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DIALOGICIDADE PARA QUE TE QUERO? DO PENSADO AO REALIZADO Apresentam-se três pesquisas que, mantendo dialogicidade na formação do pedagogo como traço comum em cada uma das propostas didáticas inovadoras, mostraram ótimos resultados, mesmo adotando ambiências e objetos de estudo diferenciados e complementares. A) Em universidade, investigou-se didática pautada na dinâmica dos Círculos de Cultura freirianos amalgamada à aula invertida e aspectos do ensino híbrido, para favorecer a aprendizagem consciente e solidária dos conteúdos teóricos e práticos planejados institucionalmente. Teorias de aprendizagem e demandas contemporâneas salientam papel da pessoa ativa, capaz de rapidamente situar-se, assumir responsabilidades. Implica, então, desenvolver potencial para análise, conhecimento dos limites e possibilidades pessoais, dos outros e ambientais. Traços não vivenciados academicamente pelo usual aluno da pedagogia que, dicotomicamente, deverá desenvolvê-los em seus futuros alunos. Suprir tal lacuna justificou criação da didática pesquisada. B) Também espaços se constituem como componentes intrínsecos do desenvolvimento curricular. A crescente permanência temporal, de alunos e profissionais, nas escolas impacta o uso dos espaços que continuam os mesmos. Buscar solução didática que conciliasse tempo e espaço destinados à formação profissional e à alimentação foi desafio assumido por escola de educação infantil paulistana. Equipamento inadequado à criança, a “Casa da Girafa”, restava mal aproveitada. A reorganização do espaço, voltando-o às especificidades do adulto, permitiu disponibilizar local acolhedor aos momentos da alimentação, viabilizando destinação de ambiente interno para a formação. C) Em outra escola, entende-se a instituição como primeira estrutura externa à família em que a criança pequena é inserida. Implica, portanto, profissionais hábeis tanto no acolhimento dos pequenos como no trato com os arranjos familiares que, muitas vezes, ainda estão se adequando à cultura escolar, cheia de datas, regras e horários, diferentes dos seus. São diversos atores a inserirem-se, simultaneamente, em novas relações. A proposta foi adotar, didaticamente, uma gestão participativa, transformadora dos envolvidos. Palavras-chave: Formação Dialógica. Espaço Didático. Escola-Família. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 6528 ISSN 2177-336X

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DIALOGICIDADE PARA QUE TE QUERO? DO PENSADO AO REALIZADO

Apresentam-se três pesquisas que, mantendo dialogicidade na formação do pedagogo

como traço comum em cada uma das propostas didáticas inovadoras, mostraram ótimos

resultados, mesmo adotando ambiências e objetos de estudo diferenciados e

complementares. A) Em universidade, investigou-se didática pautada na dinâmica dos

Círculos de Cultura freirianos amalgamada à aula invertida e aspectos do ensino

híbrido, para favorecer a aprendizagem consciente e solidária dos conteúdos teóricos e

práticos planejados institucionalmente. Teorias de aprendizagem e demandas

contemporâneas salientam papel da pessoa ativa, capaz de rapidamente situar-se,

assumir responsabilidades. Implica, então, desenvolver potencial para análise,

conhecimento dos limites e possibilidades pessoais, dos outros e ambientais. Traços não

vivenciados academicamente pelo usual aluno da pedagogia que, dicotomicamente,

deverá desenvolvê-los em seus futuros alunos. Suprir tal lacuna justificou criação da

didática pesquisada. B) Também espaços se constituem como componentes intrínsecos

do desenvolvimento curricular. A crescente permanência temporal, de alunos e

profissionais, nas escolas impacta o uso dos espaços que continuam os mesmos. Buscar

solução didática que conciliasse tempo e espaço destinados à formação profissional e à

alimentação foi desafio assumido por escola de educação infantil paulistana.

