direito, justiça, moral e etica

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132 Revista da EMERJ, v.4, n.13, 2001 DIREITO , J USTIÇA, MORAL E É TICA ÁUREA PIMENTEL PEREIRA Desembargadora TJ/RJ O Direito, na definição clássica de Ulpiano, é a arte do bom e do eqüitativo ( ars boni et aequi ). Nos primórdios da história da humanidade, viveu o homem, que nasceu livre, sem que existissem regras que lhe ditassem o comporta- mento, em uma fase chamada de anomia (ausência de normas), a que se seguiu um período em que predominaram os usos e costumes (Direito consuetudinário). Tendo o homem de viver em sociedade, surgiu a idéia do reconheci- mento da existência de um Direito Natural, que fosse comum a todos os homens, capaz de representar a conciliação entre o Direito e o Poder e de disciplinar a convivência em sociedade, tudo concebido como preconizado, por Rousseau, em seu “Contrato Social”. Durante muito tempo, o que existiu, portanto, foi o ius non scriptum que, sempre com raízes no Direito Natural, deu origem à doutrina iusnaturalista, que vê os direitos como inerentes ao próprio homem, não dependendo de concessão do Estado para o seu reconhecimento. Na Grécia, com Aristóteles, surgiu a primeira codificação, como re- gistrado na obra “Política” daquele grande Pensador. As primeiras codificações romanas dividiram o Direito em três clas- ses: Direito das Gentes ( ius gentium), que disciplinava as relações entre os povos de diversas Nações; Direito Político, concebido para dirimir ques- tões entre governantes e governados e Direito Civil (ius civile), o chamado direito privado a disciplinar as relações entre os cidadãos (cf. Montesquieu L’Esprit des Lois - Livro Primeiro, Capítulo III). Só muito mais tarde, surgiram – como verdadeiras conquistas da hu- manidade – as primeiras proclamações universais dos direitos fundamen- tais do homem (liberdade, igualdade e direito à vida), frutos da Declaração de Direitos de Virgínia de 1776 e da Declaration des Droits de L’Hommes

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filosofia do Direito

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  • 132 Revista da EMERJ, v.4, n.13, 2001

    DIREITO, JUSTIA, MORAL E TICA

    UREA PIMENTEL PEREIRADesembargadora TJ/RJ

    O Direito, na definio clssica de Ulpiano, a arte do bom e doeqitativo (ars boni et aequi).

    Nos primrdios da histria da humanidade, viveu o homem, quenasceu livre, sem que existissem regras que lhe ditassem o comporta-mento, em uma fase chamada de anomia (ausncia de normas), a que seseguiu um perodo em que predominaram os usos e costumes (Direitoconsuetudinrio).

    Tendo o homem de viver em sociedade, surgiu a idia do reconheci-mento da existncia de um Direito Natural, que fosse comum a todos oshomens, capaz de representar a conciliao entre o Direito e o Poder e dedisciplinar a convivncia em sociedade, tudo concebido como preconizado,por Rousseau, em seu Contrato Social.

    Durante muito tempo, o que existiu, portanto, foi o ius non scriptumque, sempre com razes no Direito Natural, deu origem doutrinaiusnaturalista, que v os direitos como inerentes ao prprio homem, nodependendo de concesso do Estado para o seu reconhecimento.

    Na Grcia, com Aristteles, surgiu a primeira codificao, como re-gistrado na obra Poltica daquele grande Pensador.

    As primeiras codificaes romanas dividiram o Direito em trs clas-ses: Direito das Gentes (ius gentium), que disciplinava as relaes entre ospovos de diversas Naes; Direito Poltico, concebido para dirimir ques-tes entre governantes e governados e Direito Civil (ius civile), o chamadodireito privado a disciplinar as relaes entre os cidados (cf. Montesquieu LEsprit des Lois - Livro Primeiro, Captulo III).

    S muito mais tarde, surgiram como verdadeiras conquistas da hu-manidade as primeiras proclamaes universais dos direitos fundamen-tais do homem (liberdade, igualdade e direito vida), frutos da Declaraode Direitos de Virgnia de 1776 e da Declaration des Droits de LHommes

  • 133Revista da EMERJ, v.4, n.13, 2001

    et Citoyens, de 1789, esta ltima calcada nas idias libertrias da Revolu-o Francesa.

    Com ntida inspirao em tais declaraes universais, o Direito, aJustia, a Moral e a tica , foram, aos poucos, se identificando como virtu-des (no sentido poltico da palavra) inseparveis.

