dificuldades de aprendizado na leitura e na … · distúrbios ou transtornos de aprendizagem ,...

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DIFICULDADES DE APRENDIZADO NA LEITURA E NA ESCRITA: repensando sobre o aluno que aprende diferente, suas habilidades e desafios. Ana Lúcia Toledo Fischer da Silva 1 Maria Lídia Sica Szymanski 2 “Se uma criança não pode aprender da maneira como é ensinada, é melhor ensiná-la da maneira que ela pode aprender”. Marion Welchmann Aprendizagem é um processo complexo, que envolve caminhos e tempos individuais e se manifesta em conhecimento, acarretando direta ou indiretamente alguma mudança, que deve ser relativamente duradoura, utilizada em favor do crescimento individual. Segundo Freire (1992, p.27) “Só aprende verdadeiramente aquele que se apropria do aprendido, transformando-o em apreendido, com o que pode, por isso mesmo, reinventá-lo, aquele que é capaz de aplicar o aprendido-apreendido a situações existenciais concretas”. Para Drouet (2006, p.9) existem pelo menos sete fatores fundamentais para que a aprendizagem se efetive, seja qual for a teoria de aprendizagem considerada: saúde física e mental; motivação; prévio domínio; maturação; inteligência; concentração ou atenção; memória, sendo que, quanto a maturação, seria errôneo apoiar-se para avaliação unicamente no critério cronológico, pois a idade mental deve prevalecer, principalmente para o ingresso nas classes de alfabetização . 1 Pedagoga, Especialista em Ensino Especial / UNIVALE e Didática – Fundamentos Didáticos da Prática Pedagógica / Faculdade de Educação São Luiz. Professora da rede pública estadual – NRE/Cascavel/Paraná. Professora do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/SEED/SETI/IES – PR; 2 Profª. Orientadora - Mestre e Doutora em Psicologia pela USP e Pós-Doutora em Psicologia, Desenvolvimento Humano e Educação pela FE-UNICAMP- [email protected].

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DIFICULDADES DE APRENDIZADO NA LEITURA E NA ESCRITA :

repensando sobre o aluno que aprende diferente,

suas habilidades e desafios.

Ana Lúcia Toledo Fischer da Silva1

Maria Lídia Sica Szymanski2

“Se uma criança não pode aprender da maneira como

é ensinada, é melhor ensiná-la da maneira que ela pode

aprender”.

Marion Welchmann

Aprendizagem é um processo complexo, que envolve caminhos e tempos individuais

e se manifesta em conhecimento, acarretando direta ou indiretamente alguma mudança, que

deve ser relativamente duradoura, utilizada em favor do crescimento individual.

Segundo Freire (1992, p.27) “Só aprende verdadeiramente aquele que se apropria do

aprendido, transformando-o em apreendido, com o que pode, por isso mesmo, reinventá-lo,

aquele que é capaz de aplicar o aprendido-apreendido a situações existenciais concretas”.

Para Drouet (2006, p.9) existem pelo menos sete fatores fundamentais para que a

aprendizagem se efetive, seja qual for a teoria de aprendizagem considerada: saúde física e

mental; motivação; prévio domínio; maturação; inteligência; concentração ou atenção;

memória, sendo que, quanto a maturação, seria errôneo apoiar-se para avaliação unicamente

no critério cronológico, pois a idade mental deve prevalecer, principalmente para o ingresso

nas classes de alfabetização .

1 Pedagoga, Especialista em Ensino Especial / UNIVALE e Didática – Fundamentos Didáticos da Prática Pedagógica / Faculdade de Educação São Luiz. Professora da rede pública estadual – NRE/Cascavel/Paraná. Professora do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/SEED/SETI/IES – PR;

2 Profª. Orientadora - Mestre e Doutora em Psicologia pela USP e Pós-Doutora em Psicologia, Desenvolvimento Humano e Educação pela FE-UNICAMP- [email protected].

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Assim, o aprender e não-aprender estão vinculados a várias causas que se interligam

e não devem ser desprezadas quando o educador quer compreender os “porquês” de uma não

aprendizagem, e oferecer possibilidades para que o aluno possa aprender. Na verdade, esses

casos podem envolver várias dificuldades, atrás das quais existe um ou vários fatores

intervenientes. Como alertam Coelho e José (2006, p.24),

(N)na verdade quando o ato de aprender se apresenta como problemático, é

preciso uma avaliação muito mais abrangente e minuciosa. O professor não

pode se esquecer de que o aluno é um ser social com cultura, linguagem e

valores específicos aos quais ele deve estar sempre atento, inclusive para

evitar que seus próprios valores não o impeçam de auxiliar o aluno em seu

processo de aprender.

Estes fatores referem-se aos aspectos: sociais, familiares, individuais, culturais,

psicológicos e também pedagógicos. Ainda, é importante ressaltar que o aluno possui

características neuropsicológicas sobre as quais se desenvolve, e muitas descobertas

neurocientíficas de avaliação do funcionamento cerebral, estão trazendo novos

conhecimentos e/ou respostas para as questões da aprendizagem. A análise desses fatores é

imprescindível para a compreensão dos caminhos que se percorre para o desenvolvimento da

leitura e da escrita, acarretando avanços significativos e colaborando no processo efetivo de

democratização do ensino.

Compreende-se que estudar não é fácil, é necessário apropriar-se de conhecimentos

científicos, é preciso em quase todos os momentos muito esforço e vontade. Estudar dá

trabalho, mas pode ser prazeroso.