Equipamento inadequado à criança, a “Casa da Girafa”, restava mal aproveitada. A

reorganização do espaço, voltando-o às especificidades do adulto, permitiu

disponibilizar local acolhedor aos momentos da alimentação, viabilizando destinação de

ambiente interno para a formação. C) Em outra escola, entende-se a instituição como

primeira estrutura externa à família em que a criança pequena é inserida. Implica,

portanto, profissionais hábeis tanto no acolhimento dos pequenos como no trato com os

arranjos familiares que, muitas vezes, ainda estão se adequando à cultura escolar, cheia

de datas, regras e horários, diferentes dos seus. São diversos atores a inserirem-se,

simultaneamente, em novas relações. A proposta foi adotar, didaticamente, uma gestão

participativa, transformadora dos envolvidos.

Palavras-chave: Formação Dialógica. Espaço Didático. Escola-Família.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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MARCOS DIDÁTICOS DA DIALOGICIDADE NA FORMAÇÃO DE

PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL: A CASINHA DA GIRAFA

Rivania Kalil Duartei

Prefeitura do Município de São Paulo

O presente trabalho reporta-se a alguns dos resultados da pesquisa de doutorado

realizada pela autora, entre 2011 e 2015, na qual foram investigados os projetos, usos e

as transformações nos espaços de três Escolas Municipais de Educação Infantil de São

Paulo - EMEIs, inauguradas em período anterior a 1975. Teve como objetivo conhecer

concepções, significados, interesses e parâmetros que orientam processos decisórios

sobre as intervenções nos espaços escolares, para adaptá-los, para ampliá-los ou

segmentá-los. As questões que instigaram este trabalho voltaram-se aos segmentos

envolvidos nesses processos: quem demanda as intervenções, quem define e efetiva sua

execução, quais elementos mobilizam educadores e a população usuária a buscar essas

transformações, que têm desdobramentos no currículo e no trabalho pedagógico

desenvolvido na escola. Como motivadores das intervenções destacaram-se: o

atendimento ao projeto pedagógico da escola; a funcionalidade dos espaços; a segurança

dos usuários e do prédio público, o bem-estar e saúde dos que nele convivem. O

enfoque no conforto, ludicidade, bem-estar necessários aos processos pedagógicos, que

envolvem os aspectos cognitivos, físicos, imagéticos, expressivos e relacionais para as

crianças de 4 e 5 anos e para os usuários orientou a escolha do espaço: “casinha da

girafa” –área construída, para brincadeiras de faz de conta e para compor espaços

lúdicos da escola. O teto muito alto em relação à área construída fez com que fosse

nomeada “casinha da girafa” e acabou por transformar-se em depósito de materiais

inservíveis. Mais tarde, atendendo ás reivindicações de professores e funcionários,

transformou-se em refeitório para os adultos da escola.

Palavras-chave: Arquitetura e Educação. Projeto Pedagógico. Educação Infantil

Algumas reflexões sobre Arquitetura e Educação

Usamos e vivemos no espaço, como se ele fosse um

simples pano de fundo, de cor neutra, sem

compromisso. No entanto, o espaço é elemento cheio

de significado, que reflete sempre a história e a

cultura de um povo; que revela no seu uso e na sua

disposição, a relação efetiva que está estabelecida

entre as pessoas que nele convivem.

(Mayumi Watanabe de Souza Lima)

A arquitetura escolar será abordada neste trabalho como a define Agustín

Escolano, não apenas como um programa de ensino “silencioso”, mas lugar onde

acontecerão as primeiras experiências espaciais das crianças e que terão

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desdobramentos na percepção e desenvolvimento de seu esquema corporal e de suas

estruturas cognitivas. (FRAGO e ESCOLANO, 1998, p.27). Os autores consideram o

espaço escolar como uma construção social, uma relação sensível de uma realidade

percebida, que pode ser percebida e também modificada, segundo os critérios de quem o

ocupa, transformando-o, a um só tempo em limite e possibilidade. Devido à sua

materialidade, afeta seus usuários em aspectos relacionados ao corporal, material e

relacional, que podem ser diferenciados, mas que sempre se traduz em significados

relacionados e que interagem em conjunto, nas dinâmicas do cotidiano escolar.

