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Direito Internacional Público

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Direito Internacional Público

Paulo Pichel

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2008

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Direito Internacional Público – 2º SEMESTRE| Paulo Pichel

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Índice

ÍNDICE...........................................................................................................................................................................3

DEFINIÇÃO INTRODUTÓRIA DE DIREITO INTERNACIONAL.....................................................................7

DISTINÇÃO ENTRE DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO ESTADUAL.................................................7

CONFIGURAÇÕES DOUTRINAIS DO DI...............................................................................................................7

DEFINIÇÃO SEGUNDO O CRITÉRIO DOS SUJEITOS OU DOS DESTINATÁRIOS:................................................................7DEFINIÇÃO SEGUNDO O OBJECTO DE REGULAMENTAÇÃO DAS NORMAS.....................................................................8DEFINIÇÃO DE ACORDO COM O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DAS NORMAS:...............................................................8DEFINIÇÃO SEGUNDO AS SANÇÕES:.............................................................................................................................9

DELIMITAÇÃO DO DI...............................................................................................................................................9

DIREITO INTERNACIONAL E MORAL.............................................................................................................................9O conceito de moral internacional........................................................................................................................9

O FUNDAMENTO DO DI:..............................................................................................................................................9DIREITO INTERNACIONAL E CORTESIA INTERNACIONAL...........................................................................................10

Cortesia internacional:........................................................................................................................................10DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO................................................................10

SENTIDO E FUNDAMENTO DO DIREITO INTERNACIONAL.......................................................................10

DI E PODER................................................................................................................................................................10A EFECTIVIDADE DA ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL..........................................................................................11

SOCIEDADE INTERNACIONAL E COMUNIDADE INTERNACIONAL........................................................12

A SOCIEDADE INTERNACIONAL COMO SOCIEDADE JURÍDICA:...................................................................................12REQUISITOS DA COMUNIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL........................................................................................12COMUNIDADE INTERNACIONAL E DIREITO INTERNACIONAL....................................................................................13DIREITO INTERNACIONAL E ESTADO MUNDIAL........................................................................................................13TRADUÇÕES JURÍDICAS DA IDEIA DE COMUNIDADE INTERNACIONAL:......................................................................13CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE INTERNACIONAL................................................................................................14EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE E DO DIREITO INTERNACIONAL.....................................................................................14

DA TEORIZAÇÃO DA SOBERANIA ESTADUAL À TEORIZAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL..15

1ª FASE.....................................................................................................................................................................15O CONTRIBUTO DE FRANCISCO VITÓRIA (1480-1546)..............................................................................................15O CONTRIBUTO DE FRANCISCO SUAREZ (1548-1617):.............................................................................................16O CONTRIBUTO DE HUGO GRÓCIO (1583-1645):......................................................................................................16

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SOCIEDADE INTERNACIONAL.....................................................................16

DA PAZ DE VESTEFÁLIA (1648) À 1ª GM (1914):.....................................................................................................16A – Sistema de Estados territoriais......................................................................................................................16B – Heterogeneidade e homogeneidade da sociedade internacional..................................................................17C – O sistema de capitulações e de conquista.....................................................................................................17Desenvolvimento do DI neste período histórico..................................................................................................18Os projectos de “paz perpétua”..........................................................................................................................19

DO CONGRESSO DE VIENA (1814 A 1815) A 1914....................................................................................................19DE 1919 À IIª GM.....................................................................................................................................................20

Esboço de institucionalização da Comunidade Internacional:...........................................................................20Expansão material do Direito internacional.......................................................................................................20

APÓS 1945. A SOCIEDADE INTERNACIONAL DOS NOSSOS DIAS.................................................................................20Influência da IIª GM no mundo pós-1945............................................................................................................20Terceiro mundo: descolonização, neo-colonialismo e revolução........................................................................21As principais etapas da descolonização:.............................................................................................................21Descolonização e universalização da sociedade internacional...........................................................................22

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Direito Internacional Público – 2º SEMESTRE| Paulo Pichel

TENDÊNCIAS DE EVOLUÇÃO: O DIREITO INTERNACIONAL DO SÉC. XXI...................................................................22

OS ACTORES DA SOCIEDADE INTERNACIONAL...........................................................................................23

A SUBJECTIVIDADE INTERNACIONAL.........................................................................................................................23Os sujeitos internacionais como actores internacionais.....................................................................................23

CARACTERÍSTICAS DA PERSONALIDADE INTERNACIONAL.........................................................................................24Similitude com os sistemas jurídicos internos:....................................................................................................24Personalidade no ordenamento jurídico internacional = PJ internacional:.....................................................24Sentido da titularidade de direitos e obrigações jurídicas..................................................................................24Personalidade jurídica objectiva ou subjectiva...................................................................................................25Índices de personalidade......................................................................................................................................25

OS ESTADOS..............................................................................................................................................................25

AUSÊNCIA DE DEFINIÇÃO GERAL DO CONCEITO “ESTADO”......................................................................................25DEFINIÇÃO E DESCRIÇÃO DO ESTADO.......................................................................................................................25ESTADO COMUNIDADE E ESTADO ORGANIZAÇÃO.....................................................................................................26ELEMENTOS DA MANIFESTAÇÃO ESTADUAL (SATEHOOD).........................................................................................26

Introdução............................................................................................................................................................26A. Existência de um população permanente:.......................................................................................................26B. Território:........................................................................................................................................................27C. Governo...........................................................................................................................................................27D. Capacidade relacional com outros Estados....................................................................................................27E. Independência..................................................................................................................................................27F. Estado e princípio da auto-determinação dos povos......................................................................................28

A EXTINÇÃO DO ESTADO...........................................................................................................................................28A NATUREZA ESTADUAL RELATIVA DOS MEMBROS DAS NU....................................................................................29

Requisitos necessários à admissão nas Nações Unidas (TIJ a propósito do art. 4º,1 da CNU).........................29

O RECONHECIMENTO DE ESTADO...................................................................................................................29

RECONHECIMENTO:...................................................................................................................................................29Reconhecimento constitutivo:..............................................................................................................................29Reconhecimento declarativo:...............................................................................................................................30

RECONHECIMENTO DE ESTADO POR ESTADOS..........................................................................................................30DIREITO OU DEVER DE (NÃO) RECONHECER..............................................................................................................31

Dever jurídico de reconhecer:.............................................................................................................................31Limites ou condicionamentos do direito de reconhecer......................................................................................31

RECONHECIMENTO DE GOVERNO..............................................................................................................................32Critérios de reconhecimento – doutrina da efectividade e doutrina da legitimidade.........................................32Exemplo da prática do Reino Unido no que respeita ao reconhecimento de governos:.....................................32

A INSURGÊNCIA E BELIGERÂNCIA.............................................................................................................................33Reconhecimento dos insurgentes:........................................................................................................................33Consequências do reconhecimento......................................................................................................................33

CATEGORIAS DE ESTADOS..................................................................................................................................34

ESTADOS FEDERAIS:..................................................................................................................................................34Confederações de Estados...................................................................................................................................35

O PROTECTORADO.....................................................................................................................................................35ESTADO NEUTRALIZADO............................................................................................................................................36OS MICRO-ESTADOS/ ESTADOS EXÍGUOS..................................................................................................................37

CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS ESTADOS FACE AO DI...........................................................................38

CARACTERÍSTICAS JURÍDICAS GERAIS E EXCLUSIVAS...............................................................................................38REFERÊNCIA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE...............................................................................................................38A JURISDIÇÃO DO ESTADO SOBRE O TERRITÓRIO.....................................................................................................39

O território como afirmação espacial do Estado................................................................................................39Território e soberania estadual...........................................................................................................................39

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CARACTERÍSTICAS DA SOBERANIA TERRITORIAL (PLENITUDE, EXCLUSIVIDADE, INVIOLABILIDADE).......................41

IDENTIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS TERRITORIAIS....................................................................................42

IDENTIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS INTERNACIONAIS.....................................................................................44

A FRONTEIRA.............................................................................................................................................................44Delimitação da fronteira......................................................................................................................................44Demarcação da fronteira.....................................................................................................................................46

AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS............................................................................................................46

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL E ORGANIZAÇÃO DE COOPERAÇÃO JURÍDICA ENTRE OS ESTADOS........................46CONCRETIZAÇÃO. RAZÃO DE SER DO FENÓMENO ORGANIZACIONAL.......................................................................47RAZÃO PELA QUAL OS ESTADOS SENTEM NECESSIDADE DE CRIAR NOVOS ENTES INTERNACIONAIS:......................47NATUREZA INTERNACIONAL DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS:.......................................................................48AS OI COMO SUJEITO DE DIREITO INTERNACIONAL..................................................................................................48

OI e ordenamento internacional..........................................................................................................................48Contestação da personalidade jurídica internacional das OI.............................................................................50Personalidade interna e internacional das OI.....................................................................................................50

DEFINIÇÃO E FEIXE DE CARACTERÍSTICAS DAS OI....................................................................................................51Definição clássica (Fitzmaurice):........................................................................................................................51A composição das OI...........................................................................................................................................51

CLASSIFICAÇÃO DAS OI............................................................................................................................................53Segundo o objecto:...............................................................................................................................................53De acordo com os poderes:..................................................................................................................................53Classificação da OI segundo a extensão:............................................................................................................53

A EXISTÊNCIA JURÍDICA DA ORGANIZAÇÃO...............................................................................................54

CONSIDERAÇÕES GERAIS...........................................................................................................................................54A OPERAÇÃO DE CONCLUSÃO DO TRATADO CONSTITUTIVO....................................................................................54EMENDAS E PROCESSO DE REVISÃO DO ACTO CONSTITUTIVO...................................................................................55O “ORDENAMENTO-JURÍDICO” DA OI........................................................................................................................55

Introdução............................................................................................................................................................55O controlo da legalidade interna dos actos da OI...............................................................................................56

PARTICIPAÇÃO NA OI................................................................................................................................................56Categorias de participantes.................................................................................................................................56

CESSAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO...................................................................................................................................57MODOS DE VOTAÇÃO................................................................................................................................................59CONCRETIZAÇÃO DA PERSONALIDADE INTERNACIONAL DAS OIS............................................................................59

O regime dos privilégios e imunidades das OIs...................................................................................................60Capacidade convencional da organização..........................................................................................................61O direito de legação passiva e activa..................................................................................................................62OIs e Responsabilidade Internacional.................................................................................................................62

FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL...........................................................................................................63

POLISSEMIA DO CONCEITO DE FONTES DO DIREITO:..................................................................................................63HIERARQUIA DAS NORMAS DE DIREITO INTERNACIONAL:........................................................................................64CODIFICAÇÃO DO DI.................................................................................................................................................64TRATADO V. COSTUME..............................................................................................................................................64COSTUME INTERNACIONAL:.......................................................................................................................................64

Necessidade do elemento psicológico:.................................................................................................................66A convicção de obrigatoriedade:.........................................................................................................................67O que é o opinio juris:.........................................................................................................................................67A possibilidade de existência de infracção à regra:............................................................................................67Não chega a existência de uma prática reiterada (a necessidade de um sentimento de obrigatoriedade...)......67O tempo e a formação do costume:......................................................................................................................68Síntese..................................................................................................................................................................68

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Direito Internacional Público – 2º SEMESTRE| Paulo Pichel

OS ACTOS DAS OI’S E ENTIDADES AFINS........................................................................................................69

A JURISPRUDÊNCIA................................................................................................................................................69

OS ACTOS JURÍDICOS UNILATERAIS...............................................................................................................69

TENDÊNCIA PARA A CODIFICAÇÃO DO DI:...................................................................................................70

OS TRATADOS...........................................................................................................................................................70

CONCEITO ENVOLVE:.................................................................................................................................................70TERMINOLOGIA:........................................................................................................................................................70CLASSIFICAÇÕES:......................................................................................................................................................70LIMITES À LIBERDADE CONVENCIONAL....................................................................................................................71REGULAMENTAÇÃO DAS FORMAS DE VINCULAÇÃO INTERNACIONAL DOS ESTADOS................................................71NEGOCIAÇÃO DO TRATADO......................................................................................................................................71ADOPÇÃO DO TEXTO.................................................................................................................................................71AUTENTICAÇÃO DO TEXTO........................................................................................................................................72APROVAÇÃO OU RATIFICAÇÃO..................................................................................................................................72A VIOLAÇÃO DAS REGRAS CONSTITUCIONAIS SOBRE A CONCLUSÃO DOS TRATADOS:.............................................72RESERVAS..................................................................................................................................................................72DEPÓSITO DOS TRATADOS.........................................................................................................................................74REGISTO E PUBLICAÇÃO............................................................................................................................................74EFEITOS DOS TRATADOS PERANTE TERCEIROS..........................................................................................................74ENTRADA EM VIGOR..................................................................................................................................................75TRATADO A TÍTULO PROVISÓRIO – V. ART. 25º, CV 69............................................................................................75MODIFICAÇÕES DOS TRATADOS:...............................................................................................................................75LIMITES MATERIAIS À REVISÃO DOS TRATADOS:......................................................................................................75CESSAÇÃO DE VIGÊNCIA:...........................................................................................................................................76VALIDADE OU INVALIDADE DOS TRATADOS:............................................................................................................76

Condições de validade.........................................................................................................................................76Notas finais...........................................................................................................................................................76

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Definição introdutória de Direito Internacionalo Ordem jurídica – sistema coerente de normas, constitutivo de poderes e deveres para

aqueles a quem se dirige e surgido no âmbito de uma sociedade determinada. o Sistema coerente de normas – ordem jurídica internacional. o Constitutivo de poderes e deveres para aqueles a quem se dirige – constitui um

sistema de regulação de condutas na sociedade internacional (rege as relações que os Estados e outros sujeitos internacionais estabelecem entre si).

o Surge no âmbito de uma sociedade determinada – conhece sujeitos, fontes, poderes que lhe são próprios sendo o DI a sua expressão.

o Por ter como objecto de primária importância a organização das relações dos seus membros no interior do meio social específico e autónomo, o DI é, na realidade, um Direito interno. (A sua caracterização como internacional é estabelecida referencialmente, por contraste com direitos estaduais), não como um elemento definidor absoluto.

Distinção entre Direito internacional e Direito Estadual DI DE

Sistema coerente de normas Ordem jurídica internacional Ordem Jurídica estadual.Constitutiva de poderes e deveres

Sistema de regulação de condutas na sociedade internacional

Sistema de regulação de condutas na sociedade estadual

Surgido no âmbito de uma determinada sociedade

Com sujeitos, fontes e poderes próprios (substancialmente menos centralizados)

Dirigido a pessoas com órgãos centralizados para a produção e aplicação do Direito.

o É possível encarar e definir o direito internacional sob distintas perspectivas. Preferir uma às outras é sobretudo uma questão de adequação à finalidade que se tem em vista.

Configurações doutrinais do DI

Definição segundo o critério dos sujeitos ou dos destinatários: o DI como um conjunto de normas jurídicas que regem as relações entre Estados

(interestadual). (Surge no séc. XVI e XVII onde reivindica a concepção de Estado como corpo político que não se submetia juridicamente a nenhum outro).

o Crítica – alargamento do quadro de sujeitos: organizações internacionais, insurgentes, movimentos de libertação nacional, indivíduo.

o DI constituído pelas normas jurídicas que se aplicam aos sujeitos da sociedade internacional.

o Crítica – é difícil conceber uma definição de DI que reenvia aos seus sujeitos, sendo estes referidos ao DI.

o Crítica 2 – visto como inter potestates o DI mostra-se reticente à admissão do indivíduo, uma vez que, como “direito entre poderes”, é um direito de grupos.

o Silva Cunha: DI como o conjunto de normas jurídicas que regem as relações entre todos os componentes da sociedade internacional.

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Direito Internacional Público – 2º SEMESTRE| Paulo Pichel

o Críticas – demasiado extensa – as relações entre componentes da SI podem ser reguladas pelo direito interno (ex: leis internas de um Estado regulam relações com um outro Estado).

Definição segundo o objecto de regulamentação das normaso DI como um conjunto de normas que regem as relações de natureza internacional

(e o direito interno as relações de natureza internas). o Críticas:

Grande dificuldade na definição da fronteira entre o que há-de ser regulado pelo DI por ser de natureza internacional e pelo direito interno – SUBJECTIVISMO APRECIATIVO.

O objecto de DI não é passível de uma pré-limitação: este complexo normativo pode regular quaisquer relações que se entende deverem ser alvo de tratamento a nível internacional. PRINCÍPIO DA EXPANSIBILIDADE DE ORDEM JURÍDICA – sendo ilimitado o corpo material da validade do DI, é impossível defini-lo pelo seu objecto.

Um assunto não é regido pelo DI por ser externo ou internacional: ao contrário, torna-se internacional por ser regulado pelo DI, ao passo que uma questão será interna por ser tratada pelo Direito interno.

A distinção entre nacional e internacional é então posta em causa: o Parecer do TPJI – “a questão de saber se uma certa matéria

está ou não incluída no domínio exclusivo de um Estado é essencialmente relativa: depende do desenvolvimento das RI”.

o No entanto, este critério, material, pode ter a sua importância na determinação do domínio soberano dos Estados: “Domínio irredutível da soberania dos Estados”.

Definição de acordo com o processo de elaboração das normas: o Critério maioritariamente adoptado pela doutrina portuguesa. o Segundo este critério, a melhor forma de distinguir DI “será de atender às

comunidades em que o direito se forma ou cria”. o São normas de DI as que se constituem na comunidade universal dos Estados ou

em comunidades particulares ou parciais, pelos processou ou formas reconhecidas como idóneas para tal efeito.

o São normas de DI quaisquer normas jurídicas criadas na CI ou em comunidades internacionais.

o Deste modo, o quadro normativo internacional abarca as normas que regulam as relações entre entidades soberanas e as normas que disciplinam a conduta de certos indivíduos ou outros sujeitos de Direito interno, normas de direito interno da comunidade internacional.

o É uma definição de carácter formal, podendo considerar-se duas trajectórias: Origem da norma + processo concreto da sua formação (fontes formais). Origem da norma + corpos social de que provém a norma (comunidade

internacional). (São aspectos diferenciados do mesmo fenómeno pelo que, não existe

contradição, antes complementaridade entre as duas abordagens).

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o O direito internacional é composto por normas resultantes de processos de formação diversos do direito interno:

O DI não conhece modo de formação centralizada do direito. O papel do costume é muito maior.

Definição segundo as sanções: o Este critério atende à índole das sanções que correspondem à violação das normas. o Duas características principais de normas:

Direito interno – normas cuja infracção implica consequências para os indivíduos culpados.

Direito internacional – normas que prevêem sanções colectivas contra comunidades humanas (represálias, guerras, medidas coercivas de uma organização internacional contra os seus membros).

Delimitação do DI

Direito internacional e moralDireito Internacional Moral internacional

Natureza Ordem jurídicas constituída por normas jurídicas

Ordem extra-jurídica constituída por normas extra-jurídicas

Consequências da violação das normas

Consequências jurídicas – responsabilidade internacional

Não tem consequências jurídicas – juízo ético de censura.

o Tal como o Direito, também a moral estabelece standards destinados a induzir comportamentos que promovem certos fins comunitários. Os princípios da moral não são, no entanto, modulados com o mesmo detalhe que as regras jurídicas. Normalmente, andam associadas à sustentação de interesses comunitários importantes.

o A violação de normas morais fazem tão-só apelo ao juízo ético dos actores envolvidos, decorrendo a sua força do reconhecimento voluntário de que o respectivo cumprimento constitui a forma recta de agir (pressupõe um acordo acerca de uma série de valores).

O conceito de moral internacional o Perspectiva interestadualista – atende à natureza particular dos principais sujeitos

internacionais, não princípios norma; aqueles que prosseguem e que se acredita contribuírem para a promoção do bem comum entre eles, enquanto entidades independentes e soberanas.

o Perspectiva da esfera humanista – o conceito de moral internacional alarga-se significativamente.

O fundamento do DI: o Escola realista – destaca factores de poder em detrimento de supostas influências de

juízos morais.

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Direito Internacional Público – 2º SEMESTRE| Paulo Pichel

o Escola normativista – aposta na predominância lógica do indivíduo em qualquer ordem jurídica, aceitando que as normas morais sirvam de fundamento e legitimam o direito internacional.

Na realidade, o confronto entre a retórica e aquilo que, efectivamente é praticado, nem sempre produz resultados satisfatórios. No entanto, não se deverá negar totalmente a influência das normas de moral internacional na conduta dos Estados:

o A condição de vigência e a função assimiladora das normas morais não depende em exclusivo da maneira concreta como são respeitadas.

o Apesar de formal e materialmente independente do direito interno, o DI é influenciado pelos valores e princípios que neste se afirmam.

Direito internacional e cortesia internacional

Cortesia internacional: o Regras ou usos internacionais de cortesia, de correcção ou de trato social, de decoro e boa

vontade que os Estados devem observar nas suas relações recíprocas. o Ex. honrar tributadas aos chefes de missão, protocolo aplicável nas relações com os

agentes diplomáticos estrangeiro, saudações feitas pelos navios de guerra de diferentes países...

Direito internacional público e direito internacional privado o São normas que pertencem a ordenamentos diversos. o Direito internacional privado – não é direito internacional mas direito estadual; direito de

remissão; resolve conflitos relativos à aplicação da lei no espaço (situações jurídico-privadas que põem em contacto mais do que um ordenamento jurídico).

o Direito internacional público – não é público nem privado mas antes e somente direito internacional.

Sentido e fundamento do Direito internacional DI e poder

o O ponto de partida habitualmente adoptado é o de que não pode haver direito genuíno e efectivo numa sociedade de Estados dominada por relações de poder e pela correlativa defesa dos interesses próprios de cada desejo estadual. O cepticismo contra o SI desdobra-se em 4 posições:

o A que considera existir uma predominância do poder sobre o direito, na SI. Tese realista segundo a qual o direito está subordinado ao poder, sendo,

muitas vezes, um instrumento deste (Poder = possibilidade de um Estado impor a sua vontade a outro ou outros ou controlar situações contestadas por outros – aplica-se aos mais variados factores: militares, económicos, políticos...).

Como na SI a distribuição dos elementos de poder está assente na desigualdade, tem como consequência que o poder ou ausência deste, domina quase por completo as relações interestaduais.

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O Direito desempenha um papel subordinado relativamente a duas coordenadas fundamentais:

O aumento do poder dos Estados. O aumento da liberdade de acção perante os outros sujeitos.

Não estando o Estado subordinado a nenhuma autoridade superior, a sua actuação é limitada:

Percepção que, em concreto, o Estado faça dos seus interesses. O confronto com o poder de outros Estados, que nessa medida

venha a condicionar a sua acção. Assim:

É inegável a importância das relações de poder que se estabeleçam entre os respectivos actores da sociedade internacional, sendo essas cruciais em situações concretas.

É indiscutível que os Estados mais poderosos têm muitas vezes capacidade decisiva na determinação ou formação de muitas regras de direito (ex.: regras consuetudinárias, poder para condicionar o conteúdo normativo das convenções bilaterais ou multilaterais).

Tal não significa que a relação de domínio implique que os Estado que detêm mais poder escapem por completo ao direito, ou estejam acima deste.

o O DI é dependente, quase exclusivamente da vontade dos Estados. o A que aponta profundas divisões culturais e de valores na sociedade internacional

que impossibilitam um sistema jurídico comum. o Fragilidade de um sistema jurídico que não dispõe de órgãos centralizados de que

emanam regras e garantam o seu cumprimento.

A efectividade da Ordem Jurídica internacional

Condições mínimas para a existência de DI: o Existência de uma comunidade. o Existência de um mínimo de relações entre os seus membros. o Relações regidas por regras de comportamento em alguma medida vinculativas.