Uma tarefa é prazerosa quando pode ser desenvolvida com certa liberdade,

possibilitando a criatividade, a experimentação, o pensar. Segundo Szymanski e Pereira Jr.

(2006, p.34) “quando o conhecimento é apresentado ao aprendiz como uma provocação ao

pensamento, no sentido de melhor explicar o mundo, permite-lhe vivenciar tal prazer de

forma consistente o que promove a instalação do desejo de aprender”.

Faz-se necessário lembrar da importância dos vínculos afetivos estabelecidos com a

aprendizagem, pois um aluno pode esquecer-se de várias lições que aprendeu com alguns

professores, mas vai lembrar-se da atitude docente em relações a ele, e sua postura em

relação ao professor.

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O professor, através de elos de afetividade, favorece uma troca entre ele

e os alunos, ou seja, vivencia um processo de conquista para despertar o

interesse do corpo discente, acontecendo o processo ensino-

aprendizagem. Ele precisa da confiança dos alunos, pois na ausência

dessa relação afetiva, o sucesso de educar será incompleto, com lacunas;

sem o envolvimento deles, não ocorrerá nenhuma aprendizagem

significativa. (SOUZA, 2004, p.270)

Afeto e cognição se constroem em sintonia. Kupfer (1990, p.88) analisando o processo

de construção do desejo de saber a partir de uma visão psicanalítica, aponta para a

importância de estarmos atentos para o fato de que “afeto e cognição necessariamente se

tecem juntos”. Vigotski (2003, p.9) observa que o afetivo e o intelectual se unem, existindo

em um sistema dinâmico de significados.

A afetividade constitui-se, sem dúvida, num ponto extremamente importante no

processo pedagógico. Fante (2005, p.68) reforça que os professores são habilitados somente

quanto ao conteúdo das disciplinas, não sendo valorizada a necessidade de lidar com afeto, e

acredita que deveriam ser preparados para lidar com a emoção dos alunos. A emoção

determina o envolvimento e como conseqüência a qualidade dos registros e experiências

vividas.

Pode-se associar a afetividade a todos os momentos de aprendizagem, inclusive ao

momento de avaliação. Moura (2006, s/p.) apóia-se em Wallon, para referir-se à importância

da relação entre avaliação e afetividade.

A afetividade, além se ser uma das dimensões da pessoa, é uma das fases mais

antigas do desenvolvimento, pois o homem logo que deixou de ser puramente

orgânico passou a ser afetivo e, da afetividade, lentamente passou para a vida

racional. Nesse sentido a afetividade e a inteligência se misturam, havendo a

predominância da primeira e, mesmo havendo logo uma diferenciação entre as

duas, haverá uma permanente reciprocidade entre elas.

A dificuldade de relacionamento em sala de aula, e suas conseqüências afetivas,

podem acarretar um ou vários problemas no aprender, pois ainda que a Educação vise a

autonomia, não se pode confundi-la com individualismo.

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A principal função social das escolas é levar o aluno ao aprendizado da leitura,

escrita, raciocínio matemático, conhecimento científico e histórico. Porém não se pode

esquecer que é preciso despertar o raciocínio crítico e criativo, e o desejo de saber do aluno,

desenvolvendo suas habilidades e respeitando suas diferenças, o que se torna cada vez mais

complexo para os educadores.

Além de dificuldades pessoais, sociais, emocionais e culturais, não há como negar

que o nosso sistema educacional e social também contribui ou, às vezes, até gera mais

dificuldades ao processo de aprendizagem discente, portanto não se pode centrar a

responsabilidade do fracasso apenas no aluno. Faz-se necessário refletir sobre as mudanças

que seriam necessárias em nossos sistemas educacionais.

Quantas das práticas pedagógicas vêm se repetindo há décadas ou séculos? Vive-se

um despreparo, em alguns momentos, por parte também do sistema de ensino, que trata os

desiguais como iguais na questão da aprendizagem, normalmente contribuindo para o

fracasso.

Para Passos (1996, p.117) “(O)os modelos disciplinares que nossas instituições

insistem em adotar, impulsionam focos de resistência e de luta que sugerem caminhos de

possibilidades, e que podem se tornar visíveis quando se estuda o cotidiano escolar”. Os

próprios alunos vão impondo à escola a necessidade de mudança.

Há algumas décadas, a escola era freqüentada por alguns grupos de alunos, que

possuíam condições de chegar até ela. Assim, não eram todas as crianças e adolescentes da

região que estudavam. Destes alunos que iniciavam, muitos paravam de estudar por que eram

declarados como “inaptos” para a aprendizagem pela instituição escolar, e “não davam para

isso”, segundo a família, ou seja, apresentavam dificuldades no processo de aprendizagem.

Com a expansão quantitativa das escolas, por volta da década de 80, no século XX, o

número percentual de crianças que reprovavam e evadiam já na 1ª série do Ensino

Fundamental chegava a 60% em algumas situações.

Hoje, os sistemas democratizam o ensino, a escola não é só um direito, mas também

uma obrigação, o que é necessário. Mas não há preparo para a diversidade na escola, para a

explosão de tecnologia, trazendo informações rápidas e diferentes pelas quais os alunos são

bombardeados diariamente. Acaba-se por confundir informações com apreensão do

conhecimento. Conseqüentemente em sala de aula observam-se mais dificuldades e

desinteresse, a velocidade e o conteúdo dos pensamentos dos jovens mudaram, assim com

seus interesses. É preciso descobrir métodos para lidar com esta realidade.

