dificuldades de aprendizagem na construção da leitura

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  • 8/7/2019 dificuldades de aprendizagem na construo da leitura

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    Dificuldades de aprendizagem no processo deconstruo da leitura e da escrita. Sugestes

    para a sala de aula135

    Psicopedagogia

    Dificuldades de aprendizagemno processo de construo daleitura e da escrita. Sugestes

    para sala de aula

    Marly Mariza Rodrigues1Maria Laura Puglisi Barbosa Franco2

    1 Pedagoga, psicopedagoga, mestrandaem psicologia educacional doUNIFIEO. Psicopedagoga Institucionalda Secretaria de Educao doMunicpio de Barueri DAE(Departamento de apoio especiali-

    zado).2 Ps-Doutorado pela UNICAMP.Doutorado em Educao (Psicologiada Educao) PUC/SP. Professora doMestrado em Psicologia Educacionaldo UNIFIEO.

    RESUMO

    Este artigo aborda algumas dificuldades de aprendizagem que se apresentam no processode construo da leitura e da escrita, a partir de leitura realizada atravs das heranasbiolgicas e culturais que constituem o indivduo humano.

    PALAVRAS-CHAVE

    Aprendizagem. Leitura. Escrita.

    ABSTRACT

    This article approaches some learning difficulties that come with the construction

    process of reading and writing, from a reading accomplished through the biologicaland cultural heritages that constitute the human individual.

    KEY-WORDS

    Learning. Reading. Writing.

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    Dificuldades de aprendizagem no processo deconstruo da leitura e da escrita. Sugestes

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    Psicopedagogia

    Introduo

    A elaborao deste artigo fundamenta-se em minha prtica como

    psicopedagoga institucional, na rede de ensino municipal de Barueri. Trabalho

    com os nveis de ensino de maternal a 8 srie e, a partir da pr-escola, recebo

    encaminhamentos com queixas das professoras sobre as dificuldades deaprendizagem dos alunos.

    As queixas acerca das dificuldades situam-se em diversos patamares do

    processo de desenvolvimento da criana, quais sejam, manifestaes de

    gaguez, trocas na fala com conseqente ou no trocas na escrita, dificuldades

    de compreenso auditiva, dispraxias (problemas de coordenao de

    movimentos), atrasos de linguagem etc.

    Em meu trabalho, realizo a escuta da queixa da professora, com breve

    avaliao do desenvolvimento global do aluno e elaboro devolutivaentrelaando a queixa da professora com as observaes realizadas na

    avaliao do aluno para, ento, sugerir algumas atividades em sala de aula

    que podero auxiliar no processo de aprendizagem do aluno.

    Neste artigo, enfocarei o nvel da pr escola, por questo de praticidade,

    pois as atividades que sero sugeridas ao longo do texto referem-se a estruturas

    globais de desenvolvimento, necessrias a toda ordem de aprendizado.

    Entretanto, comumente, queixas similares so encaminhadas tambm no

    ensino fundamental, o que faz do artigo, no mnimo, um texto para ser lidocomo apoio s dificuldades de aprendizagem de 1 a 8 srie.

    No final do artigo, apresentarei algumas conceituaes plausveis no

    mbito pedaggico, bem como sugestes de atividades em sala de aula.

    Este artigo fundamenta-se na psicologia social de Vygotski e,

    predominantemente, em Vitor da Fonseca.

    Breve histria das dificuldades de aprendizagem

    Fonseca (1995) refere que a problemtica das dificuldades deaprendizagem alicerou-se com o desenvolvimento das sociedades. Nos

    sculos XII e XIV, entrava-se na escola por volta dos 13 anos.

    No sculo XVI, os jesutas estabeleceram a entrada para a escola aos 7

    anos e existiam ainda as classes de nvel que abarcavam alunos, crianas

    com 8 anos e adultos de 24 anos. No sculo XVIII, as mudanas de atitudes

    provocadas pela filosofia de Rousseau e de Diderot transformam o ensino em

    ensino para todos e na base da diversidade.

    No sculo XIX e XX, os pensamentos de Montessori, Decroly, Frebel,Makarenko, entre tantos, reforam ainda mais a idia de a escola estar aberta

    para a vida devendo, simultaneamente, ser obrigatria para todos, incluindo-

    se os filhos dos menos favorecidos e privilegiados.

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    Dificuldades de aprendizagem no processo deconstruo da leitura e da escrita. Sugestes

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    Psicopedagogia

    No decorrer de 7 sculos, a idade para entrada na escola alterou-se tantas

    vezes (incluindo adultos com crianas, estabelecendo-se nveis de ensino,

    retomando e buscando transformar-se, impondo-se exigncias que abarcassem

    a todos o direito de estudar, assumindo tantos e tantos mtodos), que a escola

    finalmente abriu-se para um nmero maior de crianas, aumentou as taxas deescolarizao e, concomitantemente, provocou inmeros processos de

    inadequao. Portanto, num breve aporte sobre a histria das dificuldades de

    aprendizagem, estas foram produzidas a partir de cada perodo histrico, em

    determinado tempo, no qual se postulava uma determinada ideologia (teoria

    pedaggica).

    Ocorria que, quando os mtodos eficazes para a maioria no serviam mais,

    criavam-se processos de seleo e de segregao para outras crianas, como

    acontece ainda nos dias atuais. Nesse sentido, essa breve exposio histrica

    das dificuldades de aprendizagem chama-nos a ateno que as crianas nopodem mais continuar a ser vtimas de mtodos e de correntes pedaggicas

    que esto na moda, de normas avaliativas de rendimento e eficcia, entre

    tantos.

    Falar sobre dificuldades de aprendizagem na escola nos remete noo

    de que a escola, como instituio educacional, essencialmente reveladora

    dos problemas da criana e no s dos seus atributos e competncias.

