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OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

Professor de Direito Comercial da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc). Advogado. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Estadual de Santa Cruz.

DIREITO COMERCIAL

Volume 2 Direito Societário e Títulos de Crédito

1ª edição (versão remix)

2008

Organização, Diagramação e Transcrições Aquele Que Ingeriu Nescau com Água da Torneira

EDITORA ESQUIZOFRENIA

HITS

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PARTE 1

DIREITO SOCIETÁRIO

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DIREITO COMERCIAL II Aula n.º 01

07 de março de 2008

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SOCIEDADES TEORIA GERAL

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 2.1. A sociedade enquanto contrato. 2.1.1. Natureza jurídica do ato constitutivo. 2.1.2. A sociedade unipessoal.

1. INTRODUÇÃO

O estudo das sociedades, independentemente de seu modelo societário, possui importância fundamental para o operador do Direito. De maneira simplista, pode-se afirmar que o Direito é uma das esferas de regulação da conduta das pessoas. Há, pois, dois tipos de pessoas: a pessoa natural e a pessoa jurídica. Excluindo-se as pessoas jurídicas de direito público (União, municípios, autarquias etc.), observa-se a magnitude das sociedades em relação às pessoas jurídicas de direito privado, representando quase 90% delas (as demais, associações e fundações, têm importância, para o ordenamento jurídico, quantitativa e qualitativamente, quase residual). Logo, o fenômeno social em que se inserem as sociedades é muito maior, não só pela quantidade, mas em razão da dimensão socioeconômica que se nota em torno delas – muito mais significativa do que a das fundações e associações.

Sob essa perspectiva, falar em pessoas jurídicas de direito privado seria falar em sociedades – levando à conclusão fática de que há dois tipos de pessoas, então: pessoas naturais e sociedades. Quando se estudam as sociedades, logo, estuda-se “uma das duas” pessoas que atuam na ordem jurídica.

Somente esses argumentos seriam suficientes para delinear o valor das sociedades para o Direito, mas há outra questão relevante: enquanto o médico e o biólogo cuidam do estudo da anatomia da pessoa natural, é o jurista quem examina a “anatomia” da pessoa jurídica – que participa de relações jurídicas de Direito Empresarial, Tributário, Penal, Constitucional, Civil etc. Por conseguinte, muitos aspectos da estrutura da pessoa jurídica – estudados em especial pelo Direito Empresarial – geram efeitos naquelas relações de direito material, tais quais: a possível responsabilidade dos sócios por dívidas da sociedade; quais são os poderes de representação conferidos ao seu administrador; se este responde penalmente pelos atos daquela; se as cláusulas do contrato social são lícitas. Tudo isso dependerá do modelo societário ou de outros aspectos ligados à feição interna da sociedade. O domínio do regramento jurídico relativo à pessoa jurídica (em especial as sociedades) tem uma relevância que extravasa1 o âmbito do Direito Empresarial – tendo maior importância fora do que dentro dele.

2. CONCEITO

A primeira visão que se deve ter quando se estudam as sociedades é a da sua dupla dimensão; existem enquanto contrato e enquanto ente dotado de personalidade jurídica. Sob o primeiro enfoque, pode-se conceituar a sociedade com o auxílio do texto legal do Código Civil:

1 Não foi essa a música do Carnaval.

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Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

2.1. A sociedade enquanto contrato

Dissecando o conceito expresso anteriormente, observam-se os seguintes aspectos:

a) Natureza jurídica: a lei já expressa a natureza contratual da sociedade. b) União de capital e esforços visando a um objetivo comum.

Dessa forma, o contrato em que duas ou mais pessoas se unem, carreando nessa união esforços individuais e capital, na busca de um escopo comum é denominado contrato de sociedade. É interessante, aqui, abrir um parêntese para diferenciar a sociedade dos outros contratos de comunhão – porque há outros contratos ou situações jurídicas em que poder-se-ia aplicar o conceito definido acima, levando a uma possível confusão entre eles. Como exemplo, pode-se citar a parceria agrícola, em que duas pessoas unem esforços e capital em proveito de uma atividade comum, compartilhando os resultados (positivos e negativos). Nem por isso será considerada a parceria um exemplo de sociedade. Da mesma forma, o condomínio; há a comunhão de pessoas, união de bens e capital e finalidade comum, mas não se configura uma sociedade – apenas uma comunhão de interesses.

A distinção entre contrato de sociedade e os demais contratos citados (além de outros similares) se refaz na amplitude da comunhão de interesses. Geralmente, nos outros contratos, há um objeto muito mais restrito ou específico, ao contrário do escopo mais generalista da sociedade. Esta pode praticar todo e qualquer ato ligado à atividade econômica dentro do seu objeto social (por exemplo, comércio – compra e venda – de calçados), pois faz parte daquilo que os sócios querem de forma conjunta, unindo esforços e capital. Já no condomínio, a comunhão de interesses se refere única e exclusivamente à administração do bem submetido ao regime de co-propriedade (condomínio = “co-domínio”, pluralidade de domínio). A ligação entre os condôminos se dá exclusivamente em virtude da administração do bem comum, logo, em condomínio, só se podem praticar atos que guardem ligação com essa finalidade.

Outra questão relevante na distinção entre sociedade e outros contratos de comunhão é a unificação das pessoas em relação a terceiros. A sociedade, mesmo aquela despersonificada, por natureza ou por irregularidade – embora o fenômeno da unificação ocorra de maneira muito mais visível nas sociedades personificadas –, gera uma união de seus sócios perante terceiros; logo, todos os sócios representarão apenas um pólo ou feixe de interesses – a unificação de seus sujeitos. Nas sociedades despidas de personalidade jurídica, a unificação não chega a esse ponto, mas, mesmo assim, gera união das esferas jurídicas dos sócios perante outrem. Os sócios, aqui, embora não separados de terceiros pela pessoa da sociedade, constituem um pólo único de interesses – mesmo numa situação de litisconsórcio, em que o autor move ação contra cada um dos sócios (já que a sociedade não é dotada de personalidade jurídica); no entanto, esses, em conjunto, têm a mesma posição jurídica em relação ao autor.

Esse fato não ocorre nos outros contratos de comunhão. Na parceria agrícola, há distinção visível entre o parceiro outorgante e o parceiro outorgado, e não há nenhuma

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forma, em função do contrato estabelecido, de haver unificação subjetiva perante terceiros. Evidencia-se, então, que contrato de comunhão é gênero, e sociedade espécie daquele, cujo elemento coesivo é muito mais evidente.

2.1.1. Natureza jurídica do ato constitutivo

De acordo com Otávio Augustus, “é uma das discussões mais ricas e bonitas do Direito Privado”, que teve contribuição importante do jurista italiano Tullio Ascarelli2, por conta da figura que ele criou para designar a natureza jurídica do ato constitutivo das sociedades – a de contrato plurilateral. A polêmica doutrinária a respeito desse tema surge na comparação com os demais contratos.

Na sociedade, cada um dos sócios possui obrigações distintas, não podendo se configurar, portanto, um contrato unilateral (com obrigações para apenas uma das partes). Também não pode ser considerado um contrato bilateral em função do sinalagma, presente nessa modalidade contratual – em que a causa de uma prestação reside na existência da contraprestação (uma relação de reciprocidade no campo das obrigações). Examinando os contratos bilaterais pelo plano da equivalência ou reciprocidade das prestações, observam-se as posições antagônicas dos contratantes. Representando graficamente um contrato de compra e venda, tem-se:

C V Comprador Vendedor

Num dos pólos, o comprador quer a propriedade do bem, mediante o pagamento de seu respectivo valor. No outro, há o vendedor, que deseja o valor do preço do bem, mediante a transferência de sua propriedade. Os interesses são, logo, contrapostos (e daí vem “contratos” = atos contrários).

O contrato de sociedade, por outro lado, se caracteriza pela unicidade de objetivos; a causa da obrigação de cada sócio não é uma contraprestação. Cada um não quer, diretamente, obter o capital do outro, mas sim, através da comunhão de interesses e capital, atingir um proveito comum – que é o objetivo de todos os sócios. Graficamente, tem-se:

Sócio A

Sócio B

Sócio C

Sócio D

Observa-se que o contrato de sociedade não possui sinalagma, logo não é bilateral. Surge, então o questionamento: por que é contrato, se não é uni ou bilateral, e todo contrato possui apenas dois pólos? Todo contrato têm somente duas partes (numa compra e venda, partes compradora e vendedora, não importando quantas pessoas figurem em cada pólo). Ao se analisar o gráfico, pode-se inferir (erroneamente) que o contrato possui apenas uma parte,

2 É Ascarelli, e não “A Ciccarelli”.

SOCIEDADE

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em função da unificação dos múltiplos interesses. Não obstante estarem presentes o escopo comum e a inexistência do sinalagma, subsiste o conflito de interesses entre os sócios, situações jurídicas distintas, que impedem que todos eles sejam considerados como apenas uma parte – que, aliás, geraria outra dificuldade em se compreender um contrato com um único pólo.

Há pluralidade de partes – em razão da existência de tantos pólos de interesse jurídico quanto sócios presentes na sociedade – que mantêm sua individualidade jurídica (por exemplo, na construção da sociedade, os sócios podem divergir quanto à divisão dos resultados ou quanto a quem serão conferidos os poderes de administrador). Paradoxalmente, os sócios constituem, isoladamente, esferas jurídicas e pólos de interesses distintos, mas, em função da sociedade, visam a um interesse comum – portanto, não há que se falar em sinalagma.

Essa constatação produz conseqüências de natureza subjetiva: se uma das partes (ou um de seus sujeitos integrantes) de uma compra e venda (contrato bilateral) for absolutamente incapaz, o contrato é nulo, pois trata-se de “contrato fechado”. Mas como a sociedade é um “contrato aberto”, a nulidade só ocorrerá em relação a uma possível vinculação de um menor como parte, mas nunca em relação ao contrato em si, em função de sua plurissubjetividade.

Não sendo contrato uni nem bilateral, restou a Ascarelli3 construir a figura do contrato plurilateral, sendo a teoria mais aceita para se designar a natureza jurídica do ato que cria a sociedade. No entanto há outras construções doutrinárias divergentes.

A primeira delas é a da teoria do ato complexo. Segundo ela, o ato que cria a sociedade não é um contrato, mas uma declaração coletiva de vontade, que tem o objetivo de criar uma pessoa. O encontro de vontades não se deu para criar direitos e obrigações entre os sócios (como nos contratos). A existência da sociedade e a participação nela é que gerará direitos e obrigações inerentes à condição de sócio. A finalidade do ato constitutivo inviabilizaria a sua inserção na seara contratual.

A teoria do elemento institucional também guarda semelhança com a anterior, pois os sujeitos envolvidos visam a criar uma instituição: a sociedade. Os direitos e deveres dos sócios não são gerados a partir desse vínculo; decorrem da existência da instituição e do status de sócio. É o que se observa no mercado de ações (em especial o secundário, em que as ações já são adquiridas de terceiros, e não diretamente da sociedade que as emitiu); as relações jurídicas daí decorrentes subsistem simplesmente pelo fato de os sócios terem comprado ações, e não de terem celebrado um contrato para a formação daquela sociedade – há apenas adesão a um estatuto pré-definido, em cujo texto não constam sequer os nomes dos sócios.

2.1.2. A sociedade unipessoal

A dificuldade que se apresenta, referente à natureza jurídica do ato constitutivo das sociedades, ainda perdura quando se admite, pela lei das S/As, a existência de sociedades subsidiárias integrais. São sociedades unipessoais por natureza (anônimas, mas há quem

3 Eu já disse que não tem a ver com Ciccarelli, nem YouTube, nem nada disso...

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admita uma subsidiária integral limitada, por meio de aplicação subsidiária do dispositivo a todas as sociedades de capital), cujo único sócio é outra sociedade (que detém todas as ações ou quotas – se anônima ou limitada, respectivamente - daquela). Como se explicaria um contrato com uma parte apenas? No Brasil, só há essa previsão de sociedade unipessoal permanente, cuja característica ímpar nada influi na sua relação com terceiros. Para que uma pessoa natural consiga limitar sua responsabilidade no exercício da atividade empresarial, é necessário que se agrupe a uma ou mais pessoas (não há, no direito brasileiro, qualquer forma de limitação da responsabilidade do empresário individual).

Em Portugal, criou-se o instituto do estabelecimento individual de responsabilidade limitada – uma espécie de separação patrimonial do empresário individual (há o patrimônio empresarial e o particular). Esse conjunto de bens e relações jurídicas ativas e passivas separado responde apenas pelas obrigações contraídas no exercício da empresa (trata-se de um patrimônio de afetação para aquelas obrigações específicas). Criou-se, também, posteriormente, a sociedade unipessoal – fruto de uma diretiva da União Européia incorporada pelo direito português – como mais uma possibilidade de limitação de responsabilidade do empresário individual. A discussão em torno disso leva a concluir, simploriamente, que se trata, no caso de sociedade unipessoal, de um contrato com uma parte apenas.

Voltando ao direito brasileiro, somente a sociedade subsidiária integral é permanentemente unipessoal. Há, também, sociedades unipessoais momentâneas – aquelas que, de forma superveniente, após sua constituição (pois nesse momento é exigida a pluralidade de sócios), o número de sócios é reduzido a um – os demais saíram da sociedade ou morreram, por exemplo.

Antes do Código Civil de 2002, defendia-se a dissolução da sociedade nessas circunstâncias, por ferir um dos pressupostos do contrato (a pluralidade de partes). Posteriormente, por aplicação de um princípio que vem permeando o Direito Societário – o da preservação da empresa4 –, passou-se a se estabelecer um prazo para que a sociedade reduzida a um sócio pudesse recompor a pluralidade no seu quadro social. Dessa forma, visou-se a evitar, por diversos motivos de interesse público, a extinção do empresário coletivo5 e todas as implicações daí advindas (fechamento de postos de trabalho, diminuição da arrecadação de tributos, extinção de um agente dentro da atividade econômica de fornecedores e compradores etc.). Esse princípio está incrustado na lei de Falência e Recuperação Empresarial (lei n.º 11.101/2005), cuja principal finalidade é a preservação da empresa.

A instituição de prazo para recomposição da pluralidade de sócios foi instituída a partir de 1976, com a lei das sociedades anônimas (lei n.º 6.404/1976). Seu texto contém um dispositivo o qual estabelece que a sociedade reduzida a um número de sócios inferior ao previsto legalmente tem até o final do exercício societário previsto em seu

4 Deve-se lembrar sempre de fazer a operação de “tradução” da expressão empresa. A preservação, aqui, se refere à atividade empresarial.

5 A dissolução da sociedade importa a sua extinção. No caso do empresário individual, segundo Otávio Augustus, este se extingue “fisicamente” ou “dialeticamente”: morrendo (extinção física) ou encerrando sua atividade empresarial (extinção “dialética” – a “antítese” do empresário).

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estatuto para reconstituir sua regularidade no quadro social. Com o tempo, tal dispositivo passou a ser aplicado analogicamente a outros tipos de sociedade, fundado no mesmo princípio. Hoje, o CC/02 traz, expressamente, o prazo de seis meses, seja qual for o modelo societário.

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SOCIEDADES TEORIA GERAL (Continuação)

SUMÁRIO: 2.1.3. Elementos da sociedade. 2.1.3.1. Elementos gerais. 2.1.3.2. Elementos específicos. 2.2. A sociedade enquanto pessoa. 2.2.1. Teorias sobre a natureza da pessoa jurídica 3. Distinção das demais pessoas jurídicas de Direito Privado. 4. Atributos. 5. Desconsideração da pessoa jurídica.

2.1.3. Elementos da sociedade

No contrato de sociedade, há presença de elementos gerais e específicos, que serão estudados a seguir.

2.1.3.1. Elementos gerais

São aqueles inerentes a qualquer ato jurídico: capacidade das partes, licitude do objeto e forma prevista ou não-defesa em lei.

2.1.3.2. Elementos específicos

São as exigências previstas no art. 997 do Código Civil:

Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais. Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato.

Os incisos do artigo anterior prevêem todos os elementos específicos do contrato de sociedade, à exceção de um: o elemento subjetivo do contrato, ligado à vontade das partes, denominado em latim como affectio societatis.

Podem-se esquematizar os elementos do contrato de sociedade da seguinte forma:

Capacidade das partes Gerais Licitude do objeto Forma prevista ou não-defesa em lei ELEMENTOS Pluralidade de sócios Específicos Contribuição para o capital e/ou contribuição em serviços Participação nos resultados Affectio societatis

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O affectio societatis diz respeito ao intuito dos sujeitos de se associarem na busca de um resultado comum. Essa vontade de “estar no mesmo barco dos outros” é um aspecto que não está presente em outras modalidades contratuais, nem mesmo nos demais contratos de comunhão (condomínio, parceria agrícola etc.), em que, embora haja vínculo entre os objetivos das partes, a finalidade almejada (como visto na aula anterior) e as possibilidades de atuação são muito mais restritas.

A presença do affectio societatis como elemento indispensável à sociedade pode ser observada num exemplo simples. Há um dispositivo no estatuto da Unimed, uma cooperativa de trabalho, o qual estabelece que o médico cooperado não pode prestar serviço a entidade concorrente, salvo se se tratar de, por exemplo, um plano de saúde mais fechado, como aqueles específicos para funcionários de determinada empresa6 pública, ou sem intuito de lucro. Questionava-se se tal cláusula imposta feria a livre iniciativa ou o exercício da atividade profissional (garantias constitucionais), além de violar a livre concorrência – crime previsto na lei antitruste, o que levou o Ministério Público, em Ilhéus a oferecer denúncia7 baseada nesse último aspecto. Por fim, alegava-se que isso era uma prática lesiva ao consumidor.

A defesa da Unimed se concentrou no argumento de que o sócio não pode fazer concorrência à sociedade, levando seus conhecimentos sobre os negócios empresariais ao concorrente sem que haja qualquer retribuição ou compartilhamento dos negócios individuais por parte do cooperado. Não haveria, assim, qualquer possibilidade de comunhão ou vinculação de interesses, o elemento subjetivo do contrato de sociedade.

Dessarte, a impossibilidade de o sócio fazer concorrência à sociedade não é simplesmente uma cláusula lícita e possível, mas sim um caractere intrínseco àquele contrato8. Se fosse diferente, não seria possível se visualizar o affectio societatis. No exemplo ilustrado, trata-se de limitação, ao médico cooperado (e não a um prestador de serviço9), salutar à sociedade, pois aqueles, enquanto sócios, decidem o destino da cooperativa. Trabalhando para seus concorrentes, poderiam vir a ter interesses contrários à sua própria sociedade, não sendo lógico nem aceitável, nesse caso, que participem de qualquer tipo de deliberação. O STJ, encerrando a questão, decidiu em favor da Unimed, principalmente em razão do affectio societatis.

Outro elemento é a contribuição para o capital e/ou contribuição em serviços. É aqui que se observa uma das obrigações das partes, vinculada ao elemento subjetivo. É prevista no contrato social e será estudada mais adiante.

6 Alguém pode me dizer como eu me livro desse termo empresa aqui? Seria sociedade empresarial pública?

7 Bom, Otávio Augustus diz que foi assim...

8 O professor, nesse momento, tentou fazer uma comparação com os caracteres intrínsecos do contrato de compra e venda – como a “transferência de propriedade”, que, segundo ele, é inerente, e não apenas possível no contrato. É melhor você fingir que não ouviu isso, porque o cara viajou; a compra e venda NÃO opera a transferência de propriedade, funciona apenas como negócio jurídico causal que enseja a tradição. Tanto que se você comprar um bem de alguém que, logo depois da realização do contrato, vende a terceiro de boa-fé, não há direito real de seqüela com relação ao bem (ou ao leite derramado...), mas somente às perdas e danos. Lições da velha Paola.

9 Mas, pensando bem, até nesse caso a cláusula valeria – pois, num trabalho subordinado, pode-se exigir exclusividade do prestador de serviço.

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Por fim, há a participação nos resultados, um dos direitos dos sócios, assim como a capacidade de deliberação. No entanto, os resultados podem ser positivos ou negativos, e a depender da situação, os sócios poderão compartilhar somente dívidas. Logo, é mais adequado se utilizar a expressão “participação nos resultados”, em vez de “participação nos lucros”. Algumas sociedades, por sinal, não têm lucro – um bom exemplo disso é a sociedade cooperativa; trata-se de um fenômeno mal compreendido pelos operadores do Direito, que, por vezes, não concebem a coexistência da atividade econômica com a ausência de lucro.

A cooperativa é uma sociedade instrumental “ao quadrado”; toda sociedade é um instrumento dos sócios para o desenvolvimento de atividade comum. Nas sociedades cooperativas, a instrumentalidade é ainda maior, porque estas não prestam serviço a terceiros, mas sim aos próprios sócios, organizando-os para que, de forma coletiva e articulada, possam prestar seus serviços (no caso de cooperativa de trabalho) de maneira mais eficiente do que se o fizessem isoladamente. Logo, as cooperativas não têm lucro, pois tudo aquilo que recebem está em nome e por conta dos sócios, repassando integralmente todo o ganho financeiro a eles (descontadas somente as despesas). Nem por esse serviço organizacional a cooperativa cobra. São os cooperados quem tem todo o proveito econômico da atividade desenvolvida. De fato, são os sócios, numa cooperativa de trabalho, que prestam serviço a terceiros, e não a pessoa jurídica da sociedade. Assim, são eles os sujeitos passivos de ISS (caso fossem as cooperativas, a base de cálculo seria zero, pois é este, também o valor do serviço que prestam aos seus cooperados).

2.2. A sociedade enquanto pessoa

Nesse segundo plano de estudo das sociedades, é necessário saber em que momento elas adquirem personalidade jurídica. Se empresariais, o marco é o registro do seu ato constitutivo (contrato social ou estatuto) na Junta Comercial; se simples, a formalidade se dá no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Numa comparação (bem tosca) com a pessoa natural, pode-se afirmar que a “fecundação” da sociedade se dá na instrumentalização do ato constitutivo; o “parto” ocorre quando do registro do contrato ou estatuto no órgão respectivo. Mas a lei também “põe a salvo os direitos do nascituro” (essa foi o fundo do poço...), quando tutela e regula, de certa forma, os atos praticados entre o “parto” e o “nascimento” da pessoa jurídica. Todavia, negócios que sejam praticados “durante a gestação”, podem acarretar responsabilidade ilimitada dos sócios, pois uma sociedade despersonalizada não pode ser titular de bens.

2.2.1. Teorias sobre a natureza da pessoa jurídica

a) teoria da ficção legal – a personificação da sociedade é uma realidade criada tão-só no plano jurídico, decorrente exclusivamente do Direito. Retirando-se o texto normativo, nada existe de fato.

b) teoria da realidade – a atribuição de personalidade a uma sociedade existe num plano que antecede o Direito, que apenas a reconhece e dá determinados efeitos jurídicos. Defende que a atividade conjunta dos sócios, a existência de bens destinados a essa finalidade e a prática de atos em função da atividade em comum constituem uma realidade distinta da dos sócios individualmente considerados. Para essa teoria, pessoas humanas e sociedades existem da mesma maneira.

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Entretanto, comparando-se com a pessoa natural, observa-se que não é a sua mera existência que lhe garante personalidade. Embora esta, hoje, seja considerada um valor fundamental do ordenamento jurídico, conferida à pessoa natural por sua simples condição de ser humano, o Direito já negou a existência de personalidade aos escravos – tutelados como coisas. Assim, a personalidade jurídica do ser humano pode ser considerada, também, uma criação do Direito.

c) teoria institucionalista, da realidade técnica ou da realidade jurídica – existe uma realidade criada pela atividade dos sócios a qual o Direito, por objetivos técnicos de melhor regular a sua conduta e suas relações com terceiros, opta por tratar esse complexo de atos e de bens como se uma pessoa fosse. É uma técnica direcionada aos objetivos da personificação, que são, basicamente, dois:

• Unificar relações que seriam plurais; uma sociedade despersonalizada, numa relação com terceiros, acaba por relacioná-los, diretamente a seus sócios, ainda que haja certa unificação de interesses entre eles (conforme visto anteriormente). Outorgando-se personalidade à sociedade, as relações se dão somente entre ela e terceiros, simplificando a sua regulação;

• Garantir separação patrimonial entre os sócios e a pessoa jurídica; novamente, numa sociedade despersonalizada, há confusão patrimonial entre os bens particulares dos sócios e aqueles destinados à atividade empresarial, impedindo qualquer tentativa de limitação de responsabilidade.

3. DISTINÇÃO DAS DEMAIS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO

3.1. Fundação x Sociedade

É uma distinção simples, uma vez que a fundação não possui membros, sendo apenas um conjunto de bens destinados a uma finalidade lícita.

3.2. Associação x Sociedade

A associação, assim como a sociedade, é formada pela reunião de duas ou mais pessoas, que unem esforços e capital na busca de um proveito comum (praticamente o mesmo conceito de sociedade). A diferença reside na ausência de partilha de resultados, que não ocorre na associação. A atividade econômica e o lucro, nesta, são meios, enquanto na sociedade são um fim em si mesmos.

4. ATRIBUTOS

Falar em atributos da personalidade, aqui, significa falar das conseqüências da personificação das sociedades. São elas:

a) capacidade jurídica – possibilidade de atuar na ordem jurídica enquanto sujeito de direito. No entanto, o fenômeno da personificação não esgota toda a subjetividade, uma vez que há entes despersonalizados que são sujeitos de direito (ex.: massa falida, espólio, sociedade irregular, Câmara de Vereadores); capacidade patrimonial; capacidade judiciária;

Os demais atributos decorrem do primeiro:

b) nome (firma ou denominação);

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c) nacionalidade; d) domicílio; e) patrimônio.

5. DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

Não é a extinção da personalidade jurídica, mas a não produção de efeitos, em determinadas situações previstas em lei, do ato ou da situação jurídica da sociedade, afetando, diretamente, as pessoas dos sócios. Uma das dificuldades da matéria é separar aquilo que é atribuição de responsabilidade a terceiro por dívida alheia e o que, de fato, é desconsideração da pessoa jurídica. A primeira é um instituto velho conhecido do Direito - como exemplo, a fiança e o aval; não se desconsidera a pessoa do afiançado ou do avalizado para se cobrar a dívida do fiador ou do avalista. Quando o Código Tributário estabelece que, em certos casos, o sócio administrador responde pelas dívidas da sociedade, não se trata de desconsideração da personalidade desta, mas de atribuição legal da dívida ao sócio.

Historicamente, observam-se fases da tratativa do Direito quanto à personificação das sociedades: a de criação (fase iniciada no Código de 1916, que incluía as sociedades no rol de pessoas jurídicas; o Código Comercial de 1850 não atribuía personalidade às sociedades. No final do século XIX, começa a haver construções doutrinárias e jurisprudenciais conferindo, a determinados tipos de sociedade, a personalidade jurídica, no sentido de ente diverso dos sócios); a de consolidação (a antiga lei de Falência continha a seguinte aberração: “em caso de falência da sociedade, não se considera falido o sócio de responsabilidade limitada, mas este se submete aos efeitos daquela”10); e a de relativização (conforme a lei 11.101/2005, falindo a sociedade, os sócios também são declarados falidos).

A desconsideração é aplicada quando a personalidade jurídica é usada de forma ilícita, em caso de abuso ou confusão patrimonial do sócio com a sociedade, além de outras situações específicas, como: crime ambiental; nas hipóteses do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor; em matéria tributária, quando o sócio administrador ou procurador age em descumprimento a lei ou contrato social. Aqui, o sócio, simplesmente por sua condição, não tem responsabilidade subsidiária pelas dívidas tributárias da sociedade, que só ocorre quando o não pagamento dos tributos é decorrente do ato contrário à lei ou contrato social/estatuto (ex.: distribuição de lucro sem recolhimento de tributos). A desconsideração, no entanto, não é prevista na legislação trabalhista – campo onde, segundo Otávio Augustus, mais ocorre o fenômeno11.

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10 Na tradução de Otávio Augustus: “em caso de falência da sociedade, não se considera falido o sócio de responsabilidade limitada, mas é como se fosse...”.

11 Eu me recuso a transcrever o que esse professor fala em defesa dos empresários sobre esse tema. Como isso não é mais importante nem interessante do que uma conversa de fila de banco, com certeza não cai na prova.

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CLASSIFICAÇÃO DAS SOCIEDADES

SUMÁRIO: 1. Quanto à natureza. 2. Quanto à personificação. 3. Quanto à responsabilidade dos sócios. 4. Quanto ao affectio societatis. 5. Quanto ao capital. 6. Quanto à regularidade. 7. Quanto ao prazo.

1. QUANTO À NATUREZA

a) empresária – é aquela que exerce atividade empresarial, conforme o art. 966 do Código Civil. São sociedades empresariais: sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade em conta de participação, sociedade limitada, sociedade anônima, sociedade por ações e sociedade em comandita por ações. Quando há uma sociedade em nome coletivo, em comandita simples ou limitada, não necessariamente há uma sociedade empresária, pois o que define essa característica é a atividade, não o modelo societário adotado. Por outro lado, as sociedades anônimas, por ações e em comandita por ações são, obrigatoriamente, empresários coletivos.

b) simples – é aquela que desenvolve atividade econômica especulativa, mas excluída do conceito de empresário do Código Civil:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

A lei prevê um regramento especial para as sociedades simples. Estas podem, todavia se constituir com base num modelo das sociedades empresárias, aplicando-se os dispositivos referentes às sociedades simples somente de forma supletiva. Antes do CC/02, havia sociedades comerciais e civis; as primeiras desenvolviam atividades comerciais; as últimas englobavam as sociedades simples de hoje mais as empresárias cujo objeto era prestação de serviço.

REGRAMENTO DO DIREITO COMERCIAL ANTIGO

Sociedades comerciais

Prestadoras de serviço

Sociedades civis (empresária)

(não-comerciais)

Sociedades com

objeto artístico,

literário ou científico

REGRAMENTO DO DIREITO EMPRESARIAL (CC/02)

Sociedades empresárias Sociedades comerciais

Prestadoras de serviço

Sociedades com

Sociedades simples objeto artístico,

(não-empresárias) literário ou científico

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2. QUANTO À PERSONIFICAÇÃO

a) não-personificadas – aquelas que não têm o seu contrato registrado na Junta Comercial.

a1) em comum – aquela que o Direito regula após a sua constituição, mas antes do seu registro na Junta Comercial. É uma sociedade não-personificada momentânea;

a2) em conta de participação – é do próprio modelo societário a ausência de personificação. É a “verdadeira sociedade anônima”, que sequer nome possui; existente só no plano do contrato, vincula apenas os sócios entre si. Para terceiros, ela não produz efeitos. Ocorre quando um dos sócios age perante outrem em nome próprio (sócio ostensivo), por sua conta e risco, mas divide os lucros com o sócio participante (oculto). Ex.: cacauicultor, envergonhado de vender suas bananas na feira, combina com alguém para vendê-las, dividindo os lucros em 60% para si, o produtor (sócio participante), e 40% para o intermediário (sócio ostensivo).

b) personificadas – todas as demais sociedades empresárias.

3. QUANTO À RESPONSABILIDADE

Esse aspecto se refere à responsabilidade dos sócios, não da sociedade, uma vez que toda pessoa natural ou jurídica responde integralmente com seu patrimônio para satisfazer toda e qualquer obrigação. Quando os bens da sociedade (o patrimônio, não o capital) não são suficientes para o adimplemento das obrigações contraídas, os sócios podem ou não ser responsabilizados subsidiariamente por elas.

a) limitada – a responsabilidade dos sócios possui limite estabelecido;

b) ilimitada – a responsabilidade subsidiária dos sócios não possui limite;

c) mista – possui sócios de responsabilidade limitada e ilimitada.

4. QUANTO AO AFFECTIO SOCIETATIS

Essa classificação refere-se ao motivo que levou os sócios a se associarem entre si.

a) sociedade de pessoas – atributos pessoais (aptidão para o negócio, seriedade, honradez, confiança mútua etc.) direcionam o affectio societatis. Ex.: sociedade limitada a qual estabelece em seu contrato que, havendo morte de um dos sócios, seus herdeiros não assumem seu posto na sociedade.

b) sociedade de capital – o concurso de somas monetárias (não importando a figura dos sócios) é o motivo determinante. É o caso das sociedades anônimas – pois basta comprar ações para se associar, além de o ato constitutivo (estatuto) não conter os nomes dos sócios – e de algumas sociedades contratuais (aquelas que possuem o contrato social como ato constitutivo).

Nessa última hipótese é mais difícil se perceber o motivo determinante, pois se trata de elemento subjetivo do contrato de sociedade. Quando, na mobilidade do quadro social, for necessária a anuência dos demais sócios, tem-se uma sociedade de pessoas. Se não, a sociedade é de capital. A distinção é importante, pois os sócios de uma sociedade de capital jamais respondem subsidiariamente por dívidas desta.

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5. QUANTO AO CAPITAL

O capital está previsto no contrato social ou no estatuto, bem como a forma como será integralizado pelos sócios. Em regra, as sociedades têm capital fixo, demandando, para que seja aumentado ou diminuído, alterações em seu ato constitutivo. As cooperativas, no entanto, possuem capital variável, flutuando conforme a entrada e saída de sócios, que levam consigo o capital investido quando deixam a sociedade (o que não ocorre nas de capital fixo, pois nestas, quem entra, compra as quotas ou ações de quem saiu, mantendo a quantidade de capital, mesmo com as mudanças no quadro social). Outro exemplo de sociedade dessa categoria é a de capital autorizado (cujo ato constitutivo prevê que, a critério da administração, pode haver aumento ou redução de capital, sem necessidade de assembléia para sua aprovação). Há quem entenda, todavia, se tratar de sociedade de capital fixo, cuja variação é pré-aprovada.

6. QUANTO À REGULARIDADE

a) regular – aquela que, além de registrar seu ato constitutivo na Junta Comercial, mantém em ordem sua escrituração empresarial.

b) irregular – aquela que não tem seus atos registrados na Junta Comercial, ou os tem de forma defeituosa.

A principal conseqüência da irregularidade da sociedade é a ausência de personalidade jurídica, com todas as implicações que advém dessa circunstância.

7. QUANTO AO PRAZO

a) por prazo determinado – as sociedades que têm seu prazo previsto no ato constitutivo.

b) por prazo indeterminado – aquelas que não estabelecem termo final para o contrato.

