutecnicas pelas vozes

SAMUEL GIOVANNINI CRUZ GUIMARAtildeES

_________________ SUMAacuteRIO ________________

1 Introduccedilatildeo 2 As bases legais e os dois princiacutepios

democraacuteticos da audiecircncia puacuteblica no licenciamento

ambiental 3 Legitimidade e legitimaccedilatildeo no

licenciamento ambiental 4 O RIMA de 2005 e a

contradiccedilatildeo interna do licenciamento ambiental 5

Conclusotildees sobre competecircncias criteacuterios de anaacutelise

e participaccedilatildeo nas audiecircncias puacuteblicas

RESUMO Este trabalho objetiva responder ateacute que ponto o licenciamento ambiental

poderia corresponder ou considerar a opiniatildeo puacuteblica seus questionamentos e incertezas

expressos na audiecircncia puacuteblica Por meio da anaacutelise de um amplo conjunto de

dispositivos legais pertinentes agraves audiecircncias no processo de licenciamento bem como

do uso de balizas interpretativas da filosofia da teoria da constituiccedilatildeo e do direito

ambiental aponta-se os princiacutepios que justificam e que devem nortear as audiecircncias

puacuteblicas aleacutem dos requisitos necessaacuterios para seu melhor aproveitamento durante o

processo de licenciamento Um caso utilizado a tiacutetulo de exemplo foi o desastre de

Mariana em 2015 decorrente do rompimento da Barragem do Fundatildeo da

SamarcoValeBHP Billiton a partir do qual se faz a anaacutelise de um dos Relatoacuterios de

Impacto Ambiental (RIMA) apresentados pela Samarco Conclui-se que devem ser

criteacuterios de pertinecircncia teacutecnica dos EIA e RIMA a abordagem profunda dos riscos

graves evitaacuteveis e inerentes ao empreendimento ou atividade a proposiccedilatildeo detalhada

das estrateacutegias que seratildeo empregadas para evitar tais riscos e para enfrentar eventuais

acidentes que os materializem o emprego na anaacutelise dos textos da ideia de

equiliacutebrioproporcionalidade entre o modo de abordagem dos pontos positivos e

negativos pois especialmente no RIMA a maior imparcialidade possiacutevel deve sempre

ser buscada A audiecircncia puacuteblica natildeo deve vincular mas deve ser uma das principais

variaacuteveis a influenciar a formulaccedilatildeo da decisatildeo final no licenciamento ambiental

Palavras-chave licenciamento ambiental audiecircncia puacuteblica democracia

Advogado Poacutes-graduando em Direito UFMG

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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1 INTRODUCcedilAtildeO

Os rompimentos das barragens de rejeitos na histoacuteria recente de Minas Gerais

fomentaram na populaccedilatildeo uma maior incerteza e temor diante dos riscos dessas

barragens Portanto questiona-se atendendo-se ao princiacutepio da participaccedilatildeo e ao

princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental ateacute onde o licenciamento poderia corresponder ou

considerar a percepccedilatildeo do puacuteblico e suas incertezas que se expressam na audiecircncia

puacuteblica Afinal ateacute onde a incerteza das comunidades pode influenciar a decisatildeo do

oacutergatildeo licenciador E esta decisatildeo na forma como ocorreu foi puramente teacutecnica

Como o poderia ser se tanto o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) quanto o Relatoacuterio

de Impacto Ambiental (RIMA) satildeo de autoria do empreendedor e se haacute abertura interna

de um locus de participaccedilatildeo na forma da audiecircncia puacuteblica Esses satildeo questionamentos

que se avultam em torno do processo de licenciamento ambiental do procedimento e da

pertinecircncia das audiecircncias puacuteblicas

O EIA e o RIMA satildeo estudos teacutecnicos multidisciplinares que em sua concepccedilatildeo ideal

balizariam de forma teacutecnica a participaccedilatildeo popular na audiecircncia puacuteblica e as decisotildees do

oacutergatildeo licenciador Neste trabalho se discutem os problemas inerentes ao licenciamento

ambiental que decorrem da competecircncia e responsabilidade do empreendedor para a

realizaccedilatildeo do EIARIMA bem como se conclui pela necessidade de reforma dos

criteacuterios de anaacutelise desses estudos em prol do direito agrave informaccedilatildeo que eacute indeclinaacutevel

para que os desiacutegnios da audiecircncia puacuteblica e da participaccedilatildeo popular sejam

concretizados Aleacutem disso compreende-se a audiecircncia puacuteblica como um canal para

correccedilatildeo e aperfeiccediloamento das teacutecnicas do EIARIMA a consideraccedilatildeo de fatos

histoacutericos problemas econocircmicos vivenciados danos sofridos interesses temores e

suspeitas dos participantes da audiecircncia aprimoram a percepccedilatildeo do oacutergatildeo licenciador

sobre os impactos do empreendimento licenciado Na correccedilatildeo das teacutecnicas importa a

percepccedilatildeo social dos riscos

O meacutetodo analiacutetico deste trabalho se divide em quatro partes a partir das quais se

buscam respostas para as questotildees supracitadas e soluccedilotildees para os problemas

encontrados I) Analisa-se as bases legais e os princiacutepios que justificam e que devem

nortear as audiecircncias puacuteblicas bem como os requisitos necessaacuterios para seu melhor

aproveitamento durante o licenciamento Tambeacutem o estudo as bases legais da audiecircncia

agrave eacutepoca do desastre de Mariana em face de algumas mudanccedilas legais que ocorreram

desde o rompimento da barragem do Fundatildeo expressam alguns avanccedilos importantes

enquanto o atual contexto brasileiro ainda eacute temeroso ante a sombra dos grandes

desastres de Brumadinho e Mariana Este uacuteltimo desastre eacute neste trabalho utilizado

como objeto de exemplos seja em vista das incertezas quanto ao licenciamento e

fiscalizaccedilatildeo das barragens seja em face da legitimidade nos processos de licenciamento

II) Em seguida discute-se o papel da audiecircncia puacuteblica e as diferenccedilas conceituais entre

legitimidade e legitimaccedilatildeo bem como os conflitos que se destacam no acircmbito da

legitimidade do licenciamento ambiental no controle das atividades minerais III) Por

fim apresenta-se um RIMA elaborado no primeiro processo de licenciamento da

barragem do Fundatildeo analisando-se os impactos previstos sua abordagem desses

impactos e se haacute ou natildeo um caraacutecter apologeacutetico no relatoacuterio

A anaacutelise do RIMA se sintetiza na identificaccedilatildeo de uma consideraacutevel ausecircncia de

imparcialidade teacutecnica fato que prejudica o devido conhecimento pelos afetados e

interessados e consequentemente a capacidade e o interesse para se mobilizarem nas

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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audiecircncias puacuteblicas e em outros espaccedilos de manifestaccedilatildeo Isso tende a se agravar apoacutes a

aprovaccedilatildeo do empreendimento pois tal aprovaccedilatildeo sinaliza que o Poder Puacuteblico aceitou

em todo ou em parte as anaacutelises do EIARIMA sendo elas condizentes ou natildeo com os

reais impactos riscos etc De fato os problemas percebidos nas audiecircncias puacuteblicas dos

processos de licenciamento ambiental envolvem toda uma sistemaacutetica de procedimentos

e especialmente dois princiacutepios a educaccedilatildeo (ambiental) e o acesso agrave informaccedilatildeo Eacute

com base nessas e outras discussotildees desenvolvidas neste trabalho que se constroem as

conclusotildees relacionadas agrave necessidade de reformulaccedilatildeo dos criteacuterios de anaacutelise do

EIARIMA por parte do oacutergatildeo licenciador e de concessatildeo de maior peso agraves deliberaccedilotildees

empreendidas nas audiecircncias puacuteblicas

2 AS BASES LEGAIS E OS DOIS PRINCIacutePIOS DEMOCRAacuteTICOS DA

AUDIEcircNCIA PUacuteBLICA NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Este toacutepico tem por objetivo apontar uma seacuterie de dispositivos do ordenamento juriacutedico

brasileiro sobretudo no que tange a mateacuteria ambiental a fim de subsidiar as discussotildees

posteriores deste trabalho Isto posto cabe destacar primariamente uma das

caracteriacutesticas comuns aos canais de participaccedilatildeo seu caraacuteter consultivo natildeo

vinculativo Isto eacute apesar de obrigatoacuterias em diversos acircmbitos do direito as audiecircncias

puacuteblicas natildeo se constituem elementos determinantes das decisotildees finais que podem lhes

contrariar inclusive Em vista disso eacute que este trabalho natildeo propotildee um caraacuteter

vinculante agrave audiecircncia mas sim preliminarmente uma discussatildeo acerca de seu papel

nos processos decisoacuterios e posteriormente sobre os indiacutecios de sua eficaacutecia como

instrumentos participativos e democraacuteticos

O artigo 225 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 erige o meio ambiente ecologicamente

equilibrado como direito fundamental bem de uso comum de todos essencial agrave

qualidade de vida e impotildee ao Poder Puacuteblico e a comunidade o dever de ldquo[] defendecirc-lo

e preservaacute-lo para as presentes e futuras geraccedilotildeesrdquo (BRASIL 1988) Em seu sect1ordm inciso

IV incube ao Poder Puacuteblico a exigecircncia de estudo preacutevio de impacto ambiental bem

como sua publicidade para instalaccedilatildeo de atividades e obras que possam

significativamente degradar o meio ambiente Esse estudo jaacute era abarcado pelo artigo

9ordm inciso IV da Lei 6938 de 31 de agosto de 1981 que instituiu a Poliacutetica Nacional do

Meio Ambiente (PNMA) Tal dispositivo ainda estabelece como instrumentos da

PNMA ldquoo licenciamento e a revisatildeo de atividades efetiva ou potencialmente

poluidorasrdquo (BRASIL 1981)

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 1988 determina no artigo 20 inciso IX os recursos

minerais como bens da Uniatildeo Natildeo obstante vislumbra a iniciativa privada sobre eles -

a garimpagem associativa no art 21 por exemplo - natildeo eximindo o Estado da

responsabilidade regulatoacuteria e diretoacuteria a niacutevel federal sobre tais recursos tanto na

fiscalizaccedilatildeo e concessatildeo quanto na execuccedilatildeo da legislaccedilatildeo mineral e ambiental O art

174 nos sectsect 3ordm e 4ordm explicita essas inferecircncias ao caracterizar o Estado como agente

normativo e regulador da atividade econocircmica sendo para o setor puacuteblico

determinante e para o privado indicativo A atividade mineraacuteria ganha especial ecircnfase

no art 176 que no sect 1ordm centraliza a competecircncia de autorizaccedilatildeo da exploraccedilatildeo e

pesquisa dos recursos minerais na Uniatildeo restringindo-os agraves pessoas e empresas

brasileiras calcadas expressamente no interesse nacional Ademais e mais importante

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

232

para este trabalho estaacute o sect2ordm do artigo 225 da CR88 dispondo categoricamente a

obrigaccedilatildeo da parte que explora recursos minerais de recuperar o meio ambiente

degradado (BRASIL 1988) Na mesma linha a Constituiccedilatildeo sujeita os infratores que

lesarem o meio ambiente a sanccedilotildees penais e administrativas independentemente da

obrigaccedilatildeo de reparar os danos causados (BRASIL 1988)

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 88 consagra a cidadania como um de seus fundamentos

(BRASIL 1988) Bernardo Gonccedilalves (2019 p 326) aponta o que a doutrina

constitucional classica chama de ldquodemocracia semidireta de cunho participativordquo

modelo adotado pela CR88 que alia os instrumentos de democracia direta e indireta se

guiando pelo proposito de desenvolver uma cidadania plena e inclusiva A cidadania

aponta o autor eacute um status e um direito que ldquo[] se apresenta como um processo (um

caminhar para) de participaccedilatildeo ativa na formaccedilatildeo da vontade poliacutetica [dos processos de

poder] e afirmaccedilatildeo dos direitos e garantias fundamentais (GONCcedilALVES 2019 p 332)

Na mateacuteria ambiental a base da participaccedilatildeo eacute instituiacuteda no inciso IV do artigo 225 do

sect1ordm inciso IV da CR88 como dever do Poder Puacuteblico (BRASIL 1988) e no art 2ordm

inciso X da Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente como um de seus princiacutepios Cabe

ressaltar que este uacuteltimo dispositivo estabelece a educaccedilatildeo ambiental ldquo[] a todos os

niacuteveis de ensino inclusive a educaccedilatildeo da comunidade objetivando capacitaacute-la para

participaccedilatildeo ativa na defesa do meio ambienterdquo (BRASIL 1981)

Diante disso destacam-se as audiecircncias puacuteblicas como canais de participaccedilatildeo Contudo

aleacutem da educaccedilatildeo ambiental sobreleva a jaacute mencionada publicidade dos estudos de

impacto ambiental como determinaccedilatildeo constitucional mas tambeacutem de todo o processo

de licenciamento ambiental nos termos do art 10 sect1ordm da PNMA (BRASIL 1981)

Ainda o artigo 11 desta mesma lei define ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e

dos Recursos Naturais Renovaacuteveis (IBAMA) a competecircncia para propor normas e

padrotildees de implantaccedilatildeo acompanhamento e fiscalizaccedilatildeo do licenciamento ambiental ao

Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) Assim destaca-se a Resoluccedilatildeo 237

do CONAMA seu artigo 10 inciso V e VI que respectivamente expressa como etapa

do licenciamento ambiental a audiecircncia puacuteblica quando couber e a ldquosolicitaccedilatildeo de

esclarecimentos e complementaccedilotildees pelo oacutergatildeo ambiental competente decorrentes de

audiecircncias puacuteblicas [] podendo haver reiteraccedilatildeo da solicitaccedilatildeo []rdquo se aqueles natildeo

forem suficientes (BRASIL 1997) No Anexo 1 dessa resoluccedilatildeo a extraccedilatildeo e tratamento

de minerais eacute a primeira das atividades ou empreendimentos sujeitos ao licenciamento

ambiental

Como visto natildeo eacute sempre que a audiecircncia puacuteblica seraacute uma das etapas necessaacuterias ao

processo de licenciamento A Resoluccedilatildeo 00186 tambeacutem do CONAMA em seu artigo

11 sect2ordm dispocircs sobre isso afirmando que o oacutergatildeo estadual competente ou o IBAMA ou

quando possiacutevel o Municiacutepio ao determinar a elaboraccedilatildeo do estudo de impacto

ambiental (EIA) e a apresentaccedilatildeo do relatoacuterio de impacto ambiental (RIMA) tambeacutem

deveraacute determinar o prazo para recebimento dos comentaacuterios dos oacutergatildeos puacuteblicos e

outros interessados bem como promover ldquo[] a realizaccedilatildeo de audiecircncia puacuteblica para

informaccedilatildeo sobre o projeto e seus impactos ambientais e discussatildeo do RIMArdquo

(BRASIL 1986) Eacute a Resoluccedilatildeo 0987 que descentraliza a competecircncia de decisatildeo

sobre a realizaccedilatildeo da audiecircncia puacuteblica o faz em seu artigo 2ordm condicionando tal

realizaccedilatildeo agrave solicitaccedilatildeo da audiecircncia por entidade civil pelo Ministeacuterio Puacuteblico ou por

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cinquenta ou mais cidadatildeos ou ainda pela discricionariedade391

do proacuteprio oacutergatildeo

licenciador (BRASIL 1987) Aleacutem de ampliar o conjunto dos legitimados no sect2ordm do

mesmo artigo essa resoluccedilatildeo condiciona a validade do licenciamento agrave realizaccedilatildeo da

audiecircncia puacuteblica quando esta for solicitada Ademais disso a audiecircncia

necessariamente deveraacute ocorrer em local acessiacutevel aos interessados (sect4ordm) bem como

deveraacute no mesmo processo ocorrer mais de uma vez em razatildeo da complexidade do

tema e da localizaccedilatildeo geograacutefica dos solicitantes

A audiecircncia puacuteblica nos termos da Resoluccedilatildeo 091987 ldquo[] tem por finalidade expor

aos interessados o conteuacutedo do produto em anaacutelise e do seu referido RIMA dirimindo

duacutevidas e recolhendo dos presentes as criticas e sugestotildees a respeitordquo Com as devidas

concessotildees a tiacutetulo de siacutentese eacute oportuno ressaltar a seguinte afirmaccedilatildeo de Juumlrgen

Habermas (1997 p 92) ldquoa esfera puacuteblica pode ser descrita como uma rede adequada

para a comunicaccedilatildeo de conteuacutedos tomadas de posiccedilatildeo e opiniotildees nela os fluxos

comunicacionais satildeo filtrados e sintetizados a ponto de se condensarem em opiniotildees

puacuteblicas enfeixadas em temas especificosrdquo Os canais de participaccedilatildeo tais como a

audiecircncia puacuteblica como expressotildees pontuais da esfera puacuteblica canalizam determinas

opiniotildees puacuteblicas agraves instituiccedilotildees que tomam resoluccedilotildees o que alivia as pessoas da

tomada direta de decisotildees de porte estatal dotadas de alta complexidade enquanto

possibilita a participaccedilatildeo a influecircncia na consolidaccedilatildeo das opiniotildees puacuteblicas e das

decisotildees Complementarmente aponta-se o art 5ordm daquela resoluccedilatildeo que designa a ata

das audiecircncias puacuteblica seus anexos e o RIMA como bases para a anaacutelise e parecer final

do licenciador acerca da aprovaccedilatildeo ou natildeo do projeto (BRASIL 1987)

Tambeacutem o artigo 23 da CR88 incisos III e IV define como competecircncia comum da

Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios a proteccedilatildeo do meio ambiente e

o combate agrave poluiccedilatildeo em qualquer de suas manifestaccedilotildees bem como tangente agrave

temaacutetica deste trabalho a preservaccedilatildeo das florestas da fauna e da flora (BRASIL

1988) No paraacutegrafo uacutenico desse artigo define-se que a cooperaccedilatildeo entre os entes seraacute

regulada por leis complementares Assim fala-se de ldquo[] uma responsabilidade de

todos os entes para a realizaccedilatildeo das tarefas administrativas (mateacuterias) comuns devendo

os entes atuar em determinadas situaccedilotildees de forma solidaacuteria (responsabilidade

solidaria) para o cumprimento delas []rdquo (GONCcedilALVES 2019 p 1088) Nesse

sentido destaca-se a Lei Complementar 1402011 que em seu artigo 3ordm inciso I afirma

a proteccedilatildeo a defesa e a conservaccedilatildeo do meio ambiente ecologicamente equilibrado sob

a eacutegide de uma gestatildeo descentralizada democraacutetica e eficiente (BRASIL 2011) Nessa

lei complementar artigo 13 caput tambeacutem foram definidos os termos para a definiccedilatildeo

do ente federativo competente que soacute pode ser um para realizar o licenciamento

(BRASIL 2011)

Ainda paralelamente ao tema da participaccedilatildeo em mateacuteria ambiental fala-se no acesso agrave

informaccedilatildeo A Lei 10650 de 16 de abril de 2003 dispocircs sobre o acesso puacuteblico aos

dados e informaccedilotildees existentes nos oacutergatildeos e entidades que integram o Sistema Nacional

do Meio Ambiente (Sisnama) que se constitui por oacutergatildeos e entidades de todos os entes

federativos Em seu artigo 2ordm obrigou a publicizaccedilatildeo de ldquo[] documentos expedientes e

391

Deve-se ressaltar o seguinte natildeo se fala aqui de uma discricionariedade teacutecnica mas de uma

discricionariedade quanto a escuta ou natildeo dos interessados das comunidades e entes da sociedade civil

por meio das audiecircncias puacuteblicas Natildeo se entende isso como um mal evidente mas como uma brecha para

a desconsideraccedilatildeo das opiniotildees externas agrave teacutecnica quando os outros legitimados natildeo se manifestam

solicitando a audiecircncia

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processos administrativos que tratem de mateacuteria ambiental e [] [o fornecimento] de

todas as informaccedilotildees ambientais que estejam sob sua guarda em meio escrito visual

sonoro ou eletrocircnico []rdquo (BRASIL 2003) conferindo destaque em seu sect1ordm a

liberdade de acesso por qualquer indiviacuteduo independentemente da comprovaccedilatildeo de

interesse especiacutefico (BRASIL 2003) A Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente em seu

artigo 9 inciso VII ergue como um de seus principios o ldquosistema nacional de

informaccedilotildees sobre o meio ambienterdquo (BRASIL 1981) Aleacutem disso A Lei 106502003

priorizou tambeacutem a facilidade de acesso ao puacuteblico das listagens e relaccedilotildees contendo

dados referentes agrave assuntos como pedidos de licenciamento sua renovaccedilatildeo e respectiva

concessatildeo

Em Minas Gerais o licenciamento ambiental da concepccedilatildeo implantaccedilatildeo e operaccedilatildeo das

barragens de rejeitos satildeo atribuiccedilotildees da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e

Desenvolvimento Sustentaacutevel (Semad) que tambeacutem coordena o Sistema Estadual de

Meio Ambiente do Estado de Minas Gerais (Sisema) composto pelo conselho Estadual

de Poliacutetica Ambiental (Copam) pelo Conselho Estadual de Recursos Hiacutedricos (Cerh) e

outros oacutergatildeos o Instituto Estadual de Florestas (IEF) Instituto Mineiro de Gestatildeo das

Aacuteguas (Igam) e a Fundaccedilatildeo Estadual do Meio Ambiente (Feam) todos vinculados agrave

Semad392

Este uacuteltimo oacutergatildeo foi especificamente o responsaacutevel pelo licenciamento

ambiental da Barragem do Fundatildeo (MMA 2015) Jaacute a fiscalizaccedilatildeo da seguranccedila das

barragens agrave eacutepoca do rompimento da barragem do Fundatildeo conforme o artigo 5ordm da Lei

123342010 (BRASIL 2010) era competecircncia do Departamento Nacional de Produccedilatildeo

Mineral (DNPM) extinto em 2017 pela Medida Provisoacuteria nordm 791 que criou a Agecircncia

nacional de Mineraccedilatildeo (ANM)

Agrave eacutepoca do rompimento vigia a Deliberaccedilatildeo Normativa COPAM nordm 12 de 13 de

dezembro de 1994 que dispunha sobre a convocaccedilatildeo e realizaccedilatildeo de audiecircncias

puacuteblicas Esta disposiccedilatildeo foi revogada pela Deliberaccedilatildeo Normativa COPAM nordm 225 de

25 de julho de 2018 A segunda eacute um avanccedilo em diversos aspectos sendo bom exemplo

a diferenccedila entre os criteacuterios para a convocaccedilatildeo da audiecircncia puacuteblica Na primeira

deliberaccedilatildeo normativa exigia-se somente a divulgaccedilatildeo com antecedecircncia miacutenima de 15

dias uacuteteis por meio de jornal de grande circulaccedilatildeo em Minas Gerais perioacutedico local ou

regional e do Diaacuterio Oficial do Estado de Minas Gerais (MINAS GERAIS 1994) Na

deliberaccedilatildeo de 2018 aleacutem dos jornais regionais ou locais exige-se a divulgaccedilatildeo por

meio de faixa cartaz folder ou similares em locais de grande circulaccedilatildeo a inserccedilatildeo

diaacuteria em programa de raacutedio de boa audiecircncia local ou se houver regional durante

quinze dias a informaccedilatildeo direta agraves comunidades potencialmente afetadas residentes em

locais em que os outros meios tenham pouco ou nenhum alcance e por fim a

divulgaccedilatildeo de convites em siacutetio eletrocircnico e redes sociais do empreendedor (MINAS

GERAIS 2018) Outro relevante exemplo eacute o de que apesar de ambas deliberaccedilotildees

definirem a audiecircncia puacuteblica em seu artigo 1ordm apenas a segunda afirma como um de

seus objetivos o oferecimento concreto de possibilidades de participaccedilatildeo na construccedilatildeo

das decisotildees administrativas correspondentes (MINAS GERAIS 2018)

O arcabouccedilo legal mencionado da Constituiccedilatildeo agraves resoluccedilotildees indica dois pilares sobre

os quais se erguem as audiecircncias puacuteblicas especialmente no que se refere ao

cumprimento eficaz de seu papel na tomada de decisotildees a educaccedilatildeo ambiental e o

392

Para mais informaccedilotildees sobre o licenciamento ambiental e seus procedimentos em Minas Gerais e

demais estados do Brasil ver a obra do Ministeacuterio do Meio Ambiente ldquoProcedimentos de Licenciamento

ambiental no Brasilrdquo (2016)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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acesso agrave informaccedilatildeo Isto eacute as audiecircncias puacuteblicas compreendidas no processo de

licenciamento ambiental aleacutem de configurarem-se evidentemente como um veiacuteculo

para a participaccedilatildeo para a escuta das diversas vozes interessadas e possivelmente

diretamente influenciadas pelo empreendimento tambeacutem abarca no escopo amplo de

sua estruturaccedilatildeo legal dois princiacutepios democraacuteticos a educaccedilatildeo e a liberdade de

informaccedilatildeo Sobre a educaccedilatildeo Mocircnica Sifuentes (2009) constroi a seguinte sintese ldquoo

homem soacute alcanccedilaraacute o pleno exerciacutecio dos seus direitos se for livre e capaz de escolher

o melhor caminho para si para os outros e para a comunidaderdquo (SIFUENTES 2009 p

58) esta mesma autora aponta a educaccedilatildeo como integrante do nuacutecleo essencial dos

direitos que conduzem agrave liberdade e cidadania Afinal se houver previamente um

alicerce de habilidades competecircncias conhecimentos acerca do meio ambiente suas

dinacircmicas funcionamentos etc por miacutenimos que sejam eacute de se esperar que as

discussotildees empreendidas nas audiecircncias sejam dotadas de maior substacircncia bem como

poder-se-ia esperar um maior contingente de participantes da sociedade civil do que se

natildeo houvessem os fundamentos educacionais sobre o meio ambiente

Deve-se destacar aqui a importacircncia do segundo princiacutepio a liberdade de informaccedilatildeo e

mais precisamente o direito de acesso agrave informaccedilatildeo cujo entendimento pode ser

construiacutedo na esfera da liberdade de ser informado sobretudo quanto ao processo de

licenciamento de empreendimentos e atividades que comumente podem configurar

impactos externalidades ambientais sociais econocircmicas etc positivas mas tambeacutem

negativas Em vista disso eacute que o Relatoacuterio de Impacto Ambiental (RIMA) ganha

relevacircncia jaacute que por ser elaborado com base no Estudo de Impacto Ambiental ndash o

principal estudo do processo de licenciamento - apresentado ao oacutergatildeo licenciador

esperar-se-ia que sintetizasse com imparcialidade e simplificasse os impactos positivos

e negativos o potencial poluidor e ainda como se defenderaacute neste trabalho os

principais riscos do empreendimento maacutexime no que se refere agraves barragens de rejeitos

em Minas Gerais Natildeo eacute o que ocorre Mas tais anaacutelises ainda seratildeo desenvolvidas com

ecircnfase ao longo deste trabalho

3 LEGITIMIDADE E LEGITIMACcedilAtildeO NO LICENCIAMENTO

AMBIENTAL

Billaud (2014) aponta que os momentos de accedilatildeo coletiva gerada pela participaccedilatildeo

possuem uma autonomia questionaacutevel seja em vista da determinaccedilatildeo das pautas

consideradas ideais para a discussatildeo seja em vista da influecircncia das deliberaccedilotildees na

formulaccedilatildeo da decisatildeo concreta Por isso deve-se destacar o perigo de que as audiecircncias

puacuteblicas se tornem meras formalidades393

norteadas pelo objetivo de forjar

393

Neste sentido e em consonacircncia com o jaacute exposto na primeira parte deste trabalho tambeacutem se

posicionam Banbirra e Ferreira (2016 p 287) ao afirmarem que ldquo() a negligecircncia em relaccedilatildeo a um

direito constitucionalmente garantido a participaccedilatildeo cidadatilde em mateacuteria ambiental garantida antes e

durante todo o processo da atividade empresarial mineradora eacute um fator que impede a mitigaccedilatildeo e ao

contraacuterio contribui para a elevaccedilatildeo do risco e prejuiacutezos a todos os interessados ndash empresaacuterios

investidores comunidade e instituiccedilotildees Ao se utilizar da audiecircncia puacuteblica e outros instrumentos de

participaccedilatildeo popular a partir de uma razatildeo estrateacutegica enxergando o procedimento como mera burocracia

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

236

aceitabilidade para o processo de licenciamento ambiental em busca de um ldquoprojeto de

pacificaccedilatildeo continuardquo (BILLAUD 2014 p 144) Com base nesse autor destaca-se

tambeacutem a dissoluccedilatildeo da separaccedilatildeo entre os princiacutepios e instrumentos democraacuteticos dos

conhecimentos cientiacuteficos sobretudo nas mateacuterias ambientais em que a concatenaccedilatildeo

de ambas esferas pela audiecircncia puacuteblica eacute necessaacuteria e cada vez maior As ciecircncias o

saber teacutecnico natildeo se desvincula completamente do poliacutetico seja pela escolha dos

meacutetodos seja pela escolha de quais informaccedilotildees destacar ou ainda de modo mais

amplo pelo fato de que a pretensatildeo de imparcialidade eacute de fato uma pretensatildeo Nesse

sentido afirma o autor ldquo[] o exercicio democratico natildeo responde somente a exigecircncia

do procedural e do dialoacutegico nem que seja porque a democracia participativa assume

muacuteltiplas formas em particular aquelas que se refiram a uma democracia teacutecnicardquo

(BILLAUD 2014 p 147)

Haacute desvios e riscos nesse modelo de democracia teacutecnica sendo um deles a possiacutevel

geraccedilatildeo de uma tecnicidade exacerbada das escolhas democraacuteticas que inviabilizaria a

ldquodemocratizaccedilatildeo das escolhas teacutecnicasrdquo (BILLAUD 2014 p 148) Em vista disso

sobreleva-se a controveacutersia sobre a discricionariedade teacutecnica afinal esperar-se-ia da

teacutecnica a precisatildeo da imparcialidade a respeito da qual natildeo haveriam escolhas a serem

tomadas mas um resultado cientiacutefico Contrariamente esperar-se-ia das esferas natildeo-

teacutecnicas a centralidade dos interesses egoiacutestas proacuteprios de determinados grupos e

entidades sejam eles os moradores de regiotildees afetadas pelos impactos socioambientais

dos empreendimentos sejam os defensores de causas de preservaccedilatildeo e conservaccedilatildeo

ambiental Do primeiro lado (teacutecnico) estaria o oacutergatildeo licenciador em suas relaccedilotildees

especializadas com o interessado em desenvolver o empreendimento ou atividade do

outro (natildeo-teacutecnico) a sociedade e suas comunidades interessadas Entretanto natildeo isso o

que ocorre Os principais instrumentos teacutecnicos no processo de licenciamento o

EIARIMA satildeo elaborados privativamente pela empresa cujo empreendimento estaacute

sendo licenciado isto eacute pelo ente cujo interesse na licenccedila ambiental do projeto eacute

geneticamente o maior Assim jaacute seria possiacutevel induzir a completa parcialidade dos

estudos e relatoacuterios Mesmo assim ainda se procederaacute no item 4 deste trabalho agrave anaacutelise

do RIMA do primeiro licenciamento da Barragem do Fundatildeo

Banbirra e Ferreira (2016) mencionam outros mecanismos legais que poderiam

viabilizar o controle das atividades mineraacuterias a saber o direito de peticcedilatildeo (art 5ordm inc

XXXIV da CR88) a accedilatildeo popular (art 5ordm inc LXXIII da CR88) regulada pela Lei

Federal nordm 471765 a accedilatildeo civil puacuteblica ambiental (art 1ordm inc I da Lei 734785) a

representaccedilatildeo ao oacutergatildeo responsaacutevel pelo licenciamento por qualquer pessoa legalmente

identificada em caso de constar infraccedilatildeo ambiental decorrente do empreendimento ou

atividade que utilizem recurso ambientais (art 17 sect1ordm da Lei Complementar

1402011) e complementarmente a possibilidade de ingresso como amicus curae em

accedilotildees judiciais Apesar da pertinecircncia desses instrumentos soacute a audiecircncia puacuteblica se

insere diretamente no processo de licenciamento do empreendimento ou atividade e

pode exercer uma funccedilatildeo preventiva em face do potencial poluidor dos riscos e dos

impactos ambientais negativos aleacutem de possibilitar o esclarecimento quanto aos

detalhes do projeto antes de sua implantaccedilatildeo concreta Aqui o representante eleito natildeo eacute

o personagem central mas o satildeo os proacuteprios cidadatildeos participantes Banbirra e Ferreira

(2016) afirmam o seguinte sobre as audiecircncias puacuteblicas

a ser superada ao inveacutes de se alcanccedilar uma verdadeira legitimidade democraacutetica haveria verdadeiro

simulacro que se pode parecer uacutetil em curto prazo gera grandes transtornos no longordquo

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237

ldquoA legitimidade pelo procedimento implica a aceitaccedilatildeo de que satildeo as regras

formais do procedimento que legitimam a tomada de decisatildeo Implica que

deve haver respeito agrave concatenaccedilatildeo dos atos agraves regras processuais aos ritos

para uma decisatildeo ser legiacutetima O procedimento assim garante a aceitaccedilatildeo de

uma decisatildeo final desfavoraacutevel a determinado grupo exercendo a funccedilatildeo de

imunizaccedilatildeo da decisatildeo finalrdquo (BANBIRRA FERREIRA 2016 p 295)

Marcelo A Cattoni de Oliveira (2017 p 75) afirma que o direito proporciona

legitimaccedilatildeo ao exercicio do poder ldquo[] mas ele tambeacutem garante a legitimidade se nos

como cidadatildeos nos mobilizarmos atraveacutes do exerciacutecio dos direitos poliacuteticos [] que

esse proprio direito elaborado por nos nos proporcionardquo Citado pelo mesmo Autor no

mesmo sentido Habermas (2002 apud CATTONI DE OLIVEIRA 2014 p70) elucida

a indissociabilidade entre autonomia privada ndash que se refere agrave titularidade de direitos

fundamentaishumanos - e autonomia puacuteblica ndash o proacuteprio exerciacutecio da cidadania ndash na

concretizaccedilatildeo de um processo legislativo democraacutetico Analogamente estende-se essa

necessidade de mobilizaccedilatildeo ao procedimento de licenciamento ambiental sendo aqui

destacada a importacircncia da audiecircncia puacuteblica como forma de conciliar o exerciacutecio de

uma competecircncia teacutecnica do Poder Puacuteblico com os anseios criacuteticas e sugestotildees da

populaccedilatildeo interessada O direito tem uma forccedila legitimadora quando cria instrumentos

de representaccedilatildeo eou participaccedilatildeo direta pois o sentido de uma decisatildeo legiacutetima eacute o de

que ela pocircde ser tomada por meio de um processo que garantiu a participaccedilatildeo dos

destinataacuterios na elaboraccedilatildeo e construccedilatildeo da decisatildeo Em siacutentese para que exista

legitimidade no direito eacute necessaria a ldquomobilizaccedilatildeo social e politica na articulaccedilatildeo entre

procedimento democratico e discussatildeordquo (CATTONI DE OLIVEIRA 2017 p75)

A Declaraccedilatildeo de 1948 visa submeter o Estado aos direitos natildeo os direitos ao Estado de

modo que a constitucionalizaccedilatildeo inaugura uma fase de lutas ldquoem tornordquo e natildeo ldquoporrdquo

direitos como no seacutec XIX (COSTA 2014) Haacute no ordenamento brasileiro como jaacute

visto no toacutepico 1 uma ampla concatenaccedilatildeo de dispositivos que subsidiam a mobilizaccedilatildeo

da sociedade civil nas audiecircncias puacuteblicas isto eacute a articulaccedilatildeo da sociedade civil deve

ocorrer em torno desses direitos e natildeo em busca desses direitos Eacute a concretizaccedilatildeo do

exerciacutecio de direitos jaacute positivados o que se defende neste trabalho A relevacircncia dessa

questatildeo se evidencia ainda diante do fato de que ldquo[] todo processo politico-

deliberativo eacute perpassado por essa tensatildeo permanente entre pretensatildeo de garantia de

participaccedilatildeo e garantia de participaccedilatildeo efetivardquo (CATTONI DE OLIVEIRA 2017p

74) Assim em face das discussotildees jaacute realizadas neste trabalho pode-se inferir que a

legitimidade natildeo se restringe agrave legalidade limitada ao mero cumprimento de

formalidades juriacutedicas ou ao mero procedimento da audiecircncia Eacute necessaacuterio que as

discussotildees nessas arenas realmente subsidiem a decisatildeo final sobre o empreendimento

ou atividade

Vislumbra-se um conflito no acircmbito da legitimidade da licenccedila ambiental no caso

Mariana de um lado a legitimaccedilatildeo do processo de licenciamento por intermeacutedio da

audiecircncia puacuteblica e da pretensatildeo de tecnicidade criteriosidade e imparcialidade da

decisatildeo final baseada em estudos teacutecnicos de outro sob as vistas da opiniatildeo puacuteblica a

frustraccedilatildeo dessa pretensatildeo decorrente do desastre e suas amplas consequecircncias

ecoloacutegicas econocircmicas e sociais Tal frustraccedilatildeo eacute ainda maior perante informaccedilotildees

como as do jaacute referido Departamento Nacional de Produccedilatildeo Mineral (DNPM) que em

seu Cadastro de Barragens de Mineacuterios classificava a Barragem do Fundatildeo agrave eacutepoca do

desastre na categoria de risco baixo e de alto dano potencial associado em acordo com

dados recolhidos do portal da Agecircncia Nacional de Mineraccedilatildeo (2019) Assim aleacutem dos

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questionamentos sobre os oacutergatildeos de licenciamento cujos procedimentos satildeo percebidos

insuficientes para evitar impactos negativos bem como para a mitigar os riscos de

grandes desastres concretamente evitaacuteveis ndash como no caso Mariana ndash tambeacutem os oacutergatildeos

de monitoramento e fiscalizaccedilatildeo devido agrave pouca efetividade de suas respectivas

atuaccedilotildees satildeo devidamente passiacuteveis de contestaccedilatildeo

Galvatildeo Monteiro e Lima (2018 p 16-17) apresentam o entendimento de que a ldquoteoria

da legitimidaderdquo394

funda-se na ideia de que haacute uma espeacutecie de contrato social entre as

organizaccedilotildees e a sociedade Este contrato representaria as expectativas da sociedade

explicitas e impliacutecitas no que se refere ao modo pelo qual as organizaccedilotildees devem atuar

(GALVAtildeO MONTEIRO LIMA 2018) Com ressalvas concorda-se aqui com a

diferenciaccedilatildeo que parece ocorrer de fato entre os interesses da organizaccedilatildeo (empresa

etc) e das comunidades que constituem a sociedade afinal isso eacute perceptiacutevel no proacuteprio

caso Mariana (de um lado a SamarcoVale do outro as comunidades afetadas pelo

rompimento da barragem) Contudo discorda-se do uso da teoria do contrato social para

respaldar essa teoria da legitimidade jaacute que a primeira pressupotildee um momento anterior

ao contrato em que as partes satildeo livres e iguais como condiccedilatildeo de validade do proacuteprio

contrato Ou seja eacute evidente a disparidade de forccedilas por exemplo entre a Vale SA uma

das maiores empresas de mineraccedilatildeo do mundo e a Samarco de um lado e a comunidade

de Bento Rodrigues ou ainda do conjunto de todos os atingidos pelo rompimento da

Barragem do Fundatildeo de outro de tal modo que natildeo eacute possiacutevel encontrar um momento

anterior de paridade de forccedilas Eacute ante esta desigualdade entre as partes que o processo

de licenciamento ambiental pode exercer mais um fulcral papel o equiliacutebrio entre os

interesses do licenciado e os dos outros interessados que comporatildeo a audiecircncia puacuteblica

(representantes das comunidades afetadas indiviacuteduos interessados organizaccedilotildees natildeo

governamentais etc) Isto eacute o oacutergatildeo licenciador poderaacute ouvir e considerar as criacuteticas

sugestotildees elogios e conflitos que surjam na audiecircncia para aleacutem dos interesses

egoiacutesticos de uma empresa que fora do processo de licenciamento teria maior

capacidade de fazer prevalecer seus interesses tendo em vista a dissimetria de poder

econocircmico teacutecnico poliacutetico etc

Na esteira das discussotildees de Belchior Braga e Themudo (2017) aponta-se o surgimento

de uma sociedade de risco decorrente do amplo conjunto de incertezas e ameaccedilas

geradas pelo modelo de desenvolvimento econocircmico da modernidade de modo que a

eminecircncia de cataacutestrofes ambientais se torna paralela agrave implantaccedilatildeo dos

empreendimentos e atividades em geral que se aproveitem de recursos naturais O que

surge eacute um ambiente de incertezas e especificamente em decorrecircncia do rompimento

barragem do Fundatildeo aliado ao rompimento da barragem de Brumadinho um ambiente

extremo de incertezas acerca da eficaacutecia do Poder Puacuteblico no controle das atividades

que possam degradar o meio ambiente Nessa linha Billaud (2014 p 142) afirma que

ldquoos problemas ambientais se encaixam bem nessa configuraccedilatildeo em que a ciecircncia eacute

requisitada para ordenar causalidades complexas demais nas quais predomina a

incertezardquo

394

A legitimidade referida nessa teoria natildeo eacute a mesma agrave qual nos referimos no decorrer deste trabalho A

legitimidade referida na obra de Galvatildeo Monteiro e Lima (2018) se refere agrave legitimidade de organizaccedilotildees

e de modo geral agrave compreensatildeo da busca dessas entidades privadas como a Vale por uma reputaccedilatildeo

positiva A legitimidade agrave que se referiu ao longo do trabalho refere-se agrave uma compreensatildeo dos

procedimentos democraacuteticos etc

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239

Sobre a incerteza e o risco a tiacutetulo de exemplo cabe mencionar as discussotildees de

Eduardo Fortunato Bim (2018) sobre a aacuterea de influecircncia (art 5ordm III da Resoluccedilatildeo

Conama nordm186) do empreendimento Esta aacuterea eacute delimitada mediante estudos

ambientais para embasar a identificaccedilatildeo e a adoccedilatildeo de estrateacutegias de mitigaccedilatildeo dos

impactos ambientais negativos Bim (2018 p 185) afirma a importacircncia de distingui-la

da aacuterea de risco O risco eacute um dado que expressa a possibilidade de ocorrecircncia de

acidentes como no caso de vazamento de oacuteleo ou rompimento de barragem para

utilizar os mesmos exemplos do autor Em vista disso ele eacute categoacuterico ao afirmar a

inviabilidade teacutecnica cientiacutefica e econocircmica da delimitaccedilatildeo de todas as aacutereas que

poderiam ser afetadas como defluecircncia da materializaccedilatildeo de um risco de impacto

ambiental Isto eacute a teacutecnica eacute limitada e mesmo no decorrer de todo o processo de

licenciamento ambiental natildeo eacute concebiacutevel a identificaccedilatildeo a delimitaccedilatildeo de todos os

possiacuteveis danos ao meio ambiente que possam decorrer do empreendimento ou

atividade

Alexandra Aragatildeo (2008) afirma que o papel do princiacutepio da precauccedilatildeo eacute a proteccedilatildeo

das partes mais fraacutegeis dos indefesos e a responsabilizaccedilatildeo daqueles que detenham o

poder e o dever de controlar os riscos Eacute por estarmos inseridos como jaacute dito em uma

sociedade (e um tempo) de riscos que ldquo[] o principio da precauccedilatildeo contribui

determinantemente para realizar a justiccedila tanto numa perspectiva sincroacutenica como

diacroacutenica ou por outras palavras justiccedila intrageracional e intergeracionalrdquo (ARAGAtildeO

2008 p 16) Tal perspectiva vai de encontro aos apontamentos do item 1 deste trabalho

sobretudo a determinaccedilatildeo do art 225 da CR88 que abarca as ldquo[] presentes e futuras

geraccedilotildeesrdquo (BRASIL 1988) Natildeo eacute necessaria a distinccedilatildeo entre riscos de origem natural

e antroacutepica pois a diferenccedila entre ambos tende a dissolver-se aleacutem de que a precauccedilatildeo

se dirige aos riscos evitaacuteveis quaisquer que fossem suas origens e tipos (ARAGAtildeO

2008) Assim a mesma autora infere que eacute a existecircncia de riscos e de incertezas

cientiacuteficas quanto a eles os dois pressupostos fundamentais para aplicaccedilatildeo do princiacutepio

da precauccedilatildeo395

Afirma Alexandra Aragatildeo (2008) que ldquo[] o direito dos cidadatildeos a

serem protegidos contra riscos previsiacuteveis excessivos e desnecessaacuterios decorre do

direito agrave liberdade e seguranccedila consagrado internacionalmente na Declaraccedilatildeo Universal

dos Direitos do Homem (artigo 5ordm) []rdquo (ARAGAtildeO 2008 p 14 grifo nosso) Neste

sentido a referida proteccedilatildeo contra riscos tambeacutem deve ser entendida na Declaraccedilatildeo

Universal dos Direitos Humanos (1948) sobretudo em seu artigo 3ordm que consagra os

direitos agrave vida agrave liberdade e agrave seguranccedila

Espindola Nodari e Santos (2019) sobre o contexto do desastre de Mariana apontam

que este desastre e a probabilidade de outros cria um novo componente sujeito a anaacutelise

a incerteza natildeo aquela cientiacutefica mas a que se evidencia na opiniatildeo puacuteblica sobretudo

em meio aos residentes proacuteximos das barragens de rejeitos e perante outras atividades

mineraacuterias Este fator de incerteza ainda se agrava em face do mais recente rompimento

da barragem de rejeitos em Brumadinho que resultou em perdas humanas muito

maiores - mais de duzentos mortos (G1 2019) Sobre a implicaccedilatildeo dessa incerteza na

legitimidade das praacuteticas discursivas sobre o descreacutedito em face dos discursos teacutecnicos

e das accedilotildees do Poder Puacuteblico os referidos autores afirmam o seguinte

ldquoAs incertezas retiram legitimidade das praticas discursivas dos atores

privados e puacuteblicos associados agrave causa e agrave consequecircncia do desastre

395

Para uma profunda anaacutelise dos criteacuterios de definiccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo ver a obra

de Alexandra Aragatildeo ldquoPrinciacutepio da precauccedilatildeo manual de instruccedilotildeesrdquo de 2008

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fragilizam os agentes puacuteblicos e a Fundaccedilatildeo Renova criada pelas empresas

SamarcoValeBHP Billiton para cumprir as determinaccedilotildees judiciais de

reconstruir restaurar e reparar todos os danos causados pelo rompimento da

barragem de Fundatildeo Instaura-se um conflito de narrativas acidente desastre

ou crime []rdquo (ESPINDOLA NODARI SANTOS 2019 p 148)

A empresa (SamarcoVale BHO Billinton) busca construir sua reputaccedilatildeo mediante

accedilotildees diversas ldquo[] utilizando radios jornais e canais de televisatildeo [] aleacutem de feiras

patrociacutenios visitas institucionais eventos filmes folders e brindesrdquo (PoEMAS 2015 p

40) Tambeacutem satildeo utilizadas simulaccedilotildees de audiecircncias puacuteblicas sendo que todas essas

estrateacutegias satildeo assessoradas por agecircncias especializadas (PoEMAS 2015) Mesmo que

algumas das accedilotildees busquem reparar os danos ambientais e socioeconocircmicos por meio

da paga de valores monetaacuterios eou serviccedilos aleacutem da grande dificuldade de identificar e

mensurar os reais danos e valores para sopesar o dano e a reparaccedilatildeo devida alguns dos

danos excedem o material e alcanccedilam o acircmbito existencial dos atingidos Seja pela

destruiccedilatildeo completa de um modo de vida seja pela perda de dos bens entes queridos e

siacutembolos sagrados (como era o Rio Doce para os indiacutegenas Krenak396

) ou pelo trauma

que decorre do momento desesperador alguns danos satildeo essencialmente imensuraacuteveis

em sua totalidade inclusive os ambientais justamente pela quantidade de variaacuteveis

necessaacuterias para tal mensuraccedilatildeo Contudo sobretudo em desastres como o de Mariana e

Brumadinho cabe ressaltar a necessidade de valorar esses bens com proporcionalidade

e priorizando a proteccedilatildeo do meio ambiente O argumento que busca inviabilizar

qualquer valoraccedilatildeo monetaacuteria do meio ambiente tende a inviabilizar a proacutepria reparaccedilatildeo

dos danos ambientais e dos danos sofridos pelas viacutetimas O desafio eacute a delimitaccedilatildeo dos

criteacuterios objetivos para tal valoraccedilatildeo o que natildeo eacute objeto deste trabalho397

O relatoacuterio final do Grupo Poliacutetica Economia Mineraccedilatildeo e Sociedade (PoEMAS) de

2015 apontou a busca da Vale BHO Billiton e da Samarco pela licenccedila social para

operar isto eacute pela reconstruccedilatildeo de sua reputaccedilatildeo como forma de evitar a contestaccedilatildeo de

seus empreendimentos e atividades A construccedilatildeo dessa licenccedila se refletiu em

estrateacutegias de proteccedilatildeo da empresa perante os diversos problemas que as criacuteticas

puacuteblicas poderiam lhe causar de tal modo que natildeo parecem ser preocupaccedilotildees da

empresa por exemplo a construccedilatildeo de procedimentos operacionais mais seguros de

anaacutelises profundas das estruturas de suas barragens ou a busca pela transparecircncia de

suas atividades (PoEMAS 2015 p 41) Ou seja natildeo houve qualquer espontaneidade da

empresa na realizaccedilatildeo de medidas concretas em prol da garantia dos direitos das

populaccedilotildees atingidas398

Diante disso natildeo se pretende realizar um apelo agrave humanizaccedilatildeo

das empresas mas ressaltar o caraacuteter estrateacutegico das accedilotildees da Samarco muitas vezes

contraacuterias agraves aspiraccedilotildees das viacutetimas Exemplos fulcrais dessa contrariedade satildeo na

eacutepoca dos fatos a ausecircncia de alertas sonoros em Bento Rodrigues bem como a

396

Para mais informaccedilotildees ver mateacuteria do portal online de notiacutecias G1 ldquoApoacutes a lama tribo Krenak deixou

de fazer rituais e festas no Rio Docerdquo (2016) bem como o documentario ldquoKrenak vivos na Natureza

Mortardquo (2017) do Canal Futura 397

Sobre a valoraccedilatildeo econocircmica do meio ambiente ver a obra ldquoQual o Valor do Meio Ambienterdquo (2017)

de Lyssandro Norton Siqueira 398

No mesmo sentido afirma o Grupo PoEMAS em seu relatorio final ldquoEm uma primeira analise sobre a

conduta da empresa nos momentos que se seguiram ao rompimento as medidas fundamentais e urgentes

para a garantia dos direitos humanos das comunidades impactadas soacute foram tomadas apoacutes solicitaccedilatildeo da

equipe de resgate pressatildeo popular e intercessatildeo judicial embora a empresa as divulgue como accedilotildees

assistenciais e voluntaacuterias em sua paacutegina na internet (Samarco Mineraccedilatildeo 2015b) O sistema de avisos

sonoros a estadia para os desabrigados e o fornecimento de aacutegua potaacutevel satildeo trecircs exemplos de tais

condutasrdquo (PoEMAS 2015 p 70)

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inexistecircncia de pessoas treinadas para auxiliar a comunidade em caso de desastres

eminentes etc

4 O RIMA DE 2005 E A CONTRADICcedilAtildeO INTERNA DO

LICENCIAMENTO AMBIENTAL

O licenciamento ambiental da barragem do fundatildeo se iniciou em 2005 com a

apresentaccedilatildeo do EIARIMA elaborado pela Consultoria Brandt Meio Ambiente e

analisado pela FEAM A Licenccedila de Operaccedilatildeo (LO) foi concedida em 2008 agrave Samarco

pelo COPAM Em 2011 a LO foi renovada sendo vaacutelida ateacute 2013 Em 2012 um novo

EIA - elaborado pela Sete Soluccedilotildees e Tecnologia Ambiental - foi apresentado para o

projeto de otimizaccedilatildeo da barragem Em 2013 mais um EIARIMA elaborado tambeacutem

por essa uacuteltima empresa foi apresentado para o projeto de alteamento e unificaccedilatildeo das

barragens do Fundatildeo e Germano Em 2014 foram emitidas a Licenccedila Preacutevia (LP) e a

Licenccedila de Instalaccedilatildeo (LI) para otimizaccedilatildeo da barragem jaacute em julho de 2015 tambeacutem a

LP e LI foram emitidas para o alteamento e unificaccedilatildeo das referidas barragens

(PoEMAS 2015) Os trecircs diferentes EIARIMA foram apresentados ao oacutergatildeo ambiental

e submetidos agraves respectivas audiecircncias puacuteblicas (PoEMAS 2015) Neste trabalho a

tiacutetulo de exemplo analisa-se apenas o primeiro RIMA o do primeiro processo de

licenciamento da Barragem do Fundatildeo Este foi o uacutenico encontrado e portanto o uacutenico

sujeitado agrave anaacutelise

Antes de tudo deve-se destacar os impactos ambientais potenciais listados no referido

RIMA a saber i) na fase de implantaccedilatildeo a intensificaccedilatildeo de processos erosivos e de

assoreamento alteraccedilotildees nas propriedades do solo alteraccedilatildeo do niacutevel de ruiacutedo

ambiental alteraccedilatildeo da qualidade do ar alteraccedilatildeo da qualidade das aacuteguas reduccedilatildeo das

formaccedilotildees florestais reduccedilatildeo da biodiversidade geraccedilatildeo de expectativas da comunidade

e geraccedilatildeo de empregos (SAMARCO 2005 p 30-32) ii) na fase de operaccedilatildeo a

desestabilizaccedilatildeo de encostas geraccedilatildeo de erosatildeo e assoreamento a alteraccedilatildeo do relevo

do uso e ocupaccedilatildeo do solo tambeacutem a alteraccedilatildeo do niacutevel de ruiacutedo ambiental aleacutem da

alteraccedilatildeo da qualidade do ar das aacuteguas a reduccedilatildeo das formaccedilotildees florestais da

biodiversidade e o aumento da geraccedilatildeo de empregos e renda regional (SAMARCO

2005 p 33-35) e por fim iii) no fechamento do empreendimento previa-se a

desestabilizaccedilatildeo de encostas geraccedilatildeo de erosatildeo e assoreamento a alteraccedilatildeo da

qualidade das aacuteguas e do ar assim como a recolonizaccedilatildeo da aacuterea pela vegetaccedilatildeo e o

aumento da biodiversidade (SAMARCO 2005 p 36-37) A avaliaccedilatildeo desses impactos

eacute realmente muito curta e simplificada no RIMA

Eacute pertinente elucidar que dentre as duas uacutenicas vezes em que o relatoacuterio utiliza o

vocabulo ldquoriscordquo uma delas eacute na avaliaccedilatildeo do impacto ldquogeraccedilatildeo de expectativas da

comunidaderdquo e dispotildee da seguinte forma ldquoA implantaccedilatildeo de uma barragem de rejeitos

pode gerar tensotildees conflitos e expectativas negativas [] Natildeo por incocircmodo de sua

implantaccedilatildeo dada as obras civis ou operaccedilatildeo em si mas pelo risco potencial que

representa em caso de acidentesrdquo (SAMARCO 2005 p 32) O outro momento se refere

as medidas operacionais de monitoramento da barragem cujo objetivo era ldquo[]

implantar os instrumentos de monitoramento e acompanhamento da estabilidade da

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barragem de rejeitos durante a sua operaccedilatildeo garantindo assim a sua integridade e a

reduccedilatildeo do risco de ocorrecircncia de acidentesrdquo (SAMARCO 2005 p 43)

Apesar de considerar as contestaccedilotildees da comunidade perante o risco de acidentes e a

necessidade de monitorar a estabilidade da barragem as negligecircncias da

SamarcoValeBHP foram categoacutericas como expostas no toacutepico anterior

principalmente quanto agrave sinalizaccedilatildeo em Bento Rodrigues e a falta de pessoas treinadas

para auxiacutelio dos afetados aleacutem da simboacutelica incoerecircncia entre a avaliaccedilatildeo de risco do

DNPM e o rompimento da barragem por exemplos Neste trabalho natildeo se propotildee a

delimitaccedilatildeo de todos os possiacuteveis impactos ou o impedimento da atividade por qualquer

risco identificado mas sim a consideraccedilatildeo daqueles riscos graves evitaacuteveis e inerentes

ao empreendimento ou atividade como elementos determinantes para a licenccedila ou natildeo

do empreendimento A identificaccedilatildeo desses riscos natildeo deve se restringir agrave elaboraccedilatildeo de

modelos matemaacuteticos estudos de probabilidade e anaacutelises teacutecnicas apesar desses meios

serem os primordiais para a identificaccedilatildeo A audiecircncia puacuteblica no processo de

licenciamento possibilita a inserccedilatildeo de outras variaacuteveis - histoacutericas sociais econocircmicas

etc ndash por intermeacutedio da percepccedilatildeo puacuteblica da opiniatildeo puacuteblica dos diversos atores

sociais de diferentes interesses que se insere no ambiente deliberativo da audiecircncia Eacute o

que se denomina percepccedilatildeo social dos riscos

Minas Gerais jaacute possuiacutea ateacute 2015 um amplo histoacuterico de desastres divulgados pela

miacutedia a saber de acordo com o Grupo PoEMAS (2015 p 47) em 1986 um

rompimento de barragem em Itabirito resultou em sete mortes em 2001 um

rompimento em Nova Lima causou o assoreamento do Coacuterrego Taquara e cinco mortes

em 2006 um vazamento em Miraiacute de mais de um milhatildeo de msup3 de rejeitos contaminou

coacuterregos e levou agrave mortandade de biota aquaacutetica e interrupccedilatildeo de fornecimento de aacutegua

em 2007 tambeacutem em Miraiacute uma barragem se rompeu liberando mais de dois milhotildees

de msup3 de rejeitos inundando os municiacutepios de Miraiacute e Muriaeacute e o consequente

desalojamento de mais de quatro mil pessoas em 2008 em Congonhas o rompimento

da estrutura que ligava o vertedouro agrave represa da Mina Casa Pedra desalojou quarenta

famiacutelias naquele mesmo ano em Itabira mais um rompimento de barragem se inseriu

no histoacuterico e por fim em 2014 um rompimento de barragem em Itabirito causou a

morte de trecircs pessoas O mais recente grande desastre envolvendo barragens eacute o de

Brumadinho em 2019 jaacute mencionado anteriormente

Assim seria compreensiacutevel se a opiniatildeo puacuteblica se visse receosa em relaccedilatildeo aos

empreendimentos e atividades mineraacuterias sobretudo ante as barragens de rejeitos Em

vista disso caso tais opiniotildees se manifestassem dentro dos procedimentos legais da

audiecircncia puacuteblica defende-se que estas sejam priorizadas nas anaacutelises posteriores do

oacutergatildeo licenciador ao longo do procedimento Afinal se a teacutecnica ateacute hoje natildeo conseguiu

evitar um nuacutemero consideraacutevel de grandes desastres a opiniatildeo puacuteblica poderia indicar

um caminho de precauccedilatildeo ao afirmar suas percepccedilotildees com base nos supracitados fatos

histoacutericos por exemplo Natildeo se deve arriscar que a mesma concatenaccedilatildeo de erros e

negligecircncias resulte em desastres semelhantes aos jaacute mencionados tal eacute a importacircncia

de um novo peso maior para as discussotildees na audiecircncia puacuteblica

De fato haacute uma contradiccedilatildeo interna no processo de licenciamento ambiental a teacutecnica

que deveria ser dotada de imparcialidade deteacutem como principal subsiacutedio um relatoacuterio

elaborado por empresas privadas a pedido do maior interessado na aprovaccedilatildeo do

projeto o empreendedor Em face disso seria bem plausiacutevel o questionamento do

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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criteacuterio da efetividade e da eficaacutecia dos processos do licenciamento ambiental natildeo

apenas pela academia mas precipuamente pelas populaccedilotildees comunidades afetadas

diretamente ou natildeo pelos desastres

Aqui cabe apresentar a contundente criacutetica do Grupo PoEMAS (2015) ao processo de

licenciamento ambiental O grupo afirma a possibilidade de definiccedilatildeo desse processo

como uma mera etapa burocraacutetica que objetiva a garantia de licenccedilas previstas no

ordenamento por parte do empreendedor de tal modo que as instacircncias responsaacuteveis por

licenciar nem sequer considerariam a possibilidade de natildeo aprovaccedilatildeo dos projetos

(PoEMAS 2015) Ainda para o grupo o desastre de Mariana evidencia a

ldquo[] a incapacidade de previsatildeo dos impactos de grande magnitude as

anaacutelises superficiais e inadequadas desenvolvidas pelos teacutecnicos responsaacuteveis

pela elaboraccedilatildeo dos estudos ou ateacute mesmo algum tipo de maacute feacute que

subestima os efeitos negativos e superestima os pontos positivos de um

grande empreendimento sobre as sociedades o espaccedilo e o meio ambiente

atingido e que natildeo informa seus impactos potenciais Natildeo se pode

desconsiderar de maneira alguma que estes estudos satildeo posteriormente

avaliados e referendados por toda uma burocracia puacuteblica []rdquo (PoEMAS

2015 p 50 grifo nosso)

Natildeo se concorda em totalidade com a criacutetica que aponta a inexistecircncia sequer de uma

possibilidade de natildeo aprovaccedilatildeo dos projetos no processo de licenciamento - por falta de

fatos concretos para provar uma afirmaccedilatildeo de acircmbito tatildeo geral - entretanto concorda-se

com as demais proposiccedilotildees do trecho supracitado O RIMA da primeira fase do

licenciamento da Barragem do Fundatildeo eacute um claro exemplo superestima os impactos

positivos e menospreza impactos negativos como meros inconvenientes facilmente

resolviacuteveis por medidas de mitigaccedilatildeo o relatoacuterio eacute superficial em diversos aspectos e

natildeo disserta sobre os riscos do empreendimento

Por exemplo veja-se o seguinte trecho do RIMA de 2005 que introduz o topico ldquoo

Maciccedilo e a estabilidade fisicardquo da parte de descriccedilatildeo do projeto ldquoO projeto da barragem

foi concebido com elevado niacutevel de engenharia e todos os estudos de estabilidade do

maciccedilo final foram conduzidos garantindo um coeficiente de seguranccedila maior que os

adotados em normas internacionaisrdquo (SAMARCO 2005 p 10) Aleacutem de um carater

evidentemente apologeacutetico em nenhum momento esses coeficientes satildeo apontados no

relatoacuterio e nenhuma dessas normas internacionais satildeo mencionadas para fins de

comparaccedilatildeo Os autores do RIMA parecem esperar a mera aceitaccedilatildeo acriacutetica por parte

dos legentes em diversas outras partes do relatoacuterio Em respeito ao direito de a

populaccedilatildeo ser devidamente informada pelo RIMA deve-se repudiar tal modelo de

concepccedilatildeo do RIMA e do EIA

5 CONCLUSOtildeES SOBRE COMPETEcircNCIAS CRITEacuteRIOS DE ANAacuteLISE E

PARTICIPACcedilAtildeO NAS AUDIEcircNCIAS PUacuteBLICAS

Neste trabalho as bases legais da audiecircncia puacuteblica foram apontadas e os princiacutepios que

devem norteaacute-la identificados O papel da audiecircncia puacuteblica como recurso de

legitimaccedilatildeo e garantia da legitimidade foi discutido tal como a problemaacutetica dos riscos

e incertezas que surgem no contexto do rompimento das barragens em Minas Gerais

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Por fim foi apontado o caraacutecter potencialmente apologeacutetico do RIMA e do EIA em

benefiacutecio do empreendedor e em desfavor do devido conhecimento dos impactos

relacionados ao empreendimento pelos afetados e interessados Em vista da inexistecircncia

de uma imparcialidade teacutecnica substancial e certa a incerteza das comunidades deve ser

um fator a ser considerado A percepccedilatildeo social dos riscos natildeo pode ser olvidada

sobretudo quando as teacutecnicas jaacute deram sinais de imprecisatildeo e falha As audiecircncias

puacuteblicas satildeo o canal para que essas incertezas sejam levadas ao oacutergatildeo licenciador

Haacute duas preciacutepuas possibilidades ou 1) a competecircncia para a emissatildeo dos Estudos de

Impacto Ambiental (EIA) e Relatoacuterios de Impacto Ambiental (RIMA) deve ser

realocada para o proacuteprio oacutergatildeo licenciador ndash o que acredita-se geraria altos custos - ou

para um terceiro natildeo interessado devido agrave evidente parcialidade do empreendedor que

busca o licenciamento do empreendimento ou atividade ou 2) os procedimentos de

anaacutelise desses documentos pelo oacutergatildeo licenciador deveratildeo ser profundamente

reformados De qualquer modo natildeo se deve aceitar em documentos teacutecnicos

construccedilotildees parciais evidentes que atuem em malefiacutecio da isenccedilatildeo do oacutergatildeo licenciador

e principalmente prejudicando a devida informaccedilatildeo aos interessados das comunidades

que utilizaratildeo esses documentos para subsidiar suas deliberaccedilotildees na audiecircncia puacuteblica

Como natildeo eacute o oacutergatildeo licenciador que elabora seus proacuteprios estudos eacute imprescindiacutevel que

se estabeleccedilam criteacuterios para auferir um miacutenimo de imparcialidade que viabilize por

sua vez um RIMA que de fato cumpra sua funccedilatildeo informativa de subsiacutedio agraves

deliberaccedilotildees

Deve ser criteacuterio de pertinecircncia dos EIA e RIMA a abordagem profunda dos riscos

graves evitaacuteveis e inerentes ao empreendimento ou atividade a proposiccedilatildeo detalhada

das estrateacutegias que seratildeo empregadas para evitar tais riscos e para enfrentar eventuais

acidentes que materializem tais riscos bem como o texto dos estudos deveraacute ser

analisado sob a baliza da proporcionalidade entre os apontamentos que possam ser

interpretados favoraacutevel ou contrariamente ao empreendimento a proporcionalidade na

forma de abordar os impactos positivos e negativos por exemplo No RIMA eacute preciso

especial imparcialidade tendo em vista o cumprimento maacutexime de um dos princiacutepios

que lhe satildeo basilares o direito agrave informaccedilatildeo de ser devidamente informado

Natildeo se tergiversa aqui das dificuldades inerentes ao procedimento de licenciamento

ambiental (identificaccedilatildeo e anaacutelise dos impactos socioeconocircmicos e ambientais

delimitaccedilatildeo das aacutereas de influecircncia e de risco das tecnologias de mitigaccedilatildeo dos

impactos dos riscos relevantes e a estrateacutegias para os males decorrentes da atividade ou

empreendimento etc) nem das dificuldades que apesar de evitaacuteveis permeiam os

processos tais como a baixa qualidade dos EIA a rotatividade dos funcionaacuterios

teacutecnicosanalistas e a concomitante necessidade de treinamento dos novos funcionaacuterios

fatores que prejudicam a continuidade das anaacutelises e a qualidade dessas anaacutelises em

consonacircncia com o apontado pelo MMA (2016 p 265) Uma reforma deve ocorrer

principalmente diante dessas uacuteltimas dificuldades evitaacuteveis

A audiecircncia puacuteblica se configura como um dos principais instrumentos para correccedilatildeo e

aperfeiccediloamento dos criteacuterios teacutecnicos dos EIARIMA levando em consideraccedilatildeo os

diversos polos da opiniatildeo puacuteblica principalmente no que se refere aos criteacuterios

histoacutericos agrave memoacuteria dos entes da sociedade civil do indiviacuteduo cidadatildeo da

organizaccedilatildeo natildeo governamental etc Tais criteacuterios histoacutericos referem-se agrave memoacuteria agrave

um acircmbito da racionalidade que ultrapassa a mera teacutecnica Isto eacute por mais que os

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

245

resultados do EIARIMA elaborado a pedido do empreendedor sejam favoraacuteveis a uma

barragem de rejeitos por exemplo a histoacuteria recente a memoacuteria indica ressalvas ante

tal empreendimento A racionalidade das comunidades expressa na percepccedilatildeo social dos

riscos pode construir uma gama de criteacuterios natildeo-teacutecnicos mas ainda sim dotados de

racionalidade e que tambeacutem se sujeita a refutaccedilatildeo ao se inserirem nas audiecircncias

puacuteblicas O objetivo eacute a influecircncia nos processos que levam agrave decisatildeo final sobre o

licenciamento

Em vista disso ainda no exemplo das barragens de rejeitos por mais que o estado atual

das ciecircncias disponibilize uma quantidade satisfatoacuteria de estudos que possam assegurar

o cumprimento dos criteacuterios teacutecnicos para uma barragem segura a opiniatildeo puacuteblica

poderaacute possuir receios decorrentes de certas percepccedilotildees das esferas ambientais sociais

econocircmicas e tambeacutem histoacutericas que circundam o empreendimento aleacutem do histoacuterico

de falhas rompimentos e outros acidentes de modelosprojetos semelhantes que tambeacutem

poderatildeo suscitar uma posiccedilatildeo desfavoraacutevel ao empreendimento Sobretudo a busca por

alternativas tecnoloacutegicas se mostra fundamental diante desses cenaacuterios

A audiecircncia puacuteblica natildeo deve vincular a decisatildeo final mas deve ser uma das principais

variaacuteveis a influenciar a formulaccedilatildeo da decisatildeo final no licenciamento ambiental Pois

tal como o princiacutepio da precauccedilatildeo visa o estiacutemulo do desenvolvimento cientiacutefico para

sanar uma incerteza cientiacutefica a canalizaccedilatildeo dos discursos puacuteblicos pelas audiecircncias

pode estimular a busca por alternativas mesmo que alguma certeza cientiacutefica jaacute exista

Desta forma a racionalidade das comunidades e seus integrantes se insere de fato em

meio agrave teacutecnica do licenciamento ambiental corrigindo e aperfeiccediloando

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Sistema Nacional de Informaccedilotildees sobre Seguranccedila de Barragens e altera a redaccedilatildeo do

art 35 da Lei no 9433 de 8 de janeiro de 1997 e do art 4o da Lei no 9984 de 17 de

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249

O CARAacuteTER PUNITIVO DA INDENIZACcedilAtildeO POR DANO

EXTRAPATRIMONIAL AMBIENTAL

ERIKA BECHARA

_________________ SUMAacuteRIO ________________

1 Introduccedilatildeo 2 A funccedilatildeo da triacuteplice

responsabilidade ambiental 3 Responsabilidade civil

por dano ambiental patrimonial e extrapatrimonial

31 Efeitos patrimoniais e extrapatrimoniais do dano

ambiental 4 Reparaccedilatildeo do dano ambiental 5

Valoraccedilatildeo do dano ambiental 51 Indenizaccedilatildeo

punitiva (punitive damages) e caraacuteter punitivo da

indenizaccedilatildeo 511 Incidecircncia dos criteacuterios punitivos-

dissuasoacuterios na fixaccedilatildeo da indenizaccedilatildeo do dano

extrapatrimonial 512 A vedaccedilatildeo do

enriquecimento sem causa da viacutetima 52

Indenizaccedilatildeo dos danos ambientais extrapatrimoniais

com caraacuteter punitivo 521 A reprovabilidade da

conduta do poluidor e a indenizaccedilatildeo com caraacuteter

punitivo 522 A capacidade econocircmica do poluidor

6 Conclusatildeo

1 INTRODUCcedilAtildeO

Diante de danos ou da ameaccedila de danos ambientais haacute que se adotar medidas cautelares

para estancar a atividade ameaccediladora e se promover a responsabilizaccedilatildeo civil penal e

administrativa do poluidor (ou potencial poluidor) com muacuteltiplos objetivos prevenir

danos iminentes cessar danos em evoluccedilatildeo impedir agravamento de danos reparar

danos causados punir o infrator e com a puniccedilatildeo conscientizaacute-lo e desestimular

condutas semelhantes seja por parte do infrator seja por parte de terceiros

Em sede de responsabilidade civil dos objetivos acima mencionados apenas a

reparaccedilatildeo de danos estaacute em seu alcance direto Os outros podem ser alcanccedilados

indiretamente como consequecircncia da responsabilizaccedilatildeo civil mas a finalidade de se

responsabilizar civilmente algueacutem eacute de forma imediata socorrer ou restaurar a situaccedilatildeo

da viacutetima (no caso do dano ambiental a coletividade) ou seja reparar o dano

Mestre e Doutora em Direito Ambiental pela PUCSP Professora de Direito Ambiental da PUCSP e da

Saraiva Aprova Coordenadora-assistente do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Ambiental da

COGEAE-PUCSP Diretora da Associaccedilatildeo dos Professores de Direito Ambiental - APRODAB

Advogada Soacutecia de Szazi Bechara Storto Reicher e Figueiredo Lopes Advogados

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

250

Contudo tem-se buscado adicionar um novo propoacutesito agrave responsabilidade civil aleacutem da

elementar reintegraccedilatildeo da viacutetima agrave situaccedilatildeo anterior ao dano proporcionar a puniccedilatildeo do

causador do dano pela teoria dos ldquodanos punitivosrdquo (punitive damages ou exemplar

damages) com o fito de dissuadi-lo a reincidir na conduta lesiva e ao mesmo tempo

dissuadir terceiros a praticar condutas assemelhadas

O tema eacute polecircmico justamente porque traz para o campo da responsabilidade civil

funccedilotildees tiacutepicas da responsabilidade penal e administrativa ndash a retribuiccedilatildeopuniccedilatildeo ndash o

que para uns desvirtua o instituto jaacute que natildeo haacute previsatildeo legal para a ampliaccedilatildeo do

escopo da responsabilidade civil e para outros enobrece o instituto por lhe dar mais

eficiecircncia e alcance

2 A FUNCcedilAtildeO DA TRIacutePLICE RESPONSABILIDADE AMBIENTAL

A Constituiccedilatildeo Federal adota a triacuteplice responsabilidade ambiental ao estabelecer no

art 225 sect3ordm que ldquoas condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente

sujeitaratildeo os infratores pessoas fiacutesicas ou juriacutedicas a sanccedilotildees penais e administrativas

independentemente da obrigaccedilatildeo de reparar os danos causadosrdquo

Eacute dizer que pessoas fiacutesicas e juriacutedicas de direito puacuteblico ou privado podem conforme

o caso ser responsabilizadas penal administrativa e civilmente de forma cumulativa

sem ocorrecircncia de bis in idem Se uma conduta ou atividade se subsumir a um tipo penal

e ao mesmo tempo a um tipo administrativo ela ficaraacute passiacutevel de sofrer sanccedilatildeo

criminal e sanccedilatildeo administrativa E se aleacutem disso dela decorrer um dano ao meio

ambiente ficaraacute sujeita a promover a integral reparaccedilatildeo

A sanccedilatildeo penal e a sanccedilatildeo administrativa tecircm em comum o caraacuteter retributivo por

imporem uma medida aflitiva a quem adota um comportamento iliacutecito vedado pelo

ordenamento juriacutedico Que se diga que natildeo se trata de medida com o propoacutesito de

meramente punir pois conforme Rafael Munhoz de Mello ldquoa finalidade da sanccedilatildeo

retributiva penal ou administrativa eacute preventiva pune-se para prevenir a ocorrecircncia de

novas infraccedilotildees desestimulando a praacutetica de comportamentos tipificados como

ilicitosrdquo399

Na mesma toada Celso Antonio Bandeira de Mello sustenta que o Direito tem

finalidade uacutenica a disciplina da vida social e sua conveniente organizaccedilatildeo para o bom

conviacutevio de todos natildeo havendo espaccedilo para simples represaacutelias e castigos do que se

extrai entatildeo que a aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo administrativa (e da mesma forma a penal400

)

tem a pretensatildeo tanto de ldquodespertar em quem a sofreu um estimulo para que natildeo

reincida quanto cumprir uma funccedilatildeo exemplar para a sociedaderdquo401

Se a existecircncia da

sanccedilatildeo pode demover potenciais infratores de cometer os iliacutecitos porque temerosos das

suas consequecircncias a falta de sanccedilatildeo pode em sentido inverso constituir verdadeiro

399

O regime juriacutedico das sanccedilotildees administrativas p 151 400

O autor diz natildeo haver ldquoqualquer distinccedilatildeo substancial entre infraccedilotildees e sanccedilotildees administrativas e

infraccedilotildees e sanccedilotildees penais O que as aparta eacute uacutenica e exclusivamente a autoridade competente para impor

a sanccedilatildeordquo (Curso de Direito Administrativo p 876) - no primeiro caso competente eacute a autoridade

administrativa no segundo o juiz de direito 401

Opcit p 878

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

251

estiacutemulo agraves praacuteticas lesivas ou potencialmente lesivas que geraratildeo benefiacutecios ao ofensor

em detrimento da viacutetima sem qualquer resultado aflitivo para aquele

Diferentemente da responsabilizaccedilatildeo penal e administrativa que tecircm um forte caraacuteter

retributivo e preventivo a responsabilidade civil tem um caraacuteter eminentemente

reparatoacuterio sendo ela definida como o instituto juriacutedico destinado a impor ao causador

de um dano o dever de reparaacute-lo Nas palavras de Joseacute de Aguiar Dias ldquoo interesse em

restabelecer o equiliacutebrio econocircmico-juriacutedico alterado pelo dano eacute a causa geradora da

responsabilidade civilrdquo402

Logo a preocupaccedilatildeo preciacutepua da responsabilidade civil natildeo eacute

com a conduta do infrator mas com o prejuiacutezo da viacutetima Por isso o propoacutesito primeiro

da responsabilidade civil natildeo eacute impor uma medida aflitiva ao causador do dano mas sim

amenizar a perda da viacutetima propiciando tanto quanto possiacutevel o retorno ao statuo quo

ante

Apesar disso natildeo podemos deixar de mencionar e de endossar as crescentes e potentes

vozes que defendem uma segunda e natildeo menos importante finalidade da

responsabilidade civil quando o instituto estaacute a serviccedilo da reparaccedilatildeo de danos morais

ou extrapatrimoniais a dissuasoria alcanccedilada por meio da ldquopuniccedilatildeordquo pela qual o

ofensor seraacute condenado ao pagamento de indenizaccedilatildeo cujo valor extrapola o proacuteprio

dano para que ele e todos os demais compreendam quatildeo onerosas podem ser as

consequecircncias para comportamentos lesivos do mesmo jaez e assim busquem moldar

suas atitudes e atividades de forma diversa para natildeo sofrerem as mesmas sequelas

Portanto em sede de reparaccedilatildeo de danos extrapatrimoniais emerge uma segunda faceta

da responsabilidade civil que eacute a punitiva-preventiva (ou punitiva-pedagoacutegica ou

punitiva-dissuasoacuteria) obtida pela inclusatildeo no valor da reparaccedilatildeo de componentes

associados agrave conduta do ofensor a sua capacidade econocircmica e aos benefiacutecios por ele

obtidos com a atividade lesiva403

Seacutergio Severo eacute um dos doutrinadores que entendem perfeitamente possiacutevel que o

elemento punitivo esteja presente na responsabilizaccedilatildeo civil por danos

extrapatrimoniais com fins preventivos E justifica que eacute a proacutepria caracteriacutestica dos

danos extrapatrimoniais que favorece a teria da dupla natureza da sua satisfaccedilatildeo -

reparatoacuteria e dissuasoacuteria

ldquoOu seja por tratar-se de interesses sem conteuacutedo econocircmico tais danos

devem ser aferidos de uma forma aproximada atraveacutes do maior nuacutemero de

criteacuterios que auxiliem na busca do quantum satisfatoacuterio portanto o senso

preventivo acaba penetrando em maior ou menor escala no estabelecimento

deste montanterdquo404

Sem destoar Clayton Reis tambeacutem defende o caraacuteter punitivo da indenizaccedilatildeo por dano

extrapatrimonial justificando seu posicionamento no fato de que a responsabilidade

civil deve contribuir para eliminar a induacutestria da irresponsabilidade em que as empresas

se sentem estimuladas a violar direitos ao analisarem o custo-benefiacutecio da conduta e

verificarem que o lucro resultante da ilicitude seraacute superior a eventuais indenizaccedilotildees

402

Da responsabilidade civil p 43 403

Essa faceta punitiva-preventiva poderia muito bem se fazer presente igualmente na reparaccedilatildeo por

danos patrimoniais Contudo como mencionaremos neste artigo no Brasil isso natildeo eacute possiacutevel por conta

de limitaccedilatildeo normativa (art 944 Coacutedigo Civil) relacionada agrave apuraccedilatildeo da indenizaccedilatildeo patrimonial 404

Os danos extrapatrimoniais p 190

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

252

ldquoAs empresas entendem que eacute mais facil e menos custoso para elas arcarem

com eventuais indenizaccedilotildees do que investir em atualizaccedilatildeo e melhoria do seu

sistema cursos de aperfeiccediloamento dos seus funcionaacuterios ou manutenccedilatildeo de

suas estruturas fisicasrdquo405

Ainda que esse caraacuteter duplo exista continuamos firmes na crenccedila de que o objetivo

maior da responsabilidade civil eacute a reparaccedilatildeo do dano406

ndash tanto eacute verdade que natildeo se

veraacute a condenaccedilatildeo isolada do causador de um dano a uma sanccedilatildeo civil desassociada da

reparaccedilatildeo da viacutetima (pelo menos natildeo no Brasil que como veremos adiante natildeo adota a

teoria da punitive damages na sua forma genuiacutena de sanccedilatildeo civil apartada da

indenizaccedilatildeo)407

Ou seja a puniccedilatildeo dependeraacute da reparaccedilatildeo para existir logo eacute funccedilatildeo

acessoacuteria natildeo principal408

Com relaccedilatildeo ao aspecto subjetivo ou objetivo da responsabilidade a sanccedilatildeo penal e a

sanccedilatildeo administrativa tambeacutem tecircm em comum o fato de incidirem apenas sobre atos

dolosos ou culposos o que nos autoriza concluir que tanto a responsabilidade penal

como a administrativa inclusive na aacuterea ambiental tecircm natureza subjetiva E isso se

deve ao fato de que forccedila preventiva do tipo penal ou administrativo obtida a partir da

puniccedilatildeo soacute opera de forma eficaz sobre quem age ou pode agir de forma deliberada natildeo

surtindo nenhum efeito sobre quem natildeo tem condiccedilotildees de decidir agir de forma

diversa409

405

Dano moral p 160 406

Preferimos falar em caraacuteter dissuasoacuterio ao inveacutes de punitivo porque a puniccedilatildeo natildeo eacute o objetivo maior eacute

sim o meio pelo qual se desestimula a conduta Nesse diapasatildeo Seacutergio Severo professa que o ldquocarater

punitivo da satisfaccedilatildeo natildeo eacute o elemento definidor do tratamento dos danos extrapatrimoniaisrdquo tratando-se

ele na verdade de ldquoum elemento importante na prevenccedilatildeo de comportamentos anti-sociaisrdquo (Obcit p

184) 407

Nesse aspecto estamos em sintonia com Flaacutevio Tartuce que tambeacutem enxerga que a indenizaccedilatildeo por

dano moral tem um caraacuteter principal reparatoacuterio e um caraacuteter pedagoacutegico ou disciplinador acessoacuterio

sendo que ldquoo carater acessorio somente existira se estiver acompanhado do principal natildeo podendo

subsistir por si sordquo (Responsabilidade civil p 466) 408

Em sentido contraacuterio Nelson Rosenvald notoacuterio defensor da aplicaccedilatildeo da pena civil a quem causar

danos a outrem defende que eacute absolutamente possiacutevel que seja ajuizada demanda ldquoque persiga sanccedilatildeo

punitiva sem que nada se pretenda a titulo de satisfaccedilatildeo pelo dano extrapatrimonialrdquo E reforccedila seu

entendimento com o exemplo de uma incorporadora imobiliaacuteria que reiteradamente entrega unidades

habitacionais com atraso ou viacutecios do produto cuja gravidade natildeo chega provocar danos morais ao

consumidor mas indica um reprovavel comportamento da construtora ldquo[] mesmo natildeo evidenciado

violaccedilatildeo a situaccedilotildees juriacutedicas existenciais do autor da demanda houve imediatamente uma conduta

deliberadamente direcionada a lesar um interesse legiacutetimo da viacutetima que impacta imediatamente em um

grupo de consumidores O sistema juriacutedico natildeo pode manter-se alheio a esta conduta afinal haacute o

interesse da sociedade em conter comportamentos reprovaacuteveis sobretudo quando evidenciado o descaso

do ofensor perante a sorte daqueles a quem atraiu com a legiacutetima expectativa de confianccedila quanto agrave

qualidade e a seguranccedila de seus produtosrdquo (As funccedilotildees da responsabilidade civil a reparaccedilatildeo e a pena

civil p 240-241) 409

Rafael Munhoz de Mello explica em detalhes que ldquoA sanccedilatildeo administrativa retributiva so cumpre sua

finalidade preventiva se aplicada a quem age de modo doloso ou culposo Eacute dizer se aplicada a quem

pratica de modo consciente e voluntaacuterio a conduta tiacutepica (dolo) ou a quem pratica voluntariamente um

comportamento liacutecito mas age com negligecircncia imperiacutecia ou imprudecircncia causando resultado tipificado

como infraccedilatildeo administrativa (culpa stricto sensu)

Ocorre que a finalidade preventiva soacute eacute atingida se do sujeito que sofre os efeitos da sanccedilatildeo fosse possiacutevel

exigir conduta distinta da que foi praticada evitando assim o resultado tiacutepico alcanccedilado Agindo com

dolo o indiviacuteduo decide conscientemente praticar a conduta tiacutepica Se escolhe agir dessa forma pode

tambeacutem escolher agir de outra servindo a sanccedilatildeo como estiacutemulo agrave escolha que trilhe os caminhos da

legalidade No caso da conduta meramente culposa em que o sujeito age com negligecircncia imperiacutecia ou

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

253

Jaacute a responsabilidade civil eacute objetiva portanto independe da comprovaccedilatildeo da culpa ou

dolo do agente conforme art 14 sect1ordm da Lei 69381981 (Poliacutetica Nacional do Meio

Ambiente)410

Para condenar o causador do dano a reparaacute-lo eacute suficiente demonstrar que

a atividade por ele desenvolvida gerou ou contribuiu para a geraccedilatildeo do dano

A responsabilidade penal e a responsabilidade administrativa podem ser observadas

tanto em situaccedilotildees de ameaccedila de dano como diante de danos efetivos ndash isso porque haacute

tipos penais e administrativos que vedam e reputam iliacutecitas condutas que meramente

coloquem em risco a qualidade ambiental (crimes ou infraccedilotildees de perigo) sem qualquer

necessidade de dano concreto e haacute tipos que exigem uma lesatildeo concreta para sua

consumaccedilatildeo (crimes e infraccedilotildees de dano)

De forma diversa a responsabilidade civil soacute pode ser invocada em caso de dano

efetivo natildeo em caso de simples ameaccedila de dano411

Natildeo se trata de instituto

vocacionado a impedir danos mas somente reparar danos natildeo evitados412

- apesar disso

eacute sabido que a efetiva responsabilizaccedilatildeo civil de uma pessoa ainda mais se a

indenizaccedilatildeo for majorada com base em criteacuterios punitivos-pedagoacutegicos acaba pelo

exemplo desestimulando o desenvolvimento de atividade lesiva semelhante por outra

temerosa de sofrer as mesmas consequecircncias413

Mas em nosso sentir natildeo eacute o bastante

imprudecircncia tambeacutem pode ser adotado modo de agir diverso diligente e prudente evitando-se assim a

configuraccedilatildeo do comportamento proibido A sanccedilatildeo administrativa aplicada ao sujeito que age com dolo

ou culpa serve como estiacutemulo agrave mudanccedila se praticou deliberadamente a conduta tiacutepica a sanccedilatildeo o

estimula a natildeo reincidir se a praticou por negligecircncia imperiacutecia ou imprudecircncia a sanccedilatildeo o incentiva a

ser mais diligente e cuidadoso no seu agir Previne-se de tal maneira a praacutetica de novas infraccedilotildees

administrativas

A situaccedilatildeo eacute diferente se natildeo haacute dolo ou culpa na accedilatildeo do indiviacuteduo Ele natildeo pratica a conduta tiacutepica de

modo voluntaacuterio e consciente (dolo) Tampouco deixa de observar o dever de diligecircncia que a todos eacute

atribuiacutedo numa sociedade (culpa stricto sensu) Seu agir voluntaacuterio e consciente eacute voltado agrave praacutetica de

conduta liacutecita e ele age com diligecircncia em tal intento Sendo assim o comportamento exigido pelo

ordenamento juriacutedico eacute atendido o particular natildeo pratica de modo voluntaacuterio e consciente a conduta

tiacutepica e natildeo age com negligecircncia imperiacutecia ou imprudecircncia

Mas natildeo obstante a correccedilatildeo do seu agir o resultado de sua accedilatildeo eacute evento tipificado como infraccedilatildeo

administrativa Pergunta-se que funccedilatildeo preventiva exerce a sanccedilatildeo administrativa em casos tais

Estimular o sujeito a natildeo mais agir de modo diligente

Se natildeo haacute dolo ou culpa a aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo administrativa retributiva natildeo previne a ocorrecircncia futura

de comportamentos tipificados como infraccedilotildees administrativas O indiviacuteduo que sem culpa praticou o

comportamento tiacutepico natildeo

mudaraacute seu modo de agir em face da imposiccedilatildeo da sanccedilatildeo E nem eacute possiacutevel exigir a mudanccedila pois nada

de ilegal havia em sua conduta ele natildeo desejou a conduta tiacutepica e tampouco agiu com negligecircncia

imperiacutecia ou imprudecircncia De consequumlecircncia natildeo haacute razatildeo que justifique a imposiccedilatildeo de uma medida

sancionadora cujo proposito eacute estimular a mudanccedila de comportamento do infrator (prevenccedilatildeo especial)rdquo

(Obcit p 161-162) 410

Art 14 sect1ordm Lei 69381981 ldquoSem obstar a aplicaccedilatildeo das penalidades previstas neste artigo eacute o

poluidor obrigado independentemente da existecircncia de culpa a indenizar ou reparar os danos causados

ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividaderdquo 411

Joseacute de Aguiar Dias acentua que eacute verdadeiro truiacutesmo alegar que o dano eacute elemento necessaacuterio agrave

configuraccedilatildeo da responsabilidade civil ldquoporque resultando a responsabilidade civil em obrigaccedilatildeo de

ressarcir logicamente natildeo pode concretizar-se onde nada ha que repararrdquo (Opcit p 819) 412

Haacute doutrinadores que defendem a responsabilidade civil preventiva que atua antes da ocorrecircncia do

dano com o propoacutesito de evitaacute-lo (CARRAacute Bruno Leonardo Cacircmara Responsabilidade civil sem dano

Satildeo Paulo Atlas 2015 CARVALHO Deacutelton Winter de Dano ambiental futuro 2ed Porto Alegre

Livraria do Advogado 2013) 413

Baseados na liccedilatildeo de Sendim Joseacute Rubens Morato Leite e Patrick de Arauacutejo Ayala apontam a vocaccedilatildeo

preventiva do sistema da responsabilidade civil ao deixar o poluidor ciente de que seraacute responsabilizado

economicamente pelos danos ambientais e assim motivaacute-lo a atuar ex ante da degradaccedilatildeo ambiental

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

254

para afirmar que o escopo maior da responsabilidade civil eacute a prevenccedilatildeo conforme jaacute

destacado anteriormente

Naturalmente que inuacutemeras medidas preventivas podem e devem ser adotadas em face

do potencial degradador de uma obra ou atividade tais como a concessatildeo de liminar

impedindo a implantaccedilatildeo de um empreendimento que represente ameaccedila de grave dano

ambiental ou uma decisatildeo judicial definitiva que condene o reacuteu a obrigaccedilatildeo de natildeo fazer

consistente em natildeo desmatar aacuterea de preservaccedilatildeo permanente Mas seu fundamento nos

dois exemplos eacute o princiacutepio da prevenccedilatildeo ou da precauccedilatildeo conforme o caso e natildeo a

responsabilidade civil

3 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL PATRIMONIAL E

EXTRAPATRIMONIAL

O dano eacute o elemento essencial da responsabilidade civil dado que a responsabilidade

civil tem por finalidade preciacutepua a reparaccedilatildeo do dano Logo natildeo havendo dano a ser

reparado natildeo haacute lugar para a responsabilizaccedilatildeo civil do agente

Como acentuado por Seacutergio Cavalieri Filho pode haver responsabilidade civil sem

culpa mas natildeo pode haver responsabilidade civil sem dano ldquoNatildeo basta o risco natildeo

basta a conduta iliacutecita Sem uma consequecircncia concreta lesiva ao patrimocircnio

econocircmico ou moral natildeo se impotildee o dever de repararrdquo414

O dano juriacutedico (ou dano indenizaacutevel) eacute mais do que o simples prejuiacutezo patrimonial ou

moral Eacute o prejuiacutezo associado agrave violaccedilatildeo de um direito (da viacutetima) Por isso que o dano

eacute definido objetivamente ldquocomo a lesatildeo a um bem ou interesse juridicamente

tuteladordquo415

No caso do dano ambiental o prejuiacutezo se verifica na destruiccedilatildeo ou degradaccedilatildeo de bens

ambientais comprometendo os serviccedilos ecossistecircmicos causando desequiliacutebrio

ecoloacutegico e privando a coletividade de usufruir da qualidade ambiental que eacute essencial

a sua sadia qualidade de vida conforme anunciado pelo art 225 da Constituiccedilatildeo

Federal E a violaccedilatildeo do direito se verifica na afronta ao direito de todos ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado garantido pelo Texto Constitucional (art 225) ndash

direito tipicamente difuso416

Definimos dano ambiental como a ldquoagressatildeo ao meio ambiente ie aos componentes

ambientais do ambiente natural artificial cultural e do trabalho que lesa o direito da

coletividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Por assim dizer produz

diminuindo os riscos ambientais (Dano ambiental do individual ao coletivo extrapatrimonial Teoria e

Praacutetica p 77) 414

Programa de Responsabilidade Civil p 103 415

CAVALIERI FILHO Seacutergio Opcit p 104 416

Direitos difusos satildeo os ldquotransindividuais de natureza indivisivel de que sejam titulares pessoas

indeterminadas e ligadas por circunstacircncias de fatordquo (art 81 paragrafo uacutenico I da Lei 80781990 ndash

Coacutedigo de Defesa do Consumidor)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

255

alteraccedilotildees no meio ambiente que afetam o equiliacutebrio ecossistecircmico ao qual toda a

coletividade faz jusrdquo417

Quando o dano viola um direito individual tem-se um dano individual com uma viacutetima

identificaacutevel Nessa mesma toada quando o dano viola direito difuso como o meio

ambiente ecologicamente equilibrado tem-se um dano difuso com um nuacutemero

indeterminaacutevel de viacutetimas ndash a coletividade

Importante frisar que uma atividade lesiva ao meio ambiente pode violar o direito de

todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado causando um dano ambiental

difuso e ao mesmo tempo violar direitos de natureza distinta (natildeo ambiental) tanto de

pessoas individualmente consideradas tais como direito agrave sauacutede ou ao exerciacutecio de

atividade econocircmica (direito individual) como de grupos de pessoas determinadas ou

determinaacuteveis (direito coletivo) ou ateacute mesmo de pessoas indeterminaacuteveis (direito

difuso)418

Tais danos tecircm origem na lesatildeo ambiental mas natildeo satildeo danos ambientais419

Satildeo na definiccedilatildeo de Aacutelvaro Luiz Valery Mirra danos por intermeacutedio do meio

ambiente420

Exemplo claacutessico de danos por intermeacutedio do meio ambiente satildeo os

experimentados por pescadores impedidos de pescar e de prover o sustento da famiacutelia

porque o corpo hiacutedrico em que desenvolviam a atividade foi contaminado ou poluiacutedo

por vazamento de oacuteleo ou lanccedilamento de efluentes industriais ou domeacutesticos421

O dano difuso tanto quanto o dano individual pode ter caraacuteter patrimonial ou

extrapatrimonial - este uacuteltimo designado tambeacutem de dano moral coletivo Seraacute

patrimonial quando a lesatildeo gerar a reduccedilatildeo do patrimocircnio da viacutetima (indiviacuteduo grupo

ou coletividade) e seraacute extrapatrimonial quando comprometer valores natildeo patrimoniais

ou melhor dizendo quando o dano representar ldquolesatildeo de interesse sem expressatildeo

econocircmicardquo422

417

BECHARA Erika Licenciamento ambiental e compensaccedilatildeo ambiental na Lei do Sistema Nacional

das Unidades de Conservaccedilatildeo (SNUC) p 50 418

Ilustramos os danos coletivos ou difusos por intermeacutedio do meio ambiente em outra obra com os

seguintes exemplos ldquoa dizimaccedilatildeo de uma floresta habitada haacute centenas de anos por uma tribo indiacutegena

deixando os iacutendios sem a sua morada e destruindo as reminiscecircncias religiosas e familiares bem como o

viacutenculo afetivo desse agrupamento de pessoas com a aacuterea Outro a poluiccedilatildeo contumaz de ldquocartotildees-

postaisrdquo de cidades turisticas que acaba afetando a atividade econocircmica do turismo e ferindo a

autoestima dos brasileiros com a superexposiccedilatildeo negativa de seu pais no exteriorrdquo (Obcit p 59) 419

Optamos por natildeo designar estes danos de danos ambientais porque o direito (da viacutetima) violado natildeo eacute

o direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Todavia haacute autores que

diferentemente de noacutes usam a terminologia danos ambientais individuais como Joseacute Rubens Morato

Leite e Patrick de Arauacutejo Ayala (Obcit passim) Com posicionamento semelhante Ingo Wolfgang

Sarlet e Tiago Fensterseifer fazem referecircncia ao dano ambiental individual mas advertem que natildeo se trata

de um dano ecoloacutegico em sentido estrito mas apenas um dano individual reflexo ou por ricochete (Curso

de Direito Ambiental p 542-543) 420

Accedilatildeo civil puacuteblica e a reparaccedilatildeo do dano ao meio ambiente p 74 421

TESES FIXADAS PELO STJ (Jurisprudecircncia em Teses Ediccedilatildeo nordm 119 extraiacuteda de julgados

publicados ateacute 08022019) ldquoO pescador profissional eacute parte legiacutetima para postular indenizaccedilatildeo por dano

ambiental que acarretou a reduccedilatildeo da pesca na aacuterea atingida podendo utilizar-se do registro profissional

ainda que concedido posteriormente ao sinistro e de outros meios de prova que sejam suficientes ao

convencimento do juiz acerca do exerciacutecio dessa atividaderdquo ldquoEacute devida a indenizaccedilatildeo por dano moral

patente o sofrimento intenso do pescador profissional artesanal causado pela privaccedilatildeo das condiccedilotildees de

trabalho em consequecircncia do dano ambiental (Tese julgada sob o rito do art 543-C do CPC1973 -

TEMA 439)rdquo 422

SEVERO Seacutergio Opcit p 43

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

256

Como nos ensina Joseacute de Aguiar Dias a natureza patrimonial ou extrapatrimonial do

dano natildeo decorre da natureza do direito bem ou interesse lesado ldquomas do efeito da

lesatildeo do carater da sua repercussatildeo sobre o lesadordquo423

sendo possivel tanto ldquoocorrer

dano patrimonial em consequecircncia de lesatildeo a um bem natildeo patrimonial como dano moral

em resultado de ofensa a bem materialrdquo424

Visto isso haacute que se notar que a agressatildeo ambiental se daacute a bens corpoacutereos (pex

florestas fauna edificaccedilotildees de valor cultural) e incorpoacutereos (pex ar) podendo gerar

em qualquer caso dano patrimonial e extrapatrimonial ndash de forma isolada ou

cumulativa jaacute que nas palavras de Seacutergio Severo um mesmo fato pode dar ensejo a

mais de um dano ldquopodendo combinar-se um dano patrimonial e um dano

extrapatrimonial e mesmo mais de um dano de uma ou outra naturezardquo425

- ou seja mais

de um dano patrimonial ou mais de um dano extrapatrimonial

A afirmaccedilatildeo pode ser ilustrada com o exemplo de um incecircndio em reserva

extrativista426

A vegetaccedilatildeo existente na reserva eacute um bem corpoacutereo e o incecircndio pode

gerar um dano patrimonial agraves populaccedilotildees tradicionais que praticam o extrativismo na

aacuterea (e que teratildeo sua atividade prejudicada) mas um dano extrapatrimonial agrave

coletividade com a reduccedilatildeo de toda a biodiversidade e riquezas naturais laacute existentes O

dano patrimonial suportado pelos extrativistas ndash dano por intermeacutedio do meio ambiente

- eacute um dano patrimonial individual (podendo ser tutelado coletivamente em juiacutezo por

envolver diretos individuais homogecircneos) e o dano extrapatrimonial suportado pela

coletividade eacute um dano extrapatrimonial difuso (ou dano moral coletivo)

Natildeo se pode deixar de mencionar que ainda haacute alguma resistecircncia da doutrina e da

jurisprudecircncia ao chamado dano moral coletivo Mas essa resistecircncia que jaacute foi maior

deve perder forccedila cada vez mais pois natildeo haacute fundamento para rechaccedilar o caraacuteter

extrapatrimonial do dano difuso se entendermos que o caraacuteter moral do dano natildeo estaacute

associado a dor e sofrimento que satildeo de fato estados morais proacuteprios de indiviacuteduos

mas a valores imateriais (melhor dizendo quaisquer valores sem repercussatildeo

econocircmica) que dizem respeito a todos indistintamente

Seacutergio Cavalieri Filho alude ao posicionamento doutrinaacuterio e jurisprudencial mais

conservador e contraacuterio ao dano moral coletivo mas deixa claro que natildeo compartilha

desse entendimento Pelo contraacuterio defende com veemecircncia o dano extrapatrimonial

coletivo

Na sua definiccedilatildeo o dano moral coletivo eacute o ldquosentimento de desapreccedilo que afeta

negativamente toda a coletividade pela perda de valores essenciais sentimento coletivo

de comoccedilatildeo de intranquilidade ou inseguranccedila pela lesatildeo a bens de titularidade

coletiva como o meio ambiente a paz puacuteblica a confianccedila coletiva o patrimocircnio

423

Opcit p 839 424

Ibidem mesma paacutegina 425

Opcit p 177 426

A Reserva Extrativista eacute uma Unidade de Conservaccedilatildeo de uso sustentaacutevel e de domiacutenio puacuteblico

utilizada por populaccedilotildees extrativistas tradicionais ldquocuja subsistecircncia baseia-se no extrativismo e

complementarmente na agricultura de subsistecircncia e na criaccedilatildeo de animais de pequeno porte e tem como

objetivos baacutesicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populaccedilotildees e assegurar o uso sustentaacutevel

dos recursos naturais da unidaderdquo (art 18 Lei 99852000)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

257

(ideal) historico artistico cultural paisagistico etcrdquo427

E apresenta como exemplos de

danos morais coletivos os suportados por todos noacutes em decorrecircncia dos tragicamente

famosos eventos ocorridos no Estado Rio de Janeiro e Minas Gerais a saber incecircndio

do Museu Nacional em 2018 e o desastre ambiental ocorrido em Mariana em 2015 O

primeiro destruiu 200 anos de nossa Histoacuteria o segundo destruiu todo um distrito

(Bento Rodrigues) ceifou vidas e causou danos ambientais inestimaacuteveis

Tambeacutem no sentido de admitir os danos extrapatrimoniais difusos e coletivos Bruno

Miragem adverte que eacute possiacutevel reconhecer a coletividade como viacutetima de dano

extrapatrimonial na medida em que se dissocie este tipo de dano dos sentimentos de dor

e de sofrimento humano e se reconheccedila que haacute interesses difusos e coletivos como os

bens culturais ambientais paisagiacutesticos ou urbaniacutesticos que satildeo de titularidade

indistinta de toda uma comunidade ldquoe que ao mesmo tempo natildeo possuem

necessariamente uma dimensatildeo econocircmicardquo428

Admitir a existecircncia de danos extrapatrimoniais difusos portanto exige a rejeiccedilatildeo da

associaccedilatildeo redutiva do dano moral agrave dor e ao sofrimento para vislumbraacute-lo como um

atributo de qualquer lesatildeo natildeo patrimonial sejam suas viacutetimas indiviacuteduos grupos ou um

feixe de pessoas indeterminaacuteveis

31 EFEITOS PATRIMONIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS DO DANO

AMBIENTAL

Estamos com Seacutergio Severo quando afirma que ldquotodo prejuizo ecologico guarda acima

de tudo um caraacuteter extrapatrimonialrdquo429

Assim o eacute porque o dano ambiental estaacute vinculado agrave violaccedilatildeo do direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado o que implica dizer que o dano ambiental sempre

representaraacute a perda da qualidade ambiental que por sua vez proporciona agrave

coletividade qualidade de vida sauacutede fiacutesica e psiacutequica bem-estar preservaccedilatildeo da

memoacuteria dentre outros valores imateriais como o valor de existecircncia430

Quando a

coletividade eacute privada de usufruir da qualidade do meio ambiente e dos benefiacutecios que

dela decorrem ela natildeo sofre uma perda econocircmica Logo natildeo sofre um dano

patrimonial e sim um dano moral

O fato da lesatildeo recair muitas vezes sobre bens materiais (solo aacuteguas flora edificaccedilotildees

com valor cultural etc) cujo custo de restauraccedilatildeo pode ser perfeitamente mensurado

natildeo significa que o dano ambiental eacute patrimonial Significa apenas que eacute possiacutevel

determinar o valor monetaacuterio da restauraccedilatildeo do ambiente degradado (quando possiacutevel a

reparaccedilatildeo in natura) Mas a perda experimentada pela coletividade continua sendo uma

perda natildeo patrimonial ndash portanto um dano de efeitos extrapatrimoniais

427

Opcit p 147 428

Direito Civil responsabilidade civil p 206 429

Opcit p 172 430

Segundo Joseacute Rubens Morato Leite e Patrick de Arauacutejo Ayala o dano ambiental afeta o ldquopatrimocircnio

ideal da coletividade relacionado a manutenccedilatildeo do equilibrio ambiental e da qualidade de vidardquo (Opcit

p 301)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

258

Contudo o dano ambiental pode tambeacutem ter reflexos patrimoniais para a coletividade

(aleacutem dos reflexos patrimoniais para o detentor imediato do bem em algumas situaccedilotildees

e danos de outra natureza para terceiros o que configura um dano por intermeacutedio do

meio ambiente) A floresta desmatada para dar lugar a obra ou atividade por exemplo

tem um valor econocircmico ainda que natildeo esteja sendo explorada economicamente por

conta dos serviccedilos ecossistecircmicos e da sua biodiversidade e pela contribuiccedilatildeo prestada

para a contenccedilatildeo das mudanccedilas climaacuteticas Sendo o bem ambiental de titularidade

difusa a perda econocircmica pode representar um efeito patrimonial difuso

Por isso em resumo diz-se que o dano ambiental sempre teraacute uma dimensatildeo

extrapatrimonial e algumas vezes poderaacute ter cumulativamente uma dimensatildeo

patrimonial A dimensatildeo patrimonial decorre do valor econocircmico que os bens

ambientais tecircm E a dimensatildeo extrapatrimonial decorre das funccedilotildees ambientais que tais

bens cumprem

Nunca poreacutem haveraacute um dano ambiental com dimensatildeo exclusivamente patrimonial

pois isso significaria reduzir a perda ambiental agrave lesatildeo de interesses econocircmicos quando

se sabe que a maior perda eacute a da qualidade do ambiente que propicia a vida digna a

todos

4 REPARACcedilAtildeO DO DANO AMBIENTAL

Eacute paciacutefico que a reparaccedilatildeo do dano ambiental deve ser integral o que implica dizer que

a reparaccedilatildeo deve ser a mais completa possiacutevel levando-se em conta todas as perdas

experimentadas em razatildeo da atividade degradadora431

Conforme leciona Alvaro Luiz Valery Mirra ldquose se considera que o prejuizo eacute o uacutenico

elemento a ser objetivamente considerado pela reparaccedilatildeo a qual visa eliminaacute-lo parece

loacutegico que a extensatildeo desta deva ser tatildeo ampla quanto o necessite a total compensaccedilatildeo

do dano causadordquo432

E completa que a reparaccedilatildeo integral ldquotrata-se de uma exigecircncia

fundamental de justiccedila a fim de permitir seja a viacutetima recolocada na medida do

possiacutevel em uma situaccedilatildeo equivalente agravequela que seria beneficiaacuteria se o fato danoso natildeo

se tivesse produzidordquo433

Mas a reparaccedilatildeo traz desafios especialmente do dano extrapatrimonial dada a sua

intangibilidade Desafios que devem ser enfrentados e vencidos porque sem reparaccedilatildeo o

dano ambiental natildeo pode ficar

Interessante notar que enquanto os danos extrapatrimoniais em sua maioria soacute estatildeo

em condiccedilotildees de serem reparados mediante compensaccedilatildeo pecuniaacuteria os danos

extrapatrimoniais ambientais podem ser reparados de forma especiacutefica Podem e devem

Afinal sendo possiacutevel diante de uma lesatildeo ambiental extrapatrimonial devolver agraves

viacutetimas a boa e ambientalmente adequada situaccedilatildeo de que gozavam anteriormente eacute

431

O proacuteprio Coacutedigo Civil veicula a premissa da reparaccedilatildeo integral para todo tipo de dano ao dispor em

seu artigo 944 que ldquoa indenizaccedilatildeo mede-se pela extensatildeo do danordquo 432

Opcit p 310 433

Ibidem mesma paacutegina

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

259

evidentemente preferiacutevel que isso seja feito ao inveacutes de se compensar a perda ambiental

com dinheiro

Por isso a reparaccedilatildeo do dano ambiental deve em primeiro lugar dar-se in natura com

a recomposiccedilatildeo do ambiente danificado ao estado anterior Para tanto deve o poluidor

adotar medidas e procedimentos para restabelecer os serviccedilos ecossistecircmicos a

qualidade e o equiliacutebrio ambiental o valor cultural-histoacuterico-paisagiacutestico que existiam

antes da causaccedilatildeo do dano Deve por exemplo restaurar a Aacuterea de Preservaccedilatildeo

Permanente ilegalmente desmatada ou despoluir o rio contaminado com efluentes

industriais

Somente em caso de impossibilidade teacutecnica ou social de reparaccedilatildeo in natura eacute que se

buscaraacute uma medida compensatoacuteria que possa reequilibrar a situaccedilatildeo das viacutetimas seja

mediante a execuccedilatildeo de projeto accedilatildeo ou intervenccedilatildeo que proporcione um benefiacutecio

ambiental equivalente ao perdido (reparaccedilatildeo por equivalente) seja mediante o

pagamento de um valor em dinheiro (indenizaccedilatildeo) que seraacute destinado a fundo de defesa

de direitos difusos nos termos do art 13 da Lei 73471985 ndash Lei da Accedilatildeo Civil

Puacuteblica434

e posteriormente aplicado em atividades de promoccedilatildeo e defesa de interesse

da coletividade nos termos da Lei 90081995

Como bem pontuado por Joseacute Rubens Morato Leite e Patrick de Arauacutejo Ayala ldquosempre

que natildeo for possiacutevel reabilitar o bem ambiental lesado deve-se proceder a sua

substituiccedilatildeo por outro funcionalmente equivalente ou aplicar a sanccedilatildeo monetaacuteria com o

mesmo fim de substituiccedilatildeordquo435

Dito isso vecirc-se que ao poluidor natildeo eacute dada a livre escolha entre reparar in natura ou

indenizar os danos causados A reparaccedilatildeo in natura eacute a regra a indenizaccedilatildeo a exceccedilatildeo

por isso tem esta um caraacuteter subsidiaacuterio Nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago

Fensterseifer a reparaccedilatildeo da Natureza de forma mais integral possiacutevel no local do dano

eacute o primeiro passo que deve ser tentado na reparaccedilatildeo civil do dano ecoloacutegico dado que

ldquoa salvaguarda da integridade ecologica e dos processos ecologicos

essenciais (art 225 sect1ordm I da CF1988) depende de tal priorizaccedilatildeo sob pena

de a ampliaccedilatildeo de aacutereas degradadas impactar de forma cada vez mais

progressiva o equiliacutebrio ecoloacutegico essencial agrave proteccedilatildeo das espeacutecies da flora e

da fauna e do ecossistema no seu conjunto Somente diante da

impossibilidade de reestabelecer o estado ambiental anterior no local do dano

eacute que outras medidas compensatorias devem ser aventadasrdquo436

Confirmando esse entendimento Danny Monteiro da Silva afirma

ldquoA subsidiariedade da compensaccedilatildeo pecuniaria assenta-se no fato de que o

objetivo essencial da tutela ambiental eacute garantir primordialmente a fruiccedilatildeo

do bem ambiental Por esse motivo a restauraccedilatildeo natural seraacute sempre

adotada como forma prioritaacuteria dentro das possibilidades faacuteticas teacutecnicas e

434

ldquoArt 13 Lei 73471985 Havendo condenaccedilatildeo em dinheiro a indenizaccedilatildeo pelo dano causado

reverteraacute a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participaratildeo

necessariamente o Ministeacuterio Puacuteblico e representantes da comunidade sendo seus recursos destinados agrave

reconstituiccedilatildeo dos bens lesadosrdquo 435

Opcit p 223 436

Opcit p 509

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

260

cientiacuteficas para reparaccedilatildeo do dano mesmo que se configure no caso

concreto a forma mais onerosa de reparaccedilatildeordquo 437

Isto posto nunca se optaraacute pela indenizaccedilatildeo em sendo possiacutevel a reparaccedilatildeo in natura

Por conta da mencionada subsidiariedade da indenizaccedilatildeo frente agrave reparaccedilatildeo in natura

emerge a seguinte duacutevida podem ambas as formas de reparaccedilatildeo ser exigidas

cumulativamente com relaccedilatildeo ao mesmo dano

Em nosso sentir a efetiva reparaccedilatildeo in natura dispensa o pagamento de indenizaccedilatildeo

pelo mesmo dano Afinal se a reparaccedilatildeo in natura for suficiente para apagar os efeitos

da lesatildeo restabelecendo os serviccedilos ecossistecircmicos a qualidade e o equiliacutebrio

ambiental o valor cultural-histoacuterico-paisagiacutestico perdidos natildeo haacute justa causa para exigir

uma indenizaccedilatildeo tendo como fundamento o mesmo dano que jaacute foi reparado e cujas

consequecircncias prejudiciais foram extirpadas438

Contudo haacute situaccedilotildees especiacuteficas que justificam a cumulaccedilatildeo de reparaccedilatildeo in natura

com indenizaccedilatildeo a saber (i) restauraccedilatildeo parcial do ambiente lesado (ii) danos

ambientais interinos

A cumulaccedilatildeo pode ocorrer se parte do dano for passiacutevel de recomposiccedilatildeo e parte natildeo ndash

caso em que a parte impassiacutevel de recomposiccedilatildeo seraacute convertida em indenizaccedilatildeo Eacute o

caso vg da poluiccedilatildeo de um rio que ocasiona a morte de peixes e outros organismos da

fauna ictioloacutegica O rio pode ser despoluiacutedo e o ecossistema aquaacutetico recuperado Poreacutem

se alguma espeacutecie ameaccedilada de extinccedilatildeo for dizimada nesse episoacutedio causando a sua

efetiva extinccedilatildeo natildeo seraacute possiacutevel reparar esse dano in natura Restaraacute entatildeo exigir do

poluidor uma compensaccedilatildeo natural ou pecuniaacuteria439

A cumulaccedilatildeo pode tambeacutem ocorrer se restar demonstrada a existecircncia de danos

interinos ou seja danos produzidos entre a data da agressatildeo ambiental e a data da

efetiva recomposiccedilatildeo do ambiente lesado A reparaccedilatildeo in natura natildeo apaga os efeitos

deleteacuterios do dano ambiental produzidos nesse interregno Como a coletividade ficou

437

Dano ambiental e sua reparaccedilatildeo p 214 438

Nesse sentido TJSP ndash 2ordf Cacircmara Reservada ao Meio Ambiente Apelaccedilatildeo 0000368-

7120068260075 Rel Des Paulo Alcides j 14092017 439

ldquoPROCESSO CIVIL DIREITO AMBIENTAL ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA PARA TUTELA DO

MEIO AMBIENTE OBRIGACcedilOtildeES DE FAZER DE NAtildeO FAZER E DE PAGAR QUANTIA

POSSIBILIDADE DE CUMULACcedilAtildeO DE PEDIDOS ART 3o DA LEI 734785 INTERPRETACcedilAtildeO

SISTEMAacuteTICA ART 225 sect 3o DA CF88 ARTS 2o E 4o DA LEI 693881 ART 25 IV DA LEI

862593 E ART 83 DO CDC PRINCIacutePIOS DA PREVENCcedilAtildeO DO POLUIDOR-PAGADOR E DA

REPARACcedilAtildeO INTEGRAL

[]

3 Deveras decorrem para os destinataacuterios (Estado e comunidade) deveres e obrigaccedilotildees de variada

natureza comportando prestaccedilotildees pessoais positivas e negativas (fazer e natildeo fazer) bem como de pagar

quantia (indenizaccedilatildeo dos danos insuscetiacuteveis de recomposiccedilatildeo in natura) prestaccedilotildees essas que natildeo se

excluem mas pelo contrario se cumulam se for o casordquo (STJ ndash Primeira Turma REsp 625249PR Rel

Min Luiz Fux j 15082006) No mesmo sentido STJ ndash Segunda Turma REsp 1255127MG Rel Min

Herman Benjamin j 18082016

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

261

privada de usufruir da qualidade ambiental por este periacuteodo faz jus segundo vem

defendendo a doutrina440

e a jurisprudecircncia441

agrave indenizaccedilatildeo pelos danos interinos

Os danos interinos decorrem portanto da violaccedilatildeo ldquotemporariardquo do direito

fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ndash a violaccedilatildeo do direito cessa

quando o ambiente eacute restaurado ou recuperado e volta a cumprir suas funccedilotildees

ambientais

Frise-se por necessaacuterio que os danos interinos tambeacutem satildeo danos extrapatrimoniais

devendo a sua valoraccedilatildeo seguir os mesmos criteacuterios de arbitramento do dano ambiental

extrapatrimonial abordados neste trabalho

Fora das duas hipoacuteteses acima destacadas a exigecircncia concomitante de reparaccedilatildeo in

natura e indenizaccedilatildeo implicaraacute bis in idem haja vista que o mesmo dano seraacute reparado

duas vezes442

5 VALORACcedilAtildeO DO DANO AMBIENTAL

A reparaccedilatildeo do dano ambiental in natura se daacute mediante uma ou mais obrigaccedilotildees de

fazer executadas por e agraves expensas do poluidor Tais obrigaccedilotildees natildeo satildeo determinadas

nem estatildeo limitadas pelo valor a ser despendido na recomposiccedilatildeo mas sim pelas accedilotildees

que se mostram necessaacuterias ao restabelecimento o mais proacuteximo possiacutevel da situaccedilatildeo

anterior Em outras palavras mais importa a eficiecircncia e a aptidatildeo do projeto teacutecnico

que seraacute executado do que o montante que nele seraacute investido

Agrave vista disso sendo possiacutevel a reparaccedilatildeo in natura natildeo seratildeo necessaacuterios caacutelculos

aritmeacuteticos para se apurar o valor da indenizaccedilatildeo mas por outro lado seratildeo necessaacuterios

440

MIRRA Aacutelvaro Luiz Valery Opcit p 98 SILVA Danny Monteiro da Opcit p 131 (este autor se

refere ao dano interino como dano social vinculado ao meio ambiente acentuando que ldquose a

recomposiccedilatildeo integral do equiliacutebrio ecoloacutegico com o retorno agrave situaccedilatildeo anterior ao dano demandar um

lapso temporal prolongado a coletividade tem o direito de ser indenizada pelo periacuteodo de tempo que

transcorrer entre a ocorrecircncia do dano e a integral recomposiccedilatildeo da situaccedilatildeo anterior de equiliacutebrio

ecologico e fruiccedilatildeo do bem ambiental atingidordquo) 441

ldquoPROCESSUAL CIVIL ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA DANO AMBIENTAL POSSIBILIDADE DE

CUMULACcedilAtildeO DE OBRIGACcedilAtildeO DE FAZER (REPARACcedilAtildeO DA AacuteREA DEGRADADA) E DE

PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZACcedilAtildeO)

1 A jurisprudecircncia do STJ estaacute firmada no sentido de que a necessidade de reparaccedilatildeo integral da lesatildeo

causada ao meio ambiente permite a cumulaccedilatildeo de obrigaccedilotildees de fazer e indenizar 2 Com efeito a

cumulaccedilatildeo de obrigaccedilatildeo de fazer natildeo fazer e pagar natildeo configura bis in idem porquanto a indenizaccedilatildeo

natildeo eacute para o dano especificamente jaacute reparado mas para os seus efeitos remanescentes reflexos ou

transitoacuterios com destaque para a privaccedilatildeo temporaacuteria da fruiccedilatildeo do bem de uso comum do povo

ateacute sua efetiva e completa recomposiccedilatildeo assim como o retorno ao patrimocircnio puacuteblico dos benefiacutecios

econocircmicos ilegalmente auferidos 3 Agravo Interno natildeo provido (STJ ndash Segunda Turma AgInt no

REsp 1770219MG Rel Min Herman Benjamin j 23052019) 442

Temos observado que em algumas accedilotildees civis puacuteblicas ambientais tem-se pedido a reparaccedilatildeo in natura

cumulada com indenizaccedilatildeo por dano moral coletivo Natildeo nos parece adequada esta cumulaccedilatildeo pois a

reparaccedilatildeo in natura visa justamente reparar o dano moral coletivo (ou dano extrapatrimonial) causado

pela atividade poluidora Se o dano moral coletivo eacute grosso modo a perda da qualidade ambiental e a

reparaccedilatildeo in natura restabelece a qualidade ambiental perdida eacute de se concluir que reparado estaacute o dano

moral coletivo ndash a natildeo ser que exista um outro dano moral coletivo de caraacuteter natildeo ambiental poreacutem

originado do dano ambiental (dano por intermeacutedio do meio ambiente)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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estudos teacutecnicos que indiquem a forma mais adequada e eficiente de restauraccedilatildeo

ambiental sempre visando a reparaccedilatildeo integral do dano

Quando a reparaccedilatildeo do dano ambiental se daacute mediante indenizaccedilatildeo (aqui incluiacuteda a

indenizaccedilatildeo por danos interinos) o foco passa a ser a obrigaccedilatildeo de pagar de sorte que

o valor da obrigaccedilatildeo assume uma importacircncia que natildeo se verifica na reparaccedilatildeo in

natura

Apurar o valor da indenizaccedilatildeo ambiental eacute sempre um grande desafio especialmente se

estivermos a tratar de danos extrapatrimoniais Como pondera Joseacute de Aguiar Dias em

caso de dano patrimonial ldquoou se restaura a situaccedilatildeo anterior ou se integra o patrimocircnio

mediante o equivalente pecuniaacuterio do desfalque intervindo ademais os juros de mora

para ajustar a compensaccedilatildeo a maior ou menor duraccedilatildeo do danordquo443

Jaacute em caso de danos

natildeo patrimoniais ldquotodas as dificuldades se acumulam dada a diversidade dos prejuizos

que envolvem e que de comum soacute tecircm a caracteriacutestica negativa de natildeo serem

patrimoniaisrdquo444

Sendo o dano de caraacuteter patrimonial em homenagem ao princiacutepio da reparaccedilatildeo integral

o valor da indenizaccedilatildeo seraacute proporcional agrave perda econocircmica atendendo ao quanto

disposto no art 944 do Codigo Civil segundo o qual ldquoa indenizaccedilatildeo mede-se pela

extensatildeo do danordquo Eacute bem verdade que a valoraccedilatildeo da perda econocircmica ambiental eacute

tarefa bem mais complexa do que a valoraccedilatildeo dos danos patrimoniais em geral que se

evidenciam de forma mais objetiva e visiacutevel Na aacuterea ambiental haacute diversas

metodologias e calculos para se encontrar o ldquovalor econocircmico da naturezardquo ndash ou quanto

o dano ambiental representa em termos de perdas financeiras para a sociedade ndash que

auxiliam o magistrado na busca do justo quantum indenizatoacuterio

Mas quando o dano eacute de caraacuteter extrapatrimonial associado agrave perda da qualidade

ambiental que compromete o patrimocircnio ideal da coletividade natildeo eacute possiacutevel aplicar

um criteacuterio objetivo e uacutenico devendo o magistrado ndash a quem cabe a aacuterdua tarefa de

arbitrar o valor da reparaccedilatildeo dos danos extrapatrimoniais - lanccedilar matildeo de criteacuterios

variados para chegar ao quantum adequado

Por serem insuscetiacuteveis de avaliaccedilatildeo econocircmica os danos extrapatrimoniais satildeo de

difiacutecil valoraccedilatildeo ndash e tal dificuldade eacute verificada em todo e qualquer dano

extrapatrimonial natildeo soacute no dano ambiental

Antonio Jeovaacute Santos observa que o dano extrapatrimonial eacute incomensuraacutevel pois natildeo

haacute como fixar em dinheiro o que natildeo tem traduccedilatildeo pecuniaacuteria445

Por isso defende que a

reparaccedilatildeo por dano moral tem uma funccedilatildeo mais de satisfaccedilatildeo do que reparatoacuteria visto

que o dinheiro pago agrave viacutetima natildeo serve para apagar ou borrar o dano causado446

ldquoO montante que serve ao ressarcimento do dano moral situa-se no plano

satisfativo A viacutetima receberaacute uma quantia com o intuito de que o emprego do

443

Opcit p 839 444

Ibidem mesma paacutegina 445

Dano moral indenizaacutevel p 193 446

Opcit p 191 Complementa o autor ldquoO mal perdura ainda que o dinheiro recebido seja suficiente

para aquisiccedilatildeo de bens materiais que podem trazer algum conforto para o ofendidordquo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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dinheiro possa proporcionar alguma satisfaccedilatildeo que mitigue de algum modo

a dor causada pelo ato ilicito contra ela cometidordquo447

Ainda assim natildeo se pode fugir do difiacutecil trabalho de quantificar os danos morais sob

pena de deixar as viacutetimas desamparadas sem uma compensaccedilatildeo que minimamente as

satisfaccedila de forma a contrabalanccedilar as perdas sofridas aleacutem de apaziguar a ldquorevolta

pessoal e social de quem sofre ofensas dessa naturezardquo448

(afinal enquanto a viacutetima do

dano patrimonial pode ter o seu patrimocircnio recomposto com a extinccedilatildeo de qualquer

rastro do dano outrora causado a viacutetima do dano extrapatrimonial muito provavelmente

teraacute que conviver com os efeitos duradouros da perda que natildeo seratildeo apagados com a

indenizaccedilatildeo Natural entatildeo que a primeira se conforme mais raacutepida e facilmente agrave

situaccedilatildeo)

Mas jaacute se sabe de antematildeo que dificilmente haveraacute uma plena correspondecircncia entre o

dano e a indenizaccedilatildeo o que nos induz agrave conclusatildeo de que o princiacutepio da reparaccedilatildeo

integral natildeo eacute plenamente aplicaacutevel ao dano moral - afinal como se garantir reparaccedilatildeo

integral se esta depende de uma indenizaccedilatildeo que corresponda agrave extensatildeo do dano e no

caso do dano extrapatrimonial natildeo haacute como estipular uma proporccedilatildeo entre lesatildeo e

reparaccedilatildeo ante o valor inestimaacutevel do bem perdido

Por essa razatildeo eacute que Andreacute Gustavo Correcirca de Andrade professa que a tradicional regra

de que a indenizaccedilatildeo se mede pela extensatildeo do dano (art 944 Coacutedigo Civil) ndash a qual

serve de fundamento ao princiacutepio da reparaccedilatildeo integral - eacute ldquoaplicavel exclusivamente ao

dano material uma vez que o dano moral natildeo tem como ser economicamente

mensuradordquo449

Sem destoar Judith Martins-Costa e Mariana Souza Pargendler tambeacutem

sustentam que a regra da simetria do art 944 caput do Coacutedigo Civil incide soacute em

danos patrimoniais ldquopois natildeo ha como mensurar monetariamente a lsquoextensatildeorsquo do dano

extrapatrimonial nesse caso o que cabe eacute uma ponderaccedilatildeo axioloacutegica traduzida em

valores monetariosrdquo450

Importante frisar que a inaplicabilidade do princiacutepio da reparaccedilatildeo integral ao dano

extrapatrimonial se verifica somente com relaccedilatildeo agrave compensaccedilatildeo pecuniaacuteria (inclusive

o art944 do Codigo Civil se refere apenas a ldquoindenizaccedilatildeordquo) natildeo com relaccedilatildeo a

reparaccedilatildeo in natura Esta deveraacute ser completa e cobrir toda a extensatildeo do dano pois haacute

condiccedilotildees teacutecnicas para tanto Via de consequecircncia apenas os danos extrapatrimoniais

sujeitos agrave reparaccedilatildeo pecuniaacuteria eacute que ficam ao desabrigo do princiacutepio da reparaccedilatildeo

integral pela impossibilidade de traduzir em nuacutemeros a extensatildeo do dano

No caso do dano extrapatrimonial ambiental sujeito agrave reparaccedilatildeo in natura para se obter

a reparaccedilatildeo integral basta que se verifique a extensatildeo do dano e quais medidas e

procedimentos devem ser executados para restabelecer a situaccedilatildeo anterior com a maior

fidelidade possiacutevel Jaacute no caso do dano extrapatrimonial ambiental sujeito agrave

compensaccedilatildeo pecuniaacuteria como se obter a reparaccedilatildeo integral se natildeo haacute um valor

indenizatoacuterio que nos permita dizer que a lesatildeo foi integralmente reparada Natildeo haacute

paracircmetro para responder tal pergunta Portanto para se entender como razoaacutevel o valor

arbitrado seraacute preciso conjugar diversos criteacuterios ligados ao ofensor agraves viacutetimas e ao

447

Opcit p 192 448

REIS Clayton Opcit p 163 449

Indenizaccedilatildeo punitiva p 148 450

Usos e abusos da funccedilatildeo punitiva (punitives damages e o direito brasileiro) p 22

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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dano ambiental em si que podem aumentar ou reduzir a indenizaccedilatildeo e resultar numa

resposta satisfatoacuteria e adequada a todos

Conforme Seacutergio Severo pelo fato dos danos extrapatrimoniais lesarem interesses sem

conteuacutedo econocircmico devem eles ser aferidos ldquode uma forma aproximada atraveacutes do

maior nuacutemero de criteacuterios que auxiliem na busca do quantum satisfatoriordquo 451

ndash e o autor

natildeo estaacute se referindo apenas aos criteacuterios reparatoacuterios mas tambeacutem aos criteacuterios

preventivos-punitivos que desviam o olhar da viacutetima para o ofensor e fazem brotar a

funccedilatildeo dissuasoacuteria da responsabilidade civil de forma complementar ou acessoacuteria a sua

funccedilatildeo compensatoacuteria

Flaacutevio Tartuce informa que os cinco paracircmetros usualmente utilizados pela doutrina e

jurisprudecircncia do STJ para apuraccedilatildeo do valor do dano moral satildeo a) a extensatildeo do dano

b) o grau de culpa do agente e a contribuiccedilatildeo causal da viacutetima c) as condiccedilotildees

socioeconocircmicas culturais e ateacute psicoloacutegicas dos envolvidos d) o caraacuteter pedagoacutegico

educativo de desestiacutemulo ou ateacute punitivo da indenizaccedilatildeo e) a vedaccedilatildeo do

enriquecimento sem causa da viacutetima e da ruiacutena do ofensor452

Nota-se claramente o

misto de criteacuterios compensatoacuterios com criteacuterios punitivos- pedagoacutegicos-preventivos

reforccedilando que hodiernamente a responsabilidade civil por dano extrapatrimonial

ultrapassa a funccedilatildeo meramente compensatoacuteria Necessaacuterio se faz entatildeo tratar da

indenizaccedilatildeo ambiental com caraacuteter punitivo

51 INDENIZACcedilAtildeO PUNITIVA (PUNITIVE DAMAGES) E CARAacuteTER

PUNITIVO DA INDENIZACcedilAtildeO

Mesmo natildeo sendo possiacutevel garantir perfeita correspondecircncia entre a compensaccedilatildeo

pecuniaacuteria e o dano extrapatrimonial natildeo haacute duacutevidas que a indenizaccedilatildeo do dano moral

tem funccedilatildeo compensatoacuteria ou satisfatoacuteria Ainda que a indenizaccedilatildeo natildeo tenha o condatildeo

de recompor o bem sacrificado o valor destinado agrave viacutetima lhe daacute condiccedilotildees de obter

outros benefiacutecios de seu interesse que auxiliam a satisfaccedilatildeo de valores materiais e

imateriais relevantes para ela e minimizam dentro do possiacutevel os efeitos da perda No

caso do dano ambiental a satisfaccedilatildeo promovida pela indenizaccedilatildeo eacute a recomposiccedilatildeo e

proteccedilatildeo de outros bens difusos preferencialmente ambientais ou desenvolvimento de

projetos e atividades que promovam benefiacutecios ambientais para a coletividade453

Mas como visto tem-se atribuiacutedo agrave indenizaccedilatildeo pelo dano moral uma segunda funccedilatildeo

a dissuasoacuteria que busca desestimular a adoccedilatildeo das condutas lesivas agregando-se agrave

indenizaccedilatildeo compensatoacuteria um valor adicional estabelecido de forma proporcional agrave

censurabilidade da condutaatividade do ofensor (e natildeo de forma proporcional ao dano)

Tal qual a pena aplicada ao crime e a sanccedilatildeo administrativa aplicada agrave infraccedilatildeo

administrativa que tecircm a finalidade de prevenccedilatildeo geral e especial a indenizaccedilatildeo

punitiva pode fazer com que o autor do dano e potenciais ofensores tocados pelo

exemplo evitem condutas e atividades que vatildeo lhes trazer duras consequecircncias

451

Opcit p 190 452

Opcit p 475-476 453

Cf Lei 90081995 cc Decreto 13061994

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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No afatilde de permear a responsabilidade civil com a funccedilatildeo punitiva-dissuasoacuteria tem-se

discutido se no Brasil eacute possiacutevel na composiccedilatildeo do valor da reparaccedilatildeo do dano moral

seja ele individual seja ele coletivo a utilizaccedilatildeo da teoria dos punitive damages

originada no direito anglo-saxatildeo e consagrada no direito norte-americano que nos

dizeres de Anderson Schreiber constituem ldquouma indenizaccedilatildeo adicional assegurada a

viacutetima com a finalidade de punir o ofensor e natildeo simplesmente de compensar os danos

sofridosrdquo454

Nelson Rosenvald um dos grandes defensores da aplicaccedilatildeo da teoria no Brasil acentua

que nos tempos atuais ldquoa adoccedilatildeo da pena no direito privado eacute uma exigecircncia de

integraccedilatildeo ao sistema de uma tutela efetiva para aqueles casos em que o ressarcimento

pelo equivalente ou em forma especiacutefica mostre-se pouco idocircneo para prevenir

determinadas formas de ilicitos civisrdquo455

O doutrinador emenda que se a retribuiccedilatildeo do

sistema for inferior ao proveito auferido pelo iliacutecito ou ficar limitada aos prejuiacutezos

causados e nada mais o ordenamento juriacutedico natildeo ofereceraacute razotildees suficientes para que

algueacutem se abstenha de incorrer em inadimplemento ou de se converter em agente de um

iliacutecito456

Na mesma direccedilatildeo Andreacute Gustavo Correcirca de Andrade vislumbra uma crise no

paradigma exclusivamente reparatoacuterio da responsabilidade civil que reclama que o

operador do direito supere o modelo tradicional redimensionando a responsabilidade

civil sem por oacutebvio abandonar a ideia da reparaccedilatildeo

ldquoO lsquoparadigma reparatoriorsquo calcado na teoria de que a funccedilatildeo da

responsabilidade civil eacute exclusivamente a de reparar o dano tem-se

mostrado ineficaz em diversas situaccedilotildees conflituosas nas quais a reparaccedilatildeo

do dano eacute impossiacutevel ou natildeo constitui resposta juriacutedica satisfatoacuteria como se

daacute por exemplo quando o ofensor obteacutem benefiacutecio econocircmico com o ato

iliacutecito praticado mesmo depois de pagas as indenizaccedilotildees pertinentes de

natureza reparatoacuteria eou compensatoacuteria ou quando o ofensor se mostra

indiferente agrave sanccedilatildeo reparatoacuteria vista entatildeo como um preccedilo que ele se

propotildee a pagar para cometer o ilicito ou persistir na sua praticardquo457

Na origem os punitive damages constituem um valor autocircnomo e agrave parte do valor da

compensaccedilatildeo financeira cuja aplicaccedilatildeo natildeo tem o propoacutesito de satisfazer a viacutetima mas

sim de dissuadir o autor do dano por meio de uma ldquoreprimendardquo de carater patrimonial

Tecircm portanto a natureza de pena civil sendo aplicaacuteveis ao causador de dano

patrimonial ou extrapatrimonial458

quando sua conduta for revestida de significativa

reprovabilidade459

454

Novos paradigmas da responsabilidade civil da erosatildeo dos filtros da reparaccedilatildeo agrave diluiccedilatildeo dos danos p

211 455

Opcit p 46 456

Opcit p 47 457

Opcit p 136 458

Cf ROSENVALD Nelson Ob Cit p 229 459

ldquoOs punitive damages constituem uma soma de valor variaacutevel estabelecida em separado dos

compensatory damages quando o dano eacute decorrecircncia de um comportamento lesivo marcado por grave

negligecircncia maliacutecia ou opressatildeo Se a conduta do agente embora culposa natildeo eacute especialmente

reprovaacutevel a imposiccedilatildeo dos punitive damages mostra-se impropriardquo (ANDRADE Andreacute Gustavo

Correcirca de Opcit p 139)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Por configurar uma pena este tipo de sanccedilatildeo natildeo deve ser aplicado salvo mediante

permissivo legal 460

Permissivo este que natildeo existe no Brasil o que impossibilita a

adoccedilatildeo da teoria no paiacutes461

em sua forma genuiacutena462

Apesar disso tem-se observado cada vez mais vozes doutrinaacuterias e jurisprudenciais

defendendo e aplicando a teoria de uma forma proacutepria ou adaptada no que se

convencionou chamar de teoria do valor do desestiacutemulo Referida teoria tal como

praticada em acircmbito nacional natildeo impotildee ao ofensor uma pena civil autocircnoma mas usa

o grau de culpa do agressor a gravidade da sua conduta a sua capacidade econocircmica e

ateacute mesmo o benefiacutecio por ele auferido com a praacutetica lesiva na fixaccedilatildeo do valor da

indenizaccedilatildeo do dano extrapatrimonial Dessa forma quanto mais reprovaacutevel a postura

do ofensor mais se exigiraacute dele em termos pecuniaacuterios para fazer frente agraves

consequecircncias nefastas dos seus atos

Com efeito a incorporaccedilatildeo de variaacuteveis relacionadas agrave postura do ofensor no processo

de apuraccedilatildeo da indenizaccedilatildeo natildeo reflete com absoluta fidelidade a teoria dos punitive

damages como bem acentuado por Nelson Rosenvald

ldquoEacute preciso distinguir (i) uma coisa eacute arbitrar-se a indenizaccedilatildeo pelo dano

moral que fundada em criteacuterios de ponderaccedilatildeo axioloacutegica tenha caraacuteter

compensatoacuterio agrave viacutetima levando-se em consideraccedilatildeo - para a fixaccedilatildeo do

montante - a concreta posiccedilatildeo da viacutetima a espeacutecie do prejuiacutezo causado e

inclusive a conveniecircncia de dissuadir o ofensor em certos casos podendo

mesmo ser uma indenizaccedilatildeo ldquoaltardquo (desde que guarde proporcionalidade

axiologicamente estimada ao dano causado) (ii) outra coisa eacute adotar-se a

doutrina dos punitive damages que passando ao largo da noccedilatildeo de

compensaccedilatildeo significa efetivamente - e exclusivamente - a imposiccedilatildeo de

uma pena com base na conduta altamente reprovaacutevel (dolosa ou gravemente

culposa) do ofensor como eacute proprio do direito punitivordquo463

Para Anderson Schreiber o que se vecirc no paiacutes eacute a aplicaccedilatildeo anocircmala da teoria dos

punitive damages ldquona qual os punitive damages natildeo vecircm admitidos como parcela

adicional de indenizaccedilatildeo mas aparecem embutidos na proacutepria compensaccedilatildeo do dano

moralrdquo464

O autor confirma sua tese ao apontar que as cortes brasileiras tecircm chancelado

o duplo caraacuteter compensatoacuterio e dissuasoacuterio da reparaccedilatildeo do dano moral aplicando na

sua quantificaccedilatildeo criteacuterios deliberadamente punitivos visto que dos quatros criteacuterios

usualmente adotados dois visam punir mais do que reparar (i) gravidade do dano (ii)

460

Nelson Rosenvald nota que atualmente impera o vazio legislativo quanto agrave pena civil e arremata

diante do fato da sanccedilatildeo punitiva constituir uma sanccedilatildeo de natureza e funccedilatildeo penal - apesar de

formalmente civil - que persegue finalidades de prevenccedilatildeo geral e especial ldquoComo atributo do principio

da legalidade a noccedilatildeo de tipicidade assume um papel sistemaacutetico no sentido de que a sanccedilatildeo privada de

finalidade preventiva e repressiva que comporta deveres de caraacuteter geral endereccedilados agrave coletividade

deve ser prevista por uma regra uma norma que consiga portar o maximo de especificidaderdquo (Opcit p

267-268) 461

O art 5ordm XXXIX da Constituiccedilatildeo Federal dispotildee que ldquonatildeo ha crime sem lei anterior que o defina nem

pena sem preacutevia cominaccedilatildeo legalrdquo 462

Discordando dos doutrinadores que rechaccedilam a aplicaccedilatildeo da pena civil em virtude da inexistecircncia de

lei autorizadora nesse sentido Clayton Reis coloca que ldquoo rigor do nulla poena sine lege natildeo se aplica agrave

pena privada pois ela possui natureza civil ancorada em paracircmetros informativos da proacutepria

responsabilidade civil que satildeo desvinculados da responsabilidade penal A pena privada tem natureza e

funccedilatildeo penal perseguindo finalidades de prevenccedilatildeo geral e especial mas o instituto eacute formalmente civil

A noccedilatildeo de tipicidade na esfera civil deve assumir um papel sistematicordquo (Opcit p 170) 463

As funccedilotildees da responsabilidade civil a reparaccedilatildeo e a pena civil p 239 464

Opcit p 211

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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capacidade econocircmica da viacutetima (iii) grau de culpa do ofensor e (iv) capacidade

econocircmica do ofensor465

Antonio Jeovaacute Santos endossa essa forma proacutepria como o paiacutes vem lidando com o

instituto Embora defenda que a indenizaccedilatildeo por dano moral garanta o ressarcimento da

viacutetima e ao mesmo tempo ldquosirva como sanccedilatildeo exemplarrdquo466

de forma a evitar condutas

lesivas do mesmo jaez natildeo propugna que seja estabelecido um valor apartado do

quantum indenizatoacuterio a tiacutetulo de sanccedilatildeo civil como ocorre nos paiacuteses da common

law467

O que o doutrinador admite eacute que o valor da indenizaccedilatildeo considere natildeo apenas

os elementos relacionados ao dano mas tambeacutem os elementos relacionados agrave conduta e

agrave posiccedilatildeo do ofensor tais como a) gravidade da falta b) situaccedilatildeo econocircmica do

ofensor c) benefiacutecios obtidos ou almejados com o iliacutecito d) posiccedilatildeo de mercado o de

maior poder do ofensor e) caraacuteter antissocial da conduta f) finalidade dissuasoacuteria

futura perseguida g) atitude ulterior do ofensor uma vez que a sua falta foi posta a

descoberto h) nuacutemero e niacutevel de empregados comprometidos na grave conduta

reprovaacutevel i) sentimentos feridos da viacutetima468

Dessa forma a indenizaccedilatildeo constituiraacute

um poderoso obstaacuteculo a que o ofensor contumaz continue repetindo praacuteticas danosas

serviraacute para desmantelar e conjurar os benefiacutecios da conduta dolosa e demonstraraacute agraves

viacutetimas que a busca por seus direitos em juiacutezo pode trazer resultados satisfatoacuterios469

Flaacutevio Tartuce segue no mesmo sentido destacando que haacute trecircs correntes sobre a

natureza juriacutedica da indenizaccedilatildeo por danos morais a primeira que defende o caraacuteter

exclusivamente reparatoacuterio da responsabilidade civil a segunda que sustenta o caraacuteter

punitivo da indenizaccedilatildeo com a possibilidade de fixaccedilatildeo de uma indenizaccedilatildeo a mais em

favor da viacutetima aleacutem da indenizaccedilatildeo com fins compensatoacuterios (eacute a teoria dos punitive

damages) e a terceira a qual ele se filia (e noacutes tambeacutem) que advoga a existecircncia na

indenizaccedilatildeo por dano moral de um caraacuteter principal reparatoacuterio e de um caraacuteter

pedagoacutegico ou disciplinador acessoacuterio de sorte a estabelecer um ldquocarater misto na

indenizaccedilatildeo imaterialrdquo470

De nossa parte estamos com os doutrinadores que sustentam a possibilidade de se levar

em conta na fixaccedilatildeo da indenizaccedilatildeo por dano moral criteacuterios que sirvam de

desestiacutemulo ao agressor e a potenciais ofensores aumentando o valor da indenizaccedilatildeo a

partir da observaccedilatildeo da maacute conduta do autor do dano Natildeo uma pena civil autocircnoma

(por falta de previsatildeo legal) mas um valor complementar ao valor principal ndash este sim

estabelecido com base no dano e na violaccedilatildeo do direito da viacutetima Por isso preferimos

nos referir agrave medida em apreccedilo como caraacuteter punitivo da indenizaccedilatildeo ao inveacutes de

indenizaccedilatildeo punitiva ou punitive damages

465

Opcit p 212 466

Opcit p 169 467

ldquoNatildeo se pretende como ocorre nos Estados Unidos que seja arbitrada uma quantia a titulo de

indenizaccedilatildeo e outra separada como se fosse a pena civilrdquo (SANTOS Antonio Jeova Ob Cit p 169) 468

Obcit p 168 469

Sobre esse uacuteltimo aspecto o doutrinador prossegue referindo-se ao caraacuteter punitivo da indenizaccedilatildeo

ldquoAleacutem de desestimular a praxe de continuar com o mesmo comportamento doloso e prejudicial as

viacutetimas confiaratildeo em suas instituiccedilotildees e natildeo deixaratildeo de provocar o oacutergatildeo jurisdicional por temor de que

apoacutes intenso desgaste emocional e econocircmico que uma demanda judicial sempre geram venham a

receber uma importacircncia simboacutelica amesquinhada apequenada e que natildeo serviraacute para nada compensar

enquanto vecirc o seu litigante prosperando agrave custa do mal que inflige a consumidores dando ecircnfase ao fato

de que a culpa lucrativa vale a penardquo (Opcit p 221) 470

Opcit p 464-466

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Embora a lei brasileira natildeo tenha uma norma geral dispondo sobre a utilizaccedilatildeo de

criteacuterios punitivos-dissuasoacuterios na apuraccedilatildeo do valor da indenizaccedilatildeo por dano moral eacute

possiacutevel buscar o fundamento para tanto na proacutepria finalidade da reparaccedilatildeo desta

modalidade de dano Para embasar essa alegaccedilatildeo trazemos o ensinamento de Judith

Martins-Costa e Mariana Souza Pargendler associando o termo ldquosatisfaccedilatildeordquo ndash utilizado

para definir a reparaccedilatildeo por dano moral ndash a duas acepccedilotildees distintas Uma como

expressatildeo correlata ao conceito de compensaccedilatildeo ldquoporeacutem mais adequada ao caso de

dano extrapatrimonial porque ausente neste uacuteltimo o princiacutepio da equivalecircncia entre o

dano e a indenizaccedilatildeo e a possibilidade de restitutio in integrumrdquo471

A outra inspirada

na doutrina desenvolvida no Direito alematildeo tomando a satisfaccedilatildeo em um sentido mais

especifico ldquoque busca assegurar agrave parte lesada uma sensaccedilatildeo de justiccedila por meio de

uma reaccedilatildeo legal ao ilicitordquo472

de sorte que a indenizaccedilatildeo natildeo pode se restringir agrave

extensatildeo do dano devendo levar em consideraccedilatildeo tambeacutem a gravidade do ato e a

condiccedilatildeo econocircmica das partes envolvidas Ora natildeo haacute como a viacutetima do dano

extrapatrimonial irreversiacutevel apaziguar a indignaccedilatildeo ou revolta com a injusticcedila sofrida

em decorrecircncia de um ato altamente reprovaacutevel com uma indenizaccedilatildeo que natildeo puna

exemplarmente a conduta lesiva e natildeo busque evitar a repeticcedilatildeo de condutas

congecircneres Via de consequecircncia temos para noacutes que eacute da proacutepria natureza da

indenizaccedilatildeo por dano moral o caraacuteter punitivo-dissuasoacuterio

Mas haacute outros fundamentos que podem ser agregados ao acima esposado

Flaacutevio Tartuce alicerccedila o caraacuteter pedagoacutegico da indenizaccedilatildeo por dano moral na funccedilatildeo

social da responsabilidade civil

ldquoApesar da falta de previsatildeo legal a respeito do carater educativo ou de

desestiacutemulo pensamos que a motivaccedilatildeo estaacute no princiacutepio da socialidade um

dos regramentos do Coacutedigo Civil de 2002 a gerar o reconhecimento da

funccedilatildeo social da responsabilidade civilrdquo 473

Jaacute Andreacute Gustavo Correcirca de Andrade encontra na Constituiccedilatildeo Federal o embasamento

para a pena civil (o qual com maior razatildeo vale para a funccedilatildeo punitiva-dissuasoacuteria da

indenizaccedilatildeo por dano moral) Na visatildeo do autor o princiacutepio da dignidade humana e os

direitos de personalidade ndash ambos tutelados pela Carta Constitucional ndash devem ser

resguardados por todos os ferramentais disponiacuteveis sendo a indenizaccedilatildeo punitiva um

deles

ldquoCom efeito natildeo eacute possivel em certos casos conferir efetiva proteccedilatildeo a

dignidade humana e aos direitos da personalidade se natildeo atraveacutes da

imposiccedilatildeo de uma sanccedilatildeo que constitua fator de desestiacutemulo ou dissuasatildeo de

condutas semelhantes do ofensor ou de terceiros que pudessem se comportar

de forma igualmente reprovaacutevel Natildeo eacute possiacutevel contar apenas com a lei

penal e com penas puacuteblicas para prevenir a praacutetica de atentados aos direitos

de personalidade A lei tipicamente penal natildeo tem como prever em tipos

delituosos fechados todos os fatos que podem gerar danos injustos razatildeo

pela qual muitas ofensas agrave dignidade humana e a direitos da personalidade

constituem indiferentes penais e por conseguinte escapam do alcance da

justiccedila criminal [] Nesse contexto a indenizaccedilatildeo punitiva constitui

471

Opcit p 28 nota de rodapeacute 472

Ibidem mesma paacutegina 473

Opcit 467

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

269

instrumento indispensaacutevel para a prevenccedilatildeo de danos aos direitos

personalissimosrdquo474

Sustenta ainda em prol da compatibilidade do criteacuterio punitivo-dissuasoacuterio com a

Constituiccedilatildeo que a indenizaccedilatildeo punitiva eacute uma forma de praticar a isonomia jaacute que

permite que diante de danos semelhantes que atingem as viacutetimas na mesma

intensidade mas que tenham sido causados a partir de condutas absolutamente distintas

em termos de reprovabilidade seja aplicada uma medida mais gravosa para aquele que

agiu mais gravemente475

De toda forma mesmo sendo defensaacutevel a aceitaccedilatildeo taacutecita do nosso ordenamento agrave

adoccedilatildeo de criteacuterios punitivos-dissuasoacuterios na apuraccedilatildeo do dano extrapatrimonial como

demonstrado acima eacute certo que com relaccedilatildeo ao dano patrimonial o procedimento

embora igualmente uacutetil e desejaacutevel natildeo seria possiacutevel pois afrontaria o disposto no art

944 caput do Coacutedigo Civil que determina que a indenizaccedilatildeo seja medida pela

extensatildeo do dano ndash o que soacute eacute aplicaacutevel ao dano patrimonial cujo valor pode ser

ldquomedidordquo - bloqueando o uso de criteacuterios inovadores que natildeo visam a gravidade e a

extensatildeo do dano mas ao contraacuterio a gravidade e a reprovabilidade da conduta476

511 INCIDEcircNCIA DOS CRITEacuteRIOS PUNITIVOS-DISSUASOacuteRIOS NA

FIXACcedilAtildeO DA INDENIZACcedilAtildeO DO DANO EXTRAPATRIMONIAL

O fato de ser aceitaacutevel senatildeo desejaacutevel imbuir a indenizaccedilatildeo por dano extrapatrimonial

de um caraacuteter punitivo-pedagoacutegico-preventivo natildeo significa que o valor da indenizaccedilatildeo

seraacute majorado em toda e qualquer hipoacutetese de dano moral Afinal a anaacutelise das

variaacuteveis em apreccedilo pode redundar na constataccedilatildeo de que a condutaatividade natildeo tem a

censurabilidade ensejadora da puniccedilatildeo-prevenccedilatildeo Eacute o caso vg de um ofensor que

tenha causado o dano de forma levemente culposa tenha prontamente prestado agrave viacutetima

todo o auxiacutelio necessaacuterio para minimizar os seus efeitos e aleacutem disso goze de situaccedilatildeo

econocircmica modesta Naturalmente que o dano por ele causado deve ser reparado mas

natildeo necessariamente com valor majorado para fins punitivos e dissuasoacuterios pois a

conduta natildeo eacute merecedora de puniccedilatildeo477

474

Opcit p 148 475

ldquoA imposiccedilatildeo de sanccedilotildees diferenciadas para casos de distinta reprovabilidade nada mais representa que

uma particular aplicaccedilatildeo do princiacutepio constitucional da isonomia que impotildee natildeo apenas tratar igualmente

os iguais mas tambeacutem tratar desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades A imposiccedilatildeo

de indenizaccedilotildees idecircnticas para danos iguais mas causados por condutas tatildeo distanciadas em termos de

reprovabilidade constitui afronta ao princiacutepio constitucional da igualdade e ao senso comum de justiccedilardquo

(Opcit p 155) 476

Na teoria dos punitive damages estatildeo abarcados tanto os danos extrapatrimoniais como os danos

patrimoniais 477

O Tribunal de Justiccedila de Satildeo Paulo reduziu o valor da indenizaccedilatildeo arbitrada pelo magistrado de

primeira instacircncia em caso de dano ambiental decorrente de poluiccedilatildeo sonora por entender que o poluidor

tomou providecircncias eficazes para controle do dano No acoacuterdatildeo restou consignado que o dano natildeo

poderia ser reparado in natura e que por esta razatildeo deveria ser indenizado por forccedila do princiacutepio da

reparaccedilatildeo integral e das funccedilotildees punitivas e pedagoacutegicas cada vez mais admitidas no campo da

responsabilidade civil Mas ldquo[] o valor fixado deva ser mitigado em primeiro lugar porque natildeo houve

por parte do juiacutezo recorrido qualquer fundamentaccedilatildeo para estabelececirc-lo e aleacutem disso em razatildeo da

conduta da apelante que tomou medidas para diminuir o dano como a reduccedilatildeo do nuacutemero de dias em que

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

270

Por isso os defensores da pena civil ou da funccedilatildeo punitiva-dissuasoacuteria da

responsabilidade civil satildeo unacircnimes em afirmar que os criteacuterios punitivos devem incidir

somente diante do alto grau de reprovabilidade da conduta do ofensor a exemplo do

que se verifica na teoria dos punitive damages

Para Clayton Reis ldquoa indenizaccedilatildeo por dano punitivo eacute aplicada quando a vitima sofre

um dano que eacute produzido de maneira intencional maliciosa ou ainda como reflexo de

uma conduta consciente de extrema negligecircncia ou desprezo pelos seus direitos ou

interessesrdquo478

Seacutergio Cavalieri Filho professa que a indenizaccedilatildeo punitiva incide quando o

comportamento do ofensor se revelar grave e altamente reprovavel ldquonatildeo apenas em

funccedilatildeo do elemento subjetivo (dolo culpa grave fraude maliacutecia) mas tambeacutem em razatildeo

da reiteraccedilatildeo da conduta ofensiva e desconsideraccedilatildeo da viacutetima ndash indiferenccedila com a

sauacutede seguranccedila dignidade vulnerabilidade vantagem financeira etcrdquo479

Andreacute Gustavo Correcirca de Andrade arremata que nem toda indenizaccedilatildeo por dano

extrapatrimonial deve estar eivada da funccedilatildeo punitiva haja vista que nem todos os

comportamentos causadores de dano moral satildeo passiveis de puniccedilatildeo ldquosomente aqueles

particularmente reprovaveisrdquo480

Em igual caminho Nelson Rosenvald advoga pela incidecircncia da pena civil em caso de

comportamento doloso ou dotado de culpa grave481

sendo que a natildeo comprovaccedilatildeo do

elemento intencional do agente redundaraacute em reparaccedilatildeo meramente compensatoacuteria

jamais a pena civil Afinal natildeo haacute justificativa para a inibiccedilatildeo de condutas que mesmo

lesivas pertencem agrave natureza humana e podem suceder ateacute mesmo com pessoas

diligentes482

Como em nosso paiacutes a puniccedilatildeo-prevenccedilatildeo natildeo costuma ser aplicada na forma de uma

pena civil mas sim mediante a consideraccedilatildeo de criteacuterios relacionados agrave

condutaatividade do ofensor no arbitramento da indenizaccedilatildeo do dano extrapatrimonial

se faz a descarga de mercadorias a mudanccedila do local onde ela ocorre e a colocaccedilatildeo de placas para

diminuir o ruido a fim de mitigar os incocircmodos causados a vizinhanccedilardquo (TJSP ndash 2ordf Cacircmara Reservada ao