    (FONSECA, 1995)

    Nessa perspectiva, lembramos que o ritual social de passagem da famlia escola primria revela-se como uma ruptura muito significativa para a

    criana. Intensificando nosso olhar, trata-se de uma passagem brutal de um

    meio protetor e seguro (a famlia) para um meio aberto (a escola) e quase

    sempre inseguro.

    So vrias as perspectivas pelas quais podemos abarcar as dificuldades

    de aprendizagem, quais sejam, lesionais e cerebrais, perceptivo-motoras,

    neurolgicas, de integrao (uma ou mais sndromes) etc. Neste artigo, vamos

    nos deter nas dificuldades de aprendizagem, voltadas para a linguagem, comoaquisio oral e escrita.

    A faculdade da linguagem

    Os estudos realizados por Vygotski do desenvolvimento histrico-social

    da linguagem constituem, talvez, sua contribuio mais especfica para a

    compreenso dos processos mediadores no e com o processo de

    desenvolvimento das funes psicolgicas superiores. Vygotski compreende

    que a linguagem egocntrica etapa de transio entre a linguagem social e

    a linguagem interna, em um processo maior no qual a linguagem se coloca evai sendo constituda como parte integrante do desenvolvimento cognitivo

    da criana, uma vez que permite ela, entre outras funes, perceber e

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    Psicopedagogia

    apropriar-se da realidade atravs das categorias lingsticas e ainda poder

    planejar e regular suas atividades.

    Refere-se tambm, explicitamente, s mudanas evolutivas produzidas e que

    se produzem com a funo planejadora da linguagem, exemplificando que

    nossos experimentos mostraram mudanas altamente complexas na

    inter-relao da atividade e da linguagem egocntrica. Observamos

    como a linguagem egocntrica, em primeiro lugar, manifestava o

    resultado final ou o momento da mudana de uma atividade,

    situando-se posteriormente, de forma gradual, no meio e, finalmente,

    no incio da atividade, adotando uma funo diretiva, planejadora e

    elevando os atos da criana ao nvel da conduta propositiva.

    (VYGOTSKI in MARCHESI, 1993, p. 29).

    Enfocarei quatro estgios, quatro momentos de desenvolvimento dalinguagem, comumente,observados pelas professoras e citados em suas

    queixas:

    compreenso da linguagem oral;

    sua reproduo;

    compreenso da linguagem escrita;

    sua reproduo.

    Em se tratando do ensino infantil, Fonseca (1995) refere que enquanto

    no se estabelecer a lateralizao no plano motor (movimentos da criana),

    freqentemente, podemos nos deparar com inverses, a saber, omisses,

    substituies, adies, repeties etc, na leitura.

    As inverses ocorrem porque as palavras so armazenadas (no crebro)

    no hemisfrio no dominante e, em decorrncia, as crianas trocam b/d, q/p,

    u/n, 6/9, e/ou ainda suas combinaes: do lido como bo, pai como qai, 69

    como 96 etc.

    Sem ter adquirido dominncia hemisfrica (a lateralizao motora), a

    criana pode experimentar grande confuso da qual resulta a dificuldade de

    aprendizagem. Isto decorre do fato de que, atualmente, as pesquisas em

    neuroanatomia, neurofisiologia, revelam de modo incontestvel que a

    mielinizao do hemisfrio esquerdo inicia-se por volta dos seis anos, sendo

    posterior do hemisfrio direito, colocando-se aqui em relevo o papel

    preventivo e a funo facilitadora da psicomotricidade na obteno da

    lateralidade, acentuadamente quando ocorre e assegurada no perodo da

    pr-escola.

    Em proposies filogenticas (espcie) e ontogenticas (indivduo

    humano), a evoluo da linguagem na criana se inicia a partir das lalaes1,

    1 Houaiss eletrnico da LnguaPortuguesa 1.0 - 2001. Rubrica:psicologia. balbucio ldico-infantil,preparatrio ao uso correto da palavra,caracterizado pela repetioindefinida que a criana faz - peloprazer de faz-la - de rudos e

    fenmenos diversos, que percebe emsua vizinhana imediata, ouespontaneamente emite. Derivao:por extenso de sentido. qualquer falaininteligvel, esp. aquela que soacomo um balbucio de um beb.

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    Psicopedagogia

    desenvolvendo-se medida que o mecanismo motor da fala se encontra

    integrado com os centros auditivos, a fim de produzir ecos dos sons vocais

    dos outros (ecolalias2), sem, no entanto, se dar compreenso do significado.

    De modo abreviado, aps as ecolalias, a associao dos sons com objetos

    ou idias que os representam permite a ampliao do vocabulrio da crianadesde nomes, frases simples e curtas, uso de verbos, evoluindo gradualmente

    para estruturas de linguagem mais longas e complexas, referindo-me etapa

    citada da compreenso da linguagem oral e sua reproduo. Por volta dos 6

    anos, a criana estar hbil a adaptar-se a outros smbolos da linguagem,

    iniciando ento os processos de leitura e escrita (correspondente da maturidade

    anatmica ou fisiolgica da regio do girus angular primeiro sulco temporal

    do hemisfrio dominante Fonseca, 1995), referindo-me etapa citada da

    compreenso da linguagem escrita e sua reproduo.

    Algumas condies que podem levar s dificuldades de aprendizagem

    As condies elencadas so citadas por Fonseca (1995):

    1. elevada percentagem de crianas que no tm quantidade e qualidade de

    experincias sensrio-motoras e perceptivo-motoras decorre

    naturalmente desde o nascimento at a entrada na pr-escola;

    2. alimentao das crianas em situao de aprendizagem, com carncia

    calrico-protica que pode afetar gravemente as condies de

    escolarizao. Questes de ateno, hiperatividade, de comportamentopodem ser rapidamente resolvidas com nutrio qualitativa;

    3. o insucesso escolar provocado por mltiplas e crnicas repetncias,

    cujo efeito na sade mental das crianas pode ser causador de sentimentos

    de inferioridade, auto-desvalorizao, apatia, hiperatividade, isolamento

    etc;

    Neste sentido, faz-se necessrio compreender, de um modo ou de outro,

    que o gosto pela cultura se constri quase que principalmente na escola

    primria, na medida em que o professor compreenda a cultura, no como um

    meio/forma seletivo de oportunidades para uns, porm, e fundamentalmente,

    como meio de emancipao, de autonomia, de desenvolvimento e de

    realizaes das crianas (alunos).