A escolha por uma das duas deverá obedecer às regras gerais dos negócios jurídicos com ou sem termo final. A única questão pertinente exclusivamente às sociedades é referente à prorrogação do seu prazo ou conversão em prazo indeterminado; para que a alteração seja válida, deve ocorrer dentro do limite temporal previamente delimitado (ou seja, antes do termo final) - não se pode deixar vencer esse prazo. Caso isso ocorra, estar-se-á diante de outra sociedade (possivelmente irregular), e não mais aquela cujo prazo seria dilatado ou convertido em prazo indeterminado.

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SOCIEDADES NÃO-PERSONIFICADAS

SUMÁRIO: 1. Sociedade em comum. 1.1. Sociedade de fato e sociedade irregular. 1.1.1. Ação com base em sua existência. 1.1.2. Inexistência de patrimônio em separado. 1.2. A separação patrimonial nas sociedades em

comum. 1.3. Inexistência de registro e de tipo específico. 2. Sociedade em conta de participação. 2.1. Ausência de personalidade jurídica. 2.2. Sócio ostensivo. 2.3. Sócio participante. 2.4. Prova. 2.5. Patrimônio especial 2.6. Anuência para novos sócios. 2.7. Normas subsidiárias. 2.8. Liquidação.

A partir deste momento do curso, se dará o estudo das sociedades em espécie, a começar pela sociedade em conta de participação. Mas, antes, dentro da teoria geral do Direito Societário, deve-se atentar para uma figura importante nesse campo, que são as, hoje, chamadas sociedades em comum (anteriormente designadas sociedades de fato ou irregulares), que dividem com as sociedades em conta de participação a classe das sociedades não-personificadas. Como visto nas aulas anteriores, a ausência de personalidade jurídica pode advir do próprio modelo societário (ex.: em conta de participação) ou da ausência de registro, como é o caso da sociedade em comum, a ser abordada a seguir.

1. SOCIEDADE EM COMUM

É prevista no Código Civil do art. 986 ao 990. Existente no plano do contrato entre os sócios12, não adquire personalidade jurídica em virtude da inexistência de registro. O Código Comercial, de 1850, tratava essa figura em regime específico; a doutrina, por conseguinte, fazia distinção entre sociedade de fato e irregular como espécies de sociedade não-personificada por ausência de registro.

1.1. Sociedade de fato e sociedade irregular

A sociedade de fato existia como relação contratual, mas sem instrumento escrito (somente oral13) – uma vez que a formalidade só é necessária se a lei assim exige, não havendo questionamento quanto a sua possibilidade jurídica, mas somente quanto à prova de sua existência, que pode ficar comprometida. A doutrina admitia até mesmo contrato tácito como forma de constituição de sociedade de fato: em caso de haver uma negociação em comum entre duas ou mais pessoas, sem declaração de vontade expressa direcionada à formação de uma sociedade, porém dentro de circunstâncias propícias para que o contrato se forme14.

A sociedade irregular, por outro lado, era aquela cujo ato constitutivo estava instrumentalizado por escrito, sem, no entanto, se submeter a registro. É irregular uma vez que o que outorga personificação e regularidade à sociedade não é a existência de instrumento escrito, mas sim, o registro na Junta Comercial, se sociedade empresária.

12 Não se deve esquecer da dupla dimensão da sociedade – enquanto contrato e enquanto pessoa.

13 Otávio Augustus falou em “contrato bucal: engraçado, mas científico”. Mas como é que se eliminariam cláusulas nocivas desse contrato? Com Colgate Total 12®?

14 Situação tão comum quanto crianças carentes, carecas, caolhas e torcedoras do Bragantino.

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1.1.1. Ação com base em sua existência

Várias situações jurídicas gravitavam em torno do tópico anterior, relacionadas, hoje, à sociedade em comum. Conforme o Código Comercial, de 1850, sem contrato escrito, os sócios não poderiam propor ações entre si, nem contra terceiros, se tivessem como pressuposto a existência da sociedade – pois a prova da sociedade só se dava por instrumento escrito. O Código Civil dispõe de maneira semelhante:

Art. 987. Os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem prová-la de qualquer modo.

A doutrina contextualizou essa norma, relativizando-a. Ao se interpretar aquele dispositivo em seu sentido literal, poder-se-ia gerar uma fonte de iniqüidades – como enriquecimento sem causa (por exemplo, um sócio poderia receber de outro um patrimônio a ser empregado na sociedade, sem ter que devolver os bens após sua dissolução, pois o sócio prejudicado não teria ação contra ele com o fito de reaver o capital ou os resultados que lhe pertencem). Quando a discussão entre os sócios se refere à devolução do valor recebido, por conta do contrato de sociedade, a doutrina admite a ação com base na existência daquela. No entanto, nem todas as ações entre os sócios têm esse pressuposto (ex.: dar execução ao próprio contrato de sociedade, obrigar o sócio a fazer determinada atividade prevista no ato constitutivo).

Em relação a terceiros, a restrição à ação sem contrato escrito é muito mais contrastante. As ações de terceiros contra os sócios (a sociedade não-personalizada não pode figurar como pólo de uma relação processual) não demandam existência de contrato escrito; podem eles provar a existência da sociedade por qualquer meio lícito (testemunhas, v.g.). Pode-se ilustrar uma situação relacionada a esse último aspecto por meio do seguinte exemplo: terceiro celebrou determinado contrato com um dos sócios, gerando direito de ação daquele contra este, em caso de inadimplemento das obrigações; contudo, o terceiro sabendo que o sujeito com quem contratou praticou os atos em execução de um contrato de sociedade, poderia acionar não somente aquele determinado sócio, mas todos os demais – desde que provasse a existência da sociedade. De acordo com o Código Comercial derrogado15:

Art. 304. São, porém, admissíveis, sem dependência da apresentação do dito instrumento as ações que terceiro possa intentar contra a sociedade em comum, ou contra qualquer dos sócios em particular. A existência da sociedade, quando por parte dos sócios não apresenta instrumento, pode provar-se por todos os instrumentos de prova admitidos em comércio, e até por presunções, com dados enfáticos de que existe ou existiu a sociedade.

Art. 305. Presume-se que existe ou existiu sociedade sempre que alguém exercita atos próprios de sociedade e que, regularmente, não costuma praticar sem a qualidade social. Dessa natureza são, especialmente: I – negociação promíscua em comum; II – aquisição, alienação, permutação ou pagamento em comum; III – se um dos associados16 se confessa sócio, e os outros não o contradizem por uma forma pública;

15 Não tenho certeza se o texto legal é esse mesmo, porque o meu vade mecum não tem o Código Comercial. Não comprem vade mecuns da Editora Manole.

16 O Código Comercial não diferia “sócio” de “associado”, distinção que só veio a ocorrer no Código Civil.

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IV – se duas ou mais pessoas propõem um administrador ou gerente comum; V – a dissolução da associação como sociedade; VI – o emprego do pronome “nós” ou “nosso” nas cartas, correspondências, faturas, livros, contas e demais papéis comerciais; VI – o fato de receber ou responder cartas endereçadas ao nome ou firma social; VII – o uso de marca comum nas fazendas ou volumes; VIII – o uso do nome com a adição de “e cia.”;

Esse era um rol meramente exemplificativo das situações em que se poderia presumir a existência de um contrato de sociedade. Havendo prova disso, o terceiro tinha, logo, ação contra os sócios.

1.1.2. Inexistência de patrimônio em separado

Nas antigas sociedades de fato ou irregulares, os negócios eram celebrados entre terceiros e cada um dos sócios (uma vez que, como se sabe, aquelas não possuem personalidade jurídica), mesmo que, em determinado ato, só se tenha figurado um deles – desde que o negócio tenha sido realizado na execução do contrato de sociedade. A relação jurídica estabelecida se estende a todos os demais sócios.

O Código Comercial, ao regular os dois tipos de sociedade não garantia aos seus integrantes a possibilidade de haver patrimônio em separado (ao contrário do que existe hoje com a sociedade em comum, como será estudado posteriormente). Em não havendo personalidade conferida à sociedade, esta não poderia ter patrimônio. Para os sócios, não havia distinção entre seu patrimônio particular e aquele dedicado à atividade empresarial, conforme a ilustração a seguir:

Assim, um credor particular (Pac-Man laranja) do sócio poderia penhorar quaisquer de seus bens, ainda que destinados à atividade empresarial; da mesma forma, um credor da “sociedade” (Pac-Man azul), tinha o mesmo direito de suscitar a penhora dos bens particulares daquele sócio, já que não há patrimônio de afetação delimitado para cada débito. Todo o patrimônio do sócio respondia por toda e qualquer obrigação.

Hoje, para que um credor de uma sociedade em comum possa executar bens particulares dos sócios, é necessário que não haja patrimônio social suficiente para o adimplemento das obrigações. A responsabilidade do sócio, seja qual for o modelo societário, é sempre subsidiária17 (os limites dessa subsidiariedade é que podem variar, se limitada ou ilimitada).

1.2. A separação patrimonial nas sociedades em comum

Hoje, o Código Civil regula a existência de separação patrimonial dos sócios da sociedade em comum. Os bens destinados à atividade empresarial continuam pertencendo

17 Quanto o texto legal menciona a responsabilidade solidária dos sócios, se refere à solidariedade entre eles, e não entre o sócio e a pessoa jurídica.

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aos sócios, mas, em seu complexo de relações ativas e passivas, há a criação de um patrimônio de afetação exclusivo para as obrigações decorrentes do exercício da empresa. É o que se observa na ilustração:

O credor particular (Pac-Man laranja) do sócio não pode penhorar os bens destinados à atividade empresarial, assim como o credor da sociedade (Pac-Man azul) não pode executar bens particulares do sócio. O credor particular só poderia suscitar a execução dos bens especiais levando-se em conta três aspectos:

a) o sócio não pode ter outros bens; em não havendo, surge o direito do credor, que não pode invadir o patrimônio da sociedade, uma vez que esta é pessoa diversa, e seus bens não estão em regime de co-propriedade entre os sócios. É necessário que o devedor não tenha outros bens disponíveis, pois a penhora das quotas afeta a sociedade, e não apenas o sócio.

b) penhoram-se, preferencialmente, os resultados obtidos. Penhorando-se as quotas propriamente ditas e leiloando-as18, forçar-se-ia a entrada de um sócio sem a anuência dos demais;

c) não se auferindo lucros suficientes para adimplir as obrigações adquiridas, liquida-se parcialmente a sociedade, gerando ao credor direito obrigacional perante ela, limitado ao percentual de participação do devedor no capital social. Em resumo: as quotas são penhoradas, liquidadas, e seu valor é apurado conforme o patrimônio total da sociedade. Se os demais sócios não adquirirem as quotas do devedor, o capital social é diminuído.

Assim, percebe-se que a diferença entre a sociedade em comum do Código Civil e as sociedades de fato e irregular do Código Comercial reside na existência de patrimônio de afetação exclusivo para as obrigações decorrentes da atividade empresarial, e nas conseqüências dessa criação, explicitadas, anteriormente, por meio das ilustrações. Só se rompe a barreira do patrimônio de afetação – para dentro ou para além – quando este não é suficiente para o adimplemento das obrigações empresariais (em caso de débitos decorrentes dessa atividade) ou quando o patrimônio particular do sócio não é suficiente para saldar seus débitos individuais. O Código Civil não distingue as sociedades em razão da existência (sociedade irregular) ou não (sociedade de fato) de contrato escrito.

1.3. Inexistência de registro e de tipo específico

A ausência de registro, que caracteriza a sociedade em comum, inviabiliza a escolha, por seus sócios, de qualquer dos modelos societários previstos no Código Civil – não há sociedade em comum anônima ou limitada, por exemplo. Toda sociedade em comum, seja qual for o tipo adotado no contrato, se houver, será regulada pelos artigos 986 a 990, com aplicação subsidiária das normas relativas às sociedades simples. A tipologia só é adquirida com o devido registro do ato constitutivo.

18 É um exemplo meramente hipotético, já que a venda de quotas em hasta pública é vedada pelo ordenamento jurídico.

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2. SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO

É uma sociedade que, necessariamente, existe apenas no plano contratual – jamais enquanto pessoa. Seus caracteres são mais bem compreendidos quando se analisa o histórico da edificação do Direito Societário. Primeiramente, há a construção da própria sociedade – a sociedade em nome coletivo, em que todos os sócios têm os mesmos direitos e obrigações, havendo apenas um tipo status social (todos os seus integrantes respondem, subsidiariamente, de forma ilimitada pelas obrigações contraídas pela sociedade). Com o desenvolvimento da economia e da atividade empresarial, surgiu a necessidade de se limitar a responsabilidade dos sócios (ou apenas de alguns deles). Por exemplo: determinado sujeito queria dedicar parte de seus recursos à atividade negocial, mas, ao não poder ou não querer19 participar do empreendimento (nem administrá-lo, nem aparecer vinculado a ele), prestava somente a quantia necessária à sua realização, pondo em risco somente o que foi disponibilizado à sociedade.

Essa necessidade leva a construção de dois modelos societários: a sociedade em comandita simples e a sociedade em conta de participação. Em ambos os casos, um tipo de sócios (de responsabilidade subsidiária limitada) porá em risco somente os bens os quais disponibilizou à sociedade. A diferença: na primeira, os sócios “aparecem”, enquanto na última, os sócios de responsabilidade limitada permanecem ocultos.

O porquê desse último aspecto também se encontra na história; antigamente, havia sociedades denominadas “de commenda”20 – um contrato marítimo em que um dos sócios era responsável pela expedição (dono do navio, por exemplo), e o outro lhe fornecia o capital (sócio capitalista). Se o empreendimento desse lucro, esse era dividido; se resultasse em prejuízo, o do sócio capitalista se limitava à quantia investida.

2.1. Ausência de personalidade jurídica

É uma característica inerente à sociedade em conta de participação, que se observa de maneira permanente – e não momentânea como ocorre, pelo menos em tese, com a sociedade em comum. Apresenta dois tipos de sócios, a saber:

2.2. Sócio ostensivo

É aquele que, no exercício da atividade negocial e no cumprimento das obrigações previstas no contrato, pratica atos em nome próprio É sempre único. Terceiros desconhecem, juridicamente, a existência da sociedade – e se a conhecem, de fato, não sofrem seus efeitos. Todos os atos praticados produzem efeitos restritos somente às pessoas do terceiro e do sócio ostensivo – que, perante o sócio participante, pratica os atos em função de um contrato de sociedade. Esse contrato, no entanto, estabelece os limites da atuação do sócio ostensivo perante terceiros.

É como no velho exemplo do cacauicultor envergonhado de vender sua produção de bananas na feira, que encarrega a venda um intermediário. Os feirantes que adquirirem a mercadoria celebram contrato diretamente com o intermediário (sócio ostensivo), por desconhecerem a existência da sociedade. O feirante não tem qualquer pretensão contra o produtor.

19 A segunda opção é mais provável. Covarde.

20 Palmas para quem conseguiu decorar as 557 páginas do volume dois do Curso de Direito Comercial de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa!

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2.3. Sócio participante

É o sócio que permanece incógnito diante de terceiros nas negociações desses com o sócio ostensivo. Sua responsabilidade, como já adiantado, é limitada à contribuição direcionada ao exercício da empresa. Antigamente era denominado sócio oculto, mas, para evitar interpretações pejorativas, decidiu-se pela expressão participante.

2.4. Prova

Por qualquer meio lícito pode-se provar a existência de uma sociedade em conta de participação.

2.5. Patrimônio especial

A sociedade em conta de participação, em decorrência da não-personificação, não possui patrimônio. Entretanto, o Código Civil, no artigo 994, estabelece o seguinte:

Art. 994. A contribuição do sócio participante constitui, com a do sócio ostensivo, patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais. § 1º A especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios. § 2º A falência do sócio ostensivo acarreta a dissolução da sociedade e a liquidação da respectiva conta, cujo saldo constituirá crédito quirografário. § 3º Falindo o sócio participante, o contrato social fica sujeito às normas que regulam os efeitos da falência nos contratos bilaterais do falido.

Há toda uma problemática referente a esse artigo. Em relação ao caput, não há muitos problemas: a especialização patrimonial ocorreria da mesma forma que na sociedade em comum. Já o parágrafo primeiro complica a interpretação, uma vez que a especialização patrimonial se refere à limitação de responsabilidade. Como a responsabilidade patrimonial perante terceiros limita-se ao sócio ostensivo (logo, aqueles não têm pretensão alguma contra o sócio participante – nem mesmo subsidiária), Otávio Augustus não compreende o sentido desse dispositivo21.

2.6. Anuência para novos sócios

Para que o sócio ostensivo admita novos sócios participantes na sociedade, é necessária a anuência dos demais, pois quanto maior a quantidade de sócios, menor será o lucro em empreendimentos desse tipo.

2.7. Normas subsidiárias

As normas referentes à sociedade simples são aplicadas subsidiariamente às sociedades em conta de participação, guardadas as devidas adaptações22.

21 Aliás, para ele, esse parágrafo primeiro é tão repleto de sentido quanto o refrão do “Rap das armas”, de MC Júnior & MC Leonardo, a saber: “Parapa papapá papapá papá, parapa papapá papapá papá, papará papará papará clá-qui-bum, parapa papapá papapá papá”.

22 Aliás (de novo), para Otávio Augustus a aplicação dessas normas subsidiárias guarda certa relação com a nota n.º 3.

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2.8. Liquidação

As sociedades personificadas se liquidam por meio de apuração de seu patrimônio líquido e posterior partilha entre os sócios, conforme a participação de cada um no capital social. Já a sociedade em conta de participação, se encerra pela prestação de contas (só presta contas quem administra bens alheios). O sócio ostensivo, que é, também, administrador, apresenta, na ocasião, aos sócios participantes todos os detalhes dos negócios realizados.

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DIREITO COMERCIAL II Aulas n.º 04 e 05

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SOCIEDADE SIMPLES

SUMÁRIO: 1. Conceito e natureza jurídica. 2. Forma. 3. Regras gerais do Direito Societário. 4. Requisitos do contrato. 5. Alteração do contrato social. 6. Registro do contrato social. 7. Responsabilidade dos sócios. 8. Contribuição dos sócios. 9. Natureza da deliberação dos sócios. 10. Substituição das funções dos sócios. 11. Cessão das quotas. 12. Integralização do capital. 13. Exclusividade.

Ainda no campo das sociedades não-personificadas, estudou-se uma espécie de sociedade empresária, a em conta de participação – as sociedades em comum, como visto anteriormente, podem ter ou não atividade empresarial. O critério utilizado até agora para a categorização das sociedades, logo, foi a presença ou não de personalidade jurídica, em vez da empresarialidade. Doravante, portanto, o curso enfocará aquelas que constituem, verdadeiramente, pessoas jurídicas, começando pela sociedade simples.

1. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

É uma sociedade com fins econômicos23, que busca a produção e circulação de bens e serviços, sem, no entanto, ser empresária. O Código Civil estabelece:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Assim, sendo uma pessoa natural quem desenvolve a atividade prevista no caput do artigo, tratar-se-á de um empresário individual – cujo papel preponderante é o de organizar o exercício da atividade econômica desenvolvida. Se, por outro lado, se enquadra na descrição do parágrafo único, estar-se-á diante de um artista, cientista ou profissional liberal (médico, advogado, entre outros).

Quando a atividade do caput do art. 966 é desenvolvida por uma sociedade, esta passa a ser considerada empresária. Se, no entanto, se encaixa nas exceções previstas no parágrafo único, configura-se a sociedade simples (ex.: sociedade de médicos, de artistas ou de advogados), cuja atividade econômica não consiste em administração – quando há, verifica-se de maneira acessória.

A maioria das sociedades simples é composta de sociedades uniprofissionais, em cujos quadros sociais, há somente sócios que exercem a mesma profissão. Submetem-se essas a dois regimes jurídicos: o da sociedade simples e o das normas relativas ao exercício da profissão. As sociedades de advogados, por exemplo, não podem ter a forma de sociedades empresárias

23 É de se ressaltar a impropriedade técnica da expressão “com fins econômicos”, pois é característica implícita de toda sociedade. A intenção, no entanto, é destacar essa finalidade, ainda que não se observe atividade empresarial desenvolvida – por se enquadrar nas hipóteses do parágrafo único do artigo 966.

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(nem sequer utilizar o “&24” em seu nome) – não porque isso é vedado às sociedades simples, mas sim por conta das normas estabelecidas pela Ordem dos Advogados do Brasil. Grande parte dos atos das sociedades uniprofissionais são regulados, analogamente, como se atos de um profissional individual fossem – afinal, a finalidade da sociedade é o exercício em conjunto, de seus sócios, daquela profissão. Ilustrando esse aspecto, pode-se citar o regime tributário referente ao Imposto de Prestação de Serviço; a maioria dos municípios tributa os profissionais liberais por meio de valor fixo semestral ou anual. Ou seja, a base de cálculo do ISS não é o valor do serviço prestado naquele período – que é o sistema padrão desse tributo. Há, pois, um dispositivo do Código Tributário Nacional o qual estabelece que às sociedades uniprofissionais aplica-se o mesmo regime jurídico previsto para o profissional individual.

Se, no entanto, no quadro de uma sociedade de advogados, houver um contador, aquela não será considerada uniprofissional, não tendo o regime tributário análogo ao do advogado/pessoa natural. A justificativa para isso reside na configuração de atividade empresarial, porque não há mais uma sociedade inteira prestando serviços como se advogado fosse. A pluralidade profissional faz pender a atividade econômica desenvolvida para o fenômeno empresa do caput do art. 966, e não mais para as exceções do parágrafo único do mesmo artigo. A sociedade simples, dessa forma, possui natureza jurídica de sociedade não-empresária.

2. FORMA

A sociedade simples possui uma tipicidade legal em relação à sua estrutura, prevista do art. 997 ao art. 1038. Pode-se revestir da forma prevista nesses dispositivos, ou se estruturar conforme os modelos previstos para as sociedades empresárias25 – pois não é a tipologia que define a natureza da atividade, mas sim o exercício ou não da empresa. Pode-se ter, portanto, uma sociedade simples sob a forma de responsabilidade limitada – que é o que mais ocorre, exceto nas sociedades de advogados, pelos motivos já expostos. A OAB visa a guardar a maior proximidade possível entre as regras aplicáveis ao advogado/pessoa natural e aquelas relativas à sociedade uniprofissional. Destarte, como o advogado – assim como qualquer pessoa natural – não possui meio oferecido pelo direito brasileiro para limitação de sua responsabilidade pelos atos praticados, o mesmo deverá ocorrer com a sociedade de advogados, em decorrência do regime jurídico análogo; afinal, nesse caso, quem prestam o serviço são os sócios, não a sociedade, ainda que a relação jurídica se dê entre o terceiro e a pessoa jurídica.

3. REGRAS GERAIS DO DIREITO SOCIETÁRIO

Alguns doutrinadores, em seus manuais de Direito Empresarial, não enfocam as sociedades simples, por não serem essas empresárias. É, segundo Otávio Augustus, um equívoco, porque estabelecem as normas introdutórias da sociedade no Código Civil que a regulação prevista às sociedades simples aplica-se, subsidiariamente, a todas as sociedades contratuais – em nome coletivo, em contra de participação, em comandita simples e a limitada.

24 Se Zezé di Camargo e Luciano fossem advogados, estariam com raiva.

25 Não pode, todavia, ter a forma de uma sociedade anônima, por ser essa, necessariamente (por força de lei), empresária.

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É um dos pontos mais criticados do Código Civil de 2002 a aplicação subsidiária das normas das sociedades simples às sociedades limitadas (assim como o detalhismo do seu regramento – gerando engessamento que as priva da liberdade estrutural conferida no sistema antigo26). Para os doutrinadores, houve uma inversão indesejável: o Decreto n.º 3.708/1919 previa a subsidiariedade da aplicação, às limitadas, das normas relativas às sociedades anônimas; consideram eles haver maior proximidade entre uma sociedade limitada e uma S/A do que entre aquela e uma sociedade simples (as S/As são de capital, enquanto as simples são, nitidamente, de pessoas).

Apesar de toda a controvérsia, as normas previstas para a sociedade simples funcionam como regras gerais do Direito Societário, possuindo aplicação subsidiária a todos os demais modelos societários, com exceção da sociedade anônima. Observa-se, assim, a grande importância do seu estudo para o Direito Empresarial.

4. REQUISITOS DO CONTRATO

Estão fixados no art. 997 do Código Civil:

Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: I. nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; II. denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; III. capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; IV. a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; V. as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; VI. as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; VII. a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; VIII. se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais. Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato.

No inciso II, deve-se interpretar o termo denominação como nome empresarial (há um erro legislativo de utilização de espécie em vez do gênero). O objeto se refere à atividade desenvolvida (ex.: prestação de serviços advocatícios). Sede é o domicílio da sociedade. O prazo remete à existência ou não de termo final no contrato social.

O capital social (inciso III) é a importância que os sócios definiram, no ato constitutivo, para ser transferida à sociedade, a fim de que ela, por meio, também, dos serviços dos sócios, desenvolva sua atividade. Há dois tipos de capital: o subscrito e o integralizado. O primeiro é aquele que foi definido no contrato social ou no estatuto (no caso de sociedade anônima) – é o capital contratado, que fixa a obrigação dos sócios perante a sociedade. O último é aquele que foi, efetivamente, transferido da propriedade dos sócios para o patrimônio da sociedade.

26 E tome chororô de Otávio Augustus na defesa dos fracos e oprimidos megaempresários...

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Integralização, assim, é o adimplemento da obrigação, prevista no contrato, relativa ao capital; é o ato de cumprir a cláusula referente à subscrição do capital social. Pode se dar em pecúnia ou por meio de outros bens (ex.: 10 mil reais ou um Chevette 9827). Quando são oferecidos outros bens que não dinheiro, são os sócios os responsáveis pela avaliação de seu valor patrimonial.

É necessário se atentar para a diferença do capital para o patrimônio social. Um não guarda relação com o outro – o patrimônio é o conjunto de relações jurídicas ativas e passivas de uma pessoa. Uma sociedade pode ter um capital de R$ 100.000,00 e um patrimônio de R$ 2.000.000,00. A partir da soma pela qual os sócios se obrigaram a transferir à sociedade (o capital), esta foi adquirindo bens até chegar àquele montante. Só se observa ligação entre os dois quando se considera o capital como uma espécie de patrimônio inicial da sociedade, ainda que aquele não tenha sido integralizado, pois, mesmo assim, tem valor creditício.

Se aquela mesma sociedade tiver dívidas no valor de, por exemplo, R$ 3.000.000,00, nasce, aí, a responsabilidade subsidiária dos sócios, que pode ser limitada ou ilimitada, conforme o modelo societário adotado. Como, entre os sócios, a responsabilidade é solidária, qualquer um deles pode ser acionado para pagar a dívida em sua inteireza. Fazendo isso, tem direito de regresso contra os demais sócios, conforme as regras gerais das obrigações solidárias28.

O inciso IV dispõe sobre a quota de cada sócio no capital social e o modo de realizá-la (integralizá-la). Mencionou-se quota; há dois tipos de sociedade cujo capital é divido em unidades: a limitada (cujo capital é dividido em quotas) e a anônima (com capital fracionado em ações). As demais não operam da mesma maneira – nem a sociedade simples, obviamente. Quota, aqui (no singular), designa o percentual de cada sócio no capital social.

Numa sociedade limitada, o contrato pode estabelecer: “o capital da sociedade é de R$ 100.000,00, divididos em cem mil quotas de R$ 1,0029, sendo que o sócio A possui 20 mil quotas no valor unitário de R$ 1,00, totalizando vinte mil quotas no valor de R$ 20.000,00”. Na sociedade simples, não há unidade de divisão do capital social, sendo a quota, então sinônimo, simplesmente, de parte.

O inciso V diz respeito a uma das duas espécies de contribuição as quais pode o sócio realizar: a contribuição em serviços. Em nenhum outro modelo societário pode haver contribuição apenas em serviços – tanto que o Código Civil não reproduziu a “sociedade de capital e indústria” (na qual havia um sócio capitalista e outro que contribuía somente desenvolvendo a atividade em favor da sociedade) do Código Comercial derrogado. A exceção aberta à sociedade simples justifica-se pela sua vocação em funcionar como prestadora de serviços profissionais.

O administrador da sociedade simples (inciso IV) só pode ser pessoa natural e sócio – nas demais, o administrador pode ser tanto sócio quanto não-sócio, pessoa natural ou

27 Só me diga uma coisa: ainda se fabricava Chevette em 1998?

28 Prefiro não transcrever o que o nosso professor comentou acerca da possibilidade de os sócios serem insolventes, sobre o que se fazia antigamente nessa situação, e o que ele gostaria que fosse feito hoje. Bom, só para constar: as invasões bárbaras ao Império Romano ocorreram no século V...

29 É necessário manter números inteiros.

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jurídica (que, todavia, designará a pessoa natural a lhe representá-la). Por outro lado, pode uma pessoa jurídica ser sócia de uma sociedade simples, desde que não tenha poderes de administração. A OAB, entretanto, veda a presença de pessoas jurídicas como sócias de uma sociedade de advogados (caso contrário, perdem-se os benefícios tributários inerentes à sociedade uniprofissional).

Como se sabe, o capital social serve, entre outras funções, para definir o valor da contribuição em bens dos sócios. Tem outras finalidades também, como fixar, em determinadas sociedades, a responsabilidade subsidiária dos sócios (na sociedade limitada, o sócio responde pela totalidade do capital social, não pela sua parte). A participação no capital social é critério importante em outros dois momentos: a) na definição da participação, de cada sócio, nos resultados da sociedade; b) na definição da participação do acervo societário decorrente da partilha do patrimônio social liquidado, em caso de dissolução da sociedade.

O inciso VII trata do principal direito dos sócios, a participação nos lucros e nas perdas. Se o contrato social for silente, se dará na mesma proporção das contribuições de cada um ao capital social. É possível dispor de maneira diferente, por meio de deliberação com decisão unânime: um sócio que contribuiu com apenas 10% do capital pode participar, se convencionado, com 50% dos resultados (lucros e perdas), em virtude de suas habilidades negociais, de seus contatos ou de seu prestígio. Não se pode, entretanto, participar em proporções diferentes nos lucros e nas perdas, simplesmente não participar quando houver prejuízo ou impedir que um sócio participe nos lucros (sociedades leoninas).

A participação do sócio que contribuiu somente com serviços é calculada conforme a média da dos sócios capitalistas. Por exemplo: havendo três sócios de capital, com participações de 40%, 30% e 30%, o quarto sócio, de serviços, participará com 25%30. Nas extintas sociedades de capital e indústria, era calculada, em contrato silente, com base no sócio capitalista de menor participação.

Por fim, igualmente controverso ao parágrafo primeiro do artigo 994, referente às sociedades em conta de participação, é o inciso VIII do artigo 997. Como os sócios respondem sempre subsidiariamente pelas obrigações da sociedade, não há possibilidade de cogitação do contrário – uma vez que vários dispositivos do Código Civil visam a vedar a inexistência completa de responsabilidade do sócio. Como será possível dispor de maneira diferente, como prevê o inciso? Para Verçosa (2006)31, pode-se trocar a subsidiariedade pela solidariedade entre sócio e sociedade32, sem qualquer benefício de ordem, desde que se convencione expressamente assim.

Otávio Augustus, no entanto, entende de maneira diferente: o sócio poderia elidir a subsidiariedade, mas sem eficácia perante terceiros. Exemplo: em caso de patrimônio insuficiente da sociedade, nasce a responsabilidade subsidiária dos sócios; o credor exige de um deles o valor

30 Não poderia ser com 33,33%, como quer o professor, pois como se encontrariam 133,33% (é videogame, é?) de um capital social? No cálculo correto, as participações dos demais sócios se alterariam, sendo, pois: 30%, 22,5% e 22,5%, gerando a média de 25% do sócio de serviços.

31 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial 2: teoria geral das sociedades; as sociedades em espécie do Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2006.

32 Não se deve esquecer, mais uma vez, de que sempre há solidariedade referente aos sócios entre si.

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total da obrigação (pois há solidariedade entre os sócios, como já explicitado); aquele que pagou a soma na íntegra, e participava com 20% do capital, em vez de buscar os 80% restantes, exigiria dos demais sócios o valor inteiro novamente, já que foi pactuada cláusula que lhe eximia de responsabilidade subsidiária, com eficácia somente entre os sócios. Naturalmente, se o entendimento for esse, é necessário que reste a pelo menos um sócio a subsidiariedade.

5. ALTERAÇÃO DO CONTRATO SOCIAL

Conforme o artigo 999 do Código Civil, exige-se a unanimidade para que seja feita qualquer alteração no contrato da sociedade simples, no que tange aos elementos previstos no art. 997:

Art. 999. As modificações do contrato social, que tenham por objeto matéria indicada no art. 997, dependem do consentimento de todos os sócios; as demais podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unânime. Parágrafo único. Qualquer modificação do contrato social será averbada, cumprindo-se as formalidades previstas no artigo antecedente.

Esse dispositivo cem sendo amplamente criticado pelos estudiosos do Direito Societário por criar um engessamento perigoso para a deliberação das sociedades, podendo prejudicar sua atividade econômica. Isso pode ser, inclusive, instrumento de tentativa de obtenção de vantagem indevida de um sócio em relação a outro; um deles podeia criar uma dificuldade infundada com o intuito apenas de se opor à alteração do contrato e obter algum proveito decorrente de sua aquiescência à modificação contratual.

Por outro lado, o artigo busca, já que regula uma sociedade de pessoas, preservar a minoria em relação à ditadura da maioria, cuja questão não deve ser tratada da mesma maneira que numa sociedade de capital. Nesta, cabe àqueles que representam a maioria do capital social decidir toda e qualquer matéria. Já numa sociedade de pessoas não se pode aplicar essa regra em absoluto, principalmente em função das características das relações entre os sócios. Assim, ao mesmo tempo em que protege as minorias das sociedades simples, cria problemas deliberativos relativamente perigosos ao quadro societário.

É sempre bom lembrar que, havendo abuso de direito, decorrente de uma recusa infundada de um dos sócios em relação à alteração contratual, há possibilidade de recurso ao Poder Judiciário, para obtenção de decisão, mesmo contra a vontade do opositor, que supra a declaração de vontade deste. O exercício desarrazoado de um direito pode configurar abuso, e, portanto, ser vedado pelo ordenamento jurídico. Porém, isso, na questão prática não dissolve o problema: haverá uma autoridade judiciária se imiscuindo num assunto interno da sociedade, podendo ter dificuldade de aquilatar as peculiaridades na relação entre as pessoas no mundo negocial, sobre as quais o juiz não tem condição de realizar uma avaliação adequada. Além de tudo isso, há o lapso temporal – que pode ser de vários anos – entre a proposição da ação e a sua sentença.