A concepção de edificação escolar utiliza como ferramenta a sistematização dos

conceitos e estratégias do projeto arquitetônico, apoiadas nas vivências e usos dos

espaços escolares. Outros parâmetros devem ser considerados, tais como, o

dimensionamento (tamanho), padrões de habitabilidade do espaço físico edificado,

racionalização dos processos de construção respeitadas as condições e especificidades

locais, funcionalidade e identidades com a pedagogia, em seus aspectos teóricos e

práticos, a cultura, conforto ambiental, equipamentos, mobiliário e características

construtivas: de implantação, instalações e infraestrutura. A localização do edifício

escolar e a disposição física ou organização das dependências ou espaços, refletem as

diferentes concepções que se tem sobre sua natureza, papel e funções.

Como os diferentes agentes decisórios: gestores municipais, técnicos das

Secretarias de obras, responsáveis pelas edificações, técnicos das Secretarias de

Educação e MEC, gestores educacionais, professores, funcionários, alunos e

comunidade usuária da escola não discutem, ou ao menos não discutiram em muitos

momentos históricos da educação infantil municipal paulistana, concepções

educacionais, interesses e desejos da população usuária, atendimento à demanda, com

qualidade social, de equipamentos e materiais construtivos e mobiliários, ocorrem, por

vezes distorções que acabam por limitar áreas livres para brincadeiras, atividades livres

e/ou orientadas, reuniões, alimentação e convívio de adultos e crianças.

Procedimentos metodológicos

Foi realizada uma ampla pesquisa, em documentos elaborados pelo MEC, e

Secretarias da Educação de São Paulo, para localizar as principais especificações

normativas vigentes para as edificações escolares, que embasam e orientam os projetos

arquitetônicos para as EMEIs.

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Os documentos destacados foram os que vigem atualmente, como orientadores

para as políticas públicas voltadas à educação infantil, afetos às orientações curriculares,

parâmetros básicos de infraestrutura para instituições de educação infantil e parâmetros

nacionais de qualidade, resultantes de um trabalho coletivo que envolveu educadores,

arquitetos, engenheiros, com a finalidade de planejar, refletir, construir, reformar,

adaptar espaços destinados à pequena infância – crianças de 0 a 5 anos.

A partir dos documentos organizados pelo MEC e enviados às prefeituras, a

PMSP também organizou seus orientadores, por meio da SMESP, que tem servido para

o acompanhamento das diretorias de educação, em relação às instituições públicas e

privadas de educação infantil e para a autorização de funcionamento de novas unidades

educacionais.

Houve um levantamento de obras em livrarias especializadas em educação e em

arquitetura, para que esta pesquisa contasse com contribuições atualizadas de autores

que discutem questões sobre o espaço escolar. Também foi feito um levantamento de

teses e dissertações, na área da educação e da arquitetura.

Esta pesquisa adotou uma abordagem qualitativa, pois: selecionou uma amostra

pequena; coletou dados descritivos, como notas de campo, fotografias, documentos

oficiais, depoimentos, registros de entrevistas; a relação com os sujeitos foi de empatia,

relativa igualdade e baseada na confiança; seguiu um plano progressivo e flexível.

(Bogdan e Biklen, 1994).

O termo qualitativo, segundo Chizzotti (2011) refere-se a um contato “denso”

com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, com a finalidade de

extrair significados apenas perceptíveis por meio de atenção sensível por parte do

pesquisador. Esses significados, atribuídos às coisas e às pessoas, nas interações sociais

e com os objetos podem ser descritos e analisados, não tomando a quantificação

estatística como a única via para se assegurar a validade de generalização.

