diÁlogos sobre leitura e a formaÇÃo do leitor:...
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DIÁLOGOS SOBRE LEITURA E A FORMAÇÃO DO LEITOR: POLÍTICAS
PÚBLICAS EM ANÁLISE
Ao propormos a realização deste painel com as discussões constantes nos textos:
―Políticas públicas e a formação de professores leitores: um diálogo possível e
necessário‖, ―A perspectiva política sobre a leitura do texto literário e as concepções dos
professores‖, e ―A formação do professor leitor na licenciatura: um desafio educativo‖,
temos a intenção de estabelecer um diálogo entre diferentes instituições e grupos de
pesquisa, que têm tomado como objeto de estudo, tanto a área de política de leitura,
como a de política educacional no Brasil. Além de buscar uma abordagem
interdisciplinar, as pesquisas destes grupos constituem-se a partir de propostas de
estudos qualitativos e quantiqualitativos e lançam mão de múltiplos métodos de
produção e análise de dados, correlacionando fontes materiais plurais (escritas, orais,
visuais e sincréticas). Neste sentido, os lugares de onde nos posicionamos implica que
todo trabalho de investigação é colaborativo e dialógico e se desdobra com a
expectativa de um tratamento ético (responsável e responsivo dos dados): requer-se,
pois, um olhar generoso para os envolvidos, para o tema, para as fontes, para os
interlocutores, que não tome os sujeitos das pesquisas apenas como ―informantes‖, mas
como parceiros fundamentais do processo de constituição do ser-pesquisador e da
história das instituições em que o trabalho se realiza. Ao estabelecer o diálogo entre
estes textos e seus autores, procuramos ampliar os conhecimentos sobre os efeitos de
diversas políticas públicas nas áreas do ensino da leitura e da formação de professores
leitores. A perspectiva que orienta esse trabalho é que o diálogo entre diferentes pontos
de vista auxilia a ampliar os conhecimentos sobre os seus objetos de pesquisa.
Palavras-chave: Ensino da Leitura. Formação do Leitor. Políticas Públicas.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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A FORMAÇÃO DO PROFESSOR LEITOR NA LICENCIATURA: UM
DESAFIO EDUCATIVO
Elianeth Dias Kanthack Hernandes – FFC/UNESP – Marília – CAPES.
Renata Junqueira de Souza – FCT/ UNESP – Presidente Prudente –
CAPES/FAPESP/CNPq
Resumo Este trabalho tem como tema a formação do professor leitor e decorre de uma pesquisa
mais ampla, que em sua versão final pretende proceder a análise da formação leitora e
da prática decorrente dessa formação, no que diz respeito aos professores
alfabetizadores e os professores de Língua, egressos de cursos presenciais de Pedagogia
e Letras. A pesquisa que dá origem ao trabalho foi realizada numa abordagem
qualiquantitativa, com análise bibliográfica e documental, tendo a finalidade de articular
os conhecimentos teóricos já produzidos na área da leitura, da formação do professor e
das suas contribuições para a prática no ensino da leitura. Tendo a finalidade de
identificar como se dá a formação do professor leitor no Curso de Pedagogia usamos
como procedimentos de pesquisa, além do levantamento bibliográfico e referencial, a
coleta de dados por meio da aplicação de questionários para os alunos ingressantes e
concluintes do Curso de Pedagogia em 2015 e análise documental dos Planos de Ensino
dos docentes. Os dados levantados foram analisados de acordo com fundamentos
teóricos que dão sustentação ao projeto: concepções sobre a leitura e maneiras de ler
como prática cultural (CHARTIER), a linguagem como instrumento de mediação
(VIGOTSKY) e como processo de enunciação (BAKHTIN). Ao concluirmos as
primeiras fases da pesquisa já fica evidente que a formação de professores, naquela
licenciatura, por si só, não tem oportunizado a constituição de leitores plenos, apesar da
priorização que é dada para a importância da leitura na aquisição dos saberes
relacionados à prática da profissão docente, em todas as disciplinas do currículo do
curso.
Palavras-chave: Política Educacional. Formação de professores leitores. Ensino da
leitura.
Introdução
Com o entendimento que para estudar o tema da formação inicial do professor
como leitor no curso de licenciatura de Pedagogia, seria interessante pesquisar
previamente se isso já não teria sido investigado, de maneira suficiente, por outros
pesquisadores, resolvemos realizar uma consulta no banco de teses e dissertações da
CAPES, na intenção de identificar os trabalhos que tivessem como foco esta temática.
Dos trabalhos encontrados tendo como referência a categoria ―a formação do professor
leitor no curso de Pedagogia‖, não obtivemos nenhum resultado que indicasse que já
havia sido realizada uma pesquisa com este foco. Daí, resolvemos ampliar a consulta,
tendo agora como eixo da análise, de forma mais ampla, a categoria ―Formação do
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professor leitor‖. Com essa proposta, identificamos 44 registros, sendo que em apenas 2
deles havia uma preocupação explícita em articular a formação do professor leitor e a
sua prática docente que objetiva a formação de novos leitores. Sendo assim, resolvemos
dar continuidade ao estudo, em sua totalidade, com o objetivo de dar visibilidade aos
aspectos relativos à formação do professor leitor e as suas possíveis consequências para
o ensino da leitura, com as experiências de leituras vivenciadas no curso de Pedagogia
de uma universidade pública do Estado de São Paulo.
Para esclarecer as intenções e os limites dessa pesquisa, é preciso informar que o
interesse pelo tema acompanhou a carreira profissional das pesquisadoras e se
manifestou desde a trajetória como professoras da educação básica, e ganhou força nos
espaços acadêmicos, no exercício da docência nos cursos de formação de professores,
na mesma universidade que é objeto deste trabalho investigativo. O interesse em
abordar e discutir sobre essa temática, a constituição do leitor, foi ganhando destaque
também, por considerarmos que este é um assunto de extrema importância na formação
que é oferecida em todos os níveis de escolarização. Esta consciência de que a escola
necessita investir na formação de um leitor proficiente, que tenha comportamento e
procedimentos leitores compatíveis com a sua situação de imersão em uma cultura
grafocêntrica, estimulou nosso interesse no desenvolvimento dessa pesquisa.
A Leitura nas licenciaturas: a formação do leitor em análise
Fizemos então, a opção por tomar como objeto de pesquisa tanto a leitura,
como a formação e a prática do professor leitor, porque temos a concepção de que a
leitura é prática social essencial à vida contemporânea e meio fundamental de acesso à
cultura letrada e aos conhecimentos produzidos pela humanidade. Este trabalho
científico registra uma parte de uma pesquisa mais ampla denominada Leitura nas
licenciaturas: espaços, materialidades e contextos na formação docente, cuja finalidade
é analisar o perfil leitor de universitários nas licenciaturas de Letras e Pedagogia, de
quatro universidades brasileiras, apontando princípios, conhecimentos e ações
pedagógicas para a formação de leitores na universidade como espaço privilegiado de
mediação da leitura e de circulação de práticas de leitura. Na versão total do projeto,
serão sujeitos da pesquisa alunos ingressantes e egressos de ambas licenciaturas, em
razão de constituírem-se professores da Educação Básica, que ensinam a leitura e suas
práticas.
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Buscamos abordar, em um primeiro momento, as concepções referentes à
leitura e formação de professores leitores que são incorporadas às práticas dos
professores. Fizemos esta abordagem por entendermos que isso ajudaria a orientar as
etapas posteriores, onde as concepções sobre leitura e o trabalho de análise dos dados
coletados serão expostos. A prioridade que demos às concepções que embasam as
práticas, neste registro, foi orientada pela intenção de desde o início colocar a prática do
ensino da leitura como objeto e conteúdo de estudo.
A partir dos resultados das entrevistas semiestruturadas que realizamos com
os alunos concluintes do curso de Pedagogia, dos questionários aplicados para alunos
ingressantes e concluintes e demais procedimentos utilizados durante a coleta de dados,
pudemos então traçar o perfil leitor dos licenciandos que participaram como sujeitos da
pesquisa, bem como, analisarmos como o curso de formação de futuros docentes investe
na formação inicial do professor leitor. Os dados levantados foram analisados de
acordo com fundamentos teóricos que dão sustentação ao projeto: concepções sobre a
leitura e maneiras de ler como prática cultural (CHARTIER, 1995), a linguagem como
instrumento de mediação (VIGOTSKY, 1989) e como processo de enunciação
(BAKHTIN, 2003).
A importância desse estudo se traduz no fato de que o repertório cultural
construído (ou não) nos quatro anos de licenciatura, com certeza provocará efeitos nas
suas práticas profissionais, que deverá ser exercida em um futuro próximo. Sendo
assim, partimos da concepção de que o tema do ensino da leitura pressupõe pensar na
formação do professor leitor, pois, a leitura é fator essencial no desenvolvimento da
identidade profissional do docente e constitui um instrumento fundamental de sua
prática. A expectativa é a de que o professor seja um mediador no desenvolvimento de
capacidades leitoras, no processo de aprendizagem do aluno, como está explicito nos
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa – PCNLP - para o ensino
fundamental:
É tarefa de todo professor, portanto, independentemente da área, ensinar,
também, os procedimentos de que o aluno precisa dispor para acessar os
conteúdos da disciplina que estuda. [...] Muito do fracasso dos objetivos
relacionados à formação de leitores e usuários competentes da escrita é
atribuído à omissão da escola e da sociedade diante de questão tão sensível à
cidadania. (BRASIL, 1998. p. 32) (Grifo nosso)
Para melhor dimensionarmos o alcance da formação do leitor no curso de
licenciatura, no início do ano letivo de 2015, um grupo de pesquisadores do Programa
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Nacional de Cooperação Acadêmica interinstitucional - PROCAD, vinculado à
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. CAPES, elaborou um
questionário piloto para ser aplicado aos alunos dos cursos de Pedagogia e Letras
(ingressantes), que tinha a finalidade de servir como referência para a formatação de
outro questionário a ser aplicado também aos concluintes desses cursos, em algumas
universidades parceiras no PROCAD, para o desenvolvimento desta pesquisa.