6. REGISTRO DO CONTRATO SOCIAL

As sociedades empresárias são registradas na Junta Comercial, uma vez que os atos publicizadores relativos à atividade empresarial são de sua atribuição. Já as sociedades simples são registradas no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, assim como era a antiga sociedade civil, que poderia até mesmo empresária, se prestadora de serviço – o

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registro na Junta Comercial englobava apenas as sociedades comerciais. Como o critério de divisão mudou (é, agora, o exercício da empresa, e não do comércio), isso se refletiu, também, na questão registral.

Há um dispositivo do Código Civil que, até onde Otávio Augustus conhece, vem tendo pouca aplicação prática, o qual estabelece que, se a sociedade simples se revestir de uma das formas das sociedades empresárias33 (especialmente da sociedade limitada), ainda registrará seu ato constitutivo no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas34, mas este deverá obedecer às regras relativas ao registro das atividades empresariais. O professor nunca viu35 diferença de procedimento, nesses cartórios, entre o registro de uma sociedade simples típica e outra revestida de forma empresária.

7. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS

Refere-se, especialmente, às relações dos sócios com terceiros que mantêm contrato com a sociedade. O primeiro ponto a ser discutido é que a responsabilidade do sócio por dívidas da sociedade é sempre subsidiária36, pois só ocorre depois de se verificar a insuficiência do patrimônio social em face das obrigações contraídas37. A depender do caso, essa responsabilidade subsidiária pode ser limitada ou ilimitada38. Entre os sócios considerados em si mesmos, há solidariedade. O artigo 1024 consagra a subsidiariedade mencionada anteriormente: ”os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”.

Sendo ilimitada a responsabilidade, obviamente, não há parâmetro para se defini-la. Se for limitada, a baliza é a participação do sócio no respectivo capital social ou, se o contrato assim o clausular, a totalidade do capital subscrito.

8. CONTRIBUIÇÃO DOS SÓCIOS

Os sócios contribuem para com a sociedade por meio de capital e/ou serviços. Não pode haver, de todos os sócios, somente contribuição em serviços, pois faltariam os meios econômicos para o exercício das atividades societárias. A sociedade simples é a única, no sistema atual do Direito Societário, em que a legislação permite que o sócio contribua somente com serviços, pois é muito utilizada para, por meio dela, serem prestados serviços profissionais (ex.: sociedades uniprofissionais de médicos ou advogados)39.

33 Lembrando que continuará a ser uma sociedade simples, já que a empresarialidade decorre da atividade, e não do modelo societário adotado.

34 Na Bahia, Cartório de Pessoas Jurídicas, Títulos e Documentos (3 em 1); tudo depende da lei de organização judiciária de cada Estado.

35 Quem ousaria duvidar?

36 Pela qüingentésima septuagésima oitava vez Otávio Augustus disse isso. Será que ainda assim eu esqueço?

37 Mas podem os sócios convencionar a responsabilidade solidária entre eles e a sociedade. A subsidiariedade surge no silêncio contratual.

38 Pela última vez: a limitação da responsabilidade diz respeito somente aos sócios, não à sociedade, pois “toda pessoa responde com a totalidade de seu patrimônio para satisfazer toda e qualquer obrigação contraída por ela”.

39 O professor falou que é possível haver sócio simplesmente capitalista numa sociedade uniprofissional. Para Verçosa, todavia, numa sociedade simples, a contribuição em capital deve ser cumulada com serviços, caso contrário esse modelo societário se descaracterizaria. Escolham em quem acreditar.

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9. NATUREZA DA DELIBERAÇÃO DOS SÓCIOS

As deliberações da sociedade simples se dão, conforme a regra geral do Direito Societário, pela maioria do capital social – salvo o disposto no artigo 999, que exige a unanimidade para alteração do contrato social, no que se refere aos incisos do art. 997. Assim, uma sociedade com dez sócios poderá deliberar com a decisão de apenas um sócio, desde que seja majoritário (tenha mais de 50% do capital subscrito).

10. SUBSTITUIÇÃO DAS FUNÇÕES

O sócio que tem suas atividades delimitadas no contrato social, ou num documento apartado, para poder alterar sua atividade ou para se fazer substituir nessas funções, precisa ter a anuência dos demais sócios – mais uma vez, em razão de a sociedade simples ser o arcabouço jurídico de uma sociedade que se dedica a prestar serviços por meio da atividade profissional de seus sócios. Assim, se o contrato (ou outro documento) estabeleceu que o sócio A, numa sociedade de advogados, ficaria responsável pelas causas trabalhistas, e B, pelas tributárias, a alteração ou troca de suas funções demandará a aquiescência dos demais advogados.

11. CESSÃO DAS QUOTAS

Para ocorrer cessão das quotas de qualquer sócio, é necessária a anuência dos demais, tendo em vista o caráter de sociedade de pessoas deste modelo societário, fundado na sua estrutura e na sua finalidade. A doutrina põe em questão a exigência de unanimidade ou de maioria do capital social para a aprovação da mobilidade do quadro social (que deriva da cessão das quotas). Como o artigo 999, que dispõe sobre a unanimidade, refere-se somente ao art. 977, no qual não consta a cessão das quotas, poder-se-ia realizá-la bastando ter a aquiescência dos sócios que compõem a maioria do capital subscrito.

Otávio Augustus tem dúvidas quanto a esse entendimento (na verdade, ele discorda), já que o inciso I do artigo 997 menciona “nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas”. Logo, havendo cessão de quotas, há mudança no quadro social, e, por conseqüência, constitui matéria referente ao art. 997. Para o professor, a cessão de quotas, sem necessidade de aprovação unânime, se ocorresse entre os próprios sócios, até que não iria tão de encontro ao art. 999, mas o inciso IV do art. 997 menciona “a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la”40.

12. INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL

É obrigação do sócio a integralização de sua parte no capital social subscrito. No contrato, os sócios que contribuem com capital se obrigaram a transferir para a sociedade determinada quantia em dinheiro ou em outros bens de igual valor (a ser apreciado pelos demais sócios). É de se observar que nem toda transferência de patrimônio do sócio para a sociedade constitui integralização do capital (pode ser uma doação, por exemplo). Em caso de mora, depois de trinta dias da notificação ao sócio inadimplente, a sociedade tem duas alternativas: excluir o sócio remisso ou acioná-lo judicialmente para que se dê o cumprimento de sua respectiva obrigação. 40 Solução do professor: “é matéria para a jurisprudência decidir”. Poderia ele substituir sua frase por “me inclua fora dessa”.

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13. EXCLUSIVIDADE

Art. 1.006. O sócio, cuja contribuição consista em serviços, não pode, salvo convenção em contrário, empregar-se em atividade estranha à sociedade, sob pena de ser privado de seus lucros e dela excluído.

Refere-se ao sócio cuja contribuição seja somente em serviços. Parte da literatura jurídica afirma que a exclusividade exigida não é absoluta, no sentido de que, se o sócio cumpre regularmente suas obrigações para com a sociedade, por meio de seus serviços, pode se liberar da exigência de exclusividade, só se ensejando a exclusão em caso de inadimplemento. Dessa forma, não haveria impedimento para que o sócio desenvolvesse a mesma atividade econômica de maneira autônoma. Para Otávio Augustus, ainda assim, ferir-se-ia o affectio societatis, pois haveria concorrência entre sociedade e sócio, ensejando a imediata exclusão deste, por descumprimento do contrato – não há como haver comunhão plena de interesses entre concorrentes (em alguns aspectos, por exemplo, a Ford pode ter objetivos comuns aos da Volkswagen, mas não no todo, evidentemente).

De qualquer forma, qualquer sócio está sujeito à exclusão se não cumpriu com as obrigações clausuladas no contrato. Há quem justifique a existência da norma na menção do Código Civil à exclusão do sócio capitalista – que deveria ter um dispositivo correspondente para o sócio que contribui somente com serviços.

No entanto, o professor admite que não deve haver uma exigência absoluta de exclusividade, pois não se pode privar o sócio de desenvolver qualquer outra atividade econômica, ou para que seja sócio de capital de outra sociedade, ou de serviços, se a atividade prestada for diversa. Pode ainda o contrato social autorizar a quebra da exclusividade; por exemplo, uma sociedade de médicos pode autorizar a prestação de serviço de seus sócios em hospitais concorrentes.

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SOCIEDADE SIMPLES (Continuação)

SUMÁRIO: 1. Administração. 1.1. Administrador. 1.1.1. Deveres. 1.1.2. Excesso de poder. 1.1.3. Relações com terceiros. 1.1.4. Responsabilidade do administrador. 1.1.5. Vedação à substituição. 2. Resolução da sociedade em relação a um sócio. 2.1. Exclusão voluntária. 2.2. Exclusão judicial. 2.3. Exceção de pleno direito. 2.4. Apuração da quota. 3. Dissolução. 4. Liquidação.

1. ADMINISTRAÇÃO

Como visto anteriormente, a sociedade simples delibera com os sócios que representam a maioria do capital social. No entanto, nem todas as deliberações se dão dessa forma. Toda sociedade simples tem um órgão de administração, que tem duas funções básicas: interna, de gestão, de dirigir a sociedade, nas esferas de atuação autorizadas pelo contrato social (ou pela deliberação dos demais sócios), referentes às decisões quotidianas da sociedade; e externa, de presentação da sociedade em relação a terceiros – a rigor, o administrador não representa a sociedade, pois a forma mais correta de se observar essa relação é por meio da concepção organicista: a administração como órgão da sociedade. Sendo assim, os atos do administrador são como se fosse a própria sociedade agindo, ainda que por meio de órgão seu – que não é uma terceira pessoa, em relação a terceiros. A representação requer, necessariamente, duas pessoas, representante e representado (re-presentar = fazer-se presente novamente41). Pontes de Miranda criou o termo presentação, pois se refere ao modo pelo qual a pessoa jurídica se faz presente. Assim, o administrador presenta, e não representa a sociedade. É importante absorver esse conceito ao se deparar com algum vício ou defeito nos atos praticados pelo administrador em nome da sociedade: em função daquela natureza jurídica (presentação), pode o ato ser considerado viciado ou não.

O Código Civil, no art. 1.011, em seu parágrafo segundo, estabelece que “aplicam-se à atividade dos administradores, no que couber, as disposições concernentes ao mandato”. No mandato, há a representação; por isso, o Código menciona “no que couber”, pois, aplicada indistintamente a regulação do mandato, ferir-se-ia a concepção organicista da sociedade. Então, à falta de um regramento jurídico completo referente à relação administrador/sociedade, dever-se-á buscar regras e princípios relativos ao mandato para tutelar essa relação jurídica. No entanto, é necessário o cuidado de se observar que a aplicação das normas do mandato à administração se dá em função de analogia prevista em lei, mas com as devidas adaptações, devido à ausência de representação. Afinal, pode haver mandato sem representação42, e representação sem mandato. Quando se entende que o administrador é um órgão da sociedade, não há duplicidade de pessoas43.

41 Otávio Augustus e sua aula de etimologia.

42 Sinceramente, não sei de onde ele tirou isso. Para mim (e para Ana Paola), mandato sem representação é mera prestação de serviço. Se você concorda ou discorda, e-meie para... você sabe o endereço.

43 Pois seria o mesmo que dizer, no caso de pessoa natural, “não fui eu quem assinou esse contrato, foi o meu braço”.

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1.1. Administrador

Pode ser administrador da sociedade simples tanto o sócio como o não-sócio – não há distinção em relação aos poderes conferidos (a extensão dos poderes não guarda relação com a condição de sócio). A diferença: quando o administrador é sócio, e designado para a função no contrato social, seus poderes são irrevogáveis, não cabendo substituição. Sendo o administrador um não-sócio, ou, se sócio, sua designação não constar no contrato social, mas em documento apartado (caso a nomeação tenha ocorrido a posteriori), pode ele ser destituído a qualquer tempo – por decisão da maioria do capital social – ou renunciar aos poderes, sendo permitida, dessa forma, a sua substituição.

Sendo o contrato social silente em relação ao administrador, não havendo qualquer menção a pessoa específica que assumirá a função, todos os sócios terão a atribuição de administrar a sociedade. Cada um deles poderá agir isoladamente. Havendo conflito nas deliberações dos administradores, preponderará aquela aprovada por meio de deliberação dos sócios que representem a maioria do capital social.

O administrador não poderá tomar decisão contrária aos interesses da sociedade. O parágrafo 3º do artigo 1.010 define que “responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma operação interesse contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a aprove graças a seu voto”. O dispositivo não se refere apenas ao administrador, mas a todo sócio que, por meio de seu poder de voto, manifeste interesse contrário ao da sociedade. O direito à indenização só surgirá se houver, de fato, perdas e danos – caso contrário, não há o que se ressarcir. Há que se salientar que, aqui, o interesse é divergente em matéria específica, pois o sócio não pode ter uma situação jurídica ou negocial que o ponha em permanente situação de conflito com os interesses da sociedade – o que ensejaria a quebra do affectio societatis e a conseqüente exclusão do sócio do quadro social; já no primeiro caso, haveria um mero impedimento à participação de deliberação sobre a matéria controversa.

1.1.1. Deveres

É dever do administrador obedecer aos limites designados no contrato social ou no documento em separado que o instituiu. São os limites à prática dos atos necessários ao exercício da atividade vinculada ao objeto social. Assim, o administrador pode praticar qualquer ato em nome da sociedade, desde que necessários ou ligados ao objeto da sociedade, designado em seu contrato social (ex.: comércio de sapatos). A lei exclui, expressamente, como vinculado a esse objeto, em caso de contrato silente, a alienação ou oneração de bens imóveis, devendo tais atos se submeter à deliberação da maioria do capital social – exceto se o objeto social for, de fato, a alienação de imóveis, como numa construtora44, por exemplo. O Código Civil ainda define:

Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.

Poder-se-ia, de acordo com Otávio Augustus, resumir o dispositivo como “agir, nos negócios da empresa, como se estes fossem seus”. Esse é o critério para se saber se o administrador foi ou não leal à sociedade (se fosse em nome próprio, ele praticaria aquele ato?).

44 Imobiliária não vale, já que ela não realiza venda de imóveis, apenas aproxima compradores e vendedores.

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1.1.2. Excesso de poder

Ocorre quando o administrador pratica ato sem respaldo no contrato social – fora do objeto da sociedade ou contrariando, expressamente, cláusula do ato constitutivo que vede a sua prática. Há duas questões:

a) se houver lucro para a sociedade, o administrador não pode pleitear qualquer proveito por conta desse resultado positivo – salvo a remuneração prevista no contrato social, ou a participação nos lucros inerentes à sua condição de sócio. Dessa forma, só receberá a quantia ordinária a que teria direito sem qualquer tipo de acréscimo.

b) se o ato implicar prejuízo, independentemente de qualquer outra circunstância, o administrador responderá, pessoalmente, perante terceiros, e terá que indenizar a sociedade pelas perdas e danos causados.

1.1.3. Relações com terceiros

Nas relações com terceiros, é possível que haja vício da presentação do administrador. No mandato, se os atos forem praticados excedendo os poderes definidos no contrato, o mandante não se vincula ao terceiro envolvido na relação com o mandatário45. No caso do administrador a questão, levando-se em conta a concepção organicista anteriormente mencionada, é se os atos praticados com excesso de poder (atos ultra vires societatis46) vinculariam ou não a sociedade diante de terceiros.

O que se entende hoje – há, inclusive, dispositivo legal expresso – é que vincula a sociedade. É o que se depreende do artigo 1.015 do Código Civil:

Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a one-ração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; II - provando-se que era conhecida do terceiro; III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.

O inciso I trata da limitação dos poderes contida no contrato social (o qual, ao estar devidamente registrado no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas47, torna pública a limitação). Nesse caso, haverá vinculação pessoal e direta entre o administrador e o terceiro.

Quando o administrador age regularmente no exercício de suas funções ele jamais é responsabilizado por esses atos (um empréstimo bancário feito pelo administrador, presentando

45 Porque o terceiro tem o direito de conferir se os atos estavam ou não dentro dos limites dos poderes de representação do mandatário. Era só ler a procuração. Mas pode, também, o mandante se vincular ao terceiro, caso ratifique o ato do mandatário.

46 Se eu não tivesse lido o livro de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, não teria idéia do ruído em latim que saiu da boca do professor.

47 Não paguem o mico de falar em “Junta Comercial”, como o professor fez a aula inteira. Sociedade simples não é empresária.

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a sociedade, não o torna devedor – exceto, como ocorre na prática bancária, se o contrato tornar o administrador responsável pela dívida, das mais variadas formas: co-devedor solidário, fiador, avalista etc.). Nesse caso, o administrador se vincula em razão de outro negócio jurídico (contrato de fiança, assunção de dívida), mas não por conta do ato de presentação.

O inciso II menciona o conhecimento de terceiro da limitação dos poderes do administrador, apesar de não contida no contrato social. Cabe à sociedade provar esse fato, sob pena de responder pelos atos ultra vires societatis.

Já o inciso III trata de “operações evidentemente estranhas as negócios da sociedade”, fora, portanto, de seu objeto social. O texto poderia ser considerado redundante, já que a regra geral estabelece que não cabe ao administrador praticar qualquer ato que não se relacione com o objeto social; no entanto, a expressão “evidentemente” complica o entendimento – quando seria evidente a estranheza da operação? Poderia ser flagrante a dissociação do ato do administrador do objeto social no exemplo de suma sociedade de advogados em que aquele sócio incumbido da gestão compra R$ 40.000,00 em passagens aéreas para a Escandinávia48. Mas, ainda assim, poderia o terceiro entender que era para um congresso, uma feira ou exposição, ligada aos interesses da sociedade49. Haveria, assim, necessidade de prova, no caso concreto, para se averiguar se o terceiro tinha consciência da estranheza do ato do administrador ao objeto social.

1.1.4. Responsabilidade do administrador

Configurando-se o excesso de poder, responderá o administrador, por dolo ou culpa, pois deixou de ser um homem ativo e probo, devendo, então, indenizar a sociedade, caso haja prejuízo – e é necessário que haja, pois nos casos previstos nos incisos do art. 1.015, o administrador é quem responde diante de terceiros, não havendo vinculação da sociedade. Diante de terceiros, portanto, havendo dolo, somente o administrador responde; havendo culpa, responde solidariamente junto à sociedade50.

1.1.5. Vedação à substituição

As normas da sociedade simples vedam a substituição do administrador; este não pode delegar seus poderes a terceiro – se fizer, se responsabilizará pelos atos do mandatário, caso haja prejuízo à sociedade, ainda que não tenha havido culpa. A delegação ocorre quando o administrador celebra contrato de mandato com um terceiro, outorgando-lhe amplos poderes, para que pratique qualquer ato em nome da sociedade.

No entanto, não há vedação para que o administrador celebre um mandato para atos específicos. Assim, nomear-se-á um procurador da sociedade (e não do administrador) para a prática de negócios pontuais. Não haverá substituição da figura do administrador, nem ensejo de responsabilidade deste, ou qualquer tipo de ilegalidade. Se esse procurador exceder seus poderes, conforme as regras do mandato, responderá sozinho diante de terceiros51.

48 Disseram que tá rolando uma micareta massa lá.

49 Ah, então o negócio de micareta era mentira, é? Aí, sacanagem...

50 Isso o professor não falou. Copiei do livro.

51 Havendo simplesmente abuso de poder (descumprimento de instruções específicas – comprar um carro verde em vez de vermelho, se a procuração não mencionar a cor), a sociedade não se desonera da responsabilidade.

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2. RESOLUÇÃO DA SOCIEDADE EM RELAÇÃO A UM SÓCIO

2.1. Exclusão voluntária

O Código Civil trata de maneira especial a extinção do liame da sociedade em relação a um sócio apenas, algo que somente um contrato plurilateral permite. Só o contrato de sociedade pode ser extinto para somente uma das partes – o que não é possível nos demais contratos, como a compra e venda. A finalidade desse regramento é a preservação da empresa, que aqui deve ser traduzida como pessoa52, o empresário, para evitar uma dissolução, ou seja, uma resolução completa.

Sendo o contrato de sociedade celebrado por prazo indeterminado, o sócio pode resolver o seu vínculo contratual por meio da denúncia53. Havendo termo final, não se pode concebê-la, pois deve haver justa causa (quebra do affectio societatis, por exemplo) para que se opere a resolução somente para um dos sócios.

2.2. Exclusão judicial

Ao contrário da sociedade limitada, na qual é possível haver deliberação dos sócios para que um seja excluído contra a sua vontade, na sociedade simples, é necessária a intervenção judicial. Deve a exclusão fundar-se em justa causa ou em incapacidade superveniente do sócio.

Pode ser considerada justa causa a existência de concorrência entre sócio e sociedade, havendo rompimento do affectio societatis. Assim, pode-se intentar ação para que esse sócio seja excluído. Outra possibilidade de exclusão é a incapacidade – superveniente, obviamente, pois, se o sócio era incapaz quando da celebração do contrato, é nulo o vínculo entre ele e a sociedade.

2.3. Exceção de pleno direito

Há situações em que a mera ocorrência de determinado fato previsto em lei, independentemente de pronunciamento judicial, acarretam a extinção do liame societário em relação a um sócio. No entanto, a exclusão não se dá por declaração de vontade, nem do sócio, nem da maioria do capital social. São as hipóteses de falência e de execução da quota54.

52 O professor já falou anteriormente desse princípio, mas levando em consideração o fenômeno econômico que é gerado pela atividade empresarial, o que levaria a crer que ele estava se referindo à empresa enquanto atividade. Agora ele vem e fala que o princípio se refere à preservação do empresário. Eu acho que é isso mesmo, mas não se pode deixar de notar um toque de esquizofrenia aí. Bem, mas falar em preservação da empresa em sociedade simples? Estranho. Mas vá lá...

53 Otávio Augustus, seguindo Pontes de Miranda, difere denúncia de resilição unilateral. A primeira seria a declaração potestativa de vontade que possui o poder de extinguir o contrato por prazo indeterminado. Todo contrato sem termo final traz implícito esse poder, uma vez que não pode haver contrato perpétuo. A lei de locação de imóveis urbanos, de maneira diversa, (Lei n.º 8.245/91) difere a denúncia cheia (motivada) da vazia (desmotivada). Já a resilição estaria sempre condicionada a um fato motivador (uma onerosidade excessiva, por exemplo). Só que a doutrina moderna (Maria Helena Diniz inclusa) também concebe a resilição unilateral injustificada, que equivaleria ao conceito de denúncia de Pontes de Miranda. Como eu odeio autores pré-históricos, jurássicos ou barrocos, prefiro entender assim: resilição unilateral = denúncia. E fim de papo. Certo?

54 Deve-se lembrar que, na sociedade simples, não há fracionamento do capital social em quotas, salvo se estiver estruturada sob o regime jurídico da sociedade limitada. Quota, no texto, foi empregada simplesmente como sinônimo de parte ou quinhão.

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a) execução da quota – ocorre quando o credor particular de um sócio, na inexistência de outros bens do devedor (que só tem a sua parte no capital social), suscita a penhora da quota daquele sócio – caso a penhora dos resultados, o que vem antes, no curso da execução da dívida, não seja suficiente para quitá-la. Esse procedimento não gera o ingresso do credor no quadro social, já que a sociedade simples é uma sociedade de pessoas. O que ocorrerá é a liquidação da quota. Por exemplo, se o devedor participava com 10% do capital social, apura-se o valor do patrimônio líquido da sociedade, e calcula-se o valor dos 10%, aos quais o sócio terá direito, após sua retirada da sociedade. A quantia será transferida para o processo de execução, e irá para o credor até o limite da obrigação, e o capital social será diminuído, salvo se os demais sócios recompuserem o seu valor, ou se outra pessoa ingressar no quadro social.

b) falência do sócio – aqui, a lei se refere à falência do sócio, não da sociedade, pois esta implica a dissolução do contrato, e não a resolução em relação a um sócio. Há uma corrente doutrinária que considera uma impropriedade considerar essa hipótese, já que sócio e sociedade são pessoas juridicamente distintas; como a falência da sociedade acarreta a do sócio, se este fosse sócio de duas sociedades, uma falida e outra não, ocorreria a extinção do seu vínculo com a última automaticamente. Para Otávio Augustus, a discussão é outra: o dispositivo poderia, de certa forma, ser considerado desnecessário. Na falência, ao contrário da execução singular, em que há penhora sobre bens individualmente considerados, no ato de constrição judicial (de submissão do bem à atividade jurisdicional de execução), há execução concursal ou coletiva dos bens do empresário55. Afeta, portanto, todo o patrimônio do falido; o ato de constrição judicial, nesse caso, se chama arrecadação. Como a quota é um bem penhorável, a falência do sócio resultará, necessariamente, na execução da sua quota.

2.4. Apuração da quota

Por qualquer motivo (com ou sem motivação ou justa causa, com ou sem declaração judicial), o sócio, saindo da sociedade, tem o direito de receber o valor apurado na liquidação (a quantia monetária equivalente à sua quota). Se a exclusão se deu por conta de ato do sócio que causou prejuízo à sociedade, pode esta abater do valor da quota a ser entregue o prejuízo causado.

O pagamento deverá ser feito dentro do prazo de noventa dias – se não for fixado outro prazo no contrato social – a serem contados da data da liquidação da quota. O sócio excluído continua a responder subsidiariamente pelas obrigações da sociedade contraídas até então, por período de dois anos da averbação, no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, de seu desligamento do quadro social. Enquanto não houver a averbação, o sócio continuará a responder pelas dívidas da sociedade, inclusive posteriores à sua saída, também pelo prazo de dois anos.

Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.

55 Quando a execução coletiva se refere a um empresário, trata-se de falência. Se o insolvente é um não-empresário, a execução é regulada pelo Código de Processo Civil.

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3. DISSOLUÇÃO

Deve-se compreender a dissolução em seu sentido amplo e em seu sentido estrito. No sentido amplo, é sinônimo extinção da sociedade; no sentido estrito, mais técnico, é a ocorrência do ato ou fato que implica a extinção da sociedade (ex.: advento do termo final, nas sociedades com prazo determinado). A extinção da sociedade não é um ato, é um processo; primeiramente, há a dissolução stricto sensu, depois a liquidação (momento em que se apura o patrimônio líquido, realiza-se o ativo e solve-se o passivo), e, por fim, a partilha do patrimônio líquido entre os sócios, conforme a sua respectiva participação no capital social. Feita a partilha, a sociedade se extingue. São casos que ensejam a dissolução:

a) prazo, nos contratos de sociedade com termo final;

b) deliberação da maioria do capital social, quando não há termo final para o contrato; há, aqui, a presença do princípio da preservação da empresa, em diversos pontos, positivado no Código Civil – pois no direito positivo anterior, o Código Comercial de 1850, um sócio sozinho poderia suscitar a extinção da sociedade. As construções doutrinárias e jurisprudenciais que se sucederam criaram o entendimento que a vontade de um sócio apenas não é justificativa para a dissolução da sociedade, mas somente para extinção do vínculo daquele sócio – preservando-se a “empresa”56, dessa forma. Hoje ainda se diz mais: se a maioria do capital social decidir pela dissolução enquanto um sócio se opuser, e aquela não estiver motivada por fator que inviabilize a existência da sociedade, pode o opositor continuar com a sociedade (com capital reduzido e exclusão dos vínculos dos demais sócios), desde que, em 180 dias, encontre um novo sócio;

c) unicidade social – no caso de sociedade reduzida a um sócio, em que, prazo de 180 dias, não seja recobrada a pluralidade de sócios;

d) extinção da autorização – quando a sociedade, para funcionar, requer autorização do poder estatal (ex.: instituição financeira57), e esta cessa;

e) declaração judicial – decorrente de:

• anulação por vício ou defeito no contrato social; • exaurimento do objeto social; • impossibilidade de consecução do objeto social (por determinação legal, por

exemplo); • outras hipóteses previstas no contrato.

4. LIQUIDAÇÃO

Dissolvida a sociedade, por conta da ocorrência do ato ou fato que implica a extinção, haverá a liquidação. Realiza-se o ativo (transformam-se os bens em meios líquidos de pagamento) e solve-se o passivo; é nomeado um liquidante, sócio ou não-sócio, escolhido pela maioria do capital social, que terá a incumbência de praticar somente os atos necessários a essa finalidade (ex.: vender a mercadoria em estoque). Pode haver necessidade de

56 Empresa? Que empresa? Alguém falou em empresa? Sociedade simples tem a ver com empresa? Não. Beleza!

57 Mas professor, instituição financeira não pode ser sociedade simples...

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intervenção judicial no processo de liquidação (caso um dos sócios não concorde com a nomeação do liquidante ou com os atos por ele praticados, v. g.); está prevista a ação de liquidação no Código de Processo Civil. Realizada a liquidação, cabe ao liquidante realizar a partilha do que sobrar. Depois disso, a sociedade se extingue enquanto pessoa e enquanto contrato.

Não há tempo definido – o processo de liquidação pode durar o tempo que for necessário, desde que não haja dolo ou culpa do liquidante em relação à morosidade. Nesse caso, pode ele ser destituído judicialmente, e, então, ser nomeado outro em seu lugar.

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SOCIEDADE LIMITADA

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico. 4. Diferença entre quota e ação. 5. Regime jurídico. 6. As quotas e o capital. 7. Responsabilidade solidária sobre os bens na integralização. 8. Vedação ao sócio de serviços. 9. Cessão das quotas. 10. Reposição dos lucros distribuídos em prejuízo do capital.

1. INTRODUÇÃO

O estudo da sociedade limitada tem grande importância no Direito Societário, uma vez que esse modelo representa em torno de 90%58 das sociedades constituídas no Brasil. Na prática, pode-se dizer que há somente dois tipos de sociedades empresárias: a limitada (que pode também ser uma sociedade simples submetida ao regramento desta) e a anônima, que possui âmbito mais reduzido. As demais (em nome coletivo, em comandita simples, em comandita por ações) são “raras como cabeça de bacalhau”, mas não é por essa circunstância que o estudo dos demais modelos societários se torna menos importante para se compreender a lógica do Direito Societário; um grande começo para se entender uma sociedade anônima é compreender a estrutura de uma sociedade em nome coletivo ou em comandita simples.

2. CONCEITO

Embora seja motivo de controvérsias a elaboração de um conceito unitário para a sociedade limitada, há uma idéia estruturada a esse respeito para fixar sua noção. Sociedade limitada é aquela que tem o seu capital divido em quotas (unidades)59, e cujos sócios respondem solidariamente pela integralização do capital social. Perante terceiros, o sócio da limitada responde pela totalidade do capital social (ou seja, mesmo aquele que contribua somente com 1% do capital social – R$ 1.000,00, por exemplo –, responderá pelos R$ 100.000,00 do capital subscrito, porque a obrigação, perante terceiros, é solidária. O sócio que paga a dívida na totalidade tem direito de regresso contra os demais, na parte que cabe a cada um, proporcional à participação no capital social).

3. HISTÓRICO

O histórico da sociedade limitada é interessante, pois explica a sua estrutura jurídica atual (a sua tipologia). Antes do surgimento da sociedade limitada, o Direito Societário era constituído (nos países ocidentais, em especial a Europa Continental) por modelos de sociedades em que os sócios tinham responsabilidade ilimitada (a sociedade em nome coletivo); nos tipos previstos em que o sócio podia ter responsabilidade limitada, não lhe era dado o direito de participar da administração ou compor a firma social (a sociedade em comandita simples – sócio comanditado, responsabilidade ilimitada; sócio comanditário, responsabilidade limitada).

Na sociedade em comandita simples, o sócio de responsabilidade ilimitada tem o mesmo regime jurídico do sócio da sociedade em nome coletivo; no caso de sócio de

58 Dados fornecidos pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia Esquizofrênica.

59 Nas demais sociedades, a lei menciona quotas, mas no sentido de parte de cada sócio no capital social.

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responsabilidade limitada, o limite estabelecido é o de sua participação no capital social subscrito (se esta foi de R$ 50.000,00, caso já tenha havido a integralização, não há que se falar em responsabilidade subsidiária, uma vez que já foi cumprida a obrigação). No entanto, a peculiaridade desse modelo, referente à impossibilidade de o sócio de responsabilidade limitada administrar a sociedade e de compor a firma social60, foi o fator motivador da criação da sociedade limitada.

As restrições impostas ao sócio de responsabilidade limitada visam a proteger terceiros em suas relações com a sociedade, a qual, por exemplo, poderia levar o nome de “Otávio Augustus & Antônio Hermínio de Moraes”; em virtude do nome do megabilionário constando na firma social, poderia se conseguir crédito com facilidade; no entanto, ao entrar em falência, os credores, que se tranqüilizaram ao saber que poderiam executar o “sócio mais rico”, descobrem que ele, na verdade, tem responsabilidade limitada. Assim, os atos de exteriorização da sociedade, de composição da firma social, administração e presentação, devem ser realizados somente pelos sócios de responsabilidade ilimitada.

Havia um artigo no Código Comercial derrogado que dizia que, na sociedade em comandita simples, há uma sociedade em nome coletivo para o sócio de responsabilidade ilimitada, e uma sociedade em comandita simples para o de responsabilidade limitada. Criticava-se tal dispositivo, por sugerir que há “duas sociedades numa só”; contudo, o objetivo da norma é explicitar que o sócio de responsabilidade ilimitada tem o mesmo regime jurídico do sócio da sociedade em nome coletivo (possibilidade de figurar na firma social e administrar, além de ter responsabilidade subsidiária ilimitada). O Código Civil em vigor repete o regramento:

Art. 1.046. Aplicam-se à sociedade em comandita simples as normas da sociedade em nome coletivo, no que forem compatíveis com as deste Capítulo. Parágrafo único. Aos comanditados cabem os mesmos direitos e obriga-ções dos sócios da sociedade em nome coletivo.

Só havia esse modelo societário (além da sociedade anônima) como oportunidade de limitar a responsabilidade dos sócios. No entanto, era insuficiente para aqueles que, além de limitar sua responsabilidade, queriam administrar a sociedade. A sociedade anônima, por outro lado, foi tipificada de maneira direcionada ao mercado de capitais, ou seja, por sua lógica, estruturada para dar forma a grandes empresários coletivos. Asquini a definia como uma máquina jurídica que opera arrecadando recursos do mercado – das pessoas interessadas em participar do empreendimento – por meio de oferta pública de subscrição; os recursos obtidos eram, então, canalizados para a atividade produtiva constituída como objeto social. As primeiras sociedades anônimas a surgir estavam ligadas ao comércio marítimo (em especial à Companhia das Índias Ocidentais), quando o financiamento das expedições não mais estava ligado ao investimento da coroa, mas ao capital privado61.