Não faz sentido exigir um grau de efectividade do Direito internacional “total”, para que este possa ser considerado direito:

o Dentro de cada ordem jurídica ocorrem sempre violações sem que tal facto obrigue a concluir pela inexistência desse ordenamento.

o O direito depende da força, sendo que em certas situações de “falência” do ordenamento jurídico estadual, persistem ou impõem-se normas de DI.

o O DI é mais eficaz do que o direito público interno, se fizermos uma análise quantitativa de números de guerras civis, golpes de Estado, secessões ocorridas desde 1945. As performances dos sistemas jurídicos nacionais ficam, por isso, bem aquém do mito de perfeição, unidade e eficácia implicitamente suposto.

o É difícil estabelecer critérios seguros de determinação da efectividade de um determinado ordenamento jurídico.

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A questão que importa colocar é a de saber se o DI atinge actualmente um grau mínimo de efectividade. A resposta é afirmativa:

o A função legitimante do DI – os Estados procuram neste, sistematicamente, legitimação para os seus comportamentos.

o A observância do SI pelos Estados não estará relacionada com motivações ajurídicas? – Ao direito não interessa, por regra, curar das razões de observância das normas. Na sociedade internacional, quando os Estados agem de acordo com o DI, fortalecem a expectativa e a probabilidade de acatamento da parte dos restantes Estados. É a própria ideia de reciprocidade que perpassa todo o DI.

Sociedade internacional e comunidade internacional

Sociedade internacional Base social da Comunidade Internacional

A sociedade internacional como sociedade jurídica: o Ponto de vista de Mosler: o direito internacional deve ser analisado sob o ponto de vista

de uma sociedade internacional como comunidade jurídica. o A sociedade internacional implica, ao mesmo tempo, uma comunidade jurídica que regula

as relações dos seus membros com os outros e com instituições internacionais, através de regras, princípios e máximas de conduta.

o A SI será uma comunidade jurídica na medida em que seja capaz de viver de acordo com regras jurídicas, e o DI será o meio adequado para regular os acontecimentos da vida internacional apenas se estiver adaptado aos factos que caracterizam a SI contemporânea.

Requisitos da comunidade jurídica internacional o Antes do Séc. XVI ainda não pudera amadurecer uma comunidade jurídica internacional:

o Razão fáctica – a ausência de unidades soberanas auto-reguladas. o Razão psicológica – a ausência de regras jurídicas homogéneas e coerentes, que

substituíssem uma autoridade superior.

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Composta: -Estados (necessários/ sujeitos primários). -Organizações internacionais (sujeitos derivados). -Actores não estaduais: -MLN. -Insurgentes/ beligerantes -Indivíduo

Estes vários sujeitos relacionam-se entre si

Comunidade de Direito

Constituída pelos sujeitos que se relacionam entre si de acordo com as normas de DI

DI

Sistema normativo

regulador de relações que os sujeitos da SI estabelecem

entre si.

Comunidade jurídica internacional depende de 2 pressupostos: - pressuposto estadual. - pressuposto sociológico

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o Assim, a CI é constituída pelo conjunto dos entes colectivos que se relacionam entre si por normas de DI; e a base social dessa CI é a SI.

o A existência de uma comunidade internacional estará realizada se os seus membros aceitarem como obrigatório um corpo normativo que seja as relações intersubjectivas que se produzam no seio da sociedade internacional.

o A existência de uma comunidade internacional depende da realização de dois pressupostos:

o Pressuposto estadual – o facto de que um certo número de sociedades organizadas com base territorial coexistem, sendo independentes uma das outras e não estando submetidas a qualquer poder exterior.

o Pressuposto sociológico – essas sociedades deverão ter a convicção de estar vinculadas entre si por normas, aplicáveis recíproca e geralmente, que as colocam em situações jurídicas subjectivas, atribuindo-lhes direitos e obrigações.

Comunidade Internacional e Direito Internacional o Direito Internacional – “expressão jurídica da comunidade internacional. Assim como o

Direito interno é a organização do Estado (ou de qualquer outra entidade), o Direito internacional é a organização da comunidade internacional”

o Críticas (Jorge Miranda): Historicamente, o DI não teria surgido a partir de uma visão

transestadualista ou transnacional de organização, mas a partir das soberanias dos Estados.

Não haveria uma só comunidade internacional mas várias comunidades internacionais.

Ao conceito de comunidade internacional poderia subjugar uma visão ideológica ou meta-jurídica.

o Estas críticas não invalidam a concepção da comunidade jurídica que regula as relações dos seus membros mas com os outros e com instituições internacionais, através de regras, princípios e máximas de conduta:

Nela não está contida qualquer ideia de organização que compusesse uma visão transestadualista de organização. Pelo contrário. É atribuído um papel primário à função do Estado como elemento determinante da existência de sociedade internacional e, consequentemente, a existência de comunidade internacional.

Sendo uma comunidade jurídica, tal ser incompatível com regimes particulares, antes servindo a expressão comunidade para acentuar o carácter unitário e unificador do direito neste contexto especial.

Qualquer enquadramento metajurídico está ausente pois que se acentua apenas a convicção da existência de regras jurídicas aplicáveis à sociedade internacional.

Direito internacional e Estado Mundialo No caso da existência de um “super-Estado” mundial, não existiria direito internacional

porque lhe faltaria a sua base de sustentação – a sociedade internacional, que existirá enquanto existirem Estados.

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Direito Internacional Público – 2º SEMESTRE| Paulo Pichel

Traduções jurídicas da ideia de comunidade internacional: o “Todos os Estados gozam de igualdade soberana. Têm direitos e deveres iguais e são

membros iguais da comunidade internacional, não obstante as diferenças de ordem económica, social, política ou de qualquer outra natureza” – Res. 2625XXV, AG/ONU.

o Carta dos Direitos e Deveres dos Estados, Cap III “responsabilidades comuns relativamente à comunidade internacional”.

o Jurisprudência internacional – fixação de direitos e obrigações subjacentes ao conceito de comunidade internacional.

Características da sociedade internacional Composição:

o Composição principalmente interestadual, se bem que na mesma participam outros sujeitos não estaduais (DI).

o O número de sujeitos que compõem a SI é reduzido, mas ampliou-se em dois sentidos: o Aumento do nº de Estados independentes. o Aumento do número de organizações jurídicas internacionais dotadas de

personalidade jurídica internacional. o Âmbito universal na medida em que dela fazem parte todos os Estados.

Estrutura: o Estrutura paritária, traduzindo a expressão o facto de inexistir uma instância de poder

superior em relação à qual os Estados estejam colocados numa posição de subordinação. o O DI baseia-se na existência de Estados independentes e soberanos. o DI como verdadeiro direito de subordinação.

Organização: o Tendencialmente inorgânica e descentralizada:

o Não existem órgãos de carácter estável ou permanente semelhantes a órgãos de soberania internos.

o Para ultrapassar esta debilidade, os sujeitos de DI criaram organizações internacionais com o objectivo de assegurar a gestão, mediante órgãos permanentes, de alguns interesses colectivos (Ex.: SDN, ONU).

o A principal razão que explica a fraca integração institucional tema a ver com o próprio “código genético” da sociedade internacional. Uma vez que os seus actores mais importantes são os Estados soberanos, as profundas diferenças de carácter geográfico, político e económico que ainda os separam teriam, necessariamente, de se repercutir no corpo social que integram.

o O DI é concebido para operar na “political area”, a dos conflitos políticos e das lutas de poder. Nesse sentido, o DI atinge sucessivas “pontes de equilíbrio”, em função de tensões.

Evolução da Sociedade e do Direito Internacional o A sociedade internacional é produto de uma sedimentação evolução históricas.o O momento de origem da sociedade internacional não é consensual:

o Uns consideram que teve a sua origem em meados do séc. XVII, cristalizada com o Tratado de Vestefália.

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o Antiguidade Clássica. o Queda do Império Romano do Ocidente (476 d.c.) – a actual sociedade

internacional seria a continuidade jurídica da Republica Christian medieval, cujos membros reconheciam a supremacia do Imperador e do Papa.

o Surgimento do Estado Moderno (Séc. XVI) – o componente primário da SI são os Estados.

o Critério temporal adoptado: a altura em que se evolui de relações feudais e do reconhecimento da proeminência do papado e do Império para uma ideia de igualdade entre Estados e a inexistência de uma autoridade superior.

“é evidente que a indicação de uma data é puramente simbólica, dado que ninguém, naquela manhã de Outono de 1648, anunciou ao mundo o nascimento da CI e do seu direito”.

Da teorização da soberania estadual à teorização do direito internacional

1ª FASE o Teorização da soberania do Estado, atribuída por Jean Bodin, nos seus 6 livros sobre a

República (1576): o A soberania é considerada como elemento fundamental do Estado, como poder

inerente à noção de comunidade política. o O monarca não estava vinculado pelas leis que emanasse, mas estava sujeito a

limites – lei divina, lei da natureza, leis comuns a todas as nações e pelas “leis fundamentais do reino”.

o Frases dos livros de Bodin: A guerra com o inimigo é um meio de manter os súbditos em amizade. A guerra é um modo de purgar a república de vagabundos e sediciosos

“enviá-los para a guerra é limpar a república desta viscosidade”. o É no séc. XVI que surgem as primeiras tentativas de tratamento científico do direito

internacional. É perceptível a existência de valores jurídicos a propósito da ordem internacional.

o A doutrina desta época (doutrina clássica) recorre a conceitos de direito privado e a noções próprias da ciência romanística:

o JUS NATURAE – servia de paliativo lógico à ausência de uma autoridade centralizada. Salvo casos excepcionais, não era concebido como um sistema desprovido de contactos com a realidade abstracto e inacessível.

o JUS GENTIUM – representava a ideia de um fenómeno jurídico caracterizado por normas que se aplicavam a todas as gentes e a todos os países, e que incluía ainda as regras que disciplinavam o comportamento dos soberanos, reis e príncipes que nas suas relações mútuas não admitiam posições de supremacia.

o (Tanto o jus naturae e o jus gentium foram despojados pela doutrina dos aspectos indeterminados, incertos e abstractos).

O contributo de Francisco Vitória (1480-1546) o Na sua obra encontram-se indícios inovadores de soberania estadual e das relações

internacionais. o Principal contributo: recusa do arbítrio que a noção de soberania pode comportar.

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Direito Internacional Público – 2º SEMESTRE| Paulo Pichel

o Conceito de soberania: a soberania podia ser concebida como uma manifestação do Estado contra a ingerência, nos seus assuntos internos e internacionais, de qualquer autoridade ou potencia estrangeira.

o Mas a soberania não era arbítrio, se assim fosse afastar-se-ia dos princípios de justiça e equidade, opondo-se à ideia de uma comunidade internacional regida por regras de convivência e de cooperação, determinadas por princípios de direito permanente e instável que deveriam ser reconhecidos por todos os estados.

o Se um Estado abusar do seu poder, não se conformando ao Direito “supranacional”, O Estado ou Estados lesados estarão legitimados a recorrer à guerra, que é instrumento de garantia de direitos e forma de punição do Estado infractor.

o As posições de Vitória sobre a guerra justa: o A diversidade de religião não é causa justa de guerrear. o Aumentar o território não é causa justa de guerrear. o A glória ou proveito particular do príncipe não é causa justa para guerrear. o A única causa justa de guerra é a injúria recebida. o Mas não é qualquer injúria.

O contributo de Francisco Suarez (1548-1617): o O carácter obrigatório do direito internacional baseava-se no direito natural. o Pacta sunt servanda – a substância do DI decorre da regra de obrigatoriedade de

cumprimento dos compromissos assumidos.

O contributo de Alberto Gentili (1552-1608) – contribui significativamente para menorizar o peso das teses teológicas na fundamentação do direito internacional.

O contributo de Hugo Grócio (1583-1645): o Sistematiza pela primeira vez de forma coerente um corpo de regras e princípios

internacionais. o Qualificado como pai do Direito Internacional. o Revestiu as relações internacionais de uma conceptualização teórica que até aí ainda não

tinha conhecido, agrupando aquilo que outros tinham tratado de forma dispersa. o Principais ideias a fixar:

o Liberta o DI da sua associação ao Direito interno. o Direito natureza funda-se, exclusivamente, na razão. o Existiria direito natural válido ainda que Deus não existisse. o Defende a liberdade dos mares (polémica entre portugueses e holandeses).o As regras de DI estão ligadas a um contexto histórico e cultural próprios. o Consegue um equilíbrio razoável entre racionalismo e voluntarismo, clarificando

que o “Direito das gentes é um direito entre sujeitos iguais”.

Evolução histórica da sociedade internacional

Da paz de Vestefália (1648) à 1ª GM (1914):o A paz de Vestefália põe termo à guerra dos 30 anos, e verifica-se com a assinatura dos

Tratados de Munster e Osmabruck, a 24 de Outubro de 1648.

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o Fim do Império, igualdade religiosa entre catolicismo, luteranismo e calvinismo. o Criação de uma nova ordem política. o Criação de uma nova ordem territorial, estável até ao séc. XIX e o aparecimento de

Napoleão Bonaparte.

A – Sistema de Estados territoriais

Os Estados assumem o papel de reguladores das relações internacionais, à luz dos seguintes princípios:

o Respeito pelos limites territoriais. o Prevalência de um princípio de jurisdição territorial dos Estados sobre o princípio de

jurisdição pessoal em matéria de legislação e administração da justiça. o Igualdade soberana dos Estados. o Afirmação progressiva do princípio a não-intervenção nos assuntos internos dos Estados.

Sistema de garantia e de manutenção da Paz: o Afirmação do princípio “pacta sunt servanda”. o Resolução pacífica dos diferendos, de preferência por recurso a negociações diplomáticas. o Direito de o Estado vítima recorrer à força contra o Estado transgressor, sendo nisso

apoiado pelos Estados partes nos Tratados de Paz. o Uma guerra que fosse iniciada sem justa causa violava o direito, pelo que todos os

Estados parte nos Tratados de Paz, deveriam fazer face ao agressor.

B – Heterogeneidade e homogeneidade da sociedade internacional o A SI é, desde o seu surgimento, heterogénea – compreende estados pertencentes a

diversas áreas geográficas, culturais e religiosas (afastamento da ideia de uma SI de Estados europeus isolada do mundo).

o Estados europeus e Pan-europeus formavam uma sociedade de Estados extremamente homogénea:

o Nível religioso – todos eram cristãos. o Mesma matriz cultural. o Mesma estrutura político-ideológica e económica.

o Aspectos principais: o Desde a sua formação, a sociedade internacional nunca foi só constituída por

Estados europeus, integrando outras nações ou aglomerados menores. o Devido a uma pluralidade de factores (históricos, culturais, políticos e

económicos) os Estados europeus assumiram na SI uma preponderância. o Daqui se partiu a uma construção jurídica de fonte europeia, em que se afirmava a

superioridade dos Estados deste continente sobre os restantes.

C – O sistema de capitulações e de conquista o Em finais do séc. XIX, o domínio dos Estados europeus atingiu a sua expressão máxima,

Consequentemente, as relações entre Estados ocidentais e entre estes e os restantes eram diferenciadas:

o Aqueles que se aplicavam entre Estados europeus (inclui-se EUA e américa latina).

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Direito Internacional Público – 2º SEMESTRE| Paulo Pichel

o Aquelas que disciplinavam as relações entre estados europeus e terceiros estados ou comunidades humanas com padrões organizacionais rudimentares:

Relações com Estados propriamente ditos – SISTEMA DE CAPITULAÇÕES.

Relações com comunidades humanas privadas de qualquer autoridade central organizada – SISTEMA DE CONQUISTA.

Sistema de capitulações: o Acordos, submetidos a um padrão mais ou menos homogéneo com governantes

muçulmanos (mais tarde Império Otomano), com alguns países árabes (Egipto, Síria, Iraque) com a Pérsia, o Sião, a China, o Japão.

o A consolidação deste sistema ocorre durante os sécs. XVII e XVIII. o Função principal: estabelecer e regular a condição dos europeus nos territórios das nações

não-europeias: o Os europeus que tivessem a nacionalidade do Estado contraente não podiam ser

expulsos do Estado territorial sem o consentimento do seu Cônsul. o Tinham o Direito de praticar livre e publicamente o culto cristão. o Gozavam de liberdade de comercio e estavam isentos de certos aspectos do regime

interno relativamente às importações e exportações. o Beneficiavam de um regime muito favorável nos casos de insolvência, nos quais o

Estado territorial estava privado de aplicar-lhes certas sanções previstas no seu ordenamento jurídico.

o A jurisdição sobre os conflitos entre europeus era exercida pelo representante diplomático ou consular.

o Consequências deste regime: Os europeus, constituíam no Estado territorial, uma comunidade pessoal e

juridicamente separada dos autóctones. Os Estados europeus projectavam a sua autoridade fora da respectiva

esfera territorial. O regime das capitulações não era informado pelos princípios de paridade

e da reciprocidade; Expressava-se um catálogo de privilégios do que usufruíam os europeus, nem que os restantes estados, por vezes, se pudessem arrogar qualquer contrapartida jurídica.

Impunha limitações mais ou menos extensas da soberania dos Estados não europeus.

Sistema de conquista colonial: o Durante o séc. XIX e XX, o DI favorece a conquista colonial, fornecendo aos Estados

europeus um arsenal de mecanismos jurídicos que justificavam e legitimavam a sua actuação:

o Admitia-se a aquisição de soberania destes território, remetendo-os ao estatuto de terra nullius.

o Privação das comunidades locais de um qualquer estatuto jurídico internacionalmente relevante.

o A ocupação efectiva do território e o controlo de facto exercido sobre este eram condição suficiente para a aquisição de direitos soberanos.

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o A oposição à conquista legitimava, à luz do DI, os estados europeus a: Guerrear. Acordos – estipulação de tratados em que estava ausente qualquer ideia de

reciprocidade.

Desenvolvimento do DI neste período histórico o Podem apontar-se três aspectos principais que informavam o direito das gentes, enquanto

sistema jurídico que regia as relações entre entidades políticas soberanas e independentes: o Voluntarismo – as normas emanavam da vontade expressa ou tácita dos Estados,

erigindo-os ao papel cumulativo de destinatários e criadores de DI.o Neutralidade – não vinculação do DI a qualquer inspiração religiosa ou ideológica. o Positividade – o DI é um conjunto de normas jurídicas em vigor e não de regras

morais ou de aspirações de lege ferenda. o (Estas características, conferiram ao sistema jurídico internacional uma certa

perenidade e capacidade aplicativa independentemente das alterações sofridas pela sociedade internacional desde o período histórico do seu renascimentos e afirmação progressiva).

o O corpo de regras de DI que se desenvolvem até ao séc. XVIII é caracterizável por: o Repartição territorial assenta no princípio do equilíbrio de forças – sistema que

desatende a quaisquer factores nacionais ou humanitários. o Desenvolvimento de missões diplomáticas permanentes – intensificação da

actividade política internacional: Desenvolvimento de um Direito diplomático. Grande importância política das negociações diplomáticas. Acentua-se maior relevo à vontade dos Estados o que se vem a repercutir

na importância que o reconhecimento Estadual adquire em matérias como a sucessão a um trono.

Afirmação do princípio territorial sobre o pessoal em matéria de legislação e administração da justiça.

o Esforço de regulamentação da guerra: Discussões sobre as condições de guerra justa. A violência co-natural à guerra não podia ser ilimitada. Começam a cristalizar-se como regras consuetudinárias internacionais a

produção e respeito dos princípios da guerra e da população civil. Regras relativas aos espaços marítimos:

o Concepção mare liberum e mare clausum. (Questão resolvida em 1713) – “o mar está aberto a todos os Estados para o comercio e a pesca e para o livre exercício de guerra marítima”.

Os projectos de “paz perpétua” o O sonho de paz pelo direito teve um sucesso considerável neste período, e a ele se deve o

lançamento das sementes que, mais tarde, iriam frutificar com a constituição da SDN em 1919 e da ONU mais tarde.

o Insiste-se na importância da institucionalizar as relações entre Estados independentes, tendo como objectivo último o aprofundamento das solidariedades naturais dos membros

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Direito Internacional Público – 2º SEMESTRE| Paulo Pichel

da sociedade internacional, que teria como recurso a diminuição pragmática das hipóteses de conflitos bélicos.

Do Congresso de Viena (1814 a 1815) a 1914 o O congresso de Viena inicia um amplo período que praticamente finaliza com a Iº GM, e

que se caracteriza pelos seguintes aspectos: o 1ª Etapa (1815-1839) – legitimismo monárquico – forte reacção contra os

princípios da revolução francesa. o 2ª Etapa (Independência da Bélgica) – período da concertação europeia – sistema

de congressos ou período diplomático (factor importante no processo de sociedade internacional foi o gradual reconhecimento da nacionalidades).

o Desenvolvimento económico e industrial provoca um alargamento das trocas, a expressão colonialista dos países industrializados em África e na Ásia e o início do acesso do proletariado ao “protagonismo político”.

o Progressiva expansão da CI com a independência dos países da América Latina, a participação da Turquia no concerto europeu e o estabelecimento de relações com os países ocidentais.

o O volume físico do direito internacional aumentou através do alargamento e constituição de novas regras consuetudinárias e convencionais, pelo que poucos continuaram a insistir na supremacia do direito natural.

o Doutrinalmente, continuava a discutir-se o problema da soberania estadual, enquanto princípio orientador das relações internacionais.

De 1919 à IIª GM

Esboço de institucionalização da Comunidade Internacional: o No período anterior à IIª GM, a CI avança por caminhos de aperfeiçoamento, acontecendo

o mesmo com o DI. o Importância dos Tratados de Paz (1919-1920), em especial o Tratado de Versalhes:

o Criação da OIT e da SDN – primeira tentativa de cooperação política internacional de carácter permanente e da organização internacional com fins gerais, onde se destacava a vontade de manutenção da paz.

o Criação do TPJI e renúncia à guerra como meio de resolução de diferendos políticos quer como instrumento de política nacional.

o Acto geral de arbitragem (1928) aprovado pela SDN. o Trilogia: desarmamento, segurança, arbitragem.

o Antes do fim da Iª GM, o único avanço que se verificou no capítulo da distinção entre guerra justa e injusta, consistiu na melhor circunscrição conceptual e doutrinal das diferentes formas de auto-tutela, em especial a distinção entre legítima defesa e as represálias.

o O pacto da SDN teve o mérito de limitar o direito dos Estados de recorrer à guerra para resolução dos seus diferendos, aceitando-se que existiam casos em que o uso da força poderia ser sancionado pela organização.

Expansão material do Direito internacional

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o Conjunto elaborado de regras jurídicas de protecção das minorias. o Protecção de certas categorias de indivíduos. Ex.: Trabalhadores nas convenções

elaboradas pela OIT. o Alargamento da esfera de normatividade do DI às relações económicas internacionais,

comerciais e monetárias (ex.: acordos de controlo que visam regulamentar o comercio de certas matérias primas).

Após 1945. A sociedade internacional dos nossos dias

Influência da IIª GM no mundo pós-1945 o A evolução da SI desde 1945 foi substancialmente marcada pelo 2º conflito mundial:

o Emergência definitiva dos EUA e da União Soviética como árbitros das RI. Processo de descolonização. Desenvolvimento de lutas de libertação nacional.

o Emergência da idade nuclear que tornou o mundo num lugar muito mais perigoso do que antes.

o Criação e consolidação de um bloco comunista liderado pela URSS e um bloco ocidental.

o As três situações anteriormente referidas, marcaram a evolução da SI:o Modificação radical da composição da comunidade internacional, devido ao

acesso à condição estadual dos antigos territórios coloniais (pela primeira vez na história da humanidade, participam e têm voz nas RI entidades de contextos sociais, políticos, económicos e culturais muito diversificados).

o Choque ideológico entre Estados seguidores de uma democracia liberal e Estados inspirados na ideologia marxista. Condicionou o papel e funções do DI, bem como o seu conteúdo.

o Desenvolvimento tecnológico que permite o fabrico e acumulação de armamento de destruição maciça. Tem duas grandes consequências:

Possibilidade de o Homem extinguir a espécie humana. Impossibilidade jurídica de regular a hipótese de uma guerra total.