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Szymanski e Pereira Jr. (2006, p.121) referem-se ao fato de que, com a

obrigatoriedade no ensino, houve aumento do número de alunos e professores, resultando em

problemas aos docentes, que além de não possuírem formação adequada, na época, tiveram

que lidar com a diversidade de crianças em sala de aula. Desta forma, os profissionais da

educação também carecem de atendimento psicopedagógico. Não adianta diagnosticar um

caso e encaminhá-lo ao professor que não recebeu orientação sobre como deve agir ou não

possui as condições de apoio necessárias para que seu trabalho se realize com qualidade.

Dificuldades em vários sentidos vêm-se acumulando nas escolas, num ritmo maior do

que ela está conseguindo acompanhar. Reforçando este fato, Rocha (2002, p.58) refere-se a

diversas situações: alunos que não conseguem superar certas dificuldades, não apenas porque

a escola não se organiza de forma a atender suas necessidades, mas também porque eles

já não se sentem mais competentes para aprender; professores que, submetidos às mais

diversas condições de trabalho, já não conseguem mais lutar contra sentimentos de

impotência e desesperança, o que acaba por expressar-se nas suas práticas, nas relações

com seus alunos, dificultando a construção de um trabalho coletivo e solidário.

Não se trata de procurar culpados para os problemas educacionais, pois todos os

envolvidos são parcialmente responsáveis: família, alunos, sociedade e profissionais. Urge

compreender, tratar com objetividade a realidade entendendo a Educação enquanto um

processo complexo, analisando as possibilidades de superação existentes, na busca da

garantia da aprendizagem discente.

Neste pensar em possibilidades, podemos citar a frase de Gramsci (1978, p.47).

A possibilidade não é a realidade, mas é parte dela, uma realidade:

que o homem possa ou não fazer determinada coisa, isso tem

importância na valorização daquilo que realmente faz.

Possibilidade quer dizer “liberdade”. Mas, a existências das condições

ou possibilidades ou liberdade, ainda não é suficiente: é necessário

conhecê-las, saber utilizá-las. Querer utilizá-las.

Esse querer utilizar as possibilidades pensadas é o ponto crucial para utilizá-las, a

partir das potencialidades existentes, rompendo paradigmas e as crenças limitadores, que se

constituem em barreiras impedindo as rupturas ideológicas as quais viabilizariam levar

adiante a tarefa de transformação que a aprendizagem exige.

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Sabe-se que os fatores como ambiente escolar, ambiente social, contexto sócio-

econômico e emocional em que o aluno está inserido podem causar e posteriormente reforçar

as dificuldades para aprender. Porém, não se podem dispensar os fatores individuais que

interferem nos problemas de aprendizagem.

Estes fatores individuais, que causam problemas, denominados dificuldades,

distúrbios ou transtornos de aprendizagem, têm sido utilizados de forma aleatória, tanto na

literatura geral e especifica, como na prática escolar e de profissionais especializados, para se

referir a quadros com diferentes diagnósticos. Assim, também os termos distúrbios e

dificuldades de aprendizado são usados como sinônimos, sem que se constate uma definição

consensual acerca dos critérios relativos a esses termos.

Alguns autores como José e Coelho (2006), Nutti (2002) e Sisto (2001) sugerem que

os problemas de aprendizagem refiram-se a situações de dificuldades enfrentadas pela

criança que apresenta um desvio do quadro normal, ou sem este desvio, mas com expectativa

de aprendizagem, mesmo que seja a longo prazo. Portanto, as dificuldades de aprendizagem

estariam mais relacionadas a aspectos de ordem psicopedagógica, sócio-cultural ou/e

emocional-familiar pelos quais o aluno passa temporariamente.

Sugerem ainda que o termo distúrbio estaria mais relacionado a situações em que

existe uma doença ou/e comprometimento neurológico constante na vida do aluno. Essas

alterações manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e uso de algumas

habilidades são intrínsecas ao indivíduo e podem estar presentes com ou sem outras

condições desfavoráveis (social, emocional, familiar).

Outra terminologia seria “transtorno de aprendizagem”, registrado no CID-10

(Classificação Internacional de Doenças) elaborado pela Organização Mundial da Saúde,

também citado por Nutti (2002), esclarecendo que o termo é usado de forma a evitar

problemas ainda maiores inerentes ao uso de termos tais como “doença ou enfermidade”.

Transtorno não é um termo exato, porém é usado para indicar a existência de um conjunto de

sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecível, associado, na maioria dos casos, a

sofrimento e interferências com funções pessoais, incluindo transtornos mentais,

comportamentais e psicológicos. Na realidade, não há uma definição aceita universalmente,

os grupos de sintomas são muito heterogêneos, e o mesmo sintoma pode ter diferentes

causas, tornando muito difícil demarcar fronteiras.

Portanto, definir claramente os limites que separam dificuldades, distúrbios e

transtornos não é simples e seria necessário o acompanhamento de especialistas na área onde

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se encontra o problema, os quais são cada vez mais necessários para acompanhamento e

entendimento das dificuldades de aprendizado, especialmente nas situações que envolvem a

leitura e escrita.

A atuação pedagógica, nesses casos, partirá de uma avaliação minuciosa do aluno, e

infelizmente o nosso sistema educacional, apesar de estar começando um caminho neste

sentido, ainda não tem muito espaço para analisar seus resultados.