A sociedade anônima era, portanto, inapta a dar roupagem jurídica à pequena ou à média atividade econômica. Sua estrutura é complexa demais (não pela quantidade de 60 Como visto (muito) anteriormente, a firma social é composta pelo patronímico dos sócios – com ou sem elemento pluralizador –, na qual, em tese, todos os sócios podem compô-la.

61 Uma sociedade tem, basicamente, três formas de capitalização (canalização de recursos para o desenvolvimento da atividade produtiva: a) capital próprio, por meio de incorporação de lucros e subscrição dos sócios; b) financiamento bancário, em que há juros e figura-se um credor; c) emissão de ações ao mercado – aqui não se pagam juros, mas resultados, e há parceiros (sócios), em vez de credores.

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sócios, mas em função da mecânica de participação dos sócios, decorrente da subscrição pública do capital62 – havendo investidores que não querem participar da administração da sociedade, às vezes sem qualquer noção do empreendimento realizado – ligada, diretamente à economia popular; demanda-se, então controle, para que haja interesse sólido das pessoas em adquirir ações, mesmo entrando como sócios minoritários63) para uma sociedade de âmbito restrito. Era necessário haver um meio-termo entre a S/A e a sociedade em comandita simples.

Assim, no final do século XIX, nasceu, na Alemanha (espalhando-se, pouco depois, para Portugal, França e demais países europeus, até chegar ao Brasil, em 1919), a sociedade por quotas de responsabilidade limitada, com a estrutura bastante semelhante à adotada hoje no Código Civil – denominada somente como sociedade limitada. É um modelo que serve tanto para a pequena quanto à grande sociedade empresarial (quando esta não tem aquele mecanismo de obtenção de capital por meio do mercado).

4. DIFERENÇA ENTRE QUOTA E AÇÃO

Ambas são unidades nas quais se pode dividir o capital da sociedade. A diferença se dá no plano da circulação; a ação pressupõe esse caráter, por causa do mercado secundário (mercado primário é aquele que se estabelece entre a companhia que emite a ação e o seu primeiro adquirente ou subscritor; o secundário ocorre na transferência de titularidade das ações entre adquirentes originários e novos investidores), que é muito maior que o primário. O mercado secundário, para Otávio Augustus, é a razão de ser do mercado primário – uma vez que as pessoas adquirem ações de uma sociedade anônima por causa de sua liquidez – isto é, da possibilidade de, no momento em que se quiser, desfazer-se delas pelo preço de mercado. Um mercado secundário forte é o sustentáculo do mercado primário – quanto maior for a facilidade de alienação das ações no mercado, mais liquidez elas têm, e mais interesse elas despertam de novos investidores (v. g., as chamadas ações blue chips – Petrobrás, Vale, Banco do Brasil etc.). É a facilidade de circulação que justifica o mecanismo de construção de uma S/A, que tem seu capital divido em ações.

Já a quota, embora possa ser alienada (logo, circula, caso se trate de uma sociedade de capital), a sua circulação é irrelevante para a sua estrutura e para sua lógica; não nasce para circular. A sociedade limitada não faz oferta ao mercado, e em não fazer, não precisa garantir a possibilidade de circulação de suas quotas. A circulação da quota é acidental; da ação é essencial.

Outra diferença é que a ação pode ser representada por um título, possuindo existência física (pois é um título de crédito), ao contrário da quota, que não tem dimensão material. Essa distinção, entretanto, é secundária, uma vez que a existência física é dimensão da circulação – e refere-se ao atributo da incorporação do crédito a um documento,

62 “O mercado de ações é extremamente importante para a economia nacional, e todo país desenvolvido tem no mercado de capitais a principal fonte de financiamento da empresa. Nos países desenvolvidos, as pessoas poupam, e acumulam seu capital para aposentadoria por meio de ações. Assim, toda vez que uma autoridade pública, ao ser interrogada sobre uma queda na bolsa de valores, responder que é resultante de ataque especulativo, fique com raiva, pois esse sujeito está te chamando de burro – afinal, o mercado de capitais é o termômetro da economia nacional”. Fiquei foi com sono...

63 Para Otávio Augustus, a forma mais sadia de financiamento da atividade produtiva é aquela decorrente do mercado de capitais, não devendo ser entendido o mecanismo especulativo, que lhe é inerente, como algo deletério. Nem preciso dizer o horror que me causa esse tipo de afirmação. BLAAAARRGGGHHH! Vomitei.

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propriedade simplesmente operacional, inerente aos títulos de crédito (o documento não prova nem representa o direito; o documento é o direito). A existência física, logo, não é uma diferença significativa entre quota e ação, uma vez que decorre da circulação – sem contar que há ações escriturais, que não têm evidência material, existentes somente no plano da contabilidade da sociedade.

5. REGIME LEGAL

A sociedade limitada está tipificada no Código Civil do artigo 1.052 ao 1.087. Em caso de lacuna em suas normas, ou no contrato social, há aplicação subsidiária nos seguintes aspectos: a) se o contrato for omisso, aplicam-se as normas referentes à estrutura da sociedade simples; b) se o contrato assim o estabelecer, a aplicação subsidiária será das normas da sociedade anônima.

As maiores discussões a respeito do regime legal da sociedade limitada definido no Código Civil são duas:

• a primeira recai sobre a excessiva pormenorização legislativa, não existente no diploma anterior (o Decreto n.º 3.708/1919, que continha apenas 18 artigos, numa estrutura enxuta que possibilitava aos sócios estruturarem sua sociedade com maior liberdade); a sociedade limitada nasceu para servir de modelo jurídico da pequena à grande atividade empresarial. A sua maleabilidade estrutural permitia-lhe dar forma a sociedades de capital, de pessoas, civil ou comercial (na tipologia do Código Comercial derrogado). Hoje, comparando-se as normas do Código Civil com o Decreto n.º 3.708/1919, observa-se um engessamento formal que limita a autonomia da vontade das partes64.

• A segunda refere-se à inversão da subsidiariedade das normas a serem aplicadas em caso de lacunas das normas ou do contrato social. O Decreto n.º 3.708/1919 determinava a aplicação do regramento da sociedade anônima nesses casos, enquanto o Código Civil optou pela aplicação das normas da sociedade simples, exceto quando o contrato dispõe de maneira contrária. Pode-se relacionar a conveniência da aplicação secundária do regime jurídico das sociedades simples se a sociedade limitada for de pessoas (em que se estabelece restrição à cessão das quotas, como anuência dos demais sócios); seria mais indicada, por outro lado, às sociedades de capital, as normas da sociedade anônima.

6. AS QUOTAS E O CAPITAL

As quotas, como já explicitado, são unidades nas quais se divide o capital social. Podem ser iguais e desiguais. A igualdade e a desigualdade têm dupla dimensão. Primeiramente, em função dos direitos que as quotas conferem aos sócios – direitos que podem ser diferentes. Por exemplo, o contrato pode dispor que o determinado sócio, embora contribua com apenas 10% do capital, participe com 90% dos resultados. O que não pode haver é exclusão da participação dos sócios nos resultados, ou diferenças percentuais entre perdas e lucros; a assimetria pura e simples, entre as participações no capital subscrito e nos resultados, é possível.

Há discussão, no âmbito da desigualdade estatuída pelo Código Civil, referida à possibilidade, em seu texto (“o capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio” – art. 1.055), de se conceber a emissão de quotas 64 Ô, chega dar pena...

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preferenciais numa sociedade limitada. Há quem diga que, na medida em que as quotas podem ser diferentes, caberia segregá-las em preferenciais e ordinárias. É uma questão polêmica, na qual, crê Otávio Augustus, se consolidará com a não-admissão da existência de quotas preferenciais – embora a Junta Comercial de São Paulo tenha decidido, nos pareceres de sua Procuradoria, de n.ºs 71/1978 e 137/1978, em favor da admissibilidade, ainda que seja uma decisão meramente administrativa, sem poder de forjar coisa julgada.

A segunda dimensão da desigualdade diz respeito à unicidade da pluralidade das quotas. Podem elas ser iguais ou desiguais não em relação aos sócios, mas individualmente consideradas. Há dois regimes iniciais previstos para as quotas: o de quota única permanente e o de quota única inicial. No primeiro, não há possibilidade de criação de novas quotas em caso de aumento de capital subscrito – as quotas, dessa forma, sofreriam acréscimo de valor; no segundo, as novas quotas não se acresceriam às existentes, sendo, de fato, novas quotas, com o mesmo valor nominal das anteriores. A prática dá preferência à instituição de quota única inicial (em que não há flutuação de valor da unidade) de valor bastante baixo.

Assim como podem ser titulares de um único e determinado bem, várias pessoas podem ser titulares de uma única quota em verdadeira co-propriedade ou condomínio de quotas. Neste caso, além da responsabilidade solidária existente por força do art. 1.056, § 2º, do Código Civil, o exercício dos Direitos de Sócio só podem ser exercidos pelo condômino representante.

Art. 1.056. A quota é indivisível em relação à sociedade, salvo para efeito de transferência, caso em que se observará o disposto no artigo seguinte. § 1º No caso de condomínio de quota, os direitos a ela inerentes somente podem ser exercidos pelo condômino representante, ou pelo inventariante do espólio de sócio falecido. § 2º Sem prejuízo do disposto no art. 1.052, os condôminos de quota indivisa respondem solidariamente pelas prestações necessárias à sua integralização.

7. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA SOBRE OS BENS NA INTEGRALIZAÇÃO

“Quando o capital for em parte representado por bens que os sócios transferiram à sociedade limitada, todos os sócios respondem solidariamente pela exata estimação do seu valor, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade. Nos aumentos de capital com a conferência de bens, entende-se que o prazo de cinco anos, acima referido, deve ser contado da data da averbação da alteração do contrato social”65.

8. VEDAÇÃO AO SÓCIO DE SERVIÇOS

Não pode haver, na sociedade limitada, o ”sócio de indústria”, aquele que contribui somente com serviços, sem subscrever qualquer porcentagem do capital social. Verçosa (2006) sugere como forma de driblar a vedação a aquisição de uma única quota pelo sócio que pretende prestar os serviços. Assim, garante o status de sócio de capital e serviços, já que a lei não prevê a participação mínima de cada sócio no capital social subscrito.

9. CESSÃO DAS QUOTAS

Há duas possibilidades: o contrato pode regular a matéria ou ser silente quanto à cessão de quotas. Clausulando expressamente, pode; a) impedir totalmente a cessão – se um

65 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial: teoria geral das sociedades; as sociedades em espécie do Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2006. v. 2.

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sócio se desligasse, haveria a dissolução da sociedade; b) permitir a cessão somente entre os sócios – se os demais sócios não tivessem interesse, a sociedade se extinguiria; c) estabelecer a preferência dos sócios na cessão – se não se interessarem, pode-se ceder a terceiros, que, a depender do contrato, poderá estar sujeito à anuência dos sócios remanescentes, por maioria ou unanimidade. Pode o contrato, também, ser silente. Nesse caso, não há vedação à cessão total ou parcial das quotas a terceiros. A cessão entre sócios não requer anuência dos demais; se envolver terceiros, é necessário que não haja oposição daqueles que representem mais de um quarto do capital social.

10. REPOSIÇÃO DOS LUCROS DISTRIBUÍDOS EM PREJUÍZO DO CAPITAL

O Código Civil assim dispõe:

Art. 1.059. Os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem com prejuízo do capital.

UM iPODRE QUEBRADO SUGERE COMO ALTERNATIVA COPIAR UM LIVRO DECENTE AQUI

“Ao referir-se a ‘lucros distribuídos com prejuízo do capital social’, o NCC faz implícita referência a lucros absolutamente inexistentes. São fictícios. Os lucros a distribuir devem estar obrigatoriamente evidenciados no balanço levantado pela sociedade; e, se sua distribuição deu-se em prejuízo do capital social, a única conclusão a tirar é que o balanço foi fraudado.

“Também pode ocorrer que o balanço não apresente lucros atuais, mas os sócios, em assembléia, deliberem fazer retiradas a tal título, como antecipação de lucros futuros, em modalidade de adiantamento. Mas, se o balanço apresenta patrimônio líquido negativo, esta operação fere a proibição legal.

“Também não pode a sociedade fazer empréstimos aos sócios, mesmo em situação de folga patrimonial, porque os recursos, porque os recursos dela assim retirados restringirão o capital de giro necessário ao desenvolvimento de suas atividades. Muito pior, ainda, quando tais empréstimos forem realizados à custa do capital social.

“Restringindo-se tão-somente aos efeitos da distribuição de lucros ilícitos ou fictícios (não havendo previsão expressa para as retiradas indevidas), o art. 1.059 do NCC dispõe que, em tais circunstâncias, são solidariamente responsáveis os administradores que praticam tais atos e os sócios que receberam as importâncias correspondentes, desde que conheçam ou devam conhecer a sua ilegitimidade”66.

* *

*

66 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial: teoria geral das sociedades; as sociedades em espécie do Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2006. v. 2. p. 429.

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SOCIEDADE LIMITADA (Continuação)

SUMÁRIO: 1. Responsabilidade dos sócios. 2. Casos especiais de responsabilidade dos sócios. 2.1. Obrigações fiscais. 2.2. Obrigações previdenciárias. 2.3. Obrigações trabalhistas. 2.4. Obrigações relativas ao Direito do Consumidor. 3. Deveres dos sócios. 3.1. Integralização do capital. 3.2. Lealdade. 4. Expulsão da sociedade. 5. Direitos dos sócios. 5.1. Participação nos resultados. 5.1. Participação nos resultados. 5.2. Participação nas deliberações. 5.3. Fiscalização. 5.4. Retirada. 5.5. Preferência. 6. Administração. 6.1. Designação. 6.2. Conselho fiscal. 7. Deliberações. 7.1. Reunião x Assembléia. 7.2. Quorum.

1. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS

Em regra, assim como nas demais sociedades personificadas, só se pode falar em responsabilidade dos sócios por dívidas da sociedade na inexistência de patrimônio suficiente desta para o adimplemento das obrigações – o que vale dizer que a responsabilidade do sócio é sempre subsidiária. Em acontecendo essa responsabilidade dos sócios, pode ela ser limitada ou ilimitada – no caso deste modelo societário, ela é limitada ao total do capital social subscrito, pelo qual respondem solidariamente os sócios, que, posteriormente, entre si, fazem a partilha da responsabilidade assumida perante terceiros de acordo com a sua respectiva participação no capital social.

Dessa forma, uma vez integralizado o capital social, em dinheiro ou em outros bens67, não pode ser imputada aos sócios a responsabilidade subsidiária. Se a sociedade tem um capital de R$ 100.000,00, patrimônio de R$ 1.000.000,00, e passivo de R$ 2.000.000,00, todo o patrimônio social será utilizado na satisfação do passivo68, mas restará, ainda, a quantia de R$ 1.000.000,00 a ser paga. Se o capital já foi integralizado, não haverá qualquer efeito dessa dívida perante os sócios.

Poder-se-ia questionar se essa limitação da responsabilidade (que inviabilizaria a cobrança do milhão restante aos sócios) se configuraria uma fonte de iniqüidades; a resposta é não, uma vez que o limite da responsabilidade dos sócios é público, pois consta no contrato social registrado na Junta Comercial. Se assim não fosse (em caso de ausência de registro), não seria aquela uma sociedade limitada, mas uma sociedade em comum, sem personalidade jurídica, irregular (não há “sociedade limitada irregular”), cujos sócios teriam responsabilidade ilimitada. Como o que se observa numa sociedade limitada regularmente inscrita na Junta Comercial é a publicidade do valor do capital social – que é o limite da responsabilidade dos sócios –, então, supõe-se que qualquer um poderá ter noção dos riscos que corre ao negociar essa sociedade.

67 Os sócios respondem solidariamente pela estimação do valor dos bens que se tornaram objeto da integralização do capital. Assim, se um bem foi transferido à sociedade, a título de integralização de capital, no valor de R$ 10.000,000, esse deve ser o seu valor real, sob pena de se configurar uma integralização fictícia. Assim, devem os sócios garantir que a avaliação do bem corresponda à realidade.

68 Não havendo, nesse caso, limite, pois toda pessoa responde com a totalidade se seu patrimônio para a satisfação de suas obrigações. A responsabilidade limitada é dos sócios.

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Já ocorrida a integralização, ou a sociedade cumpre suas obrigações com recursos próprios, ou, por meio de outro negócio jurídico, os sócios respondem como co-devedores, fiadores ou avalistas, por exemplo. Quando uma sociedade limitada vai buscar financiamento numa instituição financeira, esta, inevitavelmente, pedirá que os administradores daquela sociedade figurem como fiadores ou avalistas daquela dívida. Há, portanto, responsabilidade do sócio por conta de dívida alheia. Não é, pois, aquela responsabilidade subsidiária, porque, aqui, um terceiro (o sócio, que não é nada mais que isso nas relações da sociedade com seus negociantes) assume dívida de outrem, pela qual não era originalmente responsável.

A questão é saber quando, de fato, houve integralização do capital. É a contabilidade da sociedade (além de outros registros documentais) que vai evidenciar esse aspecto. Dessarte, em caso de não haver patrimônio suficiente da sociedade para o adimplemento de uma obrigação, pode o credor, de forma cautelar, exigir a exibição dos livros e da escrituração contábil69 (que pode surgir como produção de provas, incidentalmente, no curso de um processo de conhecimento, ou por meio de uma liminar). Se se provar que houve integralização, os sócios não serão responsabilizados; se não houve, os sócios respondem solidariamente pela parte que faltar.

Há discussão a respeito de a responsabilização do sócio poder se dar na mesma ação movida contra a sociedade, ou se há necessidade de ação autônoma. A jurisprudência se divide. Fazendo-se uma análise de técnica processual, conclui-se que é preciso ação autônoma com aquele escopo.

2. CASOS ESPECIAIS DE RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS

O que foi visto até agora é a regra, porém há situações que podem modificar esse padrão. Tais situações podem decorrer de obrigações fiscais (tributárias), previdenciárias, trabalhistas e ligadas a relações de consumo.

2.1. Obrigações fiscais

Os sócios não respondem pelas obrigações fiscais da sociedade. Em regra, há a aplicação do regime de responsabilidade explicitado anteriormente. Todavia, há um dispositivo no Código Tributário Nacional o qual estabelece que, se o administrador da sociedade (sócio ou não, bem como os procuradores) praticar ato contrário à lei ou ao estatuto (contrato social) responde subsidiariamente – assim como os sócios que participaram da deliberação – pelas obrigações fiscais. Isso não quer dizer, como o Fisco entende, que todo e qualquer inadimplemento de obrigação tributária da sociedade gera responsabilidade subsidiária dos sócios; por exemplo, a sociedade, ao não pagar certo tributo, descumpriria a lei, e, por conseqüência, daria margem à cobrança da dívida em face dos seus sócios. Evidentemente que não se trata disso – se fosse assim, o enunciado legal seria outro: “o sócio responde subsidiariamente, em caso de não pagamento do tributo”.

Só há, portanto, responsabilização dos sócios quando existir ilegalidade que possa ser vinculada ao inadimplemento da obrigação fiscal – ex.: no exercício relativo aos fatos geradores dos tributos, a sociedade distribuiu o lucro (distribuição de lucros fictícios), sem

69 Que, como visto há muito tempo, são considerados provas em favor da sociedade, desde que feitos de maneira regular, e com a apresentação dos livros necessários à Junta Comercial.

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recolhimento de impostos. Dessa forma, a vinculação se estabelece, o que não ocorreria em situações normais.

2.2. Obrigações previdenciárias

As obrigações de natureza previdenciária têm um regime diferente: a lei declara que os administradores da sociedade (seja qual for o modelo societário) respondem solidariamente por elas. Há solidariedade, portanto, por força de lei. Na sociedade anônima, a solidariedade só diz respeito ao acionista controlador (aquele que tem o poder de influenciar as deliberações da sociedade) e aos administradores (sócios) e diretores.

2.3. Obrigações trabalhistas

Ainda para quem diz não haver Direito alternativo, aqui há a prova de que ele existe, de fato. Sem qualquer espécie de respaldo legal, a jurisprudência trabalhista, pacificamente, entende que o sócio da sociedade limitada, administrador ou não, independentemente de qualquer circunstância prevista para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, responde por essas obrigações de maneira subsidiária. Não há dispositivo ou suporte normativo70 o qual expresse que, em se tratando de crédito alimentar (trabalhista ou não), há alteração do regime básico da responsabilidade subsidiária dos sócios. A cobrança não demanda execução autônoma.

É de se observar que o sócio que paga a dívida da sociedade tem o direito de regresso contra os demais, na proporção exata de cada um no capital social subscrito. Se do administrador houver culpa ou dolo (por desídia sua, as obrigações trabalhistas não foram pagas, v. g.) que ensejou a obrigação a ser paga pelos sócios, tem aquele, perante a sociedade e os sócios, o dever de indenizar.

2.4. Obrigações relativas ao Direito do Consumidor

Há um dispositivo do Código de Defesa do Consumidor que estabelece o seguinte:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Há dúvidas se o texto legal se reporta, de fato, à desconsideração da personalidade jurídica ou à responsabilidade de dívida alheia. Aqui, também, a jurisprudência tem dado interpretação mais extensa do que deveria71, na opinião de quem estuda o Direito Societário. Hoje, basta a insuficiência do patrimônio da sociedade para que os sócios sejam responsabilizados, não sendo a exegese correta do dispositivo, pois não se observam os requisitos necessários à desconsideração da personalidade jurídica (confusão patrimonial entre sócio e sociedade, por exemplo).

70 Nem constitucional, para Otávio Augustus. Só não digo que ele é xiita, porque Chi-i-ta é a ma-a-ca-ca do Ta-ar-zan.

71 Lá vem...

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3. DEVERES DOS SÓCIOS

3.1. Integralização do capital

O primeiro e principal dever dos sócios é a integralização do capital social. Se um deles não a realizou, pode ter suas quotas transferidas a terceiros ou ser, simplesmente, excluído do quadro social, com conseqüente redução do capital subscrito da sociedade.

3.2. Lealdade

É a conduta vinculada ao elemento formador do contrato de sociedade, o affectio societatis – uma sintonia entre a atuação do sócio e a natureza do contrato de sociedade, ligada à convergência de objetivos dos sócios. Em especial, se refere à proibição de concorrência do sócio à sociedade.

4. EXPULSÃO DA SOCIEDADE

O sócio minoritário que não cumpre com os seus deveres pode ser expulso da sociedade. Em relação ao sócio remisso (aquele que não integraliza o capital social), as conseqüências já foram mencionadas. Descumprimento de qualquer outro dever também pode ensejar a expulsão do sócio da sociedade. Se houver previsão de exclusão, no contrato social, decorrente de ato do sócio contrato às suas cláusulas, independentemente de medida judicial, pode-se procedê-la, por deliberação da maioria do capital social.

A lei não se reporta ao sócio majoritário, uma vez que, como representa a maioria do capital, só por “autoflagelação” ele poderia ser excluído. O único caminho para o sócio minoritário excluir o sócio majoritário, quando este pratica ato atentatório à lei ou ao contrato social, é a via judicial.

5. DIREITOS DOS SÓCIOS

5.1. Participação nos resultados

É o principal direito dos sócios, inerente à sua condição. A titularidade das quotas (que dá o status de sócio), por si só, tem duas dimensões: uma referente ao direito pessoal de participar dos resultados, deliberações, fiscalização, e outra patrimonial, relativa ao direito de, em caso de dissolução total ou parcial da sociedade, participar da partilha do patrimônio social, na proporção da participação no capital social.

5.2. Participação nas deliberações

A sociedade delibera por meio das deliberações dos sócios, na forma estabelecida no contrato social, e na proporção da participação de cada um no capital social.

5.3. Fiscalização

Todo sócio tem o direito de fiscalizar a conduta dos administradores. Há, inclusive, um enunciado legal que consolidou uma posição objeto de discussão anteriormente; no caso da sociedade limitada, o sócio pode exigir, a qualquer momento, se o contrato social não estabelecer época própria (ex.: trinta dias após o fim do exercício social), acesso à documentação da sociedade. A controvérsia se refaz na questão de a lei ter estendido em demasia esse direito, pois poderia o sócio querer exercê-lo semanalmente, por exemplo.

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Deve-se conceber tal direito dentro da razoabilidade, uma vez que não há direitos absolutos. Não seria concebível o acesso várias vezes ao ano à documentação e escrituração da sociedade sem que haja fatos concretos ou circunstância que o legitime.

5.4. Retirada

Há, também, o direito de se retirar da sociedade quando houver modificação no contrato social. O sócio não pode dissolver parcialmente a sociedade a qualquer momento de forma imotivada. Faz-se, então, um balanço patrimonial referente ao momento da retirada, e, então, o sócio recebe, na forma estabelecida pelo ato constitutivo, o seu percentual do patrimônio líquido da sociedade, conforme sua participação no capital subscrito. Outra forma de o sócio sair da sociedade é alienando suas quotas, mas submetendo-se ao regime estabelecido no contrato social.

5.5. Preferência

É exercida em caso de aumento do capital social, consubstanciando-se no direito que os sócios têm, nesse caso, de subscrição do aumento (na mesma porcentagem da participação individual no capital; sócio participa com 10% do capital tem preferência de subscrição de 10% do aumento previsto). Visa-se, desse modo, a preservar a proporção da participação dos sócios no capital social.

6. ADMINISTRAÇÃO

Pode ser administrador tanto o sócio quanto o não-sócio. Exerce, assim como na sociedade simples, duas funções, gestão e presentação. As responsabilidades, aqui, também são as mesmas: ser fiel ao contrato social, não exceder os seus poderes de presentação (caso contrário, desobedecendo a lei ou o contrato social, se vinculará diretamente ao terceiro envolvido na relação com a sociedade), além de prestar contas.

6.1. Designação

O administrador é designado no próprio contrato social ou em documento apartado. Há diferenças: no primeiro caso, o administrador só pode ser destituído por deliberação de dois terços do capital social; no segundo caso, basta a maioria do capital para suscitar a destituição.

6.2. Conselho fiscal

O Código Civil prevê a possibilidade de a sociedade limitada instituir um conselho fiscal. Antes, a instauração era decorrente da autonomia da vontade, pois o Decreto n.º 3.708/1919 não regulava esse conselho fiscal; hoje a previsão é expressa.

A função do conselho fiscal é fiscalizar, de maneira permanente, as atividades da sociedade. Esse escopo de fiscalização não compete com a prerrogativa dos sócios mencionada anteriormente, embora a ponha noutro contexto.

7. DELIBERAÇÕES

A sociedade limitada, em regra, delibera com a maioria do capital social. Pode a deliberação ocorrer sob forma de reunião ou de assembléia. O contrato social pode optar por

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qualquer das duas, mas se o quadro social for constituído por mais de dez sócios, o Código Civil impõe a deliberação sob forma de assembléia.

7.1. Reunião x Assembléia

A assembléia tem regras de funcionamento definidas no Código (que não podem ser dispostas de maneira diferente no contrato social), em especial no aspecto de publicidade da convocação. Numa sociedade com muitos sócios, há que se garantir que todos tenham ciência da designação da data da deliberação. Já no caso de reunião, o contrato social é soberano para estabelecer tais regras.

Mesmo em se tratando de assembléia como forma definida, por convenção ou por força de lei, pode a sociedade deliberar em reunião, quando todos os sócios estiverem presentes, ou declararem, por escrito, estarem cientes de local, data, hora e ordem do dia. Afinal, institui-se o regime de assembléia para se garantir que todos os sócios tenham a faculdade de participar e ter ciência das deliberações.

Art. 1.072. As deliberações dos sócios, obedecido o disposto no art. 1.010, serão tomadas em reunião ou em assembléia, conforme previsto no contrato social, devendo ser convocadas pelos administradores nos casos previstos em lei ou no contrato. § 1º A deliberação em assembléia será obrigatória se o número dos sócios for superior a dez. § 2º Dispensam-se as formalidades de convocação previstas no § 3º do art. 1.152, quando todos os sócios comparecerem ou se declararem, por escrito, cientes do local, data, hora e ordem do dia.

Art. 1.152. Cabe ao órgão incumbido do registro verificar a regularidade das publicações determinadas em lei, de acordo com o disposto nos parágrafos deste artigo. § 3º O anúncio de convocação da assembléia de sócios será publicado por três vezes, ao menos, devendo mediar, entre a data da primeira inserção e a da realização da assembléia, o prazo mínimo de oito dias, para a primeira convocação, e de cinco dias, para as posteriores.

7.2. Quorum

No regime do Decreto n.º 3.708/1919, o quorum exigido era, sempre, a maioria simples do capital da sociedade (e não a maioria numérica dos sócios). Hoje a situação mudou – e, com isso, muitas críticas se desferem contra o regramento atual, o “engessamento do Código Civil”.

a) Unanimidade

A lei exige unanimidade para a designação de administrador não-sócio, enquanto ainda não for integralizado o capital, e para dissolução da sociedade com prazo determinado.

b) Maioria de três quartos

É exigida em caso de alteração do contrato social, incorporação, fusão, dissolução (em caso de sociedade sem termo final) e cessação do estado de liquidação.

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c) Maioria de dois terços

É necessária para destituição de administrador sócio designado no contrato social, salvo disposição contratual diversa, e designação de administrador não-sócio (depois de integralizado o capital).

d) Maioria absoluta

A lei a exige em caso de designação ou destituição de administrador em documento diverso do contrato social, fixação de remuneração dos administradores, requerimento de recuperação judicial, expulsão extrajudicial do sócio por justa causa (se estiver prevista no contrato; caso contrário, só há expulsão por via judicial).

e) Maioria simples (maioria dos presentes)

É necessária nos demais casos previstos na lei ou no contrato, se este não exigir maioria mais elevada.

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PARTE 2

TÍTULOS DE CRÉDITO

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TÍTULOS DE CRÉDITO TEORIA GERAL

SUMÁRIO: 1. Introdução. 1.1.1. Crédito. 1.1.1. Importância do crédito. 2. A circulação do crédito no direito comum. 3. A circulação do crédito no direito cambiário. 4. Direito positivo. 5. Conceito de título de crédito. 6. Princípios ou atributos essenciais. 6.1. Incorporação ou cartularidade. 6.2. Literalidade. 6.3. Autonomia. 7. Princípios ou atributos eventuais. 7.1. Abstração. 7.2. Independência. 8. Ação cambial.

1. INTRODUÇÃO

É uma parte importantíssima do Direito Privado, a qual não se esgota no desenvolvimento das atividades empresariais. Já se estudou, em certo momento, que há atos empresariais por força de lei – os que, em decorrência de norma cogente, são submetidos ao regime do Direito Empresarial –, entre eles os títulos de crédito. Estes (v.g. cheques), vinculados ou não ao exercício da empresa, serão sempre tutelados por aquele regramento específico. A essa característica reputa-se a importância dos títulos de crédito no Direito Privado como um todo.

1.1. Crédito

Evidentemente, quando se estuda a matéria, a primeira noção a se ter em vista é a do próprio crédito. Tanto na perspectiva econômica quanto na jurídica, crédito é a troca do cumprimento de uma obrigação presente pelo de uma futura. Nessa noção, há dois elementos bastante nítidos:

a) tempo – Entre a concessão do crédito e o pagamento, necessariamente, tem que haver dilação temporal (caso contrário, a concessão não se configura).

b) fidúcia – A motivação para que haja troca de uma obrigação presente por uma futura é a fidúcia, a confiança de que, no futuro, aquela obrigação será honrada.

Assim, dentro do conceito de crédito, há a presença de um elemento temporal, e outro subjetivo.

1.1.1. Importância do crédito

A título de exemplo, se fossem retiradas da economia de um país todas as operações financeiras realizadas a crédito, certamente aquela se reduziria drasticamente. Se todas elas fossem realizadas à vista, não se poderia conceber a existência de instrumentos como valores mobiliários, ações e outros títulos do mercado de capitais; outras operações ainda subsistiriam, por exemplo, a compra e venda com execução instantânea. O mercado de capitais, todavia, está sustentado nas operações creditícias.

Na economia moderna, observa-se, nas operações financeiras a crédito, uma função multiplicadora do capital72. Por exemplo, quando um comerciante vende um televisor a

72 Se eu estava esperando um incentivo para gostar deste assunto, acabei de achar... ZZZZZZZZZZZ (realmente é mais empolgante na TV).

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crédito, ele fica com o direito de receber o valor monetário correspondente; pode ele aguardar o vencimento da dívida ou alienar aquele crédito no mercado – por meio de desconto de uma duplicata ou cessão de crédito – reavendo seu capital e comprando outro televisor. Se suas operações fossem somente à vista, grande parte de seus negócios não aconteceria, pois nem sempre seus clientes têm dinheiro para pagar o valor integral do bem instantaneamente.

O crédito, então, viabiliza negócios que seriam impossíveis sem ele – pois não dependerá o comerciante da disponibilidade de capital de seus clientes em razão da circulação do crédito. O empresário, assim, obtém de volta o valor monetário do bem, descontando a duplicata, e compra novas mercadorias, vendendo-as a crédito; dessa forma, o ato que seria praticado somente uma vez, multiplica várias vezes quando a operação é realizada a crédito e esse, de fato, circula – o que dá dinâmica ao do crédito na economia é sua circulação.

É na circulação do direito creditício que se encontram 95% do Direito Cambiário73 – especialmente na sua diferença em relação ao direito comum (extracambiário). Créditos também circulam no direito comum, por meio da cessão de crédito - a transferência de titularidade do direito creditício proveniente de outro negócio jurídico (contrato de compra e venda ou locação, por exemplo), ou seja, uma alteração na posição do credor. Assim, pode o credor de uma prestação transferir a outrem, a título oneroso ou gratuito, o direito de receber o seu crédito.

2. A CIRCULAÇÃO DO CRÉDITO NO DIREITO COMUM

A cessão de crédito ocorre conforme alguns pressupostos, relativos à sua relação com o documento, a saber:

a) o direito existe sem o documento – o documento não é elemento constitutivo do crédito no direito comum (ex.: contrato oral de locação gera os mesmos direitos e obrigações de um contrato escrito). A relação entre crédito e documento, aqui, se dá no campo da prova, no qual pode-se atestar a existência de um direito por qualquer meio permitido por lei (v.g. testemunhas, perícia, confissão);

b) há transmissão do direito sem o documento – pode tanto o direito ser proveniente de negócio informal (oral) quanto a cessão de crédito dele decorrente;

c) o direito pode ser exigido sem o documento – é característica proveniente dos dois pressupostos anteriores;

d) o cessionário adquire um direito derivado – é a principal diferença em relação ao Direito Cambiário, na qual residem os 95% de seus conceitos. A circulação especial dos títulos de crédito foi idealizada justamente para que não ocorra isto: o cessionário adquira um direito derivado. No direito comum, o cessionário adquire o mesmo direito do cedente, nem mais nem menos – exceto se a cessão for parcial – ou seja, sujeito aos mesmos vícios, limites e exceções que poderiam ser invocadas contra o seu titular originário;

A cessão é uma espécie de novação subjetiva, uma troca de partes na mesma relação jurídica obrigacional74, em que o credor é substituído por um terceiro. Sendo a mesma

73 Direito Cambiário é um sub-ramo do Direito Empresarial voltado para a regulação dos títulos de crédito – ou, mais especificamente, direcionado à criação de um sistema de crédito diferenciado do direito comum.