A opção por realizar entrevistas com educadores e arquitetos deveu-se à

constatação, por parte de todos os autores que pesquisam a dimensão espacial da ação

educativa e daqueles que vivenciam os problemas que se originam da falta de diálogo

entre as áreas, de que a falta de diálogo, a ausência de disciplinas tanto na formação

inicial de arquitetos como de educadores, que ampliem e construam novos

conhecimentos na área de Arquitetura e Educação, tem ocasionado muitos

impedimentos para o desenvolvimentos de projetos pedagógicos libertários e

humanistas, que visem ao bem estar, ao não confinamento, à integração das áreas

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internas e externas da escola e, por fim , à apropriação desse espação como lugar de

convívio saudável, de novas aprendizagens, de experiências significativas e prazerosas

para todos os que compartilham desses espaços.

Todos os segmentos têm que ser comtemplados: é preciso ouvir educadores e

arquitetos

Para a composição do trabalho de doutorado, foi necessário abrir espaço para dar

voz aos arquitetos. Nas escolas, atribuem-se os problemas advindos de materiais e

construções malfeitas, aos técnicos da área de edificações. Mas ouvindo quatro

arquitetos, que tiveram significativa experiência no departamento de edificações

escolares – EDIF, em especial até o início dos anos 2000, em entrevista coletiva, foi

possível constatar que o mesmo desejo de diálogo para aperfeiçoar processos

construtivos e evitar tantos gastos e desgastes com a manutenção dos prédios, estava

presente entre os arquitetos e educadores. Ambos os segmentos detinham o

entendimento de que as modificações em relação às concepções curriculares, à faixa

etária atendida pelas EMEIs, o período de permanência de crianças e professores na

escola, que se ampliou, as ampliações no quadro de funcionários e docentes e as novas

jornadas contemplando horários coletivos de estudo, exigiam novos espaços para novas

e para as antigas escolas também.

É consenso também entre todos: quando a realidade exige, a escola busca e

encontra caminhos. Como os caminhos legais por vezes são morosos e ineficazes, as

escolas acabem por dar os seus “jeitinhos”, como disseram algumas das gestoras

entrevistadas. Esses “jeitinhos”: intervenções nos prédios feitas, por vezes, sem

assessoria, sem critérios nítidos dos desdobramentos em relação à iluminação,

ventilação, metragem de área por ocupantes, interferências físicas que têm impactos

diretos no currículo escolar: cimentar áreas verdes, para facilitar a limpeza e diminuir

possibilidades de contaminação nos tanques de areia, construção de divisórias de

madeira, que não impedem o barulho, mas dificultam a ventilação, a iluminação natural

e mesmo comprometem a estética e a beleza da arquitetura dos prédios.

Entre os espaços mais solicitados entre os educadores entrevistados, destacaram-

se espaços de convívio e de alimentação. Com a ampliação da jornada docente e com

muitos funcionários das áreas de limpeza e merenda, sem opções para se alimentarem

fora da escola, foi levantada, com especial ênfase a necessidade da construção de

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refeitórios para os adultos. Sendo este espaço fundamental para o bom desempenho das

funções pedagógicas e outras correlatas dentro da escola, esses refeitórios foram

criados, sob forma de espaços adaptados e, em geral são demarcados por divisórias de

madeira, dentro do refeitório das crianças.

Na escola selecionada para este artigo, a solução foi diferente das demais. A

escola dispunha de um espaço, construído para a brincadeira das crianças e que se

encontrava inutilizado para a sua finalidade original. Esse espaço vinha sendo utilizado

como depósito de materiais e equipamentos dos quais a escola não poderia se desfazer

sem um processo que confirmasse que já não se encontravam mais em condições de

uso. Como os processos para a “baixa de bens patrimoniais” são complexos e morosos –

e já o foram muito mais, segundo as educadoras informaram, a casinha seguia sem

função para a utilização dos usuários, como local de convívio. Partiu dos funcionários a

solicitação para que a diretora aproveitasse a construção e transformasse a antiga

casinha, em refeitório para professores e funcionários. Havia o argumento da

localização: ficava num espaço contíguo à cozinha, com pouco trânsito de crianças e

com capacidade para abrigar utensílios e equipamentos necessários a um refeitório,

acomodando de quatro a seis funcionários por vez.