Muitos destes alunos possuem inteligência normal ou acima da média, porém suas

dificuldades em algumas áreas resultam em uma diferença entre seu potencial e seu

desempenho. É importante valorizar as potencialidades dos alunos, o que usam, fazem e

conseguem com mais habilidade, e não priorizar suas dificuldades. Partir de suas habilidades

para, com esforço e ajuda, conseguir superar ou progredir.

Segundo Ianhez (2002, p.9), muitos acabam se afastando do ambiente escolar por

falta de atenção adequada e desconhecimento do porquê de suas dificuldades, sujeitando-se a

ocupar posições menores na escala social ou até na marginalidade. Quantas habilidades

extraordinárias em determinadas áreas são desperdiçadas, significando, individualmente e

socialmente, menor capacidade produtiva e talento.

Segundo pesquisas internacionais, atestadas pela ABD (Associação Brasileira de

Dislexia), em levantamentos feitos no Brasil, os distúrbios de aprendizagem, em geral,

atingem de 10 a 15% da população (IANHEZ e NICO, 2002).

Todavia, deve-se atentar para dois extremos em relação aos problemas de

aprendizagem: não superestimar a questão, rotulando o aluno com comprometimento

neurológico de maneira simplificada para justificar a dificuldade, quando ela pode estar

apenas no relacionamento ou na inadequação; ou, ao contrário, subestimar um verdadeiro

comprometimento neurológico, atribuindo a culpa à metodologia, à falta de vontade do

aluno, à família, etc.

Os problemas de aprendizagem não podem ser vistos como “sem solução”, e sim,

como desafios que fazem parte do processo pedagógico. Porém, é cada vez maior o consenso

perante a necessidade de identificá-los e preveni-los o mais precocemente possível, para

evitar baixos níveis de auto-estima, que conduzem à falta de motivação e consequentemente

ao fracasso e à indisciplina. É importante observar que esta “identificação” deve ser realizada

com muito cuidado, pois há uma forte tendência a reduzir qualquer dificuldade a distúrbio.

Não é difícil reconhecer o sofrimento de vários alunos com dificuldades, basta ter um

pouco de sensibilidade e observar. Alguns, em apenas uma conversa sobre o assunto, já

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demonstram grande sofrimento e tristeza através de choro e desabafo. Outros, depois de

muito desânimo, parecem que desistem de si mesmos. Alguns partem para atitudes como

agressividade, falta de segurança ou baixa auto-estima, sendo alvo fácil para provocações e

com maior possibilidade de tornar-se vítima de bullying.

Ainda encontram-se alunos que disfarçam suas dificuldades com indisciplina, recusa

para trabalhar ou demonstrando que “não estão se importando”.

Ser considerado, ou sentir-se inadequado e incapaz no grupo em que vive é difícil

para o ser humano. Para uma criança ou adolescente em desenvolvimento pode deixar

lacunas muito tristes e nada saudáveis, pois o não saber é vivido, às vezes, como fracasso

e impotência, e não como desafio. E restaurar a confiança de quem se sente incapaz é um

processo demorado.

Todos têm habilidades em algumas áreas, mas ninguém é perfeito em todas. Faz-se

necessário o conhecimento das dificuldades, e paciência para compreender que estas

dificuldades são muitas vezes necessidades de adaptação, às quais todos os envolvidos no

processo de ensino-aprendizagem devem estar abertos, ou podem ser distúrbios, nos casos

em que o aluno aprende, mas aprende de forma diferente.

A APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA

Atestado por experiências cientifica, o sucesso da aprendizagem, na leitura e escrita

depende da maturidade fisiológica, emocional, neurológica, intelectual e social.

A fala, escrita e a leitura não são funções isoladas e autônomas, são manifestações do

sistema funcional de linguagem, que compreende basicamente três sistemas verbais:

auditivo, visual e escrito. O auditivo é o primeiro a ser adquirido, pois é necessário menos

maturidade neurológica. O mesmo não ocorre com a palavra lida e escrita.

Nem todos que falam, conseguem ler e escrever. O homem está imerso em um

universo falante, porém nem sempre tem acesso à leitura e à escrita. Shaywitz (2006, p.47)

afirma que para falar é apenas necessário ouvir a língua materna.

A escrita é uma forma superior de linguagem, é relacionar o signo verbal ao signo

gráfico. A criança primeiramente aprende a ler para depois escrever, e então, principalmente

através da leitura e da escrita, apropria-se dos demais conhecimentos.

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Iniciar a aprendizagem da leitura e escrita depende de uma complexa integração dos

processos neurológicos e uma harmoniosa evolução de habilidades, citadas por José e Coelho

(2006p. 77):

• Percepção: inicia-se através dos órgãos do sentido. Aos poucos a criança vai

assimilando conceitos sem ter que experimentá-los. Aproximadamente aos 10

anos ela conseguirá trabalhar, cada vez mais eficientemente, com formas

abstratas. Quanto mais desenvolvido o sistema nervoso, mais detalhes poderá

perceber.

• Esquema corporal: Elemento indispensável para a formação do “eu”, o qual é

elemento básico para formação de conceitos. Se não for bem desenvolvido, o

aluno pode ter sérios problemas em orientação espacial e temporal, equilíbrio,

postura, locomoção num espaço, escrita com limites.

• Orientação espacial e temporal: consciência da relação do corpo com o meio

geográfico e percepção do tempo vivido. Se não bem formado, ele poderá ter

problemas em confundir letras, trocar ou inverter sua ordem, dificuldade para

se organizar, para reter idéias, utilizar a concordância verbal, entre outros.