    Percebamos que, sob esse prisma, decorre uma transformao dos

    currculos escolares, proporcionando em casos de riscos programas

    curriculares individualizados de aprendizagem, combatendo inmeras formas

    desumanas e pouco dignas de segregao, excluso e humilhao das crianas

    (alunos).

    4. A necessidade de formao universitria dos professores primrios e a

    contnua capacitao, porque lidam com seres humanos candidatos a

    2 Substantivo feminino - hbito oumania de fazer rimar palavras, falandoou escrevendo.

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    Psicopedagogia

    hominizao3, pois, pelo fazer dos professores primrios (pr-escola e

    1 4 sries) que se pode combater o analfabetismo funcional (crianas e

    adultos) que em nosso pas, alm de assustador, comprometedor de

    vrias dimenses scio-culturais e scio-econmicas.

    Processos hierrquicos de constituio da linguagem

    Fonseca (1995) afirma que para se compreender as dificuldades de

    aprendizagem, necessitamos compreender as aquisies especificamente

    humanas de modelo hierarquizado da linguagem.

    Apoiando-se em Myklebust (1967; 1978), o autor apresenta um modelo

    hierarquizado da linguagem, cuja gnese origina-se na experincia (na ao,

    como defende Piaget, na interao social como postula Vygotski),

    incorporando-a por meio da linguagem interior, mais tarde prolongando-se

    na linguagem falada, subdividida em linguagem receptiva e em linguagemexpressiva. Finalmente, e como conseqncia, constitui-se a linguagem escrita,

    tambm subdividida em receptiva (leitura) e expressiva (escrita).

    Resumidamente, com o objetivo de compreenso didtica e pedaggica,

    apresentarei as respectivas hierarquias da linguagem.

    Linguagem interior: no-verbal e verbal

    A criana em seu desenvolvimento no adquire primeiro as palavras e

    depois seus significados. O desenvolvimento da linguagem implica a vivnciade experincias significativas e s depois a aquisio das palavras. Em outras

    palavras, parafraseando Vygotski: apenas quando o mundo circundante e

    envolvente for manipulado e experimentado, a partir das interaes sociais,

    que ele assume alguma significao, no apenas porque a criana interioriza

    o envolvimento (inter e intrasubjetivao), como tambm porque comea a

    compreender as palavras (pelo significado prtico vivenciado), que

    efetivamente representam a experincia.

    Quando a linguagem interior constituda pela utilizao inteligvel dos

    objetos, pela organizao espacialmente significativa dos brinquedos, pelas

    expresses emocionais no-verbais, das mmicas, a representao simblica

    da experincia vai permitindo criana a progressiva compreenso dos

    smbolos auditivo-verbais e simultaneamente a progressiva descoberta da

    realidade.

    A linguagem, como sistema simblico complexo, assenta-se e fundamenta-

    se quando a criana compreende a interiorizao das suas experincias,

    envolvendo inicialmente a linguagem no-verbal, a qual, a partir do corpo e do

    gesto, da expresso facial, do contato visual e da dialtica das emoes, vodando significao s coisas e s experincias. Concomitantemente, a linguagem

    gestual vai consolidando a linguagem interior.

    3

    Houaiss eletrnico da LnguaPortuguesa 1.0 - 2001. Rubrica:antropologia, biologia. Aquisio decarter ou atributos distintivos daespcie humana em relao s espciesancestrais; hominao.

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    Psicopedagogia

    Fonseca (1995, p. 205), em um s tempo, refere-se a Vygotski e a Wallon:

    A significao o fator dominante da aquisio da linguagem e est contida

    no corpo. O corpo vai descobrindo as palavras. O gesto vai preparando a

    evocao do primeiro sistema simblico.

    Para os professores, na rea da linguagem interior, podemos integrar osfatores da linguagem no-verbal, como por exemplo: imagem do corpo,

    orientao espacial, expresso gestual-corporal etc. Percebemos que neste

    perodo, o corpo meio de comunicao total, pois, pela ao no-com o

    mundo, que o corpo (indivduo humano-candidato hominizao a criana)

    vai incorporando significaes que justificaro a progressiva apropriao das

    palavras e de seus significados.

    Linguagem auditiva receptiva (compreenso)

    A linguagem receptiva evolui da linguagem interior. A linguagem interiord lugar compreenso da experincia, a linguagem receptiva, compreenso

    das palavras. As palavras dependem das suas significaes, como postula

    Vygotski. Para Vygotski, o desenvolvimento da linguagem baseado na

    apropriao individual da experincia scio-cultural, transmitida do adulto

    para a criana, atravs do comportamento verbal simblico.

    Fonseca (1995) pondera sobre as diferentes e incompatveis abordagens

    acerca da aquisio da linguagem e diz que, em relao ao desenvolvimento

    da linguagem, no que se refere s dificuldades de aprendizagem de ordemprimria (sem causas genticas) e secundrias (causas genticas), este

    tem sido estudado como processo longitudinal, integrando diferentes

    aspectos fonticos, semnticos e sintticos. Todos estes aspectos

    desenvolvem-se interdependentemente (Harriot), podendo, no entanto,

    evoluir em diferentes velocidades e ritmos. Paralelamente, durante

    todo o desenvolvimento da linguagem, vo se observando processos

    preestruturados de maturao neurobiolgica, e que so mais

    significativos entre o nascimento e os quatro anos, onde se do

    transformaes qualitativas (Geschwind) muito importantes:estruturas neuronais, padres sinpticos, fibras de interconexo

    crtico-corticais etc. (1995, p. 205).