Meio Ambiente Apelaccedilatildeo nordm 0009953-6120118260047 Rel Des Souza Nery j 24102013) 478

Opcit p 172 479

Opcit p 138 480

Opcit p 146 Completa o autor ldquoEacute possivel por exemplo que o dano moral tenha sido causado sem

culpa do agente que todavia responderia por estar inserido em situaccedilatildeo de responsabilidade objetiva Em

uma tal situaccedilatildeo natildeo haacute que cogitar do caraacuteter do caraacuteter punitivo da indenizaccedilatildeo que deve desempenhar

apenas funccedilatildeo compensatoacuteria Do mesmo modo no acircmbito da responsabilidade subjetiva natildeo haacute razatildeo

para atribuir caraacuteter punitivo agrave indenizaccedilatildeo nos casos em que o dano moral foi causado foi causado por

culpa simples do ofensorrdquo (com relaccedilatildeo a incompatibilidade entre a funccedilatildeo punitiva e a responsabilidade

civil objetiva o proacuteprio autor desenvolve adiante em seu texto que os criteacuterios punitivos podem ser

utilizados se comprovada a culpa grave ou o dolo do ofensor) 481

ldquoAssim natildeo nos referimos a qualquer nivel de culpa lato sensu mas o comportamento doloso ou uma

culpa grave que aquele se equipare quando o agente atue contrariamente ao direito mesmo tendo ciecircncia

da nocividade da conduta ou ao contraacuterio deixe de agir nas hipoacuteteses em que o ordenamento demandava

a sua atuaccedilatildeo Cuida-se do ato iliacutecito intencional e malicioso deliberadamente praticado por quem tinha

ciecircncia de seu agir antijuriacutedico e a predisposiccedilatildeo ao desrespeito ao ordenamento juriacutedico

Alternativamente equipara-se ao dolo do ofensor a culpa grave grosseiramente irresponsaacutevel e indicativa

de um aberto menoscabo do agente diante da situaccedilatildeo juriacutedica da viacutetima Em suma desdeacutem quanto ao

compromisso social que deveria seguir mas que ignorardquo (Opcit p 80) 482

Opcit p 81

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

271

questiona-se se somente em caso de dolo ou culpa grave do autor do dano ou de conduta

lesiva reiterada eacute que a indenizaccedilatildeo conteraacute tais elementos punitivos-dissuasoacuterios

Entendemos que sim Para o arbitramento da indenizaccedilatildeo dispotildee o juiz em tese de

criteacuterios pertinentes agrave viacutetima e agrave gravidade e extensatildeo do dano para lhe gerar uma

satisfaccedilatildeo e outros criteacuterios para punir o agente com a finalidade de desincentivaacute-lo a

reincidir e dissuadir terceiros a incorrer na mesma praacutetica Os primeiros seratildeo sempre

utilizados Jaacute para o uso dos segundos o magistrado teraacute antes que verificar se

realmente eacute caso de punir o ofensor Nessa esteira se o agente por exemplo agir com

culpa leve ou leviacutessima a condutaatividade natildeo reclamaraacute puniccedilatildeo somente reparaccedilatildeo

Portanto o valor da indenizaccedilatildeo seraacute pautado somente pelos criteacuterios compensatoacuterios

Mesmo que o ofensor tenha uma situaccedilatildeo econocircmica bastante confortaacutevel natildeo deveraacute o

juiz elevar a indenizaccedilatildeo sob o argumento de que o valor compensatoacuterio eacute baixo e

sendo o autor do dano uma pessoa abastada esse valor natildeo lhe afetaraacute Neste caso o

valor realmente natildeo precisa afetaacute-lo apenas satisfazer a viacutetima

Com relaccedilatildeo ao momento de invocaccedilatildeo dos criteacuterios punitivos-preventivos no

arbitramento da indenizaccedilatildeo Clayton Reis observa que a jurisprudecircncia tem seguido na

fixaccedilatildeo do valor do dano moral o criteacuterio bifaacutesico483

e sugere que passe a secirc-lo por um

criteacuterio trifaacutesico tanto em caso de danos extrapatrimoniais individuais como coletivos

No criteacuterio bifaacutesico tem-se um primeiro momento em que o valor da indenizaccedilatildeo eacute

fixado a partir de precedentes semelhantes do mesmo Tribunal e um segundo momento

em que se avalia as circunstacircncias e peculiaridades da situaccedilatildeo concreta que podem

aumentar ou reduzir o valor paradigmaacutetico

No criteacuterio trifaacutesico proposto por Clayton Reis o terceiro momento seria reservado para

o juiz adicionar as majoraccedilotildees necessaacuterias a atribuir agrave indenizaccedilatildeo o caraacuteter punitivo-

pedagoacutegico-preventivo caso constatado que o ofendido agiu com dolo ou culpa grave a

ponto de merecer a indenizaccedilatildeo punitiva

Antonio Jeovaacute Santos se aproxima dessa proposta ao sugerir que seja adicionada uma

terceira fase ao criteacuterio bifaacutesico da indenizaccedilatildeo para onerar o agressor se demonstrada a

ldquoculpa lucrativardquo Nesta fase o juiz apuraria a culpa lucrativa do empresario que se

verifica quando ldquoa empresa sabe que seus produtos e serviccedilos causam prejuizos mas

depois de realizar caacutelculo estatiacutestico verifica que o custo-benefiacutecio lhe eacute favoraacutevel se

continuar em sua praacutetica iliacutecita Em seus diaboacutelicos caacutelculos jaacute estatildeo previstos que os

danos que deve pagar satildeo infinitamente menores do que os ganhos que obteraacute mesmo

prosseguindo em sua faina ruinosardquo 484

Observa-se assim que o autor propotildee seja

reservada a uma terceira etapa a tarefa de aumentar a indenizaccedilatildeo com fins punitivos-

pedagoacutegicos-preventivos

483

Na Ediccedilatildeo 125 da ldquoJurisprudecircncia em Tesesrdquo do STJ (publicaccedilatildeo periodica que apresenta um conjunto

de teses sobre determinada mateacuteria com os julgados mais recentes do Tribunal sobre a questatildeo) dedicada

ao tema da Responsabilidade civil ndash dano moral tem-se a seguinte tese ldquo1) A fixaccedilatildeo do valor devido a

tiacutetulo de indenizaccedilatildeo por danos morais deve considerar o meacutetodo bifaacutesico que conjuga os criteacuterios da

valorizaccedilatildeo das circunstacircncias do caso e do interesse juriacutedico lesado e minimiza eventual arbitrariedade

ao se adotar criteacuterios unicamente subjetivos do julgador aleacutem de afastar eventual tarifaccedilatildeo do danordquo 484

Opcit p 218

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272

A ideia de se ter uma terceira e especiacutefica etapa para aplicar os aumentos financeiros

com escopo punitivo-dissuasoacuterio estaacute embasada na necessidade de distinguir o que eacute

compensaccedilatildeo do que eacute puniccedilatildeo para que esta uacuteltima mostre para o autor do dano quanto

lhe custou seu comportamento reprovaacutevel e assim seja ele alertado e estimulado a natildeo

mais agir dessa forma Ao se misturar os criteacuterios sem indicar quanto da indenizaccedilatildeo

corresponde agrave puniccedilatildeo enfraquece-se o propoacutesito dissuasoacuterio da responsabilidade civil

ldquoQuando as funccedilotildees compensatoria e punitiva satildeo prontamente dispostas na

mesma foacutermula de condenaccedilatildeo misturando os seus criteacuterios de quantificaccedilatildeo

eacute gerada uma insuficiente ou ateacute mesmo imperceptiacutevel prevenccedilatildeo e puniccedilatildeo

de comportamentos lesivos Explicamos ao ofensor deve ficar claro que

poderia ter arcado com indenizaccedilatildeo inferior caso sua conduta disse distinta

estimulando-o a adotar medidas preventivas com relaccedilatildeo a danos semelhantes

futuros

[]

Desse modo adotamos a ideia de que aferir a maliacutecia ou grave negligecircncia da

conduta do ofensor agraves situaccedilotildees existenciais alheias faz parte de um uacuteltimo

momento no arbitramento somente apoacutes fixado o valor do dano moral na

medida da extensatildeo do dano Sofrido pela viacutetima in casurdquo485

Natildeo nos opomos agrave proposta acima exposta por proporcionar maior clareza e

transparecircncia no uso dos criteacuterios dosadores do quantum indenizatoacuterio mas tambeacutem

natildeo julgamos essencial a sua adoccedilatildeo desde que a decisatildeo judicial no criteacuterio bifaacutesico

deixe absolutamente expliacutecitos todos os aspectos que fizeram a praacutetica lesiva ser

considerada reprovaacutevel e o valor da indenizaccedilatildeo ser elevado Isso porque de fato de

nada adiantaria agravar a indenizaccedilatildeo se o ofensor natildeo pudesse ter a consciecircncia de que

foi sua conduta deploraacutevel que gerou tal agravamento

512 A VEDACcedilAtildeO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DA VIacuteTIMA

Um aspecto que costuma ser levantado para colocar em questionamento a indenizaccedilatildeo

punitiva assim como os elementos punitivos-dissuasoacuterios agregados agrave indenizaccedilatildeo eacute o

fato de se adicionar um valor para a viacutetima aleacutem do dano que ela sofreu - o que para

alguns eacute uma forma de enriquecimento sem causa e portanto afronta ao art 884 do

Coacutedigo Civil486

- e de paralelamente servir de gatilho para demandas friacutevolas movidas

por vitimas que vecircm na indenizaccedilatildeo uma forma ldquofacilrdquo de amealhar recursos (a

chamada induacutestria do dano moral)

No sistema norte-americano dos punitive damages o problema do enriquecimento da

viacutetima eacute solucionado mediante a destinaccedilatildeo de parte do valor da indenizaccedilatildeo punitiva a

terceiros que natildeo a viacutetima Como relata Nelson Rosenvald a evoluccedilatildeo do sistema legal

americano dos punitive damages concretizou paulatinamente uma funccedilatildeo social da pena

485

REIS Clayton Opcit p 224 486

Art 884 Codigo Civil ldquoAquele que sem justa causa se enriquecer agrave custa de outrem seraacute obrigado a

restituir o indevidamente auferido feita a atualizaccedilatildeo dos valores monetariosrdquo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

273

civil ldquopela via de uma distribuiccedilatildeo dos valores da condenaccedilatildeo - parcialmente ao autor

da demanda e parcialmente ao Estado ou a fundos especificosrdquo487

Essa soluccedilatildeo contudo natildeo tem como ser aplicada em nosso paiacutes considerando que natildeo

se impotildee ao ofensor a obrigaccedilatildeo de pagar dois montantes distintos um a tiacutetulo de

reparaccedilatildeo outro a tiacutetulo de puniccedilatildeo O valor da indenizaccedilatildeo eacute uacutenico e mesmo que ele

contenha valores incluiacutedos a tiacutetulo punitivo-pedagoacutegico natildeo haacute como fracionaacute-lo para

estabelecer dois ou mais destinataacuterios Demais disso faltam criteacuterios legais para se

definir um destinataacuterio diverso para tal quantia (Estado Fundos ambientais ou de

direitos difusos Instituiccedilotildees sem fins lucrativos) e a divisatildeo do montante entre a

viacutetima e demais beneficiaacuterios

Disso decorre que eacute a viacutetima que perceberaacute o valor adicionado agrave indenizaccedilatildeo com

finalidade punitiva-pedagoacutegica-preventiva E haacute uma seacuterie de argumentos para justificar

que assim o seja

O primeiro deles eacute o de que existe sim uma causa para o aumento patrimonial da

viacutetima que eacute a decisatildeo judicial que reconhece o dano por ela sofrido e que arbitra o

valor da compensaccedilatildeo combinando criteacuterios relacionados ao dano e criteacuterios

relacionados ao causador do dano Nesse sentido Nelson Rosenvald rebate o argumento

do enriquecimento sem causa da viacutetima justamente pelo fato da indenizaccedilatildeo ser

estabelecida pelo juiz de direito pois em seu sentir ldquonatildeo se pode cogitar de

locupletamento iliacutecito quando o montante destinado agrave viacutetima eacute proveniente de uma

decisatildeo judicial Esta eacute a justa causa de atribuiccedilatildeo patrimonialrdquo488

Jaacute Antonio Jeovaacute Santos concorda que a indenizaccedilatildeo natildeo pode gerar um benefiacutecio

excessivo agrave viacutetima a ponto de significar uma fonte de enriquecimento surgida da

indenizaccedilatildeo Entretanto quando o ofensor lucra com o iliacutecito - caso de culpa lucrativa -

o valor da indenizaccedilatildeo haacute que ser aumentado para que o ressarcimento seja

compensatoacuterio e ao mesmo tempo exemplar ainda que a viacutetima tenha que receber essa

ldquodiferenccedilardquo

ldquoEntre o lucro de quem se propotildee a danar massa enorme de consumidores e a

fixaccedilatildeo de um valor que leve a um pequeno enriquecimento da viacutetima

preferiacutevel este uacuteltimo meacutetodo para dissuadir o agente do iliacutecito a prosseguir

em seu trabalho que resulta danoso mas que acarreta grandes lucros a este

uacuteltimordquo489

Adicionalmente a tais posicionamentos haacute quem considere que eacute justo que a viacutetima

receba o valor compensatoacuterio acrescido do valor punitivo desde que este uacuteltimo natildeo

seja exorbitante baseado no entendimento de que este valor constitui uma espeacutecie de

recompensa ao ofendido que ldquoagiu como porta-voz de um sentimento comum a uma

coletividade de pessoasrdquo490

Eacute certo que a viacutetima defende interesse proacuteprio mas quando

se chega a computar na indenizaccedilatildeo a vertente punitiva-preventiva o efeito dissuasoacuterio

aproveita a toda a coletividade e natildeo apenas agrave viacutetima Pocircde-se dizer entatildeo que a

487

Opcit p 139 488

Opcit p 251 489

Opcit p 222-223 490

ROSENVALD Nelson Obcit p 252

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

274

demanda ajuizada pela viacutetima gera um benefiacutecio indireto a todos Dessa forma receber

um valor a maior pode ser puro merecimento491

Por fim muitos consideram sequer haver enriquecimento sem causa da viacutetima se o valor

arbitrado ainda que a partir de criteacuterios punitivos natildeo for excessivo desproporcional e

desarrazoado Essa visatildeo estaacute refletida em diversas decisotildees judiciais492

que aceitam que

a indenizaccedilatildeo tenha componentes punitivos-preventivos mas nunca em montante

deveras elevado493

No tocante agrave indenizaccedilatildeo por dano extrapatrimonial difuso em que o recurso financeiro

eacute depositado no fundo de defesa dos direitos difusos porque impossiacutevel (e

desnecessaacuterio) determinar as viacutetimas existe a mesma preocupaccedilatildeo de natildeo gerar o

491

Nelson Rosenvald explica que ao levar ao tribunal o autor de um iliacutecito reprovaacutevel - digno de

contenccedilatildeo e reprimenda ndash a vitima ldquoconsumiu o seu tempo as suas energias efetuou despesas processuais

e com profissionais quando muitas vezes os danos patrimoniais individuais eram de pequena monta ou de

difiacutecil comprovaccedilatildeo o que normalmente desestimularia muitos outros ofendidos a ingressar em uma

demanda de resultados imprevisiacuteveis Tal como Robin Hood reivindicou justiccedila em nome proacuteprio e de

outros muitos O interesse do autor da demanda eacute o que concede efetividade a penardquo (Opcit p 252)

Apesar disso o doutrinador natildeo concorda com a destinaccedilatildeo integral dos valores punitivos agrave viacutetima

propondo o fracionamento da condenaccedilatildeo entre o agente e o Estadooacutergatildeos puacuteblicosentidades

beneficentes (Opcit p 253) 492

ldquoPROCESSUAL CIVIL ILEGITIMIDADE ATIVA AFERICcedilAtildeO FATICO-PROBATOacuteRIA

RECURSO ESPECIAL SUacuteMULA 7-STJ CIVIL PUBLICACcedilAtildeO JORNALIacuteSTICA DANOS

MORAIS INDENIZACcedilAtildeO MONTANTE RAZOAacuteVEL REDUCcedilAtildeO IMPOSSIBILIDADE

[]

2 - A indenizaccedilatildeo tem aleacutem do escopo reparatoacuterio a finalidade de desestimular o ofensor a repetir o ato

Entretanto haacute de se pautar pela proporcionalidade levando em conta as peculiaridades da demanda e as

partes envolvidas evitando-se assim o enriquecimento ilicitordquo (STJ ndash Quarta Turma REsp 348388RJ

Rel Min Fernando Gonccedilalves j 07102004) No mesmo sentido STJ ndash Quarta Turma REsp

401358PB Rel Min Carlos Fernando Mathias j 05032009) 493

ldquoPRESTACcedilAtildeO DE SERVICcedilOS TELEFONIA MOacuteVEL INSCRICcedilAtildeO INDEVIDA NO ROL DE

INADIMPLENTES DANOS MORAIS INSCRICcedilAtildeO INDEVIDA REALIZADA PELA REacute DO NOME

DA AUTORA NOS OacuteRGAtildeOS DE PROTECcedilAtildeO AO CREacuteDITO DANO MORAL PRESUMIDO (IN RE

IPSA) NATUREZA COMPENSATOacuteRIA E SANCIONATOacuteRIA (PUNITIVE DAMAGES) DA

INDENIZACcedilAtildeO DANOS MORAIS EXISTEcircNCIA INSCRICcedilAtildeO INDEVIDA DO NOME DA

AUTORA EM CADASTRO DE PROTECcedilAtildeO AO CREacuteDITO GERA DANOS MORAIS OFENSA Agrave

HONRA POR MACULAR O BOM NOME NO MERCADO MAJORACcedilAtildeO DO QUANTUM

INDENIZATOacuteRIO POSSIBILIDADE DE MAJORACcedilAtildeO PARA O MONTANTE DE R$ 1000000

DE ACORDO COM OS PRINCIacutePIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE

OBSERVADAS AS PECULIARIDADES DA LIDE MAJORACcedilAtildeO DOS HONORAacuteRIOS

SUCUMBENCIAIS EM SEDE RECURSAL CABIMENTO NOS TERMOS DO ART 85 sect 11 DO

CPC RECURSO DA REacute NAtildeO PROVIDO E RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO

[]

Para o arbitramento do valor indenizatoacuterio eacute certo que devem ser considerados os princiacutepios da

razoabilidade e proporcionalidade a fim de se atender as funccedilotildees (i) reparatoacuteria e (ii) punitiva do instituto

da responsabilidade civil Ressalve-se ainda que natildeo deve a indenizaccedilatildeo pelo dano moral representar

procedimento de enriquecimento injustificado para aquele que se pretende indenizar jaacute que dessa forma

haveria um desvirtuamento iliacutecito do ordenamento juriacutedico e ao mesmo tempo natildeo pode transparecer

iniquidade ao causador do dano

[]

Portanto a reparaccedilatildeo do dano moral natildeo pode representar procedimento de enriquecimento para aquele

que se pretende indenizar jaacute que dessa forma haveria um desvirtuamento iliacutecito e inconstitucional do

ordenamento juriacutedico atinente agrave responsabilidade civil e por outro lado se o valor indenizatoacuterio for

insignificante natildeo atingiraacute o fim de coibir a praacutetica de conduta iliacutecita como tambeacutem deixaraacute de atender os

fins do instituto da responsabilidade civilrdquo (TJSP - 28ordf Cacircmara de Direito Privado Apelaccedilatildeo nordm 1061356-

7720178260100 Rel Des Berenice Marcondes Cesar j 27022018)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

275

enriquecimento sem causa494

Mas eacute uma preocupaccedilatildeo de menor intensidade haja vista

que a indenizaccedilatildeo por danos difusos eacute revertida a um fundo puacuteblico ndash o FDDD ndash que eacute

justamente um dos destinos sugeridos pelos doutrinadores que temem o enriquecimento

iliacutecito pois toda a sociedade acaba se beneficiando de tais valores natildeo apenas uma

viacutetima individualizada

Cumpre mencionar por fim que o valor indenizatoacuterio em caso de dano difuso costuma

ficar em patamares mais altos jaacute de partida pelo fato deste tipo de dano atingir um

nuacutemero indeterminaacutevel de pessoas o que denota de per si a sua gravidade Mas a

elevaccedilatildeo a esse tiacutetulo natildeo pode ser confundida com enriquecimento sem causa pois a

gravidade do dano e a extensatildeo das viacutetimas sequer guardam relaccedilatildeo com os criteacuterios

punitivos estando atrelados em verdade aos criteacuterios compensatoacuterios (ligados ao dano

natildeo ao ofensor)

52 INDENIZACcedilAtildeO DOS DANOS AMBIENTAIS EXTRAPATRIMONIAIS

COM CARAacuteTER PUNITIVO

A teoria do valor do desestiacutemulo ganha contornos altamente relevantes no Direito

Ambiental dado que como anteriormente mencionado todo dano ambiental tem efeitos

extrapatrimoniais e grande parte dos danos ambientais extrapatrimoniais teraacute que ser

reparada mediante indenizaccedilatildeo se ndash e apenas se - demonstrada a inviabilidade da

reparaccedilatildeo in natura

Annelise Monteiro Steigleder natildeo concorda com a aplicaccedilatildeo da indenizaccedilatildeo punitiva no

acircmbito da responsabilidade civil ambiental sob o argumento de que o art 225 sect3ordm da

Constituiccedilatildeo Federal atribui agrave responsabilidade civil a funccedilatildeo de promover a reparaccedilatildeo

do dano ficando a funccedilatildeo punitiva com o direito penal e com o direito administrativo

sancionador495

Para a autora os criteacuterios para o arbitramento do dano extrapatrimonial

associado ao meio ambiente ldquonatildeo poderatildeo sopesar as circunstacircncias subjetivas

individuais do poluidor tais como a intensidade da culpa ou do dolo os motivos da

infraccedilatildeo suas condiccedilotildees econocircmicas e o lucro obtidordquo496

e sugere como criteacuterios

norteadores do valor da indenizaccedilatildeo intensidade do risco criado e a gravidade do dano

para o ambiente natural e para a sociedade devendo o juiz considerar o tempo durante o

qual a degradaccedilatildeo persistiraacute privando a comunidade da fruiccedilatildeo dos atributos do meio

ambiente ou do bem cultural e avaliando se o dano eacute ou natildeo reversiacutevel e o grau de

proteccedilatildeo juriacutedica atribuiacutedo ao bem ambiental lesado (pex lesatildeo agrave vegetaccedilatildeo de uma

aacuterea de preservaccedilatildeo permanente eacute mais grave do que agraves demais formas de vegetaccedilatildeo

sem especial proteccedilatildeo assim como dano a animais ameaccedilados de extinccedilatildeo eacute mais grave

do que aos demais componentes da fauna)497

494

Annelise Monteiro Steigleder defende que o valor da indenizaccedilatildeo seja proporcional ao dano e jamais

ocasione o enriquecimento da viacutetima acrescentando que essa loacutegica deve ser observada natildeo apenas na

fixaccedilatildeo da indenizaccedilatildeo do dano moral individual mas tambeacutem do difuso ldquoainda que a indenizaccedilatildeo seja

revertida para o Fundo de que trata o art 13 da Lei 734785rdquo (Obcit p 255) 495

Opcit p 253 496

Opcit p 255 497

Ibidem mesma paacutegina

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

276

Aacutelvaro Luiz Valery Mirra pelo contraacuterio sustenta que mesmo natildeo tendo a puniccedilatildeo civil

qualquer relaccedilatildeo direta com o prejuiacutezo podendo acarretar inclusive uma condenaccedilatildeo

que ultrapasse as consequecircncias prejudiciais do fato danoso ela deve ser utilizada no

Direito Ambiental em razatildeo do seu efeito preventivo

ldquo[] a imposiccedilatildeo na condenaccedilatildeo do pagamento de uma quantia em dinheiro

ou de outra providecircncia qualquer a tiacutetulo de valor de desestiacutemulo ou a

determinaccedilatildeo no contexto da reparaccedilatildeo integral do dano ao meio ambiente

da restituiccedilatildeo ao patrimocircnio puacuteblico pelo degradador do proveito econocircmico

por ele obtido com a atividade lesiva satildeo reconhecidamente medidas

inseridas no acircmbito estrito da tutela reparatoacuteria propriamente dita para que a

responsabilidade civil ambiental cumpra suas funccedilotildees acessoacuterias

tradicionalmente aceitas de dissuasatildeo de comportamentos iliacutecitos e de

prevenccedilatildeo particular e geral contra atentados a bens e direitos que

importam agrave vida e agrave dignidade humanasrdquo 498

(gn)

Clayton Reis499

partilha do entendimento de que a indenizaccedilatildeo por danos

extrapatrimoniais ambientais deve se revestir de uma faceta punitiva aleacutem da

compensatoacuteria com o fito de coibir condutas futuras semelhantes

ldquoEssa faceta pedagogica eacute necessaria para que natildeo seja financeiramente

atrativo arcar com o dano ou simplesmente assumir o risco Evidente que as

empresas tomam suas decisotildees com base em argumentos econocircmicos (custo-

beneficio) de modo que muitas vezes lsquodeixam de investir em mecanismos

de prevenccedilatildeo (e controle de qualidade mais rigorosos sobre os serviccedilos

prestadosrsquo visando a elevar sua margem de lucrosrdquo500

Com relaccedilatildeo a aplicaccedilatildeo do mecanismo punitivo-preventivo no Direito Ambiental o

autor lembra dos recentes casos mais ceacutelebres de dano ambiental (pex o acidente com

vazamento de substacircncias toacutexicas no Terminal Alemoa em SantosSP e o rompimento

da Barragem de Fundatildeo em MarianaMG ambos em 2015) que evidenciam condutas

bastante censuraveis por parte das empresas ldquoque poderiam ter sido mais diligentes

caso houvesse uma clara equaccedilatildeo econocircmica que tornasse mais vantajoso o

investimento na prevenccedilatildeo que assumir o risco da reparaccedilatildeordquo501

O STJ usualmente inclui criteacuterios punitivos-preventivos na valoraccedilatildeo do dano moral

individual assim como no dano moral coletivo (desde que em patamares natildeo

exorbitantes) como se extrai das decisotildees abaixo em accedilotildees versando sobre dano

ambiental e dano por intermeacutedio do meio ambiente

ldquoADMINISTRATIVO AMBIENTAL ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA

DESMATAMENTO EM AacuteREA DE PRESERVACcedilAtildeO PERMANENTE

(MATA CILIAR) DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE

BIOMA DO CERRADO ARTS 4ordm VII E 14 sect 1ordm DA LEI 69381981

E ART 3ordm DA LEI 73471985 PRINCIacutePIOS DO POLUIDOR-

PAGADOR E DA REPARACcedilAtildeO INTEGRAL REDUCTIO AD

PRISTINUM STATUM FUNCcedilAtildeO DE PREVENCcedilAtildeO ESPECIAL E

GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL CUMULACcedilAtildeO DE

OBRIGACcedilAtildeO DE FAZER (RESTAURACcedilAtildeO DA AacuteREA

DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZACcedilAtildeO)

498

O efeito punitivo da responsabilidade civil ambiental 499

Opcit p 300 500

Idem ibidem p 34 501

Opcit p 316

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

277

POSSIBILIDADE DANO AMBIENTAL REMANESCENTE OU

REFLEXO ART 5ordm DA LEI DE INTRODUCcedilAtildeO AgraveS NORMAS DO

DIREITO BRASILEIRO INTERPRETACcedilAtildeO IN DUBIO PRO

NATURA

[]

Logo a responsabilidade civil se realmente aspira a adequadamente

confrontar a natureza expansiva e difusa do dano ambiental deve ser

compreendida o mais amplamente possiacutevel de modo que a condenaccedilatildeo a

recuperar a aacuterea prejudicada natildeo exclua o dever de indenizar ndash juiacutezos

retrospectivo e prospectivo Natildeo cabe descuidar que aleacutem de sua funccedilatildeo

estritamente reparatoacuteria a responsabilizaccedilatildeo civil do degradador visa a

responder de maneira direta e eficaz agrave sua conduta evitando que nela

reincida ou agrave o dano jaacute causado (= prevenccedilatildeo especial) e

simultaneamente a desestimular comportamentos assemelhados de

terceiros (= prevenccedilatildeo geral)

[]

Numa palavra sai-se do paradigma do dano causado para o paradigma do

ilicito causadordquo502

(gn)

ldquoADMINISTRATIVO AMBIENTAL ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA

POLUICcedilAtildeO RECURSOS HIacuteDRICOS LANCcedilAMENTO DE

EFLUENTES INDUSTRIAIS SEM TRATAMENTO NO CURSO

DAacuteGUA E NO SOLO PRINCIacutePIO DA REPARACcedilAtildeO IN

INTEGRUM ARTS 4ordm VII E 14 sect 1ordm DA LEI 69381981 E ART 3ordm

DA LEI 73471985 ART 5ordm DA LEI DE INTRODUCcedilAtildeO AO COacuteDIGO

CIVIL INTERPRETACcedilAtildeO IN DUBIO PRO NATURA DA NORMA

AMBIENTAL 1 Os autos cuidam de Accedilatildeo Civil Puacuteblica proposta com o fito de obter

responsabilizaccedilatildeo por danos ambientais causados pelo lanccedilamento de

efluentes industriais sem tratamento em curso daacutegua e no solo O Tribunal

de Justiccedila do Rio Grande do Sul considerou provado o dano ambiental

poreacutem julgou improcedente o pedido indenizatoacuterio pelo dano ecoloacutegico

preteacuterito e residual

2 A jurisprudecircncia do STJ estaacute firmada no sentido da viabilidade no acircmbito

da Lei 73471985 e da Lei 69381981 de cumulaccedilatildeo de obrigaccedilotildees de fazer

de natildeo fazer e de indenizar 3 Adotado pelo Direito Ambiental brasileiro

(arts 4deg inciso VII e 14 sect 1deg da Lei 69381981) o princiacutepio da reparaccedilatildeo

in integrum desaacutegua na exigecircncia da compreensatildeo a mais ampla possiacutevel da

responsabilidade civil possibilitando a cumulaccedilatildeo do dever de recuperar o

bem atingido ao seu estado natural anterior (= prestaccedilatildeo in natura) com o

dever de indenizar prejuiacutezos inclusive o moral coletivo (= prestaccedilatildeo

pecuniaacuteria) mesmo que por estimativa Reparaccedilatildeo integral tambeacutem

pressupotildee observar com atenccedilatildeo a funccedilatildeo punitiva e inibitoacuteria da

responsabilidade civil de modo a afastar perigosa impressatildeo real ou

imaginaacuteria de que a degradaccedilatildeo ambiental compensa social e

financeiramente 4 Recurso Especial parcialmente providordquo503

(gn)

ldquoRESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVEacuteRSIA

ART 543-C DO CPC DANOS DECORRENTES DO ROMPIMENTO

DE BARRAGEM ACIDENTE AMBIENTAL OCORRIDO EM

JANEIRO DE 2007 NOS MUNICIacutePIOS DE MIRAIacute E MURIAEacute

ESTADO DE MINAS GERAIS TEORIA DO RISCO INTEGRAL

NEXO DE CAUSALIDADE

1 Para fins do art 543-C do Coacutedigo de Processo Civil a) a responsabilidade

por dano ambiental eacute objetiva informada pela teoria do risco integral sendo

o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre

na unidade do ato sendo descabida a invocaccedilatildeo pela empresa responsaacutevel

pelo dano ambiental de excludentes de responsabilidade civil para afastar

502

STJ ndash Segunda Turma REsp 1145083MG Rel Min Herman Benjamin j 27092011 503

STJ ndash Segunda Turma REsp 1661859RS Rel Min Herman Benjamin j 03102017

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

278

sua obrigaccedilatildeo de indenizar b) em decorrecircncia do acidente a empresa deve

recompor os danos materiais e morais causados e c) na fixaccedilatildeo da

indenizaccedilatildeo por danos morais recomendaacutevel que o arbitramento seja

feito caso a caso e com moderaccedilatildeo proporcionalmente ao grau de culpa

ao niacutevel socioeconocircmico do autor e ainda ao porte da empresa

orientando-se o juiz pelos criteacuterios sugeridos pela doutrina e jurisprudecircncia

com razoabilidade valendo-se de sua experiecircncia e bom senso atento agrave

realidade da vida e agraves peculiaridades de cada caso de modo que de um lado

natildeo haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenizaccedilatildeo e de

outro haja efetiva compensaccedilatildeo pelos danos morais experimentados por

aquele que fora lesado

2 No caso concreto recurso especial a que se nega provimentordquo504

(gn)

O mesmo se observa em outros tribunais

ldquoADMINISTRATIVO AMBIENTAL ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA

MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO FEDERAL IMOacuteVEL SITUADO EM AacuteREA

DE PRESERVACcedilAtildeO PERMANENTE REGRA AMBIENTAIS NAtildeO

OBSERVADAS DEMOLICcedilAtildeO FATO CONSUMADO AFASTADO

PRECEDENTES INDENIZACcedilAtildeO RESPONSABILIDADE

OBJETIVA FIXACcedilAtildeO DO QUANTUM INDENIZATOacuteRIO

[]

7 Comprovado nos autos que o Municiacutepio de Arraial do Cabo aprovou um

projeto residencial em Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente contrariando a

legislaccedilatildeo ambiental e comprovado o dano ambiental pela construccedilatildeo em

aacuterea de restinga como fixadora de dunas devem ser responsabilizados os

reacuteus com a determinaccedilatildeo de demoliccedilatildeo do imoacutevel e a recuperaccedilatildeo da aacuterea

degrada aleacutem de fixaccedilatildeo de indenizaccedilatildeo a ser paga ao Fundo de Defesa dos

Direitos Difusos pelos danos causados ao meio ambiente com fundamento

no art 225 sect 3ordm da CRFB88 art 2ordm f da Lei 477165 e art 18 cc art 14

sect 1ordm ambos da Lei 693881 vigentes agrave eacutepoca

8 Para a fixaccedilatildeo do quantum indenizatoacuterio devem ser observados os

princiacutepios do poluidor pagador e da razoabilidade o que significa que a

fixaccedilatildeo da quantia aleacutem de ressarcir o dano deva ter caraacuteter punitivo

pedagoacutegico e preventivo Assim o valor encontra-se dentro de paracircmetros

indicados pela sentenccedila considerando a gravidade do dano ambiental e o

longo periacuteodo de desrespeito agraves regras de proteccedilatildeo ao meio ambiente

pois mesmo apoacutes ter sido negada a seguranccedila no Mandado de Seguranccedila

nordm 990207681-5 o Reacuteu continuou a degradar o meio ambiente com a

concordacircncia do Poder Puacuteblico Municipal sob pena de frustrar o

caraacuteter pedagoacutegico-punitivo da sanccedilatildeo e incentivar a impunidaderdquo505

(gn)

ldquoACcedilAtildeO INDENIZATOacuteRIA - ILEGITIMIDADE ATIVA - BARRAGEM

DE FUNDAtildeO - ROMPIMENTO - ATIVIDADE PESQUEIRA -

COMPROMETIMENTO - ILIacuteCITO MORAL - CARACTERIZACcedilAtildeO -

MONTANTE INDENIZATOacuteRIO - FEICcedilAtildeO ABUSIVA - AUSEcircNCIA -

JUROS DE MORA - MARCO INICIAL A pessoa que prova o exerciacutecio da atividade de pesca profissional para a qual

estava devidamente habilitada e nesta condiccedilatildeo foi atingida pelo desastre

ambiental decorrente do rompimento da barragem de Fundatildeo que dentre

outras consequecircncias comprometeu as aacuteguas do Rio Doce eacute parte legiacutetima

para reivindicar tutela de danos morais A caracterizaccedilatildeo do iliacutecito porque

constatada no cenaacuterio litigioso impotildee para a mineradora a obrigaccedilatildeo de

responder pelo pagamento da correspondente indenizaccedilatildeo Inexistindo

paracircmetros objetivos para a fixaccedilatildeo do montante indenizatoacuterio em

504

STJ ndash Segunda Seccedilatildeo REsp 1374284MG Rel Min Luis Felipe Salomatildeo j 27082014 505

TRF-2ordf Regiatildeo ndash Sexta Turma Apelaccedilatildeo 0000268-5920034025108 Rel Des Poul Erik Dyrlund j

04032020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

279

situaccedilotildees tais deve o julgador observar a razoabilidade e a

proporcionalidade atentando para o seu caraacuteter punitivo-educativo e

tambeacutem amenizador do infortuacutenio causado Faltando ao montante

arbitrado feiccedilatildeo exorbitante natildeo haacute campo para reduccedilatildeo Tratando-se de

responsabilidade extracontratual os juros moratoacuterios incidentes sobre a

indenizaccedilatildeo moral contam-se do evento danosordquo506

(gn)

ldquoAPELACcedilAtildeO CIacuteVEL ACcedilAtildeO DE INDENIZACcedilAtildeO POR DANOS

MATERIAIS E MORAIS E LUCROS CESSANTES LANCcedilAMENTO

DE DEJETOS DE SUIacuteNO EM RIACHO QUE ABASTECE OS

ACcedilUDES DE PROPRIEDADE DO AUTOR MORTANDADE DE

PEIXES SENTENCcedilA DE PARCIAL PROCEDEcircNCIA

INSURGEcircNCIA DAS PARTES TAtildeO SOMENTE QUANTO Agrave

VALORACcedilAtildeO DO QUANTUM INDENIZATOacuteRIO ARBITRADO A

TIacuteTULO DE DANOS MORAIS DIREITO AMBIENTAL

RESPONSABILIDADE OBJETIVA ARTIGO 14 sect1ordm DA LEI

69381981 VALOR INDENIZATOacuteRIO INADEQUADO

NECESSAacuteRIA MAJORACcedilAtildeO DO IMPORTE DE R$400000

(QUATRO MIL REAIS) PARA R$800000 (OITO MIL REAIS) EM

ATENCcedilAtildeO AOS PRINCIacutePIOS DA RAZOABILIDADE E DA

PROPORCIONALIDADE OBSERVADO O CARAacuteTER PUNITIVO E

PEDAGOacuteGICO DA MEDIDA SENTENCcedilA REFORMADA

RECURSO DO AUTOR CONHECIDO E PARCIALMENTE

PROVIDO RECURSO DOS REacuteUS CONHECIDO E DESPROVIDO

lsquoO valor da indenizaccedilatildeo por dano moral deve ser graduado de forma a coibir

a reincidecircncia do causador da ofensa dano e ao mesmo tempo inibir o

enriquecimento do lesado devendo-se aparelhar seus efeitos dentro de

um caraacuteter demarcadamente pedagoacutegico para que cumpra a indenizaccedilatildeo

as funccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas pela doutrina e pela jurisprudecircncia De

outro lado impotildeem-se consideradas as circunstacircncias do caso concreto

levando em conta no arbitramento do quantum correspondente a gravidade

do dano a situaccedilatildeo econocircmica do ofensor e as condiccedilotildees do lesadorsquo (TJSC

Apelaccedilatildeo Ciacutevel n 2015017783-3 da Capital rel Des Trindade dos Santos

j 16-4-2015)rdquo507

(gn)

ldquoAPELACcedilAtildeO CIacuteVEL DIREITO PUacuteBLICO NAtildeO ESPECIFICADO

DIREITO AMBIENTAL EXTRACcedilAtildeO MINERAL PARA

BENEFICIAMENTO DE TIJOLOS FATO INCONTESTE DANO

AMBIENTAL ART 225 DA CF ART 250 DA CONSTITUICcedilAtildeO

ESTADUAL RESPONSABILIDADE OBJETIVA OBSERVAcircNCIA

AOS PRINCIacutePIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA

RAZOABILIDADE ART 14 CAPUT E sect1ordm DA LEI Nordm 693881

[]

- Meacuterito

A extraccedilatildeo de argila para o beneficiamento de tijolos por longos anos sem a

devida licenccedila-preacutevia do oacutergatildeo ambiental eacute fato causador de danos

ambientais tendo em vista as regras constitucionais federal e estadual

regulamentadas pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Aplicabilidade do art 225

da CF 250 da Constituiccedilatildeo Estadual do RS e da norma que estipula a

Poliacutetica Nacional de Meio Ambiente (Lei nordm 693881) No caso dos autos

natildeo haacute duacutevida de que tivesse ocorrido a extraccedilatildeo de minerais do solo para o

beneficiamento de tijolos sem a devida autorizaccedilatildeo ambiental necessaacuteria

causando danos ambientais a exigir plano de recuperaccedilatildeo da aacuterea degradada

bem como a imposiccedilatildeo de compensaccedilatildeo ambiental que observou os

princiacutepios da proporcionalidade e razoabilidade Ausente demonstraccedilatildeo de

que o demandado natildeo tivesse condiccedilotildees financeiras de suportar o provimento

condenatoacuterio de reparaccedilatildeo pelos danos ambientais causados razatildeo porque

506

TJMG ndash 12ordf Cacircmara Ciacutevel Apelaccedilatildeo Ciacutevel 1001116001578-7001 Rel Des JD Convocado

Octaacutevio de Almeida Neves j 03072019 507

TJSC ndash Cacircmara Especial Regional de Chapecoacute Apelaccedilatildeo 2010008115-9 Rel Des Marcelo Elias

Naschenweng j 25042016

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

280

deve ser mantido o montante arbitrado de forma fundamenta pelo juiacutezo

levando-se em consideraccedilatildeo ainda a funccedilatildeo pedagoacutegica e punitiva da

condenaccedilatildeordquo508

(gn)

ldquoADMINISTRATIVO ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA NOVACAP

EXTRACcedilAtildeO DE CASCALHO LATERIacuteTICO RECUPERACcedilAtildeO DA

AacuteREA DEGRADADA DANO EXTRAPATRIMONIAL AMBIENTAL

COMPENSACcedilAtildeO AMBIENTAL ASTREINTES

1 Na seara do direito ambiental a reparaccedilatildeo do dano prevalece em

detrimento da compensaccedilatildeo dada a relevacircncia do bem juriacutedico protegido

Assim se o bem ambiental lesado for imediata e completamente restaurado

ao status quo ante natildeo haacute falar ordinariamente em indenizaccedilatildeo Somente na

fase de cumprimento da sentenccedila far-se-aacute possiacutevel avaliar a real situaccedilatildeo da

aacuterea a fim de se impor compensaccedilatildeo pecuniaacuteria pelos danos insuscetiacuteveis de

recomposiccedilatildeo in natura

2 O dano moral ambiental possui dupla funccedilatildeo reparabilidade e

exemplaridade Sanciona o ofensor desestimulando novas lesotildees e

compensa os efeitos negativos decorrentes do desrespeito ao meio

ambiente A fixaccedilatildeo do quantum devido deve-se conformar com os

paracircmetros da proporcionalidade e da razoabilidade de modo a atender o

caraacuteter punitivo e pedagoacutegico da medida sem servir de enriquecimento iliacutecito

Valor fixado na sentenccedila cuja reduccedilatildeo se impotildee

[]rdquo509

(gn)

O custo da prevenccedilatildeo de danos ambientais pode ser alto e deve ele ser integralmente

suportado pelo empreendedor por forccedila do princiacutepio do poluidor-pagador510

Por conta

disso natildeo eacute raro que empreendedores menos comprometidos com a responsabilidade

social empresarial invistam recursos modestos e aqueacutem do necessaacuterio nos

procedimentos e tecnologias preventivas assumindo riscos calculados Eacute exatamente

esse tipo de postura que se busca evitar com a inclusatildeo de criteacuterios punitivos-

pedagoacutegicos-dissuasoacuterios na indenizaccedilatildeo por dano extrapatrimonial ambiental

Empreendedores natildeo devem assumir riscos que lhes representem um custo financeiro

administraacutevel mas coloquem a coletividade sob um risco intoleraacutevel Ou seja assumir

riscos ambientais natildeo pode ser mais vantajoso para a empresa do que aplicar recursos

nas medidas destinadas ao cumprimento da legislaccedilatildeo de proteccedilatildeo do meio ambiente e

na adequada gestatildeo ambiental da obra ou atividade Nesse sentido a possibilidade de

imposiccedilatildeo de uma indenizaccedilatildeo majorada para empreendedores que deliberadamente

optaram por economizar investimentos mesmo sabendo dos malefiacutecios que poderiam

decorrer dessa economia tanto para o meio ambiente como para a coletividade eacute uma

forma de tornar mais vantajosa a eliminaccedilatildeo do risco do que a sua assunccedilatildeo Logo eacute

uma maneira de demover os gestores de empreendimentos potencialmente poluidores de

adotarem comportamentos arriscados eou lesivos

O mesmo se aplica aos empreendedores que conscientemente descumprem a legislaccedilatildeo

ambiental seja por acreditarem que a ilegalidade natildeo seraacute descoberta e punida seja por

508

TJRS ndash Segunda Cacircmara Ciacutevel Apelaccedilatildeo 0419654-1020148217000 Rel Des Marilene Bonzanini

j27112014 509

TJDF ndash Seacutetima Turma Ciacutevel Apelaccedilatildeo 0000221-9820168070018 Rel Des Getuacutelio de Moraes

Oliveira j 25012017 510

Cf BECHARA Erika Princiacutepio do poluidor pagador Enciclopeacutedia juriacutedica da PUC-SP Celso

Fernandes Campilongo Alvaro de Azevedo Gonzaga e Andreacute Luiz Freire (coords) Tomo Direitos

Difusos e Coletivos Nelson Nery Jr Georges Abboud Andreacute Luiz Freire (coord de tomo) Satildeo Paulo

Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo 2017 Disponiacutevel

em httpsenciclopediajuridicapucspbrverbete334edicao-1principio-do-poluidor-pagador

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

281

estarem dispostos a arcar com o ocircnus da puniccedilatildeo e da indenizaccedilatildeo porque menos

prejudiciais aos seus interesses do que o efetivo cumprimento da lei

Demais disso a aplicaccedilatildeo da teoria do valor do desestiacutemulo se mostra particularmente

necessaacuteria agrave responsabilidade civil ambiental por conta da extrema gravidade e extensatildeo

do dano ao meio ambiente A lesatildeo ambiental atinge a coletividade como um todo e

natildeo raras vezes dezenas ou centenas de pessoas individualmente consideradas viacutetimas

do mesmo evento (as trageacutedias de MarianaMG em 2015 e de BrumadinhoMG em

2019 ambas decorrentes do rompimento de barragens de rejeitos de mineraccedilatildeo satildeo

tristes exemplos) Para agravar a situaccedilatildeo a reparaccedilatildeo in natura pode ser impossiacutevel

(como no caso de extinccedilatildeo de uma espeacutecie ou de destruiccedilatildeo de um bem material de

valor histoacuterico-cultural) ou quando possiacutevel pode levar anos o que impotildee agrave

coletividade um longo periacuteodo de convivecircncia com os efeitos do dano Isso tudo natildeo

bastasse pode vir a produzir no futuro efeitos maleacuteficos hoje desconhecidos ou sequer

imaginados

Agrave vista dessas caracteriacutesticas particulares do dano ambiental a sua prevenccedilatildeo eacute mais do

que essencial eacute imprescindiacutevel E se a atribuiccedilatildeo de caraacuteter punitivo agrave indenizaccedilatildeo

ambiental eacute uma das formas de contribuir para a prevenccedilatildeo esse expediente natildeo pode

ser refutado

521 A REPROVABILIDADE DA CONDUTA DO POLUIDOR E A

INDENIZACcedilAtildeO COM CARAacuteTER PUNITIVO

Aplica-se ao dano extrapatrimonial ambiental a mesma orientaccedilatildeo sobre o cabimento da

indenizaccedilatildeo com caraacuteter punitivo em casos de danos morais individuais esta deve

incidir apenas quando a postura do poluidor se revestir de razoaacutevel reprovabilidade natildeo

soacute com relaccedilatildeo agrave culpa e ao dolo mas tambeacutem agrave reiteraccedilatildeo da conduta ameaccediladora ou

lesiva (em caso de repeticcedilatildeo do comportamento eacute possiacutevel presumir ao menos a culpa

grave)511

Nesse sentido o STJ jaacute reconheceu que a indenizaccedilatildeo por dano ambiental

pode conter elementos punitivos-preventivos desde que caracterizada a atitude

antiecoloacutegica indesculpaacutevel e exigente de tal repreensatildeo

ldquoNo mais eacute bem verdade ser necessaria a reparaccedilatildeo integral do dano e

adicionalmente impor-se ao seu causador sanccedilatildeo pecuniaacuteria (indenizaccedilatildeo)

No entanto a sanccedilatildeo pecuniaacuteria deve ser aplicada somente nas situaccedilotildees

em que reste caracterizada a atitude antiecoloacutegica indesculpaacutevel e

exigente de tal repreensatildeo o que natildeo ocorre no caso presente conforme a

egreacutegia Corte de origem deixou assentado Dessa forma considerando as

circunstacircncias objetivadas nos autos a reparaccedilatildeo do dano eacute por si soacute

511

Andreacute Gustavo Correcirca de Andrade acertadamente coloca que ldquoa maior gravidade da culpa pode

decorrer da reiteraccedilatildeo da conduta do agente ou da circunstacircncia de constituir um padratildeo de conduta

negligente Assim embora o ato lesivo isoladamente considerado pudesse ser configurador de culpa

leve deve ser tido como caracterizador de culpa grave por estar inserido em um padratildeo de

comportamento culposo do agente Eacute o caso de empresas que natildeo se preocupam em aperfeiccediloar seus

produtos e serviccedilos a despeito da reiteraccedilatildeo dos danos causados aos consumidores em decorrecircncia de

defeitos apresentados por esses produtos ou na prestaccedilatildeo desses serviccedilosrdquo (Obcit p 151)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

282

suficiente para atender ao imperativo legal de preservaccedilatildeo do meio

ambienterdquo512

(gn)

No entanto a responsabilidade civil ambiental eacute objetiva razatildeo pela qual nas accedilotildees

coletivas voltadas agrave reparaccedilatildeo de danos ambientais natildeo se investiga culpa e dolo do

poluidor Como viabilizar entatildeo a adoccedilatildeo de criteacuterios punitivos-dissuasoacuterios na fixaccedilatildeo

da indenizaccedilatildeo por dano extrapatrimonial ambiental

Eacute fato que muitos autores rejeitam a aplicaccedilatildeo da teoria do valor do desestiacutemulo agrave

responsabilidade civil objetiva justamente porque esta depende da demonstraccedilatildeo da

culpa grave ou dolo do agente sendo que nas accedilotildees de reparaccedilatildeo de danos baseadas na

responsabilidade civil objetiva costuma-se passar ao largo desta investigaccedilatildeo uma vez

que isso pode incluir elementos novos na accedilatildeo e atrasar sobremaneira o seu andamento

Em comentaacuterio ao sistema dos punitives damages Judith Martins-Costa e Mariana

Souza Pargendler lecionam que em virtude desta teoria implicar a imposiccedilatildeo de uma

pena com fulcro na conduta altamente reprovaacutevel (dolosa ou gravemente culposa) do

ofensor soacute eacute possiacutevel aplicaacute-la aos casos de responsabilidade subjetiva sob pena de

incontornaacutevel contradiccedilatildeo

ldquoSe o que eacute avaliado (para fixar o montante da indenizaccedilatildeo) eacute a maior ou

menor gravidade da conduta do autor o dano e o maior ou menor grau de

reprovaccedilatildeo eacutetico-juriacutedica agrave conduta como fazecirc-la incidir agraves hipoacuteteses de

imputaccedilatildeo objetiva para a qual o exame da conduta do agente eacute despiciendo

(examinando-se tatildeo soacute a ilicitude o dano a imputabilidade e o nexo

causal)rdquo513

Acrescentam poreacutem que a mesma premissa natildeo precisa ser observada quando se trata

de simples arbitramento da indenizaccedilatildeo por dano moral com a incorporaccedilatildeo de criteacuterios

axioloacutegicos com funccedilatildeo punitiva-dissuasoacuteria (como fazem os tribunais brasileiros) pois

este natildeo redunda na aplicaccedilatildeo de uma pena civil Aqui tem-se um universo mais amplo

que abarca os regimes de responsabilidade ldquoresultantes de quaisquer dos criteacuterios de

imputaccedilatildeo (subjetiva ou objetiva seja esta pelo risco pela seguranccedila pela confianccedila

etc)rdquo514

Ao que parece as autoras entendem que fora da doutrina dos punitive damages (pena

civil) no campo da responsabilidade objetiva outros criteacuterios podem ser invocados para

se apurar a reprovabilidade da conduta do ofensor natildeo se fazendo necessaacuteria a

demonstraccedilatildeo cabal do dolo ou culpa grave

Jaacute Seacutergio Cavalieri Filho tem uma visatildeo distinta e particular sobre esse ponto Na sua

visatildeo aleacutem de caber a funccedilatildeo punitiva-dissuasoacuteria da indenizaccedilatildeo em caso de dolo ou

culpa grave ou de reiteraccedilatildeo da conduta lesiva ela deve ser aplicada tambeacutem ldquoem razatildeo

da gravidade e extensatildeo dos danos ofensivos de interesses coletivos difusos sociais

ambientais e outros maisrdquo 515

Em casos tais - e somente neles natildeo se estendendo o

presente raciociacutenio aos danos morais individuais - a indenizaccedilatildeo com caraacuteter punitivo

512

STJ ndash Primeira Turma AgInt no REsp 1483422CE Rel Min Napoleatildeo Nunes Maia Filho j

24042018 513

Opcit p 23-24 514

Ibidem p 24 515

Opcit p 138

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

283

tem por fundamento a gravidade do dano e natildeo a culpa do ofensor516

Logo a valoraccedilatildeo

da indenizaccedilatildeo pode conter elementos punitivos-preventivos ainda que natildeo se prove o

dolo ou a culpa do poluidor

Nessa mesma linha de raciociacutenio Daniel de Andrade Levy julga dispensaacutevel a

comprovaccedilatildeo da culpa grave e do dolo em caso de danos coletivos de excepcional

gravidade o que torna possiacutevel a funccedilatildeo punitiva-preventiva da responsabilidade civil

em sede de responsabilidade objetiva Fundamenta o autor que ldquoexigir da viacutetima a

demonstraccedilatildeo do elemento subjetivo seria impor-lhe pena maior do que a que jaacute sofrera

com o dano inclusive porque satildeo condutas em sua maioria que estatildeo no limiar da

ilegalidade dificultando ainda mais a prova da culpa ou do dolordquo517

O ponto de vista dos autores eacute absolutamente compreensiacutevel justificaacutevel e sedutor

Contudo natildeo estamos convencidos de que basta a gravidade do dano difuso ou coletivo

para que a indenizaccedilatildeo contenha criteacuterios punitivos-dissuasoacuterios pois isso atenta contra

o proacuteprio fundamento da funccedilatildeo preventiva da responsabilidade civil A gravidade do

dano difuso mais precisamente do dano ambiental deve com certeza ser refletida no

arbitramento do valor compensatoacuterio que natildeo leva em conta a conduta ou atividade do

ofensor mas sim os prejuiacutezos sofridos pelos titulares do direito violado Logo mesmo

que natildeo seja possiacutevel refletir nesta indenizaccedilatildeo com absoluta fidelidade a perda sofrida

pela coletividade eacute possiacutevel dosar o valor compensatoacuterio a partir da dimensatildeo duraccedilatildeo

e intensidade da lesatildeo a ponto de estabelecer uma indenizaccedilatildeo mais elevada para os

danos de maior gravidade

Daiacute porque se faz relevante que nas accedilotildees civis puacuteblicas ambientais de reparaccedilatildeo de

danos ambientais extrapatrimoniais se busque averiguar o dolo ou a culpa do poluidor e

tambeacutem verificar se a assunccedilatildeo de riscos evitaacuteveis faz parte do modus operandi da

empresa Mas que fique bem claro natildeo com o propoacutesito de garantir a responsabilizaccedilatildeo

civil do ofensor porque esta jaacute estaacute garantida pela responsabilidade objetiva que

prescinde da culpa para gerar o dever da reparaccedilatildeo A finalidade de se perscrutar o dolo

ou a culpa do poluidor ou a repeticcedilatildeo de conduta temeraacuteria eacute apenas a de verificar se eacute

cabiacutevel a aplicaccedilatildeo de criteacuterios punitivos-preventivos aleacutem dos compensatoacuterios ou em

outras palavras se haacute elementos que justificam o aumento do valor da indenizaccedilatildeo

como forma de agravar a obrigaccedilatildeo pecuniaacuteria

Eacute nesse sentido que Andreacute Gustavo Correcirca de Andrade sustenta que natildeo incide a sanccedilatildeo

civil sobre ato lesivo cuja reparaccedilatildeo decorra da responsabilidade objetiva salvo se o

ofensor comprovadamente tiver atuado com culpa ou dolo motivo pelo qual ldquonada

impede que em processo no qual se esteja a cuidar de caso de responsabilidade civil

objetiva a parte autora produza prova acerca do dolo ou da culpa do reacuteu na produccedilatildeo do

eventordquo518

516

Ibidem p 140 517

Responsabilidade civil de um direito dos danos a um direito das condutas lesivas p 117 O autor

tambeacutem entende dispensaacutevel a comprovaccedilatildeo da culpa e do dolo em caso de microlesotildees (seacuterie de

condutas iliacutecitas individuais brandas) e iliacutecitos lucrativos 518

Opcit p 165 O autor cita exemplos de responsabilidade objetiva prevista em lei (responsabilidade

do fornecedor pelos acidentes de consumo responsabilidade por fato de terceiro responsabilidade do

empregador por atos do empregado responsabilidade pelo fato das coisas ou dos animais e

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

284

Contudo pelo fato de natildeo ser o propoacutesito da accedilatildeo coletiva ambiental a investigaccedilatildeo e

comprovaccedilatildeo da culpa e do dolo do poluidor admite-se que o juiz em seu bom senso

de justiccedila e capacidade de anaacutelise criacutetica e sempre de forma fundamentada os presuma

a partir dos fatos e elementos constantes do processo de forma a dispensar a prova

cabal do elemento subjetivo do ofensor para fins de elevaccedilatildeo da indenizaccedilatildeo com fins

punitivos-pedagoacutegicos

Em consequecircncia se na accedilatildeo coletiva ambiental natildeo se demonstrar a culpa ou dolo do

poluidor ou a reiteraccedilatildeo da praacutetica lesiva (ou se natildeo houver elementos fortes para

presumi-las) isso natildeo impediraacute a procedecircncia do pedido de reparaccedilatildeo do dano

ambiental extrapatrimonial se demonstrado o nexo causal entre a atividade e o dano

ambiental Contudo impediraacute que o valor da indenizaccedilatildeo correspondente seja fixado

com base em criteacuterios punitivos-pedagoacutegicos que tecircm como ponto de partida a

reprovabilidade da conduta ficando ele restrito aos criteacuterios compensatoacuterios

Trata-se como se vecirc de um aspecto controverso da indenizaccedilatildeo com caraacuteter punitivo

no acircmbito da responsabilidade civil objetiva mas cremos eacute preciso enfrentaacute-lo com

destemor para que a funccedilatildeo preventiva da responsabilidade civil seja observada no

Direito Ambiental sem que seja contudo aplicada indistintamente a todo e qualquer

caso de dano ambiental extrapatrimonial

522 A CAPACIDADE ECONOcircMICA DO POLUIDOR

Sendo o caso de se dosar a indenizaccedilatildeo ambiental com criteacuterios punitivos-preventivos

aleacutem da gravidade eou reiteraccedilatildeo da conduta o magistrado avaliaraacute a capacidade

econocircmica do poluidor

Quando se fala em reparaccedilatildeo in natura a capacidade econocircmica do ofensor natildeo se

mostra relevante Ou seja natildeo se determinaraacute reparaccedilatildeo maior do que o dano porque o

agente goza de excelente situaccedilatildeo financeira nem se aceitaraacute reparaccedilatildeo pela metade

porque sua situaccedilatildeo financeira estaacute altamente prejudicada A reparaccedilatildeo integral exige

que todo o dano reparaacutevel in natura seja efetivamente reparado Por isso corroboramos

Edis Milareacute que diz que ldquoo esforccedilo reparatorio pode ser superior a capacidade financeira

do degradadorrdquo519

Todavia quando se trata de indenizaccedilatildeo por dano extrapatrimonial em que natildeo haacute um

criteacuterio objetivo para determinar o montante compensatoacuterio satildeo as diversas variaacuteveis

consideradas pelo magistrado que compotildeem o valor da indenizaccedilatildeo para mais ou para

menos A capacidade econocircmica eacute uma variaacutevel relevante pois grandes conglomerados

deveratildeo pagar valores mais significativos pelos atos reprovaacuteveis praticados pois soacute

assim haveraacute o necessaacuterio desestiacutemulo agrave repeticcedilatildeo da conduta ao passo que

organizaccedilotildees com baixa capacidade financeira natildeo sofreratildeo a mesma majoraccedilatildeo da

indenizaccedilatildeo com base neste quesito (embora devam sofrecirc-la com base nos demais)

responsabilidade civil do Estado) e para todos eles confirma que se demonstrada a culpa grave ou o dolo

do agente a indenizaccedilatildeo poderaacute ter fins punitivos 519

Direito do Ambiente p 435

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

285

Haacute que ser assim pois indenizaccedilatildeo que natildeo gere desconforto para o poluidor natildeo

cumpriraacute o efeito dissuasivo pretendido Pelo contraacuterio mostraraacute a ele a vantagem da

praacutetica lesiva e daraacute aos potenciais poluidores coragem e seguranccedila para que se

arrisquem (e nos arrisquem) da mesma forma

6 CONCLUSAtildeO

A responsabilidade civil tem como funccedilatildeo preciacutepua reparar os danos causados agraves

viacutetimas sejam eles patrimoniais sejam eles morais E para que a viacutetima fique indene a

reparaccedilatildeo deve ser integral portanto proporcional ao agravo

Contudo haacute ofensores que agem de forma tatildeo deliberadamente desdenhosa e lesiva e

por vezes reiterada que se faz necessaacuterio invocar uma segunda funccedilatildeo da

responsabilidade civil para contecirc-los Trata-se da funccedilatildeo (acessoacuteria) punitiva-

dissuasoacuteria que se perfaz mediante a incorporaccedilatildeo no valor da indenizaccedilatildeo de criteacuterios

relacionados agrave reprovabilidade da conduta do autor do dano que resultam na majoraccedilatildeo

do quantum indenizatoacuterio a ponto de incomodaacute-lo e desestimulaacute-lo como tambeacutem a

terceiros a incorrer novamente na mesma praacutetica

A utilizaccedilatildeo de elementos indicadores da censurabilidade da conduta do ofensor no

arbitramento do valor do dano eacute inspirada na teoria dos punitives damages de largo uso

no direito norte-americano mas com ela natildeo se confunde dado que esta preconiza a

aplicaccedilatildeo de uma pena civil ao autor do dano que natildeo tem qualquer caraacuteter

compensatoacuterio mas tatildeo somente punitivo Inclusive o valor fixado eacute apartado do valor

da indenizaccedilatildeo e natildeo eacute ele necessariamente destinado agrave viacutetima mas eventualmente ao

Estado ou a fundos puacuteblicos

No Brasil adota-se a teoria do valor do desestiacutemulo apenas para a fixaccedilatildeo da

indenizaccedilatildeo por danos extrapatrimoniais Embora fosse uacutetil e desejaacutevel que a teoria se

estendesse tambeacutem aos danos patrimoniais natildeo seria possiacutevel fazecirc-lo pelo fato do art

944 caput do Coacutedigo Civil dispor que a indenizaccedilatildeo (do dano patrimonial) deve ser

proporcional ao dano o que rechaccedila a adoccedilatildeo de criteacuterios punitivos justamente por natildeo

estarem relacionados ao dano mas agrave conduta do ofensor

Quanto aos danos ambientais eacute paciacutefico que devem ser reparados in natura com a

restauraccedilatildeo ou recuperaccedilatildeo do ambiente lesado Somente diante da impossibilidade da

reparaccedilatildeo in natura poderatildeo ser reparados em pecuacutenia (indenizaccedilatildeo)

Como o dano ambiental sempre conteacutem o efeito extrapatrimonial em caso de

indenizaccedilatildeo seraacute possiacutevel utilizar os criteacuterios punitivos-pedagoacutegicos-preventivos aleacutem

dos compensatoacuterios para atingir um valor que efetivamente estimule os potenciais

poluidores e se cercarem de todos os cuidados para evitar danos ambientais E os

impeccedila de assumir procedimentos e posturas de riscos evitaacuteveis Dessa forma a

responsabilidade civil ambiental cumpriraacute uma valiosa e necessaacuteria funccedilatildeo preventiva

para aleacutem da tradicional e consolidada funccedilatildeo compensatoacuteria

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

286

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CAVALIERI FILHO Seacutergio Programa de Responsabilidade Civil 13ed Satildeo Paulo

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LEITE Joseacute Rubens Morato AYALA Patrick de Arauacutejo Dano ambiental do

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SCHEREIBER Anderson Novos paradigmas da responsabilidade civil da erosatildeo dos

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TARTUCE Flaacutevio Responsabilidade civil 2ed Rio de Janeiro Forense 2020

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ORIENTACcedilAtildeO EDITORIAL

normas para envio de artigos para publicaccedilatildeo na

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Seratildeo aceitos originais preferencialmente ineacuteditos ou apresentados em eventos puacuteblicos

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2) Tiacutetulo

O tiacutetulo do artigo com destaque para essa parte eacute indicado na parte superior da primeira folha centralizado e em letras maiuacutesculas (fonte Times New Roman preta corpo 14) podendo complementar o tiacutetulo o subtiacutetulo segue abaixo do tiacutetulo diferenciado tipograficamente ou separado por dois pontos () centralizado e em letras maiuacutesculas (fonte Times New Roman preta corpo 14) E tambeacutem o tiacutetulo em inglecircs

3) Autor

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As opiniotildees emitidas pelo autor em seu trabalho satildeo de sua exclusiva responsabilidade natildeo representando necessariamente o pensamento da AGEMG

Agradecimentos e auxiacutelios recebidos pelo autor (ou autores) podem ser mencionados ao final do artigo antes das referecircncias bibliograacuteficas

4) Sumaacuterio

Com a finalidade de visualizar a estrutura do trabalho e refletir sua organizaccedilatildeo o artigo conteraacute um sumaacuterio logo abaixo do nome do autor e nele seratildeo mencionados os principais pontos a serem abordados pelo trabalho atraveacutes de numeraccedilatildeo progressiva das seccedilotildees

Seraacute apresentado em fonte Times New Roman Preta corpo 12 paraacutegrafo com recuo a 3 cm da margem esquerda e direita alinhamento justificado espaccedilamento simples E posteriormente ao sumaacuterio o Resumo do artigo

5) Corpo do Texto

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O corpo do texto seraacute apresentado em fonte Times New Roman Preta corpo 12 paraacutegrafo com recuo a 2 cm da margem esquerda e alinhamento justificado espaccedilamento simples entre linhas antes e depois de paraacutegrafos 6 pt ou automaacutetico para todo o trabalho

Todo destaque que se queira dar ao texto deve ser feito com o uso de itaacutelico Deve-se evitar o uso de negrito ou sublinha Citaccedilotildees de textos de outros autores deveratildeo ser feitas entre aspas sem o uso de itaacutelico

6) Capiacutetulo

O capiacutetulo ou tiacutetulos das seccedilotildees e subseccedilotildees digitados em letra maiuacutescula obedeceratildeo a mesma fonte do texto corpo 14 negrito entre linhas precedidos de espaccedilo 15 e espaccedilo duplo que os

sucederem alinhado na margem esquerda com numeraccedilatildeo progressiva

7) Citaccedilatildeo

A citaccedilatildeo obedeceraacute agrave mesma fonte do texto corpo 10 recuo 4 cm se ultrapassar 3 linhas Caso as citaccedilotildees diretas limitem-se

a esse espaccedilo deveratildeo estar contidas no texto entre aspas duplas

A transcriccedilatildeo literal de parte de normas

juriacutedicas teraacute o recuo de paraacutegrafo a 4 cm da margem esquerda e seraacute precedida da expressatildeo latina (em itaacutelico) in verbis

As notas de referecircncia para indicar as

citaccedilotildees de fonte bibliograacutefica ou consideraccedilotildees e comentaacuterios que natildeo devem interromper a sequecircncia do texto apareceratildeo em notas de rodapeacute

Apud = citado por conforme segundo

(usado para indicar citaccedilatildeo de citaccedilatildeo)

Ibidem ou Ibid = na mesma obra (usado quando se fizer vaacuterias citaccedilotildees da mesma obra)

Idem ou Id = do mesmo autor (usado quando se fizer citaccedilatildeo de vaacuterias obras do mesmo autor)

Opus citatum ou Op cit = na obra citada (usado para se referir agrave obra citada anteriormente e eacute precedida do nome do

autor)

Loco citato ou Loc cit = no lugar citado

Sequentia ou Et Seq = seguinte ou que se segue

Passim = aqui e ali em vaacuterios trechos ou passagens

Confira ou Cf = confira confronte

Sic = assim mesmo desta maneira

8) Notas de rodapeacute

As notas de rodapeacute de paacutegina obedeceratildeo agrave mesma fonte do texto corpo 10 paraacutegrafo de 05 cm da margem esquerda alinhamento justificado espaccedilamento entre linhas simples numeraccedilatildeo progressiva

9) Referecircncia bibliograacutefica

As referecircncias bibliograacuteficas seratildeo apresentadas de acordo com as normas da Associaccedilatildeo Brasileira de Normas Teacutecnicas (ABNT) no final do artigo

Os trabalhos publicados pela Revista poderatildeo ser reimpressos total ou parcialmente por outra publicaccedilatildeo perioacutedica da AGE bem como citados reproduzidos armazenados ou transmitidos por qualquer sistema forma ou meio eletrocircnico magneacutetico oacuteptico ou mecacircnico sendo em todas as hipoacuteteses obrigatoacuteria a citaccedilatildeo dos nomes dos autores e da fonte de publicaccedilatildeo original aplicando-se o disposto no item anterior

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Advogado-Geral do Estado Seacutergio Pessoa de Paula Castro

Advogada-Geral Adjunta Advogada-Geral Adjunta

Ana Paula Muggler Rodarte Margarida Maria Pedersoli

PROCURADORES DE ESTADO

Adilson Albino dos Santos

Adriana Gonccedilalves Myhrra

Adriano Antocircnio Gomes Dutra

Adriano Brandatildeo de Castro

Adrienne Lage de Resende

Alana Luacutecio de Oliveira

Alda de Almeida e Silva

Alessandra Nunes Villela

Alessandro Fernandes Braga

Alessandro Henrique Soares Castelo Branco

Alessandro Rodrigues

Alexandra Magalhatildees Neves

Alexandre Bitencourth Hayne

Alexandre Diniz Guimaratildees

Alexandre Moreira de Souza Anaguchi

Aline Almeida Cavalcante de Oliveira

Aline Cristina de Oliveira Amaranti

Aline Di Neves

Aline Guimaratildees Furlan

Aloiacutesio Vilaccedila Constantino

Amanda Assunccedilatildeo Castro

Ameacutelia Josefina Alves N da Fonseca

Ana Carolina Cuba de Almada Lima

Ana Carolina Di Gusmatildeo Uliana Ana Carolina Oliveira Gomes

Ana Cristina Sette Bicalho Goulart

Ana Luiza Boratto Mazzoni Paiva

Ana Luiza Goulart Peres Matos

Ana Maria de Barcelos Martins

Ana Maria Jeber Campos

Ana Maria Richa Simon

Ana Paula Arauacutejo Ribeiro Diniz

Ana Paula Ceolin Ferrari Bacelar

Ana Paula Muggler Rodarte

Ana Silvia Lima Azevedo

Anameacutelia de Matos Alves

Andreacute Borges Pires

Andreacute Luis de Oliveira Silva

Andreacute Robalinho de Albuquerque e Mello

Andreacute Sales Moreira

Andreacutea Maura Campedelli Machado Piedade

Angela Regina Soares Leite

Anna Carolina Heluany Zeitune Pires

Anna Luacutecia Goulart Veneranda

Antocircnio Carlos Diniz Murta

Antocircnio Oliacutempio Nogueira

Armando Seacutergio Peres Mercadante

Arthur Pereira de Mattos Paixatildeo Filho

Aureacutelio Passos Silva

Baacuterbara Maria Brandatildeo Caland Lustosa

Barney Oliveira Bichara

Beatriz Lima de Mesquita

Bianca Mizuki Dias dos Santos

Brenna Correcirca Franccedila Gomes Breno Rabelo Lopes

Bruno Balassiano Gaz

Bruno Borges da Silva Bruno Matias Lopes

Bruno Paquier Binha

Bruno Resende Rabello

Bruno Rodrigues de Faria

Caio de Carvalho Pereira

Camila de Alcantara Almeida Favalli

Carla Morena Lima de Oliveira Dias Carlos Alberto Rohrmann

Carlos Augusto Goacutees Vieira

Carlos Eduardo Tarquiacuteneo

Carlos Eduardo Wanderley Curio

Carlos Frederico Bittencourt Rodrigues Pereira

Carlos Joseacute da Rocha

Carlos Roberto Meneghini Cunha

Carlos Torres Murta

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294

Carlos Victor Muzzi Filho

Carolina Borges Monteiro

Carolina Couto Pereira Roquim

Carolina Guedes Pereira Roquim

Carolina Miranda Laborne Mattioli Hermeto Caacutessio Roberto dos Santos Andrade

Catarina Barreto Linhares

Ceacutedio Pereira Lima Juacutenior

Celeste de Oliveira Teixeira

Ceacutelia Cunha Mello

Ceacutelio Lopes Kalume

Ceacutesar Raimundo da Cunha

Christiano Amaro Correa

Clara Silva Costa de Oliveira

Clarissa Teixeira Eloi Santos

Claudemiro de Jesus Ladeira Claudia Lopes Passos

Claacuteudio Roberto Ribeiro

Cleacuteber Maria Melo e Silva

Cleacuteber Reis Grego

Corneacutelia Tavares de Lanna

Cristiane de Oliveira Elian

Cristina Grossi de Morais

Daniel Bueno Cateb

Daniel Cabaleiro Saldanha

Daniel Henrique Pimenta Faria Daniel Luiz Barbosa

Daniel Santos Costa

Daniela Victor de Souza Melo

Danielle Fonseca Mattosinhos

Danilo Antocircnio de Souza Castro

Dario de Castro Brant Moraes

David Pereira de Sousa

Deacutebora Bastos Ribeiro Deacutebora Val Leatildeo

Denise Soares Beleacutem

Dimas Geraldo da Silva Juacutenior

Dioacutegenes Baleeiro Neto

Dirce Euzeacutebia de Andrade

Douglas Gusmatildeo

Eacuteder Sousa

Edgar Saiter Zambrana

Edrise Campos

Eduardo de Mattos Paixatildeo

Eduardo Goulart Pimenta

Eduardo Grossi Franco Neto

Elisacircngela Soares Chaves

Elisa Salzer Procoacutepio

Eliza Fiuacuteza Teixeira

Emerson Madeira Viana

Eacuterico Andrade

Eacuterika Gualberto Pereira de Castro

Ester Virgiacutenia Santos

Esther Maria Brighenti dos Santos

Evandro Coelho Taglialegna

Evacircnia Beatriz de Souza Cabral

Fabiana Kroger Magalhatildees

Fabiano Ferreira Costa

Faacutebio Diniz Lopes

Faacutebio Murilo Nazar

Fabiacuteola Pinheiro Ludwig Peres

Fabriacutecia Barbosa Duarte Guedes

Fabriacutecia Lage Fazito Rezende Antunes

Felipe Lopes de Freitas Honoacuterio

Fernanda Barata Diniz

Fernanda Caldeira Reis Correa Fernanda Carvalho Soares

Fernanda de Aguiar Pereira

Fernanda Paiva Carvalho

Fernanda Saraiva Gomes Starling

Fernando Antocircnio Chaves Santos

Fernando Antocircnio Rolla de Vasconcellos

Fernando Barbosa Santos Netto

Fernando Salzer e Silva

Flaacutevia Bao Travizani

Flaacutevia Bianchini Mesquita Gabrich

Flaacutevia Caldeira Brant de Figueiredo

Francisco de Assis Vasconcelos Barros

Franccediloise Fabiane Ferreira

Gabriel Arbex Valle

Gabriela Silva Pires e Oliveira

Gelson Maacuterio Braga Filho

Geralda do Carmo Silva

Geraldo Ildebrando de Andrade

Geraldo Juacutenio de Saacute Ferreira

Gerson Pedrosa Abreu

Gerson Ribeiro Junqueira de Barros

Gianmarco Loures Ferreira

Giselle Carmo e Coura

Grazielle Valeriano de Paula Alves

Guilherme Bessa Neto

Guilherme do Couto de Almeida

Guilherme Guedes Maniero

Guilherme Soeiro Ubaldo

Gustavo Albuquerque Magalhatildees

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

295

Gustavo Brugnoli Ribeiro Cambraia

Gustavo Chaves Carreira Machado

Gustavo de Oliveira Rocha

Gustavo de Queiroz Guimaratildees

Gustavo Luiz Freitas de Oliveira Enoque

Hebert Alves Coelho

Helena Retes Pimenta Bicalho

Iara Rolim Freire Figueiredo

Ivan Luduvice Cunha

Izabella Ferreira Fabbri Nunes

Jader Augusto Ferreira Dias

Jaime Napoles Villela

Jalmir Leatildeo Santos

Jamerson Jadson de Lima

Janaiacutena Cristina Reis Jenkins de Freitas

Jaques Daniel Rezende Soares

Jason Soares de Albergaria Neto

Jerusa Drummond Brandatildeo Regazzoni

Joana Faria Salomeacute

Joatildeo Calcagno Bandeira de Melo

Joatildeo Lucas Albuquerque Daud

Joatildeo Paulo Pinheiro Costa

Joatildeo Viana da Costa

Joel Cruz Filho

Joseacute Antocircnio Santos Rodrigues

Joseacute dos Passos Teixeira de Andrade

Joseacute Franklin Toledo de Lima Filho

Joseacute Hermelindo Dias Vieira Costa

Joseacute Horaacutecio da Motta e Camanducaia Juacutenior

Joseacute Maria Brito dos Santos

Joseacute Roberto Dias Balbi

Joseacute Sad Juacutenior

Joseacutelia de Oliveira Pedrosa

Juarez Raposo Oliveira

Juliana Faria Pamplona

Juliana Padilha Nunes Mattar

Juliana Rizzato Silva

Juliana Schmidt Fagundes

Juliano Lomazini

Juacutelio Ceacutesar Azevedo de Almeida

Jullyanna Ribeiro dos Santos Pena

Junia Maria Coelho Ferreira Couto Karen Cristina Barbosa Vieira

Kelly Christinne Mota Fonseca

Kleber Silva Leite Pinto Juacutenior

Lais DrsquoAngela Gomes da Rocha

Larissa Maia Franccedila

Larissa Rodrigues Ribeiro

Leandro Almeida Oliveira

Leandro Aneacutesio Coelho

Leandro Lanna de Oliveira

Leandro Moreira Barra

Leandro Raphael Alves do Nascimento

Leonardo Augusto Leatildeo Lara

Leonardo Bruno Marinho Vidigal

Leonardo Canabrava Turra

Leonardo Matos Clemente

Leonardo Oliveira Soares

Letiacutecia Rodrigues Vicente Levy Leite Romero

Liana Portilho Mattos

Lina Maia Rodrigues de Andrade

Lincoln Drsquoaquino Filocre

Lincoln Guimaratildees Hissa

Lucas Leonardo Fonseca e Silva

Lucas Oliveira Andrade Coelho

Lucas Pinheiro de Oliveira Sena

Lucas Ribeiro Carvalho

Luciana Ananias de Assis Pires Pimenta

Luciana Guimaratildees Leal Sad

Luciana Trindade Fogaccedila

Luciano Neves de Souza

Luciano Teodoro de Souza

Luis Gustavo Lemos Linhares

Luiacutesa Carneiro da Silva

Luiacutesa Cristina Pinto e Netto

Luiacutesa Pinheiro Barbosa Mello

Luiz Francisco de Oliveira

Luiz Gustavo Combat Vieira

Luiz Henrique Novaes Zacarias

Luiz Marcelo Cabral Tavares

Luiz Marcelo Carvalho Campos

Luiza Palmi Castagnino

Lyssandro Norton Siqueira

Madson Alves de Oliveira Ferreira

Maiara de Castro Andrade

Manuela Teixeira de Assis Coelho

Marcelino Cristelli de Oliveira

Marcella Cristina de Oliveira Troacutepia Pinheiro

Marcelo Barroso Lima Brito de Campos

Marcelo Berutti Chaves

Marcelo Caacutessio Amorim Rebouccedilas

Marcelo de Castro Moreira

Marcelo Paacutedua Cavalcanti

Maacutercio dos Santos Silva

Marco Antocircnio Gonccedilalves Torres

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

296

Marco Antocircnio Lara Rezende

Marco Otaacutevio Martins de Saacute

Marco Tuacutelio Caldeira Gomes

Marco Tuacutelio de Carvalho Rocha

Marco Tuacutelio Fonseca Furtado

Marco Tulio Gonccedilalves Gannam

Marconi Bastos Saldanha

Marcos Saulo de Carvalho

Margarida Maria Pedersoli

Maria Aparecida dos Santos

Maria Carolina Beltratildeo Sampaio

Maria Ceciacutelia Almeida Castro

Maria Clara Teles Terzis

Maria Cristina Castro Diniz

Maria Eduarda Lins Santos de Almeida

Maria Elisa de Paiva Ribeiro Souza Barquete

Maria Letiacutecia Seacutera de Oliveira Costa

Maria Teresa Cora Hara

Maria Teresa Lima Lana

Mariana Oliveira Gomes de Alcacircntara

Mariana Santos de Brito Alves

Mariane Ribeiro Bueno

Maacuterio Eduardo Guimaratildees Nepomuceno Juacutenior

Maacuterio Roberto de Jesus

Marismar Cirino Motta

Mateus Braga Alves Clemente

Matheus Fernandes Figueiredo Couto

Mauriacutecio Barbosa Gontijo

Mauriacutecio Bhering Andrade

Mauriacutecio Leopoldino da Fonseca

Max Galdino Pawlowski

Melissa de Oliveira Duarte

Michele Rodrigues de Sousa

Mila Oliveira Grossi

Milena Franchini Branquinho

Miucha Ferreira M B R Alcacircntara

Moiseacutes Paulo de Souza Leatildeo

Mocircnica Stella Silva Fernandes

Nabil El Bizri

Nadja Arantes Grecco

Naldo Gomes Juacutenior

Nataacutelia Lopes Gabriel Costa

Nataacutelia Moreira Torres

Nathaacutelia Daniel Domingues

Nayra Rosa Marques

Nilber Andrade

Nilma Rogeacuteria Cacircndido

Nilton de Oliveira Pereira

Nilza Aparecida Ramos Nogueira

Nuacutebia Neto Jardim

Olir Martins Benadusi

Onofre Alves Batista Juacutenior

Orlando Ferreira Barbosa

Otaacutevio Machado Fioravante Morais Lages

Pablo de Almeida Fernandes

Paloma Inaya Nicoleti da Silva

Patriacutecia Campos de Castro Veacuteras

Patriacutecia de Oliveira Leite Leopoldino

Patriacutecia Martins Ribeiro Raposo

Patriacutecia Mota Vilan

Patriacutecia Pinheiro Martins

Paula Abranches de Lima

Paula Maria Rezende Vieira Serafim

Paula Souza Carmo de Miranda

Paulo da Gama Torres

Paulo Daniel Sena Almeida Peixoto

Paulo de Tarso Jacques de Carvalho

Paulo Fernando Cardoso Dias

Paulo Fernando Ferreira Infante Vieira

Paulo Gabriel de Lima

Paulo Henrique Gonccedilalves Pena Filho

Paulo Henrique Sales Rocha

Paulo Murilo Alves de Freitas

Paulo Rabelo Neto

Paulo Roberto Lopes Fonseca

Paulo Seacutergio de Queiroz Cassete

Paulo Valadares Versiani Caldeira Filho

Pliacutenio Joseacute de Aguiar Grossi

Pollyanna da Silva Costa

Priscila Vieira de Alvarenga Penna

Rachel Patriacutecia de Carvalho Rosa

Rachel Salgado Matos

Rafael Assed de Castro

Rafael Augusto Baptista Juliano

Rafael Cascardo Lopes

Rafael Ferreira Toledo

Rafael Rapold Mello

Rafael Rezende Faria

Rafaela Resende Brasil de Castro

Rafaella Barbosa Leatildeo

Ranieri Martins da Silva

Raquel Correa da Silveira Gomes

Raquel Guedes Medrado

Raquel Melo Urbano de Carvalho

Raquel Oliveira Amaral

Raquel Pereira Perez

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297

Regina Luacutecia da Silva

Renata Couto Silva de Faria

Renata Cristina Ricchini Leite

Renata Tostes dos Santos Albuquerque

Renata Viana de Lima Netto

Renato Antocircnio Rodrigues Rego

Renato de Almeida Martins

Renato Saldanha de Aragatildeo Ricardo Adriano Massara Brasileiro

Ricardo Agra Villarim

Ricardo Magalhatildees Soares

Ricardo Milton de Barros

Ricardo Seacutergio Righi

Ricardo Silva Viana Juacutenior

Roberto Guilherme Costa Ferreira Neto

Roberto Portes Ribeiro de Oliveira

Roberto Simotildees Dias

Robson Bicalho de Almeida Junior Robson Lucas da Silva

Robstaine do Nascimento Costa

Rochelle Cardoso Barth

Rodolfo Figueiredo de Faria

Rodolpho Barreto Sampaio Juacutenior

Rodrigo Maia Luz

Rodrigo Peres de Lima Netto

Rogeacuterio Antocircnio Bernachi

Rogeacuterio Guimaratildees Salomeacute

Rogeacuterio Moreira Pinhal

Romeu Rossi

Rocircmulo Geraldo Pereira

Ronaldo Mauriacutelio Cheib

Roney de Oliveira Juacutenior

Rosalvo Miranda Moreno Juacutenior

Samuel de Faria Carvalho

Sandro Drumond Brandatildeo

Sarah Pedrosa de Camargos Manna

Saulo Dantas de Santana

Saulo de Faria Carvalho

Saulo de Freitas Lopes

Saacutevio de Aguiar Soares

Seacutergio Adolfo Eliazar de Carvalho

Seacutergio Duarte Oliveira Castro

Seacutergio Pessoa de Paula Castro

Seacutergio Timo Alves

Sheila Gloacuteria Simotildees Murta

Shirley Daniel de Carvalho

Silvana Coelho

Silveacuterio Bouzada Dias Campos

Simone Ferreira Machado

Soraia Brito de Queiroz Gonccedilalves

Tatiana Mercedo Moreira Branco

Tatiana Sales Cuacutercio

Telma Regina Pereira Santos Rodrigues

Teacutercio Leite Drummond

Thaiacutes Caldeira Gomes

Thaiacutes Saldanha Belisaacuterio Santos

Thereza Cristina de Castro Martins Teixeira

Thiago Avancini Alves

Thiago de Oliveira Soares

Thiago de Paula Moreira Fracaro

Thiago Diniz Mateus dos Santos Thiago Elias Mauad de Abreu

Thiago Henrique de Oliveira

Thiago Joseacute Teixeira de Assis Coelho

Thiago Knupp Souza de Andrade

Tiago Anildo Pereira

Tiago Maranduba Schroumlder

Tiago Santana Nascimento

Tuska do Val Fernandes

Valeacuteria Duarte Costa Paiva

Valeacuteria Maria Campos Frois

Valeacuterio Fortes Mesquita

Valmir Peixoto Costa

Vanessa Almeida Cruz

Vanessa Ferreira do Val Domingues

Vanessa Lopes Borba

Vanessa Saraiva de Abreu

Victor Hugo Versiani Nunes Lacerda

Vinicius Rodrigues Pimenta

Vitor Ramos Mangualde

Wallace Alves dos Santos

Wallace Martiniano Moreira

Walter Santos da Costa

Wanderson Mendonccedila Martins

Wendell de Moura Tonidandel

ADVOGADOS AUTAacuteRQUICOS

Abdala Lobo Antunes

Alesxandra Marota Crispim Prates

Aloiacutesio Alves de Melo Juacutenior

Antocircnio Eustaacutequio Vieira

Bernardo Werkhaizer Felipe

Christiano de Senna Micheletti Dias

Ciacutentia Rodrigues Maia Nunes

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298

Claacuteudio Joseacute Resende Fonseca

Deacutebora Cunha Penido de Barros

Daniel Francisco da Silva

Eneida Criscoulo Gabriel Bueno Silva

Fabiacuteola Peluci Monteiro

Fernanda de Campos Soares

Flaacutevia Baiatildeo Reis Martins

Gladys Souza de Reque

Humberto Gomes Macedo

Joatildeo Augusto de Moraes Drummond

Laurimar Leatildeo Viana Filho

Maacutercio Roberto de Souza Rodrigues

Marcos Ferreira de Paacutedua

Maria Beatriz Penna Misk

Maria Estela Barbosa Figueiredo

Reynaldo Tadeu de Andrade

Rosaacutelia Silva Bicalho

Valeacuteria Magalhatildees Nogueira

Valeacuteria Miranda de Souza

Wagner Lima Nascimento Silva

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299

IDENTIDADE ORGANIZACIONAL

NEGOacuteCIO

Assessoramento juriacutedico representaccedilatildeo judicial e extrajudicial do Estado de Minas

Gerais

MISSAtildeO

Defender com ecircxito os direitos e legiacutetimos interesses do Estado de Minas Gerais

VISAtildeO

Tornar-se referecircncia nacional em assessoramento juriacutedico representaccedilatildeo judicial e

extrajudicial de entes puacuteblicos

PRINCIPAIS VALORES

Justiccedila Verdade Moralidade Eacutetica Interesse Puacuteblico Legalidade Eficiecircncia e

Lealdade

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

301

Page 2: DIREITO PÚBLICO - advocaciageral.mg.gov.br

ISSN 1517-0748 DIREITO PUacuteBLICO

REVISTA JURIacuteDICA DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS Avenida Afonso Pena nordm 4000 ndash Cruzeiro ndash 30130009

Belo Horizonte ndash MG ndash Brasil Fone (31) 3218-0700 - (31) 3218-0718

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GOVERNADOR DO ESTADO Romeu Zema Neto

PRESIDENTE DO CONSELHO EDITORIAL Seacutergio Pessoa de Paula Castro

CONSELHO EDITORIAL Prof Dr Anderson Santana Pedra (ES ndash Universidade Federal do Espiacuterito Santo-UFES e Faculdade de Direito de Vitoacuteria ndash FDV) Prof Dr Andreacute Mendes Moreira (MG ndash Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG) Prof Dr Antoacutenio Agostinho Cardoso da Conceiccedilatildeo Guedes (PORTUGAL - Faculdade de Direito da Universidade Catoacutelica Portuguesa) Profordf Draordf Betina Treiger Grupenmacher (PR ndash Universidade Federal do Paranaacute) Profordf Drordf Carla Amado Gomes (Portugal ndash Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) Prof Dr Carlos Viacutector Muzzi Filho (MG ndash Advocacia-Geral do Estado e Faculdade de Direito da FUMEC) Profordf Drordf Eacutelida Graziane Pinto (SP ndash Ministeacuterio Puacuteblico de Contas do Estado de Satildeo Paulo) Prof Dr Elival da Silva Ramos (SP ndash Universidade de Satildeo Paulo-USP) Prof Dr Emerson Gabardo (PR ndash Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paranaacute) Prof Dr Eacuterico Andrade (MG ndash Advocacia-Geral do Estado e Faculdade de Direito da FUMEC) Prof Dr Fernando Facury Scaff (SP ndash Universidade de Satildeo Paulo-USP) Prof Dr Giovanni Christian Nunes Campos (SP ndash Superintendecircncia da Receita Federal) Prof Dr Jason Soares Albergaria Neto (MG ndash Advocacia-Geral do Estado e Faculdade de Direito Milton Campos) Prof Dr Joseacute Jairo Gomes (DF ndash Procuradoria-Geral da Repuacuteblica) Prof Dr Juarez Freitas (RS ndash Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRS) Prof Dr Juvecircncio Vasconcelos Viana (CE ndash Procuradoria-Geral do Estado) Profordf Drordf Liana Portilho Mattos (MG - Advocacia-Geral do Estado) Profordf Drordf Lilian Cordeiro Tenoacuterio de Miranda (PE ndash Procuradoria-Geral do Estado de Pernambuco)

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COORDENADOR EDITORIAL Prof Dr Carlos Alberto Rohrmann

DIRETOR Prof Dr Onofre Alves Batista Juacutenior

COMISSAtildeO TEacuteCNICA Liacutecia Ferraz Venturi

Solicita-se permuta Piacutedese canje On deacutemande lrsquoeacutechange Si richiede lo scambio We ask for exchange Wir bitten um Austausch

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais ndash Vol 1 n 1 (JulDez 2004) ndash Belo Horizonte Imprensa Oficial de Minas Gerais 2004 - Anual Formada pela fusatildeo de Direito Puacuteblico Revista da Procuradoria-Geral do Estado de Minas Gerais e Revista Juriacutedica da Procuradoria-Geral da Fazenda Estadual ISSN 1517-0748 1 Direito puacuteblico - Perioacutedico 2 Direito tributaacuterio - Perioacutedico I Minas Gerais - Advocacia-Geral do Estado II Tiacutetulo

Bibliotecaacuteria Liacutecia Ferraz Venturi CRB6-1913

copy 2019 Centro de Estudos - ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS O conteuacutedo dos artigos doutrinaacuterios publicados nesta Revista e os conceitos emitidos satildeo de uacutenica e exclusiva responsabilidade de seus autores Qualquer parte desta publicaccedilatildeo pode ser reproduzida desde que citada a fonte Publicado no Brasil - Publishing in Brazil

SUMAacuteRIO

1 - OS DESASTRES DE MARIANA E BRUMADINHO E A GESTAtildeO DE RESIacuteDUOS DAS INDUacuteSTRIAS EXTRATIVISTAS uma anaacutelise comparativa dos regimes de prevenccedilatildeo de riscos associados a barragens de rejeitos no Brasil e na Uniatildeo Europeia - Carla Amado Gomes (Portugal) - Carlos Alberto Valera (MG) - Monique Mosca Gonccedilalves (MG) 5

2 - RESPONSABILIDADE CIVIL E REDISTRIBUICcedilAtildeO DO OcircNUS DA PROVA DO DANO MATERIAL as grandes trageacutedias da mineraccedilatildeo- Bruno Henrique Tenoacuterio Taveira (RJ) 41

3 - ASPECTOS URBANIacuteSTICOS E AMBIENTAIS DA REGULARIZACcedilAtildeO FUNDIAacuteRIA DOS NUacuteCLEOS URBANOS INFORMAIS CONSOLIDADOS EM AacuteREAS DE PRESERVACcedilAtildeO PERMANENTE - Matheus de Aguiar Rodrigues Cembranelli (SP) 59

4 - UMA SOLUCcedilAtildeO HARMOcircNICA PARA A MAIOR TRAGEacuteDIA AMBIENTAL DO PAIacuteS comentaacuterios ao termo de ajustamento de conduta ldquogovernanccedilardquo ndash TACGOV - Homero Andretta Junior (DF) 77

5 - DA SOLUCcedilAtildeO DE CONFLITOS NO AcircMBITO DO DESASTRE DE MARIANA uma metamorfose ambulante - Luiz Henrique Miguel Pavan (ES) 95

6 - EXPERIEcircNCIAS DO CASO SAMARCO - Pedro Campany Ferraz (SP) 117

7 - DIREITOS HUMANOS SOB A PERSPECTIVA DA EDUCACcedilAtildeO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE - Renato Alves Vieira de Melo (AL) - Racquel Valeacuterio Martins (AL) 131

8 - VEDACcedilAtildeO AO RETROCESSO AMBIENTAL - Alice Abreu Lima Jorge (MG) - Marina Soares Marinho (MG) 151

9 - A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL NO STJ subjetiva ou objetiva - Inara de Pinho Nascimento Vidigal (MG) 167

10 - UMA VISAtildeO CRIacuteTICA SOBRE A OBRIGACcedilAtildeO PROPTER REM NO DIREITO AMBIENTAL A Responsabilidade do Superficiaacuterio por Danos Causados ao Imoacutevel na Servidatildeo de Mina - Leonardo Polastri Lima Peixoto (MG) 179

11 - Princiacutepio da Precauccedilatildeo NO DIREITO AMBIENTAL Pressupostos e aplicaccedilatildeo - Luniza Carvalho (MG) 191

12 - O MECANISMO CONSTITUCIONAL DE MONETIZACcedilAtildeO DE RECURSOS NATURAIS NAtildeO RENOVAacuteVEIS COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZACcedilAtildeO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS um estudo da CFEM em Minas Gerais - Paulo Honoacuterio de Castro Juacutenior (MG) 203

13 - A COMPENSACcedilAtildeO AMBIENTAL E A QUESTAtildeO ORCcedilAMENTAacuteRIA NA CONSERVACcedilAtildeO DOS PARQUES DO SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVACcedilAtildeO - Rodrigo W S Ribeiro Filho (MG) 221

14 - AUDIEcircNCIAS PUacuteBLICAS E LICENCIAMENTO AMBIENTAL Legitimaccedilatildeo e correccedilatildeo das teacutecnicas pelas vozes - Samuel Giovannini Cruz Guimaratildees (MG) 229

15 ndash O CARAacuteTER PUNITIVO DA INDENIZACcedilAtildeO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL AMBIENTAL ndash Erika Bechara (SP) 249

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

5

OS DESASTRES DE MARIANA E BRUMADINHO E A GESTAtildeO DE

RESIacuteDUOS DAS INDUacuteSTRIAS EXTRATIVISTAS

uma anaacutelise comparativa dos regimes de prevenccedilatildeo de riscos associados a

barragens de rejeitos no Brasil e na Uniatildeo Europeia

CARLA AMADO GOMES

CARLOS ALBERTO VALERA

MONIQUE MOSCA GONCcedilALVES

____________________ SUMAacuteRIO __________________

INTRODUCcedilAtildeO A O QUADRO BRASILEIRO 1 A

anaacutelise teacutecnica no licenciamento ambiental de barragens

11 O meacutetodo de alteamento a montante como risco

intoleraacutevel e a determinaccedilatildeo de descaracterizaccedilatildeo 12 A

obrigatoriedade das melhores teacutecnicas disponiacuteveis como

alternativa agrave disposiccedilatildeo de rejeitos em barragens 13 O

princiacutepio da adaptabilidade e a instabilidade da licenccedila

ambiental 2 A poliacutetica de afastamento e a delimitaccedilatildeo

territorial do risco 21 Zonas de Autossalvamento entre a

remoccedilatildeo do risco e o reassentamento da populaccedilatildeo 22

Estudos de Dam Break a mancha de inundaccedilatildeo 23 O

efeito dominoacute 3 A cauccedilatildeo ambiental B O QUADRO

EUROPEU 1 A regulaccedilatildeo anterior agrave Diretiva 2006 e as

liccedilotildees aprendidas com o acidente de Baia Mare 2 A

disciplina da Diretiva 200621CE do Parlamento

Europeu e do Conselho de 15 de marccedilo 21 A prevenccedilatildeo

de acidentes graves 22 A elaboraccedilatildeo de planos de gestatildeo

de resiacuteduosrejeitos 23 A garantia financeira 24 A

participaccedilatildeo do puacuteblico e o ldquodireito a saberrdquo C

Consideraccedilotildees Finais

Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Investigadora do Centro de

Investigaccedilatildeo de Direito Puacuteblico Professora Convidada da Faculdade de Direito da Universidade Catoacutelica

Portuguesa (Porto) Alameda da Universidade Cidade Universitaacuteria 1649-014 Lisboa Portugal +351

217984600

Doutor em agronomia-ciecircncia do solo pela Universidade Estadual Paulista ldquoJuacutelio de Mesquita Filhordquo

UNESPFCAV Campus JaboticabalSP Coliacuteder do Grupo POLUS- Poliacutetica de Uso do Solo Mestre em direitos

fundamentais pela UNIFRAN-Universidade de Franca Promotor de Justiccedila do Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de

Minas Gerais Rua Coronel Antocircnio Rios 951 Santa Marta UberabaMG +55 34991357787

carlosvalerampmgmpbr

Mestre em Ciecircncias Juriacutedico-Ambientais pela Universidade de Lisboa Promotora de Justiccedila do Ministeacuterio

Puacuteblico do Estado de Minas Gerais Rua Coronel Antocircnio Rios 951 Santa Marta UberabaMG +55

34999252766 moniquemgmghotmailcom

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6

Resumo O presente texto visa na primeira parte analisar como as ldquoliccedilotildees aprendidasrdquo com

os desastres de Mariana e Brumadinho influenciaram a Lei Estadual nordm 232912019 que

institui a Poliacutetica de Seguranccedila de Barragens no Estado de Minas Gerais Na segunda parte

aborda o quadro legislativo europeu sobre prevenccedilatildeo de acidentes com barragens de rejeitos

Palavras-chave gestatildeo de risco barragens de rejeitos prevenccedilatildeo de acidentes

INTRODUCcedilAtildeO

A histoacuteria recente do Brasil estaacute marcada por graves acidentes com barragens de rejeitos os

dois uacuteltimos em Mariana e Brumadinho Ambos ocorreram no estado de Minas Gerais com

curto tempo de intervalo (20152019) O primeiro teve um saldo pesado de perda de vidas

humanas (19 mortes) e um lastro imenso de consequecircncias ambientais O segundo foi brutal

com quase trecircs centenas de mortes magnas consequecircncias ambientais e uma disrupccedilatildeo no

abastecimento puacuteblico de aacutegua na regiatildeo O lado traacutegico destes desastres soma-se agrave surpresa

de concluir que nenhuma liccedilatildeo foi retirada do episoacutedio de Mariana quanto agrave prevenccedilatildeo de

riscos de barragens que pudesse ter evitado ou minimizado a fatura no caso de Brumadinho

Quando se fala na gestatildeo do risco de desastres tecnoloacutegicos a teacutecnica de liccedilotildees aprendidas

surge como um dos principais instrumentos de prevenccedilatildeo uma vez que a ocorrecircncia de um

evento desastroso constitui rica fonte de conhecimento sobre os deacuteficits de prevenccedilatildeo e a sua

anaacutelise detalhada pode servir como um poderoso mote para o reforccedilo nas exigecircncias

normativas de seguranccedila a fim de evitar a repeticcedilatildeo de trageacutedias semelhantes

Retirar as liccedilotildees aprendidas de um desastre industrial significa em primeiro lugar estudar

profunda e detalhadamente todas as causas e desconformidades que contribuiacuteram para a

eclosatildeo do evento danoso e sua dimensatildeo e a partir de entatildeo identificar os deacuteficits de

prevenccedilatildeo e partilhar as informaccedilotildees entre oacutergatildeos e entidades puacuteblicas de diferentes niacuteveis

para que as ditas liccedilotildees tenham o maior alcance possiacutevel no sentido de evitar a repeticcedilatildeo de

eventos semelhantes1 Significa sobretudo gerar uma resposta normativa que resulte no

aprimoramento do sistema de gestatildeo do risco em atenccedilatildeo ao princiacutepio-matriz da prevenccedilatildeo

Como se adiantou a referida teacutecnica natildeo foi utilizada apoacutes o desastre com a Barragem do

Fundatildeo em Mariana sendo certo que a trageacutedia que se sucedeu com as Barragens B-I B-IV e

B-IV_A da Mina Coacuterrego do Feijatildeo em Brumadinho apoacutes pouco mais de 03 (trecircs) anos

representa em boa medida a repeticcedilatildeo dos mesmos erros e tem nas suas causas os mesmos

deacuteficits de prevenccedilatildeo e de resposta soacute que desta vez com consequecircncias humanitaacuterias muito

mais graves jaacute que provocou a morte de 270 (duzentos e setenta) pessoas aleacutem de

1 Vide por exemplo a referecircncia agraves liccedilotildees aprendidas no sistema europeu de controle de riscos associados a

acidentes graves que envolvem substacircncias perigosas precisamente no art 21ordm (4)(b) e (6)(c) da Diretiva

201218UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de julho (Diretiva Seveso III)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

7

estratosfeacuterica degradaccedilatildeo ambiental constituindo a niacutevel mundial o segundo maior desastre

industrial do seacuteculo2 e a pior trageacutedia com barragem nas uacuteltimas trecircs deacutecadas

3

Pouco tempo apoacutes o desastre provocado pela Vale SA em Brumadinho precisamente no dia

25 de fevereiro de 2019 foi finalmente editada a resposta legislativa esperada que teve na sua

origem o Projeto de Lei de Iniciativa Popular nordm 36952016 conhecido como Mar de Lama

Nunca Mais o qual por sua vez tramitava na Assembleia Legislativa do Estado de Minas

Gerais desde 5 de julho de 2016 como proposta de resposta ao desastre de Mariana a fim de

aprimorar a legislaccedilatildeo estadual sobre seguranccedila e licenciamento ambiental de barragens4

Em um Estado com economia de base mineral5 natildeo eacute difiacutecil supor porque a proposta

legislativa encontrou tamanha resistecircncia e somente foi aprovada apoacutes a segunda trageacutedia

depois de quase 03 (trecircs) anos de tramitaccedilatildeo A adoccedilatildeo de um grau de sustentabilidade fraco

historicamente norteou a poliacutetica brasileira de gestatildeo dos riscos provocados pela mineraccedilatildeo

como sobreposiccedilatildeo do interesse econocircmico aos interesses ambientais e sociais

A partir deste contexto a primeira parte do presente estudo busca analisar algumas das

principais respostas normativas agraves duas trageacutedias mineiras recentes com especial destaque

para a Lei Estadual nordm 232912019 que institui a Poliacutetica de Seguranccedila de Barragens no

Estado de Minas Gerais

Assinale-se que no plano mundial haacute episoacutedios do mesmo geacutenero se bem que com faturas

socioambientais menos impressivas Segundo a Comunicaccedilatildeo da Comissatildeo Europeia

Seguranca da actividade mineira analise de acidentes recentes6 os registos ocorrem um

pouco por todo o globo em 1992 a rotura de uma barragem de rejeitos na mina de ouro de

Summitville (EUA) causou a destruiccedilatildeo total da vida aquatica num trecho de 25 km do rio

Alamosa em 1993 uma massa de lama e entulho abateu-se sobre um aldeamento de uma

mina de ouro no Equador ceifando a vida a 24 pessoas em 1994 um desabamento similar

ocorreu na Harmony Gold Mine (Africa do Sul) tendo perecido 17 pessoas em 1995 25

milhotildees de metros cuacutebicos de uma soluccedilatildeo de cianetos proveniente da mina de ouro de Omai

(Guiana) contaminaram o rio Essequibo causando aniquilamento das espeacutecies aquaacuteticas em

1996 na Ilha Marinduque (Filipinas) 3 milhotildees de toneladas de lamas toxicas provenientes

de uma mina de cobre desaguaram no rio Boac destruindo 20 aldeias

Tendo presente este quadro mas atentando particularmente em dois acidentes que tiveram

lugar no espaccedilo da Uniatildeo Europeia mdash nomeadamente em 1998 Aznalcollar Espanha7 em

2 Fonte httpsepocanegociosglobocomBrasilnoticia201901brumadinho-pode-ser-2-maior-desastre-

industrial-do-seculo-e-maior-acidente-de-trabalho-do-brasilhtml Acesso em 04 de julho de 2020 3 Fonte httpswwwbbccomportuguesebrasil-47034499 Acesso em 04 julho 2020

4 Ver um histoacuterico da tramitaccedilatildeo do PL Mar de Lama Nunca Mais em

httpswwwmpmgmpbrcomunicacaonoticiasmar-de-lama-nunca-mais-por-que-a-importancia-de-aprimorar-

a-legislacaohtm Acesso em 04 de julho de 2020 5 Segundo dados do Instituto Brasileiro de Mineraccedilatildeo ndash IBRAM do ano de 2014 o Estado de Minas Gerais eacute

responsaacutevel pela extraccedilatildeo de mais de 160 milhotildees de toneladasano de mineacuterio de ferro A atividade mineraacuteria

estaacute presente em 250 Municiacutepios e haacute mais de 300 minas em operaccedilatildeo A induacutestria extrativa representa 8 do

PIB do Estado Instituto Brasileiro de Mineraccedilatildeo IBRAM Informaccedilotildees sobre a Economia Mineral no Estado de

Minas Gerais Disponiacutevel em httpwwwibramorgbrsites1300138200004355pdf Acesso em 04 de julho de

2020 6 Comunicaccedilatildeo da Comissatildeo Europeia de 23 de outubro de 2000 COM(2000) 664 final

7 Rompimento da barragem de rejeitos da mina de Aznalcollar com vazamento de cerca de trecircs milhotildees de

metros cuacutebicos de lamas e quatro milhotildees de metros cuacutebicos de aguas acidas no meio adjacente poluindo 4500

hectares de terreno nas bordas do Parque Nacional de Coto Donana e no rio Guadiamar Sobre este acidente

ver GRIMALT Joan FERRER Miguel MACPHERSON Enrique The mine tailing accident in Aznalcollar in

Elsevier December 1999 pp 3 segs

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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2000 Baia Mare Romeacutenia8 mdash a Comissatildeo Europeia detetou falhas no plano da regulaccedilatildeo da

gestatildeo deste tipo de resiacuteduos e decidiu tomar a iniciativa de aprovar uma diretiva

especificamente dedicada fundamentalmente a adaptar a disciplina de prevenccedilatildeo de

acidentes graves constante da diretiva Seveso9 Eacute sobre o regime dessa diretiva 200621CE

do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Marccedilo (diretiva relativa a gestatildeo dos residuos

de induacutestrias extrativistas) que incidira a segunda parte deste texto

1 A ANAacuteLISE TEacuteCNICA NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE BARRAGENS

11 O MEacuteTODO DE ALTEAMENTO A MONTANTE COMO RISCO

INTOLERAacuteVEL E A DETERMINACcedilAtildeO DE DESCARACTERIZACcedilAtildeO

Um dos aspectos em comum das barragens que colapsaram nos dois episoacutedios era a utilizaccedilatildeo

do meacutetodo de alteamento a montante que consiste na metodologia construtiva de barragens

onde os maciccedilos de alteamento se apoiam sobre o proacuteprio rejeito ou sedimento previamente

lanccedilado e depositado10

Trata-se do meacutetodo de construccedilatildeo de barragens mais antigo simples

econocircmico e recorrente No entanto constitui a pior teacutecnica disponiacutevel do ponto de vista da

seguranccedila em razatildeo da instabilidade gerada pela aacutegua dos poros do rejeito e do reservatoacuterio

motivo pelo qual jaacute foi banida em diversos paiacuteses mineradores a exemplo do Chile

De acordo com o estado da arte a disposiccedilatildeo de rejeitos da mineraccedilatildeo pode ser feita por seis

meacutetodos I) minas subterracircneas II) em cavas exauridas de minas III) em pilhas IV) por

empilhamento a seco (meacutetodo ldquodry stackingrdquo) V) por disposiccedilatildeo em pasta e VI) em

barragens de contenccedilatildeo de rejeitos (do tipo a montante a jusante e ldquoem linhasrdquo de centro)11

Dentre as seis teacutecnicas listadas a disposiccedilatildeo de rejeitos de barragens eacute a mais perigosa ndash e

dentre elas a do tipo a montante - em razatildeo do risco de colapso da estrutura fator que jaacute

provocou desastres ambientais e humanitaacuterios em todo o mundo12

Apesar disso ainda

constitui o meacutetodo mais utilizado no Brasil Somente no Estado de Minas Gerais haacute o

expoente assustador de quase 700 barragens de rejeitos de mineraccedilatildeo algumas das quais

classificadas como de alto dano potencial associado13

Mesmo em relaccedilatildeo aos demais meacutetodos alternativos a literatura teacutecnica aponta que natildeo haacute

risco zero de forma que a melhor estrateacutegia para garantir um padratildeo ambiental e de seguranccedila

8 Rompimento da barragem de rejeitos da mina de ouro ldquoBaia Marerdquo em Sasar Estima-se em cerca de 100 000

m3 o volume de lamas e aguas residuais com uma concentraccedilatildeo de cianetos de 126 mglitro que fluiram via

canais de drenagem para vaacuterios afluentes do Danuacutebio daiacute para este rio e finalmente para o Mar Negro 9 Diretiva 6982CE do Conselho de 1 de junho de 1982 Foi alterada por duas vezes e hoje encontra-se

revogada pela directiva 201218UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de julho (Diretiva Seveso III) 10

Conforme definiccedilatildeo da Agecircncia Nacional de Mineraccedilatildeo (art 2ordm paraacutegrafo uacutenico inciso I da Resoluccedilatildeo nordm 13

de 8 de agosto de 2019) 11

Instituto Brasileiro de Mineraccedilatildeo ndash IBRAM Gestatildeo e Manejo de Rejeitos de Mineraccedilatildeo Brasiacutelia (2016) p

17 Disponiacutevel em httpwwwibramorgbrsites1300138200006222pdf Acesso em 04 de julho de 2020 12

Segundo dados da ICOLD atualmente ocorrem em meacutedia dois grandes eventos de colapso de barragem de

rejeitos por ano no mundo Fonte ICOLD ndash International Commission on Large Dams Disponiacutevel em

httpswwwicold-cigborgGBdamsdams_safetyasp Acesso em 04 de julho de 2020 13

Fonte Fundaccedilatildeo Estadual do Meio Ambiente ndash FEAM Disponiacutevel em

httpwwwfeambrmonitoramentogestao-de-barragens Acesso em 04 junho 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

9

adequados ao setor encontra-se no modelo de hierarquia da poliacutetica de gestatildeo de resiacuteduos14

com foco na prevenccedilatildeo da geraccedilatildeo no sentido do desenvolvimento de tecnologias para a

diminuiccedilatildeo da geraccedilatildeo e para o reaproveitamento dos rejeitos em um processo de

ldquoreengenharia de minasrdquo a partir da utilizaccedilatildeo do rejeito como futuro bem mineral ou do seu

aproveitamento para outros usos como a utilizaccedilatildeo para finalidades agriacutecolas (ex rochagem)

e o preenchimento de cava exaurida15

Para a garantia da estabilidade fiacutesica e quiacutemica das barragens eacute de fulcral relevacircncia o

desenvolvimento de meacutetodos para a reduccedilatildeo do uso de aacutegua com o consequente

favorecimento de barragens de pequeno ou meacutedio porte16

acrescentando-se a reduccedilatildeo da

geraccedilatildeo de resiacuteduos perigosos como o cianeto a prevenccedilatildeo ou minimizaccedilatildeo de lixiviados e o

controle da formaccedilatildeo de drenagem aacutecida

O objetivo maior eacute evitar a formaccedilatildeo de grandes barragens por representar a adoccedilatildeo da

teacutecnica de fim de tubo - end of pipe treatment - que eacute mais onerosa do ponto de vista

ambiental e propicia a ocorrecircncia de eventos catastroacuteficos O risco de rompimento da

barragem aumenta progressivamente com o tempo de atividade uma vez que a diminuiccedilatildeo de

mineacuterio na extraccedilatildeo provoca o aumento progressivo da quantidade de rejeitos produzidos e

em consequecircncia o aumento progressivo da barragem A probabilidade de evento catastroacutefico

aumenta conforme a altura do reservatoacuterio e a consequecircncia do impacto aumenta conforme o

volume de rejeitos17

associado ao seu conteuacutedo (resiacuteduos perigosos metais pesados etc)

Atenta a este cenaacuterio a Lei Estadual nordm 2329119 que instituiu a Poliacutetica de Seguranccedila de

Barragens no Estado de Minas Gerais - LPESB trouxe a vedaccedilatildeo da concessatildeo de licenccedila

ambiental para operaccedilatildeo ou ampliaccedilatildeo de barragens de rejeitos que utilizem o meacutetodo de

alteamento a montante (art 17 caput) passando este a integrar a classe de riscos intoleraacuteveis

Posteriormente a proibiccedilatildeo ganhou projeccedilatildeo nacional por determinaccedilatildeo da Agecircncia Nacional

de Mineraccedilatildeo - ANM atraveacutes da Resoluccedilatildeo nordm 13 de 8 agosto de 2019 (art 2ordm caput)

A novel proibiccedilatildeo foi dotada de caraacuteter irrestrito na medida em que ambos os instrumentos

normativos determinaram a descaracterizaccedilatildeo de todas as barragens a montante atualmente

existentes com a obrigatoriedade de migraccedilatildeo para tecnologia alternativa de acumulaccedilatildeo ou

disposiccedilatildeo de rejeitos e resiacuteduos Na LPESB fixou-se o prazo geral maacuteximo de 3 (trecircs) anos

enquanto a ANM estabeleceu prazos diferenciados para a conclusatildeo da descaracterizaccedilatildeo de

14

Conforme art 3ordm VII e XV e art 7ordm II da Lei nordm 1230510 ndash Lei de Poliacutetica Nacional de Resiacuteduos Soacutelidos 15

Para outros exemplos de tecnologias modernas ver Instituto Brasileiro de Mineraccedilatildeo ndash IBRAM Gestatildeo e

Manejo de Rejeitos de Mineraccedilatildeo 1ordf ed Brasiacutelia (2016) p 3037 Disponiacutevel em

httpwwwibramorgbrsites1300138200006222pdf Acesso em 04 de junho de 2020 16

Uma alternativa para reduzir a quantidade de aacutegua nas bacias de rejeitos eacute a utilizaccedilatildeo do meacutetodo de

empilhamento drenado com o tratamento em separado das lamas e dos rejeitos de flotaccedilatildeo de forma que

somente as lamas pobres sejam estocadas em barragens A utilizaccedilatildeo do meacutetodo proporciona a formaccedilatildeo de

barragens ateacute 13 (treze) vezes menores do que o meacutetodo convencional e aleacutem de diminuir o potencial de danos

reduz os custos de fechamento da instalaccedilatildeo GUEDES Gilse B e SCHNEIDER Claacuteudio L Disposiccedilatildeo de

rejeitos de mineraccedilatildeo as opccedilotildees tecnoloacutegicas para a reduccedilatildeo dos riscos em barragens CETEMMCTIC Seacuterie

estudos e documentos nordm 95 Rio de Janeiro (2018) p 1920 Disponiacutevel em

httpsmineraliscetemgovbrhandlecetem2229 Acesso em 04 de julho de 2020 17

Um estudo realizado em 2011 apontou que a cada 30 (trinta) anos as barragens e as cavas de mineraccedilatildeo em

acircmbito mundial aumentaram 10 (dez) vezes em volume e dobraram em altura Atualmente satildeo gerados cerca de

670000 toneladasdia e a previsatildeo eacute que o setor mineral passe a gerar aproximadamente 1 milhatildeo de

toneladasdia de rejeitos em 2030 o que possibilita estimar que o risco de rompimento tende a aumentar 20

(vinte) vezes a cada 30 (trinta) anos considerando as projeccedilotildees do setor mineral de aumento da demanda

mundial por mineacuterios SCHNEIDER Claudio GUEDES Gilse A busca das melhores opccedilotildees tecnoloacutegicas para

evitar acidentes (2017) p 37 Disponiacutevel em httpswwwcetemgovbrimagesperiodicos2017saneamento-

ambientalpdf Acesso em 04 de julho de 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

10

acordo com o volume de rejeitos das barragens com o termo final em 15 de setembro de 2027

para a descaracterizaccedilatildeo de todas as barragens a montante existentes no territoacuterio nacional

(art 8ordm inciso III)18

Conforme conceito apresentado pela LPESB barragem descaracterizada eacute aquela que natildeo

opera como estrutura de contenccedilatildeo de sedimentos ou rejeitos natildeo possuindo caracteriacutesticas de

barragem sendo destinada a outra finalidade (art 13 sect3ordm) A previsatildeo sobre o procedimento

de descaracterizaccedilatildeo foi delegada ao oacutergatildeo ambiental competente (art 13 sectsect1ordm e 2ordm in fine)19

Note-se que a legislaccedilatildeo estadual apresentou conceito restrito de descaracterizaccedilatildeo com foco

na seguranccedila da estrutura fazendo distinccedilatildeo entre descaracterizaccedilatildeo e desativaccedilatildeo esta

uacuteltima designativa da fase final do ciclo de vida da barragem (art 3ordm) que inclui aspectos de

remediaccedilatildeo ambiental da aacuterea para uso futuro A desativaccedilatildeo da barragem deve ser objeto de

planejamento inicial mediante a apresentaccedilatildeo do correspondente plano20

para a obtenccedilatildeo da

Licenccedila de Instalaccedilatildeo ndash LI (art 7ordm II ldquofrdquo) em paralelo ao plano de fechamento da mina21

aleacutem de estar expressamente abrangida pela cauccedilatildeo ambiental (art 7ordm I ldquobrdquo)

Jaacute a Resoluccedilatildeo ANM nordm 132019 por meio da alteraccedilatildeo da Portaria DNPM nordm 7038917 (art

2ordm VIII) trouxe previsotildees mais estritas sobre o processo de descaracterizaccedilatildeo com a previsatildeo

miacutenima de quatro etapas sendo elas descomissionamento controle hidroloacutegico e

hidrogeoloacutegico estabilizaccedilatildeo e monitoramento

Sobre esta questatildeo eacute preciso atentar que o encerramento de barragens de rejeitos requer

especial atenccedilatildeo uma vez que apresenta grande propensatildeo para gerar passivos ambientais

caso natildeo sejam exigidos padrotildees de remediaccedilatildeo estritos aleacutem de natildeo prescindir da criaccedilatildeo de

um sistema de gestatildeo de riscos proacuteprio para o poacutes-operaccedilatildeo

O procedimento de descaracterizaccedilatildeo em si constitui atividade de alto risco capaz de

incrementar o risco de desastre por rompimento em razatildeo da movimentaccedilatildeo em massa dos

rejeitos a depender do meacutetodo de descomissionamento adotado22

Tanto que atento a este

aspecto no mecircs de abril de 2020 o Ministeacuterio Puacuteblico encaminhou Recomendaccedilatildeo ao oacutergatildeo

ambiental estadual (FEAM) e agrave ANM para alertar sobre os impactos socioambientais do

18

Ao todo 61 barragens a montante deveratildeo ser descaracterizadas sendo que 41 delas estatildeo em Minas Gerais

Fonte Agecircncia Nacional de Mineraccedilatildeo ndash ANM Disponiacutevel em httpwwwanmgovbrnoticiasanm-publica-

nova-norma-para-barragens-de-mineracao Acesso em 04 julho 2020 19

A Resoluccedilatildeo Conjunta SEMAD nordm 2784 de marccedilo de 2019 estabeleceu a criaccedilatildeo de um Comitecirc para

estabelecer diretrizes premissas e termo de referecircncia para a descaracterizaccedilatildeo 20

A Lei Federal nordm 1233410 ndash Lei de Poliacutetica Nacional de Seguranccedila de Barragens estabelece que a desativaccedilatildeo

da barragem deve ser objeto de projeto especiacutefico (art 18 sect1ordm) 21

Sobre o fechamento de mina o Decreto nordm 940618 dispotildee que esta fase deve incluir dentre outros aspectos I

- a recuperaccedilatildeo ambiental da aacuterea degradada II - a desmobilizaccedilatildeo das instalaccedilotildees e dos equipamentos que

componham a infraestrutura do empreendimento III - a aptidatildeo e o propoacutesito para o uso futuro da aacuterea e IV - o

monitoramento e o acompanhamento dos sistemas de disposiccedilatildeo de rejeitos e esteacutereis da estabilidade geoteacutecnica

das aacutereas mineradas e das aacutereas de servidatildeo do comportamento do aquiacutefero e da drenagem das aacuteguas (art 5ordm

sect3ordm) No Estado de Minas Gerais o plano de fechamento de mina encontra-se previsto na Deliberaccedilatildeo Normativa

do COPAM nordm 22018 como exigecircncia para os empreendimentos das classes 5 e 6 22

Segundo Miguel Fernandes Felippe professor do Departamento de Geociecircncias da Universidade Federal de

Juiz de Fora dentre os meacutetodos de descomissionamento de barragens o mais simples e barato eacute o aterro a partir

da drenagem da parte liacutequida dos rejeitos com a sobreposiccedilatildeo de terra e posterior reflorestamento Eacute tambeacutem o

que apresenta maior risco em razatildeo da instabilidade fiacutesica e possibilidade de deslizamento pela pressatildeo dos

rejeitos A teacutecnica mais segura ndash e naturalmente mais cara - requer o esvaziamento do reservatoacuterio com a

dragagem dos rejeitos e o transporte para posterior separaccedilatildeo e destinaccedilatildeo especiacutefica e somente apoacutes a

recobertura e estabilizaccedilatildeo do solo de acordo com o uso futuro definido para a aacuterea Fonte

httpswww2ufjfbrnoticias20190131clipping-28-29-30-e-31-de-janeiro Acesso em 04 julho 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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projeto de descaracterizaccedilatildeo e em especiacutefico sobre a necessidade de evacuaccedilatildeo da populaccedilatildeo

como medida para evitar ou mitigar o dano23

Poreacutem a questatildeo mais preocupante a longo prazo e que ateacute agora natildeo tem merecido a devida

atenccedilatildeo refere-se agrave estabilidade quiacutemica da aacuterea Trata-se de assunto desafiador na

comunidade cientiacutefica tendo em vista que as condiccedilotildees geoteacutecnicas da antiga aacuterea de

barragem tendem a sofrer alteraccedilotildees com o tempo e ainda paira a incerteza sobre todos os

fatores capazes de desencadear processos quiacutemicos perigosos que tambeacutem satildeo altamente

variaacuteveis de empreendimento para empreendimento24

A maior preocupaccedilatildeo eacute com a

qualidade da aacutegua em razatildeo do risco de contaminaccedilatildeo por substacircncias toacutexicas e metais

pesados que pode decorrer de transformaccedilotildees perigosas nas substacircncias presentes no solo

como drenagem aacutecida e combustatildeo espontacircnea ou da migraccedilatildeo de poluentes dos resiacuteduos

pelo ar e pela aacutegua

No cenaacuterio mundial a desativaccedilatildeo de barragens de grande porte da mineraccedilatildeo ainda eacute assunto

novo jaacute que se trata de atividade de consideraacutevel vida uacutetil e de teacutecnica que foi desenvolvida

com a industrializaccedilatildeo da produccedilatildeo Satildeo poucas experiecircncias implementadas ateacute agora no

mundo e a literatura teacutecnica eacute escassa Os proacuteprios especialistas alertam para que haacute uma

lacuna de informaccedilotildees sobre as fontes de riscos no poacutes-operaccedilatildeo uma vez que o estado

geoteacutecnico da aacuterea tende a sofrer alteraccedilotildees ao longo do tempo e essas alteraccedilotildees podem ser

provocadas por processos quiacutemicos de diversas origens Assim mesmo com a adoccedilatildeo da

melhor teacutecnica disponiacutevel na atualidade natildeo haacute certeza cientiacutefica sobre o seu grau de

eficiecircncia25

Independentemente do meacutetodo adotado para a descaracterizaccedilatildeo a literatura teacutecnica adverte

que natildeo haacute risco zero uma vez que a antiga aacuterea de barragem representaraacute fonte prolongada

de riscos26

o que exige o cuidado permanente com a aacuterea para a prevenccedilatildeo de danos

ambientais e agrave sauacutede puacuteblica A situaccedilatildeo ganha maior complexidade no contexto em anaacutelise

na medida em que a ampla maioria das barragens que seratildeo descaracterizadas nos proacuteximos

anos natildeo foram construiacutedas com base na principal estrateacutegia para minimizar os riscos do poacutes-

operaccedilatildeo consistente na teacutecnica de design for closure como direccedilatildeo de todo o planejamento

inicial da atividade para as questotildees relacionadas ao fechamento de forma que apresentam

altas potencialidades para experimentar danos e deixar passivos ambientais futuros

Em todo o caso de acordo com os padrotildees internacionais atuais mais estritos o desempenho

esperado na desativaccedilatildeo de barragens de rejeitos da mineraccedilatildeo eacute para prover estabilidade

fiacutesica e quiacutemica do siacutetio em um ciclo de vida de 1000 (mil) anos27

Para o alcance de tal

escopo eacute imprescindiacutevel a existecircncia de regulamentaccedilatildeo estrita e a adoccedilatildeo de um modelo de

23

Acesse as Recomendaccedilotildees em httpswwwmpmgmpbrcomunicacaonoticiasmpmg-expede-

recomendacoes-a-fundacao-estadual-do-meio-ambiente-e-agencia-nacional-de-mineracao-sobre-impactos-de-

descaracterizacao-de-barragenshtm Acesso em 19 julho 2020 24

SCHAFER Haley SLINGERLAND Neeltje MACCIOTTA Renato e BEIER Nicholas Overview of

Current State of Practice for Closure of Tailing Dams 6th

International Oil Sands Tailings Conference

AlbertaCanadaacute (2018) p 238 Disponiacutevel em

httpswwwresearchgatenetpublication329717328_Overview_of_Current_State_of_Practice_for_Closure_of_

Tailings_Dams Acesso em 04 de julho de 2020 25

Ibidem p 53 26

SLINGERLAND Neeltje SCHAFER Haley e EATON Tim Long-term Performance of Tailing Dams in

Alberta Marccedilo de 2018 p 51 Disponiacutevel em wwwgeotechnicalnewscom Acesso em 04 de julho de 2020 27

BJELKEVIK A G Sustainable design and post-closure performance of tailings dams Boletim nordm 153

International Committee on Large Dams - ICOLD Committee on Tailings Dams (2013) p 355 Disponiacutevel em

httpspapersacguwaeduaup1152_37_Bjelkevik Acesso em 04 julho 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

12

gestatildeo de riscos que seja proacuteprio para o poacutes-operaccedilatildeo28

o que hoje inexiste no sistema

juriacutedico brasileiro

12 A OBRIGATORIEDADE DAS MELHORES TEacuteCNICAS DISPONIacuteVEIS COMO

ALTERNATIVA Agrave DISPOSICcedilAtildeO DE REJEITOS EM BARRAGENS

Aleacutem do banimento do meacutetodo de alteamento a montante a LPESB inovou na

regulamentaccedilatildeo do licenciamento ambiental brasileiro ao prever expressamente a

obrigatoriedade das melhores teacutecnicas disponiacuteveis (MTDs) A partir de entatildeo o EIA e o

respectivo RIMA referentes agrave instalaccedilatildeo de barragens abrangidas pela lei29

devem conter a

comprovaccedilatildeo da inexistecircncia de melhor teacutecnica disponiacutevel e alternativa locacional com menor

potencial de risco ou dano ambiental para a acumulaccedilatildeo ou para a disposiccedilatildeo final ou

temporaacuteria de rejeitos e resiacuteduos de mineraccedilatildeo em barragens (art 8ordm I) Aleacutem disso deveratildeo

ser priorizadas as alternativas de disposiccedilatildeo que minimizem os riscos socioambientais e

promovam o desaguamento dos rejeitos vedando-se a acumulaccedilatildeo ou a disposiccedilatildeo final ou

temporaacuteria de rejeitos em barragens sempre que houver melhor teacutecnica disponiacutevel (art 8ordm

sect2ordm)

Atente-se que a legislaccedilatildeo mineira natildeo prevecirc a obrigatoriedade das MTDs para todo e

qualquer empreendimento de gestatildeo de rejeitos da atividade mineraacuteria direcionando o recurso

a tal instrumento exclusivamente para o licenciamento ambiental de barragens A diretriz a ser

seguida eacute no sentido de evitar a disposiccedilatildeo de rejeitos em barragens de forma que a anaacutelise

teacutecnica direciona-se de forma geneacuterica agrave disponibilidade das metodologias alternativas agrave

barragem mediante raciociacutenio de exclusatildeo

Natildeo corresponde destarte agraves MTDs na sua conformaccedilatildeo originaacuteria de caraacuteter positivo

amplo e irrestrito concebidas por Carla Amado Gomes como o instrumento-chave de gestatildeo

de riscos ambientais foacutermula aberta atraveacutes da qual a Administraccedilatildeo pode conformar ndash e ir

conformando - o dever de proteccedilatildeo do ambiente por parte de sujeitos que desenvolvam

actividades especialmente lesivas da integridade dos bens ambientais agrave luz das mais recentes

inovaccedilotildees teacutecnicas30

De larga utilizaccedilatildeo no sistema juriacutedico norteamericano ndash best available technologies ndash e no

europeu - beste verfuumlgbare Techniken ndash a foacutermula das MTDs tem na sua origem a regulaccedilatildeo

privada oriunda do conceito de ldquoboas praticasrdquo e surgiu da necessidade de estruturaccedilatildeo de um

sistema puacuteblico de gestatildeo de riscos no contexto da formaccedilatildeo da sociedade do risco

tecnoloacutegico Consiste na sua essecircncia em uma claacuteusula teacutecnica uma referecircncia do sistema

28

Neste sentido SCHAFER Haley SLINGERLAND Neeltje MACCIOTTA Renato e BEIER Nicholas

Overview of Current State of Practice for Closure of Tailing Dams 6th

International Oil Sands Tailings

Conference AlbertaCanadaacute (2018) p 239 Disponiacutevel em

httpswwwresearchgatenetpublication329717328_Overview_of_Current_State_of_Practice_for_Closure_of_

Tailings_Dams Acesso em 04 julho 2020 29

A LPESB aplica-se agraves barragens de rejeito da mineraccedilatildeo que apresentem no miacutenimo uma das caracteriacutesticas a

seguir I ndash altura do maciccedilo contada do ponto mais baixo da fundaccedilatildeo agrave crista maior ou igual a 10m (dez

metros) II ndash capacidade total do reservatoacuterio maior ou igual a 1000000msup3 (um milhatildeo de metros cuacutebicos) III ndash

reservatoacuterio com resiacuteduos perigosos IV ndash potencial de dano ambiental meacutedio ou alto conforme regulamento

(art 1ordm paraacutegrafo uacutenico) 30

AMADO GOMES Carla Risco e modificaccedilatildeo do acto autorizativo concretizador de deveres de proteccedilatildeo do

ambiente Dissertaccedilatildeo de doutoramento em Ciecircncias Juriacutedico-Poliacuteticas Faculdade de Direito da Universidade de

Lisboa (2007) p 129 Disponiacutevel em

httpswwwicjpptsitesdefaultfilespublicacoesfilesRiscoampmodificaccedilatildeopdf Acesso em 04 julho 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

13

juriacutedico ao estado atual da teacutecnica em determinada aacuterea estatuiacuteda necessariamente por uma

foacutermula aberta diante da dinacircmica do desenvolvimento tecnoloacutegico a fim de permitir uma

permanente adaptaccedilatildeo do Direito agrave evoluccedilatildeo da teacutecnica

A sua adoccedilatildeo pelo legislador o que ordinariamente se daacute no acircmbito da regulaccedilatildeo das

autorizaccedilotildees ambientais implica na escolha de um grau de sustentabilidade forte poreacutem natildeo

haacute consenso sobre o grau de vinculaccedilatildeo agrave melhor teacutecnica uma vez que em razatildeo da junccedilatildeo do

adjetivo ldquodisponiveisrdquo compreende-se que tal qualificativo introduz um novo fator de

ponderaccedilatildeo a saber o da suportabilidade econocircmica da utilizaccedilatildeo da melhor tecnologia pelo

operador

Se a consideraccedilatildeo de uma certa racionalidade econocircmica na avaliaccedilatildeo da melhor teacutecnica natildeo

encontra maiores objeccedilotildees na doutrina dos paiacuteses de tradiccedilatildeo das MTDs eacute no espaccedilo de

ponderaccedilatildeo administrativa que reside a maior divergecircncia com predomiacutenio da concepccedilatildeo que

toma o qualificativo da disponibilidade como um fator de racionalidade necessariamente

objetivo refutando-se a multiplicaccedilatildeo de desvios economicistas e a excessiva flexibilizaccedilatildeo

da claacuteusula teacutecnica em nome de objetivos econocircmicos resultantes da consideraccedilatildeo das

conveniecircncias de cada agente econocircmico concreto31

No Brasil natildeo obstante a obrigatoriedade das MTDs natildeo encontre previsatildeo expressa no

sistema juriacutedico-base do licenciamento ambiental32

de acircmbito federal e estadual haacute quem

defenda a sua adoccedilatildeo a partir de uma leitura constitucional ancorada no princiacutepio do niacutevel

elevado de proteccedilatildeo segundo o qual impotildee-se ao Estado natildeo apenas a vedaccedilatildeo de retrocesso

mas a obrigaccedilatildeo de aprimorar as condiccedilotildees normativas e faacuteticas em prol da qualidade

ambiental e com isso assegurar um contexto cada vez mais favoraacutevel ao desfrute de uma

vida digna e saudaacutevel pelo indiviacuteduo e pela coletividade como um todo33

De acordo com o referido entendimento a imposiccedilatildeo constitucional de salvaguarda do meio

ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras geraccedilotildees (art 225 caput) e

o dever concreto estatuiacutedo ao Poder Puacuteblico no sentido do controle do emprego de meacutetodos e

teacutecnicas que comportem risco para a vida para a qualidade de vida e para o meio ambiente

(art 225 sect1ordm V) dentre outras previsotildees complementares fundamentam a adoccedilatildeo do

princiacutepio do niacutevel elevado de proteccedilatildeo em mateacuteria ambiental que por sua vez conforma a

atuaccedilatildeo do Estado no sentido de exigir que quando houver dois ou mais niacuteveis de proteccedilatildeo

adotaacuteveis deve-se optar por aquele que melhor atenda ao interesse ambiental

Como maior referecircncia na doutrina brasileira sobre a temaacutetica Luciano Loubet acrescenta que

a obrigatoriedade das MTDs no sistema brasileiro deriva da previsatildeo constitucional relativa

ao Estudo de Impacto Ambiental ndash EIA no sentido de que a exigecircncia de avaliaccedilatildeo preacutevia da

atividade por meio do EIARIMA seria inoacutecua se natildeo tivesse por efeito a conformaccedilatildeo da

escolha das teacutecnicas disponiacuteveis por parte do empreendedor Neste sentido o fundamento da

31

Ibidem pp 305308 32

Apesar de natildeo estar prevista expressamente na regulaccedilatildeo de base do licenciamento ambiental a foacutermula das

MTDs encontra referecircncia expressa em outras legislaccedilotildees valendo-se destacar semelhante previsatildeo na Lei nordm

1230510 ndash Poliacutetica Nacional de Resiacuteduos Soacutelidos quando ao apresentar o conceito de rejeitos faz referecircncia a

ldquoprocessos tecnologicos disponiveis e economicamente viaveisrdquo (art 3ordm XV) e de forma mais precisa incorpora

no conceito de residuo solido a obrigatoriedade da consideraccedilatildeo a ldquomelhor tecnologia disponivelrdquo (art 3ordm XVI) 33

SARLET Ingo FENSTERSEIFER Tiago Notas sobre a proibiccedilatildeo de retrocesso em mateacuteria

(socio)ambiental In SENADO FEDERAL (ed) Princiacutepio da proibiccedilatildeo de retrocesso ambiental Brasiacutelia

Senado Federal [sd] Disponiacutevel em

httpwwwmpmampbrarquivosCAUMAProibicao20de20Retrocessopdf Acesso em 04 julho 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

14

proacutepria existecircncia do EIA seria a identificaccedilatildeo dos referenciais teoacuterico-cientiacuteficos aplicaacuteveis agrave

atividade pretendida a fim de conduzir agrave eleiccedilatildeo da melhor teacutecnica disponiacutevel34

Na jurisprudecircncia a obrigatoriedade das MTDs jaacute foi reconhecida pelo Superior Tribunal de

Justiccedila no ceacutelebre julgado que decidiu pela proibiccedilatildeo da queima da palha da cana-de-accediluacutecar

prescrevendo a adoccedilatildeo da foacutermula como uma exigecircncia concreta na medida em que teve

como fundamento principal o reconhecimento da existecircncia de tecnologias modernas mais

sustentaacuteveis e economicamente viaacuteveis35

Foi com base neste entendimento que o Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Minas Gerais como

parte da atuaccedilatildeo da forccedila-tarefa montada para coordenar e executar as accedilotildees de resposta ao

desastre da Samarco Mineraccedilatildeo SA ingressou na data de 04 de novembro de 2016 com

accedilatildeo civil puacuteblica contra o Estado de Minas Gerais buscando a obtenccedilatildeo em caraacuteter liminar

de provimento jurisdicional que impedisse o ente puacuteblico de conceder novas licenccedilas

ambientais para a instalaccedilatildeo de barragem a montante e em caraacuteter definitivo dentre outras

medidas a obrigatoriedade do recurso agraves MTDs no acircmbito do licenciamento ambiental de

instalaccedilotildees de gestatildeo de rejeitos da mineraccedilatildeo

A demanda judicial proposta foi aleacutem da previsatildeo legislativa estadual posteriormente editada

na medida em que busca natildeo apenas evitar a adoccedilatildeo da teacutecnica de disposiccedilatildeo de rejeitos por

barragem mas postula que o ente licenciador decirc prioridade a determinadas tecnologias

especiacuteficas nomeadamente agraves tecnologias com desaguamento o empilhamento drenado a

disposiccedilatildeo de rejeitos finos com secagem a disposiccedilatildeo de rejeitos em forma de pasta (paste

tailings) e agraves tecnologias envolvendo a reduccedilatildeo reutilizaccedilatildeo e reciclagem dos rejeitos

Apesar de ter sido proposta nos idos de 2016 incriacutevel e lamentavelmente a liminar soacute veio a

ser apreciada e concedida apoacutes quase 02 (dois) anos e 03 (trecircs) meses depois precisamente no

dia 28 de janeiro de 2019 ou seja apoacutes a trageacutedia que se sucedeu em Brumadinho Alguns

meses depois sobreveio sentenccedila de total procedecircncia dos pedidos com a fixaccedilatildeo de multa

cominatoacuteria no valor de R$10000000 (cem mil reais) por descumprimento Atualmente o

processo ainda aguarda o julgamento em grau de recurso36

13 O PRINCIacutePIO DA ADAPTABILIDADE E A INSTABILIDADE DA LICENCcedilA

AMBIENTAL

Como fator de destaque da instabilidade e do dinamismo da licenccedila ambiental de barragens a

PESB incluiu como exigecircncia para a obtenccedilatildeo da Licenccedila Preacutevia a apresentaccedilatildeo de proposta

de estudos e accedilotildees acompanhada de cronograma para o desenvolvimento progressivo de

tecnologias alternativas com a finalidade de substituiccedilatildeo da disposiccedilatildeo de rejeitos ou resiacuteduos

de mineraccedilatildeo em barragens (art 7ordm I ldquodrdquo)

Esse dever imposto ao operador no sentido da obrigatoacuteria programaccedilatildeo inicial voltada agrave

progressiva migraccedilatildeo para tecnologia de gestatildeo de rejeitos alternativa agrave barragem deve ser

analisado em conjunto com a exigecircncia das melhores teacutecnicas disponiacuteveis de forma que

independentemente do projeto e do cronograma apresentados pelo operador quando do

requerimento da LP o oacutergatildeo ambiental poderaacute (rectius deveraacute) posteriormente com a

34

LOUBET Luciano Licenciamento ambiental a obrigatoriedade da adoccedilatildeo das Melhores Teacutecnicas

Disponiacuteveis (MTD) Belo Horizonte Del Rey (2015) p 308 35

STJ REsp 1094873SP rel Min Humberto Martins DJE 04-08-2009 36

Autos nordm 5162864-2920168130024 3ordf Vara da Fazenda Puacuteblica e Autarquias de Belo Horizonte (PJE)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

15

efetiva evoluccedilatildeo tecnoloacutegica e a disponibilidade das teacutecnicas alternativas alterar os termos da

licenccedila para o fim de sua adequaccedilatildeo ao estado da teacutecnica

Recorde-se que a Resoluccedilatildeo CONAMA nordm 23797 expressamente permite a modificaccedilatildeo a

qualquer tempo das condicionantes e das medidas de controle e adequaccedilatildeo da licenccedila

ambiental desde que mediante decisatildeo motivada Autoriza ainda a sua suspensatildeo ou

cancelamento quando dentre outros motivos ocorrer a superveniecircncia de graves riscos

ambientais e de sauacutede (art 19) Prevista portanto a instabilidade da licenccedila ambiental natildeo haacute

espaccedilo para a sustentaccedilatildeo de direito adquirido neste acircmbito

Esse aspecto de vinculaccedilatildeo da licenccedila ao estado da teacutecnica eacute da essecircncia do conceito das

melhores teacutecnicas disponiacuteveis uma vez que natildeo faria sentido exigir o emprego da melhor

teacutecnica disponiacutevel quando da instalaccedilatildeo da barragem e permitir que a tecnologia se tornasse

obsoleta ao longo do tempo Aliaacutes como bem alertado por Luciano Loubet uma das

principais consequecircncias juriacutedicas decorrentes da adoccedilatildeo da foacutermula das MTDs como fator

de limitaccedilatildeo da discricionariedade administrativa consiste justamente no dever imposto agrave

Administraccedilatildeo Puacuteblica no sentido da adaptaccedilatildeo constante da atividade ao progresso da teacutecnica

e da ciecircncia com possibilidade natildeo apenas de revisatildeo mas da proacutepria revogaccedilatildeo da licenccedila

ambiental37

Trata-se ainda de instrumento de densificaccedilatildeo do princiacutepio da adaptabilidade - princiacutepio

especiacutefico da gestatildeo do risco na doutrina de Carla Amado Gomes - que confere contiacutenuo

dinamismo agrave licenccedila ambiental diante das circunstacircncias de incerteza que rodeiam a decisatildeo e

a contiacutenua evoluccedilatildeo do conhecimento cientiacutefico Aleacutem da instabilidade gerada ao

empreendedor impotildee agrave Administraccedilatildeo a obrigaccedilatildeo de supervisatildeo a fim de verificar

periodicamente a compatibilidade entre os moldes em que a atividade eacute exercida e os avanccedilos

tecnoloacutegicos38

Por fim vale citar outra evoluccedilatildeo de notaacutevel relevacircncia trazida pela LPESB no acircmbito do

licenciamento ambiental referente agrave obrigatoriedade do licenciamento trifaacutesico e a previsatildeo

especiacutefica do conteuacutedo exigido para cada licenccedila (LP + LI + LO) com a vedaccedilatildeo da emissatildeo

de licenccedilas concomitantes provisoacuterias corretivas e ad referendum (art 7ordm caput)

A previsatildeo tem por objetivo exigir uma anaacutelise mais cuidadosa da atividade pelo oacutergatildeo

ambiental de forma que a concessatildeo das trecircs licenccedilas ocorra em momentos distintos

exigindo-se a efetiva comprovaccedilatildeo do cumprimento das condicionantes da licenccedila anterior

para a concessatildeo da proacutexima o que natildeo ocorreu por exemplo no licenciamento ambiental

das barragens da Mina Coacuterrego do Feijatildeo no qual foram concedidas licenccedilas concomitantes

seguindo a normativa do oacutergatildeo ambiental estadual vigente agrave eacutepoca

2 A POLIacuteTICA DE AFASTAMENTO E A DELIMITACcedilAtildeO TERRITORIAL DO

RISCO

37

LOUBET Luciano Licenciamento ambiental a obrigatoriedade da adoccedilatildeo das Melhores Teacutecnicas

Disponiacuteveis (MTD) Belo Horizonte Del Rey (2015) p 309 38

AMADO GOMES Carla Subsiacutedios para um quadro principioloacutegico dos procedimentos de avaliaccedilatildeo e gestatildeo

do risco ambiental In Revista de Estudos Constitucionais Hermenecircutica e Teoria do Direito ndash RECHTD vol

3 nordm 2 (2011) p 148 Disponiacutevel em httprevistasunisinosbrindexphpRECHTDarticleview1399 Acesso

em 04 julho 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

16

21 ZONAS DE AUTOSSALVAMENTO ENTRE A REMOCcedilAtildeO DO RISCO E O

REASSENTAMENTO DA POPULACcedilAtildeO

O grande nuacutemero de mortes provocadas pela trageacutedia da Vale SA em Brumadinho deixou

como liccedilatildeo a necessidade de criaccedilatildeo de uma poliacutetica de afastamento para minorar as

consequecircncias decorrentes de rompimento de barragens de mineraccedilatildeo

Para tanto a LPESB estabeleceu a proibiccedilatildeo de construccedilatildeo instalaccedilatildeo ampliaccedilatildeo ou

alteamento de barragem quando houver comunidade na Zona de Autossalvamento - ZA

compreendida esta como a porccedilatildeo do vale a jusante da barragem em que natildeo haja tempo

suficiente para uma intervenccedilatildeo da autoridade competente em situaccedilatildeo de emergecircncia

utilizando-se de modo alternativo referencial territorial (dez quilocircmetros) ou temporal (trinta

minutos) de acordo com o que se revelar mais protetivo no caso concreto (art 12)

Apesar da anterior inexistecircncia de disposiccedilatildeo expressa na lei a presenccedila de comunidades na

ZA deveria ser analisada no acircmbito do licenciamento ambiental como elemento fulcral de

anaacutelise dos riscos E ainda a partir da adoccedilatildeo do entendimento que compreende a

obrigatoriedade das MTDs como regra no licenciamento ambiental brasileiro deveria servir

de fundamento para a natildeo concessatildeo da licenccedila quando constatada por exemplo a

impossibilidade de mitigaccedilatildeo do risco por medidas teacutecnicas apoacutes a anaacutelise de todas as

alternativas teacutecnicas e locacionais agrave disposiccedilatildeo de rejeitos

A novel vedaccedilatildeo legal foi dotada de efeitos pro futuro na medida em que diferentemente da

questatildeo do meacutetodo a montante natildeo houve a determinaccedilatildeo de descaracterizaccedilatildeo das barragens

em operaccedilatildeo aplicando-se a estas a declaraccedilatildeo como Aacuterea de Vulnerabilidade Ambiental (art

28)39

lembrando-se contudo que a realizaccedilatildeo de novos alteamentos por depender de

licenciamento ambiental fica abrangida na proibiccedilatildeo

Exatamente com esse fundamento o Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Minas Gerais ingressou

em fevereiro de 2020 com Accedilatildeo Civil Puacuteblica em face do Estado de Minas Gerais e da Anglo

American Minas Rio Mineraccedilatildeo SA objetivando a declaraccedilatildeo de nulidade do ato

administrativo de concessatildeo de licenccedila ambiental para alteamento da barragem do

empreendimento Minas-Rio

O ponto de maior destaque da referida accedilatildeo foi a busca inclusive em tutela de urgecircncia da

garantia do reassentamento coletivo das comunidades a jusante da barragem com base no

reconhecimento do direito agrave remoccedilatildeo ndash frise-se coletiva - agraves comunidades localizadas na ZA

garantindo-se os modos comunitaacuterios de vida e de uso da terra A liminar ainda aguarda

apreciaccedilatildeo judicial40

O reassentamento da populaccedilatildeo embora natildeo previsto expressamente na LPESB41

eacute

reconhecidamente um mecanismo anocircmalo de gestatildeo de riscos ambientais aplicaacutevel tanto

39

Nos termos da Lei Estadual nordm 2000912 a declaraccedilatildeo como Aacuterea de Vulnerabilidade Ambiental refere-se

aos locais onde haja possibilidade de ocorrecircncia de acidentes que resultem em dano ambiental capaz de

comprometer uma populaccedilatildeo ou um ecossistema onde deveraacute se aplicar uma poliacutetica especial de prevenccedilatildeo de

acidentes 40

Autos nordm 5000129-4220208130175 Vara Uacutenica da Comarca de Conceiccedilatildeo do Mato Dentro (PJE) 41

No PL nordm 55019 (Substitutivo da Cacircmara dos Deputados) que visa alterar a Lei nordm 1233410 ndash Lei de Poliacutetica

Nacional de Seguranccedila de Barragens o reassentamento da populaccedilatildeo foi previsto como uma das alternativas

para as barragens existentes com comunidades nas ZAS ao lado da descaracterizaccedilatildeo da barragem e do reforccedilo

da estrutura (art 18-A sect1ordm) O PL foi aprovado pelo Senado Federal no uacuteltimo dia 02092020 e aguarda a

sanccedilatildeo presidencial Fonte httpswww12senadolegbrnoticiasmaterias20200902senado-envia-nova-

politica-nacional-de-seguranca-de-barragens-para-sancao Acesso em 05 set 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

17

agravequeles de origem natural como tecnoloacutegica42

Em relaccedilatildeo aos uacuteltimos a legislaccedilatildeo de outros

paiacuteses apresenta previsotildees especiacuteficas a exemplo do Decreto nordm 312012 de Moccedilambique

que estabeleceu a obrigatoriedade de apresentaccedilatildeo do plano de reassentamento da populaccedilatildeo

como parte da avaliaccedilatildeo de impacto ambiental prefigurando-se como medida de

compensaccedilatildeo ex ante dos impactos socioambientais a fim de combater injusticcedilas ambientais

em conformidade com as conhecidas Siacutendromes NIMBY e NIABY43

A anaacutelise deste aspecto socioambiental natildeo prescinde da compreensatildeo da forte relaccedilatildeo

existente entre risco e vulnerabilidade a partir da constataccedilatildeo de que como regra os

indiviacuteduos mais afetados por riscos ambientais fazem parte das camadas mais vulneraacuteveis da

sociedade e satildeo incapazes de se defenderem por si soacute especialmente em face de grandes

empresas como as mineradoras Samarco Mineraccedilatildeo SA e Vale SA Esse fator deve

conformar natildeo apenas o grau e a forma de prevenccedilatildeo do risco44

mas igualmente a forma de

comunicaccedilatildeo o direito a saber e a estrateacutegia para a formaccedilatildeo de culturas de autoproteccedilatildeo sem

descurar do reconhecimento da participaccedilatildeo das comunidades como standard internacional da

poliacutetica ambiental aplicada ao setor mineraacuterio45

Com base neste vieacutes deve-se considerar ainda que apesar do reconhecimento da eficaacutecia do

reassentamento da populaccedilatildeo para prevenccedilatildeo de desastres industriais a sua utilizaccedilatildeo requer

cautela jaacute que provoca outros problemas sociais relevantes decorrentes da desterritorialidade

e da perda de valores identitaacuterios da coletividade o que fica evidente a partir da anaacutelise das

populaccedilotildees afetadas pelas trageacutedias da Samarco Mineraccedilatildeo SA e da Vale SA46

Por isso a

sua utilizaccedilatildeo exige um processo transparente de consulta e participaccedilatildeo e somente deve-se

dar de forma excepcional quando a remoccedilatildeo do risco em prejuiacutezo da atividade econocircmica

revelar-se inviaacutevel do ponto de vista teacutecnico

A ANM tambeacutem incorporou a poliacutetica de afastamento com vieacutes de seguranccedila do trabalho ao

estabelecer a proibiccedilatildeo de instalaccedilotildees destinadas a atividades administrativas de vivecircncia de

sauacutede e de recreaccedilatildeo nas Zonas de Autossalvamento ndash ZAS (Resoluccedilatildeo nordm 132020 art 3ordm

I)47

42

A Lei nordm 1260812 que trata da Poliacutetica Nacional de Proteccedilatildeo e Defesa Civil ndash PNPDC estabeleceu como um

de seus objetivos combater a ocupaccedilatildeo de aacutereas ambientalmente vulneraacuteveis e de risco e promover a realocaccedilatildeo

da populaccedilatildeo residente nestas aacutereas a partir do instrumento do mapeamento das aacutereas Contudo a referida

legislaccedilatildeo eacute destinada precipuamente agrave prevenccedilatildeo de desastres naturais como deslizamentos e inundaccedilotildees o que

se verifica por exemplo da promovida alteraccedilatildeo da Lei nordm 1025701 com o acreacutescimo do art 42-A 43

Ao discorrer sobre a equidade intrageracional e os problemas de justiccedila ambiental em relaccedilatildeo agrave siacutendrome de

NIMBY Carla Amado Gomes defende a criaccedilatildeo de mecanismos de compensaccedilatildeo ambiental como

contrapartida para a coletividade que tem sua qualidade de vida diminuiacuteda por um empreendimento industrial e

sugere a negociaccedilatildeo da compensaccedilatildeo ambiental entre o operador e o Poder Puacuteblico atraveacutes de serviccedilos sociais

Quando realizada de forma ex ante essa compensaccedilatildeo encontraraacute fundamento no princiacutepio do poluidor pagador

como corolaacuterio do princiacutepio da equidade intrageracional e numa loacutegica de reparticcedilatildeo de encargos puacuteblicos

Introduccedilatildeo ao Direito do Ambiente 4ordf ediccedilatildeo Editora AAFDL Lisboa (2018) pp 246-247 Sobre justiccedila

ambiental ver tambeacutem da mesma autora Justica Ambiental Justica Espacial e deveres de proteccao do Estado

in Diaacutelogo Ambiental Constitucional e Internacional Vol V (2017) pp 33 segs mdash disponiacutevel aqui

httpswwwicjpptsitesdefaultfilespublicacoesfilesebook_dialogoambiental_5_3-18pdf Acesso em 14 de

agosto de 2020 44

Neste sentido ARAGAtildeO Alexandra Prevenccedilatildeo de Riscos na Uniatildeo Europeia o dever de tomar em

consideraccedilatildeo a vulnerabilidade social para uma proteccedilatildeo civil eficaz e justa In Revista Criacutetica de Ciecircncias

Sociais Nordm 93 (2011) pp 71-93 45

Neste sentido UNEP Environmental Guidelines for Mining Operations (1997) p 2223 46

Sobre o tema veja STEIGLEDER Annelise M Desterritorializaccedilatildeo e danos existenciais uma reflexatildeo a

partir do desastre ambiental da Samarco In Revista de Direito Ambiental Vol 24 nordm 96 (2019) pp 47-80 47