Concordando com os teóricos que têm defendido a necessidade de focar os
aspectos que estão relacionados com a formação de professores para buscar alternativas
de qualificação docente (TARDIF, 2014; FREIRE, 2001; GUIMARÃES, 2004: GATTI,
2010), defendemos a ideia de que a formação plena como leitor é um dos aspectos
fundamentais para se obter a qualificação docente solicitada por esses e outros teóricos,
a fim de combater a falta de oportunidade em ampliar a cultura letrada por intermédio
de mediações que deveriam ser proporcionadas nos espaços escolares.
Na busca de darmos corpo à investigação, realizamos também uma análise
documental, com o estudo dos Planos de Ensino dos professores do curso de Pedagogia
- para dar visibilidade ao que está proposto nestes documentos, com relação à intenção
de oferecer a oportunidade de ampliação da competência leitora ao futuro professor.
Com os dados em mãos, procedemos à análise, onde ficou evidenciado que a maioria
dos futuros professores ainda não tem clareza quanto a importância da sua formação
como leitor, como procuramos demonstrar a seguir.
Assim como Silva (1999), entendemos que existe um reducionismo na
compreensão do que é o ato de ler, e isso tem como causa principal o desprezo pelos
elementos fundamentais da leitura, e como consequência a diminuição de seu caráter
complexo e processual. No texto ―O diálogo entre o ensino e a aprendizagem‖, Weisz
(1999) esclarece que existem ideias, concepções e teorias sustentando as práticas dos
professores, mesmo quando eles não têm consciência delas. Daí, optarmos por explicitar
nesse primeiro momento aquelas ideias e concepções que, no nosso entender, têm
direcionado as práticas pedagógicas destinadas ao ensino da leitura desde o início da
escolarização básica.
A primeira concepção que queremos destacar como desfavorável â
formação do leitor pleno é aquela que acredita que ―Ler é decodificar‖. Ao assumir que
o ato de ler corresponde ao ato de decodificar a escrita, o professor vai conceber um
aluno passivo, que não exerce nenhum outro papel frente ao texto, que não seja o de
receptor do que outro sujeito quis transmitir.
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A segunda concepção que tem estado presente nas práticas de ensino da
leitura é a de que ―Ler é dar resposta a um estímulo‖. Desde que a teoria da
aprendizagem foi influenciada pelas pesquisas de Ivan Pavlov (1849-1936), o esquema
―estímulo (S) - resposta (R)‖ tem ocupado lugar em algumas ideias que sustentam
práticas de ensino de leitura na escola.
Outra concepção equivocada está ligada à crença de que ―Ler é oralizar o
escrito‖. Com esta ideia os professores muitas vezes reduzem o ato de ler à ação de falar
em voz alta o texto grafado. Assim, a leitura fica centrada na entonação das palavras e
das frases, na expressividade e clareza da pronúncia e no tom da voz. A compreensão e
sentido do texto perdem lugar para a eloquência e postura vocal.
Uma quarta concepção a ser destacada é a de que ―Ler é localizar a ideia
central do texto‖. Os professores que assumem esta concepção entendem que a principal
competência leitora a ser desenvolvida por seus alunos é a de localizar informações em
um texto. Os exercícios de leitura que propõem aos aprendizes é que busquem achar no
texto lido um trecho que consideram essencial para sua compreensão.
A concepção de que ―Quem aprendeu a ler um tipo de texto, lê qualquer
texto‖ também tem tido um lugar de destaque nas práticas de ensino da leitura. Aqueles
que assumem esta concepção entendem que a leitura é uma técnica, que uma vez
apropriada, pode ser replicada em qualquer outra situação, com o mesmo grau de
eficiência. Os textos trabalhados para a aquisição desta técnica não demandam
qualidade, complexidade e nem conteúdo ou estilos composicionais variados.
Podemos entender que essas concepções equivocadas sejam um dos fatores
do processo de desqualificação da escolarização como elemento propiciador da má
formação leitores como demonstram os dados disponibilizados no sitio oficial do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2011).
De acordo com esse órgão do Ministério da Educação, a maioria dos alunos do 9º ano
do Ensino Fundamental ainda não estabelecem relação causa/consequência entre partes
e elementos do texto; não inferem informações; não distinguem fato de opinião; não
diferenciam partes principais de secundárias; não localizam a informação principal do
texto; não identificam efeito de sentido; não identificam tese e argumentos presentes em
um texto; não reconhecem posições distintas em relação a um tema; e não compararam
textos que tratem do mesmo tema.
Na busca de ampliar o conceitos sobre o que é leitura em seu texto
―Círculos de leitura e letramento literário‖ Rildo Cosson assim se manifesta:
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[...] ler consiste em produzir sentidos por meio de um diálogo, um diálogo que
travamos com o passado enquanto experiência do outro, experiência que
compartilhamos e pela qual nos inserimos em determinada comunidade de
leitores. Entendida dessa forma, a leitura é uma competência individual e
social, um processo de produção de sentidos que envolve quatro elementos: o
leitor, o autor, o texto e o contexto. (COSSON, 2014, p. 36).
Para Silva (1999, p. 16) ―ler é sempre uma prática social de interação com
signos, permitindo a produção de sentido(s) através da compreensão-interpretação
desses signos.‖. Já Soares (1988, p. 28) vê a leitura como um ato político, em que os
mediadores que formam os leitores, como é o caso dos professores, desempenham um
papel político e que a ação deles poderá ou não ser um instrumento de transformação
social.
Como Souza (2004), entendemos o papel do professor como mediador nas
aprendizagens das competências leitoras, na perspectiva defendida por Vigostky (1989),
ou seja, a mediação como um processo sócio histórico, em que na interação com o outro
o homem se constitui como tal e constrói seus conhecimentos. Assim sendo, a
participação dos professores (mediadores) é fundamental para aquisição das
competências leitoras, porque esse processo de mediação se dá a partir das relações
interpessoais entre os sujeitos (experientes e aprendizes). Nesta mesma direção,
Magnani (1989, p. 94) afirma que ―o professor é concomitantemente, alguém que
participa ativamente desse processo, alguém que estuda, que lê e expõe sua leitura e
seu gosto, tendo para com o texto a mesma sensibilidade e atitude crítica que
espera de seus alunos‖ (grifo nosso). Nesta lógica, o professor mediador teria que ser
ele mesmo, um leitor proficiente e assíduo.
Diante do volume de dados coletados (os questionários aplicados tinham
respectivamente, 86 e 78 questões, para ingressantes e concluintes), optamos, nos
limites deste trabalho, por fazer alguns recortes que estão mais voltados para as
preocupações assumidas por nós, na realização deste trabalho de pesquisa. Com esta
intenção, selecionamos como categoria de análise o item o ―papel da instituição
formadora na constituição de mediadores no ensino da leitura‖, que, no nosso entender,
ajuda a pensar a temática sobre a qual nos dedicamos neste estudo.
Em um primeiro momento podemos acreditar que a responsabilidade de
formar o aluno leitor é da educação básica e que não caberia, ao nível de ensino
universitário, porque nesta etapa de escolarização, todos já são leitores. Mas ao
analisarmos as respostas dadas pelos alunos concluintes do curso de Pedagogia quando
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lhes foi perguntado se se consideravam leitores, podemos entender que a universidade
não pode se omitir do seu papel de formadora de professores leitores. Os gráficos
abaixo mostram porque a nossa preocupação se justifica.
Gráfico 1 – Atualmente, você se considera um leitor assíduo ou proficiente?
Fonte: Dados coletados pelas pesquisadoras
Dos alunos concluintes, 35% não se consideram bons leitores ao terminar
seu curso de licenciatura. Considerando que o Ensino Fundamental visa à formação
básica do cidadão mediante o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como
meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita, não parece natural e nem
admissível que após, a educação básica e estudos universitários uma porcentagem tão
significativa de alunos concluintes não se considerem leitores proficientes.
Gráfico 2 – Cite algum fatores relevantes para sua história de leitor
Fonte: Dados coletados pelas pesquisadoras
A partir do que foi verificado e registrado nos gráficos, com os alunos
concluintes declarando que não tiveram experiências marcantes com a leitura no
ambiente escolar, inclusive o universitário, é importante refletirmos agora sobre o papel
da mediação na leitura, ou seja, a ação de um parceiro mais experiente, no momento do
ato de ler. Entendemos que o papel da universidade, como o de qualquer outra
instituição que tenha o mesmo caráter formativo, e dos seus professores é o de
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aproximar os alunos – que também serão professores futuramente- é o de oportunizar a
vivência de experiências marcantes e significativas de leitura, em práticas sociais reais.
Só assim, será possível a formação do professor leitor. O currículo dos cursos de
formação deveriam privilegiar um ensino voltado para o desenvolvimento das
estratégias de leitura e para o conhecimento do que, de fato, se constitui o ato de ler e
como se deve organizar o ensino que tenha como objetivo a formação do leitor
proficiente.
Ao serem questionados sobre as leituras que fazem de forma voluntária, por
opção, sem terem a obrigação de cumprir tarefas escolares, 26% dos alunos concluintes
reafirmam que não leem quando não são obrigados a isso. Do grupo de ingressantes,
16% responderam que não leem. Mesmo tendo claro que são sujeitos diferentes, com
histórias de vida e com experiências variadas com as práticas da leitura, não deixa de ser
importante indagar porque cresce o número de sujeitos que admitem não ler quando não
são obrigados após quatro anos de participação em um curso de formação de
professores. Outra dado que chamou nossa atenção foi a resposta dada pelos
concluintes quando foram solicitados a dizer se o fato de terem cursado 4 anos de
Pedagogia contribuiu para a mudança em seu perfil leitor:
Gráfico 3- O fato de estar cursando esta graduação mudou seu perfil leitor?
Fonte: Dados coletados pelas pesquisadoras
A mudança do perfil leitor do futuro professor pode de fato ter ocorrido
durante o curso, mas ainda é preciso reconhecer como importantes duas questões que
surgem dessas afirmações: a primeira diz respeito à direção que esse perfil tomou já que
os outros dados coletados não apontam para uma qualificação real desse perfil; a
segunda questão a ser enfrentada é que ainda existem alunos (17%) que não perceberam
nenhum tipo de mudança na sua história como leitor após os quatro anos da graduação.