• Motricidade: coordenação motora ampla e fina. Existem distúrbios que

atrapalham a destreza e o equilíbrio.

• Lateralidade: preferência neurológica, importante para muitas atividades,

inclusive leitura. Sua deficiência pode resultar em disgrafia, falta de

orientação espacial, entre outros.

• Psicomotricidade: educação do movimento com atuação sobre o intelecto,

relação pensamento-ação.

• Coordenação visomotora: integração entre coordenação motora global,

motora fina e movimento ocular.

• Ritmo: a falta de habilidade e rítmica pode causar na leitura a lentidão, a

silabação ou a entonação inadequadas, e na escrita pode resultar em palavras

unidas, adição ou omissão de letras ou sílabas.

• Análise e síntese visual e auditiva: capacidade de visualizar, dividir em partes

e rejuntá-las ao todo. A palavra deve ser ouvida, visualizada e escrita. Existem

pessoas com dificuldades de soletrar que não conseguem revisualizar e

reorganizar as letras.

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• Habilidades visuais: no início da aprendizagem os olhos se movem de

maneira desordenada, é preciso estimular as direções possíveis, para que na

leitura seja possível deslocar os olhos da esquerda para direita.

• Memória: capacidade de lembrar sons. Pode ocorrer distúrbio de memória

resultante de disfunção do sistema nervoso central e este pode manifestar-se

apenas no aspecto visual ou auditivo.

• Memória cinestésica: capacidade de reter movimentos necessários à

realização gráfica no universo simbólico (leitura e escrita).

• Linguagem oral: requisito básico para a escrita e leitura. A pronúncia correta

está diretamente ligada à escrita.

• Discriminação visual: capacidade para diferenciar, interpretar e recordar

palavras. A disfunção do sistema nervoso central ocasiona dificuldades como,

seqüência visual, reversão, omissão, repetição, agregação, substituição,

inversão.

• Discriminação auditiva: capacidade de discriminar sons (consciência

fonológica), sobretudo aqueles muito próximos. Nem sempre esta dificuldade

está ligada à perda auditiva. Dificuldades nesta área levam a criança a

confundir sons que tenham pontos de articulação muito próximos. Pode causar

trocas, dificuldades na elocução, pontuação, análise e síntese.

O conjunto harmonioso destas muitas habilidades deve ser estimulado desde muito

cedo e será imprescindível na educação infantil, por serem elementos básicos para o

aprendizado da leitura e escrita. Suas lacunas e desenvolvimento ineficiente podem deixar

seqüelas e dificuldades momentâneas ou permanentes, que acompanharão os alunos por toda

vida escolar ocasionando dificuldades de aprendizado na leitura e escrita e,

consequentemente, em outras áreas do aprendizado.

É triste saber que ainda persiste, em alguns lugares, no sistema educacional, a idéia

de que para trabalhar com crianças pequenas não é necessário muito conhecimento ou

experiência. Historicamente, quanto mais novos os alunos a quem o professor se dedicava,

mais desprezo quanto à sua competência. Ainda hoje, infelizmente, observam-se resquícios

dessa atitude em algumas situações.

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Constata-se ainda, que a educação infantil / educação fundamental 1º a 4º,

educação fundamental 5º a 8º / ensino médio e ensino superior, constituem-se, geralmente,

em momentos estanques. Essa fragmentação prejudica o conhecimento sobre as dificuldades

de aprendizagem, e o acompanhamento geral e individual, que deveria ter uma continuidade,

em respeito ao aluno e em comprometimento com a aprendizagem. Para Shaywitz (2006,

p.101).

Quando deixamos as crianças ficarem muito para trás em qualquer momento

do ensino, passamos a adotar um modelo de intervenção que remedia em vez

de prevenir. Quando as crianças ficam para trás no domínio da capacidade de

leitura, serão necessárias intervenções intensas para levá-las de volta ao nível

adequado de precisão de leitura - e a fluência na leitura pode ser até mais

difícil de recuperar por causa da grande quantidade de prática de leitura que

se perde a cada mês e a cada ano em que continuam a ler com dificuldade.

DIFICULDADES NA APRENDIZAGEM DA ESCRITA

Constituem-se em dificuldades significativas no desenvolvimento de habilidades

relacionadas com a escrita, como mostra Garcia (1998, p.191), produzindo alterações

relevantes no rendimento acadêmico ou nas atividades diárias, as quais não são explicadas

por deficiências nem por baixa escolarização. É comum apresentarem-se alterações e

dificuldades conjuntas (uma, duas ou mais dificuldades) envolvendo leitura, linguagem,

matemática, coordenação e habilidade motora, organização ou concentração, associadas a

dificuldades na escrita.

É mais freqüente em pessoas com problemas no desenvolvimento da fala.

Principais dificuldades encontradas na escrita:

• Disgrafia: dificuldade de passar para a escrita o estímulo visual da palavra. O

aluno não consegue realizar no plano motor o que captou no visual. Não tem

comprometimento visual, nem motor, tampouco intelectual. Os alunos

dísgrafos mais velhos muitas vezes conseguem escrever legivelmente uma

palavra, mas distorcem a seqüência dos movimentos. Os principais erros,

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segundo José e Coelho (2006, p.95), são: apresentação desordenada de texto,

dificuldades com margens e espaços entre linhas e palavras, traçado de má

qualidade, distorção de letras, movimentos contrários ao da escrita

convencional, dificuldade de alinhamento, entre outras.