O conceito de ZAS da ANM encontra-se estabelecido na Portaria DNPM nordm 703892017 (art 2ordm XLI)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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A garantia do afastamento preventivo entre a populaccedilatildeo e as fontes de riscos eacute uma tocircnica do

direito dos desastres aplicaacutevel tanto na gestatildeo de riscos tecnoloacutegicos como na prevenccedilatildeo de

cataacutestrofes naturais quando referentes a riscos com incidecircncias territoriais ou seja aqueles

que embora natildeo delimitaacuteveis no tempo possam ser delimitados quanto ao local Eacute o caso por

exemplo das zonas vizinhas de uma induacutestria quiacutemica relativamente a acidentes industriais

das zonas ribeirinhas inundaacuteveis em relaccedilatildeo a cheias e das imediaccedilotildees de um vulcatildeo

relativamente a erupccedilotildees vulcacircnicas

O instrumento-chave para a gestatildeo desta modalidade de risco eacute o ordenamento do territoacuterio

que funciona para garantir afastamentos entre as fontes de riscos e os bens juriacutedicos

fundamentais como vida e sauacutede humana e os valores ecoloacutegicos elevados

Alexandra Aragatildeo apresenta trecircs princiacutepios que devem nortear a distribuiccedilatildeo das atividades

em um territoacuterio por ela categorizados como princiacutepios ecoloacutegicos do ordenamento territorial

de cunho ambiental e social Em primeiro lugar princiacutepio do afastamento preventivo

preocupa-se com as aacutereas sensiacuteveis e com a localizaccedilatildeo de bens juriacutedicos relevantes em

aspecto similar ao escopo das ZAS Jaacute o princiacutepio da proximidade sineacutergica estabelece a

relaccedilatildeo entre as atividades com o intuito de estabelecer uma ldquorelaccedilatildeo associativa simbioticardquo

entre elas evitando-se o chamado ldquoefeito dominordquo aspecto que sera abordado adiante Por

uacuteltimo o princiacutepio da justiccedila territorial considera justamente a presenccedila de desigualdades na

distribuiccedilatildeo espacial dos riscos a fim de coibir injusticcedilas ambientais e situaccedilotildees agudas de

discriminaccedilatildeo geograacutefica48

No sistema juriacutedico brasileiro como se sabe o planejamento territorial urbano eacute de

competecircncia dos Municiacutepios (cf art 30 VIII da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica) que podem se

valer de instrumentos como o zoneamento industrial e o zoneamento ecoloacutegico-econocircmico

(ZEE)49

para a gestatildeo de riscos ambientais Contudo independentemente da natureza da aacuterea

(urbana x rural) natildeo haacute oacutebice agrave previsatildeo de distacircncias de seguranccedila na legislaccedilatildeo federal e

estadual diante da competecircncia concorrente para legislar em mateacuteria ambiental (cf art 24 VI

e VIII da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica)

Justamente para evitar celeumas decorrentes de conflitos entre normas de diferentes niacuteveis o

que eacute da tocircnica do direito ambiental brasileiro em razatildeo da multiplicidade de fontes

normativas a LPESB trouxe a previsatildeo expressa do princiacutepio da prevalecircncia da norma

ambiental mais protetiva incluindo tambeacutem a prevalecircncia da norma mais protetiva agraves

comunidades potencialmente afetadas pelos empreendimentos (art 2ordm I) do que se extrai por

oacutebvio a inclusatildeo da poliacutetica de afastamento

O princiacutepio da prevalecircncia da norma ambiental mais protetiva eacute corolaacuterio do princiacutepio

constitucional da precauccedilatildeo e relaciona-se com o princiacutepio hermenecircutico in dubio pro natura

densificado a niacutevel infraconstitucional no art 2ordm caput da Lei nordm 693881 que instituiu a

Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente ao prever o objetivo de melhoria progressiva da

qualidade ambiental

A interpretaccedilatildeo em conjunto da regra de competecircncia legislativa concorrente com o art 225

caput da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica considerando a indefiniccedilatildeo do que seja norma especial

sustenta a adoccedilatildeo da diretriz exegeacutetica de prevalecircncia da norma ambiental mais protetiva para

a soluccedilatildeo de eventuais conflitos quando a noccedilatildeo de norma geral e especial natildeo for suficiente

em atenccedilatildeo ao princiacutepio in dubio pro natura Ainda compreende-se que as normas

48

ARAGAtildeO Alexandra Uma Europa Inspiradora Sustentabilidade e Justiccedila Territorial Atraveacutes dos Sistemas

de Informaccedilatildeo Geograacutefica In Boletim de Ciecircncias Econoacutemicas Tomo I Coimbra (2014) pp 504518 49

Conforme previsatildeo no art 9ordm II da Lei nordm 693881 ndash Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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suplementares editadas nos acircmbitos estadual e municipal natildeo podem ser menos protetivas do

que as normas gerais editadas pela Uniatildeo de forma que estas configuram-se como piso

miacutenimo de tutela ao ambiente

Neste sentido independentemente da previsatildeo expliacutecita na legislaccedilatildeo infraconstitucional o

princiacutepio da prevalecircncia da norma ambiental mais protetiva deve ser retirado da proacutepria

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica no sentido de se aplicar a todo o ordenamento ambiental50

Vale

transcrever a precisa liccedilatildeo de Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer51

Tomando por base os argumentos lanccedilados ateacute aqui o estado e o municiacutepio devem

respeitar o padratildeo normativo estabelecido na norma geral e tomar tal standard de

proteccedilatildeo ambiental como piso legal protetivo miacutenimo de tal modo que mdash a

prevalecer esse argumento mdash apenas estaria autorizado a atuar para aleacutem de tal

referencial normativo e natildeo para aqueacutem Ao legislar de forma ldquomenos protetivardquo em

relaccedilatildeo ao padratildeo estabelecido pela norma geral editada pela Uniatildeo o legislador

estadual ou municipal subverte a sua competecircncia legislativa suplementar e incorre

em praacutetica inconstitucional A aplicaccedilatildeo do princiacutepio (e postulado hermenecircutico) da

prevalecircncia da norma mais beneacutefica a tutela ecologica (e tambeacutem do principio ldquoin

dubio pro naturardquo) na hipotese de conflito normativo existente entre a norma geral

federal e a legislaccedilatildeo estadual ou municipal reforccedila a tese de que no acircmbito do dever

de proteccedilatildeo ambiental do Estado no exerciacutecio da sua competecircncia legislativa

ambiental impotildeem-se tanto o dever de progressiva melhoria da qualidade ambiental

e de sua respectiva proteccedilatildeo quanto as correlatas noccedilotildees de proibiccedilatildeo de retrocesso

e insuficiecircncia de proteccedilatildeo

De todo modo a previsatildeo expressa na LPESB tem o meacuterito de afastar qualquer celeuma

interpretativa por parte dos operadores da norma exigindo no acircmbito da poliacutetica de

seguranccedila de barragem a escolha daquela que proporcione maior tutela ao meio ambiente e agraves

comunidades proacuteximas de forma que havendo duas ou mais disposiccedilotildees relativas agrave poliacutetica

de afastamento deveraacute ser aplicada a norma mais protetiva

A LPESB inovou o sistema brasileiro de gestatildeo de riscos de desastres tecnoloacutegicos ao

estabelecer de modo preciso as distacircncias de seguranccedila restringindo a atuaccedilatildeo do ente

puacuteblico no acircmbito do licenciamento ambiental Diferentemente de outros paiacuteses no Brasil

natildeo haacute uma legislaccedilatildeo especiacutefica sobre prevenccedilatildeo de acidentes industriais graves52

e no

acircmbito das disposiccedilotildees setoriais existentes ateacute entatildeo a poliacutetica de afastamento constituiacutea

quando muito uma mera diretriz53

No Decreto Federal nordm 50982014 que criou o Plano

Nacional de Prevenccedilatildeo Preparaccedilatildeo e Resposta Raacutepida a Emergecircncias Ambientais com

Produtos Quiacutemicos Perigosos - P2R2 por exemplo sequer haacute a previsatildeo do distanciamento

como um dos instrumentos de prevenccedilatildeo limitando-se a estabelecer o mapeamento das aacutereas

de risco54

50

Neste sentido na jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal cite-se a ADIN nordm 6218RS 51

SARLET Ingo e FENSTERSEIFER Tiago STF e a soluccedilatildeo de conflitos de competecircncias legislativas em

mateacuteria ambiental Disponiacutevel em httpswwwconjurcombr2020-jan-17direitos-fundamentais-stf-

conflitoscompetencia-legislar-materia-ambiental Acesso em 04 de julho de 2020 52

Sobre o regime Seveso ver TAVARES LANCEIRO Rui Acidentes industriais e outros regimes

internacionais de prevenccedilatildeo preparaccedilatildeo e resposta in Direito(s) dos Riscos Tecnoloacutegicos coord de Carla

Amado Gomes Lisboa (2014) pp 365 segs 53

Vide por ex o art 5ordm IV da Lei nordm 1260812 que instituiu a Poliacutetica Nacional de Proteccedilatildeo e Defesa Civil 54

A criaccedilatildeo do P2R2 tambeacutem foi decorrente de evento de rompimento de barragem de rejeitos fato que ocorreu

em 29 de marccedilo de 2003 em CataguazesMG O evento gerou a contaminaccedilatildeo por substacircncias quiacutemicas dos rios

Pomba e Paraiacuteba do Sul com a suspensatildeo temporaacuteria do fornecimento de aacutegua para diversas cidades dos estados

de Minas Gerais e do Rio de Janeiro Fonte

httpswwwmmagovbrestruturassqa_p2r2_1_arquivoslivro_2007_106pdf Acesso em 11 julho 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

20

22 ESTUDOS DE DAM BREAK A MANCHA DE INUNDACcedilAtildeO

Aleacutem da ZA a LPESB previu outro instrumento de delimitaccedilatildeo territorial no acircmbito do

licenciamento ambiental de barragens desta vez de aplicaccedilatildeo concreta a mancha de

inundaccedilatildeo Trata-se de instrumento ligado agraves accedilotildees de emergecircncia impostas ao operador no

caso de eclosatildeo de evento de colapso da estrutura a partir da identificaccedilatildeo preacutevia da aacuterea

suscetivel de ser afetada pelo derramamento de rejeitos (cf art 7ordm I ldquofrdquo e III ldquoardquo)

Diferentemente da ZA a mancha de inundaccedilatildeo natildeo incorpora uma determinaccedilatildeo de

afastamento Consiste na verdade em uma delimitaccedilatildeo da aacuterea abrangida pelas accedilotildees que

integraratildeo o Plano de Accedilatildeo de Emergecircncia ndash PAE direcionadas agrave minimizaccedilatildeo de danos a

exemplo da instalaccedilatildeo de sistemas sonoros de alerta agrave populaccedilatildeo55

Na loacutegica da normativa

precedente da ANM (Portaria DNPM nordm 7038917 art 2ordm XLI e XLII) essas accedilotildees satildeo

diversas conforme se trate de ZAS ou de Zona de Seguranccedila Secundaacuteria - ZSS

Note-se que o conteuacutedo do Plano de Accedilatildeo de Emergecircncia - PAE natildeo se limita agrave proteccedilatildeo da

vida humana devendo abarcar as medidas de resgate de animais mitigar impactos ambientais

salvaguardar o patrimocircnio cultural e assegurar o abastecimento de aacutegua potaacutevel agraves

comunidades atingidas (art 9ordm sect1ordm)

Esse caraacuteter ampliado conferido ao PAE tambeacutem eacute corolaacuterio direto do contexto faacutetico das

duas uacuteltimas trageacutedias No caso da Vale SA por exemplo o resgate e o cuidado com os

animais atingidos pelos rejeitos derramados soacute foram garantidos apoacutes a intervenccedilatildeo do

Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Minas Gerais por meio da expediccedilatildeo inicial de

Recomendaccedilatildeo e posterior celebraccedilatildeo de Termo de Compromisso Preliminar pelo qual a

mineradora se obrigou a adotar medidas emergenciais para a proteccedilatildeo da fauna domeacutestica e

silvestre atingidas pelo rompimento em Brumadinho56

Em relaccedilatildeo ao abastecimento de aacutegua potaacutevel o Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas

Gerais firmou tese em sede de IRDR no sentido do reconhecimento do dano moral em razatildeo

de suspensatildeo do fornecimento de aacutegua por vaacuterios dias eou pelo fornecimento de aacutegua

contaminada agrave populaccedilatildeo nas localidades que captam aacutegua do Rio Doce e foram afetadas

pelo rompimento da Barragem do Fundatildeo em Mariana fixando o valor miacutenimo de R$

200000 (dois mil reais) por pessoa57

55

Na normativa da ANM muitas vezes o proacuteprio conceito de ZA eacute utilizado como referencial para a descriccedilatildeo

das medidas do Plano de Accedilatildeo de Emergecircncia a exemplo do art 34 IV (simulados de emergecircncia) XIV

(estrateacutegias de alerta comunicaccedilatildeo e orientaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo) e XXIII (sistemas de alarme) da Portaria DNPM nordm

7038917 56

Fonte httpswwwmpmgmpbrcomunicacaonoticiasbalanco-de-seis-meses-de-atuacao-do-mpmg-no-caso-

brumadinhohtm Acesso em 11 de julho de 2020 Veja ainda o PL nordm 29502019 jaacute aprovado no Senado

Federal que trata das medidas destinadas agrave proteccedilatildeo dos animais em situaccedilatildeo de desastre estabelecendo dentre

outros deveres do operador o treinamento de pessoas para busca e salvamento de animais a previsatildeo de accedilotildees

para o salvamento de animais no acircmbito do plano de accedilatildeo de emergecircncia e a restriccedilatildeo de acesso de animais a

determinadas de maior risco de desastre Fonte httpswww25senadolegbrwebatividadematerias-

materia136839 Acesso em 11 de julho de 2020 57

TJMG IRDR - Cv 1027316000131-2001 2ordf Seccedilatildeo Ciacutevel Rel Des Amauri Pinto Ferreira Dje 04122019

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Destarte a LPESB estabeleceu uma poliacutetica de afastamento de caraacuteter impositivo a partir da

consideraccedilatildeo de fatores locacionais na eleiccedilatildeo do risco intoleraacutevel direcionada precipuamente

agrave proteccedilatildeo da vida humana e uma poliacutetica territorial de caraacuteter reativo com base na previsatildeo

de medidas teacutecnicas voltadas agrave minimizaccedilatildeo dos danos no caso de eclosatildeo do evento

abrangendo natildeo apenas a proteccedilatildeo humanitaacuteria mas tambeacutem de outros valores de alta

magnitude a exemplo dos animais e do patrimocircnio cultural

Em caraacuteter complementar o legislador mineiro possibilitou a majoraccedilatildeo da extensatildeo da ZA

ateacute 25km (vinte e cinco quilocircmetros) em consideraccedilatildeo agrave densidade e agrave localizaccedilatildeo das aacutereas

habitadas bem como aos dados sobre o patrimocircnio natural e cultural da regiatildeo (art 12 sect3ordm)

Apesar da inclusatildeo de valores ecoloacutegicos e culturais na delimitaccedilatildeo da extensatildeo da ZA

considerando que o distanciamento impositivo estaacute vinculado agrave preacutevia identificaccedilatildeo de

comunidade na zona natildeo se vislumbra o estabelecimento de distacircncia de seguranccedila para a

proteccedilatildeo dos espaccedilos territoriais especialmente protegidos a exemplo das Unidades de

Conservaccedilatildeo58

Neste sentido a poliacutetica de afastamento criada pela LPESB atraveacutes da ZA como diretriz de

ordenaccedilatildeo territorial aplicaacutevel agrave instalaccedilatildeo de barragens de mineraccedilatildeo constitui instrumento

vocacionado agrave prevenccedilatildeo de desastres humanitaacuterios o que se extrai natildeo apenas da referecircncia agrave

existecircncia de comunidade no local mas do seu proacuteprio conceito ligado agrave possibilidade

temporal de accedilatildeo pela autoridade competente o que remete precipuamente ao deslocamento e

resgate de pessoas podendo se estender aos animais e aos bens moacuteveis Natildeo se presta

contudo agrave tutela de aacutereas de especial interesse ecoloacutegico

Mesmo com a estratosfeacuterica proporccedilatildeo dos danos ecoloacutegicos provocados pelas trageacutedias da

Samarco Mineraccedilatildeo SA59

e da Vale SA natildeo houve reaccedilatildeo legislativa neste aspecto no

sentido da instituiccedilatildeo de uma poliacutetica de afastamento impositiva de tutela ecoloacutegica Por forccedila

da Resoluccedilatildeo ANM nordm 322020 a existecircncia de aacutereas de interesse ambiental relevante de

siacutetios arqueoloacutegicos e espeleoloacutegicos e de infraestruturas de interesse cultural dentre outros

bens sensiacuteveis deve constar necessariamente do mapa de inundaccedilatildeo mas natildeo representam

impeditivo locacional

Natildeo haacute por exemplo vedaccedilatildeo legal para a instalaccedilatildeo de barragens de rejeitos em que se

verifique nos estudos de Dam Break a existecircncia de Unidade de Conservaccedilatildeo na mancha de

inundaccedilatildeo recordando-se ainda que na Lei nordm 1265112 (Coacutedigo Florestal) a mineraccedilatildeo eacute

considerada atividade de utilidade puacuteblica o que permite a sua realizaccedilatildeo em aacuterea de

preservaccedilatildeo permanente e de uso restrito

58

No interior de Unidade de Conservaccedilatildeo a atividade mineraacuteria eacute vedada podendo se estender agrave zona de

amortecimento e aos corredores ecoloacutegicos a depender de decisatildeo do oacutergatildeo responsaacutevel pela administraccedilatildeo da

unidade (conforme art 24 25 sect1ordm e 28 da Lei nordm 998500 que institui o Sistema Nacional de Unidades de

Conservaccedilatildeo da Natureza) 59

Segundo dados divulgados pelo ICMBIO foram diretamente afetadas pelos rejeitos vazados da Barragem do

Fundatildeo da Samarco pelo menos 6 (seis) Unidades de Conservaccedilatildeo federais e 15 (quinze) Unidades de

Conservaccedilatildeo estaduais e municipais sendo 13 (treze) delas inseridas no Estado do Espiacuterito Santo e 2 (duas) no

Estado de Minas Gerais Fonte

httpswwwicmbiogovbrportalimagesstoriesRio_Docenota_tecnica_2_2016_apa_costa_das_algas_icmbio

pdf Acesso em 19 de julho de 2020

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Em casos deste jaez a existecircncia de aacutereas de especial interesse ecoloacutegico deveraacute ser

considerada no acircmbito das alternativas locacionais como instrumento previsto no

licenciamento ambiental Contudo eacute importante lembrar que a atividade mineraacuteria eacute marcada

pela rigidez locacional uma vez que a localizaccedilatildeo da jazida eacute determinada pelas

condicionantes geoloacutegicas60

e este aspecto reduz as alternativas locacionais para a instalaccedilatildeo

da barragem

Destaque-se por fim que um dos maiores deacuteficits de prevenccedilatildeo identificado a partir dos dois

episoacutedios mineiros recentes refere-se agrave falta de confiabilidade dos documentos teacutecnicos

apresentados pelas mineradoras e agrave ineficiecircncia do automonitoramento valendo lembrar que

ambas as barragens que colapsaram tinham Declaraccedilatildeo de Condiccedilatildeo de Estabilidade ndash DCE

vaacutelidas Especificamente em relaccedilatildeo ao estudo de Dam Break identificou-se que os estudos

de ruptura hipoteacutetica apresentados pela Vale SA natildeo refletiam a mancha de inundaccedilatildeo

efetivamente ocorrida o que ensejou mediante acordo celebrado com o Ministeacuterio Puacuteblico e

a Advocacia-Geral do Estado a revisatildeo dos estudos de todas as demais barragens da Vale SA

situadas em Minas Gerais por auditorias teacutecnicas independentes e observada a melhor teacutecnica

disponiacutevel61

23 O EFEITO DOMINOacute

Aleacutem da limitaccedilatildeo territorial decorrente da existecircncia de populaccedilatildeo e outros valores sensiacuteveis

no entorno do empreendimento haacute outra teacutecnica que integra a poliacutetica de afastamento

aplicaacutevel agrave gestatildeo do risco de desastres industriais que toma em consideraccedilatildeo o agravamento

do risco decorrente da existecircncia de outras atividades perigosas na mesma zona

Na precisa definiccedilatildeo de Alexandra Aragatildeo62

embora se referindo agraves disposiccedilotildees do direito

europeu

Estas satildeo as zonas onde jaacute estatildeo localizadas uma ou mais instalaccedilotildees desenvolvendo

atividades idecircnticas agraves projetadas ou lidando com substacircncias suscetiacuteveis de reagir

com aquelas Satildeo zonas onde muito provavelmente se iriam desenvolver sinergias

negativas sobretudo em caso de acidente industrial e agraves quais a Diretiva chama em

linguagem prosaica mas sugestiva ldquoefeito de dominordquo Na utilizaccedilatildeo do

ordenamento do territoacuterio como instrumento de prevenccedilatildeo de riscos territoriais a

prevenccedilatildeo do ldquoefeito de dominordquo vem complementar a politica de afastamentos

()

Natildeo se trata aqui de proteger os valores jaacute existentes na zona mas apenas de evitar

que um acidente numa das instalaccedilotildees possa ver os seus efeitos amplificados pela

60

Aleacutem da rigidez locacional Hildebrando Hermann aponta as seguintes particularidades da mineraccedilatildeo que

conformam a sua relaccedilatildeo com o meio ambiente que satildeo 2) exauribilidade da jazida 2) singularidade das minas

3) dinacircmica particular do projeto mineiro 4) transitoriedade do empreendimento 5) alto risco da atividade e 6)

monitoramento ambiental especiacutefico A Mineraccedilatildeo sob a Oacutetica Legal In Brasil 500 Anos A Construccedilatildeo do

Brasil e da Ameacuterica Latina pela Mineraccedilatildeo Fernando Antocircnio de Freitas Lins et al (ediccedilatildeo) Rio de Janeiro

CETEMMCT (2000) pp 166167 61

Confira a minuta do acordo em httpsmpmgbarragensinfoestudos-dam-break Acesso em 22 julho 2020 62

ARAGAtildeO Alexandra A prevenccedilatildeo de Riscos em Estados de Direito Ambiental na Uniatildeo Europeia FDUC ndash

Universidade de Coimbra (2012) p 21 Disponiacutevel em httpsestudogeralsibucpthandle1031620155 Acesso

em 11 julho 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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reaccedilatildeo com o outro estabelecimento proacuteximo assumindo o acidente proporccedilotildees

ainda mais catastroacuteficas e de difiacutecil controlo

A LPESB natildeo estabeleceu qualquer distacircncia de seguranccedila em atenccedilatildeo a esta classe de risco

limitando-se a estabelecer uma anaacutelise sistecircmica dos estudos de cenaacuterios de ruptura no

acircmbito do licenciamento ambiental quando houver mais de uma barragem na aacuterea de

influecircncia de uma mesma mancha de inundaccedilatildeo (art 7ordm sect12ordm)

Jaacute a Resoluccedilatildeo ANM nordm132019 atentou minimamente para a questatildeo ao incorporar na

poliacutetica de distanciamento impositivo das ZAS a proibiccedilatildeo de barragens de mineraccedilatildeo ou

estruturas vinculadas ao processo operacional de rejeitos situadas imediatamente agrave jusante da

barragem de mineraccedilatildeo cuja existecircncia possa comprometer a seguranccedila da barragem situada a

montante bem como qualquer instalaccedilatildeo obra ou serviccedilo que manipule utilize ou armazene

fontes radioativas (art 3ordm II e III)

No contexto preacute-Brumadinho apoacutes a ocorrecircncia da trageacutedia de Mariana mas anteriormente agrave

ediccedilatildeo dos referidos instrumentos legais o Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Minas Gerais

atento ao efeito dominoacute ingressou com Accedilatildeo Civil Puacuteblica em face da Vale SA e do ente

puacuteblico estadual buscando barrar a implantaccedilatildeo da Barragem Maravilha III Como um dos

fundamentos considerou a existecircncia de outras duas barragens de rejeitos existentes na

mancha de inundaccedilatildeo do empreendimento proposto o que sequer havia sido considerado no

acircmbito dos estudos de ruptura apresentados63

Atualmente por forccedila da Resoluccedilatildeo ANM nordm 322020 aleacutem da necessidade de anaacutelise

conjunta quando houver mais de uma barragem no mapa de inundaccedilatildeo os modos de ruptura

constantes do estudo e do mapa de inundaccedilatildeo devem considerar o cenaacuterio de maior dano o

que por loacutegica implica em considerar eventual incremento do risco decorrente do efeito

dominoacute

Aleacutem disso a referida normativa estabeleceu no acircmbito das atividades e bens que devem

necessariamente constar da avaliaccedilatildeo no estudo de Dam Break a identificaccedilatildeo de

equipamentos com potencial de contaminaccedilatildeo tais como postos de gasolina e induacutestrias ou

depoacutesitos quiacutemicosradioloacutegicos (cf nova redaccedilatildeo dada ao art 6ordmsect6ordm da Portaria nordm

7036917)

Em conclusatildeo o efeito dominoacute eacute considerado hoje na legislaccedilatildeo brasileira para efeito de

estabelecer distacircncias de seguranccedila apenas em relaccedilatildeo a barragens e estruturas que possam

comprometer a seguranccedila da barragem existente a montante e no que tange a instalaccedilotildees

radioativas Para os demais casos a existecircncia de outras atividades capazes de incrementar os

riscos ou as consequecircncias decorrentes de rompimento constitui elemento dos estudos de Dam

Break e da mancha de inundaccedilatildeo que vatildeo subsidiar as medidas teacutecnicas impostas no Plano de

Accedilatildeo de Emergecircncia ndash PAE

3 A CAUCcedilAtildeO AMBIENTAL

63

O processo ainda estaacute pendente de julgamento mas a tutela de urgecircncia que inicialmente tinha sido concedida

em outubro de 2017 para efeito de barrar o licenciamento ambiental foi posteriormente revogada Autos nordm

5154226-7020178130024 (ACP) 1ordf Vara da Fazenda Puacuteblica e Autarquias de Belo Horizonte (PJE)

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Uma das grandes novidades introduzidas pela LPESB foi a previsatildeo da cauccedilatildeo ambiental

como exigecircncia no acircmbito do licenciamento ambiental de barragens A partir de entatildeo para a

obtenccedilatildeo da Licenccedila Preacutevia ndash LP o empreendedor deve apresentar proposta de cauccedilatildeo

ambiental com duplo objetivo garantir a recuperaccedilatildeo socioambiental para casos de sinistro e

para desativaccedilatildeo da barragem A Licenccedila de Operaccedilatildeo ndash LO soacute poderaacute ser concedida apoacutes a

efetiva implementaccedilatildeo da cauccedilatildeo ambiental (art 7ordm I ldquobrdquo e III ldquobrdquo)

Em relaccedilatildeo agrave responsabilidade civil ambiental aleacutem da reafirmaccedilatildeo da responsabilidade

objetiva do operador jaacute consagrada jurisprudencialmente com base na teoria do risco

integral64

a LPESB estabeleceu expressamente o dever de reparar os danos causados ao meio

ambiente de acordo com a soluccedilatildeo teacutecnica exigida pelo oacutergatildeo ambiental incidente em todo o

ciclo de vida da barragem e inclusive apoacutes a desativaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo do uso futuro

(art 23)

A previsatildeo expressa da permanecircncia da responsabilidade civil do operador apoacutes a finalizaccedilatildeo

do processo de desativaccedilatildeo eacute bem-vinda diante dos jaacute apontados riscos do poacutes-operaccedilatildeo e seu

caraacuteter de perpetuidade Contudo a persistecircncia da cauccedilatildeo ambiental fica adstrita agrave

desativaccedilatildeo de modo que o legislador mineiro natildeo estabeleceu instrumento para a garantia de

recursos visando eventuais danos apoacutes a implementaccedilatildeo do uso futuro aleacutem de ter se omitido

quanto a questotildees fundamentais do fechamento de barragens de rejeitos a exemplo da

transferecircncia de custoacutedia e do monitoramento do siacutetio apoacutes a implementaccedilatildeo do uso futuro

questotildees que compotildeem a fase que se denomina nos referenciais teacutecnicos internacionais de

poacutes-fechamento (post-closure)65

As demais especificaccedilotildees sobre a cauccedilatildeo ambiental (tipos metodologia de caacutelculo etc) foram

delegadas para previsatildeo em regulamento atualmente pendente de ediccedilatildeo de forma que

apesar da sua relevacircncia o instrumento ainda carece de ampla aplicabilidade como exigecircncia

por parte do ente puacuteblico O que natildeo impede a sua implementaccedilatildeo por outras vias como

mediante intervenccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico o que ocorreu por exemplo no acircmbito de Termo

de Compromisso firmado com a empresa Mosaic Fertilizantes PampK Ltda em julho de 2019

destinado agrave regularizaccedilatildeo ambiental das barragens do Complexo Minero-Quiacutemico de

AraxaacuteMG no qual restou acordada a efetivaccedilatildeo de uma cauccedilatildeo ambiental no valor de R$

2000000000 (vinte milhotildees de reais)

A importacircncia da cauccedilatildeo ambiental como forma de garantir recursos para a reparaccedilatildeo em caso

de eventos draacutesticos eacute corolaacuterio do caraacuteter multifacetado e gravidade dos danos ambientais

decorrentes de rompimento de barragens de rejeitos o que fica evidente a partir da anaacutelise das

cataacutestrofes ambientais ocorridas em Mariana e em Brumadinho de forma que constitui uma

importante liccedilatildeo aprendida

No caso da trageacutedia provocada pela Vale SA por exemplo diante da inexistecircncia do

instrumento da cauccedilatildeo ambiental agrave eacutepoca do fato semelhante garantia somente foi efetivada

64

Na jurisprudecircncia do Superior Tribunal de Justiccedila A responsabilidade por dano ambiental eacute objetiva

informada pela teoria do risco integral sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco

se integre na unidade do ato sendo descabida a invocaccedilatildeo pela empresa responsaacutevel pelo dano ambiental de

excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigaccedilatildeo de indenizar (Tese julgada sob o rito do art

543-C do CPC1973 - TEMA 681 e 707 letra a) 65

Veja por exemplo International Committee on Large Dams ndash ICOLD Sustainable design and post-closure

performance of tailings dams Bulletin 153 Committee on Tailings Dams (2013)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

25

mediante intervenccedilatildeo judicial em decisatildeo proferida no acircmbito de tutela cautelar antecedente

datada de 26 de janeiro de 2019 que determinou o bloqueio do valor de 05 (cinco) bilhotildees de

reais da mineradora em uma valoraccedilatildeo preliminar que considerou a dimensatildeo dos danos e a

capacidade financeira da empresa66

Posteriormente outras garantias foram implementadas no

acircmbito das accedilotildees de reparaccedilatildeo socioambiental e socioeconocircmica propostas pelo Ministeacuterio

Puacuteblico do Estado de Minas Gerais ora mediante acordo ora por decisatildeo judicial67

Eacute importante atentar que de acordo com a soluccedilatildeo legal a cauccedilatildeo ambiental natildeo abrange

todos os danos advindos de sinistro a exemplo dos danos socioeconocircmicos e trabalhistas

referindo-se especiacutefica e limitadamente agrave reparaccedilatildeo socioambiental

Por reparaccedilatildeo socioambiental deve-se compreender a reparaccedilatildeo de todas lesotildees aos diversos

interesses ambientais conforme a tipologia das espeacutecies incorporadas no conceito de meio

ambiente68

e desde que vinculadas ao sistema de responsabilidade ambiental69

Abrange por

isso os chamados danos ecoloacutegicos puros como eventuais danos a aacutereas de especial interesse

ecoloacutegico e os danos agrave fauna os prejuiacutezos aos demais bens e recursos ambientais (aacutegua ar e

solo)70

aleacutem dos danos ao meio ambiente urbano e ao patrimocircnio cultural turiacutestico e

paisagiacutestico71

Em razatildeo da precisa referecircncia agrave reparaccedilatildeo socioambiental e em atenccedilatildeo ao princiacutepio da

reparaccedilatildeo integral dos danos ambientais com base em entendimento jurisprudencial

sedimentado72

a valoraccedilatildeo da cauccedilatildeo ambiental deve considerar ainda os danos ambientais

intercorrentes e os eventuais danos extrapatrimoniais sociais e o dano moral coletivo que

podem decorrer de um evento de sinistro A proacutepria utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo socioambiental eacute

designativa da inclusatildeo desta espeacutecie de dano no alcance da cauccedilatildeo ambiental de forma que

natildeo enseja maiores discussotildees73

Jaacute no que se refere agrave desativaccedilatildeo a previsatildeo da cauccedilatildeo ambiental relaciona-se com o alto risco

e o alto custo do procedimento de descomissionamento mas tambeacutem com o passivo

66

Autos originaacuterios nordm 5000056-6820198130090 1ordf Vara Ciacutevel Criminal e Infacircncia e Juventude da Comarca

de BrumadinhoMG 67

Para maiores informaccedilotildees consultar os autos no sistema PJE autos nordm 5044954-7320198130024 (accedilatildeo de

reparaccedilatildeo socioambiental) e autos nordm 5087481-4020198130024 (accedilatildeo de reparaccedilatildeo socioeconocircmica) ambas

em tramitaccedilatildeo na 6ordf Vara da Fazenda Puacuteblica e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte 68

Veja o conceito amplo de meio ambiente empregado na Lei nordm 693881 (art 3ordm I) 69

Conforme art 225 sect3ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e art 14 sect1ordm da Lei nordm 693881 70

Conforme art 3ordm V da Lei nordm 693881 71

Joseacute Rubens Morato Leite e Patryck de Arauacutejo Ayala destacam a complexidade e ambivalecircncia do dano

ambiental que decorre da complexidade e amplitude do conceito legal de meio ambiente e da ausecircncia de

definiccedilatildeo legal do conceito de dano ambiental o que por sua vez atrai as concepccedilotildees de dano ambiental lato

sensu dano ecoloacutegico puro e dano ambiental individual (reflexo ou indireto) Dano ambiental do individual ao

coletivo extrapatrimonial teoria e praacutetica 5ordf ediccedilatildeo revista atualizada e ampliada Satildeo Paulo RT (2012) pp

9193 72

Conforme Suacutemula 629 do Superior Tribunal de Justiccedila 73

Para maiores desenvolvimentos sobre o dano social ver AZEVEDO Antocircnio Junqueira de Por uma nova

categoria de dano na responsabilidade civil o dano social In Revista Trimestral de Direito Civil vol Nordm 5 nordm

19 (2004) pp 211-218 Sobre o dano socioambiental veja-se AMADO GOMES Carla Compensacao socio-

ambiental como mecanismo de construcao de justica intrageracional na exploracao de recursos naturais in O

direito ao meio ambiente ecologicamente adequado org de Ronilson da Paz et alli Cabedelo (2018) pp 1 segs

disponiacutevel aqui httpswwwiespedubrsistemauploadsarquivospublicacoeso-direito-ao-meio-ambiente-

ecologicamente-equilibradopdf Acesso em 14 agosto 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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ambiental histoacuterico da mineraccedilatildeo decorrente do abandono de minas no passado74

Este uacuteltimo

aspecto prende-se mais precisamente com a desativaccedilatildeo da barragem como parte do projeto

de fechamento da mina como um todo e consequente finalizaccedilatildeo da atividade

Isso porque uma das causas do enorme quantitativo de minas abandonadas fator presente natildeo

soacute no Brasil mas em todo o mundo decorre da combinaccedilatildeo entre a escassez de recursos de

caixa no fim da vida uacutetil do empreendimento e o alto custo do fechamento75

Como referecircncia internacional na temaacutetica as diretrizes do Banco Mundial estabelecem a

importacircncia de garantir recursos para o fechamento adequado de minas como forma de evitar

que os encargos recaiam sobre o Poder Puacuteblico e consequentemente a indispensabilidade de

previsatildeo legal de uma garantia financeira a ser fixada antes do iniacutecio da atividade e

continuamente atualizada

A referida agecircncia orienta no sentido da maior abrangecircncia da garantia financeira a fim de

abarcar natildeo apenas as implicaccedilotildees ambientais mas tambeacutem o custo das medidas relacionadas

com a gestatildeo dos impactos socioeconocircmicos Dentre os mecanismos de seguro financeiro

apresenta alguns exemplos como garantias por terceiros depoacutesitos em dinheiro cartas de

creacuteditos e apoacutelices de seguro e elenca as vantagens e desvantagens de cada instrumento e suas

adequaccedilotildees para cada caso especiacutefico76

Enfim embora prevista de modo unitaacuterio - para a reparaccedilatildeo socioambiental decorrente de

sinistro e para a desativaccedilatildeo - a obrigatoriedade de implementaccedilatildeo de uma garantia financeira

no acircmbito do licenciamento ambiental de barragens tem escopos e contornos distintos

conforme os objetivos eleitos aspeto que deveraacute ser considerado no acircmbito do regulamento a

ser editado especialmente para fins de valoraccedilatildeo

B O QUADRO EUROPEU

1 A REGULACcedilAtildeO ANTERIOR Agrave DIRETIVA 2006 E AS LICcedilOtildeES APRENDIDAS

COM O ACIDENTE DE BAIA MARE

Como se adiantou na Introduccedilatildeo a Comissatildeo Europeia ldquodespertourdquo para o problema da gestatildeo

das barragens de rejeitos na induacutestria extrativista na sequecircncia de dois acidentes em territoacuterio

74

Um estudo recente realizado pela Fundaccedilatildeo do Meio Ambiente (FEAM) estimou que existem mais de 400

minas abandonadas ou paralisadas somente no Estado de Minas Gerais muitas delas classificadas como de ldquoalto

riscordquo para o ambiente Fonte httpwwwfeambrrecuperacao-de-areas-de-mineracaocadastro-de-minas-

paralisadas-e-abandonadas Acesso em 22 de julho de 2020 75

Segundo dados do Banco Mundial os custos do fechamento para questotildees ambientais variam de menos de um

milhatildeo de doacutelares para pequenas minas na Romecircnia a centenas de milhotildees de doacutelares para grandes minas de

lenhite e recursos conexos na Alemanha World Bank and International Finance Corporation Itacutes Not Over

When Itacutes Over MINE CLOSURE AROUND THE WORLD The World Bank Groupacutes Mining Department

Mining and Development Washington DC USA (2002) p 5 76

World Bank Guidelines for the Implementation of Financial Surety for Mine Closure (2009) pp 08-13

Disponiacutevel em httpsdocumentsworldbankorgptpublicationdocuments-

reportsdocumentdetail915061468163480537financial-surety-guidelines-for-the-implementation-of-financial-

surety-for-mine-closure Acesso em 22 julho 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

27

europeu77

o segundo dos quais particularmente grave em termos de irradiaccedilatildeo e de danos

ecoloacutegicos Baia Mare na Romeacutenia (2000) Tratou-se de um acidente numa mina de ouro de

cuja barragem de rejeitos se escaparam cerca de 100 000 m3 de lamas e aacuteguas residuais

fortemente contaminadas por cianeto Este conteuacutedo verteu para afluentes do Danuacutebio uma

carga poluente de tal forma letal que dizimou flora e fauna num trajeto de 3040 km Graccedilas agrave

cooperaccedilatildeo entre autoridades romenas huacutengaras e jugoslavas evitou-se o agravamento dos

danos ecoloacutegicos e sociais pois o encerramento temporaacuterio da hidreleacutetrica do Tisza permitiu

mitigar o alastramento da poluiccedilatildeo e salvaguardar o abastecimento de aacutegua agraves cidades

proacuteximas

No quadro do inqueacuterito levado a cabo sobre as razotildees do acidente foi constituiacuteda uma Task

Force para avaliar metodologias de incremento da prevenccedilatildeo de novos desastres A Comissatildeo

Europeia com base nas conclusotildees aiacute sintetizadas procedeu por seu turno a uma avaliaccedilatildeo

do quadro legislativo europeu sobre a gestatildeo de rejeitos de exploraccedilotildees mineiras e constatou

que era insuficiente Na verdade natildeo existia regulaccedilatildeo dedicada a este tema encontrando-se

apenas normas pulverizadas por diversos diplomas que poderiam ser utilizadas

adaptativamente mas com lacunas Acresce que um dos problemas detetados pela Task Force

foi o da multiplicaccedilatildeo de licenccedilas necessaacuterias agraves operaccedilotildees extrativistas que prolongavam os

procedimentos autorizativos durante anos com desarticulaccedilatildeo entre entidades e obsolescecircncia

de teacutecnicas durante o percurso

A anaacutelise da Comissatildeo identificou seis diretivas que sustentavam soluccedilotildees para partes do

problema diretiva sobre avaliaccedilatildeo de impacto ambiental diretiva sobre poluiccedilatildeo no meio

aquaacutetico diretiva sobre prevenccedilatildeo de acidentes industriais graves duas diretivas sobre

deposiccedilatildeo de resiacuteduos e diretiva sobre prevenccedilatildeo e controlo integrado da poluiccedilatildeo78

O

quadro normativo que viria a ser construido pela diretiva que passaremos a analisar

entrecruza-se com alguns destes regimes e colhe contributos particulares das diretivas sobre

prevenccedilatildeo de acidentes graves e das diretivas sobre gestatildeo de resiacuteduos bem como faz por

absorver algumas das liccedilotildees aprendidas no acidente da mina de Baia Mare

2 A DISCIPLINA DA DIRETIVA 200621CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO

CONSELHO DE 15 DE MARCcedilO

A diretiva 200621CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de marccedilo sobre gestatildeo

de resiacuteduos de induacutestrias extrativistas insere-se no conjunto de diplomas da Uniatildeo Europeia

relativos agrave poliacutetica de ambiente Dentro deste domiacutenio existem inuacutemeros subramos que

convergem nos objetivos de tutela ambiental de entre os quais a gestatildeo de resiacuteduos perigosos

e natildeo perigosos cuja palavra de ordem eacute a prevenccedilatildeo ou seja a evitaccedilatildeo de produccedilatildeo dos

mesmos E eacute essa a primeira mensagem do Preacircmbulo da diretiva depois concretizada no

artigo 5ordm (a que aludiremos mais adiante) numa tentativa de aproveitar o maacuteximo dos

recursos explorados

77

No ano 2000 outros dois acidentes se verificaram em barragens de rejeitos em solo europeu um na mina de

Baia Borsa (Romeacutenia) mdash chuvas torrenciais provocaram vazamento de rejeitos minerais de zinco ferro e

chumbo mdash e outro na mina de cobre de Aitik (Sueacutecia) mdash abertura de uma racha na barragem e vazamento de

lamas 78

Para informaccedilatildeo mais detalhada veja-se a Comunicaccedilatildeo da Comissatildeo Seguranca da actividade mineira

analise de acidentes recentes cit pp 11-16

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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A diretiva preocupa-se apenas com os resiacuteduos resultantes diretamente da operaccedilatildeo

extractivista natildeo se aplicando nem aos acessoacuterios (como pilhas oacuteleos restos de comida) nem

aos resiacuteduos radioativos que se regem por diretivas especiacuteficas As operaccedilotildees mineraacuterias

realizadas em zonas litoracircneas tatildeo pouco se encontram abrangidas por este regime

Uma segunda trave mestra da diretiva 200612CE eacute a acircncora das melhores teacutecnicas

disponiacuteveis Desde a diretiva 9661CE do Conselho de 24 de setembro que esta foacutermula

preside agrave metodologia de gestatildeo de riscos tecnoloacutegicos tentando conciliar ciecircncia e economia

por amor ao ambiente e agrave sauacutede As melhores teacutecnicas disponiacuteveis apelam ao estado da

teacutecnica para promover altos niacuteveis de seguranccedila e pressupotildeem uma monitorizaccedilatildeo constante

desde o iniacutecio ao fim das operaccedilotildees de exploraccedilatildeo ou seja desde a emissatildeo da licenccedila de

operaccedilatildeo agrave conclusatildeo das diligecircncias de desmantelamento mdash cfr o art 4ordm nordms 2 e 3 Esta

monitorizaccedilatildeo cabe primacialmente ao operador mas a Administraccedilatildeo ambiental deve

identicamente prover para que atraveacutes de inspeccedilotildees perioacutedicas se garanta a observacircncia de

standards de seguranccedila elevados bem assim como atraveacutes da atualizaccedilatildeo das condiccedilotildees da

licenccedila mesmo antes do seu termo de validade se necessaacuterio

Um terceiro ponto a ressaltar quanto agrave diretiva 200612CE prende-se com a aproximaccedilatildeo ao

regime Seveso A diretiva incorpora vaacuterios instrumentos do procedimento de prevenccedilatildeo de

acidentes graves de entre os quais os planos de emergecircncia internos e externos a partilha de

informaccedilatildeo com o puacuteblico a monitorizaccedilatildeo de resultados o registo de lsquoquase acidentesrsquo mdash v

infra 21 O quadro de medidas preventivas natildeo se restringe a estes aspectos assumindo

particularidades que refletem as especificidades das induacutestrias extrativistas Note-se que a

Diretiva Seveso III (Diretiva 201218UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de

julho) expressamente exclui do seu acircmbito de aplicaccedilatildeo os locais de deposiccedilatildeo de resiacuteduos

cfr o art 2ordm nordm 2 al h) Isso natildeo impede os Estados membros todavia de terem alguns

aspetos do regime de prevenccedilatildeo de acidentes graves em consideraccedilatildeo no licenciamento de

instalaccedilotildees de gestatildeo de rejeitos extractivistas79

Em quarto lugar ressalta-se a imposiccedilatildeo de garantias de enfrentamento de danos ecoloacutegicos

por parte do operador atraveacutes da remissatildeo para o regime da responsabilidade por danos

ambientais plasmado na diretiva 200435CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21

de abril (art 15ordm) O operador fica sujeito agrave hierarquia de medidas de reparaccedilatildeo aiacute consagrada

que colocam em posiccedilatildeo cimeira a reposiccedilatildeo natural mas natildeo esquecem alternativa ou

complementarmente a compensaccedilatildeo por equivalente ecossisteacutemico e as medidas transitoacuterias

Tambeacutem nesse contexto se explica a obrigatoriedade de constituiccedilatildeo de garantia financeira

(art 14ordm) mdash v infra 22

Em quinto lugar devemos realccedilar a importacircncia da transmissatildeo de informaccedilatildeo entre os

Estados membros e entre estes e a Comissatildeo no plano dos acontecimentos de facto e no plano

da evoluccedilatildeo da teacutecnica (art 21ordm) que contribui para o incremento da seguranccedila no espaccedilo

global da Uniatildeo Europeia Este intercacircmbio eacute positivo tanto no plano da cooperaccedilatildeo como

sobretudo da prevenccedilatildeo na medida em que muitos destes acidentes tecircm aptidatildeo a produzir

efeitos transfronteiriccedilos

79

Veja-se por exemplo o Guidance on the waste management regulations da Environmental Protection Agency

irlandesa (2009) que determina (pag 84) que na elaboraccedilatildeo de planos de emergecircncia externos as autoridades

irlandesas devem ter em conta as informaccedilotildees dos operadores com vista a reduzir as consequecircncias do efeito-

dominoacute mdash httpswwwepaiepubsadvicewasteextractiveGuidance-On-The-Waste-Management-Regulations-

2009-WEBpdf Acesso em 16 ago 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Finalmente e em sexto lugar chamamos a atenccedilatildeo para a menccedilatildeo que no Preacircmbulo eacute feita agrave

possibilidade de irradiaccedilatildeo do regime desta diretiva para Estados terceiros nomeadamente no

acircmbito da cooperaccedilatildeo para o desenvolvimento Conforme se assinala no considerando 33 ldquo a

presente directiva podera ser um instrumento uacutetil a ter em conta quando se proceder a

verificaccedilatildeo de que os projectos que recebem financiamento comunitario no contexto da ajuda

ao desenvolvimento incluem as medidas necessarias para evitar ou reduzir na medida do

possivel os impactos negativos para o ambienterdquo

Apresentada a diretiva de forma panoracircmica selecionaacutemos quatro aspectos do seu regime

para analisar em maior pormenor

21 A PREVENCcedilAtildeO DE ACIDENTES GRAVES

A diretiva 200612CE reflete fortemente o regime Seveso pelo menos em parte Na medida

em que as minas se situam em zonas natildeo urbanas e natildeo satildeo deslocalizaacuteveis a questatildeo da

autorizaccedilatildeo de localizaccedilatildeo natildeo se potildee mdash pelo menos no tocante a distacircncias de seguranccedila em

face de edifiacutecios habitacionais e de serviccedilos porque pode eventualmente levantar-se a questatildeo

de autorizaccedilatildeo de mineraccedilatildeo em aacutereas protegidas Mas todo o instrumentarium relativo agrave

poliacutetica de prevenccedilatildeo de acidentes aos planos de seguranccedila interno e externo e aos deveres de

informaccedilatildeo aos trabalhadores puacuteblico em geral e autoridades de proteccedilatildeo civil de sauacutede e de

tutela ambiental faz parte deste regime

Deve comeccedilar por sublinhar-se que a operaccedilatildeo de gestatildeo de resiacuteduos merece licenciamento

autoacutenomo relativamente agrave instalaccedilatildeo mineraacuteria80

e que a prevenccedilatildeo de riscos de que trata a

diretiva diz respeito especificamente a esta operaccedilatildeo (cfr os artigos 7ordm e 11ordm) Assim no plano

de prevenccedilatildeo de riscos de gestatildeo de resiacuteduosrejeitos o operador natildeo veraacute o seu pedido de

licenciamento deferido se natildeo tiver elaborado um plano de emergecircncia interno mdash que protege

especialmente os trabalhadores mdash e se natildeo tiver fornecido os elementos informativos

necessaacuterios agraves autoridades competentes para que estas elaborem um plano de emergecircncia

externo o qual visa proteger a populaccedilatildeo residente em locais que possam ser mais

imediatamente afetados em caso de acidentes com rejeitos (art 7ordm nordm 3) Do mesmo passo do

pedido de licenccedila deveraacute constar a declaraccedilatildeo de impacto ambiental favoraacutevel ou

condicionalmente favoraacutevel sob pena de indeferimento art 7ordm nordm 2 al e)81

Aspecto absolutamente essencial do ato autorizativo de instalaccedilatildeo de uma operaccedilatildeo de gestatildeo

de rejeitos eacute a sua dinacircmica constante em diaacutelogo com a evoluccedilatildeo da teacutecnica A foacutermula das

melhores teacutecnicas disponiacuteveis jaacute realccedilada no ponto 12 deste estudo estaacute bem presente na

80

Note-se que tanto a nova licenccedila como qualquer alteraccedilatildeo substancial agrave existente devem passar por um

procedimento autorizativo o qual no caso de renovaccedilotildees ou revisotildees deveraacute ter em conta as inovaccedilotildees teacutecnicas

surgidas no sentido de alcanccedilar niacuteveis de seguranccedila mais altos quer do ponto de vista ambiental quer sanitaacuterio

(art 7ordm nordm 4) 81

Ressalte-se que no quadro da legislaccedilatildeo portuguesa de avaliaccedilatildeo de impacto ambiental (DL 151-B2013 de

31 de outubro na redaccedilatildeo dada pelo DL 152-B2017 de 11 de dezembro) faz parte do conteuacutedo miacutenimo do

estudo de impacto ambiental das instalaccedilotildees sujeitas a tal procedimento a ldquoestimativa dos tipos e quantidades de

resiacuteduos e emissotildees previstos (poluiccedilatildeo da aacutegua da atmosfera do solo e do subsolo ruiacutedo vibraccedilatildeo luz calor

radiaccedilatildeo) durante as fases de construccedilatildeo e de exploraccedilatildeordquo nos termos do Anexo V 1d) (v tambeacutem o nordm 6) As

instalaccedilotildeeslocaisoperaccedilotildees de gestatildeo de resiacuteduos perigosos e natildeo perigosos ficam sujeitos a avaliaccedilatildeo de

impacto ambiental nos termos do artigo 1ordm nordm 3 Anexos I (nordm 9) ou II nordm 11 als b) e c)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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legislaccedilatildeo ambiental da Uniatildeo Europeia e natildeo podia deixar de constar nesta diretiva

Estabelece o art 4ordm nordm 2 que ldquoOs Estados-Membros asseguraratildeo que o operador tome todas as

medidas necessarias para evitar ou reduzir o mais possivel os efeitos adversos para o ambiente

e a sauacutede humana resultantes da gestatildeo dos residuos de extracccedilatildeo Isto inclui a gestatildeo de toda

e qualquer instalaccedilatildeo de residuos mdash incluindo apos o respectivo encerramento mdash a

prevenccedilatildeo de acidentes graves que a envolvam e a limitaccedilatildeo das consequecircncias destes para o

ambiente e para a sauacutede humanardquo Adita o nordm 3 que as medidas preventivas se basearatildeo nas

melhores teacutecnicas disponiveis conforme as define a diretiva 9661CE do Conselho de 24 de

setembro sublinhando que natildeo havera imposiccedilatildeo de nenhuma teacutecnica ou tecnologia

especifica em geral antes se devendo tomar ldquoem conta as caracteristicas teacutecnicas da

instalaccedilatildeo de residuos a localizaccedilatildeo geografica da mesma e as condiccedilotildees ambientais locaisrdquo

Recorde-se que a diretiva 9661CE define no artigo 11ordm melhores teacutecnicas disponiveis como

a metodologia mais ldquoeficaz e avanccedilada das actividades e dos respectivos modos de

exploraccedilatildeo que demonstre a aptidatildeo pratica de teacutecnicas especificas para constituir em

principio a base dos valores-limite de emissatildeo com vista a evitar e quando tal natildeo seja

possivel a reduzir de em modo geral as emissotildees e o impacto no ambiente no seu todordquo

Particulariza em seguida cada um dos segmentos da definiccedilatildeo assim

ldquomdash laquoteacutecnicasraquo tanto as teacutecnicas utilizadas como o modo como a instalaccedilatildeo eacute projectada

construida conservada explorada e desactivada

mdash laquodisponiveisraquo as teacutecnicas desenvolvidas a uma escala que possibilite a sua aplicaccedilatildeo no

contexto do sector industrial em causa em condiccedilotildees economica e tecnicamente viaveis

tendo em conta os custos e os beneficios quer essas teacutecnicas sejam ou natildeo utilizadas ou

produzidas no territorio do Estado-membro em questatildeo desde que sejam acessiveis ao

operador em condiccedilotildees razoaveis

mdash laquomelhoresraquo teacutecnicas mais eficazes para alcanccedilar um nivel geral elevado de protecccedilatildeo do

ambiente no seu todordquo

A adoccedilatildeo das melhores teacutecnicas disponiacuteveis deve nortear quer a atribuiccedilatildeo da licenccedila inicial

quer a sua renovaccedilatildeo e mesmo a sua revisatildeo (ou seja a sua alteraccedilatildeo antes do termo final

atendendo agrave evoluccedilatildeo da teacutecnica) Isso fica bem claro no artigo 7ordm nordm 4 da diretiva

200621CE O caraacuteter tendencialmente transfronteiriccedilo dos danos provocados por acidentes

graves que envolvam gestatildeo de rejeitos bem assim como a necessidade de uniforme aplicaccedilatildeo

da diretiva e do seu standard de seguranccedila implicam cooperaccedilatildeo dos Estados no acircmbito da

troca de informaccedilatildeo e de aplicaccedilatildeo dos mais elevados padrotildees teacutecnicos os quais se forjam no

diaacutelogo constante entre um Comiteacute da Comissatildeo Europeia especialmente constituiacutedo para este

efeito e as estruturas competentes dos Estados-membros (art 21ordm)

Toda esta dinacircmica preventiva se desenvolve no quadro de uma ldquopolitica de prevenccedilatildeo de

acidentes gravesrdquo envolvendo residuos (detalhadamente descrita no Anexo I) pela qual eacute

responsaacutevel um gestor de seguranccedila (art 6ordm) e que eacute vertida num documento que tambeacutem

deve ser entregue antes de a instalaccedilatildeo de gestatildeo de rejeitos iniciar o seu funcionamento (art

6ordm nordm 3)

Esta poliacutetica de gestatildeo de acidentes traduz-se em primeira linha na prevenccedilatildeo de riscos

decorrentes da deposiccedilatildeo de rejeitos Para tanto estabelece o artigo 11ordm nordm 2

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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ldquoA autoridade competente deve certificar-se de que ao construir uma nova instalaccedilatildeo de

residuos ou ao modificar uma instalaccedilatildeo de residuos existente o operador garanta que

a) A instalaccedilatildeo de residuos tenha uma localizaccedilatildeo adequada atendendo em especial as

obrigaccedilotildees comunitarias ou nacionais no que se refere a areas protegidas e a factores

geologicos hidrologicos hidrogeologicos sismicos e geoteacutecnicos e tenha sido concebida de

modo a satisfazer as condiccedilotildees necessarias para prevenir numa perspectiva de curto e de

longo prazo a poluiccedilatildeo do solo da atmosfera e das aguas subterracircneas e superficiais () e

para garantir uma recolha eficiente das aguas contaminadas e dos lixiviados de acordo com o

requerido pela licenccedila se for esse o caso e reduzir tanto quanto tecnicamente possivel e

economicamente viavel a erosatildeo causada pelas aguas e pelo vento

b) A construccedilatildeo gestatildeo e manutenccedilatildeo da instalaccedilatildeo de residuos se processem de um modo

adequado capaz de garantir a estabilidade fisica da mesma e de evitar a poluiccedilatildeo ou

contaminaccedilatildeo do solo da atmosfera das aguas superficiais e das aguas subterracircneas numa

perspectiva de curto e de longo prazo bem como de minimizar tanto quanto possivel danos a

paisagem rural

c) Existam planos e disposiccedilotildees adequados em mateacuteria de monitorizaccedilatildeo e inspecccedilatildeo

regulares da instalaccedilatildeo de residuos por pessoas competentes e para que sejam tomadas

medidas em caso de resultados indicativos de instabilidade ou contaminaccedilatildeo das aguas ou do

solo

d) Estejam previstas disposiccedilotildees adequadas para a reabilitaccedilatildeo dos terrenos e o encerramento

da instalaccedilatildeo de residuos

e) Estejam previstas disposiccedilotildees adequadas para a fase pos-encerramento da instalaccedilatildeo de

residuosrdquo

Conforme se depreende desta disposiccedilatildeo a estrateacutegia de gestatildeo de acidentes com rejeitos

prolonga-se igualmente no chamado ldquopos-minardquo nomeadamente quando a instalaccedilatildeo de

gestatildeo for encerrada e no periacuteodo posterior ao encerramento Assim e em segunda linha o

artigo 12ordm da diretiva alude a procedimentos de encerramento e poacutes-encerramento que se

traduzem no seguinte

O encerramento natildeo pode ser efetuado sem uma autorizaccedilatildeo para o efeito autorizaccedilatildeo

essa que soacute pode ser concedida apoacutes uma vistoria realizada pela autoridade competente na

qual se certifique que a reabilitaccedilatildeo do terreno foi efetuada e que a operaccedilatildeo de encerramento

foi aprovada (art 12ordm nordms 2 e 3)

Caso a instalaccedilatildeo de gestatildeo de rejeitos possa provocar poluiccedilatildeo em aacuteguas superficiais

e subterracircneas o operador poderaacute ficar obrigado a monitorizar a estabilidade fiacutesica e quiacutemica

da mesma atraveacutes de mediccedilotildees de utilizaccedilatildeo e da limpeza de canais de transbordamento (art

12 nordm 5)

Os resultados das monitorizaccedilotildees tanto no que concerne a gestatildeo no periacuteodo de

funcionamento como nos periacuteodos de encerramento e poacutes-encerramento deveratildeo ser

regularmente comunicados agrave autoridade competente e qualquer acidente e quase acidente

deveraacute ser reportado de imediato com acionamento do plano de emergecircncia interno (o qual

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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permaneceraacute ativo mesmo apoacutes o encerramento quando necessaacuterio art 12ordm nordm 6)82

Especial

atenccedilatildeo deveraacute merecer a monitorizaccedilatildeo da presenccedila e teor de lixiviados em razatildeo da sua

especial perigosidade para o meio hiacutedrico (cfr o art 13ordm)

Uma terceira dimensatildeo de prevenccedilatildeo de acidentes filia-se na obrigaccedilatildeo de construir e manter

um inventaacuterio de instalaccedilotildees encerradas e tambeacutem das abandonadas ficando esta

incumbecircncia a cargo dos Estados-membros (art 20ordm) A existecircncia destes locais por natildeo estar

associada agrave dinacircmica de funcionamento de uma mina pode passar despercebida se natildeo estiver

convenientemente assinalada A sua inventariaccedilatildeo eacute determinante para monitorizar os riscos

associados

Uma quarta nota incide sobre a necessidade de sujeiccedilatildeo dos procedimentos autorizativos agrave

consulta entre Estados-membros sempre que os riscos associados agrave operaccedilatildeo de gestatildeo de

rejeitos configurarem potencial impacto transfronteiriccedilo O artigo 16ordm determina deveres de

comunicaccedilatildeo de consulta de promoccedilatildeo do acesso agrave informaccedilatildeo do puacuteblico estrangeiro e de

alerta em caso de acidente

Um quinta e uacuteltima nota diz respeito a envolvimento do puacuteblico interessado ndash potenciais

viacutetimas de acidente associaccedilotildees de defesa do ambiente puacuteblico em geral mdash no procedimento

autorizativo e na monitorizaccedilatildeo de resultados de funcionamento encerramento e poacutes-

encerramento O Anexo I nordm 2 eacute particularmente explicativo do teor da informaccedilatildeo que deve

ser transmitida ao puacuteblico de modo a mantecirc-lo pontualmente informado sobre os riscos

associados ao funcionamento da instalaccedilatildeo no sentido da prevenccedilatildeo de danos agrave sauacutede e ao

ambiente Sobretudo no que tange agraves pessoas residentes em aacutereas de impacto imediato o

conteuacutedo dos planos de seguranccedila externos deve ser devidamente comunicado bem assim

como os comportamentos a adotar em caso de acidente

22 A ELABORACcedilAtildeO DE PLANOS DE GESTAtildeO DE RESIacuteDUOSREJEITOS

Conforme se afirma no Preacircmbulo a diretiva pretende tanto quanto possiacutevel disciplinar a

atividade extrativa e colocaacute-la em linha com a poliacutetica de residuos da Uniatildeo Europeia cuja

maacutexima fundamental eacute a prevenccedilatildeo de geraccedilatildeo de residuos Se esta natildeo puder ser evitada

entatildeo deve minimizar-se essa produccedilatildeo Os resiacuteduos produzidos deveratildeo ser reutilizados ou

valorizados soacute se destruindo em uacuteltima instacircncia

Assim se compreende que o artigo 5ordm da diretiva coloque a enfacircse nessa hierarquia mdash

prevenccedilatildeo minimizaccedilatildeo tratamento valorizaccedilatildeo e eliminaccedilatildeo mdash apontando para a

necessidade de o operador elaborar um plano de gestatildeo de residuos O nordm 2 dessa disposiccedilatildeo

expotildee os objetivos do plano

ldquo2 Os objectivos do plano de gestatildeo de residuos seratildeo os seguintes

82

Cfr a alinea f) do Anexo I sobre ldquoMonitorizaccedilatildeo dos resultados mdash adopccedilatildeo e aplicaccedilatildeo de procedimentos

para a avaliaccedilatildeo continua do cumprimento dos objectivos estabelecidos pela politica de prevenccedilatildeo de acidentes

graves e pelo sistema de gestatildeo de seguranccedila do operador e de mecanismos de investigaccedilatildeo e correcccedilatildeo em caso

de inobservacircncia Os procedimentos devem cobrir o sistema utilizado pelo operador para comunicar acidentes

graves ou quase‐acidentes mdash em especial quando implicarem falhas das medidas de protecccedilatildeo ndash a investigaccedilatildeo

dos mesmos e o seguimento a dar‐lhes com base na experiecircncia adquiridardquo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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a) Evitar ou reduzir a produccedilatildeo de residuos e a sua perigosidade em particular

mediante a ponderaccedilatildeo

i) da gestatildeo de residuos na fase de projecto e na escolha do meacutetodo a utilizar

para a extracccedilatildeo e tratamento dos minerais

ii) das alteraccedilotildees que os residuos de extracccedilatildeo possam sofrer devido ao

aumento da area superficial e a exposiccedilatildeo das condiccedilotildees a superficie

iii) da reposiccedilatildeo dos residuos de extracccedilatildeo nos vazios de escavaccedilatildeo depois da

extracccedilatildeo do mineral desde que seja viavel em termos teacutecnicos e economicos e

no respeito do ambiente de acordo com as normas ambientais vigentes a nivel

comunitario e com os requisitos da presente directiva se aplicaveis

iv) da reposiccedilatildeo do solo superficial depois do encerramento da instalaccedilatildeo de

residuos ou se tal natildeo for exequivel da reutilizaccedilatildeo do solo superficial noutro

local

v) da utilizaccedilatildeo de substacircncias menos perigosas no tratamento dos recursos

minerais

b) Promover a valorizaccedilatildeo dos residuos de extracccedilatildeo atraveacutes da reciclagem

reutilizaccedilatildeo ou recuperaccedilatildeo dos mesmos no respeito do ambiente de acordo com

as normas ambientais vigentes a nivel comunitario e com outros requisitos da

presente directiva se aplicaveis

c) Garantir a eliminaccedilatildeo segura dos residuos de extracccedilatildeo a curto e a longo prazo

tendo particularmente em conta durante a fase de projecto a gestatildeo durante o

funcionamento e apos o encerramento da instalaccedilatildeo de residuos e optando por um

projecto que

i) requeira pouca e em uacuteltima instacircncia nenhuma monitorizaccedilatildeo controlo e

gestatildeo da instalaccedilatildeo de residuos apos o seu encerramento

ii) evite ou pelo menos minimize qualquer efeito negativo a longo prazo por

exemplo imputavel a migraccedilatildeo de poluentes aquaticos ou de poluentes

transportados pelo ar provenientes da instalaccedilatildeo de residuos e

iii) garanta a estabilidade geoteacutecnica a longo prazo de quaisquer barragens ou

escombreiras situadas em plano superior ao da superficie do terreno preacute-

existenterdquo

Duas notas finais sobre estes planos Por um lado eles devem integrar o pedido de licenccedila

que significa que esta natildeo poderaacute ser concedida sem a sua exibiccedilatildeo art 7ordm nordm 2 al c) e por

outro lado deveratildeo merecer revisatildeo de cinco em cinco anos ou antes caso haja alteraccedilotildees

teacutecnicas que permitam incrementar a sua eficaacutecia (art 5ordm nordm 3)

23 A GARANTIA FINANCEIRA

A constituiccedilatildeo de garantia financeira (ou equivalente depoacutesito financeiro por exemplo) serve

para assegurar que o operador cumprira todas as obrigaccedilotildees decorrentes da licenccedila incluindo

as relativas ao encerramento e ao periodo posterior ao encerramento da instalaccedilatildeo de residuos

A garantia financeira devera ser suficiente para cobrir o custo da reabilitaccedilatildeo do terreno

afetado pela instalaccedilatildeo de residuos Tal garantia deve ser providenciada antes do inicio das

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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operaccedilotildees de deposiccedilatildeo na instalaccedilatildeo de residuos sendo condiccedilatildeo de emissatildeo da licenccedila

(artigos 7ordm nordm 2 al d) e 14ordm nordm 1) e deve ser ajustada periodicamente (art 14ordm nordm 3)

O calculo do valor da garantia tem como base nos termos do art 14 nordm 2 o impacto

ambiental potencial da instalaccedilatildeo de residuos atendendo em especial a categoria da

instalaccedilatildeo as carateristicas dos residuos e a futura utilizaccedilatildeo dos terrenos reabilitados e

pressupotildee que os trabalhos de reabilitaccedilatildeo eventualmente necessarios seratildeo avaliados e

efetuados por terceiros independentes e devidamente qualificados

Esta garantia estaacute portanto estreitamente relacionada com a reparaccedilatildeo de danos ao estado do

solo mdash pois o terreno apoacutes o encerramento da instalaccedilatildeo poderaacute ter que sofrer uma operaccedilatildeo

de limpeza profunda caso venha a ser afeto a uma utilizaccedilatildeo urbana ou agriacutecola mdash tendo em

atenccedilatildeo a proteccedilatildeo da sauacutede da qualidade da aacutegua que possa ter sofrido contaminaccedilatildeo e da

biodiversidade envolvente A ligaccedilatildeo agrave diretiva da responsabilidade ambiental (supra referida)

eacute pois evidente Em contrapartida esta garantia natildeo tem por objetivo a reparaccedilatildeo ou

compensaccedilatildeo de outros danos aleacutem dos da reparaccedilatildeo dos elementos mencionados ou seja

para o seu caacutelculo natildeo relevam danos pessoais e socioambientais que decorram de eventuais

acidentes

Refira-se por uacuteltimo que a aprovaccedilatildeo do encerramento da instalaccedilatildeo liberta o operador da

exigecircncia de garantia mas poderaacute essa subsistir relativamente aos deveres de manutenccedilatildeo

monitorizaccedilatildeo controlo e medidas corretivas da instalaccedilatildeo na fase de pos-encerramento (art

14ordm nordm 4)

24 A PARTICIPACcedilAtildeO DO PUacuteBLICO E O ldquoDIREITO A SABERrdquo

Porque lida com riscos seacuterios para a sauacutede e ambiente a diretiva insiste na questatildeo da

divulgaccedilatildeo da informaccedilatildeo Isso eacute particularmente niacutetido no Ponto 2 do Anexo I que descreve

o conteuacutedo da ldquopolitica de prevenccedilatildeo de acidentes gravesrdquo O puacuteblico interessado deve ter

acesso agrave informaccedilatildeo essencial sobre a instalaccedilatildeo deve ser admitido a participar no

procedimento autorizativo atraveacutes da consulta dos elementos do pedido mdash nomeadamente a

identificaccedilatildeo do operador a caraterizaccedilatildeo da instalaccedilatildeo e do tipo de resiacuteduos aiacute gerados os

riscos que dela podem advir mdash e deve poder ter acesso aos relatoacuterios de monitorizaccedilatildeo da

instalaccedilatildeo Quanto ao puacuteblico mais diretamente afetado por um eventual acidente os planos

de emergecircncia externo e as medidas de proteccedilatildeo a adotar devem-lhe ser especificamente

comunicados

Esta obrigaccedilatildeo de divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees pelo operador deve ser exigida pelo Estado

atraveacutes das autoridades competentes O natildeo cumprimento do operador poderaacute acarretar

sanccedilotildees e responsabilizaccedilatildeo por acidente mas tambeacutem responsabilidade internacional do

Estado no plano da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Deve assinalar-se aqui a

decisatildeo da Corte Europeia dos Direitos Humanos no caso Tatar vs Romeacutenia precisamente na

sequecircncia do vazamento na mina de Baia Mare em 2000 a que jaacute aludimos (acoacuterdatildeo de 27 de

janeiro de 2009 proc 6702101)83

Neste aresto a Corte Europeia considerou que o Estado

romeno violou o artigo 8 da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos Humanos na medida em que

natildeo exigiu do operador da mina nem a divulgaccedilatildeo de informaccedilatildeo sobre as carateriacutesticas da

instalaccedilatildeo de gestatildeo de rejeitos constante do procedimento de avaliaccedilatildeo de impacto

ambiental nem a informaccedilatildeo relativa ao acidente o que contende com a tranquilidade de que

83

O texto da decisatildeo em francecircs pode ser consultado aqui httpshudocechrcoeintengitemid[001-

90909] Acesso em 13 agosto 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

35

as pessoas devem poder usufruir na sua vida privada Nas palavras da Corte (em traduccedilatildeo

nossa)

ldquo121 O Tribunal constatou que as obrigaccedilotildees positivas inerentes ao respeito efetivo pela vida

privada ou familiar que incumbem agraves autoridades nacionais tambeacutem se estendiam mesmo a

fortiori ao periacuteodo posterior ao acidente de Janeiro de 2000

122 Dadas as consequecircncias para a sauacutede e o meio ambiente do acidente ecoloacutegico conforme

constam de estudos e relatoacuterios internacionais a Corte considera que a populaccedilatildeo da cidade de

Baia Mare incluindo os demandantes deve ter vivido em estado de anguacutestia e incerteza

acentuadas pela passividade das autoridades nacionais que tinham o dever de fornecer

informaccedilotildees suficientes e detalhadas sobre as consequecircncias passadas presentes e futuras do

acidente ecoloacutegico relativamente agrave sua sauacutede e ao meio ambiente e sobre as medidas

preventivas e recomendaccedilotildees a dirigir a populaccedilotildees que estariam sujeitas a eventos

comparaacuteveis no futuro A isso se soma o medo pela continuaccedilatildeo da atividade e a possiacutevel

recorrecircncia no futuro do mesmo acidente

123 O Tribunal observa que o primeiro recorrente intentou sem sucesso numerosos processos

administrativos e penais para apurar os riscos potenciais na sequecircncia do acidente ecoloacutegico de

Janeiro de 2000 ao qual esteve exposto bem como a sua famiacutelia bem assim tendo em vista

punir os responsaacuteveis por este incidente ()

124 No mesmo contexto que se seguiu ao acidente de Janeiro de 2000 o Tribunal estaacute

convencido apoacutes anaacutelise dos elementos dos autos que as autoridades nacionais descumpriram

o seu dever de informar a populaccedilatildeo do municiacutepio de Baia Mare e mais particularmente os

requerentes Estes uacuteltimos ficaram totalmente impossibilitados de conhecer as medidas

preventivas susceptiacuteveis de travar ou minimizar um acidente semelhante ou as medidas de accedilatildeo

em caso de reincidecircncia desse acidente Esta tese eacute tambeacutem apoiada pela Comunicaccedilatildeo da

Comissatildeo Europeia sobre a seguranccedila das actividades mineiras Seguranca da actividade

mineira analise de acidentes recentes 2000rdquo

A Corte Europeia por vias travessas eacute certo84

apela aqui ao respeito pelo direito de acesso agrave

informaccedilatildeo ambiental tal como consagrado na Convenccedilatildeo de Aarhus adotada em Junho de

1998 e em vigor desde outubro de 200185

Como tal direito natildeo consta da Convenccedilatildeo mais

natural seria abordaacute-lo a partir da liberdade de informar86

sem embargo do raciociacutenio

obliacutequo que faz entroncar o direito a ser informado sobre riscos vivenciais no direito ao

respeito pela vida privada (como sucedeu no caso Tatar) ou no direito agrave vida (no

paradigmaacutetico caso Oumlneryildiz vs Turquia mdash Acoacuterdatildeo de 18 de junho de 2002 proc nordm

4893999) o ldquodireito a saberrdquo da existecircncia de riscos capazes de pocircr em causa a vida e a

integridade fiacutesica das pessoas permeia cada vez mais os regimes de autorizaccedilatildeo de instalaccedilotildees

perigosas como aquelas que satildeo objeto deste texto

84

Cfr AMADO GOMES Carla Direito ao respeito pelo ambiente natildeo associado agrave protecccedilatildeo do domiciacutelio in

Comentaacuterio da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem e dos Protocolos adicionais II org de Paulo Pinto

de Albuquerque Lisboa (2019) pp 1579 segs 85

A Uniatildeo Europeia aderiu agrave Convenccedilatildeo atraveacutes da Decisatildeo 2005370CE do Conselho de 17 de fevereiro

relativa agrave celebraccedilatildeo em nome da Comunidade Europeia da Convenccedilatildeo sobre o acesso agrave informaccedilatildeo

participaccedilatildeo do puacuteblico no processo de tomada de decisatildeo e acesso agrave justiccedila em mateacuteria de ambiente 86

Recorde-se que a Corte Europeia recusou filiar o direito a ser informado sobre riscos de poluiccedilatildeo no artigo 10

da Convenccedilatildeo no caso Anna Maria Guerra e outros c Itaacutelia (Acoacuterdatildeos de 19 de fevereiro de 1998 procs nordms

1161996735932) Os autores um conjunto de residentes nas imediaccedilotildees de uma faacutebrica de quiacutemicos que

utilizava trioacutexido de arseacutenio recorreram agrave Corte de Estrasburgo depois de terem tentado obter informaccedilotildees

(junto das autoridades e inclusive dos tribunais nacionais) sobre os componentes emitidos pela instalaccedilatildeo cuja

disseminaccedilatildeo jaacute provocara na sequecircncia de um acidente ocorrido em 1976 a hospitalizaccedilatildeo de uma centena e

meia de pessoas por envenenamento

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

36

C CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A gestatildeo dos resiacuteduos da atividade extrativa constitui sem duacutevida o eixo problemaacutetico

principal da noccedilatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel aplicado ao setor materializado na busca

por um sistema que previna a ocorrecircncia de desastres humanitaacuterios e ambientais com

derramamento de rejeitos e garanta um desempenho ambiental forte durante todo o ciclo de

vida do empreendimento e inclusive apoacutes o seu encerramento com a minimizaccedilatildeo de riscos

e a prevenccedilatildeo de passivos ambientais

A principal estrateacutegia para o alcance dos objetivos eleitos centraliza-se na poliacutetica hieraacuterquica

de gestatildeo de resiacuteduos cuja maacutexima fundamental eacute a prevenccedilatildeo da geraccedilatildeo acrescida da

minimizaccedilatildeo da perigosidade dos resiacuteduos e do incentivo agrave sua valorizaccedilatildeo Este eacute de resto o

modelo do futuro a economia circular visando evitar a todo custo a disposiccedilatildeo

finaleliminaccedilatildeo de resiacuteduos incluindo os rejeitos Especificamente do ponto de vista da

seguranccedila o risco de desastres encontra seu maior expoente na utilizaccedilatildeo da teacutecnica de

disposiccedilatildeo de rejeitos em barragens e no seu meacutetodo de alteamento combinado com a poliacutetica

de ordenamento territorial aplicaacutevel ao entorno do empreendimento

As duas uacuteltimas trageacutedias ocorridas em solo mineiro nos anos de 2015 e 2019 evidenciaram

o abismo existente entre o ideal proposto e a realidade faacutetica da atividade no Brasil Esta

conclusatildeo se extrai natildeo apenas do fracasso do sistema de prevenccedilatildeo de desastres por

rompimento de barragens mas do proacuteprio quantitativo de barragens existentes no territoacuterio

nacional e da constataccedilatildeo da adoccedilatildeo de um modelo de sustentabilidade fraco por um lado

dada a eleiccedilatildeo como regra da pior teacutecnica disponiacutevel por parte das mineradoras e por outro

lado em virtude da inexistecircncia de uma poliacutetica de gestatildeo de riscos eficaz

A trageacutedia provocada pela Vale SA em Brumadinho especialmente na sua dimensatildeo

humanitaacuteria decorrente do nuacutemero de perdas de vidas humanas tambeacutem evidenciou que natildeo

houve ganho de prevenccedilatildeo substancial na legislaccedilatildeo apoacutes o evento de Mariana de forma que

somente com a ediccedilatildeo da Lei Estadual nordm 232912019 foi possiacutevel se vislumbrar a

incorporaccedilatildeo legal de liccedilotildees aprendidas enquanto teacutecnica de prevenccedilatildeo de desastres repetidos

Dentre elas destacam-se a vinculaccedilatildeo do operador agraves melhores teacutecnicas disponiacuteveis a adoccedilatildeo

de uma poliacutetica territorial para minorar as consequecircncias no caso de eclosatildeo do evento e a

exigecircncia de uma garantia financeira para a reparaccedilatildeo de danos socioambientais decorrentes

de sinistro e para a desativaccedilatildeo de barragens

Sem olvidar o problema referente agrave qualidade e agrave confiabilidade das avaliaccedilotildees teacutecnicas

produzidas pelo operador - questatildeo natildeo versada no presente estudo - e da temaacutetica sensiacutevel

do fechamento das instalaccedilotildees de rejeitos que ainda se encontra pendente de ampla

regulamentaccedilatildeo no que pertine aos trecircs eixos temaacuteticos acima referenciados o legislador

mineiro destacou a devida atenccedilatildeo num modelo que configura notaacutevel ganho de proteccedilatildeo

ambiental especialmente no acircmbito da prevenccedilatildeo de desastres

Por sua vez a anaacutelise do quadro europeu traduzido na diretiva 200621CE que tambeacutem

representou resposta legislativa a desastre com rompimento de barragem (Baia Mare 2000)

demonstra que os aspectos retratados na novel legislaccedilatildeo do Estado de Minas Gerais embora

de modo natildeo idecircntico foram igualmente objeto de atenccedilatildeo especial pelo legislador europeu

acrescentando-se ainda o relevo concedido agrave participaccedilatildeo do puacuteblico agrave salvaguarda do

ldquodireito a saberrdquoconhecer informaccedilatildeo sobre riscos vivenciais e a criaccedilatildeo de disposiccedilotildees

especiacuteficas sobre o fechamento das instalaccedilotildees de resiacuteduosrejeitos

Apoacutes a ediccedilatildeo da citada diretiva natildeo se teve mais notiacutecias da ocorrecircncia de grandes desastres

socioambientais com colapso de barragens de rejeitos no territoacuterio da Uniatildeo Europeia Natildeo haacute

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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como se afirmar com absoluta certeza que este dado eacute corolaacuterio exclusivo da efetividade da

diretiva relativa agrave gestatildeo dos resiacuteduos de induacutestrias extrativas ateacute porque como se sabe o alto

padratildeo ambiental imposto pelo ordenamento europeu restringiu muitas atividades em seu

territoacuterio contribuindo em contrapartida para a expansatildeo de induacutestrias poluentes para paiacuteses

em desenvolvimento com regulamentaccedilatildeo ambiental menos restritiva mdash exatamente o caso

da atividade mineraacuteria no Brasil

Nada obstante espera-se ao menos que a semelhanccedila dos instrumentos legais abordados

provoque semelhante ganho de prevenccedilatildeo na praacutetica e que a novel legislaccedilatildeo do Estado de

Minas Gerais (Lei Estadual nordm 232912019) sirva como inspiraccedilatildeo e modelo para a alteraccedilatildeo

da Lei de Poliacutetica Nacional de Seguranccedila de Barragens (Lei Federal nordm 1233410) para que

esta possa tambeacutem absorver as liccedilotildees aprendidas das trageacutedias de Mariana e Brumadinho

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CLOSURE AROUND THE WORLD The World Bank Groupacutes Mining Department Mining

and Development Washington DC USA (2002)

ABSTRACT This text aims in the first part to analyze how the ldquolessons learnedrdquo from the disasters of

Mariana and Brumadinho influenced State Law Nordm 232912019 which institutes the Dam

Safety Policy in the state of Minas Gerais In the second part it addresses the European

legislative framework on accident prevention with tailings dams

KEYWORDS risk management tailing dams accident prevention

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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RESPONSABILIDADE CIVIL E REDISTRIBUICcedilAtildeO DO OcircNUS DA

PROVA DO DANO MATERIAL AS GRANDES TRAGEacuteDIAS DA

MINERACcedilAtildeO

BRUNO HENRIQUE TENOacuteRIO TAVEIRA

____________________ SUMAacuteRIO __________________

1 Introduccedilatildeo 2 Desastre da Samarco no Rio doce ndash

rompimento da barragem de fundatildeo em MarianaMG ndash

enquadramento como conflito socioambiental 3 Da

responsabilidade civil objetiva na sociedade de risco 4

Teoria da carga dinacircmica da prova ndash aplicaccedilatildeo aos casos

envolvendo trageacutedias no setor de mineraccedilatildeo 5 Do

entendimento do tribunal de justiccedila do estado de minas

gerais acerca da redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova nos casos

envolvendo trageacutedias no setor de mineraccedilatildeo 51 Do

entendimento do tribunal de justiccedila do estado de minas

gerais acerca da redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova nos casos

envolvendo trageacutedias no setor de mineraccedilatildeo 52

Redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova em accedilatildeo indenizatoacuteria

ajuizada em razatildeo de problemas de sauacutede 6 Conclusatildeo

RESUMO O estudo se utiliza do conceito de sociedade de risco e da teoria da carga

dinacircmica da prova na tentativa de proceder a uma redistribuiccedilatildeo mais justa do ocircnus da prova

nas accedilotildees de indenizaccedilatildeo por danos materiais decorrentes das grandes trageacutedias provocadas

pelo setor de mineraccedilatildeo Aponta-se que a aplicaccedilatildeo da responsabilidade objetiva nas

atividades de risco natildeo possui sozinha a condiccedilatildeo de levar justiccedila ao caso concreto O

entendimento proposto neste trabalho impotildee agrave mineradora que possui mais conhecimento

teacutecnico bem como recursos materiais e econocircmicos o ocircnus de provar a extensatildeo do dano

material sofrido pelo atingido

Palavras-chave Responsabilidade civil Dano material Redistribuiccedilatildeo ocircnus da prova

Doutorando em Ciecircncias Juriacutedicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense Mestre em Direito pela

Universidade Federal de Minas Gerais Mestre em Justiccedila Administrativa pela Universidade Federal

Fluminense

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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1 INTRODUCcedilAtildeO

O presente trabalho se vale da teoria da carga dinacircmica do ocircnus da prova na tentativa de

proceder a uma distribuiccedilatildeo mais justa dos encargos probatoacuterios nas accedilotildees de indenizaccedilatildeo

ajuizadas por atingidos por grandes trageacutedias provocadas pelo setor de mineraccedilatildeo

O estudo discorre acerca do desastre da Samarco no Rio Doce decorrente do rompimento da

barragem de Fundatildeo em MarianaMG com o enquadramento do mesmo como sendo um

conflito socioambiental que tambeacutem gerou milhares de prejuiacutezos considerados pelo direito

como de caraacuteter individual

Em seguida observa-se como deve ser tratada a responsabilidade civil na sociedade de risco

O conceito de sociedade de risco foi desenvolvido por Ulrich Beck o qual explica que a

ciecircncia e a tecnologia modernas criaram uma sociedade de risco na qual o sucesso na

produccedilatildeo de riqueza foi ultrapassado pela produccedilatildeo do risco

O estudo traz a forma como a responsabilidade civil estaacute disciplinada no Coacutedigo Civil com

adoccedilatildeo da responsabilidade objetiva em razatildeo da atividade de risco desenvolvida pelas

mineradoras natildeo sendo necessaacuteria comprovaccedilatildeo de dolo ou culpa na conduta das mesmas

Apesar do avanccedilo do sistema de responsabilidades no Coacutedigo Civil em mateacuteria de grandes

trageacutedias provocadas pelo setor de mineraccedilatildeo mostra-se essencial debater e avanccedilar no

sentido de se realizar a redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova na decisatildeo de saneamento e

organizaccedilatildeo do processo em virtude de eventual influecircncia na disposiccedilatildeo das partes na

produccedilatildeo de provas

Eacute nesse contexto que o trabalho se utiliza da teoria da carga probatoacuteria dinacircmica que jaacute

contava com ampla aceitaccedilatildeo na doutrina e jurisprudecircncia paacutetria sendo expressamente

positivada no art 373 sect1ordm do Coacutedigo de Processo Civil para propor uma redistribuiccedilatildeo do

ocircnus da prova do dano material nas accedilotildees de indenizaccedilatildeo movidas por atingidos em face das

mineradoras que provocaram grandes trageacutedias

Por fim o estudo enumera as hipoacuteteses em que o Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas

Gerais se manifestou acerca do tema em accedilotildees de indenizaccedilatildeo movidas por atingidos em face

da Samarco com julgados admitindo e outros rejeitando a proposta deste trabalho

2 DESASTRE DA SAMARCO NO RIO DOCE ndash ROMPIMENTO DA BARRAGEM

DE FUNDAtildeO EM MARIANAMG ndash ENQUADRAMENTO COMO CONFLITO

SOCIOAMBIENTAL

A barragem de mineacuterios rompida em Mariana era de propriedade da empresa Samarco

Mineraccedilatildeo SA cujo capital eacute controlado paritariamente por duas gigantes internacionais da

mineraccedilatildeo as empresas Vale SA e BHP Billiton Brasil Ltda

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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De acordo com estimativas foram 50 milhotildees de metros cuacutebicos de resiacuteduos mineraacuterios que

carreados ateacute o Rio Doce um dos rios mais importantes do sudeste brasileiro percorreram

aproximadamente 600 km ateacute a foz no Oceano Atlacircntico

De imediato 19 pessoas morreram centenas de moradias foram destruiacutedas com prejuiacutezos agraves

atividades produtivas de diversas comunidades ribeirinhas

O comprometimento da vida do Rio Doce ateacute o litoral do estado do Espiacuterito Santo ocasionou

ainda significativos danos agrave qualidade da aacutegua naquela bacia hidrograacutefica fonte de

abastecimento e de produccedilatildeo de alimentos para milhotildees de habitantes

Cabe nesta decisatildeo traccedilar consideraccedilotildees iniciais a respeito da caracterizaccedilatildeo do desastre do

Rio Doce (rompimento da barragem de Fundatildeo em MarianaMG) como conflito

socioambiental e da possibilidade de inversatildeo do ocircnus da prova

Kirsch aponta que os conflitos ambientais remetem a situaccedilotildees de disputa sobre a apropriaccedilatildeo

dos recursos e serviccedilos ambientais em que imperam condiccedilotildees de desproporcionalidade no

acesso agraves condiccedilotildees naturais bem como uma desigualdade na disposiccedilatildeo dos efluentes Aleacutem

disso os conflitos ambientais caracterizam-se pela irrupccedilatildeo de embates entre praacuteticas

espaciais distintas que operam sobre um mesmo territoacuterio ou sobre territoacuterios interconexos

levando agrave colisatildeo e concorrecircncia entre sistemas diversos de uso controle e significaccedilatildeo dos

recursos em que natildeo raro se processa a despossessatildeo dos grupos locais (KIRSCH 2014)

Andrea Zhori esclarece que trata-se de lutas poliacuteticas e simboacutelicas estabelecidas em torno do

sentido e do destino dos territoacuterios Desta forma duas observaccedilotildees se fazem relevantes a

primeira eacute a de que os conflitos ambientais natildeo se restringem ao confronto de interesses entre

duas ou mais partes litigantes e tampouco podem ser reduzidos agrave irrupccedilatildeo de uma

controveacutersia entre polos cujas posiccedilotildees sociais equivalentes redundam em iguais condiccedilotildees de

negociaccedilatildeo Ao contraacuterio constituem cenaacuterios nos quais os agentes envolvidos ocupam

posiccedilotildees assimeacutetricas em que uma distribuiccedilatildeo desigual dos capitais econocircmico poliacutetico e

simboacutelico lhes define o poder de accedilatildeo e de enunciaccedilatildeo Os conflitos ambientais surgem dos

distintos modos de apropriaccedilatildeo teacutecnica econocircmica social e cultural do mundo material

(ZHOURI 2018 p 39)

Nesse contexto o desastre do Rio Doce pode ser entendido como uma consequecircncia de

conflitos anteriores os quais natildeo foram adequadamente tratados de acordo com os autores

acima mencionados

Verifica-se a existecircncia de diversas demandas individuais buscando a responsabilidade civil

das mineradoras Mostra-se essencial encontrar soluccedilotildees para essas questotildees individuais

decorrentes e com ligaccedilatildeo direta com os conflitos socioambientais envolvendo a

responsabilidade civil pelos danos materiais e morais causados agraves pessoas atingidas com

recorte especiacutefico neste ponto

Nestas accedilotildees de caraacuteter individual em que se busca a responsabilidade civil da mineradora

encontra-se a justificativa para uma mudanccedila de paradigma ante as dificuldades dos autores

das accedilotildees em comprovar a extensatildeo do dano material ou moral sofrido

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Eacute preciso buscar a melhor soluccedilatildeo a ser dada nas accedilotildees individuais em que se busca a

responsabilidade civil do empreendedor de atividades de risco especialmente no campo da

mineraccedilatildeo

A temaacutetica abordada deve ser objeto de anaacutelises constantes em razatildeo da relevacircncia dos

aspectos juriacutedicos da mineraccedilatildeo bem como das cautelas devidas e da anaacutelise juriacutedica dos

riscos envolvidos na operaccedilatildeo Em virtude destes riscos envolvidos nas operaccedilotildees de

mineraccedilatildeo aponta-se a necessidade de buscar soluccedilatildeo para minimizar os riscos tornando

mais segura a operaccedilatildeo e buscando a adequada responsabilidade civil em caso de desastre

Neste contexto a mineraccedilatildeo eacute uma atividade econocircmica muito importante para o Estado de

Minas Gerais mas que produz riscos igualmente relevantes

Em situaccedilotildees de enormes desastres como ocorreu no rompimento da barragem de Fundatildeo em

MarianaMG constata-se a extrema dificuldade dos atingidos em comprovar ateacute mesmo a

extensatildeo dos danos materiais sofridos o que impotildee uma mudanccedila de paradigma da ciecircncia

juriacutedica para permitir a efetividade da claacuteusula de responsabilidade objetiva

3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA NA SOCIEDADE DE RISCO

A responsabilidade civil se encontra em permanente modificaccedilatildeo sendo um desafio para a

teoria juriacutedica atual a elaboraccedilatildeo de uma teoria da responsabilidade que se adeacuteque agraves novas

exigecircncias econocircmicas e sociais Pode-se contextualizar a responsabilidade civil com a

utilizaccedilatildeo do conceito de ldquosociedade de riscordquo desenvolvido por Ulrich Beck O referido

autor explica que a ciecircncia e a tecnologia modernas criaram uma sociedade de risco na qual o

sucesso na produccedilatildeo de riqueza foi ultrapassado pela produccedilatildeo do risco As principais

preocupaccedilotildees da ldquosociedade industrialrdquo e da ldquosociedade de classesrdquo ndash a criaccedilatildeo e a

distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza ndash foram substituiacutedas pela busca de seguranccedila em nome da

sociedade catastroacutefica na qual o estado de exceccedilatildeo ameaccedila converter-se em normalidade

(BECK 2011 p 28)

Beck (2018 p 33) aponta o risco como uma caracteriacutestica definidora de nossa era O autor

elabora um diaacutelogo com o direito pelo vieacutes da seguranccedila enfatizando que os riscos nesta

modernidade satildeo muito maiores sendo relevante a capacidade de antecipar os perigos bem

como os suportar

O presente toacutepico pretende se concentrar nas alteraccedilotildees da noccedilatildeo de responsabilidade civil

com o advento da atual ldquosociedade de riscordquo

Eacute preciso destacar que conforme o tempo e o lugar a responsabilidade civil possui quatro

funccedilotildees fundamentais reparatoacuteria preventiva precaucional e punitiva

Com efeito a mutaccedilatildeo juridica do termo ldquoresponsabilizarrdquo aponta para a constante alteraccedilatildeo

da noccedilatildeo de responsabilidade civil ldquoResponsabilizarrdquo ja significou punir reprimir culpar nos

primordios dos estudos do tema Com a adoccedilatildeo da teoria do risco ldquoresponsabilizarrdquo se

converteu em reparaccedilatildeo de danos Atualmente utiliza-se a ideia de ldquoresponsabilizarrdquo natildeo so

como compensaccedilatildeo mas tambeacutem como prevenccedilatildeo de iliacutecitos

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

45

Os fatos que desencadearam os problemas a serem enfrentados decorrem de desastres

causados pelos rompimentos de barragens em locais em que mineradoras desenvolviam suas

atividades

Os danos causados pelos desastres satildeo gigantescos e tempos depois dos fatos constata-se que

os atingidos natildeo tiveram o ressarcimento dos prejuiacutezos sofridos e encontram dificuldades em

comprovar ateacute mesmo os danos pois em muitos casos todos os objetos foram levados com a

lama e rejeitos de mineacuterios

Nesse contexto cabe destacar que a responsabilidade civil objetiva nas atividades de risco jaacute

existe no Brasil e se pode destacar o processo contiacutenuo gradual e exitoso de substituiccedilatildeo da

ideia de busca de um culpado pela necessidade de reparaccedilatildeo de danos Todavia o abandono

da discussatildeo acerca da culpa e sua substituiccedilatildeo pelo risco nem sempre geram a imediata e

necessaacuteria reparaccedilatildeo dos graves danos causados pela atividade mineraacuteria o que tem gerado

prejuiacutezo a diversos atingidos

A claacuteusula geral de responsabilidade pelo risco tem previsatildeo no artigo 927 paraacutegrafo uacutenico

do Coacutedigo Civil o que estabelece que haveraacute obrigaccedilatildeo de reparar o dano independentemente

de culpa nos casos especificados na lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida

pelo autor do dano implicar por sua natureza risco para os direitos de outrem

Da anaacutelise das normas no direito civil brasileiro em um primeiro momento parece que o

Coacutedigo Civil brasileiro tem uma proteccedilatildeo mais riacutegida nos danos decorrentes das atividades de

risco

O ato antijuriacutedico eacute a infraccedilatildeo de uma norma um mandamento ou uma proibiccedilatildeo expressos no

ordenamento A legislaccedilatildeo brasileira destaca a antijuridicidade ao prever a violaccedilatildeo ao direito

no artigo 186 do Coacutedigo Civil o qual define ato iliacutecito

Assim aleacutem dos Tribunais aceitarem a utilizaccedilatildeo da responsabilidade objetiva em razatildeo da

atividade de risco desenvolvida pelas mineradoras natildeo sendo necessaacuteria comprovaccedilatildeo de

dolo ou culpa na conduta das mesmas mostra-se essencial debater e avanccedilar no sentido de se

realizar a redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova na decisatildeo de saneamento e organizaccedilatildeo do

processo em virtude de eventual influecircncia na disposiccedilatildeo das partes na produccedilatildeo de provas

4 TEORIA DA CARGA DINAcircMICA DA PROVA ndash APLICACcedilAtildeO AOS CASOS

ENVOLVENDO TRAGEacuteDIAS NO SETOR DE MINERACcedilAtildeO

A teoria da carga probatoacuteria dinacircmica que jaacute contava com ampla aceitaccedilatildeo na doutrina e

jurisprudecircncia paacutetria foi expressamente positivada no art 373 sect1ordm do Coacutedigo de Processo

Civil (Brasil 2015) in verbis

Art 373 O ocircnus da prova incumbe I - ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito II - ao reacuteu quanto a existecircncia de fato impeditivo modificativo ou extintivo do

direito do autor

sect 1oNos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas a

impossibilidade ou a excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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caput ou a maior facilidade de obtenccedilatildeo da prova do fato contrario podera o juiz

atribuir o ocircnus da prova de modo diverso desde que o faccedila por decisatildeo

fundamentada caso em que devera dar a parte a oportunidade de se desincumbir do

ocircnus que lhe foi atribuido sect 2

o A decisatildeo prevista no sect 1o deste artigo natildeo pode gerar situaccedilatildeo em que a

desincumbecircncia do encargo pela parte seja impossivel ou excessivamente dificil sect 3

o A distribuiccedilatildeo diversa do ocircnus da prova tambeacutem pode ocorrer por convenccedilatildeo

das partes salvo quando I - recair sobre direito indisponivel da parte II - tornar excessivamente dificil a uma parte o exercicio do direito sect 4

o A convenccedilatildeo de que trata o sect 3opode ser celebrada antes ou durante o processo

Tal teoria ganha especial aplicaccedilatildeo em demandas que versem sobre a responsabilidade civil

por dano decorrente de rompimento de barragem de mineraccedilatildeo jaacute tendo sido reconhecida

pelo Tribunal de Justiccedila de Minas Gerais antes mesmo da previsatildeo expressa no ordenamento

processual brasileiro A ilustrar o esposado entendimento cita-se o seguinte acoacuterdatildeo

ldquoEMENTA DIREITO CIVIL RESPONSABILIDADE CIVIL ROMPIMENTO

DE BARRAGEM MINERACcedilAtildeO RIO POMBA CATAGUASES ENCHENTE EM

MURIAEacute TEORIA DO RISCO INTEGRAL DESNECESSIDADE DE

COMPROVACcedilAtildeO DO DOLO OU CULPA NECESSIDADE DE

COMPROVACcedilAtildeO DO DANO E DO NEXO CAUSAL POSSIBILIDADE DE

INVERSAtildeO DO OcircNUS DA PROVA MEcircS QUE JANEIRO DE 2007 QUATRO

ENCHENTES EM VINTE E CINCO DIAS NEXO CAUSAL DE APENAS UMA

COM O ROMPIMENTO DA BARRAGEM DANO MORAL OCORREcircNCIA

DANO MATERIAL COMPROVACcedilAtildeO 1 No caso a inundaccedilatildeo que atingiu a

residecircncia da parte autora ocorreu na madrugada do dia 10012007 enquanto haacute

informaccedilatildeo nos autos do Comandante do Corpo de Bombeiros de que os rejeitos da

barragem rompida vieram a atingir o municiacutepio de Muriaeacute agraves 0130h da madrugada

do dia 110107 2 Em janeiro de 2007 Muriaeacute foi atingida por enchentes nos dias

04 1011 15 e 25 devidos agraves fortes chuvas sendo que apenas aquela ocorrida na

madrugada do dia 11 tem nexo causal com o rompimento da barragem da Mineraccedilatildeo

Rio Pomba Cataguases 3 Segundo entendimento do STJ a viacutetima de dano

ambiental natildeo se caracteriza como consumidor mas equipara-se a tal para a

finalidade da tutela dos direitos pois justifica-se a inversatildeo do ocircnus da prova

transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ocircnus de

demonstrar a seguranccedila do empreendimento a partir da interpretaccedilatildeo do art 6ordm

VIII daLei 80781990 cc o art 21 da Lei 73471985 conjugado ao Princiacutepio

Ambiental da Precauccedilatildeo 4 A simples rejeiccedilatildeo dos embargos de declaraccedilatildeo como

entendeu aquele juiacutezo primevo natildeo impotildee que sejam os mesmos considerados

protelatoacuterios havendo de ser caracterizado o dolo de realizar a procrastinaccedilatildeo do

feito (BRASIL Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel

1043907073669-9001 Apelante Mineraccedilatildeo Rio Pomba Cataguases Ltda

Apelado Joatildeo Ferreira Mendes e outros Rel Desembargador Cabral da Silva j

26062012 DJe 10072012)

Nessas situaccedilotildees envolvendo desastre no setor de mineraccedilatildeo ressai patente que o

empreendedor do setor de mineraccedilatildeo possui maior facilidade para esclarecer os pontos

controvertidos notadamente pelo conhecimento teacutecnico e pela possibilidade de acessos agraves

informaccedilotildees especiacuteficas sobre o caso

Nesses termos diante das melhores condiccedilotildees ostentadas pela mineradora para produzir a

prova sobre os fatos controvertidos no feito especialmente pela ampla atuaccedilatildeo necessaacuteria em

decorrecircncia dos transtornos causados por enormes desastres socioambientais no Brasil eacute caso

de redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova

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Por oportuno cabe destacar de forma expressa que natildeo se trata de reconhecer a existecircncia de

relaccedilatildeo de consumo entre as partes autora e requerida Este natildeo eacute o fundamento da presente

tese

O que se estaacute a sugerir eacute distribuir o ocircnus da prova conforme o Novo Coacutedigo de Processo

Civil em uma accedilatildeo envolvendo direito civil e a responsabilidade objetiva em atividades de

risco com inegaacutevel influecircncia socioambiental em que se impotildee a observacircncia de uma

principiologia proacutepria e especiacutefica

Passo a fundamentar a inversatildeo do ocircnus da prova com base na legislaccedilatildeo processual civil

O Superior Tribunal de Justiccedila consoante decisatildeo prolatada pela sua Segunda Seccedilatildeo no REsp

802832MG divulgada no seu Informativo de Jurisprudecircncia nordm 0469 entendeu que eventual

inversatildeo do ocircnus da prova deve ocorrer preferencialmente por ocasiatildeo do saneamento do

processo Assim in verbis

Trata-se de REsp em que a controveacutersia consiste em definir qual o momento

processual adequado para que o juiz na responsabilidade por viacutecio do produto (art

18 do CDC) determine a inversatildeo do ocircnus da prova prevista no art 6ordm VIII do

mesmo codex No julgamento do especial entre outras consideraccedilotildees observou o

Min Relator que a distribuiccedilatildeo do ocircnus da prova apresenta extrema relevacircncia de

ordem praacutetica norteando como uma buacutessola o comportamento processual das

partes Naturalmente participaraacute da instruccedilatildeo probatoacuteria com maior vigor

intensidade e interesse a parte sobre a qual recai o encargo probatoacuterio de

determinado fato controvertido no processo Dessarte consignou que influindo a

distribuiccedilatildeo do encargo probatoacuterio decisivamente na conduta processual das partes

devem elas possuir a exata ciecircncia do ocircnus atribuiacutedo a cada uma delas para que

possam produzir oportunamente as provas que entenderem necessaacuterias Ao

contraacuterio permitida a distribuiccedilatildeo ou a inversatildeo do ocircnus probatoacuterio na sentenccedila e

inexistindo com isso a necessaacuteria certeza processual haveraacute o risco de o

julgamento ser proferido sob uma deficiente e desinteressada instruccedilatildeo probatoacuteria

na qual ambas as partes tenham atuado com base na confianccedila de que sobre elas natildeo

recairia o encargo da prova de determinado fato Assim entendeu que a inversatildeo ope

judicis do ocircnus da prova deve ocorrer preferencialmente no despacho saneador

ocasiatildeo em que o juiz decidiraacute as questotildees processuais pendentes e determinaraacute as

provas a serem produzidas designando audiecircncia de instruccedilatildeo e julgamento (art

331 sectsect 2ordm e 3ordm do CPC) Desse modo confere-se maior certeza agraves partes referente

aos seus encargos processuais evitando a inseguranccedila Com esse entendimento a

Seccedilatildeo ao prosseguir o julgamento por maioria negou provimento ao recurso

mantendo o acoacuterdatildeo que desconstituiu a sentenccedila a qual determinara nela proacutepria a

inversatildeo do ocircnus da prova Precedentes citados REsp 720930-RS DJe 9112009 e

REsp 881651-BA DJ 2152007 (BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila REsp nordm

802832 Recorrente Ana Maria Guimaratildees Cruz Recorrido Tecar Minas

Automoacuteveis e Serviccedilos Ltda Rel Ministro Paulo de Tarso Sanseverino j

13042011 DJe 21092011)

A despeito de a decisatildeo ter sido proferida em sede de relaccedilotildees de consumo o que natildeo eacute o caso

da presente hipoacutetese (como jaacute mencionei) certo eacute que a ratio decidendi transcende esse

limite aplicando-se a todas as demais hipoacuteteses em que a inversatildeo do ocircnus da prova seja

admitida

Nos casos envolvendo os desastres da Samarco e da Vale cabe destacar que a teoria da carga

dinacircmica da prova tem como escopo justamente obstar que um caso ldquosub judicerdquo receba tutela

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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jurisdicional divorciada da realidade buscando assim cada vez mais a verdade real no

acircmbito do Direito Processual Civil

Para esta moderna teoria o ocircnus ldquoprobandirdquo eacute distribuiacutedo natildeo em razatildeo da espeacutecie dos fatos ou

da posiccedilatildeo ocupada pela parte na lide mas sim em estrita observacircncia aos conhecimentos

teacutecnicos das partes e a facilidade que cada qual teraacute para carrear aos autos os elementos

necessaacuterios a uma prestaccedilatildeo jurisdicional efetiva ou seja calcada na realidade material

Cabe destacar liccedilotildees da doutrina acerca do tema (MARINONI 2019)

Eacute evidente que o fato de o reacuteu ter condiccedilotildees de provar a natildeo existecircncia do fato

constitutivo natildeo permite por si soacute a inversatildeo do ocircnus da prova Isso apenas pode

acontecer quando as especificidades da situaccedilatildeo de direito material objeto do

processo demonstrarem que natildeo eacute racional exigir a prova do fato constitutivo mas

sim exigir a prova de que o fato constitutivo natildeo existe Ou seja a inversatildeo do ocircnus

da prova eacute imperativo de bom senso quando ao autor eacute impossiacutevel ou muito difiacutecil

provar o fato constitutivo mas ao reacuteu eacute viaacutevel ou muito mais faacutecil provar a sua

inexistecircncia

A mencionada observacircncia das reais circunstacircncias que norteiam cada parte na relaccedilatildeo

juridica processual dar-se-a atraveacutes das maximas da experiecircncia consagrada no Novo Codigo

de Processo Civil Com efeito natildeo satildeo as maximas da experiecircncia que autorizam a

distribuiccedilatildeo dinacircmica do ocircnus da prova sendo elas em verdade instrumento de afericcedilatildeo das

condiccedilotildees pessoais teacutecnicas e de viabilidade da produccedilatildeo dos meios de prova

Por oportuno cumpre trazer a baila a liccedilatildeo de Eduardo Cambi

Assim a referida teoria reforccedila o senso comum e as maacuteximas da experiecircncia ao

reconhecer que quem deve provar eacute quem estaacute em melhores condiccedilotildees de

demonstrar o fato controvertido evitando que uma das partes se mantenha inerte na

relaccedilatildeo processual porque a dificuldade da prova a beneficia (CAMBI 2006 p

342)

No caso concreto consoante salientado alhures o ocircnus da produccedilatildeo da prova deve ser das

mineradoras revelando-se em descompasso com os princiacutepios do processo civil admitir que

este ocircnus seja transferido para o atingido

Vale observar que a distribuiccedilatildeo dinacircmica do ocircnus da prova natildeo deve servir como meio de se

prejulgar a causa transferindo a dificuldade probatoacuteria de uma das partes para a outra que

manifestamente natildeo se encontra em melhores condiccedilotildees pessoais ou teacutecnicas de produccedilatildeo do

instrumento de formaccedilatildeo da convicccedilatildeo do juiz (CAMBI 2006 p 343)

Artur Thompsen Carpes (2007 p36) tambeacutem escreve sobre o tema

Originada no campo doutrinaacuterio vem ganhando grande aceitaccedilatildeo pelos tribunais

brasileiros a denominada ldquodistribuiccedilatildeo dinacircmica do ocircnus da provardquo que preconiza

uma alternativa ao esquema rigidamente estabelecido na lei processual para

consideradas as peculiaridades concretas do caso onerar da produccedilatildeo da prova a

parte que se encontra em melhores condiccedilotildees profissionais teacutecnicas ou de fato para

produzi-la

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Por todo o alinhavado pode-se inferir que a premissa baacutesica da teoria da carga dinacircmica da

prova consiste na inaptidatildeo de a partir de uma distribuiccedilatildeo in abstrato do ocircnus da prova se

prestar uma tutela juriacutedica adequada agrave res in iudicium deducta o que a torna absolutamente

necessaacuteria no desiderato de prolaccedilatildeo de um provimento judicial efetivo

A teoria da carga dinacircmica da prova alicerccedila-se em princiacutepios que norteiam a efetiva

prestaccedilatildeo da tutela jurisdicional visando sempre agrave estrita observacircncia da igualdade

constitucional bem como da solidariedade da lealdade da boa-feacute e da veracidade que devem

permear os atos processuais praticados pelas partes em juiacutezo garantindo-se assim o acesso agrave

justiccedila

Garantir um tratamento igualitaacuterio aos litigantes nada mais eacute que propiciar-lhes meios de

obterem um provimento judicial em consonacircncia com a realidade faacutetica ou seja que tenham

efetivo acesso aos instrumentos necessaacuterios a propiciar a formaccedilatildeo do convencimento do juiz

Quanto ao princiacutepio da igualdade cabe transcrever o ensinamento de processualistas

a) princiacutepio da igualdade (art 5ordm caput CF e art 125 I CPC) (art 139 I do Novo

CPCP) uma vez que deve haver uma paridade real de armas das partes no processo

promovendo-se um equiliacutebrio substancial entre elas o que soacute seraacute possiacutevel se

atribuiacutedo o ocircnus da prova agravequela que tem meios para satisfazecirc-lo (DIDIER JR

2006 p 521)

Destarte distribuir o ocircnus da prova de acordo com as condiccedilotildees pessoais ou conhecimentos

teacutecnicos de cada uma das partes significa propiciar uma igualdade substancial na instruccedilatildeo

probatoacuteria de modo a se alcanccedilar a verdade real e consectaacuterio loacutegico a justa prestaccedilatildeo

jurisdicional exarando-se provimento final em estrita harmonia com o mundo faacutetico

O Coacutedigo de Processo Civil arrola como um dos deveres dos sujeitos que integram o

processo a procedecircncia de acordo com os ditames da lealdade e boa-feacute

Estritamente no que tange agrave teoria da carga dinacircmica das provas a lealdade reflete-se na

vereda das partes apresentarem-se em juiacutezo dispostas a alcanccedilarem um provimento justo

sempre sob o manto da legalidade Desta forma criar embaraccedilos agrave instruccedilatildeo processual e ao

protelamento do feito natildeo se coaduna com a lealdade processual razatildeo pela qual devem

sempre carrear aos autos as provas necessaacuterias ao deslinde da causa

Ademais o princiacutepio da veracidade prescrito no ordenamento juriacutedico brasileiro harmoniza-se

categoricamente com a aludida teoria pois visa conforme salientado alhures propiciar que o

juiz alcance a verdade real atraveacutes da efetiva produccedilatildeo dos possiacuteveis meios de prova no caso

concreto

A seu turno o princiacutepio da solidariedade consiste no dever de todos natildeo apenas partes

embora principalmente auxiliarem o magistrado a descortinar a verdade dos fatos (DIDIER

JR 2006 p 521) Ao diligenciar no sentido de auxiliar o juiz a apreciar a verdade dos fatos

as partes principalmente acabam por desincumbir-se do seu dever de veracidade

A mais clara expressatildeo do princiacutepio da solidariedade encontra-se prescrito no referido art

378 CPC porquanto eacute categorico em afirmar que ldquoningueacutem se exime do dever de colaborar

com o Poder Judiciario para o descobrimento da verdaderdquo Infere-se assim que o dever de

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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colaborar na perquiriccedilatildeo da verdade substancial reflete-se na produccedilatildeo probatoacuteria natildeo

podendo as partes eximir-se de instruiacuterem o feito com os meios necessaacuterios ao real

convencimento do julgador

A livre investigaccedilatildeo das provas a seu turno consiste em instrumento crucial para que o juiz

possa distribuir dinamicamente o ocircnus na produccedilatildeo das provas pois especificaraacute de acordo

com o caso concreto quais fatos necessaacuterios ao seu convencimento deveraacute cada parte

efetivamente demonstrar nos autos

O processo tem como finalidade uacuteltima o acesso agrave justiccedila que consiste na busca incessante

para que jurisdicionado alcance uma tutela efetiva agrave sua posiccedilatildeo na relaccedilatildeo juriacutedica

processual

Infere-se pelo exposto que a tendecircncia do Direito Processual contemporacircneo eacute garantir aos

litigantes instrumentos que possibilitem uma substancial realizaccedilatildeo do direito subjetivo

levado agrave maacutequina judiciaacuteria por meio da demanda

Dentre esses instrumentos pode-se indubitavelmente arrolar a teoria da carga dinacircmica da

prova porquanto permite que as partes processuais sejam incumbidas de instruir o feito

processual tatildeo-somente com o que praticamente pode ser produzido extirpando

consequentemente a prova diaboacutelica que por sua vez obsta a prestaccedilatildeo de uma tutela

jurisdicional efetiva devendo-se considerar assim que o acesso agrave ordem juriacutedica justa

encontra intima relaccedilatildeo com ldquoum procedimento probatorio adequadordquo (KNIJNIK 2006 p

943)

A aplicaccedilatildeo da teoria da carga dinacircmica da prova ademais jaacute foi admitida pelo Superior

Tribunal de Justiccedila

RESPONSABILIDADE CIVIL MEDICO CLINICA CULPA PROVA 1 Natildeo viola regra sobre a prova o acoacuterdatildeo que aleacutem de aceitar implicitamente o

princiacutepio da carga dinacircmica da prova examina o conjunto probatoacuterio e conclui pela

comprovaccedilatildeo da culpa dos reacuteus 2 Legitimidade passiva da clinica inicialmente procurada pelo paciente 3 Juntada de textos cientiacuteficos determinada de oficio pelo juiz Regularidade 4 Responsabilizaccedilatildeo da clinica e do medico que atendeu o paciente submetido a

uma operaccedilatildeo cirurgica da qual resultou a secccedilatildeo da medula 5 Inexistencia de ofensa a lei e divergencia natildeo demonstrada Recurso especial natildeo

conhecido (BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila REsp nordm 60309 Recorrente

Cliacutenica Neuroloacutegica e Neurociruacutergica de Joinville e outro Recorrido Getuacutelio

Raphael Bittencourt Machado Rel Ruy Rosado de Aguiar j 18061996 DJ

26081996)

Ao se tratar do ldquoonus probandirdquo na esfera processual civil a primeira observaccedilatildeo que vem agrave

mente do operador do direito eacute indubitavelmente a regra prescrita no art 373 da respectiva

codificaccedilatildeo ao fixar de forma preacutevia e estaacutetica o ocircnus do autor em provar os fatos

constitutivos do seu direito e ao reacuteu os fatos extintivos modificados ou impeditivos daquele

direito Com efeito mencionado dispositivo legal distribui o ocircnus probatoacuterio a partir de um

emoldurado abstrato e preacutevio agrave relaccedilatildeo juriacutedica processual a partir da posiccedilatildeo em que se

situam as partes e tambeacutem observando a natureza dos fatos

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Todavia natildeo haacute como negar que as dificuldades na produccedilatildeo das provas variam de acordo

com o caso concreto o que exige assim uma dinamicidade na distribuiccedilatildeo das cargas

probatoacuterias Assim por vezes eacute imputado um ocircnus demasiadamente difiacutecil quiccedilaacute impossiacutevel

de ser desincumbido por uma ou ambas as partes que integram a relaccedilatildeo processual razatildeo

pela qual necessaacuterio se faz uma distribuiccedilatildeo ou inversatildeo do ocircnus observando as peculiaridades

do caso concreto

Com efeito o sect 1ordm do art 373 do Novo Coacutedigo de Processo Civil tambeacutem eacute expresso ao

afirmar que o juiz pode atribuir o ocircnus da prova de modo diverso desde que o faccedila por

decisatildeo fundamentada caso em que deveraacute dar agrave parte a oportunidade de se desincumbir do

ocircnus que lhe foi atribuiacutedo

A proposta apresentada nesse estudo exige uma decisatildeo judicial suficientemente

fundamentada e que concede oportunidade agraves partes para se desincumbirem do ocircnus que no

momento da decisatildeo estaacute sendo atribuiacutedo

Nesse sentido o Coacutedigo de Processo Civil

Art 373 sect 1ordm CPC Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa

relacionadas agrave impossibilidade ou agrave excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos

termos do caput ou agrave maior facilidade de obtenccedilatildeo da prova do fato contraacuterio poderaacute

o juiz atribuir o ocircnus da prova de modo diverso desde que o faccedila por decisatildeo

fundamentada caso em que deveraacute dar agrave parte a oportunidade de se desincumbir do

ocircnus que lhe foi atribuiacutedo sect 2ordm A decisatildeo prevista no sect 1ordm deste artigo natildeo pode gerar situaccedilatildeo em que a

desincumbecircncia do encargo pela parte seja impossiacutevel ou excessivamente difiacutecil

O sistema juriacutedico brasileiro com o Novo Coacutedigo Civil acolhe expressamente a natureza

dinacircmica das provas possuindo ainda princiacutepios que a fundamentam natildeo apenas como norte

ao inteacuterprete mas inclusive de forma positivada Assim ao se analisar o teor da ordem

juriacutedica vigente infere-se a acolhida ao princiacutepio da igualdade (art 5ordm caput CF e art 139 I

CPC) ao princiacutepio da lealdade processual (art 77 e art 80 CPC) ao princiacutepio da veracidade

(art 77 I e art 80 I CPC) ao princiacutepio da solidariedade ao princiacutepio da livre investigaccedilatildeo

das provas (art 370 CPC) ao princiacutepio do devido processo legal (art 5ordm LIV CF) e por

derradeiro ao princiacutepio do acesso agrave justiccedila(art 5ordm XXXV CF)

Desta forma resta patente a admissibilidade da teoria da carga dinacircmica das provas no

ordenamento juriacutedico sendo possiacutevel consectaacuterio loacutegico afastar a incidecircncia da regra

prevista no ldquocaputrdquo do art 373 CPC a partir de uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica bem como a

partir da interpretaccedilatildeo literal de seu sect 1ordm

Diante do exposto constata-se que em processos envolvendo grandes trageacutedias causadas pela

atividade mineraacuteria a redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova eacute a medida mais adequada para que a

instruccedilatildeo processual demonstre a verdadeira extensatildeo do dano material possibilitando que o

magistrado encontre o valor da mais justa indenizaccedilatildeo

Especialmente para esclarecimento das consequecircncias decorrentes do rompimento de

barragens de mineraccedilatildeo bem como acerca da eventual ausecircncia dos elementos configuradores

da responsabilidade civil deve-se impor ao causador da trageacutedia o ocircnus de provar a

inexistecircncia do alegado dano

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5 DO ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DO ESTADO DE MINAS

GERAIS ACERCA DA REDISTRIBUICcedilAtildeO DO OcircNUS DA PROVA NOS CASOS

ENVOLVENDO TRAGEacuteDIAS NO SETOR DE MINERACcedilAtildeO

O Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais ja teve a oportunidade de se manifestar

acerca da redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova em accedilotildees de indenizaccedilatildeo em que se discute dano

material

As hipoteses tratavam de danos causados em virtude do rompimento da barragem de Fundatildeo

em MarianaMG

Foram casos envolvendo danos a imovel rural produtivo e danos em virtude de problemas de

sauacutede conforme se passa a analisar abaixo

51 REDISTRIBUICcedilAtildeO DO OcircNUS DA PROVA EM ACcedilAtildeO INDENIZATOacuteRIA

AJUIZADA EM RAZAtildeO DE DANIFICACcedilAtildeO DE IMOacuteVEL RURAL PRODUTIVO -

PERDA DE PLANTACcedilOtildeES - ALEGACcedilAtildeO DE INUTILIZACcedilAtildeO DO SOLO

O primeiro caso relacionado agrave redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova do dano material envolve accedilotildees

de indenizaccedilatildeo movidas por atingidos em face da Samarco Mineraccedilatildeo SA em decorrecircncia do

desastre causado pelo rompimento da Barragem de Fundatildeo em MarianaMG

Ao analisar o processo constatava-se o ajuizamento de accedilatildeo pelos atingidos buscando tutela

indenizatoacuteria por danos materiais e morais tendo como causa de pedir a danificaccedilatildeo e

inutilizaccedilatildeo do imoacutevel rural produtivo do qual retiravam parte de sua renda

Tratava-se de agravo de instrumento interposto pela Samarco Mineraccedilatildeo SA contra decisatildeo

proferida pelo Juiz da 2ordf Vara Ciacutevel da Comarca de Ponte Nova que redistribuiu o ocircnus

probatoacuterio conforme o Novo Coacutedigo de Processo Civil em uma accedilatildeo envolvendo direito civil

e a responsabilidade objetiva em atividades de risco com inegaacutevel influecircncia socioambiental

em que se impotildee a observacircncia de uma principiologia proacutepria e especiacutefica

Na minuta recursal a Samarco Mineraccedilatildeo SA argumentou que natildeo lhe poderia ser imputada

a produccedilatildeo de provas no sentido de quais os danos supostamente sofridos pelos atingidos

Alegou que por serem os agravados beneficiaacuterios da justiccedila gratuita poderiam requerer

produccedilatildeo de prova teacutecnica em juiacutezo motivo pela qual se mostra inadequada a inversatildeo do

ocircnus probatoacuterio inexistindo os requisitos previstos no art 373 sect1ordm do CPC

Ademais a Samarco Mineraccedilatildeo SA sustentou que a redistribuiccedilatildeo do ocircnus levaria a uma

imposiccedilatildeo de produccedilatildeo de prova negativa pelo juiacutezo de primeira instacircncia o que seria

rechaccedilado pela jurisprudecircncia do Tribunal de Justiccedila de Minas Gerais

No julgamento do recurso o relator destacou que o sistema brasileiro de distribuiccedilatildeo do ocircnus

da prova entre autor e reacuteu pode ser definido como hiacutebrido pois comporta o sistema estaacutetico

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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cujas regras de distribuiccedilatildeo foram previamente determinadas pelo legislador (art 373 I e II

CPC) e o sistema de distribuiccedilatildeo dinacircmica que delega ao juiz permissatildeo para redistribuiacute-la

de acordo com o caso concreto conforme preceitua o art 373 sect 1ordm do CPC

No caso concreto que foi julgado houve a invasatildeo do imoacutevel dos atingidos por dois metros de

rejeito mineral e o Juiz de origem houve por bem impor agrave Samarco o encargo de fazer

eventual prova teacutecnica a respeito dos danos causados pelos rejeitos ao solo

O Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais levou em consideraccedilatildeo as peculiaridades da

narrativa dos autos para julgar que se revela viaacutevel o entendimento externado na medida em

que os rejeitos que afetaram o imoacutevel dos atingidos seriam provenientes da barragem

rompida de propriedade da mineradora sendo possiacutevel adotar-se como premissa o fato de que

a Samarco possui maior acesso a informaccedilotildees atinentes agrave composiccedilatildeo da lama que teria

invadido a propriedade rural

No julgamento o Tribunal Mineiro aponta a maior facilidade da mineradora em obter prova

de fato contraacuterio agraves alegaccedilotildees dos atingidos

O argumento de que o encargo importaria em imposiccedilatildeo de prova diaboacutelica nos termos do

art 373 sect 2ordm do CPC natildeo foi aceito pelo Tribunal na medida em que a proacutepria mineradora

indica a possibilidade de prova dos fatos controvertidos por intermeacutedio de periacutecia teacutecnica

Pela relevacircncia do julgado que foi o primeiro a acolher em parte a tese proposta nesse estudo

transcreve-se a ementa

EMENTA AGRAVO DE INSTRUMENTO - ACcedilAtildeO INDENIZATOacuteRIA - DANO

AMBIENTAL - DANIFICACcedilAtildeO DE IMOacuteVEL RURAL PRODUTIVO - PERDA

DE PLANTACcedilOtildeES - ALEGACcedilAtildeO DE INUTILIZACcedilAtildeO DO SOLO -

REDISTRIBUICcedilAtildeO DO OcircNUS DA PROVA QUANTO A EVENTUAL PROVA

TEacuteCNICA - DANO CAUSADO AO SOLO - POSSIBILIDADE - INTELIGEcircNCIA

DO ART 373 sect1ordm DO CPC - MAIOR FACILIDADE NA OBTENCcedilAtildeO DE

PROVA ESPECIacuteFICA - IMPOSICcedilAtildeO DE PROVA DIABOacuteLICA -

INOCORREcircNCIA - MANUTENCcedilAtildeO DA DECISAtildeO

1 A redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova eacute medida excepcional e desafia a presenccedila de

algum de seus pressupostos materiais nos termos do art 373 sect1ordm do Coacutedigo de

Processo Civil

2 Eacute possiacutevel a redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova quando sopesados os encargos

probatoacuterios dos litigantes verificar-se maior facilidade de obtenccedilatildeo de prova do fato

contraacuterio por uma das partes

3 A inversatildeo do ocircnus da prova quanto a prova teacutecnica especiacutefica natildeo implica

automaticamente em comando para que a parte a produza sendo certo que a sua

produccedilatildeo ficaraacute condicionada ao interesse e requerimento daquele sobre quem recai

o ocircnus

4 Natildeo se verifica imposiccedilatildeo de prova diaboacutelica nos termos do art 373 sect2ordm do

CPC se a proacutepria mineradora sobre quem recaiu o ocircnus de eventual prova teacutecnica

afirma que a prova pode ser produzida por meio de periacutecia

(BRASIL Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel

1052116005964-3002 Agravante Samarco Mineraccedilatildeo SA Agravado Benvindo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Inecircs Bento e outros Rel Octaacutevio de Almeida Neves (JD Convocado) j

01082019 DJe 06082019)

Cabe ressaltar que a redistribuiccedilatildeo operada pelo Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas

Gerais natildeo ocorreu em relaccedilatildeo ao ocircnus de provar os alegados danos materiais e morais sendo

certo que a inversatildeo abrange apenas eventual prova teacutecnica a respeito do impacto dos rejeitos

no solo do imoacutevel

O presente estudo traz uma proposta mais ampla de redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova mas a

decisatildeo acima mencionada possui indiscutiacutevel importacircncia pela inovaccedilatildeo em aplicar a

redistribuiccedilatildeo ainda que em menor medida

52 REDISTRIBUICcedilAtildeO DO OcircNUS DA PROVA EM ACcedilAtildeO INDENIZATOacuteRIA

AJUIZADA EM RAZAtildeO DE PROBLEMAS DE SAUacuteDE

O Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais tambeacutem jaacute apreciou a questatildeo envolvendo

uma redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova de modo amplo em accedilatildeo ajuizada por problemas de

sauacutede supostamente causados pela poeira produzida pelo rompimento da barragem de Fundatildeo

A accedilatildeo indenizatoacuteria apontava alteraccedilatildeo dos padrotildees da qualidade do ar e aacutegua na regiatildeo

afetada pelo acidente em virtude da onda de resiacuteduos quiacutemicos dele decorrentes e atribui ao

acuacutemulo de poeira os problemas de sauacutede enfrentados pela populaccedilatildeo

Tratava-se de agravo de instrumento interposto pela mineradora BHP Billiton Brasil Ltda

contra decisatildeo que nos autos da accedilatildeo indenizatoacuteria redistribuiu o ocircnus da prova fixando

como incumbecircncia da reacute a prova e esclarecimento acerca das consequecircncias decorrentes do

rompimento da barragem de mineraccedilatildeo bem como a ausecircncia dos elementos configuradores

da responsabilidade civil

A mineradora argumentou que a decisatildeo acabou por impor a produccedilatildeo de prova negativa

Apontou que o nexo de causalidade entre o rompimento da barragem e os alegados danos

sofridos soacute poderia ser demonstrado pelo atingido Afirmou ser impossiacutevel ou extremamente

difiacutecil se desincumbir do ocircnus probatoacuterio imposto

O Tribunal Mineiro registrou o sistema hiacutebrido adotado pelo Brasil na distribuiccedilatildeo do ocircnus da

prova

Apoacutes deixou clara a vedaccedilatildeo agrave redistribuiccedilatildeo se ela implicar situaccedilatildeo de impossibilidade ou

excessiva dificuldade para a parte sobre a qual passa a recair o ocircnus de desincumbir-se do

encargo naquilo que a doutrina convencionou denominar de prova diaboacutelica

No caso concreto o pedido de reparaccedilatildeo pecuniaacuteria por dano moral tem por causa de pedir

uma possiacutevel doenccedila respiratoacuteria causada pelos rejeitos de mineacuterio que vazaram da barragem

de Fundatildeo cuja lama secou e virou poeira acumulada nas ruas tanto que a parte autora

requereu como meio de prova preacute-constituiacuteda que seja oficiado o Hospital Municipal de Barra

Longa (MG) para que junte aos autos coacutepia do prontuaacuterio meacutedico inclusive que informe se

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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existe uma estatiacutestica do nuacutemero de pacientes atendidos com sintoma de poeira toacutexica no

Municiacutepio de Barra Longa (MG)

Por conta desse contexto teacutecnico o Tribunal de Justiccedila entendeu que atribuir agrave mineradora o

ocircnus de comprovar esta premissa faacutetica implica em encargo excessivamente difiacutecil Para

afastar sua obrigaccedilatildeo deveraacute comprovar a inexistecircncia de patologia do nexo causal entre ela e

as situaccedilotildees relatadas que teriam sido geradas pelo acidente e a contemporaneidade entre

referida patologia e os fatos narrados na inicial

Com esses contornos de fundamentaccedilatildeo a jurisprudecircncia entendeu ser impossiacutevel a aludida

redistribuiccedilatildeo quando desta resultar prova diaboacutelica para a parte sobre a qual passa a recair o

encargo conforme ementa abaixo

EMENTA AGRAVO DE INSTRUMENTO - ACcedilAtildeO INDENIZATOacuteRIA - DANO

AMBIENTAL - PROBLEMAS DE SAUacuteDE - REDISTRIBUICcedilAtildeO DO OcircNUS DA

PROVA - IMPOSSIBILIDADE - PROVA DIABOacuteLICA - ENCARGO QUE

IMPLICA EM CERCEAMENTO DE DEFESA - REFORMA - NECESSIDADE

A redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova eacute medida excepcional e desafia a presenccedila de

algum de seus pressupostos materiais nos termos do art 373 sect1ordm do Coacutedigo de

Processo Civil Impossiacutevel a aludida redistribuiccedilatildeo quando desta resultar prova

diaboacutelica para a parte sobre a qual passa a recair o encargo (sect2ordm) (BRASIL

Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais Agravo de Instrumento

1052116008604-2001 Agravante BHP Biliton Brasil Ltda Agravado Menor

representado pela matildee Patriacutecia Aparecida Martins Costa Rel Octaacutevio de Almeida

Neves (JD Convocado) j 30012019 DJe 07022019)

Em outros julgados o Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais confirmou a

impossibilidade de redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova de forma ampla e irrestrita em questotildees

ligadas a problemas de sauacutede decorrentes do rompimento da barragem de Fundatildeo

Nesses casos a situaccedilatildeo invocada pelo atingido para alegar a ocorrecircncia do suposto dano

moral satildeo os problemas de sauacutede ocasionados pela maacute qualidade da poeira e da potabilidade

da aacutegua comprometidos pelo desastre ambiental

O Tribunal Mineiro possui diversos julgados entendendo que atribuir agrave

mineradora o ocircnus de comprovar essa premissa faacutetica implica em encargo excessivamente

difiacutecil jaacute que para afastar sua obrigaccedilatildeo deveraacute comprovar a inexistecircncia de patologia do

nexo causal entre ela e as situaccedilotildees relatadas e que teriam sido geradas pelo acidente bem

como a contemporaneidade entre referida patologia e os fatos narrados na inicial

Duas observaccedilotildees devem ser feitas A primeira eacute que nesses precedentes a questatildeo gira em

torno da existecircncia de dano moral em razatildeo de problemas de sauacutede apontados pelos atingidos

Diferentemente a redistribuiccedilatildeo defendida nesse estudo diz respeito a danos materiais Em

segundo lugar importante destacar que muitas das accedilotildees foram proposta sem a demonstraccedilatildeo

parcial ou ateacute mesmo indiciaacuteria de que o atingido tenha experimentado qualquer problema de

sauacutede apoacutes o acidente ocorrido em 05112015 Em muitos processos nem mesmo foi

informado qual problema de sauacutede o atingido enfrentou em niacutetida falha na elaboraccedilatildeo da

peticcedilatildeo inicial que deveria estar acompanhada com um miacutenimo de prova do alegado

A ausecircncia de provas miacutenimas junto agrave peticcedilatildeo inicial foi determinante para se firmar o

entendimento de que se o atingido alega que sofreu danos em decorrecircncia dos problemas de

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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sauacutede apenas ela eacute capaz de oferecer comprovaccedilatildeo da premissa (problema de sauacutede) e da

conclusatildeo (dano) bem como em que extensatildeo e medida

Abaixo transcreve-se ementa de relatoria da Desembargadora Juliana Campos Horta

EMENTA AGRAVO DE INSTRUMENTO - ACcedilAtildeO DE COMPENSACcedilAtildeO DE

DANOS - PROBLEMAS DE SAUacuteDE DECORRENTES DO ROMPIMENTO DA

BARRAGEM DE FUNDAtildeO - DISTRIBUICcedilAtildeO DINAcircMICA DO OcircNUS DA

PROVA - IMPOSSIBILIDADE - PROVA DIABOacuteLICA - ENCARGO QUE

IMPLICA EM CERCEAMENTO DE DEFESA - DECISAtildeO REFORMADA

- A distribuiccedilatildeo dinacircmica do ocircnus da prova eacute medida excepcional e natildeo se mostra

possiacutevel quando verificado que ela implica em prova diaboacutelica para a parte sobre a

qual passa a recair o encargo (BRASIL Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas

Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel 1052116008535-8001 Agravante BHP Biliton Brasil

Ltda Agravado Menor representado pela matildee Arlinda Ferreira dos Santos Rel

Desembargadora Juliana Campos Horta j 31102018 DJe 08112018)

O entendimento firmado nos julgados acima mencionados se repetiu em diversos outros

processos todos ligados a pedidos de dano moral em decorrecircncia da poeira advinda do

rompimento da barragem de Fundatildeo que supostamente teria causado problemas de sauacutede nas

pessoas que residiam no municiacutepio de Barra LongaMG

6 CONCLUSAtildeO

Apos a exposiccedilatildeo acima a pesquisa apontou que o entendimento acerca da necessidade de

redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova em questotildees ligadas a comprovaccedilatildeo do dano material

decorrente da trageacutedia da Samarco (rompimento da barragem de Fundatildeo) comeccedila a ser

adotado pelo Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais ainda que apenas eventual prova

teacutecnica a respeito do impacto dos rejeitos no solo do imovel

O estudo sugere uma redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova de forma mais ampla nas questotildees

ligadas ao dano material

Especialmente em relaccedilatildeo as trageacutedias causadas pelo setor de mineraccedilatildeo a disparidade entre

os litigantes eacute enorme De um lado as maiores mineradoras do mundo contratam os melhores

escritorios de advocacia do pais que atuam de moda incansavel na defesa dos interesses

patrimoniais de seus clientes Do outro lado os atingidos muitas vezes natildeo possuem estrutura

de apoio teacutecnico e juridico adequados e se encontram absolutamente impossibilitados de

produzir a necessaria prova do dano material sofrido

Eacute urgente haver um avanccedilo ainda maior da jurisprudecircncia no reconhecimento da necessidade

de redistribuiccedilatildeo do ocircnus da prova nas questotildees ligadas ao dano material

Lado outro quanto ao dano moral decorrente de problemas de sauacutede causados pela poeira

toxica que invadiu municipios que se encontravam no caminho da lama forccediloso reconhecer

que o atingido deve ajuizar a accedilatildeo de indenizaccedilatildeo contendo provas minimas do suposto

problema de sauacutede

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Por fim o Poder Judiciario deve ter redobrado cuidado ao analisar lides envolvendo danos

socialmente relevantes especialmente aqueles decorrentes das grandes trageacutedias causadas

pelo setor de mineraccedilatildeo com o escopo de encontrar a justa decisatildeo para o caso concreto posto

em sua apreciaccedilatildeo

REFEREcircNCIAS

BECK Ulrich Sociedade de risco rumo a uma outra modernidade Traduccedilatildeo de Sebastiatildeo

Nascimento 2ed Satildeo Paulo Editora 34 2011

BRASIL Lei 13105 de marccedilo de 2015 Instituiu o Coacutedigo de Processo Civil Disponiacutevel em

httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2015-20182015leil13105htm Acesso em 3 jul

2019

BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila REsp n 60309 Recorrente Cliacutenica Neuroloacutegica e

Neurociruacutergica de Joinville e outro Recorrido Getuacutelio Raphael Bittencourt Machado Rel

Ruy Rosado de Aguiar j 18061996 DJ 26081996

BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila REsp n 802832 Recorrente Ana Maria Guimaratildees

Cruz Recorrido Tecar Minas Automoacuteveis e Serviccedilos Ltda Rel Ministro Paulo de Tarso

Sanseverino j 13042011 DJe 21092011

BRASIL Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais Agravo de Instrumento

1052116008604-2001 Agravante BHP Biliton Brasil Ltda Agravado Menor representado

pela matildee Patriacutecia Aparecida Martins Costa Rel Desembargador Octaacutevio de Almeida Neves

(JD Convocado) j 30012019 DJe 07022019

BRASIL Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel 1043907073669-

9001 Apelante Mineraccedilatildeo Rio Pomba Cataguases Ltda Apelado Joatildeo Ferreira Mendes e

outros Rel Desembargador Cabral da Silva j 26062012 DJe 10072012

BRASIL Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel 1052116008535-

8001 Agravante BHP Biliton Brasil Ltda Agravado Menor representado pela matildee Arlinda

Ferreira dos Santos Rel Desembargadora Juliana Campos Horta j 31102018 DJe

08112018

BRASIL Tribunal de Justiccedila do Estado de Minas Gerais Apelaccedilatildeo Ciacutevel 1052116005964-

3002 Agravante Samarco Mineraccedilatildeo SA Agravado Benvindo Inecircs Bento e outros Rel

Desembargador Octaacutevio de Almeida Neves (JD Convocado) j 01082019 DJe 06082019

CAMBI Eduardo A Prova Civil admissibilidade e relevacircncia Satildeo Paulo Revista dos

Tribunais 2006

CARPES Artur Thompsen Apontamentos sobre a inversatildeo do ocircnus da prova e a garantia do

contraditoacuterio In KNIJNIK Danilo (Coord) Prova Judiciaacuteria estudos sobre o novo direito

probatoacuterio Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 36-37

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58

DIDIER JR Fredie Direito processual civil teoria geral do processo e processo de

conhecimento 6ed Salvador JusPODIVM 2006

KIRSCH S Mining Capitalism the relationship between corporations and their critics

Berkeley Los Angeles London University of California Press 2014

KNIJNIK Danilo As (perigosissimas) doutrinas do ldquoocircnus dinacircmico da provardquo e da ldquosituaccedilatildeo

de senso comumrdquo como instrumentos para assegurar o acesso a justiccedila e superar a probatio

diaboacutelica In FUX Luiz NERY JR Nelson WAMBIER Teresa Arruda Alvim (Coord)

Processo e Constituiccedilatildeo estudos em homenagem ao professor Joseacute Carlos Barbosa Moreira

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2006

MARINONI Luiz Guilherme Formaccedilatildeo da convicccedilatildeo e inversatildeo do ocircnus da prova segundo

as peculiaridades do caso concreto Disponiacutevel em

httpwwwabdpcorgbrartigosartigo103htm Acesso em 1 jul 2019

ZHOURI Andreacutea (org) Mineraccedilatildeo violecircncias e resistecircncias [livro eletrocircnico] um campo

aberto agrave produccedilatildeo de conhecimento no Brasil MarabaacutePA Editorial iGuana 2018

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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ASPECTOS URBANIacuteSTICOS E AMBIENTAIS DA

REGULARIZACcedilAtildeO FUNDIAacuteRIA DOS NUacuteCLEOS URBANOS

INFORMAIS CONSOLIDADOS EM AacuteREAS DE PRESERVACcedilAtildeO

PERMANENTE

MATHEUS DE AGUIAR RODRIGUES CEMBRANELLI

________________ SUMAacuteRIO _________________

I Parcelamento do solo e a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

II Direito de propriedade e a funccedilatildeo social da

propriedade III Concepccedilatildeo da tutela ambiental no

brasil IV A busca pela sustentabilidade nas

cidades V A Reurb de nuacutecleo urbano informal

situado em APP VI O estudo teacutecnico exigido na

Reurb VI Principais caracteriacutesticas encontradas em

nuacutecleos urbanos informais nos Municiacutepios do Litoral

Norte de Satildeo Paulo VII Medidas urbaniacutesticas e

ambientais nas aacutereas consideradas de relevante

interesse ecoloacutegico VIII Conclusatildeo

Resumo O presente estudo por meio de uma revisatildeo histoacuterica da legislaccedilatildeo que diz

respeito ao parcelamento do solo e meio ambiente e atraveacutes do meacutetodo de observaccedilatildeo e

coleta de dados no campo das caracteriacutesticas das ocupaccedilotildees informais em municiacutepios do

litoral norte buscou demonstrar a possibilidade de melhoria das condiccedilotildees de

sustentabilidade urbano ambiental e de habitabilidade dos moradores a partir da

Regularizaccedilatildeo Fundiaacuteria Urbana (Reurb) A Reurb eacute o processo que inclui medidas

juriacutedicas urbaniacutesticas ambientais e sociais com a finalidade de incorporar os nuacutecleos

urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e agrave titulaccedilatildeo de seus ocupantes As

medidas juriacutedicas correspondem especialmente agrave soluccedilatildeo dos problemas dominiais que

decirc a plena propriedade ao beneficiaacuterio direto da Reurb As medidas urbaniacutesticas dizem

respeito agraves soluccedilotildees para adequar os parcelamentos agrave cidade regularizada como a

implantaccedilatildeo de infraestrutura essencial (calccedilamento esgoto energia fornecimento de

aacutegua) a realocaccedilatildeo de moradias em face de estarem em locais sujeito a

desmoronamento enchentes em locais contaminados insalubres entre outros As

medidas ambientais buscam superar o problema dos assentamentos implantados sem

licenciamento ambiental e em desacordo com a legislaccedilatildeo urbana e de proteccedilatildeo ao meio

ambiente As medidas sociais por sua vez dizem respeito agraves soluccedilotildees dadas agrave

Engenheiro Agrocircnomo da Companhia Ambiental do Estado de Satildeo Paulo - CETESB lotado na Agecircncia

Ambiental de Satildeo Sebastiatildeo Graduado em Direito da Faculdade de Satildeo Sebastiatildeo e em Engenharia

Agronocircmica pela Universidade de Taubateacute (2002) Mestre em Gestatildeo de Recursos Agroambientais pelo

Instituto Agronocircmico de Campinas (2006)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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populaccedilatildeo beneficiaacuteria da Reurb especialmente nas ocupaccedilotildees por famiacutelias de baixa

renda (mas natildeo excluindo as demais populaccedilotildees) de forma a propiciar o exerciacutecio

digno do direito agrave moradia e agrave cidadania proporcionando qualidade de vida

Palavras chaves Parcelamento do solo urbano Sustentabilidade Aacuterea de Preservaccedilatildeo

Permanente Interesse Social

I PARCELAMENTO DO SOLO E A REGULARIZACcedilAtildeO FUNDIAacuteRIA

Com a chegada da Revoluccedilatildeo Industrial intensificou-se a urbanizaccedilatildeo no Brasil

ocasionando a necessidade de moradia proacutexima aos centros urbanos o que acelerou o

parcelamento do solo

Com a finalidade de garantir maior seguranccedila aos compradores de lotes foram editados

os primeiros textos legislativos com regramento de parcelamento e venda de imoacuteveis a

prazo contudo naquele momento sem considerar as questotildees urbaniacutesticas com ecircnfase

no Decreto-Lei nordm 581937 e seu regulamento o Decreto nordm 30791938

Em 1965 comeccedilaram as preocupaccedilotildees urbaniacutesticas tornando obrigatoacuteria a aprovaccedilatildeo

pela Prefeitura Municipal do plano e planta de loteamento para serem observadas

questotildees sanitaacuterias militares e florestais (Lei nordm 47781965) Com o advento do

Decreto Lei nordm 2711967 novos padrotildees e exigecircncias foram criados para a implantaccedilatildeo

de um loteamento urbano87

Posteriormente com a ediccedilatildeo da Lei nordm 67661979 passou a ser obrigatoacuterio o registro

do parcelamento do solo em todos os loteamentos e desmembramentos impondo-se ao

parcelamento requisitos mais riacutegidos e uma maior gama de documentos e aprovaccedilotildees a

serem apresentados Essa lei introduziu paracircmetros para permitir o reconhecimento

juriacutedico das formas de ocupaccedilatildeo do solo e definiu em normas gerais as modalidades de

parcelamento o lote os requisitos urbaniacutesticos a infraestrutura baacutesica de parcelamento

e aacutereas passiacuteveis de parcelamento88

O grande benefiacutecio trazido pela lei do parcelamento

do solo urbano foi reconhecer a competecircncia dos Municiacutepios para regularizarem os

parcelamentos feitos ilegalmente dentro de seus territoacuterios previsatildeo dos artigos 40 e 41

e ainda possibilitou com base em seu artigo 4deg II a urbanizaccedilatildeo especiacutefica ou

edificaccedilatildeo de conjuntos habitacionais de interesse social para a populaccedilatildeo de baixa

renda89

87

MACEDO Paola de Castro Ribeiro O novo panorama da Regularizaccedilatildeo Fundiaacuteria Urbana de acordo

com a Medida Provisoacuteria nordm 759 de 22 de dezembro de 2016 04 de maio de 2017 Disponiacutevel emlt

httpiregistradoresorgbro-novo-panorama-da-regularizacao-fundiaria-urbana-de-acordo-com-a-

medida-provisoria-no-759-de-22-de-dezembro-de-2016gt Acesso em 11122018 88

CONCEICcedilAtildeO Ediana Santos Fiuza Souza Arnaldo de Geoprocessamento aplicado agrave aacuterea de

regularizaccedilatildeo fundiaacuteria um estudo de caso baseado em modelagem e banco de dados geograacuteficos Revista

de Discentes de Ciecircncia Poliacutetica da UFSCAR Vol6 ndash n1 ndash 2018 89

SAULE JUacuteNIOR Nelson A Perspectiva do direito agrave cidade e da reforma urbana na revisatildeo da lei do

parcelamento do solo Nelson Saule Jr org Fernando Bruno [et al] ndash Satildeo Paulo Instituto Poacutelis 2008

112p - (Cadernos Poacutelis 10) Disponiacutevel em lt httpibduorgbrimagensO_DIREITPDFgt Acesso em

10122018

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Com a Lei ndeg 102572001 autodenominada Estatuto da Cidade o legislador atendendo

agraves determinaccedilotildees constitucionais procurou introduzir no sistema vaacuterios instrumentos de

poliacutetica urbana regulamentando os artigos 182 e 183 da Constituiccedilatildeo Federal Em 2009

a questatildeo da irregularidade fundiaacuteria passa a ser tratado especificamente por meio da

Lei ndeg 11977 Esse diploma legal eacute sem duacutevida o marco mais importante da

regularizaccedilatildeo fundiaacuteria urbana que a definiu como o conjunto de medidas juriacutedicas

urbaniacutesticas ambientais e sociais que visam agrave regularizaccedilatildeo de assentamentos

irregulares e agrave titulaccedilatildeo de seus ocupantes a fim de garantir o direito social agrave moradia o

pleno desenvolvimento das funccedilotildees sociais da propriedade urbana e o direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado

A partir de julho de 2017 foi dado mais um passo no marco regulatoacuterio da

regularizaccedilatildeo fundiaacuteria urbana com a Lei ndeg 13465 trazendo novos processos com a

finalidade de desburocratizar a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria tornando-a mais clara e objetiva

em sua execuccedilatildeo90

De acordo com o artigo 10 da Lei ndeg 134652017 in verbis

Constituem objetivos da Reurb a serem observados pela Uniatildeo Estados

Distrito Federal e Municiacutepios I - identificar os nuacutecleos urbanos informais

que devam ser regularizados organizaacute-los e assegurar a prestaccedilatildeo de serviccedilos

puacuteblicos aos seus ocupantes de modo a melhorar as condiccedilotildees urbaniacutesticas e

ambientais em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo informal anterior91

Os legitimados para requerer a Reurb previstos no artigo 14 da referida Lei satildeo a

Uniatildeo o Estado o Distrito Federal ou Municiacutepio diretamente ou por meio de entidades

da Administraccedilatildeo Puacuteblica indireta O beneficiaacuterios da regularizaccedilatildeo de forma individual

ou coletivamente por meio de cooperativas habitacionais associaccedilotildees de moradores

fundaccedilotildees organizaccedilotildees sociais organizaccedilotildees da sociedade civil de interesse puacuteblico ou

outras associaccedilotildees civis que tenham por finalidade atividades nas aacutereas de

desenvolvimento urbano ou regularizaccedilatildeo fundiaacuteria urbana Os proprietaacuterios de imoacuteveis

ou de terrenos loteadores ou incorporadores Tambeacutem a Defensoria Puacuteblica em nome

dos beneficiaacuterios hipossuficientes econocircmicos o que ocorre apenas na Reurb-S e o

Ministeacuterio Puacuteblico

De acordo com o artigo 13 da Lei Federal supra citada a Reurb compreende duas

modalidades a regularizaccedilatildeo de interesse social (Reurb-S) aplicaacutevel aos nuacutecleos

urbanos informais ocupados predominantemente por populaccedilatildeo de baixa renda assim

declarados em ato do Poder Executivo municipal e a de Interesse Especiacutefico (Reurb-E)

aplicaacutevel aos nuacutecleos urbanos informais ocupados por populaccedilatildeo natildeo qualificada na

hipoacutetese de que trata o inciso I deste artigo

A classificaccedilatildeo do interesse Reurb-S ou Reurb-E visa exclusivamente agrave Identificaccedilatildeo

dos responsaacuteveis pela implantaccedilatildeo ou adequaccedilatildeo das obras de infraestrutura essencial

conforme disposto nos artigos 37 e 38 da Lei 134652017 Sendo que na Reurb-S

caberaacute ao poder puacuteblico competente diretamente ou por meio da administraccedilatildeo puacuteblica

indireta implementar a infraestrutura essencial os equipamentos comunitaacuterios e as

melhorias habitacionais previstos nos projetos de regularizaccedilatildeo assim como arcar com

os ocircnus de sua manutenccedilatildeo Enquanto que na Reurb-E o Distrito Federal ou os

Municiacutepios deveratildeo definir por ocasiatildeo da aprovaccedilatildeo dos projetos de regularizaccedilatildeo

fundiaacuteria nos limites da legislaccedilatildeo de regecircncia os responsaacuteveis pela

90

CONCEICcedilAtildeO op Cit 91

Artigo 10 da Lei ndeg 134652017

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

62

I - implantaccedilatildeo dos sistemas viaacuterios

II - implantaccedilatildeo da infraestrutura essencial e dos equipamentos puacuteblicos ou

comunitaacuterios quando for o caso e

III - implementaccedilatildeo das medidas de mitigaccedilatildeo e compensaccedilatildeo urbaniacutestica e

ambiental e dos estudos teacutecnicos quando for o caso

A lei nordm 134652017 define em seu art 36 sect 1ordm que satildeo considerados infraestrutura

essencial os seguintes equipamentos

I - sistema de abastecimento de aacutegua potaacutevel coletivo ou individual

II - sistema de coleta e tratamento do esgotamento sanitaacuterio coletivo ou

individual

III - rede de energia eleacutetrica domiciliar

IV - soluccedilotildees de drenagem quando necessaacuterio e

V - outros equipamentos a serem definidos pelos Municiacutepios em funccedilatildeo das

necessidades locais e caracteriacutesticas regionais

II DIREITO DE PROPRIEDADE E A FUNCcedilAtildeO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Quando o Estado se vecirc obrigado a respeitar e garantir o direito do membro de seu

grupo somente podendo nele intervir na forma estipulada em lei estaacute sendo exercida a

limitaccedilatildeo aos poderes do Estado seja no exerciacutecio do Poder Constituinte Derivado seja

na execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas que reconhecem entre as garantias fundamentais o

direito de propriedade92

Nesse sentido nos explica Scheid93

Com a construccedilatildeo juriacutedica da funccedilatildeo social da propriedade e o surgimento

do Estado de Bem-Estar Social a partir da falecircncia do Estado Liberal surge a

idealizaccedilatildeo da funccedilatildeo social da propriedade como forma de buscar a justiccedila

social e passa a ser incorporada em diversas Constituiccedilotildees inclusive no

Brasil

Em consonacircncia com a perspectiva do Estado Social de Direito delineada nas

Constituiccedilotildees de 1934 e 1937 a Constituiccedilatildeo de 1946 igualmente concebe a funccedilatildeo

social da propriedade Inovando no ordenamento juriacutedico ao prever a modalidade de

desapropriaccedilatildeo por interesse social posteriormente disciplinado na Lei ndeg 41321962

que ainda amplia as hipoacuteteses de desapropriaccedilatildeo com finalidade ambiental em seu

artigo 2deg aliacutenea VII ao considerar como interesse social a proteccedilatildeo do solo

preservaccedilatildeo das aacuteguas e florestas94

92

RODRIGUES Daniela Rosaacuterio Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria coordenadores Joseacute Renato Nalini e Wilson

Levy ndash 2 ed rev atual e ampl ndash Rio de Janeiro Forense 2014 93

SCHEID Cintia Maria O princiacutepio da funccedilatildeo social da propriedade e sua repercussatildeo na evoluccedilatildeo da

regularizaccedilatildeo fundiaacuteria urbana no ordenamento juriacutedico brasileiro Revista de Direito Imobiliaacuterio | vol

832017 | p 423 - 454 | Jul - Dez 2017 94

COELHO Hebert Alves Pinto Joatildeo Batista Moreira A evoluccedilatildeo no brasil da concepccedilatildeo do direito de

propriedade em sua dimensatildeo ambiental Revista de Direito Ambiental vol 882017 p 91 ndash 108 Out -

Dez 2017

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

63

Entatildeo com a Constituiccedilatildeo de 1967 em seu artigo 157 III estabelece expressamente

como um dos princiacutepios da ordem econocircmica a funccedilatildeo social da propriedade a

concebendo desvinculada de desapropriaccedilotildees95

Foi a partir da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que se estabeleceu a uniatildeo indissociaacutevel

entre a propriedade e a necessidade do atendimento de sua respectiva funccedilatildeo social ao

estatuir no artigo 5ordm incisos XXII e XXIII a garantia do direito de propriedade com a

determinaccedilatildeo de que a propriedade atenderaacute a sua funccedilatildeo social natildeo podendo ser objeto

de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir essa garantia nos termos do

artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo Federal96

Por certo ldquoa garantia outorgada pelo

constituinte ao direito de propriedade qualificado pelo seu fim eacute de tal importacircncia que

foi revisto constitucionalmente em clausula peacutetreardquo97

Natildeo haacute como garantir os elementos essenciais agrave dignidade humana como sauacutede

moradia lazer trabalho entre outros se natildeo houver a efetivaccedilatildeo de uma poliacutetica real de

desenvolvimento urbano sustentaacutevel tanto para os que buscaram nos centros urbanos na

esperanccedila de uma melhoria na vida mas tambeacutem agraves futuras geraccedilotildees que colheratildeo o

resultado de toda a exploraccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo do solo antes promovidas98

O projeto constitucional para alcanccedilar o fundamento da dignidade da pessoa humana

se baseou na funccedilatildeo social da propriedade como vetor para a interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo

da legislaccedilatildeo atinente agrave propriedade como um dos instrumentos capaz de atender os

objetivos fundamentais estabelecidos no artigo 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

principalmente para a construccedilatildeo de uma sociedade livre justa e solidaacuteria99