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Fica evidente que um conceito de leitura que parta de uma relação de
interação que implique produção de sentidos em uma relação dialógica, entre o leitor e o
texto, envolvendo diferentes conhecimentos prévios e repertórios variados, que, por sua
vez, produzirão múltiplos sentidos diante de um mesmo texto, não deve ter sido
suficientemente apropriada pelos alunos que cursaram a licenciatura que é objeto deste
estudo. Da maneira como os futuros professores responderam aos questionários, fica
evidente a ausência de uma formação que os direcione para o trabalho com o ensino da
leitura de forma que o ato de ler seja visto como orienta Colomer e Camps (2002, p.
33):
[...] ensinar a ler dessa perspectiva deve ser concebido como a ajuda que os
meninos e as meninas necessitam para adquirir as habilidades voltadas à
interpretação da língua escrita. Dessa definição já se depreendem duas
mudanças fundamentais no tratamento escolar da leitura: em primeiro lugar, a
decifração que ainda tem um peso muito grande na escola, deixará de ser
identificada como capacidade leitora para passar a redefinir o seu espaço dentro
do conjunto de habilidades necessárias para entender o texto. Em segundo
lugar, o ensino da leitura, entendida como código de interpretação da realidade,
deve se estender a todo currículo escolar.
Como já anunciamos, foram utilizados como fonte documental, os Planos de
Ensino dos docentes, as Diretrizes Curriculares Nacionais e o Projeto Político
Pedagógico do curso de Pedagogia. O objetivo principal nessa etapa da pesquisa foi
identificar as concepções sobre a formação do professor leitor presentes nesses
documentos. Para isso, realizamos a leitura juntamente com a construção de
fichamentos de modo minucioso de cada um dos planos de ensino, além de registrar
transcrições de trechos que poderiam ser utilizados posteriormente como indicadores de
nossas análises e conclusões.
Ao findarmos as análises nos Planos de Ensino dos professores dos cursos
de Pedagogia, fica evidenciada a importância da leitura nos discursos e nas
metodologias utilizadas. Em todos os Planos de Ensino constava a proposta de leitura de
textos acadêmicos/científicos. Porém, como as pesquisas já demonstraram, a
constituição de sujeitos leitores vai muito além do contato (muitas vezes superficial)
com um gênero de texto específico. Por exemplo, fica evidente a pouca vivência com a
leitura de textos do gênero literário durante o curso. Das cinquenta e duas disciplinas
cursadas, em apenas duas foi oportunizado aos alunos um contato real com a leitura
literária. Para a constituição do futuro professor como leitor proficiente essa ampliação
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da cultura letrada é ferramenta fundamental para uma prática coerente e consequente
com as demandas da profissão de professor.
Nos planos de Ensino buscamos investigar a existência de três eixos de
análise: ―formação do leitor‖, ―desenvolvimento da capacidade leitora‖, ―ensino da
leitura‖. Identificamos que em planos e ensino relativos às 24 disciplinas (46%) não
existe nenhum item que contemple as categorias de análises correspondentes a esta
pesquisa. Apesar de que, em 44% deles ficar evidente que um dos aspectos
metodológicos valorizados pelos professores é a leitura programada dos textos
indicados, por eles, para apropriação dos conhecimentos científicos da área que é seu
objeto de ensino. É importante refletir sobre isso, porque se o próprio aluno reconhece
que não é leitor no sentido pleno do termo, como lerá com proficiência os textos que são
solicitados pelo professor no curso de licenciatura? A constituição do leitor pleno, que
no nosso entendimento, deve ocorrer inclusive no período universitário, não está sendo
trabalhada com aqueles que deverão ser os mediadores do ensino da leitura em práticas
sociais. Aos licenciandos não está sendo oportunizado vivências significativas com seu
principal objeto de ensino, ou seja, a leitura e a produção de vários gêneros de textos, o
uso das estratégias de leitura para a compreensão do texto, o levantamento dos
conhecimentos prévios existentes para garantir a interação entre o texto e o leitor.
Ressaltamos com base na pesquisa desenvolvida que a formação de
professores no curso de Pedagogia por si só não tem favorecido a constituição de
leitores plenos, apesar da ênfase que é dada para a importância da leitura na aquisição
dos saberes relacionados à prática da profissão docente.
A partir do que foi retratado, é possível responder ao problema de que deu
início a este trabalho investigativo, quando indagávamos como o curso de formação de
professores investia na constituição do futuro professor leitor, de forma a explicitar que
não existe um investimento real com vistas a essa formação. Pelo menos isso não ocorre
de forma intencional e planejada como um resultado de um investimento coletivo e
articulado para esse fim. Quando ocorre um investimento nesta área, isso acontece
muito mais por iniciativa particular e específica de alguns professores e não como um
eixo norteador do projeto político pedagógico de formação oferecida aos futuros
professores. Talvez, por isso mesmo, os sujeitos participantes desta pesquisa, em sua
maioria, não reconhecem as experiências leitoras vivenciadas no espaço acadêmico
como fator impulsionador do desenvolvimento de sua proficiência leitora.
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Referências
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POLÍTICAS PÚBLICAS E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES LEITORES:
UM DIÁLOGO POSSÍVEL E NECESSÁRIO
Cinthia Magda Fernandes AROSI - FCT – UNESP – PP
Eduardo Augusto Werneck Ribeiro - Instituto Federal Catarinense
RESUMO
Os grupos de pesquisa ―Formação de Professores e as relações entre as práticas
educativas em leitura, literatura e avaliação do texto literário‖ e ―Profissão Docente -
Formação, Identidade e Representações Sociais‖, buscando estabelecer um diálogo
profícuo e interdisciplinar tem agregado ao seu rol de estudos as pesquisas na área da
política nacional de leitura e política educacional no Brasil. Além de buscar uma
abordagem interdisciplinar, as pesquisas destes grupos constituem-se a partir de
propostas de estudos qualitativos e quanti-qualitativos e lançam mão de múltiplos
métodos de produção e análise de dados, agenciando e correlacionando fontes materiais
plurais (escritas, orais, visuais e sincréticas). Neste sentido, os lugares de onde nos
posicionamos implica que todo trabalho de investigação é colaborativo e dialógico e se
desdobra com a expectativa de um tratamento ético (responsável e responsivo dos
dados): requer-se, pois, um olhar generoso para os envolvidos, para o tema, para as
fontes, para os interlocutores, para a socialização de resultados, que não tome os sujeitos
das pesquisas apenas como ―informantes‖, mas como parceiros fundamentais do
processo de constituição do ser-pesquisador e da história das instituições em que o
trabalho se realiza. Ao estudar os desdobramentos do Plano Nacional de Biblioteca na
Escola (PNBE) e de relacionar os dados obtidos com um mapeamento do perfil dos
alunos em formação docente para atuação no 1º nível da educação básica e anos/séries
iniciais do Ensino Fundamental, procuramos ampliar os conhecimentos sobre os efeitos
de diversas políticas públicas na formação de professores. A perspectiva que orienta
esse trabalho é que o diálogo entre diferentes grupos de pesquisa auxiliam a ampliar os
conhecimentos sobre os seus objetos de pesquisa.
PALAVRAS-CHAVE: Política Pública. Formação de leitores. PNBE.
Introdução
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Este estudo procura apontar algumas possibilidades de interlocução entre
diferentes grupos de pesquisadores focados em temáticas diversas – nesse caso, relações
entre práticas educativas em leitura, literatura e avaliação do texto literário e politicas
públicas para formação de professores. Busca apontar a produção de discursos que se
aproximam e interpenetram, embora tratem de temáticas variadas. Partimos do
pressuposto que a possibilidade de interlocução e aproximação estabelece-se
considerando que não podemos falar de práticas educativas, formação de professores,
sem falarmos de políticas públicas. A seguir descreveremos suscintamente, a gênese dos
grupos de pesquisa aos quais nos referiremos ao longo desse texto.
Dois grupos de pesquisa distintos: as investigações e o encontro
Em 2001, foi criado e consolidado o Grupo de Pesquisa ―Formação de
Professores e as relações entre as práticas educativas em leitura, literatura e avaliação do
texto literário‖, com o objetivo de pesquisar o ensino da leitura na educação
fundamental e, consequentemente, seus desdobramentos nas formas de avaliação deste
processo. O alcance desse trabalho e dos inúmeros projetos que foram financiados, ao
longo desse tempo, por órgãos governamentais de fomento, tem saído das fronteiras do
município de Presidente Prudente (através do intercâmbio entre nosso Grupo e
pesquisadores de outras cidades brasileiras) e também chegado ao além-mar
(intercâmbio com países como Canadá, EUA, Portugal e Espanha).
Nos últimos anos, com a intenção de ampliar os conhecimentos sobre o ensino
da leitura no Brasil, o grupo de pesquisa tem agregado de forma recorrente
pesquisadores da área da política educacional pela importância que o entendimento das
políticas voltadas para a formação de leitores tem com vistas a consolidar as pesquisas
dessa área de estudo.
Além de buscar uma abordagem interdisciplinar, as pesquisas deste grupo
constituem-se a partir de propostas de estudos qualitativos e quanti-qualitativos e
lançam mão de múltiplos métodos de produção e análise de dados, agenciando e
correlacionando fontes materiais plurais (escritas, orais, visuais e sincréticas).
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Do ponto de vista das fontes, utilizamos a pesquisa bibliográfica: documentos
oficiais (leis, decretos, pareceres, parâmetros, diretrizes, orientações curriculares,
projetos político-pedagógicos, matrizes curriculares, ementários, planos de curso);
documentos que são produzidos e/ou circulam na formação (livros, apostilas,
esquemas/resumos, cópias em geral, slides, provas, cadernos escolares, trabalhos,
relatórios, fotos, vídeos); entrevistas estruturadas e semiestruturadas, depoimentos
(escritos e orais) e questionários abertos e fechados, com os respectivos tabelamentos de
dados; observação e vivência das práticas na universidade e, eventualmente, na escola, e
registros em diários de campo, filmagens, fotografias etc.