Os aspectos destacados pelos entrevistados como relevantes a serem

considerados para a elaboração de projetos arquitetônicos de escolas municipais de

educação infantil resultaram das solicitações das escolas por reformas, ampliações e

adequações nos prédios e, portanto, apresentam itens coincidentes com os levantados

pelas equipes escolares entrevistadas.

Breve relato da pesquisa de campo realizada em três EMEIs de São Paulo

A pesquisa realizada nas escolas possibilitou o confronto do ideal – o que consta

dos documentos legais e orientadores curriculares - e o real, que resulta da ação dos

profissionais que ali trabalham e que precisam resolver questões relativas aos espaços

escolares para dar respostas às dinâmicas do cotidiano, que exigem adequações/

intervenções nos prédios para atender às demandas dos ao projeto político- pedagógicos

das escolas, que devem orientar a ação educativa, no cotidiano da escola.

Mudanças nas políticas educacionais também exigem mudanças, ampliações ou

adaptações nos espaços, como por exemplo, em relação aos profissionais, para atender à

jornada mais ampliada dos professores, seus momentos de estudo e trabalho coletivo,

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suas reuniões com os coordenadores pedagógicos, o maior número de funcionários de

limpeza e merenda, com seus pertences e exigência de maior número de banheiros e

armários. Além dessas adequações, há as exigências legais para que os prédios em

relação às normas para deslocamentos seguros e banheiros para cadeirantes, pessoas

com mobilidade reduzida e baixa visão, entre outras.

As escolas pesquisadas, por contarem com mais de 35 anos de funcionamento, já

se ressentiam de muitos espaços a serem repensados e reorganiz\ados, e outros

construídos.

Participantes da pesquisa

Na visita inicial a cada escola, foi solicitado à equipe gestora que convidasse três

professoras e um funcionário com muitos anos de casa, que tivessem vivenciado um

tempo de experiência espacial direta com a escola e possivelmente, testemunhado algum

tipo de intervenção no prédio escolar.

Também foi indicado que os professores atuassem preferencialmente em cada

um dos turnos da jornada docente: 1º turno: 7h às 11h; 2º turno 11h às 15h; 3º turno:

15h às 19h, pois, como cada turno tem uma dinâmica própria, poderia haver algum

direcionamento do olhar do professor para os espaços mais utilizados durante seu

período de trabalho.

Nas três escolas foram indicadas professoras, uma vez que representam a

maioria, especialmente entre as mais antigas em exercício na RME. Quanto aos

funcionários, nas três EMEIs foram indicadas Agentes Escolares – as mais antigas das

UEs e que, de acordo com as gestoras, acompanhavam de perto as intervenções nos

prédios.

A qualidade deste atendimento vincula-se também ao desempenho dos

profissionais de educação, que precisam ser considerados, assim como as crianças, nas

avaliações que fazem dos espaços nos quais chegam a passar dez horas de seu dia.

Como se estruturou o trabalho de campo

Após a autorização de SME para a realização da pesquisa nas três escolas, que

seria composta por entrevistas, registros fotográficos dos espaços, documentos das

escolas, desenhos dos alunos, teve início a etapa de visitas às escolas. Em cada uma das

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unidades, a pesquisa teve início com uma conversa com a diretora, durante a qual a

proposta de pesquisa foi apresentada e, a permissão para fotografar os espaços foi

obtida.

Em todas as Unidades, as gestoras apresentaram os espaços, destacando seus

problemas, como acústica, iluminação, ventilação, área inadequada para os fins a que se

destina, como espaço pequeno, sem visibilidade para a área externa. Foi programado um

contato com o grupo de professoras e a coordenadora pedagógica, no horário coletivo,

dos professores que cumprem JEIF – Jornada Especial Integral de Formação e

permanece maior tempo na escola, podendo adequar seus horários para a realização das

entrevistas. Após a visita inicial, organizamos um cronograma de encontros para a

realização das entrevistas, para fotografar os espaços, para análise dos projetos

pedagógicos e das plantas das escolas.