• Disortografia: incapacidade de escrever corretamente a linguagem oral, trocas

ortográficas e confusão de letra ou sílabas, sem diminuição na qualidade do

traçado da letra. Podem surgir dificuldades em recordar a seqüência dos sons

das palavras organizadas mentalmente.

• Erros de formulação e sintaxe: neste caso a pessoa tem capacidade na leitura

com fluência, linguagem oral perfeita, boa capacidade de compreensão, mas

apresenta uma desordem de formulação, não conseguindo transmitir para a

escrita o conhecimento, acarretando pouca capacidade para a produção escrita.

Na desordem de sintaxe, que pode ocorrer sem a da formulação, ocorre uso

errado de palavras, ordem errada e omissão.

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NA LEITURA

Define-se pela presença se um déficit no desenvolvimento do reconhecimento e

compreensão de textos escritos (GARCIA, 1998, p.173), não se explicando nem por

deficiências, nem por baixa escolaridade. De forma associada, costumam aparecer

dificuldades na fala, na linguagem expressiva e no desenvolvimento da escrita. Estima-se

uma incidência em 8% das crianças na idade escolar.

Principais dificuldades encontradas na leitura:

• Dificuldade na leitura oral: a leitura oral abrange a visão e a audição. O aluno pode

apresentar dificuldades se um desses canais estiver recebendo informação distorcida.

A capacidade de discriminação auditiva e visual interfere neste processo.

• Dificuldades na compreensão da leitura: referem-se a problemas quanto à percepção

do significado do que está escrito ou sendo falado. É necessária a compreensão e

análise crítica de idéias explícitas e implícitas no texto.

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• Dificuldades disléxicas: denominadas dislexia ou transtorno do desenvolvimento da

leitura. A dislexia tem sido bastante estudada, mas ainda é pouco compreendida,

sendo definida na literatura, muitas vezes, como dificuldade na escrita. Porém,

associa-se diretamente ao desenvolvimento da leitura, causando grande parte das

dificuldades de desenvolvimento da aprendizagem na leitura e escrita. Por isso alguns

teóricos a definem como distúrbio da leitura e escrita. Por causar tantas dificuldades

na linguagem como um todo, a seguir, ampliar-se-á sua discussão.

SOBRE A DISLEXIA

Citado por vários autores, como Ianhez e Nico (2002, p.51), Garcia (1998, p.191) e

Shaywitz (2006, p.86), esta dificuldade é mais freqüente nos casos de crianças que possuem

parentes de 1º grau (pais ou irmãos) que já possuem dificuldades similares, ratificando a

hipótese de que a dislexia pode ser congênita, hereditária, apresentando alterações estruturais.

A criança disléxica pode demonstrar sérias dificuldades com identificação de

símbolos gráficos desde o inicio da sua alfabetização, o que pode acarretar fracasso escolar

em várias áreas. A definição, relatada por Ianhez e Nico (2003, p.23), usada atualmente nas

pesquisas de neuroanatomia e neuropsicologia e adotada pela ABD (Associação Brasileira de

Dislexia) é a da Internacional Dislexia Association, elaborada no comitê de 1994: A dislexia

é um dos muitos distúrbios de aprendizagem, é específico da linguagem, de origem

constitucional, caracterizada pela dificuldade em decodificar palavras simples. Mostra uma

insuficiência no processo fonológico. Essas dificuldades na codificação das palavras simples,

não são esperadas em relação à idade. Apesar de instrução convencional, adequada

inteligência, oportunidade sociocultural e ausência de distúrbios cognitivos e sensoriais

fundamentais, a criança falha no processo da aquisição da linguagem com freqüência,

incluído aí problemas de leitura, aquisição e capacidade de escrever e soletrar.

A grande maioria das crianças deseja aprender a ler, mas para a criança disléxica,

a experiência é diferente. A dislexia acarreta a desordem de linguagem, mas não impede

sua aquisição e automação, causando, porém muita dificuldade, a qual como nos outros

problemas de aprendizagem, pode apresentar-se em vários níveis. Na grande maioria dos

casos, podem-se montar estratégias para o desenvolvimento e superação das dificuldades

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na aprendizagem, porém apesar de aprenderem a ler, esses sujeitos continuarão a ser

disléxicos.

A língua escrita é uma transição da linguagem oral. Podemos dizer que são na

verdade duas formas de linguagem, sendo que a linguagem escrita exige processos

educacionais específicos, que envolvem codificação e decodificação, requerendo síntese,

análise e discriminação, sendo necessário extrair significado de sinais gráficos. Estas

características não se apresentam de maneira acentuada no disléxico. Então a aquisição não

ocorrerá no ritmo que se espera, causando muita frustração, dificuldades, expectativas e

cobranças. Shaywitz (2006, p.25) mostra um relato de 1896, quando o termo “cegueira

verbal” foi usado, após observação intrigante de como homens e mulheres com boa visão e

inteligentes podiam carecer da capacidade de ler. O problema da dislexia é mais freqüente

nos meninos, porém constata-se que as meninas muitas vezes não são prontamente

identificadas, ficando mais prejudicadas com o atraso.

Shaywitz (2006, p.53) esclarece que embora o componente fonológico esteja

prejudicado na dislexia, os componentes de nível superior permanecem intactos, como diz:

(A)as capacidades fonológicas não estão relacionadas à inteligência e, na

verdade, são bastante independentes dela. Muitas crianças com

inteligência superior desenvolvem a dislexia, enquanto crianças com

níveis mais baixos lêem com relativa facilidade. As pessoas em geral

ficam surpresas ao descobrir que é a consciência fonêmica, e não a

inteligência, que indica a facilidade de leitura.