Na perspectiva desse grupo de pesquisa, a escolha de qualquer tema, problema,
questão, método, fonte/corpus, teoria e a proposição e divulgação de conclusões é
política. Neste sentido, os lugares de onde nos posicionamos implica que todo trabalho
de investigação é colaborativo e dialógico e se desdobra com a expectativa de um
tratamento ético (responsável e responsivo dos dados): requer-se, pois, um olhar
generoso para os envolvidos, para o tema, para as fontes, para os interlocutores, para a
socialização de resultados, que não tome os sujeitos das pesquisas apenas como
―informantes‖, mas como parceiros fundamentais do processo de constituição do ser-
pesquisador e da história das instituições em que o trabalho se realiza.
De igual modo, inspirados pela perspectiva enunciativo-discursiva e pela
filosofia da linguagem nascida do Círculo de Bakhtin, o texto é o ponto de partida e de
chegada do trabalho de pesquisa: não são analisados fragmentos de textos, mas unidades
de sentido, em seus contextos de produção, circulação e recepção. O sentido não é dado,
se constitui, conforme a perspectiva da Estética da Recepção e da Teoria do Efeito
Estético, na articulação entre texto-leitor, razão pela qual deslocamos o polo que
conferia centralidade ao produtor de enunciados, privilegiando a escuta, a atividade de
leitura, a recepção.
Inspirados por perspectiva histórico-cultural, entendemos que as percepções,
símbolos, impressões, devaneios são tão importantes quanto os dados ―objetivos‖,
―factuais‖, porque constituem, de igual modo, a ―realidade‖ e que não se pode vincular
imediatamente classe e cultura, porque historicamente as apropriações dos bens, objetos
e saberes culturais são mais fluidas.
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Consideramos que todo dado, informação, contribuição teórica é um indício
importante de realidade e merece ser pensado, no contexto, com toda a seriedade e
empenho, mas, também, à sua própria revelia (mediante uma abordagem ―a
contrapelo‖). Tendo em vista que lidamos com sujeitos de diferentes formações e
histórias profissionais, inseridos em contextos múltiplos de investigação, fica evidente a
necessidade de que as pesquisas nos mobilizem e façam sentido para o contexto sócio,
histórico e cultural em que estamos inseridos.
Esperamos, com essas posturas, fomentar formações teórico-metodológicas
regulares, com leitura de textos, discussões e debates. Almejamos que os protagonistas e
os sujeitos de pesquisas envolvidos leiam as produções escritas uns dos outros e atuem
como leitores críticos, que intervêm nos produtos alheios de maneira (pro)positiva.
Com essas perspectivas e conceitos norteadores iniciamos estudos sobre o
Programa Nacional de Biblioteca na Escola – PNBE, que registramos a seguir com o
propósito de ampliar o entendimento sobre as políticas de leitura no Brasil.
Por outro lado, o grupo de pesquisa Profissão docente: formação, identidade e
representações sociais, agrega um conjunto de pesquisadores e estudantes que há algum
tempo estudam e refletem sobre a questão de formação de professores para Educação
Infantil e Ensino Fundamental e sobre a construção da identidade profissional desses
professores. Os trabalhos desenvolvidos individual e coletivamente pelos membros do
grupo tem resultado em teses, dissertações, artigos e textos apresentados em eventos
científicos buscando contribuir para o debate sobre o tema. A organização do grupo
busca congregar esses estudos em projetos coletivos que contribuam para o
amadurecimento dos membros do grupo e formação de jovens pesquisadores.
Como resultado do diálogo constante entre entre esses dois grupos de pesquisa é
que passamos a olhar para as políticas de leitura no Brasil, em especial a do Plano
Nacional de Biblioteca na Escola – PNBE.
O Plano Nacional de Biblioteca na Escola em análise
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O PNBE é um programa único no mundo pela sua dimensão e alcance em
termos de investimentos e distribuição de acervos literários às escolas públicas.
Considerando-se o contexto de políticas e programas de leitura, é um programa singular
se comparado à política do livro em outros países, em virtude de sua complexidade,
recursos financeiros investidos, quantidade de obras adquiridas e pela dimensão
geográfica do Brasil, que abarca milhares de escolas públicas.
A primeira edição do PNBE aconteceu em 1998, com obras selecionadas por
mestres e doutores que lecionam em universidades federais, ―profissionais com
múltiplas experiências, entre as quais a docência na educação básica e a formação de
professores‖. As edições do PNBE sofreram mudanças desde o envio da primeira
remessa de livros às escolas, em 1998. De inicio, pensou-se na possibilidade de enviar
acervos às comunidades locais para que fossem constituídas bibliotecas comunitárias,
nos municípios, e bibliotecas pessoais, nas casas dos estudantes e dos professores. À
medida que o tempo passou, priorizou-se o envio de livros às escolas, para a formação
de bibliotecas, o que permanece até os dias atuais.
Toda a estrutura montada pelo PNBE atrai ávidos editores que tentam se adequar
para que possam ser aceitos nos editais divulgados anualmente. Houve, em 2005, em
função de críticas ao Programa, alterações no edital, que ampliou para 60 o número de
editoras selecionadas, o que não aplacou a irritação de editores de livros escolares.
As editoras pequenas, ainda que nos últimos anos tenham tido a chance de se
inscrever no PNBE, concorrem com as mais poderosas, em uma luta desigual. Em 2006,
foram inscritas 1.718 obras no PNBE e selecionadas 225 (PAIVA, 2012). Das 170
editoras que participaram do processo de seleção, foram escolhidas 70 e, cem editores,
ficaram à margem.
Mesmo a entrada, nos últimos anos, de editoras pequenas no processo de seleção
dos acervos do PNBE, não alterou o monopólio, ainda são as maiores que têm suas
obras eleitas em grandes quantidades. Isso significa que uma editora menor concorrerá
com grupos poderosos, que possuem várias editoras com selos distintos, inúmeros
títulos inscritos em cada edital e larga experiência no mercado editorial (PAIVA, 2012).
Como qualquer outro produto, o livro também passa pelo processo de análise e
aprovação da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Acontece também
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uma avaliação para checagem das exigências técnicas. Segundo Paiva (2012, p. 301),
cada parecerista recebe de 16 a 20 obras variadas e deve considerar três critérios básicos
de seleção: qualidade do texto, adequação temática e projeto gráfico, que priorizem as
preocupações estéticas e conteudísticas, bem como a capacidade de o livro despertar o
interesse do jovem leitor. Terminada essa etapa e enviados os livros às escolas, desponta
um problema ainda não resolvido pelos formuladores das políticas públicas sobre o
ensino da leitura: quem vai ler os livros?
Nas primeiras edições do PNBE, os professores podiam escolher o que parecia
ser mais adequado para a formação do aluno-leitor, a partir da listagem que lhes era
apresentada. A partir de 2005, deixaram de participar do processo de escolha dos títulos
e, portanto, não há o envolvimento da comunidade escolar na escolha nem há
capacitação e divulgação das obras nas escolas.
O Tribunal de Contas da União iniciou, em 1998, um trabalho de auditorias
relacionado aos programas do Governo Federal, entre eles o PNBE. ―A auditoria
objetivou investigar se o PNBE poderia ter seus propósitos atendidos de forma mais
efetiva caso houvesse uma melhor utilização dos livros‖ (TCU, 2003, p. 3). A partir da
auditoria do TCU, o MEC encomendou uma pesquisa-diagnóstico do "Programa
Nacional Biblioteca da Escola (PNBE): leitura e biblioteca nas escolas públicas
brasileiras" publicada em 2008. A pesquisa alcançou 65% dos 5.560 municípios do País
e identificou que o PNBE se mantém, basicamente, como ―um grande programa de
distribuição de livros, sem apoio de projetos de formação continuada de professores que
tivesse o objetivo de repensar a formação de leitores pelas escolas públicas brasileiras‖
(MEC, 2008, p. 14).
Em artigo publicado na revista Pro-Posições, intitulado ―Programa Nacional
Biblioteca da Escola (PNBE) – uma avaliação diagnóstica‖, as professoras e
elaboradoras da pesquisa do MEC, Jane Paiva e Andréa Berenblum da UFRJ,, que
coordenaram o estudo diagnóstico do PNBE, explicam que ter o livro na escola não
significa formar leitores. "Nos casos em que esses materiais são utilizados", explicam as
autoras, "o trabalho pedagógico continua marcado por uma forte tendência à
decomposição de textos para o estudo de gramática prescritiva, em busca de respostas
corretas e únicas interpretações para a leitura" (PAIVA; BERENBLUM, 2009, p. 182).
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A não utilização dos acervos do PNBE e a falta de mediadores de leitura nas
escolas sejam eles professores, bibliotecários, entre outros, que, se preparados para a
tarefa, poderiam revolucionar a leitura na escola pública, evidenciam que em algum
momento do processo há discrepância entre o que se pensou e o que é viável na prática
diária das escolas.
Pesquisas feitas no Oeste Paulista sobre o local dos acervos nas escolas de três
municípios paulistas indicou que os livros do PNBE muitas vezes ficam nas salas dos
gestores da escola, trancados. Muitas vezes quando vão para as prateleiras da biblioteca
escolar são separados por estantes e anos escolares o que impede um leitor do poder da
escolha. Há ainda em muitas das bibliotecas visitadas, um sentimento de pertencimento
ao livro, ou seja, o professor readaptado, ou o responsável pelo acesso dos leitores em
formação ao objeto livro não permite a livre escolha, ou até mesmo a visita as
prateleiras da biblioteca. Quando os alunos chegam para a retirada semanal de um livro,
encontram uma seleção de obras já disponibilizadas em mesas (geralmente, selecionam-
se os livros mais velhos, usados e pouco convidativos para o ato de ler) e não podem
buscar outra obra, tendo a escolha limitada e o não acesso aos livros dos acervos do
PNBE. Faltam neste espaço, aquele do conhecimento – a biblioteca escolar –
orientações e formação específica sobre a importância do livro, da escolha e dos
elementos que seduzem o leitor em formação (capa, paratextos, ilustrações,
materialidade do objeto), bem como informações sobre a organização e o
funcionamento da biblioteca.