74 Bom, não queria fazer mais isto, mas vamos lá: o Sr. Otávio Augustus estava se referindo à cessão de crédito como forma de “cessão da posição contratual”. No entanto, quando se cede a posição contratual, vão junto créditos e

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relação, tudo aquilo que o devedor poderia opor ao credor (as exceções – ex.: inadimplemento de obrigação, prescrição, perdão da dívida etc.), pode ser usado, também, em face do cessionário – afinal, o direito adquirido por este é um direito derivado. Assim, se, numa compra e venda de execução diferida, o cessionário do direito ao preço viesse a cobrar o valor do bem, e esse fosse um carro defeituoso, poderia o devedor argüir vícios redibitórios para não realizar o adimplemento de sua prestação. O crédito cedido, pois, tem nome e sobrenome75 – no exemplo, preço.

3. A CIRCULAÇÃO DO CRÉDITO NO DIREITO CAMBIÁRIO

No Direito Cambiário, o crédito é incorporado pelo título, que gera uma relação cambiária entre emitente (devedor) e portador (credor). A peculiaridade reside na “extinção do sobrenome”, pois o crédito não mais se refere a preço ou aluguel, mas simplesmente ao valor monetário do título. Dessa forma, quando o credor transfere seu título de crédito a terceiro, há transmissão de um direito autônomo.

Naquele mesmo exemplo do carro defeituoso, se, por conta do pagamento do preço, o comprador emitiu um título de crédito – passando esse crédito, então, a ser regulado pelo Direito Cambiário –, caso o vendedor transfira o título a um terceiro, terá ele um direito autônomo, independente do negócio jurídico causal que o ensejou. Assim, quando o terceiro vier a cobrar o valor do título ao emitente (o comprador do carro), não poderá este se recusar a pagar a quantia alegando vícios redibitórios do bem ou qualquer outra exceção pessoal, pois, com a circulação do título, o direito nele contido se desprende da relação jurídica que lhe deu causa76.

No entanto, se o título não circulou, há uma superposição entre as relações cambiárias e de direito comum – pois os sujeitos são os mesmos. No exemplo da compra e venda, mesmo que o preço seja pago com um cheque, poderá o comprador opor suas exceções pessoais ao vendedor, desde que o título não tenha circulado. O direito do proprietário do título só se torna autônomo se houver a efetiva circulação.

Dessas premissas, decorrem os fundamentos da circulação do crédito no Direito Cambiário:

a) o direito não existe sem o documento – o título de crédito não prova nem representa o direito, mas o constitui – “o documento é o direito”. Trata-se do princípio da incorporação ou da cartularidade, a ser visto posteriormente. É algo importantíssimo no Direito Cambiário, pois a translação da propriedade do título, por meio da tradição, significa a transferência do direito – podem-se transferir R$ 1.000.000,00 por meio de um simples título ao portador. Assim, o documento é constitutivo, e, para alguns autores, dispositivo77;

débitos. No exemplo do professor, referente a um contrato de compra e venda, a parte vendedora seria a credora, e a compradora, a devedora. Só que há aí duas prestações: um bem a ser alienado e um valor pecuniário correspondente ao preço devido. Ambos, comprador e vendedor, são credores e devedores simultaneamente (pois se trata de contrato bilateral). Haveria cessão, então, se o comprador transferisse a terceiro o direito de receber o bem, ou se o vendedor alienasse o seu direito ao preço, mas sempre tendo em mente se tratar de uma compra e venda a crédito.

75 O professor é realmente péssimo com metáforas.

76 “Isso são os 95% do Direito Cambiário”. Tão fácil que dá medo.

77 Quer saber por que é dispositivo? Não me pergunte!

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b) não há transmissão do direito sem o documento – não há circulação do crédito no Direito Cambiário sem que vá junto o documento que o constitui;

c) o direito não pode ser exigido sem o documento – o rigor é tanto, que não se pode trabalhar sequer com cópias do título, já que quem o possui é o credor;

d) o cessionário adquire um direito autônomo;

Por que a lei submete determinado documento ao regime do Direito Cambiário? Para que a sua circulação se dê de maneira diversa da cessão de crédito do direito comum, ou seja, para que se confira autonomia ao direito do cessionário. Garante-se, por conseqüência, circulação rápida e segura do título. Rápida, porque independe de indagações quanto ao “passado do título” (as sucessivas transferências de titularidade), bastando apenas, para o portador, que quem lhe transferiu o documento cumpra as formalidades necessárias para lhe garantir o pagamento. Segura, porque o adquirente fica a salvo das exceções pessoais que o sujeito da relação jurídica que deu origem ao título poderia lhe opor, sendo os títulos de crédito, então, dotados de maior liquidez, característica que interessa ao mercado de capitais78.

Assim, há títulos de crédito impróprios que só o são porque a lei os definiu dessa forma, ainda que não representem operação de crédito (como os cheques, que são ordens de pagamento à vista, pois se pressupõe a existência de fundos na conta corrente do sacador) ou lhes faltem outros requisitos (ex.: ações).

4. DIREITO POSITIVO

Todo título de crédito possui a sua lei específica. Então, a primeira fonte legislativa a ser consultada, quando duma relação jurídica cambiária, é a lei do seu respectivo título de crédito. Necessitando-se de uma fonte subsidiária, deve-se recorrer à Lei Uniforme de Genebra, uma convenção internacional (uma vez que o caráter cosmopolita do Direito Empresarial demanda regramentos cambiários símiles mundo afora) que regula a letra de câmbio e a nota promissória, além de funcionar como sede de normas gerais do Direito Cambiário. Hoje, há discussão a respeito de sua subsidiariedade, se tal papel foi substituído pelo Código Civil. O art. 903 desse diploma estabelece:

Art. 903. Salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste Código.

No entanto, todo título de crédito possui lei especial que o regulamenta – o que dificulta a compreensão desse artigo. A primeira interpretação que se pode dar é que o dispositivo define que os títulos de crédito não seriam mais numerus clausus79, mas numerus apertus. As partes, fundadas em sua autonomia da vontade, poderiam criar novos títulos de crédito, desde que atendessem aos requisitos legais. Outra interpretação seria a de entender o Código Civil como supridor de lacunas da legislação especial, funcionando, de fato, como fonte subsidiária. A matéria ainda é polêmica: havendo lacuna na lei especial aplicar-se-ia o Código Civil ou a Lei Uniforme de Genebra80?

78 Então não me interessa.

79 Otávio Augustus falou em fim da tipicidade, mas não tem como levar isso a sério, já que ele mesmo falou que os requisitos definidos por lei a serem observados na constituição de um título de crédito (a tipicidade) não podem ser modificados pelas partes.

80 Eu tenho uma solução: Luta de leis na gaiola! Já pensou? Duas leis entram, uma lei sai!

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5. CONCEITO DE TÍTULO DE CRÉDITO

O conceito de Cesare Vivante é um dos poucos, no mundo jurídico, que são aceitos de forma unânime. Foi reproduzido quase ipsis litteris no Código Civil italiano, de 1942, e no Código Civil brasileiro de 2002:

Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.

6. PRINCÍPIOS OU ATRIBUTOS ESSENCIAIS

Observando-se as características mencionadas no conceito anterior, percebe-se que dele decorrem alguns princípios ou atributos, sem os quais um documento não é considerado um título de crédito e regulado pelo Direito Cambiário.

6.1. Incorporação81 ou cartularidade

É atributo que permite que o documento constitua o direito, e não apenas o represente, como ocorre no direito comum – no qual o documento é simplesmente probatório. Há uma vinculação ontológica entre direito e título, posto que não é possível se falar de um sem o outro.

6.2. Literalidade

Os direitos inerentes ao título, expressos em seus termos, devem ser interpretados literalmente. O Direito cambiário possui essa característica em razão de sua finalidade de circulação rápida e segura (conforme explicitado anteriormente). Como as declarações cambiárias são simples, não-solenes, são, também, em contrapartida, estritamente formais e extremamente rigorosas quanto a esse aspecto. Qualquer inscrição indevida no título ou é tida como inexistente ou invalida o documento.

A literalidade, dessa forma, estabelece três regras: a) o título deve ser interpretado ipsis litteris; b) nem mais nem menos: só produz efeito aquilo que está no título ou decorre de norma cogente (ex.: juros de mora); c) podem constar no título somente as declarações previstas em lei – as declarações cambiárias (endosso, aval, aceite, emissão etc.) são atos unilaterais típicos. As leis específicas de cada título prevêem como primeiro requisito, sempre, que, no documento esteja estampado o seu nome82 (letra de câmbio, cheque, duplicata v.g.), como modo de advertir ao emitente que, caso ele resolva adimplir sua obrigação por meio de um título de crédito, estará se submetendo ao regime peculiar e autônomo que impede a oposição de exceções pessoais.

Os requisitos formais, para que dêem eficácia ao documento, necessitam de um suporte material (decorrente do princípio da incorporação), que não precisa ser um modelo pronto, e nem mesmo papel – pode ser confeccionada uma letra de câmbio, no clássico (e tosco) exemplo de Otávio Augustus, a partir do tecido de uma jaqueta de soldado em campo de batalha, na qual estariam as declarações cambiárias escritas com sangue83.

81 Não sabia que Otávio Augustus era espírita...

82 É o que o professor chama de .

83 É um nada higiênico concurso formal entre saque do título e crime de perigo de contágio de moléstia grave.

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6.3. Autonomia

Os atributos anteriores possuem função importante no Direito Cambiário, mas são apenas instrumentais, garantindo meios eficazes de operacionalização das relações jurídicas baseadas em títulos de crédito. Já a autonomia lhes é essencial verdadeiramente, pois é ela quem confere a característica especial do Direito Cambiário84. Manifesta-se em duas formas:

a) pela transferência de direito autônomo por meio da translação da propriedade do título –o direito do cessionário não guarda ligação com o negócio jurídico que gerou o direito do cedente, ou seja, se configura a inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé. Numa relação contratual entre A e B (compra e venda de um carro roubado sem cláusula de exoneração da garantia da evicção85), em não havendo circulação do título emitido por A como pagamento do preço, há coincidência entre os sujeitos da relação cambiária, cabendo aí a exceção de inadimplemento contratual. Porém, se o título circulou (B endossou o documento a C), a situação muda, pois o direito do terceiro adquirente é autônomo. A, assim, não pode opor a exceção que tinha contra a pessoa de B.

a1) É importante ressaltar que a má-fé do adquirente do título quebra a autonomia do direito, igualando sua condição à do proprietário anterior – ou seja, sujeito às mesmas exceções pessoais que este poderia sofrer. A má-fé não se apresenta quando o adquirente do título toma ciência das exceções que o devedor do proprietário anterior poderia opor a este (ou seja, se quem recebeu o cheque diretamente credor do preço do carro roubado sabia dessa circunstância), mas sim quando o terceiro age em detrimento do devedor; é o que ocorre quando a transferência do título é realizada para impedir que o devedor oponha suas exceções pessoais ao credor do título (que, com a circulação, não será mais o credor da relação obrigacional de direito comum, mas o novo proprietário do título)86.

a2) Em caso de o emitente de um cheque, ou o seu endossatário, declarar, no título, que o documento foi transmitido como pagamento de uma obrigação definida (compra e venda de material elétrico, v.g.), nada do que foi escrito afetará terceiros de boa-fé. Logo, quem se recusar a pagar ao credor o valor do título, se o mesmo tiver circulado, não poderá alegar vícios redibitórios por conta de virtual vinculação do título ao contrato87. As declarações cambiais são típicas (princípio da literalidade), e, por conseqüência, o que não está previsto em lei é considerado como não-escrito.

b) pela intangibilidade das nulidades das obrigações cambiárias – as obrigações cambiárias são autônomas; a nulidade de uma não toca, tange ou contamina a outra. Por exemplo, imagine-se uma nota promissória emitida por uma criança de cinco anos de idade –

84 A qual compõe os 95% de seu conteúdo. Já enjoei de ouvir esse número.

85 Ninguém se lembrou disso, mas Paola sim.

86 O nosso querido professor, mais uma vez, em sua visão arcaico-positivista, criticou o STJ em suas decisões de declarar a nulidade do título quando a relação de direito comum também é nula. Segundo Otávio Barroco Augustus, que lê a Revista de Direito Mercantil como se fosse uma Bíblia, há uma má aplicação do Direito Cambiário no Brasil, pois aquela interpretação deveria se fundar em norma específica – “quer dizer, então, que o mundo está errado e o STJ é que está certo?”. Nem ouse falar em interpretação principiológica, postulado da proporcionalidade ou qualquer ou elemento de Direito Constitucional que possa ser invocado para justificar a jurisprudência, pois a modernidade ainda não chegou ao Direito Comercial – quer dizer, só por meio de iPhones, EEPCs, e outras babaquices eletrônicas. E Marinoni chora...

87 Quer dizer, poder pode, mas, na tirada sensacional de Wilma, “só pra desabafar”.

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alfabetizada precocemente – a Pedro. Este, capaz, endossa a nota a Manoel. Na data de vencimento do título, Manoel não pode cobrar do emitente (como ocorre normalmente, pois as obrigações se superpõem; o surgimento de um novo obrigado não desconstitui o anterior, ou seja, quanto maior a circulação, mais obrigados se formam em cadeia88), porém Pedro continuará devedor da quantia correspondente à nota, não podendo alegar nulidade do título em função da incapacidade do emitente. A nulidade da obrigação de qualquer sujeito da cadeia de regresso89 não contamina as demais, caso contrário, o entrave à circulação seria enorme: Manoel, para aceitar a nota teria que investigar se o emitente ou os sucessivos endossantes cumpriram os requisitos legais para a transferência do crédito.

7. PRINCÍPIOS OU ATRIBUTOS EVENTUAIS

Há dois outros princípios ou atributos referentes aos títulos de crédito considerados eventuais: a abstração e a independência; estão presentes em alguns, porém não em todos eles.

7.1. Abstração

Todo título é emitido em função de uma relação jurídica subjacente (ainda que seja um contrato de doação), mas há alguns que são abstratos, os quais seu regime jurídico ignora a relação jurídica pela qual foram emitidos. São exemplos a nota promissória e a letra de câmbio. São títulos que independem da relação de direito comum, que em nada altera o regramento jurídico do documento enquanto título de crédito.

Há outros, todavia, que pressupõem determinada causa, e só podem ser emitidos em razão de determinada relação jurídica fundamental. A duplicata é um exemplo de título causal, pois deriva, necessariamente, de um contrato de compra e venda mercantil ou um contrato de prestação de serviço. Somente empresários que realizem tais negócios podem fazer representar os seus créditos por meio de saque de duplicatas. Outros exemplos: títulos de crédito rural também tem como causa fundante uma operação de financiamento rural; conhecimento de depósito, um contrato de depósito. Entretanto, o caráter causal desses títulos jamais interfere na relação cambiária, pois não elide a autonomia, atributo essencial.

7.2. Independência

Não se deve confundir este atributo com a independência das obrigações cambiárias (ou intangibilidade das nulidades das obrigações cambiárias). O termo independência, aqui, se refere à desnecessidade de qualquer outro documento para que o proprietário do título exerça seu direito. Há, como exceção, títulos dependentes: títulos de crédito rural precisam de documentos apartados (cronogramas de aplicação, orçamentos, entre outros); duplicata não aceita – sem assinatura do sacado – depende da prova da entrega da mercadoria.

8. AÇÃO CAMBIAL

É uma ação que tem como escopo o exercício de um direito proveniente de uma relação cambiária, com as características supra mencionadas. Toda ação baseada em título de crédito enquanto tal é uma ação cambial. Não o é se o título, por exemplo, sofreu prescrição, servindo apenas como documento probatório no direito comum.

88 Tão contagioso quanto a gripe do frango.

89 Essa cadeia forma uma solidariedade cambial, pois pode o proprietário do título exigir o pagamento de seu valor de qualquer um dos sujeitos que lhe sejam anteriores na cadeia de regresso (o emitente é cachorro morto...).

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É importante diferir processo de execução da ação cambial, pois nem toda ação de execução tem como pressuposto um título de crédito (pode ser um contrato ou um título judicial), e nem toda ação cambial é de execução. É bem verdade que títulos de crédito são, conforme o artigo 585 do Código de Processo Civil, considerados títulos executivos, e, em regra, toda ação que visa a exercer um direito cambiário é execução. Por outro lado, há ações de conhecimento consideradas cambiais; em relação a cheques, uma vez prescrita a pretensão executiva (em seis meses), a lei assegura um prazo de até dois anos para que o portador exerça o direito do título – direito do cheque enquanto título de crédito; logo haverá uma ação cambial de conhecimento que enseja uma sumarização horizontal da cognição. Retira-se da apreciação judicial aquilo que não diga respeito ao atual titular do direito e ao devedor – nada que se refira a outras pessoas ou ao negócio jurídico que gerou o título tem relevância. Assim, não se pode discutir a capacidade do emitente do título no curso dessa ação; porém o mesmo não se pode dizer quanto ao endossante (o devedor), em relação ao mesmo aspecto.

* *

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DIREITO COMERCIAL II Aula n.º 11

19 de abril de 2008

CLASSIFICAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO

SUMÁRIO: 1. Quanto à natureza do direito contido. 1.1. Títulos de legitimação e de participação. 2. Quanto à relação jurídica fundamental. 3. Quanto à forma de circulação. 4. Quanto à prestação. 5. Quanto ao prazo. 6. Quanto ao emitente. 7. Quanto ao campo de atuação (ratio usus). 8. Quanto ao modelo ou suporte material. 9. Quanto à estrutura ou declaração de criação.

1. QUANTO À NATUREZA DO DIREITO CONTIDO

a) próprios – são títulos de crédito em essência, ou seja, representam a troca de uma obrigação presente por uma futura, e têm aquelas características inerentes ao Direito Cambiário (incorporação, literalidade e autonomia). Ex.: letra de câmbio, nota promissória.

b) impróprios – embora estabeleçam um direito ao seu titular, não configuram uma operação de crédito (baseada em dilação temporal e fidúcia). No entanto, por opção legislativa, visando a garantir liquidez e circulação segura, foram submetidos ao regime do Direito Cambiário90. São títulos cambiariformes, formalmente tratados como títulos de crédito. Como grande exemplo, há o cheque, que é meio de pagamento à vista91, e não uma operação de crédito.

Poder-se-ia argüir que há emissão de notas promissórias à vista, e nem por isso se descaracterizam como títulos de crédito próprios. No entanto, tal fato é acidental, uma exceção – todo título próprio pode ou não ser à vista, mas o cheque o é por natureza; o valor de um cheque pré-datado pode ser exigido do banco antes mesmo da data estabelecida, sob pena de se infligirem, em caso de recusa da instituição financeira, sanções administrativas provenientes do Banco Central. Não se quer dizer que não existam, de fato, cheques pré-datados, mas, enquanto dotados de dilação temporal, somente possuem efeito perante o direito comum. Para o Direito Cambiário, cheque sempre é ordem de pagamento à vista.

Isso não impede que haja um contrato o qual estabeleça que o cheque deva ser apresentado somente em determinada data. Descumprindo-se essa cláusula (exigindo-se o pagamento antes da data combinada), há ilícito contratual que, se causar dano, gerará o dever de indenizar. Contudo, não poderá o emitente alegar esse fato como defesa contra terceiro de boa-fé92.

1.1. Títulos de legitimação e de participação

Alguns autores incluem essa classificação dentro dos títulos impróprios, outros o fazem separadamente.

90 O termo cambial pode se referir a um título de crédito específico, a letra de câmbio, que deu origem a toda a teoria do Direito Cambiário, ou, em sentido amplo, a qualquer título, em especial os próprios.

91 Em outras palavras, tem sua exigibilidade quando apresentado, visto, ou seja, à vista.

92 Otávio Augustus, nesse ponto, fez uma rápida incursão pelo Direito Penal (risos), para falar que, em caso de cheque pré-datado, há construções jurisprudenciais e doutrinárias que desconfiguram o estelionato (pois emitir um cheque sem previsão imediata de fundos seria incorrer no tipo objetivo do crime; o cheque pressupõe uma relação jurídica necessária entre sacador e sacado, que é o contrato de conta corrente). Mas, se o bem jurídico é disponível, precisa fazer tanto drama pra se conceber um cheque pré-datado?

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19 de abril de 2008

OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

a) Títulos e documentos de legitimação – como o próprio nome diz, legitimam o seu titular ao exercício de um direito, não representando qualquer operação de crédito. Alguns não são títulos de crédito, pois não foram incluídos por lei no regime do Direito Cambiário. Senhas de atendimento do INSS são documentos de legitimação (pois garantem a quem as porta o direito de ser atendido conforme a ordem), mas, obviamente, não são títulos de crédito. Já um bilhete de passagem aérea é um título de legitimação93.

b) Títulos de participação – são aqueles que dão ao seu proprietário o direito de figurar em determinada situação jurídica, conferindo-lhe um status peculiar. O grande exemplo disso são as ações, que, por meio delas, se participa da sociedade estatutária, pois é a propriedade delas que confere o status de sócio a alguém, bem como os direitos de participação daí decorrentes. As ações são reguladas pelo Direito Cambiário para que lhes seja assegurada a liquidez que o mercado de capitais demanda.

2. QUANTO À RELAÇÃO JURÍDICA FUNDAMENTAL

Esta classificação refere-se ao vínculo do título com a relação jurídica de direito comum que lhe deu causa.

a) causais – têm, necessariamente, uma causa determinada quando de sua criação. Ex.: a duplicata só pode nascer em face de contratos de compra e venda mercantil ou de prestação de serviço, desde que realizados por empresários; o conhecimento de depósito (documento que incorpora a mercadoria depositada94) somente existe em função de um contrato de depósito.

b) abstratos – são aqueles cujo regime jurídico não pressupõe uma relação jurídica determinada, ou seja, possuem abstração completa quanto à causa fundante – que não produz qualquer efeito no Direito Cambiário. Ex.: letra de câmbio e nota promissória podem advir de qualquer relação jurídica, que é abstraída quando da circulação dos documentos.

3. QUANTO À FORMA DE CIRCULAÇÃO

a) nominativos – o nome do titular está contido no documento, não circulando pelo regime do endosso, mas pela cessão (direito comum). Como exemplo, há as ações nominativas, cuja transferência se dá com o devido registro no livro de transferência das ações nominativas de uma sociedade anônima – um dos livros obrigatórios desse modelo societário.

b) à ordem – são títulos que nascem nominativos, mas circulam mediante endosso. Deve ser pago, então, a quem tem o seu nome estampado no título ou a quem ele ordenar, expressamente, no documento95. Tal ordem é o endosso, que implica a transferência do título. Alguns autores preferem incluir os títulos à ordem como subclasse dos títulos nominativos.

93 Bom, era assim, segundo o professor, há quinze anos, pois, com as mudanças promovidas pela ANAC, as passagens aéreas (hoje nominativas) se afastaram muito da principiologia cambiária.

94 Para o Direito Cambiário, é como se o documento contivesse a mercadoria estocada, permitindo a modalidade de compra e venda sobre documentos. Depois de emitido o conhecimento de depósito, a mercadoria não pode ser penhorada, pois, juridicamente falando, ela já está contida no título. Este sim pode sofrer constrição judicial.

95 É possível, também, se estabelecer, no título nominativo, que ele não poderá se tornar um título à ordem (ou seja, transferido conforme as regras cambiárias), estampando-se em seu anverso “proibido endosso”.

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DIREITO COMERCIAL II Aula n.º 11

19 de abril de 2008

c) ao portador – não possuem um titular identificado no documento. Circulam mediante a tradição do título; proprietário, assim, é aquele que porta o título.

Há, no Brasil, determinação legal que extingue os títulos ao portador. Só podem ser exigidos aqueles que sejam nominativos ou à ordem. Cheques têm que ser, necessariamente, nominativos quanto emitidos a partir de determinado valor. Nada impede, porém, que esse cheque circule ao portador; mas este, quando for exigir o pagamento, deverá pôr o seu nome no título, atentando-se aos requisitos legais – boa parte destes, aliás, só precisa ser obedecida quando da apresentação do documento.

4. QUANTO À PRESTAÇÃO

a) em dinheiro – são os títulos cuja prestação do devedor é pecuniária. Compreendem a maioria dos títulos de crédito (v.g. letra de câmbio, cheque, duplicata etc.).

b) em mercadorias ou serviços – a prestação se dá por meio de outros bens que não dinheiro. É o caso do conhecimento de depósito (cuja prestação é a mercadoria depositada) e o bilhete de passagem (cuja prestação é um serviço, o transporte).

5. QUANTO AO PRAZO

a) à vista – não pressupõem operação de crédito propriamente dita, pois são meio de pagamento instantâneo. É assim com o cheque, por natureza, ou com outros títulos (ex.: letra de câmbio) de forma acidental.

b) a prazo – são todos os demais títulos de crédito (em especial, os próprios).

6. QUANTO AO EMITENTE

a) públicos – títulos emitidos por pessoas jurídicas de direito público.

b) privados – títulos emitidos por pessoas naturais ou pessoas jurídicas de direito privado.

7. QUANTO AO CAMPO DE ATUAÇÃO (RATIO USUS)

a) títulos relativos ao mercado de capitais – valores mobiliários, cujo grande exemplo é a ação; há também outros títulos emitidos pelas sociedades anônimas, debêntures, contratos de investimento, entre outros.

b) títulos extramercado – todos os demais títulos de crédito.

8. QUANTO AO MODELO OU SUPORTE MATERIAL

a) vinculados – exigem modelos pré-estabelecidos. Há títulos vinculados relativos (que a lei determina o modelo, mas podem ser confeccionados pelo emitente – ex.: duplicata) e absolutos (os quais, além de ter modelo definido em lei, o emitente não pode fabricá-lo – ex.: cheque, que é produzido e numerado pelo banco).

b) de forma livre – títulos que podem ter qualquer forma ou suporte material, desde que atendidos os requisitos para que sejam considerados como determinada espécie de título de

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19 de abril de 2008

OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

crédito96. Ex.: nota promissória esculpida numa tábua ou numa jaqueta rasgada de um soldado ferido no front97.

9. QUANTO À ESTRUTURA OU DECLARAÇÃO DE CRIAÇÃO

a) promissórios98 – a declaração cambial criadora do título é uma promessa de pagamento (ex.: nota promissória).

b) ordinatórios – a declaração cambial do emitente é uma ordem de pagamento (ex.: letra de câmbio, cheque).

* *

*

96 Daí surge uma discussão que Otávio Augustus intitula como “uma das mais interessantes de todo o direito privado”, que é a conjugação dos títulos de crédito à informatização e “despapelização” do mundo moderno. O Direito Cambiário acabará, pois se perderão os requisitos da literalidade e da cartularidade, ou se adequará aos novos tempos? O professor entende que os dois requisitos mencionados são apenas operacionais, podendo ser deixados de lado; essencial, mesmo, só a autonomia. Já há alguns títulos, como conhecimento de cédula bancária, aos quais a lei já prevê um sistema de endosso eletrônico.

97 Esse exemplo me enoja.

98 O professor não falou em promissórios e ordinatórios, mas que adjetivos seriam os corretos?

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DIREITO COMERCIAL II Aula n.º 12

25 de abril de 2008

LETRA DE CÂMBIO

SUMÁRIO: 1. Evolução histórica. 2. Períodos. 2.1. Período italiano. 2.2. Período francês. 2.1. Período alemão.

Depois de explicitada a sua teoria geral, iniciar-se-á o estudo dos títulos de crédito em espécie, começando pela letra de câmbio. Foi esta o primeiro título a surgir, a qual deu origem ao Direito Cambiário. É estudada em primeiro lugar, também, por seu diploma regulador ser a Lei Uniforme de Genebra (assim como ela o é em relação à nota promissória), que funciona como fonte subsidiária das normas do Direito Cambiário99. Assim, dentro do estudo da letra de câmbio, serão abordadas as declarações cambiais comuns a outros títulos – afinal, a letra de câmbio comporta, em regra, um número maior de declarações que os demais títulos.

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

O surgimento da letra de câmbio se deu em momento histórico próximo ao do surgimento do Direito Comercial, bem como de vários de seus institutos – contrato de sociedade, por exemplo. Isso ocorreu, aproximadamente, entre os séculos XI e XII, quando houve, na Europa, a retomada da urbanização e do comércio – ultrapassando a fase em que o continente europeu se tornou “terra de ninguém”, logo após a queda do Império Romano. Quando esta veio a ocorrer, não houve substituição imediata por qualquer outra estrutura social similar. Dessarte, a partir do processo de reinstitucionalização da Europa, sobreveio a retomada do comércio – pois este demanda um arcabouço institucional que lhe dê segurança (militar, civil e jurídica), que não era proporcionada pelo sistema feudal.

Passam a se consolidar as primeiras fontes normativas das operações comerciais, formadas em cada praça, por meio de usos e costumes; uma prática, em especial, se manifesta institucional e normativamente, e vem, por conseqüência, a gerar a letra de câmbio: a transferência do dinheiro no espaço100. A letra de câmbio implicava uma troca de moeda e seu deslocamento – o câmbio trajectício. Na época, o comércio ocorria em feiras itinerantes; a mobilidade das praças comerciais demandava, com ela, o traslado do capital dos negociantes, que podia se dar fisicamente (correndo-se o risco de se sofrer um assalto no trajeto, devido à insegurança, ou de não se realizarem os negócios devido à diversidade de moedas correntes de feira para feira) ou de maneira ficta.

Essa última forma se operacionalizava da seguinte maneira: uma pessoa entregava dinheiro a alguém, em determinada praça, para receber, noutro lugar, a mesma quantia em outra moeda. Realizava-se, simultaneamente, um contrato de câmbio (pois havia a troca de moeda) e o transporte dos valores, sem que houvesse necessidade de seu deslocamento físico. Vários documentos, em determinado momento e local, veiculavam essa operação, numa espécie de compensação entre os comerciantes. No fim da feira101, os comerciantes compensavam as ordens

99 Devendo-se lembrar, todavia, da concorrência existente hoje com o Código Civil, que também deveria exercer esse papel. A luta de leis na gaiola ainda não está totalmente descartada.

100 Sem necessidade de um robozinho da NASA.

101 “Fim de feira” era uma música dos ancestrais de Adryana e a Rapaziada.

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de pagamento emitidas reciprocamente. O saldo de um deles poderia ser pactuado de forma a ser transportado para a próxima feira, mantendo-se o crédito existente.

Tal prática foi se afunilando de modo que, por diversas razões, passou a se restringir ao seguinte mecanismo: a emissão de dois documentos para representar a operação – a cautio e a lettera. A cautio representava a obrigação do banqueiro ou comerciante que recebeu determinada importância em determinado local e se comprometeu a entregar quantia certa e equivalente, noutra moeda e em outro local – ou seja, instrumentalizava o câmbio trajectício. Ex.: A entrega mil ducados a B, em Veneza, e B se compromete a dar mil e seiscentos dobrões (conforme a cotação da época) a A em Milão102. Há o câmbio e o transporte de valores. A lettera (que vem de letra=carta) representava uma ordem do banqueiro B, em Veneza, ao seu sócio ou empregado em Milão, para que a obrigação contida na cautio seja adimplida. B, então, não precisava se deslocar de Veneza para pagar seus dobrões a A, bastando emitir a ordem a alguém com o qual possuísse um vínculo que autorizasse a entrega da quantia em moeda, mediante o recebimento da lettera.

Esse mecanismo, com o tempo, caiu em desuso103. Aquele documento em que alguém expede a ordem para entrega da moeda, a lettera, passou a representar, também, a obrigação – ou seja, a cautio se tornou inútil. Afinal, se uma pessoa expede uma ordem para que se entregue dinheiro a outrem, é porque aquela tem uma prestação a ser cumprida. A lettera, logo, concentra a instrumentalização da obrigação e a ordem de pagamento. Em torno desse fenômeno é que surge a letra de câmbio de maneira semelhante ao que é hoje (uma ordem para a entrega de quantia monetária).

2. PERÍODOS

Para a compreensão da lógica da letra de câmbio, costumam-se estudar os períodos pelos quais esse título se desenvolveu até chegar ao regramento moderno. São três: italiano, francês e alemão.

2.1. Período italiano

O que caracteriza o período italiano é a vinculação necessária entre a letra de câmbio e o negócio jurídico que a ensejou. A lettera era, portanto, um meio de se representar uma obrigação oriunda de contrato de câmbio e um documento pelo qual o devedor desse contrato cumpria sua obrigação – por meio de um terceiro, chamado sacado. A letra possui três sujeitos originários e necessários: o sacador – aquele que dá a ordem de pagamento; o sacado – o destinatário da ordem; e o tomador – o beneficiário da ordem. São originários, pois estão presentes na origem do título, e não como figuras eventuais e sucessivas (ex.: endossante, avalista e aceitante – surgem posteriormente à criação do título); e são necessários, porque não há letra de câmbio sem os três sujeitos. A letra de câmbio, no período italiano, só era sacada para adimplemento de contrato de câmbio.

2.2. Período francês

No período francês, a letra de câmbio deixa de ter vinculação necessária com o contrato de câmbio (podendo advir de outros contratos), mas continua a ter relação com o

102 E mais dois ingressos pra ver o jogo da Internazionale contra o Milan.

103 Assim como anotações de aulas de Direito Comercial II em caderno.

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DIREITO COMERCIAL II Aula n.º 12

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negócio jurídico causal, seja ele qual for104. A letra de câmbio, assim, pressupõe uma relação jurídica entre sacador e sacado pela qual este acatará a ordem daquele – da mesma forma que o cheque pressupõe um contrato de conta corrente entre o emitente e o banco (e é por conta dele que o banco pagará o cheque).

A letra, todavia, continuava sendo um meio de pagamento, pois tinha como pressuposto necessário o acatamento do sacado à ordem do sacador. Era decorrente de uma relação jurídica anterior (compra e venda, prestação de serviço, câmbio etc.), e dependia da existência de uma obrigação do sacado para com o sacador.