    A criana compreende o que ouve depois de ter apreciado o que v. De

    fato, o que a criana ouve depende do que v, e o que v depende do que

    mexe e experimenta. Encontramos aqui a razo de ser da linguagem, como

    sistema multissensorial, que joga com a percepo e a conceitualizao da

    realidade envolvente.

    A evoluo da linguagem no comea na palavra, j que a expresso

    sintomtica, a expresso corporal e a comunicao rudimentar (jogos,

    interaes, reforos etc) so alguns dos componentes da fase pr-verbal. A

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    Psicopedagogia

    criana no orientada para contemplar a realidade, mas orientada para agir

    sobre a realidade. Neste sentido, a ao precede a cognio.

    A linguagem receptiva (auditiva receptiva) caminha de uma fase passiva

    na qual a criana receptora, para uma fase ativa na qual a criana

    espectadora e atora, enraizando-se num comportamento lingstico anteriorao comportamento simblico.

    Vemos esse comportamento nos gorjeios expressivos, nas interjeies

    faciais, nas modelaes de entoaes, nas vocalizaes, nas comunicaes

    prticas, nas ecolalias, nas duplicaes silbicas, nos jogos sonoros e verbais

    e outros, como expresses que demonstram a integrao e a comunicao de

    significaes que constituem o processo dominante da aquisio da linguagem

    e a base do cdigo verbal.

    Fonseca (1995) citando Chomsky enfatiza que a simbolizao, ao associarsons a significados, permite que o cdigo seja integrado. Aqui se encontra o

    fulcro da revelao da competncia lingstica.

    A partir do exposto, entendemos que a linguagem o resultado da

    transformao de informaes sensoriais e motoras em smbolos,

    significativamente internalizados, ou seja, a linguagem compreende um

    comportamento representacional simblico-verbal.

    Muitas dificuldades de aprendizagem so reveladas quando a criana entra

    na escola e, quase que freqentemente, depende de perturbaes de ordemda compreenso auditiva.

    Uma observao importante, relacionada estritamente com a linguagem

    no-verbal, um tipo de dificuldade (dispraxia) em planificar e executar um

    gesto intencionalmente solicitado, tendo em vista um fim integrado

    simbolicamente. Essa observao relevante, pois, na grande maioria das

    vezes, estamos preocupadas em trabalhar na expresso (na prtica) e nos

    esquecemos de abordar a recepo da criana. importante no esquecer que

    as crianas comeam a utilizar-se das palavras, somente a partir do momentoem que percebem a sua significao experincias significativas.

    Linguagem auditiva expressiva (fala ou linguagem oral)

    Ao abordar a linguagem auditiva expressiva, Fonseca a equaciona em

    trs dimenses, quais sejam: 1) rememorizao, 2) formulao e 3) articulao.

    1) rememorizao: na chamada da informao (o lxico) para formular a

    expresso espontnea, a criana seleciona as palavras e a sua mobilizao

    ativa no discurso (fala). Muitas crianas reconhecem as palav ra s, mas

    no conseguem utiliz-las espontaneamente na oralidade.

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    Psicopedagogia

    Neste caso, observamos que a expresso oral da criana restrita, seu

    vocabulrio empobrecido e, em muitos casos, pode apresentar vrias

    substituies e hesitaes.

    A dificuldade situa-se na capacidade de selecionar as palavras para tornar

    o discurso econmico, claro e preciso. Neste mbito da linguagem falada, adisnomia constitui uma dificuldade em lembrar ou evocar palavras, ou em

    designar objetos e lugares.

    Fonseca nos conduz a observar que a aquisio da funo auditiva

    necessria aprendizagem e utilizao da linguagem falada exige uma

    integridade psiconeurossensorial que permite discriminar sons semelhantes e

    organizar sons seqencialmente para formar palavras. Portanto, os sons da

    fala tm que ser armazenados e disponveis quando necessrios expresso.

    Quando tais sons encontram-se armazenados, porm, no disponveis, ou seja,

    quando a criana tem dificuldade de recham-los instantaneamente, e isto

    se deve alguma disfuno cerebral.

    2) formulao (das frases): neste caso, a dificuldade no se relaciona com o

    vocabulrio, porm, sim, com a sintaxe a estrutura da linguagem, seus

    padres, as frases e os perodos nos quais as seqncias das palavras so

    construdas pela criana.

    Neste mbito da linguagem falada, a disfasia compreende uma dificuldade

    em planificar e organizar palavras na expresso de idias em frases completas.

    A caracterstica dominante desse tipo de dificuldade de aprendizagem

    no est no uso de palavras ou de pequenas frases, mas na distoro ou omisso

    de palavras e algumas imprecises que envolvem alteraes, entre elas: ordem

    de palavras, tempos e terminaes de verbos, uso de pronomes, de preposies,

    de artigos, entre outros.

    3) a articulao: neste caso, a dificuldade encontra-se na produo de padres

    de ordem motora necessrios para falar, ou seja, no se observa na criana

    a associao entre as palavras e os padres motores que possam traduzirseu equivalente auditivo interiorizado seu equivalente motor expressivo

    (fala). Fonseca enfatiza que essa funo refere-se a uma funo como

    prxis que converte sons em atos (....) como verdadeiro transdutor auditivo

    motor.

    Neste mbito da linguagem falada, a disartria como dificuldade de

    articulao, uma espcie de afasia4 expressiva e tem sido designada como um

    tipo de afasia motora, de apraxia5 e de apraxia verbal.