Diante dessa realidade, entranhada na história de educação pública brasileira,
percebe-se claramente que toda a vida em sociedade é fruto de decisões políticas e com
a leitura não seria diferente. Como se observa a partir dos dados gerados, o problema-
chave que se torna evidente é o distanciamento do PNBE da realidade das escolas. A
comunidade escolar recebe os livros, mas os desconhece, e o uso que se poderia fazer
dos acervos, bem como a realização de atividades de promoção da leitura dentro das
escolas, não está previsto nas rotinas das salas de aula e, assim, aqui se poderia indagar
por que a Política de Estado de leitura ainda não conseguiu se tornar realidade nas
escolas? Destaca-se a morosidade na definição da política de mediação da leitura e da
formação de profissionais capazes de desempenhar esse papel dentro das escolas. As
páginas das obras continuam fechadas, à espera de leitores. Se a formação de
professores leitores não está sendo priorizada em um programa político, da envergadura
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e custos do PNBE, julgamos necessário analisar também quais os aspectos que podem
ser destacados na formação docente que tem sido oferecida em diferentes espaços
acadêmicos, suas aproximações e tensionamentos com as demandas contemporâneas
com vistas a uma educação de qualidade.
Políticas públicas para formação de professores da escola básica
As ações de democratização do ensino verificado nas últimas décadas
evidenciaram todo um processo de passagem de uma sociedade tradicional que
precisava se organizar para possibilitar o acesso aos segmentos historicamente
excluídos, direitos como educação e saúde, dentre outros.
Entretanto, embora a escola pública tenha sido ampliada quantitativamente, não
estava preparada para receber e atender a toda a população e à diversidade que a ela
adentrava. Porém, precisamos destacar, apoiando-nos em Beiseguel (1980, p. 50)
―Quem defende a democratização do ensino não pode recusar, não pode criticar a
qualidade do aluno de nossa escola... não podemos mudar a população... Precisamos
fazer com que a escola passe a responder a essa população.‖
Concomitantemente ao processo de democratização do ensino, temos
acompanhado também uma série de mudanças como consequência do processo
denominado Globalização, entendido como ―a intensificação de reações sociais
mundiais que ligam comunidades distantes, de modo que acontecimentos locais são
moldados por eventos que ocorrem a muitas milhas de distância e vice-versa nos
aspectos político, econômico e cultural.‖ (MORROW; TORRES, 2004, p. 54).
Os estudos sobre as políticas públicas para a formação de professores para a
escola básica tem se consolidado notadamente a partir da década de 1980, com maior
ênfase nas primeiras décadas do recém-iniciado século XXI. Esses estudos têm
demonstrado que tais políticas sociais podem ser associadas ao processo de expansão e
ampliação do acesso ao ensino público e gratuito nas últimas décadas do século XX.
Leite e Di Giorgi (2004, p. 1) nos chamam a atenção para esse fato dizendo que
[...] nos últimos anos, houve uma grande expansão das oportunidades
de acesso à escola pública, promovendo o atendimento de quase todas
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as crianças no ensino fundamental. A escola pública para poucos, no
passado, cedeu lugar à escola para muitos, no presente.
Considerando esse aspecto, o papel do Estado na formulação de políticas
públicas para atender às demandas dos segmentos sociais que chegam à escola pública
torna-se estratégico e fundamental, pois
[...] esta ampliação quantitativa não veio acompanhada de medidas e
de ações essenciais que garantissem a melhoria qualitativa do ensino.
Quase todas as escolas ainda mantêm uma estrutura organizacional
tradicional, conservadora, pautada em princípios burocratizantes, que
dificultam a adoção de novas práticas pedagógicas pelos professores.
A escola com a sua organização e a sua cultura burocratizadora e
centralizadora, condiciona a prática dos professores, impossibilitando
que se manifestem como sujeitos sociais e profissionais. (LEITE e DI
GIORGI, 2004, p. 1).
Portanto, a escola se vê diante da necessidade urgente de rever seu trabalho no
sentido de atender as exigências da sociedade atual com seus notáveis avanços
tecnológicos, difusão e circulação muito rápida de informações, mudanças no processo
de produção e organização do trabalho, alterações nas concepções de Estado e suas
funções, mudança no paradigma das ciências e do conhecimento, agravamento da
exclusão social, crise ética e enfraquecimento do papel socializador da família, além da
ampliação do atendimento, destacada anteriormente.
Esses são pontos importantes para serem pensados por nós educadores e podem
servir como alternativas para repensar o papel da escola para atender essas novas
demandas. Além disso, não podemos perder de vista os atores principais deste processo
– os professores. E a sua formação? Como tem acontecido e como deveria estar
estruturada para atender a esse novo panorama?
Diante desses questionamentos e inquietações, foi conduzida no período
compreendido entre 2011 e 2014 uma pesquisa cujo objetivo geral foi mapear o perfil
dos alunos em formação docente para atuação no 1º nível da educação básica e
anos/séries iniciais do Ensino Fundamental e de seus formadores, além de analisar e
discutir propositivamente sobre as condições de formação na Faculdade de Ciências e
Tecnologia da UNESP de Presidente Prudente e no Campus do Pantanal da
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Os sujeitos da pesquisa foram alunos em
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processo de formação inicial matriculados no curso de formação de docentes, além dos
professores formadores atuantes nos referidos cursos.
Os apontamentos preliminares nos indicam que podem ser identificadas
algumas semelhanças:
1. No que tange à questão do sexo, ratificando a tese de Gatti e Barreto (2009) da
predominância de alunas nos cursos de Pedagogia. A docência, em sua origem,
foi uma profissão eminentemente masculina, o que leva a afirmar que a
feminização do magistério não é um acontecimento natural.
2. A falta de conhecimento prévio da estrutura curricular do curso é algo
igualmente a ser destacado nas duas universidades, revelando que a opção pela
carreira profissional é feita a partir de parâmetros externos associados à
profissão e não através da base que fundamenta o currículo acadêmico. Porém, a
motivação em atuar na docência é algo comum e corriqueiro entre os alunos de
ambas a cidades, situação que corrobora o estudo de Gatti e Barreto (2009) sobre
o interesse motivacional que a profissão provoca.
3. Da mesma forma, o local de atuação profissional não é um consenso entre os
alunos, sendo a distribuição de interesses algo comum encontrado nos cursos das
duas universidades.
4. Não foram identificadas diferenças quanto à origem dos alunos em relação à
educação básica, predominando aqueles oriundos de escolas públicas entre
ambas as universidades, fato que se liga às condições socioeconômicas dos
grupos, demonstradas na discussão.
5. As grandes diferenças emergem da questão atinente ao sustento financeiro
durante o curso de graduação, com diferenças significativas entre os alunos de
Presidente Prudente e Corumbá. Reflexo do tipo de formação recebida (integral
ou parcial), as diferenças nesse quesito refletem a história de vida desses alunos,
sendo observado o ingresso precoce no mundo do trabalho dos alunos da cidade
paulista, quando comparada à cidade sul-mato-grossense.
Se por um lado, fica evidente nos dois municípios a maneira ―cega‖ como os
alunos escolheram o curso e consequentemente a profissão de professor, por outro
podemos evidenciar a falta de conhecimentos prévios culturais ideológicos e políticos
para formarem crianças e, por conseguinte, leitores.
Em pesquisa financiada pela Fapesp em 2009, Arena, Girotto e Souza
encontraram professores não leitores, não conhecedores de textos literários, ....
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Os dados da pesquisa indicam a necessidade de investimentos em programas de
formação do professor, não somente em relação a conteúdos específicos do ensino da
lingual maternal, mas a aspectos de sua própria formação cultural, como a frequência a
cinemas, teatros, a leitura e discussão de obras literárias de reconhecida qualidade, tanto
as dirigidas para publico adulto, quanto as que são consideradas como literatura infantil
e juvenil. Os professores pesquisados, atuantes na região Centro-oeste do Estado de São
Paulo, no Brasil, embora vivam e trabalhem no Estado mais desenvolvido
economicamente do país, apresentam perfil cultural não compatível com a profissão
exercida.
Outro aspecto preocupante constatado em levantamento longitudinal, realizado
junto aos estudantes em processo de formação no curso de Pedagogia, foi a pouca
prioridade dedicada aos hábitos de leituras. Um dado a se destacar refere-se à faixa
etária dos estudantes ingressantes. Observe-se que cerca de 65% dos sujeitos
consultados encontrava-se na faixa etária entre 17 e 21 anos. Quando indagamos aos
jovens ingressantes sobre seus hábitos em horários de lazer, constatamos dados
preocupantes no que diz respeito aos hábitos de leitura. Os hábitos de leitura ocupam a
segunda preferência dos estudantes (28,1%), percentual inferior àqueles que não
apresentaram respostas ou apontaram outras atividades como dançar, passear, ir à igreja,
etc.
Quanto ao tipo de literatura acessada, os sujeitos indicaram com frequência
significativa textos de autoajuda, literatura religiosa e em frequência inferior, os textos e
livros indicados pelos professores do curso que frequentavam.
Essas informações associadas às informações anteriores sobre o perfil cultural
incompatível com a profissão docente (Arena, Girotto e Souza, 2009) revelam a
necessidade de maiores investimentos na formação inicial e na formação de leitores.
Portanto, alunos do curso de Pedagogia entre 19 e 24 anos mostra ser a maioria,
uma maioria que não está habituada a hábitos de leitura, que preferem ouvir música nas
horas de lazer em detrimento a leitura de livros. Assim, percebemos as relações entre o
ensino e o uso dos livros em sala de aula, especialmente os livros do PNBE e as
dificuldades desses docentes formarem leitores, se eles mesmos não o são, como fazê-
lo?
Uma maneira razoável de minimizar este problema, bem como de utilizar o
material investido na politica pública de leitura, é a formação em serviço. Se o governo
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repensar tal política, priorizando também uma formação para o uso dos livros das
bibliotecas escolares, quem sabe melhoramos os índices de letramento em leitura, e
começamos a vislumbrar um país que forma sobretudo professores leitores, para a
seguir, formar alunos leitores.