Em perfeita consonacircncia com os dispositivos da Carta Magna que definiu o conteuacutedo

da funccedilatildeo social da propriedade rural (art 186) e a funccedilatildeo social da propriedade urbana

(art 182 sect 2ordm) o Codigo Civil de 2002 ainda estabelece no sect 1ordm do art 1228 que (hellip) o

direito de propriedade deve ser exercido em consonacircncia com as suas finalidades

econocircmicas e sociais e de modo que sejam preservados de conformidade com o

estabelecido em lei formal a flora a fauna as belezas naturais o equiliacutebrio ecoloacutegico e

o patrimocircnio histoacuterico e artiacutestico bem como evitada a poluiccedilatildeo do ar e das aacuteguas

Nos moldes da Constituiccedilatildeo Federal vigente a propriedade privada em uma nova fase

mais civilizada e comedida para atender uma nova ordem puacuteblica ambiental abandona

sua configuraccedilatildeo essencialmente individualista100

95

SANTOS Cacilda Lopes dos Desapropriaccedilatildeo e Poliacutetica Urbana Uma Perspectiva Interdisciplinar

Belo Horizonte Editora Foacuterum 2010 p 23 96

SCHEID op cit 97

CALMON Eliana Aspectos constitucionais do direito da propriedade urbana Disponiacutevel em

[wwwstjjusbrinternet_docsministrosDiscursos0001114Aspectos20Constitucionais20do20Dire

ito20da20Propriedade20Urbanadoc] Acesso em 10122018 98

RODRIGUES op cit 99

SCHEID op cit 100

BENJAMIN Antocircnio Herman de Vasconcelos e Reflexotildees sobre a hipertrofia do direito de

propriedade na tutela da reserva legal e das aacutereas de preservaccedilatildeo permanente Palestra proferida na XVI

Conferecircncia Nacional dos Advogados promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil Conselho

Federal Fortaleza 1-5 de setembro de 1996 Disponiacutevel em

[httpbdjurstjjusbrjspuibitstream201120711ReflexC3B5es_Sobre_Hipertrofiapdf] Acesso em

09122018 p 22

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

64

Ao atender a limitaccedilatildeo imposta pela funccedilatildeo social da propriedade o proprietaacuterio natildeo

pode usar ou deixar de usar a propriedade conforme seus desiacutegnios Necessaacuterio que ela

cumpra uma funccedilatildeo social quer seja com caraacuteter de moradia unidade produtiva ou

simplesmente de preservaccedilatildeo ambiental101

III CONCEPCcedilAtildeO DA TUTELA AMBIENTAL NO BRASIL

Na deacutecada de 1960 diante do esgotamento dos recursos naturais comeccedila a florescer a

conscientizaccedilatildeo mundial da importacircncia do meio ambiente102

Impulsionando a

produccedilatildeo de leis voltadas agrave tutela ambiental no Brasil como a Lei ndeg 45041964

conhecido como Estatuto da Terra e o Decreto Lei ndeg 2271967 conhecido como o

Coacutedigo de Minas103

Em 1972 com a realizaccedilatildeo da Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas em Estocolmo que

tornou-se um marco no entendimento mundial sobre o meio ambiente o mundo voltou

os olhos para o tema emergente o que acabou influindo decisivamente em reformas

constitucionais que foram concretizar-se principalmente na deacutecada de oitenta no

Brasil e ainda na deacutecada de 70 na Espanha e em Portugal que tiveram suas

Constituiccedilotildees grandemente influenciadas por esta nova concepccedilatildeo das questotildees

ambientais104

Em 31 de agosto de 1981 praticamente por unanimidade pois soacute teve dois votos

contraacuterios foi aprovada a Lei ndeg 6938 que instituiu a Poliacutetica Nacional do Meio

Ambiente Data de um acontecimento crucial que uniu na mesma e sob uma diretriz

comum governo oposiccedilatildeo empresaacuterios produtores rurais e sociedade civil organizada

Eacute bom lembrar neste contexto que a Lei ndeg 69381981 teve influecircncia decisiva na

elaboraccedilatildeo do Capiacutetulo do Meio Ambiente da Constituiccedilatildeo de 1988105

A Lei ndeg 69381981 trouxe substancial inovaccedilatildeo legislativa ao prever em seu art 14 a

responsabilidade civil objetiva por danos ambientais No mesmo sentido foi

estabelecido por meio da Lei ndeg 73471985 um sistema processual de tutela dos

direitos coletivos dos quais se destaca o direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado106

A partir de entatildeo diversas outras leis de cunho ambiental foram editadas

no Brasil tais como a Lei de Reforma Agraacuteria (Lei ndeg 86291993) Lei dos Recursos

Hiacutedricos (Lei ndeg 94331997) e Lei da Biotecnologia (Lei ndeg 111052005)

IV A BUSCA PELA SUSTENTABILIDADE NAS CIDADES

101

DE CASTRO Clarice Rogeacuterio Reserva legal proteccedilatildeo indispensaacutevel ou intervenccedilatildeo estatal indevida

2015 102

GUERRA Sidney Desenvolvimento Sustentaacutevel nas trecircs Grandes Conferecircncias Internacionais de

Ambiente da ONU o Grande Desafio no Plano Internacional In GOMES Eduardo B BULZICO

Bettina (Org) Sustentabilidade Desenvolvimento e Democracia Ijuiacute Unijuiacute 2010 103

COELHO 2017 op cit 104

FREITAS Vladimir Passos de A Constituiccedilatildeo Federal e a Efetividade das Normas Ambientais Satildeo

Paulo Editora Revista dos Tribunais 2000 105

(Publicado em Ambiente Legal e Justiccedila poliacutetica ndash wwwambientelegalcombr) 106

COELHO 2017 op cit

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

65

Os novos indicadores mostram oportunidades de cidades mais sustentaacuteveis e mais

inteligentes no seacuteculo 21 com a reinvenccedilatildeo das metroacutepoles contemporacircneas do que as

que cresceram e se expandiram sem limites no seacuteculo 20 O maior desafio do seacuteculo 21

eacute o desenvolvimento sustentaacutevel com as cidades como a mais importante das pautas

para todos os paiacuteses Pois dois terccedilos do consumo mundial de energia advecircm das

cidades 75 dos resiacuteduos satildeo gerados nas cidades e vive-se um processo dramaacutetico de

esgotamentos dos recursos hiacutedricos e de consumo exagerado de agua potavel A agenda

Cidades Sustentaveis eacute assim desafio e oportunidade uacutenicas no desenvolvimento das

naccedilotildees A ecologia da cidade e natildeo a ecologia na cidade ou a natureza como um

sistema separado na cidade Tratam-se de questotildees seacuterias e prementes

independentemente de roacutetulos107

Como se sabe maiores densidades urbanas representam menor consumo de energia per

capita Justamente pelas suas altas densidades otimizando as infraestruturas urbanas e

propiciando ambientes de maior qualidade de vida promovida pela sobreposiccedilatildeo de

usos entatildeo cidades sustentaveis satildeo necessariamente compactas e densas108

Na busca

pelo desenvolvimento sustentado o crescimento deve ser voltado para dentro da cidade

reciclar a estrutura existente e natildeo simplesmente substituiacute-la No planejamento

estrateacutegico eacute possiacutevel e desejaacutevel a reestruturaccedilatildeo produtiva ou seja utilizando-se dos

novos processos de inovaccedilatildeo econocircmica e tecnoloacutegica para regenerar os territoacuterios

existentes

Muito aleacutem de um desejaacutevel conjunto de construccedilotildees sustentaacuteveis a cidade sustentaacutevel

deve incorporar paracircmetros de sustentabilidade no desenvolvimento urbano puacuteblico e

privado O setor privado que sempre estiveram presentes no desenvolvimento das

grandes cidades deve complementar os paracircmetros de sustentabilidade em consonacircncia

com aqueles pautados pela atuaccedilatildeo puacuteblica109

Por meio de um bom diagnoacutestico que permita outro olhar na estruturaccedilatildeo dos

investimentos puacuteblicos se alcanccedila uma importante mudanccedila de patamar dos indicadores

de sustentabilidade urbana 110

Diferem-se em dois grupos no tocante agrave abordagem de possibilidades de

implementaccedilatildeo de programas de sustentabilidade O primeiro tem foco em aspectos

sociais para promoccedilatildeo da sustentabilidade urbana como governanccedila local mudanccedilas de

comportamento e atitudes revisatildeo dos objetivos do planejamento do uso do solo entre

outros Em muitas cidades a alternativa passa a ser a realizaccedilatildeo de accedilotildees visando

eficiecircncia por reduccedilatildeo de consumo e desperdiacutecio apoio a serviccedilos com baixas emissotildees

de carbono e revitalizaccedilatildeo urbana promovendo a compacidade do uso do solo o

compartilhamento de equipamentos e a valorizaccedilatildeo do espaccedilo puacuteblico O segundo grupo

tem foco em alta tecnologia no uso de equipamentos e sistemas modernos para que a

cidade especialmente os setores de energia mobilidade e gestatildeo de resiacuteduos possa

107

LEITE Carlos Cidades sustentaacuteveis cidades inteligentes [recurso eletrocircnico] desenvolvimento

sustentaacutevel num planeta urbano Carlos Leite Juliana di Cesare Marques Awad ndash Dados eletrocircnicos ndash

Porto Alegre Bookman 2012 108

LEITE 2012 op cit 109

LEITE 2012 op cit 110

LEITE 2012 op cit p 132

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

66

alcanccedilar altos iacutendices de desempenho em aspectos como emissotildees de gases de efeito

estufa e destinaccedilatildeo de resiacuteduos111

A cidade eacute considerada sustentaacutevel quanto atendidos os objetivos sociais ambientais

poliacuteticos e culturais bem como aos objetivos econocircmicos e fiacutesicos de seus cidadatildeos

Sustentabilidade pressupotildee agilidade para reagir com rapidez agraves mudanccedilas da sociedade

e num cenaacuterio ideal a continuidade do ciclo sem desperdiacutecios O modelo de

desenvolvimento urbano em que se deve operar a cidade sustentaacutevel procura balancear

de forma eficiente os insumos de entrada (terra urbana e recursos naturais aacutegua

energia alimento etc) as fontes de saiacuteda (resiacuteduos esgoto poluiccedilatildeo etc) e a

distribuiccedilatildeo igualitaacuteria para toda a populaccedilatildeo urbana dos recursos de consumo baacutesicos

incluindo desafios prementes como o aumento da permeabilidade nas cidades112

V A REURB DE NUacuteCLEO URBANO INFORMAL SITUADO EM APP

A Lei ndeg 134652017 no Tiacutetulo III Da Regularizaccedilatildeo Fundiaacuteria Urbana conforme o

artigo 9deg ldquoFicam instituiacutedas no territoacuterio nacional normas gerais e procedimentos

aplicaacuteveis agrave Regularizaccedilatildeo Fundiaacuteria Urbana (Reurb) a qual abrange medidas

juriacutedicas urbaniacutesticas ambientais e sociais destinadas agrave incorporaccedilatildeo dos nuacutecleos

urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e a titulaccedilatildeo de seus ocupantesrdquo

De acordo com a Deliberaccedilatildeo Normativa CONSEMA ndeg 03 de 04 de dezembro de

2018113

() considera-se imoacutevel urbano aquele localizado em aacuterea consolidada que

atenda simultaneamente aos seguintes requisitos

I - incluiacuteda no periacutemetro urbano ou em zona urbana pelo plano

diretor ou por lei municipal especiacutefica

II - com sistema viaacuterio implantado e vias de circulaccedilatildeo

pavimentadas ou natildeo

III - organizada em quadras e lotes predominantemente

edificados

IV - de uso predominantemente urbano caracterizado pela

existecircncia de edificaccedilotildees residenciais comerciais industriais institucionais

mistas ou voltadas agrave prestaccedilatildeo de serviccedilos e

V - com a presenccedila de no miacutenimo 3 (trecircs) dos seguintes

equipamentos de infraestrutura urbana implantados

a) drenagem de aacuteguas pluviais

b) esgotamento sanitaacuterio

c) abastecimento de aacutegua potaacutevel

d) distribuiccedilatildeo de energia eleacutetrica e

e) limpeza urbana coleta e manejo de resiacuteduos soacutelidos

111

LEITE 2012 op cit 112

LEITE 2012 op cit 113

artigo 1ordm paraacutegrafo uacutenico da Deliberaccedilatildeo CONSEMA ndeg 032018

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67

Considerando que de acordo com o sect2deg do artigo 11 da Lei ndeg 134652017 in verbis114

Constatada a existecircncia de nuacutecleo urbano informal situado total ou

parcialmente em aacuterea de preservaccedilatildeo permanente ou em aacuterea de unidade de

conservaccedilatildeo de uso sustentaacutevel ou de proteccedilatildeo de mananciais definidas pela

Uniatildeo Estados ou Municiacutepios a Reurb observaraacute tambeacutem o disposto

nos artigos 64 e 65 da Lei nordm 126512012 hipoacutetese na qual se torna

obrigatoacuteria a elaboraccedilatildeo de estudos teacutecnicos no acircmbito da Reurb que

justifiquem as melhorias ambientais em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo

informal anterior inclusive por meio de compensaccedilotildees ambientais quando

for o caso

Sendo que conforme o sect 3ordm da referida Lei de 2017115

No caso de a Reurb abranger aacuterea de unidade de conservaccedilatildeo de uso

sustentaacutevel que nos termos da Lei nordm 99852000 admita regularizaccedilatildeo seraacute

exigida tambeacutem a anuecircncia do oacutergatildeo gestor da unidade desde que estudo

teacutecnico comprove que essas intervenccedilotildees de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria implicam

a melhoria das condiccedilotildees ambientais em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo

informal anterior

Cabendo ao Municiacutepio conforme prevecirc o artigo 12 ainda do referido Diploma Legal a

aprovaccedilatildeo urbaniacutestica do projeto de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria bem como agrave aprovaccedilatildeo

ambiental se o Municiacutepio tiver oacutergatildeo ambiental capacitado Destacando que os estudos

teacutecnicos referidos no artigo 11 que aplicam-se somente agraves parcelas dos nuacutecleos urbanos

informais situados nas aacutereas de preservaccedilatildeo permanente nas unidades de conservaccedilatildeo

de uso sustentaacutevel ou nas aacutereas de proteccedilatildeo de mananciais deveratildeo ser elaborados por

profissional legalmente habilitado compatibilizar-se com o projeto de regularizaccedilatildeo

fundiaacuteria e conter conforme o caso os elementos constantes dos artigos 64 ou 65 da Lei

ndeg 126512012

Entende-se por aacuterea de preservaccedilatildeo permanente (APP) de acordo com o artigo 3deg

inciso I da Lei ndeg 126512012 aacuterea protegida coberta ou natildeo por vegetaccedilatildeo nativa

com a funccedilatildeo ambiental de preservar os recursos hiacutedricos a paisagem a estabilidade

geoloacutegica e a biodiversidade facilitar o fluxo gecircnico de fauna e flora proteger o solo e

assegurar o bem-estar das populaccedilotildees humanas

No artigo 4ordm da referida lei estatildeo as delimitaccedilotildees da Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente e

consideram-se ainda de preservaccedilatildeo permanente quando declaradas de interesse social

por ato do Chefe do Poder Executivo as aacutereas cobertas com florestas ou outras formas

de vegetaccedilatildeo destinadas a uma ou mais das finalidades descritas nos incisos I ao IX

desse artigo Aleacutem disso segundo a mesma lei a supressatildeo de vegetaccedilatildeo nativa

protetora de nascentes dunas e restingas somente poderaacute ser autorizada em caso de

utilidade puacuteblica

A Lei da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria (Lei ndeg 134652017) no seu artigo 35 traz nos

incisos de I a X e no paraacutegrafo uacutenico o que deve conter no miacutenimo o projeto de

regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

A Lei supracitada alterou a redaccedilatildeo dos artigos 64 e 65 da Lei ndeg 126512012

114

artigo 11 sect2ordm da Lei ndeg 134652017 115

Artigo 11 sect3ordm da Lei ndeg 134652017

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

68

substituindo regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de interesse social e interesse especiacutefico dos

nuacutecleos urbanos informais por Reurb-S e Reurb-E respectivamente Anteriormente na

forma da Lei ndeg 119772009 referia-se a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de interesse social e

interesse especiacutefico dos assentamentos inseridos em aacuterea urbana de ocupaccedilatildeo

consolidada

O estudo teacutecnico que deveraacute ser elaborado a fim de demonstrar que a regularizaccedilatildeo

fundiaacuteria de um dado nuacutecleo urbano informal implementaraacute melhorias das condiccedilotildees

ambientais em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo anterior estatildeo exigidos no sect 1o em ambos os artigos

64 e 65 da Lei ndeg 126512012 e os elementos miacutenimos que constaratildeo no estudo estatildeo

definidos no inciso I e seguintes dos mesmos artigos

Utilizando-se paracircmetros miacutenimos de consolidaccedilatildeo urbana indicados na legislaccedilatildeo

vigente complementada com informaccedilotildees das prefeituras resulta-se na limitaccedilatildeo dos

periacutemetros e a classificaccedilatildeo dos nuacutecleos urbanos informais por ordem de prioridade para

receberem os estudos que deveratildeo atender agraves diretriz e propor melhorias de qualificaccedilatildeo

ambiental a fim de verificar a possibilidade de regularizaccedilatildeo

VI O ESTUDO TEacuteCNICO EXIGIDO NA REURB

As informaccedilotildees coletadas no Relatoacuterio que subsidiaraacute o Estudo Teacutecnico devem trazer

dados da situaccedilatildeo dos nuacutecleos urbanos tais como

- a vulnerabilidade das ocupaccedilotildees a enchentes escorregamentos de terra e outros riscos

- caracterizaccedilatildeo das tipologias e os diversos niacuteveis de ocupaccedilatildeo da aacuterea em estudo

- atendimento aos criteacuterios do conceito de aacuterea urbana consolidada a partir de

paracircmetros previstos em lei

- impedimento da regeneraccedilatildeo da vegetaccedilatildeo qualidade paisagiacutestica

- acessibilidade conforto teacutermico

- definir os periacutemetros de consolidaccedilatildeo urbana e delimitar as ocupaccedilotildees em aacutereas

ambientalmente protegidas e

- verificar a ausecircncia de funccedilotildees ambientais da APP considerando o disposto nos

artigos 2ordm 3ordm 4ordm e 7ordm da Deliberaccedilatildeo Normativa CONSEMA ndeg 032018116

Podendo-se iniciar priorizando a busca de dados que permitiratildeo as avaliaccedilotildees quanto agrave

situaccedilotildees de risco e com esses dados eleger as edificaccedilotildees que natildeo teratildeo possibilidade

de permanecer no local

Haacute varias definiccedilotildees para o termo vulnerabilidade de acordo com o Regional Disaster

Information Center Latin America and the Caribbean (CRID)117

a vulnerabilidade

116

artigos 2deg 3deg 4deg e 7deg da Deliberaccedilatildeo CONSEMA ndeg 032018

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

69

pode ser definida como o grau de suscetibilidade ou de risco a que estaacute exposta uma

populaccedilatildeo de sofrer danos por um desastre natural Segundo a United Nations

Development Program (UNDP)118

vulnerabilidade eacute uma condiccedilatildeo ou processo

resultante de fatores fiacutesicos sociais econocircmicos e ambientais os quais determinam a

probabilidade e escala dos danos causados pelo impacto de um determinado perigo De

acordo com Koeler citado por Schenkel 119

vulnerabilidade estaacute relacionada a fatores

fiacutesicos (urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e tipo de construccedilatildeo) fatores ambientais

(uso do solo recursos hiacutedricos vegetaccedilatildeo biodiversidade e sustentabilidade) fatores

econocircmicos (condiccedilatildeo socioeconocircmica solidez da economia pobreza acesso a serviccedilos

baacutesicos e taxa de desemprego) e fatores sociais (percepccedilatildeo do risco educaccedilatildeo direitos

humanos participaccedilatildeo social renda acesso a informaccedilatildeo gecircnero raccedila e idade)

Por meio dos bancos de dados disponiacuteveis para o local como avaliaccedilotildees mapas e os

zoneamentos especiacuteficos possibilita-se a realizaccedilatildeo de uma setorizaccedilatildeo da aacuterea e dentro

da proacutepria aacuterea em estudo Identificando as de Baixo Meacutedio Alto e Muito Alto risco no

intuito de diagnosticar a situaccedilatildeo atual e posteriormente indicar as accedilotildees mitigadoras do

risco atraveacutes de medidas estruturais (obras) e natildeo estruturais (planos preventivos

remoccedilotildees definitivas ou temporaacuterias)

No caso de nuacutecleos urbanos informais que inserem-se totalmente ou parcialmente em

area de preservaccedilatildeo de curso drsquoagua definida no artigo 4ordm inciso I da Lei ndeg

126512012 o primeiro item a ser avaliado em termos de prioridade pode ser quanto

a proximidade das edificaccedilotildees ao curso drsquoagua Nesse caso a coleta e registro de dados

pluviomeacutetricos (iacutendices de chuvas) e fluviomeacutetricos (niacutevel dos rios) eacute imprescindiacutevel

sendo necessaacuterio inclusive dados das interferecircncias existentes na bacia inclusive agrave

montante da aacuterea em regularizaccedilatildeo Como dados complementares pode-se incluir a

taxa de impermeabilizaccedilatildeo estudo qualitativo e quantitativo da vegetaccedilatildeo ciliar faixa

da aacuterea de preservaccedilatildeo permanente remanescente livre de ocupaccedilatildeo avaliaccedilatildeo da

qualidade das aacuteguas Nessa etapa os dados obtidos seratildeo determinantes para decidir se a

edificaccedilatildeo poderaacute permanecer no local O estudo deveraacute abranger aleacutem da aacuterea do

nuacutecleo objeto de regularizaccedilatildeo a aacuterea de sua vizinhanccedila de forma a possibilitar o

estudo das funccedilotildees ambientais da aacuterea de preservaccedilatildeo permanente definidas no artigo

3ordm inciso II da Lei ndeg 126512012 agrave montante e agrave jusante do nuacutecleo

Natildeo menos importante eacute a avaliaccedilatildeo das edificaccedilotildees inseridas em aacutereas declivosas que

podem ser enquadradas na mesma categoria de risco do item anterior considerando que

os dados obtidos tambeacutem seratildeo determinantes na tomada de decisatildeo se a edificaccedilatildeo

poderaacute permanecer no local Satildeo aacutereas de preservaccedilatildeo permanente de acordo com o

artigo 4ordm inciso V da Lei ndeg 126512012 as encostas ou partes destas com declividade

superior a 45deg equivalente a 100 (cem por cento) na linha de maior declive e ainda

satildeo aacutereas de uso restrito de acordo com o artigo 11 da referida lei aacutereas de inclinaccedilatildeo

entre 25deg e 45deg

117

CRID - Regional Disaster Information Center Latin America and the Caribbean Disaster Controlled

Vocabulary San Joseacute CRID 2001 118

UNDP ndash United Nations Development Program Reducing disaster risk a challenge for development

New York UNDP 2004 119

SCHENKEL Juacutelia Cigana Mapeamento das aacutereas de risco de escorregamentos translacionais na bacia

do Arroio Forromeco ndash RS Trabalho de Conclusatildeo Porto Alegre 2014

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

70

O relatoacuterio de campo deve objetivar coletar todos os dados topograacuteficos da aacuterea ou

seja sistema viaacuterio intervenccedilotildees no sistema viaacuterio testadas dos lotes divisotildees de

terrenos construccedilotildees existentes coacuterregos pontes marcos taludes de morros A

caracteriacutestica das ocupaccedilotildees informais eacute se desenvolverem em aacutereas remanescentes de

pouco valor imobiliaacuterio com algum grau de risco Quando o motivo de desvalorizaccedilatildeo

da aacuterea eacute a topografia ou satildeo aacutereas inundaacuteveis ou em morros com alta declividade

Nesse sentido o estudo se baseia nos bancos de dados e mapas de aacutereas susceptiacuteveis a

escorregamento e inundaccedilotildees

Identificadas as edificaccedilotildees que para as quais a soluccedilatildeo encontrada como medidas

mitigadoras eacute a remoccedilatildeo nesse caso mesmo sendo vista como uma medida de alto

impacto social natildeo deixa de ser considerada uma melhoria ambiental no nuacutecleo objeto

de regularizaccedilatildeo Em seguida passa-se ao estudo das melhorias possiacuteveis para as

ocupaccedilotildees passiacuteveis de permanecircncia no local

Na metodologia empregada para o levantamento dos dados sempre que possiacutevel deve

contar com o auxiacutelio de moradores locais que poderatildeo facilitar os acessos e vistorias

das equipes no interior dos nuacutecleos e ainda trazer informaccedilotildees importantes que podem

natildeo estar evidentes num primeiro contato de quem natildeo estaacute familiarizado com o local

VI I PRINCIPAIS CARACTERIacuteSTICAS ENCONTRADAS EM NUacuteCLEOS

URBANOS INFORMAIS NOS MUNICIacutePIOS DO LITORAL NORTE DE SAtildeO

PAULO

No levantamento eacute feita a caracterizaccedilatildeo da arquitetura das edificaccedilotildees As ocupaccedilotildees

informais muitas vezes satildeo caracterizadas por grande adensamento de edificaccedilotildees e

situadas em aacutereas de topografia acidentada Nessa situaccedilatildeo quando em declividade os

acessos satildeo caracterizados pela construccedilatildeo de ldquoescadinhasrdquo para ajudar a subida o

arruamento eacute muito irregular pois as construccedilotildees invadem o que seria a via puacuteblica e o

afloramento de rochas eacute constante

Por tratar-se de nuacutecleo informal na maioria dos casos o local natildeo eacute atendido pela rede

puacuteblica de aacutegua sendo o abastecimento em grande parte por rios e nascentes Nesse

caso a captaccedilatildeo pode ser realizada em poccedilos nascentes ou diretamente do curso drsquoagua

de forma coletiva ou individual Em geral natildeo existe nenhum tipo de tratamento de

aacutegua A aduccedilatildeo da aacutegua eacute feita por canos flexiacuteveis (mangueiras) com distacircncias

variaacuteveis da captaccedilatildeo ateacute a edificaccedilatildeo e armazenadas em caixas ou sem nenhum tipo de

armazenamento A disponibilidade de aacutegua eacute variaacutevel estando sujeita agraves variaccedilotildees de

volume caracteriacutesticas das estaccedilotildees do ano e variaccedilatildeo no consumo pela sazonalidade da

populaccedilatildeo

Considerando que os lanccedilamentos de esgotos domeacutesticos constituem a principal fonte

de poluiccedilatildeo dos recursos hiacutedricos superficiais e potencialmente tambeacutem dos recursos

hiacutedricos subterracircneos deve-se avaliar o tipo de tratamento que estaacute sendo dado ao

esgotamento sanitaacuterio Em geral os efluentes domeacutesticos satildeo lanccedilados diretamente nos

rios ou em fossas negras e menor incidecircncia em fossas seacutepticas Quando haacute fossa lanccedila-

se principalmente nessa os efluentes provenientes dos vasos sanitaacuterios e os demais

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

71

efluentes como das cozinhas e lavatoacuterios satildeo lanccedilados diretamente sobre o solo ou nos

cursos drsquoaguas

Quanto aos resiacuteduos soacutelidos eacute cultural poreacutem em baixa porcentagem a queima do lixo

feita pelos moradores Na maioria das vezes os resiacuteduos soacutelidos satildeo levados ateacute as

lixeiras do bairro quando existente local onde o caminhatildeo da coleta puacuteblica recolhe

Poreacutem natildeo satildeo raros os locais em que eacute encontrado lixo espalhado pelo terreno e

arredores tambeacutem haacute registro de lixo nos coacuterregos e nos caminhos

Outra potencial fonte de poluiccedilatildeo satildeo os animais de criaccedilatildeo na maioria representada

pelos cachorros e gatos poreacutem quase sempre eacute constatada a presenccedila de galinhas patos

ou outras aves e em bem menor porcentagem cavalos cabras e bovinos

Em parte das residecircncias verifica-se que possuem algum cultivo composta em grande

parte por aacutervores frutiacuteferas e temperos aparecendo a banana como destaque seguido da

mandioca Entre os legumes o chuchu satildeo os mais cultivados e em alguns casos satildeo

encontradas ervas medicinais

Dada agraves caracteriacutesticas das ocupaccedilotildees informais eacute difiacutecil a conduccedilatildeo de bons programas

de arborizaccedilatildeo ocupaccedilatildeo urbana desordenada ruas e calccediladas estreitas redes eleacutetricas

muito baixas e desprotegidas animais soltos praccedilas com solo impermeabilizado Satildeo

raros os espaccedilos puacuteblicos disponiacuteveis Sendo necessaacuterio a busca de dados como

definiccedilatildeo dos locais mais carentes de arborizaccedilatildeo observaccedilatildeo das atividades mais

comuns (comeacutercio residecircncias lazer induacutestrias serviccedilos etc) largura das ruas e dos

passeios existecircncia de pavimentaccedilatildeo nas ruas e calccedilamento nos passeios iluminaccedilatildeo

puacuteblica e redes eleacutetricas telefocircnicas aeacutereas (altura e lado da fiaccedilatildeo espaccedilamento entre

postes tipo e altura da iluminaccedilatildeo) redes subterracircneas de aacutegua esgoto energia e

telecomunicaccedilotildees (localizaccedilatildeo e profundidade) tipo e intensidade de traacutefego recuo das

construccedilotildees fatores ambientais (clima e solo do local) aspectos socioeconocircmicos e

histoacuterico e culturais da comunidade valor artiacutestico ou histoacuterico das fachadas As

categorias de arborizaccedilatildeo (arborizaccedilatildeo de calccediladas e canteiros de vias puacuteblicas praccedilas e

jardins e outras aacutereas verdes) se complementam mas uma natildeo substitui as outras

Todos esses elementos e mais algumas conversas com os moradores ou usuaacuterios vatildeo

ajudar a escolher a espeacutecie adequada e definir os cuidados necessaacuterios ao

desenvolvimento das aacutervores

VII MEDIDAS URBANIacuteSTICAS E AMBIENTAIS NAS AREAS

CONSIDERADAS DE RELEVANTE INTERESSE ECOLOacuteGICO

O que se deve buscar eacute a otimizaccedilatildeo do uso das infraestruturas urbanas disponiacuteveis por

meio da eficiecircncia energeacutetica melhor uso das aacuteguas e reduccedilatildeo da poluiccedilatildeo

Com o adequado planejamento municipal eacute possiacutevel o uso misto do solo misturando as

funccedilotildees urbanas (habitaccedilatildeo comeacutercio e serviccedilos) promovendo relativamente altas

densidades de modo qualificado120

120

LEITE 2012 op cit

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Por meio da implantaccedilatildeo de infraestrutura essencial como calccedilamento a coleta e o

afastamento do esgoto fornecimento de energia e de aacutegua e o seu reaproveitamento

menor consumo de energia e utilizaccedilatildeo de matrizes energeacuteticas renovaacuteveis reciclagem

do lixo urbano aumento do gradiente verde das cidades e formaccedilatildeo de corredores

ecoloacutegicos busca-se o bem estar das populaccedilotildees que eacute uma das metas da Reurb como

melhoria das condiccedilotildees ambientais em relaccedilatildeo agraves anteriormente existentes Com a

possibilidade de permanecircncia dos moradores no nuacutecleo regularizado e as facilidades de

obtenccedilatildeo dos serviccedilos e comeacutercio local Aliados a um eficiente sistema de mobilidade

urbana que conecte os nuacutecleos adensados em rede O planejamento adequado do

municiacutepio deve promover maior eficiecircncia nos transportes puacuteblicos e ainda desenvolver

um modelo que incentive a caminhada e o ciclismo121

O compartilhamento dos espaccedilos como calccediladas e espaccedilos de uso coletivo aliados agrave

proximidade dos serviccedilos no interior dos nuacutecleos incrementam as oportunidades para

interaccedilatildeo social bem como favorece a sensaccedilatildeo de seguranccedila puacuteblica uma vez que

estabelece melhor o senso de comunidade122

Um ambiente sustentaacutevel deve buscar uma relaccedilatildeo do ambiente construiacutedo com a

geografia natural a mais harmoniosa possiacutevel que respeite as caracteriacutesticas geograacuteficas

do territoacuterio de forma a promover uma boa relaccedilatildeo com os recursos hiacutedricos e aacutereas

verdes Esses nuacutecleos urbanos se desenvolveram e estatildeo cercados por aacutereas de elevada

biodiversidade e de grande fragilidade ambiental Muitos desses ambientes quando

preservados desempenham diversas funccedilotildees como o amortecimento dos processos

erosivos decorrentes da dinacircmica da zona costeira a formaccedilatildeo e preservaccedilatildeo da recarga

das aacuteguas subterracircneas corredores ecoloacutegicos entre um mosaico de ecossistemas que

vatildeo da vegetaccedilatildeo de praia passando pelas restingas e manguezais pela vegetaccedilatildeo de

encostas alcanccedilando as maiores cotas altimeacutetricas ateacute os limites do Parque Estadual da

Serra do Mar

Devido a essas caracteriacutesticas ambientais as diretrizes normativas de uso e ocupaccedilatildeo a

serem aplicadas na Reurb devem objetivar a proteccedilatildeo de toda a biodiversidade e dos

serviccedilos ambientais Com base no Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro

regulamentado pelo Decreto Federal ndeg 53002004 qualquer empreendimento na zona

costeira deveraacute ser compatiacutevel com a infraestrutura de saneamento e sistema viaacuterio

existentes devendo a soluccedilatildeo teacutecnica adotada preservar as caracteriacutesticas ambientais e a

qualidade paisagiacutestica Incluindo o levantamento e a fiscalizaccedilatildeo de atividades

potencialmente poluidoras em superfiacutecie

Propotildeem-se o monitoramento e a implantaccedilatildeo de planos de manejo de espeacutecies

ameaccediladas de extinccedilatildeo Outra importante ferramenta para a conservaccedilatildeo das populaccedilotildees

de fauna e de flora locais eacute a previsatildeo da implantaccedilatildeo de corredores ecoloacutegicos que

permitam a conexatildeo entre os fragmentos de habitats localizados dentro e fora dos

limites municipais A criaccedilatildeo de Unidades de Conservaccedilatildeo municipais em aacutereas

remanescentes tambeacutem eacute uma alternativa de conservaccedilatildeo de espaccedilos ambientalmente

fraacutegeis e importantes e toda a sua biota associada

121

LEITE 2012 op cit 122

LEITE 2012 op cit

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

73

Finalmente eacute de grande importacircncia para a continuidade ao longo das geraccedilotildees da

conservaccedilatildeo dos ecossistemas localizados na aacuterea de estudo a realizaccedilatildeo de educaccedilatildeo

ambiental nas escolas dos municiacutepios voltada para a conservaccedilatildeo dos ecossistemas

locais

Com isso o estudo teacutecnico visa embasar o planejamento e gestatildeo eficientes contiacutenuos e

de longo prazo para propor soluccedilotildees a fim de adequar os nuacutecleos urbanos informais agrave

cidade regularizada mitigando os efeitos entre a colisatildeo dos princiacutepios constitucionais

do direito agrave moradia digna e do direito do meio ambiente ecologicamente equilibrado

VIII CONCLUSAtildeO

Com a definiccedilatildeo das aacutereas de risco poderatildeo ser aplicadas nos nuacutecleos em processo de

regularizaccedilatildeo as medidas estruturais (obras) ou natildeo estruturais (planos preventivos

remoccedilotildees definitivas ou temporaacuterias)

O estudo teacutecnico para comprovar a melhoria das condiccedilotildees de sustentabilidade urbano

ambiental e de habitabilidade dos moradores a partir da regularizaccedilatildeo poderaacute se basear

nos dados de densidade adequada aos paracircmetros do municiacutepio sempre respeitando as

condicionantes do meio fiacutesico e a densidade adequada ao niacutevel de vulnerabilidade dos

ecossistemas envolvidos sendo que para a maior vulnerabilidade deveratildeo previstas a

menor densidade por exemplo nas zonas de amortecimento de Unidades de

Conservaccedilatildeo No mesmo sentido o estudo deve ser capaz de identificar as unidades

territoriais que por suas caracteriacutesticas fiacutesicas bioloacutegicas e soacutecio econocircmicas bem

como por sua dinacircmica e contrastes internos devam ser objeto de disciplina especial

com vistas ao desenvolvimento de accedilotildees capazes de conduzir ao aproveitamento agrave

manutenccedilatildeo ou agrave recuperaccedilatildeo de sua qualidade ambiental e do seu potencial produtivo

respeitando-se as normas e metas ambientais e soacutecio econocircmicas definidas pelo

Zoneamento Ecoloacutegico Econocircmico (Decreto Estadual ndeg 629132017)

Deve ser exigido o tratamento de esgoto de forma que natildeo comprometa a qualidade dos

recursos hiacutedricos superficiais e subterracircneos Na impossibilidade de implantaccedilatildeo da

Estaccedilatildeo de Tratamento de Esgotos apoacutes as avaliaccedilotildees necessaacuterias inclusive os testes de

infiltraccedilatildeo e verificadas as condiccedilotildees do solo e dadas agraves caracteriacutesticas topograacuteficas

poderatildeo ser recomendados como sistema adequado para as moradias as Fossas Seacutepticas

Filtro Bioloacutegico Anaeroacutebio e Sumidouro conforme NBR 72291993 da ABNT123

Como medida imediata para controle da contaminaccedilatildeo do aquiacutefero pelo esgoto

domeacutestico eacute sugerida a fiscalizaccedilatildeo rigorosa das fossas seacutepticas atuais das residecircncias

Deveratildeo estar previstas a coleta e destino adequado do lixo urbano atentando-se para o

fator da sazonalidade ou seja a populaccedilatildeo residente e flutuante em eacutepoca de veraneio

Deve ser previsto tambeacutem o abastecimento de aacutegua da populaccedilatildeo dentro dos padrotildees de

potabilidade e o controle do uso das aacuteguas subterracircneas coibindo a disposiccedilatildeo de

123

NBR 722993 da ABNT

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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poluentes e resiacuteduos de qualquer natureza em poccedilos e perfuraccedilotildees ativas ou

abandonadas

Eacute recomendaacutevel a adoccedilatildeo de pavimentaccedilatildeo natildeo impermeabilizada das vias (pedra

paralelepiacutepedos lajotas etc) calccediladas com faixas pavimentadas e vegetadas Quando

natildeo possiacutevel a pavimentaccedilatildeo natildeo impermeabilizada por exemplo nas vias onde

circulam os veiacuteculos de transporte urbano a pavimentaccedilatildeo impermeaacutevel deve atentar-se

a drenagem pluvial Recomenda-se tambeacutem o ordenamento do sistema viaacuterio atendendo

cada uma das modalidades de circulaccedilatildeo dando preferecircncia a pedestres e ciclistas

Adequaccedilatildeo e revitalizaccedilatildeo da arborizaccedilatildeo de forma a resgatar as espeacutecies nativas eou

frutiacuteferas que aleacutem de contribuir agrave estabilizaccedilatildeo climaacutetica embeleza pelo variado

colorido que exibe fornece abrigo e alimento agrave fauna e proporciona sombra e lazer nas

praccedilas parques jardins e sistemas viaacuterios Destacando que para a regularizaccedilatildeo

fundiaacuteria de interesse especiacutefico (Reurb-E) ao longo dos rios ou de qualquer curso

drsquoagua devera ser mantida faixa natildeo edificavel com largura minima de 15 metros de

cada lado Em aacutereas urbanas tombadas como patrimocircnio histoacuterico e cultural a faixa natildeo

edificaacutevel poderaacute ser redefinida de maneira a atender aos paracircmetros do ato do

tombamento Sendo que para o total da APP objeto de regularizaccedilatildeo caberaacute a

compensaccedilatildeo ambiental nos termos da Resoluccedilatildeo SMA nordm 072017

REFEREcircNCIAS

_______ Deliberaccedilatildeo CONSEMA ndeg 03 de 04 de dezembro de 2018 que reconhece

como atividade de baixo impacto ambiental a implementaccedilatildeo ou a regularizaccedilatildeo de

edificaccedilotildees em imoacuteveis urbanos cujas Aacutereas de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) tenham

perdido suas funccedilotildees ambientais

________ Lei Federal ndeg 13465 de 11 de julho de 2017 que dispotildee sobre a

regularizaccedilatildeo fundiaacuteria rural e urbana e daacute outras providecircncias

ASSOCIACcedilAtildeO BRASILEIRA DE NORMAS TEacuteCNICAS NBR 7229 Projeto

construccedilatildeo e operaccedilatildeo de sistemas de tanques seacutepticos Rio de Janeiro 1993

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Alegre 2014

UNDP ndash United Nations Development Program Reducing disaster risk a challenge for

development New York UNDP 2004

URBAN AND ENVIRONMENTAL ASPECTS OF THE LAND

REGULARIZATION OF CONSOLIDATED INFORMAL URBAN CENTERS IN

PERMANENT PRESERVATION AREAS

ABSTRACT The present study through a historical review of the legislation

regarding land subdivision and the environment and through the method of observation

and data collection in the field of the characteristics of informal occupations in

municipalities of the north coast sought to demonstrate the possibility of improvement

of the urban environmental sustainability and habitability conditions of the residents

from the urban land regularization (Reurb) Reurb is the process that includes legal

urban environmental and social measures with the purpose of incorporating the

informal urban nuclei into the urban territorial ordering and the titling of its occupants

The legal measures correspond in particular to the solution of the problems of the land

which gives full ownership to the direct beneficiary of Reurb The urban measures relate

to the solutions to adapt the installments to the regularized city such as the implantation

of essential infrastructure (pavement sewage energy water supply) reallocation of

dwellings due to being in places subject to collapse floods unhealthy places among

others The environmental measures seek to overcome the problem of settlements

implemented without environmental licensing and in disagreement with urban

legislation and environmental protection Social measures in turn concern the solutions

given to the Reurb beneficiary population especially in low-income families (but not

excluding other populations) in order to promote the dignified exercise of the right to

housing and the right to housing citizenship providing quality of life

Key words Land parceling urban Sustainability Permanent preservation area Social

Interest

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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UMA SOLUCcedilAtildeO HARMOcircNICA PARA A MAIOR TRAGEacuteDIA

AMBIENTAL DO PAIacuteS

comentarios ao termo de ajustamento de conduta ldquogovernanccedilardquo ndash

TACGOV

HOMERO ANDRETTA JUNIOR

_________________ SUMAacuteRIO _________________

I O dia seguinte da trageacutedia de Mariana o que

fazer II Um objetivo uma soluccedilatildeo juriacutedica para o

maior desastre ambiental do Brasil III O Termo de

Ajustamento de Conduta-Governanccedila (TAC-GOV)

IV O Comitecirc Interfederativo ndash CIF V Cacircmaras

Teacutecnicas VI Comissotildees de Pessoas Atingidas VII

Custeio das Despesas do CIF e das CTs VIII

Auditoria Externa Independente e Compliance IX

Alteraccedilotildees na Estrutura Interna da Fundaccedilatildeo X

Repactuaccedilatildeo XI Conclusotildees

Palavras-Chave Barragem de Fundatildeo Rompimento Mariana-MG Desastre ambiental

Termo de Ajustamento de Conduta sobre Governanccedila - TAC-Gov

I O DIA SEGUINTE DA TRAGEacuteDIA DE MARIANA O QUE FAZER

Alguns dias apoacutes o rompimento da barragem de Fundatildeo em Mariana-MG as notiacutecias

de que a lama atingiria o Rio Doce e que chegaria ao mar territorial brasileiro levaram agrave

inevitaacutevel necessidade de pronta resposta da Advocacia-Geral da Uniatildeo - AGU para a

maior trageacutedia ambiental do paiacutes124

considerando-se que uma bacia hidrograacutefica inteira

Procurador Federal Advocacia-Geral da Uniatildeo

124 Conquanto a trageacutedia de Brumadinho tenha ceifado maior nuacutemero de vidas humanas o volume de

resiacuteduo despejado sobre os rios natildeo foi suficiente para atingir rio da Uniatildeo ou comprometer a bacia

hidrograacutefica como um todo ao contraacuterio do que ocorreu em Mariana Assim reputo que a trageacutedia de

Brumadinho do ponto de vista humano e social foi significativamente mais impactante poreacutem do ponto

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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restou afetada caracterizando-se o dano ambiental a um rio da Uniatildeo o Rio Doce que

corta os Estados de Minas Gerais e do Espiacuterito Santo Igualmente vulnerado o mar

territorial bem da Uniatildeo

Inegaacutevel a legitimidade da Uniatildeo para a adoccedilatildeo de medidas judiciais a AGU logo

reconheceu a necessidade de atuaccedilatildeo conjunta com os Estados afetados buscando

contato com as Procuradorias Estaduais dos entes federados de forma a buscar uma

maior coordenaccedilatildeo e efetividade das medidas a serem adotadas pelos entes puacuteblicos

De pronto tambeacutem ficou clara a necessidade de uma soluccedilatildeo acordada com os

responsaacuteveis pelo dano basicamente a empresa SAMARCO e suas controladoras a

VALE SA antiga Cia Vale do Rio Doce e maior mineradora do Brasil e a BHP

BILLITON mineradora anglo-australiana

Contatos iniciais do Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) e da AGU com as empresas

natildeo renderam frutos o que ensejou a adoccedilatildeo de accedilatildeo civil puacuteblica de reparaccedilatildeo de danos

conjunta ajuizada pela Uniatildeo e pelos Estados a primeira accedilatildeo que buscou enfrentar

todas as consequecircncias da trageacutedia de uma forma global

Desde o iniacutecio pensou-se nos riscos que a pulverizaccedilatildeo de litiacutegios acarretaria sobretudo

ao meio-ambiente visto que accedilotildees de reparaccedilatildeo locais poderiam ser dissonantes de um

projeto amplo e coordenado de recuperaccedilatildeo da Bacia

O presente artigo se baseia nos pareceres que engendraram a atuaccedilatildeo da AGU na

mateacuteria lavrados na Coordenaccedilatildeo-Geral de Patrimocircnio e Meio-Ambiente (CGPAM)

alguns em parceria com a Coordenaccedilatildeo-Geral de Recuperaccedilatildeo de Creacuteditos (naquele

momento) ambos no Departamento de Patrimocircnio Puacuteblico (DPP) e Probidade da

Procuradoria-Geral da Uniatildeo (PGU)

II UM OBJETIVO UMA SOLUCcedilAtildeO JURIacuteDICA PARA O MAIOR

DESASTRE AMBIENTAL DO BRASIL

Um primeiro Termo de Transaccedilatildeo e Ajustamento de Conduta que ficou conhecido pelo

acrocircnimo TTAC foi inicialmente firmado pela AGU AGEMG PGEES e empresas

nos autos da ACP nordm 0069758-6120154013400 homologado originalmente pela

Central de Conciliaccedilatildeo do Tribunal Regional Federal da 1a Regiatildeo (TRF1) anulada

Diante do ajuizamento da ACP nordm 0023863-0720164013800 (12a VFBH) pelo

MPF que questionou o TTAC partiu-se para a rodada de negociaccedilotildees que levou agrave

minuta do instrumento de que ora se cuida que teve por efeito extinguir a fase de

conhecimento da ACP de 2015 movida pelos entes puacuteblicos bem como uma seacuterie de

pedidos da ACP de 2016 movida pelo MPF

Outros dois instrumentos firmados entre as empresas causadoras do desastre e o

Ministeacuterio Puacuteblico tambeacutem merecem menccedilatildeo pois formam um arcabouccedilo de quatro

de vista exclusivamente ambiental a trageacutedia de Mariana teve consequecircncias mais devastadoras ao meio-

ambiente

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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documentos que estruturaram uma soluccedilatildeo holiacutestica para o desastre o Termo de

Ajustamento Preliminar conhecido como TAP e o Aditivo ao TAP por meio do

qual o MPMG aderiu ao TAP inicialmente firmado pelo MPF com acreacutescimos de

meacuterito

Em siacutentese estes documentos visaram a contrataccedilatildeo de experts para auxiliar os MPs

nas periacutecias socioeconocircmicas e socioambientais e de assessorias teacutecnicas para

auxiliar as pessoas atingidas Nem a Uniatildeo nem os Estados satildeo partes signataacuterias destes

instrumentos e portanto natildeo arcam com qualquer ocircnus financeiros deles decorrentes

Com efeito as empresas e ONGs contratadas pelas empresas por indicaccedilatildeo eou

orientaccedilatildeo dos MPs satildeo por elas custeadas para as finalidades previstas nestes

instrumentos

O TAC-GOV uacuteltimo dos documentos firmados alterou parcialmente o Termo de

Transaccedilatildeo e Ajustamento de Conduta (ldquoTTACrdquo) celebrado nos autos da Accedilatildeo Civil

Puacuteblica ajuizada pela Uniatildeo pelos Estados de Minas Gerais e do Espiacuterito Santo e entes

da administraccedilatildeo indireta em face das EMPRESAS nos autos do processo no 0069758-

6120154013400 em tracircmite perante a 12ordf Vara Federal da Seccedilatildeo Judiciaacuteria de Minas

Gerais em Belo Horizonte

Conquanto o TAC-GOV natildeo tenha implicado homologaccedilatildeo expressa do TTAC e

impeccedila que a Uniatildeo e Estados peccedilam homologaccedilatildeo do TTAC - ponto inegociaacutevel para o

Ministeacuterio Puacuteblico e objeto de aacuterduos debates - fato eacute que toda sistemaacutetica de

governanccedila prevista no TTAC foi reconhecida pelos MPs e Defensorias com

acreacutescimos e aumento da participaccedilatildeo social

Na praacutetica apenas os PROGRAMAS e o funding do TTAC restaram sem

homologaccedilatildeo aguardando a discussatildeo da repactuaccedilatildeo dos programas sociais e

ambientais originalmente previstos na praacutetica eles continuaratildeo sendo executados ateacute

que sejam repactuados (vide capiacutetulo proacuteprio abaixo) jaacute que o TTAC natildeo obstante sem

homologaccedilatildeo expressa fez lei entre as partes e continuou sendo cumprido ateacute que sofra

eventuais alteraccedilotildees

No iniacutecio das tratativas os MPs pretendiam firmar um instrumento sem nenhuma

menccedilatildeo ao TTAC e tinham a pretensatildeo de firmar um TAC Final que chegou a ser

referenciado no TAP e no Aditivo ao TAP como TACF Ocorre que a realidade do

TTAC se impocircs como uacutenico instrumento que direcionou a atuaccedilatildeo de todos os atores

diante de um desastre ambiental sem precedentes no Paiacutes e que demandava e demanda

atuaccedilatildeo articulada dos oacutergatildeos federais e estaduais e do Poder Puacuteblico em geral

Ao cabo satildeo incontaacuteveis as menccedilotildees ao TTAC no TAC-GOV de forma que se o

TTAC natildeo pode ser homologado certo que os instrumentos nele previstos restaram

inegavelmente consagrados como soluccedilatildeo inovadora de articulaccedilatildeo interfederativa e

interinstitucional no campo dos desastres soacutecio-ambientais de grande magnitude

Com efeito nenhum dos Poderes da Repuacuteblica poderia isoladamente enfrentar os

nefastos efeitos do rompimento da barragem de Fundatildeo de forma que o TAC-GOV

comprova que a criaccedilatildeo de uma Fundaccedilatildeo privada supervisionada por um Comitecirc

puacuteblico de natureza interfederativa eacute a forma mais ceacutelere uacutetil e eficaz para promover a

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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reparaccedilatildeo soacutecio-econocircmica e soacutecio-ambiental da bacia do Rio Doce e das comunidades

atingidas direta e indiretamente

III A TRANSACcedilAtildeO NO DIREITO AMBIENTAL E NA VALORACcedilAtildeO DO

DANO AMBIENTAL

Antes de examinarmos os pontos principais do TAC-GOV e seu diaacutelogo com o TTAC

algumas palavras sobre a possibilidade de transaccedilatildeo no Direito Ambiental satildeo de rigor

Com efeito escrevemos artigo especiacutefico sobre o tema ainda em vias de publicaccedilatildeo

por ocasiatildeo do Curso sobre Governanccedila Global da Universidade Nova de Lisboa125

Pois bem questiona-se com frequecircncia se sendo o direito ao meio ambiente

indisponiacutevel eacute possiacutevel transacionar a seu respeito e em menor grau se a Uniatildeo os

Estados e os Municiacutepios podem colher Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) na

mateacuteria

A esparsa doutrina no Brasil sobre essa questatildeo especiacutefica tem respondido

afirmativamente o que natildeo tem sido negado pela jurisprudecircncia Com efeito

ldquoContrariamente ao que tem sido apregoado questotildees ambientais satildeo essencialmente

negociaacuteveisrdquo ndash afirma o Procurador Regional da Repuacuteblica Paulo de Bessa Antunes126

-

ldquocomo claramente estabelecido pela Resolucao nordm 23797 do Conselho Nacional do

Meio Ambiente pois todas as intervenccedilotildees sobre o meio ambiente implicam opccedilotildees

entre possibilidades diversas privilegiando este ou aquele aspecto conforme uma

tomada de decisao em grande parte discricionariardquo

Ora se a decisatildeo eacute em grande parte discricionaacuteria nada mais legiacutetimo que Uniatildeo

Estados e Municiacutepios possam assinar acordo em mateacuteria ambiental O Poder

emanado pelo voto soberano do povo eacute a maior fonte de legitimidade para qualquer

decisatildeo discricionaacuteria da Administraccedilatildeo inclusive e especialmente em mateacuteria

ambiental

Bessa Antunes ainda cita como exemplos da disponibilidade do direito ao meio

ambiente a alteraccedilatildeo e supressatildeo (ainda que atraveacutes de lei) das unidades de

conservaccedilatildeo prevista no art 225 da Constituiccedilatildeo a possibilidade de supressatildeo de aacutereas

de preservaccedilatildeo permanente e o proacuteprio licenciamento ambiental ldquoum instrumento

administrativo para definir o grau de ldquopoluicaordquo ambiental tido como aceitavel pela

sociedaderdquo127

a competecircncia atribuiacuteda pela Lei nordm 943397 aos Comitecircs de Bacia

125

ANDRETTA JUNIOR Homero Valoraccedilatildeo do dano ambiental pressupostos juriacutedicos no Brasil em

Portugal e na Uniatildeo Europeacuteia In Atas do I Curso Sobre Governanccedila e Regulaccedilatildeo Global COUTINHO

Francisco Pereira SANTOS Ruth SILVA Matheus (coord) Universidade de Lisboa Faculdade de

Direito CEDIS ndash Centro de IampD sobre Direito e Sociedade Campus de Campolide Lisboa Abril 2020

ISBN 978-898-8985-03-3 p 233 126

ANTUNES Paulo de Bessa Direito Ambiental 17ed Satildeo Paulo Atlas 2015 pp 78 e 79

Destaques nossos 127

ANTUNES Paulo de Bessa Direito Ambiental 17ed Satildeo Paulo Atlas 2015 p 80

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Hidrograacutefica para ldquoarbitrar em primeira instacircncia administrativa os conflitos

relacionados aos recursos hiacutedricosrdquo128

Defendendo a possibilidade de arbitragem e transaccedilatildeo em mateacuteria ambiental o autor

vaticina

ldquoMuito embora o meio ambiente na condicao de macrobem nao possa ser tido

como ldquopatrimonialrdquo e de ldquocarater privadordquo na condicao de microbem

seguramente ele pode ser reduzido a um valor econocircmico portanto patrimonial e

da mesma forma pode estar submetido ao regime do direito privadordquo129

O renomado ambientalista faz ainda a seguinte observaccedilatildeo

ldquoCuriosamente eacute muito comum que um dos colegitimados a tomar o Termo de

Ajustamento de Conduta impugne tais termos quando firmados pelos demais

colegitimados sem sua presencardquo130

Demonstrando que essa tese encontra amparo na jurisprudecircncia cita o RESP 299400 a

Apelaccedilatildeo Ciacutevel 427003 da 6ordf Turma Especializada do TRF2 e a Apelaccedilatildeo Ciacutevel

415974 do TRF2 relatado pelo Desembargador Federal Reis Friede verbis

Eacute preciso ressaltar que a previsatildeo legal estabelece a possibilidade de intervenccedilatildeo do

MPF Desta forma apesar de aconselhaacutevel desejaacutevel a intervenccedilatildeo do MPF eacute

desnecessaacuteria na elaboraccedilatildeo do referido TAC Logo sua ausecircncia natildeo acarreta

portanto nulidade do mesmo por natildeo haver dispositivo legal que imponha tal

presenccedila

()

Boa parte da doutrina mostra-se perplexa com a possibilidade de transaccedilatildeo em mateacuteria

ambiental e de forma contraditoacuteria cria construccedilotildees cerebrinas bastante afastadas da

realidade dos fatos chegando a sustentar que ldquo[o] compromisso de ajustamento deve

ser homologado judicialmenterdquo Ora a homologacao judicial um Termo de

Ajustamento de Conduta caso inexistente a Accedilatildeo Civil Puacuteblica eacute uma contradiccedilatildeo pois

qual seria o sentido de que um documento vaacutelido como tiacutetulo executivo extrajudicial

fosse levado a juiacutezo para a homologaccedilatildeo e ser por essa via transformado em um tiacutetulo

executivo judicial () O fato eacute que a Lei da Accedilatildeo Civil Puacuteblica natildeo colocou nenhum

dos legitimados para a celebraccedilatildeo do Termo de Ajustamento de Conduta em posiccedilatildeo

superior aos demaisrdquo131

Se eacute possiacutevel transaccedilatildeo na mateacuteria ambiental nada impede a transaccedilatildeo tambeacutem com

relaccedilatildeo agrave valoraccedilatildeo dos danos ambientais

IV O TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA-GOVERNANCcedilA (TAC-

GOV)

128

ANTUNES Paulo de Bessa Direito Ambiental 17ed Atlas Satildeo Paulo 2015 p 81 129

ANTUNES Paulo de Bessa Direito Ambiental 17ordfed Atlas Satildeo Paulo 2015 p 82 Veja-se o

exemplo irrefutaacutevel que o autor daacute a respeito da aacutegua ldquo() nao se pode deixar de aceitar que a Lei nordm

9433 de 8 de janeiro de 1997 de forma ampla reconhece o valor econocircmico do bem ambiental aacutegua

determinando a cobranccedila pelo seu uso bem como a ampla arbitrabilidade administrativa das questotildees

relativas aos conflitos de uso muito embora nao deixe de afirmar a natureza de bem puacuteblico da aguardquo 130

ANTUNES Paulo de Bessa Direito Ambiental 17ed Atlas Satildeo Paulo 2015 p 82 131

ANTUNES Paulo de Bessa Direito Ambiental 17ed Atlas Satildeo Paulo 2015 p 86

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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O documento final que contou com a aquiescecircncia de todas as instituiccedilotildees juriacutedicas que

participaram de alguma forma do caso ficou conhecido como Termo de Ajustamento

de Conduta-Governanccedila ou mais simplificadamente TAC-GOV

Com efeito ele previu a estrutura responsaacutevel pela fiscalizaccedilatildeo da Fundaccedilatildeo Renova

criada pelas empresas causadoras do desastre ao mesmo tempo em que permitiu a

atuaccedilatildeo de todos os atores interessados inclusive a populaccedilatildeo atingida sem abrir matildeo

da necessaacuteria de tomada de decisatildeo governamental pelos oacutergatildeos puacuteblicos legalmente

responsaacuteveis

Seguindo-se ao contato132

em julho de 2017 da Coordenaccedilatildeo-Geral de Patrimocircnio e

Meio-Ambiente da Procuradoria-Geral da Uniatildeo (CGPAMDPPPGU) com o

Procurador da Repuacuteblica Coordenador da Forccedila Tarefa do MPF sobre o caso do

rompimento da Barragem de Fundatildeo em Mariana-MG iniciou-se na terccedila-feira dia

24102017 na Procuradoria-Geral da Repuacuteblica (PGR) com o Ministeacuterio Puacuteblico

Federal (MPF) em Brasiacutelia e no dia 25 seguinte com as empresas Samarco Vale e

BHP na Procuradoria-Geral da Uniatildeo (PGU) uma seacuterie de reuniotildees sendo a maioria

realizada na cidade de Belo Horizonte na Procuradoria da Repuacuteblica naquela capital

com as empresas SAMARCO VALE SA e BHP BILLITON DO BRASIL MPF

Defensorias Puacuteblicas Ministeacuterios Puacuteblicos Estaduais de Minas Gerais e Espiacuterito Santo

(MPMG e MPES) Ibama e o Comitecirc Interfederativo - CIF com o objetivo de

elaboraccedilatildeo de um Termo de Ajustamento de Conduta com vistas agrave homologaccedilatildeo parcial

de um acordo sobre a governanccedila do mecanismo de reparaccedilatildeo dos efeitos da trageacutedia

em Mariana-MG decorrente do rompimento da Barragem de Fundatildeo

As reuniotildees se estenderam pelo restante do segundo semestre de 2017 e pelo primeiro

semestre de 2018 com participaccedilatildeo da AGU AGEMG PGEES dos Ministeacuterio

Puacuteblicos Federal e dos dois Estados interessados (Minas Gerais e Espiacuterito Santo)

Defensorias Puacuteblicas (igualmente a Federal e dos dois Estados) escritoacuterios de advocacia

contratados pelas empresas Departamentos Juriacutedicos internos e corpo teacutecnico

representantes das empresas SAMARCO VALE SA e BHP BILLITON DO BRASIL

LTDA

Optou-se por cindir a discussatildeo sobre os instrumentos juriacutedicos que propiciariam o

combate aos efeitos da trageacutedia e por consequecircncia do TTAC inicialmente assinado

pela Uniatildeo Estados e empresas partindo-se da governanccedila e prosseguindo-se

futuramente com os programas socioeconocircmicos socioambientais e com o

financiamento o que acabou chamado na minuta de TAC-GOV de processo de

repactuaccedilatildeo

Cronologicamente antes do TAC-Gov trecircs instrumentos sobre o rompimento da

barragem de fundatildeo em Mariana foram firmados o TTAC o TAP e o Aditivo ao TAP

Os trecircs satildeo mencionados no TAC-GOV sendo portanto reconhecidos de parte a parte

com ressalvas eou ratificaccedilotildees expressas de claacuteusulas pontuais

132

O relato se baseia no PARECER nordm 2712018HAJDPPPGUAGU lanccedilado no processo

administrativo NUP 004050181052017-19

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V O COMITEcirc INTERFEDERATIVO - CIF

Em suma o mecanismo de governanccedila originalmente previsto no TTAC firmado pela

Uniatildeo Estados de MG e ES com as empresas consistente na criaccedilatildeo de uma Fundaccedilatildeo

(atual Fundaccedilatildeo Renova) supervisionada por um Comitecirc Interfederativo (CIF) foi

mantido e reconhecido pelos Ministeacuterios Puacuteblicos e Defensorias Puacuteblicas Passaram

tambeacutem a ser reconhecidas expressamente e melhor disciplinadas as Cacircmaras Teacutecnicas

importantes conselhos formados por servidores federais estaduais e municipais bem

como nas quais participam defensores puacuteblicos e representantes dos atingidos (agora

com previsatildeo expressa) aleacutem dos teacutecnicos da proacutepria Fundaccedilatildeo (e doravante tambeacutem

dos MPs) e que auxiliam o CIF na elaboraccedilatildeo das propostas de Deliberaccedilatildeo por meio

de notas teacutecnicas antecedidas por debates

A minuta do TAC-Gov firmada ampliou o CIF Ministeacuterio Puacuteblico e a Defensoria

Puacuteblica solicitaram agregar representantes ou indicados no CIF destas instituiccedilotildees

inicialmente com direito a voto Os MPs defenderam sobretudo e inicialmente a

inclusatildeo de representantes dos atingidos indicados por um Foacuterum de Comitecircs Locais

que congregaria ao menos 8 Comitecircs Locais de atenccedilatildeo aos atingidos Nesse sentido

veio a primeira minuta enviada agrave AGU

Com a evoluccedilatildeo das tratativas tanto MPs e Defensorias desistiram de indicar um

representante com direito a voto tendo mantido o representante com direito a voz Ao

cabo o TAC-Gov contemplou ateacute 3 pessoas atingidas no CIF que satildeo indicados pelo

arranjo de Comitecircs Locais (vide infra) na forma em que livremente se auto-

organizaram Segundo defenderam MPs e Defensorias durante as tratativas as pessoas

atingidas poderiam ateacute mesmo desistir de sua participaccedilatildeo no CIF ou nas CTs se assim

entendessem mais conveniente Em outras palavras o TAC-Gov traz um limite de

participaccedilatildeo das pessoas atingidas mas natildeo uma obrigaccedilatildeo

As Defensorias Puacuteblicas ao cabo foram contempladas com dois representantes um

sem direito a voto e outro com direito a voto poreacutem com necessaacuteria formaccedilatildeo teacutecnica

Os representantes do Poder Puacuteblico e do Comitecirc de Bacia do Rio Doce (CBHDoce)

foram mantidos em mesmo nuacutemero em relaccedilatildeo agrave composiccedilatildeo original Ao fim o CIF

ficou composto da seguinte forma

CLAacuteUSULA TRIGEacuteSIMA SEXTA O Comitecirc Interfederativo (CIF) passa

a ter a seguinte composiccedilatildeo todos com direito a voz e voto

I ndash 02 (dois) representantes do Ministeacuterio do Meio Ambiente

II ndash 02 (dois) outros representantes do Governo Federal

III ndash 02 (dois) representantes do ESTADO DE MINAS GERAIS

IV ndash 02 (dois) representantes do ESTADO DO ESPIacuteRITO SANTO

V ndash 02 (dois) representantes dos municiacutepios atingidos pelo rompimento da

barragem de Fundatildeo do ESTADO DE MINAS GERAIS

VI ndash 01 (um) representante dos municiacutepios atingidos pelo rompimento da

barragem de Fundatildeo do ESTADO DO ESPIacuteRITO SANTO

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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VII ndash 03 (trecircs) pessoas atingidas ou teacutecnicos por elas indicados garantida a

representaccedilatildeo de pessoas dos Estados de Minas Gerais e do Espiacuterito Santo

VIII ndash 01 (um) teacutecnico indicado pela DEFENSORIA PUacuteBLICA

IX ndash 01 (um) representante do CBH-Doce

Com a ampliaccedilatildeo do CIF conferiu-se maior participaccedilatildeo popular e portanto

legitimidade Com isso houve sensiacutevel reduccedilatildeo de questionamentos judiciais quanto

agrave proacutepria existecircncia do CIF e CTs mas sobretudo quanto agraves proacuteprias deliberaccedilotildees do

CIF

A ideia de um Foacuterum de Comitecircs Locais acabou abandonada pelos proacuteprios MPs apoacutes

trabalho de anaacutelise em campo empreendida no primeiro semestre de 2018 Com efeito

as partes haviam chegado a uma minuta em dezembro de 2017 poreacutem os MPs e

Defensorias solicitaram a interrupccedilatildeo das negociaccedilotildees ateacute marccedilo de 2018 com objetivo

de promover a oitiva das pessoas atingidas Em abril de 2018 as tratativas foram

retomadas poreacutem natildeo foi trazida nenhuma ata de audiecircncia puacuteblica ou de consulta

popular

Em contrapartida foi apresentado o PARECER Nordm 2792018SPPEA da

Coordenadoria de Inclusatildeo e Mobilizaccedilatildeo Sociais do MPMG e da Secretaria de Periacutecia

Pesquisa e Anaacutelise do MPF contendo Avaliaccedilatildeo participativa da minuta do Termo de

Ajustamento de Conduta sobre a Governanccedila (TAC-Governanccedila) do processo de

reparaccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos danos decorrentes do rompimento de barragens de

rejeitos das mineradoras Samarco BHP e Vale em Mariana Minas Gerais

Agrave vista deste documento ficou acertado que os proacuteprios atingidos definiriam a forma de

sua indicaccedilatildeo agraves reuniotildees do CIF e CTs jaacute que MPs e Defensorias defenderam com

veemecircncia o direito dos atingidos se auto-organizarem mediante auxiacutelio de assessorias

teacutecnicas contratadas pelas empresas em outros instrumentos previamente assinados com

os Ministeacuterios Puacuteblicos

Neste aspecto a AGU consignou ser necessaacuteria clareza de procedimento e indicaccedilatildeo

sob pena do CIF natildeo poder ser compelido a aceitar pessoas que aleatoriamente se

apresentassem como representantes dos atingidos eacute preciso que haja legitimidade

adequada fundamentada na sistemaacutetica de Comissotildees Regionais criadas no TAC-

Gov sob os auspiacutecios dos Ministeacuterios Puacuteblicos e Defensorias de forma que foi incluiacutedo

um paraacutegrafo segundo na claacuteusula trigeacutesima sexta de seguinte teor

PARAacuteGRAFO SEGUNDO A forma de participaccedilatildeo e a representaccedilatildeo das

pessoas atingidas seratildeo por elas definidas por meio da ARTICULACcedilAtildeO

DAS CAcircMARAS REGIONAIS observadas as regras de funcionamento do

CIF

Como forma de contrabalancear esse aumento do CIF foram estipuladas na claacuteusula

Trigeacutesima Seacutetima regras fixando limite temporal para o exerciacutecio da funccedilatildeo de membro

do CIF requisito de conhecimentos teacutecnicos especiacuteficos e rodiacutezio entre Municiacutepios e

indicados de forma a garantir rotatividade participaccedilatildeo de um maior nuacutemero de

pessoas e fiscalizaccedilatildeo pelos proacuteprios interessados quanto agrave atuaccedilatildeo de seus

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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representantes O paraacutegrafo sexto desta mesma claacuteusula autoriza o CIF definir em seu

regimento regras sobre conflitos de interesses de seus membros

Do ponto de vista da gestatildeo reduziu-se a possibilidade de excessiva interferecircncia

poliacutetica sobre questotildees teacutecnicas o uso poliacutetico do CIF por representantes dos entes nele

incluiacutedos e tambeacutem o conflito de interesses Aliaacutes a AGU propugnou pela inclusatildeo de

claacuteusula para que o CIF pudesse regulamentar o conflito de interesses com o setor

privado o paraacutegrafo quinto da Claacuteusula Trigeacutesima Sexta veda a designaccedilatildeo para que

componha o CIF pessoa que nos uacuteltimos cinco anos tenha prestado serviccedilos direta ou

indiretamente para as empresas causadoras do dano cabendo ao CIF prever em seu

regimento interno formas de impugnaccedilatildeo de nomes que violem essa disposiccedilatildeo

A Uniatildeo manteve a Presidecircncia (e seu substituto) mediante escolha pelo MMA dentre

os representantes da proacutepria Uniatildeo conforme dispocircs o paraacutegrafo quinto da Claacuteusula

Trigeacutesima Quinta

Jaacute ao fim das tratativas concordou-se uma regra que evita o uso poliacutetico da

representaccedilatildeo das pessoas atingidas no CIF atraveacutes da inclusatildeo de paraacutegrafo na claacuteusula

trigeacutesima sexta

PARAacuteGRAFO TERCEIRO Os membros indicados ao CIF pela

ARTICULACcedilAtildeO DAS CAcircMARAS REGIONAIS natildeo poderatildeo ser

dirigentes de partido poliacutetico ou titular de mandato eletivo de qualquer ente

da Federaccedilatildeo ainda que licenciado desses cargos ou funccedilotildees aplicando-se

tal vedaccedilatildeo tambeacutem aos parentes consanguiacuteneos ou afins ateacute o terceiro grau

das pessoas indicadas

Com os demais pontos natildeo houve discordacircncia senatildeo em detalhes ou terminologia

empregada No entanto passa-se a explanaacute-los para a finalidade de colheita das

autorizaccedilotildees ministeriais na forma do sect4ordm do art 1ordm da Lei nordm 94691997

VI CAcircMARAS TEacuteCNICAS - CTs (CLAacuteUSULAS QUADRAGEacuteSIMA A

QUADRAGEacuteSIMA QUARTA)

As Cacircmaras Teacutecnicas - CTs tinham previsatildeo tiacutemida no TTAC original Diante da

importacircncia que adquiriram ao longo da atuaccedilatildeo do CIF nos dois anos e meio que se

seguiram agrave trageacutedia ganharam previsatildeo expressa no TAC-GOV

CLAacuteUSULA QUADRAGEacuteSIMA PRIMEIRA O CIF instituiraacute Cacircmaras

Teacutecnicas (CTCIF) e disporaacute sobre sua competecircncia coordenaccedilatildeo

programas afetos e a forma de funcionamento

PARAacuteGRAFO PRIMEIRO As CAcircMARAS TEacuteCNICAS satildeo oacutergatildeos

teacutecnico-consultivos instituiacutedos para auxiliar o CIF no desempenho da sua

finalidade de orientar acompanhar monitorar e fiscalizar a execuccedilatildeo com

base em criteacuterios teacutecnicos socioeconocircmicos socioambientais e

orccedilamentaacuterios de PROGRAMAS PROJETOS e medidas impostas pelo

TTAC e pelo presente ACORDO sem prejuiacutezo das atribuiccedilotildees legais dos

oacutergatildeos que as compuserem

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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PARAacuteGRAFO SEGUNDO As CAcircMARAS TEacuteCNICAS seratildeo instacircncias

prioritaacuterias para a discussatildeo teacutecnica e busca de soluccedilotildees agraves divergecircncias

relacionadas aos PROGRAMAS PROJETOS e ACcedilOtildeES de reparaccedilatildeo

integral dos danos decorrentes do ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE

FUNDAtildeO sem prejuiacutezo do disposto nos paraacutegrafos da CLAacuteUSULA

DEacuteCIMA PRIMEIRA ()

Essa redaccedilatildeo eacute similar ao art 1ordm da Deliberaccedilatildeo CIF nordm 07 de 11072016 e seu

paraacutegrafo uacutenico Como esse procedimento jaacute existia e tinha funcionado com sucesso no

acircmbito do CIF a previsatildeo das CTs no TAC-GOV institucionalizou de uma vez por

todas a sua existecircncia legitimando-as enquanto oacutergatildeos teacutecnicos de assessoramento do

CIF interagindo com os servidores dos Ministeacuterios e secretarias estaduais e municipais

com as Comissotildees Locais de atingidos e com os experts contratados pelas empresas

por forccedila do TAP e seu Aditivo que as empresas firmaram previamente com o MPF

O TAC-GOV esclarece que o produto dos debates das Cacircmaras Teacutecnicas satildeo notas

teacutecnicas que subsidiam o CIF na tomada de decisotildees permanecendo o CIF como

instacircncia deliberativa Dividiu-se o regime das Cacircmaras Teacutecnicas conforme

supervisionem os programas socioeconocircmicos e os socioambientais

Especificamente quanto agraves CTs socioambientais previu-se no paraacutegrafo oitavo da

claacuteusula Quadrageacutesima Primeira que os representantes indicados para as CAcircMARAS

TEacuteCNICAS socioambientais deveratildeo ter formaccedilatildeo teacutecnica adequada salvo as pessoas

atingidas que poderatildeo estar acompanhadas das ASSESSORIAS TEacuteCNICAS

Esta foi uma demanda da mais alta relevacircncia para o CIF e para o IBAMA e que restou

atendida no TAC-GOV Com isso evitam-se decisotildees sem respaldo teacutecnico ou que

pudessem prejudicar ainda mais a Bacia do Rio Doce Esclareceu-se no PARAacuteGRAFO

NONO da mesma claacuteusula que a FUNDACcedilAtildeO participaraacute com direito a voz das

reuniotildees das CAcircMARAS TEacuteCNICAS sem contudo participar da elaboraccedilatildeo dos

documentos teacutecnicos ou das minutas de deliberaccedilatildeo que seratildeo encaminhadas ao CIF

Ponto importante na minuta de TAC-GOV eacute a previsatildeo expressa de um Regimento

Uacutenico para as Cacircmaras Teacutecnicas (RICTs) no Paraacutegrafo Deacutecimo Segundo que

disciplinaraacute o nuacutemero de participantes e procedimentos Esta era uma demanda das CTs

visto que a ausecircncia de normativo dificultava os trabalhos dos Coordenadores muitas

vezes leigos em Direito o que lhes deixava desamparados diante de requerimentos por

vezes indevidos ou extemporacircneos Sobre a interaccedilatildeo de MPs Defensorias e pessoas

atingidas com as CTs restou disciplinado

CLAacuteUSULA QUADRAGEacuteSIMA TERCEIRA A DEFENSORIA

PUacuteBLICA e o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO indicaratildeo cada um 1 (um)

membro titular e 1 (um) membro suplente para atuaccedilatildeo em cada uma das

CAcircMARAS TEacuteCNICAS

CLAacuteUSULA QUADRAGEacuteSIMA QUARTA Fica assegurada agraves pessoas

atingidas a indicaccedilatildeo na forma que decidirem adotar e mediante

comunicaccedilatildeo preacutevia de 02 (dois) membros titulares e 02 (dois) membros

suplentes que poderatildeo contar com apoio das ASSESSORIAS TEacuteCNICAS

se assim o desejarem para atuaccedilatildeo em cada uma das CAcircMARAS

TEacuteCNICAS

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Tambeacutem ficou esclarecido que divergecircncias teacutecnicas das reuniotildees das CTs deveratildeo

constar das notas teacutecnicas a serem expedidas pelas CAcircMARAS TEacuteCNICAS ao CIF

na forma da claacuteusula quadrageacutesima quinta

VII COMISSOtildeES DE PESSOAS ATINGIDAS CLAacuteUSULAS OITAVA A

DEacuteCIMA OITAVA

As Comissotildees Locais satildeo uma forma de institucionalizar as reuniotildees dos atingidos sob

auxiacutelio de assessorias teacutecnicas contratadas pelas empresas responsaacuteveis pelo desastre na

forma prevista em termo de ajustamento preliminar (TAP) e seu aditivo (ADITIVO ao

TAP) firmados entre o Ministeacuterio Puacuteblico e SAMARCO VALE e BHP

Essas Comissotildees constituiriam inicialmente um Foacuterum de Comitecircs Locais (FLC) que

indicaria dois representantes para participarem das reuniotildees do CIF mas esta ideia ao

cabo foi abandonada O TAC-GOV prevecirc uma forma de participaccedilatildeo dos atingidos por

meio de Comissotildees Locais que seratildeo auxiliadas pelos experts contratados pelo MP

Embora possa implicar alguma lentidatildeo no processo decisoacuterio a sistemaacutetica incorporaraacute

demandas dos atingidos aos mecanismos originalmente previstos no TTAC primeiro

instrumento que promovia uma soluccedilatildeo holiacutestica ao desastre De toda forma a

preocupaccedilatildeo da AGU foi garantir que este complexo modelo de organizaccedilatildeo social

impactasse minimamente na organizaccedilatildeo e funcionamento das CTs e CIF objetivo que

foi atendido

Na praacutetica as CTs e o proacuteprio CIF jaacute tem dado direito a voz aos atingidos e agraves

Defensorias de forma que o modelo agora adotado apenas formaliza essa participaccedilatildeo

As Defensorias e os experts contratados pelas empresas a pedido do MP seratildeo

incorporados aos trabalhos das Cacircmaras Teacutecnicas (CTs) com variaccedilotildees cf se trate

daquelas que supervisionam programas socioeconocircmicos ou os socioambientais

Essas Comissotildees Locais de pessoas atingidas estaratildeo espalhadas ao longo da Bacia do

Rio Doce em nuacutemeros limitados Elas poderatildeo interagir segundo o TAC-GOV com a

Fundaccedilatildeo Renova MP e assessores teacutecnicos contratados pelo MP fazendo criacuteticas e

sugestotildees agraves medidas podendo levaacute-las ao CIF por meio dos representantes a serem

definidos

Sua principal funccedilatildeo eacute promover a adequaccedilatildeo acordada prevista na claacuteusula deacutecima

primeira e seguintes da forma de execuccedilatildeo das accedilotildees relativas aos PROGRAMAS agraves

particularidades existentes no acircmbito de seu territoacuterio De toda sorte caberaacute ao CIF a

uacuteltima palavra salvo se as propostas da Comissatildeo Local implicarem alteraccedilatildeo de escopo

dos programas caso em que ou bem seratildeo objeto da revisatildeo perioacutedica prevista na

Claacuteusula 203 do TTAC ou bem para deliberaccedilatildeo conforme esse entender pertinente

nos limites do TTAC (claacuteusula deacutecima segunda) Se por outro lado formular

propostas que extrapolem os limites dos PROGRAMAS tais propostas deveratildeo ser

encaminhadas agraves PARTES para discussatildeo no acircmbito do Processo de Repactuaccedilatildeo

previsto na CLAacuteUSULA NONAGEacuteSIMA TERCEIRA (ldquoPROCESSO DE

REPACTUACcedilAtildeOrdquo) eou ao CIF para revisao periodica prevista na Clausula 203 do

TTAC conforme estatui a claacuteusula deacutecima terceira

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Lembre-se que a claacuteusula 203 do TTAC prevecirc a revisatildeo trienal dos Programas dentro

dos limites do TTAC Por outro lado a repactuaccedilatildeo consiste na rediscussatildeo dos

Programas que se pretende fazer por meio do procedimento proacuteprio previsto em

capiacutetulo especiacutefico do TAC-GOV Os MPs e as empresas tambeacutem chegaram a

consenso quanto ao custeio dessas Comissotildees sejam locais sejam regionais que natildeo

ficou a cargo da administraccedilatildeo puacuteblica Assim natildeo haacute ocircnus financeiro para a Uniatildeo e

Estados

VIII CUSTEIO DAS DESPESAS DO CIF E DAS CTs

Uma importante demanda do CIF foi atendida no TAC-GOV o custeio pela Fundaccedilatildeo

dos gastos com deslocamento refeiccedilatildeo e hospedagem dos servidores federais que atuam

no CIF e CTs O orccedilamento das autarquias notadamente do IBAMA e ANA vinha

sendo fortemente comprometido com essas reuniotildees num momento de forte restriccedilatildeo

de gastos da Uniatildeo somado ao fato de que pelas regras orccedilamentaacuterias o simples

ressarcimento dos gastos pelas empresas seria incorporado ao Orccedilamento Geral da

Uniatildeo - OGU sem benefiacutecio algum aos trabalhos do CIF

Desde o iniacutecio se pensou numa sistemaacutetica de recursos privados justamente para se

evitar as amarras orccedilamentaacuterias quanto agrave reparaccedilatildeo dos efeitos da trageacutedia Esse eacute um

dos principais pontos a caracterizar a vantajosidade para a Uniatildeo na celebraccedilatildeo do

TAC-GOV Os Ministeacuterios Puacuteblicos aquiesceram expressamente e as empresas

consultaram suas aacutereas de compliance tendo concordado com a sistemaacutetica prevista a

partir da claacuteusula quinquageacutesima quinta

Idealizou-se a contrataccedilatildeo de gerenciadores desses gastos pela Fundaccedilatildeo para

garantir suporte logiacutestico agraves reuniotildees por meio de um Orccedilamento de Reuniotildees do CIF

assim como um Orccedilamento de Supervisatildeo dos Programas para as tarefas pontualmente

demandadas pelo CIF Haveraacute dois Gerenciadores um especiacutefico para as Comissotildees

Locais Comissotildees Regionais e Foacuterum de Observadores e outro especiacutefico para os

gastos do CIF e CTs As regras atendem agraves especificidades das pessoas atingidas no

primeiro caso e dos oacutergatildeos puacuteblicos no segundo

Afastou-se a possibilidade de pagamento de numeraacuterio diretamente pela Fundaccedilatildeo aos

servidores federais ante vedaccedilatildeo legal ainda que por meio de diaacuterias Esta posiccedilatildeo foi

esclarecida a pedido da PGU atraveacutes da Nota nordm 28242017ACSCGJRHCONJUR-

MPCGUAGU da Consultoria Juriacutedica do Ministeacuterio do Planejamento

Desenvolvimento e Gestatildeo lanccedilada no processo administrativo NUP

004050181052017-19

Caberaacute ao Gerenciador-CIF organizar as reuniotildees locais de alimentaccedilatildeo e de

hospedagem bem como adquirir passagens para os encontros do CIF e CTs segundo

cronograma por estes fixados Semelhante sistemaacutetica foi prevista para as COMISSOtildeES

LOCAIS e CAcircMARAS REGIONAIS incluindo as atividades e reuniotildees de articulaccedilatildeo

e discussatildeo dessas Cacircmaras (ldquoARTICULACcedilAtildeO DAS CAcircMARAS REGIONAISrdquo) e do

FOacuteRUM DE OBSERVADORES a cargo do Gerenciador-Atingidos

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Caberaacute ao CIF nos termos da claacuteusula quinquageacutesima seacutetima acordar com a Fundaccedilatildeo

um orccedilamento de custeio a ser executado pelo gerenciador ao final de cada ano na

hipoacutetese de dissenso haveraacute submissatildeo ao Juiacutezo da 12a VFBH Admite-se ainda o

incremento de 25 deste orccedilamento para a realizaccedilatildeo de reuniotildees extraordinaacuterias ou de

despesas previstas na claacuteusula quinquageacutesima oitava Esta claacuteusula trouxe previsatildeo de

custeio dos gastos com supervisatildeo dos programas Por ser uma das claacuteusulas mais

relevantes e vantajosas para a Uniatildeo conveacutem transcrevecirc-la na iacutentegra

CLAacuteUSULA QUINQUAGEacuteSIMA OITAVA Ateacute 90 (noventa) dias antes

do encerramento de cada ano o CIF encaminharaacute agrave FUNDACcedilAtildeO a previsatildeo

anual de atividades com a fiscalizaccedilatildeo monitoramento e acompanhamento

dos PROGRAMAS para fins de elaboraccedilatildeo do ORCcedilAMENTO CIF que

conteraacute exclusivamente despesas com

I ndash transporte hospedagem e alimentaccedilatildeo para os membros do CIF e das

CAcircMARAS TEacuteCNICAS comparecerem agraves respectivas reuniotildees bem como

para a realizaccedilatildeo de vistorias e supervisatildeo dos PROGRAMAS

II ndash contrataccedilatildeo de serviccedilos teacutecnicos para auxiliar nas atividades do CIF e

das CAcircMARAS TEacuteCNICAS em questotildees especiacuteficas agrave fiscalizaccedilatildeo ao

monitoramento e ao acompanhamento dos PROGRAMAS como por

exemplo exames laboratoriais e imagens de sateacutelite de alta resoluccedilatildeo ou

levantamentos aerofotogrameacutetricos da bacia do Rio Doce quando

comprovada a necessidade teacutecnica

III ndash embarcaccedilotildees para fins de anaacutelises quiacutemicas e laboratoriais nos rios da

bacia do Rio Doce ou em alto-mar exclusivamente para atividades

relacionadas agrave fiscalizaccedilatildeo ao monitoramento e ao acompanhamento dos

PROGRAMAS quando comprovada a necessidade teacutecnica

IV ndash outras despesas administrativas comprovadamente relacionadas agrave

fiscalizaccedilatildeo monitoramento e acompanhamento dos PROGRAMAS

quando comprovada a necessidade teacutecnica atendidos os limites previstos no

PARAacuteGRAFO QUINTO DA CLAacuteUSULA QUINQUAGEacuteSIMA SEXTA

V ndash contrataccedilatildeo de serviccedilo de secretariado terceirizado limitado a uma

pessoa por reuniatildeo para auxiliar nas reuniotildees do CIF e das CAcircMARAS

TEacuteCNICAS sob coordenaccedilatildeo do Presidente do CIF e do respectivo

coordenador da CAcircMARA TEacuteCNICA

Assim o TAC-GOV trasladou todos esses custos para as empresas causadoras do

desastre por meio da Fundaccedilatildeo Renova Ressalvou-se que esses valores de custeio natildeo

poderatildeo ser abatidos dos valores destinados aos programas na claacuteusula 55 sect3ordm

IX AUDITORIA INDEPENDENTE EXTERNA E COMPLIANCE

CLAacuteUSULAS QUINQUAGEacuteSIMA TERCEIRA E QUINQUAGEacuteSIMA QUARTA

O MPF pretendeu acrescentar claacuteusulas mais exigentes quanto agrave auditoria independente

externa e referente a compliance da Fundaccedilatildeo O CIF durante as negociaccedilotildees informou

que gostaria de pedir auditorias mais detalhadas e o MPF concordou que o proacuteprio CIF

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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trouxesse uma proposta de redaccedilatildeo que vingou nas claacuteusulas terceira e seguintes da

minuta

Em suma o CIF seraacute empoderado com a possibilidade de detalhar anualmente o

escopo dos trabalhos e o documento seraacute encaminhado agrave Fundaccedilatildeo Renova de modo

que efetue os ajustes contratuais necessaacuterios na forma do paraacutegrafo sexto da claacuteusula

quinquageacutesima terceira O Comitecirc Interfederativo as cacircmaras teacutecnicas o Ministeacuterio

puacuteblico a Defensoria Puacuteblica e os Conselhos Locais receberatildeo relatoacuterios

circunstanciados dos trabalhos realizados pela(s) auditoria(s)

Dessa forma as empresas de auditoria tambeacutem ficaram vinculadas a prestar

esclarecimentos ao CIF ou direcionar seus trabalhos de forma a obter informaccedilotildees que

o CIF natildeo conseguir diretamente da Fundaccedilatildeo Renova Espera-se que este

empoderamento das auditorias aliado agrave necessaacuteria prestaccedilatildeo de contas aos oacutergatildeos

puacuteblicos aprimore a fiscalizaccedilatildeo da Fundaccedilatildeo e permita maior rigor no conhecimento

de suas accedilotildees

X ALTERACcedilOtildeES NA ESTRUTURA INTERNA DA FUNDACcedilAtildeO

O MP demandou algumas alteraccedilotildees nos Conselhos de Curadores e Consultivo da

Fundaccedilatildeo Os Estados e a Uniatildeo desde sempre concordaram quanto agrave necessidade de se

manter o caraacuteter eminentemente privado e de gestatildeo da Diretoria Executiva da

Fundaccedilatildeo natildeo apenas para uma execuccedilatildeo ceacutelere das medidas necessaacuterias mas tambeacutem

para possibilitar uma responsabilizaccedilatildeo clara por accedilotildees indevidas e eventuais omissotildees

O MP chegou a propor que atingidos e Poder Puacuteblico fizessem indicaccedilotildees agrave Diretoria

Executiva proposta que foi rechaccedilada pelas empresas de plano por natildeo primar pela

melhor teacutecnica juriacutedica e em certa medida pela Uniatildeo e Estados

Primeiro porque essas funccedilotildees implicam gestatildeo de um orccedilamento bilionaacuterio que

demanda expertise em gestatildeo e administraccedilatildeo Segundo porque desde o TTAC foi

adotada a premissa de que a Fundaccedilatildeo era privada e portanto natildeo poderia sofrer

qualquer ingerecircncia do Poder Puacuteblico que inclusive poderia vir a ser responsabilizado

por atos da Fundaccedilatildeo se participasse de seus oacutergatildeos de gestatildeo Terceiro porque a

supervisatildeo dos resultados das accedilotildees projetos e programas da Fundaccedilatildeo eacute feita pelo CIF

E no CIF natildeo pode haver participaccedilatildeo da Fundaccedilatildeo que tambeacutem natildeo pode redigir as

Notas Teacutecnicas das CTs Quarto porque a fiscalizaccedilatildeo contaacutebil e financeira eacute feita pelo

Conselho Fiscal da Fundaccedilatildeo por uma auditoria externa (acima apreciada) pelo proacuteprio

Ministeacuterio Puacuteblico por meio da curadoria de fundaccedilotildees Quinto porque a participaccedilatildeo

dos atingidos e do Poder Puacuteblico se daraacute nas instacircncias supra relatadas Sexto natildeo cabe

ao Poder Puacuteblico fazer gestatildeo de verbas privadas

Por outro lado os MPs e Defensorias postularam uma participaccedilatildeo dos atingidos muito

maior em relaccedilatildeo agrave versatildeo final da minuta Ponderou-se sem embargo que a

participaccedilatildeo de muitos atingidos poderia natildeo ser conveniente inclusive para eles jaacute que

eventuais equiacutevocos ou demora na execuccedilatildeo das accedilotildees pela Fundaccedilatildeo poderia ser

imputada agrave sua participaccedilatildeo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Com relaccedilatildeo ao Conselho de Curadores a composiccedilatildeo majoritaacuteria (6 membros) ficou

com as empresas 1 outro seraacute indicado pelo CIF e 2 pela articulaccedilatildeo das Cacircmaras

Regionais de pessoas atingidas (claacuteusula quadrageacutesima sexta) Jaacute o Conselho Consultivo

seraacute composto majoritariamente por pessoas atingidas e sociedade civil em geral - para

maior detalhamento vide claacuteusula quadrageacutesima oitava)

XI REPACTUACcedilAtildeO

As propostas do Comitecirc Interfederativo de alteraccedilatildeo e ampliaccedilatildeo dos programas

previstos no TTAC original seratildeo objeto de discussatildeo na forma do TAC-Gov no

capiacutetulo entitulado PROCESSO UacuteNICO DE REPACTUACcedilAtildeO DOS PROGRAMAS

SOCIOAMBIENTAIS E SOCIOECONOcircMICOS PARA REPARACcedilAtildeO INTEGRAL

DOS DANOS DECORRENTES DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE

FUNDAtildeO

Os programas previstos no TTAC seratildeo objeto de repactuaccedilatildeo visto que o MPF se

louvaraacute das conclusotildees dos experts contratados pelas empresas em seu favor em dois

instrumentos paralelos ao TTAC conhecidos como Termo de Ajustamento Preliminar e

seu Aditivo (TAP e Aditivo ao TAP ambos mencionados na minuta de TAC-GOV)

Esses instrumentos tambeacutem previram a contrataccedilatildeo pelas empresas de assessorias

teacutecnicas especializadas para fornecerem apoio teacutecnico aos atingidos A revisatildeo dos

programas era conditio sine qua non para os MPs firmarem um instrumento restrito agrave

Governanccedila

Ademais os MPs pretendiam obter uma anaacutelise global de todos os danos causados pela

trageacutedia Nesse sentido criticaram o TTAC e a ACP dos entes puacuteblicos Natildeo obstante eacute

impossiacutevel mensurar do ponto de vista teacutecnico a integralidade do dano ambiental ao

que se soma a ausecircncia de criteacuterios juriacutedicos para essa mensuraccedilatildeo no Direito brasileiro

e mesmo outros sistemas juriacutedicos de nosso conhecimento quando se faz anaacutelise de

direito comparado nem mesmo o Direito Internacional traz resposta para esta questatildeo

Eacute certo e natildeo se duvida que haacute dever de reparar mas natildeo haacute resposta clara para as

questotildees o que deve ser restauradoreparado quanto custaraacute ou ateacute que ponto satildeo

devidas medidas de compensaccedilatildeo ambiental

Fato eacute que passados dois anos e meio do desastre revela-se impossiacutevel mensurar todos

os danos ao menos nesse espaccedilo de tempo ao que se soma a natureza dinacircmica do dano

ambiental Isso comprova que o Poder Puacuteblico deveria mesmo ter agido o quanto antes

com vistas a iniciar a remediaccedilatildeoreparaccedilatildeominimizaccedilatildeo dos efeitos da trageacutedia Sem

embargo objetivando a pacificaccedilatildeo das discussotildees com MPs e Defensorias o TAC-

GOV deixa em aberto a repactuaccedilatildeo dos programas o que redundaraacute no ocircnus de todas

as partes cotejarem as conclusotildees dos teacutecnicos e avaliarem quais programas necessitam

ser ampliados criados terem seu escopo alterado fundidos e ateacute mesmo reduzidos ou

extintos se for o caso Pela clareza vale transcrever as claacuteusulas que tratam dos

requisitos forma e procedimento do Processo de Repactuaccedilatildeo

CLAacuteUSULA NONAGEacuteSIMA SEXTA O PROCESSO DE

REPACTUACcedilAtildeO teraacute por base estudos teacutecnicos a participaccedilatildeo dos

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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atingidos conforme os princiacutepios e claacuteusulas deste ACORDO e observaraacute

as seguintes premissas

I ndash reparaccedilatildeo integral dos danos causados pelo ROMPIMENTO DA

BARRAGEM DE FUNDAtildeO conforme exigida pela legislaccedilatildeo brasileira

II ndash a consideraccedilatildeo das propostas encaminhadas pelas COMISSOtildeES

LOCAIS eou pelas CAcircMARAS REGIONAIS na forma da CLAacuteUSULA

TRIGEacuteSIMA SEGUNDA

III ndash a adoccedilatildeo como base mas natildeo exclusivamente dos PROGRAMAS

definidos no TTAC para fins de repactuaccedilatildeo

IV ndash a consideraccedilatildeo dos resultados de eventuais audiecircncias puacuteblicas nos

termos do TAP e do ADITIVO AO TAP

V ndash as claacuteusulas relativas aos PROGRAMAS voltados para as comunidades

indiacutegenas e demais comunidades tradicionais dependeratildeo das consultas

preacutevias livres e informadas

VI ndash os diagnoacutesticos e estudos realizados pelos EXPERTS DO

MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO aos quais natildeo estaratildeo vinculadas as EMPRESAS

e que poderatildeo aleacutem de outros elementos servir de base teacutecnica para

eventual proposta do MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO de discussatildeo e reformulaccedilatildeo

dos PROGRAMAS inclusive no acircmbito das CAcircMARAS TEMAacuteTICAS

VII ndash os diagnoacutesticos e estudos realizados pelos EXPERTS DAS

EMPRESAS aos quais natildeo estaratildeo vinculados o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO

e o CIF e que poderatildeo servir de base teacutecnica para as EMPRESAS inclusive

no acircmbito das CAcircMARAS TEMAacuteTICAS e

VIII ndash a proposta de repactuaccedilatildeo ser tecnicamente fundamentada

considerando o dever das EMPRESAS de reparaccedilatildeo integral dos danos

causados pelo 38 ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDAtildeO a

legislaccedilatildeo brasileira a seguranccedila juriacutedica o desenvolvimento dos

PROGRAMAS e as medidas implementadas pela FUNDACcedilAtildeO ateacute entatildeo

CLAacuteUSULA NONAGEacuteSIMA SEacuteTIMA As PARTES ajustaratildeo em ateacute 08

(oito) meses da homologaccedilatildeo deste ACORDO procedimento e cronograma

de negociaccedilotildees que primem pela boa feacute pela celeridade e pela busca de

consenso e de sistematicidade seguindo as premissas elencadas nos incisos

abaixo

I ndash a criaccedilatildeo de 01 (uma) cacircmara de repactuaccedilatildeo que poderaacute contar com

cacircmaras temaacuteticas de composiccedilatildeo pluripartite incluindo representaccedilatildeo de

atingidos que debateratildeo as alternativas teacutecnicas e socialmente adequadas

que aperfeiccediloem ou completem os PROGRAMAS (ldquoCAcircMARA DE

REPACTUACcedilAtildeO e ldquoCAcircMARAS TEMATICASrdquo)

II ndash a CAcircMARA DE REPACTUACcedilAtildeO integrada por representantes

indicados pelas PARTES e se assim desejarem 02 (dois) representantes das

pessoas atingidas indicados pela ARTICULACcedilAtildeO DAS CAcircMARAS

REGIONAIS sendo 01 (um) do ESTADO DE MINAS GERAIS e 01 (um)

do ESTADO DO ESPIacuteRITO SANTO faraacute recomendaccedilotildees mediante

comum acordo de seus integrantes Caso natildeo se chegue a um comum

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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acordo as eventuais posiccedilotildees divergentes a respeito seratildeo encaminhadas agraves

PARTES

III ndash tanto que possiacutevel as CAcircMARAS TEMAacuteTICAS poderatildeo apresentar agrave

CAcircMARA DE REPACTUACcedilAtildeO a soluccedilatildeo teacutecnica e social mais adequada

agrave reparaccedilatildeo integral dos danos socioambientais e socioeconocircmicos

decorrentes do ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDAtildeO

registradas eventuais visotildees divergentes a respeito e

IV ndash as PARTES e a ARTICULACcedilAtildeO DAS CAcircMARAS REGIONAIS

indicaratildeo nomes para as reuniotildees temaacuteticas que salvo por motivo

justificado passaratildeo a participar da agenda das respectivas reuniotildees

Por fim na CLAacuteUSULA NONAGEacuteSIMA NONA convencionou-se que Chegando

todas as PARTES a um acordo no PROCESSO DE REPACTUACcedilAtildeO as alteraccedilotildees daiacute

decorrentes seratildeo objeto de um termo de ajuste que incorporaraacute o TTAC e seratildeo

implementadas pela FUNDACcedilAtildeO em conformidade com os termos e condiccedilotildees

definidos e aplicaacuteveis

XII CONCLUSOtildeES

As accedilotildees judiciais ajuizadas em face das empresas redundaram em 4 instrumentos

juriacutedicos que agregados sobre o TAC-GOVERNANCcedilA instrumentalizaram uma

soluccedilatildeo juriacutedica holiacutestica para os efeitos do desastre

Os documentos juriacutedicos produzidos satildeo um norte aos gestores aos atingidos aos

oacutergatildeos de controle agrave Fundaccedilatildeo Renova enfim a todos os envolvidos no sentido da

recuperaccedilatildeo econocircmica e social da Bacia do Rio Doce apoacutes a devastaccedilatildeo causada pelo

rompimento da Barragem de Fundatildeo

Esta soluccedilatildeo global evita longas e interminaacuteveis disputas judiciais ndash ao mesmo tempo

que natildeo obsta o acesso agrave justiccedila - promove a oitiva das viacutetimas prevecirc programas e

metas de melhorias sociais e ambientais que devem refletir a recuperaccedilatildeo da qualidade

de vida de toda populaccedilatildeo que dependia do Rio Doce como fonte de aacutegua e de vida

O proacuteprio TTAC original encetava obrigaccedilotildees de fazer que deveriam ser encerradas em

ateacute 15 anos Se natildeo for atingida toda a reparaccedilatildeo prevista entatildeo os aportes agrave Fundaccedilatildeo e

o proacuteprio prazo de vigecircncia dos programasTTAC deveria ser prorrogado Em outras

palavras mesmo na remota hipoacutetese de natildeo haver a revisatildeo dos programas propalada

pelo MP seguramente os valores e o prazo do TTAC natildeo satildeo fechados em si mesmos

podendo ser prorrogados se a recuperaccedilatildeo da Bacia ao cabo dos 15 anos contados da

data de assinatura do TTAC natildeo se revelarem satisfatoacuterios Isso jaacute estaacute expressamente

previsto na claacuteusula 260 do TTAC

Seja como for as discussotildees do TAC-GOV ainda que aacuterduas e em alguns momentos

bastante tensas demonstraram ser possiacutevel uma soluccedilatildeo global consensual e

propositiva para o desastre social e ambiental resultantes do rompimento da Barragem

de Fundatildeo em Mariana-MG e serve de exemplo para iniciativas similares em outros

casos de danos ambientais Evidentemente o ideal eacute que danos ambientais natildeo ocorram

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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mas se ocorrerem eacute preciso haver mecanismos que prevejam uma soluccedilatildeo natildeo apenas

para o dano ambiental mas igualmente para o dano social que quase sempre

inevitavelmente decorre de um evento poluidor de certa magnitude

Entendemos que o federalismo de cooperaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo coordenada interinstitucional

a exemplo do que ocorreu no caso de Mariana natildeo soacute podem como devem ser aplicados

na contenccedilatildeo reduccedilatildeo e reparaccedilatildeo dos danos decorrentes de desastres ambientais em

sentido propositivo isto eacute de construccedilatildeo de soluccedilotildees juriacutedicas que permitam aos

gestores aos oacutergatildeos puacuteblicos e aos proacuteprios causadores dos danos se conduzirem de

forma coordenada para a adoccedilatildeo de todas as medidas necessaacuterias

REFEREcircNCIAS

ADVOCACIA-GERAL DA UNIAtildeO PARECER nordm 2712018HAJDPPPGUAGU

lanccedilado no processo administrativo NUP 004050181052017-19

ANDRETTA JUNIOR Homero Valoraccedilatildeo do dano ambiental pressupostos juriacutedicos

no Brasil em Portugal e na Uniatildeo Europeacuteia In Atas do I Curso Sobre Governanccedila e

Regulaccedilatildeo Global COUTINHO Francisco Pereira SANTOS Ruth SILVA Matheus

(coord) Universidade de Lisboa Faculdade de Direito CEDIS ndash Centro de IampD sobre

Direito e DSociedade Campus de Campolide Lisboa Abril 2020 ISBN 978-898-8985-

03-3 p 233

ANTUNES Paulo de Bessa Direito ambiental 17ed Satildeo Paulo Atlas 2015 pp 78 e

79

An harmonic solution to the biggest environmental tragedy of Brazil Comments

on The Conduct-Adjustment Term regarding Governance (TAC-GOV)

Summary I The day after Marianas tragedy what to do II One goal a legal solution

to the biggest environmental disaster in Brazil III The Conduct-Adjustment Term

regarding Governance (TAC-GOV) IV The Interfederative Committee - CIF V

Technical Chambers VI Commissions of Affected People VII CIF and CTacutes

Financing VIII Independent External Auditing and Compliance IX Changes to the

Foundations Internal Structure X Renegotiation XI Conclusions XII References

Keywords Fundatildeo Dam Collapse Mariana Minas Gerais Environmental Disaster

Conduct-Adjustment Term regarding Governance

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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DA SOLUCcedilAtildeO DE CONFLITOS NO AcircMBITO DO DESASTRE DE

MARIANA UMA METAMORFOSE AMBULANTE

LUIZ HENRIQUE MIGUEL PAVAN

_________________ SUMAacuteRIO ________________

1 Introduccedilatildeo 2 Desenho de sistemas de disputas e o

ttac o pontapeacute inicial e alicerce do processo de

reparaccedilatildeo socieconocircmica e socioambiental 3 TAC-

GOV alinhamento das funccedilotildees essenciais agrave justiccedila e

ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo dos atingidos 4 Da

ampliaccedilatildeo do papel do Judiciaacuterio no contexto do

Caso Samarco 5 CONCLUSAtildeO

Palavra-chave Desastre de Mariana Desenho de sistemas de disputas TTAC TAC-

Gov e judicializaccedilatildeo

1 INTRODUCcedilAtildeO

O rompimento da barragem de Fundatildeo localizada no Municiacutepio de MarianaMG de

propriedade da mineradora Samarco SA em 05 de novembro de 2015 eacute um fato que

marcou a histoacuteria contemporacircnea brasileira O tsunami de lama decorrente do

rompimento da barragem gerou uma onda de destruiccedilatildeo por onde passou Ocasionou a

morte de 19 pessoas o soterramento de residecircncias a remoccedilatildeo de centenas de famiacutelias

de suas residecircncias e a destruiccedilatildeo da fauna e flora percorrendo 663 quilocircmetros ateacute

atingir o litoral do Espiacuterito Santo

Logo apoacutes o desastre os Estados atingidos pelos seus efeitos (Espiacuterito Santo e Minas

Gerais) e a Uniatildeo concluiacuteram que era necessaacuterio construir um sistema de gestatildeo dos

conflitos ligados a esse desastre diante de sua magnitude que permitisse uma soluccedilatildeo

coordenada das accedilotildees necessaacuterias agrave reparaccedilatildeo e agrave compensaccedilatildeo nas aacutereas

socioambiental e socioeconocircmica considerando a pluralidade dos danos a extensatildeo da

aacuterea impactada e o nuacutemero de atingidos

Bacharel e Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Espiacuterito Santo ndash UFES

Instituiccedilatildeo Procuradoria-Geral do Estado do Espiacuterito Santo ndash Procurador do Estado e Procurador-

Assessor do Gabinete

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Esse sistema foi construiacutedo inicialmente por intermeacutedio do Termo de Transaccedilatildeo e de

Ajustamento de Conduta-TTAC assinado em marccedilo de 2016 que buscava soluccedilotildees na

esfera extrajudicial e previu a criaccedilatildeo de fundaccedilatildeo privada com o objetivo de elaborar e

executar as medidas veiculadas nos programas socioambientais e socioeconocircmicos e do

Comitecirc Interfederativo-CIF como instacircncia de interlocuccedilatildeo com a fundaccedilatildeo com papel

deliberativo e fiscalizatoacuterio Acordo que pode ser visto como o pontapeacute inicial e o

alicerce do processo de reparaccedilatildeo integral coordenada do desastre

Ocorre que esse desenho sofreu modificaccedilotildees e aprimoramentos ao longo dos anos em

princiacutepio com a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta ndash Governanccedila (TAC-

Gov) em agosto de 2018 marco do alinhamento das funccedilotildees essenciais agrave Justiccedila que

previu a ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo dos atingidos na soluccedilatildeo das questotildees afetas ao

desastre e um prazo para a repactuaccedilatildeo do TTAC

Mais recentemente teve iniacutecio uma nova etapa caracterizada pela ampliaccedilatildeo da atuaccedilatildeo

do Poder Judiciaacuterio com a submissatildeo de determinadas mateacuterias especialmente pelos

signataacuterios do TTAC e do TAC-Gov para a deliberaccedilatildeo ou para a homologaccedilatildeo pelo

Judiciaacuterio

O presente artigo exporaacute cada uma dessas etapas que marcam o processo de soluccedilatildeo de

conflitos no acircmbito do caso Samarco com alusotildees sem pretender esgotar o tema dos

fatores que ensejaram as adaptaccedilotildees do desenho idealizado originalmente

Objetiva-se com este artigo identificar a evoluccedilatildeo do processo de soluccedilatildeo de conflitos

do desastre de Mariana (caso Samarco) No entanto natildeo se almeja ateacute por conta da

complexidade do tema proceder uma anaacutelise exaustiva de todo o processo mas pinccedilar e

examinar as principais medidas tomadas ao longo dos anos para a soluccedilatildeo coordenada

do desastre

A relevacircncia do tema para o Direito puacuteblico brasileiro adveacutem da magnitude social

econocircmica e ambiental do desastre de Mariana e de seus inuacutemeros desdobramentos na

esfera juriacutedica que culminaram na adoccedilatildeo de inovador modelo de gestatildeo do desastre na

seara juriacutedica no Brasil tomando relevo a abordagem do desenho de sistemas de

disputas (dispute system design-DSD) e das entidades de infraestrutura especiacutefica

(claims resolution facilities) oriundas do Direito norte-americano que tem relaccedilatildeo com

o sistema construiacutedo para o enfrentamento das questotildees inerentes ao caso Samarco

2 DESENHO DE SISTEMAS DE DISPUTAS E O TTAC O PONTAPEacute INICIAL

E ALICERCE DO PROCESSO DE REPARACcedilAtildeO SOCIECONOcircMICA E

SOCIOAMBIENTAL

Pouco apoacutes o rompimento da barragem de Fundatildeo o cenaacuterio que se formava era de alta

litigiosidade e de proliferaccedilatildeo de accedilotildees individuais e coletivas Em um periacuteodo inferior a

30 dias do evento jaacute tinham sido protocolizadas mais de 100 accedilotildees perante o Poder

Judiciaacuterio133

133

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique Miguel

VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 p 40

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

97

O litiacutegio coletivo134-135

decorrente do rompimento da barragem de Fundatildeo

consubstanciado no maior desastre ambiental ocorrido no Brasil eacute um caso iacutempar no

sistema juriacutedico brasileiro e eacute marcado pela elevada complexidade faacutetica e juriacutedica e

conflituosidade interna136

Para Cabral e Zaneti Jr a complexidade de um litiacutegio coletivo decorre da sua proacutepria

natureza Afirmam que a ldquoconflituosidade interna dos membros do grupo ou entre os

grupos atingidos e a complexidade da mateacuteria de direito ou situaccedilotildees juriacutedicas

envolvidasrdquo nos litigios coletivos podem ser compreendidas como complexidade em

sentido amplo Destacam em seguida que essa complexidade em sentido amplo ldquorevela

a necessidade da presenccedila nos processos coletivos altamente complexos de soluccedilotildees

diferenciadas capazes de auxiliar na resoluccedilatildeordquo137

Nesse cenaacuterio de grande complexidade e conflituosidade marcado pela pluralidade de

danos pela extensa aacuterea impactada e pelo enorme contingente de cidadatildeos e pessoas

juriacutedicas atingidas a Uniatildeo e os Estados do Espiacuterito Santo e de Minas Gerais suas

autarquias e fundaccedilotildees como resultado de uma convergecircncia poliacutetica juriacutedica e

teacutecnica138

ajuizaram ainda no mecircs de novembro de 2015 uma accedilatildeo civil puacuteblica139-140

em face da Samarco Mineraccedilatildeo SA e de suas controladoras as empresas BHP Billiton

e Vale SA a fim de obrigar as reacutes a adotarem medidas de reparaccedilatildeo integral e

134

Vitorelli conceitua o litigio coletivo ldquocomo o conflito existente na realidade que envolve uma

multiplicidade de sujeitos os quais compotildeem um grupo uma sociedaderdquo (VITORELLI Edilson

Processo estrutural e processo de interesse puacuteblico esclarecimentos conceituais Revista Iberoamericana

de Derecho Procesal Satildeo Paulo v 7 p 147-177 jan-jun 2018 versatildeo eletrocircnica) 135

Abstrai-se do presente artigo a discussatildeo a respeito da relaccedilatildeo entre o desastre de Mariana e os

processos estruturais Apenas para fins de registro apresenta-se o conceito de Vitorelli de processos

estruturais para o qual ldquosatildeo demandas judiciais nas quais se busca reestruturar uma instituiccedilatildeo puacuteblica ou

privada cujo comportamento causa fomenta ou viabiliza um litiacutegio estrutural Essa reestruturaccedilatildeo

envolve a elaboraccedilatildeo de um plano de longo prazo para alteraccedilatildeo do funcionamento da instituiccedilatildeo e sua

implementaccedilatildeo mediante providecircncias sucessivas e incrementais que garantam que os resultados visados

sejam alcanccedilados sem provocar efeitos colaterais indesejados ou minimizando-os A implementaccedilatildeo

dessa decisatildeo se daacute por intermeacutedio de uma execuccedilatildeo estrutural na qual as etapas do plano satildeo cumpridas

avaliadas e reavaliadas continuamente do ponto de vista dos avanccedilos que proporcionam O juiz atua como

um fator de reequilibro da disputa de poder entre os subgrupos que integram a sociedade que protagoniza

o litigiordquo (VITORELLI Edilson Processo estrutural e processo de interesse puacuteblico esclarecimentos

conceituais Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Satildeo Paulo v 7 p 147-177 jan-jun 2018

versatildeo eletrocircnica) A respeito dos processos estruturais conferir ARENHART Sergio Cruz Decisotildees

estruturais no direito processual civil brasileiro Revista de Processo Satildeo Paulo v 225 p 389-410 2013

ARENHART Seacutergio Cruz JOBIM Marco Felix (Org) Processos Estruturais 2 ed Salvador

Juspodivm 2019 928 p e DIDIER JR Fredie ZANETI JR Hermes OLIVEIRA Rafael Alexandria

de Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro Revista de

Processo Satildeo Paulo v 303 p 45-81 maio 2020 versatildeo eletrocircnica 136

CABRAL Antocircnio do Passo ZANETI JR Hermes Entidades de infraestrutura especiacutefica para a

resoluccedilatildeo de conflitos coletivos as claims resolution facilities e sua aplicabilidade no brasil Revista de

Processo Satildeo Paulo v 287 jan 2019 p 446 137

Ibidem p 446-447 138

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique Miguel

VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 p 42 139

Accedilatildeo Civil Puacuteblica nordm 6975861201543400 (Processo nordm 1024354-8920194013800-autos

eletrocircnicos) em tracircmite na 12ordf Vara Federal CiacutevelAgraacuteria de Minas Gerais 140

Anota-se apenas para fins de registro que o Ministeacuterio Puacuteblico Federal propocircs posteriormente uma

accedilatildeo civil puacuteblica tambeacutem ligada ao desastre de Mariana (processo nordm 0023863-0720164013800 - autos

fiacutesicosprocesso nordm 1016756-8420194013800)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

98

compensaccedilatildeo pelas consequecircncias do desastre nas aacutereas social e ambiental cabendo

salientar que a accedilatildeo abarcava todos os danos causados aos indiviacuteduos agrave Bacia do Rio

Doce e agrave vida marinha e terrestre

Consoante anota Adams et al o excessivo nuacutemero de accedilotildees pulverizadas a respeito do

desastre de Mariana ldquotornou imperiosa a modelagem de uma soluccedilatildeo mais global e

holisticardquo141

Soluccedilatildeo que teve iniacutecio com a propositura da r accedilatildeo civil puacuteblica

Continuamente Adams et al salientam que ldquojamais seria possivel a reparaccedilatildeo integral

dos vaacuterios danos causados sem um plano coerente amplo e responsaacutevel tampouco sem

uma linha uacutenica de accedilatildeo ajustada com todos os responsaveis e afetadosrdquo142

Adams et al destacam ao comentarem a r accedilatildeo coletiva que a Samarco a BHP e a

Vale ldquoja vinham se mostrando nos dias subsequentes agrave propositura da ACP

predispostas a manter um canal de diaacutelogo aberto para tratativas com o poder puacuteblico na

busca por um acordo amplo e eficaz para pocircr fim aos litigiosrdquo Continuamente afirmam

que a prolaccedilatildeo da decisatildeo interlocutoacuteria que deferiu o pedido de tutela provisoacuteria (de

carater antecipatorio e cautelar) formulado pelos entes federados ldquoconsubstanciou-se no

elemento que faltava para que as empresas efetivamente iniciassem o diaacutelogo com a

Uniatildeo e os Estados na procura de uma soluccedilatildeo consensual sobre o temardquo143

De um lado a complexidade e a conflituosidade do desastre de Mariana e de outro os

deacuteficits inerentes ao processo judicial e as vantagens da soluccedilatildeo extrajudicial motivaram

a opccedilatildeo naquele momento pela autocomposiccedilatildeo por meio da negociaccedilatildeo direta entre

os litigantes

Apoacutes mencionar que o processo judicial considerado monopoacutelio do Estado mostrou ao

longo do tempo sua fraqueza Grinover destaca que ldquoo formalismo a complicaccedilatildeo

procedimental a burocratizaccedilatildeo a dificuldade de acesso ao Judiciaacuterio o aumento das

causas de litigiosidade numa sociedade cada vez mais complexa e conflituosardquo e ldquoa

propria mentalidade dos operadores do direitordquo contribuiram para expor a

inadequaccedilatildeoinsuficiecircncia da exclusividade da tutela do Estado Ressalta a autora nesse

contexto o ressurgimento atual em escala global ldquodo interesse pelas chamadas vias

alternativas capazes de encurtar ou evitar o processordquo144

Em linha semelhante Bonizzi menciona que o sistema processual civil ldquovem cedendo

espaccedilo a autonomia da vontade dos litigantesrdquo ao tecer consideraccedilotildees a respeito dos

negoacutecios juriacutedicos processuais145

e que essa tendecircncia decorre provavelmente do

141

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique Miguel

VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 p 40 142

Ibidem p 40 143

Ibidem p 46 144

GRINOVER Ada Pellegrini Os meacutetodos consensuais de conflitos no novo CPC In O novo Coacutedigo de

Processo Civil questotildees controvertidas Satildeo Paulo Atlas 2015 p 2 145

Apesar do presente artigo natildeo tratar de negoacutecios juriacutedicos processuais as consideraccedilotildees citadas acima

satildeo vaacutelidas para justificar a tendecircncia de desjudicializaccedilatildeo no sistema processual civil atual brasileiro

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

99

reconhecimento da incapacidade do Estado (juiz) de gerir o processo civil

ldquoespecialmente num cenario de forte congestionamento de processos nos tribunaisrsquo146

A adequaccedilatildeo da opccedilatildeo pela soluccedilatildeo de conflitos por meio da autocomposiccedilatildeo em

determinados casos eacute extraiacuteda das liccedilotildees de Cappelletti O autor menciona ao tratar do

obstaacuteculo processual para o acesso a Justiccedila que ldquoem certas areas ou espeacutecies de

litiacutegios a soluccedilatildeo normal ndash o tradicional processo litigioso em Juiacutezo ndash pode natildeo ser o

melhor caminho para ensejar a vindicaccedilatildeo efetiva de direitosrdquo Continua com a

afirmaccedilatildeo de que ldquoa busca ha de visar reais alternativas (stricto sensu) aos juiacutezos

ordinarios e aos procedimentos usuaisrdquo Ao mencionar a importacircncia da conciliaccedilatildeo

arbitragem e mediaccedilatildeo em mateacuteria de conflitos salienta Cappelletti que ldquoha um novo

elemento consistente em que as sociedades modernas descobriram novas razotildees para

referir tais alternativasrdquo sendo que essas novas razotildees ldquoincluem a propria essecircncia do

movimento de acesso agrave Justiccedila a saber o fato de que o processo judicial agora eacute ou

deveria ser acessiacutevel a segmentos cada vez maiores da populaccedilatildeo aliaacutes ao menos

teoricamente a toda a populaccedilatildeordquo147

Analisando especificamente os gargalos do processo judicial que motivaram a opccedilatildeo

pelo caminho do acordo no acircmbito do desastre de Mariana Adams et al apontam ldquoa

dificuldade de realizaccedilatildeo de provas periciaisrdquo ldquoo elevado nuacutemero de meios de

impugnaccedilatildeo postos a disposiccedilatildeo dos reacuteusrdquo ldquoos dilatados prazos processuaisrdquo ldquoo grande

nuacutemero de recursosrdquo e ldquoa dificuldade no acompanhamento do cumprimento das

decisotildees judiciaisrdquo148

Os autores indicam ainda demandas coletivas de grande

repercussatildeo social e ambiental nas quais a via judicial natildeo se revelou apropriada para

uma soluccedilatildeo adequada mesmo apoacutes deacutecadas de tramitaccedilatildeo no Poder Judiciaacuterio 149

Iniciou-se entatildeo um processo de negociaccedilatildeo entre os entes federados e as empresas que

culminou na confecccedilatildeo do Termo de Transaccedilatildeo e de Ajustamento de Conduta ndash TTAC

em marccedilo de 2016 no qual constou como uma das motivaccedilotildees (ldquoconsiderandordquo) que

ldquoa autocomposiccedilatildeo eacute a forma mais ceacutelere e efetiva para resoluccedilatildeo da controveacutersiardquo

Conforme Adams et al ldquoa estruturaccedilatildeo da soluccedilatildeo consensual objetivava efetivar o real

direito a justiccedilardquo Visava ldquoassegurar uma agil e eficaz soluccedilatildeo para a controveacutersiardquo

ldquodesafogar o Poder Judiciariordquo e evitar ldquoa multiplicaccedilatildeo de accedilotildees idecircnticasrdquo150

Com o escopo de alcanccedilar a reparaccedilatildeo e a compensaccedilatildeo pelos danos decorrentes do

rompimento da barragem de Fundatildeo foram incluiacutedos no TTAC 42 (quarenta e dois)

programas socioambientais e socioeconocircmicos Os programas satildeo o ldquoconjunto de

medidas e de accedilotildees a serem executadas de acordo com um plano tecnicamente

146

BONIZZI M J M Estudo sobre os limites da contratualizaccedilatildeo do litiacutegio e do processo Revista de

Processo Satildeo Paulo v 269 jul 2017 p 139-140 147

CAPPELLETTI Mauro Os meacutetodos Alternativos de Soluccedilatildeo de Conflitos no Quadro do Movimento

Universal de Acesso agrave Justiccedila Revista de Processo Satildeo Paulo nordm 74 abr-jun94 p 87-88 148

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique Miguel

VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 p 56 149

Ibidem p 48-56 150

Ibidem p 57

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

100

fundamentado necessaacuterias agrave reparaccedilatildeo mitigaccedilatildeo compensaccedilatildeo e indenizaccedilatildeo pelos

danos socioeconocircmicosrdquo e pelos danos socioambientais151

Enquanto os programas reparatoacuterios ldquocompreendem medidas e accedilotildees de cunho

reparatoacuterio que tecircm por objetivo mitigar remediar eou reparar impactos

socioambientais e socioeconocircmicos advindos do eventordquo os programas compensatorios

ldquocompreendem medidas e accedilotildees que visam a compensar impactos natildeo mitigaacuteveis ou natildeo

reparaveisrdquo ldquopor meio da melhoria das condiccedilotildees socioambientais e socioeconocircmicas

das areas impactadasrdquo152

O planejamento e a gestatildeo das accedilotildees de reparaccedilatildeo e compensaccedilatildeo apresentam conforme

o acordo dois niacuteveis programas (primeiro niacutevel) de caraacuteter mais geral que precisam de

uma posterior confecccedilatildeo de projetos e projetos (segundo niacutevel) mais detalhados com

as formas caracteriacutesticas e meios para se atingir os objetivos do TTAC153

Essa divisatildeo

considerou a impossibilidade de delimitaccedilatildeo precisa no acordo das accedilotildees de grande

complexidade observando em especial que corriqueiramente natildeo existe apenas uma

soluccedilatildeo teacutecnica adequada e apta a ser previamente definida154

Em relaccedilatildeo agraves instacircncias de governanccedila que seratildeo tratadas mais detalhadamente abaixo

foram criados uma fundaccedilatildeo de direito privado e o Comitecirc Interfederativo-CIF

Acordou-se a instituiccedilatildeo de uma pessoa juriacutedica de direito privado sem fins lucrativos

sob a forma de fundaccedilatildeo que seria instituiacuteda pela Samarco pela BHP e pela Vale com

ldquoo objetivo de elaborar e executar todas as medidas previstas pelos programas

socioambientais e programas socioeconocircmicosrdquo155

Essa fundaccedilatildeo criada em agosto de

2016 foi denominada Renova e tem o papel de administrar com exclusividade os

recursos aportados pelas empresas instituidoras em cumprimento ao acordo156

Um dos nortes que culminaram no desenho dessa estrutura conforme seus

ldquoconsiderandosrdquo foi que o poder puacuteblico natildeo tinha o objetivo de arrecadar ldquovalores

mas a recuperaccedilatildeo do meio ambiente e das condiccedilotildees socioeconocircmicas da regiatildeordquo

Consta no acordo que a gestatildeo das accedilotildees para recuperar mitigar remediar reparar e

compensar os impactos nas esferas socioambiental e socioeconocircmica seratildeo realizadas de

maneira centralizada pela fundaccedilatildeo que tem estrutura proacutepria de governanccedila

fiscalizaccedilatildeo e controle o que tinha o objetivo de tornar mais eficiente as medidas de

enfrentamento agraves consequecircncias do desastre

Adams et al destacam que ldquoa ideia de se constituir uma fundaccedilatildeo privada buscou a

aproveitar a dinamicidade do mercado evitar lentos processos licitatoacuterios e favorecer a

151

Itens IX e X da Claacuteusula 1 do TTAC 152

Itens XVIII e XIX da Claacuteusula 1 do TTAC 153

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique Miguel

VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 p 92 154

Cf Ibidem p 92 155

Item XX da Claacuteusula 01 do TTAC 156

Claacuteusula 209 do TTAC

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

101

ceacutelere reparaccedilatildeo do dano ambientalrdquo Concluem com a afirmaccedilatildeo de que ldquoprocurou-se

aproveitar ao maximo o carater dinacircmico da iniciativa privadardquo157

Jaacute o Comitecirc Interfederativo-CIF eacute o ldquoespaccedilo de discussatildeo e deliberaccedilatildeordquo inspirado nos

ldquocomitecircs permanentes formados no acircmbito internacional para o acompanhamento da

execuccedilatildeo de tratados internacionaisrdquo158

O colegiado foi instituiacutedo como instacircncia

externa e independente da fundaccedilatildeo integrado em sua modelagem original apenas por

representantes do poder puacuteblico para atuar ldquocomo instacircncia de interlocuccedilatildeo permanente

da fundaccedilatildeo acompanhando monitorando e fiscalizando os seus resultadosrdquo159

Ao comitecirc caberaacute dentre outras atribuiccedilotildees definir diretrizes para elaboraccedilatildeo e

execuccedilatildeo de programas avaliar acompanhar monitorar e fiscalizar a elaboraccedilatildeo e a

execuccedilatildeo de programas acompanhar a execuccedilatildeo do acordo e validar os planos

programas e projetos apresentados pela Renova160

O CIF conta na atualidade com o apoio de 11 cacircmaras teacutecnicas temaacuteticas161

de caraacuteter

teacutecnico-consultivo criadas para auxiliar o comitecirc no desempenho de suas finalidades

aleacutem de uma Secretaria Executiva que cabe secretariar em caraacuteter permanente os

trabalhos do CIF e custodiar documentos dentre outras atividades

A respeito do CIF Adams et al anotam que no processo de modelagem do acordo

identificou-se a necessidade de criaccedilatildeo de uma instacircncia permanente de diaacutelogo entre a

fundaccedilatildeo e os oacutergatildeosentidades puacuteblicos com atribuiccedilatildeo de acompanhar as medidas de

reparaccedilatildeo e compensaccedilatildeo do desastre Anotam de um lado a imperatividade do diaacutelogo

interfederativo para ldquoafastar eventuais divergecircncias de posicionamentos na escolha das

providecircncias mais apropriadas para a soluccedilatildeo de cada um dos problemasrdquo e de outro

salientam que os oacutergatildeos puacuteblicos competentes dos entes federativos envolvidos

ldquoisoladamente natildeo possuem condiccedilotildees de acompanhar continuamente os programas

previstos no acordordquo162

Vecirc-se que o CIF natildeo almeja eliminar conflitos entre oacutergatildeos

puacuteblicos competentes em determinadas mateacuterias ldquomas favorece a harmonizaccedilatildeo dos

programas e minimiza os embatesrdquo 163

As atribuiccedilotildees dos oacutergatildeos e das entidades puacuteblicas conferidas pela legislaccedilatildeo natildeo foram

desconsideradas pelo TTAC no qual consta que o CIF ldquonatildeo afasta a necessidade de

157

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena et al op cit p 73-74 158

Ibidem p 80 159

Paraacutegrafo terceiro da Claacuteusula 242 do TTAC 160

Claacuteusula 245 do TTAC 161

Cacircmara Teacutecnica de Conservaccedilatildeo e Biodiversidade Cacircmara Teacutecnica de Restauraccedilatildeo Florestal e

Produccedilatildeo de Aacutegua Cacircmara Teacutecnica de Gestatildeo de Rejeitos e Seguranccedila Ambiental Cacircmara Teacutecnica de

Reconstruccedilatildeo e Recuperaccedilatildeo de Infraestrutura Cacircmara Teacutecnica de Seguranccedila Hiacutedrica e Qualidade da

Aacutegua Cacircmara Teacutecnica de Indiacutegena e Povos e Comunidades Tradicionais Cacircmara Teacutecnica de Sauacutede

Cacircmara Teacutecnica de Organizaccedilatildeo Social e Auxiacutelio Emergencial Cacircmara Teacutecnica de Participaccedilatildeo Diaacutelogo

e Controle Social Cacircmara Teacutecnica de Educaccedilatildeo Cultura Esporte Lazer e Turismo e Cacircmara Teacutecnica de

Economia e Inovaccedilatildeo 162

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique Miguel

VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 p 79 163

Ibidem p 79

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

102

obtenccedilatildeo das licenccedilas ambientais junto ao oacutergatildeo ambiental competente nem substitui a

competecircncia legalmente prevista dos orgatildeos licenciadores e demais orgatildeos puacuteblicosrdquo164

O TTAC previu ademais a criaccedilatildeo de um Painel Consultivo de Especialistas

(atualmente extinto) como uma instacircncia permanente e externa agrave fundaccedilatildeo para

ldquofornecer opiniotildees teacutecnicas natildeo-vinculantes para as partes com o objetivo de auxiliar na

busca de soluccedilotildees para divergecircncias existentesrdquo entre o CIF e a Renova que seria

constituiacutedo por 3 (trecircs) membros165

Somente em caso de persistecircncia de divergecircncias

apoacutes a manifestaccedilatildeo deste painel a mateacuteria poderia ser submetida ao Poder Judiciaacuterio

O Painel Consultivo de Especialistas correspondia a um meacutetodo consensual de soluccedilatildeo

de conflitos idealizado especificamente para o caso Samarco e com caracteriacutesticas

distintas dos meacutetodos usualmente adotados no Direito brasileiro (negociaccedilatildeo mediaccedilatildeo

e conciliaccedilatildeo) e no Direito estrangeiro (rente-a-judge baseball arbitration etc)166

Consta ainda a previsatildeo da auditoria externa independente com o papel de examinar o

cumprimento de metas e indicadores e auditar a contabilidade de cada um dos

programas do TTAC efetuando o controle de resultados A Claacuteusula 198 do acordo

impotildee que ldquotodas as atividades desenvolvidas pela fundaccedilatildeo estaratildeo sujeitas a auditoria

externa independente a ser realizada por empresa de consultoria dentre as 4 (quatro)

maiores empresas do ramo em atuaccedilatildeo no territorio nacionalrdquo

Nesse contexto acabou-se por efetuar na praacutetica por meio do TTAC um desenho de

sistema de disputas (dispute system design-DSD)167

especiacutefico para o desastre de

Mariana DSD que tem como referencial inicial no Direito norte-americano os estudos

de Ury Brett e Goldberg168

O desenho de sistemas de disputas envolve a construccedilatildeo de processo(s) para prevenir

gerir e resolver disputasconflitos O DSD implica na criaccedilatildeo de um produto especiacutefico

para a resoluccedilatildeo de um (ou mais) conflitos especiacuteficos e pode (ou natildeo) ser instituiacutedo a

partir do zero tornando-se personalizado a certo conflito

Smith e Martinez apontam que um ldquosistema de disputas abrange um ou mais processos

internos adotados para impedir gerenciar ou resolver um fluxo de litiacutegios relacionados a

uma organizaccedilatildeo ou instituiccedilatildeordquo 169

164

Paraacutegrafo segundo da Claacuteusula 242 do TTAC 165

Claacuteusula 246 do TTAC 166

Glossaacuterio de meacutetodos de resoluccedilatildeo consensual de conflitos ldquoGLOSSARY OF CONFLICT

RESOLUTION PROCESSESrdquo ldquoARBITRATION ADJUDICATION BASEBALL ARBITRATION

BOUNDED ARBITRATION ALTERNATIVE DISPUTE RESOLUTION (ADR) ARB-MED CASE

EVALUATION COLLABORATIVE LAW CONCILIATION COOPERATIVE LAW COURT-

ANNEXED ADR DISPUTE RESOLUTION BOARD (DRB) EARLY NEUTRAL EVALUATION

(ENE) FACILITATION FACT FINDING INTEGRATED CONFLICT MANAGEMENT SYSTEM

MEDIATION MED-ARB MINITRIAL NEGOTIATION NEUTRAL OMBUDS (ALSO

OMBUDSMAN OR OMBUDSPERSON) PARTNERING SETTLEMENT CONFERENCES

SUMMARY JURY OR BENCH TRIALrdquo In SMITH Stephanie MARTINEZ Janet An Analytic

Framework for Dispute Systems Design Harvard Negotiation Law Review Cambridge v 14 2009 p

165-169 167

Tambeacutem chamado de design de sistema de disputas e desenho de sistema de soluccedilatildeo de conflito 168

URY William BRETT Jeanne GOLDBERG Stephen Getting Disputes Resolved Designing

Systems to Cut the Costs of Conflict Cambridge Harvard Program on Negotiation 1993 201 p 169

SMITH Stephanie MARTINEZ Janet op cit p 126

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

103

Criou-se por meio do TTAC um sistema para a resoluccedilatildeo dos inuacutemeros conflitos

ligados ao desastre de Mariana com base em um regramento especiacutefico desenhado

considerando a complexidade e as peculiaridades intriacutensecas ao desastre como os

diretos que necessitam ser amparados pelo sistema construiacutedo os danos ocasionados

(presentes e futuros) a aacuterea impactada os atingidos e os entes puacuteblicos afetados

Sistema de gestatildeo que se daria por meio de um processo complexo marcado pela

atuaccedilatildeo dialeacutetica entre o Comitecirc Interfederativo e a Fundaccedilatildeo Renova

Foi assim efetuado um desenho para solucionar conflitos a respeito de direitos difusos

coletivos e individuais homogecircneos ligados agrave mateacuteria ambiental patrimocircnio sauacutede

cultura turismo lazer educaccedilatildeo dentre outros

O desenho do TTAC envolveu a criaccedilatildeo de duas instituiccedilotildees permanentes (Fundaccedilatildeo

Renova e CIF) a contrataccedilatildeo de auditoria independente e a previsatildeo da figura do Painel

de Especialistas e de regras para a submissatildeo em caraacuteter subsidiaacuterio da controveacutersia

(coletiva) surgida nesse sistema ao Poder Judiciaacuterio

Como anotam Bordone et al ldquoo designer muitas vezes cria um conjunto de processos

por exemplo mediaccedilatildeo e se natildeo resultar em acordo entatildeo arbitragem ou litiacutegio

judicialrdquo 170

sendo previsto esse conjunto de processos no acircmbito do TTAC

O acordo criou um processo iacutempar para a concretizaccedilatildeo de suas claacuteusulas e em que

foram previstos vaacuterios passos almejando a soluccedilatildeo extrajudicial de divergecircncias a

respeito de pontos dos programas projetos e accedilotildees de reparaccedilatildeo e compensaccedilatildeo e

apenas em casos excepcionais a submissatildeo do conflito ao Poder Judiciaacuterio

Um dos pontos mais relevantes e inovadores no Direito brasileiro no que toca ao

desenho do desastre de Mariana foi a criaccedilatildeo de uma entidade privada (Fundaccedilatildeo

Renova) que eacute identificada por Cabral e Zaneti Jr como uma entidade de infraestrutura

especiacutefica (claims resolution facilities) instituiacuteda para dar cumprimento agrave negoacutecio

juriacutedico (TTAC)171

Cabral e Zaneti Jr afirmam que as claims resolution facilities ldquosatildeo terceiros

responsaacuteveis pela implementaccedilatildeo total ou parcial da decisatildeo judicial ou da

autocomposiccedilatildeo muito embora tenham natureza privada ou mistardquo Continuamente

apontam que satildeo entidades (infraestrutura) ldquocriadas para processar resolver ou executar

medidas para satisfazer situaccedilotildees juriacutedicas coletivas que afetam um ou mais grupos de

pessoas que judicialmente seriam tratadas como milhares de casos individuais casos

repetitivos e accedilotildees coletivasrdquo172

170

BORDONE Robert C McEWEN Craig A ROGERS Nancy H SANDER Frank E Designing

Systems and Processes for Managing Disputes 2 ed New York Wolters Kluwer 2019 p 124 171

CABRAL Antocircnio do Passo ZANETI JR Hermes Entidades de infraestrutura especiacutefica para a

resoluccedilatildeo de conflitos coletivos as claims resolution facilities e sua aplicabilidade no brasil Revista de

Processo Satildeo Paulo v 287 jan 2019 p 449 172

Ibidem p 449

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

104

Essas entidades sugiram nos Estados Unidos da Ameacuterica e foram idealizadas em

decorrecircncia da ldquodificuldade das instituiccedilotildees judiciaacuterias de lidar com processos

complexosrdquo e ldquocom a massificaccedilatildeo de litigios individuaisrdquo173

Apesar de predominar na experiecircncia norte-americana ldquocasos em que se constituiu a

entidade de infraestrutura especiacutefica com o fim de indenizar as viacutetimas de alguma

lesatildeordquo conforme anotam Cabral e Zaneti Jr174

ldquoas facilities natildeo servem apenas para

direitos individuais homogecircneos mas tambeacutem para direitos difusos coletivos stricto

sensu e para a tutela das situaccedilotildees que caracterizem casos repetitivosrdquo175

A respeito dos fatores que levaram a instituiccedilatildeo da Renova Adams et al anotam que no

curso das negociaccedilotildees que culminaram na confecccedilatildeo do TTAC foram analisadas e

descartadas vaacuterias ideias ligadas a governanccedila da gestatildeo das medidas reparatoacuterias e

compensatoacuterias como a instituiccedilatildeo de um fundo puacuteblico ou privado e a criaccedilatildeo de uma

sociedade de propoacutesitos especiacuteficos (SPE) aleacutem da manutenccedilatildeo da obrigaccedilatildeo nas

empresas responsaacuteveis judicialmente pelo dano (Samarco BHP e Vale)176

Conforme narrado por Adams et al a constituiccedilatildeo de uma pessoa juriacutedica de direito

privado para a efetivaccedilatildeo das accedilotildees de reparaccedilatildeo e compensaccedilatildeo nasceu a partir de

quatro constataccedilotildees essenciais A primeira constataccedilatildeo foi que uma empresa (proacutepria

Samarco ou SPE) ldquocom finalidade exclusivamente empresarial natildeo conseguiria a

contento levar a cabo as accedilotildees necessaacuterias agrave complexa tarefa de reparar e compensar o

desastre ambiental decorrente do rompimento das barragensrdquo A segunda constataccedilatildeo

foi ldquoque se o poder puacuteblico assumisse as accedilotildees concretas necessaacuterias para reparar os

danos advindos do desastre poderia assim atrair para si a responsabilidade inerente aos

causadores da trageacutediardquo Em terceiro lugar constatou-se ldquoque seriam necessarias a

afetaccedilatildeo e destinaccedilatildeo de valores significativos dissociados do patrimocircnio da Samarcordquo

No mais viu-se ldquoque a extensatildeo e a complexidade da trageacutedia demandavam a

modelagem de instrumentos de interlocuccedilatildeo e a participaccedilatildeo dos cidadatildeos da sociedade

civil de instituiccedilotildees acadecircmicas e dos entes puacuteblicosrdquo177

A proacutepria Fundaccedilatildeo Renova acabou para Faleck178

por criar um desenho de sistema de

disputas especiacutefico para a indenizaccedilatildeo dos impactados que envolve diferentes

categorias de danos

O TTAC previu que a fundaccedilatildeo ldquodeveria elaborar e executar um programa de

ressarcimento e de indenizaccedilotildees por meio de negociaccedilatildeo coordenada destinado a

173

Ibidem p 450 174

Ibidem p 452 175

Ibidem p 452-453 176

Cf sobre o tema ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique

Miguel VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 p 71-73 177

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique Miguel

VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 p 73 178

FALECK Diego Desenho de sistemas de disputas e o rompimento das barragens de Fundatildeo e

Santareacutem Programa de Indenizaccedilatildeo Mediada (PIM) Revista da Defensoria Puacuteblica do Estado de Minas

Gerais Belo Horizonte n 2 nov 2017 p 13

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

105

reparar e indenizar os impactadosrdquo179

tendo iniacutecio apoacutes aprovaccedilatildeo pelo CIF do

denominado posteriormente Programa de Indenizaccedilatildeo Mediada ndash PIM no acircmbito do

qual foi utilizado do DSD conforme Faleck180

Ao tratar do PIM Faleck menciona que a resposta para ldquoevitar o alto incide de

judicializaccedilatildeo de demandas e com o objetivo de proporcional uma resposta efetiva para

a populaccedilatildeo e para sociedaderdquo foi a estruturaccedilatildeo de um programa de indenizaccedilatildeo

especiacutefico (PIM) e opcional para os benefiacutecios das viacutetimas baseado nos conceitos de

DSD que a finalidade de ldquo(i) identificar os legitimados a receber indenizaccedilatildeo (ii)

atendecirc-los e ouvi-los (iii) verificar seus documentos e informaccedilotildees (iv) calcular o valor

da indenizaccedilatildeo e em caso de acordo entre as partes (v) efetuar o pagamentordquo Esse

programa optou pelo lsquouso da mediaccedilatildeo como o meacutetodo consensual adequado para

possibilitar o tratamento digno dos impactados e a certeza da realizaccedilatildeo do conceito de

ldquoJusticcedila Procedimentalrdquorsquo 181

Finalizando as consideraccedilotildees iniciais a respeito dessa primeira fase de soluccedilatildeo

coordenada do caso Samarco satildeo apresentadas trecircs grandes caracteriacutesticas do TTAC

ligadas ao processo de reparaccedilatildeocompensaccedilatildeo do desastre

Em primeiro lugar esse acordo deu o pontapeacute inicial do processo coordenado para

recuperar e compensar os danos nas aacutereas socioeconocircmica e socioambiental advindos

do rompimento do desastre de Mariana

Em segundo lugar ele eacute o alicerce do processo de reparaccedilatildeocompensaccedilatildeo do desastre

ateacute a atualidade pois o acordo eacute utilizado como a base juriacutedica para amparar as accedilotildees

nas aacutereas socioeconocircmico e socioambiental servindo inclusive para amparar as

decisotildees proferidas pelo Poder Judiciaacuterio

Por fim o TTAC eacute elaacutestico ao ponto de permitir avanccedilos e mutaccedilotildees sem a interferecircncia

de atores exoacutegenos ao sistema por ele criado e gerido Como exemplo pode-se citar a

revisatildeo de ofiacutecio do acordo e a determinaccedilatildeo de inclusatildeo de aacutereas impactadas por meio

de deliberaccedilotildees do CIF182

Aleacutem do mais a ideia primitiva no acordo era que natildeo cabia

ao CIF elaborar projetos mas apenas validar os programas e projetos apresentados pela

Renova No entanto com o tempo o CIF tomou a iniciativa de orientar a elaboraccedilatildeo de

programas e a contrataccedilatildeo de estudos e pesquisas pela fundaccedilatildeo

Apresentado o desenho inicial do processo de reparaccedilatildeocompensaccedilatildeo

ambientalsocialeconocircmico idealizado pelo TTAC passa-se a anaacutelise das alteraccedilotildees

nesse processo ocorrida posteriormente

3 TAC-GOV ALINHAMENTO DAS FUNCcedilOtildeES ESSENCIAIS Agrave JUSTICcedilA E

AMPLIACcedilAtildeO DA PARTICIPACcedilAtildeO DOS ATINGIDOS

179

Claacuteusula 31 do TTAC 180

FALECK Diego op cit p 13-15 181

Ibidem p 13 182

Anota-se que a discussatildeo a respeito das divergecircncias da Fundaccedilatildeo Renova quanto agraves deliberaccedilotildees do

CIF natildeo seraacute abordada neste artigo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

106

O modelo de governanccedila desenhado inicialmente foi objeto de criacuteticas por parte dos

atores judiciais e da sociedade183

criacuteticas que tem relaccedilatildeo com a conflituosidade e a

complexidade do caso Samarco Uma das principais objeccedilotildees a respeito do modelo

idealizado no TTAC era ligada agrave necessidade de participaccedilatildeo popular no processo de

reparaccedilatildeo do desastre de Mariana

O desenho inicial de participaccedilatildeo popular no processo de tomada de decisotildees a respeito

dos programas projetos e accedilotildees conforme o TTAC ocorreria aleacutem da natural

representaccedilatildeo participativa184

no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro - por meio da

atuaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos designados pelos chefes e auxiliares diretos dos governos

federal estaduais e municipais democraticamente eleitos como representantes do povo-

por meio do Conselho Consultivo da Fundaccedilatildeo Renova185

e de suas demais instacircncias

internas e do CIF observando ainda as regras do programa de Comunicaccedilatildeo

Participaccedilatildeo Diaacutelogo e Controle Social (Claacuteusulas 59 agrave 72)

A participaccedilatildeo social permeia o TTAC verificando-se em seus ldquoconsiderandosrdquo ldquoa

necessidade de assegurar aos impactados incluindo as pessoas fiacutesicas e juriacutedicas

comunidades e movimentos sociais organizados a participaccedilatildeo social na discussatildeo e

acompanhamento das accedilotildees previstas no presente Acordordquo ldquoa necessidade de dar acesso

agrave informaccedilatildeo ampla transparente e puacuteblica em linguagem acessiacutevel adequada e

compreensiva a todos os interessados como condiccedilatildeo necessaacuteria agrave participaccedilatildeo social

esclarecidardquo e a ldquonecessidade de criar canais de comunicaccedilatildeo e interaccedilatildeo com a

sociedade em espaccedilos fixos ou itinerantes com a instituiccedilatildeo de mesa de diaacutelogo e

criaccedilatildeo e manutenccedilatildeo de espaccedilos dialogais com as comunidadesrdquo

Visando aperfeiccediloar a governanccedila prevista no acordo de 2016 foi firmado em 2018 o

Termo de Ajustamento de Conduta - Governanccedila (TAC-Gov) Esse novo termo buscou

ldquoaprimorar o sistema de governanccedila previsto no TTAC agregando maior participaccedilatildeo

qualidade e complexidade ao processo de tomada de decisatildeo bem como a necessidade

de evitar impactos nos prazos de implementaccedilatildeo dos PROGRAMASrdquo reforccedilando a

obrigaccedilatildeo de contrataccedilatildeo de assessorias teacutecnicas independentes para auxiliar agraves pessoas

grupos sociais e comunidades atingidos jaacute prevista no aditivo ao Termo de Ajuste

Preliminar-TAP (ldquoassessorias teacutecnicasrdquo) celebrado pelas empresas e pelo Ministeacuterio

Puacuteblico Federal em 2017

183

Cf sobre o tema ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique

Miguel VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 Capiacutetulo 8 184

ldquoDemocracia indireta chamada democracia representativa eacute aquela na qual o povo fonte primaria do

poder natildeo podendo dirigir os negoacutecios do Estado diretamente em face da extensatildeo territorial da

densidade demograacutefica e da complexidade dos problemas sociais outorga as funccedilotildees de governo aos seus

representantes que elege periodicamenterdquo (SILVA Joseacute Afonso da Curso de Direito Constitucional

Positivo 16 ed Satildeo Paulo Malheiros p 140) 185

O Conselho Consultivo composto desde sua formataccedilatildeo inicial por representantes das comunidades

impactadas eacute um orgatildeo de assessoramento da fundaccedilatildeo integrante de sua estrutura que pode ldquoopinar

sobre planos programas e projetos e indicar propostas de soluccedilatildeo para os cenaacuterios presentes e futuros

decorrentes do carater dinacircmico dos danos causados pelo rompimento das barragensrdquo (Clausula 217 do

TTAC)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

107

O TAC-Gov eacute um marco relevante no processo de reparaccedilatildeo do desastre podendo ser

reconhecido como uma segunda fase do processo de soluccedilatildeo de conflitos ligados ao

caso Samarco

Um dos pontos mais emblemaacuteticos do TAC-Gov eacute o fato dele ter sido firmado por todos

os signataacuterios do TTAC pelos Ministeacuterios Puacuteblicos Federal e dos Estados de MG e do

ES e pelas Defensorias Puacuteblicas da Uniatildeo e dos Estados de MG e do ES agregando

assim todas as funccedilotildees essenciais agrave Justiccedila e os entes federados na busca coordenada de

soluccedilotildees para as difiacuteceis e complexas accedilotildees necessaacuterias para fazer frente as

consequecircncias nefastas e dinacircmicas do desastre com a consequente superaccedilatildeo das

principais criacuteticas anteriormente feitas ao TTAC

O TAC-Gov tem como objetivos ldquoa alteraccedilatildeo do processo de governanccedila previsto no

TTAC para definiccedilatildeo e execuccedilatildeo dos programas projetos e accedilotildees que se destinam agrave

reparaccedilatildeo integral dos danosrdquo ldquoo aprimoramento de mecanismos de efetiva participaccedilatildeo

das pessoas atingidas pelo rompimento da Barragem de Fundatildeo em todas as etapas e

fasesrdquo do TTAC e do TAC-Gov e ldquoo estabelecimento de um processo de negociaccedilatildeo

visando a eventual repactuaccedilatildeo dos programasrdquo

Ainda que o TTAC natildeo tenha sido ratificado expressamente foram mantidos a essecircncia

da estrutura de governanccedila e de financiamento com melhorias e os programas do

acordo de 2016 programas que seratildeo repactuados no prazo de 24 meses da

homologaccedilatildeo do TAC-Gov

O r acordo de 2018 sofreu nitidamente a influecircncia da doutrina ligada aos processos

estruturais que defende a ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo popular devido agrave complexidade e a

multipolaridade que usualmente caracteriza esses processos aleacutem da potencialidade de

que as decisotildees atinjam relevante nuacutemero de indiviacuteduos186

Nesse sentido Arenhart

salienta que ldquoa intervenccedilatildeo da comunidade envolvida eacute fundamental para que a soluccedilatildeo

obtida realmente espelhe os anseios sociaisrdquo e que ldquoimpotildee-se a estruturaccedilatildeo de

mecanismos de fiscalizaccedilatildeo e dialogo na implementaccedilatildeo das soluccedilotildees obtidasrdquo 187

O TAC-Gov estabeleceu a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de representantes no CIF com a

introduccedilatildeo de participaccedilatildeo dos atingidos ou teacutecnicos por eles indicados no CIF a

inclusatildeo de membros indicados dentre os atingidos ou teacutecnicos no Conselho Curador da

Renova e o aumento do nuacutemero de atingidos no Conselho Consultivo

Aleacutem do mais foram previstas duas instacircncias de participaccedilatildeo dos impactados

consubstanciadas nas comissotildees locais e nas cacircmaras regionais As comissotildees locais

formadas voluntariamente por atingidos foram reconhecidas como ldquointerlocutoras

legiacutetimas no acircmbito das questotildees atinentes agrave participaccedilatildeo e governanccedila do processo de

reparaccedilatildeo integral dos danos decorrentes do rompimento da Barragem de Fundatildeordquo188

Essas comissotildees tem dentre outras atribuiccedilotildees de formular propostas criacuteticas e

sugestotildees sobre a atuaccedilatildeo do CIF de suas cacircmaras teacutecnicas e das accedilotildees dos programas

186

DIDIER JR Fredie ZANETI JR Hermes OLIVEIRA Rafael Alexandria de Elementos para uma

teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro Revista de Processo Satildeo Paulo v 303

p 45-81 maio 2020 versatildeo eletrocircnica 187

ARENHART Sergio Cruz Decisotildees estruturais no direito processual civil brasileiro Revista de

Processo Satildeo Paulo v 225 p 389-410 2013 188

Claacuteusula Oitava do TAC-Gov

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

108

Ja as cacircmaras regionais satildeo instacircncias de ldquoparticipaccedilatildeo das pessoas atingidas no

processo de reparaccedilatildeo integral dos danos decorrentes do rompimento da Barragem de

Fundatildeordquo189

As cacircmaras regionais natildeo tem hierarquia sobre as comissotildees locais e podem

propor alteraccedilotildees dos programas e projetos destinados a reparaccedilatildeo dos danos no acircmbito

regional de abrangecircncia de cada cacircmara190

As partes concordaram ainda em criar um foacuterum de observadores de natureza

consultiva como uma instacircncia externa de participaccedilatildeo e controle social com a

participaccedilatildeo da sociedade civil dos atingidos e de grupos acadecircmicos que tem como

objetivo ldquoacompanhar os trabalhos e analisar os resultados dos diagnoacutesticos e das

avaliaccedilotildees realizados pelos experts do Ministeacuterio Puacuteblico e acompanhar os trabalhos da

fundaccedilatildeordquo facultada a apresentaccedilatildeo de criticas e sugestotildees191

Foram entatildeo previstas especificamente no TTAC e no TAC-Gov 5 (cinco) instacircncias

externas de acompanhamento das accedilotildees da Renova com diferentes papeacuteis quais sejam

CIF auditoria externa foacuterum de observadores comissotildees locais e cacircmaras regiotildees Isso

somado agraves instacircncias de fiscalizaccedilatildeo das medidas de reparaccedilatildeo ambiental e social

previstas na legislaccedilatildeo consubstanciadas no Ministeacuterio Puacuteblico na Defensoria Puacuteblica

e nos entes puacuteblicos

Aleacutem do mais o painel consultivo de especialistas como instacircncia preacutevia agrave atuaccedilatildeo do

Judiciaacuterio que nunca chegou a ser acionado acabou por ser extinto O processo de

soluccedilatildeo de conflitos no acircmbito do coletivo foi abreviado passando portanto a ter duas

etapas 1) CIF x Renova com a participaccedilatildeo das comissotildees e cacircmaras regionais e 2)

Poder Judiciaacuterio

Por fim o TAC-Gov previu um processo de repactuaccedilatildeo dos programas

socioambientais e socioeconocircmicos para reparaccedilatildeo integral dos danos decorrentes do

rompimento da barragem de Fundatildeo a ser realizado no prazo de 24 meses contados da

homologaccedilatildeo do acordo Essa repactuaccedilatildeo dos programas soma-se as regras de revisatildeo

ordinaacuteria (trienal) e extraordinaacuteria (mediante acordo das partes) constantes no TTAC

O processo de renegociaccedilatildeo dos diferentes aspectos do TTAC foi entatildeo separado em

duas fases A primeira jaacute concluiacuteda em 2018 envolvia a adaptaccedilatildeo da governanccedila e as

regras para a repactuaccedilatildeo dos programas A segunda eacute a efetiva renegociaccedilatildeo dos

programas do TTAC ainda pendente

Como pode ser observado o desenho inicial do TTAC sofreu algumas adaptaccedilotildees por

meio de negociaccedilotildees diretas entre as partes interessadas mas sem desnaturar o acordo

originaacuterio

Aliaacutes jaacute era antevisto essa possibilidade de adaptaccedilotildees no momento da construccedilatildeo do

TTAC Essa perspectiva de evoluccedilotildees no acordo sempre foi aventada como anotam

Adams et al segundo os quais ldquoo TTAC foi modelado para permitir avanccedilosrdquo Para os

autores ldquoeventuais ganhos para a sociedade por meio de ampliaccedilotildees das obrigaccedilotildees das

empresas e do aprofundamento dos mecanismos de controlefiscalizaccedilatildeo das atividades