2.3. Período alemão

É no período alemão que se consolida o princípio da abstração, e o Direito Cambiário se forma nos moldes da principiologia que existe hoje. A abstração se manifesta pela inexistência de vinculação entre a relação jurídica sacador/sacado e o título; pode a relação até existir, como na maioria das vezes há, mas esse fato é indiferente ao Direito Cambiário – isto é, não interfere no regime jurídico da letra de câmbio.

Na letra de câmbio, o saque é, diretamente, uma ordem, e, indiretamente, uma promessa de pagamento – e é essa a razão por que o tomador aceita o título (pois pode o sacado não pagar, já que não é obrigado por lei a fazer isso, e não se pressupõe a existência de relação entre ele e o sacador). Não há obrigação do sacado por dois motivos: a) o princípio da abstração e b) inexistência de fonte de obrigação (lei, ato ilícito ou declaração de vontade); não há declaração cambial alguma do sacado presente na letra de câmbio quando de sua criação. A letra, então, é apresentada ao sacado, geralmente, antes do vencimento, para que o destinatário da ordem decida se irá ou não aceitá-la. Em havendo assinatura sua no anverso do título, estabelece-se a declaração cambial do aceite; o sacado passa a ser, por conta da declaração no título105, o aceitante, obrigado direto em face do tomador. Simplesmente contra o sacado, não há pretensão alguma em face dele com base no título (embora possa haver, no âmbito do direito comum, com base num contrato, por exemplo106). Para o Direito Cambiário, se o sacado pagou (cumpriu a ordem), o título morreu, mas não interessam nem influem nas obrigações cambiais as mil e uma razões possíveis pelas quais se aceitou a letra.

* *

*

104 Ouviu, Ronaldo?

105 Repetindo: “NO TÍ-TO-LO! Toda declaração cambial deve ser realizada NO TÍ-TO-LO!”.

106 Há, também, conforme os conhecimentos otávio-augústicos, contratos entre bancos para aceites recíprocos de letras de câmbio; depois, faz-se a compensação entre eles – mas tudo isso não interfere no título.

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LETRA DE CÂMBIO: REQUISITOS

SUMÁRIO: 1. Formalismo cambial. 2. A letra de câmbio no brasil. 3. Requisitos em espécie.

1. FORMALISMO CAMBIAL

Para que um suporte material qualquer107 seja considerado uma letra de câmbio, e regulado pelo Direito Cambiário, há que se atender a alguns requisitos, decorrentes do formalismo cambial. O ordenamento jurídico relativo aos títulos de crédito é avesso a exigências de solenidade (para que a circulação seja rápida e segura108), definindo regras simples e em número limitado para as declarações cambiais. São poucas as regras, mas devem ser obedecidas com rigor – qualquer vício ou falta de um dos requisitos essenciais suscitará a invalidade ou a ineficácia do título, embora haja requisitos eventuais, aos quais a lei admite supressão.

Pode um título ser emitido sem que todos os seus elementos estejam presentes, por exemplo, uma nota promissória simplesmente assinada, mas sem o valor definido. Trata-se de título em branco (ou com cláusula de preenchimento109), emitido quando não há condições de preenchê-lo no momento de sua criação. Por exemplo, num contrato de abertura de crédito, estabelece-se um limite, que o cliente do banco (ou dos funcionários dançarinos do Ibi) pode ou não utilizá-lo por completo – como ocorre no cheque especial; utilizando-se o crédito, se formará o contrato de mútuo, e o cliente será obrigado a restituir o valor emprestado110. Enquanto a obrigação não se torna líquida (ou seja, enquanto o valor devido ainda não foi computado), pode o devedor emitir ao banco uma nota promissória em branco, a ser preenchida pelo credor com o saldo devedor apurado pela forma prevista no contrato (a cláusula de preenchimento), para adimplir sua futura obrigação. O negócio é válido, pois não se estabelece vantagem alguma para o credor do título, já que caberão a ele a incumbência e a responsabilidade de preencher o título conforme o que foi definido pelas partes.

Contudo, se o devedor alegar erro no ato de preenchimento feito pelo credor, pode este ter que provar a veracidade do valor constante no título – o que não aconteceria se a tarefa ficasse por conta do devedor. Porém a discussão estará embasada no contrato, pois tudo o que consta no título presume-se verdadeiro.

Alguns requisitos podem ser supridos, posteriormente, quando a lei prevê expressamente ou, pelo credor, quando o título for apresentado. Por exemplo, o cheque, a partir de determinado valor, deve ser nominativo. Se, no entanto, o título circulou ao portador, pode o último proprietário escrever seu nome, tornando o título nominativo, sem

107 Não me lembre da jaqueta rasgada do soldado escrita com sangue, pois eu vomitei recentemente.

108 E eficiente! E dinâmica! E automática! E qualquer outra coisa mais que pareça um dueto de Warren Buffet com Max Gehringer. Haja ouvido!

109 Ouvi dizer que foi muito usada pela Mulher Melancia. Será mesmo?

110 E não encontrará os mesmos atendentes do Ibi com a velha cara feliz e sorridente.

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que haja defeito cambial. A presunção, todavia, continuará a ser de que o nome do tomador foi definido quando da emissão do cheque.

Todo título emitido com valor em branco admite contestação judicial, o que leva a concluir que a cláusula de preenchimento, assim como a má-fé do adquirente do título, é uma forma de oponibilidade das exceções pessoais a terceiros, havendo quebra da autonomia do direito adquirido pela translação da propriedade do título. No entanto, deve constar no documento essa circunstância especial de emissão do título sem o valor, que deverá ser preenchido sob determinadas condições.

2. A LETRA DE CÂMBIO NO BRASIL

Antes da Lei Saraiva (Decreto-lei n.º 2.044/1908), a letra de câmbio era regulada pelo Código Comercial de 1850, e imperava o sistema francês, que tinha como pressuposto uma relação obrigacional entre sacador e sacado (assim como o cheque é hoje em dia, como título causal). Com a Lei Saraiva, diploma muito elogiado pela sua concisão e pela sua perfeição técnica, o Brasil passa do sistema francês para o alemão, tornando a letra de câmbio um título abstrato. Essa mesma lei disciplinava, também, a nota promissória, sendo entendida, assim, como fonte dos princípios gerais do Direito Cambiário.

Posteriormente, na década de 40, o Brasil subscreveu uma convenção internacional, a Lei Uniforme de Genebra, que foi incorporada pelo direito positivo interno pelo Decreto n.º 57.663/66111, substituindo a Lei Saraiva enquanto regramento específico da letra de câmbio e da nota promissória, e enquanto fonte subsidiária das normas relativas aos títulos de crédito112. No entanto, não se pode afirmar que o decreto que incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro a Lei Uniforme de Genebra revogou a Lei Saraiva, pois há alguns pontos regulados por esta que não o foram por aquela – assim, há alguns dispositivos do Decreto-lei n.º 2.044/1908 ainda em vigor.

Idêntica situação ocorreu com o cheque – houve uma convenção internacional subscrita pelo Brasil. Todavia, tempos depois, o país editou uma lei ordinária em matéria de cheque, que revogou, no plano interno, a aplicabilidade da convenção, embora reproduza boa parte de seu texto.

O Decreto-lei n.º 57.663/66 consagra em seu texto o seguinte:

Havendo o Governo brasileiro, por nota da Legação em Berna, datada de 26 de agosto de 1942, ao secretário-geral da Liga das Nações, aderido às seguintes Convenções assinadas em Genebra, a 07 de junho de 1930: 1ª) Convenção para adoção de uma Lei Uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias, anexos e protocolo, com reservas aos arts. 2º, 3º, 5º, 6º, 7º, 9º, 10, 13, 15, 16, 17, 19 e 20 do Anexo II;

O texto legal define que, para se aplicar alguma norma do texto principal (ex.: requisitos da letra de câmbio), devem-se buscar quais artigos do Anexo II o Brasil fez reservas – fazer reserva=adotar expressamente –, a fim de se verificar a existência ou não de disposição diferente. Caso haja, prevalece o texto do Anexo II.

111 Não tenho certeza se o número é assim tão grande mesmo.

112 É, mas hoje essa função não é do Código Civil? A sugestão do momento é a de luta de leis na lama.

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26 de abril de 2008

3. REQUISITOS EM ESPÉCIE

Os requisitos da letra de câmbio estão elencados no Anexo I:

Artigo 1º A letra contém: 1º) a palavra “letra” inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a redação desse título; 2º) o mandado puro e simples de pagar uma quantia determinada; 3º) o nome daquele que deve pagar (sacado); 4º) a época do pagamento; 5º) a indicação do lugar em que se deve efetuar o pagamento; 6º) o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem de quem deve ser paga; 7º) a indicação da data em que, e do lugar onde a letra é passada; 8º) a assinatura de quem passa a letra (sacador).

O primeiro requisito é a denominação113, a expressão “letra de câmbio”, ou, simplesmente, “letra”, sem a qual o documento não se torna um título de crédito. O segundo é o mandado puro e simples, referente à ordem de pagamento. Puro e simples quer dizer que não comporta condição, somente termo. O nome da pessoa que deve pagar é o do sacado. O sexto requisito do texto legal (nome do tomador) define que a letra de câmbio circula mediante endosso114. Deve conter, também, a assinatura do sacador (quem emite a letra), data do pagamento – do vencimento do título (em não havendo, a lei supre, considerando-o à vista, ou seja, quando apresentado) –, lugar do pagamento (se o documento for silente, considera-se o local escrito ao lado do nome do sacado; se não houver qualquer indicação, será o domicílio do sacado) e lugar da emissão – qualquer indicação ao lado do nome do sacador. Todos os requisitos exigidos podem ser preenchidos pelo tomador quando da apresentação (podendo haver alguma discussão se o título foi emitido, expressamente, em branco), até mesmo a denominação, exceto um: a assinatura do sacador.

Parte do formalismo cambial se dá na aparência do título. Por exemplo, Ronaldo recebeu um título que foi passado a Carla (nominativo a ela); para que Ronaldo seja proprietário do título, é necessário que Carla endosse (assine o documento, indicando – endosso em preto – ou não – endosso em branco – o nome do endossatário). No entanto, se Ronaldo resolver endossar a Andréia, como ela saberá se a assinatura de Carla é verdadeira? O que interessa, nesse título, é a presença de uma assinatura atribuível a ela, e que a cadeia de endosso esteja formalmente correta115 – Carla recebeu o título, endossou a Ronaldo, que endossou a Andréia. Se uma das assinaturas for falsificada (até mesmo a do sacador, que criou o título), tal fato é irrelevante para o Direito Cambiário. O que não pode haver é a transmissão do título diretamente a Ronaldo sem a assinatura de Carla (pois o título era nominativo a ela).

113 Ou, no popular, .

114 Somente se contiver o título a menção “proibido endosso” – pois o regime padrão prevê a possibilidade dessa declaração –, o título será transferido conforme as regras do direito comum (cessão de crédito).

115 A propósito, se a cadeia for muito grande, pode-se colar um pedaço de papel no título para conter as novas declarações cambiais.

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Já se houver a inexistência da assinatura do sacador, o título não existe – todas as declarações cambiais posteriores (endosso, aval, aceite etc.) são inválidas.

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DIREITO COMERCIAL II Aula n.º 14

16 de maio de 2008

LETRA DE CÂMBIO: SAQUE

SUMÁRIO: 1. Conceito. 2. Saque por conta de terceiro. 3. Requisitos. 4. Criação e emissão.

Como já explicitado anteriormente, nesta parte do curso estão sendo estudados os títulos de crédito em espécie. Dentro da estrutura da letra de câmbio serão abordadas as declarações cambiais, por ser o título mais rico nesse aspecto. A partir dela, serão dadas as noções de saque, endosso, aval, aceite, protesto e demais atos cambiários. Iniciar-se-á pelo saque, a declaração que cria a letra de câmbio (assim como o cheque e a duplicata). Todo título de crédito se cria por meio de uma declaração; na letra de câmbio e no cheque, tal declaração é imediatamente ou expressamente uma ordem de pagamento e, mediatamente, ou implicitamente, uma promessa de pagamento. Assim, se o sacado não aceitar a ordem, o sacador deverá pagar o título.

Na duplicata, há diferenças, pois a estrutura de três sujeitos (sacador, sacado e tomador), presente na letra de câmbio e no cheque, entre outros títulos, não existe, pois só há dois figurantes originários, sacador e sacado. O beneficiário da ordem de pagamento, na letra de câmbio é o tomador; na duplicata, é o próprio sacador, que é credor do sacado116. Dessa forma, há somente uma ordem, e não uma promessa de pagamento, porque: a) o sacado é obrigado a aceitar a ordem; b) se não fosse, haveria a esquizofrenia de o sacador emitir uma ordem a si mesmo, pois não há outro beneficiário.

1. CONCEITO

É uma declaração cambiária117 que, formalmente válida, é apta a transformar um documento numa letra de câmbio. É declaração originária, pois cria o título (as demais declarações – aval, aceite, endosso etc. – são sucessivas, realizadas depois de o título já estar constituído), e necessária, porque, sem o saque, não há que se falar em letra de câmbio, ao contrário das demais declarações, que são eventuais (não interferindo na existência, na validade e na eficácia do titulo). A letra de câmbio existe sem endosso, aval ou aceite, jamais sem o saque.

2. SAQUE POR CONTA DE TERCEIRO

É uma questão que se põe no Direito Cambiário mais por conta do pragmatismo do que por rigor científico. O saque por conta de terceiro se estabelece quando, em função de determinada relação jurídica obrigacional (crédito ou débito) existente entre sacador e terceiro118, aquele saca um título de crédito. Trata-se de um conceito pragmático, uma vez que, essa circunstância especial do saque em nada afetará a autonomia do direito adquirida

116 Por haver, necessariamente, uma relação jurídica obrigacional entre sacador e sacado (que, aliás, deve ser uma compra e venda mercantil ou um contrato de prestação de serviço), a duplicata é um título causal, diferentemente da letra de câmbio, que é abstrata – na qual pode o sacado ignorar a ordem de pagamento.

117 O professor alterna entre “declaração cambial” e “declaração cambiária” o tempo todo. Espero que uma das duas não esteja errada.

118 O terceiro, aqui, é qualquer um que não seja sacador, sacado ou tomador – esse aqui não é terceiro.

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com a circulação do título. Para o Direito Cambiário, os direitos e deveres contidos no documento não são alterados pela relação contratual do sacador com terceiro, não produzindo qualquer efeito sobre a regulação jurídica do título119 – da mesma forma que ocorre com o possível liame entre sacador e sacado numa letra de câmbio, que é desprezado, por conta do princípio da abstração (o qual, como estudado anteriormente, não incide sobre a duplicata e o cheque, títulos causais).

3. REQUISITOS

Para se criar o título, tornando um documento uma letra de câmbio120 – ou seja, para que o saque tenha a aptidão de criar o título – é necessário que se observem os requisitos do título a ser criado (ex.: denominação, valor, nomes do sacador e do sacado etc.) e a forma de supressão das ausências (ex.: título sem data de pagamento=título à vista; sem lugar do pagamento=domicílio do sacado), além das questões relativas ao título em branco e à cláusula de preenchimento. Todos eles são considerados como se tivessem sido lançados quando da criação do título, mas podem ser preenchidos pelo último beneficiário no momento da apresentação do documento – exceto a assinatura do sacado, por razões juridicamente óbvias121. As declarações, como visto anteriormente, precisam ser formalmente válidas. Caso uma delas seja falsa, esse fato não contaminará o título, por causa do princípio da intangibilidade das nulidades das obrigações cambiárias.

4. CRIAÇÃO E EMISSÃO

Criação e emissão dizem respeito ao título de crédito, não ao saque; como este é o ato que cria o título, está se associando, aqui, essa questão, que diz respeito ao plano da eficácia. O título não passa a produzir efeitos somente com a sua criação (com o seu saque), pois pode alguém, observando os requisitos da letra de câmbio, e pondo-os num suporte material, guardar o documento na gaveta. Para ser eficaz, então, o título precisa entrar no tráfico jurídico, ou seja, ser entregue ao seu primeiro credor – momento em que se dá a emissão do título de crédito.

Há que se diferir, todavia, essa emissão daquela referente ao título criado por meio de promessa de pagamento (ex.: nota promissória). Aqui, emissão é a declaração originária e necessária que cria o título – a nota promissória não se cria por saque. Emissão, logo, a depender do caso, pode significar tanto a criação do título, como a sua inserção na esfera jurídica. A lei, às vezes, faz confusões – mencionando “emissão de letra de câmbio”, referindo-se ao saque.

Podem-se compreender, então, pelo menos três significados para o termo emissão:

a) em sentido amplo, a criação de qualquer título de crédito, independentemente se a declaração que o criou é ordem ou promessa de pagamento;

119 Se não produz efeito algum para o Direito Cambiário, por que é que a gente está estudando isso? Resposta de Otávio Augutus: “não sei”. Qualquer problema que haja, no plano do contrato, deverá ser resolvido por meio das normas do direito comum.

120 Ou qualquer outro título; todo o estudo dessa aula, em relação à letra de câmbio, é meramente exemplificativo, podendo ser aplicado aos demais títulos de crédito, no que couber.

121 Mas faticamente possíveis, se você é um vigarista profissional.

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b) a inserção do título no tráfico jurídico – transmissão do título ao seu primeiro credor;

c) a declaração originária e necessária que cria os títulos que consubstanciam somente122 uma promessa de pagamento.

* *

*

122 Deve-se lembrar que há contida a promessa de pagamento até mesmo nos títulos “ordinatórios”, mas de forma indireta.

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DIREITO COMERCIAL II Aula n.º 15

17 de maio de 2008

LETRA DE CÂMBIO: ENDOSSO

SUMÁRIO: 1. Conceito. 1.1. Endosso póstumo. 2. Natureza jurídica. 3. Local. 4. Efeitos. 5. Espécies. 5.1. Endosso em branco. 5.2. Endosso em preto. 5.3. Endosso-mandato. 5.4. Endosso-caução.

1. CONCEITO

Endosso é o meio de circulação de um título de crédito sob as regras do Direito Cambiário. Já foi visto que esse ramo do ordenamento jurídico tem o fim precípuo de regular a circulação de direitos de forma diversa daquela operada pelo direito comum (cessão de crédito), especialmente pela implementação do princípio da inoponibilidade das exceções pesoais ao terceiro de boa-fé, uma manifestação da autonomia do direito do adquirente do título. A circulação autônoma desse direito se dá por meio do endosso. Se fosse possível hierarquizar as declarações cambiais, Otávio Augustus poria o endosso em primeiro lugar, como a mais importante, justamente por operacionalizar o objeto do Direito Cambiário – um regime peculiar de transferência de direito creditício.

Sintetizando o conceito de endosso, tem-se que este é o meio de transferência do título de crédito, bem como do direito nele contido, sob as regras próprias do Direito Cambiário. É importante frisar a parte final desse conceito, uma vez que o título pode ser transferido por meio de cessão de crédito, em caso de título nominativo não à ordem (que não é intransmissível, apenas insuscetível de endosso), e título já protestado.

1.1. Endosso póstumo

Endosso póstumo é aquele realizado após o vencimento do título. Havia discussão doutrinária a respeito de ser o ato de transferência do título, nessas circunstâncias, ser disciplinado pelas regras do endosso ou por aquelas relativas à cessão de crédito – os atos cambiários são feitos, geralmente, antes do vencimento do título. Esse dilema suscita, ainda, uma questão preliminar: pode um título ser transferido após o seu vencimento? Hoje não há mais controvérsias, pois há determinação legal que considera o endosso como tal mesmo após o vencimento do título. Só será a transferência uma cessão de crédito, se esta for feita após o protesto do documento – ou seja, do não-pagamento em face do vencimento do título; há cessão de crédito ainda que conste no título o termo “endosso”.

A transferência do direito contido num título de crédito, logo, não é realizada exclusivamente pelo endosso, mas é por meio dele somente que se garante a autonomia do direito do adquirente do título, bem como os demais efeitos dos princípios do Direito Cambiário.

2. NATUREZA JURÍDICA

Assim como qualquer declaração cambial (aval, aceite, saque, emissão), é um ato jurídico unilateral; o endosso entra no plano da existência e da eficácia somente com a declaração de vontade de uma pessoa. É diferente da cessão, que é ato bilateral no plano da formação – na execução e das contraprestações, pode ser unilateral (se gratuita, gerando aproveitamento econômico somente para o cessionário).

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17 de maio de 2008

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Outra característica do endosso, e das demais declarações cambiais, é a necessidade da forma escrita. É decorrência do princípio da literalidade, já abordado anteriormente. Na visão de Otávio Augustus, “título de crédito é como vinho, quanto mais velho melhor”. A “idade” do título não se refere ao aspecto temporal, mas sim à sua circulação. Quanto mais vezes o título circulou, mais coobrigados se formaram na cadeia de regresso – pois as declarações cambiais que geram obrigações se sobrepõem: quando entra um coobrigado no título, outro não sai. Por exemplo, a letra de câmbio nasce com apenas um obrigado, o sacador (pois o seu saque é, também, uma promessa de pagamento indireta); no momento em que a letra recebe o seu primeiro endosso, surge o segundo coobrigado; sendo avalizada, endossada novamente, aceita pelo sacado, a lógica é a mesma: não há substituição123.

Antes mesmo de o princípio da literalidade estabelecer que o endosso deve constar no título124, ele deve se revestir da forma escrita. Só que isso não basta para o Direito Cambiário, é preciso que, conforme aquele princípio, esteja no documento que incorpora o direito creditício, e não em cártula à parte. Não é possível se fazer uma declaração de transferência de um título por um documento apartado (esse ato pode até valer no âmbito do direito comum), pois, sob o ponto de vista do Direito Cambiário, tal endosso é inexistente (assim como as demais declarações cambiárias).

3. LOCAL

O local próprio para se realizar a declaração cambial do endosso é o verso do título. É próprio, pois está previsto como regra na legislação, e, também, por ser o local onde a mera assinatura do proprietário (tomador e endossatário, no caso de títulos à ordem; títulos ao portador circulam pela tradição, não por endosso), sem qualquer outra menção, nem mesmo o nome do beneficiário, funciona como endosso.

Contudo, o endosso pode ser prestado no anverso (frente) do título. Mas, nesse caso, é necessário identificar essa declaração, já que a simples assinatura nesse local (até mesmo a do proprietário do título125) deve ser interpretada como aval. A identificação, no anverso, deve constar de uma expressão que mencione que a declaração tem efeito de transferência: “endosso”, “transfiro a ...”, “pague-se a ...”.

Isso é uma aspecto importante, pois não decorre de lógica pura e simples; se o tomador assinou o título, logicamente, poder-se-ia inferir que ele o endossou. Mas, no Direito Cambiário, conforme o princípio da literalidade, não é bem assim que ocorre; em não havendo identificação, a assinatura será interpretada como sendo a declaração que tem aquele local como próprio para a sua realização (se no verso, pelo proprietário, endosso; se no anverso, aval).

123 Nem no BOPE, pois não dá pra “pedir pra sair”.

124 NO TÍ-TO-LO!

125 Mas é proprietário e avalista ao mesmo tempo? Esse cara não faz mais nada na vida a não ser ficar assinando títulos de crédito? Segundo Otávio Augustus, não gera variação nas regras o fato de os figurantes do título serem a mesma pessoa. Ex.: Pedro saca em favor de si mesmo uma letra de câmbio. Ele terá sua figuração no título regulada tanto como sacador quanto como tomador; a coincidência não altera os direitos e obrigações de Pedro decorrentes de cada um dos papéis – são como pessoas distintas. Se alguém exercer qualquer direito contra o sacador ou tomador, não se alteram as situações jurídicas da mesma pessoa como outro figurante do título – da mesma forma, se o sacado aceitar o título.

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4. EFEITOS

O primeiro e principal efeito do endosso é a transferência da propriedade do título, bem como do respectivo direito nele incorporado. O segundo é a garantia, pelo endossante, do pagamento do título – de maneira semelhante a um aval. Nesse último contexto, ambas as declarações se equivalem quanto à formação uma coobrigação. Essa garantia é, comumente, desdobrada em:

a) garantias veritas, bonitas126 ou da verdade – aquele que transfere o título garante a veracidade das declarações cambiais já contidas nele, mas no plano da regularidade formal, aparente. Perante o endossatário imediato, assim como os que o sucederem como figurantes da relação cambiária, o endossante não pode alegar qualquer irregularidade anterior ao seu endosso. Mas essa garantia só se opera em relação ao endossante; se o saque foi realizado por meio de assinatura falsa, o sacador não pode ser responsabilizado por conta da declaração do endossante. É uma garantia implícita (o endossante não escreve “presto a garantia veritas”), pois decorre, necessariamente, do endosso.

b) garantia do pagamento ou solidariedade cambial – A solidariedade cambial é diferente daquela do direito comum. Há coincidência quanto à situação jurídica de mais de um obrigado ser responsável pela dívida inteira, podendo o credor exigir o pagamento integral de qual ou quais deles quiser. Todavia, a solidariedade cambial tem um aspecto importantíssimo, muito vinculado à sua essência, que é uma questão geográfica, de local em que o sujeito figura no título – a depender de sua posição na cadeia de regresso, alguém pode ou não ser obrigado em face de outrem. Na solidariedade comum, não há relativização da obrigação. A questão geográfica refere-se ao caminho percorrido pelo título – o título vai, quando circula, até chegar ao sacado, e quando este não paga o seu valor, o título volta. Quando volta, surge o direito de regresso, exercido contra os coobrigados indiretos. É a garantia do pagamento pelo endossante que confere circulação rápida ao título.

No caminho percorrido pelo título, há obrigados diretos e obrigados indiretos. O que caracteriza o obrigado direto é a possibilidade de o título lhe ser exigido independentemente de qualquer fato atribuído a outrem; já o indireto só paga se o direto não fez. Por exemplo, o aceitante (anteriormente sacado, que, com o aceite, passou a ser obrigado pelo pagamento da letra) deve pagar o título, no dia do vencimento. É por isso que, para se executar um obrigado direto (aceitante na letra de câmbio, emitente na nota promissória), não se faz necessário o protesto.

Ao contrário do que se diz (e da própria lei), o protesto não prova o inadimplemento da obrigação, ou seja, débito127; a rigor, prova-se que o título foi apresentado para determinado sujeito, que não pagou (protesto por falta de pagamento), não aceitou (protesto por falta de aceite do sacado) ou não devolveu (protesto por falta de devolução, exclusivo da duplicata). É por meio do protesto que o proprietário do título pode exercer o seu direito em face dos obrigados indiretos ou de regresso (inclusive o sacador) – pois é necessário se provar que o documento foi apresentado (“que o título foi”), mas não foi pago, aceito ou devolvido. Já para o obrigado direto, não é necessária essa formalidade – ou ele paga ou não paga; não é possível

126 Pronunciem “bônitas” (vem de “bom”, garantir que o título seja válido). Esse assunto não é bonito.

127 Assim, se você tem protestados 516 cheques, pode dizer que é tudo mentira e que você não deve nada.

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se atribuir uma situação a terceiro, que requer prova; dispensa-se, logo, o protesto para se exigir o pagamento do emitente da nota promissória ou do aceitante da letra de câmbio.

Após o vencimento, não pode o obrigado direto do título protestado alegar que não pagou porque não foi procurado128 – afinal, o protesto prova justamente o contrário. No protesto, o devedor é intimado, contra o proprietário do título, a, em 72 horas, justificar as razões do não-pagamento, do não-aceite ou da não-devolução (no caso de duplicata), ou a pagar a dívida. Se, antes da sua lavratura, o obrigado direto pagou em cartório, extingue-se o protesto.

--- ---- ---

Se Crazy Frog aceita o título, se torna um obrigado direto. Chris Brown, pode, dessa forma, exigir dele, sem protesto, o pagamento. Caso ele não pague (ou ainda, se não tivesse aceitado o título), poderá exercer o seu direito de regresso contra Avril Lavigne, Beyoncé, Britney Spears e Lil’ Wayne (sacador), por lhe serem anteriores na cadeia de circulação do título. Todavia, o direito a ser exercido contra Britney Spears não existe por conta de ela ter figurado como tomadora (pois o tomador não tem obrigações), mas como primeiro endossante.

Há solidariedade entre as celebridades, uma vez que o proprietário do título poderá exigir o pagamento do título, na sua totalidade, em face de qualquer uma delas. Se Chris Brown cobrou de Beyoncé, e ela pagou o valor integral do título, poderá esta exercer seu direito regressivo contra Britney Spears e Lil’ Wayne, jamais contra Avril Lavigne, pois esta está à frente na cadeia de circulação. Em havendo cobrança diretamente contra Lil’ Wayne, com o devido pagamento, todos se desoneram. Como sempre, quem paga, sub-roga-se nos direitos do título, e fica com o documento – se houver, simplesmente, a quitação num documento separado, havendo nova circulação (o título circula indo e vindo), pode alguém ser obrigado, com base no título, a pagá-lo duas vezes –, até que ele volte às mãos do sacador129.

Já Crazy Frog (sacado), se pagar o título, não poderá se voltar contra Lil’ Wayne, pois o título se extinguiu com o cumprimento da ordem. Os motivos para se acatar a ordem não interessam ao Direito Cambiário – pode ser o adimplemento de obrigação de direito comum, uma ajuda humanitária, ou até uma “média”, já que Crazy Frog pode ser fã de rap.

Outra questão é a possibilidade de o proprietário do título exigir o pagamento, após o protesto, diretamente do sacador. Este (como nenhum outro na cadeia de circulação) não

128 E, muito menos, exigir perdas e danos por conta de protesto feito nessas condições. A ritualística do protesto não dá azo a iniqüidade por parte do proprietário do título.

129 Ou se perca numa chuva desgraçada.

SACADOR SACADO

CELEBRIDADES COOBRIGADAS

Tomadora/

Endossante

1

Endossatária

1/Endossante

2

Endossatária

2/Endossante

3

Endossatário

3/Proprietário

atual

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tem qualquer benefício de ordem (de exigir que o direito de regresso seja exercido contra o endossante direto, por exemplo), já que sua responsabilidade não é subsidiária130.

5. ESPÉCIES

5.1. Endosso em branco

É aquele realizado sem que haja identificação do endossatário. Há a transferência do título com a mera assinatura do endossante no verso do documento.

5.2. Endosso em preto

É o endosso que identifica o endossatário, seja no verso, seja no anverso. Em qualquer das hipóteses, é necessária a assinatura do endossante complementada com a expressão “pague-se a ...”, “transfiro a ...”, seguida do nome do endossatário. Já foi abordado anteriormente que o endosso, no verso, não precisa ser identificado como tal131; no anverso, são necessárias aquelas mesmas expressões, mesmo no endosso em branco, mas em o nome do endossatário (“pague-se”, “transfiro”, “endosso”). Logo, todo endosso em preto acaba por ser uma declaração identificada, seja no verso, seja no anverso.

Com o endosso em preto, o título que era nominativo à ordem132, continua nominativo. Com o endosso em branco, o título se torna ao portador. O endosso em branco, dessa forma é um meio de se evadir da responsabilidade solidária. Se Ronaldo endossa em branco uma letra de câmbio a Carla, esta, para transferir o título novamente, bastará realizar a tradição. Assim, se o título voltar, Carla não poderá ser compelida a pagar o valor monetário correspondente, uma vez que não realizou declaração cambial alguma. Economicamente, a operação de Carla foi a mesma de Ronaldo, mas, juridicamente, possui diferenças significativas, uma vez que Carla não se torna coobrigada de regresso, diferentemente de Ronaldo, que assinou a letra.

O título pode fazer o caminho inverso: voltar a ser nominativo. No mesmo exemplo, a letra nasceu nominativa a Ronaldo, que endossou em branco a Carla. O título, então, circula ao portador133. Mas pode o atual proprietário endossar em preto, tornado a letra de câmbio novamente nominativa – e esse endossante será um coobrigado indireto.

5.3. Endosso-mandato

Nessa modalidade de endosso, alguém confere a outrem a legitimidade para o exercício do direito do título, sem, no entanto, transferir-lhe a propriedade. O endosso, por natureza, implica a translação da propriedade do título; já o endosso-mandato não tem o mesmo efeito: o mandante apenas confere ao mandatário poderes de legitimação para se exigir o pagamento do título. O endosso-mandato é muito útil aos serviços de cobrança (bancária ou não), em que o dinheiro pago, descontada a comissão, será entregue àquele que legitimou o cobrador no exercício daquela prerrogativa. 130 É importante ressaltar que a solidariedade cambial não se aplica somente ao endossante; diz respeito a todos os coobrigados cambiários.

131 Só pra registrar uma curiosidade inútil, endosso vem de “in dorso”, ou seja, nas costas, no verso do título.

132 Títulos nominativos puros não são suscetíveis de transmissão por meio de endosso, somente por meio de cessão.

133 É necessário cautela quanto aos títulos ao portador, porque, se você perdeu, já elvis. Há a ação de anulação de título ao portador por conta de extravio, caso a burrice já tenha sido feita.

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Há, aqui, “uma das discussões mais interessantes do Direito Privado”134, embora poucos autores façam a ressalva: o endosso-mandato não é um mandato, mas um ato unilateral de legitimação, por meio de declaração no título, enquanto o mandato, per si, é um contrato (negócio jurídico bilateral). A nomenclatura mais adequada, pra Otávio Augustus, seria endosso apenas para legitimação. No entanto, aplicam-se, naquilo que couber, as regras do mandato às relações endossante-mandante/endossatário-mandatário.

5.4. Endosso-caução

O endosso-caução também é uma modalidade de endosso de legitimação, mas a sua finalidade não é simplesmente legitimar o exercício do direito contido no título, mas também conferir ao endossatário a posse do documento enquanto objeto de uma garantia de cumprimento de obrigação determinada. Por exemplo, A se obriga a dar 10.000 reais a B, e presta caução por meio de uma letra de câmbio de mesmo valor. Se A não legitima B no exercício do direito do título, a caução se torna vazia, ineficaz, pois não poderá B receber o valor da letra – uma vez que esta está nominativa a outrem. Não é um endosso ordinário, já que a propriedade do título não foi transferida – o que só ocorrerá quando o credor executar aquela garantia; a propriedade, então, será transmitida pela execução, não por endosso.

* *

*

134 A “discussão mais interessante” de número 3.814.

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06 de junho de 2008

LETRA DE CÂMBIO: AVAL

SUMÁRIO: 1. Conceito. 1.1. Aval x Fiança. 1.2. Aval em branco e aval em preto. 1.3. Acessoriedade formal. 1.4. Local. 1.5. Aval parcial. 1.6. Simulta-neidade e Sucessividade do aval. 1.7. Direito do avalista.