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A PERSPECTIVA POLÍTICA SOBRE A LEITURA DO TEXTO LITERÁRIO E
AS CONCEPÇÕES DOS PROFESSORES
Renata Junqueira de SOUZA. FCT/UNESP - Presidente Prudente; FAPESP e CNPq
Resumo
Nesta comunicação, procuramos abordar questões ligadas às rotinas escolares em
interface com as concepções que interferem diretamente no modo como os professores
lidam com a leitura de textos impressos, sobretudo textos literários. Para tanto, vamos
nos apoiar em uma pesquisa, cujos dados são bastante expressivos. Trata-se dos dados
obtidos na primeira e segunda etapa da pesquisa ‗A Literatura na escola: espaços e
contextos - a realidade brasileira e portuguesa‘, que teve como meta, a partir de seus
resultados, contribuir como as políticas públicas de promoção da leitura. Nessa
pesquisa, em sua frente desenvolvida no Brasil, abarcou-se, aproximadamente, 110
escolas públicas de Ensino Fundamental dos municípios de Presidente Prudente, Assis e
Marília, no Oeste de São Paulo. Ocuparemo-nos dos dados relativos às concepções dos
professores, bem como das questões da prática pedagógica voltadas à formação do
leitor.
Palavras-chave: leitura – literatura – escola – professores
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Histórico da pesquisa
Com os resultados do PISA, foi possível detectar, em nossa sociedade, uma
crescente preocupação com as relações estabelecidas entre os leitores e o material
escrito, em especial, o livro de literatura. Observamos, em Portugal e no Brasil, essas
mesmas preocupações, sobretudo pelo fato de que, apesar de todo o investimento em
programas de fomento à leitura, por parte dos governos dos dois países, as políticas
públicas de Formação de Leitores não estão atingindo seus objetivos de formar leitores
qualitativamente melhores.
A fim de analisar e reavaliar criticamente essas políticas e propor uma
reflexão sobre a relação do aluno com sua língua materna e seus desdobramentos
(leitura e compreensão de textos, produção de textos e reflexão sobre os conhecimentos
lingüísticos), o projeto de pesquisa referido, desenvolvido junto ao grupo do ―Centro de
Estudos de Leitura e Literatura Infantil e Juvenil‖ – CELLIJ – da Universidade
Estadual Paulista, UNESP – Brasil, em conjunto com o grupo ―Literatura Infantil e
Educação para a Literacia‖ do LIBEC – Centro de Investigação em Promoção da
Literacia e do Bem-Estar da Criança, da Universidade do Minho – Portugal, procurou
criar um estudo comparativo, a fim de analisar e modificar os resultados apresentados
pelos alunos, nas avaliações internacionais, de acordo com as colocações conseguidas
pelos dois países – Portugal ficou em 25o. lugar e o Brasil em 37
o. lugar no PISA de
2003.
Os dados levantados contribuíram com a vontade de definir e redefinir
continuamente a pesquisa, por meio de instrumentos tais como questionários,
entrevistas e registros efetuados e comparados, referentes ao trabalho aplicado nas duas
regiões englobadas pelas Universidades. Visamos, enfim, a um ensino de língua
materna que respeitasse a toda a gama de inferências, contextos e significações
inseridas em seu interior; que auxiliasse os ―pequenos‖ leitores a descobrirem suas
identidades leitoras, no final deste processo, por meio da participação e formação
efetiva dos seus professores e demais educadores.
O grupo de pesquisa brasileiro se empenhou, nos últimos anos, em analisar os
materiais de leitura oferecidos pelo MEC, como o Programa Nacional Biblioteca na
Escola (PNBE) e os Kits Literatura em Minha Casa – livros infantis distribuídos às
escolas públicas brasileiras pelo governo federal. Após a análise, foram oferecidos
cursos de formação continuada para docentes do Ensino Fundamental, com uma síntese
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de estudos e orientações sobre o ensino da leitura, produção de textos e uso do texto
literário, na escola.
Compreendemos que a leitura do texto literário, associada as ações didáticas
diversificadas, pode proporcionar um ensino de leitura significativo, por sugerir o uso
de diversos tipos de textos literários e modos de estimular o ato de ler. Considerando
que as avaliações sobre leitura têm-se utilizado de diversos tipos de textos: literários
(novelas, crônicas, poesia, obra teatral etc.); jornalísticos (notícia, artigos de opinião,
entrevistas etc.); instrucionais (receita, instrutivo etc.); epistolares (cartas em geral);
publicitários (cartazes, avisos, propagandas, dentre outros); que a literatura está pouco
presente no trabalho com leitura desenvolvido nas escolas; que o uso exclusivo e
constante do livro didático limita a criança ao contato com esse tipo de material de
leitura; que as instituições de ensino adotam manuais didáticos, em detrimento do texto
literário, e que os docentes do Ensino Fundamental declaram-se inseguros e mal
formados para o trabalho com os textos literários diversos, esta pesquisa elegeu como
objetivo principal estudar a contribuição que podem oferecer as literaturas infantil e
juvenil, para a efetiva formação do leitor em suas relações com o aprendizado da língua
portuguesa, abrangendo aspectos ligados à produção de textos e à reflexão sobre
conhecimentos lingüísticos. Para tanto, delimitou o campo de atuação a escolas da
região Oeste do Estado de São Paulo, no Brasil.
O primeiro eixo teve como objetivo produzir dados quantitativos,
predominantemente, permitindo o registro dos dados em gráficos, tabelas e outros
instrumentos semelhantes. Para isso, foram organizados formulários com questões
próprias para a produção de informações quantitativas que alimentaram o software
estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), coletando e analisando
dados de forma similar. Assim, na primeira fase, buscamos a coleta de dados
quantitativos relativos à presença da literatura nas escolas. Essa recolha foi realizada
em escolas do 1º e 2º ciclos do Ensino Fundamental. A pesquisa abarcou do 1º. ao 7º.
anos, identificando, por exemplo, a presença ou ausência de bibliotecas escolares e
quantificando e classificando os livros existentes. Após a verificação da presença da
literatura, nas escolas, a meta foi, mediante a aplicação de um questionário junto aos
professores e coordenadores das escolas selecionadas, observar como o trabalho com a
literatura é realizado nas escolas e de que maneira a formação inicial e continuada
desses professores interfere na sua prática pedagógica. E, ainda, examinar como
crianças de 4º. e 7º.anos se relacionam com os livros, com as disciplinas que ensinam
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leitura e com o espaço da biblioteca escolar. De posse desses resultados, a ideia foi
analisar se tais práticas relativamente à literatura podem ou não estar associadas aos
maus resultados no PISA.
No conjunto da pesquisa, foram computados os dados de 117 (cento e
dezessete) escolas, 901 professores responderam ao questionário. Um total de 114
coordenadores pedagógicos dessas instituições de ensino também foram ouvidos.
Também conversamos com 109 sujeitos responsáveis pelas bibliotecas escolares e
cerca de 5.800 alunos de 4º. a 7º. anos de escolarização.
Dado o grande volume de dados coletados e categorizados em três partes –
professores e coordenadores pedagógicos; biblioteca e as concepções de seu
responsável; e o perfil de alunos de 4º. a 7º.anos das escolas pesquisadas, o texto ora
apresentado focaliza resultados parciais da pesquisa, enfocando em que medida a
figura do professor, com suas concepções e práticas, constitui-se como agente promotor
ou não da leitura e da literatura no espaço das escolas pesquisadas.
Dados gerados: o perfil e a prática dos professores
Debates tem orientado a formação docente na leitura. O impacto desses
movimentos traz resultados que se questionam concepções e práticas equivocadas de
leitura por parte de professores. Por outro lado, problemas e equívocos aparecem
quando novas abordagens teóricas ou metodológicas são rapidamente introduzidas no
cotidiano escolar, prescindindo de um tempo de amadurecimento e de aproximação
para que os professores possam lidar com esses novos conteúdos.
Apresentamos alguns apontamentos dos dados coletados, na primeira e segunda
fases da pesquisa, em andamento – Literatura na escola: espaços e contextos – a
realidade brasileira e portuguesa – em que foram entrevistados professores de três
cidades do Oeste Paulista por meio de roteiros semi-estrututados. Aqui discutiremos o
perfil docente e suas práticas pedagógicas sobre a leitura do texto literário.
Sobre professores, é importante a formação inicial; embora a grande maioria
tenha ensino superior, a qualidade de trabalho parece não corresponder ao grau
conferido. Por isso, a atualização profissional deve contemplar anseios e questões
colocados pela prática profissional. A participação em cursos e congressos contribui
para a evolução funcional, o que pode gerar uma busca desenfreada por cursos sem que
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correspondam à suas necessidades reais. Essa prática, recorrente, pôde indiciar algumas
pistas sobre a dinâmica da formação continuada de professores.
Outro elemento de análise é o perfil cultural dos professores, que de modo geral
pouco leem livros de literatura. Dedicam tempo à leitura de revistas, livros infantis para
suas escolhas pedagógicas e, preferencialmente, livros de auto-ajuda. As compras de
livros são raríssimas e suas poucas leituras são feitas por indicação de amigos ou por
exigências dos estudos ou das práticas profissionais.
Sobre a prática pedagógica, aos espaços, tempos, materiais na organização do
trabalho a favor do letramento literário, podemos assinalar: a ausência e/ou má
organização de espaços adequados à leitura literária; a escolarização imprópria da
literatura e o pouco ou nenhum tempo dedicado ao letramento literário.
Um dos motivos dessa situação adversa é de responsabilidade da própria
instituição escolar e está na ausência de um planejamento didático, de cada disciplina e
do conjunto da escola, nesse caso, voltado ao letramento. Afinal, os recursos didáticos,
os materiais diversos, os livros, assim como os espaços e mesmo os horários a serem
mobilizados para seu uso, precisam ser combinados e partilhados entre os interessados.
O desperdício mais frequente é o de diferentes tipos de impressos. Materiais
estratégicos para a diversificação e o desenvolvimento do letramento do aluno, como
revistas e jornais, além dos próprios livros do PNBE (Programa Nacional da Biblioteca
na Escola) e dos minidicionários do Programa Nacional do Livro Didático, são, muitas
vezes, subutilizados. E mesmo o livro didático chega a ser descartado. Nesse último
caso, o desuso parece dever-se a escolhas mal sucedidas, seja porque o livro recebido
não era o da primeira opção, seja porque mesmo correspondendo ao título solicitado,
revelou-se em desacordo com a realidade da escola ou as expectativas dos professores.