189

Claacuteusula Vigeacutesima Nona do TAC-Gov 190

Claacuteusula Trigeacutesima do TAC-Gov 191

Claacuteusula Deacutecima Nona do TAC-Gov

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

109

da Fundaccedilatildeo sempre seriam bem-vindosrdquo Concluem com a afirmaccedilatildeo de que o acordo

de 2016 ldquonunca afastou a possibilidade de serem adotadas providecircncias complementares

pelo Ministeacuterio Puacuteblico e pelos cidadatildeos natildeo servindo de empecilho para nenhum

processo de convergecircncia e de repactuaccedilatildeo parcialrdquo192

Como salienta Bordone et al ao tratarem do DSD ldquoprocessos satildeo fluidos e precisam

frequentemente ser adaptados a novas situaccedilotildeesrdquo193

E foi exatamente o que ocorreu no

curso do caso Samarco em que verificou-se a necessidade de adaptaccedilatildeo de regras do

acordo primitivo devido agraves dificuldades (e as proacuteprias criacuteticas) enfrentadas culminando

nas alteraccedilotildees levadas a efeito pelo TAC-Gov

Analisado o desenho criado no acircmbito dos acordos extrajudiciais celebrados por meio

de autocomposiccedilatildeo entre os interessados inicia-se a seguir o exame da mais nova

etapa de soluccedilatildeo de conflitos no acircmbito do caso Samarco

4 DA AMPLIACcedilAtildeO DO PAPEL DO JUDICIAacuteRIO NO CONTEXTO DO CASO

SAMARCO

A judicializaccedilatildeo de questotildees afetas ao desastre foi evitada ao menos pelos entes

federados desde o rompimento da barragem de Fundatildeo Como apontado anteriormente

buscou-se a resoluccedilatildeo de conflitos pela via extrajudicial com a celebraccedilatildeo do TTAC e

do TAC-Gov que tinham um processo coordenado de reparaccedilatildeo socioeconocircmico e

socioambiental com regras proacuteprias de soluccedilatildeo de divergecircncias

As demandas coletivas do desastre foram concentradas por forccedila das regras

processuais na 12ordf Vara Federal Ciacutevel de Minas Gerais cabendo ao magistrado com

atuaccedilatildeo na referida unidade judicial natildeo apenas cuidar das accedilotildees coletivas propostas

pelos entes federados e pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal mas por diversas outras accedilotildees

No que interessa ao processo de soluccedilatildeo coordenado do desastre de Mariana que tem

como participantes os entes federados e as funccedilotildees essenciais agrave Justiccedila de um lado e a

Fundaccedilatildeo Renova e as empresas Samarco BHP e Vale de outro ocorreram em um

primeiro momento atuaccedilotildees pontuais do Poder Judiciaacuterio Em especial ocorreu a

submissatildeo de deliberaccedilotildees especiacuteficas do CIF ao exame do Poder Judiciaacuterio Essas

manifestaccedilotildees judiciais eram pontuais e estavam alicerccediladas no proacuteprio desenho

construiacutedo no TTAC com as posteriores modificaccedilotildees do TAC-Gov

Ocorre que a partir do final de 2019 pode-se identificar uma modificaccedilatildeo na postura dos

entes federados e das funccedilotildees essenciais agrave Justiccedila194

que ateacute entatildeo buscavam a

192

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique Miguel

VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa concertada como melhor

alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do desastre de Mariana Belo Horizonte Foacuterum

2019 p 143 193

BORDONE Robert C McEWEN Craig A ROGERS Nancy H SANDER Frank E Designing

Systems and Processes for Managing Disputes 2 ed New York Wolters Kluwer 2019 p 128 194

Os entes federados por intermeacutedio de suas Advocacias Puacuteblicas as Defensorias Puacuteblicas e os

Ministeacuterios Puacuteblicos satildeo corriqueiramente denominados de partes integrantes do Sistema de Justiccedila no

acircmbito do caso Samarco

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

110

resoluccedilatildeo de questotildees coletivas na esfera extrajudicial seja por intermeacutedio do sistema

CIF seja por intermeacutedio de tratativas diretas com a Renova Nova postura caracterizada

pela submissatildeo de pontos relevantes atinentes ao caso Samarco para deliberaccedilatildeo ou

homologaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio que somadas agrave decisatildeo judicial sobre o pleito de

atingidos em mateacuteria indenizatoacuteria marcam uma nova fase do processo de construccedilatildeo

de soluccedilotildees para o desastre

A inovaccedilatildeo nessa nova fase pode ser identificada em 3 (trecircs) conjuntos de decisotildees

proferidas nos processos judiciais atinentes ao caso Samarco que podem ser agrupadas

da seguinte forma eixos temaacuteticos indenizaccedilotildees para os atingidos e homologaccedilotildees

judiciais de acordos para o cumprimento de decisotildees do CIF

Pode-se apontar como o embriatildeo da fase de resoluccedilatildeo judicial dos conflitos a

manifestaccedilatildeo conjunta da Advocacia-Geral da Uniatildeo e da Advocacia-Geral do Estado

de Minas Gerais na qual requereram ao Poder Judiciaacuterio a designaccedilatildeo de audiecircncias

para tratamento adequado de temas relacionados aos programas de reparaccedilatildeo e

indenizaccedilatildeo do desastre de Mariana

Jaacute o primeiro passo concreto desta nova etapa foi a audiecircncia realizada em outubro de

2019 na accedilatildeo civil puacuteblica proposta pelos entes federados que envolvia a pauta

ambiental do Estado de Minas Gerais Na r oportunidade apresentou-se uma proposta

de cronograma homologada pelo juiacutezo para as partes integrantes do Sistema de Justiccedila

e as empresasFundaccedilatildeo Renova procedessem negociaccedilotildees diretas para formar eixos

temaacuteticos a serem tratados posteriormente como prioritaacuterios no acircmbito do processo

judicial Foi designada nova audiecircncia para (dezembro2019) as partes apresentarem ldquoos

eixos temaacuteticos definidos como prioritaacuterios eventuais acordos e na hipoacutetese de natildeo

haver acordo os pontos controversosrdquo que seriam apreciados pelo juizo Nesta

oportunidade tambeacutem seria apresentada a proposta relacionada aos temas ldquoCadastrosrdquo e

ldquoIndenizaccedilotildeesrdquo

Os eixos envolvem mateacuterias relevantes imperiosas e prioritaacuterias para a construccedilatildeo de

respostas adequadas para as consequecircncias advindas do rompimento da barragem de

Fundatildeo almejando concretizar accedilotildees lastreadas no TTAC

Os fundamentos que ensejaram essa adoccedilatildeo foram sintetizados na decisatildeo judicial

proferida pela 12ordf Vara Federal Ciacutevel de Minas Gerais que apreciou a peticcedilatildeo conjunta

apresentada pelas funccedilotildees essenciais agrave Justiccedila que juntou as planilhas contendo os eixos

e seus itens Consta na r peticcedilatildeo que a iniciativa ldquose deu no contexto (puacuteblico e notorio)

de que as accedilotildees e programas estabelecidos no acircmbito do processo reparatoacuterio do

desastre de Mariana natildeo estavam atendendo de forma plena justa e satisfatoacuteria aos

anseios da sociedaderdquo e que os ldquoprocedimentos tracircmites burocraacuteticos e programas

reparatoacuterios em curso no Sistema CIF natildeo estava funcionando adequadamente para

determinados eixosrdquo 195

Extrapola ao tema proposto no presente artigo estudar as deficiecircncias e os acertos do

modelo idealizado de governanccedila no TTAC e alternado no TAC-Gov mas pode-se

identificar na linha do citado acima alguns elementos que motivaram a submissatildeo de

determinadas questotildees ao Poder Judiciaacuterio como a necessidade de dar celeridade agrave

195

Decisatildeo judicial proferida em 19 de dezembro de 2019 que homologa a planilha de consenso

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

111

execuccedilatildeo de certos programas a busca da superaccedilatildeo de gargalos no processo de

construccedilatildeo de programas e projetos garantir o cumprimento (ldquoenforcementrdquo) de

deliberaccedilotildees do CIF a dificuldade de superaccedilatildeo de determinadas divergecircncias na esfera

extrajudicial e a imperiosidade de abreviar o processo de construccedilatildeo de soluccedilotildees para

certos temas

Quanto agrave adequaccedilatildeo da soluccedilatildeo judicial para a superaccedilatildeo de temas especiacuteficos consta

na mencionada decisatildeo judicial que lsquoa experiecircncia adquirida com o Caso Samarco

evidencia que determinados temas - dada a sua sensibilidade e o alto grau de

divergecircncia juriacutedica e teoacuterica entre os players envolvidos - natildeo satildeo passiacuteveis de

composiccedilatildeo amigavelrsquo

O objetivo da submissatildeo dos itens ao Poder Judiciaacuterio estaacute relacionado agrave procura dos

ldquocaminhos necessarios para que as accedilotildees e programas sejam efetivamente executados e

implementados pela FUNDACcedilAtildeO RENOVA permitindo que a sociedade obtenha do

sistema de justiccedila uma resposta jurisdicional ceacutelere adequada e eficazrdquo 196

Em trato contiacutenuo as instituiccedilotildees que capitanearam o TTAC e o TAC-Gov deram

iniacutecio as tratativas internas e com a Renova em uma seacuterie de reuniotildees Nas rodadas de

negociaccedilotildees extrajudiciais acabou por serem formuladas propostas de 8 (oito) eixos

temaacuteticos (eixos prioritaacuterios)197-198

intitulados ldquoRecuperaccedilatildeo ambiental extra e intra

calhardquo (eixo 1) ldquoRisco a sauacutede humana e risco ecologicordquo (eixo 2) ldquoReassentamento

das comunidades atingidasrdquo (eixo 3) ldquoInfraestrutura e desenvolvimentordquo (eixo 4)

ldquoRetorno operacional da hidreleacutetrica Risoleta Nevesrdquo (eixo 5) ldquoMediccedilatildeo de

performance e acompanhamentordquo (eixo 6) ldquoRetomada das atividades econocircmicasrdquo

(eixo 8) e ldquoAbastecimento de agua para consumo humanordquo (eixo 9)199

Os itens que compotildeem os eixos foram embasados nas obrigaccedilotildees assumidas pelas

empresas no TTAC e observaram a fase de tramitaccedilatildeo dos programas e dos projetos no

acircmbito do Sistema CIF e as dificuldades enfrentadas para a conclusatildeo destes

projetosprogramas Foram priorizados os programasprojetos que poderiam ser

executados em curto e meacutedio prazo que se encontravam em fase mais avanccedilada e que

poderiam receber uma soluccedilatildeo concreta e mais efetiva por meio da atuaccedilatildeo do

Judiciaacuterio

Esses eixos encontram-se em andamento tornando-se oportuno salientar que essa

proposta de soluccedilatildeo por meio da atuaccedilatildeo judicial eacute somada ao trabalho desempenhado

pelo CIF que participa do sistema formado pelos eixos temaacuteticos por meio de

manifestaccedilotildees de caraacuteter teacutecnico-opinativo podendo apresentar consideraccedilotildees faacuteticas

juriacutedicas e teacutecnicas pertinentes sobre os estudos avaliaccedilotildees projetos relatoacuterios

cronogramas propostas conclusotildees planos de accedilatildeo e planos de execuccedilatildeo expostos pela

196

Trecho da decisatildeo judicial proferida em 19 de dezembro de 2019 197

O Eixo 7 relacionada aos ldquoCadastros e Indenizaccedilotildeesrdquo acabou por ser retirado da mesa de

negociaccedilotildees de maneira natildeo foi levado agrave apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio na audiecircncia realizada no mecircs de

dezembro de 2019 198

Abstrai-se aqui de divergecircncias entre os atores do Sistema da Justiccedila a respeito em relaccedilatildeo aos eixos

prioritaacuterios 199

Posteriormente agrave apresentaccedilatildeo desses eixos o Poder Judiciaacuterio determinou a abertura de mais 3

processos judiciais especiacuteficos correspondentes aos denominados eixos prioritaacuterios nordms 10 (Contrataccedilatildeo

de Assessorias Teacutecnicas) 11 (Accedilotildees de Sauacutede ndash Fundo de 150 milhotildees) e 12 (Portaria IEF nordm 402017 ndash

prorrogaccedilatildeo de prazo ndash quesitos)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

112

Fundaccedilatildeo Renova Aliaacutes o CIF definiu regras especificas para anaacutelise dos temas afetos

aos eixos prioritaacuterios criando um fluxo especial para se exame conforme Deliberaccedilatildeo

nordm 3692019

Caberaacute ao Poder Judiciaacuterio proferir as deliberaccedilotildees finais a respeito dos eixos o que eacute

natural jaacute que os temas foram submetidos agrave apreciaccedilatildeo judicial mas o processo tem a

interferecircncia do CIF nos moldes expostos acima

Paralelamente a esses eixos a Justiccedila Federal de Minas Gerais proferiu em julho de

2020 relevante decisatildeo a respeito de tema tortuoso e que ainda pende de uma soluccedilatildeo

satisfatoacuteria consubstanciado na indenizaccedilatildeo de atingidos 200

Aleacutem da judicializaccedilatildeo relacionada especificamente agrave indenizaccedilatildeo decorrente da

suspensatildeo do fornecimento de aacutegua potaacutevel em razatildeo do rompimento da barragem de

Fundatildeo ocorreram negociaccedilotildees coletivas e subsequentes acordos para o pagamento de

indenizaccedilotildees para grupos especiacuteficos na esfera extrajudicial o que se deu com o

intermeacutedio da atuaccedilatildeo das Defensorias Puacuteblicas e dos Ministeacuterios Puacuteblicos e

negociaccedilotildees individuais com atingidos por meio do PIM levado a efeito pela Renova

Ocorre que ainda existe um excessivo passivo de atingidos que natildeo receberam

indenizaccedilotildees sendo que a supracitada decisatildeo judicial eacute a primeira a tratar do tema

indenizaccedilatildeo de maneira coletiva

No referido processo a comissatildeo de atingidos do Municiacutepio de Baixo GuanduES

requereu judicialmente providecircncias para implementar ldquoo mais rapido possivel o

pagamento integral das Indenizaccedilotildees Lucros Cessantes e Auxiacutelios Financeiros

Emergenciaisrdquo para diferentes categorias (pescadores revendedores de

pescadocomerciantes artesatildeos areeiros carroceiros agricultores produtores rurais

ilheiros lavadeiras e associaccedilotildees em geral) O Poder Judiciaacuterio definiu a matriz de

danos e julgou procedente o pedido para ldquoestabelecer o sistema indenizatorio

simplificado de adesatildeo facultativa e presenccedila obrigatoacuteria de advogado com sua

correspondente matriz de danosrdquo resolvendo parcialmente o meacuterito quanto as categorias

contempladas na matriz

Essa decisatildeo pode ser o marco de iniacutecio da soluccedilatildeo definitiva a respeito da indenizaccedilatildeo

dos atingidos superando gargalos na execuccedilatildeo do PIM

Finalizando o toacutepico referente a esta nova fase marcada pela judicializaccedilatildeo de mateacuterias

afetas ao desastre de Mariana destaca-se que os entes federados (Estados do Espiacuterito

Santo e de Minas Gerais e Municiacutepios capixabas e mineiros) e a Fundaccedilatildeo Renova

submeterem em meados de 2020 agrave homologaccedilatildeo judicial acordos firmados em

cumprimento de deliberaccedilotildees do CIF Tratam-se de acordos referentes as deliberaccedilotildees

do CIF nordms 3772020 3862020 e 3882020 e 3902020 que envolvem a execuccedilatildeo de

trechos rodoviaacuterios nos Estados do Espiacuterito Santo e Minas Gerais (infraestrutura

rodoviaacuteria) a estruturaccedilatildeo de Hospital Regional no Municiacutepio de Governador Valadares

e o fortalecimento da educaccedilatildeo em acircmbito estadual e municipal

200

Processo nordm 1016742-6620204013800

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

113

Pode-se pontuar trecircs grandes peculiaridades em relaccedilatildeo a esses acordos A primeira eacute a

transferecircncia de recursos pela Renova para a execuccedilatildeo dos programas ligados a

aparatos puacuteblicos pelos proacuteprios entes federados Isso implica em uma mudanccedila ainda

que pontual do desenho inicial do TTAC em que todos os programas projetos e accedilotildees

ligadas ao caso Samarco seriam executados pela Fundaccedilatildeo Renova201

alteraccedilatildeo que estaacute

ligada em especial agrave demora na execuccedilatildeo de determinadas accedilotildees pela fundaccedilatildeo A

segunda peculiaridade eacute a submissatildeo do acordo agrave homologaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio o

que corresponde a inovaccedilatildeo no acircmbito do caso Samarco homologaccedilatildeo que natildeo se

revelava necessaacuteria para gerar obrigaccedilatildeo entre as partes mas que foi uma opccedilatildeo de

consenso entre os signataacuterios A uacuteltima peculiaridade eacute a fiscalizaccedilatildeo e

acompanhamento do uso dos recursos pelo Poder Judiciaacuterio que aleacutem do mais teraacute o

papel de liberar os recursos para os entes federados apoacutes o depoacutesito pela Renova em

conta judicial Essa fiscalizaccedilatildeo se daacute paralelamente ao acompanhamento do

cumprimento das referidas deliberaccedilotildees pelo CIF e tem um caraacuteter distinto daquela

fiscalizaccedilatildeo feita pelo comitecirc Nas decisotildees de homologaccedilatildeo dos acordos foi

determinada a nomeaccedilatildeo de perito oficial do juizo ldquopara auxilio no acompanhamento

dos projetos e na fiscalizaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos recursosrdquo com base no art 156 ldquocaputrdquo

do CPC ldquoa fim de atestar a viabilidade teacutecnica dos projetos apresentados assim como

monitorar em tempo real a aplicaccedilatildeo dos recursosrdquo202

5 CONCLUSAtildeO

O processo de reparaccedilatildeo e de compensaccedilatildeo do desastre de Mariana por meio de

soluccedilotildees coletivas de conflitos eacute marcado por eventos que podem ser agrupados em trecircs

fases que se sucederam cronologicamente TTAC (2016) TAC-Gov (2018) e

judicializaccedilatildeo (20192020)

Nos primeiros quatro anos apoacutes o desastre efetuou-se um desenho de sistema de

disputas especiacutefico construiacutedo do zero para fazer frente aos desafios advindos do

rompimento da barragem de Fundatildeo e por adaptaccedilotildees desse desenho inicial em uma

dinacircmica que pode ser separada em fases que marcam as evoluccedilotildees desse processo de

soluccedilatildeo Ressalta-se dentro desse contexto que o TTAC natildeo foi superado pelo TAC-

Gov nem que esses dois acordos foram sobrepujados pela judicializaccedilatildeo de certos

temas Todas essas trecircs fases ainda em curso satildeo marcadas por uma simbiose estando

intrinsecamente atreladas

Como um elemento ligado a essas fases podemos verificar um movimento de

aproximaccedilatildeo das funccedilotildees essenciais agrave Justiccedila que vem somando esforccedilos na busca de

soluccedilotildees mais efetivas e adequadas para atender a complexidade e a conflituosidade que

caracterizam o maior desastre ambiental brasileiro

Entre os dois mecanismos extremos para a soluccedilatildeo de conflitos (soluccedilatildeo integralmente

extrajudicialautocomposiccedilatildeo e soluccedilatildeo integralmente judicialheterocomposiccedilatildeo)

observa-se que o desenho inicial escolhido no caso Samarco ancorado em essecircncia na

201

A exceccedilatildeo a essa regra correspondia ao programa de coleta e tratamento de esgoto e de destinaccedilatildeo de

resiacuteduos soacutelidos (Claacuteusulas 169 e 170 do TTAC) 202

Trechos da decisatildeo proferida no processo nordm 1026741-4320204013800

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

114

soluccedilatildeo extrajudicial acabou por ser modificado para a realizaccedilatildeo de intervenccedilotildees

pontuais do Poder Judiciaacuterio Em resumo em um movimento pendular ocorreu a

passagem de soluccedilotildees focadas na absoluta desjudicializaccedilatildeo para uma judicializaccedilatildeo

parcial de mateacuterias especiacuteficas

No centro desse processo de soluccedilatildeo de conflitos ainda reside o TTAC verdadeiro

acordo camaleatildeo adaptado ao ambiente e a dinacircmica complexa e fluiacuteda do processo de

reparaccedilatildeo do caso de Mariana Suas claacuteusulas correspondem a um guarda-chuvas e

foram confeccionadas com o papel de fornecer uma base adequada para o processo de

reparaccedilatildeo nas aacutereas socioambiental e socioeconocircmica sem descuidar da possibilidade

de evoluccedilotildees em seu acircmago

O desenho inicial idealizado no TTAC natildeo foi abandonado mas sim adaptado A

tensatildeo sofrida pelo sistema de gestatildeo do conflito previsto no acordo de 2016 por

diferentes interesses muitas vezes antagoacutenicos mostra sua resiliecircncia e sua capacidade

de mutaccedilatildeo Mudanccedila do desenho que se deu por meio da ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo

popular e do incremento do papel do Poder Judiciaacuterio no caso Samarco

Apesar das lacunas teoacutericas ao uso da via judicial para a soluccedilatildeo de conflitos ventiladas

no iniacutecio deste artigo a opccedilatildeo pela esfera judicial revela-se como uma tentativa de

aprimoramento das accedilotildees de reparaccedilatildeo e compensaccedilatildeo nas aacutereas socioambiental e

socioeconocircmicas a fim de alcanccedilar o objetivo final dos oacutergatildeos integrantes do Sistema

de Justiccedila que eacute a reparaccedilatildeo integral dos danos advindos do desastre

O futuro do sistema de gestatildeo do conflito do caso Samarco ainda natildeo pode ser antevisto

mas pode-se afirmar que novas dinacircmicas jaacute foram incorporadas ao sistema e

provavelmente seratildeo agregados novos elementos no curso dos anos ao desenho de

sistema de disputa relativo ao desastre

O histoacuterico do processo de reparaccedilatildeo ambiental e social do desastre demonstra de um

lado que o sistema idealizado inicialmente no TTAC eacute aberto e flexiacutevel adaptaacutevel ao

ambiente que circunda como um camaleatildeo e de outro lado que os atores que atuam no

sistema natildeo satildeo avessos a mudanccedilas

Como uma metamorfose ambulante o modelo de gestatildeo de conflitos do desastre de

Mariana vive em um estado de permanente mudanccedila natildeo se apegando a modelos

estanques e padrotildees preacute-definidos

REFEREcircNCIAS

ADAMS Luiacutes Inaacutecio Lucena BATISTA JR Onofre Alves PAVAN Luiz Henrique

Miguel VIEIRA Renato Rodrigues Saindo da lama a atuaccedilatildeo interfederativa

concertada como melhor alternativa para soluccedilatildeo dos problemas decorrentes do

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ARENHART Sergio Cruz Decisotildees estruturais no direito processual civil brasileiro

Revista de Processo Satildeo Paulo v 225 p 389-410 2013

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115

ARENHART Seacutergio Cruz JOBIM Marco Felix (Org) Processos estruturais 2ed

Salvador Juspodivm 2019 928 p

BONIZZI M J M Estudo sobre os limites da contratualizaccedilatildeo do litiacutegio e do processo

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BORDONE Robert C McEWEN Craig A ROGERS Nancy H SANDER Frank E

A Designing Systems and Processes for Managing Disputes 2ed New York Wolters

Kluwer 2019 477 p

CABRAL Antocircnio do Passo ZANETI JR Hermes Entidades de infraestrutura

especiacutefica para a resoluccedilatildeo de conflitos coletivos as claims resolution facilities e sua

aplicabilidade no brasil Revista de Processo Satildeo Paulo v 287 p 445-483 jan 2019

CAPPELLETTI Mauro Os meacutetodos Alternativos de Soluccedilatildeo de Conflitos no Quadro

do Movimento Universal de Acesso agrave Justiccedila Revista de Processo Satildeo Paulo n 74 p

82-97 abr-jun94

DIDIER JR Fredie ZANETI JR Hermes OLIVEIRA Rafael Alexandria de

Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro

Revista de Processo Satildeo Paulo v 303 p 45-81 maio 2020 versatildeo eletrocircnica

FALECK Diego Desenho de sistemas de disputas e o rompimento das barragens de

Fundatildeo e Santareacutem Programa de Indenizaccedilatildeo Mediada (PIM) Revista da Defensoria

Puacuteblica do Estado de Minas Gerais Belo Horizonte n 2 p 13-15 nov 2017

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Malheiros 871 p

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Design Harvard Negotiation Law Review Cambridge v 14 p 123-169 2009

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Designing Systems to Cut the Costs of Conflict Cambridge Harvard Program on

Negotiation 1993 201 p

VITORELLI Edilson Processo estrutural e processo de interesse puacuteblico

esclarecimentos conceituais Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Satildeo Paulo

v 7 p 147-177 jan-jun 2018 versatildeo eletrocircnica

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

117

EXPERIEcircNCIAS DO CASO SAMARCO

PEDRO CAMPANY FERRAZ

_________________ SUMAacuteRIO ________________

1 Sobre o rompimento da barragem 2 Sobre a accedilatildeo

civil puacuteblica para reparaccedilatildeo de danos 3 Sobre a

negociaccedilatildeo do Termo de Transaccedilatildeo e Ajustamento

de Conduta 4 Sobre o Termo de Transaccedilatildeo e

Ajustamento de Conduta 5 Sobre a Fundaccedilatildeo

Renova 6 Destaques de alguns programas do

Termo de Ajustamento de Conduta 7 Experiecircncias

adquiridas com o caso Samarco 8 Consideraccedilotildees

Finais

Resumo O presente artigo visa trazer o relato histoacuterico da negociaccedilatildeo do Termo de

Transaccedilatildeo de Ajustamento de Conduta decorrente do rompimento da barragem da

SAMARCO nos autos da accedilatildeo civil puacuteblica (Processo nordm 69758-6120154013400) em

curso na 12ordf Vara Federal de Belo Horizonte e as experiecircncias advindas desse caso

Palavras-chave Termo de Ajustamento de Conduta Negociaccedilatildeo Accedilatildeo Civil Puacuteblica

Fundaccedilatildeo Desastres Barragem Mineraccedilatildeo

1 SOBRE O ROMPIMENTO DA BARRAGEM

Em 5 de novembro de 2015 ocorreu o rompimento integral da barragem de Fundatildeo

localizada no complexo mineraacuterio da SAMARCO no Municiacutepio de Mariana ndash MG

sendo considerado o maior desastre ambiental brasileiro203

Apesar dessa caracterizaccedilatildeo dada pela miacutedia em termos de magnitude ambiental o

acidente de Mariana teve um impacto restrito agrave bacia hidrograacutefica do Rio Doce e parte

do litoral do Espiacuterito Santo atingindo uma regiatildeo habitada por cerca de 15 milhatildeo de

habitantes que foi afetada pelo carreamento de 39 milhotildees de toneladas de lama

armazenada na barragem de Fundatildeo

203

Trageacutedia de Mariana completa 3 anos veja linha do tempo Agecircncia Brasil 05 de nov de 2018

Disponiacutevel em httpsagenciabrasilebccombrgeralnoticia2018-11tragedia-de-mariana-completa-3-

anos-veja-linha-do-tempo Acesso em 12 de set de 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

118

A lama da barragem de Fundatildeo natildeo era um material perigoso nos termos da ABNT

10004 mas em alguns pontos do Rio Doce foram identificados grande concentraccedilotildees de

metais que natildeo estavam contidos na barragem mas que podem ter sido revolvidos do

fundo do Rio Doce por conta da onda de lama204

Esse acidente agravou a situaccedilatildeo ambiental do Rio Doce que jaacute era considerado um dos

rios mais poluiacutedos do Brasil205

por conta de uma seacuterie de impactos ambientais

histoacutericos de atividades econocircmicas com pecuaacuteria siderurgia celulose e garimpos

ilegais da bacia hidrograacutefica

Apesar dos impactos provocados pelo rompimento ter essa classificaccedilatildeo como o maior

desastre ambiental do Brasil deixando as paixotildees de lado e respeito agraves viacutetimas diretas e

indiretas desse caso tecnicamente o maior desastre ambiental do Brasil eacute a falta de

saneamento baacutesico conforme afirma a proacutepria Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede

A Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede estima que anualmente 15 mil pessoas

morram e 350 mil sejam internadas no Brasil devido a doenccedilas ligadas agrave

precariedade do saneamento baacutesico Cerca 35 milhotildees de brasileiros natildeo

tecircm acesso a aacutegua tratada e metade da populaccedilatildeo natildeo tem serviccedilos de coleta

de esgoto afirmou o senador e relator Tasso Jereissati (PSDB-CE)206

A dimensatildeo desse rompimento eacute caracterizada legalmente como desastre207

e exigiu da

mineradora SAMARCO a tomada de medidas emergenciais de socorro agraves viacutetimas e

proteccedilatildeo ao meio ambiente

Os problemas decorrentes da dimensatildeo do desastre e da necessidade de interaccedilatildeo das

accedilotildees reparatoacuterias da SAMARCO com medidas de Poder Puacuteblico como a defesa civil

bombeiros e ateacute mesmo o Exeacutercito Brasileiro impuseram um esforccedilo ineacutedito e hercuacuteleo

entre uma mineradora e autoridades puacuteblicas

Contudo aleacutem das exigecircncias de socorro imediato e material da SAMARCO e

autoridades para com as pessoas nas aacutereas atingidas em especial quanto ao

abastecimento puacuteblico de aacutegua em todos as cidades e localidades abastecidas pelo Rio

Doce a pluralidade de entes legitimados para propor accedilotildees civis puacuteblicas por danos

ambientais colocou a mineradora numa situaccedilatildeo duacutebia de ter que empenhar esforccedilos de

reparaccedilatildeo e ao mesmo tempo ter que negociar com diversas instituiccedilotildees com interesses

distintos sobre a reparaccedilatildeo do desastre ambiental como os Ministeacuterio Puacuteblicos Estaduais

e Federal Ministeacuterio Puacuteblico do Trabalho entre outros

204

FERREIRA Luiz Claudio Desastre com barragem acordou ldquomonstrordquo de poluentes no Rio Doce diz

perito Agecircncia Brasil 16 de dez de 2017 Disponiacutevel em

httpsagenciabrasilebccombrgeralnoticia2017-12desastre-com-barragem-acordou-monstro-de-

poluentes-no-rio-doce-diz-perito Acesso em 12 de set de 2020 205

OS RIOS MAIS POLUIacuteDOS DO BRASIL ABES Disponiacutevel em httpwwwabes-

mgorgbrvisualizacao-de-clippingler2082os-rios-mais-poluidos-do-brasil Acesso em 12 de set de

2020 206

LEMOS Simone Dados da ONU mostram que 15 mil pessoas morrem por doenccedilas ligadas agrave falta de

saneamento Jornal da USP 21 de jul de 2020 Disponiacutevel em httpsjornaluspbratualidadesdados-da-

onu-mostram-que-15-mil-pessoas-morrem-anualmente-por-doencas-ligadas-a-falta-de-saneamento

Acesso em 12 de set de 2020 207

II - Desastre resultado de eventos adversos naturais ou provocados pelo homem sobre um

ecossistema vulneraacutevel causando danos humanos materiais ou ambientais e consequentes prejuiacutezos

econocircmicos e sociais (DECRETO Nordm 7257 DE 4 DE AGOSTO DE 2010)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

119

Essa questatildeo de legitimaccedilatildeo extraordinaacuteria plural deixa os responsaacuteveis por um desastre

numa situaccedilatildeo de profunda inseguranccedila juriacutedica prejudicando de sobremaneira a

velocidade e definiccedilatildeo de que medidas devem ser tomadas nos atendimentos imediatos

de um desastre

Vale destacar que a SAMARCO no periacuteodo de 30 dias apoacutes o acidente chegou a

celebrar diversos Termos de Ajustamento de Conduta com o Ministeacuterio Puacuteblico de

Minas Gerais Ministeacuterio Puacuteblico do Espiacuterito Santo Ministeacuterio Puacuteblico Federal e ateacute

Ministeacuterio Puacuteblico do Trabalho tratando de mateacuterias tais como (i) atendimento

emergencial dos moradores retirados emergencialmente do povoado de Bento

Rodrigues (ii) pagamento de auxiacutelio emergencial a pescadores do Rio Doce (iii) o

salvamento e abrigo de animais atingidos pelo rompimento da barragem e (iv) o

depoacutesito judicial de R$2 bilhotildees de reais para a execuccedilatildeo de medidas emergenciais de

reparaccedilatildeo de danos ambientais do acidente

Aleacutem da celebraccedilatildeo dessa seacuterie de termos de compromissos de forma descoordenada

entre entes puacuteblicos a SAMARCO era alvo constante de medidas de bloqueio judicial

de bens e valores financeiros algumas que impediram ateacute a Companhia em honrar

alguns termos de compromisso celebrados como foi o caso do bloqueio de 570 milhotildees

de reais para garantia de pagamento de uma discussatildeo sobre royalties da mineraccedilatildeo em

uma accedilatildeo judicial anterior ao acidente e com seguro cauccedilatildeo vigente mas natildeo aceito pelo

juiacutezo da causa208

Natildeo obstante a situaccedilatildeo sensiacutevel da SAMARCO a empresa e suas soacutecias priorizaram o

atendimento direto agraves viacutetimas e seus empregados destacando que em 20 de dezembro

de 2015 foi celebrado um acordo judicial emergencial de reparaccedilatildeo e pagamento de

todas as pessoas que foram deslocadas de suas residecircncias e que se encontravam em

situaccedilotildees de precariedade financeira e social sendo assegurado medidas de sauacutede fiacutesica

e mental para essa populaccedilatildeo e com auxiacutelios financeiros mensais ateacute a devida reparaccedilatildeo

integral que seria discutida entre as Partes

A situaccedilatildeo processual judicial da Samarco era caoacutetica e colocava em risco a proacutepria

existecircncia da empresa fato que foi observado pelas advocacias puacuteblicas e que culminou

numa accedilatildeo coordenada em dezembro daquele ano

2 SOBRE A ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA

A dimensatildeo do rompimento que atingiu uma aacuterea em dois Estados e o litoral brasileiro

num avanccedilo gradual do material lanccedilado no ambiente com o rompimento da barragem

exigiu que os entes federativos de Minas Gerais Espiacuterito Santo e Uniatildeo se articulassem

tanto nas medidas emergenciais quanto na propositura da accedilatildeo civil puacuteblica para a

reparaccedilatildeo integral dos danos provocados por esse rompimento da ordem de R$ 20

bilhotildees a serem pagos pela SAMARCO

208

Justiccedila bloqueia R$ 570 milhotildees da Samarco devidos agrave Uniatildeo Jornal O Tempo 25 de nov de 2015

Belo Horizonte Disponiacutevel em httpswwwotempocombrcidadesjustica-bloqueia-r-570-milhoes-da-

samarco-devidos-a-uniao-11174745 Acesso em 12 de set de 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

120

Em 30 de novembro de 2015 as Advocacias Puacuteblicas dos Estados de Minas Gerais e

Espiacuterito Santo e a Advocacia Geral da Uniatildeo representando tanto os entes federativos

quanto a 9 autarquias relacionadas a questotildees ambientais em face da Samarco BHP e

Vale que foram incluiacutedas nessa accedilatildeo por serem soacutecias da Samarco e caracterizadas

como poluidoras indiretas

O objetivo era utilizar os R$ 20 bilhotildees para tentar conter os impactos revitalizar a

bacia do Rio Doce e indenizar pessoas afetadas O Advogado-Geral da Uniatildeo Luiacutes

Inaacutecio Adams disse que a accedilatildeo propotildee agrave Justiccedila que qualquer valor pago pelas

mineradoras natildeo seja direcionado para os cofres da Uniatildeo ou dos estados atingidos pelo

desastre mas para um fundo que deveraacute financiar exclusivamente as accedilotildees de reparaccedilatildeo

dos danos

O valor foi calculado com base em laudos teacutecnicos elaborados por oacutergatildeos como

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovaacuteveis (Ibama)

Instituto Chico Mendes de Conservaccedilatildeo da Biodiversidade (ICMBio) e Agecircncia

Nacional de Aacuteguas (ANA) A AGU diz que a cifra ainda eacute preliminar e pode ser elevada

ao longo do processo judicial jaacute que ainda natildeo foram calculados os danos ambientais

causados pela chegada ao oceano da lama com rejeitos de mineacuterios

A ideia de que os recursos do fundo fossem depositados gradualmente com a retenccedilatildeo

judicial de um percentual do faturamento ou do lucro das empresas A medida deveria

garantir o financiamento a longo prazo das accedilotildees de revitalizaccedilatildeo da bacia jaacute que elas

devem se estender segundo as previsotildees do Ministeacuterio do Meio Ambiente por pelo

menos dez anos

Sobre essa proposta de pagamentos graduais com base no faturamento das empresas

gostaria de destacar o entendimento adequado por parte dos autores dessa accedilatildeo civil

puacuteblica quanto ao real conceito do princiacutepio denominado poluidor pagador definido

pelo artigo 225 sect2ordm em conjunto com o artigo 170 incido VI da Constituiccedilatildeo Federal

Natildeo cabe agrave responsabilidade civil ambiental criar uma condenaccedilatildeo indenizatoacuteria de

modo que o responsaacutevel pelo dano se inviabilize financeiramente A execuccedilatildeo de

medidas de restriccedilatildeo patrimonial desmedidas como pedidos bilionaacuterios de bloqueio

judicial de contas de empresas satildeo mais uacuteteis aos jornais em suas manchetes do que na

efetiva reparaccedilatildeo dos danos das viacutetimas Esses tipos de pedidos de bloqueio devem ser

analisados com base na razoabilidade e principalmente em dois quesitos (i) se haacute a

necessidade desse bloqueio e (ii) quais os efeitos para a sauacutede financeira do Reacuteu com a

execuccedilatildeo dessa ordem

Destaco esses pontos pois na accedilatildeo civil puacuteblica do caso SAMARCO as advocacias

puacuteblicas conseguiram comprovar que o bloqueio judicial pretendido natildeo afetaria a sauacutede

financeira das empresas envolvidas e que havia a necessidade da separaccedilatildeo desses

valores tendo em vista o risco de perda patrimonial decorrente de inuacutemeros processos

judiciais que vinham dilapidando as reservas financeiras das empresas Por essa razatildeo

que a accedilatildeo civil puacuteblica conseguiu uma medida liminar no dia 18 de dezembro de 2015

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

121

para apresentaccedilatildeo de garantias financeiras da ordem de 2 bilhotildees de reais e

indisponibilidade dos direitos mineraacuterios das empresas envolvidas209

Infelizmente o requerimento liminar de bloqueios judiciais milionaacuterios eacute uma praacutetica

recorrente por parte do Ministeacuterio Puacuteblico quando envolve empresas de grande porte210

e o deferimento desses pedidos precisa ser devidamente ponderado pelos juiacutezes pois

reparaccedilatildeo civil mesmo que ambiental natildeo pode ser alvo de uma vinganccedila puacuteblica ou de

um linchamento financeiro dos envolvidos que pode levar agrave proacutepria falecircncia das

empresas ampliando os danos econocircmicos e sociais provocados pelo desastre

Essa situaccedilatildeo levou a todas as partes desse processo e inclusive ao Ministeacuterio Puacuteblico

(Federal e Estaduais) a iniciarem negociaccedilotildees para uma composiccedilatildeo judicial no acircmbito

dessa accedilatildeo que derivaram para um Termo de Transaccedilatildeo e Ajustamento de Conduta

histoacuterico e assinado em 02 de marccedilo de 2016

3 SOBRE A NEGOCIACcedilAtildeO DO TERMO DE TRANSACcedilAtildeO E

AJUSTAMENTO DE CONDUTA

O processo de negociaccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Termo de Transaccedilatildeo e Ajustamento de

Conduta (ldquoTTACrdquo) era um esforccedilo ineacutedito na historia do federalismo brasileiro e na

seara judicial para a reparaccedilatildeo de danos ambientais

Infelizmente esse rompimento da barragem da SAMARCO natildeo era o primeiro caso de

desastre ambiental que atinge mais de um Estado brasileiro como jaacute havia acontecido

como o caso da Induacutestria Cataguazes no Rio Pomba em 2003 cujo rompimento da

barragem de rejeitos contaminou os Rios Pomba e Paraiacuteba do Sul no Estado do Rio de

Janeiro fato que levou o Ministeacuterio Puacuteblico Federal a processar o Estado de Minas

Gerais naquela eacutepoca211

Para as empresas mineradoras tambeacutem era um desafio ineacutedito pois houve a necessidade

de se unir as duas maiores rivais do mercado de mineacuterio de ferro mundial em prol da

sobrevivecircncia de sua empresa em comum a SAMARCO

Os Ministeacuterio Puacuteblicos Federal e Estaduais (ldquoMPrdquo) atraveacutes de suas forccedilas tarefa

tambeacutem compuseram incialmente as mesas de negociaccedilatildeo do TTAC mas natildeo houve

consenso entre as Promotorias as advocacias puacuteblicas e as empresas sobre como seria

definido o processo de reparaccedilatildeo uma vez que o MP exigia consultorias teacutecnicas

ldquoindependentes ldquo tanto para avaliar as medidas de reparaccedilatildeo quanto as atividades de

fiscalizaccedilatildeo dos entes envolvidos

209

Decisatildeo liminar nos autos do Processo 697586120154013400 em curso na 12ordf Vara Federal de Belo

Horizonte 210

Brumadinho MPF pede o bloqueio imediato de R$ 26 bilhotildees da Vale Money Report Em 26 de ago

de 2020 Disponiacutevel em httpswwwmoneyreportcombrnegociosbrumadinho-mpf-pede-o-bloqueio-

imediato-de-r-26-bilhoes-da-vale Acesso em 13 set 2020 211

Acidente de Cataguazes MP Federal propotildee accedilotildees indenizatoacuterias MPF 23 de jun de 2005

Disponiacutevel em httpwwwprrjmpfmpbrfrontpagenoticiasnoticia_104 Acesso em 13 set 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

122

Essa divergecircncia de interesses institucionais definida pela proacutepria legislaccedilatildeo coloca o

MP num papel ambiacuteguo e que prejudica muito uma negociaccedilatildeo de reparaccedilatildeo de danos

que envolve autoridades ambientais pois o Promotor precisa assegurar que a reparaccedilatildeo

seja adequada ambientalmente mesmo natildeo tendo corpo teacutecnico para esse tipo de

avaliaccedilatildeo e ao mesmo tempo cobrar das autoridades puacuteblicas mudanccedilas de processos e

controles para que casos como o ocorrido com a SAMARCO natildeo voltem a acontecer

Aleacutem dessa dubiedade institucional o Parquet tambeacutem faz a apuraccedilatildeo de

responsabilidades entre os envolvidos o que inclui desde avaliaccedilatildeo de atos de

improbidade ateacute questotildees de responsabilidade criminal fato que cria uma receio natural

dos agentes envolvidos a partilharem informaccedilotildees e terem um diaacutelogo aberto numa

mesa quando haacute promotores na mesa

Apesar dessas divergecircncias institucionais o caso SAMARCO trouxe um esforccedilo

federativo ineacutedito de assegurar uma raacutepida e efetiva reparaccedilatildeo de danos e baseado na

linha dos pedidos apresentados na accedilatildeo civil puacuteblica (Processo nordm 69758-

6120154013400)

As discussotildees foram baseadas em Brasiacutelia com reuniotildees diaacuterias realizadas na Advocacia

Geral da Uniatildeo no IBAMA e no Palaacutecio do Planalto

As negociaccedilotildees foram divididas em 4 eixos (i) programas socioambientais (ii)

programas socioeconocircmicos (iii) governanccedila e (iv) funding (obrigaccedilotildees financeiras)

Para tornar o processo mais raacutepido as reuniotildees dos eixos aconteciam simultaneamente e

ao final de cada dia era feita uma organizaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo do avanccedilo das negociaccedilotildees do

dia

As advocacias puacuteblicas ficaram responsaacuteveis pela Secretaria e redaccedilatildeo do TTAC

ficando as empresas com equipes teacutecnicas e juriacutedicas para a discussatildeo de cada uma das

260 claacuteusulas do acordo

4 SOBRE O TERMO DE TRANSACcedilAtildeO E AJUSTAMENTO DE CONDUTA

O TTAC eacute um acordo histoacuterico e uma referecircncia de concertaccedilatildeo dos envolvidos numa

trageacutedia para uma resposta raacutepida para a definiccedilatildeo de que medidas devem ser adotadas

para o reparo de um desastre com fundamentos teacutecnicos e medidas de proteccedilatildeo e

garantias para o cumprimento das medidas reparatoacuterias definidas entre empresas e

Poder Puacuteblico

Primeiramente eacute importante contextualizar que ao se tratar de desastres ambientais a

mensuraccedilatildeo dos danos provocados e a definiccedilatildeo de que medidas precisam ser feitas

evoluem ao longo do tempo conforme o desenvolvimento de estudos e pesquisas fato

que torna a composiccedilatildeo de reparaccedilatildeo de danos de um desastre num modelo de acordo-

quadro ou seja uma acordo que define a execuccedilatildeo de estudos para depois se definir

como executar as medidas reparatoacuterias

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

123

Um acordo quadro possui essa premissa de etapas de obrigaccedilotildees conforme a evoluccedilatildeo

do conhecimento dos efeitos do desastre mas tambeacutem jaacute permite a assunccedilatildeo de

obrigaccedilotildees claras com base em dados jaacute consolidados ao tempo da negociaccedilatildeo do

acordo como foi o caso da quantidade de aacuterea atingida de aacutereas de preservaccedilatildeo

permanente e suas medidas de compensaccedilatildeo

Contudo a reparaccedilatildeo de questotildees socioambientais pode exigir medidas de accedilatildeo poder

puacuteblico que precisam ser acordadas sob pena de se criar obrigaccedilotildees impossiacuteveis de se

cumprir se natildeo houver esse compromisso muacutetuo Por exemplo A Claacuteusula 161 do

TTAC prevecirc a reparaccedilatildeo a tiacutetulo compensatoacuterio de 40 mil hectares de aacutereas de

preservaccedilatildeo permanente (ldquoAPPsrdquo) na bacia hidrografica do Rio Doce ou seja natildeo eacute

possiacutevel se conseguir efetivas essa recuperaccedilatildeo de 40 mil hectares em aacutereas de terceiros

se natildeo houver o apoio e medidas pro parte das autoridades ambientais e florestais para

identificar essas aacutereas e incitar a execuccedilatildeo dessas medidas pelos fazendeiros que

possuem APPs degradadas

Por outro lado diversas medidas socioeconocircmicas jaacute podiam ser definidas com base nos

dados socioeconocircmicos que as autoridades puacuteblicas e oacutergatildeo de pesquisa jaacute possuiacuteam

para estimar os impactos dessas medidas ficando o maior desafio na seara

socioeconocircmica a identificaccedilatildeo dos reais impactados pelo desastre

Vale destacar que no caso das medidas socioeconocircmicas a clausula 18 prevecirc ldquoPara a

regular execuccedilatildeo dos PROGRAMAS SOCIOECONOcircMICOS eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo efetiva da rede puacuteblica no cumprimento de suas atribuiccedilotildees regulares

com a observacircncia de seus fluxos protocolos de atendimento e prestaccedilatildeo dos

respectivos servicos puacuteblicosrdquo e na clausula 197 ha a previsatildeo ldquoAs obrigaccedilotildees e

compromissos decorrentes dos PROGRAMAS SOCIOAMBIENTAIS e

SOCIOECONOcircMICOS executadas pela FUNDACcedilAtildeO natildeo eximem o PODER

PUacuteBLICO de suas as atribuicotildees legaisrdquo

Ou seja todas a medidas previstas no TTAC satildeo medidas complementares agraves poliacuteticas

puacuteblicas e centradas na efetiva mitigaccedilatildeo e reparaccedilatildeo de danos decorrentes do

rompimento da barragem da SAMARCO

Aleacutem da premissa adotada de estudo-reparaccedilatildeo que o acordo traz haacute um sistema de

controle e revisatildeo regulamentados com a exigecircncia de auditorias independentes e a

criaccedilatildeo de um ente federativo ineacutedito que eacute o Comitecirc Interfederativo que avalia o

cumprimento desse acordo

Aleacutem dos mecanismos de controle haacute um capiacutetulo proacuteprio para a definiccedilatildeo dos valores

financeiros a serem aportados no cumprimento das Claacuteusulas do acordo e ateacute a

solidariedade das empresas envolvidas para garantia desse TTAC Cabe aqui uma raacutepida

observaccedilatildeo sobre a manutenccedilatildeo da medida liminar do bloqueio dos direitos mineraacuterios

deferido no processo apoacutes a homologaccedilatildeo do TTAC uma vez que as garantias do

Acordo foram estabelecidas no proacuteprio acordo natildeo havendo a subsistecircncia de medidas

cautelares restritivas dos tiacutetulos mineraacuterios bloqueados em 2015

Aleacutem da questatildeo financeira cabe aqui explicar o porquecirc se optou por criar uma

Fundaccedilatildeo para a execuccedilatildeo das medidas do TTAC

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

124

5 SOBRE A FUNDACcedilAtildeO RENOVA

Inicialmente era interesse das empresas envolvidas a criaccedilatildeo de uma Organizaccedilatildeo da

Sociedade Civil de Interesse Puacuteblico (OSCIP) que eacute uma entidade privada sem fins

lucrativos criadas por particulares - com ou sem a autorizaccedilatildeo da Administraccedilatildeo

Puacuteblica a fim de exercerem atividade de interesse social

Seguindo a disciplina da Lei n 97901999 regulamentada pelo Decreto n 31001999

Di Pietro (2014) conceitua Organizaccedilatildeo da Sociedade Civil de Interesse Puacuteblico

ldquoTrata-se de qualificaccedilatildeo juriacutedica dada a pessoas juriacutedicas de direito privado

sem fins lucrativos instituiacutedas por iniciativa de particulares para

desempenhar serviccedilos sociais natildeo exclusivos do Estado com incentivo e

fiscalizaccedilatildeo pelo Poder Puacuteblico mediante viacutenculo juriacutedico instituiacutedo por

meio de termo de parceriardquo

A proposta das empresas em utilizar esse ente se dava por conta dos questionamentos

por parte de entidades da sociedade civil das medidas que estavam sendo tomadas pelas

empresas mineradoras envolvidas com o rompimento da barragem e que as empresas

natildeo possuem expertise ou profissionais qualificados para esse tipo programa

Contudo a proposta de criaccedilatildeo de uma OSCIP foi convertida na criaccedilatildeo de uma

fundaccedilatildeo privada por conta de outras duas caracteriacutesticas que uma Fundaccedilatildeo privada

possui que satildeo a autonomia patrimonial e a devida fiscalizaccedilatildeo por parte do MP

Toda Fundaccedilatildeo eacute criada a partir da destinaccedilatildeo de bens e valores por parte dos seus

instituidores criando uma personalidade juriacutedica proacutepria e autonomia patrimonial que

permite que a entidade natildeo seja prejudicada por eventuais medidas judiciais de bloqueio

de patrimocircnio em face das empresas envolvidas Aleacutem disso a escritura de criaccedilatildeo da

Fundaccedilatildeo eacute um tiacutetulo executivo extrajudicial podendo ser exigido o aporte dos valores

compromissados independentemente da condiccedilatildeo financeira do instituidor Ou seja

criou-se um ente privado com uma autonomia patrimonial e operacional das empresas

mineradoras

Aleacutem dessa autonomia toda Fundaccedilatildeo eacute legalmente fiscalizada pelo MP o que permite

um adequado acompanhamento por parte de uma instituiccedilatildeo independente e com

poderes legais para poder ateacute mesmo intervir na Fundaccedilatildeo se houver desvios da

finalidade ou mau uso dos recursos empregados

Assim a despeito de criticas feitas na midia sobre eventual ldquoterceirizaccedilatildeordquo da

responsabilidade por conta do rompimento da barragem em termos legais e juriacutedicos a

criacutetica natildeo subsiste a proacutepria natureza da fundaccedilatildeo privada para fins de execuccedilatildeo das

medidas reparatoacuterias

Aleacutem dessa caracteriacutestica que permite uma plena autonomia do ente responsaacutevel pela

execuccedilatildeo das medidas reparatoacuterias sob fiscalizaccedilatildeo do MP a Fundaccedilatildeo criada possui

um oacutergatildeo interfederativo criado para acompanhar e fiscalizar o cumprimento do TTAC

ou seja criou-se um mecanismo e um sistema proacuteprio para a reparaccedilatildeo da bacia do Rio

Doce

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Outra questatildeo que eacute uma criacutetica comum ao mecanismo de reparaccedilatildeo criado seria a falta

de participaccedilatildeo do impactados pelo rompimento da barragem na participaccedilatildeo das

medidas a serem adotadas pela Fundaccedilatildeo criacutetica essa que natildeo procede pois o TTAC

prevecirc na Claacuteusula 7212

na Claacuteusula 09213

e em especial na Claacuteusula 11

Entende-se como Participaccedilatildeo nos PROGRAMAS a possibilidade de os

IMPACTADOS efetivamente participarem serem ouvidos e influenciar em

todas as etapas e fases decorrentes do presente Acordo tanto na fase de

planejamento como na efetiva execuccedilatildeo dos programas e accedilotildees referidas neste

Acordo devendo tal participaccedilatildeo ser assegurada em caraacuteter coletivo seguindo

metodologias que permitam expressatildeo e participaccedilatildeo individual nos termos

deste Acordo

Aleacutem das previsotildees expressas de que impotildeem a necessidade de participaccedilatildeo dos

impactados a proacutepria organizaccedilatildeo da Fundaccedilatildeo Renova assegura a participaccedilatildeo de 5

(cinco) representantes das comunidades impactadas sendo trecircs do Estado de Minas

Gerais e dois do Estado do Espiacuterito Santo indicados pelo Comitecirc Interfederativo

O Conselho Consultivo eacute o oacutergatildeo de assessoramento da FUNDACcedilAtildeO podendo opinar

sobre planos programas e projetos e indicar propostas de soluccedilatildeo para os cenaacuterios

presentes e futuros decorrentes do caraacuteter dinacircmico dos danos causados pelo

rompimento das barragens

Assim as criacuteticas de falta de mecanismos de participaccedilatildeo dos impactados na definiccedilatildeo

dos planos e programas das medidas reparatoacuterias natildeo subsiste a uma leitura ao proacuteprio

TTAC

A Fundaccedilatildeo Renova eacute uma das maiores Fundaccedilotildees Privadas do planeta214

constituiacuteda

com um patrimocircnio da ordem de R$10 bilhotildees de reais assegurados por suas

instituidoras com cronograma de aportes por ateacute 15 anos a contar da assinatura do

acordo

A Fundaccedilatildeo Renova deve fechar o ano de 2020 com R$ 12 bilhotildees em recursos

desembolsados nas accedilotildees de reparaccedilatildeo na bacia do rio Doce desde o rompimento da

barragem de Fundatildeo em Mariana (MG) em 2015 Desse total R$ 784 bilhotildees foram

aplicados ateacute dezembro de 2019 sendo que R$ 211 bilhotildees se referem a pagamentos de

indenizaccedilotildees e auxiacutelios financeiros a cerca de 320 mil pessoas em Minas Gerais e no

Espiacuterito Santo

A utilizaccedilatildeo do mecanismo de Fundaccedilatildeo Privada para a reparaccedilatildeo de desastres eacute ineacutedita

no Direito brasileiro e ainda haacute muitos anos para podermos avaliar mas faremos alguns

destaques no proacuteximo toacutepico

212

a) a interlocuccedilatildeo e o diaacutelogo entre a FUNDACcedilAtildeO o COMITEcirc INTERFEDERATIVO e os

IMPACTADOS 213

As partes reconhecem que devem ser assegurados aos IMPACTADOS no acircmbito dos PROGRAMAS

SOCIOECONOcircMICOS Participaccedilatildeo nos PROGRAMAS PROJETOS e accedilotildees 214

Lista de ricas fundaccedilotildees de caridade - List of wealthiest charitable foundations Wikipedia Disponiacutevel

em httpsptqwewikiwikiList_of_wealthiest_charitable_foundations Acesso em 12 de set de 2020

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6 DESTAQUES DE ALGUNS PROGRAMAS DO TERMO DE

TRANSACcedilAtildeO E AJUSTAMENTO DE CONDUTA

Dentre os diversos programas previstos no TTAC gostaria de trazer agrave luz trecircs

programas (i) o Programa de Negociaccedilatildeo Coordenada (ii) Programa de manejo dos

rejeitos decorrentes do rompimento da barragem de Fundatildeo e (iii) Programa de coleta e

tratamento de esgoto e de destinaccedilatildeo de resiacuteduos soacutelidos

61 PROGRAMA DE NEGOCIACcedilAtildeO COORDENADA

O Programa de Negociaccedilatildeo Coordenada eacute um programa criado pela Fundaccedilatildeo Renova

de adesatildeo facultativa que permitiu a composiccedilatildeo amigaacutevel de reparaccedilatildeo dos danos

ocasionados buscando uma reparaccedilatildeo ceacutelere para a recomposiccedilatildeo da vida dos

impactados

Esse programa foi baseado em matrizes de danos e estimativa de valores de reparaccedilatildeo

que satildeo predefinidos e ofertados aos atingidos de forma direta aos impactados sendo

oferecido suporte juriacutedico e teacutecnico para o esclarecimento dos valores ofertados

Esse programa permitiu que a Fundaccedilatildeo Renova destinasse ateacute 31 de agosto de 2109

R$ 184 bilhatildeo em indenizaccedilotildees e auxiacutelios financeiros emergenciais para cerca de 320

mil pessoas sendo pagas mais de 264 mil pessoas por danos decorrentes da suspensatildeo

temporaacuteria por mais de 24 horas ininterruptas no abastecimento de aacutegua 9120

indenizaccedilotildees e 1905 antecipaccedilotildees de indenizaccedilatildeo em razatildeo dos danos gerais sofridos

alcanccedilando mais de 31 mil pessoas Das propostas apresentadas 986 foram aceitas

Apenas a tiacutetulo de comparaccedilatildeo a Fundaccedilatildeo Renova conseguiu em 40 meses apoacutes o

acidente indenizar mais de 264 mil pessoas por danos decorrentes da falta de aacutegua

enquanto a quantidade de accedilotildees judiciais decorrentes do acidente eacute da ordem de 70 mil

processos judiciais em curso no Estado de Minas Gerais ou seja a eficiecircncia do

programa de indenizaccedilatildeo mediada eacute inegaacutevel e um dos maiores de reparaccedilatildeo de danos

do Direito Brasileiro

62 PROGRAMA DE MANEJO DOS REJEITOS DECORRENTES DO

ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDAtildeO

Jaacute o Programa de manejo dos rejeitos decorrentes do rompimento da barragem de

Fundatildeo foi um programa baseado na premissa da avaliaccedilatildeo de custo e benefiacutecio

ambiental e econocircmico para a mensuraccedilatildeo de que medidas devem ser adotadas para a

efetiva reparaccedilatildeo da bacia do Rio Doce

Todavia a Claacuteusula 150 em seu paraacutegrafo terceiro predefiniu a obrigaccedilatildeo de dragagem

dos primeiros 400m (quatrocentos metros) do reservatoacuterio da Usina Hidreleacutetrica

Risoleta Neves ateacute 31 de dezembro de 2016 medida essa que hoje se demonstra

bastante contestaacutevel pois a remoccedilatildeo desse material imputou na necessidade de se criar

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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uma aacuterea adicional para a deposiccedilatildeo desses rejeitos ampliando a extensatildeo dos impactos

do rompimento da barragem sem um efetivo ganho ambiental com essa medida

Essa medida deveria ser revista com base na Claacuteusula 06 inciso IX que permite que

ldquoSempre que a execucao de medidas reparatorias causar impactos ambientais que

superem os benefiacutecios ambientais projetados a FUNDACcedilAtildeO proporaacute ao COMITEcirc

INTERFEDERATIVO a substituiccedilatildeo de tais medidas reparatoacuterias por medidas

compensatoacuterias economicamente equivalentes adicionais agravequelas previstas neste

Acordordquo

63 PROGRAMA DE COLETA E TRATAMENTO DE ESGOTO E DE

DESTINACcedilAtildeO DE RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS

Jaacute em relaccedilatildeo ao Programa de coleta e tratamento de esgoto e de destinaccedilatildeo de resiacuteduos

soacutelidos cabe aqui destacar que a premissa desse programa eacute assegurar a resiliecircncia dos

serviccedilos de abastecimento puacuteblico para a reduccedilatildeo da dependecircncia hiacutedrica do Rio Doce e

aprimorar os sistemas de saneamento puacuteblico que eram praticamente inexistentes na

bacia hidrograacutefica anterior ao acidente

Todavia esse programa se desvirtuou na sua execuccedilatildeo pois os valores de R$500

milhotildees previstos na Claacuteusula 169 deveriam ser um lastro financeiro para o devido

financiamento por parte do BNDES dessas medidas de financiamento que

corresponderia com a contraprestaccedilatildeo financeira exigida dos Municiacutepios conforme

consta no paraacutegrafo quarto dessa Claacuteusula e cujas estimativas de valores para

saneamento de toda a bacia hidrograacutefica era da casa do R$10 bilhotildees215

mas acabou se

tornando como custeio direto das obras pelos Municiacutepios216

7 EXPERIEcircNCIAS ADQUIRIDAS COM O CASO SAMARCO

Apoacutes atuar diretamente no caso do rompimento da barragem da SAMARCO entre os

anos de 2015 e 2019 e no caso de Brumadinho em 2019 posso dar meu testemunho

como profissional do Direito sobre as experiecircncias adquiridas nesse processo tortuoso e

de difiacutecil compreensatildeo mas que considero importante compartilhar para que erros

aprendidos natildeo se repitam e acertos confirmados sejam replicados

Por tal razatildeo posso destacar algumas experiecircncias positivas nesse processo das quais

destaco a concertaccedilatildeo interfederativa na busca de uma raacutepida resoluccedilatildeo consensual para

a reparaccedilatildeo dos danos ocorridos respeitando-se a autonomia dos impactados e

215

Recuperaccedilatildeo da Bacia do Rio Doce custaraacute bilhotildees avalia presidente de comitecirc Agecircncia Brasil 18 de

mar de 2018 Disponiacutevel em httpswwwistoedinheirocombrrecuperacao-da-bacia-do-rio-doce-

custara-bilhoes-avalia-presidente-de-comite Acesso em 12 de set de 2020 216

Municiacutepios da Bacia do Rio Doce satildeo habilitados a receber R$ 500 Milhotildees para obras de saneamento

Fundaccedilatildeo Renova 05 de abr de 2018 Disponiacutevel em

httpswwwfundacaorenovaorgnoticiamunicipios-da-bacia-do-rio-doce-sao-habilitados-a-receber-r-

500-milhoes-para-obras-de-saneamento Acesso em 12 de set de 2020

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assegurando-lhes o direito de participaccedilatildeo na elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo dos planos e

programas derivados do TTAC

Tambeacutem gostaria de destacar como experiecircncia positiva a competecircncia e empenhos dos

advogados puacuteblicos envolvidos nesse caso que foram fundamentais para uma adequada

negociaccedilatildeo e celebraccedilatildeo de um acordo complexo e abrangente num periacuteodo de 3 meses

O modelo de definiccedilatildeo de aacutereas atingidas e conceitos de impactados diretos e indiretos

foi uma opccedilatildeo teacutecnica adequada pois se buscou um criteacuterio de avaliaccedilatildeo adequado para

raacutepida identificaccedilatildeo do atingido direto que teria a sua localizaccedilatildeo de moradia ou

atividade econocircmica na aacuterea atingida pelo desastre sendo legitimado a uma reparaccedilatildeo

direta de seus danos

Jaacute os atingidos indiretos seriam as pessoas que estavam localizadas nas aacutereas atingidas

pelas lamas do rompimento mas que natildeo tiveram prejuiacutezos econocircmicos diretos e

seriam beneficiadas de forma indireta pelas medidas de reparaccedilatildeo de serviccedilos puacuteblicos

ou programas complementares a serem desenvolvidos pela Fundaccedilatildeo Renova217

Haacute mais uma experiecircncia positiva desse caso eacute a adoccedilatildeo de um programa de

indenizaccedilatildeo voluntaacuterio para com os atingidos o que permitiu uma adesatildeo de centena de

milhares de pessoas impactadas e um iacutendice da ordem de 986 de aceitaccedilatildeo das

propostas de indenizaccedilatildeo

Essa experiecircncia do programa de indenizaccedilatildeo foi utilizada pela Vale no caso do

rompimento da barragem de Brumadinho-MG em janeiro de 2019 mas com o

aprimoramento da definiccedilatildeo da matriz de danos e valores a serem ofertados serem

discutidos junto agrave Defensoria Puacuteblica do Estado de Minas Gerais fato que permitiu uma

devida assessoria juriacutedica aos impactados e mais de 3500 acordos indenizatoacuterios jaacute

celebrados218

Outra experiencia que foi aproveitada do caso Samarco no acidente de Brumadinho foi

a definiccedilatildeo dos criteacuterios para qualificaccedilatildeo das pessoas atingidas para o recebimento dos

auxiacutelios emergenciais e das doaccedilotildees emergenciais pois a celeridade na indenizaccedilatildeo das

pessoas impactadas eacute um fator primordial para uma justa reparaccedilatildeo

Ademais vale destacar que ao se tratar de reparaccedilotildees de larga escala decorrente de

desastres especialmente que demandem a remoccedilatildeo involuntaacuteria de pessoas o direito a

ser assegurado em questatildeo eacute o direto de moradia natildeo devendo o responsaacutevel se limitar a

definiccedilatildeo de proprietaacuterios dos imoacuteveis atingidos premissa essa que permite uma

flexibilidade na classificaccedilatildeo dos impactados e permite uma correta mitigaccedilatildeo dos

impactos sociais de um desastre

A reparaccedilatildeo final das viacutetimas de Bento Rodrigues soacute comeccedilou a ser resolvida de forma

definitiva em 2018 pois nesse iacutenterim a assessoria teacutecnica escolhida pela comissatildeo de

217

Vale destacar que o Coacutedigo Civil brasileiro natildeo permite a indenizabilidade por danos indiretos apenas

por danos diretos uma vez que o conceito de dano eacute o patrimocircnio juridicamente tutelado prejudicado por

outrem caso em que se verifica a reduccedilatildeo de patrimocircnio alheio e por conta de ato iliacutecito pelo responsaacutevel 218

Reparaccedilatildeo e desenvolvimento Vale SA Disponiacutevel em

httpwwwvalecombrasilPTaboutvaleservicos-para-comunidademinas-

geraisatualizacoes_brumadinhoPaginasindenizacoesaspx Acesso em 12 de set de 2020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

129

moradores indicada pelo Ministeacuterio Puacuteblico atrasou muito a entrega de seus trabalhos

natildeo permitindo que os atingidos tivessem uma avaliaccedilatildeo ldquojustardquo de seus danos

Em junho de 2018 o TTAC foi complementado por outro acordo negociado com os

Ministeacuterios Puacuteblicos Federal e Estaduais chamado TAC Governanccedila e que alterou

algumas regras de governanccedila e formas de participaccedilatildeo dos impactados contrataccedilatildeo de

assessorias teacutecnicas e criaccedilatildeo de comitecircs de atingidos mas preservou o modelo de

acordo quadro jaacute definido pelo TTAC

O TAC Governanccedila visa dar maior legitimidade agraves accedilotildees de reparaccedilatildeo acordadas

todavia ao se tratar de desastres a figura do ldquoatingidordquo eacute um sujeito juriacutedico

indeterminado219

natildeo havendo garantias que as assessorias teacutecnicas escolhidas ou

mesmo as comissotildees assegurem uma devida representatividade social por isso a

necessidade de um trabalho vigilante das Partes a fim de assegurar que esse modelo

adicional de governanccedila natildeo se desvirtue do necessaacuterio atendimento aos impactados

Assim o modelo de acordo-quadro utilizado no caso SAMARCO eacute uma referecircncia para

reparaccedilotildees de desastres permitindo a execuccedilatildeo de medidas a partir de diagnoacutesticos sem

prejuiacutezo da execuccedilatildeo de medidas emergecircncias de acordo com a severidade dos impactos

ou a fundamentalidade do direito atingido

8 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Gostaria de dedicar o presente artigo a todos os profissionais envolvidos no caso

SAMARCO e que forma fundamentais para a construccedilatildeo dessa ferramenta de resoluccedilatildeo

de conflitos de larga escala

O caso SAMARCO eacute resultado da fragilidade do sistema de fiscalizaccedilatildeo das barragens

de mineraccedilatildeo mas permitiu a construccedilatildeo de mecanismos de reparaccedilatildeo ceacutelere e efetiva

de desastres antropogecircnicos de uma forma sem precedentes no Direito brasileiro

O Termo de Transaccedilatildeo e Ajustamento de Conduta se demonstrou como um modelo

adequado para a assunccedilatildeo de responsabilidades das partes para a definiccedilatildeo de planos e

programas de reparaccedilatildeo de danos decorrentes de desastres

A Fundaccedilatildeo Renova eacute uma das maiores fundaccedilotildees do mundo e possui patrimocircnio

adequado para honrar com todas as suas obrigaccedilotildees e de forma independente da sauacutede

financeira das empresas envolvidas no rompimento da barragem

A avaliaccedilatildeo de alguns dos programas jaacute podem ser apontados como de grande ecircxito

como o caso dos programas de indenizaccedilatildeo outros tiveram suas finalidades deturpadas

e outros se comprovaram como grande erro

219

Vale destacar que o TTAC possui a definiccedilatildeo de impactados diretos e indiretos com base num conceito

econocircmico geograacutefico ou seja haacute a necessidade de demonstraccedilatildeo da localizaccedilatildeo da pessoa e sua

comprovaccedilatildeo de prejuiacutezo para a sua qualificaccedilatildeo na reparaccedilatildeo No caso de Brumadinho a Vale num

primeiro momento apenas adotou o modelo geograacutefico para as indenizaccedilotildees emergenciais

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

130

As principais criacuteticas ao TTAC natildeo correspondem agraves regras definidas no proacuteprio

acordo especialmente quanto agrave participaccedilatildeo dos impactados e quanto ao uso de uma

fundaccedilatildeo privada na execuccedilatildeo dos estudos e programas de reparaccedilatildeo

A execuccedilatildeo dos programas estaacute prevista para os proacuteximos 15 anos e por maiores

criacuteticas que possam ser tecidas sobre a velocidade de execuccedilatildeo dessas medidas o caso

do ponto de vista juriacutedico pode ser considerado devidamente assegurado cabendo agora

o acompanhamento e fiscalizaccedilatildeo das reparaccedilotildees devidas

REFEREcircNCIAS

BRASIL Decreto nordm 7257 de 4 de agosto de 2010 Regulamenta a Medida Provisoacuteria

nordm 494 de 2 de julho de 2010 para dispor sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil -

SINDEC sobre o reconhecimento de situaccedilatildeo de emergecircncia e estado de calamidade

puacuteblica sobre as transferecircncias de recursos para accedilotildees de socorro assistecircncia agraves

viacutetimas restabelecimento de serviccedilos essenciais e reconstruccedilatildeo nas aacutereas atingidas por

desastre e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 05 de ago 2010

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2007-

20102010DecretoD7257htm Acesso em 13 de set 2020

DI PIETRO Maria Sylvia Zanella Direito administrativo 27ed Satildeo Paulo Atlas

2014

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

131

DIREITOS HUMANOS SOB A PERSPECTIVA DA EDUCACcedilAtildeO

AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

RENATO ALVES VIEIRA DE MELO

RACQUEL VALEacuteRIO MARTINS

__________________ SUMAacuteRIO _______________

1 Introduccedilatildeo 2 A natureza histoacuterica dos direitos

fundamentais 3 A natureza histoacuterica Visatildeo de

bobbio dos direitos fundamentais 4 A importacircncia

do meio ambiente para os direitos humanos 5

Antropocentrismo versus ecocentrismo 6 Educaccedilatildeo

ambiental e os direitos humanos 7 O desafio da

sustentabilidade 8 Consideraccedilotildees finais

1 INTRODUCcedilAtildeO

A insustentabilidade eacute crescente devido agrave demanda do modelo de desenvolvimento

capitalista que conduz as sociedades ao colapso global O falso bem-estar do ser

humano atrelado ao atual desenvolvimento econocircmico eacute um caminho que beneficia

pequenos grupos que ganham com o poder econocircmico e assim a questatildeo ambiental e a

busca pela sustentabilidade tem ganhado muita importacircncia no entanto natildeo podemos

somente defender a natureza devemos tambeacutem mudar o modelo de civilizaccedilatildeo que

atualmente vivemos que eacute ecologicamente insustentavel e socialmente injusto com

isso o contexto cultural ganha forccedila no desafio de transformar o comportamento e os

valores do ser humano

Nosso objetivo com o presente artigo eacute relatar a importacircncia da consciecircncia do

individuo para se alcanccedilar um novo desenvolvimento intitulado Sustentavel Com uma

metodologia qualitativa a partir de uma pesquisa bibliografica descritiva utilizaremos

como procedimento a triangulaccedilatildeo em que seratildeo combinadas duas perspectivas teoricas

para consolidar uma conclusatildeo sobre a problematica dos Direitos Humanos

Com a degradaccedilatildeo do meio ambiente e escassez de mateacuteria prima as empresas tecircm sido

forccediladas a buscarem maneiras de reduzir seus impactos ambientais com compromissos

sociais mas sem reduzir o seu crescimento econocircmico tendo como objetivo alcanccedilar

formas competitivas e sustentaacuteveis ao mesmo tempo Neste contexto consideramos

existir uma complexidade no entendimento sobre os princiacutepios do Desenvolvimento

Sustentaacutevel que surgiu a partir da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) atraveacutes do

Relatoacuterio de Brundland em 1987

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

132

A verdade eacute que o mundo estaacute sendo prejudicado pela destruiccedilatildeo e contaminaccedilatildeo

massiva dos seus bens e serviccedilos com prejuiacutezos ecoloacutegicos incontestaacuteveis e assim

crescem as causas dos problemas poacutes-modernos como o desperdiacutecio dos recursos

naturais a falta de responsabilidade e disciplina com o meio ambiente o crescimento

populacional a desregrada diferenccedila social e alienaccedilatildeo cultural exigindo urgentemente

a expansatildeo de uma nova consciecircncia para o futuro com vistas a que deixemos de lado o

imediatismo

A grande concentraccedilatildeo de pessoas nas cidades vem ocasionando seacuterios problemas na

poacutes-modernidade que compromete a sustentabilidade e dificulta obter uma melhor

qualidade de vida e o uso eficiente dos espaccedilos nos centros urbanos deste modo

devemos alterar nossos comportamentos para que as cidades se tornem sustentaacuteveis com

uma consciecircncia sobre a preservaccedilatildeo do meio ambiente

Nesse sentido os desafios das sociedades contemporacircneas para o seacuteculo XXI exigem

cidades sustentaacuteveis com indiviacuteduos conscientes sobre a reduccedilatildeo dos desperdiacutecios de

aacutegua energia e utilizaccedilatildeo de materiais renovaacuteveis e uma melhor distribuiccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

de aacutereas verdes parques e jardins para reduzir a insustentabilidade vivida nos dias de

hoje onde a relaccedilatildeo entre a accedilatildeo humana e desenvolvimento deve ser repensada porque

poderaacute definir o destino dos seres humanos e do ecossistema Terra

E a busca da sustentabilidade nas cidades envolve objetivos ambiciosos como

gerenciamento do clima urbano desenvolvimento social e o respeito ao meio ambiente

A adequaccedilatildeo dessas questotildees vai se materializando como uma das agendas

fundamentais na ldquoera do desenvolvimento sustentaacutevelrdquo (SACHS 2015)

Tal conscientizaccedilatildeo leva a maiores conquistas dos Direitos Humanos onde se evidencia

o meio ambiente protegido e preservado assim buscamos nos Objetivos do

Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) a indicaccedilatildeo concreta de um caminho para atingir

um modelo de desenvolvimento sustentaacutevel partindo do consenso estabelecido entre os

paiacuteses na Conferecircncia da Rio + 20 Necessitamos portanto estarmos envolvidos num

Movimento Global pela Cidadania e Solidariedade o qual conclama todos noacutes seres

humanos a reforccedilarmos nossas accedilotildees e parcerias em prol dos ODS compostos por

metas e indicadores para diminuir as desigualdades sociais e promover agrave inclusatildeo social

a erradicaccedilatildeo da pobreza a promoccedilatildeo da igualdade entre gecircneros e raccedilas proteccedilatildeo

ambiental a valorizaccedilatildeo da educaccedilatildeo e sauacutede assim como a promoccedilatildeo das energias

renovaacuteveis rumo a um Desenvolvimento Sustentaacutevel (Vieira de Melo amp Valeacuterio 2019)

Percebemos que atualmente muitas dessas preocupaccedilotildees aparentemente distantes

estatildeo se tornando realidade natildeo soacute para alcanccedilarmos os Objetivos de Desenvolvimento

Sustentaacutevel das Naccedilotildees Unidas mas tambeacutem para efetivar a oportunidade de quase sete

bilhotildees de pessoas tenha direito a uma vida digna o que alcanccedilaraacute uma marca de nove

bilhotildees ateacute 2050

Com uma abordagem qualitativa baseada em uma pesquisa bibliograacutefica tratamos o

tema dos Direitos Humanos relacionando-o com o Desenvolvimento Sustentaacutevel e a

proteccedilatildeo ao meio ambiente a partir da perspectiva da Educaccedilatildeo Ambiental tendo como

base as consideraccedilotildees de Vieira de Melo (2016) Antocircnio Canccedilado Trindade (1992) e

Bobbio (1992) Consideramos existir uma complexidade no entendimento sobre os

princiacutepios do Desenvolvimento Sustentaacutevel que surgiu a partir da Organizaccedilatildeo das

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Naccedilotildees Unidas (ONU) atraveacutes do Relatoacuterio de Brundland em 1987 e ganhou

amplitude com a crise ambiental e com a escala de produccedilatildeo e do consumo onde na

legislaccedilatildeo Brasileira os primeiros indiacutecios podem ser encontrados na Lei nordm 680380

art 1ordm onde se tem a compatibilizaccedilatildeo da atividade industrial com o meio ambiente e

na Lei nordm 693881 na qual foi instituiacuteda a politica Nacional de Meio Ambiente

determinando a avaliaccedilatildeo dos impactos ambientais

Justificamos a produccedilatildeo desse artigo como ponto de interligaccedilatildeo entre uma necessaacuteria

Educaccedilatildeo Ambiental e um novo desenvolvimento com avanccedilos no campo da

desigualdade social do bem-estar social e econocircmico Assim estudaremos o tema dos

Direitos Humanos com base em duas perspectivas privilegiadas a defendida por

Norberto Bobbio e a de Antocircnio Augusto Canccedilado Trindade a partir do meacutetodo de

triangulaccedilatildeo assumindo assim diferentes visotildees a respeito da pesquisa com a

combinaccedilatildeo de diferentes tipos de dados sob uma abordagem teoacuterica produzindo-se um

conhecimento que vai aleacutem do que seria possiacutevel com a adoccedilatildeo de uma uacutenica

perspectiva como nos ensina Flick (2013) 220

2 A NATUREZA HISTOacuteRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O Rumo a um Desenvolvimento Sustentaacutevel faz com que os ODS tenham metas e

indicadores para reduccedilatildeo das desigualdades sociais e promoccedilatildeo da inclusatildeo social a

erradicaccedilatildeo da pobreza promoccedilatildeo da igualdade entre gecircneros e raccedilas proteccedilatildeo

ambiental a valorizaccedilatildeo da educaccedilatildeo e sauacutede assim como a promoccedilatildeo das energias

renovaacuteveis em direccedilatildeo a um novo Desenvolvimento

Como resultado de tal cenaacuterio surgiu a preocupaccedilatildeo com a natureza devido agraves graves

consequecircncias da degradaccedilatildeo do patrimocircnio natural e global juntamente com a evoluccedilatildeo

na conquista dos Direitos Humanos As novas necessidades fizeram surgir e

desenvolver a proteccedilatildeo pelo meio ambiente que passou a ser o objeto de garantias

internacionais e nacionais como comentado por Vieira de Melo amp Valeacuterio (2019) 221

Eacute bem verdade que obtivemos alguns avanccedilos no campo da desigualdade social do

bem-estar social e econocircmico e por isso abordamos o tema dos Direitos Humanos

combinando diferentes tipos de dados sob uma abordagem teoacuterica como nos referimos

na introduccedilatildeo

Analisando a evoluccedilatildeo dos referidos direitos verifica-se que o homem possui aqueles

relativos agrave sua espeacutecie e tendo como base a visatildeo realista os direitos humanos satildeo

resultado do processo de conquista de direitos liderado pelo movimento social burguecircs

que nasceu na Era Moderna Consideramos a concepccedilatildeo de direitos humanos defendida

por Norberto Bobbio (1992) 222

de que satildeo histoacutericos e heterogecircneos e nascem

gradualmente conforme as carecircncias de cada eacutepoca tendo em consideraccedilatildeo as

limitaccedilotildees de poder as condiccedilotildees sociais e o desenvolvimento tecnoloacutegico

220

Flick U Introduccedilatildeo agrave metodologia de pesquisa Porto Alegre Penso 2013 221

Vieira de Melo RA Valeacuterio Martins R Direitos Humanos sob a perspectiva da Educaccedilatildeo Ambiental

e Sustentabilidade In Antocircnio A Canccedilado Trindade e Cesar Barros Leal (Coord) O desafio dos direitos

econocircmicos sociais e culturais ndash Cearaacute FB editora-pp 353-377 2019 222

Bobbio N A era dos direitos Trad Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Campus 1992

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

134

No entanto para Antocircnio Augusto Canccedilado Trindade (1992) 223

os direitos humanos

satildeo inerentes ao ser humano indivisiacuteveis e interdependentes e natildeo heterogecircneos

portanto complementares e natildeo incompatiacuteveis O autor natildeo faz referecircncia direta agrave teoria

do Direito Natural mas eacute possiacutevel identificar essa base filosoacutefica por traacutes de sua

afirmaccedilatildeo sobre a indivisibilidade e universalidade dos direitos humanos sendo

classificada como neopositivista pois haacute um resgate da filosofia do jusnaturalismo com

apelo positivista Bobbio e Canccedilado Trindade tecircm a preocupaccedilatildeo com efetiva proteccedilatildeo

dos direitos humanos com a afirmaccedilatildeo do seu caraacuteter universal conforme Vieira de

Melo amp Valeacuterio (2019)224

Ao analisar as diferentes caracteriacutesticas atribuiacutedas aos direitos humanos de acordo com

o posicionamento de Bobbio e Canccedilado Trindade nos deparamos com o historicismo e

a indivisibilidade respectivamente Defendemos portanto o historicismo dos direitos

humanos nos moldes em que faz Bobbio considerando a percepccedilatildeo dos direitos como

algo dinacircmico que eacute construiacutedo junto das mudanccedilas sociais

3 A NATUREZA HISTOacuteRICA VISAtildeO DE BOBBIO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS

Norberto Bobbio ao analisar a natureza juriacutedica dos direitos do homem questiona a

teoria jusnaturalista que inegavelmente contribuiu de forma essencial na formaccedilatildeo dos

direitos humanos afirmando que eles natildeo possuem um fundamento uacuteltimo absoluto

capaz de justificaacute-los Os direitos do homem mudam conforme a transformaccedilatildeo das

condiccedilotildees histoacutericas Natildeo haacute direito fundamental por natureza porque o que eacute

fundamental em determinada eacutepoca natildeo eacute em outra Direitos historicamente relativos

natildeo podem ter fundamentos absolutos

Vieira de Melo amp Valeacuterio (2019)225

com base no referido autor afirmam que os direitos

do homem satildeo uma classe de direitos heterogecircneos por isso dentro do proacuteprio rol de

direitos humanos haacute direitos incompatiacuteveis entre si Segundo Bobbio226

todo novo

direito para uma categoria de pessoas eacute limitador ou suprime um direito anterior de

outra categoria assim natildeo teriacuteamos uma justificativa vaacutelida para essas restriccedilotildees se

houvesse um fundamento absoluto

Satildeo identificadas diversas geraccedilotildees de direitos e quanto mais aumenta os poderes dos

indiviacuteduos (direitos sociais) mais diminuem as liberdades (direitos individuais) Cada

nova geraccedilatildeo de direitos vem conformar aqueles reivindicados pela anterior e por essa

razatildeo haacute sempre uma grande resistecircncia no reconhecimento dos novos direitos De

acordo com Bobbio (1992) o problema natildeo eacute justificar os direitos humanos mas

protegecirc-los

223

Canccedilado Trindade A A (editor) Derechos humanos Desarrollo Sustentable y Medio Ambiente

Human Rights Sustainable Development and the Environment Direitos Humanos Desenvolvimento

Sustentaacutevel e Meio Ambiente (Seminaacuterio de Brasiacutelia de 1992) Instituto Interamericano de Derechos

Humanos y Banco Interamericano de Desarrollo (BID) San Joseacute de Costa Rica Brasiacutelia Brasil 1992 224

Idem nota 4 225

Idem nota 4 226

Bobbio N A era dos Direitos Traduccedilatildeo Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Campus 1992

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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O autor aponta como soluccedilatildeo para a realizaccedilatildeo dos direitos do homem a necessidade de

o filoacutesofo do direito natildeo se isolar ao contraacuterio ele deve buscar vaacuterios fundamentos

possiacuteveis em cada caso concreto juntamente com as ciecircncias histoacutericas e sociais Eacute a

partir desses conceitos sobre os direitos humanos que houve uma evoluccedilatildeo a qual

permitiu construir a teoria das geraccedilotildees Com isso Bobbio afirma que o nascimento e o

crescimento dos direitos do homem estatildeo ligados agrave transformaccedilatildeo da sociedade o que

fica evidenciado na relaccedilatildeo do crescimento dos direitos do homem proporcionalmente

ao desenvolvimento social

Fazendo um recorrido do nascimento dos direitos do homem na Era Moderna ateacute nossos

dias passando pela Revoluccedilatildeo Industrial e a instalaccedilatildeo do Estado Social Democraacutetico

de Direito apoacutes a Segunda Guerra Mundial destacamos que na terceira geraccedilatildeo dos

direitos o indiviacuteduo eacute visto como integrante de uma coletividade humana (direitos

ambientais etc) Fala-se tambeacutem de direitos de quarta geraccedilatildeo em que o indiviacuteduo eacute

tomado como integrante da espeacutecie humana (conflitos relativos agrave engenharia geneacutetica

genomas humanos etc) O paracircmetro utilizado agora para a especificaccedilatildeo dos direitos eacute

o qualitativo e natildeo mais o meramente econocircmico ou patrimonial e a titularidade de tais

direitos eacute coletiva ou difusa e natildeo individual Movimentos sociais principalmente de

mulheres e negros mas tambeacutem de ambientalistas e consumeristas iniciaram esse

processo ao passar a exigir poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa que lhes dessem maiores

garantias de inclusatildeo e proteccedilatildeo dada sua vulnerabilidade seguindo o posicionamento

da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (Vieira de Melo amp Valeacuterio 2019)

4 A IMPORTAcircNCIA DO MEIO AMBIENTE PARA OS DIREITOS

HUMANOS227

O meio ambiente nos uacuteltimos tempos ganhou extrema relevacircncia sendo tratado por toda

a comunidade internacional como algo prioritaacuterio para se atingir uma postura voltada agrave

sua preservaccedilatildeo com a preocupaccedilatildeo de assegurar uma qualidade de vida melhor para a

geraccedilatildeo presente e para as futuras geraccedilotildees pois mesmo sendo um ldquoenterdquo vivo a

proteccedilatildeo do meio ambiente somente se deu a conhecer em razatildeo da possibilidade do seu

esgotamento devido agrave exploraccedilatildeo em grande parte pela forccedila da industrializaccedilatildeo para o

progresso da sociedade capitalista Tudo isso provocou o despertar de vaacuterios oacutergatildeos

internacionais que estabeleceram diretrizes de proteccedilatildeo conservaccedilatildeo e preservaccedilatildeo de

inuacutemeras fontes de recursos naturais bem como a utilizam racional incentivando uma

profunda mudanccedila de comportamento e haacutebitos por meio do processo educativo em

todos os acircmbitos das sociedades locais regionais e globais

A Revoluccedilatildeo Industrial do seacuteculo XVIII as inovaccedilotildees tecnoloacutegicas e a acircnsia pelo

progresso em um contexto capitalista dos seacuteculos XIX e XX geraram a degradaccedilatildeo

ambiental que no seacuteculo XXI atinge iacutendices alarmantes A possiacutevel saturaccedilatildeo dos

recursos naturais e a necessidade de se repensar a relaccedilatildeo do homem com a natureza satildeo

temas centrais da atualidade econocircmica poliacutetica social e juriacutedica

227

Iacutetem constante no nosso artigo intitulado Direitos Humanos sob a perspectiva da Educaccedilatildeo Ambiental

e Sustentabilidade referenciado na nota 4

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

136

A partir da deacutecada de 1970 foi percebido pelos pesquisadores sociais que muitas das

accedilotildees humanas produziam um grande impacto sobre a natureza o que levou a alguns

especialistas considerarem a evidente perda de biodiversidade e entatildeo elaboraram

diversas concepccedilotildees metodoloacutegicas para explicar a vulnerabilidade dos sistemas

naturais

No acircmbito internacional a Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas sobre o Meio Ambiente

realizada em 1972 em Estocolmo marca o iniacutecio de uma nova era Reconhecido

internacionalmente como um direito humano o direito ambiental passa a ter um papel

importante nas relaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas sociais e juriacutedicas principalmente no que

tange a corresponsabilidade mundial da sua proteccedilatildeo

Em nova conferecircncia sobre o meio ambiente depois de vinte anos a Rio92 voltou-se a

discutir a questatildeo da proteccedilatildeo ambiental adicionando novos princiacutepios relativos ao

desenvolvimento sustentaacutevel e reforccedilando a necessidade da cooperaccedilatildeo internacional

para uma efetiva proteccedilatildeo do meio ambiente

Cauacutela (2012)228

expotildee que a consciecircncia ecoloacutegica eacute antiga sendo os indiacutegenas seus

precursores tendo surgido em 1854 com um chefe indiacutegena americano de Seattle

quando em resposta ao chefe do governo americano que desejava comprar suas terras o

chefe indiacutegena protestou escrevendo um texto no qual informava que a terra para os

indiacutegenas eacute sagrada e que ela natildeo pertence ao homem e este sim pertence agrave terra

Viera de Melo amp Valeacuterio (2019)229

chamam atenccedilatildeo para o fato de que no Brasil

mesmo sendo a cultura indiacutegena influenciada pelos colonizadores com suas tradiccedilotildees e

costumes da cultura europeia dependente do estilo vida contemporacircneo com luz

eleacutetrica aacutegua encanada televisatildeo e internet algumas tribos sobreviveram agrave colonizaccedilatildeo

do ldquohomem brancordquo e hoje tentam se adaptar a sociedade por eles construida O indio

moderno luta para manter sua heranccedila cultural e de subsistecircncia em meio agrave sociedade

capitalista atual Os antigos iacutendios mesmo vivendo agrave beira das rodovias na

biodiversidade proacutexima das cidades em terras cedidas pelo governo tentam manter-se

longe das grandes metroacutepoles e levar uma vida o mais proacuteximo possiacutevel de suas antigas

tradiccedilotildees plantando e cultivando para o seu sustento Satildeo protegidos pela Funai

(Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio) pela ONU (Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas) que satildeo

oacutergatildeos que protegem os direitos indiacutegenas conservando a sua cultura e a relaccedilatildeo com

meio ambiente e o reconhecimento de seu espaccedilo na sociedade como tambeacutem os seus

direitos humanos no plano nacional e internacional

A cultura e tradiccedilatildeo indiacutegena estatildeo diretamente relacionadas ao meio ambiente ao

cultivo e agrave subsistecircncia tendo a terra como a matildee que fornece os frutos alimenta o

povo proporcionando o bem-estar das tribos (coletividade) Afirmamos que os

indiacutegenas como defende o chefe indiacutegena americano Seattle tem uma atenccedilatildeo especial

para com o meio ambiente os ciclos climaacuteticos e as estaccedilotildees definidas pois satildeo elas

que iratildeo delimitar o melhor periacuteodo para as plantaccedilotildees e cultivo

228

Cauacutela Bleine Queiroz A lacuna entre o Direito e a Gestatildeo do ambiente os 20 anos de melodia das

Agendas 21 locais Fortaleza Premius 2012 229

Idem a nota 4

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

137

Os referidos autores salientam que em um plano nacional destaca-se a proteccedilatildeo da

cultura indigena referida no Capitulo VIII sobre a ldquoOrdem Socialrdquo da nossa

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 artigo 231 ao artigo 232

como tambeacutem a proteccedilatildeo do meio ambiente ora referida no Capiacutetulo VII artigo 225 da

Constituiccedilatildeo Federal ldquoTodos tecircm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

bem de uso comum do povo e essencial agrave sadia qualidade de vida impondo-se ao Poder

Puacuteblico e agrave coletividade o dever de defendecirc-lo e preservaacute-lo para as presentes e futuras

geraccedilotildeesrdquo (Brasil 2012 p 59) e tambeacutem no Capitulo II ldquoDos direitos e garantias

fundamentaisrdquo Artigo 5ordm LXXIII (Vieira de Melo amp Valeacuterio 2019)

A Constituiccedilatildeo Brasileira ao tratar do direito agrave vida nas disposiccedilotildees constitucionais

sobre a Ordem Social direciona a necessidade de um ambiente equilibrado

ecologicamente privilegiando a condiccedilatildeo da dignidade humana Verificamos que

muitas Constituiccedilotildees Nacionais seguiram os princiacutepios estipulados pelas convenccedilotildees e

introduziram o direito ao meio ambiente saudaacutevel no rol de direitos fundamentais dos

Estados Com isso temos na Lei nordm 680380 os princiacutepios do Desenvolvimento

Sustentaacutevel e na Lei nordm 603881 a instituiccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Meio Ambiente

(Cauacutela 2012)230

Deste modo o direito ao meio ambiente equilibrado eacute consagrado

como direito fundamental de terceira geraccedilatildeo

Vieira de Melo (2016)231

afirma que a influecircncia dos pensadores suiacuteccedilos foi fundamental

na construccedilatildeo do conhecimento sobre a consciecircncia ambiental e sua relaccedilatildeo com o

homem abrindo espaccedilo para o entendimento da ideia de desenvolvimento sustentaacutevel

que natildeo eacute nova tampouco passageira no entanto atualmente se constitui na soluccedilatildeo do

homem na terra porque a terra natildeo pertence ao homem e sim a todos os seres e aos

recursos naturais O autor faz referecircncia a Capra (2003)232

que por sua vez afirma que

os problemas atuais natildeo podem ser entendidos isoladamente porque satildeo problemas

sistecircmicos e que a escassez dos recursos e a degradaccedilatildeo do meio ambiente estatildeo ligadas

agraves grandes populaccedilotildees violando o respeito aos princiacutepios baacutesicos da ecologia que

perpassam as relaccedilotildees da existecircncia comunidades educaccedilatildeo administraccedilatildeo poliacutetica

etc Nesse contexto a Educaccedilatildeo Ambiental eacute entendida como promotora de uma

consciecircncia ambiental e uma maior relaccedilatildeo entre a sociedade e o meio ambiente como

tambeacutem uma ferramenta para possibilitar um novo desenvolvimento

Na doutrina tambeacutem natildeo se questiona a importacircncia da preservaccedilatildeo ambiental Ao

contraacuterio aponta-se para sua estreita relaccedilatildeo com o direito agrave qualidade de vida que

eleva o direito ambiental ao status de direito fundamental A partir da percepccedilatildeo do

direito ambiental como direito agrave qualidade de vida eacute que surgem as controveacutersias acerca

da ldquovidardquo que se pretende proteger Tendo como objeto de estudo a relaccedilatildeo do homem

com a natureza o direito ambiental pode ser centrado tanto na vida humana quanto na

vida sem adjetivaccedilotildees (humana ou natildeo) Os movimentos ecoloacutegicos se posicionam sob

dois diferentes prismas na defesa da dimensatildeo antropocecircntrica ou da dimensatildeo

ecocecircntrica do direito ambiental

230

Idem a nota anterior 231

Vieira de Melo R A A Contribuiccedilatildeo dos Pensadores Educacionais Suiacuteccedilos na Construccedilatildeo de uma

Educaccedilatildeo Ambiental para vencer os desafios de um Desenvolvimento Sustentaacutevel En Hernaacutendez Diacuteaz

JM(Coord) Influencias Suizas en la Educacioacuten Espantildeola e Iberoamericana Salamanca Ediciones de

Salamanca pp 347-354 2016 232

Capra F As conexotildees ocultas ciecircncia para uma vida sustentaacutevel Traduccedilatildeo Marcelo Brandatildeo Cipolla

Satildeo Paulo 3ed 2003

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

138

5 ANTROPOCENTRISMO VERSUS ECOCENTRISMO233

A visatildeo do mundo girando em torno do homem eacute o ponto central nos debates ambientais

e muito se avanccedilou no sentido da percepccedilatildeo humana e ao seu redor como parte

essencial de sua proacutepria sobrevivecircncia tem-se o meio ambiente No entanto a proteccedilatildeo

ambiental tem sido fundamental para a percepccedilatildeo do valor da natureza para o ser

humano e com isso o meio ambiente merece a sua tutela

Podemos compreender em conformidade com Vieira de Melo a relaccedilatildeo entre o homem

e o meio ambiente utilizando a antropologia assim temos na visatildeo antropocecircntrica a

relaccedilatildeo do homem com a natureza que nega o valor intriacutenseco do meio ambiente bem

como dos recursos naturais o que resulta na criaccedilatildeo de uma hierarquia na qual o ser

humano deteacutem posiccedilatildeo de superioridade acima e separada dos demais membros da

comunidade natural (2016)234

Os direitos fundamentais agrave vida agrave sauacutede e agrave qualidade de

vida satildeo fatores determinantes para os objetivos da proteccedilatildeo ambiental

Deste modo o meio ambiente soacute eacute protegido como uma consequecircncia e ateacute o limite

necessaacuterio para proteccedilatildeo do bem-estar humano Na visatildeo antropocecircntrica a utilizaccedilatildeo

do direito ambiental se sujeita a todas as outras necessidades interesses e valores da

natureza em favor daqueles relativos agrave humanidade Com isso os seres humanos seratildeo

as viacutetimas pois a exploraccedilatildeo do meio ambiente de maneira ilimitada e incondicional

prejudica toda a biosfera inclusive os seres humanos

O ecocentrismo vem de encontro agrave visatildeo antropocecircntrica e invoca na ecologia a ideia da

bioeacutetica ou seja a natureza tem valor intriacutenseco de direito proacuteprio independentemente

do seu valor para os seres humanos Assim os seres humanos satildeo moralmente

obrigados a respeitar as plantas os animais e toda a natureza que tecircm direito agrave

existecircncia e a um tratamento humano

Deste modo a natureza perde seu caraacuteter instrumental todos os seres vivos possuem

valor proacuteprio que natildeo podem ser mensurados de acordo com sua utilidade para as

aspiraccedilotildees humanas Da mesma forma a biodiversidade tambeacutem deve ser valorada por

ela mesma e natildeo como uma contribuiccedilatildeo para o bem-estar humano A plataforma da

ecologia visa agrave reestruturaccedilatildeo geral da relaccedilatildeo do homem com a natureza

redirecionando o foco que eacute tradicionalmente o ser humano para o meio ambiente

Como estrateacutegia os ecologistas pretendem o miacutenimo de intervenccedilatildeo humana nos

ecossistemas e para isso propotildeem a diminuiccedilatildeo da populaccedilatildeo mundial Essa

conceituaccedilatildeo estaacute fundamentada em uma nova forma de pensar as bases econocircmicas

sociais tecnoloacutegicas e filosoacuteficas da civilizaccedilatildeo humana e seu principal instrumental eacute

a propagaccedilatildeo da consciecircncia ecoloacutegica com a participaccedilatildeo de todos

No acircmbito econocircmico o desenvolvimento tem como base o meio ambiente e os bens e

os serviccedilos produzidos devem ser os necessaacuterios para a sociedade e o paracircmetro natildeo

deve ser a rentabilidade e a eficiecircncia econocircmica deve ser medida pelo grau de afetaccedilatildeo

233

Idem a nota 10 234

Vieira de Melo R A A busca da efetividade de direitos humanos uma anaacutelise dos objetivos do

milecircnio da cidade Aquiraz (Cearaacute Brasil) Revista de Estudos Brasilentildeos volume 3 nuacutemero 5 2ordm

semestre 2016

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

139

aos recursos naturais A produccedilatildeo local e natildeo-industrial deve substituir a produccedilatildeo

globalizada industrial e altamente poluente

No acircmbito social a teoria ecocecircntrica propotildee uma nova forma de solidariedade O ser

humano natildeo pode se colocar isolado ou superior ao meio natural que estaacute agrave sua volta Eacute

necessaacuterio que haja um sentimento de que o ser humano eacute parte do todo da biosfera e

como tal deve se portar O respeito muacutetuo entre os seres humanos deve estender-se para

abranger o respeito aos seres vivos em geral sem se falar em hierarquia A tecnologia

deve servir agrave proteccedilatildeo ambiental criando-se novas formas de reciclagem e

reaproveitamento do que eacute descartado A tecnologia natildeo deve ser um fim mas ser mero

instrumental em favor da vida Assim seu uso e posse devem ser democraacuteticos

A filosofia da ecologia profunda estaacute baseada na eacutetica ambiental que prega exatamente a

mudanccedila da perspectiva antropocecircntrica de enxergar o mundo e as relaccedilotildees dos seres

que o habitam

O filoacutesofo norueguecircs Arne Naess que criou e primeiro desenvolveu as principais

caracteriacutesticas de uma ecologia denominada profunda enumera oito princiacutepios baacutesicos

para identificaacute-la Satildeo eles

1 O bem-estar e o desenvolvimento da vida humana e natildeo humana na terra tecircm

valor em si proacuteprios (sinocircnimos valor intriacutenseco valor inerente) Este valor eacute

independente da utilidade do mundo natildeo-humano aos propoacutesitos humanos

2 A riqueza e a diversidade das formas de vida contribuem para a realizaccedilatildeo

deste valor e satildeo em si mesmos valores

3 Os homens natildeo tecircm o direito de reduzir esta riqueza e diversidade exceto para

satisfazer necessidades vitais

4 O desenvolvimento da vida e das culturas humanas eacute compatiacutevel com uma

reduccedilatildeo substancial da populaccedilatildeo humana O desenvolvimento da vida natildeo

humana exige essa reduccedilatildeo

5 A atual interferecircncia humana com o mundo natildeo-humano eacute excessiva e a

situaccedilatildeo estaacute a piorar rapidamente

6 As poliacuteticas devem ser alteradas Estas poliacuteticas afetam as estruturas

econocircmicas tecnoloacutegicas e ideoloacutegicas baacutesicas O estado das coisas daiacute

resultante seraacute profundamente diferente do presente

7 A mudanccedila ideoloacutegica eacute basicamente a de apreciar a qualidade de vida

(residindo em situaccedilotildees de valor inerente) em vez de aderir a um standard de

vida cada vez mais alto Haveraacute uma consciecircncia profunda da diferenccedila entre

grande e oacutetimo

8 Aqueles que subscrevem os pontos anteriores tecircm direta ou indiretamente a

obrigaccedilatildeo de tentar implementar as mudanccedilas necessaacuterias (1992)235

As maiores criacuteticas ao ecocentrismo profundo dizem respeito agrave afirmaccedilatildeo do valor

intriacutenseco da natureza e ao radicalismo das propostas de transformaccedilatildeo econocircmica e

social Para David Pepper a adoccedilatildeo do ambientalismo profundo levaria ao retrocesso

das comunidades primitivas tratando-se de um projeto aleacutem de inviaacutevel bastante

ingecircnuo ou na sua pior forma um projeto politicamente reacionaacuterio O problema da

235

Naess A Ecologia Profunda e estilo de vida In Terra Maior 1992

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

140

desigualdade e da miseacuteria nunca eacute realisticamente abordado apesar de sua iacutentima

ligaccedilatildeo com as questotildees ambientais (1996)236

Duas correntes mais ponderadas tomam parte no debate na tentativa de reestruturar o

que haacute de mais criticado na ecologia profunda e no antropocentrismo utilitaacuterio Satildeo elas

a ecologia superficial e o antropocentrismo fraco tambeacutem chamado de

antropocentrismo light enlightened ou natildeo-utilitaacuterio

Os ecologistas superficiais admitem que ldquoo resto da natureza pode ter valor intrinseco

mas o valor da humanidade eacute maiorrdquo Para David Pepper (1996)237

a ecologia

superficial acaba confundindo-se com a antropocecircntrica ldquoja que torna a terra um

instrumento para os fins humanosrdquo Os seres humanos satildeo reconhecidos como o uacutenico

ponto de referecircncia de valor Satildeo eles que conferem valor direitos obrigaccedilotildees e dever

moral e decidem o que deve e o que natildeo deve ser valorizado As preocupaccedilotildees dos

seres humanos devem ser resolvidas usando a natureza

A classificaccedilatildeo das correntes ambientalistas pode dar-se de diferentes maneiras a que

abordamos eacute apenas uma delas Por exemplo Michael Zimmerman (1993)238

classifica

a eacutetica ambiental em trecircs campos antropocentrismo fraco ecologia radical e

antropocentrismo reformista Segundo este autor no antropocentrismo fraco os

humanos satildeo intrinsecamente mais valiosos mas alguns seres natildeo-humanos tambeacutem

possuem seu proacuteprio valor natildeo podendo ser tratados apenas como meios para o alcance

de objetivos humanos Diferentemente o antropocentrismo reformista defende que os

seres natildeo-humanos possuem apenas valor instrumental ao homem Os problemas

ambientais natildeo estatildeo nas atitudes antropocecircntricas em relaccedilatildeo agrave natureza e sim nas

atitudes patriarcais falta consciecircncia ecoloacutegica de uso adequado dos recursos naturais

Por fim a ecologia radical pode ser identificada com os movimentos da ecologia

profunda o ecofeminismo e a ecologia social entre outros Para eles apenas uma

revoluccedilatildeo ou uma mudanccedila radical no paradigma cultural pode evitar a devastaccedilatildeo

ambiental

De maneira realmente semelhante o antropocentrismo natildeo-utilitaacuterio tambeacutem

instrumentaliza a natureza Poreacutem diferentemente da ecologia superficial ele natildeo

admite valor intriacutenseco agrave natureza O foco continua sendo o homem mas a anaacutelise

meramente utilitaacuteria de custobenefiacutecio fica superada Na verdade a introduccedilatildeo da eacutetica

no debate ecoloacutegico serve para reforccedilar o caraacuteter antropocecircntrico do ambientalismo

Apenas o homem eacute um ser moral O antropocentrismo natildeo-utilitaacuterio pretende ampliar o

coacutedigo moral para incluir as preocupaccedilotildees ambientais Segundo David Pepper ldquoos

antropocecircntricos fracos estatildeo preparados para alargar o que eacute claramente reconhecido

como um conjunto humano de atitudes morais (natildeo intriacutensecas na natureza) ao resto da

naturezardquo (1996) Ou seja o antropocentrismo fraco situa a questatildeo das atitudes em

favor da natureza tanto na sua relaccedilatildeo material com o homem pela qual o meio

ambiente deve ser preservado como forma de sustentaccedilatildeo da proacutepria vida humana

como tambeacutem na relaccedilatildeo meramente moral no desconforto que o ser humano pode

236

Pepper D Ambientalismo Moderno Coleccedilatildeo perspectiva ecoloacutegica nordm 29 Traduccedilatildeo Carla Lopes

Silva Correia Rio de Janeiro Instituto Piaget 1996 237

Idem a nota anterior 238

Zimmerman M E Callicott J B Sessions G Warren K J amp Clark J Environmental philosophy

From Animal Rights to Radical Ecology 3 1993

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

141

sentir ao se falar em tortura de animais ou pelo prazer esteacutetico de se preservar uma

bonita paisagem De qualquer forma o centro das preocupaccedilotildees eacute sempre o ser humano

Nesse sentido a proteccedilatildeo ambiental natildeo pode escapar de um miacutenimo de

antropocentrismo A humanidade pode natildeo ser o centro da biosfera mas apenas o ser

humano eacute capaz de reconhecer e respeitar a moralidade A questatildeo estaacute na inclusatildeo do

meio ambiente no coacutedigo moral gerando deveres de proteccedilatildeo ambiental como mostra a

figura 1

Figura 1 A importacircncia do Biocentrismo

Fonte googlkaNZun

Ao relacionar a proteccedilatildeo ao meio ambiente como direito humano fundamental com a

discussatildeo sobre a eacutetica ambiental parece que as posiccedilotildees mais ponderadas satildeo as mais

adequadas juridicamente no atual contexto histoacuterico A anaacutelise vem a seguir

Os direitos humanos como valores ocidentais foram concebidos sob a oacutetica

individualista liberal e serviram de base para o desenvolvimento da economia

capitalista Nesse contexto a natureza sempre foi vista como um instrumental

necessaacuterio para alcanccedilar ganhos materiais A natureza pode ser dominada e explorada

desde que se tenha em vista o benefiacutecio humano Essa eacute uma postura essencialmente

patrimonialista e utilitaacuteria De fato essa atitude gerou elevado grau de desenvolvimento

nos paiacuteses que a adotaram entretanto esse processo ocorreu com um alto custo a

degradaccedilatildeo

Assim surge o ecocentrismo sendo uma maneira de atribuir agrave natureza um valor

tornando-a significativa E o biocentrismo onde se tem o respeito agrave vida e nasce todo

comportamento humano Conforme ilustra a figura 2 a soma do antropocentrismo com

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

142

o biocentrismo tem como resultado o ecocentrismo que eacute o caminho para o

desenvolvimento sustentaacutevel

Figura 2 Desenvolvimento Sustentaacutevel

Fonte googlngYyQS

6 EDUCACcedilAtildeO AMBIENTAL E OS DIREITOS HUMANOS239

Eacute inegaacutevel a contribuiccedilatildeo da educaccedilatildeo suiacuteccedila com bases teoacutericas de cunho histoacuterico

social e filosoacutefico para compreender as questotildees que permeiam a educaccedilatildeo ambiental

tanto no Brasil como no mundo

Vieira de Melo chama atenccedilatildeo para o fato de que no Brasil no seacuteculo XX vaacuterios

educadores se destacaram especialmente apoacutes a divulgaccedilatildeo do Manifesto dos Pioneiros

da Educaccedilatildeo Nova240

de 1932 mencionando Lourenccedilo Filho (1897-1970) e Aniacutesio

Teixeira (1900- 1971) como grandes humanistas e nomes importantes da histoacuteria

pedagoacutegica brasileira (2016)241

Atualmente as ideias e experiecircncias dos autores da Escola Nova servem de fonte de

inspiraccedilatildeo pedagoacutegica na busca de rumos para nossa educaccedilatildeo e de modo inovador as

propostas pedagogicas de cidadania de Paulo Freire um educador que ldquoassumia seu

papel no mundo natildeo soacute como um mero constatador do que ocorre mas como algueacutem

239

Idem a nota 10 240

Educaccedilatildeo Nova ou ldquoEscola Novardquo termos que entre outros representam o movimento de renovaccedilatildeo do

ensino que foi especialmente forte na Europa na Ameacuterica do Norte e na primeira metade do seacuteculo XX

no Brasil tendo como os primeiros grandes inspiradores o escritor Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e

os pedagogos Heinrich Pestalozzi (1746-1827) e Freidrich Froumlebel (1782-1852) Destacando-se tambeacutem o

filoacutesofo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859- 1952) e o psicoacutelogo suiacuteccedilo Edouard Claparegravede

(1873-1940) 241

Idem a nota 17

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

143

que interveacutem como sujeitos de ocorrecircnciasrdquo (Valeacuterio 2016 p460)242

apresentam-se

atuais e substancialmente importantes para conceber o que eacute educaccedilatildeo ambiental na sua

visatildeo mais ampla compreendendo nela o desenvolvimento sustentaacutevel em prol da vida

de forma a instrumentar diferentes possibilidades de intervenccedilotildees na relaccedilatildeo sociedade-

natureza e por outro lado nos problemas e conflitos ambientais A oportunidade

portanto de uma Educaccedilatildeo Ambiental Criacutetica muito poderia contribuir para uma

mudanccedila de valores e atitudes fazendo surgir um tipo de subjetividade orientada por

sensibilidades e responsabilidades solidaacuterias com o meio social e ambiental e um

modelo para a formaccedilatildeo de indiviacuteduos e grupos sociais atuantes em relaccedilatildeo agraves questotildees

socioambientais tendo como horizonte uma eacutetica preocupada com a justiccedila ambiental

A proposta da Educaccedilatildeo Ambiental Criacutetica eacute desvendar e transformar a realidade

contribuindo na transformaccedilatildeo da sociedade atual assumindo de maneira inalienaacutevel

sua dimensatildeo poliacutetica desvencilhando-a de acordo com Guimaratildees (2004)243

de uma

postura educacional e de mundo subsidiada por um referencial paradigmaacutetico e

compromissos ideoloacutegicos que se manifestam hegemonicamente na constituiccedilatildeo da

sociedade nesse iniacutecio de seacuteculo

Tomando por exemplo o caso do Brasil o artigo 205 na Constituiccedilatildeo Federal enfoca

que a educaccedilatildeo deve visar ao pleno desenvolvimento da pessoa e ao preparo para

exercer a cidadania e a qualificaccedilatildeo profissional E no artigo 225 CF88 o meio

ambiente ganhou importacircncia de norma constitucional na qualidade de bem essencial agrave

sadia qualidade de vida para os presentes e tambeacutem para as futuras geraccedilotildees E dispotildee

que eacute direito do povo ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado e que a sua

preservaccedilatildeo eacute dever do poder puacuteblico e da coletividade Ou seja apoacutes a referida

legislaccedilatildeo entendemos que a Educaccedilatildeo Ambiental bem como a sustentabilidade satildeo

deveres e natildeo opccedilatildeo do Estado o qual deve dar exemplo para viabilizar o ambiente

sustentaacutevel na gestatildeo puacuteblica e na poliacutetica de seus atos

Na poliacutetica nacional de educaccedilatildeo ambiental em seu artigo 1˚ da Lei nordm 979599

podemos entender por educaccedilatildeo ambiental a construccedilatildeo dos valores sociais por

intermeacutedio do indiviacuteduo e da coletividade como tambeacutem conhecimentos atitudes

habilidades e competecircncias direcionadas para a conservaccedilatildeo do meio ambiente e a

obtenccedilatildeo de uma qualidade de vida sadia com sustentabilidade

Deste modo consideramos a educaccedilatildeo ambiental como uma ferramenta para obtenccedilatildeo

dos Direitos Humanos segundo Urquiza (2014)244

a educaccedilatildeo em especial nas

questotildees ambientais e humanas deve ser realizada de modo compartilhado e em

contiacutenuas capacitaccedilotildees pois o conhecimento eacute um direito e um bem de todos

afastando-se a antiga pedagogia centrada na escola Na contemporaneidade segundo

Edgar Morin (1999)245

a sociedade se tornou complexa exigindo-se entre diversos

242

Valeacuterio Martins R A Influecircncia de Pestalozzi nas pedagogias de Ceacutelestin Freinet e Paulo Freire

Utopias que nos fazem caminhar En Hernaacutendez Diacuteaz J M Influencias Suizas en la Educacioacuten Espantildeola

e Iberoamericana (pp 453-462) Salamanca Ediciones Universidad Salamanca 2016 243

Guimaratildees M (2004) Educaccedilatildeo Ambiental Criacutetica En PHILIPPE P L (coord) Identidades da

educaccedilatildeo ambiental brasileira Ministeacuterio do Meio Ambiente Diretoria de Educaccedilatildeo Ambiental Brasiacutelia

Ministeacuterio do Meio Ambiente 156 p 2004 244

Urquiza A H A Formaccedilatildeo de educadores em Direitos Humanos Campus Ed UFMS 2014 245

Morin E Los siete saberes necesarios para la educacioacuten del futuro Medelliacuten Colocircmbia UNESCO

1999 Scheila Pinno Oliveira Cadernos de Direito Piracicaba v 12(23) 79-89 jul dez 2012

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

144

saberes conhecimentos interdisciplinares que valorizem a vida o ambiente a cultura a

ciecircncia as diferenccedilas etc sendo a mesma um direito fundamental e humano que deve

estar sempre presente no processo educativo visando a obter nas escolas a cidadania

De acordo com Sheila Pinno Oliveira a sociedade e o poder estatal vecircm aumentando a

preocupaccedilatildeo com a proteccedilatildeo do meio ambiente considerado fundamental e esta proteccedilatildeo

pode ser vista como um meio para se obter a efetivaccedilatildeo dos direitos humanos (2012)246

A ocorrecircncia de danos ambientais viola outros direitos tambeacutem considerados

fundamentais como o direito agrave vida ao bem estar agrave sauacutede que satildeo assim como a

preservaccedilatildeo do meio ambiente reconhecidos internacionalmente A relevacircncia e

atualidade da temaacutetica satildeo consequecircncia da importacircncia que tem este tema em todo o

mundo ao mesmo tempo pelo descaso a todo momento verificamos queimadas

contaminaccedilatildeo dos cursos de aacutegua poluiccedilatildeo atmosfeacuterica devastaccedilatildeo das florestas caccedila

indiscriminada entre outras formas de agressatildeo ao meio ambiente o que nos leva a ter

uma vida cada vez com menos qualidade Com a continuidade de praacuteticas de desrespeito

e negligecircncia para com o meio a tentativa de proteccedilatildeo tornar-se-aacute ineficaz diante dos

atos de irresponsabilidade Assim a tentativa de um meio ambiente equilibrado e

protegido com o objetivo tambeacutem de recuperaccedilatildeo preservaccedilatildeo e melhorias do bem

ambiental eacute fundamental Conforme Oliveira a conscientizaccedilatildeo dessa proteccedilatildeocuidado

tem como ferramenta a educaccedilatildeo ambiental na sociedade sendo ela formal ou informal

(2012)247

Os chamados direitos humanos fundamentais de terceira geraccedilatildeo satildeo dirigidos agrave

coletividade a grupos humanos e natildeo ao indiviacuteduo em si como o direito agrave paz ao

desenvolvimento agrave qualidade de vida ao meio ambiente equilibrado entre outros no

entanto o direito a um ambiente equilibrado representa o grande desafio do seacuteculo XXI

Por serem direitos dirigidos agrave proteccedilatildeo da coletividade a preservaccedilatildeo da integridade do

meio ambiente consideramos direitos humanos por ser o anseio da sociedade por uma

vida com qualidade na contemporaneidade

Conforme expotildee Urquiza a nova concepccedilatildeo de uma educaccedilatildeo com capacitaccedilatildeo

permanente concebe que devemos compartilhar o conhecimento e que natildeo estaacute voltada

somente para o ente capacitador que deteacutem o conhecimento devemos ter a consciecircncia

do compartilhamento no qual essa perspectiva contemporacircnea chamada de

interdisciplinar valoriza os conhecimentos adquiridos na informalidade nos debates

nos foacuteruns etc Assim as accedilotildees praacuteticas do cotidiano devem ser compartilhadas e

precisam ser valorizadas (2014)248

Os dispositivos legais e argumentos discutidos atualmente subsidiam e esclarecem que a

Educaccedilatildeo em geral e especificamente a de Educaccedilatildeo de Direitos Humanos e a

Cidadania devem andar juntas na busca do respeito aos direitos humanos fundamentais

e agrave paz social

Na praacutetica interdisciplinar que integra a aacuterea de direitos humanos e educaccedilatildeo deve

acontecer a integraccedilatildeo entre professores escolas Municiacutepios ou qualquer interessado

246

Scheila Pinno Oliveira Cadernos de Direito Piracicaba v 12(23) 79-89 juldez 2012 247

Idem a nota anterior 248

Idem a nota de nuacutemero 24

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

145

nestes temas com o entendimento de que a Educaccedilatildeo Ambiental auxilia no

desenvolvimento da pessoa humana para efetivaccedilatildeo do exerciacutecio da cidadania

Evidenciamos portanto que a Educaccedilatildeo Ambiental aleacutem de sua caracteriacutestica de

transversalidade eacute uma exigecircncia e uma necessidade imperiosa para todos natildeo podendo

ficar separada dos debates quanto agraves questotildees do desenvolvimento sustentaacutevel da

ecologia e dos Direitos Humanos entre outras (Carvalho et al 2008)249

Com isso podemos constatar que a educaccedilatildeo ambiental eacute uma forma de promover uma

cultura de prevenccedilatildeo agrave degradaccedilatildeo ambiental para que a sociedade tenha consciecircncia da

atual realidade e possa refletir sobre as relaccedilotildees dos indiviacuteduos com o meio ambiente

sendo uma temaacutetica interdisciplinar necessaacuteria para obtermos um ambiente sustentaacutevel

7 O DESAFIO DA SUSTENTABILIDADE250

A sustentabilidade corresponde a um conceito que estaacute associado agrave compreensatildeo de que

o mundo natildeo eacute tatildeo grande e ilimitado como pensaacutevamos Mayor Zaragoza apud Gil

Peacuterez amp Vilches (2011)251

explica que a preocupaccedilatildeo surgida recentemente pela

preservaccedilatildeo de nosso planeta eacute indiacutecio de uma autecircntica revoluccedilatildeo das mentalidades

que apareceu em apenas uma ou duas geraccedilotildees esta metamorfose cultural cientiacutefica e

social rompe com uma antiga tradiccedilatildeo de indiferenccedila para natildeo dizer de hostilidade e

desrespeito Natildeo se trata pois de ldquoresgatarrdquo o perdido de voltar atras mas de seguir

avanccedilando para superaccedilatildeo dos persistentes obstaacuteculos

Los seres humanos estamos alterando la Tierra de forma sustancial y

creciente Entre un tercio y la mitad de la superficie terrestre ha sido

transformada por la accioacuten humana la concentracioacuten de dioacutexido de carbono

en la atmoacutesfera se ha incrementado en cerca de un 30 desde el comienzo de

la Revolucioacuten Industrial la humanidad ha fijado maacutes nitroacutegeno atmosfeacuterico

que el conjunto de todas las fuentes naturales terrestres maacutes de la mitad de

toda el agua dulce accesible esta siendo utilizada por la humanidad (hellip)

Nada ilustra maacutes claramente hasta queacute punto los seres humanos dominamos

la Tierra que el hecho de que mantener la diversidad de las especies

ldquosilvestresrdquo y el funcionamiento de los ecosistemas ldquonaturalesrdquo exigira una

creciente implicacioacuten de la humanidad (Vituosek et al apud Gil Peacuterez amp

Vilches 2011)252

Estamos diante do fenocircmeno Antropoceno253

conforme ilustra a figura 3 a seguir

Como podemos perceber a sustentabilidade se tornou uma necessidade em virtude da

249

Carvalho I C D M Gruumln M amp Trajber R (2008) Pensar o ambiente bases filosoacuteficas para a

educaccedilatildeo ambiental Brasiacutelia DF Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura 250

Idem a nota 10 251

Gil Peacuterez D amp Vilches A Revista Electroacutenica de Ensentildeanza de las Ciencias vol 10 nordm 3 394-419

2011 252

Idem nota anterior 253

Nome proposto de forma oficial agrave International Commission on Stratigraphy (ICS) em um artigo

publicado na revista GSA Today (Geological Society of America) por geoacutelogos britacircnicos que

argumentaram que o Holoceno chegou ao fim dando entrada a este outro periacuteodo do tempo geoloacutegico

consequecircncia dos efeitos da atividad humana sobre o meio ambiente global (Zalasiewicz et al apud Gil

Peacuterez amp Vilches A 2011) A transiccedilatildeo teria ocorrido devido a interferecircncia intensa e irreversiacutevel da

humanidade na natureza

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146

inviabilidade de vivermos em um ambiente que natildeo suporta o ritmo atual de consumo e

degradaccedilatildeo Hoje todos buscam entender a sustentabilidade como uacutenico caminho capaz

de permitir a continuidade e renovaccedilatildeo do meio ambiente Assim a sustentabilidade natildeo

pode ser vista apenas como um conceito bonito pois ela jaacute passou a ser uma questatildeo de

sobrevivecircncia humana sendo um desafio central do seacuteculo XXI diante da maacute utilizaccedilatildeo

dos recursos naturais Deste modo todos necessitam reverter sua cultura e

comportamento e ir em direccedilatildeo agrave sustentabilidade porque a humanidade estaacute vivendo

um conflito insustentaacutevel

Figura 3 Fenocircmeno do antropoceno

Fonte googl3PkyJ9

A sustentabilidade do ecossistema consiste em adequar o respeito ao meio ambiente e agraves

necessidades do desenvolvimento Um dos grandes objetivos do PNUD (Plano Nacional

das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento) eacute exatamente garantir a sustentabilidade

ambiental posto que segundo as informaccedilotildees desta instituiccedilatildeo um bilhatildeo de pessoas no

planeta ainda natildeo tem acesso agrave aacutegua potaacutevel muito menos ao saneamento baacutesico dois

fatores que satildeo preponderantes para a qualidade de vida da populaccedilatildeo e fundamentais

para se atingir a sustentabilidade Um crescimento econocircmico e social deve ser obtido

considerando e respeitando o patrimocircnio natural das naccedilotildees sem no entanto perturbar

os equiliacutebrios ecoloacutegicos O contexto sustentaacutevel visa ao desenvolvimento ao

preocupar-se com a geraccedilatildeo de riquezas e com uma distribuiccedilatildeo adequada para

melhorar a qualidade de vida da populaccedilatildeo e consequentemente a qualidade ambiental

do planeta

De acordo com Hart apud Coral para alcanccedilar a sustentabilidade os maiores desafios

dos setores puacuteblico e privado eacute tentar resolver problemas como a poluiccedilatildeo a escassez de

recursos naturais e a miseacuteria no mundo (2002)254

Parece utoacutepico mas um dos

primeiros passos do mundo para traccedilar o caminho da sustentabilidade foi dado e um

dos mais importantes que foi a ECO 92 realizada no Rio de Janeiro que teve um

protocolo de intenccedilotildees e como resultado a Agenda 21 que faz constar aleacutem da

254

Coral E Modelo de Planejamento Estrateacutegico para a Sustentabilidade Empresarial Tese do Programa

de Poacutes-Graduaccedilatildeo da UFSC 2002

Os seres humanos modificaram o

Planeta com tamanha intensidade que

temos uma nova era geoloacutegica ndash O

Antropoceno

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

147

erradicaccedilatildeo da miseacuteria a formulaccedilatildeo de que os paiacuteses mais ricos e poluidores deveriam

assumir a responsabilidade pela poluiccedilatildeo pois a populaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados

soma cerca de 12 bilhotildees de pessoas sendo responsaacutevel pela maioria da poluiccedilatildeo e

recursos do planeta (Mcdevitt apud Coral 2002)255

e a degradaccedilatildeo ambiental criada

pela atividade humana eacute uma funccedilatildeo de trecircs fatores a saber o tamanho da populaccedilatildeo o

grau de consumo e a tecnologia e ainda o setor produtivo mundial o maior consumidor

dos recursos naturais e o maior responsaacutevel pela poluiccedilatildeo Todos empresas governos

etc satildeo portanto afetados pela busca por um desenvolvimento sustentaacutevel sendo tal

desenvolvimento um objetivo importante nas poliacuteticas puacuteblicas de governos e nas

estrateacutegias das organizaccedilotildees poreacutem natildeo priorizados

Tendo como base o posicionamento de Coral (2002)256

para se atingir a

sustentabilidade deve-se estabilizar a populaccedilatildeo mundial reduzir o consumo

desenvolver novas tecnologias que modifiquem a maneira atual de produzir riquezas

Pois os estudos mostram que ateacute 2025 a cada trecircs pessoas duas viveratildeo em cidades

(Hart apud Coral 2002)34 e 90 dos agrotoacutexicos utilizados na agricultura ficam no

solo e vatildeo parar nos rios e lagos (Mangretai apud Coral 2002)257

Como vemos as questotildees sociais e ambientais passam a ser evidenciadas no conceito de

sustentabilidade e as intensas crises nos planos econocircmicos poliacuteticos dos valores e da

cultura fazem repensar a preocupaccedilatildeo da sociedade com a degradaccedilatildeo ambiental como

tambeacutem exigir das empresas diretamente responsaacuteveis por essa crise ambiental e social

que consigam o seu crescimento mas mantendo um equiliacutebrio entre o setor produtivo e

a exploraccedilatildeo ambiental

Tais preocupaccedilotildees com o meio ambiente decorrem de um legiacutetimo medo da extinccedilatildeo do

ser humano e refletir sobre a possibilidade do direito a manutenccedilatildeo da vida eacute deste

modo construir uma nova economia com novas praacuteticas de respeito ao meio ambiente

infraestrutura ambiental aleacutem de tecnologias limpas empregos verdes conscientizaccedilatildeo

sensibilizaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental seguindo as novas diretrizes da ONU

Nesse vieacutes consideramos que o meio ambiente eacute um fator importante para o

desenvolvimento sustentaacutevel sendo um bem de utilizaccedilatildeo pelo homem e essencial a

uma sadia qualidade de vida tendo todos o dever de protegecirc-lo e preservaacute-lo

Conforme Eacutedis Milareacute (2005)258

de fato eacute fundamental o envolvimento do cidadatildeo no

equacionamento e na implementaccedilatildeo da poliacutetica ambiental dado que o sucesso desta

supotildee que todas as categorias da populaccedilatildeo e todas as forccedilas sociais conscientes de suas

responsabilidades contribuam para a proteccedilatildeo e melhoria do ambiente o qual afinal eacute

bem e direito de todos

No entanto para almejarmos a sustentabilidade necessitamos de um equiliacutebrio saindo

da insustentabilidade para solidariedade construindo novos valores e comportamentos

com a natureza que pressupotildee uma serie de ensinamentos complexos a exigir uma

transformaccedilatildeo nos aspectos produtivos sociais e econocircmicos

255

Idem nota anterior 256

Idem nota anterior 257

Idem nota anterior 258

Milareacute E Meio Ambiente os Direitos de Personalidade Revista de Direito Ambiental vol 37

janeiro 2005

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

148

O processo sustentaacutevel eacute um desafio constante e nesse sentido consideramos que a

ligaccedilatildeo da sustentabilidade com a preservaccedilatildeo ambiental aleacutem do respeito agrave natureza

estaacute intimamente ligada agrave cultura e agrave educaccedilatildeo ambiental de modo que ter uma vida

sustentaacutevel no seacuteculo XXI significa estar em paz consigo mesmo com a sociedade e

com o meio ambiente em que se vive sendo o reflexo do que deixaremos para as nossas

futuras geraccedilotildees

8 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desafio do seacuteculo XXI diante da maacute utilizaccedilatildeo dos recursos naturais consiste na

necessidade de transformar a cultura e ir em direccedilatildeo agrave sustentabilidade porque a

humanidade estaacute vivendo um conflito insustentaacutevel A construccedilatildeo deste novo mundo

com a reduccedilatildeo da desigualdade tem como fator preponderante a Cultura e a Educaccedilatildeo

Ambiental que auxilia no desenvolvimento da pessoa humana para efetivaccedilatildeo do

exerciacutecio da cidadania fundamental nas relaccedilotildees internacionais como respeito agrave

natureza igualdade liberdade solidariedade toleracircncia e responsabilidade pela gestatildeo

do desenvolvimento econocircmico e social

Em concordacircncia com Norberto Bobbio para quem a terceira geraccedilatildeo dos direitos tem

um enfoque com base em estrateacutegias de prevenccedilatildeo adaptaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo

internacional entre as naccedilotildees Os grandes problemas ambientais do mundo atual satildeo

globais e como tais exigem soluccedilotildees universais marcadas natildeo soacute pela solidariedade dos

ricos para com os pobres do sistema mundial senatildeo tambeacutem pela solidariedade das

geraccedilotildees presentes para com as geraccedilotildees futuras

Haacute mais de duas deacutecadas tivemos no Brasil por exemplo uma decisatildeo do STF

(Supremo Tribunal Federal) sendo relator o Ministro Celso Mello (1995) afirmando

que o direito agrave integridade do meio ambiente eacute tiacutepico de terceira geraccedilatildeo e eacute refletido

dentro do processo dos Direitos Humanos

Enquanto os direitos de primeira geraccedilatildeo realccedilam o princiacutepio da liberdade os direitos

de segunda geraccedilatildeo direitos econocircmicos sociais e culturais os direitos de terceira

geraccedilatildeo consagram o princiacutepio da solidariedade que constitui um momento no processo

de desenvolvimento expansatildeo e reconhecimentos dos Direitos Humanos Ressaltamos

que a doutrina com apoio da jurisprudecircncia e legislaccedilatildeo reconhece que o meio

ambiente deve ser tutelado de forma a natildeo se tornar inapto agrave vida Aliaacutes eacute de

preocupaccedilatildeo geral que o meio ambiente seja amplamente protegido a fim de que o

coletivo seja beneficiado

Num mundo de abundacircncia e de desigualdades crescentes a pobreza eacute natildeo soacute um

propiciador de violaccedilotildees dos Direitos Humanos ela proacutepria eacute uma violaccedilatildeo desses

direitos Nesse sentido era consenso que a agenda poacutes-2015259

deveria ser centrada nas

pessoas nas suas aspiraccedilotildees e nos seus direitos reconhecidos internacionalmente

259

Disponiacutevel em wwwunescoorgnewptbrasiliapost-2015-development-agenda Acesso em

14042018

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

149

Assim destacamos o direito de obter um ambiente equilibrado que eacute a base para um

desenvolvimento sustentaacutevel o qual nos dias de hoje eacute um tema discutido como um

direito fundamental importante ganhando extrema relevacircncia nos uacuteltimos tempos e

passando a ser tratado pela comunidade internacional como prioritaacuterio para obtermos

uma postura voltada agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e assegurar uma qualidade de vida

melhor para as futuras geraccedilotildees

A limitaccedilatildeo dos recursos ambientais que vem na contramatildeo da ganacircncia e do descaso

diante da revoluccedilatildeo dos meios de produccedilatildeo e progressos tecnoloacutegicos agregados agrave

degradaccedilatildeo do meio ambiente torna necessaacuteria a busca por uma vida mais digna e pela

eliminaccedilatildeo da pobreza e da fome o que exige um processo de transformaccedilatildeo e

harmonizaccedilatildeo da exploraccedilatildeo de recursos primando por um crescimento econocircmico

racional e eficiente baseado em novos paracircmetros econocircmicos culturais e de valores

em todo mundo criando fontes alternativas para se atingir um novo desenvolvimento

tendo a consciecircncia de que natildeo se devem esgotar os recursos naturais Estamos falando

da conduccedilatildeo a um novo tipo de desenvolvimento que leve agrave obtenccedilatildeo de um

desenvolvimento sustentaacutevel tendo como base natildeo soacute a parte econocircmica mas a

ambiental a social e a cultural

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151

VEDACcedilAtildeO AO RETROCESSO AMBIENTAL

ALICE ABREU LIMA JORGE

MARINA SOARES MARINHO

__________________ SUMAacuteRIO _______________

1 Introduccedilatildeo 2 Os direitos fundamentais como

claacuteusula peacutetrea 3 O direito ambiental como direito

fundamental 4 Vedaccedilatildeo ao retrocesso princiacutepio

impliacutecito 5 Paracircmetros para a aplicaccedilatildeo do

princiacutepio da vedaccedilao ao retrocesso 6 Conclusotildees

1 INTRODUCcedilAtildeO

Vivemos no meio ambiente Tudo ao nosso redor o integra A incorporaccedilatildeo desse

espaccedilo agraves nossas vidas eacute tatildeo elementar que frequentemente esquecemos que fazemos

parte do conjunto dos seres vivos e natildeo vivos que compotildeem o planeta Terra Natildeo

percebemos sequer que estamos respirando O pertencimento nos impede de nos

afastarmos e percebermos que existe uma ldquorelaccedilatildeo simbioticardquo entre nos e o meio

ambiente dele dependemos e em certa medida ele tambeacutem depende de noacutes

A naturalidade dessa relaccedilatildeo por vezes eacute perturbada Esses momentos satildeo mais

frequentes diante de grandes eventos Assustamo-nos com a influecircncia do homem sobre

a natureza por exemplo quando acontecem desastres ambientais Essa lembranccedila

acarreta reaccedilotildees pessoais e institucionais no sentido de responder agrave inseguranccedila que

sentimos diante desses acontecimentos Tambeacutem gera comoccedilatildeo a divulgaccedilatildeo de dados e

pesquisas que acompanham o impacto da accedilatildeo humana no meio ambiente ao longo dos

anos Nestes momentos tomamos consciecircncia dos impactos intergeracionais das nossas

accedilotildees e daqueles que habitaram o planeta antes de noacutes e de como o meio ambiente estaacute

Doutoranda e mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Poacutes-Graduada em

Direito de Empresa pelo Instituto de Educaccedilatildeo Continuada da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Minas

Gerais ndashIEC PUCMinas Advogada Soacutecia do Coimbra amp Chaves Sociedade de Advogados Doutoranda e mestre em Direito Tributaacuterio pela Universidade Federal do Estado de Minas Gerais

(UFMG) Professora do Curso Superior de Administraccedilatildeo Puacuteblica da Escola de Governo da Fundaccedilatildeo

Joatildeo Pinheiro e da Poacutes-Graduaccedilatildeo da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Minas Gerais (PUCMG)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

152

integrado e os danos invisiacuteveis podem ser sentidos por outras pessoas em locais muito

distantes de onde estamos

Ocorre que os desastres de agora satildeo os efeitos de accedilotildees do passado guiadas pelo

sentimento de naturalidade da existecircncia das coisas (como se elas nunca fossem acabar)

ou mesmo pela despreocupaccedilatildeo com o futuro Os impactos que no presente se verificam

foram praticados no passado Por isso muitas vezes natildeo identificamos os problemas que

precisamos enfrentar ou nos esquivamos de enfrentaacute-los porque seus resultados natildeo

seratildeo imediatos

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 (CRFB1988) natildeo eacute uma

constituiccedilatildeo com data de validade Ela jaacute atravessa um periacuteodo de vigecircncia de mais de

30 (trinta) anos e natildeo haacute indiacutecios de que seraacute abandonada Haacute como deve ser pretensatildeo

de continuidade estabilidade que as normas juriacutedicas do ordenamento brasileiro se

guiem desde a sua promulgaccedilatildeo pelos mesmos valores e princiacutepios ainda que a

definiccedilatildeo de conceitos constitucionais evolua juntamente com a evoluccedilatildeo da sociedade

A previsibilidade e a confianccedila satildeo essenciais a qualquer Estado Democraacutetico de

Direito

Entatildeo seja sob a perspectiva da intergeracionalidade da estabilidade ou evoluccedilatildeo

social satildeo incitados debates acerca da (im)possibilidade retroceder sobre determinados

comandos constitucionais No caso do Direito Ambiental a proacutepria CRFB1988

estabelece o dever de todos de preservar a qualidade do meio ambiente para as geraccedilotildees

presentes e futuras (art 225 caput) Soma-se a isso a ideia de que o nuacutecleo duro de

qualquer constituiccedilatildeo natildeo deve ser alterado sob pena de alterar-se o espiacuterito e o projeto

baacutesico constitucional Aleacutem disso argumenta-se que as conquistas para implementar o

ideal do Estado Democraacutetico de Direito natildeo podem ser abandonadas porque essa eacute uma

caminhada sempre adiante sobre a qual o Estado natildeo pode voluntariamente retroceder

Este artigo analisa a amplitude da proteccedilatildeo a direitos de terceira geraccedilatildeo mais

especificamente o direito agrave qualidade do meio ambiente Ainda analisa os argumentos

para defender que quanto a ele haveria vedaccedilatildeo ao retrocesso Por fim sugere balizas

para identificar o retrocesso

2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO CLAacuteUSULA PEacuteTREA

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil (CRFB1988) idealizada durante a

redemocratizaccedilatildeo brasileira conjugou em seu texto dois ideais frequentemente vistos

como opostos na construccedilatildeo poliacutetica de governos e Estados igualdade e liberdade

Desde seu preacircmbulo a CRFB1988 deixa claro que o Estado Democraacutetico de Direito

sera plural respeitando as individualidades de cada um consagra ldquoa igualdade e a

justiccedila como valores supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem

preconceitosrdquo

A oposiccedilatildeo entre liberdade e igualdade eacute paradoxal em geral motivada por debates

envolvendo a desigualdade e a propriedade privada Tanto liberdade quanto igualdade

podem ser analisadas por diferentes perspectivas envolvendo diferentes campos dos

relacionamentos sociais Por isso autores como John Rawls (2003) ampliam a anaacutelise

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

153

da ldquoliberdaderdquo para tratar de ldquoliberdadesrdquo (no plural) assim como admitem que em um

contexto de garantia de igualdade subsista desigualdade de recursos [bens primaacuterios] A

igualdade para teorias desse tipo estaacute na garantia das liberdades baacutesicas a todos

(mesmo que o valor de gozo dessas liberdades seja diferente para cada cidadatildeo)

Havendo igualdade na sua promoccedilatildeo entatildeo satildeo admitidas desigualdades de bens

primaacuterios Isso porque as desigualdades tambeacutem seratildeo ocasionadas pelas decisotildees

autocircnomas que os cidadatildeos tomam no sentido viverem a sua vida de acordo com o que

acreditam Se haacute a garantia de um conjunto de liberdades baacutesicas a todos entatildeo cada um

possui o que eacute necessaacuterio para conduzir os seus atoa no sentido de alcanccedilar o que

julgam como vida boa

O breviacutessimo comentaacuterio a respeito da teoria rawlsiana nos serve apenas demonstrar

que existem teorias chamadas liberais que conciliam igualdade e liberdade justamente

com o objetivo de promover liberdade real para todos Por isso natildeo eacute desarrazoado

concluir que a Constituiccedilatildeo brasileira trilhou caminho similar Natildeo haacute incoerecircncia em

pensar igualdade e liberdade como valores complementares e fundamentalmente

necessaacuterios na garantia de um pelo outro

Basta perceber por exemplo que a nossa Constituiccedilatildeo assegura a livre iniciativa e

prevecirc tambeacutem o tratamento favorecido para as micro e pequenas empresas A

conciliaccedilatildeo de ambas as disposiccedilotildees conduz novamente agrave conclusatildeo de que se conjuga

liberdade e igualdade no nosso ordenamento juriacutedico Soacute eacute possiacutevel falar em livre

mercado (ou em livre concorrecircncia) se falarmos de um mercado aberto e permeaacutevel agrave

entrada novos agentes sem a perpetuaccedilatildeo de privileacutegios relacionados com a

desigualdade social Ou seja natildeo eacute ldquolivre mercadordquo se apenas as grandes empresas ou

os grandes grupos econocircmicos conseguem participar da competiccedilatildeo Justifica-se a

intervenccedilatildeo do Estado para assegurar a liberdade de competiccedilatildeo e natildeo haacute incoerecircncia

nisso ainda mais se considerarmos que natildeo partimos do vaacutecuo do momento zero os

privileacutegios e as desigualdades sociais foram construiacutedos e mantidos ao longo de nossa

histoacuteria Por isso sem a garantia material de igualdade eacute impossiacutevel assegurar liberdade

a todos fica impedido o acesso agraves liberdades e com isso a tomada de decisotildees

autocircnomas (como conduzir a sua atividade empresarial por exemplo)

Tambeacutem pelo valor atribuiacutedo aos direitos sociais [direitos fundamentais de segunda

geraccedilatildeo]260

percebemos que a CRFB1988 concilia liberdade e igualdade promovendo a

dignidade da pessoa humana a muito mais que as condiccedilotildees miacutenimas para sobreviver

Como explicam Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Branco Gonet os direitos de segunda

geraccedilatildeo satildeo os meios pelos quais se intenta estabelecer ldquouma liberdade real e igual para

todos mediante a accedilatildeo corretiva dos Poderes Puacuteblicosrdquo Eacute ver o comentario dos autores

sobre o assunto

[o] princiacutepio da igualdade de fato ganha realce nessa segunda geraccedilatildeo dos

direitos fundamentais a ser atendido por direitos a prestaccedilatildeo e pelo

reconhecimento de liberdades sociais ndash como a de sindicalizaccedilatildeo e o direito

de greve Os direitos de segunda geraccedilatildeo satildeo chamados de direitos sociais

natildeo porque sejam direitos de coletividades mas por se ligarem a

reivindicaccedilotildees de justiccedila social ndash na maior parte dos casos esses direitos tecircm

por titulares indiviacuteduos singularizados (MENDES BRANCO 2017 p 129 ndash

e-book)

260

Trata-se dos direitos relacionados a assistecircncia social sauacutede educaccedilatildeo trabalho lazer etc

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

154

Aleacutem dos direitos fundamentais de segunda geraccedilatildeo a CRFB1988 ainda elenca os

chamados ldquodireitos de terceira geraccedilatildeordquo os quais protegem natildeo o individuo

particularizado mas as coletividades e os grupos Sua titularidade eacute difusacoletiva Eacute

nesse espectro que se encontra o direito agrave qualidade do meio ambiente Haacute ainda os

apontados direitos de quarta geraccedilatildeo relacionados com a tecnologia

Mais uma vez invocando Mendes e Branco a utilidadeimportacircncia de classificar os

direitos fundamentais em geraccedilotildees eacute entender os diferentes momentos em que a

demanda por esses grupos de direitos foram acolhidos por nossa ordem juriacutedica

(MENDES BRANCO 2017 p 129) Natildeo haacute relaccedilatildeo de hierarquia entre eles Ademais

embora a titularidade dos direitos de terceira geraccedilatildeo seja coletiva e natildeo individual eacute

faacutecil perceber a sua relaccedilatildeo com o indiviacuteduo e com a garantia da dignidade da pessoa

humana261

A caracteriacutestica da coletividade do direito eacute apenas relativa agrave

impossibilidade de identificar qual eacute o proveito que especificamente cada cidadatildeo tira

daquele direito a indivisibilidade

Identificar direitos fundamentais tambeacutem eacute importante para analisar a norma posta no

art 60 sectsect4ordm e 5ordm da CRFB1988 a qual estabelece as chamadas claacuteusulas peacutetreas do

nosso ordenamento juriacutedico

sect 4ordm Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir

I - a forma federativa de Estado

II - o voto direto secreto universal e perioacutedico

III - a separaccedilatildeo dos Poderes

IV - os direitos e garantias individuais

sect 5ordm A mateacuteria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por

prejudicada natildeo pode ser objeto de nova proposta na mesma sessatildeo

legislativa

A letra fria da norma faz referecircncia ao Capiacutetulo I do Tiacutetulo II da CRFB1988 que

abrange os arts 5ordm a 17 Este capiacutetulo eacute composto apenas do art 5ordm Estariam portanto

literalmente contemplados como claacuteusulas peacutetreas somente os direitos fundamentais de

primeira geraccedilatildeo Os direitos de segunda geraccedilatildeo estatildeo previstos nos art 6ordm e 7ordm

enquanto os terceira tecircm sua previsatildeo distribuiacuteda ao longo da Constituiccedilatildeo Natildeo haacute

referecircncia expressa por exemplo ao direito agrave qualidade do meio ambiente

Haacute por outro lado a previsatildeo no inc LXXIII do art 5ordm agrave legitimidade de qualquer

cidadatildeo para propor accedilatildeo popular que vise a anular ato lesivo ao ldquopatrimocircnio puacuteblico ou

de entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e

ao patrimocircnio historico e culturalrdquo Ou seja o art 5ordm assegura a proteccedilatildeo dos direitos

fundamentais coletivos indicando seus reflexos na esfera individual ao reconhecer

como legiacutetimo para a propositura da accedilatildeo qualquer cidadatildeo Fica claro que aquele

direito que impacta a todos pode ser reivindicado por todos na sua totalidade

261

Natildeo obstante essa visatildeo seja corroborada por Vieira de Andrade para quem o reconhecimento de um

direito fundamental se daacute pela sua vinculaccedilatildeo agrave dignidade da pessoa humana Joseacute Gomes Canotilho

pondera que no caso de direitos coletivosdifusos natildeo haveria essa ligaccedilatildeo clara porque ela dota de

subjetividade os direitos de terceira geraccedilatildeo (MENDES BRANCO 2017 p 131) Discordamos do

professor de Coimbra porque mesmo os direitos coletivos refletem na esfera individual e nesse sentido

vinculam-se agrave dignidade da pessoa humana

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

155

Para aleacutem da anaacutelise da redaccedilatildeo dos dispositivos eacute igualmente relevante apresentar o

posicionamento da doutrina a respeito do tema Primeiramente eacute preciso ter em mente

que as claacuteusulas peacutetreas resguardam a imutabilidade de determinados preceitos

constitucionais Garantem que as reivindicaccedilotildees que impulsionaram o processo

constituinte continuem contempladas na estrutura do ordenamento juriacutedico que natildeo seja

abolido o seu ldquoprojeto basicordquo (MENDES BRANCO 2017 p 118) Aleacutem disso eacute

preciso estabelecer o seu alcance (como visto a literalidade da norma pode levar a uma

interpretaccedilatildeo restritiva)

No que tange ao sect4ordm Ingo Sarlet esclarece que se trata dos limites materiais ao poder de

reforma enquanto os demais paraacutegrafos abrangeriam os limites formais e

circunstanciais Para o autor fala-se em limites materiais porque ldquoconsistem em

mateacuterias que em virtude de constituiacuterem o cerne material de uma constituiccedilatildeo

representa[m] pois a sua propria identidaderdquo (SARLET In CANOTILHO et al 2013

p 2382 ndash e-book) Complementa que essas mateacuterias asseguram certa estabilidade ao

sistema juriacutedico jaacute que para serem alteradas dependeriam de uma constituiccedilatildeo nova

Especificamente com relaccedilatildeo ao inc IV esclarece que haacute forte controveacutersia doutrinaacuteria

a respeito da interpretaccedilatildeo da expressatildeo ldquodireitos e garantias fundamentaisrdquo e antecipa

que a fortes argumentos para ignorar a interpretaccedilatildeo literal do dispositivo

Em primeiro lugar destaca a insuficiecircncia do elemento gramatical no acircmbito da

hermenecircutica juriacutedica Em segundo lugar aponta que a alusatildeo a direitos e garantias

individuais restringe ldquoa condiccedilatildeo de clausula de eternidade aos lsquodireitos e garantias

individuais propriamente ditosrsquo na esteira da Lei Fundamental de Bonn e da

Constituiccedilatildeo Portuguesa (art 79 III e 290 respectivamente)rdquo (SARLET In

CANOTILHO et al 2013 p 2391 ndash e-book) De acordo com Sarlet essa

argumentaccedilatildeo delimita como clausulas peacutetreas ldquoas liberdades fundamentaisrdquo assim

entendidas aquelas que exigem prestaccedilotildees negativas do Estado vinculadas ao nuacutecleo

essencial do Direito (SARLET In CANOTILHO et al 2013 p 2391 ndash e-book) Ainda

assim estariam excluiacutedos os direitos fundamentais de segunda e terceira geraccedilatildeo Por

isso aponta a doutrina majoritaria que uma vez esses direitos comporem o ldquonuacutecleo

durordquo da CRFB1988 eles estatildeo tambeacutem devem ser protegidos pelo que prevecirc o sect4ordm

inc IV do art 60

() parece-nos correta a doutrina majoritaacuteria ao salientar que o constituinte

de 1988 conferiu o status de claacuteusulas peacutetreas aos direitos fundamentais de

primeira segunda e terceira ldquodimensatildeordquo sejam eles direitos de defesa ou

prestacionais Isto porque o sistema constitucional de proteccedilatildeo dos direitos

fundamentais cuja eficaacutecia reforccedilada se revela na aplicabilidade imediata das

normas definidoras de direitos e garantias fundamentais (art 5ordm sect 1ordm) bem

como na sua proteccedilatildeo reforccedilada quanto a accedilatildeo erosiva do constituinte-

reformador (art 60 sect 4ordm IV) caracteriza-se pela unicidade Com efeito de

uma leitura sistecircmica da Constituiccedilatildeo de 1988 natildeo se verifica hierarquia ou

destaque conferido aos direitos de defesa em detrimento dos direitos

prestacionais ou de direitos de uma dimensatildeo em prejuiacutezo das demais Ao

contraacuterio percebe-se uma fina sintonia entre o constituinte de 1988 e a tese

da indivisibilidade e a interdependecircncia das dimensotildees de direitos

fundamentais a qual vem gozando de primazia no direito internacional dos

direitos humanos (SARLET In CANOTILHO et al 2013 p 2391 ndash e-book)

Complementam Mendes e Branco

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

156

[n]o tocante aos direitos e garantias individuais mudanccedilas que minimizem a

sua proteccedilatildeo ainda que topicamente natildeo satildeo admissiacuteveis Natildeo poderia o

constituinte derivado por exemplo contra garantia expressa no rol das

liberdades puacuteblicas permitir que para determinada conduta (e g asseacutedio

sexual) fosse possiacutevel retroagir a norma incriminante

Esses direitos e garantias individuais protegidos satildeo os enumerados no art 5ordm

da Constituiccedilatildeo e em outros dispositivos da Carta (MENDES BRANCO

217 p 122 ndash e-book)

Fica evidente portanto que a doutrina majoritaacuteria concorda com a anaacutelise de que os

direitos fundamentais natildeo apenas os de primeira geraccedilatildeo estatildeo protegidos como

claacuteusula peacutetrea porque a estabilidade da Constituiccedilatildeo depende de manter aquilo que foi

considerado como fundamental (estrutural) para a manutenccedilatildeo do Estado Democraacutetico

de Direito brasileiro

3 O DIREITO AMBIENTAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Consoante visto o direito agrave qualidade do meio ambiente eacute um direito fundamental de

terceira geraccedilatildeo Trata-se de um direito coletivodifuso e indivisiacutevel porque natildeo eacute

possiacutevel delimitar quanto do meio ambiente faz jus cada cidadatildeo Aleacutem disso a

qualidade do meio ambiente eacute um direito que apenas se materializa no todo

Aleacutem da mencionada previsatildeo de que todo cidadatildeo eacute parte legitimada para propor accedilatildeo

popular contra lesivo ao meio ambiente a Constituiccedilatildeo outorga competecircncia comum a

Uniatildeo Estados Distrito Federal (DF) e Municipios para ldquoproteger o meio ambiente e

combater a poluiccedilatildeo em qualquer de suas formasrdquo (art 23 inc VI) competecircncia

concorrente para legislar sobre proteccedilatildeo do meio ambiente e controle da poluiccedilatildeo (art

24 inc VI) competecircncia concorrente para legislar sobre responsabilidade por dano ao

meio ambiente (art 24 inc VIII) estabelece como princiacutepio orientador da ordem

econocircmica a defesa do meio ambiente ldquoinclusive mediante tratamento diferenciado

conforme o impacto ambiental dos produtos e serviccedilos e de seus processos de

elaboraccedilatildeo e prestaccedilatildeordquo (art 170 inc VI) determina que a funccedilatildeo social da propriedade

rural eacute cumprida se houver entre outros requisitos utilizaccedilatildeo adequada dos recursos

naturais disponiacuteveis e preservaccedilatildeo do meio ambiente (art 186 inc II) determina que o

Sistema Uacutenico de Sauacutede colabore na proteccedilatildeo do meio ambiente nele compreendido o

do trabalho (art 200 inc VIII) e no Capiacutetulo VI do Tiacutetulo VIII da CRFB1988 que

trata da ordem social trata especificamente do meio ambiente

CAPIacuteTULO VI

DO MEIO AMBIENTE

Art 225 Todos tecircm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

bem de uso comum do povo e essencial agrave sadia qualidade de vida impondo-

se ao Poder Puacuteblico e agrave coletividade o dever de defendecirc-lo e preservaacute-lo para

as presentes e futuras geraccedilotildees ()

O art 225 de CRFB1988 apesar da redaccedilatildeo simples engloba tudo o que foi dito sobre

os direitos fundamentais de terceira geraccedilatildeo Deixa claro a sua natureza de

indivisibilidade e de titularidade coletiva vincula-se agrave dignidade da pessoa humana por

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

157

destacar a sua essencialidade para a sadia qualidade de vida e ressalta a necessidade da

sua estabilidade jaacute que haacute a obrigaccedilatildeo de preservaacute-lo natildeo apenas para as geraccedilotildees

presentes mas tambeacutem para as geraccedilotildees futuras

A preocupaccedilatildeo com as geraccedilotildees futuras estaacute assentada na percepccedilatildeo de que a

propriedade do meio ambiente natildeo pertence a uma geraccedilatildeo especiacutefica Essa percepccedilatildeo eacute

tranquila jaacute que a todo momento renovam-se as geraccedilotildees que habitaratildeo o planeta terra

(natildeo nascemos e morremos todos juntos) a todo momento nascem novos sujeitos de

direito que dependem do meio ambiente para simplesmente existirem Mais do que isso

a partir da noccedilatildeo de que natildeo possuiacutemos a propriedade do meio ambiente percebemos

que natildeo podemos prejudicaacute-lo de modo a reduzir as condiccedilotildees de dignidade e qualidade

de vida saudaacutevel dos demais cidadatildeos Trata-se de uma demanda da igualdade (e por

consequecircncia de liberdade)

A perspectiva da intergeracionalidade na Constituiccedilatildeo eacute particular ao direito agrave qualidade

do meio ambiente Trata-se da uacutenica utilizaccedilatildeo do termo ldquofuturas geraccedilotildeesrdquo em toda a

CRFB1988 Disso decorre que as normas que versem sobre Direito Ambiental tenham

como principal objeto o resguardo do futuro Muito do que se implementar com relaccedilatildeo

ao meio ambiente teraacute suas consequecircncias percebidas apenas no futuro (assim como os

impactos negativos das atividades degradantes e poluidoras)262

Nas palavras de

Alexandra Aragatildeo

[] aleacutem da impressionante natureza dos problemas ambientais os principais

beneficiaacuterios da legislaccedilatildeo de proteccedilatildeo do ambiente natildeo satildeo os seus

destinataacuterios o que pode conduzir a uma ingovernacircncia intoleraacutevel

Com efeito satildeo as geraccedilotildees atuais que aprovaram as leis as principais

destinataacuterias das normas ambientais que impotildeem limites agraves atividades

econocircmicas condicionamentos aos estilos de vida restriccedilotildees agraves liberdades

individuais Mas jaacute natildeo seratildeo elas as principais beneficiaacuterias dos esperados

efeitos de melhoria da qualidade de vida associados agrave melhoria da qualidade

ambiental no futuro (ARAGAtildeO Alexandra 2012 p 9)