Foram entrevistadas sete profissionais de cada unidade, sendo: três integrantes

da equipe gestora, três professoras e uma funcionária em cada EMEI. As entrevistas

seguiram um roteiro e as respostas foram anotadas na hora pela pesquisadora, em todas

as UEs, que contavam com a avaliação dos espaços de espaços destacados para as três

escolas e realizados registros fotográficos sobre os prédios, instalações e equipamentos.

A escola como lugar onde se aprende e se ensina, onde se vive e se estreitam

laços de convivência, tem natureza própria, ou seja, é concebida, projetada, construída,

utilizada e constantemente reorganizada em função dessa finalidade.

Na análise dos espaços transformados, o refeitório para os adultos emergiu como

uma das principais indicações, inclusive para a construção de novas Unidades

Educacionais. Uma das carências do prédio, como as das outras escolas, era um espaço

para as refeições dos adultos. Muitas EMEIs antigas localizam-se distantes de

restaurantes e centros comerciais.

Assim foi adaptado um espaço, o único na escola aqui apresentada, que foi uma

construção transformada. A equipe escolar envolveu-se na adaptação de uma casinha

feita de alvenaria, que deveria ser de uso para as crianças no parque.

A pessoa que respondia pela gestão na época de sua construção ocupou-se de

providenciar iluminação e construiu esta casinha num espaço contíguo à área de serviço.

Como o telhado acompanhou a altura do prédio escolar, a casinha ficou muito alta em

relação ao tamanho das crianças e recebeu o apelido de “casinha da girafa”.

As discussões presentes nesta pesquisa poderão favorecer reflexões sobre a

estruturação de novos projetos arquitetônicos e intervenções nas escolas de educação

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infantil, que priorizem a qualidade pedagógica do atendimento, o bem-estar e segurança

dos usuários e o conforto e ludicidade necessários ao desenvolvimento saudável, em

relação aos aspectos cognitivos, relacionais e físicos paras as crianças e todos aqueles

que convivem nesses espaços.

A “Casinha da Girafa”: atual refeitório, que os funcionários consideram

uma conquista coletiva.

– “Casinha da Girafa” Refeitório de professores e funcionários (à esquerda da foto)

Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora Rivania Kalil Duarte. 2014

A localização era ruim para a visualização das professoras e a casinha passou a

ser cada vez menos utilizada, até que se transformou em depósito de bens inservíveis e,

em seguida, foi adaptada para transformar-se em um refeitório, que ficou bem

localizado, pois ficou próximo aos banheiros dos funcionários.

Com mobiliários e equipamentos como geladeira, fogão e forno micro-ondas

doados pelos professores e funcionários e um armário de materiais reformado, foi

constituído um local, cuidado com apreço e zelo por todos os funcionários, onde podem,

além de alimentar-se, compartilhar momentos de descanso e, até mesmo festejar

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aniversários, ou tomar um cafezinho e conversar num intervalo entre seus afazeres.

No caso desta escola, a solução não inviabilizou espaços para as crianças,

garantiu privacidade aos adultos, que têm uma alimentação diferenciada do cardápio

infantil e possibilitou a otimização de uma área que estava sendo mal ocupada, como foi

assinalado por todos.

A disposição e uso do espaço, apropriada por todos na escola, favoreceu a

configuração do espaço do refeitório como lugar. O salto qualitativo do espaço ao lugar

é sua construção coletiva.

O espaço se projeta ou se imagina, o lugar se constrói. Constrói-se

“a partir do fluir da vida e a partir do espaço como suporte; o espaço,

portanto, está sempre disponível e disposto para converter-se em

lugar, para ser construído”. (Viñao Frago e Escolano, 1998:61)

Como lugar, situado em espaço específico, possui uma dimensão espacial que,

ao mesmo tempo, educa.