Terceiro mundo: descolonização, neo-colonialismo e revolução o O declínio do sistema colonial, que condicionara o sistema interestadual, teve outras

consequências, de entre as quais se pode referir a criação de fissuras na unidade do bloco ocidental.

o Durante décadas, apesar da perda das suas colónias e diferenças profundas quanto ao entendimento que faziam do respectivo interesse nacional, a maior parte dos países industrializados continua ainda em posição privilegiada para exercer influência sobre a evolução de muitos países do 3º mundo. Verificou-se uma processo em que o acesso à condição estadual garantiu a muitos países independência politica, mas não os libertou de mecanismos de dependência económica que perduram até aos nossos dias.

o A hipótese de movimentos revolucionários assumirem o poder no 3º mundo congregou, por reacção, os Estados europeus.

As principais etapas da descolonização: o A Ásia é o primeiro continente a emancipar-se:

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o 1946 – independência das Filipinas. o 1947 – Descolonização do Império Britânico das índias (originando Índia e

Paquistão). o 1947 – Malásia acede à independência. o 1949 – Holandeses aceitam a independência da Indonésia. o 1954 – França reconhece a independência de Laos, Cambodja e Vietname.

o Continente Africano: o 1945 – Egipto, África do Sul, Etiópia e Libéria são independentes ou parcialmente

independentes. o 1950 – Desmantelamento do domínio colonial italiano. o 1951 – Independência da Líbia. o 1955 - Egipto torna-se independente.o 1956 – França aceita a independência da Tunísia e Marrocos. o 1957 – Independência do Gana (face a Inglaterra). o 1958-1963 – independência da Nigéria, Serra Leoa, Gâmbia, Uganda, Tanzânia,

Quénia, Somália, Zâmbia.o 1962 – Argélia acede à independência. o Exceptuando as colónias portugueses e espanholas, em finais de 1963 a maior

parte de África emanciparam-se politicamente. o No médio Oriente:

o Nações Unidas em 1947 decidem a partilha da Palestina entre Judeus e palestinianos.

o Nasce o Estado de Israel em 1948, iniciando-se uma guerra com os vizinhos árabes.

o A Cisjordânia é anexada à Transjordânia, surgindo o Reino da Jordânia, sendo a faixa de Gaza integrada no Sinai Egípcio.

Descolonização e universalização da sociedade internacional o As repercussões do processo de descolonização na SI:

o Solidariedade entre países que tinham acedido recentemente à independência. o Heterogeneização da SI modificou radicalmente o ordenamento jurídico

internacional, fazendo vingar o princípio de uma certa democratização internacional.

Ex. em matéria de protecção de direitos do homem é ainda hoje corrente a atitude de reserva de países descolonizados na defesa da não universalidade de certos valores. Muitas vezes os direitos do Homem são conotados com uma visão ocidental, considerada um instrumento de domínio e de poder dos mais fortes sobre os mais fracos.

o Contribuição para a afirmação definitiva do direito de intervenção do princípio da autodeterminação dos povos.

o Em regra, os novos entes estaduais mostram uma fé mais ou menos inabalável na obra de codificação do DI e uma suspeição relativamente ao processo consuetudinário.

o A modificação do direito internacional teve que ter em conta esta questão:

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Os novos Estados, normalmente com poderes escassos, detêm real influência na elaboração de um instrumento jurídico que depende de manifestações da vontade explícitas e em que beneficiam da aplicação do princípio da igualdade de Estados.

O processo de formação de normas internacionais consuetudinárias escapa mais facilmente ao controlo formal dos Estados e desvaloriza o princípio da igualdade porque os Estados poderosos intervêm mais activamente na formação de regras consuetudinárias.

Os novos Estados consideram que o processo convencional inovador em que participavam lhes facultava uma mudança mais rápida e radical de direito tradicional, porque não sujeita às áleas do processo consuetudinário em que os Estados mais desenvolvidos têm uma capacidade de “resistência à mudança” substancialmente mais nítida.

Tendências de evolução: o direito internacional do séc. XXI o Assistimos à substituição de um sistema internacional por outro:

o Desagregação da União Soviética.o Surgimento acelerado de novas relações de poder. o Declínio das concepções isolacionistas do Estado – existência de relações de

profunda interdependência entre os diferentes actores internacionais. o As fronteiras continuam a subsistir como forma jurídica de delimitação das

soberanias mas mostram-se cada vez mais permeáveis às imagens, às ideias, aos homens, ao capital...

o Vaga democrática. o Desígnio de expansibilidade da SI remetendo o domínio reservado dos Estados para

coutadas mais modestas e limitadas. o Tendência intervencionista do conjunto de actores internacionais, denotando uma certa

aspiração comunitária, estes intervêm hoje em situações que anteriormente seriam consideradas de domínio interno dos Estados (ex.: Timor-Leste, Kowait). Fala-se cada vez mais em direito/ deveres de ingerência, em obrigação de reacção.

o Gradual protagonismo atribuído ao Homem como sujeito último das relações internacionais.

o “Regionalização” do mundo rebatido por relações de dependência recíproca. o Conflitos neutralizados pelos poderes totalitários, conflitos que nascem na lógica de

mercado, ligados ao crescimento ou a formas de violência renovada, carências do sul, certas formas de individualismo da sociedade ocidental.

o Do ponto de vista político, SI começa a ser associado de forma mais consistente aos conceitos de Paz e respeito pelos Direitos do Homem.

o No entanto, após o 11 de Setembro e já antes a intervenção no Kosovo em 1999, com a guerra “contra o terrorismo” levada a cabo no Afeganistão e no Iraque, levou ao enfraquecimento das estruturas da ONU e, em parte, dos valores por esta defendidos. Fala-se hoje na necessidade urgente de reforma do sistema.

Os actores da Sociedade Internacional

A subjectividade internacional

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Direito Internacional Público – 2º SEMESTRE| Paulo Pichel

Os sujeitos internacionais como actores internacionais

Sujeitos internacionais/ pessoas internacionais: o São as entidades com personalidade jurídica internacional, dotadas de capacidade de ser

titulares de direitos e obrigações reconhecidas pelo DI. o Possibilidade de ser destinatário directo das regras de um dado sistema jurídico. o Entidade a quem a ordem jurídica internacional atribui a capacidade de ser titular de

direitos e obrigações e de desencadear processos regulados por este ordenamento jurídico.

Actores da sociedade internacional o Cada uma das entidades dotadas de personalidade jurídica internacional e que

desempenha um determinado papel. o A sua existência como sujeito do ordenamento internacional tem na base razões de

natureza funcional. o Do ponto de vista jurídico, só serão actores aqueles a quem o direito reconhece a

capacidade de desempenhar um papel directo na actividade jurídica, aqueles a quem as regras podem atingir directamente.

Critérios de diferenciação dos sujeitos internacionais:o Em função da “situação jurídica”. o Sujeitos de direitos e sujeitos de deveres.

o Críticas: Há certas categorias de indivíduos que não se incluem nem numa nem

noutra, pelo que não teriam personalidade jurídica internacional. De acordo com esta distinção todos os indivíduos seriam pelo menos

destinatários de regras ou estatuições primárias do DI (obrigação internacional).

o Sujeitos passivos e activos. o Sujeitos permanentes e transitórios. o Sujeitos originários (Estado e Santa Sé) e supervenientes – perspectiva histórica. o Sujeitos com auto-determinação e sem auto-determinação. o Sujeitos de DI Comum e sujeitos de DI particular (- aqueles em cuja a existência

radica em normas de DI que não vinculam a CI num todo mas apenas parte dela). o Sujeitos de Direito Público e Sujeitos de Direito Privado.

Características da personalidade internacional

Similitude com os sistemas jurídicos internos: o O DI é regido em matéria de personalidade jurídica por 3 características fundamentais:

flexibilidade, adaptabilidade e ausência de apriorismos. o A PJ é um estatuto que a ordem jurídica pode conferir, recusar ou retirar a qualquer

entidade. o Ter PJ não significa ter direitos e obrigações idênticas.

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o Os direitos e obrigações de um sujeito não são pré-determinadas, antes definidas pelo sistema de direito em questão.

Personalidade no ordenamento jurídico internacional = PJ internacional: o Direitos e obrigações reconhecidas pelo DI – (estrito) identificam-se com os direitos e

deveres jurídicos definidos pelas regras do DI, e de que o sujeito jurídico em questão é directamente titular.

o São direitos e deveres reconhecidos pelo DI, sendo irrelevantes para efeitos de PJ internacional as regras do direito interno estadual.

o O DI, enquanto sistema jurídico independente, não pode deixar de considerar as regras dos sistemas jurídicos internos senão como simples factos, que ele pode decidir (livremente) tomar ou não em consideração.

o Não é possível funda a PJ internacional de uma entidade num instrumento jurídico que apenas se pronuncia sobre a PJ interna ou estadual dessa entidade.

Sentido da titularidade de direitos e obrigações jurídicas o Estamos perante direitos e obrigações jurídicas, e não apenas simples vantagens,

privilégios ou encargos. o O sujeito deve ser o destinatário directo e real destes direitos e obrigações. o Nota – art. 17º e 39º Convenção Montego-Bay – supondo a existência de um diferendo

sobre a interpretação ou aplicação destas disposições, este terá como partes o Estado territorial e o Estado nacional (ou entidades sob cujo pavilhão está a navegar o navio ou a voar a aeronave). “Os diferendos opõem, em sentido estrito, as partes na Convenção”

o Nota 2 – o mesmo acontece nos casos de protecção diplomática dos nacionais no estrangeiro – “é um princípio elementar do direito internacional aquele que autoriza o Estado a proteger os seus nacionais lesados por um outro Estado, de que não puderam obter satisfação pelas vias ordinárias. Fazendo causa por um dos seus, pondo em movimento, em seu favor, a acção diplomática ou judiciária internacional, este Estado faz, a bem dizer, valer o seu direito próprio, o direito que tem de fazer respeitar, na pessoa dos seus nacionais, o DI. (Assim, só as pessoas internacionais são verdadeiros sujeitos de DI).

Personalidade jurídica objectiva ou subjectiva o Objectiva relativamente a sujeitos estaduais:

o TIJ – “cinquenta Estados, que representam uma larga maioria dos membros da CI, tinham o poder, de acordo com o DI de criar uma entidade que possuísse uma personalidade jurídica internacional objectiva – e não uma personalidade apenas reconhecida por eles – bem como a capacidade para apresentar reclamações internacionais”.

o Crítica: violação da regras “res inter alios carta” – expressão do princípio da relatividade dos Tratados, estipulado no art. 34º da Convenção de Viena, nos termos do qual um tratado não cria nem obrigações nem direitos para terceiros. Sendo a Carta das Nações Unidas um tratado, esta objecção ganha consistência.

o Sujeitos jurídicos não estaduais – personalidade jurídica subjectiva, relativa, o que implica a inoponibilidade da personalidade jurídica internacional das organizações a Estados terceiros.

o A existência de um Estado repousa num facto jurídico, enquanto que a organização deve o seu surgimento na cena internacional, a um acto jurídico, o tratado constitutivo.

Índices de personalidade

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Direito Internacional Público – 2º SEMESTRE| Paulo Pichel

o Quando a PJ internacional não tiver sido expressa ou acordada por uma regras de direito ou por consentimento, reconhecimento ou assentimento tácito, será de indagar se uma entidade possui de facto direitos e deveres em virtude de uma norma do DI.

o Esses índices podem consistir no direito de: enviar e receber missões diplomáticas, concluir tratados, participar em conflitos armados legítimos, assegurar protecção diplomática, exercer jurisdição territorial, responder internacionalmente pelo incumprimento de obrigações.

Os Estados

Ausência de definição geral do conceito “Estado” o O conceito de Estado não está definido em nenhum instrumento jurídico internacional

geral. o A sua caracterização é construída doutrinalmente, atendendo às normas internacionais. o A noção de Estado tem, no entanto, um carácter central na estrutura do direito e das RI:

o A participação pela nas organizações internacionais depende da natureza estadual da entidade que requer a sua admissão.

o As entidades com base territorial a quem foi negada a natureza estadual, só participam nas RI de um modo limitado.

o É o sujeito primário do SI, em oposição aos sujeitos derivados que constituem personalidades “construídas” e não pressupostos por aquele direito, sendo exemplo as OI.

Definição e descrição do Estado o Definição do Estado – não é circunscridível ao jurídico. O objecto de DI é o de

determinar os direito e deveres respectivos dos seus sujeitos, determinar os elementos da manifestação estadual.

o Descrição do Estado – almeja identificar o Estado, é uma questão de personificação do Estado.

Estado comunidade e Estado organização o Estado-comunidade – comunidade humana, organizada politicamente, situada em

determinado território e submetida a certo poder político. o Estado-organização (estado-aparelho) – conjunto de órgãos que exercem o poder de

autoridade, exteriorizando a vontade do Estado:o Participa na formação de normas internacionais. o Desencadeia as RI do Estado. o Representa o Estado nas RI.

Elementos da manifestação estadual (satehood)Introdução

o O art.1º da Convenção de Montevideu dispõe que um Estado, como pessoa jurídica internacional, deverá possuir as seguintes características:

o População permanente. o Território definido. o Governo.

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o Capacidade para estabelecer relações com outros Estados. o A estes critérios juntar-se-á:

o Independência. o Estado e Princípio da auto-determinação dos povos.

A. Existência de um população permanente: o Os Estados, para alem de entidades territoriais, são também agregados de indivíduos. o A exigência de população permanente não tem um patamar mínimo (Ex. Ilhas Tuvalu),

não há referencia imediata à sua nacionalidade ou sequer à exigência automática que esse Estado tenha nacionais.

o A nacionalidade depende da condição estadual e não do inverso. Assim, a existência de nacionais não pode ser elemento do Estado, porque depende do Estado.

o Diferenciação entre nacionalidade internacional e interna: o Internacional – aquela que é dita do vínculo ou da nacionalidade efectivos.o Interna – titulada por uma norma interna.

o Conceito de população: todos os habitantes de um Estado. o Conceito de nacionalidade: vínculo jurídico que liga um indivíduo, onde quer que se

encontre, a um Estado e em virtude do qual um individuo e um Estado estão ligados por obrigações mútuas.

o O DI distingue o plano de atribuição interno de nacionalidade do da oponibilidade dessa atribuição a Estados terceiros, ou na cena internacional:

o Por um lado, reconhece-se o princípio da competência exclusiva no Estado em todas as questões relativas à aquisição ou perda de nacionalidade que o oponham a um indivíduo.

o Por outro, a nacionalidade de um indivíduo não é oponível aos Estados terceiros a não ser na medida em que existam vínculos efectivos entre o Estado de nacionalidade e o indivíduo.

B. Território: o É necessário um território definido, uma base territorial específica onde possa operar o

Estado. o É necessário um grau mínimo de efectividade na parcela territorial que reclama como seu. o Não haverá território estadual sem população. o Condição essencial à existência de um governo. o Natureza do território:

o Território sujeito – território como componente ou parcela do Estado. o Território-objecto – território é propriedade do Estado, tem um direito de natureza

real sobre ele. o Território limite – território como limite de poder do Estado. o Território-título jurídico – território como título jurídico essencial de competência

estadual.

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Direito Internacional Público – 2º SEMESTRE| Paulo Pichel

o Síntese das duas últimas: território é uma jurisdição do Estado para o DI delimitado pelo território, mas é simultaneamente o título jurídico que legitima a sua competência:

Delimitação especial da jurisdição do Estado. RJ com outros territórios. Título jurídico que distingue a competência.

C. Governo o É necessária a existência de uma certa forma governo ou controlo central, de modo a que

a SI possa funcionar com um grau razoável de efectividade. o Não importa o grau de desenvolvimento, a forma de organização ou a fonte de

legitimidade. o É necessária uma centralização mínima das funções do Estado.

D. Capacidade relacional com outros Estados o A capacidade para estabelecer relações com outros Estados é um aspecto da existência

jurídico-estadual de uma entidade. o É essencial para um Estado soberano que este possa ter a aptidão de criar relações com

outras unidades estaduais. o Deve ter a capacidade de conceder direitos a outros Estados e de exercer as obrigações

inerentes ao Estado. o Mais do que um elemento de manifestação estadual é um elemento de construção

estadual.

E. Independência o Presença ou inexistência de capacidade jurídica da entidade em questão, e não no grau,

maior ou menor, de persuasão ou influência que possa afectar a sua tomada de decisões. o O Estado independente não está submetido a outra soberania, e a sua natureza soberana

não é afectada nem pela submissão às regras de DI nem por uma relação de dependência factual relativamente a outro/ outros Estados.

o É um elemento fulcral da existência do Estado.

F. Estado e princípio da auto-determinação dos povoso Critério de governo efectivo evolui com a conjugação com o princípio da auto-

determinação dos povos: veio consagrar um padrão de legitimidade nos casos de descolonização, quanto ao exercício de poderes de autoridade de um dado espaço territorial.

o O princípio da auto-determinação dos povos é um requisito de estadualidade. o Poderá levar ao favorecimento da existência de Estado ou à sua impossibilidade:

o Favorecimento – ex. Congo Belga (Zaire e mais tarde República do Congo) – apesar da falência generalizada de qualquer forma de governo, o Congo viu a sua independência ser reconhecida por um grande número de Estados, tendo acedido à qualidade de membro das Nações Unidas. Ao mesmo tempo que eram adoptadas na Assembleia Geral resoluções sobre esta matéria, duas facções (a do auto-

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proclamado presidente do Congo e a do auto-proclamado primeiro-ministro do Congo) lutavam para obter o reconhecimento como legítimos representantes do Congo nas Nações Unidas. (Acabou por ganhar a facção do chefe de Estado). Ao escolher uma das facções, as nações Unidas não só admitem a estadualidade como escolhem o governo que deveria ser considerado legítimo.

o Favorecimento – Ex. Guiné-Bissau – em 1972, uma missão especial da ONU deslocou-se às “áreas libertadas” do território, e conclui que o poder colonial tinha perdido o controlo administrativo efectivo sobre largas parcelas daquele território. Tal foi bastante para que os observadores aceitassem a pretensão do PAIGC do reconhecimento de que controlavam de 2/3 a ¾ do território. O PAIGC exercia um poder administrativo de facto, tendo proclamado a independência da República da Guiné-Bissau. Isto muda totalmente a situação jurídica de Portugal que passa de Estado colonial para Estado ocupante.

o Dificultação do reconhecimento – Ex. Rodésia do Sul (actual Zimbabwe) – as Nações Unidas negaram o reconhecimento da declaração unilateral de independência. À luz dos critérios clássicos, a Rodésia do Sul era, objectivamente um Estado pois preenchia os objectivos factuais que determinavam o acesso à estadualidade. No entanto, o governo da Rodésia do Sul, formado por uma minoria branca racista, era considerado pelas Nações Unidas como ilegítimo tendo tal impedido o reconhecimento do Estado.

o O respeito pelo princípio da autodeterminação dos povos constitui um requisito de estadualidade a acrescer àqueles que, classicamente são estudados.

o No entanto, esta conclusão poderá não valer para alguns casos de secessão ou ausentes da ordem jurídica internacional.

A extinção do Estado

Extinção do Estado e Sucessão de Estados o Extinção coerciva – não é admitida a extinção de um Estado pelo recurso à força. O

desaparecimento de facto de um Estado, devido ao uso da força, não leva ao ser desaparecimento à luz do direito.

o Extinção por consentimento – é possível. Ex. unificação do Iémen do Sul e do Norte, Unificação da RFA e da RDA.

A natureza estadual relativa dos membros das NU

Requisitos necessários à admissão nas Nações Unidas (TIJ a propósito do art. 4º,1 da CNU)o Ser um Estado. o Ser pacífico. o Aceitar as obrigações da Carta. o Ser capaz de cumprir as ditas obrigações. o Estar disposto a fazê-lo.

Hierarquização dos critérios do art. 4º, 1, CNU: 1. Ser um Estado – critério fundamental. (Condição necessária mas não suficiente).

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2. Todos os outros – qualidades que o Estado deve possuir.

Assim, a qualidade de Estado é considerada condição fundamental mas não suficiente para ser admitido como um novo membro das Nações Unidas. É necessário tomar em linha de conta também os outros critérios. Assim, a não admissão de um Estado como membro das Nações Unidas (ou o voto negativo de um Estado) não implica o não reconhecimento como Estado, pois poderá apenas não cumprir outros requisitos. No entanto, um voto favorável de um Estado nas Nações Unidas, para que outro seja acolhido como membro, implica o seu reconhecimento daquele Estado (mesmo que este Estado acabe por não integrar o corpo de membros das Nações Unidas).

O reconhecimento de Estado

Reconhecimento: o Acto unilateral reservado a Estados, é património exclusivo dos Estados.o Acto jurídico-internacional pelo qual um sujeito afirma que determinada situação é

conforme com o direito internacional, ou pela qual afirma que se verificam determinados pressupostos previstos numa norma internacional para a produção de certos efeitos.

o Acto pelo qual um Estado verifica a existência de certos factos (criação de um Estado) ou de certos actos jurídicos (nacionalidade atribuída a um indivíduo) e aceita que lhe sejam oponíveis.

o Trata-se de um acto discricionário, mas tem limites: reconhecimento de situação contrária a norma de ius cogens ou por determinação do Conselho de Segurança.

o Em matéria de reconhecimento é possível optar por duas soluções: Reconhecimento constitutivo:

O Estado só existiria a partir do reconhecimento – deste modo, toda a situação de facto anterior a este seria juridicamente irrelevante.

O reconhecimento só produzirá efeitos entre os Estados que o praticaram, não sendo oponível erga omnes.

A qualificação jurídica do acto de reconhecimento é variável: Num primeiro momento, considerou-se que se tratava de um acto

unilateral de um Estado. Num momento posterior, (tese do consensualismo) segundo a qual

o acto de reconhecimento corresponde a um acto bilateral entre um sujeito novo e um sujeito antigo de direito internacional.

Gerald Fitzmaurice – a comunidade internacional seria um clube para o qual só se entra mediante eleição pelos membros. O Estado pode ter todas as qualificações necessárias e, no entanto, ser excluído por os membros não gostarem da sua aparência, das suas maneiras, ou das suas opiniões políticas.

Reconhecimento declarativo: O Estado existe antes do reconhecimento. O Estado é um sujeito de DI, sendo a atribuição de personalidade admitida,

verificados certos pressupostos de facto e de direito.

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Existência de um Estado não é posta em causa pela recusa de reconhecimento de alguns Estados.

Assim, o principal efeito jurídico do acto de reconhecimento será o de impedir o Estado que reconhece de poder vir, mais tarde, contestar a legitimidade da situação que reconheceu.

Gerald Fitzmaurice – a comunidade internacional seria uma espécie de família, no seio da qual nasce um novo membro. Ainda que se não goste do recém-nascido, ou se considere inoportuno o seu aparecimento, nas se lhe pode negar a qualidade de membro daquele grupo.

o Entende-se que é mais correcto adoptar a tese do reconhecimento declarativo, em consonância, aliás com o artigo 9º da Carta da OEA, onde se afirma que “a existência de um Estado é independente do reconhecimento dos outros Estados”. Esta tese traduz melhor “a realidade de uma vida jurídico-internacional muito mais intensa, muito mais institucionalizada, e em que avultam as relações multilaterais.

o No entanto, este argumento não chegará para justificar a tese declarativa. Com efeito, sempre se poderia manter a bilateralização genérica dos actos jurídicos de reconhecimento (por apelo à tese constitutiva).

o Assim, o art. 9º, mais do que optar pela tese declarativa, vem diminuir a importância prática do acto de reconhecimento: os Estados, mesmo que não reconhecidos, podem participar em muitas actividades, e resolver muitos problemas, sem reconhecimento formal.

o Destaque-se a existência de uma norma consuetudinária comum, segundo a qual o Estado soberano é sujeito de DI, tornando-se a atribuição de PJ internacional ao Estado, automática, uma vez que surgirá quando estiverem reunidos certos pressupostos de facto e de direito. (Para alem disso, evitam-se “curiosidades jurídicas” a que levaria a aplicação estrita da tese constitutiva, nomeadamente a de um Estado que fosse simultaneamente “pessoa internacional” e “não pessoa internacional”, consoante tivesse sido, ou não, reconhecido por um determinado Estado.