Comorbidades que o disléxico pode desenvolver, relatadas por Teles (2004):

transtorno de atenção, disfunção da linguagem, dificuldades escolar, TDA/H (transtorno de

déficit de atenção/ hiperatividade), perturbação do comportamento e desvalorização da auto-

estima.

Autores como Shaywitz (2006) e Garcia (1998) apresentam algumas causas

possíveis para a dislexia:

- Funções específicas do cérebro com alterações na área da linguagem, devido a

alterações no desenvolvimento de algumas áreas;

- Dificuldades no estabelecimento da dominância lateral e assimetria cerebral;

- Diferença na atividade cerebral;

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- Dificuldade no processamento fonológico;

- Lentidão no processamento da informação.

Problemas com a compreensão da leitura; medo de ler em voz alta; dificuldade

em encontrar a palavra certa; palavras mal pronunciadas; dificuldade para usar a memória

mecânica; dificuldade para lembrar a tabuada, para escrever números, letras e palavras;

dificuldades com instruções e organizações; problemas em fazer redação; confusões de

letras, sílabas e palavras (troca, inversão, omissão, falta, substituição) podem estar presente

na vida do disléxico, mas outras habilidades intelectuais, como o pensamento, a razão, a

compreensão , o raciocínio estão intactos e em alguns sujeitos apresentam-se até

ampliados.

Em síntese, ainda que dificuldades de leitura e escrita sejam freqüentes na escola,

deve-se tomar cuidado para não taxar qualquer dificuldade, reduzindo tudo à dislexia.

A literatura apresenta ainda, casos de dislexia adquirida que se referem às seqüelas

de doenças ou acidentes. Entretanto, a prática profissional das autoras deste texto revela que

muitos casos aparentes de dislexia, são decorrentes de inadequações no próprio processo

pedagógico.

Outro problema, que também pode interferir na aprendizagem da leitura e da escrita,

é a hiperatividade e a dificuldade de atenção.

SOBRE A HIPERATIVIDADE E DÉFICIT DE ATENÇÃO

A dificuldade de atenção e a hiperatividade podem dificultar, muitas vezes, o

aprendizado. E, embora este tema encontre-se em evidência atualmente, assim como a

dislexia, exige muito cuidado quando se trata do seu diagnóstico, o qual deve ser feito

somente por profissionais especializados da área. A literatura revela que:

• TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) é mais comum

nos meninos na forma associada hiperativa / déficit de atenção. Como

incomodam na sala de aula, acabam por serem mais encaminhados e mais

diagnosticados. Nas meninas é mais comum a forma desatenta e não

hiperativa, por esta razão, suas dificuldades passam muitas vezes

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despercebidas. Sendo o encaminhamento e diagnóstico não tão freqüentes,

causa muitos atrasos no aprendizado. (Mattos, 2002; Silva, 2003).

• Segundo Mattos (2002) aproximadamente 5% a 8% das crianças apresentem

TDAH. A grande maioria não tem problema de aprendizagem propriamente

dito, e sim tem problema em prestar atenção e se dedicar aos estudos.

• De uma forma muito interessante, a autora Silva (2003, p.23) prefere usar o

termo “instabilidade de atenção”, pois ainda que estas pessoas tenham muita

dificuldade para se concentrarem em determinadas atividades, por outro lado

podem apresentar hiperconcentração ou hiperfoco em assuntos que lhe

despertem grande interesse, como jogos ou leituras específicas. Crianças e

adultos apresentam a área cerebral responsável pelo controle dos impulsos e

filtragem de estímulo, no córtex pré-frontal, não muito eficiente. “Há um

substrato orgânico determinando esta característica”.

• Os hiperativos, na verdade, possuem uma hipersensibilidade para estar ligados

em muitas coisas ao mesmo tempo.

• A quantidade de pensamentos e sentimentos vindos de várias áreas,

normalmente é intensa nos hiperativos, os processos cognitivos emocionais e

imaginativos podem estar aumentados, criando muitas vezes maior

possibilidade de raciocínio e criatividade.

• Acreditava-se que o TDAH desapareceria com o início da vida adulta, o qual

estaria ligado com a maturação cerebral. Entretanto pesquisas e registros mais

recentes (Mattos, 2002; Silva, 2003; Monteiro, 2005) mostram que o distúrbio

frequentemente permanece na idade adulta, ainda que algumas características

possam revelar-se com aparências diferentes.

• Nos adolescentes, assim como nos adultos que aparentemente se “tornaram”

mais calmos com a idade, há uma hiperatividade interna responsável por um

estado de inquietação mental permanente.

• Na característica desatenção, a pessoa com DDA (Distúrbio do déficit de

atenção), por estar inundada de estímulos, não consegue filtrar corretamente,

parece não conseguir priorizar. É-lhe difícil sustentar a atenção e concentração

por tempo e intensidade adequados, e não por que não queira fazê-lo.

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• Quanto à atenção, Galvão (2003, p.110) observa que não há uma postura-

padrão corporal, em qualquer atividade, que garanta a atenção. A atitude varia

conforme a atividade e estímulo e, muitas vezes, são justamente as variações

na posição do corpo que permitem a manutenção da atenção na atividade que

está realizando.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observam-se muitos contrastes quando se analisam as dificuldades de aprendizado.