Um dos principais motivos dessas problemáticas é que as atividades propostas
não possibilitam uma aproximação literária dos alunos com os textos. Outra razão é a
fragmentação dos textos literários nos livros didáticos, apresentados aos alunos como
―pseudotextos‖, às vezes começando pela metade, outras com seu final alterado ou
ignorado, ou com recortes feitos no corpo do texto apenas para adequá-lo ao espaço do
livro didático, aproximando o começo do fim. Além disso, o texto literário transferido
para o livro didático não se configura, pois perde a programação visual e as ilustrações
do livro originalmente concebido e publicado.
Daí a importância da busca, desde as séries iniciais, de uma relação literária com
os textos que transcenda suas limitações e inadequadas escolarizações. Lê-los, nessa
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dimensão, significa recuperar aquela configuração que foi perdida na ―didatização‖ da
literatura, revendo propostas adequadas de textos produzidos para o público infantil que
não se limitem à condição de mais um apêndice para a aquisição da leitura e da escrita.
O professor: mediador da leitura e da literatura?
As questões articuladas em torno do tema ―prática pedagógica‖
contempladas por esta pesquisa, consideraram, portanto, a existência de práticas e
modos de ensino da leitura via escola e as concepções de seus agentes que, em
grande medida, as determinam. Existem muitas problemáticas a serem enfrentadas
para que o ensino da leitura (e o ensino da literatura) na escola se efetive e
formem-se leitores críticos e autônomos, como tão amplamente difundido em
diversos discursos oficiais e acadêmicos.
Para que a escola possa cumprir uma das suas funções fundamentais como
formadora de leitores, necessita de estruturas física e humana adequadas. Para que
haja um projeto com diretrizes claras acerca da aprendizagem e do
desenvolvimento da leitura e da literatura na unidade escolar, é preciso
prioritariamente: (1) que o corpo docente esteja minimamente fundamentado e
seja freqüentemente realimentado com estudos sobre leitura e a literatura, daí o
papel fundamental do trabalho cooperativo, criando as bases de uma parceria entre
os docentes na interlocução do trabalho pedagógico da e sobre leitura e a
literatura, que por sua vez gera condições para a efetivação de uma ambientação
necessária e elos mediadores essenciais para que os docentes possam, nessa
parceria, formularem ações didáticas voltadas à formação da competência leitora e
à necessidade e gosto pela leitura e literatura; e (2) que a escola possua uma
biblioteca com um acervo mínimo, para que o projeto possa se desenvolver e para
que a criança possa manuseá-lo e explorá-lo em suas máximas possibilidades,
estimulando-se, assim, o contato da criança com obras literárias, sem a
didatização ou a transformação do que foi lido em fichas, perguntas ou outras
atividades inibidoras da espontaneidade e do aspecto prazeroso que a literatura
pode proporcionari.
Dada a importância da figura do coordenador (geralmente um professor da
equipe escolar, parceiro da rotina escolar), nesse processo, como alguém que pode
não apenas ―lutar‖ por espaços efetivos em que possam ocorrer mediações de
leitura, com a criação e manutenção de áreas objetivamente destinadas à leitura da
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criança – leitor em formação – na escola, mas como aquele que também busca
meios de contribuir para a formação continuada dos mediadoresii da leitura, no
caso os professores, a pesquisa procurou contemplar a busca pela compreensão da
natureza da orientação do trabalho com o ensino da leitura na escola, realizada
pelos coordenadores, como contribuidora na qualitativa ação desses mediadores,
o que também proporcionou o desvelar das concepções dos professores, a partir
das vozes desses coordenadores.
Se ler é um direito que toda criança deve ter assegurado, uma vez que a
leitura, principalmente a literária, contribui para o desenvolvimento e o
crescimento intelectual, conforme nos explicita Bamberger (1987, p.9) – ―o
direito de ler significa igualmente o de desenvolver as potencialidades
intelectuais e espirituais, o de aprender e progredir‖ –, buscamos compreender
em que medida os professores tinham clareza desse direito e como ele era
garantido.
A chamada leitura literária, para ser realizada com prazer (evidentemente
como meio de formação do leitor literário e do leitor polivalente), exige um
conjunto de fatores que pode variar desde a forma de organização do espaço em
que se lê e do acervo (impresso ou eletrônico) que está à disposição do leitor, à
conduta dos profissionais que fazem a mediação por meio de produtos e
atividades culturais. Nesse contexto, os núcleos de análise da pesquisa voltaram-
se também para verificar, aos olhos dos coordenadores, se as atividades de
literatura infantil e juvenil vinham ocorrendo no espaço escolar e como estavam
sendo efetivadas as orientações para tais atividades.
Muito embora a maioria dos coordenadores (86,8%) assuma orientar
projetos com a literatura infantil e juvenil, com freqüência semanal (50%), parece
não haver distinção entre a orientação do trabalho com a leitura daquela voltada
aos trabalhos destinados à literatura infantil e juvenil, especificamente quanto à
ambigüidade de assinalarem mais propriamente a finalidade, período de
realização, do que sobre ―como‖, a forma como se estabelece a orientação.
Sem dúvida, a literatura é um dos componentes fundamentais no processo
de desenvolvimento infantil, pois proporciona à criança o desenvolvimento de sua
competência leitora, possibilidades para resolver seus conflitos internos, além de
estimular sua imaginação, contribuindo para que o lúdico esteja presente em sua
vida. Segundo Bortolin (2006), o que permeia toda a trajetória do leitor ou de sua
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formação é o elemento lúdico, o prazer que a leitura como um todo vai lhe
proporcionar, ou seja, desde o contato tátil com o livro, com sua ilustração, até o
texto escrito propriamente dito. Daí a importância de como efetivamente tem se
dado esse trabalho, na escola.
Os exemplos, a seguir, apresentam aquelas respostas, pouco precisas, que
também nos alertam para a necessidade de formação do próprio coordenador para
a orientação, junto aos professores, do ensino da leitura e da literatura infantil e
juvenil: ―através de projetos‖, ―conscientizando o professor e orientando‖,
―mensalmente avaliamos os projetos da escola‖, ―através de capacitações‖, ―com
incentivo e apoio aos professores‖, ―apresentando material didático pedagógico‖,
―esse trabalho é organizado de acordo com o grupo de professores‖, ―estimulando
e envolvendo a todos para que sejam verdadeiros comunicadores‖, ―apenas
quando surge no HTPC e discutimos e trocamos experiências‖.
Ainda sobre a metodologia de trabalho, uma resposta chama a atenção:
―Procuro trabalhar com o grupo de professores uma fundamentação teórica sobre
a importância da cultura leitora, estimulada através da partilha de práticas bem
sucedidas e sugestões práticas de atividades.‖ Há aqui uma preocupação em,
inicialmente, formar teoricamente os docentes, para depois colocá-los frente à
prática.
Dada a pouca precisão no conjunto das respostas, não é de se estranhar,
portanto, que os coordenadores não saibam precisar a fundamentação científica
em que baseiam as prováveis orientações. Ao serem indagados ―Em quais livros
teóricos você se baseia para estas orientações? Nomear”, 25% das respostas
ficaram em branco, as demais se dividiram em: troca de experiências, orientações
e capacitações; PCN, Módulo Letra e Vida, Tecendo Leituras, Livros
Pedagógicos. Ao tentar nomear, aparecem, na maior parte, não os nomes dos
livros, mas os nomes de alguns autores da academia, representantes de áreas de
conhecimento e nem sempre relacionadas à leitura e/ou literatura infantil: Piaget,
Vigotsky, Paulo Freire, Perrenoud, Lener, Rojo, Smith, Jolibert, Soares, Manguel,
Martins, Ferreiro, Coelho, Solé. Revistas também foram nomeadas, como: Pátio,
Revista do Professor e Nova Escola. E outros autores da mídia, como Roberto
Shiniashiky, Augusto Cury.
Tais respostas são preocupantes, na medida em que não ter respaldo teórico
específico sobre o ensino da leitura e da literatura traz implicações pedagógicas
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para a formação do leitor e do gosto pela leitura. Nesse sentido, como uma das
decorrências, podemos afirmar que ter referência sobre a obra a ser indicada aos
professores ou selecionada para a biblioteca da escola, requer do coordenador o
conhecimento do caráter polissêmico da linguagem simbólica, enfim, do aspecto
artístico de que se compõe a obra literária. Caso contrário, por exemplo, tanto o
coordenador em sua orientação ao professor, quanto este, por sua vez, na
mediação com o aluno, poderão não saber discernir entre a obra de cunho estético
daquela de teor pedagógico, cuja função distorce a coerência interna da obra ou
ainda não apresenta elementos que possibilitem ao leitor contato com dilemas que
podem ajudá-lo a resolver os seus próprios.
Quanto às questões “Na sua opinião, qual o perfil dos professores que aderem
a estes projetos? e ―Qual seria o perfil dos professores que resistem a este tipo de
projeto?‖, de modo geral, os coordenadores definem os professores que
organizam, participam e desenvolvem projetos de leitura, com um perfil de
leitores; dinâmicos, inovadores, e da área de Humanas; interessados em cultura e
participantes de formação continuada.
As respostas dos coordenadores das três cidades pesquisadas indicaram um
núcleo referencial em torno do qual puderam ser registradas algumas
manifestações. Esse núcleo centra-se na característica básica constituinte do perfil
do professor que elabora ou participa de projetos com leitura na escola: trata-se do
que consideram como o professor leitor. A ocorrência dessa categoria a torna
nuclear, porque as respostas mais freqüentes apontam o professor, que demonstra
ser leitor pelos seus atos, como o que mais entusiasticamente elabora ou participa
dos projetos nessa área. Ao redor dessa característica nuclear, manifestam-se as
demais que a ela se vinculam e compõem um quadro mais bem configurado: são
professores dinâmicos e inovadores; possuem boa formação acadêmica e cultural
em Ciências Humanas; eles compreendem a leitura como ferramenta inalienável
para a formação humana; e por todas essas características, participam de
encontros de formação continuada, com o objetivo de inovar, dinamizar e
experimentar atividades para construção de suas aulas.