O foco no futuro nas geraccedilotildees que ainda natildeo estatildeo aptas a exercer o seu papel de

cidadatildes e verem legitimadas as suas demandas vinculadas ao meio ambiente conduz a

uma interpretaccedilatildeo particular do instituto conhecido como ldquovedaccedilatildeo ao retrocessordquo

4 VEDACcedilAtildeO AO RETROCESSO PRINCIacutePIO IMPLIacuteCITO

O princiacutepio da proibiccedilatildeo de retrocesso social natildeo encontra previsatildeo expressa na

CRFB1988 mas dela decorre de forma impliacutecita sendo um instrumento para a

concretizaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo dos mandamentos constitucionais e para a maacutexima

eficaacutecia dos direitos fundamentais em especial daqueles que demandam atuaccedilotildees

262

Tambeacutem os direitos sociais devem ser implementados com o foco na continuidade e o seu

financiamento depende da visatildeo de futuro (SCAFF 2019 np) Todavia a argumentaccedilatildeo utilizada pelo

autor eacute muito mais fundamentada na proteccedilatildeo da famiacutelia do que na noccedilatildeo de propriedade e de

indivisibilidade desses direitos (ateacute porque natildeo eacute possiacutevel utilizar essa argumentaccedilatildeo para os direitos

fundamentais de segunda geraccedilatildeo) O que se pretende destacar eacute que embora seja possiacutevel argumentar

que a CRFB1988 protege a famiacutelia a preocupaccedilatildeo demonstrada com a qualidade do meio ambiente no

futuro permite desenvolver mais que essa justificaccedilatildeo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

158

positivas do Estado para a sua implementaccedilatildeo O referido princiacutepio conta com

consideraacutevel aceitaccedilatildeo na doutrina paacutetria e jaacute foi aplicado em situaccedilotildees concretas pelo

Supremo Tribunal Federal (STF)263

mas aleacutem de natildeo ser esta uma aceitaccedilatildeo unacircnime

natildeo haacute tampouco uniformidade na parametrizaccedilatildeo que lhe vem sendo concedida pelos

distintos autores que se dedicaram ao seu estudo

A vedaccedilatildeo ou proibiccedilatildeo de retrocesso social encontra fundamento na supremacia da

Constituiccedilatildeo e no princiacutepio da maacutexima da eficaacutecia dos direitos fundamentais264

Apesar

de os direitos sociais coletivos e ambientais demandarem uma atuaccedilatildeo legislativa para

viabilizar parte consideraacutevel de sua concretizaccedilatildeo e eficaacutecia as normas constitucionais

que reconhecem os referidos direitos tecircm um niacutevel miacutenimo de eficaacutecia que deve ser

respeitado pelo legislador e que o vincula natildeo apenas em uma dimensatildeo positiva (dever

de legislar para a implementaccedilatildeo do direito constitucionalmente previsto) mas tambeacutem

negativa (dever de natildeo legislar em prejuiacutezo da eficaacutecia do direito fundamental previsto

na Constituiccedilatildeo)265

Na medida em que o direcionamento dado aos Poderes Legislativo

e Executivo pela Constituiccedilatildeo eacute observado e em consequecircncia satildeo efetivados os direitos

fundamentais dentre os quais se inclui o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado

os referidos direitos se incorporam ao patrimocircnio coletivo da sociedade e individual de

cada ser humano266

e natildeo podem mais ser suprimidos sem fundamento razoaacutevel e

constitucionalmente lastreado sob pena de afronta ao proacuteprio texto constitucional que

reconhece estes direitos como fundamentais

A necessidade de atuaccedilatildeo legislativa e executiva para a concretizaccedilatildeo de direitos

fundamentais sociais coletivos e ambientais natildeo decorre de uma delegaccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo ao legislador ordinaacuterio para deliberar sobre a conveniecircncia ou natildeo desta

efetivaccedilatildeo A CRFB88 recorre agrave ediccedilatildeo futura de atos legislativos e executivos para a

efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais com vieacutes prestacional porque natildeo seria viaacutevel a

implementaccedilatildeo imediata destes como uma decorrecircncia direta do texto constitucional O

texto natildeo tem o poder de alterar a realidade e pode apenas apontar as diretrizes e

prioridades a serem observadas na execuccedilatildeo posterior das poliacuteticas puacuteblicas O fato de a

alteraccedilatildeo depender de uma atuaccedilatildeo estatal natildeo significa contudo que a eficaacutecia desses

direitos constitucionais integre o acircmbito de discricionariedade do administrador ou

mesmo do legislador ordinaacuterio e tampouco que as normas constitucionais que

263

Vide a tiacutetulo de exemplo STF ADI 4717 Relator(a) Min CAacuteRMEN LUacuteCIA Tribunal Pleno

julgado em 05042018 PROCESSO ELETROcircNICO DJe-031 DIVULG 14-02-2019 PUBLIC 15-02-

2019 ADI 5016 Relator(a) Min ALEXANDRE DE MORAES Tribunal Pleno julgado em

11102018 PROCESSO ELETROcircNICO DJe-230 DIVULG 26-10-2018 PUBLIC 29-10-2018 264

Acerca da supremacia da Constituiccedilatildeo e da maacutexima eficaacutecia dos direitos fundamentais como

fundamento do princiacutepio da vedaccedilatildeo ou proibiccedilatildeo de retrocesso vide PIOVESAN (2003) NETTO (2010

pp 227-229) e SARLET e FENSTERSEIFER (2012) NETTO (2010 pp 227-229) aponta ainda como

fundamentos para o princiacutepio da proibiccedilatildeo de retrocesso social (i) o princiacutepio da juridicidade que exige

alguma estabilidade da ordem juriacutedica (ii) o princiacutepio democraacutetico que reclama a efetivaccedilatildeo os direitos

de igualdade (iii) o princiacutepio da socialidade pelo qual o Estado deve garantir condiccedilotildees materiais de vida

digna para todo ser humano e (iv) a internacionalizaccedilatildeo dos direitos fundamentais que impotildee um dever

internacional de seu reconhecimento e efetivaccedilatildeo por todas as naccedilotildees 265

Sobre a vinculaccedilatildeo positiva e negativa do legislador aos direitos fundamentais vide NETTO (2010

pp 227-229) A vedaccedilatildeo ou proibiccedilatildeo de retrocesso seria relacionada especialmente agrave vinculaccedilatildeo negativa

do legislador aos direitos fundamentais da qual decorreria a impossibilidade de se legislar em prejuiacutezo da

efetividade desses direitos 266

ROTHENBURG (2012 p 255) afirma que o direito ambiental natildeo seria apenas um direito social mas

tambeacutem um direito fundamental individual que reuacutene tanto a dimensatildeo de direito de defesa quanto de

direito prestacional

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

159

determinam a efetivaccedilatildeo dos referidos direitos sejam dotadas de menor forccedila coercitiva

Uma vez implementada a alteraccedilatildeo na realidade desejada e direcionada pelo

Constituinte natildeo pode mais o legislador retroceder ainda que o progresso tenha

decorrido de uma atuaccedilatildeo deste mesmo legislador

Especificamente em relaccedilatildeo agrave vedaccedilatildeo de retrocesso ambiental acrescem-se aos

fundamentos de legitimidade do referido princiacutepio a responsabilidade intergeracional267

a vinculaccedilatildeo do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado com o proacuteprio direito agrave

vida e agrave dignidade da pessoa humana268

o caraacuteter transnacional dos direitos ambientais

e consequente existecircncia de um dever de cada Estado soberano perante os demais

paiacuteses na medida em que toda a humanidade eacute afetada pelos efeitos negativos da

degradaccedilatildeo ambiental269

e o dever do Estado de defender e preservar o meio ambiente

previsto expressamente na CRFB1988270

Acerca do dever constitucional do Estado e

de toda a sociedade de defender e preservar o meio ambiente haacute previsatildeo

expressamente previsto no artigo 225 da CRFB1988271

Ademais aleacutem da previsatildeo

especiacutefica do art 225 da CRFB88 a Constituiccedilatildeo vale-se dos faz nova referecircncia agrave

conservaccedilatildeo da natureza e proteccedilatildeo do meio ambiente ao tratar da competecircncia

concorrente dos entes federados para legislar (art 24 VI)272

elenca a defesa do meio

ambiente como princiacutepio da ordem econocircmica (art 170 VI)273

e estabelece a

preservaccedilatildeo do meio ambiente como criteacuterio para que seja cumprida a funccedilatildeo social da

propriedade (art 186 II)274

ARAGAtildeO (2012 p 9) aponta ainda como fundamentos

adicionais da vedaccedilatildeo ao retrocesso ambiental (i) os princiacutepios da precauccedilatildeo e da

prevenccedilatildeo sendo o princiacutepio em tela um instrumento cabiacutevel para evitar

irreversibilidades ecoloacutegicas graves e (ii) o fato de que satildeo os mais pobres os mais

fracos e os mais vulneraacuteveis aqueles que mais fortemente sofrem os impactos da

degradaccedilatildeo ambiental

267

Nesse sentido SARLET e FENSTERSEIFER (2012) AYALA (2012) BENJAMIN (2012) 268

Nesse sentido SARLET e FENSTERSEIFER (2012) AYALA (2012) PRIEUR (2012) 269

Nesse sentido ARAGAtildeO (2012) MOLINARO (2012) ROTHENBURG (2012) ROTHENBRUG

(2012) afirma que a anaacutelise da vedaccedilatildeo ao retrocesso ambiental comporta tanto um controle de

constitucionalidade quanto de convencionalidade este uacuteltimo agrave luz dos acordos e tratados internacionais

celebrados pelo Brasil Considerando-se que os direitos ambientais tecircm natureza de direito fundamental e

que a CRFB88 atribui status supralegal aos direitos fundamentais reconhecidos em tratados

internacionais (art 5ordm sect2ordm CRFB88) este controle de convencionalidade ganha ainda mais forccedila e

relevacircncia A anaacutelise da vedaccedilatildeo ao retrocesso ambiental sob a oacutetica dos tratados internacionais natildeo seraacute

contudo o objeto deste artigo 270

Nesse sentido MOLINARO (2012) AYALA (2012) 271

Art 225 Todos tecircm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do

povo e essencial agrave sadia qualidade de vida impondo-se ao Poder Puacuteblico e agrave coletividade o dever de

defendecirc-lo e preservaacute- lo para as presentes e futuras geraccedilotildees () 272

Art 24 Compete agrave Uniatildeo aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre () VI -

florestas caccedila pesca fauna conservaccedilatildeo da natureza defesa do solo e dos recursos naturais proteccedilatildeo do

meio ambiente e controle da poluiccedilatildeo () 273

Art 170 A ordem econocircmica fundada na valorizaccedilatildeo do trabalho humano e na livre iniciativa tem

por fim assegurar a todos existecircncia digna conforme os ditames da justiccedila social observados os seguintes

princiacutepios () VI - defesa do meio ambiente inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o

impacto ambiental dos produtos e serviccedilos e de seus processos de elaboraccedilatildeo e prestaccedilatildeo () 274

Art 186 A funccedilatildeo social eacute cumprida quando a propriedade rural atende simultaneamente segundo

criteacuterios e graus de exigecircncia estabelecidos em lei aos seguintes requisitos () II - utilizaccedilatildeo adequada

dos recursos naturais disponiacuteveis e preservaccedilatildeo do meio ambiente ()

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

160

Superada a questatildeo relativa agrave existecircncia de um princiacutepio de vedaccedilatildeo do retrocesso faz-

se necessaacuteria a sua conceituaccedilatildeo e parametrizaccedilatildeo A doutrina contudo natildeo tem

uniformidade nesta parametrizaccedilatildeo

Haacute autores como BENJAMIN (2012) e MOLINARO (2012) que restringem a

aplicaccedilatildeo da vedaccedilatildeo de retrocesso ao miacutenimo ecoloacutegico constitucional (BENJAMIN

2012)275

ao nuacutecleo duro do direito (MOLINARO 2012) ROTHENBURG (2012) por

sua vez em posiccedilatildeo por noacutes compartilhada entende que a vedaccedilatildeo ao retrocesso ocupa

um ponto intermediaacuterio entre o nuacutecleo miacutenimo do direito fundamental (garantido

independentemente do princiacutepio de vedaccedilatildeo do retrocesso por ser o miacutenimo que se

exige que seja efetivado pelo Estado sob pena de inconstitucionalidade ateacute mesmo por

omissatildeo) e a maximizaccedilatildeo da eficaacutecia desse direito (situaccedilatildeo ideal desejada pela

CRFB88 mas cuja implementaccedilatildeo depende de atuaccedilotildees positivas do Estado)

ROTHENBURG (2012 p 257) afirma que ldquoo conteuacutedo miacutenimo nao se revela um limite

ao natildeo retrocesso mas ao contraacuterio o natildeo retrocesso revela-se um ampliador do

conteuacutedo miacutenimordquo A vedaccedilatildeo ao retrocesso seria para ROTHENBURG (2012 p 253)

um dever de manutenccedilatildeo de um niacutevel de concretizaccedilatildeo do direito jaacute alcanccedilado ou que se

possa razoavelmente obter

ARAGAtildeO (2012) tambeacutem trabalha com algo proacuteximo a um nuacutecleo duro do direito

ambiental (fundamental) ao tratar da vedaccedilatildeo de retrocesso na medida em que sustenta

que nos aspectos em que a proacutepria Constituiccedilatildeo trata especificamente da necessidade de

atuaccedilatildeo protetiva pelo Estado tem-se ldquovalores constitucionais suficientemente

importantes para se considerar que com a sua concretizaccedilatildeo pela via legal se

ultrapassou uma etapa que natildeo deve ser abandonada e em relaccedilatildeo agrave qual um

retrocesso configuraria uma inconstitucionalidade materialrdquo (ARAGAtildeO 2012 p 23)

Natildeo obstante ela destaca que embora o criteacuterio formal seja um balizador ele natildeo eacute

suficiente devendo ser feita sempre uma anaacutelise material do regime legal para se

verificar os casos em que se estaacute diante de progresso ambiental relevante o que indica

um provaacutevel entendimento de que a vedaccedilatildeo de retrocesso natildeo seria restrita ao nuacutecleo

duro do direito

O princiacutepio da vedaccedilatildeo ao retrocesso como apontado acima tem fundamento na

supremacia da Constituiccedilatildeo e na maacutexima eficaacutecia dos direitos fundamentais assim

como especificamente em sede ambiental na responsabilidade intergeracional no

direito agrave vida e dignidade da pessoa humana no caraacuteter transnacional dos direitos

ambientais e no dever do Estado de defender e preservar o meio ambiente previsto

expressamente na CRFB1988

O acircmbito de aplicaccedilatildeo deste princiacutepio por sua vez encontra-se em um ponto

intermediaacuterio entre o nuacutecleo miacutenimo de eficaacutecia do direito fundamental (niacutevel de

eficaacutecia para o qual o princiacutepio da vedaccedilatildeo de retrocesso natildeo eacute necessaacuterio ou pertinente

na medida em que o dever de efetivaccedilatildeo do direito neste niacutevel miacutenimo eacute uma exigecircncia

que independe do fato de que o legislador jaacute ter feito ou natildeo preacutevios avanccedilos nessa

direccedilatildeo sendo a sua natildeo efetivaccedilatildeo hipoacutetese apta a caracterizar inconstitucionalidade

por omissatildeo) e a sua maacutexima eficaacutecia (situaccedilatildeo ideal para a qual se deve caminhar mas

275

BENJAMIN (2012 p 65) aponta como miacutenimo ecoloacutegico constitucional no Direito brasileiro os

processos ecoloacutegicos essenciais a diversidade e integridade geneacutetica e a natildeo extinccedilatildeo de espeacutecies (art

225 sect1ordm I II e VII)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

161

que pode ainda natildeo ter sido alcanccedilada pela inviabilidade cientiacutefica econocircmica ou

material)

5 PARAcircMETROS PARA A APLICACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DA VEDACcedilAtildeO AO

RETROCESSO

NETTO (2010 pp 231-232) sustenta que para que o retrocesso social possa ser

constitucionalmente tolerado a medida deve ser racionalmente fundamentada

demonstrando-se (i) respeito ao nuacutecleo essencial do direito que estaacute sendo atingido pelo

retrocesso (ii) adequaccedilatildeo das medidas para os fins legiacutetimos que lhe sirvam de

justificativa (iii) necessidade da medida adotada e impossibilidade de sua substituiccedilatildeo

por outra menos gravosa (iv) razoabilidade da restriccedilatildeo imposta ao direito fundamental

em cotejo com os benefiacutecios em favor do fim legiacutetimo que se busca resguardar com a

medida (v) conformidade com o princiacutepio da igualdade (vi) respeito agrave seguranccedila

juriacutedica e agrave proteccedilatildeo da confianccedila (vii) aproveitamento pleno e otimizado dos recursos

disponiacuteveis e (viii) observacircncia da participaccedilatildeo social da definiccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas

ARAGAtildeO (2012) por sua vez afirma que o retrocesso ambiental pode ser admitido por

alteraccedilotildees nas circunstacircncias faacuteticas ou sociais que tornem a proteccedilatildeo desnecessaacuteria ou

menos relevante ou por razotildees econocircmicas Especialmente nos casos em que o

retrocesso decorre de razotildees econocircmicas ela aponta as seguintes condiccedilotildees para a

admissibilidade do retrocesso (ARAGAtildeO 2012 pp 31-33) (i) o retrocesso deve ser

temporaacuterio ainda que tenha que ser periodicamente renovado (sempre de forma

justificada) (ii) natildeo deve haver a aniquilaccedilatildeo do bem ambiental cuja proteccedilatildeo estaacute

sendo reduzida (o retrocesso natildeo deve ser definitivo como se tem no caso de extinccedilatildeo

de espeacutecies assoreamento de rios etc) e (iii) o retrocesso deve ser necessaacuterio para

salvaguardar valores de mesma relevacircncia Outros direitos de igual status Na hipoacutetese

de efeitos ambientais graves ou irreversiacuteveis ARAGAtildeO (2012 p 32) sustenta que o

retrocesso somente seria admissivel em caso de ldquoestado de necessidaderdquo

As principais objeccedilotildees agrave aplicaccedilatildeo do princiacutepio da vedaccedilatildeo ao retrocesso como

fundamento para o controle judicial de atos administrativos ou legislativos que reduzem

ou afastam medidas anteriormente implementadas para a concretizaccedilatildeo de direitos

sociais satildeo conforme pontua NETTO (2010 pp 229-230) (i) os princiacutepios

democraacutetico e da separaccedilatildeo de poderes (ii) a hierarquia das normas (iii) a necessidade

de se conferir a eficaacutecia a todo o sistema de direitos fundamentais e natildeo apenas a algum

direito especiacutefico e (iv) a reserva do possiacutevel O enfrentamento das referidas objeccedilotildees

contudo relaciona-se mais agrave parametrizaccedilatildeo e aos limites do princiacutepio da vedaccedilatildeo ou

proibiccedilatildeo do retrocesso do que ao reconhecimento da existecircncia e aplicabilidade do

referido princiacutepio

O desrespeito ao princiacutepio democraacutetico agrave separaccedilatildeo dos poderes e agrave hierarquia das

normas natildeo eacute decorrecircncia necessaacuteria da admissatildeo do princiacutepio da vedaccedilatildeo ao retrocesso

mas um efeito da inadequada aplicaccedilatildeo do referido princiacutepio de sua aplicaccedilatildeo com uma

amplitude tal que viabilize a ingerecircncia judicial na definiccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e na

realizaccedilatildeo de eventuais escolhas ainda que traacutegicas que sejam exigidas dos

representantes democraacuteticos da populaccedilatildeo Se o princiacutepio da vedaccedilatildeo de retrocesso

social inclusive ambiental for aplicado apenas agraves situaccedilotildees nas quais a atuaccedilatildeo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

162

legislativa afronta de forma niacutetida e injustificada a efetividade de um direito

constitucionalmente reconhecido natildeo haacute violaccedilatildeo ao princiacutepio democraacutetico agrave separaccedilatildeo

de poderes ou agrave hierarquia de normas mas sim a sua adequada aplicaccedilatildeo O Estado

Democraacutetico de Direito impotildee a observacircncia da Constituiccedilatildeo que eacute hierarquicamente

superior agrave legislaccedilatildeo ordinaacuteria que concretiza os seus mandamentos Natildeo obstante se o

princiacutepio da vedaccedilatildeo de retrocesso for aplicado de forma irrestrita e como instrumento

para que o Poder Judiciaacuterio usurpe a competecircncia legislativa e executiva para as

decisotildees de conveniecircncia e oportunidade especialmente nos casos em que os recursos

disponiacuteveis natildeo forem suficientes para garantir a efetividade de todos os direitos

fundamentais reconhecidos pela CRFB1988 ter-se-aacute entatildeo nesta circunstacircncia afronta

ao princiacutepio democraacutetico e agrave separaccedilatildeo de poderes276

A necessidade de se conferir eficaacutecia a todo o sistema de direitos fundamentais e natildeo

apenas a algum direito especiacutefico por sua vez refere-se aos criteacuterios a serem

observados para a afericcedilatildeo da existecircncia (ou natildeo) de efetivo retrocesso no caso concreto

Se um determinado direito fundamental eacute prejudicado para viabilizar maior efetividade

a outro de mesmo status natildeo haveria necessariamente violaccedilatildeo ao princiacutepio de vedaccedilatildeo

de retrocesso desde que o nuacutecleo essencial do direito prejudicado natildeo seja afetado Os

direitos (mesmo os fundamentais) natildeo satildeo absolutos277

sendo passiacuteveis de ponderaccedilatildeo e

limitaccedilatildeo desde que entre direitos de igual hierarquia278

Trata-se de uma escolha

legislativa ou executiva diante de recursos escassos O que natildeo se pode admitir salvo

em situaccedilotildees de absoluta excepcionalidade (a exemplo do estado de guerra ou

calamidade) eacute que um direito fundamental seja restringido em seu acircmbito de eficaacutecia

para que os recursos que lhe subsidiavam sejam destinados a fins outros que natildeo a

efetivaccedilatildeo de outros direitos de igual status e hierarquia

Por fim a reserva do possiacutevel eacute fundamento para justificar razoavelmente o retrocesso

nos casos em que ele seja inevitaacutevel mas a sua invocaccedilatildeo natildeo pode ser geneacuterica Para

que a reserva do possiacutevel possa legitimar um retrocesso no caso concreto deve ser

demonstrado que as circunstacircncias econocircmicas sofreram impacto desfavoraacutevel

significativo (ou seja que jaacute natildeo se tem tantos recursos disponiacuteveis quanto se tinha agrave

eacutepoca em que foi viabilizada maior amplitude ao direito fundamental que estaacute sendo

objeto de medida restritiva)

6 CONCLUSOtildeES

A CRFB1988 apresenta um projeto baacutesico formata um Estado que em seu nuacutecleo

duro naquilo que eacute considerado essencial para a democracia pretende-se permanente

sob pena de se comprometer o espiacuterito da Constituiccedilatildeo Como dito eacute preciso garantir

276

Acerca da impossibilidade de se invocar o princiacutepio da vedaccedilatildeo de retrocesso para justificar a

substituiccedilatildeo das escolhas poliacuteticas por escolhas judiciaacuterias vide STF ADC 42 Relator(a) Min LUIZ

FUX Tribunal Pleno julgado em 28022018 PROCESSO ELETROcircNICO DJe-175 DIVULG 12-08-

2019 PUBLIC 13-08-2019 277

NETTO (2010 p 227229) sustenta que o nuacutecleo essencial de um direito fundamental vincula de

forma definitiva o legislador tanto na dimensatildeo positiva quanto negativa Natildeo obstante a autora ressalta

que como todo direito este tambeacutem pode restringido na ponderaccedilatildeo com outros direitos 278

Nesse sentido MOREIRA (2009) e MARCILIO (2009)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

163

estabilidade ao ordenamento juriacutedico nacional e isso se faz especificando valores e

direitos que apontam a direccedilatildeo para qual devemos caminhar

Os direitos fundamentais expressam demandas sociais que foram incorporadas no

ordenamento juriacutedico apoacutes periacuteodos de luta e convulsatildeo social Fazem parte da nossa

histoacuteria e demarcam o nosso caminhar evolutivo Representam as balizas inegociaacuteveis

de um Estado Democraacutetico de Direito Por isso satildeo protegidas como claacuteusulas peacutetreas

ainda que a redaccedilatildeo literal do art 60 sect4ordm inc IV da CRFB1988 natildeo deixei evidente

Entre os direitos fundamentais estaacute o meio ambiente equilibrado Trata-se de direito

fundamental de terceira geraccedilatildeo especialmente disciplinado pela Constituiccedilatildeo (art

225) De acordo com esse dispositivo eacute preciso manter o meio ambiente equilibrado

garantindo a dignidade da pessoa humana para as geraccedilotildees presentes e futuras

Sendo um direito fundamental relacionado com a dignidade da pessoa humana e com as

condiccedilotildees de vida das geraccedilotildees futuras entendemos que haacute quanto a ele vedaccedilatildeo ao

retrocesso Todavia a verificaccedilatildeo de retrocesso comporta a comprovaccedilatildeo de que natildeo haacute

outro caminho razoaacutevel a ser tomado que se estaacute diante de circunstacircncias econocircmicas

novas e consideravelmente piores que as verificadas quando da implementaccedilatildeo do

avanccedilo sacrificado

REFEREcircNCIAS

ALEXY Robert Teoria de los derechos fundamentales Traduccedilatildeo Ernesto Garzoacuten

Valdeacutes Centro de Estudios Constitucionales Madrid 1993

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Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

167

A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL NO

STJ SUBJETIVA OU OBJETIVA

INARA DE PINHO NASCIMENTO VIDIGAL

__________________ SUMAacuteRIO _______________

1 Introduccedilatildeo 2 Fiscalizaccedilatildeo ambiental competecircncia

comum e o federalismo cooperativo 3 A multa e as

demais infraccedilotildees administrativas ambientais

requisitos para sua imposiccedilatildeo 4 Natureza juriacutedica da

responsabilidade administrativa ambiental na

doutrina 5 Infrator e poluidor satildeo figuras distintas 6

Evoluccedilatildeo do posicionamento do STJ sobre a

responsabilidade administrativa ambiental 61

Recurso Especial nordm 1728334 - rj (20170307709-

1) Relator Ministro Herman Benjamin 62

Embargos de Divergecircncia em Resp nordm 1318051 -

RJ (20120070152-3) Relator Ministro Mauro

Campbell Marques 7 Consideraccedilotildees finais

1 INTRODUCcedilAtildeO

A responsabilidade administrativa ambiental eacute aquela que decorre da infraccedilatildeo de

normas ambientais sujeitando o transgressor agrave sanccedilotildees administrativas que devem ser

apuradas mediante processo administrativo proacuteprio assegurada a ampla defesa e o

contraditoacuterio

No entanto a naturea juriacutedica dessa responsabilidade eacute subjetiva ou objetiva Discute-

se culpadolo para fins de responsabilizaccedilatildeo na esfera administrativa ou essa

responsabilidade independe da anaacutelise da culpabilidade do infrator bastando o nexo

causal

A doutrina natildeo eacute uniforme ao tratar do tema e o Superior Tribunal de Justiccedila vem

construindo um posicionamento que ainda mostra-se confuso mas vem seguindo uma

linha na esteira da responsabilidade adminsitrativa objetiva

Mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentaacutevel Especialista em gestatildeo e manejo

ambiental em sistemas florestais Advogada e professora de cursos de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo Email

inarapinhogmailcom

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168

Eacute pois nesse contexto que o presente artigo busca analisar a natureza juriacutedica da

responsabilidade ambiental administrativa agrave luz da legislaccedilatildeo da doutrina e do atual

posicionamento do STJ

Metodologicamente utiliza-se a revisao bibliograacutefica levantando o entendimento dos

principais doutrinadores sobre a mateacuteria bem como trazendo uma anaacutelise qualitativa

sobre a evoluccedilatildeo do posicionamento do Superior Tribunal de Justiccedila a partir dos

seguintes julgados ERESP Nordm 1318051 - RJ (20120070152-3) 1ordf Turma cujo Relator

foi o Ministro Mauro Campbell Marques RESP Nordm 1728334 - RJ (20170307709-1)

2ordf Turma cujo Relator foi o Ministro Herman Benjamin e REsp nordm 467212 RJ

(20020106671-6) 1ordf Turma cujo Relator Ministro Luiz Fux por serem desses casos as

decisotildees mais recentes do Superior Tribunal de Justiccedila proferidas no ano de 2019

2 FISCALIZACcedilAtildeO AMBIENTAL COMPETEcircNCIA COMUM E O

FEDERALISMO COOPERATIVO

A responsabilidade ambiental fundamenta-se no texto constitucional279

que define trecircs

espeacutecies de responsabilidade a saber

a)A responsabilidade penal que na sua essecircncia eacute subjetiva exigindo prova do dolo ou

da culpa

b) A responsabilidade civil definida como objetiva natildeo prescindindo da prova do dolo

ou da es

d) A responsabilidade administrativa cuja discussatildeo sobre a sua natureza juriacutedica

(subjetiva ou objetiva) discute-se nesse artigo

No acircmbito da responsabilidade administrativa a distribuiccedilatildeo de competecircncias na

Constituiccedilatildeo eacute comum agrave Uniatildeo aos Estados ao Distrito Federal e aos Municiacutepios a

proteccedilatildeo do meio ambiente e o combate agrave poluiccedilatildeo estabelecendo a todos os entes

federativos o poder de fiscalizaccedilatildeo e licenciamento ambiental com vistas agrave uma atuaccedilatildeo

cooperativa podendo ser esta supletiva280

ou subsidiaacuteria281

Nesse sentido tanto o licenciamento quanto a fiscalizaccedilatildeo ambiental podem ser

exercidos nas trecircs esferas administrativas quais sejam federal estadual e municipal

pois a administraccedilatildeo ambiental constitui um sistema uacutenico formado pela Uniatildeo

Estados Distrito Federal e Municiacutepios compondo o Sistema Nacional de Meio

Ambiente (SISNAMA) criado pela Lei 693881 Cabe agrave esse sistema promover a

articulaccedilatildeo coordenada de todos os oacutergatildeos e entidades que o constituem visando evitar

medidas e procedimentos conflitantes na execuccedilatildeo da poliacutetica nacional de meio

ambiente

279

Art225 sect3deg da Constituiccedilatildeo Federal 280

Atuaccedilatildeo supletiva accedilatildeo do ente da Federaccedilatildeo que se substitui ao ente federativo originariamente

detentor das atribuiccedilotildees nas hipoacuteteses definidas nesta Lei Complementar (Art2deg II LC 1402011) 281

Atuaccedilatildeo subsidiaacuteria accedilatildeo do ente da Federaccedilatildeo que visa a auxiliar no desempenho das atribuiccedilotildees

decorrentes das competecircncias comuns quando solicitado pelo ente federativo originariamente detentor

das atribuiccedilotildees definidas nesta Lei Complementar (Art2deg III LC 1402011)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

169

Importante ressaltar poreacutem que havendo duacuteplice autuaccedilatildeo administrativa (bis in idem)

de um empreendimento ou atividade originaacuterias de um mesmo fato deve prevalecer a

autuaccedilatildeo do oacutergatildeo que o licenciou282

3 A MULTA E AS DEMAIS INFRACcedilOtildeES ADMINISTRATIVAS AMBIENTAIS

REQUISITOS PARA SUA IMPOSICcedilAtildeO

Para tratar da natureza juriacutedica da responsabilidade ambiental administrativa eacute

fundamental conhecer as diferentes espeacutecies de infraccedilatildeo ambiental e as regras para a sua

imposiccedilatildeo fazendo um destaque especial para a multa simples dada agraves peculiaridades

que a distinguem das demais

No Brasil os empreendedores bem como as empresas puacuteblicas ou privadas tecircm por

obrigaccedilatildeo desenvolver as suas atividades em consonacircncia com as diretrizes da Poliacutetica

Nacional do Meio Ambiente283

Nesse sentido o descumprimento dessa e de outras normas destinadas agrave promoccedilatildeo da

qualidade e do equiliacutebrio do meio ambiente configura infraccedilatildeo administrativa e sujeita-

se agrave sanccedilotildees adminisntrativas previstas em lei Portanto infraccedilatildeo administrativa

ambiental eacute toda accedilatildeo ou omissatildeo que viole as regras juriacutedicas de uso gozo promoccedilatildeo

proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo do meio ambiente284

Satildeo autoridades competentes para lavrar auto de infraccedilatildeo ambiental e instaurar processo

administrativo os funcionaacuterios de oacutergatildeos ambientais integrantes do Sistema Nacional de

Meio Ambiente - SISNAMA designados para as atividades de fiscalizaccedilatildeo bem como

os agentes das Capitanias dos Portos do Ministeacuterio da Marinha

Mas vale ressaltar que qualquer pessoa constatando infraccedilatildeo ambiental poderaacute

denunciar dirigindo representaccedilatildeo agraves autoridades relacionadas no paraacutegrafo anterior

para efeito do exerciacutecio do seu poder de poliacutecia

As infraccedilotildees ambientais satildeo apuradas em processo administrativo proacuteprio assegurado o

direito de ampla defesa e o contraditoacuterio E as sanccedilotildees que podem ser aplicadas ao

infrator satildeo285

I - advertecircncia II - multa simples III - multa diaacuteria IV - apreensatildeo dos animais

produtos e subprodutos da fauna e flora instrumentos petrechos equipamentos ou

282

(Art17 LC 1402011) sect 2ordm Nos casos de iminecircncia ou ocorrecircncia de degradaccedilatildeo da qualidade

ambiental o ente federativo que tiver conhecimento do fato deveraacute determinar medidas para evitaacute-la

fazer cessaacute-la ou mitigaacute-la comunicando imediatamente ao oacutergatildeo competente para as providecircncias

cabiacuteveis

sect 3ordm O disposto no caput deste artigo natildeo impede o exerciacutecio pelos entes federativos da atribuiccedilatildeo comum

de fiscalizaccedilatildeo da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores

ou utilizadores de recursos naturais com a legislaccedilatildeo ambiental em vigor prevalecendo o auto de infraccedilatildeo

ambiental lavrado por oacutergatildeo que detenha a atribuiccedilatildeo de licenciamento ou autorizaccedilatildeo a que se refere o

caput 283

As diretrizes e regras da poliacutetica nacional de meio ambiente satildeo estabelecidas pela Lei 693881 284

Definiccedilatildeo dada pelo art70 da Lei 960598 e art2deg do Decreto 65142008 285

As sanccedilotildees estatildeo descritas no art 72 da Lei 960598

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veiacuteculos de qualquer natureza utilizados na infraccedilatildeo V - destruiccedilatildeo ou inutilizaccedilatildeo do

produto VI - suspensatildeo de venda e fabricaccedilatildeo do produto VII - embargo de obra ou

atividade VIII - demoliccedilatildeo de obra IX - suspensatildeo parcial ou total de atividades X ndash

(VETADO) XI - restritiva de direitos

Se o infrator cometer simultaneamente duas ou mais infraccedilotildees poderatildeo ser aplicadas

cumulativamente as sanccedilotildees a elas cominadas

Entretanto para a aplicaccedilatildeo da multa simples eacute exigida a caracterizaccedilatildeo de negligecircncia

ou dolo a teor do que dispotildee a lei 960598

sect 3ordm A multa simples seraacute aplicada sempre que o agente por negligecircncia ou dolo

I - advertido por irregularidades que tenham sido praticadas deixar de sanaacute-las no

prazo assinalado por oacutergatildeo competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos do

Ministeacuterio da Marinha

II - opuser embaraccedilo agrave fiscalizaccedilatildeo dos oacutergatildeos do SISNAMA ou da Capitania dos

Portos do Ministeacuterio da Marinha (art72 sectdeg3 da Lei 960598)

Nota-se que o legislador estabeleceu para a aplicaccedilatildeo especificamente da sanccedilatildeo de

multa simples na qual se deve apurar a existecircncia de negligecircncia ou dolo natildeo se

exigindo tal requisito para a imposiccedilatildeo das demais sanccedilotildees administrativas

4 NATUREZA JURIacuteDICA DA RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA

AMBIENTAL NA DOUTRINA

A doutrina destoa ao tratar do tema Vladimir Passos de Freitas entende que a

responsabilidade administrativa por dano ao meio ambiente eacute objetiva ressaltando que

em momento algum a Lei 960598 faz a distinccedilatildeo excluindo a responsabilidade de

quem natildeo se houve com culpa sendo que haacute casos em que a mera omissatildeo jaacute eacute

suficiente para configurar infraccedilatildeo (FREITAS 2002) Na mesma linha segue o

entendimento de Paulo Affonso Leme Machado relacionandoo regime de

responsabilidade administrativa com a natureza das sanccedilotildees cabiacuteveis sustenta que o

sistema da Lei 693881 eacute plenamente aplicaacutevel pela administraccedilatildeo puacuteblica Ressalta

poreacutem este autor que a uacutenica exceccedilatildeo expressamente prevista em lei eacute a da sanccedilatildeo do

poluidor com multa simples (MACHADO 2001)

Eacutedis Milareacute e Flaacutevia Tavares Rocha Loures por sua vez entendem que eacute inadequada a

aplicaccedilatildeo pura e simples da teoria da responsabilidade objetiva nos casos de

responsabilidade adminisstrativa ambiental e esclarecem que diferentemente da

responsabilidade civil natildeo se podem prescindir a caracterizaccedilatildeo da ilicitude da conduta

e da correspondente pessoalidade (MILAREacute amp LOURES 2004) Concluem os autores

afirmando que se a responsabilidade civil ambiental sob a modalidade de risco integral

jamais admite a incidecircncia das chamadas excludentes a responsabilidade

administrativa em certos casos pode ser elidida com base na alegaccedilatildeo de forma maior

caso fortuito ou fato de terceiro

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

171

Heraldo Garcia Vitta entende que o iliacutecito administrativo a exeplo do iliacutecito penal

exige o elementos subjetivo do suposto infrator e nas suas palavras Sem isto

estariacuteamos aplicando a responsabilidade objetiva nas sanccedilotildees administrativas as quais

inclusive atingem a liberdade (profissional econocircmica e outras) e a propriedade das

pessoas sem configuraccedilatildeo constitucional ante a afronta aos princiacutepios maiores do

regime democraacutetico de Direito (VITTA 2008)

Neste estudo tambeacutem satildeo analisados os pensamentos dos doutrinadores Talden Farias e

Marcelo Abelha Rodrigues especificamente sobre o recente posicionamento

manifestado pelo STJ acerca da responsabilidade ambiental administrativa no ano de

2019

Talden Farias (2018) manifesta-se em consonacircncia com a responsabilidade ambiental

subjetiva no acircmbito administrativo e cita o julgamento do REsp 1401500PR pela 2ordf

Turma do STJ para dizer que a corte vem consolidando entendimento nesse sentido

Analisando o referido julgamento verifica-se que o Instituto Ambiental do Paranaacute

(IAP) impocircs multa simples no valor de mais de R$ 12 milhotildees agrave Hexion Quiacutemica

Induacutestria e Comeacutercio Ltda em razatildeo de um dano cometido por outra empresa com

quem esta firmou contrato sob o argumento de que a responsabilidade administrativa

do poluidor seria objetiva e decorreria do risco gerado pela atividade fazendo com que

o poluidor indireto tambeacutem pudesse ser responsabilizado

O mesmo autor argumenta que de fato se o derramamento de metanol na Baiacutea de

Paranaguaacute foi causado pela Methanex Chile Ltda natildeo haacute sentido em responsabilizar a

primeira empresa ndash ao menos nesse acircmbito de competecircncia diga-se de passagem ndash de

maneira que a sentenccedila e o acoacuterdatildeo do Tribunal de Justiccedila do Paranaacute mereceram sim ser

reformados

Nota-se que Farias em outras palavras entende que a sanccedilatildeo deve ser imposta ao

trangressor qual seja aquele que objetivamente derramou o metanol na aacutegua e natildeo a

empresa prorietaacuteria da substacircncia derramada (considerada poluidora no conceito legal)

Contudo Farias (2018) ressalta que no que se refere agrave multa administrativa simples

a Lei 960598 dispocircs expressamente que a responsabilidade administrativa em mateacuteria

ambiental eacute subjetiva haja vista a necessidade de comprovar a negligecircncia ou dolo

entendendo ser acertada a decisatildeo do STJ pela responsabilidade administrativa

subjetiva

Marcelo Abelha Rodrigues (2019) por sua vez entende que a imposiccedilatildeo da

responsabilidade administrativa ambiental eacute regra geral objetiva podendo o legislador

distinguir este regime geral como fez no caso da multa simples Portanto eacute irrelevante a

culpabilidade do infratortransgressor (e sendo suficiente a sua voluntariedade) na

praacutetica do ato que viole as regras juriacutedicas de uso gozo promoccedilatildeo proteccedilatildeo e

recuperaccedilatildeo do meio ambiente

5 INFRATOR E POLUIDOR SAtildeO FIGURAS DISTINTAS

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

172

Antes de passar ao ponto central desse artigo qual seja a anaacutelise da natureza juriacutedica da

responsabilidade administrativa ambiental agrave luz do posicionamento do Superior

Tribunal de Justiccedila faz-se necessaacuterio trazer agrave tona dois conceitos fundamentais que

norteiam as duas espeacutecies de responsabilidade (subjetiva e objetiva) o de poluidor e o

de infrator

Poluidor286

eacute a pessoa fiacutesica ou juriacutedica de direito puacuteblico ou privado responsaacutevel

direta ou indiretamente por atividade causadora de degradaccedilatildeo ambiental

Note-se que o poluidor eacute considerado como tal pelo simples fato de se colocar no

mercado para o desenvolvimento de atividade que possa causar degradaccedilatildeo ambiental

Portanto apenas a existecircncia do risco oferecido pela atividade por si soacute jaacute imputa ao

poluidor o dever de reparar o dano que porventura decorra do seu empreendimento ou

atividade

Pode-se inferir que a figura do poluidor estaacute diretamente relacionada agrave responsabilidade

civil objetiva visto que natildeo se prescinde da culpa para que exista a obrigaccedilatildeo de reparar

o dano bastando tatildeo somente o nexo causal entre a atividade de risco (ambiental) e o

dano causado

Infrator287

por sua vez eacute a pessoa fiacutesica ou juriacutedica que por accedilatildeo ou omissatildeo viole as

regras juriacutedicas de uso gozo promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo do meio ambiente

Aqui tem-se a figura do trangressor aquele que infringiu normas ambientais e que por

esse motivo estaacute sujeito agrave sanccedilotildees administrativas natildeo sendo exigida ocorrecircncia de

dano ao meio ambiente para que o infrator seja penalizado

Assim para que seja imposta uma sanccedilatildeo administrativa em regra basta o

descumprimento de normas ambientais

Registre-se ainda que pode ser considerado poluidor aquele que natildeo trangrediu

nenhuma norma juriacutedica visto que por meio da interaccedilatildeo de impactos ambientais

dentro dos paracircmetros legais pode vir a ocorrer um dano agrave sauacutede humana ou uma

degradaccedilatildeo da qualidade ambiental e por outro lado eacute possiacutevel haver a trangressatildeo de

normas ambientais sem que haja um dano ao meio ambiente quando por exemplo o

empreendimento deixa de entregar documentos de monitoramente perioacutedico da

qualidade do ar fora do prazo legal

Portanto ao infrator deve-se atribuir a responsabilidade administrativa ambiental que

atrai a anaacutelise da culpabilidade apenas em caso de multa e ao poluidor a

responsabilidade civil ambiental que por sua vez atrai a existecircncia do nexo causal entre

o dano e a atividade desenvolvida pelo empreendedor

6 EVOLUCcedilAtildeO DO POSICIONAMENTO DO STJ SOBRE A

RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL

286

Conceito dado pelo art3deg IV da lei 693881 287

Conceito formulado a partir da definiccedilatildeo de infraccedilatildeo ambiental previsto no art70 da Lei 960598

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

173

Apresenta-se para anaacutelisa-se dois casos julgados pelo Superior Tribunal de Justiccedila em

2018 e 2019 respectivamente os quais conduzem agrave reflexatildeo sobre os posicionamentos

manifestados por essa egreacutegia corte sobre a natureza juriacutedica da responsabilidade

ambiental na esfera administrativa

Eis a siacutentese das referidas decisotildees do STJ

61 RECURSO ESPECIAL Nordm 1728334 - RJ (20170307709-1) RELATOR

MINISTRO HERMAN BENJAMIN

O fato que originou esse julgado foi a autuaccedilatildeo administrativa realizada pelo IBAMA

em desfavor da empresa CMN Engenharia Ltda que construiu sem licenccedila ambiental

seis unidades habitacionais no Condomiacutenio Porto Ciel no municiacutepio de Angra dos Reis

tendo realizado o parcelamento e o desmembramento do solo bem como a implantaccedilatildeo

e ampliaccedilatildeo de empreendimento imobiliaacuterio em zona costeira e aacuterea de preservaccedilao

permanente sem preacutevio licenciamento ambiental A empresa pleiteou a anulaccedilatildeo dos

autos de infraccedilatildeo 074650 e 352767 bem como o cancelamento do auto de embargo e

interdiccedilatildeo ndeg 0044875 e alternativamente requereu a reduccedilatildeo da multa imposta nos

autos de infraccedilatildeo em observacircncia ao princiacutepio da proporcionalidade

Registre-se que a empresa autora adota como argumento para a anulaccedilatildeo do auto de

infraccedilatildeo o fato de que caso o requerimento de licenccedila ambiental natildeo seja deferido ou

indeferido pelo oacutergatildeo ambiental no prazo de 30 (trinta) dias apoacutes seu protocolo

presume-se o licenciamento Sendo assim iniciou as suas atividades entendendo que

nessa situaccedilatildeo haveria uma licenccedila taacutecita do oacutergatildeo ambiental

A sentenccedila em Accedilatildeo Ordinaacuteria concluiu pela correta aplicaccedilatildeo da multa e pela devida

motivaccedilatildeo do auto de infraccedilatildeo culminando apoacutes apelo improvido no Recurso Especial

Em fundamentaccedilatildeo do seu voto o Relator Ministro Herman Bejamin argumentou que

restou comprovado nos autos que a infraccedilatildeo ocorreu em 31112001 e a licenccedila somente

foi concedida em 31012002 o que por si soacute comprova que a Autora estava

promovendo a obra e dando-lhe andamento antes mesmo de obter a devida autorizaccedilatildeo

consubstanciada na licenccedila devida pelo Oacutergatildeo Ambiental quando por oacutebvio o correto

eacute obter a licenccedila e depois iniciar a obra

Sustentou ainda o Relator que eacute incompatiacutevel com os princiacutepios de regecircncia do Estado

de Direito Ambiental vigente no Brasil a possibilidade de licenccedila ou autorizaccedilatildeo taacutecita

automaacutetica ou por protocolo derivada de omissatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica em deferir

ou natildeo o pleito do empreendedor Ressaltou que no nosso ordenamento o silecircncio

administrativo perante simples protocolo do pedido gera ndash ateacute manifestaccedilatildeo expressa

em sentido contraacuterio ndash presunccedilatildeo iuris et de iure (absoluta) de natildeo licenciamento

ambiental

Salientou o Relator que o vaacutecuo administrativo natildeo corresponde a deferimento pois

nada cria e nada consente ou valida A morosidade do administrador corrige-se com os

instrumentos legalmente previstos tanto disciplinares como de improbidade

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

174

administrativa jamais punindo o inocente ou seja o favorecido pelo licenciamento a

coletividade presente e futura

Finalmente o Recurso Especial foi improvido mantendo a multa de

R$1500000(quinze mil reais)aplicada agrave eacutepoca e o embargo da obra

Essa decisatildeo proferida em junho de 2018 demonstra que a imposiccedilatildeo de sanccedilatildeo

administrativa deve se dar pelo simples fato da transgressatildeo legal ter se efetivado que

no caso foi a construccedilatildeo sem a devida licenccedila ambiental cabendo pois ao trangressor

a respectiva penalidade imposta pelo oacutergatildeo ambiental competente

62 EMBARGOS DE DIVERGEcircNCIA EM RESP Nordm 1318051 - RJ (20120070152-

3) RELATOR MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES

O fato que originou esse julgado foi um Auto de Infraccedilatildeo lavrado em desfavor de

Ipiranga Produtos de Petroacuteleo SA em razatildeo do vazamento de 70000 (setenta mil) litros

de oacuteleo diesel de propriedade da Ipiranga causado por descarrilamento de composiccedilatildeo

ferroviaacuteria da Ferrovia Centro Atlacircntica (FCA) cujo oacuteleo atingiu aacutereas de preservaccedilatildeo

permanente e vegetaccedilotildees protetoras de mangue Foi pleiteado em siacutentese a anulaccedilatildeo do

auto de infraccedilatildeo ao argumento de que a penalidade de multa foi aplicada sumariamente

e sem prova teacutecnica elaborado por oacutergatildeo competente para fundamentaacute-la

Alega-se assim que a multa por dano ambiental foi imposta sob o fundamento da

responsabilidade objetiva decorrente da propriedade da carga transportada por outrem

(Ferrovia Centro Atlacircntica) que efetivamente teve participaccedilatildeo direta no acidente que

causou a degradaccedilatildeo ambiental

Discute-se portanto a possibilidade de que terceiro responda por sanccedilatildeo aplicada por

infraccedilatildeo ambiental

Em fundamentaccedilatildeo do voto o Relator Ministro Mauro Campbell Marques em resumo

afirma que a aplicaccedilatildeo e a execuccedilatildeo das penas limitam-se aos transgressores a

reparaccedilatildeo ambiental de cunho civil a seu turno pode abranger todos os poluidores a

quem a proacutepria legislaccedilatildeo define como a pessoa fiacutesica ou juriacutedica de direito puacuteblico ou

privado responsaacutevel direta ou indiretamente por atividade causadora de degradaccedilatildeo

ambiental (art 3ordm inc V da Lei 693881)

Citou ainda precedentes da 2ordf Cacircmara no sentido de que ldquonos termos da jurisprudecircncia

do STJ como regra a responsabilidade administrativa ambiental apresenta caraacuteter

subjetivo exigindo dolo ou culpa para sua configuraccedilatildeo

Entretanto ao concluir o seu voto o eminente Relator afirmou que ante agrave inexistecircncia

de participaccedilatildeo direta da embargante (Ipiranga SA) no acidente que deu causa agrave

degradaccedilatildeo ambiental eacute de se prover o recurso especial para anular o Auto de Infraccedilatildeo

0042005 que deu origem ao creacutedito objeto da CDA executada pelo Municiacutepio de

GuapimirimRJ ou seja decidiu pela ausecircncia de nexo causal contrariando os

precedentes citados

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

175

Portanto depreende-se que a fundamentaccedilatildeo desse voto foi conduzida no sentido de que

a responsabilidade administrativa eacute objetiva eis que destinada ao trangressor da norma

ambiental contudo foram citados precedentes em sentido contraacuterio ou seja que a

mesma responsabilidade administrativa possui caraacuteter subjetivo exigindo dolo ou culpa

mas por fim deu provimento ao recurso ante agrave ausecircncia de nexo de causal deixando de

examinar a existencia ou natildeo de culpabilidade pressuposto da responsabilidade

subjetiva Referido julgamento foi proferido em maio de 2019

A controveacutersia entretanto adveacutem do ano de 2003 quando no REsp 467212RJ da 1ordf

Turma cuja Relatoria foi do Ministro Luiz Fux deveria dirimir a seguinte controveacutersia

ldquoo pagamento da multa ambiental eacute de responsabilidade do proprietaacuterio do navio

estrangeiro ou da Petrobras que o fretou para transportar o petroleo brutordquo Concluiu-se

no sentido da responsabilidade ambiental administrativa ser objetiva fundamentada no

art14 sect3deg da Lei 693881 cabendo agrave Petrobraacutes o pagamento da multa adminsitrativa

em razatildeo da infraccedilatildeo consubstanciada no vazamento de oacuteleo proveniente de navio

estrangeiro em aacuteguas jurisdicionais brasileiras fretado pela referida empresa estatal

Portanto a partir de entatildeo o STJ seguiu esse posicionamento equivocado na visatildeo de

Marcelo Abelha Rodrigues (2019) visto que reconhecia-se a possibilidade de penalizar

administrativamente quem natildeo praticou o fato isto eacute sujeito diverso do transgressor

qual seja o proprietaacuterio da carga e natildeo o transportador

Posteriormente o STJ foi paulatinamente esclarecendo e pacificando a distinccedilatildeo entre

trangressor e poluidor reconhecendo que o conceito de transgressor natildeo eacute tatildeo amplo

quanto o de poluidor e a rigor a consequecircncia disso eacute que a regra da causalidade na

responsabilidade civil ambiental natildeo eacute a mesma da responsabilidade administrativa

ambiental Isso porque enquanto ldquopoluidorrdquo eacute aquele que direta ou indiretamente causa

degradaccedilatildeo ambiental (art 3 IV da lei 9605) o ldquotransgressor ou infratorrdquo eacute aquele que

diretamente por accedilatildeo ou omissatildeo viola as regras juriacutedicas de uso gozo promoccedilatildeo

proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo do meio ambiente (art 14 caput combinado com art 70 da lei

9605)

Nessa linha a responsabilidade administrativa daquele que viola a regra juriacutedica

ambiental decorre do fato objetivo da violaccedilatildeo sendo essa em regra objetiva

Sendo assim pode-se afirmar que o posicionamento recentemente manifestado pelo STJ

em suas ementas a exemplo do ERESP acima citado no sentido de que eacute subjetiva a

responsabilidade ambiental administrativa mostra-se contraditoacuterio ao inteiro teor dos

casos julgados cuja fundamentaccedilatildeo tem seguido a linha da responsabilidade objetiva

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A partir do que dispotildee a lei 960598 sobre as sanccedilotildees administrativas bem como o

Decreto regulamentador das infraccedilotildees ambientais adminsitrativas dos uacuteltimos

julgamentos do STJ sobre o tema e ainda sobre o pensamento dos doutrinadores aqui

estudados eacute possiacutevel concluir que a responsabilidade ambiental administrativa em

regra tem como objetivo baacutesico e fundamental impor uma sanccedilatildeo pela violaccedilatildeo objetiva

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

176

agrave uma norma ambiental devendo tal sanccedilatildeo ser direcionada ao transgressor direto da

norma juriacutedica

Ocorre que o proacuteprio legislador deu tratamento diferenciado agrave uma espeacutecie de sanccedilatildeo

administrativa a multa simples diferenciando expressamente a sistemaacutetica para a sua

aplicaccedilatildeo

Assim a imposiccedilatildeo da multa simples deve ser precedida da anaacutelise subjetiva sobre a

existecircncia de dolo ou culpa esta exclusivamente manifestada pela negligecircncia Tal

anaacutelise deve se dar mediante processo administrativo em que seja proporcionada a

ampla defesa e o contraditoacuterio

Vale destacar que recentemente288

o Decreto Federal ndeg 97602019289

inovou trazendo

o nuacutecleo de conciliaccedilotildees ambientais cujo objetivo eacute fazer a anaacutelise preliminar da

autuaccedilatildeo para convalidar ou anular o auto de infraccedilatildeo e realizar as audiecircncias de

conciliaccedilatildeo ambiental

As audiecircncias de conciliaccedilatildeo visam apresentar as soluccedilotildees legais possiacuteveis para encerrar

o processo tais como o desconto para pagamento o parcelamento e a conversatildeo da

multa em serviccedilos de preservaccedilatildeo melhoria e recuperaccedilatildeo da qualidade do meio

ambiente

Infere-se assim que tais audiecircncias satildeo destinadas especificamente aos casos de

imposiccedilatildeo de multa cuja anaacutelise deve ser subjetiva conforme definou o legislador

ordinaacuterio Resta saber se na praacutetica essa anaacutelise preliminar da autuaccedilatildeo faraacute essa

avaliaccedilatildeo da existecircncia do dolo ou da negligecircncia

Finalmente natildeo se pode generelizar a natureza juriacutedica da responsabilidade ambiental

administrativa como fez o STJ em suas ementas estabelecendo-a como subjetiva

ressaltando ainda que o conteuacutedo dos votos dos Relatores expressam-se pela regra geral

de que comete infraccedilatildeo adminnistrativa aquele que viola objetivamente as normas

ambientais concluindo ser esta objetiva Entretanto a multa simples prescinde da

anaacutelise da existecircncia de dolo ou culpa sendo indispensaacutevel fazer essa diferenciaccedilatildeo ao

se referir agrave responsabilidade ambiental administrativa

Vale transcrever o luacutecido entendimento de Rodrigues (2019) ao afirmar que que

embora o STJ proclame a ldquoconsolidaccedilatildeo do entendimentordquo nos referidos julgamentos

como sendo a responsabilidade administrativa ambiental subjetiva na essecircncia os

acoacuterdatildeos seguem a linha da responsabilidade administrativa objetiva ao afastar o nexo

causal para excluir a imposiccedilatildeo da sanccedilatildeo

Assim pode-se concluir que merecem ser revistas as ementas dos julgamentos aqui

analisados para tornarem-se coerentes com a sua fundamentaccedilatildeo e decisatildeo visto que

em regra a responsabilidade ambiental administrativa eacute objetiva devendo a sanccedilatildeo ser

imposta ao trangressor direto da norma e natildeo ao poluidor ressaltando que em caso de

imposiccedilao de multa a responsabilidade ambiental administrativa eacute subjetiva devendo

288

Entrou em vigor no dia 08 de outubro de 2019 180 dias apoacutes a sua publicaccedilatildeo 289

O Decreto Federal 97602019 altera parte do Decreto Federal nordm 651408 que dispotildee sobre as

infraccedilotildees e sanccedilotildees administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para

apuraccedilatildeo destas infraccedilotildees

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

177

ser mantida a sanccedilatildeo apenas se existente o dolo ou a negligecircncia apoacutes a devida anaacutelise

em processo administrativo proacuteprio em que se permita a ampla defesa e o contraditoacuterio

REFEREcircNCIAS

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1988 Brasiacutelia DF Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em

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administrativas ao meio ambiente estabelece o processo administrativo federal para

apuraccedilatildeo destas infraccedilotildees e daacute outras providecircncias Presidecircncia da Repuacuteblica

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-

20102008decretod6514htm Acesso em 31 de outubro de 2019

BRASIL Decreto nordm 9760 de 11 de abril de 2019 Altera o Decreto nordm 6514 de 22 de

julho de 2008 que dispotildee sobre as infraccedilotildees e sanccedilotildees administrativas ao meio

ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apuraccedilatildeo destas infraccedilotildees

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2019-

20222019decretoD9760htmart3 Acesso em 01 de novembro de 2019

BRASIL Lei 6938 de 31 de agosto de 1981 Dispotildee sobre a Poliacutetica Nacional do Meio

Ambiente seus fins e mecanismos de formulaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo e daacute outras providecircncias

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2019

BRASIL Lei 9605 de 12 de fevereiro de 1998 Dispotildee sobre as sanccedilotildees penais e

administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e daacute outras

providecircncias Congresso Nacional Disponiacutevel em

httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisl9605htm Acesso em 25 de outubro de 2019

BRASIL Lei Complementar ndeg140 de 08 de dezembro de 2011 Fixa normas nos

termos dos incisos III VI e VII do caput e do paraacutegrafo uacutenico do art 23 da Constituiccedilatildeo

Federal para a cooperaccedilatildeo entre a Uniatildeo os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios

nas accedilotildees administrativas decorrentes do exerciacutecio da competecircncia comum relativas agrave

proteccedilatildeo das paisagens naturais notaacuteveis agrave proteccedilatildeo do meio ambiente ao combate agrave

poluiccedilatildeo em qualquer de suas formas e agrave preservaccedilatildeo das florestas da fauna e da flora e

altera a Lei no 6938 de 31 de agosto de 1981 Congresso Nacional Disponiacutevel em

httpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISLCPLcp140htm Acesso em 05 de

dezembro de 2019

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RODRIGUES Marcelo Abelha O STJ e a responsabilidade administrativa ambiental

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA ERESP Nordm 1318051 - RJ (20120070152-3)

1ordf Turma Relator Ministro Mauro Campbell Marques

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA RESP Nordm 1728334 - RJ (20170307709-1) 2ordf

Turma Relator Ministro Herman Benjamin

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA REsp nordm 467212 RJ (20020106671-6)

autuado em 02102002 1ordf Turma Relator Ministro Luiz Fux

VITTA Heraldo Garcia Responsabilidade civil e administrativa por dano ambiental

Satildeo Paulo Malheiros 2008

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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UMA VISAtildeO CRIacuteTICA SOBRE A OBRIGACcedilAtildeO PROPTER REM

NO DIREITO AMBIENTAL A Responsabilidade do Superficiaacuterio

por Danos Causados ao Imoacutevel na Servidatildeo de Mina

LEONARDO POLASTRI LIMA PEIXOTO

__________________ SUMAacuteRIO _______________

1 Introduccedilatildeo 2 Natureza Propter Rem da

Obrigaccedilatildeo de Reparaccedilatildeo por Danos Ambientais 21

Obrigaccedilatildeo Ambiental Propter Rem doutrina

jurisprudecircncia e legislaccedilatildeo 22 Distinccedilatildeo entre

Obrigaccedilatildeo Propter Rem de Reparar Dano

Ambiental e Responsabilidade Civil por Dano

Ambiental 3 Colocaccedilatildeo do Problema A Servidatildeo

de Mina 4 A Responsabilidade Propter Rem do

Superficiaacuterio de Reparar Danos Ambientais

Causados pelo Minerador ao Imoacutevel 5 Conclusatildeo

Resumo Eacute frequente a alusatildeo agrave obrigaccedilatildeo propter rem no Direito Ambiental a fim de

justificar o dever do proprietaacuterio ou possuidor do imoacutevel de reparar os danos ambientais

causados agrave propriedade ainda que tais sujeitos natildeo tenham dado causa agrave ocorrecircncia do

dano Embora a doutrina e a jurisprudecircncia do Superior Tribunal de Justiccedila sejam

firmes nesse sentido o presente estudo lanccedila uma visatildeo criacutetica sobre a obrigaccedilatildeo

propter rem no Direito Ambiental a fim de promover a reflexatildeo sobre se deve tambeacutem

o superficiaacuterio ndash proprietaacuterio ou possuidor ndashser responsabilizado por danos causados ao

imoacutevel em razatildeo de empreendimento viabilizado mediante servidatildeo de mina muitas

vezes instituiacuteda por forccedila de decisatildeo judicial em nome do interesse puacuteblico

Palavras-chave Direito Ambiental obrigaccedilatildeo propter rem servidatildeo de mina

Advogado do Tolentino Advogados Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

180

1 INTRODUCcedilAtildeO

Na definiccedilatildeo civilista obrigaccedilatildeo propter rem eacute a que ldquorecai sobre uma pessoa por forccedila

de determinado direito real Soacute existe em razatildeo da situaccedilatildeo juriacutedica do obrigado de

titular do dominio ou de detentor de determinada coisardquo290

Quando transposta ao

Direito Ambiental a obrigaccedilatildeo propter rem eacute usualmente invocada para justificar a

responsabilidade de um titular de uma posiccedilatildeo juriacutedica pelo dano ambiental ainda que a

ele natildeo tenha dado causa com a praacutetica de um ato iliacutecito

Inclusive eacute paciacutefico no STJ o entendimento de que a obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo por danos

ambientais eacute propter rem291

isto eacute adere ao tiacutetulo e se estende tanto ao proprietaacuterio

quanto ao possuidor sejam eles presentes ou futuros ao momento de ocorrecircncia do

dano A posiccedilatildeo encontra-se tatildeo fortalecida que foi refletida na Suacutemula nordm 623STJ e em

tese de jurisprudecircncia da Corte Superior ndash adiante analisadas

Apesar do dogma em torno da questatildeo situaccedilatildeo peculiar ocorre quando se pensa na

hipoacutetese de servidatildeo de mina instituiacuteda em propriedades nas quais se localize uma

jazida ou em limiacutetrofes para fins de pesquisa ou lavra mineral dentro do que se

compreende tambeacutem demais atividades que se faccedilam necessaacuterias agrave exploraccedilatildeo mineral

como construccedilatildeo de instalaccedilotildees abertura de vias de transporte de material e pessoal

captaccedilatildeo e aduccedilatildeo de aacutegua e depoacutesito de material Nesses casos eacute de se indagar se o

proprietaacuterio do imoacutevel ndash muitas vezes coagido por forccedila de decisatildeo judicial a aceitar a

instituiccedilatildeo da servidatildeo de mina em nome do interesse puacuteblico e assim permitir o

ingresso do minerador em sua propriedade quando tal instituiccedilatildeo natildeo se daacute de forma

amigaacutevel ndash estaacute sujeito agrave responsabilizaccedilatildeo por dano ambiental ainda que a ele natildeo

tenha dado causa direta ou indiretamente

Na praacutetica a questatildeo passa despercebida pois ordinariamente eacute natural que se pense

na responsabilizaccedilatildeo exclusiva da mineradora pelos danos causados ao meio ambiente

Natildeo obstante ela existe e merece ser enfrentada Por isso o presente artigo pretende

realizar uma leitura criacutetica do entendimento do tribunal superior sobre a natureza

propter rem da obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo por danos ambientais a fim de analisar ao final

se deve o superficiaacuterio ser responsabilizado por dano ambiental causado em razatildeo de

empreendimento concebido via servidatildeo de mina

290

GONCcedilALVES Carlos Roberto Direito Civil parte geral obrigaccedilotildees e contrato 6ed Satildeo Paulo

Saraiva 2016 p 502 291

MOREIRA Danielle de Andrade LIMA Letiacutecia Maria Recircgo Teixeira MOREIRA Izabel Freire O

Princiacutepio do Poluidor-Pagador na Jurisprudecircncia do STF e do STJ uma anaacutelise criacutetica Veredas do

Direito Belo Horizonte v 16 nordm 34 2019 p 379-380

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

181

2 NATUREZA PROPTER REM DA OBRIGACcedilAtildeO DE REPARACcedilAtildeO POR

DANOS AMBIENTAIS

21 OBRIGACcedilAtildeO AMBIENTAL PROPTER REM DOUTRINA

JURISPRUDEcircNCIA E LEGISLACcedilAtildeO

Na obrigaccedilatildeo propter rem ldquoa fonte da obrigaccedilatildeo eacute a titularidade de uma posiccedilatildeo

juridica ativardquo 292

Com isso se quer dizer que a obrigaccedilatildeo propter rem natildeo nasce de ato

liacutecito ou iliacutecito mas do mero fato de determinado sujeito assumir uma situaccedilatildeo juriacutedica

Em outras palavras obriga-se simplesmente por ser e natildeo por fazer

No Direito Ambiental as referecircncias agrave obrigaccedilatildeo propter rem satildeo numerosas seja em

estudos acadecircmicos ou em decisotildees judiciais encontrando eco tambeacutem na legislaccedilatildeo

Isso decorre da funccedilatildeo socioambiental da propriedade que eleva o proprietaacuterio ao status

de protetor dos recursos ambientais (art 186 inciso II CF)293

Erika Bechara afirma que a obrigaccedilatildeo ambiental propter rem eacute instituto de alta

relevacircncia para o Direito Ambiental na medida em que ldquopor forccedila dessa obrigaccedilatildeo que

grava o imoacutevel o titular da propriedade danificada tem o dever de restabelecer o

equiliacutebrio ecoloacutegico ainda que natildeo tenha causado ou sequer contribuiacutedo para tal

perdardquo294

Isto eacute o proprietaacuterio deve adotar as providecircncias necessaacuterias para manter a

propriedade incoacutelume contra os danos ambientais seja mediante a proteccedilatildeo dos recursos

naturais existentes na propriedade ou mediante a recuperaccedilatildeo dos que tenham sido

destruiacutedos natildeo importando se o dano foi provocado por ele (atual proprietaacuterio) pelo

proprietaacuterio anterior ou por possuidores (eg locataacuterios comodataacuterios arrendataacuterios)

A intenccedilatildeo em se estabelecer a obrigaccedilatildeo propter rem de reparar o dano ambiental eacute

ampliar o rol de responsaacuteveis pela recuperaccedilatildeo do meio ambiente e assim facilitar o

retorno ao statuo quo anterior agrave degradaccedilatildeo ambiental295

Assim fortalece-se a tutela do

meio ambiente na medida em que institui um viacutenculo de solidariedade entre o titular da

propriedade e o autor do dano ambiental296

Por isso eacute que via de regra a obrigaccedilatildeo propter rem eacute invocada pelo STJ para

fundamentar a existecircncia de obrigaccedilatildeo de reparar o dano ambiental daquele que adquiriu

o imoacutevel posteriormente agrave configuraccedilatildeo do dano297

O entendimento segundo

Wanderley Joseacute dos Reis eacute paciacutefico no STJ desde 2002 no julgamento do Recurso

Especial nordm 343741PR298

Desde entatildeo foram tantos os julgados nesse sentido que a

292

BUZANAR Mauriacutecio Baptistella Da Obrigaccedilatildeo Propter Rem Dissertaccedilatildeo de Mestrado Satildeo Paulo

Faculdade de Direito da Universidade de Satildeo Paulo 2012 p 79 293

Art 186 inciso II CF ldquo[a] funccedilatildeo social eacute cumprida quando a propriedade rural atende

simultaneamente segundo criteacuterios e graus de exigecircncia estabelecidos em lei aos seguintes requisitos

[] II - utilizaccedilatildeo adequada dos recursos naturais disponiveis e preservaccedilatildeo do meio ambienterdquo 294

BECHARA Erika A Responsabilidade Civil do Poluidor Indireto e a Obrigaccedilatildeo Propter Rem dos

Proprietaacuterios de Imoacuteveis Ambientalmente Degradados In Cadernos Juriacutedicos ano 20 nordm 48 Satildeo Paulo

2019 p 137-165 295

Ibid p 157 296

DOS REIS Wanderley Joseacute Natureza Propter Rem da Obrigaccedilatildeo de Reparaccedilatildeo por Danos

Ambientais Dourados Revista Juriacutedica UNIGRAN v 20 n 4 2018 p 107 297

Nesse sentido ver BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila REsp nordm 1090968SP Relator Luiz Fux

Brasiacutelia 15 jun 2010 298

DOS REIS Wanderley Joseacute Op Cit p 108

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

182

Corte Superior firmou a tese de jurisprudecircncia299

segundo a qual ldquoa obrigaccedilatildeo de

recuperar a degradaccedilatildeo ambiental eacute do titular da propriedade do imoacutevel mesmo que natildeo

tenha contribuiacutedo para a deflagraccedilatildeo do dano tendo em conta sua natureza propter

remrdquo

Natildeo bastando em 2018 o STJ publicou o enunciado de Suacutemula nordm 623STJ dispondo

que ldquoas obrigaccedilotildees ambientais possuem natureza propter rem sendo admissiacutevel cobraacute-

las do proprietario ou possuidor atual eou dos anteriores a escolha do credorrdquo Uma

afirmaccedilatildeo inserta em um julgamento da Corte Superior eacute igualmente ilustrativa do quatildeo

forte eacute a orientaccedilatildeo do STJ nesse sentido ldquopara o fim de apuraccedilatildeo do nexo de

causalidade no dano ambiental equiparam-se quem faz quem natildeo faz quando deveria

fazer quem deixa de fazer quem natildeo se importa que faccedilam quem financia para que

faccedilam e quem se beneficia quando outros fazemrdquo300

Tambeacutem na legislaccedilatildeo eacute possiacutevel ver alusatildeo clara agrave obrigaccedilatildeo propter rem O Coacutedigo

Florestal Brasileiro (Lei nordm 126512012) por exemplo estabelece que as obrigaccedilotildees

previstas na referida Lei tecircm natureza real e satildeo transmitidas aos sucessores de

qualquer natureza no caso de transferecircncia do domiacutenio ou posse do imoacutevel rural (art

2ordm sect2ordm Lei nordm 126512012)301

O mesmo diploma impotildee ao proprietaacuterio do imoacutevel a

obrigaccedilatildeo de recompor a vegetaccedilatildeo da Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente ressaltando

que a obrigaccedilatildeo se transmite ao sucessor na mesma hipoacutetese de transferecircncia de

domiacutenio ou posse do imoacutevel rural (art 7ordm sect2ordm Lei nordm 126512012)302

De modo

semelhante a Lei Estadual Paulista nordm 135772009 dispotildee que um sujeito ainda que

natildeo tenha concorrido para a ocorrecircncia do dano ambiental eacute responsaacutevel pela

remediaccedilatildeo da contaminaccedilatildeo ocorrida na aacuterea de sua propriedade (art 13 inciso II Lei

Estadual Paulista nordm 135772009)303

22 DISTINCcedilAtildeO ENTRE OBRIGACcedilAtildeO PROPTER REM DE REPARAR

DANO AMBIENTAL E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO

AMBIENTAL

A obrigaccedilatildeo propter rem de reparar o dano ambiental eacute bom dizer natildeo se confunde

com a responsabilidade civil por dano ambiental embora tais conceitos natildeo raro

sejam mencionados conjuntamente na seara do Direito Ambiental Em parte isso se

deve ao fato de que tais conceitos aplicam-se com frequecircncia de forma concomitante em

299

Tese de jurisprudecircncia nordm 9 em Direito Ambiental 300

BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila Processo REsp nordm 1090968SP Relator Min Luiz Fux

Brasiacutelia 03 ago 2010 301

Art 2ordm sect2ordm Lei nordm 126512012 ldquosect 2ordm As obrigaccedilotildees previstas nesta Lei tecircm natureza real e satildeo

transmitidas ao sucessor de qualquer natureza no caso de transferecircncia de domiacutenio ou posse do imoacutevel

ruralrdquo 302

Art 7ordm sectsect1ordm e 2ordm Lei nordm 126512012 ldquosect 1ordm Tendo ocorrido supressatildeo de vegetaccedilatildeo situada em Area

de Preservaccedilatildeo Permanente o proprietaacuterio da aacuterea possuidor ou ocupante a qualquer tiacutetulo eacute obrigado a

promover a recomposiccedilatildeo da vegetaccedilatildeo ressalvados os usos autorizados previstos nesta Lei sect 2ordm A

obrigaccedilatildeo prevista no sect 1ordm tem natureza real e eacute transmitida ao sucessor no caso de transferecircncia de

dominio ou posse do imovel ruralrdquo 303

Art 13 inciso II Lei Estadual Paulista nordm 135772009 ldquoSatildeo considerados responsaveis legais e

solidaacuterios pela prevenccedilatildeo identificaccedilatildeo e remediaccedilatildeo de uma aacuterea contaminada [] II ndash o proprietaacuterio da

areardquo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

183

casos versando sobre o dever de reparaccedilatildeo dos danos ambientais De outro lado a

referecircncia indistinta a tais conceitos ocorre muitas vezes por falta de cuidado teacutecnico

como se todos eles se prestassem a um uacutenico significado

A distinccedilatildeo entre obrigaccedilatildeo propter rem de reparaccedilatildeo por danos ambientais e

responsabilidade civil por danos ambientais eacute importante e ressaltada por Tiago

Vaitekunas Zapater

O fundamento teoacuterico dessa distinccedilatildeo e das suas consequecircncias natildeo repousa

apenas na estrutura loacutegica da obrigaccedilatildeo propter rem mas tambeacutem nos

princiacutepios do Direito Ambiental A obrigaccedilatildeo de conservaccedilatildeo ambiental do

imoacutevel deriva do princiacutepio da funccedilatildeo socioambiental da propriedade e por

esse motivo adere agrave propriedade A responsabilidade civil por danos

ambientais deriva do princiacutepio do poluidor-pagador e por isso adere ao risco

assumido ou gerado por determinadas atividades304

Inclusive a noccedilatildeo de responsabilidade civil por dano ambiental vem acompanhada de

outras como de responsabilidade objetiva e solidaacuteria que natildeo se confundem com a

obrigaccedilatildeo propter rem A responsabilidade objetiva refere-se agrave possibilidade de

responsabilizar determinado agente praticante por um dano independentemente da

existecircncia de ato iliacutecito configurado por dolo ou culpa No Direito Ambiental significa

dizer que natildeo eacute por exemplo necessaacuterio perquirir se o poluidor agiu com culpa para

que seja tido como responsaacutevel a indenizar e reparar os danos causados ao meio

ambiente e a terceiros por sua atividade305

(art 14 sect1ordm Lei nordm 69381981)306

De outro

lado a responsabilidade solidaacuteria refere-se agrave existecircncia de mais de um responsaacutevel pelo

cumprimento de uma obrigaccedilatildeo em sua totalidade No Direito Ambiental significa

dizer por exemplo que qualquer um que participar na deflagraccedilatildeo de um dano

ambiental seraacute responsaacutevel pela integralidade dos danos307

(art 942 caput Coacutedigo

Civil) incluindo nesse conceito o terceiro indiretamente relacionado com a atividade

poluidora (artigo 3ordm inciso IV Lei nordm 69381981)308

A distinccedilatildeo mais do que puramente acadecircmica possui implicaccedilotildees praacuteticas Afinal se o

descumprimento de obrigaccedilatildeo ambiental por um possuidor (eg locataacuterio) natildeo danifica

propriamente o imoacutevel tal ato natildeo geraraacute implicaccedilotildees juriacutedicas ndash ie responsabilidade ndash

para o proprietaacuterio mas apenas para os causadores diretos do dano ambiental De outro

lado se esse mesmo possuidor desmata a Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente abrangida

pelo imoacutevel o proprietaacuterio ainda que natildeo tenha concorrido em medida alguma para tal

ato seraacute obrigado a recuperaacute-la Todavia a sua obrigaccedilatildeo encerra-se aiacute natildeo estaraacute o

304

ZAPATER Tiago Vaitekunas Aacutereas Contaminadas e Reparaccedilatildeo Integral diferenccedila entre obrigaccedilatildeo

propter rem e responsabilidade civil por dano ambiental Satildeo Paulo Revista do Advogado n 133 2017

p 218-228 305

GARCIA Leonardo de Medeiros THOMEacute Romeu Direito Ambiental 2ed rev ampl e atual

Salvador Ed JusPodivm 2010 p 138 306

Art 14 sect1ordm Lei nordm 69381981 ldquoSem obstar a aplicaccedilatildeo das penalidades previstas neste artigo eacute o

poluidor obrigado independentemente da existecircncia de culpa a indenizar ou reparar os danos causados

ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade O Ministeacuterio Puacuteblico da Uniatildeo e dos Estados

teraacute legitimidade para propor accedilatildeo de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio

ambienterdquo 307

ldquoPara correccedilatildeo do meio ambiente as empresas satildeo responsaveis solidarias e no plano interno entre si

responsabiliza-se cada qual pela participaccedilatildeo na conduta danosardquo (BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila

REsp nordm 18567 Relatora Eliana Calmon Brasiacutelia 16 jun 2000) 308

MILAREacute Eacutedis Direito do Ambiente 10 ed rev atual e ampl ndash Satildeo Paulo Editora Revista dos

Tribunais 2015 p 438-440

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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proprietaacuterio nesse caso obrigado a pagar indenizaccedilatildeo ou prestar compensaccedilatildeo pelos

danos causados pelo possuidor que natildeo se relacionem diretamente ao imoacutevel309

3 COLOCACcedilAtildeO DO PROBLEMA A SERVIDAtildeO DE MINA

Como se sabe a propriedade do solo natildeo se confunde com a do subsolo Essa dicotomia

entre ambos eacute inclusive pregada na Carta Magna (art 176 caput CF)310

Tambeacutem o

Coacutedigo Civil vai ao encontro dessa separaccedilatildeo ao dispor que a propriedade do solo natildeo

abrange as jazidas as minas e os demais recursos minerais existentes sob ele (art 1230

Coacutedigo Civil)311

Ocorre que em razatildeo da rigidez locacional312

o minerador ldquonatildeo pode escolher sua

atividade produtiva porque as minas devem ser lavradas onde a natureza as colocourdquo313

Por isso eacute normal que o minerador detentor de um tiacutetulo autorizativo de

aproveitamento de substacircncia mineral em aacuterea situada em imoacutevel do qual natildeo seja

proprietaacuterio necessite ingressar em imoacuteveis de terceiros para que possa viabilizar a sua

atividade Essa necessidade existe natildeo apenas para a realizaccedilatildeo da lavra propriamente

dita mas tambeacutem para outras atividades envolvidas no ciclo da mineraccedilatildeo como

realizaccedilatildeo de pesquisa mineral construccedilatildeo de instalaccedilotildees abertura de vias de transporte

de pessoas e materiais depoacutesito de materiais e rejeitos da mineraccedilatildeo transmissatildeo de

energia eleacutetrica e captaccedilatildeo e aduccedilatildeo de aacutegua

Na praacutetica em casos com esse o minerador por vezes viabiliza o seu ingresso no

imoacutevel de forma amigaacutevel seja adquirindo o imoacutevel do superficiaacuterio ndash designaccedilatildeo

usualmente dada ao proprietaacuterio ou posseiro ndash caso a aquisiccedilatildeo do tiacutetulo de propriedade

seja de seu interesse seja firmando um acordo para ingresso no imoacutevel mediante

pagamento de indenizaccedilatildeo caso o ingresso na aacuterea apenas faccedila sentindo em caraacuteter

temporaacuterio Em outros casos contudo isso natildeo eacute possiacutevel sobretudo quando o dono do

imoacutevel resiste ao ingresso do minerador em sua propriedade

Por causa de situaccedilotildees como essa o legislador paacutetrio criou marcos regulatoacuterios

especiais para permitir a atividade mineraacuteria em aacutereas de terceiros Isto eacute mesmo

309

BECHARA Erika Op Cit p 161 310

Art 176 caput CF ldquoAs jazidas em lavra ou natildeo e demais recursos minerais e os potenciais de

energia hidraacuteulica constituem propriedade distinta da do solo para efeito de exploraccedilatildeo ou

aproveitamento e pertencem a Uniatildeo garantida ao concessionario a propriedade do produto da lavrardquo 311

Art 1230 Codigo Civil ldquoA propriedade do solo natildeo abrange as jazidas minas e demais recursos

minerais os potenciais de energia hidraacuteulica os monumentos arqueoloacutegicos e outros bens referidos por

leis especiaisrdquo 312

Como explicado por Adriano Drumond Canccedilado Trindade a rigidez locacional refere-se agrave inexistecircncia

de alternativa locacional para o aproveitamento do recurso mineral O autor menciona que ldquoo setor

mineral se depara com desafios decorrentes da rigidez locacional com grande frequecircncia mesmo em

casos de empreendimentos de pequeno porte que precisam se adaptar agraves circunstacircncias do local onde seraacute

conduzida a operaccedilatildeo (tanto no aspecto ambiental como no aspecto social e no uso do solo) Haacute casos em

que comunidades inteiras tiveram que ser reassentadas em outro local para que empreendimentos

mineiros pudessem ser implementadosrdquo Nesse sentido TRINDADE Adriano Drummond Canccedilado

Mineraccedilatildeo e Intervenccedilatildeo na Propriedade Privada In SION Alexandre Oheb (Org) Empreendimentos de

Infraestrutura e de Capital Intensivo Desafios Juriacutedicos 1ordf ed Belo Horizonte Del Rey 2017 v 1 p

279-296 313

FREIRE William Coacutedigo de Mineraccedilatildeo Anotado Belo Horizonte Mandamentos 2010 p 55-56

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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quando o ingresso amigaacutevel no imoacutevel natildeo eacute possiacutevel a legislaccedilatildeo prevecirc outras formas

de aproveitar os recursos minerais afinal tais atividades satildeo feitas em atendimento ao

interesse nacional (art 176 sect1ordm CF)314

e satildeo consideradas de utilidade puacuteblica (art 5ordm

aliacutenea f Decreto-Lei nordm 33651941)315

Essas formas satildeo a desapropriaccedilatildeo e a

instituiccedilatildeo de servidatildeo de mina

Quanto agrave primeira eacute interessante ressaltar que mesmo com a existecircncia do Decreto-Lei

nordm 33651941 parte da doutrina entendia pela inexistecircncia da figura da desapropriaccedilatildeo

mineraacuteria A questatildeo contudo parece ter sido resolvida com a Lei nordm 135752017316

que prevecirc a competecircncia da ANM para aprovar a delimitaccedilatildeo de aacutereas e declarar a

utilidade puacuteblica para fins de desapropriaccedilatildeo ou constituiccedilatildeo de servidatildeo mineral (art

2ordm XXI Lei nordm 135752017)317

A servidatildeo de mina por sua vez encontra-se expressamente prevista no Coacutedigo de

Mineraccedilatildeo que prevecirc a possibilidade de sua instituiccedilatildeo em propriedades nas quais se

localize uma jazida ou em limiacutetrofes para fins de pesquisa ou lavra mineral dentro do

que se compreende tambeacutem demais atividades que se faccedilam necessaacuterias agrave exploraccedilatildeo

mineral como construccedilatildeo de instalaccedilotildees abertura de vias de transporte de material e

pessoal captaccedilatildeo e aduccedilatildeo de aacutegua e depoacutesito de material (art 59 Coacutedigo de

Mineraccedilatildeo)318

O rol do artigo 59 do Coacutedigo de Mineraccedilatildeo eacute bom dizer eacute

exemplificativo e natildeo taxativo319

Retornando ao cerne deste estudo tem-se que tanto na hipoacutetese de venda do imoacutevel

quanto na de desapropriaccedilatildeo a duacutevida posta sobre a existecircncia de obrigaccedilatildeo do

superficiaacuterio de reparar o dano ambiental resta prejudicada Afinal se a obrigaccedilatildeo

propter rem decorre justamente da situaccedilatildeo juriacutedica de proprietaacuterio (no latim propter =

314

Art 176 sect1ordm CF ldquoA pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que

se refere o caput deste artigo somente poderatildeo ser efetuados mediante autorizaccedilatildeo ou concessatildeo da

Uniatildeo no interesse nacional por brasileiros ou empresa constituiacuteda sob as leis brasileiras e que tenha sua

sede e administraccedilatildeo no Paiacutes na forma da lei que estabeleceraacute as condiccedilotildees especiacuteficas quando essas

atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indiacutegenasrdquo 315

Art 5ordm aliacutenea f Decreto-Lei nordm 33651941 ldquoConsideram-se casos de utilidade puacuteblica [] f) o

aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais das aguas e da energia hidraulicardquo 316

Diz-se ldquoparece ter sido resolvidardquo pois como explica Bruno Feigelson ldquoa competecircncia estabelecida

para a ANM tratar de desapropriaccedilatildeo em projetos mineraacuterios enseja o questionamento a respeito de quais

aacutereas podem ser objeto de tais declaraccedilotildees bem como a respeito dos efeitos juriacutedicos decorrentes destas

Para analises mais apuradas cabe aguardar a regulamentaccedilatildeo do novo institutordquo Nesse sentido

FEIGELSON Bruno Curso de Direito Mineraacuterio Satildeo Paulo Saraiva 2012 317

Art 2ordm XXI Lei nordm 135752017 ldquoA ANM no exercicio de suas competecircncias observara e

implementaraacute as orientaccedilotildees e diretrizes fixadas no Decreto-Lei nordm 227 de 28 de fevereiro de 1967

(Coacutedigo de Mineraccedilatildeo) em legislaccedilatildeo correlata e nas poliacuteticas estabelecidas pelo Ministeacuterio de Minas e

Energia e teraacute como finalidade promover a gestatildeo dos recursos minerais da Uniatildeo bem como a regulaccedilatildeo

e a fiscalizaccedilatildeo das atividades para o aproveitamento dos recursos minerais no Paiacutes competindo-lhe []

XXI - aprovar a delimitaccedilatildeo de aacutereas e declarar a utilidade puacuteblica para fins de desapropriaccedilatildeo ou

constituiccedilatildeo de servidatildeo mineralrdquo 318

Art 59 Codigo de Mineraccedilatildeo ldquoFicam sujeitas a servidotildees de solo e subsolo para os fins de pesquisa

ou lavra natildeo soacute a propriedade onde se localiza a jazida como as limiacutetrofes Paraacutegrafo uacutenico Instituem-se

Servidotildees para a) construccedilatildeo de oficinas instalaccedilotildees obras acessoacuterias e moradias b) abertura de vias de

transporte e linhas de comunicaccedilotildees c) captaccedilatildeo e aduccedilatildeo de aacutegua necessaacuteria aos serviccedilos de mineraccedilatildeo e

ao pessoal d) transmissatildeo de energia eleacutetrica e) escoamento das aacuteguas da mina e do engenho de

beneficiamento f) abertura de passagem de pessoal e material de conduto de ventilaccedilatildeo e de energia

eleacutetrica g) utilizaccedilatildeo das aguadas sem prejuiacutezo das atividades pre-existentes e h) bota-fora do material

desmontado e dos refugos do engenhordquo 319

FEIGELSON Bruno Op Cit

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ldquoem razatildeo derdquo rem = ldquocoisardquo) ao se desfazer do imovel o (antes) superficiario livra-se

da obrigaccedilatildeo320

Na servidatildeo de mina por sua vez o superficiaacuterio permanece proprietaacuterio do imoacutevel o

que a luz do entendimento doutrinaacuterio e da jurisprudecircncia do STJ permitiria afirmar

em princiacutepio a possibilidade de responsabilizaacute-lo pelos danos ambientais causados ao

imoacutevel ainda que natildeo tenha concorrido em grau algum para a sua ocorrecircncia No toacutepico

seguinte promove-se uma reflexatildeo acerca deste ponto

4 A RESPONSABILIDADE PROPTER REM DO SUPERFICIAacuteRIO DE

REPARAR DANOS AMBIENTAIS CAUSADOS PELO MINERADOR AO

IMOacuteVEL

Erika Bechara afirma que ldquoquando o proprietario aluga cede em comodato ou arrenda

o imoacutevel a um terceiro essa obrigaccedilatildeo [de preservar o imoacutevel contra dano ambiental e

reparaacute-lo] natildeo lhe abandonardquo321

pois a obrigaccedilatildeo eacute propter rem Contudo seraacute que se

pode dizer o mesmo na hipoacutetese de servidatildeo em que como visto a interferecircncia de

terceiro no imoacutevel do superficiaacuterio natildeo ocorre por exclusiva liberalidade deste mas

sempre em nome do interesse nacional e da utilidade puacuteblica ainda que a instituiccedilatildeo da

servidatildeo ocorra amigavelmente Isto eacute se o superficiaacuterio natildeo tem escolha senatildeo

permitir o ingresso do minerador em seu imoacutevel deve ele ser obrigado a reparar danos

ambientais causados ao imoacutevel em razatildeo da atividade mineraacuteria

Imagine-se a seguinte situaccedilatildeo uma mineradora constroacutei em terreno de propriedade de

terceiro uma barragem de rejeitos havendo o acesso e o uso do imoacutevel sido viabilizados

mediante instituiccedilatildeo de servidatildeo de mina Vindo a ocorrer um rompimento da barragem

seja por responsabilidade ou natildeo da mineradora (o que eacute irrelevante para o presente

debate) deve o superficiaacuterio que natildeo contribuiu para os danos ambientais causados ser

obrigado a reparaacute-los Poder-se-ia pensar tambeacutem em caso menos extremo vindo uma

mineradora a desmatar parte da Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente em um imoacutevel para

realizaccedilatildeo de pesquisa mineral o superficiaacuterio eacute obrigado a recuperaacute-la

A duacutevida ressalte-se ateacutem-se aos danos provocados ao proacuteprio imoacutevel uma vez que a

obrigaccedilatildeo propter rem decorre justamente da situaccedilatildeo juriacutedica de titular daquele bem

E como obrigaccedilatildeo propter rem de reparar danos ambientais natildeo se confunde com

responsabilidade civil por danos ambientais322

ao superficiaacuterio natildeo poderaacute ser atribuiacuteda

a responsabilidade de responder integralmente pelos danos externos ao imoacutevel causados

pela atividade mineraacuteria Erika Bechara eacute clara nesse sentido

No que tange agrave amplitude da obrigaccedilatildeo propter rem ambiental haacute que se

destacar que por forccedila dela o proprietaacuterio estaacute obrigado a recompor as

caracteriacutesticas ambientais do imoacutevel destruiacutedas pelo terceiro ndash locataacuterio

320

Como explica Erika Bechara a exceccedilatildeo ocorreraacute se o proprietaacuterio do imoacutevel for o causador direto ou

indireto do passivo floresta ou da contaminaccedilatildeo nele existente Nesse caso sua obrigaccedilatildeo de recuperaccedilatildeo

da aacuterea natildeo derivaraacute unicamente da obrigaccedilatildeo propter rem de forma que ainda que extinta a obrigaccedilatildeo

propter rem residiraacute a sua responsabilidade por reparar o dano ambiental em virtude de tecirc-lo causado

Nesse sentido BECHARA Erika Op Cit p 162 321

BECHARA Erika Op Cit p 158 322

Vide toacutepico 22

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comodataacuterio arrendataacuterio ou antigo proprietaacuterio E soacute Os danos ambientais

(aleacutem daqueles observados na propriedade) e os danos agrave sauacutede que o poluidor

direto causar a partir da atividade desenvolvida no imoacutevel estatildeo fora do

campo da obrigaccedilatildeo propter rem que de seu turno estaacute focada unicamente

na situaccedilatildeo (ambiental) da propriedade natildeo nos danos externos a ela323

Obriga-se entatildeo o superficiaacuterio a reparar os danos ambientais causados ao proacuteprio

imoacutevel nesse caso A Suacutemula nordm 623STJ e a tese de jurisprudecircncia da Corte Superior

natildeo excepcionam o superficiaacuterio da regra geral Contudo eacute certo tambeacutem que os

julgamentos que originaram as referidas suacutemula e tese natildeo enfrentaram essa questatildeo

Afinal como dito a obrigaccedilatildeo propter rem eacute usualmente invocada para justificar a

existecircncia de obrigaccedilatildeo de reparar o dano ambiental daquele que adquiriu o imoacutevel

posteriormente agrave configuraccedilatildeo do dano324

O melhor entendimento parece ser o de que o superficiaacuterio estaacute obrigado a reparar o

dano ambiental Apesar de o ingresso de terceiro em imoacutevel de sua propriedade natildeo

decorrer de exclusiva liberalidade do superficiaacuterio deve ele em atendimento aos

princiacutepios da precauccedilatildeo e da prevenccedilatildeo zelar pela incolumidade da propriedade contra

o dano ambiental

De todo modo deve-se assegurar o direito de regresso in casu a ser exercido contra o

minerador Aliaacutes como o STJ jaacute teve a oportunidade de decidir a feiccedilatildeo propter rem da

obrigaccedilatildeo de reparar os danos ambientais natildeo exclui a possibilidade de regresso

[S]abe-se que a accedilatildeo de terceiros natildeo isenta o proprietaacuterio de

responsabilidade civil ambiental por dano ao bem protegido Primeiro

porque conforme jurisprudecircncia paciacutefica do STJ cuida-se de

responsabilizaccedilatildeo de feiccedilatildeo objetiva e propter rem ressalvado o direito de

regresso Segundo porque uma das obrigaccedilotildees do titular do domiacutenio

decorrecircncia da funccedilatildeo ecoloacutegica da propriedade vem a ser exatamente zelar

pela coisa de modo a evitar sua degradaccedilatildeo ambiental325

O fundamento para o direito de regresso eacute simples caso o dano ambiental tenha sido

provocado pelo minerador inexiste duacutevidas de que seraacute ele responsaacutevel a indenizar o

superficiaacuterio por eventuais danos sofridos para reparar o dano ambiental De outro lado

natildeo havendo o dano ambiental sido provocado pelo minerador mas por evento de forccedila

maior por exemplo caberaacute igualmente o regresso contra o minerador pois este eacute

objetivamente responsaacutevel em razatildeo da teoria do risco criado ou do risco integral326

ndash

aplicaacutevel ao minerador em razatildeo do risco de sua atividade mas natildeo ao superficiaacuterio

323

BECHARA Erika Op Cit p 161 324

A tiacutetulo de exemplo veja-se ldquoA obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo dos danos ambientais eacute propter rem por isso

que a Lei 817191 vigora para todos os proprietaacuterios rurais ainda que natildeo sejam eles os responsaacuteveis por

eventuais desmatamentos anteriores maacutexime porque a referida norma referendou o proacuteprio Coacutedigo

Florestal (art 16 sect 2ordm da 477165) que estabelecia uma limitaccedilatildeo administrativa agraves propriedades rurais

obrigando os seus proprietaacuterios a instituiacuterem aacutereas de reservas legais de no miacutenimo 20 de cada

propriedade em prol do interesse coletivordquo Ver BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila Processo REsp

nordm 1090968SP Relator Min Luiz Fux Brasiacutelia 03 ago 2010 325

BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila REsp nordm 1376199SP Relator Min HERMAN BENJAMIN

Brasiacutelia 07 nov 2016 326

O entendimento de que se aplica agrave atividade de mineraccedilatildeo a teoria do risco integral natildeo eacute uniacutessona na

doutrina Em sentido contraacuterio ROSENVALD Nelson DE FARIAS Cristiano Chaves NETTO Felipe

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Com isso assegura-se tanto a manutenccedilatildeo do mais amplo rol de responsaacuteveis pela

reparaccedilatildeo do dano ambiental ndash afinal o interesse maacuteximo eacute de manutenccedilatildeo do meio

ambiente ecologicamente estaacutevel ndash quanto a possibilidade de manter o superficiaacuterio

indene de danos com a posterior possibilidade de se ressarcir perante o minerador

5 CONCLUSAtildeO

Como visto eacute frequente a alusatildeo agrave obrigaccedilatildeo propter rem no Direito Ambiental a fim de

justificar o dever do proprietaacuterio ou possuidor do imoacutevel de reparar os danos ambientais

causados agrave propriedade ainda que tais sujeitos natildeo tenham dado causa agrave ocorrecircncia do

dano A Tatildeo frequente eacute essa alusatildeo que a doutrina e a jurisprudecircncia do Superior

Tribunal de Justiccedila firmaram entendimento nesse sentido

Apesar disso deve-se refletir se o mesmo entendimento pode ser aplicado aos casos em

que o proprietaacuterio ou possuidor do imoacutevel satildeo obrigados em nome do interesse puacuteblico

a permitir o ingresso do minerador em seu imoacutevel via instituiccedilatildeo de servidatildeo de mina

Entende-se que tambeacutem neste caso o melhor entendimento eacute o de que o superficiaacuterio

estaacute obrigado a reparar o dano ambiental em atendimento aos princiacutepios da precauccedilatildeo e

da prevenccedilatildeo

Contudo o dever de reparar estaacute adstrito aos danos ambientais causados ao proacuteprio

imoacutevel afinal obrigaccedilatildeo propter rem de reparar danos ambientais natildeo se confunde com

responsabilidade civil por danos ambientais Aleacutem disso fica assegurado o direito de

regresso a ser exercido contra o minerador pois a feiccedilatildeo propter rem da obrigaccedilatildeo de

reparar os danos ambientais natildeo exclui a possibilidade de regresso

REFEREcircNCIAS

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Peixoto Braga Novo Tratado de Responsabilidade Civil 3ordf ed rev e atual Salvador Editora JusPodivm

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CARIBEacute Karla Virgiacutenia Bezerra Reparaccedilatildeo de Dano Ambiental Obrigaccedilatildeo Propter

Rem Imprescritibilidade do Pedido e Inexistecircncia de Situaccedilotildees Juriacutedicas Consolidadas

____

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GARCIA Leonardo de Medeiros THOMEacute Romeu Direito Ambiental 2ed rev

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Satildeo Paulo Saraiva 2016

MACHADO Paulo Affonso Leme Direito Ambiental Brasileiro 19ed Satildeo Paulo

Malheiros Editores 2012

MILAREacute Eacutedis Direito do Ambiente 10ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos

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MOREIRA Danielle de Andrade LIMA Letiacutecia Maria Recircgo Teixeira MOREIRA

Izabel Freire O Princiacutepio do Poluidor-Pagador na Jurisprudecircncia do STF e do STJ uma

anaacutelise criacutetica Veredas do Direito Belo Horizonte v 16 n 34 2019

POLIacuteZIO JUacuteNIOR Vladimir Poliacutezio Novo Coacutedigo Florestal Satildeo Paulo Rideel 2012

REIS Wanderley Joseacute dos Natureza Propter Rem da Obrigaccedilatildeo de Reparaccedilatildeo por

Danos Ambientais Dourados Revista Juriacutedica UNIGRAN v 20 n 4 2018

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PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO NO DIREITO AMBIENTAL

PRESSUPOSTOS E APLICACcedilAtildeO

LUNIZA CARVALHO DO NASCIMENTO

________________ SUMAacuteRIO _________________

1 Introduccedilatildeo 2 Sociedade de Risco 3 O Princiacutepio

da Precauccedilatildeo 31 Princiacutepio da Precauccedilatildeo vs

Princiacutepio da Prevenccedilatildeo 4 A Aplicaccedilatildeo do Princiacutepio

pelo Supremo Tribunal Federal 5 Consideraccedilotildees

Finais

Resumo Trata-se de artigo acadecircmico produzido com o objetivo de delinear os

contornos juriacutedicos do Princiacutepio da Precauccedilatildeo no Direito Ambiental Brasileiro Os

pressupostos para sua existecircncia satildeo traccedilados em um primeiro momento para que em

seguida seus limites e definiccedilotildees sejam abordados Apoacutes um cotejo deste princiacutepio com

o Princiacutepio da Prevenccedilatildeo seraacute feita uma exposiccedilatildeo de decisotildees proferidas pelo Supremo

Tribunal com o intuito de compreender como a Corte o tem aplicado

Palavras-chave Direito Ambiental Princiacutepio da Precauccedilatildeo Aplicabilidade

1 INTRODUCcedilAtildeO

Nos dias atuais a sociedade qualificada como de risco influencia decisotildees poliacuteticas que

corriqueiramente satildeo tomadas para que se evitem danos Ao falar de risco pressupotildee-se

ocorrecircncias provocadas pelo agir humano e ao contraacuterio do que se entende por perigo

que seriam as situaccedilotildees alheias e externas agrave vontade do homem

Advogada graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia Contadora graduada em Ciecircncias

Contaacutebeis pela Fundaccedilatildeo Visconde de Cairu Mestranda em Direito e Justiccedila na Universidade Federal de

Minas Gerais E-mail lunizanascimentosachacalmoncombr

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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A partir disso eacute importante notar a existecircncia de situaccedilotildees que decorrem da accedilatildeo do

homem e que podem acarretar danos generalizados mas que por falta de informaccedilatildeo

cientiacutefica ou da proacutepria incerteza de sua ocorrecircncia conjecturam-se mecanismos que

afastam a praacutetica dessas accedilotildees tendo em vista a grande probabilidade de realizaccedilatildeo de

um dano natildeo soacute a pessoas mas ao ambiente em geral

Eacute importante falar entatildeo em sociedade de risco e da necessidade de conhecimento que

natildeo se restrinja ao estudo teacutecnico que envolva a comprovaccedilatildeo de nexo de causalidade

entre certas accedilotildees e condutas mas tambeacutem de um saber que se ocupa de analisar a

probabilidade de ocorrecircncia de danos acarretada por condutas humanas

Desta forma este estudo se propotildee a explicitar num primeiro momento a qualificaccedilatildeo

da sociedade atual como de risco e suas causas em seguida analisar o principal ponto da

discussatildeo que eacute o princiacutepio da precauccedilatildeo e seus contornos doutrinaacuterios e por fim

entender de que forma o Supremo Tribunal Federal tem aplicado essa norma impliacutecita

no ordenamento constitucional

2 SOCIEDADE DE RISCO

Em outras eacutepocas os danos e os riscos causados individualmente pelo homem eram

tambeacutem individualmente sofridos ao contraacuterio da sociedade atual cujos danos e riscos

convergem para potenciais danos globais

ULRICH BECK pontua que a sociedade nos dias de hoje eacute caracterizada pela

existecircncia de riscos que diferente dos perigos ndash associados aos desastres naturais ou

pragas de outras eacutepocas ndash satildeo artificiais pois satildeo resultados da atividade do homem e

vinculados a uma escolha327

Os riscos satildeo uma ameaccedila potencial a um grande nuacutemero de pessoas e se potencializam

com o avanccedilo tecnologico e o capitalismo selvagem aliados ldquoa exploraccedilatildeo e manejo da

energia nuclear dos produtos quiacutemicos de recursos alimentiacutecios de riscos ecoloacutegicos

ou daqueles que podem chegar a tecnologia geneacuteticardquo328

Esses fatores conjecturam uma

realidade em que o ser humano eacute capaz de causar uma destruiccedilatildeo em massa

Assim eacute que os riscos com efeitos e consequecircncias natildeo queridos pela sociedade satildeo de

difiacutecil prevenccedilatildeo e diagnoacutestico acabando por produzir inseguranccedila social sentida pelas

pessoas e provocada por inuacutemeras condiccedilotildees

Questotildees que eram vistas de modo indiferente e alheias a preocupaccedilotildees causam

externalidades e efeitos secundaacuterios produzindo consequecircncias negativas para a

sociedade ensejam o debate acerca do surgimento de uma das funccedilotildees do Estado o

gerenciamento de riscos329

As origens desses riscos e perigos satildeo diversas tornando-os

327

BECK Ulrich Poliacuteticas ecoloacutegicas en la edad del riesgo El Roure Barcelona 1998 p 120 328

HAMMERSCHIMIDT Denise O Risco na Sociedade Contemporacircnea e o Princiacutepio da Precauccedilatildeo no

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multidimensionais caracteriacutestica que marca certa complexidade e dificuldade para os

variados ordenamentos juriacutedicos no enfrentamento desse tipo de situaccedilatildeo330

Uma sociedade caracterizada como de risco pode ser considerada como um espaccedilo em

que as pessoas satildeo obrigadas a lidar cotidianamente com probabilidades de cataacutestrofes

de situaccedilotildees qualificadas como de perigo de seus responsaacuteveis e de externalidades que

fogem de seus controles sem que exista necessariamente uma medida que elimine tais

possibilidades331

Os riscos podem ser entatildeo vislumbrados como um aspecto permanente da sociedade

mas haacute que se levar em consideraccedilatildeo a sua evoluccedilatildeo uma vez que se diferenciam por

serem invisiacuteveis imperceptiacuteveis e globais decorrentes de um modelo econocircmico de

produccedilatildeo industrial que gera danos irreversiacuteveis

Eacute a tambeacutem denominada por Beck ldquosociedade de risco globalrdquo cuja identificaccedilatildeo esta

atrelada ao enfrentamento de desafios que revertam a possibilidade de destruiccedilatildeo de

todos os tipos de vida ao redor do planeta inicialmente de forma sutil e em seguida de

maneira cada vez mais evidente332

Eacute por existirem riscos desconhecidos e invisiacuteveis que o conhecimento e o saber se

constituem como uma expressatildeo poliacutetica que reverbera em um agir humano em face de

uma ameaccedila que pede uma nova eacutetica que seja preventiva Eacute por isso que urge uma

intervenccedilatildeo do Estado no meio empresarial e principalmente na garantia do acesso agrave

informaccedilatildeo333

Ao lado desse apelo intervencionista impera uma irresponsabilidade organizada cuja

noccedilatildeo consiste no reconhecimento da existecircncia de um ambiente onde a proacutepria

sociedade se natildeo desconhece a realidade de perigo e risco nega a sua existecircncia as

responsabilidades e culpas na formaccedilatildeo desse local de risco334

Com efeito entende-se como necessaacuteria a busca por um modelo de sociedade com

relaccedilotildees que estejam baseadas em uma estrutura juriacutedica que normatize com cautela e

prudecircncia comportamentos que representam riscos natildeo soacute para seres humanos como

tambeacutem para todos os seres vivos do planeta

A sociedade por meio dos instrumentos de democracia participativa tem a incumbecircncia

de assumir a responsabilidade ou de excluir a existecircncia de certos riscos Isso manifesta-

se de forma ainda mais acentuada quando se trata de riscos globais que atingem

indeterminado nuacutemero de pessoas como eacute o caso de riscos ambientais

3 O PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO

330

LEITE Joseacute Rubens Morato AYALA Patryck de Arauacutejo Direito Ambiental na Sociedade de Risco

Satildeo Paulo Forense 2002 p 18 331

GOLDBLATT 1996 p 228 apud idem ibidem 332

BECK op cit p 120 333

CENCI KAumlSSMAYER op cit p 5 334

BECK idem p 115

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

194

Com origem no Direito Alematildeo o princiacutepio da precauccedilatildeo surgiu na deacutecada de 70 a

partir da preocupaccedilatildeo com a necessidade de avaliaccedilatildeo preacutevia das consequecircncias no

meio ambiente dos projetos e empreendimentos que estavam sendo ou em vias de

serem implantados335

O princiacutepio da precauccedilatildeo corresponde agrave essecircncia do direito ambiental uma vez que se

traduz como um princiacutepio estruturante do Estado de Direito Ambiental336

A noccedilatildeo de

precauccedilatildeo traduz uma eacutetica da decisatildeo necessaacuteria em um contexto de incerteza e sua

invocaccedilatildeo eacute resultado das transformaccedilotildees socioloacutegicas e filosoacuteficas na sociedade

atual337

Eacute norma prescrita na Declaraccedilatildeo do Rio338

o Princiacutepio 15

ldquoDe modo a proteger o meio ambiente o princiacutepio da precauccedilatildeo deve ser

amplamente observado pelos Estados de acordo com suas capacidades

Quando houver ameaccedila de danos seacuterios ou irreversiacuteveis a ausecircncia de

absoluta certeza cientiacutefica natildeo deve ser utilizada como razatildeo para postergar

medidas eficazes e economicamente viaacuteveis para precaver a degradaccedilatildeo

ambientalrdquo

Embora esta Declaraccedilatildeo natildeo tenha natureza de tratado internacional para o Brasil trata-

se de compromisso mundial eacutetico cuja recomendaccedilatildeo eacute a de que os Estados tecircm o dever

de observacircncia a fim de que se evite uma irreversiacutevel degradaccedilatildeo ambiental

Aleacutem disso o princiacutepio da precauccedilatildeo estaacute inserido em um dos Comunicados da

Comissatildeo da Uniatildeo Europeia que diz respeito agrave proteccedilatildeo ambiental prevenccedilatildeo de risco

ambiental e poliacutetica ambiental339

ldquoA invocaccedilatildeo do principio da precauccedilatildeo eacute uma decisatildeo exercida quando a

informaccedilatildeo cientiacutefica e insuficiente natildeo conclusiva ou incerta e haja

indicaccedilotildees de que os possiacuteveis efeitos sobre o ambiente a sauacutede das pessoas

dos animais ou a proteccedilatildeo vegetal possam ser potencialmente perigosos ou

incompativeis com o nivel de proteccedilatildeo escolhidordquo

Este princiacutepio se revela entatildeo como um posicionamento de accedilatildeo ou omissatildeo quando haacute

sinais de risco significativo para as pessoas animais e vegetais ainda que tais sinais natildeo

sejam concretamente demonstrados 340

Nesse sentido o princiacutepio demanda uma

atuaccedilatildeo que invoque medidas a serem tomadas mesmo que natildeo haja provas e sim

suspeitas da ocorrecircncia de efeitos gerados a partir de riscos

335

ANTUNES Paulo Bessa O Princiacutepio da Precauccedilatildeo no Direito Ambiental Brasileiro Veredas do

Direito Belo Horizonte v 13 n 27 p70 336

DERANI Cristiane Direito Ambiental Econocircmico 2ed Satildeo Paulo Max Limonad 2001 p 169 337

LASCOUNE 1997 p 131 apud BERGEL Salvador DIAZ Alberto Biotecnologia y sociedad

Buenos Aires Ciudad Argentina 2001 p 77 338

United Nations Conference on Environment and Development Rio Declaration Rio de Janeiro

Brasil 3-14 de junho de 1992 339

UNIAtildeO EUROPEIA Comunicaccedilatildeo da Comunicaccedilatildeo relativa ao Princiacutepio da Precauccedilatildeo Bruxelas

02022000 COM 2000 340

MACHADO Paulo Affonso Leme O Princiacutepio da Precauccedilatildeo e a Avaliaccedilatildeo de Riscos Revista dos

Tribunais RT 85635 fev 2007 p02

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

195

HAMMERSCHIMIDT341

pontua que o princiacutepio da precauccedilatildeo se articula com base em

dois pressupostos o primeiro seria a possibilidade de que determinadas condutas

humanadas causem danos coletivos que podem ser entendidos como situaccedilotildees

catastroacuteficas que afetem seres vivos em geral e o segundo seria a falta de evidecircncia

cientiacutefica relacionada agrave existecircncia do dano que se evita Esta seria uma incerteza natildeo

apenas quanto agrave relaccedilatildeo causal entre ato e efeito mas tambeacutem relativa agrave realidade do

dano

Assim eacute que se eacute possiacutevel que determinada situaccedilatildeo possa causar danos ambientais e

inexiste certeza cientiacutefica em relaccedilatildeo aos efetivos danos e sua extensatildeo mas haacute uma

base cientiacutefica fundada na razoabilidade e probabilidade de ocorrecircncia entatildeo devem ser

invocadas medidas de precauccedilatildeo para evitar ou diminuir a ocorrecircncia de riscos

ambientais

Aqui infere-se que o princiacutepio da precauccedilatildeo se trata de verdadeira presunccedilatildeo tendo em

vista que as presunccedilotildees satildeo regras que resultam de proposiccedilotildees devidamente

comprovadas Dessa forma entendendo que as presunccedilotildees impotildeem o dever de aceitar

como verdadeiras proposiccedilotildees desde que verificadas condiccedilotildees estabelecidas

previamente e que ensejam a sua configuraccedilatildeo342

parece certo afirmar que a utilizaccedilatildeo

do princiacutepio da precauccedilatildeo decorre de uma presunccedilatildeo

Esses institutos prescrevem o reconhecimento juriacutedico de um fato comprovado

indiretamente343

Ou seja eacute o que resulta logicamente por meio de um fato conhecido

de existecircncia certa infere-se o fato controverso ou duvidoso cuja existecircncia torna-se

provaacutevel344

No mesmo sentido de inferecircncia CARRAZA345

defende que presunccedilatildeo eacute suposiccedilatildeo de

um fato desconhecido em consequecircncia provaacutevel e direta de outro fato ordinariamente

conhecido

Comumente satildeo classificadas em (i) simples quando resultam do raciociacutenio humano e

(ii) legais ou de direito quando satildeo prescritas normas juriacutedicas Estas uacuteltimas satildeo

divididas em relativas ou juris tantum quando admitem provas em contraacuterio e

absolutas ou iuris et de jure quando natildeo admitem prova em sentido contraacuterio346

A diferenccedila entre estas diz respeito agrave existecircncia de uma claacuteusula adicional que fixa

condiccedilotildees de superaccedilatildeo do suposto fato descrito na hipoacutetese normativa As presunccedilotildees

relativas como admitem prova em contraacuterio satildeo derrotaacuteveis ou superaacuteveis ao passo

que as presunccedilotildees absolutas natildeo admitem exceccedilotildees Por esse motivo a estrutura dessa eacute

341

HAMMERSCHIMIDT op cit p 109 342

MENDONCcedilA Daniel Presunciones Doxa - Cuadernos de Filosofia del Derecho 21-I 1998 p 89 343

FERRAGUT Maria Rita Presunccedilotildees no Direito Tributaacuterio 2ed Satildeo Paulo Quartier Latin 2005 p

114 344

CARVALHO Paulo de Barros A prova no procedimento administrativo tributaacuterio Revista de Direito

Tributaacuterio n 34 Satildeo Paulo 1998 p 109 345

CARRAZZA Roque Antonio Curso de direito constitucional tributaacuterio 22ed Satildeo Paulo Malheiros

2006 p 406-407 346

FLORENCIO Madja de Sousa Moura Praticabilidade obrigaccedilotildees acessoacuterias e as garantias

constitucionais do cidadatildeo-contribuinte Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito Mestrado Satildeo Paulo 2016 p 52

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

196

ldquoSe A entatildeo deve ser Brdquo ao passo que naquela a estrutura eacute ldquoSe A e natildeo C entatildeo

deve ser Brdquo347

Pois bem Depreende-se como correto afirmar entatildeo que o princiacutepio se assenta na

necessidade de atuaccedilatildeo do estado face agrave falta de evidecircncia cientiacutefica348

diante de um fato

cuja presunccedilatildeo de seus efeitos eacute a de que provoque danos

Aleacutem disso haacute que se pontuar os contornos da incerteza e da ignoracircncia cientiacutefica que

estruturam esse princiacutepio

A incerteza natildeo necessariamente diz respeito a um fato inexistente mas pode significar

algo que estaacute indefinido e natildeo tem suas dimensotildees evidentemente apontadas O incerto

pode ser uma hipoacutetese que ainda natildeo foi testada nem verificado mas que natildeo pode ser

descartada pois induz a necessidade de avaliaccedilatildeo e pesquisa Assim eacute que se a

informaccedilatildeo eacute incerta revela-se necessaacuteria a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo349

Ressalte-se entretanto que a incerteza no conhecimento como forma de ignoracircncia

natildeo se justifica pela amplitude dos conhecimentos existentes ou ateacute pela falta de

conhecimento daquilo que se considere banal Pelo contraacuterio o saber eacute imprescindiacutevel

para a constataccedilatildeo de que determinado ato ou fato podem natildeo causar risco agrave sauacutede de

animais e vegetais350

Ou seja o princiacutepio da precauccedilatildeo pode ser invocado quando haacute

desconhecimento quanto aos efeitos negativos que podem repercutir ao meio ambiente

quando decorrentes de uma accedilatildeo em que se presume a ocorrecircncia do dano Assim

necessaacuterio se faz a busca por informaccedilotildees para constataccedilatildeo de que a ocorrecircncia

supostamente riscosa natildeo provoca danos irreversiacuteveis ao ambiente

31 PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO VS PRINCIacutePIO DA PREVENCcedilAtildeO

Diante do exposto eacute importante realizar a diferenciaccedilatildeo entre o princiacutepio da precauccedilatildeo e

o princiacutepio da prevenccedilatildeo para melhor delimitaccedilatildeo dos contornos daquele

Quanto agraves semacircnticas prevenccedilatildeo eacute substantivo feminino do verbo prevenir que

significa ldquodispor de antematildeo antecipar algordquo enquanto a palavra precauccedilatildeo eacute

substantivo feminino do verbo precaver-se e sugere cautela para que determinada accedilatildeo

natildeo aconteccedila a fim de evitar efeitos que se deseja evitar351

Para aleacutem das distinccedilotildees de significado o princiacutepio da prevenccedilatildeo diz respeito a uma

conduta racional frente a um dano em que a ciecircncia pode objetivar e medir que estaacute

347

REGLA 2006 apud MOREIRA Andreacute Mendes DERZI Misabel Abreu Machado Presunccedilotildees e

ficccedilotildees na tributaccedilatildeo limites entre a substituiccedilatildeo tributaacuteria progressiva e as pautas fiscais In PARISI

Fernanda Drummond TOcircRRES Heleno Taveira MELO Joseacute Eduardo Soares de (Org) Estudos de

Direito Tributaacuterio em Homenagem ao Professor Roque Carrazza v 2 Satildeo Paulo Malheiros 2014 p

296 348

HAMMERSCHIMIDT op cit 110 349

MACHADO Paulo Affonso Leme op cit p03 350

Idem p 04 351

PRIBERAM Disponiacutevel em lt httpsdicionariopriberamorggt Acesso em 29112019

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

197

dentro do acircmbito de certeza no sentido cientiacutefico A precauccedilatildeo conforme jaacute exposto

possui um pressuposto de incerteza relativo ao conhecimento cientiacutefico352

Nos dois princiacutepios existe o elemento do risco mas em sentidos diferentes O princiacutepio

da prevenccedilatildeo relaciona-se com o perigo concreto ao passo que o princiacutepio da precauccedilatildeo

pressupotildee um perigo abstrato353

O princiacutepio da prevenccedilatildeo portanto deve ser aplicado

para impedir accedilotildees que jaacute se sabem como causadoras de danos por fontes e informaccedilotildees

conhecidas O princiacutepio da precauccedilatildeo eacute aplicado quando o risco do perigo eacute meramente

potencial desconhecido cuja ocorrecircncia natildeo eacute possiacutevel quantificar ou qualificar354

4 A APLICACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Definidos os contornos inerentes e essenciais do princiacutepio da precauccedilatildeo torna-se

importante saber como o tem aplicado a Corte Constitucional brasileira vez que se trata

de princiacutepio impliacutecito no ordenamento juriacutedico

Ainda que natildeo expressamente previsto na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o princiacutepio da

precauccedilatildeo foi consagrado como norma impliacutecita decorrente de seu artigo 225 conforme

relatoria do Ministro Carlos Britto na Accedilatildeo Ciacutevel Originaacuteria 876 MC no Supremo

Tribunal Federal

A ACO tratava de tema relativo agrave Transposiccedilatildeo do Rio Satildeo Francisco com as Bacias

Hidrograacuteficas do Nordeste Setentrional movida em face da Uniatildeo e do Instituto

Brasileiro do Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis ndash IBAMA tendo em vista

a preservaccedilatildeo do meio ambiente supostamente ameaccedilado pela Uniatildeo no

desenvolvimento do Projeto de Integraccedilatildeo cuja discussatildeo girava em torno de violaccedilatildeo

de normas constitucionais ambientais

Essa decisatildeo aleacutem de distinguir claramente o princiacutepio da precauccedilatildeo com o princiacutepio da

prevenccedilatildeo no sentido de esclarecer as duacutevidas quantos aos danos da atividade

fundamentou o princiacutepio com base no artigo 225 da Constituiccedilatildeo pois aparentemente

esta norma conteacutem a preocupaccedilatildeo com as futuras geraccedilotildees355

352

HAMMERSCHIMIDT op cit 111 353

LEITE AYALA op cit p 20 354

WEDY Gabriel Precauccedilatildeo no Direito Ambiental natildeo quer dizer o mesmo que prevenccedilatildeo Disponiacutevel

em lthttpswwwconjurcombr2014-mai-30gabriel-wedy-precaucao-direito-ambiental-nao-

prevencaogt Acesso em 06122019 p 04

355 EMENTA Agravo regimental Medida liminar indeferida Accedilatildeo civil originaacuteria Projeto de

Integraccedilatildeo do Rio Satildeo Francisco com as Bacias Hidrograacuteficas do Nordeste Setentrional Periculum in

mora natildeo evidenciado 1 Como assentado na decisatildeo agravada a Ordem dos Advogados do Brasil -

Seccedilatildeo da Bahia AATR - Associaccedilatildeo de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia

GAMBA - Grupo Ambientalista da Bahia IAMBA - Instituto de Accedilatildeo Ambiental da Bahia Associaccedilatildeo

Movimento Paulo Jackson - Eacutetica Justiccedila e Cidadania PANGEA - Centro de Estudos Socioambientais e

da AEABA - Associaccedilatildeo dos Engenheiros Agrocircnomos da Bahia natildeo detecircm legitimidade ativa para a accedilatildeo

prevista no art 102 I f da Constituiccedilatildeo Federal 2 A Licenccedila de Instalaccedilatildeo levou em conta o fato de

que as condicionantes para a Licenccedila Preacutevia estatildeo sendo cumpridas tendo o IBAMA apresentado

programas e planos relevantes para o sucesso da obra dos quais resultaram novas condicionantes para a

validade da referida Licenccedila de Instalaccedilatildeo A correta execuccedilatildeo do projeto depende primordialmente da

efetiva fiscalizaccedilatildeo e empenho do Estado para proteger o meio ambiente e as sociedades proacuteximas 3

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

198

Outra decisatildeo importante foi a decorrente do Recurso Extraordinaacuterio 627189 de Satildeo

Paulo que tratou da possibilidade de impor agrave concessionaacuteria de serviccedilo puacuteblico de

distribuiccedilatildeo de energia eleacutetrica a obrigaccedilatildeo de reduzir o campo eletromagneacutetico de suas

linhas de transmissatildeo de acordo com padrotildees internacionais de seguranccedila em face de

eventuais efeitos nocivos agrave sauacutede da populaccedilatildeo

Sobre a aplicaccedilatildeo do princiacutepio pelo Poder Judiciaacuterio o Ministro Dias Toffoli asseverou

que o controle em relaccedilatildeo agrave legalidade e agrave legitimidade na aplicaccedilatildeo deve ser feita com

extrema prudecircncia com um controle miacutenimo tendo em vista as diversas incertezas que

cercam o campo cientiacutefico O ministro insistiu os controles administrativo e

jurisdicional do exerciacutecio da precauccedilatildeo devem ater-se tanto agrave observacircncia das regras e

procedimentos ambientais pelo Poder Puacuteblico quanto agrave tomada de decisotildees legislativas

eou administrativas produzidas que devem estar acordo com a competecircncia de cada

poder356

Havendo tatildeo-somente a construccedilatildeo de canal passando dentro de terra indiacutegena sem evidecircncia maior de

que recursos naturais hiacutedricos seratildeo utilizados natildeo haacute necessidade da autorizaccedilatildeo do Congresso Nacional

4 O meio ambiente natildeo eacute incompatiacutevel com projetos de desenvolvimento econocircmico e social que cuidem

de preservaacute-lo como patrimocircnio da humanidade Com isso pode-se afirmar que o meio ambiente pode ser

palco para a promoccedilatildeo do homem todo e de todos os homens 5 Se natildeo eacute possiacutevel considerar o projeto

como inviaacutevel do ponto de vista ambiental ausente nesta fase processual qualquer violaccedilatildeo de norma

constitucional ou legal potente para o deferimento da cautela pretendida a opccedilatildeo por esse projeto escapa

inteiramente do acircmbito desta Suprema Corte Dizer sim ou natildeo agrave transposiccedilatildeo natildeo compete ao Juiz que

se limita a examinar os aspectos normativos no caso para proteger o meio ambiente 6 Agravos

regimentais desprovidos In Supremo Tribunal Federal ACO 876 MC-AGR Disponiacutevel em

lthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=ACampdocID=539061gt Acesso em 07122019

356 EMENTA Recurso extraordinaacuterio Repercussatildeo geral reconhecida Direito Constitucional e

Ambiental Acoacuterdatildeo do tribunal de origem que aleacutem de impor normativa alieniacutegena desprezou norma

teacutecnica mundialmente aceita Conteuacutedo juriacutedico do princiacutepio da precauccedilatildeo Ausecircncia por ora de

fundamentos faacuteticos ou juriacutedicos a obrigar as concessionaacuterias de energia eleacutetrica a reduzir o campo

eletromagneacutetico das linhas de transmissatildeo de energia eleacutetrica abaixo do patamar legal Presunccedilatildeo de

constitucionalidade natildeo elidida Recurso provido Accedilotildees civis puacuteblicas julgadas improcedentes 1 O

assunto corresponde ao Tema nordm 479 da Gestatildeo por Temas da Repercussatildeo Geral do portal do STF na

internet e trata agrave luz dos arts 5ordm caput e inciso II e 225 da Constituiccedilatildeo Federal da possibilidade ou

natildeo de se impor a concessionaacuteria de serviccedilo puacuteblico de distribuiccedilatildeo de energia eleacutetrica por observacircncia

ao princiacutepio da precauccedilatildeo a obrigaccedilatildeo de reduzir o campo eletromagneacutetico de suas linhas de transmissatildeo

de acordo com padrotildees internacionais de seguranccedila em face de eventuais efeitos nocivos agrave sauacutede da

populaccedilatildeo 2 O princiacutepio da precauccedilatildeo eacute um criteacuterio de gestatildeo de risco a ser aplicado sempre que

existirem incertezas cientiacuteficas sobre a possibilidade de um produto evento ou serviccedilo desequilibrar o

meio ambiente ou atingir a sauacutede dos cidadatildeos o que exige que o estado analise os riscos avalie os custos

das medidas de prevenccedilatildeo e ao final execute as accedilotildees necessaacuterias as quais seratildeo decorrentes de decisotildees

universais natildeo discriminatoacuterias motivadas coerentes e proporcionais 3 Natildeo haacute vedaccedilatildeo para o controle

jurisdicional das poliacuteticas puacuteblicas sobre a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo desde que a decisatildeo

judicial natildeo se afaste da anaacutelise formal dos limites desses paracircmetros e que privilegie a opccedilatildeo

democraacutetica das escolhas discricionaacuterias feitas pelo legislador e pela Administraccedilatildeo Puacuteblica 4 Por ora

natildeo existem fundamentos faacuteticos ou juriacutedicos a obrigar as concessionaacuterias de energia eleacutetrica a reduzir o

campo eletromagneacutetico das linhas de transmissatildeo de energia eleacutetrica abaixo do patamar legal fixado 5

Por forccedila da repercussatildeo geral eacute fixada a seguinte tese no atual estaacutegio do conhecimento cientiacutefico que

indica ser incerta a existecircncia de efeitos nocivos da exposiccedilatildeo ocupacional e da populaccedilatildeo em geral a

campos eleacutetricos magneacuteticos e eletromagneacuteticos gerados por sistemas de energia eleacutetrica natildeo existem

impedimentos por ora a que sejam adotados os paracircmetros propostos pela Organizaccedilatildeo Mundial de

Sauacutede conforme estabelece a Lei nordm 119342009 6 Recurso extraordinaacuterio provido para o fim de julgar

improcedentes ambas as accedilotildees civis puacuteblicas sem a fixaccedilatildeo de verbas de sucumbecircnciardquo SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL Recurso Extraordinaacuterio nordm 627189 Relator(a) Min DIAS TOFFOLI

Julgamento 08062016 Disponiacutevel em

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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A Ministra Caacutermen Luacutecia em outra ocasiatildeo tambeacutem reconheceu a existecircncia do

princiacutepio da precauccedilatildeo no acircmbito do regime brasileiro e descreveu o conteuacutedo a ser

aplicado no julgamento da ADPF ordm 101 do Distrito Federal Confira-se

ldquoO principio da precauccedilatildeo vincula-se diretamente aos conceitos de

necessidade de afastamento de perigo e necessidade de dotar-se de seguranccedila

os procedimentos adotados para garantia das geraccedilotildees futuras tornando-se

efetiva a sustentabilidade ambiental das accedilotildees humanas Esse princiacutepio torna

efetiva a busca constante de proteccedilatildeo da existecircncia humana seja tanto pela

proteccedilatildeo do meio ambiente como pela garantia das condiccedilotildees de respeito agrave

sua sauacutede e integridade fiacutesica considerando-se o indiviacuteduo e a sociedade em

sua inteireza

Daiacute porque natildeo se faz necessaacuterio comprovar risco atual iminente e

comprovado de danos que podem sobrevir pelo desempenho de uma

atividade para que se imponha a adoccedilatildeo de medidas de precauccedilatildeo ambiental

Haacute de se considerar e precaver contra riscos futuros possiacuteveis que

podem decorrer de desempenhos humanos Pelo princiacutepio da prevenccedilatildeo

previnem-se contra danos possiacuteveis de serem previstos Pelo princiacutepio da

precauccedilatildeo previnem-se contra riscos de danos que natildeo se tem certeza

que natildeo vatildeo ocorrer

(hellip)

As medidas impostas nas normas brasileiras que se alega terem sido

descumpridas nas decisotildees judiciais anotadas no caso em pauta atendem

rigorosamente ao princiacutepio da precauccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo cuidou de

acolher e cumpre a todos o dever de obedecer E natildeo desacata ou desatende

os demais princiacutepios constitucionais da ordem econocircmica antes com eles se

harmoniza e se entende porque em sua integridade eacute que se conforma aquele

sistema constitucionalrdquo (grifamos)

A eminente Relatora elucida o princiacutepio como um paracircmetro a ser alcanccedilado para

resguardar a vida humana e natural em toda sua completude Com base no princiacutepio

torna-se irrelevante a comprovaccedilatildeo de risco atual pelo contraacuterio o importante neste

caso eacute precipitaccedilatildeo em evitar qualquer tipo de dano futuro

Confirmando o entendimento doutrinaacuterio sobre o conteuacutedo do princiacutepio o Supremo

Tribunal Federal entendeu que o princiacutepio da precauccedilatildeo eacute impliacutecito na Magna Carta de

1988 e que seu conteuacutedo alcanccedila os seguintes elementos

ldquoi) a precauccedilatildeo diante de incertezas cientificas ii) a exploraccedilatildeo de

alternativas a accedilotildees potencialmente prejudiciais inclusive a da natildeo-accedilatildeo iii)

a transferecircncia do ocircnus da prova aos seus proponentes e natildeo agraves viacutetimas ou

possiacuteveis viacutetimas e iv) o emprego de processos democraacuteticos de decisatildeo e

acompanhamento dessas accedilotildees com destaque para o direito subjetivo ao

consentimento informadordquo (STF 2008)

Diante disso percebe-se que a utilizaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do princiacutepio tem-se popularizado

na Corte Suprema nos julgamentos de casos que levam em consideraccedilatildeo a existecircncia de

um fato que pode ensejar o risco atrelado agrave incerteza cientiacutefica que ronda a questatildeo

Assim como princiacutepio constitucional que eacute a precauccedilatildeo deve ser observada

rigorosamente por todas as esferas de poder pelo legislativo quando da elaboraccedilatildeo e

lthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=12672680gt Acesso em 7 dez

2019

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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produccedilatildeo de normas juriacutedicas pelo executivo restrito ao seu poder discricionaacuterio e

regulamentar e pelo proacuteprio judiciaacuterio parametrizando e controlando o conteuacutedo do

princiacutepio com as poliacuteticas puacuteblicas criadas

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento tecnoloacutegico na sociedade econocircmica atual mostra-se tatildeo vantajosa

quanto inconveniente pois eacute atrelado ao progresso que o risco se apresenta como um

fator constante decorrente de accedilotildees humanas independentemente de serem ou natildeo

intencionais ou se auto interessadas ou natildeo

Atrelado agrave complexidade da sociedade que se mostra cada vez mais difiacutecil de ser

apreendida e estudada a inseguranccedila gerada pela falta de informaccedilotildees e

desconhecimento da existecircncia de riscos provoca medidas que urgem por accedilotildees ou

omissotildees da sociedade frente agrave pequena possibilidade de ocorrecircncia de danos

irreversiacuteveis

Diante disso para que os riscos sejam mais bem pensados e analisados eacute que se invoca

o princiacutepio da precauccedilatildeo cuja busca pelo afastamento do perigo e do risco faz

necessaacuterio o seu estudo

O princiacutepio eacute lastreado em dois pressupostos (i) a existecircncia de um nexo causal entre

uma accedilatildeo humana e a presunccedilatildeo de ocorrecircncia de um fato danoso e (ii) a insuficiecircncia

de informaccedilotildees cientiacuteficas acerca da real ocorrecircncia desse fato Revela-se portanto

como mecanismo de utilizaccedilatildeo do Estado para submeter a criaccedilatildeo de novas tecnologias

industriais ao resguardo do bem-estar da sociedade

Ainda que natildeo expressamente previsto na Constituiccedilatildeo Brasileira o princiacutepio decorre da

norma inserida no artigo 225 da Carta Maior A jurisprudecircncia do Supremo Tribunal

Federal aleacutem de reconhecer expressamente a forccedila normativa do princiacutepio delimita os

contornos de sua aplicaccedilatildeo

Deveras o princiacutepio da precauccedilatildeo eacute verdadeiro instrumento norteador da elaboraccedilatildeo e

execuccedilatildeo de normas ambientais pelos poderes puacuteblicos e deve servir como paracircmetro

para que o judiciaacuterio controle accedilotildees que abusam e ultrapassam do poder

constitucionalmente instituiacutedo

REFEREcircNCIAS

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precaucao-direito-ambiental-nao-prevencaogt Acesso em 06122019

PRECAUTIONARY PRINCIPLE ON ENVIRONMENTAL LAW

ASSUMPTIONS AND APPLICATION

LUNIZA CARVALHO DO NASCIMENTO

Abstract This is an academic article produced with the objective of outlining the legal

outlines of the Precautionary Principle in Brazilian Environmental Law The

assumptions for its existence are outlined at first so that its limits and definitions are

then addressed After a comparison of this principle with the Prevention Principle an

explanation of decisions issued by the Supreme Court will be made in order to

understand how the Court has applied it

Key words Environmental Law Precautionary Principle applicability

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

203

O MECANISMO CONSTITUCIONAL DE MONETIZACcedilAtildeO DE

RECURSOS NATURAIS NAtildeO RENOVAacuteVEIS COMO

INSTRUMENTO DE CONCRETIZACcedilAtildeO DE DIREITOS

FUNDAMENTAIS UM ESTUDO DA CFEM EM MINAS GERAIS

PAULO HONOacuteRIO DE CASTRO JUacuteNIOR

________________ SUMAacuteRIO _________________

1 Introduccedilatildeo 2 Imposiccedilotildees fiscais sobre recursos

naturais natildeo renovaacuteveis antes da constituiccedilatildeo de

1988 3 A Constituiccedilatildeo se volta para o futuro e os

recursos naturais natildeo renovaacuteveis cuja identificaccedilatildeo

e exploraccedilatildeo satildeo imperativos pertencem ao povo

brasileiro 4 O mecanismo constitucional de

monetizaccedilatildeo de recursos naturais natildeo renovaacuteveis

como instrumento de concretizaccedilatildeo de direitos

fundamentais 5 A CFEM no Estado de Minas

Gerais necessidade de melhor gestatildeo dos recursos

para a concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais 6

Consideraccedilotildees Finais 51 A CFEM na constituiccedilatildeo

do Estado de Minas Gerais 52 O TCEMG no seu

papel de controle sobre os gastos da CFEM 53 Os

investimentos em infraestrutura e a diversificaccedilatildeo

econocircmica 6 Conclusatildeo

1 INTRODUCcedilAtildeO

A atividade de mineraccedilatildeo daacute o nome ao Estado de Minas Gerais Representa parcela

importante da economia local e favorece em grande medida a arrecadaccedilatildeo fiscal de

Municiacutepios

Esse favorecimento na arrecadaccedilatildeo fiscal se deve em boa medida agrave transferecircncia pela

Uniatildeo dos recursos da Compensaccedilatildeo Financeira pela Exploraccedilatildeo de Recursos Minerais

ndash CFEM

Graduado em Direito e Mestrando em Direito Tributaacuterio pela Universidade Federal de Minas Gerais ndash

UFMG Mestrando em Direito Financeiro pela Universidade de Satildeo Paulo ndash USP Poacutes-Graduado pelo

Instituto Brasileiro de Estudos Tributaacuterios ndash IBET Presidente do Instituto Mineiro de Direito Tributaacuterio ndash

IMDT Coordenador da Poacutes-Graduaccedilatildeo CEDINIBDM em Direito da Mineraccedilatildeo e professor agrave frente do

moacutedulo Direito Tributaacuterio Aplicado agrave Mineraccedilatildeo Advogado

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

204

No presente estudo pretende-se investigar a figura dos royalties (CFEM) como um

mecanismo constitucional de monetizaccedilatildeo de recursos naturais natildeo renovaacuteveis

enquanto instrumento de concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais

No primeiro toacutepico seraacute feita uma recomposiccedilatildeo histoacuterica das imposiccedilotildees fiscais sobre

recursos naturais natildeo renovaacuteveis antes da Constituiccedilatildeo de 1988

O segundo toacutepico apresenta trecircs premissas fundamentais relacionadas agrave

intergeracionalidade propriedade dos recursos naturais natildeo renovaacuteveis e os objetivos

constitucionais

O terceiro toacutepico apresenta os contornos do mecanismo constitucional de monetizaccedilatildeo

de recursos naturais natildeo renovaacuteveis como instrumento de concretizaccedilatildeo de direitos

fundamentais Nele seraacute feita a identificaccedilatildeo da natureza juriacutedica da CFEM e o seu

motivo constitucional afastando-a especialmente de figuras meramente indenizatoacuterias

ou compensatoacuterias

Por fim o quarto toacutepico apresenta as regras da Constituiccedilatildeo mineira sobre o gasto da

CFEM as manifestaccedilotildees do TCEMG sobre o descumprimento dessas regras e uma

experiecircncia internacional aplicaacutevel ao Brasil quanto agrave diversificaccedilatildeo econocircmica

mediante investimentos em infraestrutura

2 IMPOSICcedilOtildeES FISCAIS SOBRE RECURSOS NATURAIS NAtildeO

RENOVAacuteVEIS ANTES DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988

Durante o periacuteodo colonial todas as riquezas minerais descobertas em terras

portuguesas eram de propriedade da Coroa Correspondiam a um dos diversos direitos

reais que atribuiacuteam ao rei natildeo apenas a soberania inerente ao Estado absolutista mas

tambeacutem superioridade econocircmica em relaccedilatildeo aos suacuteditos Vigorava em nosso paiacutes ndash

entatildeo colocircnia ndash o sistema regaliano pelo qual o rei concordava com o aproveitamento

das jazidas ndash de sua propriedade ndash desde que mediante retribuiccedilatildeo

Ainda no periacuteodo imperial houve a substituiccedilatildeo do sistema regaliano pelo sistema

dominial segundo o qual os recursos minerais deixaram de pertencer ao Monarca para

se constituiacuterem propriedade do Estado Por isso o particular que explotasse recursos

minerais deveria pagar ao Estado uma participaccedilatildeo denominada transferecircncia da

propriedade da mina que consistia em um pagamento perioacutedico fixo e em outro

variaacutevel de acordo com o resultado da atividade

Com o advento da Primeira Repuacuteblica em 1891 inaugurou-se o chamado regime de

acessatildeo (ou fundiaacuterio) em que o proprietaacuterio do solo tambeacutem detinha a propriedade dos

recursos minerais Por isso havia jazidas privadas ndash caso o solo fosse tambeacutem de

propriedade privada ndash e jazidas puacuteblicas ndash caso o Estado fosse proprietaacuterio do solo A

partir da Lei Simatildeo Lopes (1921) quando a extraccedilatildeo ocorresse em propriedade puacuteblica

passou a ser devida uma forma de participaccedilatildeo ao Estado consistente na cobranccedila de

taxas fixas e um imposto sobre a produccedilatildeo anual da mina de acordo com a natureza e o

teor de cada substacircncia mineral

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

205

A Constituiccedilatildeo de 1934 rompeu com o regime anterior passando a separar a

propriedade do solo da dos recursos minerais atribuindo sua propriedade agrave naccedilatildeo

Contudo preservou o direito consumado de particulares agrave propriedade das minas que se

encontravam em lavra o que veio a ser chamado manifesto de mina (ou mina

manifestada) pelo Coacutedigo de Minas do mesmo ano que determinou ainda a incidecircncia

de royalties pelo aproveitamento econocircmico de recursos minerais em qualquer caso

fosse a mina puacuteblica (concedida ao particular) ou privada (mina manifestada)

A Constituiccedilatildeo de 1946 atribuiu a Uniatildeo a competecircncia para a criaccedilatildeo dos ldquoImpostos

Uacutenicosrdquo sobre Minerais (IUM) Combustiveis e Lubrificantes Liacutequidos e Gasosos

(IUCLG) e Energia Eleacutetrica (IUEE) Determinou que ldquosessenta por cento no minimo

seratildeo entregues aos Estados ao Distrito Federal e aos Municiacutepios proporcionalmente agrave

sua superficie populaccedilatildeo consumo e produccedilatildeordquo A Constituiccedilatildeo de 1967 manteve o

regime dos ldquoImpostos Uacutenicosrdquo e dispocircs sobre sua partilha entre os entes federados357

A loacutegica distributiva entre os entes era (i) lubrificantes e combustiacuteveis em proporccedilatildeo agrave

superfiacutecie populaccedilatildeo produccedilatildeo e consumo (ii) energia eleacutetrica idem adicionando-se

quando coubesse cota compensatoacuteria da aacuterea inundada pelos reservatoacuterios e (iii) em

relaccedilatildeo aos minerais proporcionalmente agrave produccedilatildeo

Aleacutem disso jaacute existia a cobranccedila de royalties sobre a exploraccedilatildeo de petroacuteleo desde a Lei

nordm 2004 de 1953 que tambeacutem autorizou a Uniatildeo a constituir a Petrobraacutes Tais receitas

foram compartilhadas com os entes subnacionais de diversas formas ao longo do tempo

(art 27 caput e sect 4ordm)

O nome dado a exaccedilatildeo pela Lei nordm 2004 de 1953 era ldquoindenizaccedilatildeordquo o que natildeo define a

natureza juriacutedica do instituto criteacuterio interpretativo este inclusive positivado no art 4ordm

I do CTN

3 A CONSTITUICcedilAtildeO SE VOLTA PARA O FUTURO E OS RECURSOS

NATURAIS NAtildeO RENOVAacuteVEIS CUJA IDENTIFICACcedilAtildeO E EXPLORACcedilAtildeO

SAtildeO IMPERATIVOS PERTENCEM AO POVO BRASILEIRO

O objetivo deste toacutepico eacute delinear trecircs premissas fundamentais (i) como a Constituiccedilatildeo

por essecircncia se volta para o futuro qualquer interpretaccedilatildeo das suas normas que se

restrinja ao presente eacute por definiccedilatildeo inconstitucional (ii) os recursos naturais

pertencem ao povo brasileiro ndash e natildeo aos entes federados ndash inclusive agraves futuras

geraccedilotildees (iii) satildeo objetivos constitucionais conhecer as nossas reservas de recursos

357

ldquoArt 28 - A Uniatildeo distribuiraacute aos Estados Distrito Federal e Municiacutepios

I - quarenta por cento da arrecadaccedilatildeo do imposto a que se refere o art 22 nordm VIII II - sessenta por

cento da arrecadaccedilatildeo do imposto a que se refere o art 22 nordm IX III - noventa por cento da arrecadaccedilatildeo

do imposto a que se refere o art 22 nordm X

Paraacutegrafo uacutenico - A distribuiccedilatildeo seraacute feita nos termos da lei federal que poderaacute dispor sobre a forma e

os fins de aplicaccedilatildeo dos recursos distribuiacutedos obedecido o seguinte criteacuterio

a) nos casos dos itens I e II proporcional agrave superfiacutecie populaccedilatildeo produccedilatildeo e consumo adicionando-se

quando couber no tocante ao nordm II cota compensatoacuteria da aacuterea inundada pelos reservatoacuterios

b) no caso do item III proporcional agrave produccedilatildeordquo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

206

naturais e exploraacute-las mediante concessotildees monetizando-as e transformando-as em

direitos fundamentais

Para Peter Haumlberle358

a Constituiccedilatildeo institucionaliza a experiecircncia vivida pela

sociedade na sua historicidade imanente e dirige-se ao futuro vocacionada agrave

eternizaccedilatildeo Trata-se de um pacto das geraccedilotildees que impotildee muacuteltiplas responsabilidades

com as geraccedilotildees futuras especialmente quanto ao equiliacutebrio da ordem econocircmica e das

contas puacuteblicas

Evidentemente se o Estado existe para realizar os fins determinados pela Constituiccedilatildeo

eacute pressuposto um contiacutenuo processo de avanccedilos encadeados na concretizaccedilatildeo dos

direitos fundamentais

A segunda premissa se relaciona com a primeira na medida em que a propriedade da

Uniatildeo sobre os recursos naturais natildeo renovaacuteveis natildeo se daacute no sentido civilista

claacutessico359

Essa noccedilatildeo traduz no ente nacional a propriedade do povo brasileiro sobre

tais recursos conforme observam Onofre Batista e Fernanda Alen

Os minerais no subsolo satildeo bens puacuteblicos de propriedade do povo brasileiro

A CRFB88 estabelece em seu inciso IX art 20 que os recursos minerais

satildeo bens da Uniatildeo O termo ldquoUniatildeordquo empregado no artigo natildeo diz respeito a

pessoa juriacutedica de direito interno mas agrave uniatildeo dos Estados-Membros ao

representante do Estado Federal soberano Os recursos minerais nesse

compasso satildeo bens do povo razatildeo pela qual cabe a todas as pessoas poliacuteticas

proteger e zelar por estas riquezas (art 23 XI da CRFB88)360

Desde a Constituiccedilatildeo de 1934 superou-se o regime de acessatildeo garantindo o direito agrave

propriedade privada das jazidas e minas conhecidas que permanece ateacute hoje As jazidas

descobertas apoacutes esse marco pertencem agrave Uniatildeo enquanto ente nacional Natildeo haacute aqui

espaccedilo para a afirmaccedilatildeo de que os recursos naturais pertencem aos entes federados A

noccedilatildeo de propriedade localizada no ente nacional traduz o direito do povo brasileiro agrave

fruiccedilatildeo das benesses advindas de tais recursos

Por isso a Constituiccedilatildeo de 1988 determina que a pesquisa e a lavra de recursos minerais

e o aproveitamento dos potenciais de energia hidraacuteulica somente poderatildeo ser efetuados

no interesse nacional Natildeo se trata do interesse de nenhum ente federado

especificamente e sim do povo brasileiro A Advocacia-Geral da Uniatildeo possui

relevante manifestaccedilatildeo nesse sentido ldquoOs recursos minerais que em uacuteltima analise

358

HAumlBERLE Peter El Estado Constitucional Trad Heacutector Fix-Ferro Buenos Aires Astrea 2007 p

86-88 359

Acyr Bernardes ensina ldquoquando a Constituiccedilatildeo cataloga os recursos minerais entre os bens da

Uniatildeo por certo natildeo titula sic et simpliciter a Uniatildeo como proprietaacuteria de tais recursos faz sim

solene declaraccedilatildeo de soberania da Uniatildeo sobre eles natildeo importando sob que forma se encontrem na

superfiacutecie ou no interior da terra e em qualquer parte do territoacuterio nacionalrdquo BERNARDES Acyr

Recursos minerais a Uniatildeo eacute proprietaacuteria ou exerce soberania Brasil Mineral Satildeo Paulo n 157 dez

1997 p 72

No mesmo sentido a liccedilatildeo de Roque Carrazza ldquoEm linguagem estritamente juriacutedica podemos dizer que

o subsolo e suas riquezas pertencem ao povo brasileiro representado pela Uniatildeordquo CARRAZZA Roque

Antocircnio Natureza juridica da ldquocompensaccedilatildeo financeira pela exploraccedilatildeo de recursos mineraisrdquo sua

manifesta inconstitucionalidade Revista Justitia Satildeo Paulo v 57 nordm 171 1995 p 90 360

BATISTA JUacuteNIOR Onofre Alves e DA SILVA Fernanda Alen Gonccedilalves A Funccedilatildeo Social da

Exploraccedilatildeo Mineral no Estado de Minas Gerais In Rev Fac Direito UFMG Belo Horizonte n 62 pp

475 - 505 janjun 2013

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

207

pertencem ao povo devem ser explorados visando ao interesse nacional (sect 1ordm do artigo

176 da Constituiccedilatildeo) para satisfazer as necessidades coletivas361

Por essa razatildeo o Decreto-lei nordm 3365 de 21 de junho de 1941 inclui o aproveitamento

industrial das minas e das jazidas minerais das aacuteguas e da energia hidraacuteulica como

casos de utilidade puacuteblica (art 5ordm f)

Por consequecircncia de sua finitude ou exauribilidade as geraccedilotildees presentes devem se

preocupar com os efeitos do bom uso desses recursos em prol das geraccedilotildees futuras

tambeacutem proprietaacuterias Trata-se de aspecto diretamente relacionado agrave natureza juriacutedica

das participaccedilotildees sobre a exploraccedilatildeo de recursos naturais natildeo renovaacuteveis362

Finalmente em decorrecircncia do exposto constitui objetivo constitucional conhecer os

recursos naturais natildeo renovaacuteveis e exploraacute-los mediante atuaccedilatildeo estatal e concessatildeo de

tiacutetulos de pesquisa e de lavra para particulares (art 176) Esse processo tambeacutem se volta

para o futuro na medida em que pouco conhecemos nosso subsolo inclusive em nossos

oceanos a proacutexima fronteira mineral363

Eacute certo que a finitude ou exauribilidade desta espeacutecie de recursos natildeo pode ser tomada

em sentido absoluto porquanto se eacute verdade que a exploraccedilatildeo econocircmica esgota o

recurso conhecido tambeacutem eacute inegaacutevel que a mesma exploraccedilatildeo permite maior

conhecimento geoloacutegico que frequentemente leva a ampliaccedilotildees das jazidas existentes e

ao descobrimento de novos depoacutesitos364

Ainda assim a Constituiccedilatildeo ao tratar destes recursos finitos ou exauriacuteveis por natureza

impotildee que a poliacutetica fiscal do paiacutes leve em consideraccedilatildeo as trecircs premissas aqui

assentadas (i) qualquer interpretaccedilatildeo das suas normas que se restrinja ao presente eacute por

definiccedilatildeo inconstitucional (ii) os recursos naturais pertencem ao povo brasileiro ndash e

natildeo aos entes federados ndash inclusive agraves futuras geraccedilotildees (iii) satildeo objetivos

constitucionais conhecer as nossas reservas de recursos naturais e exploraacute-las mediante

concessotildees monetizando-as e transformando-as em direitos fundamentais

4 O MECANISMO CONSTITUCIONAL DE MONETIZACcedilAtildeO DE

RECURSOS NATURAIS NAtildeO RENOVAacuteVEIS COMO INSTRUMENTO DE

CONCRETIZACcedilAtildeO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

361

Parecer AGUMF-295 - anexo ao Parecer nordm GQ-79 de 080895 publicado no DO de 160895 362

ldquoPor isso natildeo se pode afirmar que a CFEM teria como finalidade a mera reparaccedilatildeo de perdas sendo

esta a suposta causa de sua incidecircncia pois seria o mesmo que negar agrave populaccedilatildeo brasileira o seu

direito a que os recursos provenientes desta exaccedilatildeo sejam perenizados na sociedade como em

investimento em educaccedilatildeo e sauacutede que inclusive beneficiem geraccedilotildees futuras tatildeo proprietaacuterias dos

recursos minerais brasileiros como as geraccedilotildees atuaisrdquo CASTRO JUacuteNIOR Paulo Honorio de SILVA

Tiago de Mattos CFEM Compensaccedilatildeo Financeira pela Exploraccedilatildeo de Recursos Minerais Belo

Horizonte Editora DrsquoPlacido 2018 p 160-161 363

Cf ldquoMineraccedilatildeo no fundo do mar comeccedila a atrair atenccedilatildeordquo

ltlt httpswwwvalorcombrbrasil6206813mineracao-no-fundo-do-mar-comeca-atrair-atencao gtgt 364

DANIEL Philip KEEN Michael MCPHERSON Charles The Taxation of Petroleum and Minerals

New York Routledge 2010 p 25

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

208

A Constituiccedilatildeo de 1988 prevecirc dois mecanismos diretos365

de monetizaccedilatildeo de recursos

naturais natildeo renovaacuteveis que se relacionam os royalties de natureza natildeo tributaacuteria e o

ICMS

O primeiro (art 20 sect 1ordm) eacute o principal mecanismo constitucional para o estudo ora

proposto e o segundo deve ser considerado uma vez que o art 155 sect 3ordm dispotildee que

aleacutem de ICMS IE e II nenhum outro imposto poderaacute incidir sobre operaccedilotildees

relativas a minerais

O presente estudo se volta agrave questatildeo dos royalties

O art 20 da Constituiccedilatildeo atribuiu ao povo brasileiro representado pelo ente nacional

(Uniatildeo) a propriedade sobre os recursos naturais natildeo renovaacuteveis os recursos da

plataforma continental e da zona econocircmica exclusiva o mar territorial os terrenos de

marinha e seus acrescidos os potenciais de energia hidraacuteulica e os recursos minerais

inclusive os do subsolo Nessa relaccedilatildeo estatildeo os recursos minerais hidrocarbonetos e os

potenciais de energia hidraacuteulica equiparados pela Constituiccedilatildeo a recursos naturais natildeo

renovaacuteveis

O sect 1ordm do art 20 por sua vez criou regra de competecircncia para que a Uniatildeo por meio de

lei crie uma participaccedilatildeo sobre a exploraccedilatildeo dos recursos supra descritos ou respectiva

compensaccedilatildeo financeira a ser compartilhada com Estados e Municiacutepios

Conforme Regis de Oliveira ldquoos entes federados tecircm o dever de bem explorar seus bens

e fazecirc-los produzir para suportar as despesas puacuteblicas natildeo soacute em sua manutenccedilatildeo mas

tambeacutem para que deem lucro ao Poder Puacuteblicordquo366

Trata-se de importante objetivo

constitucional que orienta a interpretaccedilatildeo do sect 1ordm do art 20

A regra em questatildeo institui a competecircncia da Uniatildeo para criar um mecanismo de

monetizaccedilatildeo dos recursos naturais natildeo renovaacuteveis de forma que gerem lucro a ser

distribuiacutedo de forma cooperativa e equilibrada entre os entes federados Natildeo se trata

portanto de recompor a perda do recurso natural natildeo renovaacutevel ou de meramente

compensar impactos e eventuais danos ambientais sociais ou econocircmicos decorrentes

da atividade econocircmica

Muito mais do que isso o sect 1ordm do art 20 deve ser lido como o principal mecanismo

constitucional para a concretizaccedilatildeo do direito do povo brasileiro (proprietaacuterio dos bens)

inclusive das geraccedilotildees futuras agrave fruiccedilatildeo de benesses decorrentes da monetizaccedilatildeo dos

recursos naturais natildeo renovaacuteveis que possam ser perenizadas na sociedade mediante a

concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais Esse eacute o seu motivo constitucional

Haacute referecircncias histoacutericas que demonstram o processo poliacutetico de construccedilatildeo do texto do

referido dispositivo Eacute correto o obter dictum do Ministro Nelson Jobim no RE nordm

198088SP e no MS nordm 24312DF de que o sentido histoacuterico do sect 1ordm do art 20 seria

365

O regime juriacutedico das receitas puacuteblicas auferidas a partir de recursos naturais natildeo renovaacuteveis eacute mais

complexo envolvendo os instrumentos indiretos ou natildeo expressamente contemplados na Constituiccedilatildeo

com esse fim IRPJ CSLL PIS Cofins CIDEs e taxas Todos com especificidades relativas agrave espeacutecie de

recurso ora investigada 366

OLIVEIRA Regis Fernandes de Curso de Direito Financeiro 8ed Satildeo Paulo Malheiros 2019 p