1. CONCEITO

Aval é uma declaração cambial que tem como única finalidade a garantia do pagamento do título de crédito. O avalista comparece no título apenas para prestar essa garantia.

1.1. Aval x Fiança

As diferenças entre aval e fiança se dão na mesma intensidade da distinção de endosso para cessão de crédito. Fiança e cessão são contratos, aval e endosso são declarações cambiais, e por isso, unilaterais. A obrigação do fiador perante o afiançado é acessória135; inexistente, nula ou ineficaz a obrigação deste, de igual caráter será a daquele136. No aval, a obrigação do avalista é autônoma; inexistente, nula ou ineficaz a obrigação do avalizado, ainda assim subsistirá a obrigação do avalista – decorrência do princípio da intangibilidade das nulidades das obrigações cambiárias.

Outra questão interessante na distinção entre aval e fiança é a seguinte: há enunciado legal o qual estabelece que o avalista é obrigado da mesma maneira que o avalizado. Poder-se-ia inferir que vícios relativos à obrigação deste contaminariam a obrigação daquele – mas não é isso que ocorre, graças ao princípio da autonomia. A identidade das obrigações de um e outro é meramente geográfica: o avalista (Mulher Mascarada) ocupa, na cadeia de regresso, a mesma posição do avalizado (Avril Lavigne).

--- ---- ---

135 A sala bradou que a fiança era, por natureza, subsidiária, mas o professor disse que não – “pode-se convencionar o contrário”. Para ele, natureza tem a ver com atributos essenciais, provenientes de discricionariedade legal – a fiança pode ser subsidiária (com benefício de ordem) ou solidária.

136 Elder demonstrou o contrário: em se tratando de incapacidade do afiançado, só a fiança atrelada a um mútuo é nula em decorrência da nulidade da obrigação do incapaz. Na fiança, em se tratando de incapacidade, a regra também é a da intangibilidade das nulidades das obrigações. Quem quer comprar um código de Tepedino pra Otávio Augustus?

SACADOR SACADO

CELEBRIDADES COOBRIGADAS

Tomadora/

Endossante

1

Endossatária

1/Endossante

2

Endossatária

2/Endossante

3

Endossatário

3/Proprietário

atual

AVALISTA

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OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

1.2. Aval em branco e aval em preto

O aval, assim como o endosso, pode ser em branco ou em preto. Se o avalista não identificar quem está sendo avalizado (em branco), a Lei Uniforme de Genebra supre a ausência: o avalizado é o sacador. No diagrama anterior, Chris Brown, conforme a regra geral, caso o título não seja pago, poderá exigir o cumprimento da obrigação de qualquer um que lhe seja anterior na cadeia de regresso. Caso Beyoncé tenha pagado a dívida, ela só poderá exercer seu direito de regresso em face de Britney Spears e Lil’ Wayne – jamais contra Avril Lavigne e sua avalista, a Mulher Mascarada, que realizou aval em preto – e ocupa a mesma posição geográfica que sua avalizada.

Todo esse fenômeno de sub-rogação e substituição de credores não ocorre na fiança, uma vez que não é inerente ao seu crédito a circulação, e, surgindo um novo credor, a fiança não subsiste (só se houver expressa anuência do fiador).

1.3. Acessoriedade formal

Se, em substância, a obrigação cambiária do avalista é autônoma, ou seja, imune às nulidades da obrigação do avalizado, no plano formal, há total acessoriedade. A obrigação tem que, formalmente, existir para que possa ser avalizada – é preciso que haja uma declaração cambial formalmente válida (aceite, endosso, saque, emissão). Refere-se a acessoriedade à aparência; o aval existe se constar no título uma assinatura atribuível ao avalizado decorrente de uma declaração cambial – ainda que a assinatura seja falsificada (e, substancialmente, inexistente). Assim, em não havendo qualquer declaração suscetível de aval, não há obrigação por parte do avalista (ex.: “avalizo Crazy Frog” – que não aceitou). É necessário diferir, portanto, a autonomia substancial (intangibilidade das nulidades das obrigações cambiárias) do aval da acessoriedade formal. No aval em branco, basta um saque válido para que a obrigação do avalista tenha existência no Direito Cambiário. No aval em preto, se o avalizado não prestou a declaração cambial de maneira correta, ou não a fez, não há qualquer aval.

Na verdade, o avalista não se responsabiliza pela obrigação do avalizado, especificamente, mas pelo pagamento do título. A necessidade de se identificar quem é o avalizado se refere à posição geográfica na cadeia de regresso (como visto anteriormente). Só quem pode exigir do avalista o pagamento é quem pode exigir, também, do avalizado, por ambos serem anteriores ao credor na cadeia de circulação do título.

Havendo um aval em branco apenas, como saber se a acessoriedade formal foi satisfeita? A resposta está nas regras de supressão das ausências – na letra de câmbio, o aval em branco é dado ao sacador; duas assinaturas soltas no anverso são dois avais ao sacador.

1.4. Local

O local próprio, no título, para a declaração cambial do aval é o seu anverso (frente). Uma mera assinatura configura o aval – exceto a do sacado, que se torna um aceite. Pode ser realizado no verso, desde que identificado como tal – “aval”, “avalizo”.

1.5. Aval parcial

Diferentemente do endosso, é possível se conceber um aval parcial. O endosso, como transferência de propriedade de um título submetido às regras cambiárias, conforme o

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06 de junho de 2008

princípio da incorporação, não pode ser transmitido parcialmente137 – direito não pode ser exercido sem a posse do título. Já o aval pode ser parcial, uma vez que as obrigações cambiárias são divisíveis; não ofenderia qualquer princípio do Direito Cambiário o fato de alguém garantir o pagamento de somente metade do valor do título.

1.6. Simultaneidade e sucessividade do aval

Havia discussão doutrinária a respeito de, em havendo vários avais em branco, reconhecer-se a sua simultaneidade ou a sucessividade. Se os avais forem sucessivos, um avaliza o outro – A avaliza B, que avaliza C, que avaliza o endossante, sendo que todos eles assinaram no anverso do título (e o endossante identificou sua declaração como tal); a ordem a seguir seria a das assinaturas. Formar-se-ia uma nova cadeia de regresso, exclusiva dos avalistas; um poderia exigir do outro o pagamento conforme sua posição geográfica. Se os avais forem considerados simultâneos, aplicam-se as regras da solidariedade do direito comum – o avalista (A) que paga adquire a propriedade do título, e pode exigir dos demais avalistas (B e C) o valor de suas quotas-partes. Essa discussão em nada altera as regras da cadeia de regresso em relação aos outros coobrigados, pois se refere apenas àqueles que prestaram aval a uma só pessoa138. A, pagando o título, pode cobrar a totalidade do valor do título daqueles que lhe são anteriores na cadeia de circulação.

Hoje, essa discussão é infértil, já que a Lei Uniforme de Genebra esclarece as dúvidas: não há “aval do aval139”, se todos eles forem em branco. O avalizado, nesses casos em que não ele é identificado, sempre é o sacador140. Pela Lei Saraiva (Lei n.º 2.044/1908), a regra era a dos avais sucessivos.

1.7. Direito do avalista

Esse tópico diz respeito apenas ao direito do avalista em relação ao avalizado. Em relação aos demais coobrigados, o direito do avalista é estritamente cambiário, como se fosse do próprio avalizado, respeitando-se apenas a posição geográfica de cada um na cadeia de regresso. Mas quando o avalista se volta contra o avalizado, se apresenta uma situação extracambiária; o Direito Cambiário não regula a obrigação do avalizado perante o avalista, somente a de ambos em face dos credores do título. As normas aplicáveis, são, portanto, de direito comum – “aquele que paga dívida alheia tem direito de exigir ressarcimento por meio do direito de regresso”. É por conta disso que o avalista não pode mover ação cambial contra o avalizado, embora possa exercer tal direito em face dos coobrigados que lhe são anteriores.

* *

*

137 Você pode tentar rasgar um pedacinho, mas tenho dúvidas se isso adiantaria.

138 É uma questão, para Otávio Augustus, “intra-co-avalistas”. Neologismo furioso.

139 Se não me disserem o contrário, aval do aval é possível.

140 Tanto barulho por nada? Decepcionante. Se tá a fim de zoar, avisa, p$%@#!

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07 de junho de 2008

LETRA DE CÂMBIO: ACEITE

SUMÁRIO: 1. Conceito. 2. Efeitos. 2.1. Cláusula não-aceitável. 3. Venci-mento. 4. Histórico. 5. Forma e local. 6. Aceite em separado. 7. Aceite por intervenção. 8. Aceite parcial. 9. Aceite modificado.

1. CONCEITO

Aceite é o ato cambiário que, implicitamente, veicula uma declaração por meio da qual o sacado acata a ordem de pagamento dada, no título, pelo sacador. Cheques, bem como qualquer outro título à vista, não admitem aceite.

2. EFEITOS

São dois os efeitos principais do aceite:

a) o primeiro é tornar o sacado aceitante, obrigado direto pelo pagamento do título. Não se pode dizer que o aceite “torna o sacado obrigado”, pois isso nunca ocorrerá; só surge a obrigação quando o sacado passa a ter uma nova figuração na relação cambial – a de aceitante;

b) o segundo é impedir o vencimento antecipado do título. Quando o título é apresentado ao sacado, e há o aceite, o título só vencerá na data estampada em sua face. Uma letra emitida hoje, para ser paga daqui a seis meses, caso não seja aceita quando apresentada, tem o seu vencimento antecipado – uma vez que não há sentido em esperar o decurso do tempo, uma vez que o sacado já se manifestou contrariamente à ordem dada. Com o vencimento antecipado ou extraordinário, pode o proprietário do título cobrar, desde já, o seu valor aos coobrigados indiretos ou de regresso.

Toda apresentação do título para aceite é feita antes do vencimento. Chegado o dia do vencimento, o título só poderá ser apresentado para pagamento. É por essa razão que cheque não comporta aceite (bem como uma letra de câmbio sem data de pagamento), uma vez que a ordem de pagamento nele contida é à vista, ou seja, vence o título quando apresentado, visto. Então, um título emitido no dia 7 de junho, com data de vencimento em 15 de dezembro, só poderá ser apresentado para aceite até o dia 14 de dezembro. É possível um título já aceito continuar circulando, porém, só poderá ser exigido o pagamento na data de vencimento.

Juntando todas as declarações cambiais vistas até agora, Otávio Augustus deu um exemplo de como uma só pessoa pode figurar em mais de um pólo da relação cambial: uma pessoa saca uma letra de câmbio contra si, aceita e endossa. A mesma pessoa é sacador, sacado, aceitante e endossante141; no entanto, deve-se lembrar que esse fato nada influi nos direitos e obrigações decorrentes de cada pólo – pois são consideradas como pessoas distintas.

141 Mas o professor falou que, nesse caso, seria mais fácil emitir uma promissória.

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OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

2.1. Cláusula não-aceitável

Inserindo-se essa cláusula no documento, impede-se que, em não havendo aceite, ocorra o vencimento antecipado do título142.

3. VENCIMENTO

O vencimento ordinário do título pode se dar de quatro formas:

a) à vista – o título se torna exigível quando apresentado.

b) em dia certo (Ex.: 13 de junho143).

c) em dias de vista – estabelece-se um prazo para que, quando apresentado, o título se torne exigível. Por exemplo, uma letra que defina seu vencimento aos 30 dias de vista, só poderá ser cobrada após o decurso daquele prazo, a contar do seu aceite ou do seu protesto.

d) em dias de data – o título se torna exigível após o decurso do prazo nele definido, a contar do saque ou da emissão144 ou de data pré-fixada.

4. HISTÓRICO

O aceite passou a ser necessário, para configurar a obrigação do destinatário da ordem de pagamento contido na letra de câmbio, somente após a sobrevinda do período alemão, quando o título passou a ser abstrato – ou seja, não pressupunha relação jurídica alguma entre sacador e sacado. Diante disso, o destinatário da ordem de pagamento só poderia se obrigar caso desse uma declaração no título – no caso, o aceite.

Até o período francês, a letra tinha como pressuposto uma relação obrigacional entre sacador e sacado (este figurando como devedor). Quando se consolidou o princípio da abstração, a relação entre sacador e sacado (embora possa haver, como, geralmente, há) se tornou absolutamente estranha e irrelevante para o Direito Cambiário145.

5. FORMA E LOCAL

O aceite tem como local próprio o anverso (frente) do título – onde somente uma assinatura do sacado lhe torna aceitante. Pode ser realizado no verso, desde que a declaração seja identificada como tal – “aceito”, por exemplo; a assinatura pura e simples, no verso, como se sabe, é interpretada como endosso.

Se a intenção do sacado, ao assinar no anverso é a de avalizar, ele também deve identificar essa declaração. Caso isso não seja feito, o princípio da literalidade levará a inferir

142 Olha, o professor falou que a cláusula não-aceitável não impede o aceite do sacado. Só que, onde eu li, impede sim – já que o título só poderá ser apresentado no vencimento. Com o título vencido, não há mais aceite, só pagamento.

143 O que é que tem nessa data?

144 Otávio Augustus acha essa uma classificação imbecil, pois é a mesma coisa que vencimento em dia certo. Mas se você tem uma obrigação para pagar exatamente daqui a 180 dias, e tem preguiça de contá-los no calendário, o vencimento em dias de data é mais cômodo.

145 Isso só vale para os títulos abstratos. A duplicata, como título causal exige uma compra e venda mercantil ou um contrato de prestação de serviços como pressuposto.

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DIREITO COMERCIAL II Aula n.º 17

07 de junho de 2008

que o sacado aceitou a ordem. Não poderá o sacado alegar erro quanto a isso, pois “o princípio da literalidade não perdoa ninguém”146.

6. ACEITE EM SEPARADO

Conforme a teoria geral dos títulos de crédito, e seus princípios da incorporação e da literalidade, não se poderia admitir aceite em separado. No entanto, se assim for feito, o credor que possuir o aceite em documento apartado poderá sim exigir, conforme Otávio Augustus, o pagamento do título. Se quem tinha o documento do aceite esqueceu dele ao transferir o título por endosso, para o novo proprietário, o título não estará aceito147.

7. ACEITE POR INTERVENÇÃO

É o aceite dado por alguém estranho à relação cambiária. O aceite vincula a sua própria pessoa – e não o sacado; não é o mesmo que um procurador aceitar o título em nome do sacado. Demanda anuência do proprietário do título, que, se não concordar com o aceite por intervenção, causará o vencimento antecipado do título – e a possibilidade de se exigir o pagamento dos obrigados indiretos ou de regresso.

Com o aceite por intervenção, há um novo obrigado (direto); em não havendo pagamento por parte deste, só será possível a execução do título contra os demais coobrigados após o seu vencimento, uma vez que o aceite foi prestado. Fica a critério do proprietário do título avaliar o que é melhor: mais um coobrigado ou a antecipação do vencimento.

O porquê imediato de alguém aceitar um título por intervenção é, sempre, por qualquer motivo, impedir o vencimento antecipado do título.

8. ACEITE PARCIAL

É o aceite que acata parcialmente a ordem do sacador. Por exemplo, numa letra de R$ 10.000,00, o sacado aceita pagar somente R$ 1.000,00 – declarando o valor do seu aceite no título (caso contrário, o aceite é total). Havendo aceite (e pagamento) parcial, há diminuição no valor do título, e os demais coobrigados só poderão ser executados, imediatamente (pois a quantia não aceita venceu antecipadamente), na parte que não foi paga – após o devido protesto por falta de aceite. A quantia aceita, se não paga de imediato, só vencerá no prazo estampado no título. Caso o aceitante parcial não pague, poderá o proprietário do título exigir a totalidade do seu valor dos coobrigados indiretos ou de regresso.

Para Fábio Ulhoa Coelho, o proprietário do título poderia exigir o seu valor integral dos coobrigados indiretos imediatamente após o aceite parcial – opinião diversa de Otávio Augustus, que acredita que isso só poderá ocorrer em relação à quantia não aceita (em relação à totalidade, somente com o vencimento do título por inteiro); quem paga essa quantia não fica com o título, mas com um recibo, mas deve constar no corpo do título pagamento parcial, que lhe reduzirá o valor.

146 Peraí, mas erro não é um defeito do ato jurídico? Se o professor falou que coação impede que alguém se torne obrigado, por que o erro não tem o mesmo efeito? Alguém pode me responder?

147 Por via das dúvidas, grampeie o aceite ao seu título de crédito.

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07 de junho de 2008

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9. ACEITE MODIFICADO

É o aceite que implica uma modificação nos termos da ordem que não o valor – a modificação quanto a este gera o aceite parcial. As modificações podem ocorrer quanto ao local ou à data do pagamento, por exemplo. No entanto, o aceite modificado é interpretado como recusa à ordem do sacador, não sendo o proprietário obrigado a anuir.

Porém o aceitante que modifica os termos da ordem se vincula às suas modificações. O título, por não ter sido aceito, vence antecipadamente, podendo ser exigido imediatamente dos obrigados de regresso. Mas a obrigação do aceitante subsiste, nos seus termos (ex.: letra de câmbio que vence no dia 13 de junho, é aceita no dia 12, porém modificada no vencimento – 21 de junho. No dia 13, pode-se exigir o valor do título do sacador, dos avalistas e dos endossatários, mas do aceitante, somente no dia 21).

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DIREITO COMERCIAL II Aula n.º 18

14 de junho de 2008

NOTA PROMISSÓRIA

SUMÁRIO: 1. Direito positivo. 2. Histórico. 3. Conceito. 4. Requisitos. 5. Figurantes.

A nota promissória, segundo Otávio Augustus, tem regramento jurídico e características muito próximos dos da letra de câmbio. Assim, o estudo já feito até agora servirá como base, sendo necessárias apenas algumas adaptações.

1. DIREITO POSITIVO

A nota promissória é regulada, atualmente, pela Lei Uniforme de Genebra, incorporada ao direito brasileiro por meio do Decreto n.º 57.663/66. Alguns resquícios da Lei Saraiva (Decreto-lei n.º 2.044/1908) continuam, também, em vigor – afinal, esse diploma foi apenas derrogado.

A Lei Uniforme de Genebra dispensa, dentre seus quase oitenta artigos, apenas quatro para a nota promissória. Esse aspecto quantitativo é um tanto distorcido; dentro do regramento da letra de câmbio, a LUG disciplina atos cambiários comuns aos demais títulos de crédito (aval, endosso, aceite etc.) – uma vez que funciona como fonte dos princípios gerais do Direito Cambiário –, logo os vários artigos referentes à letra de câmbio aplicam-se subsidiariamente a outros títulos, inclusive à nota promissória.

2. HISTÓRICO

Como visto anteriormente, a letra de câmbio se originou de dois documentos essenciais às operações de câmbio trajectício medievais: a cautio e a lettera (ou littera cambii). A primeira – que representava a obrigação do subscritor perante o beneficiário – caiu em desuso na evolução da letra de câmbio, sendo o seu conteúdo absorvido pela última – que se consubstanciava como uma ordem para que alguém, em localidade diversa, pagasse a quantia devida, em outra moeda, ao beneficiário da cautio. Assim, é comum se dizer que da lettera ou littera cambii surgiu a letra de câmbio moderna.

Por outro lado, a cautio, e o seu conteúdo de representação de obrigação do subscritor e criador do título, é vista como o documento originário da nota promissória148.

3. CONCEITO

A nota promissória é um título de crédito que tem como declaração originária e necessária a emissão, cujo conteúdo é uma promessa de pagamento. É diferente da letra de câmbio, cujo saque contém, diretamente, uma ordem, e mediatamente, uma promessa de pagamento.

4. REQUISITOS

Os requisitos da nota promissória – que possuem as mesmas regras da letra de câmbio quanto à supressão da falta de alguns deles – estão previstos no artigo 75 da LUG:

148 Otávio Augustus tem certas dúvidas quanto à veracidade dessa afirmação. Mas “historicamente se diz que é isso”.

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14 de junho de 2008

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Artigo 75 A nota promissória contém: 1º) a denominação “nota promissória” inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a redação desse título; 2º) a promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada; 3º) a época do pagamento; 4º) a indicação do lugar em que se efetuar o pagamento; 5º) o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga; 6º) a indicação da data em que e do lugar onde a nota promissória é passada; 7º) a assinatura de quem passa a nota (subscritor).

São necessários, então: a) a expressão “nota promissória”149; b) a promessa150, que deve ser pura e simples, como toda declaração cambiária – não comportando condição, apenas termo; c) a época do pagamento – se não for identificada, considera-se à vista; d) local de pagamento – em não constando algum, expressamente, é o domicílio do emitente; e) nome do tomador ou do endossatário – a nota promissória, obviamente, admite endosso; f) local da emissão; g) assinatura do emitente.

Todos esses requisitos somente são exigíveis no momento da apresentação da nota ao devedor, podendo ser preenchidos posteriormente – conforme as regras da letra de câmbio, e de possível cláusula de preenchimento, estudadas anteriormente –, exceto a assinatura do emitente, por óbvias razões.

5. FIGURANTES

Do ponto de vista formal, o emitente da nota promissória equivale ao sacador da letra de câmbio, uma vez que ambos realizam a declaração originária e necessária de seus títulos de crédito (emissão, no primeiro caso, e saque, no segundo). Emitente e sacador criam aqueles títulos.

Do ponto de vista substancial ou material, o emitente equivale ao aceitante da letra de câmbio, pois tanto um quanto outro realizam promessas de pagamento, se tornando, dessa forma, obrigados diretos. Fazendo-se as devidas adaptações, o regime jurídico do emitente da nota promissória é muito semelhante ao do aceitante da letra de câmbio; por exemplo, para se executar qualquer deles, faz-se desnecessário o protesto151.

* *

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149 Ou , numa nota promissória esquizofrênica.

150 “O dez é só uma promessa, eu tenho pressa, não quero ir pra final, não...” (paródia tosca de Engenheiros do Hawaii).

151 Bom, nesse momento, eu tentei perguntar para o professor se a inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé fica mitigada na nota promissória, como afirma André Luiz Santa Cruz Ramos, mas o professor disse que não – e mais: “o Podivm dele é de Fórmula 1...”. Tá, mas se o mais direitista dos autores de Direito Comercial aceita a relativização daquele princípio – citando muita jurisprudência do STJ –, dá pra, pelo menos, considerar a possibilidade, né, “Monsieur Vagabond” (o apelido de Otávio Augustus nas periferias francesas)?

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14 de junho de 2008

CHEQUE

SUMÁRIO: 1. Direito positivo. 2. Conceito. 3. Pressupostos. 4. Natureza. 5. Forma. 6. Requisitos. 7. Modalidades. 7.1. Cheque visado. 7.2. Cheque pré-datado. 7.3. Cheque administrativo. 7.4. Cheque cruzado. 7.5. Cheque para ser levado em conta.

1. DIREITO POSITIVO

O regramento jurídico do cheque é dado pela Lei n.º 7.357/85, com aplicação subsidiária da Lei Uniforme de Genebra, em havendo lacuna na legislação especial.

2. CONCEITO

Pode-se aproveitar aqui o conceito da letra de câmbio – título de crédito que contém uma ordem de pagamento do sacador ao sacado em favor de um terceiro – para se esboçar um conceito de cheque. Acrescentando-se a condição necessária do sacado e a relação que deve haver entre ele e o sacador, conclui-se que cheque é o título de crédito cuja declaração cambial originária e necessária é uma ordem de pagamento à vista do sacador ao sacado – este, necessariamente, uma instituição financeira –, em razão de provisão de fundos decorrente de contrato de depósito ou de abertura de crédito. Assim, o cheque só pode ser sacado em face de instituição financeira, e deve haver fundos (quantia monetária depositada) ou crédito aberto (em caso de cheque especial).

Dentro dos estudos de classificação dos títulos de crédito, viu-se que a letra de câmbio (desde o período alemão) é abstrata, uma vez que não se pressupõe obrigação do sacado perante o sacador, bem como nenhuma relação jurídica em especial entre os dois. Já o cheque é título causal, pois pressupõe uma relação jurídica pela qual o sacador terá provisão de fundos em face do sacado, que sempre é uma instituição financeira.

3. PRESSUPOSTOS

São pressupostos do cheque: a) o saque; b) a provisão de fundos; c) a disponibilidade; d) uma convenção.

O saque cria o título, mas é necessária a provisão de fundos (quantum em dinheiro), decorrente de contrato de depósito ou de abertura de crédito; esse último se orienta pelo acordo pelo qual o sacado se obriga a conceder crédito até determinado limite, por determinado período, mediante o pagamento de encargos predeterminados152 – o famoso cheque especial.

Todavia, não basta a provisão de fundos; é preciso haver, também, a sua disponibilidade – que não ocorrerá caso a quantia depositada esteja bloqueada (por decisão judicial, por exemplo), bem como uma convenção, pela qual o sacador possa movimentar aquela provisão por meio de cheque (pois nem toda quantia depositada ou crédito concedido podem ser movimentados cambiariamente).

152 Que não se confundem com a remuneração do mútuo, com seus juros (± 268%) e demais contraprestações. Embora haja discussão doutrinária a respeito de ser o contrato de abertura de crédito uma promessa de mútuo, o professor entende que não é por aí.

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4. NATUREZA

O cheque é um título impróprio ou cambiariforme, por ser uma ordem de pagamento à vista e não realizar qualquer operação de crédito, em razão do pressuposto da provisão de fundos. Quem recebe o cheque não concede crédito, ao contrário do tomador da letra de câmbio. Cheque é, pois, meio de pagamento, e não documento representativo de crédito, por faltar a dilação temporal necessária entre o saque e a exigibilidade do valor do título.

5. FORMA

Conforme a mencionada classificação dos títulos de crédito, o cheque tem forma vinculada, e de maneira absoluta – por instrução do Banco Central. Não pode, assim, o correntista fabricar seu próprio cheque em casa, ainda que siga a formatação exigida. Difere, assim, da duplicata, que é título de forma vinculada, mas de maneira relativa, pois pode ser confeccionado pelo sacador – que deve apenas se atentar para a padronização do documento.

6. REQUISITOS

Estão previstos no artigo 1º da Lei n.º 7.357/85, a saber:

Art. 1º. O cheque contém: I – a denominação “cheque” inscrita no contexto do título e expressa na língua em que este é redigido; II – a ordem incondicional de pagar quantia determinada; III – o nome do banco ou da instituição financeira que deve pagar (sacado); IV – a indicação do lugar de pagamento; V – a indicação da data e do lugar de emissão; VI – a assinatura do emitente (sacador), ou de seu mandatário com poderes especiais. Parágrafo único. A assinatura do emitente ou a de seu mandatário com poderes especiais pode ser constituída, na forma de legislação específica, por chancela mecânica ou processo equivalente.

7. MODALIDADES

7.1. Cheque visado

É aquele que recebeu visto do banco ou da instituição financeira indicada como sacado. Essa figura jurídica nasceu de uma prática comercial – o costume de o sacador solicitar ao sacado uma declaração de provisão efetiva de fundos, que garanta contratualmente o pagamento do cheque. Essa declaração é diferente do aceite, pois este é impossível no cheque, por se tratar de título à vista.

Hoje, o cheque visado está positivado na lei do cheque, mas, antes dela, sua concepção já havia sido assentada pela Junta Comercial. É importante notar que, mesmo sendo o cheque um título causal, e podendo conter o visto, não é o banco (ou instituição financeira) obrigado cambiariamente a pagá-lo. Dessarte, não há como se mover ação cambial contra o sacado, ainda que tenha visado o título. Esse fato não obsta a propositura de ação com base em inadimplemento contratual do banco em detrimento do correntista, mas não se incidirão os princípios basilares do Direito Cambiário.

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A garantia (contratual) de pagamento dada pelo sacado perdura até o final do prazo de apresentação – trinta dias, se o cheque for sacado na mesma praça de pagamento, sessenta dias, se for em praça diversa (ex.: saque em Ilhéus e agência em Itabuna). Findo o prazo, o visto perde o efeito. Na prática bancária, para se evitarem inconvenientes, quando um cheque é visado, imediatamente é indisponibilizado para movimentação o valor do título dentre a quantia previamente depositada, ou é bloqueada uma fração do limite de crédito do correntista, em caso de contrato de abertura de crédito. Se o cheque não for apresentado, a quantia ou a fração do limite de crédito bloqueados são disponibilizados novamente.

7.2. Cheque pré-datado

Cambiariamente, o cheque pré-datado (ou pós-datado153) não existe; ainda que contenha a inscrição “bom para 25 de abril de 2093”, caso o título seja apresentado antes desse termo – e haja fundos –, o banco deverá pagar o seu valor. Embora o Direito Cambiário desconheça o cheque pré-datado, não significa que este não possua valor jurídico contratual – e, portanto, extracambiário. Caso o cheque seja visado, e, posteriormente, seja sacado como pré-datado, o que ocorrerá é que o visto poderá perder sua eficácia antes de se findar o prazo de apresentação, que começará a correr somente a partir da data pré-fixada.

7.3. Cheque administrativo

É o cheque em que o próprio sacador é o sacado. O banco cria o título em favor de terceiro – não necessariamente correntista – contra si mesmo. Essa modalidade é mais uma que visa a dar maior segurança ao beneficiário quanto à existência de fundos.

7.4. Cheque cruzado

O cheque, quando cruzado (com duas linhas paralelas transversais), só pode ser pago a instituição financeira. Assim, o portador do título não pode receber o valor correspondente em dinheiro de maneira imediata, podendo apenas depositá-lo – uma vez que somente o banco poderá descontá-lo. Otávio Augustus explica que não é necessário o depósito, já que quem não é correntista do banco credor pode contratar os seus serviços simplesmente para a apresentação daquele cheque. Porém, no campo prático, há uma coincidência entre cheque cruzado e depósito, que não deve ser considerada em termos conceituais, para que não se confunda com a próxima modalidade.

Cruzamento em branco

O cheque só pode ser pago a um banco ou a um cliente do sacado mediante crédito em conta; lembre-se que, no último caso, o credor do cheque continua a ser o banco do correntista.

Cruzamento em preto

Entre os traços, figura o nome de um banco específico. Isso significa que o cheque somente poderá ser pago ao banco cujo nome conste do cruzamento ou, sendo este também o sacado, a um cliente seu, mediante depósito em conta. 153 Eu não entendo esse negócio de cheque “pós-datado”. Se no dicionário datar é precisar ou definir uma data, não tem como se considerar correto o pensamento de quem acha que essa demarcação ocorre posteriormente ao saque. Quando o cheque é criado, se fixa antecipadamente uma data em que o cheque se tornará contratualmente exigível, ou seja, há uma pré-datação, e não pós-datação.

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7.5. Cheque para ser levado em conta

É aquele que o sacado não pode pagar em dinheiro, por expressa proibição colocada no anverso do título pelo sacador, consistente na expressão “para ser creditado em conta” ou da menção ao número da conta do beneficiário entre os traços do cruzamento. O banco procederá o pagamento por meio de lançamento contábil (crédito em conta, transferência ou compensação)154.

* *

*

154 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de direito empresarial. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. O professor teve que cortar a aula antes de chegar nesse assunto, em virtude da maldita antecipação da prova de Josevandro. Mas eu também acho que isso não é para ser levado em conta.

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DUPLICATA

SUMÁRIO: 1. Conceito. 2. Histórico. 3. Conceito. 4. Caráter facultativo e exclusivo. 5. Livro de registro. 6. Remessa e devolução. 7. A duplicata virtual.

A duplicata é um título importantíssimo para o Direito Cambiário e para a prática empresarial – afinal, ela só pode ser sacada por um empresário, ao contrário dos demais títulos de crédito, que podem ser criados independentemente da qualidade do sujeito. Em se tratando de títulos causais, quando a relação jurídica subjacente está ligada a uma atividade empresarial, somente um empresário pode criá-los.

1. CONCEITO

É um título sacado para representar um crédito havido em face de uma compra e venda mercantil155 ou de um contrato de prestação de serviço, quando o prestador de serviço é um empresário156. É, pois, um título causal, pois só pode nascer desses dois contratos.

2. HISTÓRICO

A duplicata é um título genuinamente brasileiro, que foi copiado – com muita semelhança em alguns países e grandes diferenças em outros – mundo afora (em especial nos países da América do Sul, além de Portugal, França e outros países da Europa Continental). Tem como documento originário a fatura da compra e venda mercantil. Nesse contrato, o vendedor era obrigado a tirar a fatura dos bens vendidos, que consistia numa mera lista dos produtos alienados. Dessa lista, dever-se-ia tirar, também, uma duplicata, a ser assinada pelo comprador; era um documento importante nas vendas a crédito, em que havia prova dos bens vendidos e de seus respectivos preços, representando o direito do vendedor de receber a quantia determinada. Entre presentes, não havia problema; o indivíduo comprava a crédito, assinava a fatura das coisas compradas, comprovava-se a entrega do produto e constituía-se o crédito do vendedor. O documento representava esse crédito e possibilitava o giro comercial, porque o comerciante, por meio de cessão do documento que representava a obrigação, fazia caixa e retornava com seu capital para reinvestimento no tráfico mercantil157. A existência de um documento representativo da compra e venda tem, assim, dupla dimensão: a) prova do crédito

155 Devendo esse contrato ser entendido como “compra e venda empresarial” – realizada no exercício da empresa.

156 É importante notar que, hoje, há uma redução sistemática de duplicatas em papel, sendo substituídas, gradativamente, por duplicatas virtuais – seguindo o fenômeno de “despapelização dos títulos de crédito”, que acaba por pôr em xeque o princípio da incorporação. Viu-se, nas aulas anteriores, como a cartularidade é útil ao regramento jurídico do Direito Cambiário – na transferência dos títulos ao portador e na segurança jurídica, entre outros aspectos. Já que os papéis estão sendo substituídos pelos registros eletrônicos, magnéticos e virtuais, como ficaria o Direito Cambiário? A tendência é se entender que os títulos de crédito subsistirão sem a incorporação, pois o único atributo ou princípio realmente indispensável é o da autonomia (o caráter autônomo do direito de quem recebe o título, manifestado, especialmente, pela inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé). A própria lei das duplicatas permite que se trabalhe com títulos virtuais, inexistentes materialmente. A duplicata é sacada e protestada sem que se manifeste sua existência enquanto “papel” – que será necessário apenas no processo de execução, por exigência do Código de Processo Civil.

157 Que história lindja. Um Dramin, por favor.

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em si; b) instrumento de realização do crédito – por meio de transferência, que possibilita a incorporação imediata da quantia ao patrimônio do vendedor. A fatura, pura e simples, sem assinatura do devedor, é incorporada, atualmente, em documentos para efeito de tributação – as notas fiscais, que relacionam em seu corpo as mercadorias vendidas, mas não provam a existência de qualquer crédito.