Considerações Finais

A análise de papéis e competências de educadores, comunidade, gestores

municipais e arquitetos, nas decisões sobre as intervenções nos espaços escolares

destaca elementos que se revelaram como motivadores dessas intervenções: o

atendimento ao projeto pedagógico da escola; a funcionalidade; a segurança, o bem-

estar e saúde dos usuários. Estes elementos foram levantados a partir da análise e

interlocução entre as entrevistas realizadas com os arquitetos e os profissionais das

escolas, com o subsídio do referencial teórico que embasa este trabalho.

A funcionária Dina disse gostar muito de mudar os espaços e gosta de ver a

escola bonita e bem cuidada, mas acha que alguns colegas não respeitam os lugares de

uso coletivo, como a brinquedoteca, que é o lugar que ela mais gosta de arrumar, porque

gosta muito de ver as crianças brincando naquele espaço.

As educadoras disseram saber que, devido ao uso intenso, os espaços demandam

reformas e adaptações periodicamente, em suas áreas internas e externas.

Para a diretora Marta, a forma como os espaços são organizados, a localização e

disposição de equipamentos e mobiliários, os cuidados com os espaços de circulação e

convívio interferem diretamente nas relações, no bem-estar dos usuários e na disposição

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para aprendizagem. Yara, coordenadora pedagógica da escola, considera que, os setores

da prefeitura trabalham sem comunicação e é preciso trocar informações e

conhecimentos para a escola funcionar bem. Os profissionais da escola não entendemos

nada de arquitetura nem de engenharia, mas, às vezes, acabam complicando os espaços,

para fazer com que eles se tornem mais seguros e funcionais.

Kowaltowski (2011) considera que , quando se trata de espaços coletivos, como

é o caso das edificações escolares, a humanização desses espaços, não diz respeito

apenas a padrões objetivos, como: edifícios com muita vegetação, harmonia de cores e

ornamentação, variações de ordem espacial, manutenção e cuidados adequados, mas

focalizam a construção de uma imagem do edifício, associada à cultura local e aos

moradores do entorno, que devem envolver-se com projetos de arquitetura da nova

escola ou de intervenções que se fazem necessárias com o passar do tempo, devido aos

desgastes de uso e às modificações propostas pela educação.

Daí a importância de todos serem ouvidos nos processos de projetos, usos e

intervenções nos espaços escolares. Assim como para que se produzam constantes

avaliações pós-uso, que concorram para a correção e orientação de futuros projetos e

subsidiem as reformas necessárias nos prédios.

Para Escolano (2000), a organização espacial é ferramenta do ofício docente e

contribui para a composição de modelos pedagógicos mais humanistas, configurando

sistemas de preservação e proteção para a infância.

Assim, projetar o espaço de uma escola, que se traduza como um ambiente da

infância, supõe considerá-lo de forma ampla, para que atenda a demandas pela

qualidade pedagógica, arquitetônica, mas também social, cultural e política, utilizando

novos parâmetros, que possibilitem projetar o novo, qualificar as relações, provocar e

promover novas formas de ver, conceber e interpretar a realidade e representá-la com

consciência crítica.

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SOBRE VIVÊNCIAS E SOBREVIVÊNCIAS FREIRIANAS NA EDUCAÇÃO:

POSSIBILIDADES E LIMITES NA FORMAÇÃO DE PEDAGOGOS

Sylvia Paula de Almeida Torres Vilhenaii

Universidade Nove de Julho- Uninove- São Paulo

Neste trabalho evidenciam-se os resultados de uma pesquisa em que se investigam

dimensões vivenciais das relações pedagógicas na formação do pedagogo, com ênfase

em epistemologia que favoreça o desenvolvimento da conscientização do estudante,

tendo como parâmetro o alcance da construção de conhecimentos indicados nos planos

de ensino de disciplinas semestrais e, correlatamente, a apropriação de fundamentos

teóricos e práticos que viabilizem a opção por uma prática pedagógica construtivista,

preconizada nacionalmente desde finais da década de noventa do século passado. A

experiência didática pesquisada foi desenvolvida nos últimos três anos e resulta em

amálgama de uma releitura dos Círculos de Cultura freirianos associada a alguns

aspectos do ensino híbrido e da aula invertida. Nesta proposta a perspectiva adotada se