Reconhecimento de Estado por Estadoso Por regra, apenas será de atender ao reconhecimento de Estado feito por Estados – é um

sinal de reciprocidade de relações e de menor institucionalização da vida internacional. o No entanto, o processo de evolução de certas organizações internacionais no sentido de

uma progressiva integração deverá servir para atenuar a ideia de que o reconhecimento é feito apenas por Estados, ainda que do ponto de vista estritamente formal tal seja verdade, não obsta a que se verifique, na realidade, uma certa centralização destas matérias na organização internacional (ex. caso das Comunidades Europeias em relação ao reconhecimento dos Estados resultantes da desagregação da ex-Jugoslávia – Eslovénia, Croácia, Macedónia, Bósnia e Herzegovina, Montenegro, Kosovo em que se adoptou uma declaração dos doze sobre a Jugoslávia).

Direito ou dever de (não) reconhecer

Dever jurídico de reconhecer: o A partir do momento em que uma determinada comunidade preencheu as condições que

permitem a sua caracterização como Estado, e uma vez que o DI se basta com a

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verificação desses pressupostos para atribuir personalidade internacional ao Estado, seria de aceitar que os Estados pré-existentes estivessem obrigados por um dever jurídico de reconhecer.

o Seria um modo pragmático de superação das divisões doutrinais: o Cedência da teoria constitutiva – ao admitir-se que uma vez surgido o Estado, não

deveria negar-se o reconhecimento e o acesso à CI dele decorrente. o Cedência da teoria declarativa – impunha que, antes do reconhecimento, devesse

estar pressuposta uma análise atenta das condicionantes de facto que designamos por elementos do Estado.

o No entanto, esta hipótese não será de acolher. Nunca um Estado foi acusado de ter cometido um facto ilícito internacional por não ter reconhecido a existência de outro Estado. Esta questão, com grande carga política, dificilmente poderá ter um enquadramento jurídico.

o A recusa de reconhecimento de uma determinada entidade como Estado poder ter duas razões principais:

o Entendimento de que uma determinada entidade não pode aceder à condição de Estado por não estarem presentes determinados pressupostos de facto e de direitos.

o A recusa de reconhecimento de uma entidade que, objectivamente, é um Estado, pode ser funcionalmente instrumentalizada em favor de uma posição político-internacional que aquele Estado considera dever prosseguir.

o (Nem num caso nem noutro se deverá acolher a tese do dever de reconhecimento mesmo porque o papel do reconhecimento – adoptada a tese declarativa – terá grande relevância. Quanto muito dever-se-á reduzir o papel do reconhecimento à sua dimensão real e concreta, por importante que ela possa ser ao nível do condicionamento da capacidade plena de exercício dos direitos do novo Estado na sociedade internacional.

Limites ou condicionamentos do direito de reconhecero Proibição dos reconhecimentos prematuros – Ex. o reconhecimento como Estado de uma

pequena parcela territorial controlada por um grupo armado, com carácter instável e de aparente provisoriedade, constitui uma violação das mais elementares regras de boa-fé e, sobretudo, um desrespeito pelo princípio da não-intervenção dos assuntos internos.

o Poder-se-á admitir nestes casos, quanto muito, o reconhecimento de um movimento nacional ou de libertação, de beligerância ou de insurreição. Mas não um Estado.

o Só estando em causa a aplicação de princípios da auto-determinação dos povos ou da proibição do uso da força nas relações internacionais se alteram os padrões objectivos que subjazem ao surgimento do Estado na cena internacional. Aqui, não será sequer ilícito o reconhecimento.

Reconhecimento de governo o Acto pelo qual um Estado afirma que a autoridade política que tomou o poder num outro

Estado fora das formas constitucionais representa validamente o Estado na esfera internacional.

o É necessária a verificação de uma ruptura constitucional.

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o O governo surge em sentido amplo – quem detém os poderes e responsabilidades nas relações externas do Estado (sabe-se, por conseguinte, quem irá doravante exercer o jus tractum, o jus legationis e os demais poderes de representação internacional do Estado.

o Com reconhecimento do governo não se questiona a existência de um Estado, uma vez que se aplicam neste domínio, os princípios da identidade e continuidade estadual.

Critérios de reconhecimento – doutrina da efectividade e doutrina da legitimidade

Doutrina da efectividade/ doutrina da Estradao O reconhecimento do governo depende do exercício efectivo do poder dentro do Estado e

da capacidade de cumprir os seus compromissos internacionais. o Esta doutrina respeita a esfera interna dos Estados soberanos. o Crítica: sendo o reconhecimento de governo livre, e ditados por questões eminentemente

políticas, poderá suceder que esteja ligado de forma umbilical ao reconhecimento de Estado. (Ex. guerra civil – se um estado reconhece dois governos, consequentemente reconhece dois Estados).

Doutrina da legitimidade/ Doutrina de Tobar: o Doutrina que remonta à Santa Aliança – legitimidade dinástica (o poder pertencia de

direito aos membros das casas reinantes de título antigo, ou resultantes dos Actos de Viena, não sendo reconhecidos os Governos que não obedecessem a estas condições).

o Hoje o princípio da legitimação passa a ser o democrático – aferido a posteriori com a realização de eleições.

o Críticas: o Pode levar a situações de ingerência de Estados mais poderosos nos assuntos de

terceiros Estados.o A figura do reconhecimento de governos, entendida nestes termos, pode ser

contraditória (ex. posição dos EUA em relação ao governo cubano e ao governo chinês).

Assim, defende-se o progressivo desuso da figura do reconhecimento do governo, a qual tem larguíssimos inconvenientes.

Exemplo da prática do Reino Unido no que respeita ao reconhecimento de governos:o Não reconhecer governos por isso poder ser confundido com aprovação de regimes.

Limitar a prática do reconhecimento a Estados.o Continuar a decidir a natureza das relações cm regimes que ascenderam ao poder de

forma inconstitucional à luz do juízo sobre se são capazes de exercer o controlo efectivo do território do Estado respectivo.

o Em futuros casos, quando um novo regime chegar ao poder inconstitucionalmente, a nossa atitude sobre a questão de saber se deve ser tratado como um governo decorrerá das relações, se as houver, que pudermos ter com ele, e em particular do facto de estarmos ou não a lidar com ele numa base de governo-a-governo.

Nota: o reconhecimento ou não reconhecimento é indiferente quando estejam em causa relações de responsabilidade (a não ser que aquele se funde num padrão de governo efectivo).

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A insurgência e beligerância o Insurgentes e beligerantes não devem ser assimilados a Estados, são, quando muito,

entidades pró-estaduais ou pró-governativas. o No seu estudo procurar-se-ão destacar os índices de personalidade internacional que

derivam do acto de reconhecimento por terceiros Estados.

Reconhecimento dos insurgentes: o Trata-se de uma situação em que ocorre uma revolta no território de um Estado, que o

Governo não consegue reprimir de imediato. o Se os insurgentes conseguirem manter-se numa parcela do território surge a possibilidade

do reconhecimento da situação de insurgência. o Geralmente, é o Estado no qual ocorreu a insurreição que tomará a iniciativa desta forma

particular de reconhecimento. Este comporta duas consequências: o Os insurgentes serão tratados de acordo com as regras do direito de guerra e a luta

entre as forças governamentais e as forças insurgentes será conduzida com menos crueldade.

o O governo no poder se eximir da responsabilidade internacional relativamente aos actos danosos causados pelos insurgentes aos cidadãos estrangeiros ou aos seus bens.

o Os insurgentes que disponham de forças navais deixam de ser considerados piratas passando a dispor de um pavilhão lícito.

o Distinção entre insurgentes e beligerantes: o A situação de insurgência implica a obtenção de um certo sucesso militar e o

domínio de uma parcela territorial durante um lapso de tempo prolongado. o O reconhecimento de beligerância tem como característica importante o facto de

resultar de terceiros Estados (podendo o governo territorial reconhecer tal situação).

Consequências do reconhecimento o É inferior ao reconhecimento de Estado quanto aos efeitos jurídico-internacionai

produzidos. o Limita-se a constatar o facto de que a sublevação não fracassou, tendo conseguido numa

parcela do território, exercer um poder de facto. o A principal consequência é aplicar o direito de guerra e de neutralidade a estes conflitos

armados. o Poderá bloquear a navios de terceiros Estados o acesso às faixas costeiras e portos

controlados pelos rebeldes. o Permite aos Estados terceiros beneficiar de um estatuto de neutralidade, que pode ser

muito importante no caso em que tenham interesses nos territórios controlados pelos sublevados ou quando estejam em causa cidadãos seus ou os seus bens.

o O status de beligerante extingue-se com o fim da guerra civil, quando a insurreição é dominada ou, ao contrário, consegue controlar todo o território, transformando-se, neste último casos, “de Governo de facto local em Governo de facto geral”.

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Notas: o O estatuto de beligerante pode ser atribuído automaticamente, por aplicação das

disposições de direito internacional humanitários, aos casos de revolta ou insurreição, o que ainda atenua mais a distinção entre beligerantes e insurgentes.

o Os corpos beligerantes e insurgentes que actuam num dado Estado podem estabelecer relações jurídicas e concluir acordos, válidos no plano internacional, com Estados e outros beligerantes ou insurgentes.

Categorias de Estados

Estados federais: o Federalismo processo de associação de comunidades humanas distintas, que visa

conciliar duas tendências contraditórias: o Tendência de autonomia das colectividades componentes. o Tendência para a organização hierarquizada de uma comunidade global que

agrega o conjunto das colectividades elementares. o Estado federal aquele onde, num mesmo território e para a mesma população operam

vários sistemas estaduais, coexistindo o sistema federal com o sistema dos Estados federados no âmbito territorial destes últimos.

o Pluralidade de poderes políticos soberanos, pluralidade de constituições, pluralidade dos sistemas de órgãos do Estado.

o Estrutura da sobreposição, estrutura de agregação, unidade de actuação política, soberania dos Estados federados.

o Federalismo clássico e federalismo cooperativo. o (Para estas noções consultar apontamentos de Introdução ao Direito Público)

o Do ponto de vista do Direito Internacional não se faz a distinção entre Estados Unitários e Estados Federados. No entanto, há situações curiosas como a de alguns Estados dos EUA celebrarem acordos sobre matérias ambientais com o Canadá. O mesmo acontece com a província do Quebeque que estabeleceu acordos culturais com a França e com outros Estados, não se tendo o governo federal oposto a tal. No entanto, estas competências têm uma natureza residual, sendo que o Estado federado só terá essas competências se uma norma interna lhas atribuir excepcionando a regra geral. (Mesmo nesse caso, estão condicionadas por uma norma consuetudinária de salvaguarda).

o Juridicamente, é a união federal que, em regra, responde internacionalmente pelos actos dos Estados federados (pois considera-se que é esta estrutura que representa todo o Estado Federal).

o Norma consuetudinária de salvaguarda: o Estado Federal não pode invocar o seu regime especial de repartição das competências constitucionais para se eximir às suas obrigações internacionais. (Ex. Massacre dos Italianos de Nova Orleães, exclusão das crianças japonesas das escolas de S. Francisco, caso succession d’Hyacinthe Pellat.

Confederações de Estadoso Resulta de uma aliança entre vários Estados independentes que concluem um acordo

internacional para esse efeito. o Os Estados partes na confederação não perdem a sua soberania “externa” e “interna”, e o

governo confederal deverá zelar por isso.

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o Muitas vezes as confederações dão origem a Estados Federados: Confederação Americana (1776-1787), Confederação Germânica (1814 a 1866), Confederação Helvética (Antes de 1848).

o Pelas experiências mais próximas não terem tido grande sucesso e pelo renascimento do mito do Estado nacional e unitário, não é de prever que a estrutura confederal possa vir ainda a ter a importância passada nas relações internacionais.

Distinção entre Federação e Confederação Federação Confederação

Nº de Estados (do ponto de vista internacional)

1 – unidade política e jurídica. Pluralidade de Estados

Governo Central Exerce poderes imediatos sobre os cidadãos.

Não exerce poderes imediatos sobre os cidadãos das entidades soberanas.

Capacidade de celebração de acordos internacionais dos Estados componentes

À partida é o Estado federal que tem poderes para celebrar acordos internacionais. No entanto, poderão existir excepções.

Por exemplo, na confederação alemã, os membros estavam habilitados a concluir tratados com Estados estrangeiros e a estabelecer relações diplomáticas entre eles.

O protectorado o Integrado no domínio dos fenómenos imperialistas (referindo-se o Estado protector como

imperial power). o Supõe um equilíbrio de forças entre dois Estados, que se traduz numa modificação

recíproca das suas competências territoriais. o Protectorado regime convencional pelo qual dois Estados organizam entre si uma

repartição desigualitária do exercício das competências respectivas: o Domínio Externo:

Estado protegido – perde as suas competências externa em favor do Estado protector.

Estado protector – assegura em exclusivo a representação diplomática e a protecção, no plano internacional, dos cidadãos do Estado protegido.

o Domínio interno: (a repartição das competências pode variar). Exclui a administração directa do Estado protector (no entanto, já

aconteceu a extensão das competências do Estado protector em relação à organização dos serviços públicos).

o Regra geral, o protectorado tem uma natureza convencional. Já aconteceu no entanto, a criação de forma unilateral de um protectorado:

o Reino Unido e Egipto (1914) – acto unilateral britânico. o No caso dos protectorados internacionais, o Estado protegido perde a sua qualidade de

Estado soberano, mas a regra admite excepções: o Caso relativo aos direitos dos cidadãos dos EUA em Marrocos. TIJ - “o governo

francês não contesta que Marrocos, mesmo sob o protectorado, conservou a personalidade de Estado em direito internacional.”

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o Tal não acontece com o Butão (membro das NU desde 1971) mas que aceitava “ser guiado pelo Conselho da Índia nas suas relações externas”.

o Muito embora os acordos de protectorado importassem a diminuição da independência do Estado protegido, foram relativamente frequentes os casos em que tribunais internos do Estado protector consideraram o Estado protegido como “soberano” em certas situações, tal como para efeitos do reconhecimento da imunidade jurisdicional.

o Na prática, muito embora os protectorados tenham desaparecido da cena internacional como categoria jurídica autónoma, os Estados fracos ou pequenos são ainda submetidos a graus variados de controlo estrangeiro, seja militar, económico ou político. Tal não obsta, em abstracto, ao reconhecimento da personalidade jurídica internacional destas entidades.

Estado neutralizado o A situação particular do Estado permanentemente neutralizado assenta no facto de o seu

regime ser regulado pelo Direito Internacional.o É uma situação diferente da de um Estado que unilateralmente adopta a

neutralidade como linha de conduta internacional. Enquanto esta posição não for aceite por terceiros estados (através de tratado ou norma consuetudinária própria) esta neutralidade tem importância meramente política ou ética, não sendo oponível internacionalmente (Ex. Suécia e Costa Rica).

o Aspectos essenciais do estatuto de neutralidade permanente: o O Estado neutralizado obriga-se a não participar em nenhum conflito armado

internacional. o O Estado neutralizado não pode ser parte em nenhuma convenção de aliança

militar com terceiros Estado (Ex. OTAN). o O Estado neutralizado obriga-se a não admitir a instalação de bases militares no

seu território. o Assim, o Estado neutralizado é aquele cuja integridade é assegurada por um tratado

internacional, sob condição de manter neutralidade – excepto nas situações de legítima defesa.

o Exemplos históricos: Luxemburgo (1867-1920), Bélgica (1831-1819), Estado Livre do Congo e o Laos (1962).

o Exemplos actuais: Áustria, Suíça, Estado do Vaticano. o O estatuto da Áustria em especial:

Foi objecto de regulamentação no período entre as duas guerras. No caso do Regime Aduaneiro entre Alemanha e Áustria o TPJI tinha

indicado que a “Áustria, devido à sua posição geográfica na Europa central e por causa das profundas alterações políticas que resultam da última guerra, é um ponto sensível no sistema europeu.”

Depois de 1945, de acordo com o previsto no acordo austro-soviético de 1955 e da celebração do Tratado de Viena (05/1955) que restaurava a sua soberania, declarou-se unilateralmente neutralizada através de uma cláusula da sua constituição.

Esta declaração foi aceita por vários Estados. Embora seja um Estado neutralizado, a Áustria é membro das Nações

Unidas. Tal não constitui violação da sua neutralidade: Os acordos previstos no Cap. VII não foram concluídos.

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O Conselho de Segurança pode decidir eximir um Estado de tomar parte nas medidas coercitivas que decida aplicar.

(Nota: a Áustria aplicou sanções económicas ao Iraque quando da crise do Golfo, iniciada em 1990).

Os micro-estados/ Estados Exíguos o São Estados que têm um território muito pequeno e correlativamente uma população

extremamente reduzida. o Ex. Liechtenstein, Mónaco, República de S. Marino. o Liechtenstein:

o Não conseguiu ser admitido às Nações Unidas por se considerar duvidosa a sua capacidade para respeitar todas as obrigações decorrentes da qualidade de membro da organização.

o Solicitou às Nações Unidas ser parte no Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça com base no art. 93º,2 da Carta. Foi admitido como parte no ETIJ em condições similares àquelas em que a Suíça foi em 1948.

o Em 1990, foi finalmente admitido como membro das Nações Unidas (já após a queda do bloco do leste).

o É membro do Conselho da Europa.o Mónaco e República de S. Marino:

o Estão, do ponto de vista do direito internacional, em situação análoga, pois cada um destes dois membros coopera de forma desenvolvida com o Estado que o rodeia:

Mónaco – ligado à França por tratado. Não é membro das NU mas pertence a organizações internacionais de vocação universal como a UNESCO.

S. Marino – está ligado à Itália. Foi inicialmente considerado como um protectorado mas a sua posição jurídica reforçou-se e o seu Governo celebrou vários tratados com Estados estrangeiros. É membro das NU desde 1992, sendo já antes parte no ETIJ.

Note-se ainda que S. Marino manteve a sua neutralidade durante a II GM, sendo membro do Conselho da Europa.

o O problema mais interessante que se coloca actualmente em relação aos micro-Estados é o da sua participação em organizações internacionais. A ideia prevalecente é a de que, em virtude do princípio da igualdade de membros, os micro-estados benefeciariam de vantagens excessivas relativamente aos outros membros.

o Esta questão foi abordada pelo secretario geral UThant em 1967, no seu relatório anual à AG.

o Os Estados Unidos propuseram a criação de um Estatuto especial de associação para esses Estados:

Por um lado, isso implicaria rever a carta o que não seria fácil. Por outro lado, a ideia de que a pertença à organização é incompatível com

estatutos jurídicos diferenciados ganhou peso. (a proposta dos EUA implicaria a impossibilidade de votação dos micro-estados na AG e não poderiam participar em órgãos principais com composição restrita como o CS).

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Características gerais dos Estados face ao DI

Características jurídicas gerais e exclusivaso Competência plena para agirem na esfera internacional (celebração de tratados,

negociações, protesto, etc.) – atributo da qualidade soberana dos Estados. o São únicos competentes no que respeita aos assuntos internos (Art. 2º, 7 CNU). – a

jurisdição é plena e não sujeita ao controlo de outros Estados (tal não equivale à sua omnipotência no que respeita às matérias incluídas no domínio reservado).

o Por regra, não são obrigados a submeter-se a qualquer processo internacional compulsório a menos que consintam em tal quer num caso concreto quer em geral (este é um princípio basilar p. ex. no capítulo da resolução dos diferendos internacionais – TIJ, parecer consultivo, Sahara Occidental).

Referência ao princípio da igualdade o Nos termos do art. 2º,1 CNU os Estados são iguais. o Trata-se de um princípio jurídico-formal, não moral ou político, não impedindo que os

Estados possam não ter voto igual em organizações internacionais desde que sejam membros, pois uma organização internacional que não se baseie na igualdade requer o consentimento de todos os Membros em derrogação do sobredito princípio. (CRAWFORD – em virtude do seu formalismo, o princípio da igualdade acelera o movimento em favor da igualdade de condições, não interessando sequer realizar a sociedade dos iguais, mas antes obter um mínimo de igualdade de condições para todos).

o Quaisquer derrogações a estes princípios devem ser analisadas com cuidado. Existem dúvidas quanto à possibilidade de aplicação:

o Presunção Lotus – nome do caso julgado pelo TPJI, em que este entendeu que, estando em causa a soberania de um Estado não podiam presumir-se restrições impostas pelo direito internacional.

Crawford (a favor) – entende que esta presunção é ilidível. Brownlie (contra) – adianta alguns factores (p.e. situação geográfica) que

em cada caso concreto permitem resolver dúvidas quanto à soberania do Estado.

o Não é de acolher a exigência do enunciado claro da restrição, uma vez que essa é uma questão não autonomizável das que, em geral, se colocam em sede de interpretação de normas internacionais.

A jurisdição do Estado sobre o Território

O território como afirmação espacial do Estado o Baseado no conceito de Estado, o direito internacional não podia senão atribuir grande

importância à espacial deste. o Se o Estado se apoia no conceito de soberania, a própria soberania se funde no facto

território. o Qualquer sistema jurídico necessita de um âmbito espacial que determine a sua esfera de

validade. Este espaço não tem que estar perfeitamente unificado (mesmo no direito

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interno há diferentes espaços) no direito internacional há diferentes espaços pois existe uma pluralidade de sujeitos, em que cada um preserva o seu espaço próprio e ao mesmo tempo e ao mesmo tempo procura garantir o acesso e a partilha de poderes de autoridade em espaços comuns.

o Encarados do Estado, os espaços internacionais repartem-se em três categorias: o O seu espaço próprio. (espaço territorial)o O espaço próprio de cada um dos outros Estados. (espaço territorial) o Espaço comum. (espaço internacional).o (Embora esta sejam as categorias padrão, o direito internacional admite outras

categorias pela razão de que o DI reconhece juridicamente espaços não submetidos à soberania territorial).

o Existem 4 tipos de regimes associados ao conceito de espaço para o DI que reconhece juridicamente espaços não submetidos à soberania territorial:

o Espaços submetidos à soberania territorial. o Territórios não submetidos à soberania de nenhum Estado, mas dotados de um

estatuto jurídico internacional próprio (ex. território sobre mandato ou tutela). o Espaços não submetidos a soberania territorial nem dotados de um estatuto

jurídico próprio (res nullius). o Espaços comuns (res communio). o (O segundo e terceiro tipos têm carácter provisório, integrando-se, com o decurso

do tempo, no primeiro. A “anomalia fica assim corrigida, e cumpre-se a regra da prevalência quase absoluta do Estado no exercício de poderes soberanos sobre os espaços).

Território e soberania estadual o Sem território, uma pessoa jurídica internacional não pode ser um Estado. A soberania

estadual, mesmo a noção de competência ou de jurisdição do Estado, só serão em grande medida compreendidas por referência ao território.

o A jurisdição que o Estado exerce sobre pessoas e bens, com exclusão dos outros Estados, flui das noções patrimoniais de propriedade do direito privado. Muitos dos primeiros pensadores do direito internacional recorreram e a princípios típicos do direito civil no tratamento e qualificação da soberania territorial.

o (as competências exercidas pelo Estado sobre o seu território decorrem da soberania sobre o território, são, por isso, manifestações ou consequências desta, não o seu conteúdo).

o A transposição para o direito internacional de princípios característicos do direito interno continua a detectar-se, e beneficia mesmo de uma importância particular, e renovada em alguns contextos específicos:

o Tem influência nas regras sobre aquisição e perda de soberania territorial (tendência privatista).

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o Estatuto de favor rejuvenescido de que beneficia o princípio do uti possidetis1 – reconhecido de excepcional importância para o continente africano, em 1986 pelo Tribunal Internacional de Justiça no caso Burkina Faso ao Mali.