346

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

209

compensar politicamente Estados produtores de petroacuteleo pela perda do ICMS na origem

(conforme art 155 sect 2ordm X b)367

Importante destacar que a referida correccedilatildeo histoacuterica quanto agrave origem do texto possui

pouca ou nenhuma relevacircncia interpretativa do direito positivo Francesco Ferrara368

haacute

muito afirmou que o legislador eacute uma abstraccedilatildeo A ldquovontade do legisladorrdquo perde

qualquer sentido quando a norma ingressa no ordenamento juriacutedico A partir disso haacute

pertencimento da norma ao sistema (do contraacuterio deve ser expulsa) sendo este o

conjunto a partir do qual deve ser atribuiacutedo sentido a ela

Com razatildeo Scaff afirma ldquopara analises de direito positivo essa correlaccedilatildeo [entre o sect

1ordm do art 20 e o art 155 sect 2ordm X b] natildeo possui maior relevacircnciardquo369

Por isso eacute incorreto afirmar que Estados e Municiacutepios receberiam parte do produto da

arrecadaccedilatildeo dos royalties na condiccedilatildeo de receitas originaacuterias como fez o STF no

julgamento do MS nordm 24312DF sob o fundamento de que a natureza dos royalties

seria de compensaccedilatildeo pela perda do ICMS na origem Sendo o povo brasileiro

proprietaacuterio dos recursos representado pelo ente nacional a receita eacute originaacuteria da

Uniatildeo e transferida para os entes subnacionais370

Feitas estas consideraccedilotildees sobre o motivo constitucional do sect 1ordm do art 20 vale dizer

que referido dispositivo assegurou aos entes federados participaccedilatildeo no resultado da

exploraccedilatildeo mineral ou respectiva compensaccedilatildeo financeira

Quanto aos royalties instituiacutedos pela Lei nordm 79901989 pode-se afirmar que sua

natureza juriacutedica eacute de receita originaacuteria da Uniatildeo e transferida para os demais entes

federados

Natildeo se trata de tributo porque o fato de se tratar de uma exaccedilatildeo instituiacuteda por lei

exigida compulsoriamente natildeo significa necessariamente que se esteja diante de uma

367

ldquoHa portanto uma correlaccedilatildeo geneacutetica entre os dois artigos da Constituiccedilatildeo o sect 1ordm do art 20 (que

trata de royalties) e a letra b do inciso X sect 2ordm do art 155 (que trata da incidecircncia do ICMS sobre petroacuteleo

e energia eleacutetrica) [] parece claro o acordo poliacutetico havido entre os grupos envolvidos visando

compensar as perdas com a adoccedilatildeo de um regime juriacutedico diferenciado com o ICMS no destino

respeitadas todas as ressalvas jaacute feitas quanto agrave sua validade em termos de direito positivordquo SCAFF

Fernando Facury Royalties do petroacuteleo mineacuterio e energia aspectos constitucionais financeiros e

tributaacuterios Satildeo Paulo Ed Revista dos Tribunais 2014 p 148 368

ldquoa obra legislativa eacute como uma obra artiacutestica em que a obra de arte e a concepccedilatildeo do criador natildeo

coincidem [] Mas quem eacute o legislador Seraacute o Parlamento Se assim fosse teria de admitir-se que o

Parlamento seria um jurista de profissatildeo capaz de conhecer o tiacutetulo e o imenso conteuacutedo das leis

emanadas O legislador eacute entidade que em parte alguma se descobre mdash eacute uma figura miacutestica

indeterminadardquo FERRARA Franceso Trattato di Diritto Civile Italiano Roma Athenaeum 1921 p

211 369

Op Cit p 148 370

Ja afirmamos em outro trabalho que ldquoa classificaccedilatildeo que adotamos quanto agrave origem das receitas

puacuteblicas eacute a seguinte

i) Receita originaacuteria aquela que tem origem no patrimocircnio do Estado seja em regime consensual ou

compulsoriamente

ii) Receita derivada aquela que tem origem no patrimocircnio particular obtida compulsoriamente

iii) Receita transferida aquela arrecadada por ente poliacutetico diferente daquele que utilizaraacute o recurso

financeiro seja receita originaacuteria ou derivadardquo CASTRO JUacuteNIOR Paulo Honorio de SILVA Tiago de

Mattos CFEM Compensaccedilatildeo Financeira pela Exploraccedilatildeo de Recursos Minerais Belo Horizonte

Editora DrsquoPlacido 2018 p 36

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

210

receita derivada jaacute que o motivo constitucional do sect 1ordm do art 20 eacute monetizar recursos

pertencentes agrave Uniatildeo (ainda que representando o povo brasileiro) E o conceito

constitucional de tributo pressupotildee que a origem da receita seja derivada do patrimocircnio

particular (vide RE nordm 228800DF)

Tambeacutem natildeo eacute mera indenizaccedilatildeo pelas razotildees jaacute expostas natildeo se trata de simplesmente

compensar perdas danos ou impactos de qualquer espeacutecie sofridos por Estados e

Municiacutepios e sim de obter lucro monetizando recursos naturais inertes e

concretizando-os em direitos fundamentais para o seu titular o povo brasileiro Natildeo se

nega que a mineraccedilatildeo ndash assim como qualquer atividade humana ndash cause impactos

(liacutecitos) e que os royalties devam ser utilizados para compensaacute-los Mas seria muito

pouco pensar que sua funccedilatildeo se restringe agrave indenizaccedilatildeo371

quando visam na verdade a

concretizar direitos fundamentais na sociedade

Ademais o instrumento que constitui imposiccedilatildeo financeira a empreendimentos de

mineraccedilatildeo em razatildeo do impacto ambiental (logo liacutecito em contraponto ao dano

ambiental iliacutecito) eacute a compensaccedilatildeo ambiental ou compensaccedilatildeo do SNUC prevista na

Lei nordm 99852000 que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservaccedilatildeo da

Natureza Essa compensaccedilatildeo concretiza os princiacutepios do usuaacuterio-pagador e do poluidor-

pagador conforme Lyssandro Norton372

A compensaccedilatildeo ambiental prevista na Lei nordm 998500 ― ou compensaccedilatildeo

ambiental do SNUC assim denominada na pratica juridico ambiental ―

estaacute diretamente relacionada ao licenciamento ambiental Trata-se com

efeito de mecanismo de compensaccedilatildeo de impactos ambientais causados por

atividade empreendedora atraveacutes da arrecadaccedilatildeo de recursos que viabilizaratildeo

em uacuteltima anaacutelise o SNUC mais especialmente o grupo de unidades de

conservaccedilatildeo de proteccedilatildeo integral

[]

Mesmo com a adoccedilatildeo de medidas visando a reduccedilatildeo dos impactos ou a sua

compensaccedilatildeo por meio de accedilotildees por parte do empreendedor subsistem no

curso do licenciamento ambiental impactos residuais Satildeo estes impactos que

deveratildeo ser objeto de preacutevia compensaccedilatildeo ambiental do SNUC

[]

Tratando-se claramente de compensaccedilatildeo de impactos ambientais decorrentes

de atos liacutecitos extrai-se a natureza juriacutedica da compensaccedilatildeo ambiental do

SNUC como reparaccedilatildeo preacutevia de impactos ambientais futuros e certos

Natildeo se trata de preccedilo puacuteblico por ausecircncia de consentimento do particular dado o

caraacuteter ex lege e compulsoacuterio da obrigaccedilatildeo instituiacuteda pela Lei nordm 79901989373

371

Outros fundamentos para tanto foram apresentados em nosso trabalho CASTRO JUacuteNIOR Paulo

Honoacuterio de SILVA Tiago de Mattos CFEM Compensaccedilatildeo Financeira pela Exploraccedilatildeo de Recursos

Minerais Belo Horizonte Editora DrsquoPlacido 2018 p 56 ss 372

SIQUEIRA Lyssandro Norton Os princiacutepios de Direito Ambiental e a compensaccedilatildeo ambiental no

Sistema Nacional de Unidades de Conservaccedilatildeo (SNUC) In GOMES Carla Amado (Coord) Compensaccedilatildeo ecoloacutegica serviccedilos ambientais e protecccedilatildeo da biodiversidade Lisboa Instituto de Ciecircncias

Juriacutedico-Poliacuteticas 2014 p 196-218 373

Cf Ministra Eliana Calmon REsp nordm 1044320PE

ldquoEm suma natildeo eacute simplesmente o fato de serem receitas patrimoniais ingressos originaacuterios que atraem

as normas do Coacutedigo Civil para constituiccedilatildeo e cobranccedila de tais creacuteditos mas sim a relaccedilatildeo juriacutedica que

elas veiculam se puacuteblica ou se privada eacute que deve nortear o inteacuterprete na integraccedilatildeo legislativardquo

Ministro Castro Meira REsp nordm 1064962PE

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

211

Apesar de seu nome denotar uma ldquocompensaccedilatildeordquo a natureza juridica da exaccedilatildeo

instituiacuteda pela Lei nordm 79901989 eacute de receita originaacuteria (gecircnero) da espeacutecie

participaccedilatildeo nos resultados da exploraccedilatildeo conforme definido pelo STF no RE nordm

228800DF

Naquele paradigmaacutetico julgamento a Suprema Corte decidiu que a base de caacutelculo da

exaccedilatildeo (faturamento liquido) natildeo eacute compativel com a noccedilatildeo de ldquocompensaccedilatildeordquo

justamente porque natildeo mensura nenhuma perda ou impacto374

Ao contraacuterio tendo por

base o faturamento quanto maior for a cotaccedilatildeo de uma commodity por exemplo maior

seraacute o royalty Eacute dizer se em dada competecircncia um minerador lavrar uma tonelada de

mineacuterio e o vender precificado a uma cotaccedilatildeo internacional X o royalty seraacute uma

fraccedilatildeo desse valor e se em competecircncia subsequente a cotaccedilatildeo aumentar Y ainda

que seja lavrada a mesma uma tonelada com o mesmo impacto socioambiental o

royalty arrecadado seraacute Y maior do que na competecircncia anterior Isso prova que se

trata de um mecanismo que vai muito aleacutem da mera recomposiccedilatildeo de perdas e que visa

a dar lucro aos entes federativos para concretizar direitos fundamentais

Eacute da essecircncia do art 20 sect 1ordm da Constituiccedilatildeo que a maior parte do produto da

arrecadaccedilatildeo seja compartilhado com Estados e Municiacutepios onde obviamente o povo

brasileiro vive e demanda seus direitos fundamentais e para que seja feita a necessaacuteria

diversificaccedilatildeo da economia local que natildeo deve se tornar dependente da exploraccedilatildeo de

recursos esgotaacuteveis por natureza

Ademais a participaccedilatildeo no resultado da exploraccedilatildeo eacute devida conforme o sect 1ordm do art

20 ldquono respectivo territoriordquo onde ela ocorra Trata-se de criteacuterio relacionado a rigidez

locacional dos recursos naturais natildeo renovaacuteveis Nessa perspectiva compreende-se a

opccedilatildeo constitucional por atribuir mais recursos financeiros aos locais da exploraccedilatildeo

econocircmica da atividade distribuindo receitas onde a riqueza eacute gerada

Os recursos naturais natildeo renovaacuteveis foram amplamente distribuiacutedos no territoacuterio

nacional Haacute petroacuteleo no Sudeste Norte e Nordeste Haacute mineacuterio e potenciais de energia

hidraacuteulica em toda parte especialmente longe dos grandes centros industriais e urbanos

Cumpre-se assim dois objetivos constitucionais (i) primeiro estimula a descoberta

pesquisa e exploraccedilatildeo efetiva de recursos naturais natildeo renovaacuteveis em todo o territoacuterio

nacional e (ii) tambeacutem demonstra o papel constitucional dos royalties em termos de

financiamento centriacutefugo traccedilo marcante do federalismo cooperativo mediante

transferecircncia do produto arrecadado para os ldquorespectivos territoriosrdquo onde ocorra a

ldquoEmbora as determinaccedilotildees do Coacutedigo Civil sejam aplicaacuteveis ao Estado que muitas vezes atua como

particular em regime de direito privado natildeo devem ser consideradas no caso jaacute que as taxas de

ocupaccedilatildeo satildeo receitas patrimoniais decorrentes de uma relaccedilatildeo de direito administrativo em que o

Estado atua com seu jus imperii Natildeo se tratando portanto de relaccedilatildeo juriacutedica disciplinada pelo Direito

Privado natildeo deve o inteacuterprete utilizar como teacutecnica de integraccedilatildeo uma regra proveniente desse

segmento do sistema normativo mas de regra correlata que rege situaccedilatildeo semelhante dentro dos

quadrantes do Direito Puacuteblicordquo 374

Eacute certo que no RE nordm 228800DF restou decidido que ldquoA compensaccedilatildeo financeira se vincula a meu

ver natildeo agrave exploraccedilatildeo em si mas aos problemas que gerardquo Mas a prova de que sua finalidade natildeo eacute

compensar tais perdas eacute justamente a afirmaccedilatildeo de que sua base de caacutelculo natildeo as mensura ldquoNa verdade

ndash na alternativa que lhe confiara a Lei Fundamental ndash o que a L 799089 instituiu [] natildeo foi verdadeira

compensaccedilatildeo financeira foi sim genuina ldquoparticipaccedilatildeo no resultado da exploraccedilatildeordquordquo

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212

exploraccedilatildeo econocircmica concretizando a reduccedilatildeo de desigualdades regionais (art 3ordm III

art 43 e art 170 VII)

A participaccedilatildeo dos royalties no mecanismo constitucional de monetizaccedilatildeo de recursos

naturais natildeo renovaacuteveis para concretizar direitos fundamentais na sociedade pode ser

assim resumido

5 A CFEM NO ESTADO DE MINAS GERAIS NECESSIDADE DE

MELHOR GESTAtildeO DOS RECURSOS PARA A CONCRETIZACcedilAtildeO DE

DIREITOS FUNDAMENTAIS

A partir de 1ordm de agosto de 2017 a Medida Provisoacuteria nordm 789 passou a produzir efeitos

introduzindo um novo marco para a incidecircncia da CFEM A exposiccedilatildeo de motivos da

MP convertida na Lei nordm 135402017 deixa claro que a alteraccedilatildeo decorre dos muacuteltiplos

questionamentos judiciais ndash inclusive no tocante agrave proacutepria natureza juriacutedica do instituto

ndash ldquoque tornaram vulneravel a implementaccedilatildeo dos textos legais especificos

comprometendo a realizaccedilatildeo efetiva do potencial de arrecadaccedilatildeo da compensaccedilatildeo

[]rdquo

Em razatildeo do diagnoacutestico apresentado na exposiccedilatildeo de motivos o novo marco legal da

CFEM representou substancial aumento na sua arrecadaccedilatildeo mediante aumento de

aliacutequotas (de 2 para 35 sobre mineacuterio de ferro e de 1 para 15 sobre ouro por

exemplo) imposiccedilatildeo de teste de preccedilos de transferecircncia em quaisquer exportaccedilotildees

mesmo para natildeo vinculadas e para paiacuteses com tributaccedilatildeo normal aleacutem do impedimento

agrave deduccedilatildeo das despesas com frete e seguro antes autorizadas

Em 2017 a Uniatildeo arrecadou R$ 183856802145 com o royalty transferindo R$

17541154015 a Minas Gerais correspondente aos 23 previstos aos Estados antes da

Lei nordm 135402017

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

213

Jaacute em 2018 na vigecircncia da nova lei a Uniatildeo arrecadou R$ 303614359241 e ateacute o

momento375

R$ 413453158828 em 2019 Isso representa um aumento de 65 na

arrecadaccedilatildeo nacional em 2018 e de 125 em 2019

O Estado de Minas Gerais por sua vez recebeu R$ 28292537628 em 2018 e R$

26042487345376

ateacute o presente momento (2019) o que representa um aumento de

61 e 41 respectivamente frente a 2017

Vale dizer que a Lei nordm 135402017 reduziu o produto da arrecadaccedilatildeo da CFEM

transferido aos Estados e Municiacutepios produtores de 23 para 15 e de 65 para 60

respectivamente passando a contemplar Municiacutepios natildeo produtores desde que afetados

pela mineraccedilatildeo mediante (i) infraestruturas utilizadas para o transporte ferroviaacuterio ou

dutoviaacuterio de substacircncias minerais (ii) operaccedilotildees portuaacuterias e de embarque e

desembarque de substacircncias minerais (iii) abriguem em seus territoacuterios pilhas de

esteacuteril as barragens de rejeitos e as instalaccedilotildees de beneficiamento de substacircncias

minerais bem como as demais instalaccedilotildees previstas no plano de aproveitamento

econocircmico

Os novos percentuais de transferecircncia satildeo 15 para o Distrito Federal e os Estados

onde ocorrer a produccedilatildeo 15 para Municiacutepios afetados 60 para o Distrito Federal e

os Municiacutepios onde ocorrer a produccedilatildeo 02 ao Ibama para atividades de proteccedilatildeo

ambiental em regiotildees impactadas pela mineraccedilatildeo 18 ao CETEM para a realizaccedilatildeo

de pesquisas estudos e projetos de tratamento beneficiamento e industrializaccedilatildeo de

bens minerais 1 ao FNDCT destinado ao desenvolvimento cientiacutefico e tecnoloacutegico

do setor mineral e 7 para a ANM

Importante mencionar as seguintes regras quanto ao gasto da CFEM previstas na

legislaccedilatildeo federal

a) Anualmente a Uniatildeo os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios tornaratildeo

puacuteblicas as informaccedilotildees relativas agrave aplicaccedilatildeo das parcelas da CFEM a eles destinadas

na forma estabelecida na Lei nordm 12527 de 18 de novembro de 2011 de modo a se ter

absoluta transparecircncia na gestatildeo dos recursos da CFEM ndash Art 2ordm sect 13 da Lei nordm

80011990

b) Eacute vedada a aplicaccedilatildeo dos recursos de royalties em pagamento (i) de diacutevida e (ii)

no quadro permanente de pessoal (vide art 8ordm da Lei nordm 79901989) exceto

b1) o pagamento de diacutevidas para com a Uniatildeo e suas entidades

b2) o custeio de despesas com manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino

especialmente na educaccedilatildeo baacutesica puacuteblica em tempo integral inclusive as relativas a

pagamento de salaacuterios e outras verbas de natureza remuneratoacuteria a profissionais do

magisteacuterio em efetivo exerciacutecio na rede puacuteblica

b3) capitalizaccedilatildeo de fundos de previdecircncia

375

Este estudo foi escrito em dezembro de 2019 376

O sistema da ANM ainda natildeo computou a distribuiccedilatildeo da CFEM em setembro e em dezembro de

2019 o que diminui o resultado apontado

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

214

Apesar de receber crescentes valores a tiacutetulo de CFEM mesmo com a reduccedilatildeo do seu

percentual de 23 para 15 o Estado de Minas Gerais natildeo realiza uma boa gestatildeo

desses recursos e descumpre a Constituiccedilatildeo mineira Isso se pode dizer tambeacutem a

respeito dos Municiacutepios mineiros conforme toacutepico seguinte

51 A CFEM NA CONSTITUICcedilAtildeO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

A Constituiccedilatildeo mineira estabelece diretrizes para o gasto da CFEM transferida ao

Estado

Prioritariamente ndash o que implica a nosso ver a maior parcela dos recursos

arrecadados ndash a CFEM recebida pelo Estado deve ser destinada para prestar assistecircncia

a ldquoMunicipio que se desenvolva em torno de atividade mineradora tendo em vista a

diversificaccedilatildeo de sua economia e a garantia de permanecircncia de seu desenvolvimento

socioeconocircmicordquo Este primeiro pilar para o gasto da CFEM contido no art 252 da

Constituiccedilatildeo mineira permite ainda que esta junto a outras fontes de recursos seja

destinada ao ldquoFundo de Exaustatildeo e Assistecircncia aos Municipios Mineradoresrdquo que

deveria ter sido criado por lei377

Residualmente uma parte dos recursos da CFEM deve ser destinada a assegurar a

efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado nos termos dos sectsect

1ordm e 3ordm do art 214 da Constituiccedilatildeo mineira378

52 O TCEMG NO SEU PAPEL DE CONTROLE SOBRE OS GASTOS DA

CFEM

377

ldquoArt 252 ndash Os recursos financeiros destinados ao Estado resultantes de sua participaccedilatildeo na

exploraccedilatildeo de recursos minerais em seu territoacuterio ou de compensaccedilatildeo financeira correspondente seratildeo

prioritariamente aplicados de forma a garantir o disposto no art 253 sem prejuiacutezo da destinaccedilatildeo

assegurada no sect 3ordm do art 214

Art 253 ndash O Estado assistiraacute de modo especial o Municiacutepio que se desenvolva em torno de atividade

mineradora tendo em vista a diversificaccedilatildeo de sua economia e a garantia de permanecircncia de seu

desenvolvimento socioeconocircmico

sect 1ordm ndash A assistecircncia de que trata este artigo seraacute objeto de plano de integraccedilatildeo e de assistecircncia aos

Municiacutepios mineradores a se efetivar tanto quanto possiacutevel por meio de associaccedilatildeo que os congregue

sect 2ordm ndash A lei que estabelecer o criteacuterio de rateio da parte disponiacutevel do imposto a que se refere o art 144 I

ldquobrdquo reservara percentual especifico para os Municipios considerados mineradores

(Vide Lei nordm 13803 de 27122000)

sect 3ordm ndash A lei criaraacute o Fundo de Exaustatildeo e Assistecircncia aos Municiacutepios Mineradores formado por recursos

oriundos do Estado e dos Municiacutepios interessados cuja gestatildeo daraacute prioridade agrave diversificaccedilatildeo de

atividades econocircmicas desses Municipios na forma de lei complementarrdquo 378

ldquoArt 214 Todos tecircm direito a meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do

povo e essencial agrave sadia qualidade de vida e ao Estado e agrave coletividade eacute imposto o dever de defendecirc-lo e

conservaacute-lo para as geraccedilotildees presentes e futuras

sect 1ordm - Para assegurar a efetividade do direito a que se refere este artigo incumbe ao Estado entre outras

atribuiccedilotildees []

sect 3ordm - Parte dos recursos estaduais previstos no art 20 sect 1ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica seraacute aplicada

de modo a garantir o disposto no sect 1ordm sem prejuiacutezo de outras dotaccedilotildees orccedilamentaacuteriasrdquo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

215

A nosso ver trata-se de regras que se harmonizam com o mecanismo constitucional de

monetizaccedilatildeo de recursos naturais natildeo renovaacuteveis para concretizaccedilatildeo de direitos

fundamentais previsto no art 20 sect 1ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Contudo vecircm

sendo descumpridas Eacute o que demonstra o item 16 da Ementa do Balanccedilo Geral do

Estado nordm 1007713 analisando as contas de 2016 e publicado em 2018 pelo TCEMG

ldquo[] 16- recomendar que envide esforccedilos para o cumprimento da

Constituiccedilatildeo Mineira no que tange agrave normatizaccedilatildeo do Plano de Integraccedilatildeo e

Assistecircncia aos Municiacutepios Mineradores agrave criaccedilatildeo do Fundo de Exaustatildeo e

Assistecircncia aos Municiacutepios Mineradores bem como de conta proacutepria para

gerenciamento e controle dos recursos da CFEMrdquo

(TCEMG BALANCcedilO GERAL DO ESTADO n 1007713 Rel CONS

ADRIENE ANDRADE Sessatildeo do dia 11072017 Disponibilizada no DOC

do dia 26022018)

A iacutentegra do documento evidencia que em 2016 o Estado de Minas Gerais recebeu R$

20434654858 a tiacutetulo de CFEM Contudo realizou apenas ldquoR$5887 milhotildees

representando uma utilizaccedilatildeo de apenas 291 da arrecadaccedilatildeo liacutequida (R$202303

milhotildees) e 1945 dos creacuteditos autorizadosrdquo

Ademais segundo o TCEMG ldquonatildeo foi evidenciada a destinaccedilatildeo dos recursos prevista

no ordenamento juriacutedico ou seja agrave assistecircncia prioritaacuteria aos Municiacutepios mineradores

direcionada agrave diversificaccedilatildeo e ao desenvolvimento da economia e assim agrave

independecircncia econocircmica em relaccedilatildeo agrave atividade mineraacuteria bem como agrave proteccedilatildeo

ambientalrdquo

A omissatildeo no cumprimento da Constituiccedilatildeo mineira eacute denunciada pelo TCEMG

tambeacutem em relaccedilatildeo ao art 253 ldquonatildeo ha um plano especifico de integraccedilatildeo e assistecircncia

aos Municiacutepios mineradores cuja efetivaccedilatildeo deve se dar por meio de associaccedilatildeo que os

congregue assim como natildeo foi criado ainda o Fundo de Exaustatildeo e Assistecircncia aos

Municipios Mineradoresrdquo

Vale dizer que em 2016 iniciou-se o controle da CFEM no Estado em conta escritural

proacutepria pela Secretaria de Estado da Fazenda conforme esclarecido em Memorando

direcionado ao TCE e que consta no documento ora analisado Contudo ainda que isso

represente um avanccedilo os recursos ainda permanecem no Caixa Uacutenico do Estado o que

natildeo eacute licito conforme aponta o Tribunal de Contas ldquoa referida conta natildeo permite a

realizaccedilatildeo de controle uma vez que os recursos da compensaccedilatildeo satildeo transferidos para o

Caixa Uacutenico []rdquo Por isso a determinaccedilatildeo do Tribunal foi decisiva ldquoos recursos da

CFEM devem ser gerenciados em conta proacutepria do oacutergatildeo gestor considerando a sua

destinaccedilatildeo vinculada agrave norma constitucional mineirardquo

Quanto aos Municiacutepios mineiros Relatoacuterio de 2016 do Tribunal de Contas do Estado de

Minas Gerais379

sobre Nova LimaMG concluiu que apesar de 23 das suas receitas

correntes decorrerem da CFEM o que ldquoeacute significativo no cocircmputo da receita corrente

totalrdquo ldquonatildeo foram localizados planos ou planejamentos especiacuteficos de longo prazo

para a aplicaccedilatildeo dos recursos da CFEM com vistas agrave diversificaccedilatildeo econocircmica do

Municiacutepiordquo Aleacutem disso o relatorio afirma que ldquoos recursos da CFEM satildeo diluiacutedos nos

gastos da Prefeitura natildeo havendo um planejamento especiacutefico para a sua aplicaccedilatildeordquo

379

Disponiacutevel em ltlt httpswwwtcemggovbrIMG2017NOVA20LIMA20-20Relatorio20Finalpdf

gtgt

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

216

Tudo indica que a forma de gestatildeo dos recursos da CFEM no Estado de Minas Gerais

inclusive em seus Municiacutepios viola o mecanismo constitucional de monetizaccedilatildeo de

recursos naturais natildeo renovaacuteveis destinado a concretizar direitos fundamentais na

sociedade Nesse ponto vale mencionar a Auditoria nordm 932831 realizada pelo TCEMG

junto ao Municiacutepio de Satildeo Gonccedilalo do Rio Abaixo que abarca a mina de mineacuterio de

ferro de Brucutu da Vale SA

[]

2 A eficaacutecia e concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais nos termos do art

5ordm sect 1ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica implica em que os recursos da CFEM

devem ser transformados em investimentos como base para o

desenvolvimento permanente da sociedade nos termos dos arts 3ordm 170

incisos VI VII VIII e IX e 174 da Lei Fundamental paacutetria em consonacircncia

com os arts 252 e 253 da Constituiccedilatildeo Estadual e o proacuteprio art 23 da

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica no tocante aos deveres municipais

3 Os recursos da CFEM devem ser aplicados em sauacutede educaccedilatildeo meio-

ambiente e infraestrutura observada a transparecircncia dos respectivos gastos

puacuteblicos em prol de toda a sociedade em cumprimento aos arts 3ordm 170 196

205 e 225 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica bem como aos arts 48 48-A e 49 da

Lei de Responsabilidade Fiscal De igual modo os recursos advindos da

CFEM devem ser administrados em sua integralidade em cada exerciacutecio

financeiro de forma destacada para as referidas finalidades constitucionais

ultrapassando-se a mera literalidade Precedentes deste Tribunal com

natureza de Balanccedilo Geral do Estado Processo n 912324 Rel Conselheiro

Joseacute Alves Viana Processo n 886510 Rel Conselheiro Mauri Torres

Processo n 872207 Rel Conselheiro Claacuteudio Terratildeo Processo n 951454

Rel Conselheiro Gilberto Diniz

[] ndash (grifei)

Na Auditoria o TCE identificou uma seacuterie de usos irregulares da CFEM pelo

Municiacutepio especialmente em atividades administrativas e em despesas correntes tendo

afirmado o seguinte

A utilizaccedilatildeo dos recursos da CFEM com custeio de atividade administrativa

ou destinaccedilatildeo livre eacute irregular pois os recursos minerais geradores da

referida contribuiccedilatildeo pertencem agrave Uniatildeo art 20 inciso IX da Constituiccedilatildeo

da Repuacuteblica e satildeo finitos em essecircncia ou seja possuem prazo determinado

de exploraccedilatildeo Caso utilizados com despesas correntes da maacutequina estatal os

recursos da CFEM tenderatildeo a criar uma economia de gastos municipais

insustentaacutevel

A essecircncia da manifestaccedilatildeo do TCEMG coincide com o que expusemos neste estudo

ateacute aqui mas vale dizer que os direitos fundamentais natildeo se restringem agrave sauacutede

educaccedilatildeo meio ambiente e infraestrutura De todo modo considerando a opccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo mineira pela assistecircncia aos Municiacutepios mineradores para diversificaccedilatildeo de

atividades e manutenccedilatildeo de seu desenvolvimento eacute muito importante o destaque dado

pelo Tribunal de Contas aos investimentos em infraestrutura e educaccedilatildeo A segunda

permite a formaccedilatildeo de matildeo de obra qualificada apta a empreender e inovar no local A

primeira tem o grande potencial de levar agrave diversificaccedilatildeo econocircmica conforme

subtoacutepico seguinte

53 OS INVESTIMENTOS EM INFRAESTRUTURA E A DIVERSIFICACcedilAtildeO

ECONOcircMICA

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

217

Eacute notoacuterio que grandes projetos de mineraccedilatildeo necessitam de investimentos vultosos em

infraestrutura ferrovias rodovias portos etc Por forccedila da rigidez locacional tais

atividades ocorrem tradicionalmente em locais distantes de grandes centros urbanos

demandando por consequecircncia a criaccedilatildeo de infraestrutura para o projeto tanto sob a

oacutetica urbano-habitacional (haveraacute trabalhadores que viveratildeo nas adjacecircncias da

exploraccedilatildeo dos recursos demandando estrutura miacutenima social) como sob a oacutetica de

aquisiccedilatildeo de insumos e de escoamento da produccedilatildeo no que se inclui a infraestrutura

logiacutestica e energeacutetica necessaacuterias

Ante essa realidade comum em todo o mundo acerca de projetos envolvendo recursos

naturais natildeo renovaacuteveis e considerando que a ausecircncia da infraestrutura ou de

mecanismos de facilitaccedilatildeo (inclusive fiscal) para sua implementaccedilatildeo afugentam

investimentos haacute intenso debate mundo afora sobre o assunto na oacutetica do direito

financeiro e do direito tributaacuterio

Paul Collier e Glen Ireland380

em relevante estudo sobre o tema focado em projetos de

mineraccedilatildeo demonstram que ferrovias e portos construiacutedos para suportar o escoamento

de uma operaccedilatildeo mineral em geral teratildeo capacidade superior agravequela demandada pelo

projeto em si E prosseguem afirmando que os mecanismos para garantir que terceiros

tenham acesso a essa infraestrutura variam em cada jurisdiccedilatildeo podendo ser agrupados

em algumas categorias notadamente negociaccedilatildeo privada access undertaking381

e

regulaccedilatildeo formal

Os mesmos autores demonstram que na Aacutefrica haacute pressatildeo para que o

compartilhamento de infraestrutura de mineraccedilatildeo seja realizado de forma a gerar

diversificaccedilatildeo econocircmica e beneficiar outros setores como o desenvolvimento rural

The African Union urges Africas policymakers ldquoto maximize the beneficial

spill over effects of infrastructure triggered by mining by planning around

resource corridorsrdquo and by encouraging its ldquocollateral or integral use by other

economic sectorsrdquo including for example to promote rural developmentrdquo

To achieve this the African Union reminds policymakers that ldquomineral

transport infrastructure needs to allow third-party access at nondiscriminatory

tariffsrdquo382

380

ldquoRailway and port facilities constructed to support a bulk mining operation will generally have a

throughput capacity that exceeds the initial planned output of the mine This occurs either because the

infrastructure cannot be designed with a lower capacity or the mining firm elects to overbuild the

infrastructure to accommodate increased throughput in the future The capacity of a fully utilized railway

or port can normally be increased through further capital investment Due to the inherent physical

characteristics of such facilities the marginal cost (per unit of throughput) of adding capacity is at least

initially quite low Further capacity increases will eventually require a more substantial or ldquostep-changerdquo

investment Invariably the cost of expanding the capacity of existing infrastructure (even if a step-change

is needed) is significantly lower than the cost of constructing new infrastructure having equivalent

capacityrdquo COLLIER Paul IRELAND Glen Shared-Use Mining Infrastructure Why it Matters and

How to Achieve it In Development Policy Review n 36 January 2017 381

Como eacute o caso da ferrovia de Queensland na Austraacutelia Cf Queensland Rail has an Access

Undertaking (2016) approved by the Queensland Competition Authority (QCA) The access undertaking

sets out the terms and conditions on which Queensland Rail provides access to its rail infrastructure ltlt

httpswwwqueenslandrailcomauforbusinessaccessaccess-undertaking gtgt 382

COLLIER Paul IRELAND Glen Shared-Use Mining Infrastructure hellip cit p 7

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

218

A sinergia entre a infraestrutura necessaacuteria em projetos paraJu

aproveitamento econocircmico de recursos naturais natildeo renovaacuteveis e outros setores da

economia pelo modelo shared-use eacute sintetizada por Benke383

Portanto parece relevante que sejam feitos investimentos em infraestrutura sejam eles

privados com claacuteusulas de shared-use ou puacuteblicos mediante boa aplicaccedilatildeo dos recursos

da CFEM para diversificaccedilatildeo econocircmica local

6 CONCLUSAtildeO

Ante o exposto conclui-se

1) A Constituiccedilatildeo ao tratar dos recursos finitos ou exauriacuteveis por natureza impotildee

que a poliacutetica fiscal do paiacutes leve em consideraccedilatildeo as trecircs premissas (i) qualquer

interpretaccedilatildeo das suas normas que se restrinja ao presente eacute por definiccedilatildeo

inconstitucional (ii) os recursos naturais pertencem ao povo brasileiro ndash e natildeo aos entes

federados ndash inclusive agraves futuras geraccedilotildees (iii) satildeo objetivos constitucionais conhecer as

nossas reservas de recursos naturais e exploraacute-las mediante concessotildees monetizando-as

e transformando-as em direitos fundamentais

2) O art 20 sect 1ordm da Constituiccedilatildeo institui a competecircncia da Uniatildeo para criar um

mecanismo de monetizaccedilatildeo dos recursos naturais natildeo renovaacuteveis de forma que gerem

lucro a ser distribuiacutedo de forma cooperativa e equilibrada entre os entes federados

Natildeo se trata portanto de recompor a perda do recurso natural natildeo renovaacutevel ou de

meramente compensar impactos e eventuais danos ambientais sociais ou econocircmicos

decorrentes da atividade econocircmica Muito mais do que isso o sect 1ordm do art 20 deve ser

lido como o principal mecanismo constitucional para a concretizaccedilatildeo do direito do povo

383

BENKE R Introductory Remarks on Mineral Infrastructure in Regional Integration Second Expert

Group Workshop on Extractive Industries 11ndash12 June 2015 Geneva

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

219

brasileiro (proprietaacuterio dos bens) inclusive das geraccedilotildees futuras agrave fruiccedilatildeo de benesses

decorrentes da monetizaccedilatildeo dos recursos naturais natildeo renovaacuteveis que possam ser

perenizadas na sociedade mediante a concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais Esse eacute o

seu motivo constitucional

3) Os royalties instituiacutedos pela Lei nordm 79901989 possuem natureza juriacutedica de

receita originaacuteria da Uniatildeo e transferida para os demais entes federados Natildeo eacute mera

indenizaccedilatildeo porque natildeo se trata de simplesmente compensar perdas danos ou impactos

de qualquer espeacutecie sofridos por Estados e Municiacutepios e sim de obter lucro

monetizando recursos naturais inertes e concretizando-os em direitos fundamentais para

o seu titular o povo brasileiro

4) O instrumento que constitui imposiccedilatildeo financeira a empreendimentos de

mineraccedilatildeo em razatildeo do impacto ambiental (logo liacutecito em contraponto ao dano

ambiental iliacutecito) eacute a compensaccedilatildeo ambiental ou compensaccedilatildeo do SNUC prevista na

Lei nordm 99852000 que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservaccedilatildeo da

Natureza

5) A CFEM recebida pelo Estado de Minas Gerais deve ser destinada

principalmente para prestar assistecircncia a Municiacutepio que se desenvolva em torno de

atividade mineradora tendo em vista a diversificaccedilatildeo de sua economia e a garantia de

permanecircncia de seu desenvolvimento socioeconocircmico Admite-se para tanto que a

receita obtida com a exaccedilatildeo seja destinada ao ldquoFundo de Exaustatildeo e Assistecircncia aos

Municiacutepios Mineradoresrdquo que deveria ter sido criado por lei Residualmente uma parte

dos recursos da CFEM deve ser destinada a assegurar a efetividade do direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado nos termos dos sectsect 1ordm e 3ordm do art 214 da

Constituiccedilatildeo mineira

6) As manifestaccedilotildees do TCEMG evidenciam que o Estado de Minas Gerais e os

Municiacutepios mineiros descumprem reiteradamente as determinaccedilotildees acima violando a

Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e a Constituiccedilatildeo mineira Ademais no caso do Estado

parcela iacutenfima da arrecadaccedilatildeo da CFEM eacute efetivamente realizada em despesa puacuteblica

Em torno de 80 permanece em Caixa Uacutenico

7) Eacute relevante considerando a experiecircncia internacional considerar o investimento

em infraestrutura como forma de gerar diversificaccedilatildeo econocircmica evitando a

dependecircncia das economias locais em relaccedilatildeo agrave mineraccedilatildeo

REFEREcircNCIAS

BATISTA JUacuteNIOR Onofre Alves e DA SILVA Fernanda Alen Gonccedilalves A Funccedilatildeo

Social da Exploraccedilatildeo Mineral no Estado de Minas Gerais In Rev Fac Direito UFMG

Belo Horizonte n 62

BENKE R Introductory Remarks on Mineral Infrastructure in Regional Integration

Second Expert Group Workshop on Extractive Industries 11ndash12 June 2015 Geneva

BERNARDES Acyr Recursos minerais a Uniatildeo eacute proprietaacuteria ou exerce soberania

Brasil Mineral Satildeo Paulo n 157 dez 1997

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

220

CARRAZZA Roque Antonio Natureza juriacutedica da Compensaccedilatildeo Financeira pela

Exploraccedilatildeo de Recursos Minerais sua manifesta inconstitucionalidade Justitia Satildeo

Paulo v 57 n 171 p 88-116 julset 1995

CASTRO JUacuteNIOR Paulo Honoacuterio de SILVA Tiago de Mattos CFEM Compensaccedilatildeo

Financeira pela Exploraccedilatildeo de Recursos Minerais Belo Horizonte DrsquoPlacido 2018

COLLIER Paul IRELAND Glen Shared-Use Mining Infrastructure Why it Matters

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Astrea 2007

OLIVEIRA Regis Fernandes de Curso de direito financeiro 8ed Satildeo Paulo

Malheiros 2019

SCAFF Fernando Facury Royalties do Petroacuteleo Mineacuterio e Energia Satildeo PauloRevista

dos Tribunais 2014

SIQUEIRA Lyssandro Norton Os princiacutepios de Direito Ambiental e a compensaccedilatildeo

ambiental no Sistema Nacional de Unidades de Conservaccedilatildeo (SNUC) In GOMES

Carla Amado (Coord) Compensaccedilatildeo ecoloacutegica serviccedilos ambientais e protecccedilatildeo da

biodiversidade Lisboa Instituto de Ciecircncias Juriacutedico-Poliacuteticas 2014

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

221

A COMPENSACcedilAtildeO AMBIENTAL E A QUESTAtildeO

ORCcedilAMENTAacuteRIA NA CONSERVACcedilAtildeO DOS PARQUES DO

SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVACcedilAtildeO

RODRIGO W S RIBEIRO FILHO

_________________ SUMAacuteRIO ________________

I Introduccedilatildeo II A compensaccedilatildeo ambiental III

Panorama administrativo da compensaccedilatildeo

ambiental IV A execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria da

compensaccedilatildeo V Consideraccedilotildees finais

Resumo O presente artigo objetiva inicialmente traccedilar um panorama sobre o instituto

da compensaccedilatildeo ambiental contextualizando-a em sua relaccedilatildeo com o Sistema Nacional

de Unidades de Conservaccedilatildeo ndash SNUC sob a oacutetica do artigo do Prof Dr Lyssandro

Norton Siqueira Apoacutes seraacute feita uma anaacutelise sobre a atual situaccedilatildeo da compensaccedilatildeo

ambiental a niacutevel federal procurando compreender a realidade administrativa e

orccedilamentaacuteria da compensaccedilatildeo ambiental em relaccedilatildeo Unidades de Conservaccedilatildeo

levantando possiacuteveis problemas e entraves na execuccedilatildeo financeira de tal modalidade

Palavras-chave compensaccedilatildeo ambiental orccedilamento puacuteblico direito ambiental

I INTRODUCcedilAtildeO

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil prevecirc em seu art 225 a obrigaccedilatildeo do poder

puacuteblico assegurar a proteccedilatildeo especial a determinados espaccedilos territoriais como forma

de assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

Coube agrave Lei nordm 998500 instituir o Sistema Nacional de Unidades de Conservaccedilatildeo ndash

SNUC regulamentando o paraacutegrafo primeiro incisos I II III e IV do referido

dispositivo constitucional Embora o diploma tenha conceituado logo no inciso I do art

2ordm o que constitui uma Unidade de Conservaccedilatildeo verdade eacute que elas existem desde

muito antes a exemplo do Parque Nacional do Itatiaia cuja constituiccedilatildeo ocorreu em

1937

Mestrando do PPG da Faculdade de Direito da UFMG

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

222

Aleacutem de conceituar as Unidades de Conservaccedilatildeo e buscar trazer luz agrave necessidade de se

preservar e proteger os ecossistemas atraveacutes de poliacuteticas e medidas constantes no bojo

do regulamente a Lei nordm 99852000 cuidou de endereccedilar preocupaccedilatildeo especiacutefica aos

empreendimentos que possam potencialmente causar danos ou impactos ambientais ndash

e assim o fez atraveacutes da compensaccedilatildeo ambiental

A compensaccedilatildeo ambiental assim natildeo pode ser pensada e estudada sob perspectiva

eminentemente tributaacuteria mas ao contraacuterio em conexatildeo com a proacutepria Lei que a

instituiu e todo sistema ambiental-institucional inclusive devendo se relacionar de

forma contundente agraves praacuteticas e limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias Nessa anaacutelise procedeu-se o

uso da metodologia de pesquisa do tipo juriacutedico-teoacuterica por se tratar de uma anaacutelise das

normas legais e infralegais existentes no ordenamento sobre os toacutepicos debatidos

II A COMPENSACcedilAtildeO AMBIENTAL

A Lei nordm 998500 busca viabilizar a criaccedilatildeo e manutenccedilatildeo das UCrsquos de proteccedilatildeo

integral atraveacutes da compensaccedilatildeo ambiental embasada em dois princiacutepios o usuaacuterio-

pagador e o poluidor-pagador De antematildeo eacute necessaacuterio ressalvar que ambos os

princiacutepios natildeo se confundem com o princiacutepio da reparaccedilatildeo (responsabilidade) Contudo

os trecircs tecircm em comum o objetivo da internalizaccedilatildeo das externalidades ambientais

negativas (terceiros ganhando sem pagar por seus benefiacutecios marginais)

Assim eacute que os princiacutepios do usuaacuterio-pagador e do poluidor-pagador se aplicam ao

impacto ambiental sendo esta atividade poluente liacutecita em conformidade com o

ordenamento juriacutedico o qual difere do dano ambiental atividade iliacutecita e contraacuteria ao

direito

Eacute verdade de outro modo que os princiacutepios do usuaacuterio-pagador e do poluidor-pagador

por vezes se confundem mas se de um lado o usuaacuterio ndash que faz por oacutebvio uso dos

recursos naturaisndash nem sempre eacute poluidor o poluidor sempre seraacute usuaacuterio A

diferenciaccedilatildeo parece ser oacutebvia especialmente pela conceituaccedilatildeo expressa dos princiacutepios

pela sua proacutepria qualificaccedilatildeo Contudo a fim de delimitar a distinccedilatildeo de natureza e

implicaccedilatildeo destes princiacutepios eacute preciso estabelecer que

Sendo os bens ambientais de natureza difusa e sendo o seu titular a

coletividade indeterminada aquele que usa o bem em prejuiacutezo dos demais

titulares passa a ser devedor desse lsquoempreacutestimorsquo aleacutem de ser responsavel

pela sua eventual degradaccedilatildeo Eacute nesse sentido e alcance que deve ser

diferenciado do poluidor-pagador A expressatildeo eacute diversa porque se todo

poluidor eacute um usuaacuterio (direto ou indireto) do bem ambiental nem todo

usuaacuterio eacute poluidor O primeiro tutela a qualidade do bem ambiental e o

segundo a sua quantidade Na verdade o usuaacuterio-pagador obriga a arcar com

os custos do lsquoempreacutestimorsquo ambiental aquele que beneficia do ambiente

(econocircmica ou moralmente) mesmo que esse uso natildeo cause qualquer

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

223

degradaccedilatildeo Em havendo degradaccedilatildeo deve arcar tambeacutem com a respectiva

reparaccedilatildeo Nesta uacuteltima hipoacutetese diz-se que o usuaacuterio foi poluidor384

Ambos os princiacutepios como visto satildeo fundamentos importantes da compensaccedilatildeo

ambiental embora esta tambeacutem possa ter diversos usos e significados O conceito eacute

trazido poreacutem para esta anaacutelise ndash inserindo-se portanto no bojo da Lei nordm 998500 ndash

como aquele que dispotildee o art 36 da referida lei

Art 36 Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de

significativo impacto ambiental assim considerado pelo oacutergatildeo ambiental

competente com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo

relatoacuterio - EIARIMA o empreendedor eacute obrigado a apoiar a implantaccedilatildeo e

manutenccedilatildeo de unidade de conservaccedilatildeo do Grupo de Proteccedilatildeo Integral de

acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei

O mecanismo da compensaccedilatildeo ambiental portanto funciona para efeitos da normativa

como aquele responsaacutevel pela reparaccedilatildeo de impactos ambientais causados por atividade

empreendedora E assim o faz a partir de um sistema arrecadatoacuterio Eacute dizer aquele que

impactar o meio ambiente da forma como definida pela legislaccedilatildeo deveraacute compensar

sua atividade atraveacutes de arrecadaccedilatildeo especiacutefica de recursos que viabilizaccedilatildeo o Sistema

Nacional de Unidade de Conservaccedilatildeo

Se parece oacutebvia a similitude ao menos semacircntica entre a compensaccedilatildeo e a natureza

ressarcitoacuteria o Supremo Tribunal Federal foi instado a se debruccedilar sobre o tema

quando da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade nordm 3378385

A accedilatildeo questionava a

constitucionalidade do art 36 da Lei nordm 998500 entendendo tratar-se de cobranccedila de

384

RODRIGUES Marcelo Abelha Elementos de Direito Ambiental Parte Geral 2 ed rev atual e

ampl Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2005 p 227 385

A accedilatildeo foi assim ementada ldquoEMENTA ACcedilAtildeO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ART

36 E SEUS sectsect 1ordm 2ordm E 3ordm DA LEI Nordm 9985 DE 18 DE JULHO DE 2000 CONSTITUCIONALIDADE

DA

COMPENSACcedilAtildeO DEVIDA PELA IMPLANTACcedilAtildeO DE EMPREENDIMENTOS DE

SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO sect 1ordm DO

ART 36

1 O compartilhamento-compensaccedilatildeo ambiental de que trata o art 36 da Lei nordm 99852000 natildeo ofende o

princiacutepio da legalidade dado haver sido a proacutepria lei que previu o modo de financiamento dos gastos com

as unidades de conservaccedilatildeo da natureza De igual forma natildeo haacute violaccedilatildeo ao princiacutepio da separaccedilatildeo dos

Poderes por natildeo se tratar de delegaccedilatildeo do Poder Legislativo para o Executivo impor deveres aos

administrados

2 Compete ao oacutergatildeo licenciador fixar o quantum da compensaccedilatildeo de acordo com a compostura do

impacto ambiental a ser dimensionado no relatoacuterio - EIARIMA

3 O art 36 da Lei nordm 99852000 densifica o princiacutepio usuaacuterio-pagador este a significar um mecanismo

de assunccedilatildeo partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade

econocircmica

4 Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade Compensaccedilatildeo ambiental que se revela como

instrumento adequado agrave defesa e preservaccedilatildeo do meio ambiente para as presentes e futuras geraccedilotildees natildeo

havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional

Medida amplamente compensada pelos benefiacutecios que sempre resultam de um meio ambiente

ecologicamente garantido em sua higidez

5 Inconstitucionalidade da expressatildeo ldquonatildeo pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos

para a implantaccedilatildeo do empreendimentordquo no sect 1ordm do art 36 da Lei nordm 99852000 O valor da

compensaccedilatildeo-compartilhamento eacute de ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental apoacutes estudo em

que se assegurem o contraditoacuterio e a ampla defesa Prescindibilidade da fixaccedilatildeo de percentual sobre os

custos do empreendimento

6 Accedilatildeo parcialmente procedenterdquo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

224

natureza tributaacuteria Contudo afastando a inadequaccedilatildeo do dispositivo agrave ordem

constitucional a Corte Constitucional afirmou a natureza reparatoacuteria da compensaccedilatildeo

ambiental

O STF entendeu na mesma accedilatildeo no entanto pela inconstitucionalidade do paraacutegrafo

primeiro do art 36 tendo em vista a impossibilidade de ser estabelecido piso para a

compensaccedilatildeo ambiental E isto porque natildeo haveria como ser especificado ainda que em

percentual quantia miacutenima tendo em vista que soacute seria exigiacutevel do empreender aquilo

que efetivamente compensasse o impacto causado Se inexistente ou miacutenimo natildeo seria

razoaacutevel ou legiacutetima qualquer cobranccedila

O impacto assim quando existente ensejaraacute a cobranccedila da compensaccedilatildeo ambiental

cujo valor para fins reparatoacuterios seraacute apurado por meio de estudo preacutevio Reafirmando

seu recolhimento na exata proporccedilatildeo do impacto causado o montante seraacute portanto

apurado quando da realizaccedilatildeo de procedimento preacutevio (elaboraccedilatildeo do EIARIMA) e

ensejaraacute reparaccedilatildeo tambeacutem precedente ao proacuteprio efeito da accedilatildeo a ser tomada

III PANORAMA ADMINISTRATIVO DA COMPENSACcedilAtildeO AMBIENTAL

Segundo o Ministeacuterio do Meio Ambiente cabe ao Instituto Chico Mendes de

Conservaccedilatildeo da Biodiversidade (ICMBio) a execuccedilatildeo das accedilotildees concernentes agraves

Unidades de Conservaccedilatildeo do SNUC tendo o IBAMA como oacutergatildeo supletivo

Oacutergatildeos executores representados na esfera federal pelo Instituto Chico

Mendes de Conservaccedilatildeo da Biodiversidade (ICMBio) e IBAMA em caraacuteter

supletivo e nas esferas estadual e municipal pelos oacutergatildeos estaduais e

municipais de meio ambiente Os oacutergatildeos executores do SNUC tecircm a funccedilatildeo

de implementaacute-lo subsidiar as propostas de criaccedilatildeo e administrar as unidades

de conservaccedilatildeo federais estaduais e municipais mas nas respectivas esferas

de atuaccedilatildeo386

O Relatoacuterio de Gestatildeo de 2018 do Instituto Chico Mendes de Conservaccedilatildeo da

Biodiversidade (ICMBio) explicita parte da dificuldade para a execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria

dos valores advindos da compensaccedilatildeo ambiental387

Um dos complicadores para isso eacute a

inseguranccedila juriacutedica e legislativa de impera no acircmbito administrativo uma vez que

tanto a legislaccedilatildeo federal quanto as recomendaccedilotildees dos oacutergatildeos executores e

fiscalizadores como o Tribunal de Contas da Uniatildeo sofreram modificaccedilotildees constantes

nos uacuteltimos anos

Ateacute 2016 para executar os recursos de compensaccedilatildeo ambiental destinados agraves

Unidades de Conservaccedilatildeo federais o empreendedor optava por uma de duas

modalidades de execuccedilatildeo lsquoexecuccedilatildeo direta sendo esta a execuccedilatildeo por meios

proprios pelo empreendedor ou lsquoexecuccedilatildeo indiretarsquo por meio de deposito em

contas escriturais de instituiccedilatildeo financeira selecionada sendo a execuccedilatildeo

realizada pelo ICMBio Em ambos os casos o Cumprimento de

386

Ministeacuterio do Meio Ambiente Sistema Nacional de Unidades de Conservaccedilatildeo Disponiacutevel em

httpswwwmmagovbrareas-protegidasunidades-de-conservacaosistema-nacional-de-ucs-snuchtml 387

Disponiacutevel em

httpwwwicmbiogovbracessoainformacaoimagesstoriesrelatorio_gestaorelatorio2018Relatorio_de

_Gestao_2018pdf

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

225

Compensaccedilatildeo Ambiental - TCCA tinha um prazo de 12 meses

Todavia a partir das decisotildees do TCU proferidas por meio dos Acoacuterdatildeos nordm

18532003 1004216 e 17722016 restringiu-se o cumprimento da

obrigaccedilatildeo da compensaccedilatildeo ambiental pelo empreendedor por meio da

execuccedilatildeo direta Tambeacutem em atendimento agraves determinaccedilotildees do TCU os

recursos que estavam nas contas escriturais da instituiccedilatildeo financeira (Caixa

Econocircmica Federal) foram internalizados ao Orccedilamento Geral da Uniatildeo -

OGU inaugurando em 2017 a execuccedilatildeo dos recursos pelo OGU Em

dezembro de 2017 foi publicada a Medida Provisoacuteria nordm 8092017

autorizando o ICMBio a selecionar instituiccedilatildeo financeira oficial para criar e

administrar fundo privado a ser integralizado com recursos oriundos da

compensaccedilatildeo ambiental vindo a ser convertida na Lei nordm 13668 de 28 de

maio de 2018 Desse modo foi editada a Instruccedilatildeo Normativa ICMBio nordm

32018 que revogou a Instruccedilatildeo Normativa ICMBio nordm 102014 A partir

desta nova normativa o empreendedor passa a celebrar Termo de

Compromisso para o TCCA com o Instituto Chico Mendes podendo optar

por uma das duas modalidades de execuccedilatildeo ldquoexecuccedilatildeo diretardquo executada por

meios proprios do empreendedor ou ldquoexecuccedilatildeo pelo Fundo de Compensaccedilatildeo

Ambiental (FCA)rdquo por meio de aporte de recursos no fundo privado

Em 2018 foi realizado processo seletivo de Instituiccedilatildeo Financeira Federal

visando agrave execuccedilatildeo da compensaccedilatildeo pelo mencionado Fundo do qual

resultou vencedora a Caixa Econocircmica Federal ndash CEF388

Apoacutes mudanccedila no entendimento do TCU que deixou como uacutenico caminho para a

compensaccedilatildeo ambiental a execuccedilatildeo direta pelo empreendedor foi necessaacuterio ediccedilatildeo de

Medida Provisoacuteria posteriormente convertida na Lei 136682018 para criar outra forma

de pagamento da compensaccedilatildeo objetivando desburocratizar o processo

A Lei nordm 11516 de 28 de agosto de 2007 passa a vigorar acrescida dos

seguintes arts 14-A 14-B e 14-C

ldquoArt 14-A Fica o Instituto Chico Mendes autorizado a selecionar instituiccedilatildeo

financeira oficial dispensada a licitaccedilatildeo para criar e administrar fundo

privado a ser integralizado com recursos oriundos da compensaccedilatildeo ambiental

de que trata o art 36 da Lei nordm 9985 de 18 de julho de 2000 destinados agraves

unidades de conservaccedilatildeo instituiacutedas pela Uniatildeo

sect 1ordm A instituiccedilatildeo financeira oficial de que trata o caput deste artigo seraacute

responsaacutevel pela execuccedilatildeo direta ou indireta e pela gestatildeo centralizada dos

recursos de compensaccedilatildeo ambiental destinados agraves unidades de conservaccedilatildeo

instituiacutedas pela Uniatildeo e poderaacute para a execuccedilatildeo indireta firmar contrato com

instituiccedilotildees financeiras oficiais regionais

sect 2ordm O depoacutesito integral do valor fixado pelo oacutergatildeo licenciador desonera o

empreendedor das obrigaccedilotildees relacionadas agrave compensaccedilatildeo ambiental

sect 3ordm A instituiccedilatildeo financeira oficial de que trata o caput deste artigo fica

autorizada a promover as desapropriaccedilotildees dos imoacuteveis privados indicados

pelo Instituto Chico Mendes que estejam inseridos na unidade de

conservaccedilatildeo destinataacuteria dos recursos de compensaccedilatildeo ambiental

sect 4ordm O regulamento e o regimento interno do fundo observaratildeo os criteacuterios as

poliacuteticas e as diretrizes definidas em ato do Instituto Chico Mendes

sect 5ordm A autorizaccedilatildeo prevista no caput deste artigo estende-se aos oacutergatildeos

executores do Sistema Nacional de Unidades de Conservaccedilatildeo da Natureza

Criou-se portanto a opccedilatildeo da execuccedilatildeo via Fundo para aleacutem da execuccedilatildeo direta Nesse

sentido o ICMBio esclareceu em nota que o objetivo do Fundo de implantaccedilatildeo eacute

justamente o de conferir maior agilidade na execuccedilatildeo financeira da compensaccedilatildeo

ambiental uma vez que a modalidade de execuccedilatildeo direta pelo empreendedor natildeo foi

capaz de entregar resultado positivo pois dependia da capacidade da empresa executar

388

ICMBio Relatoacuterio de Gestatildeo 2018

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

226

as demandas que os oacutergatildeos puacuteblicos necessitavam O Instituto argumenta que o aporte

de valores no Fundo implica em maior flexibilidade do uso do dinheiro pelo oacutergatildeo

competente

Por meio dessa nova modalidade o empreendedor se desonera da obrigaccedilatildeo a

partir do depoacutesito dos recursos no fundo Nesse sentido a expectativa eacute que

haja maior adesatildeo dos empreendedores no cumprimento da obrigaccedilatildeo

Considerando que existe hoje R$ 11 bilhatildeo de reais jaacute destinados agraves unidades

de conservaccedilatildeo federais estima-se que a totalidade destes recursos seja

aportada no Fundo de compensaccedilatildeo Ambiental no prazo de 5 (cinco) anos389

Em siacutentese atualmente satildeo trecircs as possibilidades de efetivar a compensaccedilatildeo ambiental a

niacutevel federal sendo elas as seguintes a) execuccedilatildeo direta feita pelo proacuteprio

empreendedor b) a execuccedilatildeo pelo Fundo de Compensaccedilatildeo Ambiental administrado

pela Caixa Econocircmica Federal cujos recursos advecircm do pagamento da compensaccedilatildeo

pelo empreendedor e por fim c) a execuccedilatildeo via Orccedilamento Geral da Uniatildeo - OGU

A execuccedilatildeo pelo Orccedilamento Geral da Uniatildeo eacute uma excepcionalidade Trata-se da

incorporaccedilatildeo dos recursos advindos da antiga ldquoexecuccedilatildeo indiretardquo isto eacute quando o

empreendedor podia depositar os valores da compensaccedilatildeo ambienta em contas

escriturais em instituiccedilotildees financeiras mas que eram geridos e aplicados ICMBio Tal

forma de execuccedilatildeo a indireta era possiacutevel ateacute 2016 (Instruccedilatildeo Normativa ICMBio nordm

10 de 05122014) restringida pelas decisotildees do Tribunal de Contas da Uniatildeo nos

Acoacuterdatildeos nordm 1004216 e 17722016 Apoacutes 2016 os recursos que estavam nas contas

escrituradas e os passivos ainda natildeo depositados passaram integrar o Orccedilamento Geral

da Uniatildeo Essa modalidade portanto estaacute vinculada ao exaurimento dos recursos que

deveriam ter sido executados indiretamente

IV A EXECUCcedilAtildeO ORCcedilAMENTAacuteRIA DA COMPENSACcedilAtildeO

Quando se compara as modalidades da compensaccedilatildeo ambiental eacute perceptiacutevel a

preferecircncia pelas formas indiretas de compensaccedilatildeo ficando extremamente preterida a

execuccedilatildeo direta Como pode ser observado nos valores globais da compensaccedilatildeo

ambiental

389

Nota do ICMBio Disponiacutevel em

httpwwwicmbiogovbracessoainformacaoimagesstoriesrelatorio_gestaorelatorio2018Compensaca

o_Ambientalpdf

Firmar TCCA Execuccedilatildeo Direta Execuccedilatildeo OGU

R$103272194624 R$5288747453 R$25100410005

77 4 19

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

227

Contudo para aleacutem da problemaacutetica da regulamentaccedilatildeo das possibilidades de execuccedilatildeo

que sofreou intensa variaccedilatildeo prejudicando inclusive a previsibilidade do empreendedor

sobre as formas possiacuteveis de pagamento da compensaccedilatildeo ambiental outro problema eacute

percebido na anaacutelise da execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria

Conforme dados do ICMBio dos R$5288747553 disponiacuteveis para a execuccedilatildeo direta

apenas R$71227420 foram executados enquanto R$5306424765 aguardam

execuccedilatildeo como valores remanescentes De forma similar dos R$33759281814

transferidos para o Orccedilamento Geral da Uniatildeo ndash OGU apenas R$5335294608 foram

executados e descontando os provisionamentos satildeo R$25100410005 disponiacuteveis para

a execuccedilatildeo390

Quando se analisa o dado de que haacute mais de um bilhatildeo de reais em Termo de

Compromisso de Compensaccedilatildeo Ambiental (TCCA) eacute preocupante imaginar o tempo

que levaraacute ateacute que os oacutergatildeos executores consigam efetivamente disponibilizar os valores

para accedilotildees concretas no SNUC

V CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O instituto da compensaccedilatildeo ambiental foi um ganho importantiacutessimo para suprimir as

deficiecircncias orccedilamentaacuterias do Brasil no campo ambiental Eacute um ganho civilizacional a

garantia de que aquela atividade econocircmica que impacta o meio ambiente deveraacute

compensar em ganhos ecoloacutegicos e ambientais garantindo o miacutenimo de equiliacutebrio entre

desenvolvimento econocircmico e preservaccedilatildeo ambiental

Contudo um comportamento erraacutetico da administraccedilatildeo puacuteblica em relaccedilatildeo ao instituto

da compensaccedilatildeo ambiental representa risco real agrave efetividade do dispositivo As

diversas mudanccedilas legislativas administrativas e de entendimento judicial fizeram com

que em diversos momentos a compensaccedilatildeo ambiental ficasse impossibilitada de

cumprir seu papel dentro do sistema de licenciamento ambiental

Para aleacutem disso a incapacidade dos oacutergatildeos executores de gerir e aplicar os recursos

advindos da compensaccedilatildeo se mostra como um empecilho concreto para a efetividade

desta Desde a criaccedilatildeo deste instituto satildeo centenas de milhotildees de reais que natildeo foram

aplicados em sua destinaccedilatildeo criando um passivo para a proacutepria administraccedilatildeo puacuteblica

Contudo a criaccedilatildeo do Fundo de Compensaccedilatildeo Ambiental no final de 2018 gerido pela

Caixa Econocircmica Federal objetiva precisamente resolver esses impasses trazendo

agilidade e eficiecircncia na cobranccedila gestatildeo e aplicaccedilatildeo dos recursos advindos da

compensaccedilatildeo ambiental Eacute necessaacuterio em breve realizar novo estudo comparativo para

analisar a execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria do Fundo em comparaccedilatildeo com as formas de execuccedilatildeo

vigentes ateacute o momento

REFEREcircNCIAS

390

ICMBio Painel dinacircmico de informaccedilotildees

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

228

GODOI Marciano Seabra de Critica agrave jurisprudecircncia atual do STF em mateacuteria

tributaacuteria Satildeo Paulo Dialeacutetica 2011 pp 214-227

ICMBio Painel dinacircmico de informaccedilotildees Disponiacutevel em lt

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ICMBio Relatoacuterio de Gestatildeo 2018 Disponiacutevel em lt

httpwwwicmbiogovbracessoainformacaoimagesstoriesrelatorio_gestaorelatorio2

018Relatorio_de_Gestao_2018pdfgt Acesso em 7 dez 2019

SIQUEIRA Lyssandro Norton Os princiacutepios de Direito Ambiental e a compensaccedilatildeo

ambiental no Sistema Nacional de Unidades de Conservaccedilatildeo (SNUC) In GOMES

Carla Amado Compensaccedilatildeo ecoloacutegica serviccedilos ambientais e protecccedilatildeo da

biodiversidade Lisboa Instituto de Ciecircncias Juriacutedico-Poliacuteticas 2014 pp 196 ndash 218

STF Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade nordm 3378DF Relator Ministro Carlos Ayres

Britto Julgado em 14062006

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

229

AUDIEcircNCIAS PUacuteBLICAS E LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Legitimaccedilatildeo e correccedilatildeo das teacutecnicas pelas vozes

SAMUEL GIOVANNINI CRUZ GUIMARAtildeES

_________________ SUMAacuteRIO ________________

1 Introduccedilatildeo 2 As bases legais e os dois princiacutepios

democraacuteticos da audiecircncia puacuteblica no licenciamento

ambiental 3 Legitimidade e legitimaccedilatildeo no

licenciamento ambiental 4 O RIMA de 2005 e a

contradiccedilatildeo interna do licenciamento ambiental 5

Conclusotildees sobre competecircncias criteacuterios de anaacutelise

e participaccedilatildeo nas audiecircncias puacuteblicas

RESUMO Este trabalho objetiva responder ateacute que ponto o licenciamento ambiental

poderia corresponder ou considerar a opiniatildeo puacuteblica seus questionamentos e incertezas

expressos na audiecircncia puacuteblica Por meio da anaacutelise de um amplo conjunto de

dispositivos legais pertinentes agraves audiecircncias no processo de licenciamento bem como

do uso de balizas interpretativas da filosofia da teoria da constituiccedilatildeo e do direito

ambiental aponta-se os princiacutepios que justificam e que devem nortear as audiecircncias

puacuteblicas aleacutem dos requisitos necessaacuterios para seu melhor aproveitamento durante o

processo de licenciamento Um caso utilizado a tiacutetulo de exemplo foi o desastre de

Mariana em 2015 decorrente do rompimento da Barragem do Fundatildeo da

SamarcoValeBHP Billiton a partir do qual se faz a anaacutelise de um dos Relatoacuterios de

Impacto Ambiental (RIMA) apresentados pela Samarco Conclui-se que devem ser

criteacuterios de pertinecircncia teacutecnica dos EIA e RIMA a abordagem profunda dos riscos

graves evitaacuteveis e inerentes ao empreendimento ou atividade a proposiccedilatildeo detalhada

das estrateacutegias que seratildeo empregadas para evitar tais riscos e para enfrentar eventuais

acidentes que os materializem o emprego na anaacutelise dos textos da ideia de

equiliacutebrioproporcionalidade entre o modo de abordagem dos pontos positivos e

negativos pois especialmente no RIMA a maior imparcialidade possiacutevel deve sempre

ser buscada A audiecircncia puacuteblica natildeo deve vincular mas deve ser uma das principais

variaacuteveis a influenciar a formulaccedilatildeo da decisatildeo final no licenciamento ambiental

Palavras-chave licenciamento ambiental audiecircncia puacuteblica democracia

Advogado Poacutes-graduando em Direito UFMG

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

230

1 INTRODUCcedilAtildeO

Os rompimentos das barragens de rejeitos na histoacuteria recente de Minas Gerais

fomentaram na populaccedilatildeo uma maior incerteza e temor diante dos riscos dessas

barragens Portanto questiona-se atendendo-se ao princiacutepio da participaccedilatildeo e ao

princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental ateacute onde o licenciamento poderia corresponder ou

considerar a percepccedilatildeo do puacuteblico e suas incertezas que se expressam na audiecircncia

puacuteblica Afinal ateacute onde a incerteza das comunidades pode influenciar a decisatildeo do

oacutergatildeo licenciador E esta decisatildeo na forma como ocorreu foi puramente teacutecnica

Como o poderia ser se tanto o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) quanto o Relatoacuterio

de Impacto Ambiental (RIMA) satildeo de autoria do empreendedor e se haacute abertura interna

de um locus de participaccedilatildeo na forma da audiecircncia puacuteblica Esses satildeo questionamentos

que se avultam em torno do processo de licenciamento ambiental do procedimento e da

pertinecircncia das audiecircncias puacuteblicas

O EIA e o RIMA satildeo estudos teacutecnicos multidisciplinares que em sua concepccedilatildeo ideal

balizariam de forma teacutecnica a participaccedilatildeo popular na audiecircncia puacuteblica e as decisotildees do

oacutergatildeo licenciador Neste trabalho se discutem os problemas inerentes ao licenciamento

ambiental que decorrem da competecircncia e responsabilidade do empreendedor para a

realizaccedilatildeo do EIARIMA bem como se conclui pela necessidade de reforma dos

criteacuterios de anaacutelise desses estudos em prol do direito agrave informaccedilatildeo que eacute indeclinaacutevel

para que os desiacutegnios da audiecircncia puacuteblica e da participaccedilatildeo popular sejam

concretizados Aleacutem disso compreende-se a audiecircncia puacuteblica como um canal para

correccedilatildeo e aperfeiccediloamento das teacutecnicas do EIARIMA a consideraccedilatildeo de fatos

histoacutericos problemas econocircmicos vivenciados danos sofridos interesses temores e

suspeitas dos participantes da audiecircncia aprimoram a percepccedilatildeo do oacutergatildeo licenciador

sobre os impactos do empreendimento licenciado Na correccedilatildeo das teacutecnicas importa a

percepccedilatildeo social dos riscos

O meacutetodo analiacutetico deste trabalho se divide em quatro partes a partir das quais se

buscam respostas para as questotildees supracitadas e soluccedilotildees para os problemas

encontrados I) Analisa-se as bases legais e os princiacutepios que justificam e que devem

nortear as audiecircncias puacuteblicas bem como os requisitos necessaacuterios para seu melhor

aproveitamento durante o licenciamento Tambeacutem o estudo as bases legais da audiecircncia

agrave eacutepoca do desastre de Mariana em face de algumas mudanccedilas legais que ocorreram

desde o rompimento da barragem do Fundatildeo expressam alguns avanccedilos importantes

enquanto o atual contexto brasileiro ainda eacute temeroso ante a sombra dos grandes

desastres de Brumadinho e Mariana Este uacuteltimo desastre eacute neste trabalho utilizado

como objeto de exemplos seja em vista das incertezas quanto ao licenciamento e

fiscalizaccedilatildeo das barragens seja em face da legitimidade nos processos de licenciamento

II) Em seguida discute-se o papel da audiecircncia puacuteblica e as diferenccedilas conceituais entre

legitimidade e legitimaccedilatildeo bem como os conflitos que se destacam no acircmbito da

legitimidade do licenciamento ambiental no controle das atividades minerais III) Por

fim apresenta-se um RIMA elaborado no primeiro processo de licenciamento da

barragem do Fundatildeo analisando-se os impactos previstos sua abordagem desses

impactos e se haacute ou natildeo um caraacutecter apologeacutetico no relatoacuterio

A anaacutelise do RIMA se sintetiza na identificaccedilatildeo de uma consideraacutevel ausecircncia de

imparcialidade teacutecnica fato que prejudica o devido conhecimento pelos afetados e

interessados e consequentemente a capacidade e o interesse para se mobilizarem nas

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

231

audiecircncias puacuteblicas e em outros espaccedilos de manifestaccedilatildeo Isso tende a se agravar apoacutes a

aprovaccedilatildeo do empreendimento pois tal aprovaccedilatildeo sinaliza que o Poder Puacuteblico aceitou

em todo ou em parte as anaacutelises do EIARIMA sendo elas condizentes ou natildeo com os

reais impactos riscos etc De fato os problemas percebidos nas audiecircncias puacuteblicas dos

processos de licenciamento ambiental envolvem toda uma sistemaacutetica de procedimentos

e especialmente dois princiacutepios a educaccedilatildeo (ambiental) e o acesso agrave informaccedilatildeo Eacute

com base nessas e outras discussotildees desenvolvidas neste trabalho que se constroem as

conclusotildees relacionadas agrave necessidade de reformulaccedilatildeo dos criteacuterios de anaacutelise do

EIARIMA por parte do oacutergatildeo licenciador e de concessatildeo de maior peso agraves deliberaccedilotildees

empreendidas nas audiecircncias puacuteblicas

2 AS BASES LEGAIS E OS DOIS PRINCIacutePIOS DEMOCRAacuteTICOS DA

AUDIEcircNCIA PUacuteBLICA NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Este toacutepico tem por objetivo apontar uma seacuterie de dispositivos do ordenamento juriacutedico

brasileiro sobretudo no que tange a mateacuteria ambiental a fim de subsidiar as discussotildees

posteriores deste trabalho Isto posto cabe destacar primariamente uma das

caracteriacutesticas comuns aos canais de participaccedilatildeo seu caraacuteter consultivo natildeo

vinculativo Isto eacute apesar de obrigatoacuterias em diversos acircmbitos do direito as audiecircncias

puacuteblicas natildeo se constituem elementos determinantes das decisotildees finais que podem lhes

contrariar inclusive Em vista disso eacute que este trabalho natildeo propotildee um caraacuteter

vinculante agrave audiecircncia mas sim preliminarmente uma discussatildeo acerca de seu papel

nos processos decisoacuterios e posteriormente sobre os indiacutecios de sua eficaacutecia como

instrumentos participativos e democraacuteticos

O artigo 225 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 erige o meio ambiente ecologicamente

equilibrado como direito fundamental bem de uso comum de todos essencial agrave

qualidade de vida e impotildee ao Poder Puacuteblico e a comunidade o dever de ldquo[] defendecirc-lo

e preservaacute-lo para as presentes e futuras geraccedilotildeesrdquo (BRASIL 1988) Em seu sect1ordm inciso

IV incube ao Poder Puacuteblico a exigecircncia de estudo preacutevio de impacto ambiental bem

como sua publicidade para instalaccedilatildeo de atividades e obras que possam

significativamente degradar o meio ambiente Esse estudo jaacute era abarcado pelo artigo

9ordm inciso IV da Lei 6938 de 31 de agosto de 1981 que instituiu a Poliacutetica Nacional do

Meio Ambiente (PNMA) Tal dispositivo ainda estabelece como instrumentos da

PNMA ldquoo licenciamento e a revisatildeo de atividades efetiva ou potencialmente

poluidorasrdquo (BRASIL 1981)

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 1988 determina no artigo 20 inciso IX os recursos

minerais como bens da Uniatildeo Natildeo obstante vislumbra a iniciativa privada sobre eles -

a garimpagem associativa no art 21 por exemplo - natildeo eximindo o Estado da

responsabilidade regulatoacuteria e diretoacuteria a niacutevel federal sobre tais recursos tanto na

fiscalizaccedilatildeo e concessatildeo quanto na execuccedilatildeo da legislaccedilatildeo mineral e ambiental O art

174 nos sectsect 3ordm e 4ordm explicita essas inferecircncias ao caracterizar o Estado como agente

normativo e regulador da atividade econocircmica sendo para o setor puacuteblico

determinante e para o privado indicativo A atividade mineraacuteria ganha especial ecircnfase

no art 176 que no sect 1ordm centraliza a competecircncia de autorizaccedilatildeo da exploraccedilatildeo e

pesquisa dos recursos minerais na Uniatildeo restringindo-os agraves pessoas e empresas

brasileiras calcadas expressamente no interesse nacional Ademais e mais importante

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

232

para este trabalho estaacute o sect2ordm do artigo 225 da CR88 dispondo categoricamente a

obrigaccedilatildeo da parte que explora recursos minerais de recuperar o meio ambiente

degradado (BRASIL 1988) Na mesma linha a Constituiccedilatildeo sujeita os infratores que

lesarem o meio ambiente a sanccedilotildees penais e administrativas independentemente da

obrigaccedilatildeo de reparar os danos causados (BRASIL 1988)

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 88 consagra a cidadania como um de seus fundamentos

(BRASIL 1988) Bernardo Gonccedilalves (2019 p 326) aponta o que a doutrina

constitucional classica chama de ldquodemocracia semidireta de cunho participativordquo

modelo adotado pela CR88 que alia os instrumentos de democracia direta e indireta se

guiando pelo proposito de desenvolver uma cidadania plena e inclusiva A cidadania

aponta o autor eacute um status e um direito que ldquo[] se apresenta como um processo (um

caminhar para) de participaccedilatildeo ativa na formaccedilatildeo da vontade poliacutetica [dos processos de

poder] e afirmaccedilatildeo dos direitos e garantias fundamentais (GONCcedilALVES 2019 p 332)

Na mateacuteria ambiental a base da participaccedilatildeo eacute instituiacuteda no inciso IV do artigo 225 do

sect1ordm inciso IV da CR88 como dever do Poder Puacuteblico (BRASIL 1988) e no art 2ordm

inciso X da Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente como um de seus princiacutepios Cabe

ressaltar que este uacuteltimo dispositivo estabelece a educaccedilatildeo ambiental ldquo[] a todos os

niacuteveis de ensino inclusive a educaccedilatildeo da comunidade objetivando capacitaacute-la para

participaccedilatildeo ativa na defesa do meio ambienterdquo (BRASIL 1981)

Diante disso destacam-se as audiecircncias puacuteblicas como canais de participaccedilatildeo Contudo

aleacutem da educaccedilatildeo ambiental sobreleva a jaacute mencionada publicidade dos estudos de

impacto ambiental como determinaccedilatildeo constitucional mas tambeacutem de todo o processo

de licenciamento ambiental nos termos do art 10 sect1ordm da PNMA (BRASIL 1981)

Ainda o artigo 11 desta mesma lei define ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e

dos Recursos Naturais Renovaacuteveis (IBAMA) a competecircncia para propor normas e

padrotildees de implantaccedilatildeo acompanhamento e fiscalizaccedilatildeo do licenciamento ambiental ao

Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) Assim destaca-se a Resoluccedilatildeo 237

do CONAMA seu artigo 10 inciso V e VI que respectivamente expressa como etapa

do licenciamento ambiental a audiecircncia puacuteblica quando couber e a ldquosolicitaccedilatildeo de

esclarecimentos e complementaccedilotildees pelo oacutergatildeo ambiental competente decorrentes de

audiecircncias puacuteblicas [] podendo haver reiteraccedilatildeo da solicitaccedilatildeo []rdquo se aqueles natildeo

forem suficientes (BRASIL 1997) No Anexo 1 dessa resoluccedilatildeo a extraccedilatildeo e tratamento

de minerais eacute a primeira das atividades ou empreendimentos sujeitos ao licenciamento

ambiental

Como visto natildeo eacute sempre que a audiecircncia puacuteblica seraacute uma das etapas necessaacuterias ao

processo de licenciamento A Resoluccedilatildeo 00186 tambeacutem do CONAMA em seu artigo

11 sect2ordm dispocircs sobre isso afirmando que o oacutergatildeo estadual competente ou o IBAMA ou

quando possiacutevel o Municiacutepio ao determinar a elaboraccedilatildeo do estudo de impacto

ambiental (EIA) e a apresentaccedilatildeo do relatoacuterio de impacto ambiental (RIMA) tambeacutem

deveraacute determinar o prazo para recebimento dos comentaacuterios dos oacutergatildeos puacuteblicos e

outros interessados bem como promover ldquo[] a realizaccedilatildeo de audiecircncia puacuteblica para

informaccedilatildeo sobre o projeto e seus impactos ambientais e discussatildeo do RIMArdquo

(BRASIL 1986) Eacute a Resoluccedilatildeo 0987 que descentraliza a competecircncia de decisatildeo

sobre a realizaccedilatildeo da audiecircncia puacuteblica o faz em seu artigo 2ordm condicionando tal

realizaccedilatildeo agrave solicitaccedilatildeo da audiecircncia por entidade civil pelo Ministeacuterio Puacuteblico ou por

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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cinquenta ou mais cidadatildeos ou ainda pela discricionariedade391

do proacuteprio oacutergatildeo

licenciador (BRASIL 1987) Aleacutem de ampliar o conjunto dos legitimados no sect2ordm do

mesmo artigo essa resoluccedilatildeo condiciona a validade do licenciamento agrave realizaccedilatildeo da

audiecircncia puacuteblica quando esta for solicitada Ademais disso a audiecircncia

necessariamente deveraacute ocorrer em local acessiacutevel aos interessados (sect4ordm) bem como

deveraacute no mesmo processo ocorrer mais de uma vez em razatildeo da complexidade do

tema e da localizaccedilatildeo geograacutefica dos solicitantes

A audiecircncia puacuteblica nos termos da Resoluccedilatildeo 091987 ldquo[] tem por finalidade expor

aos interessados o conteuacutedo do produto em anaacutelise e do seu referido RIMA dirimindo

duacutevidas e recolhendo dos presentes as criticas e sugestotildees a respeitordquo Com as devidas

concessotildees a tiacutetulo de siacutentese eacute oportuno ressaltar a seguinte afirmaccedilatildeo de Juumlrgen

Habermas (1997 p 92) ldquoa esfera puacuteblica pode ser descrita como uma rede adequada

para a comunicaccedilatildeo de conteuacutedos tomadas de posiccedilatildeo e opiniotildees nela os fluxos

comunicacionais satildeo filtrados e sintetizados a ponto de se condensarem em opiniotildees

puacuteblicas enfeixadas em temas especificosrdquo Os canais de participaccedilatildeo tais como a

audiecircncia puacuteblica como expressotildees pontuais da esfera puacuteblica canalizam determinas

opiniotildees puacuteblicas agraves instituiccedilotildees que tomam resoluccedilotildees o que alivia as pessoas da

tomada direta de decisotildees de porte estatal dotadas de alta complexidade enquanto

possibilita a participaccedilatildeo a influecircncia na consolidaccedilatildeo das opiniotildees puacuteblicas e das

decisotildees Complementarmente aponta-se o art 5ordm daquela resoluccedilatildeo que designa a ata

das audiecircncias puacuteblica seus anexos e o RIMA como bases para a anaacutelise e parecer final

do licenciador acerca da aprovaccedilatildeo ou natildeo do projeto (BRASIL 1987)

Tambeacutem o artigo 23 da CR88 incisos III e IV define como competecircncia comum da

Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios a proteccedilatildeo do meio ambiente e

o combate agrave poluiccedilatildeo em qualquer de suas manifestaccedilotildees bem como tangente agrave

temaacutetica deste trabalho a preservaccedilatildeo das florestas da fauna e da flora (BRASIL

1988) No paraacutegrafo uacutenico desse artigo define-se que a cooperaccedilatildeo entre os entes seraacute

regulada por leis complementares Assim fala-se de ldquo[] uma responsabilidade de

todos os entes para a realizaccedilatildeo das tarefas administrativas (mateacuterias) comuns devendo

os entes atuar em determinadas situaccedilotildees de forma solidaacuteria (responsabilidade

solidaria) para o cumprimento delas []rdquo (GONCcedilALVES 2019 p 1088) Nesse

sentido destaca-se a Lei Complementar 1402011 que em seu artigo 3ordm inciso I afirma

a proteccedilatildeo a defesa e a conservaccedilatildeo do meio ambiente ecologicamente equilibrado sob

a eacutegide de uma gestatildeo descentralizada democraacutetica e eficiente (BRASIL 2011) Nessa

lei complementar artigo 13 caput tambeacutem foram definidos os termos para a definiccedilatildeo

do ente federativo competente que soacute pode ser um para realizar o licenciamento

(BRASIL 2011)

Ainda paralelamente ao tema da participaccedilatildeo em mateacuteria ambiental fala-se no acesso agrave

informaccedilatildeo A Lei 10650 de 16 de abril de 2003 dispocircs sobre o acesso puacuteblico aos

dados e informaccedilotildees existentes nos oacutergatildeos e entidades que integram o Sistema Nacional

do Meio Ambiente (Sisnama) que se constitui por oacutergatildeos e entidades de todos os entes

federativos Em seu artigo 2ordm obrigou a publicizaccedilatildeo de ldquo[] documentos expedientes e

391

Deve-se ressaltar o seguinte natildeo se fala aqui de uma discricionariedade teacutecnica mas de uma

discricionariedade quanto a escuta ou natildeo dos interessados das comunidades e entes da sociedade civil

por meio das audiecircncias puacuteblicas Natildeo se entende isso como um mal evidente mas como uma brecha para

a desconsideraccedilatildeo das opiniotildees externas agrave teacutecnica quando os outros legitimados natildeo se manifestam

solicitando a audiecircncia

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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processos administrativos que tratem de mateacuteria ambiental e [] [o fornecimento] de

todas as informaccedilotildees ambientais que estejam sob sua guarda em meio escrito visual

sonoro ou eletrocircnico []rdquo (BRASIL 2003) conferindo destaque em seu sect1ordm a

liberdade de acesso por qualquer indiviacuteduo independentemente da comprovaccedilatildeo de

interesse especiacutefico (BRASIL 2003) A Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente em seu

artigo 9 inciso VII ergue como um de seus principios o ldquosistema nacional de

informaccedilotildees sobre o meio ambienterdquo (BRASIL 1981) Aleacutem disso A Lei 106502003

priorizou tambeacutem a facilidade de acesso ao puacuteblico das listagens e relaccedilotildees contendo

dados referentes agrave assuntos como pedidos de licenciamento sua renovaccedilatildeo e respectiva

concessatildeo

Em Minas Gerais o licenciamento ambiental da concepccedilatildeo implantaccedilatildeo e operaccedilatildeo das

barragens de rejeitos satildeo atribuiccedilotildees da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e

Desenvolvimento Sustentaacutevel (Semad) que tambeacutem coordena o Sistema Estadual de

Meio Ambiente do Estado de Minas Gerais (Sisema) composto pelo conselho Estadual

de Poliacutetica Ambiental (Copam) pelo Conselho Estadual de Recursos Hiacutedricos (Cerh) e

outros oacutergatildeos o Instituto Estadual de Florestas (IEF) Instituto Mineiro de Gestatildeo das

Aacuteguas (Igam) e a Fundaccedilatildeo Estadual do Meio Ambiente (Feam) todos vinculados agrave

Semad392

Este uacuteltimo oacutergatildeo foi especificamente o responsaacutevel pelo licenciamento

ambiental da Barragem do Fundatildeo (MMA 2015) Jaacute a fiscalizaccedilatildeo da seguranccedila das

barragens agrave eacutepoca do rompimento da barragem do Fundatildeo conforme o artigo 5ordm da Lei

123342010 (BRASIL 2010) era competecircncia do Departamento Nacional de Produccedilatildeo

Mineral (DNPM) extinto em 2017 pela Medida Provisoacuteria nordm 791 que criou a Agecircncia

nacional de Mineraccedilatildeo (ANM)

Agrave eacutepoca do rompimento vigia a Deliberaccedilatildeo Normativa COPAM nordm 12 de 13 de

dezembro de 1994 que dispunha sobre a convocaccedilatildeo e realizaccedilatildeo de audiecircncias

puacuteblicas Esta disposiccedilatildeo foi revogada pela Deliberaccedilatildeo Normativa COPAM nordm 225 de

25 de julho de 2018 A segunda eacute um avanccedilo em diversos aspectos sendo bom exemplo

a diferenccedila entre os criteacuterios para a convocaccedilatildeo da audiecircncia puacuteblica Na primeira

deliberaccedilatildeo normativa exigia-se somente a divulgaccedilatildeo com antecedecircncia miacutenima de 15

dias uacuteteis por meio de jornal de grande circulaccedilatildeo em Minas Gerais perioacutedico local ou

regional e do Diaacuterio Oficial do Estado de Minas Gerais (MINAS GERAIS 1994) Na

deliberaccedilatildeo de 2018 aleacutem dos jornais regionais ou locais exige-se a divulgaccedilatildeo por

meio de faixa cartaz folder ou similares em locais de grande circulaccedilatildeo a inserccedilatildeo

diaacuteria em programa de raacutedio de boa audiecircncia local ou se houver regional durante

quinze dias a informaccedilatildeo direta agraves comunidades potencialmente afetadas residentes em

locais em que os outros meios tenham pouco ou nenhum alcance e por fim a

divulgaccedilatildeo de convites em siacutetio eletrocircnico e redes sociais do empreendedor (MINAS

GERAIS 2018) Outro relevante exemplo eacute o de que apesar de ambas deliberaccedilotildees

definirem a audiecircncia puacuteblica em seu artigo 1ordm apenas a segunda afirma como um de

seus objetivos o oferecimento concreto de possibilidades de participaccedilatildeo na construccedilatildeo

das decisotildees administrativas correspondentes (MINAS GERAIS 2018)

O arcabouccedilo legal mencionado da Constituiccedilatildeo agraves resoluccedilotildees indica dois pilares sobre

os quais se erguem as audiecircncias puacuteblicas especialmente no que se refere ao

cumprimento eficaz de seu papel na tomada de decisotildees a educaccedilatildeo ambiental e o

392

Para mais informaccedilotildees sobre o licenciamento ambiental e seus procedimentos em Minas Gerais e

demais estados do Brasil ver a obra do Ministeacuterio do Meio Ambiente ldquoProcedimentos de Licenciamento

ambiental no Brasilrdquo (2016)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

235

acesso agrave informaccedilatildeo Isto eacute as audiecircncias puacuteblicas compreendidas no processo de

licenciamento ambiental aleacutem de configurarem-se evidentemente como um veiacuteculo

para a participaccedilatildeo para a escuta das diversas vozes interessadas e possivelmente

diretamente influenciadas pelo empreendimento tambeacutem abarca no escopo amplo de

sua estruturaccedilatildeo legal dois princiacutepios democraacuteticos a educaccedilatildeo e a liberdade de

informaccedilatildeo Sobre a educaccedilatildeo Mocircnica Sifuentes (2009) constroi a seguinte sintese ldquoo

homem soacute alcanccedilaraacute o pleno exerciacutecio dos seus direitos se for livre e capaz de escolher

o melhor caminho para si para os outros e para a comunidaderdquo (SIFUENTES 2009 p

58) esta mesma autora aponta a educaccedilatildeo como integrante do nuacutecleo essencial dos

direitos que conduzem agrave liberdade e cidadania Afinal se houver previamente um

alicerce de habilidades competecircncias conhecimentos acerca do meio ambiente suas

dinacircmicas funcionamentos etc por miacutenimos que sejam eacute de se esperar que as

discussotildees empreendidas nas audiecircncias sejam dotadas de maior substacircncia bem como

poder-se-ia esperar um maior contingente de participantes da sociedade civil do que se

natildeo houvessem os fundamentos educacionais sobre o meio ambiente

Deve-se destacar aqui a importacircncia do segundo princiacutepio a liberdade de informaccedilatildeo e

mais precisamente o direito de acesso agrave informaccedilatildeo cujo entendimento pode ser

construiacutedo na esfera da liberdade de ser informado sobretudo quanto ao processo de

licenciamento de empreendimentos e atividades que comumente podem configurar

impactos externalidades ambientais sociais econocircmicas etc positivas mas tambeacutem

negativas Em vista disso eacute que o Relatoacuterio de Impacto Ambiental (RIMA) ganha

relevacircncia jaacute que por ser elaborado com base no Estudo de Impacto Ambiental ndash o

principal estudo do processo de licenciamento - apresentado ao oacutergatildeo licenciador

esperar-se-ia que sintetizasse com imparcialidade e simplificasse os impactos positivos

e negativos o potencial poluidor e ainda como se defenderaacute neste trabalho os

principais riscos do empreendimento maacutexime no que se refere agraves barragens de rejeitos

em Minas Gerais Natildeo eacute o que ocorre Mas tais anaacutelises ainda seratildeo desenvolvidas com

ecircnfase ao longo deste trabalho

3 LEGITIMIDADE E LEGITIMACcedilAtildeO NO LICENCIAMENTO

AMBIENTAL

Billaud (2014) aponta que os momentos de accedilatildeo coletiva gerada pela participaccedilatildeo

possuem uma autonomia questionaacutevel seja em vista da determinaccedilatildeo das pautas

consideradas ideais para a discussatildeo seja em vista da influecircncia das deliberaccedilotildees na

formulaccedilatildeo da decisatildeo concreta Por isso deve-se destacar o perigo de que as audiecircncias

puacuteblicas se tornem meras formalidades393

norteadas pelo objetivo de forjar

393

Neste sentido e em consonacircncia com o jaacute exposto na primeira parte deste trabalho tambeacutem se

posicionam Banbirra e Ferreira (2016 p 287) ao afirmarem que ldquo() a negligecircncia em relaccedilatildeo a um

direito constitucionalmente garantido a participaccedilatildeo cidadatilde em mateacuteria ambiental garantida antes e

durante todo o processo da atividade empresarial mineradora eacute um fator que impede a mitigaccedilatildeo e ao

contraacuterio contribui para a elevaccedilatildeo do risco e prejuiacutezos a todos os interessados ndash empresaacuterios

investidores comunidade e instituiccedilotildees Ao se utilizar da audiecircncia puacuteblica e outros instrumentos de

participaccedilatildeo popular a partir de uma razatildeo estrateacutegica enxergando o procedimento como mera burocracia

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

236

aceitabilidade para o processo de licenciamento ambiental em busca de um ldquoprojeto de

pacificaccedilatildeo continuardquo (BILLAUD 2014 p 144) Com base nesse autor destaca-se

tambeacutem a dissoluccedilatildeo da separaccedilatildeo entre os princiacutepios e instrumentos democraacuteticos dos

conhecimentos cientiacuteficos sobretudo nas mateacuterias ambientais em que a concatenaccedilatildeo

de ambas esferas pela audiecircncia puacuteblica eacute necessaacuteria e cada vez maior As ciecircncias o

saber teacutecnico natildeo se desvincula completamente do poliacutetico seja pela escolha dos

meacutetodos seja pela escolha de quais informaccedilotildees destacar ou ainda de modo mais

amplo pelo fato de que a pretensatildeo de imparcialidade eacute de fato uma pretensatildeo Nesse

sentido afirma o autor ldquo[] o exercicio democratico natildeo responde somente a exigecircncia

do procedural e do dialoacutegico nem que seja porque a democracia participativa assume

muacuteltiplas formas em particular aquelas que se refiram a uma democracia teacutecnicardquo

(BILLAUD 2014 p 147)

Haacute desvios e riscos nesse modelo de democracia teacutecnica sendo um deles a possiacutevel

geraccedilatildeo de uma tecnicidade exacerbada das escolhas democraacuteticas que inviabilizaria a

ldquodemocratizaccedilatildeo das escolhas teacutecnicasrdquo (BILLAUD 2014 p 148) Em vista disso

sobreleva-se a controveacutersia sobre a discricionariedade teacutecnica afinal esperar-se-ia da

teacutecnica a precisatildeo da imparcialidade a respeito da qual natildeo haveriam escolhas a serem

tomadas mas um resultado cientiacutefico Contrariamente esperar-se-ia das esferas natildeo-

teacutecnicas a centralidade dos interesses egoiacutestas proacuteprios de determinados grupos e

entidades sejam eles os moradores de regiotildees afetadas pelos impactos socioambientais

dos empreendimentos sejam os defensores de causas de preservaccedilatildeo e conservaccedilatildeo

ambiental Do primeiro lado (teacutecnico) estaria o oacutergatildeo licenciador em suas relaccedilotildees

especializadas com o interessado em desenvolver o empreendimento ou atividade do

outro (natildeo-teacutecnico) a sociedade e suas comunidades interessadas Entretanto natildeo isso o

que ocorre Os principais instrumentos teacutecnicos no processo de licenciamento o

EIARIMA satildeo elaborados privativamente pela empresa cujo empreendimento estaacute

sendo licenciado isto eacute pelo ente cujo interesse na licenccedila ambiental do projeto eacute

geneticamente o maior Assim jaacute seria possiacutevel induzir a completa parcialidade dos

estudos e relatoacuterios Mesmo assim ainda se procederaacute no item 4 deste trabalho agrave anaacutelise

do RIMA do primeiro licenciamento da Barragem do Fundatildeo

Banbirra e Ferreira (2016) mencionam outros mecanismos legais que poderiam

viabilizar o controle das atividades mineraacuterias a saber o direito de peticcedilatildeo (art 5ordm inc

XXXIV da CR88) a accedilatildeo popular (art 5ordm inc LXXIII da CR88) regulada pela Lei

Federal nordm 471765 a accedilatildeo civil puacuteblica ambiental (art 1ordm inc I da Lei 734785) a

representaccedilatildeo ao oacutergatildeo responsaacutevel pelo licenciamento por qualquer pessoa legalmente

identificada em caso de constar infraccedilatildeo ambiental decorrente do empreendimento ou

atividade que utilizem recurso ambientais (art 17 sect1ordm da Lei Complementar

1402011) e complementarmente a possibilidade de ingresso como amicus curae em

accedilotildees judiciais Apesar da pertinecircncia desses instrumentos soacute a audiecircncia puacuteblica se

insere diretamente no processo de licenciamento do empreendimento ou atividade e

pode exercer uma funccedilatildeo preventiva em face do potencial poluidor dos riscos e dos

impactos ambientais negativos aleacutem de possibilitar o esclarecimento quanto aos

detalhes do projeto antes de sua implantaccedilatildeo concreta Aqui o representante eleito natildeo eacute

o personagem central mas o satildeo os proacuteprios cidadatildeos participantes Banbirra e Ferreira

(2016) afirmam o seguinte sobre as audiecircncias puacuteblicas

a ser superada ao inveacutes de se alcanccedilar uma verdadeira legitimidade democraacutetica haveria verdadeiro

simulacro que se pode parecer uacutetil em curto prazo gera grandes transtornos no longordquo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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ldquoA legitimidade pelo procedimento implica a aceitaccedilatildeo de que satildeo as regras

formais do procedimento que legitimam a tomada de decisatildeo Implica que

deve haver respeito agrave concatenaccedilatildeo dos atos agraves regras processuais aos ritos

para uma decisatildeo ser legiacutetima O procedimento assim garante a aceitaccedilatildeo de

uma decisatildeo final desfavoraacutevel a determinado grupo exercendo a funccedilatildeo de

imunizaccedilatildeo da decisatildeo finalrdquo (BANBIRRA FERREIRA 2016 p 295)

Marcelo A Cattoni de Oliveira (2017 p 75) afirma que o direito proporciona

legitimaccedilatildeo ao exercicio do poder ldquo[] mas ele tambeacutem garante a legitimidade se nos

como cidadatildeos nos mobilizarmos atraveacutes do exerciacutecio dos direitos poliacuteticos [] que

esse proprio direito elaborado por nos nos proporcionardquo Citado pelo mesmo Autor no

mesmo sentido Habermas (2002 apud CATTONI DE OLIVEIRA 2014 p70) elucida

a indissociabilidade entre autonomia privada ndash que se refere agrave titularidade de direitos

fundamentaishumanos - e autonomia puacuteblica ndash o proacuteprio exerciacutecio da cidadania ndash na

concretizaccedilatildeo de um processo legislativo democraacutetico Analogamente estende-se essa

necessidade de mobilizaccedilatildeo ao procedimento de licenciamento ambiental sendo aqui

destacada a importacircncia da audiecircncia puacuteblica como forma de conciliar o exerciacutecio de

uma competecircncia teacutecnica do Poder Puacuteblico com os anseios criacuteticas e sugestotildees da

populaccedilatildeo interessada O direito tem uma forccedila legitimadora quando cria instrumentos

de representaccedilatildeo eou participaccedilatildeo direta pois o sentido de uma decisatildeo legiacutetima eacute o de

que ela pocircde ser tomada por meio de um processo que garantiu a participaccedilatildeo dos

destinataacuterios na elaboraccedilatildeo e construccedilatildeo da decisatildeo Em siacutentese para que exista

legitimidade no direito eacute necessaria a ldquomobilizaccedilatildeo social e politica na articulaccedilatildeo entre

procedimento democratico e discussatildeordquo (CATTONI DE OLIVEIRA 2017 p75)

A Declaraccedilatildeo de 1948 visa submeter o Estado aos direitos natildeo os direitos ao Estado de

modo que a constitucionalizaccedilatildeo inaugura uma fase de lutas ldquoem tornordquo e natildeo ldquoporrdquo

direitos como no seacutec XIX (COSTA 2014) Haacute no ordenamento brasileiro como jaacute

visto no toacutepico 1 uma ampla concatenaccedilatildeo de dispositivos que subsidiam a mobilizaccedilatildeo

da sociedade civil nas audiecircncias puacuteblicas isto eacute a articulaccedilatildeo da sociedade civil deve

ocorrer em torno desses direitos e natildeo em busca desses direitos Eacute a concretizaccedilatildeo do

exerciacutecio de direitos jaacute positivados o que se defende neste trabalho A relevacircncia dessa

questatildeo se evidencia ainda diante do fato de que ldquo[] todo processo politico-

deliberativo eacute perpassado por essa tensatildeo permanente entre pretensatildeo de garantia de

participaccedilatildeo e garantia de participaccedilatildeo efetivardquo (CATTONI DE OLIVEIRA 2017p

74) Assim em face das discussotildees jaacute realizadas neste trabalho pode-se inferir que a

legitimidade natildeo se restringe agrave legalidade limitada ao mero cumprimento de

formalidades juriacutedicas ou ao mero procedimento da audiecircncia Eacute necessaacuterio que as

discussotildees nessas arenas realmente subsidiem a decisatildeo final sobre o empreendimento

ou atividade

Vislumbra-se um conflito no acircmbito da legitimidade da licenccedila ambiental no caso

Mariana de um lado a legitimaccedilatildeo do processo de licenciamento por intermeacutedio da

audiecircncia puacuteblica e da pretensatildeo de tecnicidade criteriosidade e imparcialidade da

decisatildeo final baseada em estudos teacutecnicos de outro sob as vistas da opiniatildeo puacuteblica a

frustraccedilatildeo dessa pretensatildeo decorrente do desastre e suas amplas consequecircncias

ecoloacutegicas econocircmicas e sociais Tal frustraccedilatildeo eacute ainda maior perante informaccedilotildees

como as do jaacute referido Departamento Nacional de Produccedilatildeo Mineral (DNPM) que em

seu Cadastro de Barragens de Mineacuterios classificava a Barragem do Fundatildeo agrave eacutepoca do

desastre na categoria de risco baixo e de alto dano potencial associado em acordo com

dados recolhidos do portal da Agecircncia Nacional de Mineraccedilatildeo (2019) Assim aleacutem dos

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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questionamentos sobre os oacutergatildeos de licenciamento cujos procedimentos satildeo percebidos

insuficientes para evitar impactos negativos bem como para a mitigar os riscos de

grandes desastres concretamente evitaacuteveis ndash como no caso Mariana ndash tambeacutem os oacutergatildeos

de monitoramento e fiscalizaccedilatildeo devido agrave pouca efetividade de suas respectivas

atuaccedilotildees satildeo devidamente passiacuteveis de contestaccedilatildeo

Galvatildeo Monteiro e Lima (2018 p 16-17) apresentam o entendimento de que a ldquoteoria

da legitimidaderdquo394

funda-se na ideia de que haacute uma espeacutecie de contrato social entre as

organizaccedilotildees e a sociedade Este contrato representaria as expectativas da sociedade

explicitas e impliacutecitas no que se refere ao modo pelo qual as organizaccedilotildees devem atuar

(GALVAtildeO MONTEIRO LIMA 2018) Com ressalvas concorda-se aqui com a

diferenciaccedilatildeo que parece ocorrer de fato entre os interesses da organizaccedilatildeo (empresa

etc) e das comunidades que constituem a sociedade afinal isso eacute perceptiacutevel no proacuteprio

caso Mariana (de um lado a SamarcoVale do outro as comunidades afetadas pelo

rompimento da barragem) Contudo discorda-se do uso da teoria do contrato social para

respaldar essa teoria da legitimidade jaacute que a primeira pressupotildee um momento anterior

ao contrato em que as partes satildeo livres e iguais como condiccedilatildeo de validade do proacuteprio

contrato Ou seja eacute evidente a disparidade de forccedilas por exemplo entre a Vale SA uma

das maiores empresas de mineraccedilatildeo do mundo e a Samarco de um lado e a comunidade

de Bento Rodrigues ou ainda do conjunto de todos os atingidos pelo rompimento da

Barragem do Fundatildeo de outro de tal modo que natildeo eacute possiacutevel encontrar um momento

anterior de paridade de forccedilas Eacute ante esta desigualdade entre as partes que o processo

de licenciamento ambiental pode exercer mais um fulcral papel o equiliacutebrio entre os

interesses do licenciado e os dos outros interessados que comporatildeo a audiecircncia puacuteblica

(representantes das comunidades afetadas indiviacuteduos interessados organizaccedilotildees natildeo

governamentais etc) Isto eacute o oacutergatildeo licenciador poderaacute ouvir e considerar as criacuteticas

sugestotildees elogios e conflitos que surjam na audiecircncia para aleacutem dos interesses

egoiacutesticos de uma empresa que fora do processo de licenciamento teria maior

capacidade de fazer prevalecer seus interesses tendo em vista a dissimetria de poder

econocircmico teacutecnico poliacutetico etc

Na esteira das discussotildees de Belchior Braga e Themudo (2017) aponta-se o surgimento

de uma sociedade de risco decorrente do amplo conjunto de incertezas e ameaccedilas

geradas pelo modelo de desenvolvimento econocircmico da modernidade de modo que a

eminecircncia de cataacutestrofes ambientais se torna paralela agrave implantaccedilatildeo dos

empreendimentos e atividades em geral que se aproveitem de recursos naturais O que

surge eacute um ambiente de incertezas e especificamente em decorrecircncia do rompimento

barragem do Fundatildeo aliado ao rompimento da barragem de Brumadinho um ambiente

extremo de incertezas acerca da eficaacutecia do Poder Puacuteblico no controle das atividades

que possam degradar o meio ambiente Nessa linha Billaud (2014 p 142) afirma que

ldquoos problemas ambientais se encaixam bem nessa configuraccedilatildeo em que a ciecircncia eacute

requisitada para ordenar causalidades complexas demais nas quais predomina a

incertezardquo

394

A legitimidade referida nessa teoria natildeo eacute a mesma agrave qual nos referimos no decorrer deste trabalho A

legitimidade referida na obra de Galvatildeo Monteiro e Lima (2018) se refere agrave legitimidade de organizaccedilotildees

e de modo geral agrave compreensatildeo da busca dessas entidades privadas como a Vale por uma reputaccedilatildeo

positiva A legitimidade agrave que se referiu ao longo do trabalho refere-se agrave uma compreensatildeo dos

procedimentos democraacuteticos etc

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Sobre a incerteza e o risco a tiacutetulo de exemplo cabe mencionar as discussotildees de

Eduardo Fortunato Bim (2018) sobre a aacuterea de influecircncia (art 5ordm III da Resoluccedilatildeo

Conama nordm186) do empreendimento Esta aacuterea eacute delimitada mediante estudos

ambientais para embasar a identificaccedilatildeo e a adoccedilatildeo de estrateacutegias de mitigaccedilatildeo dos

impactos ambientais negativos Bim (2018 p 185) afirma a importacircncia de distingui-la

da aacuterea de risco O risco eacute um dado que expressa a possibilidade de ocorrecircncia de

acidentes como no caso de vazamento de oacuteleo ou rompimento de barragem para

utilizar os mesmos exemplos do autor Em vista disso ele eacute categoacuterico ao afirmar a

inviabilidade teacutecnica cientiacutefica e econocircmica da delimitaccedilatildeo de todas as aacutereas que

poderiam ser afetadas como defluecircncia da materializaccedilatildeo de um risco de impacto

ambiental Isto eacute a teacutecnica eacute limitada e mesmo no decorrer de todo o processo de

licenciamento ambiental natildeo eacute concebiacutevel a identificaccedilatildeo a delimitaccedilatildeo de todos os

possiacuteveis danos ao meio ambiente que possam decorrer do empreendimento ou

atividade

Alexandra Aragatildeo (2008) afirma que o papel do princiacutepio da precauccedilatildeo eacute a proteccedilatildeo

das partes mais fraacutegeis dos indefesos e a responsabilizaccedilatildeo daqueles que detenham o

poder e o dever de controlar os riscos Eacute por estarmos inseridos como jaacute dito em uma

sociedade (e um tempo) de riscos que ldquo[] o principio da precauccedilatildeo contribui

determinantemente para realizar a justiccedila tanto numa perspectiva sincroacutenica como

diacroacutenica ou por outras palavras justiccedila intrageracional e intergeracionalrdquo (ARAGAtildeO

2008 p 16) Tal perspectiva vai de encontro aos apontamentos do item 1 deste trabalho

sobretudo a determinaccedilatildeo do art 225 da CR88 que abarca as ldquo[] presentes e futuras

geraccedilotildeesrdquo (BRASIL 1988) Natildeo eacute necessaria a distinccedilatildeo entre riscos de origem natural

e antroacutepica pois a diferenccedila entre ambos tende a dissolver-se aleacutem de que a precauccedilatildeo

se dirige aos riscos evitaacuteveis quaisquer que fossem suas origens e tipos (ARAGAtildeO

2008) Assim a mesma autora infere que eacute a existecircncia de riscos e de incertezas

cientiacuteficas quanto a eles os dois pressupostos fundamentais para aplicaccedilatildeo do princiacutepio

da precauccedilatildeo395

Afirma Alexandra Aragatildeo (2008) que ldquo[] o direito dos cidadatildeos a

serem protegidos contra riscos previsiacuteveis excessivos e desnecessaacuterios decorre do

direito agrave liberdade e seguranccedila consagrado internacionalmente na Declaraccedilatildeo Universal

dos Direitos do Homem (artigo 5ordm) []rdquo (ARAGAtildeO 2008 p 14 grifo nosso) Neste

sentido a referida proteccedilatildeo contra riscos tambeacutem deve ser entendida na Declaraccedilatildeo

Universal dos Direitos Humanos (1948) sobretudo em seu artigo 3ordm que consagra os

direitos agrave vida agrave liberdade e agrave seguranccedila

Espindola Nodari e Santos (2019) sobre o contexto do desastre de Mariana apontam

que este desastre e a probabilidade de outros cria um novo componente sujeito a anaacutelise

a incerteza natildeo aquela cientiacutefica mas a que se evidencia na opiniatildeo puacuteblica sobretudo

em meio aos residentes proacuteximos das barragens de rejeitos e perante outras atividades

mineraacuterias Este fator de incerteza ainda se agrava em face do mais recente rompimento

da barragem de rejeitos em Brumadinho que resultou em perdas humanas muito

maiores - mais de duzentos mortos (G1 2019) Sobre a implicaccedilatildeo dessa incerteza na

legitimidade das praacuteticas discursivas sobre o descreacutedito em face dos discursos teacutecnicos

e das accedilotildees do Poder Puacuteblico os referidos autores afirmam o seguinte

ldquoAs incertezas retiram legitimidade das praticas discursivas dos atores

privados e puacuteblicos associados agrave causa e agrave consequecircncia do desastre

395

Para uma profunda anaacutelise dos criteacuterios de definiccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo ver a obra

de Alexandra Aragatildeo ldquoPrinciacutepio da precauccedilatildeo manual de instruccedilotildeesrdquo de 2008

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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fragilizam os agentes puacuteblicos e a Fundaccedilatildeo Renova criada pelas empresas

SamarcoValeBHP Billiton para cumprir as determinaccedilotildees judiciais de

reconstruir restaurar e reparar todos os danos causados pelo rompimento da

barragem de Fundatildeo Instaura-se um conflito de narrativas acidente desastre

ou crime []rdquo (ESPINDOLA NODARI SANTOS 2019 p 148)

A empresa (SamarcoVale BHO Billinton) busca construir sua reputaccedilatildeo mediante

accedilotildees diversas ldquo[] utilizando radios jornais e canais de televisatildeo [] aleacutem de feiras

patrociacutenios visitas institucionais eventos filmes folders e brindesrdquo (PoEMAS 2015 p

40) Tambeacutem satildeo utilizadas simulaccedilotildees de audiecircncias puacuteblicas sendo que todas essas

estrateacutegias satildeo assessoradas por agecircncias especializadas (PoEMAS 2015) Mesmo que

algumas das accedilotildees busquem reparar os danos ambientais e socioeconocircmicos por meio

da paga de valores monetaacuterios eou serviccedilos aleacutem da grande dificuldade de identificar e

mensurar os reais danos e valores para sopesar o dano e a reparaccedilatildeo devida alguns dos

danos excedem o material e alcanccedilam o acircmbito existencial dos atingidos Seja pela

destruiccedilatildeo completa de um modo de vida seja pela perda de dos bens entes queridos e

siacutembolos sagrados (como era o Rio Doce para os indiacutegenas Krenak396

) ou pelo trauma

que decorre do momento desesperador alguns danos satildeo essencialmente imensuraacuteveis

em sua totalidade inclusive os ambientais justamente pela quantidade de variaacuteveis

necessaacuterias para tal mensuraccedilatildeo Contudo sobretudo em desastres como o de Mariana e

Brumadinho cabe ressaltar a necessidade de valorar esses bens com proporcionalidade

e priorizando a proteccedilatildeo do meio ambiente O argumento que busca inviabilizar

qualquer valoraccedilatildeo monetaacuteria do meio ambiente tende a inviabilizar a proacutepria reparaccedilatildeo

dos danos ambientais e dos danos sofridos pelas viacutetimas O desafio eacute a delimitaccedilatildeo dos

criteacuterios objetivos para tal valoraccedilatildeo o que natildeo eacute objeto deste trabalho397

O relatoacuterio final do Grupo Poliacutetica Economia Mineraccedilatildeo e Sociedade (PoEMAS) de

2015 apontou a busca da Vale BHO Billiton e da Samarco pela licenccedila social para

operar isto eacute pela reconstruccedilatildeo de sua reputaccedilatildeo como forma de evitar a contestaccedilatildeo de

seus empreendimentos e atividades A construccedilatildeo dessa licenccedila se refletiu em

estrateacutegias de proteccedilatildeo da empresa perante os diversos problemas que as criacuteticas

puacuteblicas poderiam lhe causar de tal modo que natildeo parecem ser preocupaccedilotildees da

empresa por exemplo a construccedilatildeo de procedimentos operacionais mais seguros de

anaacutelises profundas das estruturas de suas barragens ou a busca pela transparecircncia de

suas atividades (PoEMAS 2015 p 41) Ou seja natildeo houve qualquer espontaneidade da

empresa na realizaccedilatildeo de medidas concretas em prol da garantia dos direitos das

populaccedilotildees atingidas398

Diante disso natildeo se pretende realizar um apelo agrave humanizaccedilatildeo

das empresas mas ressaltar o caraacuteter estrateacutegico das accedilotildees da Samarco muitas vezes

contraacuterias agraves aspiraccedilotildees das viacutetimas Exemplos fulcrais dessa contrariedade satildeo na

eacutepoca dos fatos a ausecircncia de alertas sonoros em Bento Rodrigues bem como a

396

Para mais informaccedilotildees ver mateacuteria do portal online de notiacutecias G1 ldquoApoacutes a lama tribo Krenak deixou

de fazer rituais e festas no Rio Docerdquo (2016) bem como o documentario ldquoKrenak vivos na Natureza

Mortardquo (2017) do Canal Futura 397

Sobre a valoraccedilatildeo econocircmica do meio ambiente ver a obra ldquoQual o Valor do Meio Ambienterdquo (2017)

de Lyssandro Norton Siqueira 398

No mesmo sentido afirma o Grupo PoEMAS em seu relatorio final ldquoEm uma primeira analise sobre a

conduta da empresa nos momentos que se seguiram ao rompimento as medidas fundamentais e urgentes

para a garantia dos direitos humanos das comunidades impactadas soacute foram tomadas apoacutes solicitaccedilatildeo da

equipe de resgate pressatildeo popular e intercessatildeo judicial embora a empresa as divulgue como accedilotildees

assistenciais e voluntaacuterias em sua paacutegina na internet (Samarco Mineraccedilatildeo 2015b) O sistema de avisos

sonoros a estadia para os desabrigados e o fornecimento de aacutegua potaacutevel satildeo trecircs exemplos de tais

condutasrdquo (PoEMAS 2015 p 70)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

241

inexistecircncia de pessoas treinadas para auxiliar a comunidade em caso de desastres

eminentes etc

4 O RIMA DE 2005 E A CONTRADICcedilAtildeO INTERNA DO

LICENCIAMENTO AMBIENTAL

O licenciamento ambiental da barragem do fundatildeo se iniciou em 2005 com a

apresentaccedilatildeo do EIARIMA elaborado pela Consultoria Brandt Meio Ambiente e

analisado pela FEAM A Licenccedila de Operaccedilatildeo (LO) foi concedida em 2008 agrave Samarco

pelo COPAM Em 2011 a LO foi renovada sendo vaacutelida ateacute 2013 Em 2012 um novo

EIA - elaborado pela Sete Soluccedilotildees e Tecnologia Ambiental - foi apresentado para o

projeto de otimizaccedilatildeo da barragem Em 2013 mais um EIARIMA elaborado tambeacutem

por essa uacuteltima empresa foi apresentado para o projeto de alteamento e unificaccedilatildeo das

barragens do Fundatildeo e Germano Em 2014 foram emitidas a Licenccedila Preacutevia (LP) e a

Licenccedila de Instalaccedilatildeo (LI) para otimizaccedilatildeo da barragem jaacute em julho de 2015 tambeacutem a

LP e LI foram emitidas para o alteamento e unificaccedilatildeo das referidas barragens

(PoEMAS 2015) Os trecircs diferentes EIARIMA foram apresentados ao oacutergatildeo ambiental

e submetidos agraves respectivas audiecircncias puacuteblicas (PoEMAS 2015) Neste trabalho a

tiacutetulo de exemplo analisa-se apenas o primeiro RIMA o do primeiro processo de

licenciamento da Barragem do Fundatildeo Este foi o uacutenico encontrado e portanto o uacutenico

sujeitado agrave anaacutelise

Antes de tudo deve-se destacar os impactos ambientais potenciais listados no referido

RIMA a saber i) na fase de implantaccedilatildeo a intensificaccedilatildeo de processos erosivos e de

assoreamento alteraccedilotildees nas propriedades do solo alteraccedilatildeo do niacutevel de ruiacutedo

ambiental alteraccedilatildeo da qualidade do ar alteraccedilatildeo da qualidade das aacuteguas reduccedilatildeo das

formaccedilotildees florestais reduccedilatildeo da biodiversidade geraccedilatildeo de expectativas da comunidade

e geraccedilatildeo de empregos (SAMARCO 2005 p 30-32) ii) na fase de operaccedilatildeo a

desestabilizaccedilatildeo de encostas geraccedilatildeo de erosatildeo e assoreamento a alteraccedilatildeo do relevo

do uso e ocupaccedilatildeo do solo tambeacutem a alteraccedilatildeo do niacutevel de ruiacutedo ambiental aleacutem da

alteraccedilatildeo da qualidade do ar das aacuteguas a reduccedilatildeo das formaccedilotildees florestais da

biodiversidade e o aumento da geraccedilatildeo de empregos e renda regional (SAMARCO

2005 p 33-35) e por fim iii) no fechamento do empreendimento previa-se a

desestabilizaccedilatildeo de encostas geraccedilatildeo de erosatildeo e assoreamento a alteraccedilatildeo da

qualidade das aacuteguas e do ar assim como a recolonizaccedilatildeo da aacuterea pela vegetaccedilatildeo e o

aumento da biodiversidade (SAMARCO 2005 p 36-37) A avaliaccedilatildeo desses impactos

eacute realmente muito curta e simplificada no RIMA

Eacute pertinente elucidar que dentre as duas uacutenicas vezes em que o relatoacuterio utiliza o

vocabulo ldquoriscordquo uma delas eacute na avaliaccedilatildeo do impacto ldquogeraccedilatildeo de expectativas da

comunidaderdquo e dispotildee da seguinte forma ldquoA implantaccedilatildeo de uma barragem de rejeitos

pode gerar tensotildees conflitos e expectativas negativas [] Natildeo por incocircmodo de sua

implantaccedilatildeo dada as obras civis ou operaccedilatildeo em si mas pelo risco potencial que

representa em caso de acidentesrdquo (SAMARCO 2005 p 32) O outro momento se refere

as medidas operacionais de monitoramento da barragem cujo objetivo era ldquo[]

implantar os instrumentos de monitoramento e acompanhamento da estabilidade da

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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barragem de rejeitos durante a sua operaccedilatildeo garantindo assim a sua integridade e a

reduccedilatildeo do risco de ocorrecircncia de acidentesrdquo (SAMARCO 2005 p 43)

Apesar de considerar as contestaccedilotildees da comunidade perante o risco de acidentes e a

necessidade de monitorar a estabilidade da barragem as negligecircncias da

SamarcoValeBHP foram categoacutericas como expostas no toacutepico anterior

principalmente quanto agrave sinalizaccedilatildeo em Bento Rodrigues e a falta de pessoas treinadas

para auxiacutelio dos afetados aleacutem da simboacutelica incoerecircncia entre a avaliaccedilatildeo de risco do

DNPM e o rompimento da barragem por exemplos Neste trabalho natildeo se propotildee a

delimitaccedilatildeo de todos os possiacuteveis impactos ou o impedimento da atividade por qualquer

risco identificado mas sim a consideraccedilatildeo daqueles riscos graves evitaacuteveis e inerentes

ao empreendimento ou atividade como elementos determinantes para a licenccedila ou natildeo

do empreendimento A identificaccedilatildeo desses riscos natildeo deve se restringir agrave elaboraccedilatildeo de

modelos matemaacuteticos estudos de probabilidade e anaacutelises teacutecnicas apesar desses meios

serem os primordiais para a identificaccedilatildeo A audiecircncia puacuteblica no processo de

licenciamento possibilita a inserccedilatildeo de outras variaacuteveis - histoacutericas sociais econocircmicas

etc ndash por intermeacutedio da percepccedilatildeo puacuteblica da opiniatildeo puacuteblica dos diversos atores

sociais de diferentes interesses que se insere no ambiente deliberativo da audiecircncia Eacute o

que se denomina percepccedilatildeo social dos riscos

Minas Gerais jaacute possuiacutea ateacute 2015 um amplo histoacuterico de desastres divulgados pela

miacutedia a saber de acordo com o Grupo PoEMAS (2015 p 47) em 1986 um

rompimento de barragem em Itabirito resultou em sete mortes em 2001 um

rompimento em Nova Lima causou o assoreamento do Coacuterrego Taquara e cinco mortes

em 2006 um vazamento em Miraiacute de mais de um milhatildeo de msup3 de rejeitos contaminou

coacuterregos e levou agrave mortandade de biota aquaacutetica e interrupccedilatildeo de fornecimento de aacutegua

em 2007 tambeacutem em Miraiacute uma barragem se rompeu liberando mais de dois milhotildees

de msup3 de rejeitos inundando os municiacutepios de Miraiacute e Muriaeacute e o consequente

desalojamento de mais de quatro mil pessoas em 2008 em Congonhas o rompimento

da estrutura que ligava o vertedouro agrave represa da Mina Casa Pedra desalojou quarenta

famiacutelias naquele mesmo ano em Itabira mais um rompimento de barragem se inseriu

no histoacuterico e por fim em 2014 um rompimento de barragem em Itabirito causou a

morte de trecircs pessoas O mais recente grande desastre envolvendo barragens eacute o de

Brumadinho em 2019 jaacute mencionado anteriormente

Assim seria compreensiacutevel se a opiniatildeo puacuteblica se visse receosa em relaccedilatildeo aos

empreendimentos e atividades mineraacuterias sobretudo ante as barragens de rejeitos Em

vista disso caso tais opiniotildees se manifestassem dentro dos procedimentos legais da

audiecircncia puacuteblica defende-se que estas sejam priorizadas nas anaacutelises posteriores do

oacutergatildeo licenciador ao longo do procedimento Afinal se a teacutecnica ateacute hoje natildeo conseguiu

evitar um nuacutemero consideraacutevel de grandes desastres a opiniatildeo puacuteblica poderia indicar

um caminho de precauccedilatildeo ao afirmar suas percepccedilotildees com base nos supracitados fatos

histoacutericos por exemplo Natildeo se deve arriscar que a mesma concatenaccedilatildeo de erros e

negligecircncias resulte em desastres semelhantes aos jaacute mencionados tal eacute a importacircncia

de um novo peso maior para as discussotildees na audiecircncia puacuteblica

De fato haacute uma contradiccedilatildeo interna no processo de licenciamento ambiental a teacutecnica

que deveria ser dotada de imparcialidade deteacutem como principal subsiacutedio um relatoacuterio

elaborado por empresas privadas a pedido do maior interessado na aprovaccedilatildeo do

projeto o empreendedor Em face disso seria bem plausiacutevel o questionamento do

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

243

criteacuterio da efetividade e da eficaacutecia dos processos do licenciamento ambiental natildeo

apenas pela academia mas precipuamente pelas populaccedilotildees comunidades afetadas

diretamente ou natildeo pelos desastres

Aqui cabe apresentar a contundente criacutetica do Grupo PoEMAS (2015) ao processo de

licenciamento ambiental O grupo afirma a possibilidade de definiccedilatildeo desse processo

como uma mera etapa burocraacutetica que objetiva a garantia de licenccedilas previstas no

ordenamento por parte do empreendedor de tal modo que as instacircncias responsaacuteveis por

licenciar nem sequer considerariam a possibilidade de natildeo aprovaccedilatildeo dos projetos

(PoEMAS 2015) Ainda para o grupo o desastre de Mariana evidencia a

ldquo[] a incapacidade de previsatildeo dos impactos de grande magnitude as

anaacutelises superficiais e inadequadas desenvolvidas pelos teacutecnicos responsaacuteveis

pela elaboraccedilatildeo dos estudos ou ateacute mesmo algum tipo de maacute feacute que

subestima os efeitos negativos e superestima os pontos positivos de um

grande empreendimento sobre as sociedades o espaccedilo e o meio ambiente

atingido e que natildeo informa seus impactos potenciais Natildeo se pode

desconsiderar de maneira alguma que estes estudos satildeo posteriormente

avaliados e referendados por toda uma burocracia puacuteblica []rdquo (PoEMAS

2015 p 50 grifo nosso)

Natildeo se concorda em totalidade com a criacutetica que aponta a inexistecircncia sequer de uma

possibilidade de natildeo aprovaccedilatildeo dos projetos no processo de licenciamento - por falta de

fatos concretos para provar uma afirmaccedilatildeo de acircmbito tatildeo geral - entretanto concorda-se

com as demais proposiccedilotildees do trecho supracitado O RIMA da primeira fase do

licenciamento da Barragem do Fundatildeo eacute um claro exemplo superestima os impactos

positivos e menospreza impactos negativos como meros inconvenientes facilmente

resolviacuteveis por medidas de mitigaccedilatildeo o relatoacuterio eacute superficial em diversos aspectos e

natildeo disserta sobre os riscos do empreendimento

Por exemplo veja-se o seguinte trecho do RIMA de 2005 que introduz o topico ldquoo

Maciccedilo e a estabilidade fisicardquo da parte de descriccedilatildeo do projeto ldquoO projeto da barragem

foi concebido com elevado niacutevel de engenharia e todos os estudos de estabilidade do

maciccedilo final foram conduzidos garantindo um coeficiente de seguranccedila maior que os

adotados em normas internacionaisrdquo (SAMARCO 2005 p 10) Aleacutem de um carater

evidentemente apologeacutetico em nenhum momento esses coeficientes satildeo apontados no

relatoacuterio e nenhuma dessas normas internacionais satildeo mencionadas para fins de

comparaccedilatildeo Os autores do RIMA parecem esperar a mera aceitaccedilatildeo acriacutetica por parte

dos legentes em diversas outras partes do relatoacuterio Em respeito ao direito de a

populaccedilatildeo ser devidamente informada pelo RIMA deve-se repudiar tal modelo de

concepccedilatildeo do RIMA e do EIA

5 CONCLUSOtildeES SOBRE COMPETEcircNCIAS CRITEacuteRIOS DE ANAacuteLISE E

PARTICIPACcedilAtildeO NAS AUDIEcircNCIAS PUacuteBLICAS

Neste trabalho as bases legais da audiecircncia puacuteblica foram apontadas e os princiacutepios que

devem norteaacute-la identificados O papel da audiecircncia puacuteblica como recurso de

legitimaccedilatildeo e garantia da legitimidade foi discutido tal como a problemaacutetica dos riscos

e incertezas que surgem no contexto do rompimento das barragens em Minas Gerais

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

244

Por fim foi apontado o caraacutecter potencialmente apologeacutetico do RIMA e do EIA em

benefiacutecio do empreendedor e em desfavor do devido conhecimento dos impactos

relacionados ao empreendimento pelos afetados e interessados Em vista da inexistecircncia

de uma imparcialidade teacutecnica substancial e certa a incerteza das comunidades deve ser

um fator a ser considerado A percepccedilatildeo social dos riscos natildeo pode ser olvidada

sobretudo quando as teacutecnicas jaacute deram sinais de imprecisatildeo e falha As audiecircncias

puacuteblicas satildeo o canal para que essas incertezas sejam levadas ao oacutergatildeo licenciador

Haacute duas preciacutepuas possibilidades ou 1) a competecircncia para a emissatildeo dos Estudos de

Impacto Ambiental (EIA) e Relatoacuterios de Impacto Ambiental (RIMA) deve ser

realocada para o proacuteprio oacutergatildeo licenciador ndash o que acredita-se geraria altos custos - ou

para um terceiro natildeo interessado devido agrave evidente parcialidade do empreendedor que

busca o licenciamento do empreendimento ou atividade ou 2) os procedimentos de

anaacutelise desses documentos pelo oacutergatildeo licenciador deveratildeo ser profundamente

reformados De qualquer modo natildeo se deve aceitar em documentos teacutecnicos

construccedilotildees parciais evidentes que atuem em malefiacutecio da isenccedilatildeo do oacutergatildeo licenciador

e principalmente prejudicando a devida informaccedilatildeo aos interessados das comunidades

que utilizaratildeo esses documentos para subsidiar suas deliberaccedilotildees na audiecircncia puacuteblica

Como natildeo eacute o oacutergatildeo licenciador que elabora seus proacuteprios estudos eacute imprescindiacutevel que

se estabeleccedilam criteacuterios para auferir um miacutenimo de imparcialidade que viabilize por

sua vez um RIMA que de fato cumpra sua funccedilatildeo informativa de subsiacutedio agraves

deliberaccedilotildees

Deve ser criteacuterio de pertinecircncia dos EIA e RIMA a abordagem profunda dos riscos

graves evitaacuteveis e inerentes ao empreendimento ou atividade a proposiccedilatildeo detalhada

das estrateacutegias que seratildeo empregadas para evitar tais riscos e para enfrentar eventuais

acidentes que materializem tais riscos bem como o texto dos estudos deveraacute ser

analisado sob a baliza da proporcionalidade entre os apontamentos que possam ser

interpretados favoraacutevel ou contrariamente ao empreendimento a proporcionalidade na

forma de abordar os impactos positivos e negativos por exemplo No RIMA eacute preciso

especial imparcialidade tendo em vista o cumprimento maacutexime de um dos princiacutepios

que lhe satildeo basilares o direito agrave informaccedilatildeo de ser devidamente informado

Natildeo se tergiversa aqui das dificuldades inerentes ao procedimento de licenciamento

ambiental (identificaccedilatildeo e anaacutelise dos impactos socioeconocircmicos e ambientais

delimitaccedilatildeo das aacutereas de influecircncia e de risco das tecnologias de mitigaccedilatildeo dos

impactos dos riscos relevantes e a estrateacutegias para os males decorrentes da atividade ou

empreendimento etc) nem das dificuldades que apesar de evitaacuteveis permeiam os

processos tais como a baixa qualidade dos EIA a rotatividade dos funcionaacuterios

teacutecnicosanalistas e a concomitante necessidade de treinamento dos novos funcionaacuterios

fatores que prejudicam a continuidade das anaacutelises e a qualidade dessas anaacutelises em

consonacircncia com o apontado pelo MMA (2016 p 265) Uma reforma deve ocorrer

principalmente diante dessas uacuteltimas dificuldades evitaacuteveis

A audiecircncia puacuteblica se configura como um dos principais instrumentos para correccedilatildeo e

aperfeiccediloamento dos criteacuterios teacutecnicos dos EIARIMA levando em consideraccedilatildeo os

diversos polos da opiniatildeo puacuteblica principalmente no que se refere aos criteacuterios

histoacutericos agrave memoacuteria dos entes da sociedade civil do indiviacuteduo cidadatildeo da

organizaccedilatildeo natildeo governamental etc Tais criteacuterios histoacutericos referem-se agrave memoacuteria agrave

um acircmbito da racionalidade que ultrapassa a mera teacutecnica Isto eacute por mais que os

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

245

resultados do EIARIMA elaborado a pedido do empreendedor sejam favoraacuteveis a uma

barragem de rejeitos por exemplo a histoacuteria recente a memoacuteria indica ressalvas ante

tal empreendimento A racionalidade das comunidades expressa na percepccedilatildeo social dos

riscos pode construir uma gama de criteacuterios natildeo-teacutecnicos mas ainda sim dotados de

racionalidade e que tambeacutem se sujeita a refutaccedilatildeo ao se inserirem nas audiecircncias

puacuteblicas O objetivo eacute a influecircncia nos processos que levam agrave decisatildeo final sobre o

licenciamento

Em vista disso ainda no exemplo das barragens de rejeitos por mais que o estado atual

das ciecircncias disponibilize uma quantidade satisfatoacuteria de estudos que possam assegurar

o cumprimento dos criteacuterios teacutecnicos para uma barragem segura a opiniatildeo puacuteblica

poderaacute possuir receios decorrentes de certas percepccedilotildees das esferas ambientais sociais

econocircmicas e tambeacutem histoacutericas que circundam o empreendimento aleacutem do histoacuterico

de falhas rompimentos e outros acidentes de modelosprojetos semelhantes que tambeacutem

poderatildeo suscitar uma posiccedilatildeo desfavoraacutevel ao empreendimento Sobretudo a busca por

alternativas tecnoloacutegicas se mostra fundamental diante desses cenaacuterios

A audiecircncia puacuteblica natildeo deve vincular a decisatildeo final mas deve ser uma das principais

variaacuteveis a influenciar a formulaccedilatildeo da decisatildeo final no licenciamento ambiental Pois

tal como o princiacutepio da precauccedilatildeo visa o estiacutemulo do desenvolvimento cientiacutefico para

sanar uma incerteza cientiacutefica a canalizaccedilatildeo dos discursos puacuteblicos pelas audiecircncias

pode estimular a busca por alternativas mesmo que alguma certeza cientiacutefica jaacute exista

Desta forma a racionalidade das comunidades e seus integrantes se insere de fato em

meio agrave teacutecnica do licenciamento ambiental corrigindo e aperfeiccediloando

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Sistema Nacional de Informaccedilotildees sobre Seguranccedila de Barragens e altera a redaccedilatildeo do

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249

O CARAacuteTER PUNITIVO DA INDENIZACcedilAtildeO POR DANO

EXTRAPATRIMONIAL AMBIENTAL

ERIKA BECHARA

_________________ SUMAacuteRIO ________________

1 Introduccedilatildeo 2 A funccedilatildeo da triacuteplice

responsabilidade ambiental 3 Responsabilidade civil

por dano ambiental patrimonial e extrapatrimonial

31 Efeitos patrimoniais e extrapatrimoniais do dano

ambiental 4 Reparaccedilatildeo do dano ambiental 5

Valoraccedilatildeo do dano ambiental 51 Indenizaccedilatildeo

punitiva (punitive damages) e caraacuteter punitivo da

indenizaccedilatildeo 511 Incidecircncia dos criteacuterios punitivos-

dissuasoacuterios na fixaccedilatildeo da indenizaccedilatildeo do dano

extrapatrimonial 512 A vedaccedilatildeo do

enriquecimento sem causa da viacutetima 52

Indenizaccedilatildeo dos danos ambientais extrapatrimoniais

com caraacuteter punitivo 521 A reprovabilidade da

conduta do poluidor e a indenizaccedilatildeo com caraacuteter

punitivo 522 A capacidade econocircmica do poluidor

6 Conclusatildeo

1 INTRODUCcedilAtildeO

Diante de danos ou da ameaccedila de danos ambientais haacute que se adotar medidas cautelares

para estancar a atividade ameaccediladora e se promover a responsabilizaccedilatildeo civil penal e

administrativa do poluidor (ou potencial poluidor) com muacuteltiplos objetivos prevenir

danos iminentes cessar danos em evoluccedilatildeo impedir agravamento de danos reparar

danos causados punir o infrator e com a puniccedilatildeo conscientizaacute-lo e desestimular

condutas semelhantes seja por parte do infrator seja por parte de terceiros

Em sede de responsabilidade civil dos objetivos acima mencionados apenas a

reparaccedilatildeo de danos estaacute em seu alcance direto Os outros podem ser alcanccedilados

indiretamente como consequecircncia da responsabilizaccedilatildeo civil mas a finalidade de se

responsabilizar civilmente algueacutem eacute de forma imediata socorrer ou restaurar a situaccedilatildeo

da viacutetima (no caso do dano ambiental a coletividade) ou seja reparar o dano

Mestre e Doutora em Direito Ambiental pela PUCSP Professora de Direito Ambiental da PUCSP e da

Saraiva Aprova Coordenadora-assistente do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Ambiental da

COGEAE-PUCSP Diretora da Associaccedilatildeo dos Professores de Direito Ambiental - APRODAB

Advogada Soacutecia de Szazi Bechara Storto Reicher e Figueiredo Lopes Advogados

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

250

Contudo tem-se buscado adicionar um novo propoacutesito agrave responsabilidade civil aleacutem da

elementar reintegraccedilatildeo da viacutetima agrave situaccedilatildeo anterior ao dano proporcionar a puniccedilatildeo do

causador do dano pela teoria dos ldquodanos punitivosrdquo (punitive damages ou exemplar

damages) com o fito de dissuadi-lo a reincidir na conduta lesiva e ao mesmo tempo

dissuadir terceiros a praticar condutas assemelhadas

O tema eacute polecircmico justamente porque traz para o campo da responsabilidade civil

funccedilotildees tiacutepicas da responsabilidade penal e administrativa ndash a retribuiccedilatildeopuniccedilatildeo ndash o

que para uns desvirtua o instituto jaacute que natildeo haacute previsatildeo legal para a ampliaccedilatildeo do

escopo da responsabilidade civil e para outros enobrece o instituto por lhe dar mais

eficiecircncia e alcance

2 A FUNCcedilAtildeO DA TRIacutePLICE RESPONSABILIDADE AMBIENTAL

A Constituiccedilatildeo Federal adota a triacuteplice responsabilidade ambiental ao estabelecer no

art 225 sect3ordm que ldquoas condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente

sujeitaratildeo os infratores pessoas fiacutesicas ou juriacutedicas a sanccedilotildees penais e administrativas

independentemente da obrigaccedilatildeo de reparar os danos causadosrdquo

Eacute dizer que pessoas fiacutesicas e juriacutedicas de direito puacuteblico ou privado podem conforme

o caso ser responsabilizadas penal administrativa e civilmente de forma cumulativa

sem ocorrecircncia de bis in idem Se uma conduta ou atividade se subsumir a um tipo penal

e ao mesmo tempo a um tipo administrativo ela ficaraacute passiacutevel de sofrer sanccedilatildeo

criminal e sanccedilatildeo administrativa E se aleacutem disso dela decorrer um dano ao meio

ambiente ficaraacute sujeita a promover a integral reparaccedilatildeo

A sanccedilatildeo penal e a sanccedilatildeo administrativa tecircm em comum o caraacuteter retributivo por

imporem uma medida aflitiva a quem adota um comportamento iliacutecito vedado pelo

ordenamento juriacutedico Que se diga que natildeo se trata de medida com o propoacutesito de

meramente punir pois conforme Rafael Munhoz de Mello ldquoa finalidade da sanccedilatildeo

retributiva penal ou administrativa eacute preventiva pune-se para prevenir a ocorrecircncia de

novas infraccedilotildees desestimulando a praacutetica de comportamentos tipificados como

ilicitosrdquo399

Na mesma toada Celso Antonio Bandeira de Mello sustenta que o Direito tem

finalidade uacutenica a disciplina da vida social e sua conveniente organizaccedilatildeo para o bom

conviacutevio de todos natildeo havendo espaccedilo para simples represaacutelias e castigos do que se

extrai entatildeo que a aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo administrativa (e da mesma forma a penal400

)

tem a pretensatildeo tanto de ldquodespertar em quem a sofreu um estimulo para que natildeo

reincida quanto cumprir uma funccedilatildeo exemplar para a sociedaderdquo401

Se a existecircncia da

sanccedilatildeo pode demover potenciais infratores de cometer os iliacutecitos porque temerosos das

suas consequecircncias a falta de sanccedilatildeo pode em sentido inverso constituir verdadeiro

399

O regime juriacutedico das sanccedilotildees administrativas p 151 400

O autor diz natildeo haver ldquoqualquer distinccedilatildeo substancial entre infraccedilotildees e sanccedilotildees administrativas e

infraccedilotildees e sanccedilotildees penais O que as aparta eacute uacutenica e exclusivamente a autoridade competente para impor

a sanccedilatildeordquo (Curso de Direito Administrativo p 876) - no primeiro caso competente eacute a autoridade

administrativa no segundo o juiz de direito 401

Opcit p 878

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

251

estiacutemulo agraves praacuteticas lesivas ou potencialmente lesivas que geraratildeo benefiacutecios ao ofensor

em detrimento da viacutetima sem qualquer resultado aflitivo para aquele

Diferentemente da responsabilizaccedilatildeo penal e administrativa que tecircm um forte caraacuteter

retributivo e preventivo a responsabilidade civil tem um caraacuteter eminentemente

reparatoacuterio sendo ela definida como o instituto juriacutedico destinado a impor ao causador

de um dano o dever de reparaacute-lo Nas palavras de Joseacute de Aguiar Dias ldquoo interesse em

restabelecer o equiliacutebrio econocircmico-juriacutedico alterado pelo dano eacute a causa geradora da

responsabilidade civilrdquo402

Logo a preocupaccedilatildeo preciacutepua da responsabilidade civil natildeo eacute

com a conduta do infrator mas com o prejuiacutezo da viacutetima Por isso o propoacutesito primeiro

da responsabilidade civil natildeo eacute impor uma medida aflitiva ao causador do dano mas sim

amenizar a perda da viacutetima propiciando tanto quanto possiacutevel o retorno ao statuo quo

ante

Apesar disso natildeo podemos deixar de mencionar e de endossar as crescentes e potentes

vozes que defendem uma segunda e natildeo menos importante finalidade da

responsabilidade civil quando o instituto estaacute a serviccedilo da reparaccedilatildeo de danos morais

ou extrapatrimoniais a dissuasoria alcanccedilada por meio da ldquopuniccedilatildeordquo pela qual o

ofensor seraacute condenado ao pagamento de indenizaccedilatildeo cujo valor extrapola o proacuteprio

dano para que ele e todos os demais compreendam quatildeo onerosas podem ser as

consequecircncias para comportamentos lesivos do mesmo jaez e assim busquem moldar

suas atitudes e atividades de forma diversa para natildeo sofrerem as mesmas sequelas

Portanto em sede de reparaccedilatildeo de danos extrapatrimoniais emerge uma segunda faceta

da responsabilidade civil que eacute a punitiva-preventiva (ou punitiva-pedagoacutegica ou

punitiva-dissuasoacuteria) obtida pela inclusatildeo no valor da reparaccedilatildeo de componentes

associados agrave conduta do ofensor a sua capacidade econocircmica e aos benefiacutecios por ele

obtidos com a atividade lesiva403

Seacutergio Severo eacute um dos doutrinadores que entendem perfeitamente possiacutevel que o

elemento punitivo esteja presente na responsabilizaccedilatildeo civil por danos

extrapatrimoniais com fins preventivos E justifica que eacute a proacutepria caracteriacutestica dos

danos extrapatrimoniais que favorece a teria da dupla natureza da sua satisfaccedilatildeo -

reparatoacuteria e dissuasoacuteria

ldquoOu seja por tratar-se de interesses sem conteuacutedo econocircmico tais danos

devem ser aferidos de uma forma aproximada atraveacutes do maior nuacutemero de

criteacuterios que auxiliem na busca do quantum satisfatoacuterio portanto o senso

preventivo acaba penetrando em maior ou menor escala no estabelecimento

deste montanterdquo404

Sem destoar Clayton Reis tambeacutem defende o caraacuteter punitivo da indenizaccedilatildeo por dano

extrapatrimonial justificando seu posicionamento no fato de que a responsabilidade

civil deve contribuir para eliminar a induacutestria da irresponsabilidade em que as empresas

se sentem estimuladas a violar direitos ao analisarem o custo-benefiacutecio da conduta e

verificarem que o lucro resultante da ilicitude seraacute superior a eventuais indenizaccedilotildees

402

Da responsabilidade civil p 43 403

Essa faceta punitiva-preventiva poderia muito bem se fazer presente igualmente na reparaccedilatildeo por

danos patrimoniais Contudo como mencionaremos neste artigo no Brasil isso natildeo eacute possiacutevel por conta

de limitaccedilatildeo normativa (art 944 Coacutedigo Civil) relacionada agrave apuraccedilatildeo da indenizaccedilatildeo patrimonial 404

Os danos extrapatrimoniais p 190

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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ldquoAs empresas entendem que eacute mais facil e menos custoso para elas arcarem

com eventuais indenizaccedilotildees do que investir em atualizaccedilatildeo e melhoria do seu

sistema cursos de aperfeiccediloamento dos seus funcionaacuterios ou manutenccedilatildeo de

suas estruturas fisicasrdquo405

Ainda que esse caraacuteter duplo exista continuamos firmes na crenccedila de que o objetivo

maior da responsabilidade civil eacute a reparaccedilatildeo do dano406

ndash tanto eacute verdade que natildeo se

veraacute a condenaccedilatildeo isolada do causador de um dano a uma sanccedilatildeo civil desassociada da

reparaccedilatildeo da viacutetima (pelo menos natildeo no Brasil que como veremos adiante natildeo adota a

teoria da punitive damages na sua forma genuiacutena de sanccedilatildeo civil apartada da

indenizaccedilatildeo)407

Ou seja a puniccedilatildeo dependeraacute da reparaccedilatildeo para existir logo eacute funccedilatildeo

acessoacuteria natildeo principal408

Com relaccedilatildeo ao aspecto subjetivo ou objetivo da responsabilidade a sanccedilatildeo penal e a

sanccedilatildeo administrativa tambeacutem tecircm em comum o fato de incidirem apenas sobre atos

dolosos ou culposos o que nos autoriza concluir que tanto a responsabilidade penal

como a administrativa inclusive na aacuterea ambiental tecircm natureza subjetiva E isso se

deve ao fato de que forccedila preventiva do tipo penal ou administrativo obtida a partir da

puniccedilatildeo soacute opera de forma eficaz sobre quem age ou pode agir de forma deliberada natildeo

surtindo nenhum efeito sobre quem natildeo tem condiccedilotildees de decidir agir de forma

diversa409

405

Dano moral p 160 406

Preferimos falar em caraacuteter dissuasoacuterio ao inveacutes de punitivo porque a puniccedilatildeo natildeo eacute o objetivo maior eacute

sim o meio pelo qual se desestimula a conduta Nesse diapasatildeo Seacutergio Severo professa que o ldquocarater

punitivo da satisfaccedilatildeo natildeo eacute o elemento definidor do tratamento dos danos extrapatrimoniaisrdquo tratando-se

ele na verdade de ldquoum elemento importante na prevenccedilatildeo de comportamentos anti-sociaisrdquo (Obcit p

184) 407

Nesse aspecto estamos em sintonia com Flaacutevio Tartuce que tambeacutem enxerga que a indenizaccedilatildeo por

dano moral tem um caraacuteter principal reparatoacuterio e um caraacuteter pedagoacutegico ou disciplinador acessoacuterio

sendo que ldquoo carater acessorio somente existira se estiver acompanhado do principal natildeo podendo

subsistir por si sordquo (Responsabilidade civil p 466) 408

Em sentido contraacuterio Nelson Rosenvald notoacuterio defensor da aplicaccedilatildeo da pena civil a quem causar

danos a outrem defende que eacute absolutamente possiacutevel que seja ajuizada demanda ldquoque persiga sanccedilatildeo

punitiva sem que nada se pretenda a titulo de satisfaccedilatildeo pelo dano extrapatrimonialrdquo E reforccedila seu

entendimento com o exemplo de uma incorporadora imobiliaacuteria que reiteradamente entrega unidades

habitacionais com atraso ou viacutecios do produto cuja gravidade natildeo chega provocar danos morais ao

consumidor mas indica um reprovavel comportamento da construtora ldquo[] mesmo natildeo evidenciado

violaccedilatildeo a situaccedilotildees juriacutedicas existenciais do autor da demanda houve imediatamente uma conduta

deliberadamente direcionada a lesar um interesse legiacutetimo da viacutetima que impacta imediatamente em um

grupo de consumidores O sistema juriacutedico natildeo pode manter-se alheio a esta conduta afinal haacute o

interesse da sociedade em conter comportamentos reprovaacuteveis sobretudo quando evidenciado o descaso

do ofensor perante a sorte daqueles a quem atraiu com a legiacutetima expectativa de confianccedila quanto agrave

qualidade e a seguranccedila de seus produtosrdquo (As funccedilotildees da responsabilidade civil a reparaccedilatildeo e a pena

civil p 240-241) 409

Rafael Munhoz de Mello explica em detalhes que ldquoA sanccedilatildeo administrativa retributiva so cumpre sua

finalidade preventiva se aplicada a quem age de modo doloso ou culposo Eacute dizer se aplicada a quem

pratica de modo consciente e voluntaacuterio a conduta tiacutepica (dolo) ou a quem pratica voluntariamente um

comportamento liacutecito mas age com negligecircncia imperiacutecia ou imprudecircncia causando resultado tipificado

como infraccedilatildeo administrativa (culpa stricto sensu)

Ocorre que a finalidade preventiva soacute eacute atingida se do sujeito que sofre os efeitos da sanccedilatildeo fosse possiacutevel

exigir conduta distinta da que foi praticada evitando assim o resultado tiacutepico alcanccedilado Agindo com

dolo o indiviacuteduo decide conscientemente praticar a conduta tiacutepica Se escolhe agir dessa forma pode

tambeacutem escolher agir de outra servindo a sanccedilatildeo como estiacutemulo agrave escolha que trilhe os caminhos da

legalidade No caso da conduta meramente culposa em que o sujeito age com negligecircncia imperiacutecia ou

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Jaacute a responsabilidade civil eacute objetiva portanto independe da comprovaccedilatildeo da culpa ou

dolo do agente conforme art 14 sect1ordm da Lei 69381981 (Poliacutetica Nacional do Meio

Ambiente)410

Para condenar o causador do dano a reparaacute-lo eacute suficiente demonstrar que

a atividade por ele desenvolvida gerou ou contribuiu para a geraccedilatildeo do dano

A responsabilidade penal e a responsabilidade administrativa podem ser observadas

tanto em situaccedilotildees de ameaccedila de dano como diante de danos efetivos ndash isso porque haacute

tipos penais e administrativos que vedam e reputam iliacutecitas condutas que meramente

coloquem em risco a qualidade ambiental (crimes ou infraccedilotildees de perigo) sem qualquer

necessidade de dano concreto e haacute tipos que exigem uma lesatildeo concreta para sua

consumaccedilatildeo (crimes e infraccedilotildees de dano)

De forma diversa a responsabilidade civil soacute pode ser invocada em caso de dano

efetivo natildeo em caso de simples ameaccedila de dano411

Natildeo se trata de instituto

vocacionado a impedir danos mas somente reparar danos natildeo evitados412

- apesar disso

eacute sabido que a efetiva responsabilizaccedilatildeo civil de uma pessoa ainda mais se a

indenizaccedilatildeo for majorada com base em criteacuterios punitivos-pedagoacutegicos acaba pelo

exemplo desestimulando o desenvolvimento de atividade lesiva semelhante por outra

temerosa de sofrer as mesmas consequecircncias413

Mas em nosso sentir natildeo eacute o bastante

imprudecircncia tambeacutem pode ser adotado modo de agir diverso diligente e prudente evitando-se assim a

configuraccedilatildeo do comportamento proibido A sanccedilatildeo administrativa aplicada ao sujeito que age com dolo

ou culpa serve como estiacutemulo agrave mudanccedila se praticou deliberadamente a conduta tiacutepica a sanccedilatildeo o

estimula a natildeo reincidir se a praticou por negligecircncia imperiacutecia ou imprudecircncia a sanccedilatildeo o incentiva a

ser mais diligente e cuidadoso no seu agir Previne-se de tal maneira a praacutetica de novas infraccedilotildees

administrativas

A situaccedilatildeo eacute diferente se natildeo haacute dolo ou culpa na accedilatildeo do indiviacuteduo Ele natildeo pratica a conduta tiacutepica de

modo voluntaacuterio e consciente (dolo) Tampouco deixa de observar o dever de diligecircncia que a todos eacute

atribuiacutedo numa sociedade (culpa stricto sensu) Seu agir voluntaacuterio e consciente eacute voltado agrave praacutetica de

conduta liacutecita e ele age com diligecircncia em tal intento Sendo assim o comportamento exigido pelo

ordenamento juriacutedico eacute atendido o particular natildeo pratica de modo voluntaacuterio e consciente a conduta

tiacutepica e natildeo age com negligecircncia imperiacutecia ou imprudecircncia

Mas natildeo obstante a correccedilatildeo do seu agir o resultado de sua accedilatildeo eacute evento tipificado como infraccedilatildeo

administrativa Pergunta-se que funccedilatildeo preventiva exerce a sanccedilatildeo administrativa em casos tais

Estimular o sujeito a natildeo mais agir de modo diligente

Se natildeo haacute dolo ou culpa a aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo administrativa retributiva natildeo previne a ocorrecircncia futura

de comportamentos tipificados como infraccedilotildees administrativas O indiviacuteduo que sem culpa praticou o

comportamento tiacutepico natildeo

mudaraacute seu modo de agir em face da imposiccedilatildeo da sanccedilatildeo E nem eacute possiacutevel exigir a mudanccedila pois nada

de ilegal havia em sua conduta ele natildeo desejou a conduta tiacutepica e tampouco agiu com negligecircncia

imperiacutecia ou imprudecircncia De consequumlecircncia natildeo haacute razatildeo que justifique a imposiccedilatildeo de uma medida

sancionadora cujo proposito eacute estimular a mudanccedila de comportamento do infrator (prevenccedilatildeo especial)rdquo

(Obcit p 161-162) 410

Art 14 sect1ordm Lei 69381981 ldquoSem obstar a aplicaccedilatildeo das penalidades previstas neste artigo eacute o

poluidor obrigado independentemente da existecircncia de culpa a indenizar ou reparar os danos causados

ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividaderdquo 411

Joseacute de Aguiar Dias acentua que eacute verdadeiro truiacutesmo alegar que o dano eacute elemento necessaacuterio agrave

configuraccedilatildeo da responsabilidade civil ldquoporque resultando a responsabilidade civil em obrigaccedilatildeo de

ressarcir logicamente natildeo pode concretizar-se onde nada ha que repararrdquo (Opcit p 819) 412

Haacute doutrinadores que defendem a responsabilidade civil preventiva que atua antes da ocorrecircncia do

dano com o propoacutesito de evitaacute-lo (CARRAacute Bruno Leonardo Cacircmara Responsabilidade civil sem dano

Satildeo Paulo Atlas 2015 CARVALHO Deacutelton Winter de Dano ambiental futuro 2ed Porto Alegre

Livraria do Advogado 2013) 413

Baseados na liccedilatildeo de Sendim Joseacute Rubens Morato Leite e Patrick de Arauacutejo Ayala apontam a vocaccedilatildeo

preventiva do sistema da responsabilidade civil ao deixar o poluidor ciente de que seraacute responsabilizado

economicamente pelos danos ambientais e assim motivaacute-lo a atuar ex ante da degradaccedilatildeo ambiental

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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para afirmar que o escopo maior da responsabilidade civil eacute a prevenccedilatildeo conforme jaacute

destacado anteriormente

Naturalmente que inuacutemeras medidas preventivas podem e devem ser adotadas em face

do potencial degradador de uma obra ou atividade tais como a concessatildeo de liminar

impedindo a implantaccedilatildeo de um empreendimento que represente ameaccedila de grave dano

ambiental ou uma decisatildeo judicial definitiva que condene o reacuteu a obrigaccedilatildeo de natildeo fazer

consistente em natildeo desmatar aacuterea de preservaccedilatildeo permanente Mas seu fundamento nos

dois exemplos eacute o princiacutepio da prevenccedilatildeo ou da precauccedilatildeo conforme o caso e natildeo a

responsabilidade civil

3 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL PATRIMONIAL E

EXTRAPATRIMONIAL

O dano eacute o elemento essencial da responsabilidade civil dado que a responsabilidade

civil tem por finalidade preciacutepua a reparaccedilatildeo do dano Logo natildeo havendo dano a ser

reparado natildeo haacute lugar para a responsabilizaccedilatildeo civil do agente