Entre ausentes (comprador e vendedor em praças diferentes), surge a necessidade de se ter esse documento, disciplinado no Código Comercial de 1850 como fatura. As práticas comerciais do início do século levaram à criação de um título – numa negociação entre a Associação Comercial de São Paulo e o Ministério da Fazenda158 – que, quando criado pelo credor, e pondo-se selos comprobatórios do recolhimento de tributos, seria hábil para a representação do crédito. Assim, os comerciantes, interessados no expediente desse documento, e o Fisco, preocupado em arrecadar, juntaram a fome com a vontade de comer, dando ensejo a uma lei, que regulava tal documento com essa mecânica. Todavia, a finalidade almejada pelos comerciantes não se concretizou, por diversas razões jurídicas e operacionais, a despeito do sucesso relativo à tributação.

Em 1968, com a lei anteriormente mencionada já revogada, nascia a lei das duplicatas (Lei n.º 5.474/68, alterada pela Lei n.º 6.478/77) com a previsão desse título, que tem lá sua inspiração no documento tratado anteriormente (fatura e “duplicata”).

3. REQUISITOS

Estão elencados no artigo 2º da Lei n.º 5.474/68:

Art. 2º. No ato da emissão da fatura, dela poderá ser extraída uma duplicata para circulação como efeito comercial, não sendo admitida qualquer outra espécie de título de crédito para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador. § 1º A duplicata conterá: I – a denominação “duplicata”, a data de sua emissão e o número de ordem; II – o número da fatura; III – a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista; IV – o nome o domicílio do vendedor e do comprador; V – a importância a pagar, em algarismos e por extenso; VI – a praça de pagamento; VII – a cláusula à ordem; VIII – a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite cambial; IX – a assinatura do emitente.

4. CARÁTER FACULTATIVO E EXCLUSIVO

A duplicata possui caráter facultativo, uma vez que ninguém é obrigado a sacá-la para representar ou exigir ou seu crédito proveniente da compra e venda mercantil ou da prestação de serviço. Há, também, o caráter exclusivo, que decorre do artigo supracitado, o qual estabelece que o vendedor ou prestador de serviço (credor), por conta de seu crédito, não pode emitir nenhum outro título (ex.: letra de câmbio, em que o vendedor/prestador de serviço seria tanto o sacador como o tomador, e o comprador/tomador de serviço seria o

158 E mais uns dois ou três lobistas.

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sacado). A finalidade da proibição é submeter aquelas operações ao regime jurídico próprio das duplicatas, em especial no que diz respeito ao protesto e à execução.

5. LIVRO DE REGISTRO

Quando se estuda a teoria geral do direito empresarial, no que se refere aos livros do empresário, há um que é obrigatório: o diário. Também há livros obrigatórios especiais, a depender da qualidade do sujeito (se for uma sociedade anônima, deverá ter os livros de registro de assembléia geral, de emissão de ações nominativas, de transferência de ações, de emissão de debêntures, entre outros; se for exercida a atividade de armazém geral, deverá haver o livro de entrada e saída de mercadorias).

Se o empresário, qualquer que seja sua atividade, resolver trabalhar com duplicatas, deverá ter como livro obrigatório especial o livro de registro de duplicatas, em que se escriturarão aqueles títulos, contendo data de saque, número da duplicata, sacado, valor e vencimento.

6. REMESSA E DEVOLUÇÃO

A duplicata tem apenas dois figurantes originários e necessários: o sacador e o sacado. Difere, assim, da letra de câmbio, em que figuram sacador, sacado e tomador. O conteúdo da declaração que cria a duplicata também é uma ordem de pagamento, porém o beneficiário da letra de câmbio é um terceiro159, enquanto, na duplicata, é o próprio sacador, já que esse título nasce exatamente para representar um crédito do sacador em face do sacado e servir de instrumento de cobrança.

Sacada a duplicata, ela é enviada ao sacado, para aceite (se a prazo) ou para pagamento (se à vista). Na verdade, podem-se remeter mais de uma duplicata, decorrentes de uma mesma fatura, quando a contraprestação contratual do sacado é dada em parcelas. Por exemplo, numa compra e venda mercantil a ser paga em quatro vezes, o sacador emite quatro duplicatas com o mesmo valor das parcelas. Porém, o parcelamento decorre do contrato, e não do título – o crédito representado preexiste à duplicata.

Como visto em aulas anteriores, o aceite não é obrigatório na letra de câmbio, uma vez que, nesse título, as obrigações decorrem de declarações cambiais, e não da relação jurídica subjacente – que é abstraída. Já na duplicata, se pressupõe que o sacado deve ao sacador. Nesse contexto, o sacado é obrigado a aceitar o título, exceto nas hipóteses do artigo 8º da Lei n.º 5.474/68:

Art. 8º. O comprador só poderá deixar de aceitar a duplicata por motivo de: I – avaria ou não-recebimento das mercadorias, quando não expedidas ou não entregues por sua conta e risco; II – vícios, defeitos e diferenças na qualidade ou na quantidade das mercadorias, devidamente comprovados; III – divergência nos prazos ou nos preços ajustados.

Advindo alguma dessas circunstâncias, o sacado poderá opô-las a quem possuir o título, seja ele o sacador ou qualquer endossatário. É importante notar que a duplicata garante uma vantagem ao empresário, a de prescindir de manifestação de vontade do devedor para constituir seu crédito cambiário.

159 Não necessariamente, professor. O tomador pode ser o sacador – e o título não circular.

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Sendo à vista, a duplicata é remetida ao sacado para pagamento, não sendo necessária a devolução – o sacado paga ou não paga. Sendo a prazo, requer devolução com aceite em trinta dias. Se a duplicata é devolvida sem aceite, para que o credor exerça seu direito, há duas opções: emissão de triplicata160 e envio para protesto por falta de aceite, se não estiver vencida, ou por falta de pagamento, se vencida. Se a duplicata não é devolvida (destruída ou retida), o credor pode fazer as indicações – enviar os dados do título – para o Cartório de Protestos, onde é lavrado o protesto por indicação (com base na falta de aceite ou de pagamento). Para alguns autores o protesto embasará, junto à prova da entrega da mercadoria ou da consecução do serviço, a execução do título, sem que seja necessário, na última hipótese (protesto por indicação), o seu suporte material. Para outros, é imprescindível a triplicata, já que, segundo o Direito Cambiário, o título de crédito é um documento (princípio da incorporação). Tendo o sacador um título já aceito, não é necessário o protesto, uma vez que não executará o sacado, mas sim o aceitante.

7. A DUPLICATA VIRTUAL

Hoje é comum o empresário, em suas operações, passar pelas seguintes etapas exemplificativas: a) realizar, em São Paulo, uma compra e venda a prazo, cujo comprador está em Ilhéus, constando o ato em seus registros contábeis – relativos à fatura/nota fiscal –; b) escriturar no livro de registro o saque de uma duplicata referente ao crédito proveniente daquele contrato, sem emiti-la propriamente em papel; c) solicitar ao banco a cobrança daquela duplicata, devidamente identificada. O título foi sacado, escriturado e enviado ao banco paulistano para cobrança sem que se fizesse presente um suporte material. De São Paulo, o banco transmite eletronicamente o título à agência de Ilhéus, que emite um documento a ser enviado ao sacado, constando o nome do sacador, o número da duplicata, o valor do documento e a data de vencimento – o boleto bancário, que não é acompanhado da duplicata propriamente dita.

O sacado recebe o boleto, e, se pagar, a duplicata se extingue. Se não pagar, o sacador envia as indicações do título ao Cartório de Protestos, sem que o título jamais tivesse sido emitido materialmente. O protesto é lavrado, o sacado é intimado, o sacador fica com o instrumento do protesto (por falta de aceite ou de pagamento), e, com a prova da entrega da mercadoria ou do serviço prestado, poderá embasar a execução da duplicata – momento em que será necessária a sua “papelização”, por exigências do Código de Processo Civil. Há autores que entendem que a virtualização pode invadir até mesmo a esfera processual, prescindindo-se da duplicata impressa no processo de execução, já que é um documento emitido unilateralmente161.

* *

*

160 E se extraviar, manda uma quadruplicata, e depois uma quintuplicata ou pentuplicata até o Brasil ser hexa!

161 Que, para Otávio Augustus, é o mais lógico. Ah, tá, só porque você quer. Vai criar um Direito Processual alternativo só porque lhe é conveniente, Monsieur Vagabond?

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DIREITO COMERCIAL II Aula n.º 20

12 de julho de 2008

DUPLICATA: PROTESTO

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Legislação do protesto. 3. Prazo. 4. Espécies. 5. Cancelamento. 6. Certidões. 7. Execução e ações cambiais.

1. INTRODUÇÃO

Como visto na aula anterior, a prática comercial moderna substitui cada vez mais a duplicata em papel pela virtual; o título impresso só seria necessário na instauração de processo de execução, por exigências processuais (que, para alguns autores, estão mitigadas, sendo desnecessário o suporte material até mesmo em juízo). Em torno disso, há um contexto de desmaterialização do Direito Cambiário, que ocorre inexoravelmente162 - em especial nos certificados de cédulas de crédito bancário, em que, pela primeira vez no direito positivo brasileiro, há expressa menção a meios eletrônicos para a prática de atos cambiários – a lei prevê o endosso eletrônico.

As dificuldades e as soluções para os problemas gerados pela perda da existência física do título são desenhadas hoje pela utilização da duplicata virtual. Especificamente quanto a essa modalidade, há dois posicionamentos antagônicos, em torno da legalidade daquela prática. A crítica negativa que se faz se resume nos seguintes pontos:

• O protesto por indicação previsto na Lei n.º 5.474/68, que embasaria a execução da duplicata virtual, só se refere aos casos de retenção da duplicata pelo sacado, e não-devolução com aceite. Em caso de extravio e perda, é necessária a emissão de triplicata. Assim, não há respaldo legal para protesto de duplicata virtual. Otávio Augustus entende que essa concepção se baseia em interpretação literal da lei, não alcançando a finalidade da norma163;

• A permissão do uso de duplicatas virtuais facilita a vida daqueles que sacam duplicatas frias164 (não correspondentes a qualquer crédito decorrente de compra e venda mercantil ou prestação de serviço) para fazer caixa por um curto período de tempo – em substituição às operações legítimas de hot money (empréstimos de curto período), que têm encargos bem altos. O fraudador (e criminoso, conforme o artigo 172 do Código Penal) realiza o desconto (um contrato que tem por base a alienação – endosso – do título) frente ao banco, que lhe antecipa o valor correspondente, descontada a taxa de juros incidente no período antecipado (se o título vence em trinta dias, será descontado do valor a ser dado ao proprietário do título o juro aplicado nesse interstício)165.

162 Se alguém tiver um Aurélio, leve para Otávio Augustus. Não é “inecsoravelmente”, é “inezoravelmente”.

163 Só porque é bom para o empresário, NÃO É DIREITO ALTERNATIVO, MONSIEUR VAGABOND? Olha, esquizofrenia é doença, viu?

164 E a vida de colegas de Daniel Dantas também. Vai uma duplicata geladinha de R$ 1.500.000,00?

165 E a doença me enoja: Otávio Augustus teve a pachorra de dizer que é possível alguém alegar que não cometeu o crime do artigo 172, se sacou duplicata virtual fria, dizendo que “não a emitiu propriamente”. Pra valer perante o direito empresarial pode, mas para se aplicar uma sanção penal, a duplicata virtual é só uma ficção? Eu, até agora, não consegui acreditar no que eu ouvi. VERGONHA! VERGONHA! ESQUIZOFRENIA!

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OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

Para Otávio Augustus, o mau uso de determinadas práticas não devem lhe tirar sua legitimidade. Defendendo a duplicata virtual, estão Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa e Fábio Ulhoa Coelho.

2. LEGISLAÇÃO DO PROTESTO

O protesto é regulado pela Lei n.º 9492/97166, que, em seu artigo primeiro, define o conceito: “ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada de títulos e outros documentos de dívida”. Todavia, o conceito padece de uma impropriedade: o protesto não prova inadimplemento contratual, mas sim que o credor fez determinado ato – apresentação do título ao devedor para pagamento, ou ao sacado para aceite, e, havendo, em seguida, a falta de pagamento, de aceite ou de devolução.

A lei ampliou o objeto do protesto; hoje não se protestam apenas títulos cambiários, havendo possibilidade aberta, também a outros documentos que representem uma obrigação. Quando o protesto é tirado para prova da apresentação do título, e conseqüente exercício de direitos em face de coobrigados, seja embasado em título cambiário ou não, costuma-se generalizar qualquer hipótese como protesto cambiário. Isso ocorre porque há dois grandes grupos de protestos: protestos cambiários e protestos para fins falimentares; nestes, quando o requerimento de falência é embasado no inadimplemento de um título, é necessário o protesto, ainda que se requeira a falência de um obrigado direto.

3. PRAZO

Há dois prazos, um para apresentação do título ao Cartório de Protestos – sob pena de perda do direito de regresso contra os coobrigados indiretos –, e outro para resposta daquele contra quem foi apontado o protesto. Na duplicata, o prazo de apresentação é de trinta dias após o vencimento (art. 13, § 4º da Lei n.º 5.474/68); na letra de câmbio, é de dois dias. O prazo de resposta para o sacado ou aceitante, depois de intimado, é de três dias, para que se realize o aceite ou o pagamento.

A Lei n.º 9492/97 traz, segundo Otávio Augustus, um dispositivo ininteligível, ou, pelo menos, injustificável: “o protesto será registrado dentro de três dias úteis contados da protocolização do título ou documento de dívida”; esse prazo conta da intimação do protestado. O problema vem a seguir: “quando a intimação for efetivada, excepcionalmente, no último dia do prazo, ou além dele167, por motivo de força maior, o protesto será tirado no primeiro dia útil subseqüente”. Sendo assim, caso o Cartório exceda o prazo de três dias para a intimação, o prazo para a resposta do sacado se reduziria para 24 horas168. No entanto, essa regra é absolutamente ignorada pela prática cartorária. Todos os cartórios, a depender de quando se expediu a intimação, contam os três dias do A.R. dos Correios, independentemente da data de recebimento.

4. ESPÉCIES

Há três espécies de protesto que se referem à duplicata: protesto por falta de aceite, por falta de pagamento e por falta de devolução. Caso a duplicata tenha vencido, só será 166 Não tenho certeza se é essa lei; a letra do professor estava aquela beleza de sempre.

167 Há, na verdade, dois prazos de três dias: um para o Cartório expedir a intimação, e outro, a contar daquele ato, para a resposta do sacado.

168 Que seriam suficientes se o sacado fosse Jack Bauer.

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possível o protesto por falta de pagamento. Às vezes se inclui uma quarta espécie, o protesto por indicação, porém não prospera essa classificação, já que se refere apenas à forma do protesto, que sempre se embasará na falta de pagamento, aceite ou devolução.

O protesto por indicação é realizado sem a exibição do título, apenas com as suas indicações, bem como as informações do livro de duplicatas. Retomando o que foi trazido na aula anterior, há divergência doutrinária a respeito da necessidade ou não de se incorporar aos autos do processo de execução a triplicata, caso a ação tenha por base um protesto por indicação, ou a duplicata “papelizada”, caso essa tenha sido sacada virtualmente. O Código de Processo Civil exige o título para a execução, mas parte da doutrina (que o professor segue) entende ser dispensável a forma impressa, por se tratar de um documento produzido unilateralmente.

É importante lembrar que não é necessário o protesto para se executar o sacado que aceitou e devolveu a duplicata. Já a duplicata não-aceita requer o protesto, sendo o único caso em que a formalidade é necessária para a execução de um obrigado direto cambiário.

5. CANCELAMENTO

O protesto é cancelado quando o título é pago ou quando o credor assim solicita. Para que haja o cancelamento por conta de efetivo pagamento, é necessário que o sacado realize o adimplemento por completo, sem qualquer negociação com o sacador. Se este aceitar valor abaixo daquele constante no título, o protesto só será cancelado por iniciativa sua, mas não com base no pagamento realizado.

6. CERTIDÕES

As certidões cartorárias registram os protestos efetuados contra determinada pessoa por cinco anos. Passado esse prazo, os protestos não mais constarão nas certidões, bem como os protestos cancelados, salvo se o protestado requerer – para alegar um ato indevido e suscitar reparação de perdas e danos – ou por ordem judicial.

7. EXECUÇÃO E AÇÕES CAMIBIAIS

Título executivo é aquele que, definido taxativamente pelo Código de Processo Civil, embasa uma ação de execução. Nem todo título executivo, obviamente, é um título de crédito, mas em sendo, ele, no plano processual, implica uma ação cambial, que pode ser de execução ou de conhecimento. O que dá a natureza cambial não é a espécie processual (ação de execução ou ordinária), mas sim a sua causa de pedir: o exercício de um direito contido num título de crédito. No entanto, 99% das ações cambiais são de execução.

A qualidade de ação cambial acarreta uma sumarização horizontal da cognição, uma vez que se extraem da apreciação do julgador as exceções pessoais possivelmente alegadas pelo devedor – há redução da matéria apreciada. Tudo aquilo que não diga respeito à estrita relação entre credor e devedor cambiários não é levado em consideração na decisão judicial. No plano vertical, a cognição permanece exauriente, fundada em juízo de “certeza jurídica”.

Há, também, ações cambiais de conhecimento – aquelas cuja causa de pedir é um cheque cuja pretensão executória sofreu prescrição. O cheque perde sua executividade em seis meses, contados da expiração do prazo de apresentação (que é de trinta dias, se sacado

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na mesma praça do banco, ou sessenta dias, se sacado em praça diversa; para qualquer dos coobrigados contra os demais, os seis meses são contados do dia em que se pagou o cheque ou se foi acionado). No entanto, a lei do cheque prevê a ação de enriquecimento ilícito ou de locupletamento contra o emitente ou coobrigados, que prescreve em dois anos contados do dia em que se consumar a prescrição da ação de execução.

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DIREITO COMERCIAL II Aula n.º 21

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TÍTULOS CEDULARES

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Títulos de crédito rural. 2.1. Notas e cédulas de crédito rural. 2.2. Nota promissória rural. 3. Títulos de crédito industrial, comercial e à exportação. 4. Limite de juros.

1. INTRODUÇÃO

Há várias espécies de títulos cedulares, merecendo especial destaque a cédula de crédito rural, pela sua importância no mercado agrícola, e a cédula de crédito bancário, por suas características peculiares e certas vicissitudes que ensejaram a sua criação. Todos eles tem em comum a cédula, que será definida adiante.

O que caracteriza e define os títulos cedulares é a sua necessária vinculação entre o título e determinada linha de financiamento. Há que se fazer aqui uma distinção entre financiamento e mútuo (espécie de empréstimo): O financiamento é um contrato de mútuo, porém o valor mutuado tem uma destinação específica, contratualmente estabelecida. Num financiamento de um carro, há um mútuo destinado à aquisição do veículo pelo mutuário ou por terceiro.

Os títulos cedulares decorrem sempre de um financiamento, diferentemente dos demais títulos de crédito; o cheque, a nota promissória ou a letra de câmbio também podem ter como relação jurídica subjacente um empréstimo, mas não de maneira obrigatória. Nos primeiros, além da vinculação a um financiamento, há também o exercício necessário de alguma atividade econômica específica – que deve possuir a característica de empresa, que, no desenvolvimento da atividade produtiva nacional legitimaria operações de crédito diferenciadas, com regramento próprio, em função do interesse social169. Sendo diversas as atividades, há normas especiais que incidem sobre cada uma delas no que tange aos títulos cedulares – crédito rural, à exportação, comercial, industrial entre outros. Parte dessas normas dizem respeito a um importante instrumento jurídico de operacionalização170, que são os títulos de crédito respectivos.

Para que títulos fossem instrumento jurídico desses financiamentos, fez-se necessários desenhá-los com certas peculiaridades, inerentes à sua natureza e que os distanciam dos demais. As cédulas têm, na sua composição, as cláusulas e as condições – unilateralmente assumidas – relativas ao contrato de financiamento pelo qual foram emitidas. Em relação ao subscritor da cédula, prova-se a existência daquele contrato, uma vez que as obrigações e condições assumidas pelo mutuário estão contidas no corpo do título.

Aquilo que não ocorre em relação aos demais títulos – a interferência das condições do contrato na relação cambiária – é justamente o que dá a especificidade das cédulas. Já na letra de câmbio e na nota promissória, a declaração originária e necessária deve ser pura e simples, não comportando condição, somente termo. Tendo que constar no título os pormenores do contrato, uma cédula de crédito rural pode ter mais de cinqüenta páginas.

169 Sei. Como isso beneficia a todos...

170 Que vocabulário mais tosco, professor... Tá na hora de parar de falar em “operacionalização” a cada dez palavras.

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Dentro da principiologia dos títulos de crédito, poder-se-ia afirmar que as cédulas não possuem o atributo eventual da independência171, já que podem ser necessários outros documentos apartados para que se satisfaça a pretensão executiva do credor. Junto à cédula de crédito rural, geralmente, vem o cronograma de liberação dos recursos objeto do financiamento e um plano de aplicação – v.g. “financiamento para erradicação da vassoura de bruxa” –, que fazem parte das condições do contrato (as quais o mutuante deverá cumpri-las sob pena de vencimento antecipado do título e outros encargos). É imperativa, pois, a necessidade do estrito cumprimento do cronograma de das instruções advindas do pacote tecnológico vinculado ao mútuo.

A instituição financeira, na mobilização de seu crédito, por meio de alienação do título via endosso, transfere o seu valor, porém vão junto as condições do contrato, pois estão estampadas no título, e são da essência da cédula172. Não há, assim, descolamento entre a obrigação cambiária e a relação contratual.

2. TÍTULOS DE CRÉDITO RURAL

Estão disciplinados no Decreto-lei n.º 167/67, compondo-se de notas e cédulas de crédito rural, duplicatas rurais e notas promissórias rurais.

2.1. Notas e cédulas de crédito rural

Dentro do grupo dos títulos de crédito rural, há notas e cédulas. Em ambas se fazem presentes as cláusulas e condições contratuais, que podem ser opostas ao credor, caso o título tenha circulado, mas, nas cédulas, a garantia prestada pelo devedor é real, enquanto na nota, é meramente fidejussória. Eis as espécies de cédulas de crédito rural:

• Cédulas de crédito rural pignoratícias; • Cédulas de crédito rural hipotecárias; • Cédulas de crédito rural pignoratícias e hipotecárias.

Ao lado das notas e cédulas, que estão ligadas a operações realizadas junto a instituições financeiras, há dois outros títulos que se relacionam com a gênese econômica da atividade que os enseja – a duplicata rural e a nota promissória rural. As operações, aqui, se dão entre produtor rural e comprador – não mais entre produtor e instituição financeira.

2.2. Nota promissória rural

Nota promissória rural é aquela emitida por quem compra produto rural a crédito. Por exemplo, um produto vende, a crédito, mil sacas de cacau à Joanes, que, como garantia do pagamento emite uma nota promissória rural correspondente ao valor da compra. A diferença para a nota promissória comum está nas obrigações do primeiro endossante: este não garante o pagamento do título. Sabe-se que o endosso oferece duas garantias, a da

171 Não confundir a falta de independência do título com a independência das obrigações nele contidas, que sempre estará presente. Entre os títulos independentes, a letra de câmbio, a nota promissória e a duplicata aceita e devolvida (se devolvida sem aceite ou retida, faz-se necessária a prova da entrega da mercadoria, bem como o protesto do título, para se embasar uma execução).

172 Não se ofende o princípio da literalidade, já que as cláusulas e as condições são previstas por lei para constarem no título – ao contrário dos demais, em que a condição ou invalida o documento ou é tida como não-escrita.

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verdade e a do pagamento, mas, na nota promissória rural, o produtor (primeiro endossante) apenas transfere a propriedade do título. O risco para quem recebe a nota como garantia do pagamento, e precisa realizar o crédito antecipadamente (transferindo o título), seria muito grande, caso houvesse inadimplemento por parte do comprador, e ainda houvesse a necessidade de se pagar o valor da nota ao endossatário que não obteve o pagamento do obrigado direto (emitente)173 e 174.

3. TÍTULOS DE CRÉDITO INDUSTRIAL, COMERCIAL E À EXPORTAÇÃO

Em relação a títulos de crédito industrial (Decreto-lei n.º 413/69), comercial (Lei n.º 6.840/80), e à exportação (Lei n.º 6.313/75), a mecânica muda pouco, ou quase nada. Há uma ou outra especificidade em relação a esses financiamentos, principalmente em função do objeto – geralmente financiamento de maquinário industrial ou aquisição de matéria prima. Cada uma dessas atividades tem regramento e títulos de crédito próprios.

Esses títulos também podem vir sob forma de cédulas ou notas de crédito, com as diferenças já mencionadas. As cédulas oferecem garantias reais, pignoratícias, hipotecárias ou ambas.

4. LIMITE DE JUROS

Em relação aos títulos cedulares, as instituições financeiras estão dispensadas da imposição legal de limite de juros, porque a lei que trata do sistema financeiro estabelece que elas obedecerão aos limites de juros definidos pelo Conselho Monetário Nacional. Não se aplicam, então, as restrições da Lei de Usura, nem do Código Civil175 – incidentes apenas quando o devedor não é empresário. Para Otávio Augustus, não se pode estabelecer uma correlação direta entre limite de juros e abusividade176, uma vez que esta dependerá das circunstâncias de cada negócio.

A capitalização (anatocismo, juros sobre juros, para ser mais claro), por outro lado, é vedada, salvo nas operações em que a legislação expressamente permite. Em relação às cédulas, a lei admite a capitalização anual de juros.

* *

*

173 E tome chororô.

174 Notem que ele não falou de duplicata rural.

175 Nem mesmo as restrições do artigo 192 da Constituição, quando ainda tinha a redação original, eram aplicáveis, segundo Otávio Augustus. Estou sem palavras!

176 Ou onerosidade excessiva, ou imprevisão ou cláusula rebus sic stantibus (tudo by Paola).

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TÍTULOS CEDULARES (Continuação)

SUMÁRIO: 1. Cédula de produto rural. 1.1. Cédula de produto rural x cédula de crédito rural. 1.2. Emissão. 2. Cédula de crédito bancário. 2.1. Histórico. 2.2. Conceito. 2.3. Executividade. 2.4. Capitalização. 2.5. Outros caracteres. 2.6. Endosso eletrônico

1. CÉDULA DE PRODUTO RURAL

É regulada pela Lei n.º 8.929/84. O que existe em torno da criação do título e da sua estrutura está na idéia de buscar um instrumento facilitador do financiamento privado da atividade rural. Os outros títulos de crédito rural, em seu sistema, pressupõem uma grande intervenção estatal no setor, porque estaria a se conjecturar que a grande fonte do financiamento do crédito rural é o setor público. Com o esgotamento da capacidade do Estado de ser o responsável pelo financiamento dessa atividade, cada vez mais se buscaram instrumentos a fim de possibilitar que o setor privado, nas suas mais variadas formas, pudesse financiar a atividade produtiva.

Um dos instrumentos dessa facilitação é exatamente um título que bem veicula a operação de crédito concedida pelo setor privado – até mesmo fora do sistema financeiro. Bem veicula no seguinte aspecto: por um lado, é seguro para o devedor, pois alguns direitos lhe são assegurados; por outro, busca um contexto que facilita o adimplemento ou evita taxas elevadas de inadimplência do financiamento. O grande fator de inadimplemento encontrado pelo setor rural (além das intempéries) é a oscilação de preço, quando esta está vinculada ao passivo do produtor. Às vezes, há colheita da quantidade programada, porém com valor menor que o esperado no mercado, gerando impossibilidade do pagamento do mútuo.

A cédula de produto rural, enquanto moeda-produto, promove uma “securitização”, pois o valor do título está estabelecido em produto rural, não em pecúnia. Mesmo que o valor do produto caia, a possibilidade de inadimplemento do financiamento se reduz, já que o que interessa é a entrega do produto. O produtor assume o débito “na sua moeda”, estando imune à oscilação de preço.

1.1. Cédula de produto rural x cédula de crédito rural

A grande diferença da cédula de produto rural para a cédula de crédito rural é que, nesta, a obrigação do produtor é de dar quantia monetária certa, e, naquela, a obrigação é de dar coisa incerta (o produto rural, definido em gênero e quantidade). A garantia fidejussória de uma é o produto; noutra, a quantia monetária definida.

Outra diferença é que na cédula de produto rural, a obrigação do produtor é facultativa, uma vez que pode ele, o devedor, realizar a liquidação financeira, dando o valor atual em dinheiro em vez do produto – sem que isso acarrete prejuízo ao credor. Se a cédula prevê obrigação de dar mil sacas de cacau, pode-se aferir o valor de mercado e pagar em dinheiro. Tal operação visa a atender as necessidades mercadológicas decorrentes da

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circulação desse título. Quem endossa garante o pagamento em produto, mas, com a possibilidade de liquidação, há aberta a possibilidade de o endossante – que pode não ter nada a ver com o meio rural – cumprir a obrigação cambiária em dinheiro.

Por fim, na cédula de crédito rural, o credor originário é sempre banco ou instituição financeira, o que não precisa ocorrer na cédula de produto rural – já que foi criada para financiamento pelo setor privado não restrito à instituição financeira, mas aos demais agentes do mercado. Na cédula de produto, há uma venda antecipada da produção.

1.2. Emissão

A cédula de produto rural tem como declaração originária e necessária a emissão, cujo conteúdo se consubstancia como uma promessa de pagamento de coisa incerta. Difere de uma nota promissória, pois toda cédula, além de valor e data, contém em seu texto outras condições vinculadas ao contrato que lhe deu origem177.

2. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO

2.1. Histórico

Há um contrato utilizado em larga escala pelas instituições financeiras, que é o contrato de abertura de crédito – aquele em que uma parte se obriga a conceder crédito, por determinado período e até determinado limite178 (e mediante o pagamento de encargos contratuais) – no momento em que a outra solicita. Um grande exemplo desse contrato é o cheque especial, em que o crédito é solicitado e concedido por meio de movimentação da conta corrente via cheque. Há outros exemplos também, envolvendo, especialmente pessoas jurídicas. Ao fim do contrato, o beneficiário do crédito deve restituir o que foi lhe dado em mútuo, pagando, também, os juros – que decorrem do empréstimo, não da abertura de crédito em si.

Havendo saldo devedor apurado em planilhas (extratos de conta corrente), já assumido como líquido e certo pelo devedor, caberia ao credor ação de execução, já que se trata de título executivo. Mas, de praxe, o que acontecia era de o correntista emitir uma nota promissória em branco, cujo valor era preenchido conforme o saldo devedor apurado unilateralmente pelo banco. O Código de Defesa do Consumidor considera nula qualquer cláusula que imponha ao devedor a possibilidade de o credor de um contrato emitir um título de crédito para representar a obrigação. Porém, na situação ilustrada anteriormente, é o devedor quem emite a promissória – ele não concedeu poderes para o fornecedor do serviço bancário para isso.

O Superior Tribunal de Justiça assentou jurisprudência no sentido de que o contrato de abertura de crédito, mesmo acompanhado de todos os extratos que comprovem a movimentação bancária, não é título executivo, por faltar-lha a liquidez e a certeza – já que os documentos que confeririam esses atributos são produzidos unilateralmente pelo banco. Também não poderia se considerar título executivo uma nota promissória preenchida pelo 177 O professor cometeu o grave erro (detectado por Elder) de afirmar que pode uma pessoa que não é produtora rural emitir uma cédula dessas. A lei veda. Custava dar uma lidinha antes? Ah, também não tem no seu Vade Mecum Saraiva? Tá explicado.

178 O meu limite de paciência com essa matéria já extrapolou há muito tempo.

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banco conforme os extratos emitidos por ele. Para Otávio Augustus, as restrições jurisprudenciais inviabilizavam esses contratos, já que, havendo inadimplemento, o banco teria que mover ação de conhecimento. A solução (para os bancos) foi a criação179 da cédula de crédito bancário, advinda da Lei n.º 10.931/03.

2.2. Conceito

Trata-se de uma cédula cujo objeto é a promessa de pagamento de quantia certa, e, por ser cédula, contém condições provenientes do contrato subjacente. É um título causal – pois só um financiamento bancário pode originá-la; o credor inicial sempre é um banco ou instituição financeira. Quem emite é o devedor, geralmente correntista do banco.

2.3. Executividade

A legislação específica prevê que, em caso de contrato de abertura de crédito, ela será emitida pelo valor do crédito aberto, mas, no vencimento, será exigida no valor do saldo apurado pelas planilhas apuradas pelo credor, nos termos da cédula. Por expressa disposição legal, o título é apurado na forma do contrato de abertura de crédito, solucionando os problemas de alegação de iliquidez e incerteza180.

2.4. Capitalização

A legislação da cédula de crédito bancário permite a capitalização, ou seja, cobrança de juros sobre juros. Num simples contrato de abertura de crédito, isso não é possível.

2.5. Outros caracteres

• Na cédula de crédito bancário, há dispensa do protesto para execução dos obrigados indiretos.

• As garantias se operam no mesmo sistema das cédulas de crédito rural (garantias fidejussórias e reais), podendo haver, também, um contrato de alienação fiduciária – em que o devedor transfere a propriedade resolúvel de um bem a seu credor.

2.6. Endosso eletrônico

A lei prevê que o banco pode reunir várias cédulas e emitir um título que as represente – um certificado de cédulas de crédito bancário. Certificado é um documento que incorpora o bem que representa. Por exemplo, um certificado de depósito confere ao proprietário do título o direito real sobre a coisa depositada. Difere de um recibo de depósito, que prova o contrato, não a existência do bem. Da mesma forma, o certificado, emitido pela instituição financeira ou banco incorpora todas as cédulas bancárias num só título. Endossando-o, é como se estivesse ocorrendo a alienação de todas as cédulas nele contidas.

A lei menciona que a transferência de titularidade desse certificado de cédulas bancárias se dá por meio de registro eletrônico no Sistema de Liquidação e Custódia do Banco Central e, no dispositivo seguinte, estabelece que tal registro tem efeito de endosso. Assim, opera-se o endosso eletrônico, o primeiro ato cambiário previsto expressamente para

179 Na base do lobby. Arerê-ê-ê, um lobby, um hobby, um love com você-ê-ê ê-ê!

180 Já estão alegando inconstitucionalidade dessa coisa.

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ser realizado de maneira “despapelizada”. Junto à duplicata virtual, representa o fenômeno de relativização do princípio da incorporação, o novo paradigma do Direito Cambiário moderno.

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