Recentemente foi aplicado num caso de 1992 que opôs, perante o TIJ, El Salvador e as Honduras.

Considerações do juiz Quintana no caso Frontiers Land. Caso Canal de Beagle (Argentina V. Chile) o Tribunal arbitral entendeu

que o princípio do uti possidetis não tinha carácter imperativo tal que suplantasse, no caso que estava em juízo, um tratado que estabelecia fronteiras vinculantes para as partes.

o O território é a base física sobre a qual se exercem as competências do Estado. Mas quais são os traços gerais que nos permitem apreender a soberania territorial?

o Sentença de Max Huber (diferendo entre Estados Unidos e Países Baixos acerca das ilhas de Palmas):

Soberania territorial (em relação a uma porção da superfície do globo) – é a condição jurídica necessária para a inclusão dessa porção no território de qualquer Estado. [a soberania territorial pertence sempre a um ou em circunstâncias especiais a vários Estados, com exclusão de todos os outros].

Soberania nas relações entre Estados = independência. Independência (em relação a uma porção do globo) – é o direito de aí

exercer, com exclusão de qualquer outro Estado, as funções de um Estado. “O desenvolvimento da organização nacional dos Estados durante

os últimos séculos, e como corolário, o desenvolvimento do direito internacional, estabelecerem este princípio da competência exclusiva do Estado relativamente ao seu próprio território de uma forma tal que o transformaram no ponto de partida para a resolução da maioria das questões relativas às relações internacionais.”

o Parecer consultivo do TIJ sobre o Sara Ocidental:

1 Utti Possidetis ou uti possidetis iuris é um princípio de direito internacional segundo o qual os beligerantes num conflito conservam a sua posse no final das hostilidades. A expressão advém da frase uti possidetis, ita possideatis, que significa "como possuías, assim possuas".Proveniente do direito romano, o princípio autoriza uma parte a contestar e reivindicar um território adquirido pela guerra. O termo foi utilizado historicamente para legitimar as conquistas territoriais, como no caso da anexação da Alsácia-Lorena pelo Império Alemão, em 1871.Recorreu-se a este princípio para estabelecer as fronteiras dos novos Estados independentes após a descolonização, de modo a que os novos limites correspondessem aos dos antigos territórios coloniais. O princípio foi utilizado após a retirada do Império Espanhol na América do Sul, no século XIX. Ao lançar mão do Uti possidetis, os novos Estados procuraram assegurar que não haveria terra nullius no continente e reduzir a possibilidade de guerras de fronteira na região. A política não foi totalmente bem sucedida, como demonstrou a Guerra do Pacífico (1879-1884).O mesmo princípio foi aplicado à África e à Ásia quando da retirada das potências europeias. Em 1964, a Organização da Unidade Africana decidiu que o "princípio da intangibilidade das fronteiras coloniais" - noção central do Uti possidetis - deveria ser aplicado ao continente. Embora grande parte da África já fosse independente àquela altura, a resolução foi uma directriz política para regular as contestações territoriais baseadas em tratado relativo às fronteiras pré-existentes.Este princípio foi aceite por Portugal e Espanha na celebração do Tratado de Utrecht para definir a fronteira das suas colónias na região dos sete povos das missões. Cit. Wikipedia.

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Nas relações jurídicas que em virtude do princípio da soberania territorial, se estabelecem entre o Estado e pessoas ou bens sob a sua jurisdição devem ser distinguidas de outro tipo de vínculos como:

Nacionalidade – no que se refere às pessoas singulares e colectivas. Direito consuetudinário em relação a um determinado espaço.

o Reino Unido, ONU, 1982 (conflito das Malvinas): É necessário distinguir soberania territorial do princípio da

autodeterminação dos povos. No entender do Reino Unido, as pretensões sobre as ilhas Falkland-

Malvinas não podiam suplantar o direito de auto-determinação da população lá residente, que para esse efeito, representava o povo.

Características da soberania territorial (plenitude, exclusividade, inviolabilidade) o Nas palavras de Max Huber, soberania territorial manifesta-se ou existe quando a

actividade estadual atinge um certo padrão, que mostre de maneira irrefutável o exercício de um poder de autoridade.

o As características mais importantes da soberania territorial desdobram-se em três aspectos: Plenitude, Exclusividade, Inviolabilidade.

o Poder-se-ia argumentar que as limitações impostas pelo Direito Internacional p.e. relativamente à forma como o Estado pode exercer a sua jurisdição sobre o território ou até em casos em que ordens jurídicas regionais (como a UE) vão ainda mais longe, põe em causa a ideia de soberania territorial (e os valores de plenitude, exclusividade e inviolabilidade). No entanto, tal não se verifica:o Estes constrangimentos cessam quando estiver em causa a livre disposição do

território, a definição da sua consistência e da jurisdição que se lhe aplica. o Este fenómeno não seria possível prévia, por qualquer forma, sem a sua aceitação

pelo soberano territorial. TPJI, caso Wimbledon (1923) – realçou que este tipo de aceitação

conjugada com renúncia é ainda uma manifestação de soberania territorial. o Plenitude:

A soberania territorial permite ao Estado a prossecução das suas funções. E como estas, estão vocacionadas à satisfação dos interesses de uma determinada comunidade humana, num determinado espaço, é de entender que, neste sentido, o DI não presume limitações à soberania territorial. Esta é plena – plenitude não se identifica com ausência de limites. Esta característica compreende-se em confronto com as características de outros sujeitos internacionais (Ex. OI – só podem exercer os poderes que lhe tenham sido atribuídos expressa ou implicitamente, no tratado constitutivo). Não faz sentido falar do princípio da competência atribuída aplicado a uma entidade estadual.

o Exclusividade: A soberania territorial é exclusiva – à parte a situação em que se verifique

o consentimento do soberano territorial, não se admite, no território de um Estado, o exercício de competências territoriais por outro Estado.

Traz um dever para o Estado, de, no seu território, respeitar e fazer respeitar o Direito Internacional.

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Max Huber “a obrigação de proteger, no seu território, os direitos de outros Estados, em especial o direito à integridade e à inviolabilidade, em tempo de paz como em tempo de guerra, bem como os direitos que o outros Estados podem reclamar para os seus nacionais em território estrangeiro.

o Inviolabilidade: É consequência da plenitude e da exclusividade e do próprio

reconhecimento da inviolabilidade do território estadual. Traduz-se na obrigação de respeito da soberania e integridade territorial

dos outros Estados sendo uma das bases essenciais das relações internacionais (Art. 2º,4 ONU e resol. 2625).

Identificação dos elementos territoriais o Território terrestre:

o É composto pelas terras emersas, pelas águas interiores e pelos cursos de água internacionais que acompanham ou atravessam o território terrestre.

Terras emersas continentais e insulares contêm solo e subsolo, sendo a expressão mais evidente do território.

Águas interiores: o São englobadas no espaço terrestre estadual (rios, lagos, mares

interiores) ou, o Acompanham o traçado físico do território terrestre – águas

interiores marítimas: o Compreendidas entre as linhas de máxima preia-mar e

baixa-mar. o Compreendidas entre as linhas de máxima preia-mar e as

linhas do território que tiverem sido traçadas em substituição da linha de baixa-mar. (aqui englobam-se certas baías de pouca abertura ou históricas).

o O Estado ribeirinho exerce, relativamente às águas interiores marítimas, as mesmas competências que quanto ao território terrestre.

o O acesso aos portos dos navios comerciais estrangeiros é livre, no entanto, o Estado ribeirinho pode proibi-lo por razões de segurança ou de natureza sanitária.

o Nas águas interiores marítimas, os navios estrangeiros não têm direito de passagem inofensiva (ao contrário do que acontece no mar territorial – art. 17º e ss CMB).

Cursos de água internacionais que acompanham ou atravessam o território terrestre estes cursos de água podem:

o Comunicar com o território terrestre de outro Estado - incluem-se aqui os lagos com mais do que um Estado ribeirinho e os cursos de água que atravessam, sucessivamente, o espaço terrestre de vários Estados. (Rios internacionais).

o Comunicar com um espaço internacional – incluem-se vias artificiais cavadas num istmo e que permitem a comunicação entre os espaços marítimos que separava (canais internacionais).

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o Território aéreo:o É composto pelo espaço sobrejacente ao território terrestre e às águas territoriais do

Estado. o A territorialização do espaço aéreo dá-se já no decorrer do séc.XX. Mas é mais

universal (porque todos os Estados têm espaço aéreo) e o regime que se lhe aplica é universalmente reconhecido.

o O espaço aéreo foi incorporado no espaço territorial: Convenção de Paria de 13 de Outubro de 1919. Convenção de Chicago de 7 de Dezembro de 1944 – relativa à aviação

civil internacional. Quer uma quer outra identificam a soberania completa e exclusiva do

Estado sobre o espaço aéreo acima do seu território plenitude dos poderes exercidos pelo Estado sobre o seu espaço aéreo.

o Território marítimo:o Mar territorial:

Zona do mar adjacente à costa do Estado, submetido à sua soberania territorial (Art.2º,1 CMB).

Art. 17º e ss da CMB o Mar Territorial estende-se até às 12 milhas a partir da linha de baixa-mar. Soberania plena do Estado excepto para garantir o direito de passagem inofensiva.

o Zona contígua: Estende-se das 12 às 24 milhas. Estado com alguns poderes importantes (fiscalização e sanção) – controlo

sanitário, controlo de imigração. Art. 33º CMB.

o Zona económica exclusiva Convenção de Montego-Bay zona situada além do Mar territorial e a

este adjacente (art. 55º). O regime que lhe é aplicável respeita ao leito do mar e o seu subsolo, bem

como aos recursos naturais, vivos ou não vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar. (Art. 56º,1 CMB).

o Plataforma continental: Convenção de Genebra “o leito do mar e o subsolo das regiões

adjacentes às costas (continentais ou insulares) mas situadas fora do mar territorial, até uma profundidade de 200 metros.” (Art. 1º).

Convenção Montego-Bay conjunto formado pelo leito e subsolo das áreas marinhas que se estendem alem do mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural do território terrestre, até ao bordo exterior da margem continental ou até uma distância de 200 milhas contadas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial. (Art. 76º,1).

Vai desde as águas interiores até à zona económica exclusiva. Pode ser prolongada até ás 350 milhas de acordo com o art. 76º; 4,5.

o (Distinção entre Mar Territorial e plataforma continental e zona económica exclusiva:

Mar territorial – soberania do Estado.

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Plataforma continental e zona económica exclusiva – “direitos de soberania”, reconhecidos para fins específicos, sobretudo relacionados com a exploração de recursos naturais.

o Mas a sua territorialização é acentuada porque poucas características lhe faltam relativamente à soberania territorial, aproximando-se com nitidez dos espaços internacionais em matéria de liberdade de comunicações.

Identificação dos espaços internacionais o “O fenómeno da territorializzação dos espaços, ocorrida em benefício dos Estados,

manifestou-se sobretudo neste século, e ocorre em detrimento do alto mar (alargamento progressivo do mar territorial, surgimento da plataforma continental e da zona económica exclusiva) e do espaço atmosférico (afirmação de espaço aéreo).”

o “Desta forma, é mais fácil definir o que seja espaço internacional (res communio) pela negativa, como o conjunto de espaços que escapam à jurisdição ou soberania territorial.”

A fronteira o As características de plenitude, exclusividade e da inviolabilidade da soberania territorial

mostram como é imperiosa a necessidade de assinalar com exactidão, o contorno espacial em que aquela vai exercer-se.

o A fronteira é o limite internacional que separa dois territórios estaduais. o Distingue-se dos restantes limites internacionais:

o Limites que dividam zonas adstritas juridicamente à mesma soberania, mas submetidas a autoridades diferentes.

o Zonas ou espaços cujo estatuto internacional é objecto de contestação (linhas de guerra, linhas de cessar-fogo ou que demarcam zonas de ocupação).

o Limites que separam entidades estaduais em relação às quais se coloca o problema da respectiva reunificação – p.e. RFA e RDA, Iémen, Coreia do Norte, Coreia do Sul.

o (Todos estes limites têm um estatuto específico em direito internacional que lhes garante protecção internacional que varia, consoante as circunstâncias, de intensidade, mesmo sendo provisórios ou precários. Mas não são fronteiras estaduais).

o A fronteira deverá ser visualizada como um plano vertical que, partindo do subsolo, se eleva acima da terra firme ou das águas estaduais.

o São, porém, frequentes os regimes particulares aplicáveis às regiões fronteiriças, fundados em usos ou convenções específicos. Este “Direito de vizinhança” desdobra-se em variados aspectos, que vão da circulação de pessoas, bens ou animais à coordenação ou gestão comum dos cursos fluviais ou à luta contra a poluição.

Delimitação da fronteira o Delimitação convencional:

o A fronteira é traçada por acordo entre os Estados envolvidos. o Celebra-se um tratado que visa resolver um diferendo ou esclarecer uma situação

de incerteza.

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o O tratado pode versar exclusivamente sobre a delimitação propriamente dita ou nele serem tratadas questões mais gerais (resolução genérica de uma situação conflitual, ocorrendo a delimitação de fronteiras).

o Exemplos: Tratado entre Argentina e Chile (1984, diferendo do Canal Beagle):

Vem resolver um diferendo relativo a reivindicações territoriais sobre o Canal Beagle.

Intervenção do Papa – argentinos e chilenos são católicos. A intervenção papal tinha como função desresponsabilizar os governantes.

Acordo entre Israel e Egipto (1979): Vem encerrar o estado de guerra entre os dois países, que durava

desde 1948. Mediação dos EUA.

o A estabilidade dos tratados relativos a fronteiras é considerada um valor relevante pelo direito internacional:

Convenção de Viena (art. 62º) – dispõe que não podem ser invocadas para questionar a vigência de um tratado que estabeleça uma fronteira “uma alteração fundamental de circunstâncias como motivo para pôr fim à vigência de um tratado ou para dele se retirar, quando se trata de um tratado que estabeleça uma fronteira.

Convenção de Viena (cap. Sucessão de Estados) – salvaguardou expressamente que os tratados de fronteiras subsistem no caso de sucessão de Estados.

o Delimitação jurisdicional: o Nesta situação, a delimitação da fronteira é realizada por um terceiro. o Os Estados confiam a resolução do seu diferendo quanto à fronteira a um tribunal

internacional ou um tribunal arbitral. Casos em que houve intervenção do Tribunal Internacional:

Burkina Faso – Mali (1986). Guiné-Guiné-Bissau. Líbia-Chade. Honduras-El Salvador (1992).

Casos em que houve resolução por um tribunal arbitral: Argentina-Chile (Canal de Beagle) – apesar da argentina não ter

executado a sentença do tribunal arbitral (composto por cinco membros, mas proferida pela Rainha Isabel II), por ser favorável ao Chile.

Caso da Ex-Jugoslávia – com o desmembramento, surgiram novas entidades estaduais. A UE desempenhou um papel importante na delimitação das novas fronteiras, através da criação de uma comissão, composta pelos presidentes do tribunais supremos de cinco países europeus (Espanha, Itália, Bélgica, França e Alemanha) que, no início de 1992 considerou que o critério a adoptar era o das fronteiras “internas” que separavam as diferentes entidades federadas da Jugoslávia. Acolhia-se o princípio “uti

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possidetis” que salvaguardava o status quo territorial e revelava potencialidades mais vastas do que as de princípio aplicável à resolução de situações pós-coloniais.

Demarcação da fronteira o Consiste na materialização no terreno da fronteira, depois da operação de delimitação, em

que o traçado da fronteira é realizado por fronteira ou na sequência de decisão jurisdicional.

o É uma tarefa técnica normalmente realizada por uma comissão mista, que compreende representantes dos dois Estados intervenientes.

o Traduz-se na colocação de marcos no terreno. o Tem, normalmente, uma componente documental, que permite evitar contestações

futuras. o Situações em que houve conflitos provenientes de uma discrepância entre a delimitação e

a demarcação de fronteiras: o Cambodja e Tailândia, Templo de Préah Vihéar – o diferendo residia no facto de a

delimitação e a demarcação de da fronteira entre os dois países divergia na zona do Templo.

o Israel e Egipto, enclave de Taba – pequena parcela territorial com um quilómetro quadrado e que só veio a ser resolvida por um tribunal arbitral em 1988.

As organizações internacionais

Organização internacional e organização de cooperação jurídica entre os Estados o Sendo os Estados a componente essencial da sociedade internacional contemporânea, este

coabitam a nível internacional com outras estruturas institucionais designadas como organizações internacionais ou intergovernamentais, independentemente da denominação no acordo constitutivo (Conselho, Organização, União, Associação, Fundo, Agencia, Sociedade).

o A expressão organização internacional pode ter vários sentidos: o Sentido amplo:

Empregue para acentuar a organização político-institucional da sociedade internacional (vertente institucionalizada da sociedade internacional).

“A comunidade internacional, como qualquer corpo social que se constitua num certo momento e que, seguidamente, tem a sua evolução própria, tende a construir-se segundo certas tendências e certas modalidades, assumindo gradualmente uma fisionomia muito mais complexa do que a originária. A este fenómeno que se encontra analogamente em todos os corpos sociais pode também dar-se o nome de organização.”

o Para referir fenómenos concretos de cooperação institucional interestadual, que se pode afirmar em qualquer um dos campos ou domínios das relações internacionais (Este sentido será aquele utilizado doravante).

o Antes do surgimento das organizações internacionais na cena internacional, a cooperação entre Estados tinha já atingido um grau de desenvolvimento substancial (conclusão de Tratados entre Estados, na sua origem bilaterais, que justificavam direitos e obrigações na esfera das relações internacionais das partes e que se baseavam no princípio da reciprocidade que ainda hoje informa o direito dos tratados). A novidade não está,

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portanto, na ideia de organização, antes na dimensão institucional e não apenas jurídica das relações internacionais.

o A cooperação entre Estados foi, durante vários séculos, entendida como um enquadramento sobretudo jurídico e bilateral, restrita à esfera dos Estados interessados. Esta situação alterou-se com a celebração de tratados de paz em que intervinha uma pluralidade de Estados, sendo que, neste processo, se destacam os tratados de Vestefália, embora não sendo multilaterais e antes constituindo um feixe de acordos bilaterais paralelos entre os diversos Estados que tinham participado no conflito.

o Com o aparecimento das organizações internacionais, a cooperação internacional passou a realizar-se através de mecanismos mais complexos do que os constituídos pela materialização, num tratado internacional, do esquema obrigação do comportamentocorrespondente direito subjectivo da outra parte.

o Pode detectar-se uma ruptura qualitativa a partir da qual é possível falar em “organização internacional” na medida em que os Estados intervenientes nesse processo se associam de modo a criar uma instituição, com poderes para gestão das suas competências numa determinada área.

o Estas instituições surgem por vontade dos Estados membros e exercem competências específicas na esfera das relações internacionais, dispondo, para tal, de capacidade para manifestar uma vontade própria e para desenvolver um feixe de actividades distintas e separadas das dos Estados membros.

Concretização. Razão de ser do fenómeno organizacional o A multiplicação destes sujeitos de direito internacional pode ligar-se a uma razão

explicativa genérica, que corresponde ao desejo de os Estados se agruparem. o Para que se possam agrupar, os Estados podem seguir diferentes meios:

o Optar por uma fórmula de integração política (Estado Federal, Confederação de Estados, União de Estados).

o Ligar-se, escolhendo uma base não-institucional, jurídica ou informal (ex. aliança).

o Recorrer ao processo da organização internacional.

Razão pela qual os Estados sentem necessidade de criar novos entes internacionais: o Parecem responder a duas necessidades distintas e complementares:

o Aspiração geral pela paz e pelo progresso das relações pacíficas daqui decorrerá a necessidade de criação de uma organização internacional, potencialmente universal quanto ao objecto e à extensão (ex. ONU).

o Resposta a necessidades precisas e limitadas, relativas a questões particulares resulta a criação de uma pluralidade de organizações internacionais especializadas.

o Poderá verificar-se a existência de dois tipos de evolução diferenciados, duas experiências divergentes, começando a segunda antes da primeira mas ao mesmo tempo contribuindo para o seu surgimento e destinada a submeter-se a essa.

o As próprias organizações internacionais são simultaneamente causa e efeito. Por conseguinte, é fácil intuir que estas desempenham um papel importante na vida internacional “por terem adquirido uma independência relativa perante os Estados membros e por poderem tomar decisões autónomas e desempenhar funções específicas”.

Modo de actuação das organizações internacionais

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o Está marcado por um esforço de distanciamento em relação aos Estados, no sentido de se afirmarem como um poder autónomo.

o Distinguem-se das conferências internacionais em alguns aspectos fundamentais: o Carácter permanente. o Existência de uma vontade própria distinta da vontade comum dos Estados que a

compõem.

Natureza internacional das organizações internacionais: o A criação de uma organização internacional, é um acto internacional:

o A natureza internacional das organizações internacionais é, em regra, consequência do facto de os seus membros serem Estados, que nela se fazem representar por elementos ou delegados dos respectivos governos. É portanto, justa a qualificação destas como organizações intergovernamentais. Mas é necessário ter em atenção:

Algumas organizações internacionais, cujos os elementos não são Estados, têm reconhecida certa personalidade internacional. (Ex. associações de interesses, cuja personalidade jurídica se pode traduzir nas celebração dos ditos quasi-acordos internacionais).

Certas organizações intergovernamentais admitem como membros, mesmo que com direitos reduzidos, colectividades territoriais de direito público (territórios, províncias, território ultramarinos, etc.). Ex. União Postal Universal e União Internacional das Telecomunicações.

Algumas organizações internacionais já não são exclusivamente dirigidas pelos Estados que a compõem, os seus órgãos compreendem outras pessoas jurídicas que não Estados, legitimadas diferentemente e prosseguindo interesses exclusivos da organização internacional. (Ex. CEE).

o A criação de uma organização internacional faz-se por acordos entre Estados, qualquer que seja a sua forma (mesmo se, normalmente, tal ocorre por tratado solene, assinado e ratificado).

o Nada impede que uma organização internacional seja criada por mero acordo em forma simplificada – o aspecto mais importante será, regra geral, a sua natureza interestadual.

o O acto constitutivo da organização internacional não se limita a proclamar o seu surgimento, estabelecendo as suas regras de funcionamento – quais os princípios orientadores da organização, quais os seus fins específicos, quem poderá ser membro, quais os órgãos que irão em concreto prosseguir os objectivos da organização, quando entra em vigor, como pode ser revisto o tratado constitutivo...

o Não interessa a forma assumida pelo acordo interestadual o que importa é o facto de o tratado multilateral ser a forma habitual do acto constitutivo das OI.

As OI como sujeito de direito internacional

OI e ordenamento internacional

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o De uma fase em que se reconhecia apenas ao Estado a subjectividade internacional passou-se a um entendimento quase generalizado, de reconhecimento da existência de sujeitos diferenciados de direito internacional.

o TIJ, parecer sobre a reparação de danos sofridos ao serviço das Nações Unidas – “os sujeitos de direito num sistema jurídico não são necessariamente idênticos quanto à sua natureza ou à extensão dos seus direitos; e a sua natureza dependa das necessidades da comunidade”.

Factos que originaram este parecer: No seguimento do conflito israelo-árabe de 1947/48, o Conde

Bernadotte foi enviado para a Palestina como mediador das Nações Unidas.

Tendo sido assassinado por extremistas hebraicos, em Setembro de 1948.

Colocou-se o problema da protecção jurídica dos agentes da ONU e da reparação dos danos sofridos por estes,

A AG da ONU suscitou um parecer ao TIJ, perguntando, nomeadamente, se a ONU tinha capacidade para intentar, contra o Estado responsável, uma acção internacional de reparação do dano causado à organização e à vítima.