Ao caracterizar como leitor o professor participante de projetos de leitura,
os coordenadores se utilizam de uma expressão que caiu no gosto da mídia,
embora tenha sido produzida pelos meios acadêmicos, não só no Brasil, mas no
mundo ocidental. Trata-se da expressão ―hábito de ler‖. Empregada com suas
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variações, hábito de leitura e criação do hábito de leitura, trouxe com ela a ideia
de que todas as crianças e todos professores sabem ler, isto é, sabem ler todos os
gêneros do discurso, mas, pela ausência de um programa sistemático e eficiente,
não criariam o hábito, nem o gosto, e não os criando, desde criança, não se
tornariam leitores. Essa premissa produz uma indagação: a leitura seria um hábito
ou uma competência a ser desenvolvida pela escola, em situações convincentes de
aprendizagem? Ou ainda: os escolares sabem ler e o que lhes falta seria apenas o
hábito, ou apenas porque não tem o hábito não são leitores? São questões
provocadas pelas próprias respostas dos coordenadores.
Esse perfil parece não ser tão comum entre professores por várias razões,
entre as quais se destaca o limitado poder aquisitivo e a própria restrição do
tempo, absorvido pelas tarefas inerentes as suas funções. A afirmação de um dos
coordenadores, traz em si mesma uma singularidade: ―acredito que quem tem o
hábito de ler transmite naturalmente a necessidade da leitura‖. A singularidade se
situa na representação de que faz do professor leitor como aquele que, por ter o
hábito, não o transmite, mas cria a necessidade de ler. São duas atividades
intelectuais distintas: uma seria o hábito, existente no adulto mediador; a outra
seria a necessidade em processo de recepção pela criança, aluno de escolas. O
singular parece situar-se na existência de uma ação que, ao ser transmitida, seria
transformada pela ação do sujeito receptor em outra: a da necessidade. Sem ter
consciência de sua afirmação, esse coordenador produz, para nós, uma indagação:
o professor pode incutir hábito ou criar necessidade?
E qual seria o perfil dos professores resistentes a esse tipo de projeto de
leitura? As respostas a tal questão trouxeram várias características de professores,
ora de natureza pessoal, ora relacionadas à sua formação. Os adjetivos
empregados para as primeiras revelam professores apáticos, acomodados, parados
no tempo, ou, em outra perspectiva, auto-suficientes e individualistas. Em relação
à formação, apontam que são malformados, tradicionais, fechados, conteudistas,
não-leitores.
Além dessas características, listam outras, tais como as de não gostar de ler,
não sentir prazer, nem gosto, nem ter o hábito de ler e a de utilizar somente o livro
didático; são os de idade mais avançada; não têm compromisso com os alunos e
com a educação; trabalham em várias escolas, e são, geralmente, da área das
exatas. Algumas poucas respostas indicam não haver nenhuma resistência, todavia
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é preciso considerar que alguns coordenadores evitam qualquer análise crítica,
como é o caso deste, ao afirmar: ―não tenho esse professor. Todos aderiram ao
Projeto Leitura, consenso do grupo e é o objetivo prioritário para o avanço do
aluno no processo ensino aprendizagem‖.
A visão do coordenador é a da leitura como instrumento para a própria
escolarização, para a própria formação do homem. Em algumas respostas, o
coordenador não consegue avaliar os professores, e declara não conseguir
―enxergar, as muralhas‖. Outros, fazem análises mais aprofundadas, ao dizer que
―são professores, de uma certa forma, que não buscam inovações em seu ensino,
não internalizam a real necessidade da leitura, estando presos a concepções
antigas que não favorecem a este tipo de trabalho e que muitas vezes ficam
centrados apenas nos livros didáticos‖.
Essas observações sintetizam o universo das respostas, porque traçam o
perfil do professor que não participa de ações, que não as consideradas rotineiras
por ele próprio.
Para finalizar, devemos reiterar que, como Monteiro Lobato, acreditamos
que é fundamental estreitar a convivência do leitor com o livro, pois ele é “[...]
sobremesa: tem que ser posto debaixo do nariz do freguês, para provocar-lhe a
gulodice‖ (AZEVEDO et al., 1997, p.131). Em relação à criança, isto nos parece
mais importante ainda, pois cabe aos mediadores da leitura, dentre eles, os que
foram sujeitos de nossa pesquisa: professores, bibliotecários e coordenadores –
indiretamente em suas orientações – provocar, desde a mais tenra idade, a
necessidadeiii
e o gosto pela leitura. Almejamos que a criança brasileira possa
encontrar espaços e mediadores que possam ajudá-la a ampliar a sua curiosidade e
a ―mitigar a sede‖ de leitura da literatura; que a leitura e a literatura possam fazer
parte da vida das crianças.
Entretanto, é necessário que as escolas e as bibliotecas busquem agregar
pessoas comprometidas com a leitura e tenham como objetivo principal levar a
criança, sem distinção ou preconceito, ao universo da leitura. E ainda que cada
criança possa ver na leitura mais um brinquedo dentre os tantos existentes, como o
Menino Maluquinho, de Ziraldo, que, em seu cotidiano, tem a leitura e o fazer
versos como atividades tão ―naturais‖, ―corriqueiras‖ como jogar futebol ou
construir uma pipa.
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Por fim, lembramos que o engajamento em defesa da leitura tornou-se,
também, uma tarefa emergencial, pois, na atualidade, carecemos de espaços
dedicados à infância, nos quais possamos contribuir para a formação de leitores,
respeitando o seu imaginário e ludicidade. Nesse sentido, acreditamos que seja
fundamental um posicionamento mais decisivo por parte do poder público, na
organização das políticas públicas, todavia, também dos mediadores de leitura,
dos quais aqui falamos mediante atitudes e ações de resistência à ―desmontagem
da infância‖, por intermédio do fazer pedagógico consciente e intencional voltado
à formação do leitor.
Referências Bibliográficas
AZEVEDO, C. L. de; CAMARGOS, M.; SACCHETTA, V. Monteiro Lobato:
furacão na Botocúndia. São Paulo: SENAC, 1997.
BAMBERGER, R. Como incentivar o hábito da leitura. São Paulo:
Ática/Unesco,(1975), 1987.BORTOLIN, Sueli. A mediação de leitura nos espaços
infanto-juvenis. In: BARROS, Maria Helena Toledo de.(et al) Leitura: mediação
e mediador. SP Ed.FA, 2006.p.65-75.
DAVIDOV, V.V. The influence of L.S. Vygotsky on Education, Theory,
Research and Practice. In: Educational Researcher, v.24, n°.3, abril 1988.
DUARTE, N. A individualidade para-si: Contribuição a uma teoria histórico
social da formação do indivíduo. Campinas, SP: Editora Autores
Associados,1993.
INAF. Disponível em: www.inaf.org.br Acesso em: 10 out. 2007.
LEONTIEV, A. N. A demarche histórica no desenvolvimento do psiquismo.
In: . O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.
PISA 2000 RELATÓRIO NACIONAL. Disponível em:
http://www.oecd.org/dataoecd/30/19/33683964.pdf Acesso em: 20 dez. 2006.
UNESCO. PESQUISA NACIONAL UNESCO. O perfil dos professores brasileiros: o
que fazem, o que pensam, o que almejam. São Paulo: Moderna, 2004.
TALÍZINA, N. Psicologia de la Enseñanza. Moscou: Progresso, 1988.
i O livro constitui-se em uma, dentre outras tantas objetivações humanas — entendidas como criações ou
transformações histórico-socialmente produzidas — que, ao ser apropriado pela criança, traz consigo
elementos constitutivos de todo o processo histórico formador do autor, da obra enquanto tal e do próprio
leitor. Lendo, a criança entra em contato com esse objeto que é fruto de todo um contexto e que fará parte
da formação de sua consciência como homem. ―É na relação entre sua vida e a história social humana
(cujos produtos materiais e mentais constituem o mundo no qual transcorrerá essa vida) que cada ser
humano constitui sua individualidade‖ (Duarte,1993) O livro é, nessa perspectiva, uma objetivação
humana que medeia o diálogo da criança com o autor, constituindo seu discurso interior, seu pensamento.
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ii A palavra mediador deriva do latim ―mediatore‖ e significa aquele que medeia ou intervém. Em se
tratando da leitura, segundo Bortolin (2006), podemos considerar que o mediador do ato de ler é o
indivíduo que aproxima o leitor do texto. Em outras palavras, o mediador é o parceiro mais experiente
dessa relação, que pode ser exercida por diferentes indivíduos, independentemente do sexo, da idade e da
classe social, em diferentes espaços e em diferentes situações e com diferentes gêneros discursivos. iii
A crítica é de que a escola, desde o início, tem feito do livro um meio, um objeto de motivação para
aprendizagens consideradas de importância superior. A leitura feita e indicada no sentido utilitário, deixa
de ser uma atividade cujo objetivo coincide com o próprio ato do ler para se tornar uma ação cujo
objetivo não está no texto, mas em outras atividades (tais como o aprendizado de conceitos, moralização,
exemplificação de comportamentos). Vale ressaltar a discussão feita por Leontiev e outros estudiosos da
teoria histórico-cultural sobre a importância de a criança ter consciência dos motivos pelos quais age e de
interessar-se pelos objetivos das atividades que realiza. Assim, denominamos atividade o fazer do sujeito
que envolve o conhecimento, no plano mental, acerca do resultado a ser atingido, em resposta à satisfação
de uma necessidade ou interesse desse indivíduo (DAVÍDOV, 1988; LEONTIEV, 1988; TALÍZINA,
1988). Esse conhecimento é essencial para o trabalho pedagógico quando entendemos que o sujeito que
aprende deve estar envolvido no processo educativo de forma ativa, quer seja quando, nos projetos de
trabalho, particularmente na Hora do Conto, a criança participa das decisões do que e como fará alguma
atividade, quer seja quando ela sabe o porquê e o para quê realizará determinadas ações.
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