    Segundo Fonseca, a disartria relativamente independente do processosimblico, uma vez que envolve mais uma questo de controle motor do ato

    de articulao. Refora ainda que a disartria, que se relaciona com a produo

    de sons, no pode ser confundida com disfonia (problemas de voz) ou disritmia

    4 Houaiss eletrnico da Lngua Portu-guesa 1.0 - 2001. Derivao: por ex-tenso de sentido, sentido figurado.Rubrica: neurologia.Enfraquecimen-to ou perda quase total do poder decaptao, manipulao e por vezesde expresso de palavras comosmbolos de pensamentos, em virtudede leses em alguns centros cerebraise nodevido a defeito no mecanismo

    auditivo ou fonador.5 Rubrica: neurologia. Impossibilidadede executar movimentos coordenados(marcha, escrita), conquanto no hajaafeco da motricidade e da sensibi-lidade.

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    para a sala de aula144

    Psicopedagogia

    (problemas de bloqueios). A disartria pode ser resultante de questes

    neurolgicas ou de rgos articulatrios (maxilares, dentes, palatino, faringe

    etc).

    Linguagem visual receptiva (leitura)

    Filogentica (filos espcie) e ontogeneticamente (ontos ser indivduo),

    a linguagem auditiva foi e a primeira linguagem adquirida, afirma Fonseca,

    1995, p. 209.

    Neste sentido, precisamos de algumas clarezas acerca do processo de

    constituio da leitura e da escrita.

    Vimos que a linguagem escrita, que depende do processo visual, sobrepe-

    se linguagem falada, que depende do processo auditivo. Portanto, a

    aprendizagem da leitura no constitui a aprendizagem de uma nova linguagem; a mesma linguagem. Contudo, agora, a linguagem auditiva j conhecida

    pela criana vai ter que se relacionar com linguagem visual que a constitui (a

    leitura).

    Devemos observar que os sinais auditivos (fonticos) agora tm que

    corresponder aos sinais visuais (grficos), ou seja, para a criana a

    aprendizagem da leitura coloca um problema de transferncia de sinais.

    A leitura um duplo e o segundo sistema simblico (do visual ao

    auditivo), que representa a realidade e a experincia. Por conseguinte, aaprendizagem da leitura s pode fazer sentido para a criana, e isto deveria

    ser conseqncia do processo de aprendizagem, quando a leitura constitui-

    se numa relao simblica entre o que se ouve e diz, com o que se v e se l.

    Referindo-se leitura, Fonseca apresenta o quadro abaixo:

    O autor esboa sinteticamente as fases que constituem o processo da

    leitura, quais sejam:

    1) descodificao de letras e palavras pelo processo visual, atravs da

    categorizao (letra-som) que se verifica no crtex cerebral;

    2) identificao visuoauditiva e tatilquinstesica que se opera na rea de

    associao visual;

    3) correspondncia smbolo-som (grafema-fonema) que traduz o fundamentobsico do alfabeto, isto , do cdigo. Cada letra tem um nome, com o

    qual est associado o fonema (b [b]; i [i] etc). Essa operao

    aparentemente simples, envolve cognitivamente um sistema de converso;

  • 8/7/2019 dificuldades de aprendizagem na construo da leitura

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    Dificuldades de aprendizagem no processo deconstruo da leitura e da escrita. Sugestes

    para a sala de aula145

    Psicopedagogia

    4) integrao visuoauditiva (visuofontica) por anlise e sntese, isto ,

    quando se generaliza a correspondncia letra-som. Fonseca cita Dejerine

    que afirma que o girus angularprocessa esta informao em combinaes

    de letras e sons, como se fossem segmentos, que unidos geram a palavra,

    portadora de significao;5) significao, envolvendo a compreenso atravs de um lxico, isto , de

    um vocabulrio funcional que d sentido s palavras. Cabe rea

    deWernicke a funo de converter o sistema visuofontico em sistema

    semntico.

    E o autor, especificando o quadro anterior, oferece outro quadro que facilita

    ver a complexidade do processo de aprendizagem da leitura. Seguem abaixo

    os componentes simblicos da leitura:

    Com o que vimos at agora, no mais to difcil compreendermos que a

    leitura processo cognitivo que envolve o desenvolvimento de aptides

    auditivas e visuais e as suas inter-relaes dialticas (os sistemas de

    converses).

    Neste sentido e enfatizando, Fonseca citando Mckeachie, afirma que:

    o crebro est preestruturado para processar a informao em moldes

    especficos.Os sistemas preestruturados neurocognitivos incluem

    operaes diferentes nos telerreceptores: audio e viso.A audio

    no direcional, e funciona independentemente da vontade, sendo

    essencial aquisio da linguagem falada. Ao contrrio, a viso

    direcional e volitiva, sendo fundamental aquisio da linguagem

    escrita. (ibidem, p. 210)

    Em relao citao superior, Fonseca diz que nesse sistema dialtico,

    audio e viso, encontra-se provavelmente a explicao da grande dificuldade

    que os deficientes auditivos experimentam em aprender a ler, visto que sua

  • 8/7/2019 dificuldades de aprendizagem na construo da leitura

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    Dificuldades de aprendizagem no processo deconstruo da leitura e da escrita. Sugestes

    para a sala de aula146

    Psicopedagogia

    aprendizagem se baseia preferencialmente no processo cognitivo-visual, sem

    relao com o processo cognitivo-auditivo.

    Sintetizando, por um lado, apoiando-se em processo de desenvolvimento

    neurolgico, o autor aponta que o crebro que aprende e no os olhos,

    portanto, temos que respeitar os processos preestruturados que defendem amaturao dos processos auditivos em relao aos processos visuais. Explica-

    se, portanto, por que as aprendizagens da leitura e da escrita so posteriores

    aprendizagem da fala.