Essas dificuldades podem ser leves ou profundas, temporárias ou persistentes,

experimentadas por pessoas inteligentes, criativas, capazes, habilidosas, muitas vezes

subestimadas em suas capacidades.

É preciso ter clareza de que não existem soluções prontas, são necessárias alternativas

de intervenções, pois as dificuldades apresentam-se de diversas formas e maneiras. Urge

repensar em métodos, pois todos os métodos obtêm sucesso com alguns alunos, mas nenhum

terá sucesso com todos. Sendo assim, é urgente a redefinição de conteúdos e principalmente

de formas de avaliação, que garantam a formação do ser humano e o desenvolvimento de

suas potencialidades.

Para Perrenoud (1993, p.173) “(M)mudar a avaliação significa, provavelmente, mudar

a escola”. Para mudar a avaliação seria necessário mudar o tipo de relação dos sujeitos com a

cultura escolar e consequentemente mudar a própria escola.

Na cultura escolar, a questão da avaliação é preponderante. Entretanto, quando se

trabalha com dificuldades de aprendizagem é impossível manter os mesmos critérios rígidos

que vêm sendo praticados na escola.

Hoje, há uma tendência a considerar as dificuldades de aprendizado como um

contínuo de gravidade e diferenças, num conceito classificatório que envolve ter ou não ter

dificuldades, que se associa a uma concepção de necessidades especiais, Entretanto, estas

dificuldades podem ocorrer ao longo da vida de qualquer pessoa. Neste sentido, dever-se-ia

falar em necessidades curriculares e diversidades de aprendizagens (SISTO, 2001, p.30).

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Vale lembrar que a Declaração de Samamanca - documento sobre a educação

inclusiva, de 1994 – estabelece que além da inclusão de deficientes, a escola inclusiva é

aquela que contempla muitas outras necessidades educacionais, inclusive as dificuldades de

aprendizado temporárias ou permanentes. Escola inclusiva esta, em cuja construção não

podemos mais nos negar a participar, seja por consciência ou por lei. A grande capacidade da

escola e também seu desafio, não está apenas em como ela lida com o comum, o “normal”,

mas como ela lida com as diferenças, as diversidades. Não basta ter uma escola regular: “Um

ensino regular, tão regular que expulsa quem não se enquadra” (CARVALHO, 2005, p.124).

A escola só ensina todos quando fica atenta à necessidade de respeito ao ritmo, observando a

capacidade individual.

È imprescindível rever práticas e conceitos que correspondam a desempenhos ideais,

nos quais se espera que todos se encaixem no comportamento padrão e tenham resultados

iguais.

Freire (2005) fala em tolerância quanto ao respeito, não à tolerância como um favor,

envolvendo superioridade, mas da tolerância como virtude da convivência humana, da

qualidade de conviver com o diferente, não com o inferior.

A educação é um processo social e individual, fundamental para o ser humano

desenvolver-se, de fato, humanizado e humanizador.

Partindo desta consciência, devem-se procurar formas de adequação pedagógica, que

favoreçam ao aluno, saber suas capacidades, e alternativas para superar suas dificuldades.

Este desafio, colocado aos educadores, exige além dessa adequação pedagógica, a revisão de

conteúdos e métodos de ensinar e avaliar a aprendizagem, flexibilizando até aspectos

administrativos no processo pedagógico, dependendo da necessidade, tais como duração das

aulas, número de alunos com os quais o professor trabalha ou normas disciplinares.

Trata-se de uma relação pedagógica. É lógico que o professor não poderá fazer a parte

do aluno por ele. No sucesso de uma relação, cada um entra com uma parte, e talvez o maior

desafio docente seja o estabelecimento de um vínculo afetivo com o aluno, que o leve a

desejar percorrer o caminho da aprendizagem.

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PARA REFLETIR

• Será que nosso aluno não se dá bem na escola porque não quer, porque não

estuda? Ou não estuda porque, por mais que se esforce não consegue ser bem

sucedido? Quem gosta de fazer algo que nunca consegue fazer bem? É difícil

fazer, dia após dia, durante anos, algo que se tem muita dificuldade, que é

necessário muito esforço e não se consegue fazer tão bem ou ter um bom

desempenho como os colegas.

• Será que é possível diferenciar o trabalho pedagógico escolar, adaptando-o ou

individualizando-o quanto ao percurso e ao ritmo?

• Fazer algumas diferenciações é dar mais oportunidades para o aluno com

dificuldades aprender, agir e interagir. Não significa trabalhar sempre

individualmente, não se trata de colocá-los numa situação de assistência, mas

sim, de acompanhá-los continuamente.

• Seria cômodo pensar que não se pode fazer nada diferente. É muito difícil

aprender, e o ensinar exige criar condições, suscitar vontades, sendo que nem

sempre os alunos (com dificuldades ou não) são cooperativos, esforçados ou

bem-educados, o que torna esse trabalho nem sempre gratificante.

• Talvez seja importante reconhecer que, muitas vezes, é extremamente difícil

lidar com a diferença e a distância cultural, relacionamento que envolve

também questões de personalidade e afinidade.

• Levar em conta a diferenciação num sistema cuja organização é alheia a esta

preocupação nos dá, às vezes, a impressão de praticarmos um ofício

impossível (PERRENOUD, 2001 p.116). Se quisermos resolver tudo,

desestimularemos. É preciso estabelecer objetivos razoáveis.

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