Como acentuado por Seacutergio Cavalieri Filho pode haver responsabilidade civil sem

culpa mas natildeo pode haver responsabilidade civil sem dano ldquoNatildeo basta o risco natildeo

basta a conduta iliacutecita Sem uma consequecircncia concreta lesiva ao patrimocircnio

econocircmico ou moral natildeo se impotildee o dever de repararrdquo414

O dano juriacutedico (ou dano indenizaacutevel) eacute mais do que o simples prejuiacutezo patrimonial ou

moral Eacute o prejuiacutezo associado agrave violaccedilatildeo de um direito (da viacutetima) Por isso que o dano

eacute definido objetivamente ldquocomo a lesatildeo a um bem ou interesse juridicamente

tuteladordquo415

No caso do dano ambiental o prejuiacutezo se verifica na destruiccedilatildeo ou degradaccedilatildeo de bens

ambientais comprometendo os serviccedilos ecossistecircmicos causando desequiliacutebrio

ecoloacutegico e privando a coletividade de usufruir da qualidade ambiental que eacute essencial

a sua sadia qualidade de vida conforme anunciado pelo art 225 da Constituiccedilatildeo

Federal E a violaccedilatildeo do direito se verifica na afronta ao direito de todos ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado garantido pelo Texto Constitucional (art 225) ndash

direito tipicamente difuso416

Definimos dano ambiental como a ldquoagressatildeo ao meio ambiente ie aos componentes

ambientais do ambiente natural artificial cultural e do trabalho que lesa o direito da

coletividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Por assim dizer produz

diminuindo os riscos ambientais (Dano ambiental do individual ao coletivo extrapatrimonial Teoria e

Praacutetica p 77) 414

Programa de Responsabilidade Civil p 103 415

CAVALIERI FILHO Seacutergio Opcit p 104 416

Direitos difusos satildeo os ldquotransindividuais de natureza indivisivel de que sejam titulares pessoas

indeterminadas e ligadas por circunstacircncias de fatordquo (art 81 paragrafo uacutenico I da Lei 80781990 ndash

Coacutedigo de Defesa do Consumidor)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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alteraccedilotildees no meio ambiente que afetam o equiliacutebrio ecossistecircmico ao qual toda a

coletividade faz jusrdquo417

Quando o dano viola um direito individual tem-se um dano individual com uma viacutetima

identificaacutevel Nessa mesma toada quando o dano viola direito difuso como o meio

ambiente ecologicamente equilibrado tem-se um dano difuso com um nuacutemero

indeterminaacutevel de viacutetimas ndash a coletividade

Importante frisar que uma atividade lesiva ao meio ambiente pode violar o direito de

todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado causando um dano ambiental

difuso e ao mesmo tempo violar direitos de natureza distinta (natildeo ambiental) tanto de

pessoas individualmente consideradas tais como direito agrave sauacutede ou ao exerciacutecio de

atividade econocircmica (direito individual) como de grupos de pessoas determinadas ou

determinaacuteveis (direito coletivo) ou ateacute mesmo de pessoas indeterminaacuteveis (direito

difuso)418

Tais danos tecircm origem na lesatildeo ambiental mas natildeo satildeo danos ambientais419

Satildeo na definiccedilatildeo de Aacutelvaro Luiz Valery Mirra danos por intermeacutedio do meio

ambiente420

Exemplo claacutessico de danos por intermeacutedio do meio ambiente satildeo os

experimentados por pescadores impedidos de pescar e de prover o sustento da famiacutelia

porque o corpo hiacutedrico em que desenvolviam a atividade foi contaminado ou poluiacutedo

por vazamento de oacuteleo ou lanccedilamento de efluentes industriais ou domeacutesticos421

O dano difuso tanto quanto o dano individual pode ter caraacuteter patrimonial ou

extrapatrimonial - este uacuteltimo designado tambeacutem de dano moral coletivo Seraacute

patrimonial quando a lesatildeo gerar a reduccedilatildeo do patrimocircnio da viacutetima (indiviacuteduo grupo

ou coletividade) e seraacute extrapatrimonial quando comprometer valores natildeo patrimoniais

ou melhor dizendo quando o dano representar ldquolesatildeo de interesse sem expressatildeo

econocircmicardquo422

417

BECHARA Erika Licenciamento ambiental e compensaccedilatildeo ambiental na Lei do Sistema Nacional

das Unidades de Conservaccedilatildeo (SNUC) p 50 418

Ilustramos os danos coletivos ou difusos por intermeacutedio do meio ambiente em outra obra com os

seguintes exemplos ldquoa dizimaccedilatildeo de uma floresta habitada haacute centenas de anos por uma tribo indiacutegena

deixando os iacutendios sem a sua morada e destruindo as reminiscecircncias religiosas e familiares bem como o

viacutenculo afetivo desse agrupamento de pessoas com a aacuterea Outro a poluiccedilatildeo contumaz de ldquocartotildees-

postaisrdquo de cidades turisticas que acaba afetando a atividade econocircmica do turismo e ferindo a

autoestima dos brasileiros com a superexposiccedilatildeo negativa de seu pais no exteriorrdquo (Obcit p 59) 419

Optamos por natildeo designar estes danos de danos ambientais porque o direito (da viacutetima) violado natildeo eacute

o direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Todavia haacute autores que

diferentemente de noacutes usam a terminologia danos ambientais individuais como Joseacute Rubens Morato

Leite e Patrick de Arauacutejo Ayala (Obcit passim) Com posicionamento semelhante Ingo Wolfgang

Sarlet e Tiago Fensterseifer fazem referecircncia ao dano ambiental individual mas advertem que natildeo se trata

de um dano ecoloacutegico em sentido estrito mas apenas um dano individual reflexo ou por ricochete (Curso

de Direito Ambiental p 542-543) 420

Accedilatildeo civil puacuteblica e a reparaccedilatildeo do dano ao meio ambiente p 74 421

TESES FIXADAS PELO STJ (Jurisprudecircncia em Teses Ediccedilatildeo nordm 119 extraiacuteda de julgados

publicados ateacute 08022019) ldquoO pescador profissional eacute parte legiacutetima para postular indenizaccedilatildeo por dano

ambiental que acarretou a reduccedilatildeo da pesca na aacuterea atingida podendo utilizar-se do registro profissional

ainda que concedido posteriormente ao sinistro e de outros meios de prova que sejam suficientes ao

convencimento do juiz acerca do exerciacutecio dessa atividaderdquo ldquoEacute devida a indenizaccedilatildeo por dano moral

patente o sofrimento intenso do pescador profissional artesanal causado pela privaccedilatildeo das condiccedilotildees de

trabalho em consequecircncia do dano ambiental (Tese julgada sob o rito do art 543-C do CPC1973 -

TEMA 439)rdquo 422

SEVERO Seacutergio Opcit p 43

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Como nos ensina Joseacute de Aguiar Dias a natureza patrimonial ou extrapatrimonial do

dano natildeo decorre da natureza do direito bem ou interesse lesado ldquomas do efeito da

lesatildeo do carater da sua repercussatildeo sobre o lesadordquo423

sendo possivel tanto ldquoocorrer

dano patrimonial em consequecircncia de lesatildeo a um bem natildeo patrimonial como dano moral

em resultado de ofensa a bem materialrdquo424

Visto isso haacute que se notar que a agressatildeo ambiental se daacute a bens corpoacutereos (pex

florestas fauna edificaccedilotildees de valor cultural) e incorpoacutereos (pex ar) podendo gerar

em qualquer caso dano patrimonial e extrapatrimonial ndash de forma isolada ou

cumulativa jaacute que nas palavras de Seacutergio Severo um mesmo fato pode dar ensejo a

mais de um dano ldquopodendo combinar-se um dano patrimonial e um dano

extrapatrimonial e mesmo mais de um dano de uma ou outra naturezardquo425

- ou seja mais

de um dano patrimonial ou mais de um dano extrapatrimonial

A afirmaccedilatildeo pode ser ilustrada com o exemplo de um incecircndio em reserva

extrativista426

A vegetaccedilatildeo existente na reserva eacute um bem corpoacutereo e o incecircndio pode

gerar um dano patrimonial agraves populaccedilotildees tradicionais que praticam o extrativismo na

aacuterea (e que teratildeo sua atividade prejudicada) mas um dano extrapatrimonial agrave

coletividade com a reduccedilatildeo de toda a biodiversidade e riquezas naturais laacute existentes O

dano patrimonial suportado pelos extrativistas ndash dano por intermeacutedio do meio ambiente

- eacute um dano patrimonial individual (podendo ser tutelado coletivamente em juiacutezo por

envolver diretos individuais homogecircneos) e o dano extrapatrimonial suportado pela

coletividade eacute um dano extrapatrimonial difuso (ou dano moral coletivo)

Natildeo se pode deixar de mencionar que ainda haacute alguma resistecircncia da doutrina e da

jurisprudecircncia ao chamado dano moral coletivo Mas essa resistecircncia que jaacute foi maior

deve perder forccedila cada vez mais pois natildeo haacute fundamento para rechaccedilar o caraacuteter

extrapatrimonial do dano difuso se entendermos que o caraacuteter moral do dano natildeo estaacute

associado a dor e sofrimento que satildeo de fato estados morais proacuteprios de indiviacuteduos

mas a valores imateriais (melhor dizendo quaisquer valores sem repercussatildeo

econocircmica) que dizem respeito a todos indistintamente

Seacutergio Cavalieri Filho alude ao posicionamento doutrinaacuterio e jurisprudencial mais

conservador e contraacuterio ao dano moral coletivo mas deixa claro que natildeo compartilha

desse entendimento Pelo contraacuterio defende com veemecircncia o dano extrapatrimonial

coletivo

Na sua definiccedilatildeo o dano moral coletivo eacute o ldquosentimento de desapreccedilo que afeta

negativamente toda a coletividade pela perda de valores essenciais sentimento coletivo

de comoccedilatildeo de intranquilidade ou inseguranccedila pela lesatildeo a bens de titularidade

coletiva como o meio ambiente a paz puacuteblica a confianccedila coletiva o patrimocircnio

423

Opcit p 839 424

Ibidem mesma paacutegina 425

Opcit p 177 426

A Reserva Extrativista eacute uma Unidade de Conservaccedilatildeo de uso sustentaacutevel e de domiacutenio puacuteblico

utilizada por populaccedilotildees extrativistas tradicionais ldquocuja subsistecircncia baseia-se no extrativismo e

complementarmente na agricultura de subsistecircncia e na criaccedilatildeo de animais de pequeno porte e tem como

objetivos baacutesicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populaccedilotildees e assegurar o uso sustentaacutevel

dos recursos naturais da unidaderdquo (art 18 Lei 99852000)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

257

(ideal) historico artistico cultural paisagistico etcrdquo427

E apresenta como exemplos de

danos morais coletivos os suportados por todos noacutes em decorrecircncia dos tragicamente

famosos eventos ocorridos no Estado Rio de Janeiro e Minas Gerais a saber incecircndio

do Museu Nacional em 2018 e o desastre ambiental ocorrido em Mariana em 2015 O

primeiro destruiu 200 anos de nossa Histoacuteria o segundo destruiu todo um distrito

(Bento Rodrigues) ceifou vidas e causou danos ambientais inestimaacuteveis

Tambeacutem no sentido de admitir os danos extrapatrimoniais difusos e coletivos Bruno

Miragem adverte que eacute possiacutevel reconhecer a coletividade como viacutetima de dano

extrapatrimonial na medida em que se dissocie este tipo de dano dos sentimentos de dor

e de sofrimento humano e se reconheccedila que haacute interesses difusos e coletivos como os

bens culturais ambientais paisagiacutesticos ou urbaniacutesticos que satildeo de titularidade

indistinta de toda uma comunidade ldquoe que ao mesmo tempo natildeo possuem

necessariamente uma dimensatildeo econocircmicardquo428

Admitir a existecircncia de danos extrapatrimoniais difusos portanto exige a rejeiccedilatildeo da

associaccedilatildeo redutiva do dano moral agrave dor e ao sofrimento para vislumbraacute-lo como um

atributo de qualquer lesatildeo natildeo patrimonial sejam suas viacutetimas indiviacuteduos grupos ou um

feixe de pessoas indeterminaacuteveis

31 EFEITOS PATRIMONIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS DO DANO

AMBIENTAL

Estamos com Seacutergio Severo quando afirma que ldquotodo prejuizo ecologico guarda acima

de tudo um caraacuteter extrapatrimonialrdquo429

Assim o eacute porque o dano ambiental estaacute vinculado agrave violaccedilatildeo do direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado o que implica dizer que o dano ambiental sempre

representaraacute a perda da qualidade ambiental que por sua vez proporciona agrave

coletividade qualidade de vida sauacutede fiacutesica e psiacutequica bem-estar preservaccedilatildeo da

memoacuteria dentre outros valores imateriais como o valor de existecircncia430

Quando a

coletividade eacute privada de usufruir da qualidade do meio ambiente e dos benefiacutecios que

dela decorrem ela natildeo sofre uma perda econocircmica Logo natildeo sofre um dano

patrimonial e sim um dano moral

O fato da lesatildeo recair muitas vezes sobre bens materiais (solo aacuteguas flora edificaccedilotildees

com valor cultural etc) cujo custo de restauraccedilatildeo pode ser perfeitamente mensurado

natildeo significa que o dano ambiental eacute patrimonial Significa apenas que eacute possiacutevel

determinar o valor monetaacuterio da restauraccedilatildeo do ambiente degradado (quando possiacutevel a

reparaccedilatildeo in natura) Mas a perda experimentada pela coletividade continua sendo uma

perda natildeo patrimonial ndash portanto um dano de efeitos extrapatrimoniais

427

Opcit p 147 428

Direito Civil responsabilidade civil p 206 429

Opcit p 172 430

Segundo Joseacute Rubens Morato Leite e Patrick de Arauacutejo Ayala o dano ambiental afeta o ldquopatrimocircnio

ideal da coletividade relacionado a manutenccedilatildeo do equilibrio ambiental e da qualidade de vidardquo (Opcit

p 301)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

258

Contudo o dano ambiental pode tambeacutem ter reflexos patrimoniais para a coletividade

(aleacutem dos reflexos patrimoniais para o detentor imediato do bem em algumas situaccedilotildees

e danos de outra natureza para terceiros o que configura um dano por intermeacutedio do

meio ambiente) A floresta desmatada para dar lugar a obra ou atividade por exemplo

tem um valor econocircmico ainda que natildeo esteja sendo explorada economicamente por

conta dos serviccedilos ecossistecircmicos e da sua biodiversidade e pela contribuiccedilatildeo prestada

para a contenccedilatildeo das mudanccedilas climaacuteticas Sendo o bem ambiental de titularidade

difusa a perda econocircmica pode representar um efeito patrimonial difuso

Por isso em resumo diz-se que o dano ambiental sempre teraacute uma dimensatildeo

extrapatrimonial e algumas vezes poderaacute ter cumulativamente uma dimensatildeo

patrimonial A dimensatildeo patrimonial decorre do valor econocircmico que os bens

ambientais tecircm E a dimensatildeo extrapatrimonial decorre das funccedilotildees ambientais que tais

bens cumprem

Nunca poreacutem haveraacute um dano ambiental com dimensatildeo exclusivamente patrimonial

pois isso significaria reduzir a perda ambiental agrave lesatildeo de interesses econocircmicos quando

se sabe que a maior perda eacute a da qualidade do ambiente que propicia a vida digna a

todos

4 REPARACcedilAtildeO DO DANO AMBIENTAL

Eacute paciacutefico que a reparaccedilatildeo do dano ambiental deve ser integral o que implica dizer que

a reparaccedilatildeo deve ser a mais completa possiacutevel levando-se em conta todas as perdas

experimentadas em razatildeo da atividade degradadora431

Conforme leciona Alvaro Luiz Valery Mirra ldquose se considera que o prejuizo eacute o uacutenico

elemento a ser objetivamente considerado pela reparaccedilatildeo a qual visa eliminaacute-lo parece

loacutegico que a extensatildeo desta deva ser tatildeo ampla quanto o necessite a total compensaccedilatildeo

do dano causadordquo432

E completa que a reparaccedilatildeo integral ldquotrata-se de uma exigecircncia

fundamental de justiccedila a fim de permitir seja a viacutetima recolocada na medida do

possiacutevel em uma situaccedilatildeo equivalente agravequela que seria beneficiaacuteria se o fato danoso natildeo

se tivesse produzidordquo433

Mas a reparaccedilatildeo traz desafios especialmente do dano extrapatrimonial dada a sua

intangibilidade Desafios que devem ser enfrentados e vencidos porque sem reparaccedilatildeo o

dano ambiental natildeo pode ficar

Interessante notar que enquanto os danos extrapatrimoniais em sua maioria soacute estatildeo

em condiccedilotildees de serem reparados mediante compensaccedilatildeo pecuniaacuteria os danos

extrapatrimoniais ambientais podem ser reparados de forma especiacutefica Podem e devem

Afinal sendo possiacutevel diante de uma lesatildeo ambiental extrapatrimonial devolver agraves

viacutetimas a boa e ambientalmente adequada situaccedilatildeo de que gozavam anteriormente eacute

431

O proacuteprio Coacutedigo Civil veicula a premissa da reparaccedilatildeo integral para todo tipo de dano ao dispor em

seu artigo 944 que ldquoa indenizaccedilatildeo mede-se pela extensatildeo do danordquo 432

Opcit p 310 433

Ibidem mesma paacutegina

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

259

evidentemente preferiacutevel que isso seja feito ao inveacutes de se compensar a perda ambiental

com dinheiro

Por isso a reparaccedilatildeo do dano ambiental deve em primeiro lugar dar-se in natura com

a recomposiccedilatildeo do ambiente danificado ao estado anterior Para tanto deve o poluidor

adotar medidas e procedimentos para restabelecer os serviccedilos ecossistecircmicos a

qualidade e o equiliacutebrio ambiental o valor cultural-histoacuterico-paisagiacutestico que existiam

antes da causaccedilatildeo do dano Deve por exemplo restaurar a Aacuterea de Preservaccedilatildeo

Permanente ilegalmente desmatada ou despoluir o rio contaminado com efluentes

industriais

Somente em caso de impossibilidade teacutecnica ou social de reparaccedilatildeo in natura eacute que se

buscaraacute uma medida compensatoacuteria que possa reequilibrar a situaccedilatildeo das viacutetimas seja

mediante a execuccedilatildeo de projeto accedilatildeo ou intervenccedilatildeo que proporcione um benefiacutecio

ambiental equivalente ao perdido (reparaccedilatildeo por equivalente) seja mediante o

pagamento de um valor em dinheiro (indenizaccedilatildeo) que seraacute destinado a fundo de defesa

de direitos difusos nos termos do art 13 da Lei 73471985 ndash Lei da Accedilatildeo Civil

Puacuteblica434

e posteriormente aplicado em atividades de promoccedilatildeo e defesa de interesse

da coletividade nos termos da Lei 90081995

Como bem pontuado por Joseacute Rubens Morato Leite e Patrick de Arauacutejo Ayala ldquosempre

que natildeo for possiacutevel reabilitar o bem ambiental lesado deve-se proceder a sua

substituiccedilatildeo por outro funcionalmente equivalente ou aplicar a sanccedilatildeo monetaacuteria com o

mesmo fim de substituiccedilatildeordquo435

Dito isso vecirc-se que ao poluidor natildeo eacute dada a livre escolha entre reparar in natura ou

indenizar os danos causados A reparaccedilatildeo in natura eacute a regra a indenizaccedilatildeo a exceccedilatildeo

por isso tem esta um caraacuteter subsidiaacuterio Nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago

Fensterseifer a reparaccedilatildeo da Natureza de forma mais integral possiacutevel no local do dano

eacute o primeiro passo que deve ser tentado na reparaccedilatildeo civil do dano ecoloacutegico dado que

ldquoa salvaguarda da integridade ecologica e dos processos ecologicos

essenciais (art 225 sect1ordm I da CF1988) depende de tal priorizaccedilatildeo sob pena

de a ampliaccedilatildeo de aacutereas degradadas impactar de forma cada vez mais

progressiva o equiliacutebrio ecoloacutegico essencial agrave proteccedilatildeo das espeacutecies da flora e

da fauna e do ecossistema no seu conjunto Somente diante da

impossibilidade de reestabelecer o estado ambiental anterior no local do dano

eacute que outras medidas compensatorias devem ser aventadasrdquo436

Confirmando esse entendimento Danny Monteiro da Silva afirma

ldquoA subsidiariedade da compensaccedilatildeo pecuniaria assenta-se no fato de que o

objetivo essencial da tutela ambiental eacute garantir primordialmente a fruiccedilatildeo

do bem ambiental Por esse motivo a restauraccedilatildeo natural seraacute sempre

adotada como forma prioritaacuteria dentro das possibilidades faacuteticas teacutecnicas e

434

ldquoArt 13 Lei 73471985 Havendo condenaccedilatildeo em dinheiro a indenizaccedilatildeo pelo dano causado

reverteraacute a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participaratildeo

necessariamente o Ministeacuterio Puacuteblico e representantes da comunidade sendo seus recursos destinados agrave

reconstituiccedilatildeo dos bens lesadosrdquo 435

Opcit p 223 436

Opcit p 509

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

260

cientiacuteficas para reparaccedilatildeo do dano mesmo que se configure no caso

concreto a forma mais onerosa de reparaccedilatildeordquo 437

Isto posto nunca se optaraacute pela indenizaccedilatildeo em sendo possiacutevel a reparaccedilatildeo in natura

Por conta da mencionada subsidiariedade da indenizaccedilatildeo frente agrave reparaccedilatildeo in natura

emerge a seguinte duacutevida podem ambas as formas de reparaccedilatildeo ser exigidas

cumulativamente com relaccedilatildeo ao mesmo dano

Em nosso sentir a efetiva reparaccedilatildeo in natura dispensa o pagamento de indenizaccedilatildeo

pelo mesmo dano Afinal se a reparaccedilatildeo in natura for suficiente para apagar os efeitos

da lesatildeo restabelecendo os serviccedilos ecossistecircmicos a qualidade e o equiliacutebrio

ambiental o valor cultural-histoacuterico-paisagiacutestico perdidos natildeo haacute justa causa para exigir

uma indenizaccedilatildeo tendo como fundamento o mesmo dano que jaacute foi reparado e cujas

consequecircncias prejudiciais foram extirpadas438

Contudo haacute situaccedilotildees especiacuteficas que justificam a cumulaccedilatildeo de reparaccedilatildeo in natura

com indenizaccedilatildeo a saber (i) restauraccedilatildeo parcial do ambiente lesado (ii) danos

ambientais interinos

A cumulaccedilatildeo pode ocorrer se parte do dano for passiacutevel de recomposiccedilatildeo e parte natildeo ndash

caso em que a parte impassiacutevel de recomposiccedilatildeo seraacute convertida em indenizaccedilatildeo Eacute o

caso vg da poluiccedilatildeo de um rio que ocasiona a morte de peixes e outros organismos da

fauna ictioloacutegica O rio pode ser despoluiacutedo e o ecossistema aquaacutetico recuperado Poreacutem

se alguma espeacutecie ameaccedilada de extinccedilatildeo for dizimada nesse episoacutedio causando a sua

efetiva extinccedilatildeo natildeo seraacute possiacutevel reparar esse dano in natura Restaraacute entatildeo exigir do

poluidor uma compensaccedilatildeo natural ou pecuniaacuteria439

A cumulaccedilatildeo pode tambeacutem ocorrer se restar demonstrada a existecircncia de danos

interinos ou seja danos produzidos entre a data da agressatildeo ambiental e a data da

efetiva recomposiccedilatildeo do ambiente lesado A reparaccedilatildeo in natura natildeo apaga os efeitos

deleteacuterios do dano ambiental produzidos nesse interregno Como a coletividade ficou

437

Dano ambiental e sua reparaccedilatildeo p 214 438

Nesse sentido TJSP ndash 2ordf Cacircmara Reservada ao Meio Ambiente Apelaccedilatildeo 0000368-

7120068260075 Rel Des Paulo Alcides j 14092017 439

ldquoPROCESSO CIVIL DIREITO AMBIENTAL ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA PARA TUTELA DO

MEIO AMBIENTE OBRIGACcedilOtildeES DE FAZER DE NAtildeO FAZER E DE PAGAR QUANTIA

POSSIBILIDADE DE CUMULACcedilAtildeO DE PEDIDOS ART 3o DA LEI 734785 INTERPRETACcedilAtildeO

SISTEMAacuteTICA ART 225 sect 3o DA CF88 ARTS 2o E 4o DA LEI 693881 ART 25 IV DA LEI

862593 E ART 83 DO CDC PRINCIacutePIOS DA PREVENCcedilAtildeO DO POLUIDOR-PAGADOR E DA

REPARACcedilAtildeO INTEGRAL

[]

3 Deveras decorrem para os destinataacuterios (Estado e comunidade) deveres e obrigaccedilotildees de variada

natureza comportando prestaccedilotildees pessoais positivas e negativas (fazer e natildeo fazer) bem como de pagar

quantia (indenizaccedilatildeo dos danos insuscetiacuteveis de recomposiccedilatildeo in natura) prestaccedilotildees essas que natildeo se

excluem mas pelo contrario se cumulam se for o casordquo (STJ ndash Primeira Turma REsp 625249PR Rel

Min Luiz Fux j 15082006) No mesmo sentido STJ ndash Segunda Turma REsp 1255127MG Rel Min

Herman Benjamin j 18082016

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261

privada de usufruir da qualidade ambiental por este periacuteodo faz jus segundo vem

defendendo a doutrina440

e a jurisprudecircncia441

agrave indenizaccedilatildeo pelos danos interinos

Os danos interinos decorrem portanto da violaccedilatildeo ldquotemporariardquo do direito

fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ndash a violaccedilatildeo do direito cessa

quando o ambiente eacute restaurado ou recuperado e volta a cumprir suas funccedilotildees

ambientais

Frise-se por necessaacuterio que os danos interinos tambeacutem satildeo danos extrapatrimoniais

devendo a sua valoraccedilatildeo seguir os mesmos criteacuterios de arbitramento do dano ambiental

extrapatrimonial abordados neste trabalho

Fora das duas hipoacuteteses acima destacadas a exigecircncia concomitante de reparaccedilatildeo in

natura e indenizaccedilatildeo implicaraacute bis in idem haja vista que o mesmo dano seraacute reparado

duas vezes442

5 VALORACcedilAtildeO DO DANO AMBIENTAL

A reparaccedilatildeo do dano ambiental in natura se daacute mediante uma ou mais obrigaccedilotildees de

fazer executadas por e agraves expensas do poluidor Tais obrigaccedilotildees natildeo satildeo determinadas

nem estatildeo limitadas pelo valor a ser despendido na recomposiccedilatildeo mas sim pelas accedilotildees

que se mostram necessaacuterias ao restabelecimento o mais proacuteximo possiacutevel da situaccedilatildeo

anterior Em outras palavras mais importa a eficiecircncia e a aptidatildeo do projeto teacutecnico

que seraacute executado do que o montante que nele seraacute investido

Agrave vista disso sendo possiacutevel a reparaccedilatildeo in natura natildeo seratildeo necessaacuterios caacutelculos

aritmeacuteticos para se apurar o valor da indenizaccedilatildeo mas por outro lado seratildeo necessaacuterios

440

MIRRA Aacutelvaro Luiz Valery Opcit p 98 SILVA Danny Monteiro da Opcit p 131 (este autor se

refere ao dano interino como dano social vinculado ao meio ambiente acentuando que ldquose a

recomposiccedilatildeo integral do equiliacutebrio ecoloacutegico com o retorno agrave situaccedilatildeo anterior ao dano demandar um

lapso temporal prolongado a coletividade tem o direito de ser indenizada pelo periacuteodo de tempo que

transcorrer entre a ocorrecircncia do dano e a integral recomposiccedilatildeo da situaccedilatildeo anterior de equiliacutebrio

ecologico e fruiccedilatildeo do bem ambiental atingidordquo) 441

ldquoPROCESSUAL CIVIL ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA DANO AMBIENTAL POSSIBILIDADE DE

CUMULACcedilAtildeO DE OBRIGACcedilAtildeO DE FAZER (REPARACcedilAtildeO DA AacuteREA DEGRADADA) E DE

PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZACcedilAtildeO)

1 A jurisprudecircncia do STJ estaacute firmada no sentido de que a necessidade de reparaccedilatildeo integral da lesatildeo

causada ao meio ambiente permite a cumulaccedilatildeo de obrigaccedilotildees de fazer e indenizar 2 Com efeito a

cumulaccedilatildeo de obrigaccedilatildeo de fazer natildeo fazer e pagar natildeo configura bis in idem porquanto a indenizaccedilatildeo

natildeo eacute para o dano especificamente jaacute reparado mas para os seus efeitos remanescentes reflexos ou

transitoacuterios com destaque para a privaccedilatildeo temporaacuteria da fruiccedilatildeo do bem de uso comum do povo

ateacute sua efetiva e completa recomposiccedilatildeo assim como o retorno ao patrimocircnio puacuteblico dos benefiacutecios

econocircmicos ilegalmente auferidos 3 Agravo Interno natildeo provido (STJ ndash Segunda Turma AgInt no

REsp 1770219MG Rel Min Herman Benjamin j 23052019) 442

Temos observado que em algumas accedilotildees civis puacuteblicas ambientais tem-se pedido a reparaccedilatildeo in natura

cumulada com indenizaccedilatildeo por dano moral coletivo Natildeo nos parece adequada esta cumulaccedilatildeo pois a

reparaccedilatildeo in natura visa justamente reparar o dano moral coletivo (ou dano extrapatrimonial) causado

pela atividade poluidora Se o dano moral coletivo eacute grosso modo a perda da qualidade ambiental e a

reparaccedilatildeo in natura restabelece a qualidade ambiental perdida eacute de se concluir que reparado estaacute o dano

moral coletivo ndash a natildeo ser que exista um outro dano moral coletivo de caraacuteter natildeo ambiental poreacutem

originado do dano ambiental (dano por intermeacutedio do meio ambiente)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

262

estudos teacutecnicos que indiquem a forma mais adequada e eficiente de restauraccedilatildeo

ambiental sempre visando a reparaccedilatildeo integral do dano

Quando a reparaccedilatildeo do dano ambiental se daacute mediante indenizaccedilatildeo (aqui incluiacuteda a

indenizaccedilatildeo por danos interinos) o foco passa a ser a obrigaccedilatildeo de pagar de sorte que

o valor da obrigaccedilatildeo assume uma importacircncia que natildeo se verifica na reparaccedilatildeo in

natura

Apurar o valor da indenizaccedilatildeo ambiental eacute sempre um grande desafio especialmente se

estivermos a tratar de danos extrapatrimoniais Como pondera Joseacute de Aguiar Dias em

caso de dano patrimonial ldquoou se restaura a situaccedilatildeo anterior ou se integra o patrimocircnio

mediante o equivalente pecuniaacuterio do desfalque intervindo ademais os juros de mora

para ajustar a compensaccedilatildeo a maior ou menor duraccedilatildeo do danordquo443

Jaacute em caso de danos

natildeo patrimoniais ldquotodas as dificuldades se acumulam dada a diversidade dos prejuizos

que envolvem e que de comum soacute tecircm a caracteriacutestica negativa de natildeo serem

patrimoniaisrdquo444

Sendo o dano de caraacuteter patrimonial em homenagem ao princiacutepio da reparaccedilatildeo integral

o valor da indenizaccedilatildeo seraacute proporcional agrave perda econocircmica atendendo ao quanto

disposto no art 944 do Codigo Civil segundo o qual ldquoa indenizaccedilatildeo mede-se pela

extensatildeo do danordquo Eacute bem verdade que a valoraccedilatildeo da perda econocircmica ambiental eacute

tarefa bem mais complexa do que a valoraccedilatildeo dos danos patrimoniais em geral que se

evidenciam de forma mais objetiva e visiacutevel Na aacuterea ambiental haacute diversas

metodologias e calculos para se encontrar o ldquovalor econocircmico da naturezardquo ndash ou quanto

o dano ambiental representa em termos de perdas financeiras para a sociedade ndash que

auxiliam o magistrado na busca do justo quantum indenizatoacuterio

Mas quando o dano eacute de caraacuteter extrapatrimonial associado agrave perda da qualidade

ambiental que compromete o patrimocircnio ideal da coletividade natildeo eacute possiacutevel aplicar

um criteacuterio objetivo e uacutenico devendo o magistrado ndash a quem cabe a aacuterdua tarefa de

arbitrar o valor da reparaccedilatildeo dos danos extrapatrimoniais - lanccedilar matildeo de criteacuterios

variados para chegar ao quantum adequado

Por serem insuscetiacuteveis de avaliaccedilatildeo econocircmica os danos extrapatrimoniais satildeo de

difiacutecil valoraccedilatildeo ndash e tal dificuldade eacute verificada em todo e qualquer dano

extrapatrimonial natildeo soacute no dano ambiental

Antonio Jeovaacute Santos observa que o dano extrapatrimonial eacute incomensuraacutevel pois natildeo

haacute como fixar em dinheiro o que natildeo tem traduccedilatildeo pecuniaacuteria445

Por isso defende que a

reparaccedilatildeo por dano moral tem uma funccedilatildeo mais de satisfaccedilatildeo do que reparatoacuteria visto

que o dinheiro pago agrave viacutetima natildeo serve para apagar ou borrar o dano causado446

ldquoO montante que serve ao ressarcimento do dano moral situa-se no plano

satisfativo A viacutetima receberaacute uma quantia com o intuito de que o emprego do

443

Opcit p 839 444

Ibidem mesma paacutegina 445

Dano moral indenizaacutevel p 193 446

Opcit p 191 Complementa o autor ldquoO mal perdura ainda que o dinheiro recebido seja suficiente

para aquisiccedilatildeo de bens materiais que podem trazer algum conforto para o ofendidordquo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

263

dinheiro possa proporcionar alguma satisfaccedilatildeo que mitigue de algum modo

a dor causada pelo ato ilicito contra ela cometidordquo447

Ainda assim natildeo se pode fugir do difiacutecil trabalho de quantificar os danos morais sob

pena de deixar as viacutetimas desamparadas sem uma compensaccedilatildeo que minimamente as

satisfaccedila de forma a contrabalanccedilar as perdas sofridas aleacutem de apaziguar a ldquorevolta

pessoal e social de quem sofre ofensas dessa naturezardquo448

(afinal enquanto a viacutetima do

dano patrimonial pode ter o seu patrimocircnio recomposto com a extinccedilatildeo de qualquer

rastro do dano outrora causado a viacutetima do dano extrapatrimonial muito provavelmente

teraacute que conviver com os efeitos duradouros da perda que natildeo seratildeo apagados com a

indenizaccedilatildeo Natural entatildeo que a primeira se conforme mais raacutepida e facilmente agrave

situaccedilatildeo)

Mas jaacute se sabe de antematildeo que dificilmente haveraacute uma plena correspondecircncia entre o

dano e a indenizaccedilatildeo o que nos induz agrave conclusatildeo de que o princiacutepio da reparaccedilatildeo

integral natildeo eacute plenamente aplicaacutevel ao dano moral - afinal como se garantir reparaccedilatildeo

integral se esta depende de uma indenizaccedilatildeo que corresponda agrave extensatildeo do dano e no

caso do dano extrapatrimonial natildeo haacute como estipular uma proporccedilatildeo entre lesatildeo e

reparaccedilatildeo ante o valor inestimaacutevel do bem perdido

Por essa razatildeo eacute que Andreacute Gustavo Correcirca de Andrade professa que a tradicional regra

de que a indenizaccedilatildeo se mede pela extensatildeo do dano (art 944 Coacutedigo Civil) ndash a qual

serve de fundamento ao princiacutepio da reparaccedilatildeo integral - eacute ldquoaplicavel exclusivamente ao

dano material uma vez que o dano moral natildeo tem como ser economicamente

mensuradordquo449

Sem destoar Judith Martins-Costa e Mariana Souza Pargendler tambeacutem

sustentam que a regra da simetria do art 944 caput do Coacutedigo Civil incide soacute em

danos patrimoniais ldquopois natildeo ha como mensurar monetariamente a lsquoextensatildeorsquo do dano

extrapatrimonial nesse caso o que cabe eacute uma ponderaccedilatildeo axioloacutegica traduzida em

valores monetariosrdquo450

Importante frisar que a inaplicabilidade do princiacutepio da reparaccedilatildeo integral ao dano

extrapatrimonial se verifica somente com relaccedilatildeo agrave compensaccedilatildeo pecuniaacuteria (inclusive

o art944 do Codigo Civil se refere apenas a ldquoindenizaccedilatildeordquo) natildeo com relaccedilatildeo a

reparaccedilatildeo in natura Esta deveraacute ser completa e cobrir toda a extensatildeo do dano pois haacute

condiccedilotildees teacutecnicas para tanto Via de consequecircncia apenas os danos extrapatrimoniais

sujeitos agrave reparaccedilatildeo pecuniaacuteria eacute que ficam ao desabrigo do princiacutepio da reparaccedilatildeo

integral pela impossibilidade de traduzir em nuacutemeros a extensatildeo do dano

No caso do dano extrapatrimonial ambiental sujeito agrave reparaccedilatildeo in natura para se obter

a reparaccedilatildeo integral basta que se verifique a extensatildeo do dano e quais medidas e

procedimentos devem ser executados para restabelecer a situaccedilatildeo anterior com a maior

fidelidade possiacutevel Jaacute no caso do dano extrapatrimonial ambiental sujeito agrave

compensaccedilatildeo pecuniaacuteria como se obter a reparaccedilatildeo integral se natildeo haacute um valor

indenizatoacuterio que nos permita dizer que a lesatildeo foi integralmente reparada Natildeo haacute

paracircmetro para responder tal pergunta Portanto para se entender como razoaacutevel o valor

arbitrado seraacute preciso conjugar diversos criteacuterios ligados ao ofensor agraves viacutetimas e ao

447

Opcit p 192 448

REIS Clayton Opcit p 163 449

Indenizaccedilatildeo punitiva p 148 450

Usos e abusos da funccedilatildeo punitiva (punitives damages e o direito brasileiro) p 22

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

264

dano ambiental em si que podem aumentar ou reduzir a indenizaccedilatildeo e resultar numa

resposta satisfatoacuteria e adequada a todos

Conforme Seacutergio Severo pelo fato dos danos extrapatrimoniais lesarem interesses sem

conteuacutedo econocircmico devem eles ser aferidos ldquode uma forma aproximada atraveacutes do

maior nuacutemero de criteacuterios que auxiliem na busca do quantum satisfatoriordquo 451

ndash e o autor

natildeo estaacute se referindo apenas aos criteacuterios reparatoacuterios mas tambeacutem aos criteacuterios

preventivos-punitivos que desviam o olhar da viacutetima para o ofensor e fazem brotar a

funccedilatildeo dissuasoacuteria da responsabilidade civil de forma complementar ou acessoacuteria a sua

funccedilatildeo compensatoacuteria

Flaacutevio Tartuce informa que os cinco paracircmetros usualmente utilizados pela doutrina e

jurisprudecircncia do STJ para apuraccedilatildeo do valor do dano moral satildeo a) a extensatildeo do dano

b) o grau de culpa do agente e a contribuiccedilatildeo causal da viacutetima c) as condiccedilotildees

socioeconocircmicas culturais e ateacute psicoloacutegicas dos envolvidos d) o caraacuteter pedagoacutegico

educativo de desestiacutemulo ou ateacute punitivo da indenizaccedilatildeo e) a vedaccedilatildeo do

enriquecimento sem causa da viacutetima e da ruiacutena do ofensor452

Nota-se claramente o

misto de criteacuterios compensatoacuterios com criteacuterios punitivos- pedagoacutegicos-preventivos

reforccedilando que hodiernamente a responsabilidade civil por dano extrapatrimonial

ultrapassa a funccedilatildeo meramente compensatoacuteria Necessaacuterio se faz entatildeo tratar da

indenizaccedilatildeo ambiental com caraacuteter punitivo

51 INDENIZACcedilAtildeO PUNITIVA (PUNITIVE DAMAGES) E CARAacuteTER

PUNITIVO DA INDENIZACcedilAtildeO

Mesmo natildeo sendo possiacutevel garantir perfeita correspondecircncia entre a compensaccedilatildeo

pecuniaacuteria e o dano extrapatrimonial natildeo haacute duacutevidas que a indenizaccedilatildeo do dano moral

tem funccedilatildeo compensatoacuteria ou satisfatoacuteria Ainda que a indenizaccedilatildeo natildeo tenha o condatildeo

de recompor o bem sacrificado o valor destinado agrave viacutetima lhe daacute condiccedilotildees de obter

outros benefiacutecios de seu interesse que auxiliam a satisfaccedilatildeo de valores materiais e

imateriais relevantes para ela e minimizam dentro do possiacutevel os efeitos da perda No

caso do dano ambiental a satisfaccedilatildeo promovida pela indenizaccedilatildeo eacute a recomposiccedilatildeo e

proteccedilatildeo de outros bens difusos preferencialmente ambientais ou desenvolvimento de

projetos e atividades que promovam benefiacutecios ambientais para a coletividade453

Mas como visto tem-se atribuiacutedo agrave indenizaccedilatildeo pelo dano moral uma segunda funccedilatildeo

a dissuasoacuteria que busca desestimular a adoccedilatildeo das condutas lesivas agregando-se agrave

indenizaccedilatildeo compensatoacuteria um valor adicional estabelecido de forma proporcional agrave

censurabilidade da condutaatividade do ofensor (e natildeo de forma proporcional ao dano)

Tal qual a pena aplicada ao crime e a sanccedilatildeo administrativa aplicada agrave infraccedilatildeo

administrativa que tecircm a finalidade de prevenccedilatildeo geral e especial a indenizaccedilatildeo

punitiva pode fazer com que o autor do dano e potenciais ofensores tocados pelo

exemplo evitem condutas e atividades que vatildeo lhes trazer duras consequecircncias

451

Opcit p 190 452

Opcit p 475-476 453

Cf Lei 90081995 cc Decreto 13061994

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

265

No afatilde de permear a responsabilidade civil com a funccedilatildeo punitiva-dissuasoacuteria tem-se

discutido se no Brasil eacute possiacutevel na composiccedilatildeo do valor da reparaccedilatildeo do dano moral

seja ele individual seja ele coletivo a utilizaccedilatildeo da teoria dos punitive damages

originada no direito anglo-saxatildeo e consagrada no direito norte-americano que nos

dizeres de Anderson Schreiber constituem ldquouma indenizaccedilatildeo adicional assegurada a

viacutetima com a finalidade de punir o ofensor e natildeo simplesmente de compensar os danos

sofridosrdquo454

Nelson Rosenvald um dos grandes defensores da aplicaccedilatildeo da teoria no Brasil acentua

que nos tempos atuais ldquoa adoccedilatildeo da pena no direito privado eacute uma exigecircncia de

integraccedilatildeo ao sistema de uma tutela efetiva para aqueles casos em que o ressarcimento

pelo equivalente ou em forma especiacutefica mostre-se pouco idocircneo para prevenir

determinadas formas de ilicitos civisrdquo455

O doutrinador emenda que se a retribuiccedilatildeo do

sistema for inferior ao proveito auferido pelo iliacutecito ou ficar limitada aos prejuiacutezos

causados e nada mais o ordenamento juriacutedico natildeo ofereceraacute razotildees suficientes para que

algueacutem se abstenha de incorrer em inadimplemento ou de se converter em agente de um

iliacutecito456

Na mesma direccedilatildeo Andreacute Gustavo Correcirca de Andrade vislumbra uma crise no

paradigma exclusivamente reparatoacuterio da responsabilidade civil que reclama que o

operador do direito supere o modelo tradicional redimensionando a responsabilidade

civil sem por oacutebvio abandonar a ideia da reparaccedilatildeo

ldquoO lsquoparadigma reparatoriorsquo calcado na teoria de que a funccedilatildeo da

responsabilidade civil eacute exclusivamente a de reparar o dano tem-se

mostrado ineficaz em diversas situaccedilotildees conflituosas nas quais a reparaccedilatildeo

do dano eacute impossiacutevel ou natildeo constitui resposta juriacutedica satisfatoacuteria como se

daacute por exemplo quando o ofensor obteacutem benefiacutecio econocircmico com o ato

iliacutecito praticado mesmo depois de pagas as indenizaccedilotildees pertinentes de

natureza reparatoacuteria eou compensatoacuteria ou quando o ofensor se mostra

indiferente agrave sanccedilatildeo reparatoacuteria vista entatildeo como um preccedilo que ele se

propotildee a pagar para cometer o ilicito ou persistir na sua praticardquo457

Na origem os punitive damages constituem um valor autocircnomo e agrave parte do valor da

compensaccedilatildeo financeira cuja aplicaccedilatildeo natildeo tem o propoacutesito de satisfazer a viacutetima mas

sim de dissuadir o autor do dano por meio de uma ldquoreprimendardquo de carater patrimonial

Tecircm portanto a natureza de pena civil sendo aplicaacuteveis ao causador de dano

patrimonial ou extrapatrimonial458

quando sua conduta for revestida de significativa

reprovabilidade459

454

Novos paradigmas da responsabilidade civil da erosatildeo dos filtros da reparaccedilatildeo agrave diluiccedilatildeo dos danos p

211 455

Opcit p 46 456

Opcit p 47 457

Opcit p 136 458

Cf ROSENVALD Nelson Ob Cit p 229 459

ldquoOs punitive damages constituem uma soma de valor variaacutevel estabelecida em separado dos

compensatory damages quando o dano eacute decorrecircncia de um comportamento lesivo marcado por grave

negligecircncia maliacutecia ou opressatildeo Se a conduta do agente embora culposa natildeo eacute especialmente

reprovaacutevel a imposiccedilatildeo dos punitive damages mostra-se impropriardquo (ANDRADE Andreacute Gustavo

Correcirca de Opcit p 139)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

266

Por configurar uma pena este tipo de sanccedilatildeo natildeo deve ser aplicado salvo mediante

permissivo legal 460

Permissivo este que natildeo existe no Brasil o que impossibilita a

adoccedilatildeo da teoria no paiacutes461

em sua forma genuiacutena462

Apesar disso tem-se observado cada vez mais vozes doutrinaacuterias e jurisprudenciais

defendendo e aplicando a teoria de uma forma proacutepria ou adaptada no que se

convencionou chamar de teoria do valor do desestiacutemulo Referida teoria tal como

praticada em acircmbito nacional natildeo impotildee ao ofensor uma pena civil autocircnoma mas usa

o grau de culpa do agressor a gravidade da sua conduta a sua capacidade econocircmica e

ateacute mesmo o benefiacutecio por ele auferido com a praacutetica lesiva na fixaccedilatildeo do valor da

indenizaccedilatildeo do dano extrapatrimonial Dessa forma quanto mais reprovaacutevel a postura

do ofensor mais se exigiraacute dele em termos pecuniaacuterios para fazer frente agraves

consequecircncias nefastas dos seus atos

Com efeito a incorporaccedilatildeo de variaacuteveis relacionadas agrave postura do ofensor no processo

de apuraccedilatildeo da indenizaccedilatildeo natildeo reflete com absoluta fidelidade a teoria dos punitive

damages como bem acentuado por Nelson Rosenvald

ldquoEacute preciso distinguir (i) uma coisa eacute arbitrar-se a indenizaccedilatildeo pelo dano

moral que fundada em criteacuterios de ponderaccedilatildeo axioloacutegica tenha caraacuteter

compensatoacuterio agrave viacutetima levando-se em consideraccedilatildeo - para a fixaccedilatildeo do

montante - a concreta posiccedilatildeo da viacutetima a espeacutecie do prejuiacutezo causado e

inclusive a conveniecircncia de dissuadir o ofensor em certos casos podendo

mesmo ser uma indenizaccedilatildeo ldquoaltardquo (desde que guarde proporcionalidade

axiologicamente estimada ao dano causado) (ii) outra coisa eacute adotar-se a

doutrina dos punitive damages que passando ao largo da noccedilatildeo de

compensaccedilatildeo significa efetivamente - e exclusivamente - a imposiccedilatildeo de

uma pena com base na conduta altamente reprovaacutevel (dolosa ou gravemente

culposa) do ofensor como eacute proprio do direito punitivordquo463

Para Anderson Schreiber o que se vecirc no paiacutes eacute a aplicaccedilatildeo anocircmala da teoria dos

punitive damages ldquona qual os punitive damages natildeo vecircm admitidos como parcela

adicional de indenizaccedilatildeo mas aparecem embutidos na proacutepria compensaccedilatildeo do dano

moralrdquo464

O autor confirma sua tese ao apontar que as cortes brasileiras tecircm chancelado

o duplo caraacuteter compensatoacuterio e dissuasoacuterio da reparaccedilatildeo do dano moral aplicando na

sua quantificaccedilatildeo criteacuterios deliberadamente punitivos visto que dos quatros criteacuterios

usualmente adotados dois visam punir mais do que reparar (i) gravidade do dano (ii)

460

Nelson Rosenvald nota que atualmente impera o vazio legislativo quanto agrave pena civil e arremata

diante do fato da sanccedilatildeo punitiva constituir uma sanccedilatildeo de natureza e funccedilatildeo penal - apesar de

formalmente civil - que persegue finalidades de prevenccedilatildeo geral e especial ldquoComo atributo do principio

da legalidade a noccedilatildeo de tipicidade assume um papel sistemaacutetico no sentido de que a sanccedilatildeo privada de

finalidade preventiva e repressiva que comporta deveres de caraacuteter geral endereccedilados agrave coletividade

deve ser prevista por uma regra uma norma que consiga portar o maximo de especificidaderdquo (Opcit p

267-268) 461

O art 5ordm XXXIX da Constituiccedilatildeo Federal dispotildee que ldquonatildeo ha crime sem lei anterior que o defina nem

pena sem preacutevia cominaccedilatildeo legalrdquo 462

Discordando dos doutrinadores que rechaccedilam a aplicaccedilatildeo da pena civil em virtude da inexistecircncia de

lei autorizadora nesse sentido Clayton Reis coloca que ldquoo rigor do nulla poena sine lege natildeo se aplica agrave

pena privada pois ela possui natureza civil ancorada em paracircmetros informativos da proacutepria

responsabilidade civil que satildeo desvinculados da responsabilidade penal A pena privada tem natureza e

funccedilatildeo penal perseguindo finalidades de prevenccedilatildeo geral e especial mas o instituto eacute formalmente civil

A noccedilatildeo de tipicidade na esfera civil deve assumir um papel sistematicordquo (Opcit p 170) 463

As funccedilotildees da responsabilidade civil a reparaccedilatildeo e a pena civil p 239 464

Opcit p 211

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267

capacidade econocircmica da viacutetima (iii) grau de culpa do ofensor e (iv) capacidade

econocircmica do ofensor465

Antonio Jeovaacute Santos endossa essa forma proacutepria como o paiacutes vem lidando com o

instituto Embora defenda que a indenizaccedilatildeo por dano moral garanta o ressarcimento da

viacutetima e ao mesmo tempo ldquosirva como sanccedilatildeo exemplarrdquo466

de forma a evitar condutas

lesivas do mesmo jaez natildeo propugna que seja estabelecido um valor apartado do

quantum indenizatoacuterio a tiacutetulo de sanccedilatildeo civil como ocorre nos paiacuteses da common

law467

O que o doutrinador admite eacute que o valor da indenizaccedilatildeo considere natildeo apenas

os elementos relacionados ao dano mas tambeacutem os elementos relacionados agrave conduta e

agrave posiccedilatildeo do ofensor tais como a) gravidade da falta b) situaccedilatildeo econocircmica do

ofensor c) benefiacutecios obtidos ou almejados com o iliacutecito d) posiccedilatildeo de mercado o de

maior poder do ofensor e) caraacuteter antissocial da conduta f) finalidade dissuasoacuteria

futura perseguida g) atitude ulterior do ofensor uma vez que a sua falta foi posta a

descoberto h) nuacutemero e niacutevel de empregados comprometidos na grave conduta

reprovaacutevel i) sentimentos feridos da viacutetima468

Dessa forma a indenizaccedilatildeo constituiraacute

um poderoso obstaacuteculo a que o ofensor contumaz continue repetindo praacuteticas danosas

serviraacute para desmantelar e conjurar os benefiacutecios da conduta dolosa e demonstraraacute agraves

viacutetimas que a busca por seus direitos em juiacutezo pode trazer resultados satisfatoacuterios469

Flaacutevio Tartuce segue no mesmo sentido destacando que haacute trecircs correntes sobre a

natureza juriacutedica da indenizaccedilatildeo por danos morais a primeira que defende o caraacuteter

exclusivamente reparatoacuterio da responsabilidade civil a segunda que sustenta o caraacuteter

punitivo da indenizaccedilatildeo com a possibilidade de fixaccedilatildeo de uma indenizaccedilatildeo a mais em

favor da viacutetima aleacutem da indenizaccedilatildeo com fins compensatoacuterios (eacute a teoria dos punitive

damages) e a terceira a qual ele se filia (e noacutes tambeacutem) que advoga a existecircncia na

indenizaccedilatildeo por dano moral de um caraacuteter principal reparatoacuterio e de um caraacuteter

pedagoacutegico ou disciplinador acessoacuterio de sorte a estabelecer um ldquocarater misto na

indenizaccedilatildeo imaterialrdquo470

De nossa parte estamos com os doutrinadores que sustentam a possibilidade de se levar

em conta na fixaccedilatildeo da indenizaccedilatildeo por dano moral criteacuterios que sirvam de

desestiacutemulo ao agressor e a potenciais ofensores aumentando o valor da indenizaccedilatildeo a

partir da observaccedilatildeo da maacute conduta do autor do dano Natildeo uma pena civil autocircnoma

(por falta de previsatildeo legal) mas um valor complementar ao valor principal ndash este sim

estabelecido com base no dano e na violaccedilatildeo do direito da viacutetima Por isso preferimos

nos referir agrave medida em apreccedilo como caraacuteter punitivo da indenizaccedilatildeo ao inveacutes de

indenizaccedilatildeo punitiva ou punitive damages

465

Opcit p 212 466

Opcit p 169 467

ldquoNatildeo se pretende como ocorre nos Estados Unidos que seja arbitrada uma quantia a titulo de

indenizaccedilatildeo e outra separada como se fosse a pena civilrdquo (SANTOS Antonio Jeova Ob Cit p 169) 468

Obcit p 168 469

Sobre esse uacuteltimo aspecto o doutrinador prossegue referindo-se ao caraacuteter punitivo da indenizaccedilatildeo

ldquoAleacutem de desestimular a praxe de continuar com o mesmo comportamento doloso e prejudicial as

viacutetimas confiaratildeo em suas instituiccedilotildees e natildeo deixaratildeo de provocar o oacutergatildeo jurisdicional por temor de que

apoacutes intenso desgaste emocional e econocircmico que uma demanda judicial sempre geram venham a

receber uma importacircncia simboacutelica amesquinhada apequenada e que natildeo serviraacute para nada compensar

enquanto vecirc o seu litigante prosperando agrave custa do mal que inflige a consumidores dando ecircnfase ao fato

de que a culpa lucrativa vale a penardquo (Opcit p 221) 470

Opcit p 464-466

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Embora a lei brasileira natildeo tenha uma norma geral dispondo sobre a utilizaccedilatildeo de

criteacuterios punitivos-dissuasoacuterios na apuraccedilatildeo do valor da indenizaccedilatildeo por dano moral eacute

possiacutevel buscar o fundamento para tanto na proacutepria finalidade da reparaccedilatildeo desta

modalidade de dano Para embasar essa alegaccedilatildeo trazemos o ensinamento de Judith

Martins-Costa e Mariana Souza Pargendler associando o termo ldquosatisfaccedilatildeordquo ndash utilizado

para definir a reparaccedilatildeo por dano moral ndash a duas acepccedilotildees distintas Uma como

expressatildeo correlata ao conceito de compensaccedilatildeo ldquoporeacutem mais adequada ao caso de

dano extrapatrimonial porque ausente neste uacuteltimo o princiacutepio da equivalecircncia entre o

dano e a indenizaccedilatildeo e a possibilidade de restitutio in integrumrdquo471

A outra inspirada

na doutrina desenvolvida no Direito alematildeo tomando a satisfaccedilatildeo em um sentido mais

especifico ldquoque busca assegurar agrave parte lesada uma sensaccedilatildeo de justiccedila por meio de

uma reaccedilatildeo legal ao ilicitordquo472

de sorte que a indenizaccedilatildeo natildeo pode se restringir agrave

extensatildeo do dano devendo levar em consideraccedilatildeo tambeacutem a gravidade do ato e a

condiccedilatildeo econocircmica das partes envolvidas Ora natildeo haacute como a viacutetima do dano

extrapatrimonial irreversiacutevel apaziguar a indignaccedilatildeo ou revolta com a injusticcedila sofrida

em decorrecircncia de um ato altamente reprovaacutevel com uma indenizaccedilatildeo que natildeo puna

exemplarmente a conduta lesiva e natildeo busque evitar a repeticcedilatildeo de condutas

congecircneres Via de consequecircncia temos para noacutes que eacute da proacutepria natureza da

indenizaccedilatildeo por dano moral o caraacuteter punitivo-dissuasoacuterio

Mas haacute outros fundamentos que podem ser agregados ao acima esposado

Flaacutevio Tartuce alicerccedila o caraacuteter pedagoacutegico da indenizaccedilatildeo por dano moral na funccedilatildeo

social da responsabilidade civil

ldquoApesar da falta de previsatildeo legal a respeito do carater educativo ou de

desestiacutemulo pensamos que a motivaccedilatildeo estaacute no princiacutepio da socialidade um

dos regramentos do Coacutedigo Civil de 2002 a gerar o reconhecimento da

funccedilatildeo social da responsabilidade civilrdquo 473

Jaacute Andreacute Gustavo Correcirca de Andrade encontra na Constituiccedilatildeo Federal o embasamento

para a pena civil (o qual com maior razatildeo vale para a funccedilatildeo punitiva-dissuasoacuteria da

indenizaccedilatildeo por dano moral) Na visatildeo do autor o princiacutepio da dignidade humana e os

direitos de personalidade ndash ambos tutelados pela Carta Constitucional ndash devem ser

resguardados por todos os ferramentais disponiacuteveis sendo a indenizaccedilatildeo punitiva um

deles

ldquoCom efeito natildeo eacute possivel em certos casos conferir efetiva proteccedilatildeo a

dignidade humana e aos direitos da personalidade se natildeo atraveacutes da

imposiccedilatildeo de uma sanccedilatildeo que constitua fator de desestiacutemulo ou dissuasatildeo de

condutas semelhantes do ofensor ou de terceiros que pudessem se comportar

de forma igualmente reprovaacutevel Natildeo eacute possiacutevel contar apenas com a lei

penal e com penas puacuteblicas para prevenir a praacutetica de atentados aos direitos

de personalidade A lei tipicamente penal natildeo tem como prever em tipos

delituosos fechados todos os fatos que podem gerar danos injustos razatildeo

pela qual muitas ofensas agrave dignidade humana e a direitos da personalidade

constituem indiferentes penais e por conseguinte escapam do alcance da

justiccedila criminal [] Nesse contexto a indenizaccedilatildeo punitiva constitui

471

Opcit p 28 nota de rodapeacute 472

Ibidem mesma paacutegina 473

Opcit 467

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instrumento indispensaacutevel para a prevenccedilatildeo de danos aos direitos

personalissimosrdquo474

Sustenta ainda em prol da compatibilidade do criteacuterio punitivo-dissuasoacuterio com a

Constituiccedilatildeo que a indenizaccedilatildeo punitiva eacute uma forma de praticar a isonomia jaacute que

permite que diante de danos semelhantes que atingem as viacutetimas na mesma

intensidade mas que tenham sido causados a partir de condutas absolutamente distintas

em termos de reprovabilidade seja aplicada uma medida mais gravosa para aquele que

agiu mais gravemente475

De toda forma mesmo sendo defensaacutevel a aceitaccedilatildeo taacutecita do nosso ordenamento agrave

adoccedilatildeo de criteacuterios punitivos-dissuasoacuterios na apuraccedilatildeo do dano extrapatrimonial como

demonstrado acima eacute certo que com relaccedilatildeo ao dano patrimonial o procedimento

embora igualmente uacutetil e desejaacutevel natildeo seria possiacutevel pois afrontaria o disposto no art

944 caput do Coacutedigo Civil que determina que a indenizaccedilatildeo seja medida pela

extensatildeo do dano ndash o que soacute eacute aplicaacutevel ao dano patrimonial cujo valor pode ser

ldquomedidordquo - bloqueando o uso de criteacuterios inovadores que natildeo visam a gravidade e a

extensatildeo do dano mas ao contraacuterio a gravidade e a reprovabilidade da conduta476

511 INCIDEcircNCIA DOS CRITEacuteRIOS PUNITIVOS-DISSUASOacuteRIOS NA

FIXACcedilAtildeO DA INDENIZACcedilAtildeO DO DANO EXTRAPATRIMONIAL

O fato de ser aceitaacutevel senatildeo desejaacutevel imbuir a indenizaccedilatildeo por dano extrapatrimonial

de um caraacuteter punitivo-pedagoacutegico-preventivo natildeo significa que o valor da indenizaccedilatildeo

seraacute majorado em toda e qualquer hipoacutetese de dano moral Afinal a anaacutelise das

variaacuteveis em apreccedilo pode redundar na constataccedilatildeo de que a condutaatividade natildeo tem a

censurabilidade ensejadora da puniccedilatildeo-prevenccedilatildeo Eacute o caso vg de um ofensor que

tenha causado o dano de forma levemente culposa tenha prontamente prestado agrave viacutetima

todo o auxiacutelio necessaacuterio para minimizar os seus efeitos e aleacutem disso goze de situaccedilatildeo

econocircmica modesta Naturalmente que o dano por ele causado deve ser reparado mas

natildeo necessariamente com valor majorado para fins punitivos e dissuasoacuterios pois a

conduta natildeo eacute merecedora de puniccedilatildeo477

474

Opcit p 148 475

ldquoA imposiccedilatildeo de sanccedilotildees diferenciadas para casos de distinta reprovabilidade nada mais representa que

uma particular aplicaccedilatildeo do princiacutepio constitucional da isonomia que impotildee natildeo apenas tratar igualmente

os iguais mas tambeacutem tratar desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades A imposiccedilatildeo

de indenizaccedilotildees idecircnticas para danos iguais mas causados por condutas tatildeo distanciadas em termos de

reprovabilidade constitui afronta ao princiacutepio constitucional da igualdade e ao senso comum de justiccedilardquo

(Opcit p 155) 476

Na teoria dos punitive damages estatildeo abarcados tanto os danos extrapatrimoniais como os danos

patrimoniais 477

O Tribunal de Justiccedila de Satildeo Paulo reduziu o valor da indenizaccedilatildeo arbitrada pelo magistrado de

primeira instacircncia em caso de dano ambiental decorrente de poluiccedilatildeo sonora por entender que o poluidor

tomou providecircncias eficazes para controle do dano No acoacuterdatildeo restou consignado que o dano natildeo

poderia ser reparado in natura e que por esta razatildeo deveria ser indenizado por forccedila do princiacutepio da

reparaccedilatildeo integral e das funccedilotildees punitivas e pedagoacutegicas cada vez mais admitidas no campo da

responsabilidade civil Mas ldquo[] o valor fixado deva ser mitigado em primeiro lugar porque natildeo houve

por parte do juiacutezo recorrido qualquer fundamentaccedilatildeo para estabelececirc-lo e aleacutem disso em razatildeo da

conduta da apelante que tomou medidas para diminuir o dano como a reduccedilatildeo do nuacutemero de dias em que

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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Por isso os defensores da pena civil ou da funccedilatildeo punitiva-dissuasoacuteria da

responsabilidade civil satildeo unacircnimes em afirmar que os criteacuterios punitivos devem incidir

somente diante do alto grau de reprovabilidade da conduta do ofensor a exemplo do

que se verifica na teoria dos punitive damages

Para Clayton Reis ldquoa indenizaccedilatildeo por dano punitivo eacute aplicada quando a vitima sofre

um dano que eacute produzido de maneira intencional maliciosa ou ainda como reflexo de

uma conduta consciente de extrema negligecircncia ou desprezo pelos seus direitos ou

interessesrdquo478

Seacutergio Cavalieri Filho professa que a indenizaccedilatildeo punitiva incide quando o

comportamento do ofensor se revelar grave e altamente reprovavel ldquonatildeo apenas em

funccedilatildeo do elemento subjetivo (dolo culpa grave fraude maliacutecia) mas tambeacutem em razatildeo

da reiteraccedilatildeo da conduta ofensiva e desconsideraccedilatildeo da viacutetima ndash indiferenccedila com a

sauacutede seguranccedila dignidade vulnerabilidade vantagem financeira etcrdquo479

Andreacute Gustavo Correcirca de Andrade arremata que nem toda indenizaccedilatildeo por dano

extrapatrimonial deve estar eivada da funccedilatildeo punitiva haja vista que nem todos os

comportamentos causadores de dano moral satildeo passiveis de puniccedilatildeo ldquosomente aqueles

particularmente reprovaveisrdquo480

Em igual caminho Nelson Rosenvald advoga pela incidecircncia da pena civil em caso de

comportamento doloso ou dotado de culpa grave481

sendo que a natildeo comprovaccedilatildeo do

elemento intencional do agente redundaraacute em reparaccedilatildeo meramente compensatoacuteria

jamais a pena civil Afinal natildeo haacute justificativa para a inibiccedilatildeo de condutas que mesmo

lesivas pertencem agrave natureza humana e podem suceder ateacute mesmo com pessoas

diligentes482

Como em nosso paiacutes a puniccedilatildeo-prevenccedilatildeo natildeo costuma ser aplicada na forma de uma

pena civil mas sim mediante a consideraccedilatildeo de criteacuterios relacionados agrave

condutaatividade do ofensor no arbitramento da indenizaccedilatildeo do dano extrapatrimonial

se faz a descarga de mercadorias a mudanccedila do local onde ela ocorre e a colocaccedilatildeo de placas para

diminuir o ruido a fim de mitigar os incocircmodos causados a vizinhanccedilardquo (TJSP ndash 2ordf Cacircmara Reservada ao

Meio Ambiente Apelaccedilatildeo nordm 0009953-6120118260047 Rel Des Souza Nery j 24102013) 478

Opcit p 172 479

Opcit p 138 480

Opcit p 146 Completa o autor ldquoEacute possivel por exemplo que o dano moral tenha sido causado sem

culpa do agente que todavia responderia por estar inserido em situaccedilatildeo de responsabilidade objetiva Em

uma tal situaccedilatildeo natildeo haacute que cogitar do caraacuteter do caraacuteter punitivo da indenizaccedilatildeo que deve desempenhar

apenas funccedilatildeo compensatoacuteria Do mesmo modo no acircmbito da responsabilidade subjetiva natildeo haacute razatildeo

para atribuir caraacuteter punitivo agrave indenizaccedilatildeo nos casos em que o dano moral foi causado foi causado por

culpa simples do ofensorrdquo (com relaccedilatildeo a incompatibilidade entre a funccedilatildeo punitiva e a responsabilidade

civil objetiva o proacuteprio autor desenvolve adiante em seu texto que os criteacuterios punitivos podem ser

utilizados se comprovada a culpa grave ou o dolo do ofensor) 481

ldquoAssim natildeo nos referimos a qualquer nivel de culpa lato sensu mas o comportamento doloso ou uma

culpa grave que aquele se equipare quando o agente atue contrariamente ao direito mesmo tendo ciecircncia

da nocividade da conduta ou ao contraacuterio deixe de agir nas hipoacuteteses em que o ordenamento demandava

a sua atuaccedilatildeo Cuida-se do ato iliacutecito intencional e malicioso deliberadamente praticado por quem tinha

ciecircncia de seu agir antijuriacutedico e a predisposiccedilatildeo ao desrespeito ao ordenamento juriacutedico

Alternativamente equipara-se ao dolo do ofensor a culpa grave grosseiramente irresponsaacutevel e indicativa

de um aberto menoscabo do agente diante da situaccedilatildeo juriacutedica da viacutetima Em suma desdeacutem quanto ao

compromisso social que deveria seguir mas que ignorardquo (Opcit p 80) 482

Opcit p 81

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questiona-se se somente em caso de dolo ou culpa grave do autor do dano ou de conduta

lesiva reiterada eacute que a indenizaccedilatildeo conteraacute tais elementos punitivos-dissuasoacuterios

Entendemos que sim Para o arbitramento da indenizaccedilatildeo dispotildee o juiz em tese de

criteacuterios pertinentes agrave viacutetima e agrave gravidade e extensatildeo do dano para lhe gerar uma

satisfaccedilatildeo e outros criteacuterios para punir o agente com a finalidade de desincentivaacute-lo a

reincidir e dissuadir terceiros a incorrer na mesma praacutetica Os primeiros seratildeo sempre

utilizados Jaacute para o uso dos segundos o magistrado teraacute antes que verificar se

realmente eacute caso de punir o ofensor Nessa esteira se o agente por exemplo agir com

culpa leve ou leviacutessima a condutaatividade natildeo reclamaraacute puniccedilatildeo somente reparaccedilatildeo

Portanto o valor da indenizaccedilatildeo seraacute pautado somente pelos criteacuterios compensatoacuterios

Mesmo que o ofensor tenha uma situaccedilatildeo econocircmica bastante confortaacutevel natildeo deveraacute o

juiz elevar a indenizaccedilatildeo sob o argumento de que o valor compensatoacuterio eacute baixo e

sendo o autor do dano uma pessoa abastada esse valor natildeo lhe afetaraacute Neste caso o

valor realmente natildeo precisa afetaacute-lo apenas satisfazer a viacutetima

Com relaccedilatildeo ao momento de invocaccedilatildeo dos criteacuterios punitivos-preventivos no

arbitramento da indenizaccedilatildeo Clayton Reis observa que a jurisprudecircncia tem seguido na

fixaccedilatildeo do valor do dano moral o criteacuterio bifaacutesico483

e sugere que passe a secirc-lo por um

criteacuterio trifaacutesico tanto em caso de danos extrapatrimoniais individuais como coletivos

No criteacuterio bifaacutesico tem-se um primeiro momento em que o valor da indenizaccedilatildeo eacute

fixado a partir de precedentes semelhantes do mesmo Tribunal e um segundo momento

em que se avalia as circunstacircncias e peculiaridades da situaccedilatildeo concreta que podem

aumentar ou reduzir o valor paradigmaacutetico

No criteacuterio trifaacutesico proposto por Clayton Reis o terceiro momento seria reservado para

o juiz adicionar as majoraccedilotildees necessaacuterias a atribuir agrave indenizaccedilatildeo o caraacuteter punitivo-

pedagoacutegico-preventivo caso constatado que o ofendido agiu com dolo ou culpa grave a

ponto de merecer a indenizaccedilatildeo punitiva

Antonio Jeovaacute Santos se aproxima dessa proposta ao sugerir que seja adicionada uma

terceira fase ao criteacuterio bifaacutesico da indenizaccedilatildeo para onerar o agressor se demonstrada a

ldquoculpa lucrativardquo Nesta fase o juiz apuraria a culpa lucrativa do empresario que se

verifica quando ldquoa empresa sabe que seus produtos e serviccedilos causam prejuizos mas

depois de realizar caacutelculo estatiacutestico verifica que o custo-benefiacutecio lhe eacute favoraacutevel se

continuar em sua praacutetica iliacutecita Em seus diaboacutelicos caacutelculos jaacute estatildeo previstos que os

danos que deve pagar satildeo infinitamente menores do que os ganhos que obteraacute mesmo

prosseguindo em sua faina ruinosardquo 484

Observa-se assim que o autor propotildee seja

reservada a uma terceira etapa a tarefa de aumentar a indenizaccedilatildeo com fins punitivos-

pedagoacutegicos-preventivos

483

Na Ediccedilatildeo 125 da ldquoJurisprudecircncia em Tesesrdquo do STJ (publicaccedilatildeo periodica que apresenta um conjunto

de teses sobre determinada mateacuteria com os julgados mais recentes do Tribunal sobre a questatildeo) dedicada

ao tema da Responsabilidade civil ndash dano moral tem-se a seguinte tese ldquo1) A fixaccedilatildeo do valor devido a

tiacutetulo de indenizaccedilatildeo por danos morais deve considerar o meacutetodo bifaacutesico que conjuga os criteacuterios da

valorizaccedilatildeo das circunstacircncias do caso e do interesse juriacutedico lesado e minimiza eventual arbitrariedade

ao se adotar criteacuterios unicamente subjetivos do julgador aleacutem de afastar eventual tarifaccedilatildeo do danordquo 484

Opcit p 218

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272

A ideia de se ter uma terceira e especiacutefica etapa para aplicar os aumentos financeiros

com escopo punitivo-dissuasoacuterio estaacute embasada na necessidade de distinguir o que eacute

compensaccedilatildeo do que eacute puniccedilatildeo para que esta uacuteltima mostre para o autor do dano quanto

lhe custou seu comportamento reprovaacutevel e assim seja ele alertado e estimulado a natildeo

mais agir dessa forma Ao se misturar os criteacuterios sem indicar quanto da indenizaccedilatildeo

corresponde agrave puniccedilatildeo enfraquece-se o propoacutesito dissuasoacuterio da responsabilidade civil

ldquoQuando as funccedilotildees compensatoria e punitiva satildeo prontamente dispostas na

mesma foacutermula de condenaccedilatildeo misturando os seus criteacuterios de quantificaccedilatildeo

eacute gerada uma insuficiente ou ateacute mesmo imperceptiacutevel prevenccedilatildeo e puniccedilatildeo

de comportamentos lesivos Explicamos ao ofensor deve ficar claro que

poderia ter arcado com indenizaccedilatildeo inferior caso sua conduta disse distinta

estimulando-o a adotar medidas preventivas com relaccedilatildeo a danos semelhantes

futuros

[]

Desse modo adotamos a ideia de que aferir a maliacutecia ou grave negligecircncia da

conduta do ofensor agraves situaccedilotildees existenciais alheias faz parte de um uacuteltimo

momento no arbitramento somente apoacutes fixado o valor do dano moral na

medida da extensatildeo do dano Sofrido pela viacutetima in casurdquo485

Natildeo nos opomos agrave proposta acima exposta por proporcionar maior clareza e

transparecircncia no uso dos criteacuterios dosadores do quantum indenizatoacuterio mas tambeacutem

natildeo julgamos essencial a sua adoccedilatildeo desde que a decisatildeo judicial no criteacuterio bifaacutesico

deixe absolutamente expliacutecitos todos os aspectos que fizeram a praacutetica lesiva ser

considerada reprovaacutevel e o valor da indenizaccedilatildeo ser elevado Isso porque de fato de

nada adiantaria agravar a indenizaccedilatildeo se o ofensor natildeo pudesse ter a consciecircncia de que

foi sua conduta deploraacutevel que gerou tal agravamento

512 A VEDACcedilAtildeO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DA VIacuteTIMA

Um aspecto que costuma ser levantado para colocar em questionamento a indenizaccedilatildeo

punitiva assim como os elementos punitivos-dissuasoacuterios agregados agrave indenizaccedilatildeo eacute o

fato de se adicionar um valor para a viacutetima aleacutem do dano que ela sofreu - o que para

alguns eacute uma forma de enriquecimento sem causa e portanto afronta ao art 884 do

Coacutedigo Civil486

- e de paralelamente servir de gatilho para demandas friacutevolas movidas

por vitimas que vecircm na indenizaccedilatildeo uma forma ldquofacilrdquo de amealhar recursos (a

chamada induacutestria do dano moral)

No sistema norte-americano dos punitive damages o problema do enriquecimento da

viacutetima eacute solucionado mediante a destinaccedilatildeo de parte do valor da indenizaccedilatildeo punitiva a

terceiros que natildeo a viacutetima Como relata Nelson Rosenvald a evoluccedilatildeo do sistema legal

americano dos punitive damages concretizou paulatinamente uma funccedilatildeo social da pena

485

REIS Clayton Opcit p 224 486

Art 884 Codigo Civil ldquoAquele que sem justa causa se enriquecer agrave custa de outrem seraacute obrigado a

restituir o indevidamente auferido feita a atualizaccedilatildeo dos valores monetariosrdquo

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

273

civil ldquopela via de uma distribuiccedilatildeo dos valores da condenaccedilatildeo - parcialmente ao autor

da demanda e parcialmente ao Estado ou a fundos especificosrdquo487

Essa soluccedilatildeo contudo natildeo tem como ser aplicada em nosso paiacutes considerando que natildeo

se impotildee ao ofensor a obrigaccedilatildeo de pagar dois montantes distintos um a tiacutetulo de

reparaccedilatildeo outro a tiacutetulo de puniccedilatildeo O valor da indenizaccedilatildeo eacute uacutenico e mesmo que ele

contenha valores incluiacutedos a tiacutetulo punitivo-pedagoacutegico natildeo haacute como fracionaacute-lo para

estabelecer dois ou mais destinataacuterios Demais disso faltam criteacuterios legais para se

definir um destinataacuterio diverso para tal quantia (Estado Fundos ambientais ou de

direitos difusos Instituiccedilotildees sem fins lucrativos) e a divisatildeo do montante entre a

viacutetima e demais beneficiaacuterios

Disso decorre que eacute a viacutetima que perceberaacute o valor adicionado agrave indenizaccedilatildeo com

finalidade punitiva-pedagoacutegica-preventiva E haacute uma seacuterie de argumentos para justificar

que assim o seja

O primeiro deles eacute o de que existe sim uma causa para o aumento patrimonial da

viacutetima que eacute a decisatildeo judicial que reconhece o dano por ela sofrido e que arbitra o

valor da compensaccedilatildeo combinando criteacuterios relacionados ao dano e criteacuterios

relacionados ao causador do dano Nesse sentido Nelson Rosenvald rebate o argumento

do enriquecimento sem causa da viacutetima justamente pelo fato da indenizaccedilatildeo ser

estabelecida pelo juiz de direito pois em seu sentir ldquonatildeo se pode cogitar de

locupletamento iliacutecito quando o montante destinado agrave viacutetima eacute proveniente de uma

decisatildeo judicial Esta eacute a justa causa de atribuiccedilatildeo patrimonialrdquo488

Jaacute Antonio Jeovaacute Santos concorda que a indenizaccedilatildeo natildeo pode gerar um benefiacutecio

excessivo agrave viacutetima a ponto de significar uma fonte de enriquecimento surgida da

indenizaccedilatildeo Entretanto quando o ofensor lucra com o iliacutecito - caso de culpa lucrativa -

o valor da indenizaccedilatildeo haacute que ser aumentado para que o ressarcimento seja

compensatoacuterio e ao mesmo tempo exemplar ainda que a viacutetima tenha que receber essa

ldquodiferenccedilardquo

ldquoEntre o lucro de quem se propotildee a danar massa enorme de consumidores e a

fixaccedilatildeo de um valor que leve a um pequeno enriquecimento da viacutetima

preferiacutevel este uacuteltimo meacutetodo para dissuadir o agente do iliacutecito a prosseguir

em seu trabalho que resulta danoso mas que acarreta grandes lucros a este

uacuteltimordquo489

Adicionalmente a tais posicionamentos haacute quem considere que eacute justo que a viacutetima

receba o valor compensatoacuterio acrescido do valor punitivo desde que este uacuteltimo natildeo

seja exorbitante baseado no entendimento de que este valor constitui uma espeacutecie de

recompensa ao ofendido que ldquoagiu como porta-voz de um sentimento comum a uma

coletividade de pessoasrdquo490

Eacute certo que a viacutetima defende interesse proacuteprio mas quando

se chega a computar na indenizaccedilatildeo a vertente punitiva-preventiva o efeito dissuasoacuterio

aproveita a toda a coletividade e natildeo apenas agrave viacutetima Pocircde-se dizer entatildeo que a

487

Opcit p 139 488

Opcit p 251 489

Opcit p 222-223 490

ROSENVALD Nelson Obcit p 252

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

274

demanda ajuizada pela viacutetima gera um benefiacutecio indireto a todos Dessa forma receber

um valor a maior pode ser puro merecimento491

Por fim muitos consideram sequer haver enriquecimento sem causa da viacutetima se o valor

arbitrado ainda que a partir de criteacuterios punitivos natildeo for excessivo desproporcional e

desarrazoado Essa visatildeo estaacute refletida em diversas decisotildees judiciais492

que aceitam que

a indenizaccedilatildeo tenha componentes punitivos-preventivos mas nunca em montante

deveras elevado493

No tocante agrave indenizaccedilatildeo por dano extrapatrimonial difuso em que o recurso financeiro

eacute depositado no fundo de defesa dos direitos difusos porque impossiacutevel (e

desnecessaacuterio) determinar as viacutetimas existe a mesma preocupaccedilatildeo de natildeo gerar o

491

Nelson Rosenvald explica que ao levar ao tribunal o autor de um iliacutecito reprovaacutevel - digno de

contenccedilatildeo e reprimenda ndash a vitima ldquoconsumiu o seu tempo as suas energias efetuou despesas processuais

e com profissionais quando muitas vezes os danos patrimoniais individuais eram de pequena monta ou de

difiacutecil comprovaccedilatildeo o que normalmente desestimularia muitos outros ofendidos a ingressar em uma

demanda de resultados imprevisiacuteveis Tal como Robin Hood reivindicou justiccedila em nome proacuteprio e de

outros muitos O interesse do autor da demanda eacute o que concede efetividade a penardquo (Opcit p 252)

Apesar disso o doutrinador natildeo concorda com a destinaccedilatildeo integral dos valores punitivos agrave viacutetima

propondo o fracionamento da condenaccedilatildeo entre o agente e o Estadooacutergatildeos puacuteblicosentidades

beneficentes (Opcit p 253) 492

ldquoPROCESSUAL CIVIL ILEGITIMIDADE ATIVA AFERICcedilAtildeO FATICO-PROBATOacuteRIA

RECURSO ESPECIAL SUacuteMULA 7-STJ CIVIL PUBLICACcedilAtildeO JORNALIacuteSTICA DANOS

MORAIS INDENIZACcedilAtildeO MONTANTE RAZOAacuteVEL REDUCcedilAtildeO IMPOSSIBILIDADE

[]

2 - A indenizaccedilatildeo tem aleacutem do escopo reparatoacuterio a finalidade de desestimular o ofensor a repetir o ato

Entretanto haacute de se pautar pela proporcionalidade levando em conta as peculiaridades da demanda e as

partes envolvidas evitando-se assim o enriquecimento ilicitordquo (STJ ndash Quarta Turma REsp 348388RJ

Rel Min Fernando Gonccedilalves j 07102004) No mesmo sentido STJ ndash Quarta Turma REsp

401358PB Rel Min Carlos Fernando Mathias j 05032009) 493

ldquoPRESTACcedilAtildeO DE SERVICcedilOS TELEFONIA MOacuteVEL INSCRICcedilAtildeO INDEVIDA NO ROL DE

INADIMPLENTES DANOS MORAIS INSCRICcedilAtildeO INDEVIDA REALIZADA PELA REacute DO NOME

DA AUTORA NOS OacuteRGAtildeOS DE PROTECcedilAtildeO AO CREacuteDITO DANO MORAL PRESUMIDO (IN RE

IPSA) NATUREZA COMPENSATOacuteRIA E SANCIONATOacuteRIA (PUNITIVE DAMAGES) DA

INDENIZACcedilAtildeO DANOS MORAIS EXISTEcircNCIA INSCRICcedilAtildeO INDEVIDA DO NOME DA

AUTORA EM CADASTRO DE PROTECcedilAtildeO AO CREacuteDITO GERA DANOS MORAIS OFENSA Agrave

HONRA POR MACULAR O BOM NOME NO MERCADO MAJORACcedilAtildeO DO QUANTUM

INDENIZATOacuteRIO POSSIBILIDADE DE MAJORACcedilAtildeO PARA O MONTANTE DE R$ 1000000

DE ACORDO COM OS PRINCIacutePIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE

OBSERVADAS AS PECULIARIDADES DA LIDE MAJORACcedilAtildeO DOS HONORAacuteRIOS

SUCUMBENCIAIS EM SEDE RECURSAL CABIMENTO NOS TERMOS DO ART 85 sect 11 DO

CPC RECURSO DA REacute NAtildeO PROVIDO E RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO

[]

Para o arbitramento do valor indenizatoacuterio eacute certo que devem ser considerados os princiacutepios da

razoabilidade e proporcionalidade a fim de se atender as funccedilotildees (i) reparatoacuteria e (ii) punitiva do instituto

da responsabilidade civil Ressalve-se ainda que natildeo deve a indenizaccedilatildeo pelo dano moral representar

procedimento de enriquecimento injustificado para aquele que se pretende indenizar jaacute que dessa forma

haveria um desvirtuamento iliacutecito do ordenamento juriacutedico e ao mesmo tempo natildeo pode transparecer

iniquidade ao causador do dano

[]

Portanto a reparaccedilatildeo do dano moral natildeo pode representar procedimento de enriquecimento para aquele

que se pretende indenizar jaacute que dessa forma haveria um desvirtuamento iliacutecito e inconstitucional do

ordenamento juriacutedico atinente agrave responsabilidade civil e por outro lado se o valor indenizatoacuterio for

insignificante natildeo atingiraacute o fim de coibir a praacutetica de conduta iliacutecita como tambeacutem deixaraacute de atender os

fins do instituto da responsabilidade civilrdquo (TJSP - 28ordf Cacircmara de Direito Privado Apelaccedilatildeo nordm 1061356-

7720178260100 Rel Des Berenice Marcondes Cesar j 27022018)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

275

enriquecimento sem causa494

Mas eacute uma preocupaccedilatildeo de menor intensidade haja vista

que a indenizaccedilatildeo por danos difusos eacute revertida a um fundo puacuteblico ndash o FDDD ndash que eacute

justamente um dos destinos sugeridos pelos doutrinadores que temem o enriquecimento

iliacutecito pois toda a sociedade acaba se beneficiando de tais valores natildeo apenas uma

viacutetima individualizada

Cumpre mencionar por fim que o valor indenizatoacuterio em caso de dano difuso costuma

ficar em patamares mais altos jaacute de partida pelo fato deste tipo de dano atingir um

nuacutemero indeterminaacutevel de pessoas o que denota de per si a sua gravidade Mas a

elevaccedilatildeo a esse tiacutetulo natildeo pode ser confundida com enriquecimento sem causa pois a

gravidade do dano e a extensatildeo das viacutetimas sequer guardam relaccedilatildeo com os criteacuterios

punitivos estando atrelados em verdade aos criteacuterios compensatoacuterios (ligados ao dano

natildeo ao ofensor)

52 INDENIZACcedilAtildeO DOS DANOS AMBIENTAIS EXTRAPATRIMONIAIS

COM CARAacuteTER PUNITIVO

A teoria do valor do desestiacutemulo ganha contornos altamente relevantes no Direito

Ambiental dado que como anteriormente mencionado todo dano ambiental tem efeitos

extrapatrimoniais e grande parte dos danos ambientais extrapatrimoniais teraacute que ser

reparada mediante indenizaccedilatildeo se ndash e apenas se - demonstrada a inviabilidade da

reparaccedilatildeo in natura

Annelise Monteiro Steigleder natildeo concorda com a aplicaccedilatildeo da indenizaccedilatildeo punitiva no

acircmbito da responsabilidade civil ambiental sob o argumento de que o art 225 sect3ordm da

Constituiccedilatildeo Federal atribui agrave responsabilidade civil a funccedilatildeo de promover a reparaccedilatildeo

do dano ficando a funccedilatildeo punitiva com o direito penal e com o direito administrativo

sancionador495

Para a autora os criteacuterios para o arbitramento do dano extrapatrimonial

associado ao meio ambiente ldquonatildeo poderatildeo sopesar as circunstacircncias subjetivas

individuais do poluidor tais como a intensidade da culpa ou do dolo os motivos da

infraccedilatildeo suas condiccedilotildees econocircmicas e o lucro obtidordquo496

e sugere como criteacuterios

norteadores do valor da indenizaccedilatildeo intensidade do risco criado e a gravidade do dano

para o ambiente natural e para a sociedade devendo o juiz considerar o tempo durante o

qual a degradaccedilatildeo persistiraacute privando a comunidade da fruiccedilatildeo dos atributos do meio

ambiente ou do bem cultural e avaliando se o dano eacute ou natildeo reversiacutevel e o grau de

proteccedilatildeo juriacutedica atribuiacutedo ao bem ambiental lesado (pex lesatildeo agrave vegetaccedilatildeo de uma

aacuterea de preservaccedilatildeo permanente eacute mais grave do que agraves demais formas de vegetaccedilatildeo

sem especial proteccedilatildeo assim como dano a animais ameaccedilados de extinccedilatildeo eacute mais grave

do que aos demais componentes da fauna)497

494

Annelise Monteiro Steigleder defende que o valor da indenizaccedilatildeo seja proporcional ao dano e jamais

ocasione o enriquecimento da viacutetima acrescentando que essa loacutegica deve ser observada natildeo apenas na

fixaccedilatildeo da indenizaccedilatildeo do dano moral individual mas tambeacutem do difuso ldquoainda que a indenizaccedilatildeo seja

revertida para o Fundo de que trata o art 13 da Lei 734785rdquo (Obcit p 255) 495

Opcit p 253 496

Opcit p 255 497

Ibidem mesma paacutegina

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276

Aacutelvaro Luiz Valery Mirra pelo contraacuterio sustenta que mesmo natildeo tendo a puniccedilatildeo civil

qualquer relaccedilatildeo direta com o prejuiacutezo podendo acarretar inclusive uma condenaccedilatildeo

que ultrapasse as consequecircncias prejudiciais do fato danoso ela deve ser utilizada no

Direito Ambiental em razatildeo do seu efeito preventivo

ldquo[] a imposiccedilatildeo na condenaccedilatildeo do pagamento de uma quantia em dinheiro

ou de outra providecircncia qualquer a tiacutetulo de valor de desestiacutemulo ou a

determinaccedilatildeo no contexto da reparaccedilatildeo integral do dano ao meio ambiente

da restituiccedilatildeo ao patrimocircnio puacuteblico pelo degradador do proveito econocircmico

por ele obtido com a atividade lesiva satildeo reconhecidamente medidas

inseridas no acircmbito estrito da tutela reparatoacuteria propriamente dita para que a

responsabilidade civil ambiental cumpra suas funccedilotildees acessoacuterias

tradicionalmente aceitas de dissuasatildeo de comportamentos iliacutecitos e de

prevenccedilatildeo particular e geral contra atentados a bens e direitos que

importam agrave vida e agrave dignidade humanasrdquo 498

(gn)

Clayton Reis499

partilha do entendimento de que a indenizaccedilatildeo por danos

extrapatrimoniais ambientais deve se revestir de uma faceta punitiva aleacutem da

compensatoacuteria com o fito de coibir condutas futuras semelhantes

ldquoEssa faceta pedagogica eacute necessaria para que natildeo seja financeiramente

atrativo arcar com o dano ou simplesmente assumir o risco Evidente que as

empresas tomam suas decisotildees com base em argumentos econocircmicos (custo-

beneficio) de modo que muitas vezes lsquodeixam de investir em mecanismos

de prevenccedilatildeo (e controle de qualidade mais rigorosos sobre os serviccedilos

prestadosrsquo visando a elevar sua margem de lucrosrdquo500

Com relaccedilatildeo a aplicaccedilatildeo do mecanismo punitivo-preventivo no Direito Ambiental o

autor lembra dos recentes casos mais ceacutelebres de dano ambiental (pex o acidente com

vazamento de substacircncias toacutexicas no Terminal Alemoa em SantosSP e o rompimento

da Barragem de Fundatildeo em MarianaMG ambos em 2015) que evidenciam condutas

bastante censuraveis por parte das empresas ldquoque poderiam ter sido mais diligentes

caso houvesse uma clara equaccedilatildeo econocircmica que tornasse mais vantajoso o

investimento na prevenccedilatildeo que assumir o risco da reparaccedilatildeordquo501

O STJ usualmente inclui criteacuterios punitivos-preventivos na valoraccedilatildeo do dano moral

individual assim como no dano moral coletivo (desde que em patamares natildeo

exorbitantes) como se extrai das decisotildees abaixo em accedilotildees versando sobre dano

ambiental e dano por intermeacutedio do meio ambiente

ldquoADMINISTRATIVO AMBIENTAL ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA

DESMATAMENTO EM AacuteREA DE PRESERVACcedilAtildeO PERMANENTE

(MATA CILIAR) DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE

BIOMA DO CERRADO ARTS 4ordm VII E 14 sect 1ordm DA LEI 69381981

E ART 3ordm DA LEI 73471985 PRINCIacutePIOS DO POLUIDOR-

PAGADOR E DA REPARACcedilAtildeO INTEGRAL REDUCTIO AD

PRISTINUM STATUM FUNCcedilAtildeO DE PREVENCcedilAtildeO ESPECIAL E

GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL CUMULACcedilAtildeO DE

OBRIGACcedilAtildeO DE FAZER (RESTAURACcedilAtildeO DA AacuteREA

DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZACcedilAtildeO)

498

O efeito punitivo da responsabilidade civil ambiental 499

Opcit p 300 500

Idem ibidem p 34 501

Opcit p 316

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

277

POSSIBILIDADE DANO AMBIENTAL REMANESCENTE OU

REFLEXO ART 5ordm DA LEI DE INTRODUCcedilAtildeO AgraveS NORMAS DO

DIREITO BRASILEIRO INTERPRETACcedilAtildeO IN DUBIO PRO

NATURA

[]

Logo a responsabilidade civil se realmente aspira a adequadamente

confrontar a natureza expansiva e difusa do dano ambiental deve ser

compreendida o mais amplamente possiacutevel de modo que a condenaccedilatildeo a

recuperar a aacuterea prejudicada natildeo exclua o dever de indenizar ndash juiacutezos

retrospectivo e prospectivo Natildeo cabe descuidar que aleacutem de sua funccedilatildeo

estritamente reparatoacuteria a responsabilizaccedilatildeo civil do degradador visa a

responder de maneira direta e eficaz agrave sua conduta evitando que nela

reincida ou agrave o dano jaacute causado (= prevenccedilatildeo especial) e

simultaneamente a desestimular comportamentos assemelhados de

terceiros (= prevenccedilatildeo geral)

[]

Numa palavra sai-se do paradigma do dano causado para o paradigma do

ilicito causadordquo502

(gn)

ldquoADMINISTRATIVO AMBIENTAL ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA

POLUICcedilAtildeO RECURSOS HIacuteDRICOS LANCcedilAMENTO DE

EFLUENTES INDUSTRIAIS SEM TRATAMENTO NO CURSO

DAacuteGUA E NO SOLO PRINCIacutePIO DA REPARACcedilAtildeO IN

INTEGRUM ARTS 4ordm VII E 14 sect 1ordm DA LEI 69381981 E ART 3ordm

DA LEI 73471985 ART 5ordm DA LEI DE INTRODUCcedilAtildeO AO COacuteDIGO

CIVIL INTERPRETACcedilAtildeO IN DUBIO PRO NATURA DA NORMA

AMBIENTAL 1 Os autos cuidam de Accedilatildeo Civil Puacuteblica proposta com o fito de obter

responsabilizaccedilatildeo por danos ambientais causados pelo lanccedilamento de

efluentes industriais sem tratamento em curso daacutegua e no solo O Tribunal

de Justiccedila do Rio Grande do Sul considerou provado o dano ambiental

poreacutem julgou improcedente o pedido indenizatoacuterio pelo dano ecoloacutegico

preteacuterito e residual

2 A jurisprudecircncia do STJ estaacute firmada no sentido da viabilidade no acircmbito

da Lei 73471985 e da Lei 69381981 de cumulaccedilatildeo de obrigaccedilotildees de fazer

de natildeo fazer e de indenizar 3 Adotado pelo Direito Ambiental brasileiro

(arts 4deg inciso VII e 14 sect 1deg da Lei 69381981) o princiacutepio da reparaccedilatildeo

in integrum desaacutegua na exigecircncia da compreensatildeo a mais ampla possiacutevel da

responsabilidade civil possibilitando a cumulaccedilatildeo do dever de recuperar o

bem atingido ao seu estado natural anterior (= prestaccedilatildeo in natura) com o

dever de indenizar prejuiacutezos inclusive o moral coletivo (= prestaccedilatildeo

pecuniaacuteria) mesmo que por estimativa Reparaccedilatildeo integral tambeacutem

pressupotildee observar com atenccedilatildeo a funccedilatildeo punitiva e inibitoacuteria da

responsabilidade civil de modo a afastar perigosa impressatildeo real ou

imaginaacuteria de que a degradaccedilatildeo ambiental compensa social e

financeiramente 4 Recurso Especial parcialmente providordquo503

(gn)

ldquoRESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVEacuteRSIA

ART 543-C DO CPC DANOS DECORRENTES DO ROMPIMENTO

DE BARRAGEM ACIDENTE AMBIENTAL OCORRIDO EM

JANEIRO DE 2007 NOS MUNICIacutePIOS DE MIRAIacute E MURIAEacute

ESTADO DE MINAS GERAIS TEORIA DO RISCO INTEGRAL

NEXO DE CAUSALIDADE

1 Para fins do art 543-C do Coacutedigo de Processo Civil a) a responsabilidade

por dano ambiental eacute objetiva informada pela teoria do risco integral sendo

o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre

na unidade do ato sendo descabida a invocaccedilatildeo pela empresa responsaacutevel

pelo dano ambiental de excludentes de responsabilidade civil para afastar

502

STJ ndash Segunda Turma REsp 1145083MG Rel Min Herman Benjamin j 27092011 503

STJ ndash Segunda Turma REsp 1661859RS Rel Min Herman Benjamin j 03102017

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

278

sua obrigaccedilatildeo de indenizar b) em decorrecircncia do acidente a empresa deve

recompor os danos materiais e morais causados e c) na fixaccedilatildeo da

indenizaccedilatildeo por danos morais recomendaacutevel que o arbitramento seja

feito caso a caso e com moderaccedilatildeo proporcionalmente ao grau de culpa

ao niacutevel socioeconocircmico do autor e ainda ao porte da empresa

orientando-se o juiz pelos criteacuterios sugeridos pela doutrina e jurisprudecircncia

com razoabilidade valendo-se de sua experiecircncia e bom senso atento agrave

realidade da vida e agraves peculiaridades de cada caso de modo que de um lado

natildeo haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenizaccedilatildeo e de

outro haja efetiva compensaccedilatildeo pelos danos morais experimentados por

aquele que fora lesado

2 No caso concreto recurso especial a que se nega provimentordquo504

(gn)

O mesmo se observa em outros tribunais

ldquoADMINISTRATIVO AMBIENTAL ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA

MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO FEDERAL IMOacuteVEL SITUADO EM AacuteREA

DE PRESERVACcedilAtildeO PERMANENTE REGRA AMBIENTAIS NAtildeO

OBSERVADAS DEMOLICcedilAtildeO FATO CONSUMADO AFASTADO

PRECEDENTES INDENIZACcedilAtildeO RESPONSABILIDADE

OBJETIVA FIXACcedilAtildeO DO QUANTUM INDENIZATOacuteRIO

[]

7 Comprovado nos autos que o Municiacutepio de Arraial do Cabo aprovou um

projeto residencial em Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente contrariando a

legislaccedilatildeo ambiental e comprovado o dano ambiental pela construccedilatildeo em

aacuterea de restinga como fixadora de dunas devem ser responsabilizados os

reacuteus com a determinaccedilatildeo de demoliccedilatildeo do imoacutevel e a recuperaccedilatildeo da aacuterea

degrada aleacutem de fixaccedilatildeo de indenizaccedilatildeo a ser paga ao Fundo de Defesa dos

Direitos Difusos pelos danos causados ao meio ambiente com fundamento

no art 225 sect 3ordm da CRFB88 art 2ordm f da Lei 477165 e art 18 cc art 14

sect 1ordm ambos da Lei 693881 vigentes agrave eacutepoca

8 Para a fixaccedilatildeo do quantum indenizatoacuterio devem ser observados os

princiacutepios do poluidor pagador e da razoabilidade o que significa que a

fixaccedilatildeo da quantia aleacutem de ressarcir o dano deva ter caraacuteter punitivo

pedagoacutegico e preventivo Assim o valor encontra-se dentro de paracircmetros

indicados pela sentenccedila considerando a gravidade do dano ambiental e o

longo periacuteodo de desrespeito agraves regras de proteccedilatildeo ao meio ambiente

pois mesmo apoacutes ter sido negada a seguranccedila no Mandado de Seguranccedila

nordm 990207681-5 o Reacuteu continuou a degradar o meio ambiente com a

concordacircncia do Poder Puacuteblico Municipal sob pena de frustrar o

caraacuteter pedagoacutegico-punitivo da sanccedilatildeo e incentivar a impunidaderdquo505

(gn)

ldquoACcedilAtildeO INDENIZATOacuteRIA - ILEGITIMIDADE ATIVA - BARRAGEM

DE FUNDAtildeO - ROMPIMENTO - ATIVIDADE PESQUEIRA -

COMPROMETIMENTO - ILIacuteCITO MORAL - CARACTERIZACcedilAtildeO -

MONTANTE INDENIZATOacuteRIO - FEICcedilAtildeO ABUSIVA - AUSEcircNCIA -

JUROS DE MORA - MARCO INICIAL A pessoa que prova o exerciacutecio da atividade de pesca profissional para a qual

estava devidamente habilitada e nesta condiccedilatildeo foi atingida pelo desastre

ambiental decorrente do rompimento da barragem de Fundatildeo que dentre

outras consequecircncias comprometeu as aacuteguas do Rio Doce eacute parte legiacutetima

para reivindicar tutela de danos morais A caracterizaccedilatildeo do iliacutecito porque

constatada no cenaacuterio litigioso impotildee para a mineradora a obrigaccedilatildeo de

responder pelo pagamento da correspondente indenizaccedilatildeo Inexistindo

paracircmetros objetivos para a fixaccedilatildeo do montante indenizatoacuterio em

504

STJ ndash Segunda Seccedilatildeo REsp 1374284MG Rel Min Luis Felipe Salomatildeo j 27082014 505

TRF-2ordf Regiatildeo ndash Sexta Turma Apelaccedilatildeo 0000268-5920034025108 Rel Des Poul Erik Dyrlund j

04032020

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

279

situaccedilotildees tais deve o julgador observar a razoabilidade e a

proporcionalidade atentando para o seu caraacuteter punitivo-educativo e

tambeacutem amenizador do infortuacutenio causado Faltando ao montante

arbitrado feiccedilatildeo exorbitante natildeo haacute campo para reduccedilatildeo Tratando-se de

responsabilidade extracontratual os juros moratoacuterios incidentes sobre a

indenizaccedilatildeo moral contam-se do evento danosordquo506

(gn)

ldquoAPELACcedilAtildeO CIacuteVEL ACcedilAtildeO DE INDENIZACcedilAtildeO POR DANOS

MATERIAIS E MORAIS E LUCROS CESSANTES LANCcedilAMENTO

DE DEJETOS DE SUIacuteNO EM RIACHO QUE ABASTECE OS

ACcedilUDES DE PROPRIEDADE DO AUTOR MORTANDADE DE

PEIXES SENTENCcedilA DE PARCIAL PROCEDEcircNCIA

INSURGEcircNCIA DAS PARTES TAtildeO SOMENTE QUANTO Agrave

VALORACcedilAtildeO DO QUANTUM INDENIZATOacuteRIO ARBITRADO A

TIacuteTULO DE DANOS MORAIS DIREITO AMBIENTAL

RESPONSABILIDADE OBJETIVA ARTIGO 14 sect1ordm DA LEI

69381981 VALOR INDENIZATOacuteRIO INADEQUADO

NECESSAacuteRIA MAJORACcedilAtildeO DO IMPORTE DE R$400000

(QUATRO MIL REAIS) PARA R$800000 (OITO MIL REAIS) EM

ATENCcedilAtildeO AOS PRINCIacutePIOS DA RAZOABILIDADE E DA

PROPORCIONALIDADE OBSERVADO O CARAacuteTER PUNITIVO E

PEDAGOacuteGICO DA MEDIDA SENTENCcedilA REFORMADA

RECURSO DO AUTOR CONHECIDO E PARCIALMENTE

PROVIDO RECURSO DOS REacuteUS CONHECIDO E DESPROVIDO

lsquoO valor da indenizaccedilatildeo por dano moral deve ser graduado de forma a coibir

a reincidecircncia do causador da ofensa dano e ao mesmo tempo inibir o

enriquecimento do lesado devendo-se aparelhar seus efeitos dentro de

um caraacuteter demarcadamente pedagoacutegico para que cumpra a indenizaccedilatildeo

as funccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas pela doutrina e pela jurisprudecircncia De

outro lado impotildeem-se consideradas as circunstacircncias do caso concreto

levando em conta no arbitramento do quantum correspondente a gravidade

do dano a situaccedilatildeo econocircmica do ofensor e as condiccedilotildees do lesadorsquo (TJSC

Apelaccedilatildeo Ciacutevel n 2015017783-3 da Capital rel Des Trindade dos Santos

j 16-4-2015)rdquo507

(gn)

ldquoAPELACcedilAtildeO CIacuteVEL DIREITO PUacuteBLICO NAtildeO ESPECIFICADO

DIREITO AMBIENTAL EXTRACcedilAtildeO MINERAL PARA

BENEFICIAMENTO DE TIJOLOS FATO INCONTESTE DANO

AMBIENTAL ART 225 DA CF ART 250 DA CONSTITUICcedilAtildeO

ESTADUAL RESPONSABILIDADE OBJETIVA OBSERVAcircNCIA

AOS PRINCIacutePIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA

RAZOABILIDADE ART 14 CAPUT E sect1ordm DA LEI Nordm 693881

[]

- Meacuterito

A extraccedilatildeo de argila para o beneficiamento de tijolos por longos anos sem a

devida licenccedila-preacutevia do oacutergatildeo ambiental eacute fato causador de danos

ambientais tendo em vista as regras constitucionais federal e estadual

regulamentadas pela legislaccedilatildeo infraconstitucional Aplicabilidade do art 225

da CF 250 da Constituiccedilatildeo Estadual do RS e da norma que estipula a

Poliacutetica Nacional de Meio Ambiente (Lei nordm 693881) No caso dos autos

natildeo haacute duacutevida de que tivesse ocorrido a extraccedilatildeo de minerais do solo para o

beneficiamento de tijolos sem a devida autorizaccedilatildeo ambiental necessaacuteria

causando danos ambientais a exigir plano de recuperaccedilatildeo da aacuterea degradada

bem como a imposiccedilatildeo de compensaccedilatildeo ambiental que observou os

princiacutepios da proporcionalidade e razoabilidade Ausente demonstraccedilatildeo de

que o demandado natildeo tivesse condiccedilotildees financeiras de suportar o provimento

condenatoacuterio de reparaccedilatildeo pelos danos ambientais causados razatildeo porque

506

TJMG ndash 12ordf Cacircmara Ciacutevel Apelaccedilatildeo Ciacutevel 1001116001578-7001 Rel Des JD Convocado

Octaacutevio de Almeida Neves j 03072019 507

TJSC ndash Cacircmara Especial Regional de Chapecoacute Apelaccedilatildeo 2010008115-9 Rel Des Marcelo Elias

Naschenweng j 25042016

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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deve ser mantido o montante arbitrado de forma fundamenta pelo juiacutezo

levando-se em consideraccedilatildeo ainda a funccedilatildeo pedagoacutegica e punitiva da

condenaccedilatildeordquo508

(gn)

ldquoADMINISTRATIVO ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA NOVACAP

EXTRACcedilAtildeO DE CASCALHO LATERIacuteTICO RECUPERACcedilAtildeO DA

AacuteREA DEGRADADA DANO EXTRAPATRIMONIAL AMBIENTAL

COMPENSACcedilAtildeO AMBIENTAL ASTREINTES

1 Na seara do direito ambiental a reparaccedilatildeo do dano prevalece em

detrimento da compensaccedilatildeo dada a relevacircncia do bem juriacutedico protegido

Assim se o bem ambiental lesado for imediata e completamente restaurado

ao status quo ante natildeo haacute falar ordinariamente em indenizaccedilatildeo Somente na

fase de cumprimento da sentenccedila far-se-aacute possiacutevel avaliar a real situaccedilatildeo da

aacuterea a fim de se impor compensaccedilatildeo pecuniaacuteria pelos danos insuscetiacuteveis de

recomposiccedilatildeo in natura

2 O dano moral ambiental possui dupla funccedilatildeo reparabilidade e

exemplaridade Sanciona o ofensor desestimulando novas lesotildees e

compensa os efeitos negativos decorrentes do desrespeito ao meio

ambiente A fixaccedilatildeo do quantum devido deve-se conformar com os

paracircmetros da proporcionalidade e da razoabilidade de modo a atender o

caraacuteter punitivo e pedagoacutegico da medida sem servir de enriquecimento iliacutecito

Valor fixado na sentenccedila cuja reduccedilatildeo se impotildee

[]rdquo509

(gn)

O custo da prevenccedilatildeo de danos ambientais pode ser alto e deve ele ser integralmente

suportado pelo empreendedor por forccedila do princiacutepio do poluidor-pagador510

Por conta

disso natildeo eacute raro que empreendedores menos comprometidos com a responsabilidade

social empresarial invistam recursos modestos e aqueacutem do necessaacuterio nos

procedimentos e tecnologias preventivas assumindo riscos calculados Eacute exatamente

esse tipo de postura que se busca evitar com a inclusatildeo de criteacuterios punitivos-

pedagoacutegicos-dissuasoacuterios na indenizaccedilatildeo por dano extrapatrimonial ambiental

Empreendedores natildeo devem assumir riscos que lhes representem um custo financeiro

administraacutevel mas coloquem a coletividade sob um risco intoleraacutevel Ou seja assumir

riscos ambientais natildeo pode ser mais vantajoso para a empresa do que aplicar recursos

nas medidas destinadas ao cumprimento da legislaccedilatildeo de proteccedilatildeo do meio ambiente e

na adequada gestatildeo ambiental da obra ou atividade Nesse sentido a possibilidade de

imposiccedilatildeo de uma indenizaccedilatildeo majorada para empreendedores que deliberadamente

optaram por economizar investimentos mesmo sabendo dos malefiacutecios que poderiam

decorrer dessa economia tanto para o meio ambiente como para a coletividade eacute uma

forma de tornar mais vantajosa a eliminaccedilatildeo do risco do que a sua assunccedilatildeo Logo eacute

uma maneira de demover os gestores de empreendimentos potencialmente poluidores de

adotarem comportamentos arriscados eou lesivos

O mesmo se aplica aos empreendedores que conscientemente descumprem a legislaccedilatildeo

ambiental seja por acreditarem que a ilegalidade natildeo seraacute descoberta e punida seja por

508

TJRS ndash Segunda Cacircmara Ciacutevel Apelaccedilatildeo 0419654-1020148217000 Rel Des Marilene Bonzanini

j27112014 509

TJDF ndash Seacutetima Turma Ciacutevel Apelaccedilatildeo 0000221-9820168070018 Rel Des Getuacutelio de Moraes

Oliveira j 25012017 510

Cf BECHARA Erika Princiacutepio do poluidor pagador Enciclopeacutedia juriacutedica da PUC-SP Celso

Fernandes Campilongo Alvaro de Azevedo Gonzaga e Andreacute Luiz Freire (coords) Tomo Direitos

Difusos e Coletivos Nelson Nery Jr Georges Abboud Andreacute Luiz Freire (coord de tomo) Satildeo Paulo

Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo 2017 Disponiacutevel

em httpsenciclopediajuridicapucspbrverbete334edicao-1principio-do-poluidor-pagador

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

281

estarem dispostos a arcar com o ocircnus da puniccedilatildeo e da indenizaccedilatildeo porque menos

prejudiciais aos seus interesses do que o efetivo cumprimento da lei

Demais disso a aplicaccedilatildeo da teoria do valor do desestiacutemulo se mostra particularmente

necessaacuteria agrave responsabilidade civil ambiental por conta da extrema gravidade e extensatildeo

do dano ao meio ambiente A lesatildeo ambiental atinge a coletividade como um todo e

natildeo raras vezes dezenas ou centenas de pessoas individualmente consideradas viacutetimas

do mesmo evento (as trageacutedias de MarianaMG em 2015 e de BrumadinhoMG em

2019 ambas decorrentes do rompimento de barragens de rejeitos de mineraccedilatildeo satildeo

tristes exemplos) Para agravar a situaccedilatildeo a reparaccedilatildeo in natura pode ser impossiacutevel

(como no caso de extinccedilatildeo de uma espeacutecie ou de destruiccedilatildeo de um bem material de

valor histoacuterico-cultural) ou quando possiacutevel pode levar anos o que impotildee agrave

coletividade um longo periacuteodo de convivecircncia com os efeitos do dano Isso tudo natildeo

bastasse pode vir a produzir no futuro efeitos maleacuteficos hoje desconhecidos ou sequer

imaginados

Agrave vista dessas caracteriacutesticas particulares do dano ambiental a sua prevenccedilatildeo eacute mais do

que essencial eacute imprescindiacutevel E se a atribuiccedilatildeo de caraacuteter punitivo agrave indenizaccedilatildeo

ambiental eacute uma das formas de contribuir para a prevenccedilatildeo esse expediente natildeo pode

ser refutado

521 A REPROVABILIDADE DA CONDUTA DO POLUIDOR E A

INDENIZACcedilAtildeO COM CARAacuteTER PUNITIVO

Aplica-se ao dano extrapatrimonial ambiental a mesma orientaccedilatildeo sobre o cabimento da

indenizaccedilatildeo com caraacuteter punitivo em casos de danos morais individuais esta deve

incidir apenas quando a postura do poluidor se revestir de razoaacutevel reprovabilidade natildeo

soacute com relaccedilatildeo agrave culpa e ao dolo mas tambeacutem agrave reiteraccedilatildeo da conduta ameaccediladora ou

lesiva (em caso de repeticcedilatildeo do comportamento eacute possiacutevel presumir ao menos a culpa

grave)511

Nesse sentido o STJ jaacute reconheceu que a indenizaccedilatildeo por dano ambiental

pode conter elementos punitivos-preventivos desde que caracterizada a atitude

antiecoloacutegica indesculpaacutevel e exigente de tal repreensatildeo

ldquoNo mais eacute bem verdade ser necessaria a reparaccedilatildeo integral do dano e

adicionalmente impor-se ao seu causador sanccedilatildeo pecuniaacuteria (indenizaccedilatildeo)

No entanto a sanccedilatildeo pecuniaacuteria deve ser aplicada somente nas situaccedilotildees

em que reste caracterizada a atitude antiecoloacutegica indesculpaacutevel e

exigente de tal repreensatildeo o que natildeo ocorre no caso presente conforme a

egreacutegia Corte de origem deixou assentado Dessa forma considerando as

circunstacircncias objetivadas nos autos a reparaccedilatildeo do dano eacute por si soacute

511

Andreacute Gustavo Correcirca de Andrade acertadamente coloca que ldquoa maior gravidade da culpa pode

decorrer da reiteraccedilatildeo da conduta do agente ou da circunstacircncia de constituir um padratildeo de conduta

negligente Assim embora o ato lesivo isoladamente considerado pudesse ser configurador de culpa

leve deve ser tido como caracterizador de culpa grave por estar inserido em um padratildeo de

comportamento culposo do agente Eacute o caso de empresas que natildeo se preocupam em aperfeiccediloar seus

produtos e serviccedilos a despeito da reiteraccedilatildeo dos danos causados aos consumidores em decorrecircncia de

defeitos apresentados por esses produtos ou na prestaccedilatildeo desses serviccedilosrdquo (Obcit p 151)

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suficiente para atender ao imperativo legal de preservaccedilatildeo do meio

ambienterdquo512

(gn)

No entanto a responsabilidade civil ambiental eacute objetiva razatildeo pela qual nas accedilotildees

coletivas voltadas agrave reparaccedilatildeo de danos ambientais natildeo se investiga culpa e dolo do

poluidor Como viabilizar entatildeo a adoccedilatildeo de criteacuterios punitivos-dissuasoacuterios na fixaccedilatildeo

da indenizaccedilatildeo por dano extrapatrimonial ambiental

Eacute fato que muitos autores rejeitam a aplicaccedilatildeo da teoria do valor do desestiacutemulo agrave

responsabilidade civil objetiva justamente porque esta depende da demonstraccedilatildeo da

culpa grave ou dolo do agente sendo que nas accedilotildees de reparaccedilatildeo de danos baseadas na

responsabilidade civil objetiva costuma-se passar ao largo desta investigaccedilatildeo uma vez

que isso pode incluir elementos novos na accedilatildeo e atrasar sobremaneira o seu andamento

Em comentaacuterio ao sistema dos punitives damages Judith Martins-Costa e Mariana

Souza Pargendler lecionam que em virtude desta teoria implicar a imposiccedilatildeo de uma

pena com fulcro na conduta altamente reprovaacutevel (dolosa ou gravemente culposa) do

ofensor soacute eacute possiacutevel aplicaacute-la aos casos de responsabilidade subjetiva sob pena de

incontornaacutevel contradiccedilatildeo

ldquoSe o que eacute avaliado (para fixar o montante da indenizaccedilatildeo) eacute a maior ou

menor gravidade da conduta do autor o dano e o maior ou menor grau de

reprovaccedilatildeo eacutetico-juriacutedica agrave conduta como fazecirc-la incidir agraves hipoacuteteses de

imputaccedilatildeo objetiva para a qual o exame da conduta do agente eacute despiciendo

(examinando-se tatildeo soacute a ilicitude o dano a imputabilidade e o nexo

causal)rdquo513

Acrescentam poreacutem que a mesma premissa natildeo precisa ser observada quando se trata

de simples arbitramento da indenizaccedilatildeo por dano moral com a incorporaccedilatildeo de criteacuterios

axioloacutegicos com funccedilatildeo punitiva-dissuasoacuteria (como fazem os tribunais brasileiros) pois

este natildeo redunda na aplicaccedilatildeo de uma pena civil Aqui tem-se um universo mais amplo

que abarca os regimes de responsabilidade ldquoresultantes de quaisquer dos criteacuterios de

imputaccedilatildeo (subjetiva ou objetiva seja esta pelo risco pela seguranccedila pela confianccedila

etc)rdquo514

Ao que parece as autoras entendem que fora da doutrina dos punitive damages (pena

civil) no campo da responsabilidade objetiva outros criteacuterios podem ser invocados para

se apurar a reprovabilidade da conduta do ofensor natildeo se fazendo necessaacuteria a

demonstraccedilatildeo cabal do dolo ou culpa grave

Jaacute Seacutergio Cavalieri Filho tem uma visatildeo distinta e particular sobre esse ponto Na sua

visatildeo aleacutem de caber a funccedilatildeo punitiva-dissuasoacuteria da indenizaccedilatildeo em caso de dolo ou

culpa grave ou de reiteraccedilatildeo da conduta lesiva ela deve ser aplicada tambeacutem ldquoem razatildeo

da gravidade e extensatildeo dos danos ofensivos de interesses coletivos difusos sociais

ambientais e outros maisrdquo 515

Em casos tais - e somente neles natildeo se estendendo o

presente raciociacutenio aos danos morais individuais - a indenizaccedilatildeo com caraacuteter punitivo

512

STJ ndash Primeira Turma AgInt no REsp 1483422CE Rel Min Napoleatildeo Nunes Maia Filho j

24042018 513

Opcit p 23-24 514

Ibidem p 24 515

Opcit p 138

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tem por fundamento a gravidade do dano e natildeo a culpa do ofensor516

Logo a valoraccedilatildeo

da indenizaccedilatildeo pode conter elementos punitivos-preventivos ainda que natildeo se prove o

dolo ou a culpa do poluidor

Nessa mesma linha de raciociacutenio Daniel de Andrade Levy julga dispensaacutevel a

comprovaccedilatildeo da culpa grave e do dolo em caso de danos coletivos de excepcional

gravidade o que torna possiacutevel a funccedilatildeo punitiva-preventiva da responsabilidade civil

em sede de responsabilidade objetiva Fundamenta o autor que ldquoexigir da viacutetima a

demonstraccedilatildeo do elemento subjetivo seria impor-lhe pena maior do que a que jaacute sofrera

com o dano inclusive porque satildeo condutas em sua maioria que estatildeo no limiar da

ilegalidade dificultando ainda mais a prova da culpa ou do dolordquo517

O ponto de vista dos autores eacute absolutamente compreensiacutevel justificaacutevel e sedutor

Contudo natildeo estamos convencidos de que basta a gravidade do dano difuso ou coletivo

para que a indenizaccedilatildeo contenha criteacuterios punitivos-dissuasoacuterios pois isso atenta contra

o proacuteprio fundamento da funccedilatildeo preventiva da responsabilidade civil A gravidade do

dano difuso mais precisamente do dano ambiental deve com certeza ser refletida no

arbitramento do valor compensatoacuterio que natildeo leva em conta a conduta ou atividade do

ofensor mas sim os prejuiacutezos sofridos pelos titulares do direito violado Logo mesmo

que natildeo seja possiacutevel refletir nesta indenizaccedilatildeo com absoluta fidelidade a perda sofrida

pela coletividade eacute possiacutevel dosar o valor compensatoacuterio a partir da dimensatildeo duraccedilatildeo

e intensidade da lesatildeo a ponto de estabelecer uma indenizaccedilatildeo mais elevada para os

danos de maior gravidade

Daiacute porque se faz relevante que nas accedilotildees civis puacuteblicas ambientais de reparaccedilatildeo de

danos ambientais extrapatrimoniais se busque averiguar o dolo ou a culpa do poluidor e

tambeacutem verificar se a assunccedilatildeo de riscos evitaacuteveis faz parte do modus operandi da

empresa Mas que fique bem claro natildeo com o propoacutesito de garantir a responsabilizaccedilatildeo

civil do ofensor porque esta jaacute estaacute garantida pela responsabilidade objetiva que

prescinde da culpa para gerar o dever da reparaccedilatildeo A finalidade de se perscrutar o dolo

ou a culpa do poluidor ou a repeticcedilatildeo de conduta temeraacuteria eacute apenas a de verificar se eacute

cabiacutevel a aplicaccedilatildeo de criteacuterios punitivos-preventivos aleacutem dos compensatoacuterios ou em

outras palavras se haacute elementos que justificam o aumento do valor da indenizaccedilatildeo

como forma de agravar a obrigaccedilatildeo pecuniaacuteria

Eacute nesse sentido que Andreacute Gustavo Correcirca de Andrade sustenta que natildeo incide a sanccedilatildeo

civil sobre ato lesivo cuja reparaccedilatildeo decorra da responsabilidade objetiva salvo se o

ofensor comprovadamente tiver atuado com culpa ou dolo motivo pelo qual ldquonada

impede que em processo no qual se esteja a cuidar de caso de responsabilidade civil

objetiva a parte autora produza prova acerca do dolo ou da culpa do reacuteu na produccedilatildeo do

eventordquo518

516

Ibidem p 140 517

Responsabilidade civil de um direito dos danos a um direito das condutas lesivas p 117 O autor

tambeacutem entende dispensaacutevel a comprovaccedilatildeo da culpa e do dolo em caso de microlesotildees (seacuterie de

condutas iliacutecitas individuais brandas) e iliacutecitos lucrativos 518

Opcit p 165 O autor cita exemplos de responsabilidade objetiva prevista em lei (responsabilidade

do fornecedor pelos acidentes de consumo responsabilidade por fato de terceiro responsabilidade do

empregador por atos do empregado responsabilidade pelo fato das coisas ou dos animais e

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Contudo pelo fato de natildeo ser o propoacutesito da accedilatildeo coletiva ambiental a investigaccedilatildeo e

comprovaccedilatildeo da culpa e do dolo do poluidor admite-se que o juiz em seu bom senso

de justiccedila e capacidade de anaacutelise criacutetica e sempre de forma fundamentada os presuma

a partir dos fatos e elementos constantes do processo de forma a dispensar a prova

cabal do elemento subjetivo do ofensor para fins de elevaccedilatildeo da indenizaccedilatildeo com fins

punitivos-pedagoacutegicos

Em consequecircncia se na accedilatildeo coletiva ambiental natildeo se demonstrar a culpa ou dolo do

poluidor ou a reiteraccedilatildeo da praacutetica lesiva (ou se natildeo houver elementos fortes para

presumi-las) isso natildeo impediraacute a procedecircncia do pedido de reparaccedilatildeo do dano

ambiental extrapatrimonial se demonstrado o nexo causal entre a atividade e o dano

ambiental Contudo impediraacute que o valor da indenizaccedilatildeo correspondente seja fixado

com base em criteacuterios punitivos-pedagoacutegicos que tecircm como ponto de partida a

reprovabilidade da conduta ficando ele restrito aos criteacuterios compensatoacuterios

Trata-se como se vecirc de um aspecto controverso da indenizaccedilatildeo com caraacuteter punitivo

no acircmbito da responsabilidade civil objetiva mas cremos eacute preciso enfrentaacute-lo com

destemor para que a funccedilatildeo preventiva da responsabilidade civil seja observada no

Direito Ambiental sem que seja contudo aplicada indistintamente a todo e qualquer

caso de dano ambiental extrapatrimonial

522 A CAPACIDADE ECONOcircMICA DO POLUIDOR

Sendo o caso de se dosar a indenizaccedilatildeo ambiental com criteacuterios punitivos-preventivos

aleacutem da gravidade eou reiteraccedilatildeo da conduta o magistrado avaliaraacute a capacidade

econocircmica do poluidor

Quando se fala em reparaccedilatildeo in natura a capacidade econocircmica do ofensor natildeo se

mostra relevante Ou seja natildeo se determinaraacute reparaccedilatildeo maior do que o dano porque o

agente goza de excelente situaccedilatildeo financeira nem se aceitaraacute reparaccedilatildeo pela metade

porque sua situaccedilatildeo financeira estaacute altamente prejudicada A reparaccedilatildeo integral exige

que todo o dano reparaacutevel in natura seja efetivamente reparado Por isso corroboramos

Edis Milareacute que diz que ldquoo esforccedilo reparatorio pode ser superior a capacidade financeira

do degradadorrdquo519

Todavia quando se trata de indenizaccedilatildeo por dano extrapatrimonial em que natildeo haacute um

criteacuterio objetivo para determinar o montante compensatoacuterio satildeo as diversas variaacuteveis

consideradas pelo magistrado que compotildeem o valor da indenizaccedilatildeo para mais ou para

menos A capacidade econocircmica eacute uma variaacutevel relevante pois grandes conglomerados

deveratildeo pagar valores mais significativos pelos atos reprovaacuteveis praticados pois soacute

assim haveraacute o necessaacuterio desestiacutemulo agrave repeticcedilatildeo da conduta ao passo que

organizaccedilotildees com baixa capacidade financeira natildeo sofreratildeo a mesma majoraccedilatildeo da

indenizaccedilatildeo com base neste quesito (embora devam sofrecirc-la com base nos demais)

responsabilidade civil do Estado) e para todos eles confirma que se demonstrada a culpa grave ou o dolo

do agente a indenizaccedilatildeo poderaacute ter fins punitivos 519

Direito do Ambiente p 435

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Haacute que ser assim pois indenizaccedilatildeo que natildeo gere desconforto para o poluidor natildeo

cumpriraacute o efeito dissuasivo pretendido Pelo contraacuterio mostraraacute a ele a vantagem da

praacutetica lesiva e daraacute aos potenciais poluidores coragem e seguranccedila para que se

arrisquem (e nos arrisquem) da mesma forma

6 CONCLUSAtildeO

A responsabilidade civil tem como funccedilatildeo preciacutepua reparar os danos causados agraves

viacutetimas sejam eles patrimoniais sejam eles morais E para que a viacutetima fique indene a

reparaccedilatildeo deve ser integral portanto proporcional ao agravo

Contudo haacute ofensores que agem de forma tatildeo deliberadamente desdenhosa e lesiva e

por vezes reiterada que se faz necessaacuterio invocar uma segunda funccedilatildeo da

responsabilidade civil para contecirc-los Trata-se da funccedilatildeo (acessoacuteria) punitiva-

dissuasoacuteria que se perfaz mediante a incorporaccedilatildeo no valor da indenizaccedilatildeo de criteacuterios

relacionados agrave reprovabilidade da conduta do autor do dano que resultam na majoraccedilatildeo

do quantum indenizatoacuterio a ponto de incomodaacute-lo e desestimulaacute-lo como tambeacutem a

terceiros a incorrer novamente na mesma praacutetica

A utilizaccedilatildeo de elementos indicadores da censurabilidade da conduta do ofensor no

arbitramento do valor do dano eacute inspirada na teoria dos punitives damages de largo uso

no direito norte-americano mas com ela natildeo se confunde dado que esta preconiza a

aplicaccedilatildeo de uma pena civil ao autor do dano que natildeo tem qualquer caraacuteter

compensatoacuterio mas tatildeo somente punitivo Inclusive o valor fixado eacute apartado do valor

da indenizaccedilatildeo e natildeo eacute ele necessariamente destinado agrave viacutetima mas eventualmente ao

Estado ou a fundos puacuteblicos

No Brasil adota-se a teoria do valor do desestiacutemulo apenas para a fixaccedilatildeo da

indenizaccedilatildeo por danos extrapatrimoniais Embora fosse uacutetil e desejaacutevel que a teoria se

estendesse tambeacutem aos danos patrimoniais natildeo seria possiacutevel fazecirc-lo pelo fato do art

944 caput do Coacutedigo Civil dispor que a indenizaccedilatildeo (do dano patrimonial) deve ser

proporcional ao dano o que rechaccedila a adoccedilatildeo de criteacuterios punitivos justamente por natildeo

estarem relacionados ao dano mas agrave conduta do ofensor

Quanto aos danos ambientais eacute paciacutefico que devem ser reparados in natura com a

restauraccedilatildeo ou recuperaccedilatildeo do ambiente lesado Somente diante da impossibilidade da

reparaccedilatildeo in natura poderatildeo ser reparados em pecuacutenia (indenizaccedilatildeo)

Como o dano ambiental sempre conteacutem o efeito extrapatrimonial em caso de

indenizaccedilatildeo seraacute possiacutevel utilizar os criteacuterios punitivos-pedagoacutegicos-preventivos aleacutem

dos compensatoacuterios para atingir um valor que efetivamente estimule os potenciais

poluidores e se cercarem de todos os cuidados para evitar danos ambientais E os

impeccedila de assumir procedimentos e posturas de riscos evitaacuteveis Dessa forma a

responsabilidade civil ambiental cumpriraacute uma valiosa e necessaacuteria funccedilatildeo preventiva

para aleacutem da tradicional e consolidada funccedilatildeo compensatoacuteria

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

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ORIENTACcedilAtildeO EDITORIAL

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Os trabalhos destinados agrave Revista seratildeo precedidos de folha de rosto em que se faraacute constar o tiacutetulo do trabalho o nome do autor (ou autores) endereccedilo telefone fax e e-mail mencionando tambeacutem a situaccedilatildeo acadecircmica do autor (ou autores) tiacutetulos e instituiccedilatildeo agrave qual pertenccedila

Caso o artigo tenha sido publicado ou apresentado anteriormente em eventos puacuteblicos (congressos seminaacuterios etc) deveraacute ser feita referecircncia agrave publicaccedilatildeo ou ao evento

Em anexo ao artigo deveraacute tambeacutem ser juntada autorizaccedilatildeo do(s) autor(es) para publicaccedilatildeo conforme modelo a seguir

Os artigos deveratildeo ser enviados para o e-mail institucional no formato RTF (Rich Text Format) com os criteacuterios descritos a seguir processado em Word (RTF) for Windows fonte Times New Roman Preta corpo 12 para todo o trabalho e corpo 14 para o tiacutetulo do artigo e tiacutetulo das seccedilotildees e subseccedilotildees margem superior 3 cm margem inferior 2 cm margem esquerda 3 cm margem direita 2 cm cabeccedilalho e rodapeacute 145 cm em papel A4 com digitaccedilatildeo apenas no anverso da folha A ordem de apresentaccedilatildeo seraacute tiacutetulo (subtiacutetulo) nome do autor(es) sumaacuterio resumo palavra-chave texto e referecircncia bibliograacutefica aleacutem de tiacutetulo (title) resumo (abstract) e palavra-chave (keyword) traduzidos para o

inglecircs com autorizaccedilatildeo para publicaccedilatildeo em meio impresso e digital e na internet

2) Tiacutetulo

O tiacutetulo do artigo com destaque para essa parte eacute indicado na parte superior da primeira folha centralizado e em letras maiuacutesculas (fonte Times New Roman preta corpo 14) podendo complementar o tiacutetulo o subtiacutetulo segue abaixo do tiacutetulo diferenciado tipograficamente ou separado por dois pontos () centralizado e em letras maiuacutesculas (fonte Times New Roman preta corpo 14) E tambeacutem o tiacutetulo em inglecircs

3) Autor

O nome do autor eacute indicado por extenso abaixo do tiacutetulo centralizado e em letras maiuacutesculas (fonte Times New Roman corpo 14)

As indicaccedilotildees de formaccedilatildeo acadecircmica tiacutetulos e instituiccedilatildeo que pertence seratildeo feitas em nota de rodapeacute precedida de siacutembolo graacutefico ()

As opiniotildees emitidas pelo autor em seu trabalho satildeo de sua exclusiva responsabilidade natildeo representando necessariamente o pensamento da AGEMG

Agradecimentos e auxiacutelios recebidos pelo autor (ou autores) podem ser mencionados ao final do artigo antes das referecircncias bibliograacuteficas

4) Sumaacuterio

Com a finalidade de visualizar a estrutura do trabalho e refletir sua organizaccedilatildeo o artigo conteraacute um sumaacuterio logo abaixo do nome do autor e nele seratildeo mencionados os principais pontos a serem abordados pelo trabalho atraveacutes de numeraccedilatildeo progressiva das seccedilotildees

Seraacute apresentado em fonte Times New Roman Preta corpo 12 paraacutegrafo com recuo a 3 cm da margem esquerda e direita alinhamento justificado espaccedilamento simples E posteriormente ao sumaacuterio o Resumo do artigo

5) Corpo do Texto

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

290

O corpo do texto seraacute apresentado em fonte Times New Roman Preta corpo 12 paraacutegrafo com recuo a 2 cm da margem esquerda e alinhamento justificado espaccedilamento simples entre linhas antes e depois de paraacutegrafos 6 pt ou automaacutetico para todo o trabalho

Todo destaque que se queira dar ao texto deve ser feito com o uso de itaacutelico Deve-se evitar o uso de negrito ou sublinha Citaccedilotildees de textos de outros autores deveratildeo ser feitas entre aspas sem o uso de itaacutelico

6) Capiacutetulo

O capiacutetulo ou tiacutetulos das seccedilotildees e subseccedilotildees digitados em letra maiuacutescula obedeceratildeo a mesma fonte do texto corpo 14 negrito entre linhas precedidos de espaccedilo 15 e espaccedilo duplo que os

sucederem alinhado na margem esquerda com numeraccedilatildeo progressiva

7) Citaccedilatildeo

A citaccedilatildeo obedeceraacute agrave mesma fonte do texto corpo 10 recuo 4 cm se ultrapassar 3 linhas Caso as citaccedilotildees diretas limitem-se

a esse espaccedilo deveratildeo estar contidas no texto entre aspas duplas

A transcriccedilatildeo literal de parte de normas

juriacutedicas teraacute o recuo de paraacutegrafo a 4 cm da margem esquerda e seraacute precedida da expressatildeo latina (em itaacutelico) in verbis

As notas de referecircncia para indicar as

citaccedilotildees de fonte bibliograacutefica ou consideraccedilotildees e comentaacuterios que natildeo devem interromper a sequecircncia do texto apareceratildeo em notas de rodapeacute

Apud = citado por conforme segundo

(usado para indicar citaccedilatildeo de citaccedilatildeo)

Ibidem ou Ibid = na mesma obra (usado quando se fizer vaacuterias citaccedilotildees da mesma obra)

Idem ou Id = do mesmo autor (usado quando se fizer citaccedilatildeo de vaacuterias obras do mesmo autor)

Opus citatum ou Op cit = na obra citada (usado para se referir agrave obra citada anteriormente e eacute precedida do nome do

autor)

Loco citato ou Loc cit = no lugar citado

Sequentia ou Et Seq = seguinte ou que se segue

Passim = aqui e ali em vaacuterios trechos ou passagens

Confira ou Cf = confira confronte

Sic = assim mesmo desta maneira

8) Notas de rodapeacute

As notas de rodapeacute de paacutegina obedeceratildeo agrave mesma fonte do texto corpo 10 paraacutegrafo de 05 cm da margem esquerda alinhamento justificado espaccedilamento entre linhas simples numeraccedilatildeo progressiva

9) Referecircncia bibliograacutefica

As referecircncias bibliograacuteficas seratildeo apresentadas de acordo com as normas da Associaccedilatildeo Brasileira de Normas Teacutecnicas (ABNT) no final do artigo

Os trabalhos publicados pela Revista poderatildeo ser reimpressos total ou parcialmente por outra publicaccedilatildeo perioacutedica da AGE bem como citados reproduzidos armazenados ou transmitidos por qualquer sistema forma ou meio eletrocircnico magneacutetico oacuteptico ou mecacircnico sendo em todas as hipoacuteteses obrigatoacuteria a citaccedilatildeo dos nomes dos autores e da fonte de publicaccedilatildeo original aplicando-se o disposto no item anterior

AUTORIZACcedilAtildeO PARA PUBLICACcedilAtildeO

Pelo presente termo de autorizaccedilatildeo cedo ao

Conselho Editorial da Revista Juriacutedica da

ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO de Minas

Gerais Av Afonso Pena 4000 ndash Cruzeiro ndash

Belo Horizonte ndash MG a tiacutetulo gratuito e por

tempo indeterminado os direitos autorais

referentes ao artigo doutrinaacuterio de minha

autoria intitulado

_____________________________________

_________ para fins de divulgaccedilatildeo puacuteblica em

meio impresso e eletrocircnico atraveacutes das

publicaccedilotildees produzidas pelo oacutergatildeo

____________________________________ (cidade) (data) ____________________________________ (nome)

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

291

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

293

Advogado-Geral do Estado Seacutergio Pessoa de Paula Castro

Advogada-Geral Adjunta Advogada-Geral Adjunta

Ana Paula Muggler Rodarte Margarida Maria Pedersoli

PROCURADORES DE ESTADO

Adilson Albino dos Santos

Adriana Gonccedilalves Myhrra

Adriano Antocircnio Gomes Dutra

Adriano Brandatildeo de Castro

Adrienne Lage de Resende

Alana Luacutecio de Oliveira

Alda de Almeida e Silva

Alessandra Nunes Villela

Alessandro Fernandes Braga

Alessandro Henrique Soares Castelo Branco

Alessandro Rodrigues

Alexandra Magalhatildees Neves

Alexandre Bitencourth Hayne

Alexandre Diniz Guimaratildees

Alexandre Moreira de Souza Anaguchi

Aline Almeida Cavalcante de Oliveira

Aline Cristina de Oliveira Amaranti

Aline Di Neves

Aline Guimaratildees Furlan

Aloiacutesio Vilaccedila Constantino

Amanda Assunccedilatildeo Castro

Ameacutelia Josefina Alves N da Fonseca

Ana Carolina Cuba de Almada Lima

Ana Carolina Di Gusmatildeo Uliana Ana Carolina Oliveira Gomes

Ana Cristina Sette Bicalho Goulart

Ana Luiza Boratto Mazzoni Paiva

Ana Luiza Goulart Peres Matos

Ana Maria de Barcelos Martins

Ana Maria Jeber Campos

Ana Maria Richa Simon

Ana Paula Arauacutejo Ribeiro Diniz

Ana Paula Ceolin Ferrari Bacelar

Ana Paula Muggler Rodarte

Ana Silvia Lima Azevedo

Anameacutelia de Matos Alves

Andreacute Borges Pires

Andreacute Luis de Oliveira Silva

Andreacute Robalinho de Albuquerque e Mello

Andreacute Sales Moreira

Andreacutea Maura Campedelli Machado Piedade

Angela Regina Soares Leite

Anna Carolina Heluany Zeitune Pires

Anna Luacutecia Goulart Veneranda

Antocircnio Carlos Diniz Murta

Antocircnio Oliacutempio Nogueira

Armando Seacutergio Peres Mercadante

Arthur Pereira de Mattos Paixatildeo Filho

Aureacutelio Passos Silva

Baacuterbara Maria Brandatildeo Caland Lustosa

Barney Oliveira Bichara

Beatriz Lima de Mesquita

Bianca Mizuki Dias dos Santos

Brenna Correcirca Franccedila Gomes Breno Rabelo Lopes

Bruno Balassiano Gaz

Bruno Borges da Silva Bruno Matias Lopes

Bruno Paquier Binha

Bruno Resende Rabello

Bruno Rodrigues de Faria

Caio de Carvalho Pereira

Camila de Alcantara Almeida Favalli

Carla Morena Lima de Oliveira Dias Carlos Alberto Rohrmann

Carlos Augusto Goacutees Vieira

Carlos Eduardo Tarquiacuteneo

Carlos Eduardo Wanderley Curio

Carlos Frederico Bittencourt Rodrigues Pereira

Carlos Joseacute da Rocha

Carlos Roberto Meneghini Cunha

Carlos Torres Murta

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

294

Carlos Victor Muzzi Filho

Carolina Borges Monteiro

Carolina Couto Pereira Roquim

Carolina Guedes Pereira Roquim

Carolina Miranda Laborne Mattioli Hermeto Caacutessio Roberto dos Santos Andrade

Catarina Barreto Linhares

Ceacutedio Pereira Lima Juacutenior

Celeste de Oliveira Teixeira

Ceacutelia Cunha Mello

Ceacutelio Lopes Kalume

Ceacutesar Raimundo da Cunha

Christiano Amaro Correa

Clara Silva Costa de Oliveira

Clarissa Teixeira Eloi Santos

Claudemiro de Jesus Ladeira Claudia Lopes Passos

Claacuteudio Roberto Ribeiro

Cleacuteber Maria Melo e Silva

Cleacuteber Reis Grego

Corneacutelia Tavares de Lanna

Cristiane de Oliveira Elian

Cristina Grossi de Morais

Daniel Bueno Cateb

Daniel Cabaleiro Saldanha

Daniel Henrique Pimenta Faria Daniel Luiz Barbosa

Daniel Santos Costa

Daniela Victor de Souza Melo

Danielle Fonseca Mattosinhos

Danilo Antocircnio de Souza Castro

Dario de Castro Brant Moraes

David Pereira de Sousa

Deacutebora Bastos Ribeiro Deacutebora Val Leatildeo

Denise Soares Beleacutem

Dimas Geraldo da Silva Juacutenior

Dioacutegenes Baleeiro Neto

Dirce Euzeacutebia de Andrade

Douglas Gusmatildeo

Eacuteder Sousa

Edgar Saiter Zambrana

Edrise Campos

Eduardo de Mattos Paixatildeo

Eduardo Goulart Pimenta

Eduardo Grossi Franco Neto

Elisacircngela Soares Chaves

Elisa Salzer Procoacutepio

Eliza Fiuacuteza Teixeira

Emerson Madeira Viana

Eacuterico Andrade

Eacuterika Gualberto Pereira de Castro

Ester Virgiacutenia Santos

Esther Maria Brighenti dos Santos

Evandro Coelho Taglialegna

Evacircnia Beatriz de Souza Cabral

Fabiana Kroger Magalhatildees

Fabiano Ferreira Costa

Faacutebio Diniz Lopes

Faacutebio Murilo Nazar

Fabiacuteola Pinheiro Ludwig Peres

Fabriacutecia Barbosa Duarte Guedes

Fabriacutecia Lage Fazito Rezende Antunes

Felipe Lopes de Freitas Honoacuterio

Fernanda Barata Diniz

Fernanda Caldeira Reis Correa Fernanda Carvalho Soares

Fernanda de Aguiar Pereira

Fernanda Paiva Carvalho

Fernanda Saraiva Gomes Starling

Fernando Antocircnio Chaves Santos

Fernando Antocircnio Rolla de Vasconcellos

Fernando Barbosa Santos Netto

Fernando Salzer e Silva

Flaacutevia Bao Travizani

Flaacutevia Bianchini Mesquita Gabrich

Flaacutevia Caldeira Brant de Figueiredo

Francisco de Assis Vasconcelos Barros

Franccediloise Fabiane Ferreira

Gabriel Arbex Valle

Gabriela Silva Pires e Oliveira

Gelson Maacuterio Braga Filho

Geralda do Carmo Silva

Geraldo Ildebrando de Andrade

Geraldo Juacutenio de Saacute Ferreira

Gerson Pedrosa Abreu

Gerson Ribeiro Junqueira de Barros

Gianmarco Loures Ferreira

Giselle Carmo e Coura

Grazielle Valeriano de Paula Alves

Guilherme Bessa Neto

Guilherme do Couto de Almeida

Guilherme Guedes Maniero

Guilherme Soeiro Ubaldo

Gustavo Albuquerque Magalhatildees

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

295

Gustavo Brugnoli Ribeiro Cambraia

Gustavo Chaves Carreira Machado

Gustavo de Oliveira Rocha

Gustavo de Queiroz Guimaratildees

Gustavo Luiz Freitas de Oliveira Enoque

Hebert Alves Coelho

Helena Retes Pimenta Bicalho

Iara Rolim Freire Figueiredo

Ivan Luduvice Cunha

Izabella Ferreira Fabbri Nunes

Jader Augusto Ferreira Dias

Jaime Napoles Villela

Jalmir Leatildeo Santos

Jamerson Jadson de Lima

Janaiacutena Cristina Reis Jenkins de Freitas

Jaques Daniel Rezende Soares

Jason Soares de Albergaria Neto

Jerusa Drummond Brandatildeo Regazzoni

Joana Faria Salomeacute

Joatildeo Calcagno Bandeira de Melo

Joatildeo Lucas Albuquerque Daud

Joatildeo Paulo Pinheiro Costa

Joatildeo Viana da Costa

Joel Cruz Filho

Joseacute Antocircnio Santos Rodrigues

Joseacute dos Passos Teixeira de Andrade

Joseacute Franklin Toledo de Lima Filho

Joseacute Hermelindo Dias Vieira Costa

Joseacute Horaacutecio da Motta e Camanducaia Juacutenior

Joseacute Maria Brito dos Santos

Joseacute Roberto Dias Balbi

Joseacute Sad Juacutenior

Joseacutelia de Oliveira Pedrosa

Juarez Raposo Oliveira

Juliana Faria Pamplona

Juliana Padilha Nunes Mattar

Juliana Rizzato Silva

Juliana Schmidt Fagundes

Juliano Lomazini

Juacutelio Ceacutesar Azevedo de Almeida

Jullyanna Ribeiro dos Santos Pena

Junia Maria Coelho Ferreira Couto Karen Cristina Barbosa Vieira

Kelly Christinne Mota Fonseca

Kleber Silva Leite Pinto Juacutenior

Lais DrsquoAngela Gomes da Rocha

Larissa Maia Franccedila

Larissa Rodrigues Ribeiro

Leandro Almeida Oliveira

Leandro Aneacutesio Coelho

Leandro Lanna de Oliveira

Leandro Moreira Barra

Leandro Raphael Alves do Nascimento

Leonardo Augusto Leatildeo Lara

Leonardo Bruno Marinho Vidigal

Leonardo Canabrava Turra

Leonardo Matos Clemente

Leonardo Oliveira Soares

Letiacutecia Rodrigues Vicente Levy Leite Romero

Liana Portilho Mattos

Lina Maia Rodrigues de Andrade

Lincoln Drsquoaquino Filocre

Lincoln Guimaratildees Hissa

Lucas Leonardo Fonseca e Silva

Lucas Oliveira Andrade Coelho

Lucas Pinheiro de Oliveira Sena

Lucas Ribeiro Carvalho

Luciana Ananias de Assis Pires Pimenta

Luciana Guimaratildees Leal Sad

Luciana Trindade Fogaccedila

Luciano Neves de Souza

Luciano Teodoro de Souza

Luis Gustavo Lemos Linhares

Luiacutesa Carneiro da Silva

Luiacutesa Cristina Pinto e Netto

Luiacutesa Pinheiro Barbosa Mello

Luiz Francisco de Oliveira

Luiz Gustavo Combat Vieira

Luiz Henrique Novaes Zacarias

Luiz Marcelo Cabral Tavares

Luiz Marcelo Carvalho Campos

Luiza Palmi Castagnino

Lyssandro Norton Siqueira

Madson Alves de Oliveira Ferreira

Maiara de Castro Andrade

Manuela Teixeira de Assis Coelho

Marcelino Cristelli de Oliveira

Marcella Cristina de Oliveira Troacutepia Pinheiro

Marcelo Barroso Lima Brito de Campos

Marcelo Berutti Chaves

Marcelo Caacutessio Amorim Rebouccedilas

Marcelo de Castro Moreira

Marcelo Paacutedua Cavalcanti

Maacutercio dos Santos Silva

Marco Antocircnio Gonccedilalves Torres

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

296

Marco Antocircnio Lara Rezende

Marco Otaacutevio Martins de Saacute

Marco Tuacutelio Caldeira Gomes

Marco Tuacutelio de Carvalho Rocha

Marco Tuacutelio Fonseca Furtado

Marco Tulio Gonccedilalves Gannam

Marconi Bastos Saldanha

Marcos Saulo de Carvalho

Margarida Maria Pedersoli

Maria Aparecida dos Santos

Maria Carolina Beltratildeo Sampaio

Maria Ceciacutelia Almeida Castro

Maria Clara Teles Terzis

Maria Cristina Castro Diniz

Maria Eduarda Lins Santos de Almeida

Maria Elisa de Paiva Ribeiro Souza Barquete

Maria Letiacutecia Seacutera de Oliveira Costa

Maria Teresa Cora Hara

Maria Teresa Lima Lana

Mariana Oliveira Gomes de Alcacircntara

Mariana Santos de Brito Alves

Mariane Ribeiro Bueno

Maacuterio Eduardo Guimaratildees Nepomuceno Juacutenior

Maacuterio Roberto de Jesus

Marismar Cirino Motta

Mateus Braga Alves Clemente

Matheus Fernandes Figueiredo Couto

Mauriacutecio Barbosa Gontijo

Mauriacutecio Bhering Andrade

Mauriacutecio Leopoldino da Fonseca

Max Galdino Pawlowski

Melissa de Oliveira Duarte

Michele Rodrigues de Sousa

Mila Oliveira Grossi

Milena Franchini Branquinho

Miucha Ferreira M B R Alcacircntara

Moiseacutes Paulo de Souza Leatildeo

Mocircnica Stella Silva Fernandes

Nabil El Bizri

Nadja Arantes Grecco

Naldo Gomes Juacutenior

Nataacutelia Lopes Gabriel Costa

Nataacutelia Moreira Torres

Nathaacutelia Daniel Domingues

Nayra Rosa Marques

Nilber Andrade

Nilma Rogeacuteria Cacircndido

Nilton de Oliveira Pereira

Nilza Aparecida Ramos Nogueira

Nuacutebia Neto Jardim

Olir Martins Benadusi

Onofre Alves Batista Juacutenior

Orlando Ferreira Barbosa

Otaacutevio Machado Fioravante Morais Lages

Pablo de Almeida Fernandes

Paloma Inaya Nicoleti da Silva

Patriacutecia Campos de Castro Veacuteras

Patriacutecia de Oliveira Leite Leopoldino

Patriacutecia Martins Ribeiro Raposo

Patriacutecia Mota Vilan

Patriacutecia Pinheiro Martins

Paula Abranches de Lima

Paula Maria Rezende Vieira Serafim

Paula Souza Carmo de Miranda

Paulo da Gama Torres

Paulo Daniel Sena Almeida Peixoto

Paulo de Tarso Jacques de Carvalho

Paulo Fernando Cardoso Dias

Paulo Fernando Ferreira Infante Vieira

Paulo Gabriel de Lima

Paulo Henrique Gonccedilalves Pena Filho

Paulo Henrique Sales Rocha

Paulo Murilo Alves de Freitas

Paulo Rabelo Neto

Paulo Roberto Lopes Fonseca

Paulo Seacutergio de Queiroz Cassete

Paulo Valadares Versiani Caldeira Filho

Pliacutenio Joseacute de Aguiar Grossi

Pollyanna da Silva Costa

Priscila Vieira de Alvarenga Penna

Rachel Patriacutecia de Carvalho Rosa

Rachel Salgado Matos

Rafael Assed de Castro

Rafael Augusto Baptista Juliano

Rafael Cascardo Lopes

Rafael Ferreira Toledo

Rafael Rapold Mello

Rafael Rezende Faria

Rafaela Resende Brasil de Castro

Rafaella Barbosa Leatildeo

Ranieri Martins da Silva

Raquel Correa da Silveira Gomes

Raquel Guedes Medrado

Raquel Melo Urbano de Carvalho

Raquel Oliveira Amaral

Raquel Pereira Perez

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297

Regina Luacutecia da Silva

Renata Couto Silva de Faria

Renata Cristina Ricchini Leite

Renata Tostes dos Santos Albuquerque

Renata Viana de Lima Netto

Renato Antocircnio Rodrigues Rego

Renato de Almeida Martins

Renato Saldanha de Aragatildeo Ricardo Adriano Massara Brasileiro

Ricardo Agra Villarim

Ricardo Magalhatildees Soares

Ricardo Milton de Barros

Ricardo Seacutergio Righi

Ricardo Silva Viana Juacutenior

Roberto Guilherme Costa Ferreira Neto

Roberto Portes Ribeiro de Oliveira

Roberto Simotildees Dias

Robson Bicalho de Almeida Junior Robson Lucas da Silva

Robstaine do Nascimento Costa

Rochelle Cardoso Barth

Rodolfo Figueiredo de Faria

Rodolpho Barreto Sampaio Juacutenior

Rodrigo Maia Luz

Rodrigo Peres de Lima Netto

Rogeacuterio Antocircnio Bernachi

Rogeacuterio Guimaratildees Salomeacute

Rogeacuterio Moreira Pinhal

Romeu Rossi

Rocircmulo Geraldo Pereira

Ronaldo Mauriacutelio Cheib

Roney de Oliveira Juacutenior

Rosalvo Miranda Moreno Juacutenior

Samuel de Faria Carvalho

Sandro Drumond Brandatildeo

Sarah Pedrosa de Camargos Manna

Saulo Dantas de Santana

Saulo de Faria Carvalho

Saulo de Freitas Lopes

Saacutevio de Aguiar Soares

Seacutergio Adolfo Eliazar de Carvalho

Seacutergio Duarte Oliveira Castro

Seacutergio Pessoa de Paula Castro

Seacutergio Timo Alves

Sheila Gloacuteria Simotildees Murta

Shirley Daniel de Carvalho

Silvana Coelho

Silveacuterio Bouzada Dias Campos

Simone Ferreira Machado

Soraia Brito de Queiroz Gonccedilalves

Tatiana Mercedo Moreira Branco

Tatiana Sales Cuacutercio

Telma Regina Pereira Santos Rodrigues

Teacutercio Leite Drummond

Thaiacutes Caldeira Gomes

Thaiacutes Saldanha Belisaacuterio Santos

Thereza Cristina de Castro Martins Teixeira

Thiago Avancini Alves

Thiago de Oliveira Soares

Thiago de Paula Moreira Fracaro

Thiago Diniz Mateus dos Santos Thiago Elias Mauad de Abreu

Thiago Henrique de Oliveira

Thiago Joseacute Teixeira de Assis Coelho

Thiago Knupp Souza de Andrade

Tiago Anildo Pereira

Tiago Maranduba Schroumlder

Tiago Santana Nascimento

Tuska do Val Fernandes

Valeacuteria Duarte Costa Paiva

Valeacuteria Maria Campos Frois

Valeacuterio Fortes Mesquita

Valmir Peixoto Costa

Vanessa Almeida Cruz

Vanessa Ferreira do Val Domingues

Vanessa Lopes Borba

Vanessa Saraiva de Abreu

Victor Hugo Versiani Nunes Lacerda

Vinicius Rodrigues Pimenta

Vitor Ramos Mangualde

Wallace Alves dos Santos

Wallace Martiniano Moreira

Walter Santos da Costa

Wanderson Mendonccedila Martins

Wendell de Moura Tonidandel

ADVOGADOS AUTAacuteRQUICOS

Abdala Lobo Antunes

Alesxandra Marota Crispim Prates

Aloiacutesio Alves de Melo Juacutenior

Antocircnio Eustaacutequio Vieira

Bernardo Werkhaizer Felipe

Christiano de Senna Micheletti Dias

Ciacutentia Rodrigues Maia Nunes

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298

Claacuteudio Joseacute Resende Fonseca

Deacutebora Cunha Penido de Barros

Daniel Francisco da Silva

Eneida Criscoulo Gabriel Bueno Silva

Fabiacuteola Peluci Monteiro

Fernanda de Campos Soares

Flaacutevia Baiatildeo Reis Martins

Gladys Souza de Reque

Humberto Gomes Macedo

Joatildeo Augusto de Moraes Drummond

Laurimar Leatildeo Viana Filho

Maacutercio Roberto de Souza Rodrigues

Marcos Ferreira de Paacutedua

Maria Beatriz Penna Misk

Maria Estela Barbosa Figueiredo

Reynaldo Tadeu de Andrade

Rosaacutelia Silva Bicalho

Valeacuteria Magalhatildees Nogueira

Valeacuteria Miranda de Souza

Wagner Lima Nascimento Silva

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

299

IDENTIDADE ORGANIZACIONAL

NEGOacuteCIO

Assessoramento juriacutedico representaccedilatildeo judicial e extrajudicial do Estado de Minas

Gerais

MISSAtildeO

Defender com ecircxito os direitos e legiacutetimos interesses do Estado de Minas Gerais

VISAtildeO

Tornar-se referecircncia nacional em assessoramento juriacutedico representaccedilatildeo judicial e

extrajudicial de entes puacuteblicos

PRINCIPAIS VALORES

Justiccedila Verdade Moralidade Eacutetica Interesse Puacuteblico Legalidade Eficiecircncia e

Lealdade

Direito Puacuteblico Revista Juriacutedica da Advocacia-Geral do Estado v17 n1 jandez 2020

301

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