    Enfatiza ainda, com uma leitura eminentemente dialtica, citando percurso

    de estudos histricos de Broca a Geschwind (1861 a 1975) e apoiados em

    Witelson e Pallie (1973) que os sistemas corticais so especializados para

    satisfazer determinadas funes cognitivas, motivo pelo qual observamos

    assimetria anatmica entre os dois hemisfrios cerebrais, o que, por sua vez,justifica desde o nascimento da criana especializao da rea temporal

    esquerda para a recepo da linguagem.

    Portanto, a confirmao da diferente especializao dos dois hemisfrios

    cerebrais aponta para o fato de que a linguagem essencialmente processada

    no hemisfrio esquerdo, enquanto que a informao no-verbal processada

    no hemisfrio direito.

    Nesse sentido, o desenvolvimento da linguagem subentende a maturao

    dos processos preestruturados e a especializao hemisfrica, pois s assim possvel compreender a passagem de sistema auditivo simblico para sistema

    visual simblico.

    Por outro lado, mantendo anlise psicogentica e fundamentalmente

    scio-histrica, Fonseca aponta que a passagem do auditivo simblico para o

    visual simblico operou-se h muito pouco tempo. Afirma ele:

    Em termos filogenticos, a linguagem falada remonta ao perodo

    pr-histrico, enquanto que a descoberta do alfabeto devida aos

    Fencios. um fato incontestvel que no nosso planeta h maislinguagens faladas do que linguagens escritas, explicando-se

    claramente a dependncia de uma em relao outra. A inveno

    do alfabeto foi uma das manifestaes mais significativas do crebro

    humano. (ibidem, p. 210)

    Assim sendo, podemos entender que a criao de um cdigo (no caso o

    alfabeto) como representao visual da linguagem falada assume vrios nveis

    simblicos diferentes.

    A linguagem falada pode ser escrita por figuras (representaes desituaes), figuras e sinais (representaes de palavras), sinal (representao

    de slabas) e sinais (representao de cada uma das unidades fonticas que

    esto na base do alfabeto).

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    Dificuldades de aprendizagem no processo deconstruo da leitura e da escrita. Sugestes

    para a sala de aula147

    Psicopedagogia

    Para ns, importante centralizar que a aprendizagem da leitura comea

    com a aquisio da linguagem auditiva. Isso implica que, a dificuldade de

    leitura coloca, por assim dizer, um problema de desenvolvimento de

    linguagem, e esse problema de desenvolvimento de linguagem nos remete a

    uma questo de desenvolvimento cognitivo.Recordando o que foi visto no incio deste tema: a linguagem escrita, que

    depende do processo visual, sobrepe-se linguagem falada, que depende

    do processo auditivo. Contudo, agora, a linguagem auditiva vai ter que se

    relacionar com linguagem visual que a constitui (a leitura). Para tal, devemos

    ter em mente que os sinais auditivos (fonticos) agora tm que corresponder

    aos sinais visuais (grficos), ou seja, para a criana a aprendizagem da leitura

    coloca um problema de transferncia de sinais.

    Linguagem visual expressiva (escrita)

    Ao chegarmos at aqui, colocamos um lembrete: claro que no podemos

    separar o processo de constituio da linguagem em partes e componentes,

    simplesmente, porque so um todo integrado, desenvolvendo-se na criana

    lenta, gradativa e dialeticamente.

    Filogentica e ontogenticamente, a linguagem escrita expressiva a

    forma de linguagem que mais tempo exige para ser adquirida pelo ser humano,

    porque, para escrever, faz-se necessrio que se observem inmeras operaes

    de ordem cognitiva que so resultantes da integrao dos nveis anteriores dahierarquia da linguagem que aqui destacamos.

    Vitor da Fonseca elaborou um esquema das operaes cognitivas

    necessrias linguagem escrita, como segue:

    1) inteno;

    2) formulao de idias com recurso da linguagem interna, apelando para a

    rememorizao das unidades de significao que se desejam expressar;

    3) chamada das palavras conscincia (valor semntico);

    4) colocao das palavras segundo regras gramaticais (fator sinttico);

    5) codificao com apelo seqncia das unidades lingsticas (relao todo

    + partes);

    6) mobilizao dos smbolos grficos equivalentes aos smbolos fonticos

    (converso fonema-grafema);

    7) chamada dos padres motores (converso visuotatilquinestsica);

    8) praxia manual e escrita propriamente dita.

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    Dificuldades de aprendizagem no processo deconstruo da leitura e da escrita. Sugestes

    para a sala de aula148

    Psicopedagogia

    A escrita, (processo externo) ao contrrio da leitura (processo interno),

    requer a translao dos sons da fala (unidades auditivas) em equivalentes

    visuo-simblicos (unidades visuais), as letras.

    A escrita depende, portanto, da percepo auditiva, da discriminao, da

    memria seqencial auditiva e as rechamadas.

    Observemos que, enquanto a leitura requer da criana uma sntese, a

    escrita (ou o ditado que fazemos em sala de aula) complementa essa sntese e,

    dialeticamente, requer da criana uma anlise.

    No que se refere s dificuldades de aprendizagem da linguagem escrita,

    destacamos:

    1) disgrafia: envolve questes com motricidade fina, coordenao

    visualmotora (olho-mo) e de memria tatilquinestsica, e compreende afase da execuo (ato de escrever);

    2) disortografia: envolve questes de formulao e de codificao (fatores

    semntico e sinttico) que antecede o ato de escrever e compreende a

    fase de planificao (fase ortogrfica).

    De modo geral, tanto a disgrafia como a disortografia esto

    significativamente relacionadas com as dificuldades receptivas da criana. Se

    a criana no pode ler, ela no pode escrever, ou seja, se no h interiorizao

    (leitura), no h exteriorizao (escrita).

    A escrita um sistema visual simblico e como tal converte pensamentos,

    sentimentos e idias em smbolos grficos. necessrio que observemos em

    sala de aula se ocorrem algumas perturbaes nas operaes que seguem

    abaixo:

    1) integrao visuomotora a criana fala e l, mas no consegue escrever

    (executar padres motores para a escrita). Este um exemplo de disgrafia,

    o qual caracterizado por uma dificuldade na cpia (reproduo) de letras

    e de palavras.