O Tribunal teve oportunidade para se pronunciar sobre duas questões de natureza fundamental:

Sobre a questão da personalidade jurídico-internacional das Nações Unidas, do seu âmbito e alcance – para mostrar a personalidade da organização o Tribunal considerou que:

o aquela tinha sido concebida para exercer funções e direitos que só podiam explicar-se pela posse dos atributos da personalidade internacional e da capacidade para agir no plano internacional: a ONU tinha órgãos e fins próprios e os seus membros deviam colaborar com a organização nas acções que esta decidisse (Art.2º,5).

o Beneficiava de privilégios e de imunidades, sendo parte em diversas convenções.

o Tinha uma missão política que desempenhava através de meios políticos.

o A organização, embora composta por Estados, autonomizava-se deles, sendo-lhes exterior.

Possibilidade de aplicação da teoria dos poderes implícitos a uma organização internacional.

o As considerações do Tribunal podem ser transpostas para todas as organizações internacionais:

o “Actuam na comunidade internacional actual entes de diferente natureza, que possuem subjectividade internacional em algum grau”(MENENDEZ).

o “O desenvolvimento do direito internacional ao longo da sua história foi influenciado pelas exigências da vida internacional, e o crescimento progressivo das actividades colectivas dos Estados fez já surgir exemplos de acção no plano internacional por certas entidades que são Estados” – TIJ.

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o No parecer sobre o Sara Ocidental, o TIJ reafirmou o critério da oponibilidade de direitos como condição de subjectividade internacional – “para averiguar se uma organização internacional tem ou não personalidade haverá que recorrer ao seu acto de constituição e examinar se dele decorrem poderes e deveres próprios, e se a organização é susceptível de emitir manifestações de vontade que lhe sejam juridicamente imputáveis, e não ao Estados membros” (GONÇALVES PEREIRA).

o Sendo a personalidade jurídica das organizações internacionais indiscutida em termos abstractos, é mais difícil determinar com precisão, em concreto, o alcance exacto desta conclusão. É que só os Estados podem ser qualificados como entidades soberanas em direito internacional. Fala-se por isso numa certa dose de personalidade jurídica das organizações internacionais, tendo estas um fundamento mediato (ou derivado) deduzido da soberania e, em particular, da vontade dos Estados.

Contestação da personalidade jurídica internacional das OI o Teve os seus defensores em parte da doutrina soviética e italiana. o Doutrina Soviética – decorre da desconfiança perante o desenvolvimento progressivo da

institucionalização da sociedade internacional (com afectação da soberania estadual). o Doutrina italiana:

o Vai apoiar a sua argumentação nas falhas lógicas de que padeceria a estrutura lógica da matéria dos sujeitos de direito internacional.

o A subjectividade internacional não podia ser aferida através de uma transposição dos quadros do direito interno, em que a personalidade jurídica é atribuída pela lei, erga omnes, para o direito internacional, onde a inexistência de uma autoridade centralizada obriga a uma apreciação em outros moldes.

o Em consequência, a SI seria, eminentemente, “Estado-cêntrica”. o A questão, hoje definitivamente datada, foi resolvida explicitamente por muitos tratados

constitutivos, nos quais se afirmava, sem margem para dúvidas, a personalidade jurídica da OI. Ex. art. 210º TCE.

Personalidade interna e internacional das OI o A personalidade jurídica internacional das OI não deve ser confundida com a sua

personalidade jurídica interna. o A PJ interna é mais facilmente reconhecida pois esta é inerente à prossecução das

finalidades e objectivos estabelecidos no acto constituinte da OI. o Ex. art. 104º CNU – afirma a personalidade jurídica interna da OI (referência feita à

capacidade jurídica necessária para exercer as suas funções e prosseguir os seus fins) que se traduz na capacidade contratual genericamente estabelecida, capacidade de gestão do património próprio, capacidade judiciária...

o O Direito aplicável dependerá normalmente do acordo de sede que venha a ser estabelecido com o Estado ou Estados onde a OI se estabeleça, podendo aplicar-se as regras jurídicas do Estado, ou normas e princípios de direito internacional.

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Definição e feixe de características das OI

Definição clássica (Fitzmaurice): o A organização internacional é uma associação de Estados, constituída por tratado, dotada

de uma constituição e de órgãos comuns, que possui personalidade jurídica distinta da dos Estados membros.

o Em direito internacional, com efeito, o termo organização internacional usa-se, geralmente, para designar as organizações compostas integral ou essencialmente, por Estados, e estabelecidas mediante tratado (tratado constitutivo).

o As organizações internacionais são sujeitos de direito internacional na medida em que são titulares de direitos e obrigações por ele determinadas e sancionadas. Como tal, embora grande parte das regras de DI, embora elaboradas para os Estados, também se aplicas às OI.

o Aplica-se o princípio pacta sunt servanda às OI. o Aplica-se as normas relativas à responsabilidade internacional às OI, podendo

estas responder nos mesmos termos que os Estados, pela comissão de um facto ilícito internacional.

o As OI não são sujeitos originários de direito internacional, são sujeitos instituídos, existindo por força de um tratado multilateral, que a constitui, e traduz um nascimento cuja iniciativa é alheia, exterior à organização.

A composição das OI o É, essencialmente, interestadual. Existem, no entanto, algumas excepções quer

justificadas quer por circunstâncias político-históricas, quer por necessidades práticas e técnicas):

o Entidades dependentes admitidas com base em critérios técnicos ou políticos: É o caso em que são membros de algumas OI, não apenas estados

soberanos, como também “territórios ou grupos de territórios dependentes que não acederam ainda à independência plena, e que dispõem, quer de uma administração, quer de serviços técnicos competentes para assegurar o cumprimento das obrigações definidas nos actos constitutivos. (Ex. Conselho Internacional do Estanho, Organização Internacional do Café, Organização Meteorológica Mundial, União Internacional das Telecomunicações, etc.

Também razões políticas podem provocar falhas no critério interestadual: a República Árabe Saraui Democrática foi admitida como membro da OUA não obstante vários Estados tivessem recusado reconhecê-la.

o Resolução de situações pós-conflituais – entidades dependentes são admitidas a uma OI para resolver situações pós-conflituais. Ex. Admissão como membros fundadores da ONU da Ucrânia e da Bielorrússia, impostos pela URSS, como

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mecanismo da compensação face ao alegado desequilíbrio geopolítico e geostratégico. O mesmo aconteceu com a Índia e com as Filipinas.

o Pessoas colectivas ou entidades administrativas internas – situação em que é reconhecido a pessoas colectivas ou entidades administrativas internas o estatuto de membros da OI. Exemplos:

Interpol – composta em exclusivo por autoridades policiais de diferentes países. Constitui um caso particular e original na medida em que se tratava de uma ONG, cuja a qualificação foi unilateralmente modificada pela ECOSOC que a classificou como organização intergovernamental.

Situações em que pessoas colectivas participam, de forma cumulativa com os Estados, num órgão de composição mista, como a reunião dos signatários do INTELSAT, que reúne, ao lado de representantes governamentais, organismos de natureza pública e privada.

o Uma OI membro de outra OI – Ex. CE tornou-se membro de certas OI como Organização das Pescas do Atlântico Nordeste e membro da FAO.

o Carácter voluntário: o Em geral, as OI são criadas pelos Estados. No entanto, pode acontecer que uma OI

seja criada por uma resolução de uma conferencia internacional (OPEP). o Deve fazer-se a distinção entre:

Actos criadores de órgãos – actos de direito derivado (ex. resoluções da AG da ONU).

Actos criadores de OI – é necessário um acto constitutivo (ex. modificação da ONUDI numa instituição especializada da ONU).

o Em contraste com as ONG não são instituídas por tratado, antes dependem, em exclusivo da iniciativa privada.

Conselho Económico e Social das Nações Unidas – considerar-se-á como organização não governamental qualquer organização cuja constituição não resulte de um acordo intergovernamental.

o Carácter permanente: o O conjunto dos órgãos da ONG deverá estar estabelecido de moda agir, de um

modo continuado, no domínio confiado à competência da organização. o O carácter independente de uma organização é uma tradução da sua independência

face aos Estados membros (afirma-se perante os Estados). o Esta característica permite distinguir uma OI de um conferencia internacional. o O facto de uma organização ter um carácter permanente não significa por si só que

se trate de uma OI. Ex. órgãos subsidiários das Nações Unidas. o Vontade própria:

o É um elemento fundamental da organização. o Pode manifestar uma vontade distinta da dos Estados que dela são membros. o Também por aqui, é possível distinguir OI de conferencia. o A organização possui uma vontade jurídica própria que lhe é imputável e que só

pode manifestar-se, validamente, de acordo com as regras que, constitutivamente, a definem.

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o Pressupõe que a organização detenha uma esfera de competências que lhe é atribuída, e esta competência e vontade próprias resultam de um tratado, que funciona, em relação à OI, como um verdadeiro texto constitucional.

Classificação das OI

Segundo o objecto: o OI geral – aquelas cujo objecto definido nos textos constitutivos abrange o conjunto das

relações pacíficas e a resolução de todos os diferendos internacionais. o Pacto da Sociedade das Nações, Nações Unidas.

o OI especial – aquelas cujo o objecto é limitado a um dado domínio das relações internacionais: económico, político, militar, humanitário, etc.

o B.I.R.D., NATO, OMS.

De acordo com os poderes: o Organizações internacionais intergovernamentais:

o Relações de cooperação entre os membros. o Não existe limitação à soberania dos Estados (relações horizontais de

coordenação). o Órgãos constituídos por representantes dos EM e escolhidos pelos governos. o Decisões têm como destinatários os EM, e não são, em regra obrigatórias. o Sistema de votação, por regra, em unanimidade.

o Organizações internacionais supranacionais: o Relação de subordinação entre a organização e os seus membros. o Limitação da soberania dos EM (transferência ou delegação) – relações verticais

de integração. o Alguns órgãos exercem funções em nome próprio e/ou são escolhidos por eleição. o As decisões podem ter como destinatários os cidadãos dos EM. o Sistema de votação, em regra, por maioria.

Classificação da OI segundo a extensão: o OI universais:

o As OI que se propõem desenvolver a cooperação entre todos os Estados na CI. o Princípio da inclusão: para-universalidade ou vocação para a universalidade. A

admissão de novos membros está, normalmente, condicionada ao consentimento daqueles que já o são. Assim, a universalidade de uma OI não significa que qualquer Estado pode tornar-se membro sem mais.

o OI restritas ou fechadas:

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o As OI que procuram promover a cooperação entre um número restrito de Estados. o Princípio da exclusão – imposição, normalmente, aos aderentes, de certas

condições (ideológicas, políticas, geográficas ou económicas). o Ex. OCDE, COMECON.

A existência jurídica da organização2

Considerações geraisA OI nasce através de um processo de criação regido pelo DI e completado por algumas

regras específicas. Na fase de criação da OI é possível distinguir dois aspectos autónomos: por um lado, a conclusão do tratado constitutivo; por outro, a “instalação” institucional da OI e a sua entrada em funções. Por isso quando se fala em “direito da Organização” temos que reconduzir a dois tipos de regras:

1. Estas podem qualificar-se como originárias, uma vez que são dadas à organização pelos instrumentos jurídicos da sua criação, sob a forma de tratado constitutivo;

2. Estas dizem-se de direito derivado, uma vez que são já cridas pela própria OI, com base e fundamento no direito originário;

A operação de conclusão do Tratado ConstitutivoO tratado constitutivo é um “acto misto”. Enquanto instrumento jurídico clássico da

coexistência, organiza a pereniza a cooperação entre Estados – por isso, não pode ser apreciado como uma convenção comum. Devido ao seu objecto que determina também o seu conteúdo, o tratado constitutivo é um acto singular, uma vez que cria uma organização dotada de competência e permanência próprias.” Surge assim como um acto misto com base na qual se estabelece um conjunto de direitos e obrigações que vincula não só os Estados entre si, mas também os Estados à organização e reciprocamente.” (DUPUY).

O acto constitutivo da organização é ao mesmo tempo um acordo de vontades entre Estados e uma constituição, que “determina os direitos e obrigações dos Estados entre eles e em relação aos órgãos instituídos, cujos poderes nelas são precisados”.

Quanto ao primeiro aspecto referido - o tratado constitutivo como tratado multilateral que constitui o direito originário da organização - temos a aplicação do direito dos tratados (CV69), que no seu art. 5º se aplica aos tratados constitutivos de uma OI – contudo, este preceito não exclui a aplicação de quaisquer regras específicas da OI. Mas é clara a vinculação dos Estados ao tratado (princípio pacta sunt servanda), e as normas desse tratado só vinculam os Estados que tenham ratificado ou que a ela tenham aderido (princípio res inter alios acta – após o acto de ratificação do tratado constitutivo nasce um novo sujeito de DI.

2 Os apontamentos referentes a esta matéria até ao final das OI’s são da autoria do Pedro Gomes.

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A natureza constituinte do tratado que cria a OI é a que, no fundo, distingue estas de outras convenções interestaduais, por comportar disposições especiais relativamente às convenções ordinárias – estamos a falar das normas que instituem órgãos, que estabelecem as regras de funcionamento, que determinam o leque das suas competências internas (no seio da OI) e externas (perante terceiros sujeitos de direito), o processo decisório dos órgãos - por este facto é necessário adaptar as regras convencionais comuns, pela razão principal da garantia da homogeneidade do tratado constitutivo – é o que sucede em matérias de reserva do acto constitutivo, em que, salvo disposições contidas no próprio tratado, as reservas supõem a aceitação do órgão competente da OI; regula a criação do direito derivado balizada na sua validade; define a medida da capacidade de gozo e de exercício de direitos da OI; cria um ordenamento jurídico próprio, ou seja, o tratado constitutivo (espécie de constituição da OI); por fim controla a legalidade interna dos actos da OIs.

Coloca-se a problemática da compatibilidade entre tratado constitutivo e outros tratados, sobretudo tratados posteriores àquele. Se em relação aos tratados anteriores à entrada em vigor do tratado constitutivo não se colocam questões particulares (aplica-se o princípio internacional segundo o qual em matéria de tratados sucessivos, prevalece o posterior); quando são convenções posteriores que ponham em causa a prossecução dos seus fins o caso muda de figura. No caso da Carta das Nações Unidas esta garante explicitamente a prevalência das suas disposições sobre quaisquer outros acordos internacionais. Mas, em todas as outras situações é fundamental para uma aplicação uniforme do tratado constitutivo, que os Estados estabelecem prevalência prática daquele sobre quaisquer convenções ulteriores, sob pena de desintegração material da própria organização.

Emendas e processo de revisão do acto constitutivoO acto constitutivo da OI é normalmente redigido de forma a poder adaptar-se à evolução

da vida internacional e, reflexamente, à evolução da própria OI, pois num dado momento a revisão geral do texto torna-se indispensável. Este processo de revisão do acto constitutivo está previsto no tratado constitutivo que contêm disposições específicas para a sua modificação – estas disposições subsistem o “regime geral”, ou se este nada dizer aplicam-se as regras gerais de DI, aqui o princípio regra é o do acordo, não sendo oponível senão a Estados partes na convenção que tiverem mostrado o seu consentimento segundo as regras aplicáveis aos tratados multilaterais - essencialmente consuetudinárias previstas na (CV69).

A questão mais importante neste domínio é a dos efeitos por ela produzidos no estatuto dos Estados membros, sobretudo aqueles que não exprimiram o seu consentimento a estarem vinculados pela emenda de revisão. Normalmente, por apelo ao princípio da homogeneidade da vinculação dos Estados membros às regras estatutárias da OI, impõem-se a vinculação de todos os Estados-Membros às alterações do tratado constitutivo – mesmo as revisões serem aprovadas por maioria – como sucede com a Carta das Nações Unidas – mesmo tendo se pronunciado contra (art. 108º) – a participação na OI implica estar vinculado também, ao seu processo de evolução, realizado nos termos do próprio acto constitutivo – não é de rejeitar a analogia com o processo de revisão do texto constitucional interno (poder constituinte derivado); Concluindo, o Estado que não aceite mesmo o acto de revisão do texto constitutivo da OI continua a gozar

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de direito de recesso (questão muito discutida pela Dinamarca, quando do processo de ratificação do tratado da U.E., em 1993) – a revisão pode ser realizada por um órgão da OI (como membros os Estados decidem) e é admitida a regra maioritária.

Hoje fala-se da revisão da Carta das Nações Unidas (art. 108 e 109º da Carta), todavia, uma maioria muito gravosa.

O “ordenamento-jurídico” da OIIntrodução

Dotada de subjectividade internacional a OI é dotada em virtude do seu acto constitutivo, de um ordenamento jurídico próprio – sua característica principal é a originalidade dado que, não pode ser comparado ao ordenamento jurídico internacional (embora tenha como destinatários primários mas não únicos os Estados); também não pode ser comparado com as regras de um ordenamento jurídico soberano, pois as regras da OI são regras de DI, legitimadas por um tratado internacional ao contrário das de direito interno hierarquizadas, assentes em actos jurídicos unilaterais aplicam-se a indivíduos, funcionários e agentes da organização.

O fundamento (e boa parte do conteúdo) da ordem jurídica da organização se encontra no tratado constitutivo; porém a ordem jurídica da organização não se confunde com o tratado constitutivo.

A coabitação de regras de direito derivado e originário pode ser difícil – a questão que se coloca é se o acto constitutivo funda, em exclusivo (sob um ponto de vista material e forma), as regras de direito derivado ou se a actuação criadora de direito da organização pode extravasar desses limites e derrogar princípios ou normas da carta constitutiva.

Tendo em conta que o surgimento da OI se apoia num princípio do consensualismo, é de discutir remeter para os Estados a capacidade de exercerem, em relação aos actos de direito derivado, uma espécie de “controlo da constitucionalidade”, isto é, um controlo da legalidade interna dos actos da OI.

O controlo da legalidade interna dos actos da OISão raras as OI que dispõem na sua estrutura organizatória, de um órgão a quem é

cometida competência para exercer este tipo de controlo – caso mais conhecido é nas Comunidades Europeias, o Tribunal de Justiça que controla a legalidade dos actos do Conselho e da Comissão à excepção de pareceres e recomendações, mas também não vinculam os EM.

No caso da ONU, muito embora a AG e o Conselho de Segurança possam nos termos do art. 96º “solicitar um parecer consultivo ao TIJ, sobre qualquer questão jurídica” – daqui retiramos duas observações:

1. Os Estados de acordo com esta norma não podem accionar a competência consultiva do tribunal;

2. O próprio TIJ recusou, recentemente, assumir-se como órgão de controlo da legalidade dos actos do Conselho de Segurança, quando a Líbia tentou que o TIJ apreciasse, de acordo com o DI, resoluções que aquele órgão tinha adoptado contra si. A competência consultiva do TIJ foi accionada várias vezes (interpretar o art. 4 da Carta), é forçoso reconhecer que, pelo facto de os pareceres serem desprovidos de força obrigatória geral para os EM muitos deles foram total ou parcialmente desaplicados;

A razão de ser de muitas questões relaciona-se com uma certa promiscuidade interpretativa das disposições do acto constitutivo. A prática da ONU mostra que existe uma concorrência interpretativa entre Estados membros e os órgãos da organização

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(Secretário-Geral, TIJ, órgãos principais). A participação dos Estados membros na organização é afectada por esta dispersão interpretativa que pode desembocar, em conflitos graves no seio da organização.

Participação na OICategorias de participantes

A participação na OI admite várias hipóteses – distinguindo-se as seguintes:-Membros com capacidade plena – totalidade de direitos e obrigações conferidos pela participação na organização; os Estados são os membros ditos “normais” de uma OI, enviam delegações aos órgãos principais, partilham a responsabilidade das decisões, e normalmente suportam os custos das OI, via regra só podem ser membros Estados soberanos e independentes; todavia, deve ser ter em conta o problema dos micro-Estados, estes podem alterar o equilíbrio económico e político da organização, sobretudo se o processo decisório for paritário – se preenche as condições de ser membro, esta analise pertence ao órgão plenário da OI;-Membros associados – não reúnem todas as condições para aceder à qualidade de membro com capacidade plena; mas estão suficientemente interessados pelo trabalho da organização que poderão beneficiar de certa forma de participação (depois de 1945 – muitos territórios sob o domínio colonial que tinham uma estrutura organizatória e serviços próprios mas não preenchiam todos os requisitos para podermos qualifica-los como Estados soberanos – sendo considerados membros associados em princípio, tinham os mesmos direitos que os membros com capacidade plena com excepção do direito de voto e de ser eleitos para o conselho executivo – foi desaparecendo com o desaparecimento das colónias; porém continua a ser útil para os Estados que não preencham condições de soberania e independência;-Membros parciais – A suíça participa em diversos programas sectoriais das Nações Unidas, é parte do estatuto do TIJ, mas não é membro da ONU – os membros parciais não têm, normalmente, direito de voto no órgão plenário da OI, nem mesmo quando são tomadas decisões relativamente aos órgãos onde participam – podem, no entanto, ser eleitos para o conselho executivo dos órgãos dos quais participam;-Membros filiados – organizações não estaduais – A Organização Mundial do Turismo - direitos mais reduzidos do que os dos membros associados, mas mais desenvolvidos que os dos observadores – estando representados pelo menos num órgão da OI, e têm de participar no sistema de participações financeiras;-Observadores – a maioria das OIs admite observadores, que podem participar nos seus trabalhos – este estatuto é atribuído a Estados não membros ou a Estados membros que não o sejam dos organismos ou órgãos em questão, a movimentos de libertação nacional e a outras OIs ex: Santa Sé; Suíça enviou muitos observadores a muitas conferências da ONU e a maioria dos membros da ONU enviam observadores à maioria das reuniões do Conselho de Segurança quando não estão (por não serem membros permanentes); OIs como a Comunidades Europeias enviam muitos observadores aos trabalhos dos órgãos da ONU. Os direitos dos observadores limitam-se ao de receber a documentação da organização e ao de representação nas reuniões mais importantes; todavia, nestas não têm direito à palavra, mas o presidente do órgão poder, normalmente, lhes atribuir tal faculdade. Nos órgãos colegiais de menor dimensão e particularmente especializados, os observadores podem ter uma influência considerável.-Membros com estatuto consultivo – esta situação é aquela em que OI reconhece um estatuto particular a organizações não governamentais – os direitos deste estatuto são mais reduzidos que os dos observadores – tem direito apenas a parte da documentação da OI, e os seus representantes só poderão fazer sugestões a alguns dos órgãos da organização;

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Cessação de ParticipaçãoA cessação de participação pode ter na origem numerosas razões – resta saber algumas:

1. Extinção da OI ou do Estado-membro – estas situações produzem efeitos de menor especificidade e esses efeitos irão se repercutir em outros domínios de DI, onde o seu tratamento é mais adequado (nomeadamente, capitulo reservado à sucessão de Estados);

2. O abandono (ou recesso) voluntário;3. A exclusão;

Quer o recesso quer a exclusão, relacionados estes com o instrumento constitutivo - estamos perante a necessidade de ponderação de 2 valores conflituantes:- Por um lado, a previsão, no tratado constitutivo, da possibilidade de abandono ou de decisão de exclusão do Estado que não cumpra os seus compromissos para com a OI : - permitirá sobretudo no caso de exclusão, o reforço da cooperação dos seus membros, uma vez que existem órgãos que podem “limpar” a OI dos Estados que com o seu comportamento põem em causa os fins da organização e afectam a base de solidariedade que cimenta a Participação dos Estados naquela OI; - Por outro lado qualquer ruptura de participação enfraquece e fracciona a OI, ao mesmo tempo que liberta o Estado que abandona ou é excluído da OI – este último aspecto explique a ausência de disposições nos textos constitutivos relativos ao abandono da OI (ex: Carta das Nações Unidas) – esta omissão tem outras explicações, por exemplo a possibilidade de abandono é inerente à soberania dos Estados, sendo indiferente a sua previsão;

Ex: mais interessante neste campo é o da Sociedade das Nações, que incluía no pacto o direito de recesso – esta faculdade foi exercida em 16 casos sobretudo no período que precedeu a 2 guerra mundial – não será o recesso um sintoma da quebra de solidariedades;

Tomando de exemplo que em 1966 a França pretendeu reconfigurar a sua participação na OTAN, tratado que não admitia denuncias durante 20 anos podemos elencar as seguintes considerações: - que o abandono de uma OI é um acto voluntário decorrente da liberdade de participação reconhecida aos Estados; porém para preservar a estabilidade da OI, as condições de abandono incluem prazos de pré-aviso (normalmente 1 a 2 anos mas pode ser mais ou menos), de modalidade variável de acordo com condições políticas e financeiras;

Resta saber se o acto de abandono é um acto inteiramente discricionário do Estado, ou só é lícito no caso de incumprimento das obrigações da OI em relação ao Estado, ou na mudança radical dos objectivos da OI (ex: revisão de um tratado constitutivo):

-Ocorrendo uma decisão de exclusão, o Estado que dela é objecto cessa a sua participação na OI – esta exclusão resulta de um acto unilateral dos órgãos competentes da OI contra o membro prevaricador – é o acto sancionatório último de uma OI para com um Estado membro pelo incumprimento das obrigações estabelecidas; contudo a decisão de excluir um Estado prossegue outra finalidade – a salvaguarda da cooperação entre os Estados-Membros que poderia ser posta em causa pelo Estado objecto da medida de exclusão – antes da exclusão podemos ter as medidas de suspensão de direitos do Estado membro – medida preventiva de intimidação.