    A Justia que no pensamento iluminado de Ulpiano foi definidacomo constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuere quandobem aplicada verdadeiramente uma virtude (considerada a expresso nosentido concebido por Montesquieu: virtude poltica), que se traduz no amors leis do pas.

    Nos primeiros tempos, quando os Poderes se encontravam concen-trados nas mos de uma s pessoa, a misso de distribuir Justia era conferidaao Prncipe, que a exercia como um brao do Poder Executivo, nos gover-nos despticos acumulando aquele, tambm, o Poder de legislar.

    Na Roma antiga, o Poder de julgar dependendo do valor e da natu-reza das causas era exercido pelos reis e depois pelos cnsules, a estesltimos cabendo nomear os juzes que, nada obstante, s podiam decidirquestes de fato.

    No foi por outra razo, seno por fora da limitao de poderes queaos juzes era imposta, que Montesquieu a eles se referiu como sendo: labouche qui prononce les paroles de la loi, des tres inanims qui nen peuventmodrer ni la force ni la rigueur (Ob. cit. Livro XI Captulo XVIII).

    A acumulao de poderes, porque desptica, revelou-se, no decorrerdos tempos, inconveniente, e, mais do que inconveniente, odiosa, da a idiade Montesquieu e Locke de tripart-los, concebendo-os absolutamente au-tnomos, separados e independentes, o que foi, pelo primeiro dos Pensado-res citados, justificado, firme no entendimento de que: Il ny a point encorede libert, si la puissance de juger nest pas spare de la puissancelegislative et de lxecutive. (LEsprit des Lois, Livro XI, Captulo VI).

    Com a proposta da tripartio dos poderes, lanaram, tambm,Montesquieu e Locke, a idia de um sistema de checks and balances atra-vs do qual le pouvoir arrt le pouvoir.

    Separados os poderes, surgiu o Poder Judicirio forte, independente,sem qualquer subordinao, em relao aos demais poderes, responsvelpela distribuio da Justia, para o restabelecimento das liberdades pbli-cas, se e quando violadas, e pelo controle da constitucionalidade das leis,papel que ele exercita como balana dos Poderes.

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    Distribuir Justia misso quase divina, por isso mesmo devendo serrealizada pelo Juiz com virtude cvica, isto , com absoluta independncia,retido, imparcialidade, respeito s leis, moral e tica de comportamento.

    O respeito s leis, identifica-se com sua exata aplicao, que deve serfeita, sem que enverede o juiz pelos descaminhos da criao do direito (di-reito alternativo), em que o magistrado faz as vezes de legislador.

    Reconhece-se, porm, que no deixa de haver certa fora criadora nainterpretao que fazem os Juzes de Direito e quando da prolao de deter-minadas decises judiciais, como, por exemplo, as pronunciadas quando docontrole da constitucionalidade das leis pelos Tribunais, via das quais, ao seexpurgar, de um texto legal, disposio contrria ordem constitucional, naverdade, d-se o nascimento de um direito novo.

    A boa distribuio da Justia, pressupe a correta aplicao do Direi-to, em harmonia com os princpios da moral e da tica.

    A moral e a tica so virtudes que os gregos sempre reverenciaram.A moral o respeito aos valores humanos ao que reto e virtuoso.A moral pblica a virtude poltica preconizada por Montesquieu,

    determinante do comportamento de uma coletividade, segundo as regras eprincpios da conscincia tica dominante.

    A tica (do grego ethike), se define como a prpria cincia da moral,a ditar regras para um comportamento de respeito a direitos e deveres, pau-tado segundo o que honesto e virtuoso.

    A misso de julgar exige do juiz, alm do dever de fidelidade aoDireito, uma conduta tica conforme a moral pblica, sem deslizes que pos-sam comprometer a sua toga.

    Para o fortalecimento do Poder Judicirio nesses conturbados tem-pos em que, cada vez mais, se torna necessrio cobrar dos homens pblicosprobidade e retido - mister que se formem juzes, como se vm fazendoneste Estado: recrutados atravs de rigorosa seleo, dentre os que se reve-lem verdadeiramente compromissados com o Direito , a Justia, a Moral ea tica.

    Com essas reflexes, nada mais impende acrescentar.Ajuntar outrasconsideraes seria demasia, a enfrentar a advertncia de Angelo Majorana,(Teoria da Eloqncia), oportuna a lembrar que: As palavras excessivasso sons sem ritmo, devendo, por isso mesmo como recomendavaAristteles como ervas inteis que so, serem arrancadas, para que nofiquem as idias, afinal, por elas ocultas.