    2) revisualizao a criana reconhece as palavras quando as v (alfabeto

    mvel, recortes etc), podendo at l-las, contudo no as escreve, nem

    espontaneamente, nem por ditado, o que evidencia um dficit na memria

    visual.

    3) formulao e sintaxe a criana capaz de se comunicar oralmente,

    realiza cpia, revisualiza e escreve por ditado, porm, no pode organizar

    seus pensamentos e express-los segundo as regras gramaticais. Esta

    condio um exemplo da disortografia.

    A partir do exposto, extramos que, sendo a disgrafia considerada apraxia

    que afeta o sistema visuomotor e, a disortografia uma problemtica da

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    Dificuldades de aprendizagem no processo deconstruo da leitura e da escrita. Sugestes

    para a sala de aula149

    Psicopedagogia

    expresso escrita, que afeta a ideao, a formulao e a produo, assim como

    os nveis de abstrao da criana, comum verificarmos discrepncia entre o

    conhecimento adquirido da criana e o conhecimento que ela pode converter

    em linguagem escrita.

    Portanto, a complexidade da escrita pe em destaque as relaes dialticasentre linguagem e funes cognitivas.

    A linguagem escrita coloca obviamente um problema psicomotor

    (...) De qualquer forma, o aspecto receptivo da linguagem escrita (a

    leitura) est significativamente relacionado com o aspecto expressivo

    (a escrita), dialeticamente dependentes da funo verbal que integra

    os equivalentes auditivo-visuais (escrita) com os visuo-auditivos

    (leitura) (ibidem, p. 214).

    Sugestes para sala de aula

    A partir do exposto, apresento algumas sugestes possveis de serem

    realizadas em sala de aula, que enfocam as reas da psicomotricidade, cognio

    e expresso livre, didaticamente expostas, para que possibilitem a elaborao

    de planos de aula coletivos e, individualizados quando se fizer necessrio.

    As atividades sugeridas foram extradas e reelaboradas6, quase que,

    predominantemente, tendo como apoio o texto: MINISTRIO DA EDUCAO

    E DO DESPORTO Secretaria de Educao Especial Srie Diretrizes Braslia,

    MEC, SEESP, 1995.

    I Psicomotricidade

    a interao das funes motriciais (corporais) e mentais. Seu

    desenvolvimento envolve algumas noes essenciais abaixo discriminadas.

    1. Esquema corporal: percepo do prprio corpo, conceitos das partes do

    corpo como um todo, reproduo de movimentos complexos e

    diferenciados.

    Atividades pedaggicas: diferentes tipos de desenhos em diferentes tipos

    de papis, uso de bonecos variados (pano, papelo), fotos, imagens de

    pessoas, jogos que envolvam o tema corpo, atividades individuais e

    coletivas que envolvam movimentos corpreos entre outros.

    2. Lateralidade: predominncia de um lado do corpo em relao ao outro.

    Atividades pedaggicas: massa para modelar, recorte de linhas/figuras/

    formas, ato de desenhar, colorir, pintar, jogos que envolvam mo e/ou p

    dominante (chutar, pular, correr), jogos e msicas envolvendo lados

    dominantes etc.6 Na elaborao destas atividades,contamos com a inspiradoracolaborao da colega psicopedagogaPatrcia Rodrigues Lopes.

  • 8/7/2019 dificuldades de aprendizagem na construo da leitura

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    Dificuldades de aprendizagem no processo deconstruo da leitura e da escrita. Sugestes

    para a sala de aula150

    Psicopedagogia

    3. Estruturao espacial: noo do EU dentro do espao. Essa noo fundamental para o aluno pois ao ter noo de si mesma como um EU

    igual aos outros e diferente dos outros, o aluno perceber, por exemplo,

    que letras so diferentes de nmeros.

    Atividades pedaggicas: atividades que envolvam noo de em cima/embaixo, maior/menor, dentro/fora, longe/perto etc.

    4. Orientao temporal:noo de que existe um tempo objetivo, fundamental

    para a organizao do pensamento.

    Atividades pedaggicas: noo de manh/tarde/noite, figuras de seqncia

    lgico-temporal para o aluno montar, envelhecimento (linha do tempo),

    msica (ritmo: lento/moderado/acelerado), estaes do ano, es timular

    o aluno a avaliar o tempo que usa para desenhar/escrever seunome etc.

    5. Postura e equilbrio: Capacidade do aluno em conquistar e manter atitudes

    corporais habituais. Capacidade fundamental para construo das

    habilidades de ateno/concentrao, pois um aluno que no tem postura

    e equilbrio adequados, seu crebro naturalmente desvia a a t e n o

    para corrigir os desequilbrios provocados.

    Atividades pedaggicas: equilibrar-se com um dos ps, movimentar-se

    com os ps no cho, andar com as pontas dos ps, andar em cima de

    linhas retas e onduladas, andar em uma prancha (ex: banco) entre outros.

    6. Pr-escrita (e/ou psicomotricidade fina e/ou coordenao dinmica

    manual): Estgio do desenvolvimento humano que agrega as noes acima

    e o exerccio das mesmas.

    Atividades pedaggicas: atividades que envolvam as mos, traado de

    linhas, jogar e receber bola, tatear de formas (desenhos, peas, esculturas,

    objetos) em diferentes tipos de materiais (barbante, sisal, arroz, areia,

    durepox), realizar pinturas, preencher sobre traados de linhas (retas,

    curvas, denteadas) entre outros.