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Atente que a prática da ONU em matéria de exclusão tem sido de grande prudência no que se prende com medidas de expulsão – normalmente não expulsão;-Note – nem a África do Sul acusada de violar durante anos princípios considerados fundamentais para a comunidade internacional, foi excluída da Organização, muito embora em certos fosse impedida a sua participação em trabalhos no ceio dos órgãos da ONU. Isto porque, torna-se mais fácil controlar um Estado infractor quanto este ainda está dentro da OI;

Modos de votação

O modo de votação consiste na expressão da vontade dos Estados nos órgãos das organizações:

- No processo decisório da maioria das OIs posteriores a 1945, a unanimidade foi substituída pelo voto maioritário – isto fez superar os efeitos paralisantes da unanimidade (razão para o fracasso da Sociedade das Nações – todavia, continua a ser aplicável quanto a decisões importantes da ONU – decisões do Conselho de Segurança tem que ter a unanimidade dos membros permanentes);

- Vantagens da regra maioritária são evidentes, porém também peca por alguns inconvenientes:

1. Flexibiliza-se a adopção de decisões mas, criando-se ao mesmo tempo uma minoria – a sua execução dependerá da subordinação dos Estados minoritários à vontade da maioria.

2. Michel Virally apontou para o parentesco próximo entre sistema maioritário e regra da maioria;

- Desvantagens da regra maioritária criticada por duas razões:1. Por favorecer mais a votação do que o processo negocial (C.W. Jenks);2. A Assembleia Geral da ONU por fazer triunfar uma concepção puramente formal

de igualdade entre Estados (1 Estado = 1 voto) – esta última critica explica o arranjo nas ponderações das vozes nas organizações financeiras e económicas , como o Banco Mundial, o FMI, em função das participações de financiamento da organização ou da importância efectiva da actividade económica dos Estados membros;

Note – mesmo no seio da ONU não desapareceu totalmente a regra da unanimidade, uma vez que certas resoluções ou “declarações solenes” são votadas frequentemente por todos os Estados membros.

- Consenso - aqui o processo decisório conclui-se sem votação formal – é a técnica do consenso cuja particularidade reside, em não se verificar objecção formal de nenhum Estado relativamente à proposta de decisão apresentada pela autoridade convencional – ao contrário do que pode parecer esta técnica surge quando se agravavam os antagonismos entre grupos de

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Estados, principalmente quanto a assuntos políticos e económicos de suma importância. Traduz-se na renúncia ao voto, mas nem sempre o acordo formal

(aparente) permite esconder desacordos quanto a aspectos materiais de natureza fundamental; o consenso não espelha a decisão da maioria, antes a ausência de objecções nucleares da parte dos Estados minoritários; porém, isto não afecta o valor jurídico das decisões consensuais, que é idêntico ao de decisões e deliberações adoptadas após votação formal.

Concretização da personalidade internacional das OIsCabe agora analisar com pormenor o regime dos privilégios e imunidades das OIs; as

regras internacionais relativas à capacidade convencional das OIs; o direito da legação passiva e activa daquelas entidades; a apresentação de reclamações internacionais e a responsabilização internacional da OI.

O regime dos privilégios e imunidades das OIsEsta deve ter sido uma das primeiras manifestações da personalidade internacional das

OIs - a atribuição de privilégios e imunidades às OIs. Como qualquer OI tem a sua sede num determinado território, compreende-se a grande importância desta atribuição. Por outro lado, através desses privilégios e imunidades, procura assegurar o respeito pela acção concertada dos Estados membros da OI, impedindo que na actividade da OI seja dominante a posição do Estado sede.

O fundamento jurídico dos privilégios e imunidade das OIs foi sendo estabelecido por 3 tipos de convenções internacionais e por legislações internas sobre a questão:

a) O fundamento convencional – O art. 105, nº1 da CNU dispõe que “ a organização internacional gozará no território de cada um dos seus membros, dos privilégios e imunidades; os acordos de sede da organização com o Estado territorial – acordo entre o Egipto e a OMS, o TIJ teve ocasião de se pronunciar sobre diversos aspectos dos acordos de sede, afirmando o direito da organização escolher a sua sede.

b) Relevância das legislações nacionais - Por um lado, algumas legislações nacionais (sobretudo os países de tradição jurídica anglo-saxónica e escandinavos) estabeleceram normas internas destinadas a reconhecer certos privilégios e imunidades às OIs.

Actualmente é o grande número de convenções multilaterais e bilaterais que constitui o “direito dos privilégios das OIs” – contudo tendem a consolidar-se esta regras consuetudinárias.

Zacklin diz que é possível distinguir 3 princípios básicos:1. As OIs devem beneficiar de estatuto que as proteja da interferência ou controlo de

qualquer governo no exercício das suas funções;2. Nenhum país deverá poder ter benefícios económicos para o Estado sede pela tributação

de fundos financeiros internacionais comuns;3. Atribuição de facilidades para a condução dos assuntos oficiais que os Estados

reconhecem (consuetudinariamente) uns aos outros;

A razão de ser destas imunidades é mais institucional do que pessoal – mas os tratados sobre privilégios e imunidades não obrigam os terceiros que deles não sejam parte, tem de haver regra consuetudinária para a OI exigir que os Estados respeitem os privilégios que os outros Estados lhes concedem. Convém não esquecer, que na maior parte dos casos, o

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desenvolvimento do direito das imunidades internacionais é desenvolvido, em concreto, por cada OI.Existem certos privilégios e imunidades que via regra são reconhecidos às OIs:

1. Imunidade jurídica – a OI e os seus bens não podem ser submetidos a nenhum acto jurisdicional interno, se não tiverem renunciado a esta imunidade – a imunidade de jurisdição quanto às OI é absoluta; todavia, a OI não goza de um estatuto de impunidade – a OI tem o dever de cooperação com os Estados membros; o princípio contido nos tratados internacionais é que para compensar o carácter absoluto da imunidade de jurisdição, a OI tem a obrigação de estabelecer um procedimento especial para a solução de litígios com terceiros;

2. Inviolabilidade das instalações, arquivos e documentos – vigora o princípio da inviolabilidade absoluta, escassas são as limitações a esta regra, a não ser nas OIs que constituem “bancos de desenvolvimento” – Convenção sobre privilégios e imunidades das Nações Unidas estipula os bens e haveres gozam de imunidade contra qualquer medida de requisição, confisco, expropriação e contra qualquer forma de interferência seja ela executiva, administrativa, judicial; inviolabilidade das instalações, arquivos e documentos – as autoridades territoriais não podem penetrar nelas, só com o consentimento da OI – mas esta imunidade não é diplomática tem fundamento funcional, isto é, não pode conceder asilo ou protecção aos particulares – a OI exerce poderes de autoridade nas suas instalações;

3. Imunidade fiscal no exercício da sua actividade – isenção de impostos directos, taxas aduaneiras, exoneração de proibições ou restrições relativas à importação de bens que se destinem a uso oficial;

Capacidade convencional da organizaçãoA capacidade de uma OI para celebrar tratados rege-se pelas regras dessa organização

(CV86, art. 6º - enuncia que regras para a conclusão de tratados das OIs é regulada pela própria OI) e estas são constituídas nos termos do art. 2, nº1, al. j) da mesma convenção – e desta disposição apesar de não ser muito clara retira-se que não existe nenhuma regra costumeira sobre o alcance da capacidade convencional das OIs.

Uma das formas mais importantes de participação das OIs é a conclusão de acordos com outros sujeitos da mesma ordem jurídica – a doutrina refere que “qualquer entidade que goze da capacidade de concluir tratados goza de personalidade jurídica internacional”; no entanto “daí não decorre que todas as pessoas de DI tenham capacidade de concluir tratados” – art 3º da CV69. Alguns tratados constitutivos atribuem capacidade geral para a conclusão de tratados à OI – o mais corrente, no entanto (ainda por apelo à ideia de personalidade funcional da OI e aplicação do princípio da especialidade), é essa capacidade estar delimitada com precisão, estabelecendo-se tão-só a capacidade para a conclusão de certos tratados – alteração de regras de funcionamento da OI; ou assistência técnico financeira a certos Estados membros; porém certas OIs celebram tratados de domínios muito mais vastos – caso das Comunidades, cujas as competências para concluir acordos com os terceiros podem subsistir-se às dos Estados membros – não obstante as criticas por ultrapassar as suas competências.

A capacidade convencional das OIs exerce-se à luz de 2 parâmetros fundamentais:1. Como os fins da OI são determinados por via normativa, um acordo internacional

celebrado por esta que prossiga outras finalidades será inválido;

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2. Apelando à distribuição de poderes entre os órgãos da OI, um tratado celebrado com a violação deste padrão deverá ser considerado inválido;

Mas estes podem ser afrontados por 2 vias:1. A aplicação do art. 46, nº2 da CV86, que estabelece a nulidade do tratado se o

consentimento à vinculação tiver sido manifestado com violação das regras de organização relativas à competência para celebrar tratados – desde que a violação seja manifesta e afecte uma regra de importância fundamental;

2. Distinção entre actos de competência de um órgão (se estes forem realizados por um órgão incompetente serão considerados actos ultra vires do órgão, mas não ultra vires da OI, na medida que não podem invocar regras internas para se escusar a cumprir obrigações assumidas) e actos de competência da OI – TIJ no parecer consultivo sobre certas despesas da ONU “se acção tiver sido adoptada por um órgão não autorizado para tal é uma irregularidade referente à economia interna da OI, mas daí não se deduz que não seja despesa da OI;

O direito de legação passiva e activaAs OIs enquanto sujeitos de DI podem estabelecer relações com os Estados, sejam

membros ou não da OI e uma das formas é a da representação junto da OI, ou da recíproca representação da organização junto de um Estado ou de uma OI.Normalmente as OIs são titulares do direito de legação activa e passiva:-Legação passiva – cada OI pode estabelecer relações com as missões permanentes dos Estados membros que o desejem – são verdadeiras missões “diplomáticas” acreditadas junto de uma ou mais instituições internacionais e comportam pessoal que servem de intermediário entre a organização e o governo acreditante – prática seguida pelos Estados membros da ONU, da U.E.; a CV sobre a Representação dos Estados dispõe “se as regras da organização o permitirem, os Estados membros podem estabelecer missões permanentes para o desempenho de certas funções” – tais como assegurar o relacionamento do Estado com a OI;-Legação activa – permite à organização constituir missões junto de certos Estados (membros ou terceiros) ou outras OI – este direito é exercido pela ONU e actualmente pelas Comunidades – é discutido pela doutrina; contudo, não há exemplos de tratados constitutivos de OIs que atribuam competências para o envio de missões diplomáticas a Estados; e mesmo que assim não fosse, as técnicas de relação diplomática tem carácter muito específico e não podem ser comparadas com as empregues nas relações diplomáticas entre Estados;

OIs e Responsabilidade InternacionalA OI pode ser vítima de uma violação de DI, de um facto ilícito cometido por um Estado

ou OI.A OI exerce um conjunto de actividades que a podem fazer incorrer em responsabilidade

relativamente a outros sujeitos internacionais, em condições similares à responsabilidade aplicável aos Estados nos seus traços essenciais. Na esfera da protecção funcional a OI pode exigir a reparação de um dano causado por outro sujeito internacional – protecção dada aos seus funcionários ou agentes; a organização incorre em responsabilidade internacional se uma conduta que lhe for imputada violar o DI – na prática, situações escassas, por estarem em causa

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“actividades operacionais” da organização – resta reter que numa operação entre a ONU e o Congo a resolução do diferendo foi feita exclusivamente com apelo ao DI e não ao direito interno do Congo.

Fontes do Direito Internacional

Polissemia do conceito de fontes do Direito: o Fontes formais e fontes materiais:

o Fontes formais processos de elaboração do direito, ou as diversas técnicas que permitem que uma norma pertença ao direito positivo;

o Fontes materiais fundamentos sociológicos das normas (base política, moral ou económica); razões que determinam o nascimento de uma norma.

o Fontes documentais e não documentais: o Fontes documentais:

XII CONVENÇÃO DA HAIA DE 1907 (art. 7º) - previa a seguinte enumeração das fontes formais do direito aplicável pelo Tribunal Internacional de Presas: «Se a questão de direito a resolver for prevista por uma convenção em vigor entre o beligerante captor e a potência que é parte no litígio, ou cujo natural é parte no litígio, o Tribunal conforma-se com as disposições da citada convenção. Na falta de tais disposições, o Tribunal aplica as regras do direito internacional. Se não existirem regras geralmente reconhecidas, o Tribunal decide de acordo com os princípios gerais da justiça e da equidade.»

ETIJ (art. 38º): 1. O Tribunal, cuja função é resolver, de acordo com o Direito

Internacional, os litígios que lhe sejam submetidos, aplicará:a) As convenções internacionais, gerais ou especiais, que

estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados em litígio;b) O costume internacional, como prova duma prática geral aceite

como de direito;c) Os princípios gerais de Direito reconhecidos pelas nações

civilizadas;d) Sob reserva das disposições do art. 59.º, as decisões judiciais e os

ensinamentos dos publicistas mais altamente qualificados das várias nações, como meios auxiliares para a determinação das regras de Direito.

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2. Esta disposição não prejudicará a faculdade de o Tribunal, se as partes estiverem de acordo, decidir ex aequo et bono.

o Fontes no sentido sociológico, etc.o Importância do art. 38.º ETIJ, como instrumento comum de enunciação das fontes do DI:

o Análise do art. 38º: Distinção entre fontes escritas e fontes não escritas; Distinção entre fontes primárias e fontes secundárias; Não contém uma hierarquia de fontes formais, nem fixa os critérios de

relacionamento entre as normas internacionais; Interpretação actualista da alínea c).

Hierarquia das normas de Direito Internacional: o Não existe qualquer hierarquia de fontes formais em DI (essa hierarquia não consta do art

38.º ETIJ, embora parecesse resultar do art 7.º da Conv Haia de 1907);

o Existe, todavia, uma hierarquia de normas jurídicas internacionais:o Primazia das normas de ius cogens perante normas consuetudinárias e/ou normas

convencionais (ver art. 53.º e 64.º CV69)o Hierarquia de normas nas OIs (Sub-sistemas juridicos organizados)o Nota: As regras (i) Lex posterior derogat priori, (ii) Lex specialis derogat

generali e (iii) Lex posterior generalis non derogat priori speciali, mais do que estabelecer uma hierarquia entre normas resolvem conflitos de aplicação de normas contrárias do mesmo valor.

Codificação do DIo Art. 13.º n.º 1 a) CNU: «a AG promoverá estudos e fará recomendações, tendo em vista

[...] incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação;»

o Codificação: operação de conversão das regras consuetudinárias num corpo de regras escritas;

o vantagens: maior clareza e certeza jurídica, permite o desenvolvimento do DI. passam a coexistir duas fontes formais.

o Desvantagem: passam a coexistir duas fontes formais.

Tratado v. costumeo Não há «qualquer razão para pensar que, quando o direito internacional consuetudinário é

constituído por regras idênticas às do direito convencional, é “suplantado” por este de tal maneira que deixa de ter existência própria» (TIJ, caso das actividades militares e paramilitares na e contra a Nicarágua, Rec. 1986, p. 95).

o Complementaridade tratado-costumeo Convenção de codificação não afecta o carácter obrigatório de uma regra

consuetudinária pré-existente;

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Direito Internacional Público – 2º SEMESTRE| Paulo Pichel

o Regra consuetudinária sobrevive à convenção de codificação; vincula Estados não parte na convenção;

o Norma convencional pode contribuir para a formação de nova regra consuetudinária com o mesmo conteúdo (art. 38.º CV69);

o Obrigação resultante de norma consuetudinária que adquira autonomia em relação à convenção vincula Estados terceiros.

Costume internacional:o Carácter não-escrito; impreciso no seu conteúdoo Natureza espontânea. o Principal fonte de DI durante largos séculos;o Flexível na sua criação;o Difícil provar a sua existência, bem como delimitar os seus contornos (importância das

fontes auxiliares de DI).o A “vingança” do costume relativamente às correntes que defendiam a sua substituição por

convenções internacionais:o Porque era mais favorável aos Estados mais poderosos (protecção diplomática, por

exemplo)o Porque as convenções reforçavam a “certeza” do direito internacionalo Porque as convenções eram mais “rápidas” de elaborar;o Porque as convenções eram mais “fáceis” de alterar.

o Para que se forme uma regra consuetudinária é necessária a verificação cumulativa de dois pressupostos:

o A prática geral, constante e uniforme; Generalidade, não unanimidade; a constância e uniformidade aferidas, não

só olhando para os Estados, mas para a prática de cada Estado; e a importância da definição do que seja a prática estadual (só actos materiais, ou também declarações oficiais, documentos, actas de conferências internacionais, etc?).

Tempo de formação - [m]esmo se o facto de não ter decorrido mais do que um breve período de tempo não constitui em si mesmo impedimento à formação de uma nova norma de DI consuetudinário surgida de uma norma de origem puramente convencional, continua a ser indispensável que, por breve que tenha sido tal período de tempo, a prática dos Estados, incluídos aqueles que estejam especialmente interessados, tenha sido frequente e praticamente uniforme no sentido da disposição que se invoca, e que se tenha manifestado de forma que permita estabelecer um reconhecimento geral de que estamos em presença de uma norma e obrigações jurídicas (TIJ, Pataforma Continental do Mar do Norte, 1969, 74)

o A convicção da obrigatoriedade (opinio juris).o Relação entre normas consuetudinárias sucessivas:

o 1.º normas c. gerais: prevalece a norma mais recente sobre a mais antiga; norma especial prevalece sobre a norma geral (excepção, o jus cogens);

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o 2.º norma c. geral v. norma c. regional (ou especial ou local): se abranger ambas as partes prevalece a norma de costume regional (lex specialis)

o Costume geral, regional e localo O costume geral vincula, como o próprio nome indica, todos os Estados e resulta,

falando-se de normas, no direito internacional geral (ex: proibição do uso da força, as normas sobre limites territoriais, etc.)

o O costume regional refere-se a uma determinada região do globo, como o continente americano, a Europa, etc.

Ex. Caso Haya de la Torre - Em 1948, ocorreu no Peru uma revolta que foi reprimida no próprio dia. Um dos líderes dos rebeldes, Victor Raúl Haya de la Torre, procurou asilo na embaixada colombiana em Lima. As autoridades peruanas recusaram-se a dar-lhe o salvo conduto que lhe permitisse deixar o país. A Colômbia invocou vários tratados, assim como uma norma de costume regional sobre a concessão de asilo a political offenders, de acordo com a qual o Estado que concede asilo teria o direito de qualificar unilateralmente o delito como caindo no âmbito das que o asilo é autorizado.

Quem o invoca é que tem de o provar - “Por conseguinte, o Tribunal não pode aceitar que o Governo da Colômbia tenha provado a existência de um tal costume. Mas, mesmo que pudesse admitir-se que esse costume existia apenas entre certos Estados da América Latina, não poderia ser invocado perante o Peru que, longe de a ele ter aderido pelo seu comportamento, ao contrário o repudiou, abstendo-se de ratificar as convenções de Montevideu de 1933 e 1939, as que primeiro incluíram uma regra sobre a qualificação do delito em matéria de asilo diplomático.” (Caso relativo ao Direito de asilo (Colômbia/Peru), acórdão de 20 de Novembro de 1950, TIJ, Col., 1950, pp. 277-278).

Como pode a prática ser analisada no caso de um costume regional - “Os factos submetidos ao Tribunal revelam tanta incerteza e contradições, tanta flutuação e contradições no exercício do asilo diplomático e nas opiniões oficialmente expressas em várias ocasiões; houve uma tal inconsistência na rápida sucessão de convenções sobre o asilo, ratificadas por alguns Estados e rejeitadas por outros, e a prática foi, nos vários casos, tão influenciada por considerações de oportunidade política, que não é possível deduzir de tudo isto um uso constante e uniforme aceite como de direito quanto à alegada regra da qualificação unilateral e definitiva do delito.” (Caso relativo ao Direito de asilo (Colômbia/Peru), acórdão de 20 de Novembro de 1950, TIJ, Col., 1950, p. 277).

o O costume local é aquele que, em princípio, vincula apenas dois Estados. Caso principal: direito de passagem em território indiano, Portugal c.

União Indiana, TIJ - “O Tribunal está em presença de um caso concreto com características especiais. Pelas suas origens, a causa remonta a um período e diz respeito a uma região em que as relações entre Estados vizinhos não eram reguladas por regras formuladas com precisão, mas amplamente determinadas pela prática. Por conseguinte, quando o Tribunal considera estar em presença de uma prática claramente estabelecida entre

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dois Estados e que as Partes aceitam regular as suas relações, o Tribunal deve atribuir um efeito decisivo a essa prática tendo em vista a determinação dos seus direitos e obrigações específicos. Essa prática particular deve prevalecer sobre quaisquer regras gerais.” (Caso do Direito de passagem em território indiano (Portugal c. Índia), fundo, acórdão de 12 de Abril de 1960, TIJ, Col., 1960, p. 44).

o Caso diferente é o do costume dito especial, que vincula Estados de diferentes regiões (assim, por ex., uma norma consuetudinária surgida no quadro de aplicação do Tratado NATO).

Necessidade do elemento psicológico:“Quanto aos comportamentos acima descritos, no entanto, o Tribunal deve sublinhar que,

como foi lembrado nos casos da Plataforma continental do mar do Norte, para a formação de uma nova regra consuetudinária, os actos correspondentes devem, não só ‘representar uma prática constante’, mas, além disso, estar ligados a uma opinio juris sive necessitatis. Os Estados que actuem dessa forma, ou outros Estados que estejam em posição de reagir, deverão ter-se comportado de uma forma que testemunhe ‘a convicção de que essa prática é obrigatória pela existência de uma regra de direito. A necessidade de tal convicção, ou seja, a existência de um elemento subjectivo, está implícita na própria noção de opinio juris sive necessitatis’ (TIJ, Col., 1969, p. 44, § 77)’.”

A convicção de obrigatoriedade: “Vinculado como está pelo artigo 38º do seu Estatuto a aplicar, inter alia, o costume

internacional ‘como prova de uma prática geral aceite como direito’, o Tribunal não pode ignorar o papel essencial de uma prática geral. Quando dois Estados acordam em incorporar num tratado uma regra particular, o seu acordo é suficiente para tornar essa regra numa regra jurídica, que os vincula; mas, no domínio do direito internacional consuetudinário, não basta que as partes tenham a mesma opinião quanto ao conteúdo do que consideram uma regra. O Tribunal deve verificar se a existência da regra na opinio juris dos Estados é confirmada pela prática.” (Caso Actividades militares e paramilitares na Nicarágua e contra esta (Nicarágua c. Estados Unidos da América), fundo, acórdão, TIJ, Col., 1986, pp. 97-98, § 184

O que é o opinio juris: “[O]s Estados interessados devem ter o sentimento de estarem a conformar-se ao que

equivale a uma obrigação jurídica. A frequência ou mesmo carácter habitual dos actos não é, em si mesma, suficiente. Há muitos actos internacionais, por exemplo no domínio do protocolo, que são realizados quase invariavelmente, mas que apenas se devem a simples considerações de cortesia, conveniência ou tradição, e não ao sentimento de uma obrigação jurídica.”(Casos da Plataforma continental do mar do Norte (República Federal da Alemanha/Dinamarca; República Federal da Alemanha/Países Baixos), acórdão, TIJ, Col., 1969, p. 44, § 77 ).

A possibilidade de existência de infracção à regra:“Não deve esperar-se que a aplicação das regras em questão seja perfeita na prática

estadual, no sentido de os Estados se absterem de recorrer à força ou à intervenção nos assuntos internos dos outros Estados de forma totalmente consistente. O Tribunal não considera que, para que uma regra esteja estabelecida consuetudinariamente, a prática correspondente deva ser rigorosamente conforme a essa regra. Para deduzir a existência de regras consuetudinárias,

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parece-lhe suficiente que, de uma maneira geral, os Estados conformem a sua conduta a essas regras, e que eles próprios considerem os comportamentos não conformes à regra como violações desta e não como manifestações do reconhecimento de uma nova regra. Se um Estado age de uma forma que, aparentemente, não é possível conciliar com uma regra reconhecida, mas defende a sua conduta invocando excepções ou justificações contidas na própria regra, daí resulta uma confirmação da regra, mais do que o seu enfraquecimento, quer a atitude desse Estado possa ou não justificar-se nessa base.” (Caso Actividades militares e paramilitares na Nicarágua e contra esta (Nicarágua c. Estados Unidos da América), fundo, acórdão, TIJ, Col., 1986, p. 98, § 186).

Não chega a existência de uma prática reiterada (a necessidade de um sentimento de obrigatoriedade...)

“[V]erifica-se simplesmente que, em certos casos – em número escasso –, Estados acordaram em traçar, ou traçaram, os limites que lhes dizem respeito segundo o princípio da equidistância. Nada prova que tenham agido dessa maneira porque a isso se sentiam juridicamente vinculados por uma regra obrigatória de direito consuetudinário, sobretudo se se pensar que outros factores puderam motivar a sua acção.” (Casos da Plataforma continental do mar do Norte (República Federal da Alemanha/Dinamarca; República Federal da Alemanha/Países Baixos), acórdão, TIJ, Col., 1969, pp. 44-45, § 78).

O tempo e a formação do costume: “Mesmo se o decurso de um breve lapso temporal não constitui por si, necessariamente,

um obstáculo à formação de uma nova regra de direito internacional consuetudinário a partir de uma regra que, originariamente, tinha natureza puramente convencional, seria sempre indispensável que, no período em questão, por breve que tivesse sido, a prática dos Estados, incluindo a dos Estados particularmente interessados, tivesse sido frequente e praticamente uniforme no sentido da disposição invocada, e que, além disso, se tivesse manifestado de modo a evidenciar um reconhecimento geral de que está em causa uma regra de direito ou uma obrigação jurídica.” (Casos da Plataforma continental do mar do Norte (República Federal da Alemanha/Dinamarca; República Federal da Alemanha/Países Baixos), acórdão, TIJ, Col., 1969, p. 43, § 74 ).

Sínteseo Os casos concretos mostram que a prática é muitas vezes decisiva para dela inferir a

convicção da obrigatoriedade (apreciação objectiva do elemento subjectivo);o O tempo de formação do costume é hoje muito mais reduzido do que no passado;o O costume coexiste com o tratado e, muitas vezes, completa-o (ex.: o direito de legítima

defesa, ou o costume relativo à resolução pacífica dos diferendos internacionais);o Vários regimes fundamentais do DI têm base consuetudinária e não convencional (p.e., o

regime relativo à responsabilidade dos Estados);o O tratado pode ir mais longe do que o costume relativamente a determinadas normas ou

princípios (ex.: 2, n.º 4, CNU);o A determinação da existência de um costume é, muitas vezes, feita por via

jurisprudencial;o Existe, normalmente, um consenso alargado entre os Estados acerca da formulação de

uma norma consuetudinária;

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Direito Internacional Público – 2º SEMESTRE| Paulo Pichel

o Uma das questões mais interessantes que se coloca a propósito da formação de uma norma costumeira é a do objector persistente;

o Se a hipótese pode não ser meramente académica, é, quase sempre, de resolver à luz do poder concreto do objector;

o Com efeito, é mais importante a prática de um Estado poderoso (imagem das pegadas na neve);

o Por esse motivo, o costume é, necessariamente, “anti-democrático”.

Os actos das OI’s e entidades afins o Vários tipos de actos ou decisões:

o Actos de eficácia externa/ interna. o Actos políticos/ jurisdicionais/ administrativos. o Actos normativos/ não normativos. o Etc.

o Distinção entre decisões, recomendações e pareceres: o Decisões – actos vinculativos/ imperativos. o Recomendações – art. 11º,2 e 13º CNU. o Pareceres – art. 96º, TIJ.

o Só os actos normativos (de eficácia interna ou externa) é que são fontes. o As mais importantes decisões normativas são as que emanam dos órgãos das

comunidades europeias – art. 249º TCE. o Os actos das OI estão subordinados às regras dos tratados constitutivos. Falta em quase

todas elas um conjunto de meios adequados de garantia, mormente jurisdicionais.

A jurisprudência o É composta por:

o Decisões dos tribunais internacionais: Arbitrais. Judiciais.

o Decisões de tribunais existentes na esfera interna dos Estados (aplicação do DI). o Art. 38º/ 59º ETIJ – não atribuem às decisões efeitos erga omnes, nem adoptam a regra do

precedente. o Nota: existência de um costume jurisprudência.

Os actos jurídicos unilaterais

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o Os únicos actos jurídicos unilaterais que cabem no âmbito das fontes do DI são aqueles emanados pelos órgãos das OI (decisões de conteúdo geral concreto ou abstracto).

o As decisões não normativas das OI e os actos jurídicos unilaterais dos Estados não devem ser integrados na categoria de actos jurídicos unilaterais.

o Tipos de actos jurídicos unilaterais: o Actos jurídicos unilaterais autónomos ou principais:

Produzem efeitos directos e imediatos e indirectos nas relações com outros sujeitos.

Exemplos: reconhecimento, protesto, notificação, promessa, renúncia. Características:

Provêm de um só sujeito de DI. Expressão da capacidade internacional dos sujeitos. Não estão dependentes de requisito formal (tal não significa que

dispensem a publicidade!). o Actos jurídicos não autónomos ou acessórios:

Assinatura, ratificação, adesão, reservas, aceitação, objecção, revogação de reservas, denúncia, etc...

Tendência para a codificação do DI: o Maior certeza e segurança jurídica. o Aperfeiçoamento das soluções. o Finalidade política: intervenção dos Estados que não tinham podido participar na

formação de normas consuetudinárias. o Nota: a passagem das normas a escrito não afecta o seu carácter consuetudinário; os

novos Estados, desde que acedam à soberania ficam automaticamente vinculados a essas normas. Os Estados que não sejam partes em convenções de codificação continuam vinculados às normas preexistentes, doravante nelas inscritas.

Os Tratados

Conceito envolve: o Um acordo de vontades. o Pares serem todas sujeitos de DI e de agirem nessa qualidade. o A regulamentação pelo Di. o A produção de efeitos com relevância nas relações internacionais – sejam estritos efeitos

nessas relações, sejam efeitos nas ordens internas das partes. o Para alguns autores, só quando os efeitos consistirem na criação ou modificação

de normas é que estaremos perante tratados como fonte de direito.

Nota: os CONTRATOS entre Estados e empresas privadas transnacionais ou multinacionais (também entre Estados e empresas públicas) têm grande importância económica/política. Dir-se-ia que eles se aproximam dos tratados, por serem celebrados, da parte do Estado, pelos órgãos de representação internacional. Muitas vezes, o regime envolve regras de DI, os litígios, não raras vezes, são decididos por instancias à margem do Direito interno. NÃO POSSUINDO AQUELAS

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Direito Internacional Público – 2º SEMESTRE| Paulo Pichel

EMPRESAS PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL, não deveriam ser considerados tratados. Quando esteja em causa contratos em que domine o regime de DI, diz-se que está aqui uma categoria paralela aos actos convencionais.

Terminologia: o Numerosos tratados em especial ou sobre objecto específico, recebem designações

particulares: o Carta, constituição ou estatuto. o Pacto. o Concordata. o Acta geral ou final, etc.

Classificações: o Tratados normativos ou tratados-leis:

o Estabelecem-se comandos de carácter geral e abstracto ou geral e concreto ou,o as partes submetem-se a comandos pré-existentes, concretizando-os nas suas

relações. o Tratados-contrato ou não normativos:

o Estipulam-se prestações recíprocas e os tratados esgotam-se com a sua realização. o Tratados bilaterais. o Tratados multilaterais:

o São tratados restritivos. o São gerais – tendencial coincidência com a totalidade dos Estados com acesso à

comunidade internacional. o Tratados solenes:

o Exigência do acto de ratificação. o Tratados não solenes/ simplificados:

o Processo termina aquando da aprovação, ou aquando da assinatura ( ou acto equivalente).

o Tratados abertos: o Admitem assinatura, ratificação ou adesão de sujeitos que não participaram no seu

momento inicial de celebração ou de entrada em vigor. o Tratados fechados. o Tratados institucionais e não institucionais. o Tratados exequíveis por si mesmos/ não exequíveis por si mesmos. o Tratados perpétuos e tratados temporários. o Tratados públicos e tratados secretos.

Limites à liberdade convencionalo Internos – tratados contrários às normas constitucionais por que um Estado se rege. o De direito internacional:

o Derivados de tratados principais. o Derivados de tratados constitutivos de OI e entidades afins...

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o Decorrentes de normas emanadas de OI ou de entidades a que os Estados pertençam.

Regulamentação das formas de vinculação internacional dos Estados o Consta tanto de normas de DI como de normas de Direito interno. o Processo geral comum: 1. Elaboração do texto (negociação). 2. Expressão do consentimento do Estado a vincular-se. 3. Introdução do tratado na ordem jurídica internacional o Art. 11º CV69 – consentimento de um Estado a ficar vinculado. o Nota: pode o Dto. Constitucional de cada Estado prescrever esta ou aquela forma de

vinculação. O próprio tratado pode estabelecer a sua forma (v. Art. 12º, nº1, a); 13º a), 14º,1,a), 15º,1,a)).

Negociação do Tratado o Cabe, quanto a cada Estado, às pessoas investidas de plenos poderes (=plenipotenciários)

como seus representantes (V. Art. 7º,1 e 2 CV). o Acto relativo à conclusão de um contrato praticado por um não plenipotenciário não

produz efeitos jurídicos (V. Art. 8º CV69), a menos que seja ulteriormente confirmado.

Adopção do texto o Efectua-se através do consentimento de todos os Estados que participam na sua

elaboração (art. 9º, nº1). o Realizando-se uma conferencia internacional com essa finalidade, efectua-se pela

maioria de 2/3 dos Estados presentes e votantes (art. 9º,2).

Autenticação do texto o Faz-se segundo o processo nele estabelecido, acordado pelas partes durante a elaboração

e, na sua falta, por assinatura, assinatura ad referendum ou rubrica do texto do tratado (V. Art. 10º CV69).

o A assinatura não é formalidade requerida pela convenção para todos os casos – assim como não existe na vinculação por via de adesão.

o Consequências principais: o Fixação do texto. o Todos os Estados contraentes ficam adstritos por imperativos de boa fé, abstendo-

se de actos ou omissões que privem o tratado do seu objecto ou fim (V. Art. 18º CV69).

Aprovação ou ratificação o Todos os tratados requerem aprovação pelo órgão interno competente. o Nem todos requerem ratificação. o Nota: pode um tratado configurar-se como solene por uma parte e como acordo em forma

simplificada para outra parte.

A violação das regras constitucionais sobre a conclusão dos tratados:

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Direito Internacional Público – 2º SEMESTRE| Paulo Pichel

o Art. 46º - ratificação imperfeita. o 2 requisitos de invocabilidade:

o Que se tenha infringido uma regra interna de importância fundamental (em princípio, será constitucional).

o Que a violação seja manifesta. o (Subjacentes às regras estão o princípio de boa fé e as exigências de segurança

jurídica).

Reservas o Noção de reserva – art. 2º,1,d) CV69. o É uma situação típica dos tratados multilaterais (há quem aceite que também podem ser

apostas ao tratados bilaterais). o Regra: as partes obrigam-se à totalidade das cláusulas. No entanto, é possível a

desvinculação a algumas cláusulas se: o O tratado o permite. o As outras partes consentem.

o Estão em causa interesses contraditórios: o Extensão da convenção – deseja-se que valha para o maior número de Estados

possível. o Integridade da convenção – as mesmas regras devem valer, tanto quanto possível,

para todas as partes. o (para facilitar as relações convencionais tem-se vindo a adoptar uma posição mais

flexível). o Limites às reservas:

o Limites materiais: Expressos – proibição pelo tratado. Tácitos – incompatibilidade de reserva com o objecto ou fim do tratado (v.

Art. 19 a)b)c) CV69. Tratados que não consentem reservas (Dto, int. Constitucional): ex, CNU,

ETIJ, ETPI,... Tratados muito restritivos quanto a reservas: respeitantes aos direitos do

Homem. Não são possíveis reservas a ius cogens (art. 53º CV69) – mas se por

absurdo fossem, para o Estado que as apôs em virtude do dto. Internacional geral, estava igualmente vinculado.

o Limites temporais: As reservas têm de ser formuladas durante o processo de vinculação ao

tratado (momento da assinatura, ratificação, aceitação ou aprovação do tratado, ou no momento da adesão).

o Limites formais: Ser formulada por escrito. Comunicada aos Estados contraentes. Declaração receptícia.

o Produção de efeitos da reserva:

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o A reserva depende de ser aceite por todas as partes (Art. 20º,2 CV69), quando tal resulte (1) do número restrito de Estados, (2) bem como do objecto (3) ou fim do tratado.

o Quando o tratado é constitutivo de uma OI, a não ser que disponha diversamente, a reserva exige a aceitação do órgão competente (art. 20º,3 CV69).

o Nota: a aceitação de reservas pode ser tácita. A reserva será tida como aceite por um Estado se este não tiver objectado nos 12 meses subsequentes à sua notificação nem no momento em que tiver expresso o seu consentimento a vincular-se pelo tratado, se o fez posteriormente (art.20º, 5 CV69).

o Recorte da vinculação para os Estados: o Para os Estados que não formularam reservas nem objectaram à sua formulação, é

o princípio do cumprimento integral que aqui se aplica. o Para os Estados que formularam reservas e para os que as aceitaram, as reservas

modificam, quanto às disposições que selas são objecto, as relações entre esses Estados (efeitos inter partes).

o Havendo Estados que objectaram às reservas, o relacionamento vai depender: Pode simplesmente ter-se formado uma objecção. Podem ter objectado e sido contra a entrada em vigor. Ver. Art. 22º,1 e 2 CV69.

o Nota: se um Estado subordinar o seu consentimento à aceitação daquela declaração interpretativa, esta fica sujeita ao regime das reservas.

o Efeitos jurídicos das reservas: o Exemplo: Estado A formula reserva:

Estado B (objecta a reserva) – art. 21º,3 CV69. Estado C (objecta a reserva e opõe-se à entrada em vigor na relação com o

Estado A) – art. 21º,3 “a contrario”. Todos os outros Estados aceitam a reserva – art. 21º,1. Relações entre todos os Estados parte no Tratado com exclusão de A – art.

21º,2 não modifica relações “inter se”. o Reservas em tratados de direitos humanos – o TEDH e Comité dos Direitos do

Homem entendem que: Uma reserva aposta a uma convenção sobre direitos humanos não é

admissível – deve ser considerada nula e sem qualquer efeito, por ser incompatível com o objecto e fim da convenção.

Os standards de protecção dos direitos do homem prevalecem sobre a vontade dos Estados em se eximirem à aplicação de certas normas.

o Distinção entre reservas e declarações interpretativas: o Reserva – declaração unilateral, qualquer que seja o seu conteúdo ou a sua

designação feita por um Estado quando assina, ratifica, aceita ou aprova um tratado, ou a ele adere pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado na sua aplicação a esse Estado.

o Declaração interpretativa – declaração unilateral feita por um Estado qualquer que seja a sua designação, pela qual visa concretizar ou clarificar o sentido ou alcance que atribui a um tratado ou a alguma das suas disposições.

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MAS, se o Estado subordinar o seu consentimento à aceitação daquela interpretação, a declaração interpretativa fica sujeita ao regime das reservas.

o Acordos por troca de notas: o Estado A redige uma carta endereçada ao Estado B no qual refere um certo

número de obrigações que quer assumir com esse Estado. o Estado B responde ao Estado A por carta simétrica reproduzindo o texto da

primeira assumindo as mesmas obrigações. o As cartas devem conter a menção que essa troca de notas constituirá acordo.

Depósito dos tratados o Nos tratados multilaterais, existe o instituto de depósito, também previsto na CV69 – Art.

76º/77º.

Registo e publicação o CV69 impõe o registo relativamente a todos os tratados (art.80º) – proibição dos tratados

secretos. o Consequência jurídica da falta de registo – art. 102ºCNU – nenhuma parte em qualquer

tratado ou acordo internacional que não tenha sido registado poderá invocá-lo perante a ONU ou o TIJ.

Efeitos dos Tratados perante terceiros o Art. 34º CV69 – PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE – um tratado não constitui nem

direitos nem deveres para um Estado que não seja parte, a não ser com o seu consentimento.

o Caso de deveres – é necessário que o Estado terceiro os aceite expressamente e por escrito (V. Art. 35º CV69).

o Caso de direitos – presume-se o consentimento enquanto não haja indicações em contrário, a menos que o tratado disponha diversamente (V. Art. 36º CV69).

o Nota: os tratados abertos são tratados que conferem direitos a terceiros (direito de aderir e de se tornar parte superveniente).

o Constituído o direito/dever, a sua modificação ou revogação depende do consentimento das partes e do Estado terceiro (V. Art. 37º CV69).

o Todos os Estados devem respeitar os tratados concluídos por outros Estados e não interferir na sua execução – oponibilidade dos tratados erga omnes.

o É possível que uma norma constante de um tratado se torne obrigatório em relação a um Estado terceiro como norma consuetudinária (V. Art. 38º CV69).

o Nota: a CNU impõe-se aos Estados não membros, quer nas relações com Estados membros da organização, quer independentemente dessas relações (V. Art. 103º, 2,6,).

Entrada em vigor o Um tratado entra em vigor segundo as modalidades e nas datas fixadas pelas suas

disposições ou convencionadas por acordo dos Estados que tenham participado nas negociações (art. 24º,1 CV69).

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o Norma supletiva – entra em vigor logo que o consentimento a ficar vinculado seja manifestado por todos os Estados que tenham participado na negociação (24º, 2).

o Consentimento a ficar vinculado manifestado em data posterior à entrada em vigor – o tratado entra em vigor em relação a esse Estado nessa data, a não ser que disponha diversamente (art. 24º,3).

Tratado a título provisório – v. Art. 25º, CV 69.

Nota: As cláusulas dos tratados não têm aplicação retroactiva a menos que resulte do tratado ou que tenha sido estabelecido de outro modo, as disposições de um tratado não vinculam uma parte no que se refere a um acto ou facto anterior ou a qualquer situação que tenha deixado de existir à data da entrada em vigor do tratado em relação a essa parte (V. Art. 28º CV69).

Modificações dos Tratados: o Antes de 1945, feito um tratado, ele só poderia ser modificado com o consentimento de

todos os Estados partes. Veio-se a achar que isto seria demasiado excessivo. o Admitiu-se a modificação de tratados multilaterais, não por unanimidade mas por

maiorias agravadas. o O DI actual reitera a fixidez dos tratados relativos a fronteiras internacionais. o Há tratados insusceptíveis de revisão durante certo tempo (p.e. Tratado do Atlântico

Norte, de 1949). o Na CV69, estabelecem-se duas regras procedimentais básicas:

o O acordo entre as partes (art. 39º, 1ª parte). o A possibilidade de cada tratado regular as suas próprias modificações (art. 39º, 2ª

parte). o Procedimento de revisão dos tratados multilaterais:

o Admite-se que 2 ou mais partes concluam um acordo destinado a modificar qualquer destes tratados apenas no respeitante às relações entre si, verificados determinados pressupostos (art. 41º).

Limites materiais à revisão dos tratados: o Ius cogens (ver à frente, desenvolvimento deste tópico). o Tratados constitutivos de OI. o ...

Cessação de vigência: o Pode ocorrer:

o Por vontade das partes: Abrogação – art. 54º,b CV69. Celebração de tratado ulterior sobre a mesma matéria (art. 59º CV69).

o Por caducidade: Decurso do prazo de vigência do tratado. Execução do próprio tratado. Alteração fundamental de circunstâncias ou cláusula rebus sic stantibus

(vd. Art. 62º). o Impossibilidade superveniente (art. 61º).

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Direito Internacional Público – 2º SEMESTRE| Paulo Pichel

o (Pode ainda formar-se um costume contrário). o Tratando-se de tratados bilaterais, acrescenta-se:

A denúncia tem de estar prevista no próprio tratado, caso tal não aconteça, só será lícita quando se tiver estabelecido, terem as partes admitido a sua possibilidade ou tal puder ser deduzido da natureza do tratado (art. 56º,2 CV69).

Inexecução do tratado por uma parte. o Consequências da cessação de vigência – art. 70º CV69. o Nota: a guerra pode provocar a cessação ou a suspensão de vigência de certos tratados,

mormente bilaterais.

Validade ou invalidade dos Tratados: o Art. 46º,48º,50º,51º,52º,53º e 64º CV69. o Art. 69º CV69 – as disposições de um tratado nulo não têm força jurídica.

Condições de validadeo Capacidade das partes:

o Estados. o Organizações internacionais.o Capacidade derivada e parcial.o Movimentos de libertação nacional.o Capacidade estritamente funcional.

o Regularidade do consentimento.o Licitude do objecto.

Notas finais

Ius cogens o Norma de tratado incompatível com a forma de direito internacional:

o No momento da conclusão (art. 53º). o Em momento posterior (norma de ius cogens superveniente) – art. 64º.

Reservas – art. 2º,1,d) – CV69.

Regime jurídico das reservas o Regra – liberdade de formulação de reservas mas com excepções (art. 19ºCV69):

o Tratado proíbe toda e qualquer reserva. o Tratado apenas autoriza determinadas reservas entre as quais não figura a reserva

em questão. o Reserva é incompatível com o objecto e o fim do tratado. o Ver art. 120º estatuto do TPI.

o Aceitação expressa por parte do tratado – art. 20º,1 – não necessita de ser aceite pelos outros Estados contratantes.

o Se, pelo número restrito de Estados parte, ou pelo seu objecto e fim, que a aplicação na íntegra do tratado é condição essencial da vinculação, a reserva tem de ser aceite por todas as partes (Art. 20º,2).

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o Acto constitutivo de OI, a reserva exige a aceitação do órgão competente da organização (art. 20º,3).

o Em todas as outras situações e em caso de silêncio do tratado: o Aceitação da reserva (expressa ou tacitamente – art. 20º,4,a) e 5, torna o Estado

que a formula parte no tratado em relação ao(s) Estado(s) que a aceita(m); tem de haver pelo menos uma aceitação (art. 20º,4 al.c).

o Objecção feita a reserva não impede a entrada em vigor do tratado entre Estado que objecta e Estado que formula a reserva, a menos que haja intenção contrária expressamente manifestada (art. 20º,4,b)).

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