    Importante

    As noes de esquema corporal, lateralidade, estruturao espacial,

    orientao temporal, postura/equilbrio e a coordenao dinmica manual

    devem ser apresentadas para o trabalho de forma contextualizada e simultnea

    e no em seqncia. Ao professor a tarefa de observar quesitos

    comportamentais de cada aluno imprescindvel, pois cada indivduo tem

    seu tempo de aprendizagem a ser respeitado.

    Exemplo: no se pode exercitar a estruturao espacial sem que se tenhadesenvolvido e dominado o esquema corporal.

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    Dificuldades de aprendizagem no processo deconstruo da leitura e da escrita. Sugestes

    para a sala de aula151

    Psicopedagogia

    II Cognio

    Ato de conhecer e/ou construir o conhecimento de si e do mundo ao

    redor. A construo do ato de conhecer exige a estimulao:

    1. Da percepo: ato de conhecer o objeto e suas relaes para poder atribuir-lhe seus diferentes significados. Fundamental para a construo da

    capacidade simblica (representaes).

    Atividades pedaggicas: discriminao de cores, formas, tamanhos e

    quantidade, anlise/sntese, estmulos visuais, auditivos (reproduo de

    diferentes sons), degustativos e olfativos.

    2. Da memria: capacidade de registrar e de recordar estmulos. O aluno

    somente desenvolver essa capacidade se houver identificado e

    compreendido o que o professor props como atividade. A memria construda atravs da memria visual, auditiva e visomotora (coordenao

    olho-mo). A memria visomotora fundamental para a caligrafia e escrita.

    a) Memria visual: capacidade de reter e de recordar com preciso,

    experincias visuais anteriores.

    b) Memria auditiva: capacidade de reter e de recordar informaes captadas

    auditivamente.

    c) Memria visomotora: capacidade de reproduzir com movimentos dos

    segmentos corporais, experincias visuais anteriores.

    Atividades pedaggicas: jogos de memria, jogos de seqncias, quebra-

    cabeas simples, contar e recontar pequenas histrias, dramatizar pequenas

    cenas e redramatiz- las, pequenas letras de msicas com ref r es e

    mesmas terminaes entre outros.

    3. Da ateno: fenmeno subjetivo que expressa o modo como a mente

    seleciona e fixa determinados estmulos por um tempo varivel, segundo

    a motivao e a fadiga do aluno.

    Atividades pedaggicas: atividades que se desencadeiam por fora da

    motivao (motivao da ao) e desperte o interesse dos alunos.

    Sugerem-se jogos que no visem a competio mas a criatividade.

    4. Do raciocnio: capacidade de usar o pensamento para resolver problemas

    evidenciando o modo como o pensamento se organiza.

    Atividades pedaggicas: quebra-cabeas, classificao de objetos,

    identificao de relao de igualdade/diferena/semelhana, blocos

    lgicos, inventar histrias e jogos, inventar hipteses etc.

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    Dificuldades de aprendizagem no processo deconstruo da leitura e da escrita. Sugestes

    para a sala de aula152

    Psicopedagogia

    5. Da conceituao: classificao atravs da caracterstica do objeto.

    Atividades pedaggicas:sucatas, gravuras, jogos entre outros (cada coisa

    em seu lugar.)

    6. Da linguagem: A linguagem todo sistema de signos que serve comomeio de comunicao entre os indivduos. Est ligada a inmeros aspectos

    como os neurolgicos, motrcios, afetivo-emocionais, culturais, histricos

    e de socializao entre outros.

    Atividades pedaggicas: imitao, reproduo de histria, descrio de

    gravuras, introduo de novas palavras para enriquecimento do

    vocabulrio, diferentes atividades ldicas (fantoches, dramatizaes,

    canes, recitar e ouvir poesias, narraes...) entre outros.

    7. Da compreenso da leitura: entender o que se l em decorrncia dacapacidade em decodificar textos (formar representaes mentais).

    Atividades pedaggicas:pequenos textos, executar leitura e interpretao,

    formar hbito de leitura diferenciada, fazer com que o aluno leia o que

    escreveu, fazer com que o aluno entenda o que leu, entre tantos.

    Importante

    As noes acima constituem aprendizados gerados pelo de ato de conhecer

    e de construir o conhecimento. Devem ser trabalhadas pelo professor de maneira

    contextualizada e com objetivos claros para o professor e para o aluno.

    III Expresso livre

    a capacidade humana de auto-expresso (individual) atravs de diversas

    formas de comunicao na relao consigo mesmo e com o mundo.

    As atividades auto-expressivas so geradoras, por excelncia, de prazer

    e de satisfao, resultantes do potencial do sujeito.

    esse prazer que permite ao indivduo relacionar-se satisfatoriamente

    consigo mesmo, com os objetos e com o mundo ao seu redor.

    Atividades pedaggicas: diferentes formas de comunicao atravs de

    diferentes formas de expresso: atividades de expresso plstica, de

    expresso musical, expresso cnica, expresso verbal, expresso no-

    verbal, expresso corporal etc.

    Importante

    O manejo de coisas e de situaes gera muita satisfao, principalmente

    quando espontneo e em clima de liberdade de ao. Isso no significa queno exista um objetivo pedaggico.

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    Psicopedagogia

    Referncias

    MARCHESI, Alvaro. Desenvolvimento psicolgico e educao: necessidades

    educativas especiais e aprendizagem escolar. Csar Coll; Jess Palcios;

    Alvaro Marchesi. Porto Alegre: Artmed, 1995.

    MINISTRIO DA EDUCAO E DO DESPORTO. Secretaria de educao

    especial. Srie Diretrizes. Braslia, MEC, SEESP, 1995.

    VYGOTSKY, Lev Semenovich. A construo do pensamento e da linguagem.

    So Paulo: Martins Fontes, 2001.

    _____; LURIA; LEONTIEV. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem.

    So Paulo: cone, 1994.

    FONSECA, Vitor da. Introduo s dificuldades de aprendizagem. 2.ed. rev.

    aum. Porto Alegre: Artmed, 1995.