ancora em arcabouço teórico de desenvolvimento do conhecimento lastreado em

concepções interacionistas. Utilizou-se metodologia qualiquantitativa para a

sistematização dos dados auferidos nas discussões sobre as percepções dos formandos

quanto à sua própria participação na dinâmica da classe, suas possiblidades de

superação das condições presentes e a sua colaboração ativa tanto na construção do

conhecimento, como na elaboração de material didático a ser compartilhado por todos,

até em regências futuras. As reflexões avaliativas, críticas, foram realizadas

quinzenalmente, no bojo das aulas de metodologias de ensino de ciências e de

matemática. O trabalho, envolveu 348 alunos de seis classes de pedagogia de

universidade particular paulistana e, até o momento, evidencia resultados bastante

positivos, em especial, a partir do segundo mês de implementação de cada disciplina.

Palavras-chave: Formação de pedagogos. Círculo de Cultura. Formação construtivista.

A percepção de um problema

A reorganização da política educacional brasileira e os sucessivos dispositivos

legais, e a divulgação de documentos orientadores das questões curriculares registrados,

principalmente, a partir da última década do século passado, refletem as perspectivas e

anseios por uma educação contemporânea que faça frente à dinâmica inerente a um

planeta interconectado, com amplo trânsito de pessoas, valores, culturas e toda a sorte

de informações, problemas e soluções que passam a ter alcance planetário e quase que

simultâneo. Bobbio (1999, p. 19) chama a atenção para o fato de que “as normas

jurídicas nunca existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas com

relações particulares entre si”. Isso implica entender textos em contextos e, na

contemporaneidade, contextos esses que se configuram e reconfiguram em velocidades,

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cada vez mais céleres, e que demandam muita atenção e acompanhamento.

Em âmbito nacional, as sucessivas retomadas das matrizes dos cursos superiores,

e pedagogia é um dos últimos (Resolução CNE/CP 1/2006), também evidenciam a

continuidade das mudanças neste campo. Transformações pautam cursos presenciais,

outros se realizam em ambientes virtuais e, cada vez mais, se faz a inserção de novas

tecnologias no mundo acadêmico como algo inerente ao modus faciendi

contemporâneo. As reconfigurações do perfil do aluno de curso superior também se

aceleraram nas últimas décadas. Já em 2011, era a instrução dos mais jovens que

registrava os maiores índices. Na ocasião, dentre a população do país, 49,3% dos

adultos de 25 anos, ou mais, ainda não detinha o ensino fundamental completo e apenas

11,3% havia concluído o curso superior. No entanto, na faixa de 25 a 29 anos,

evidenciando acentuada queda, registrava o índice de 28,2% como os daqueles que não

contavam com ensino fundamental completo e, também se elevava o registro dos com

superior completo, 13% (IBGE, 2011).

Ainda, a despeito das recentes políticas de cotas adotadas pelas universidades

públicas, são as instituições superiores privadas aquelas que respondem pelo grande

volume de universitários: 73%, segundo o Censo da Educação Superior, de 2013.

Promovem, assim, “uma verdadeira inclusão social educacional” (VILHENA, 2014,

p1), corroboradas pelo Programa Universidade para Todos- Prouni e FIES.

Em pesquisa de âmbito nacional, Gatti (2011) ao investigar quem opta por

pedagogia, identifica alguém que advém dos estratos mais populares, frequentou a

escola pública, e cujos progenitores apresentam baixo nível de escolaridade. Torna-se

explícito que “a professora das crianças” não mais corresponde à ideia da normalista de

meados do século passado.

Paralelamente, tanto o bojo de constituição da matriz do curso de pedagogia,

como a própria distribuição e organização das disciplinas que o constitui, e que busca

formar o pedagogo, cunha discursos que preconizam o estudante ativo, construtor de

seu conhecimento, socialmente participativo, crítico, transformador das condições que

se apresentam injustas, díspares, não inclusivas. Reitera-se, assim, o que evidenciam os

documentos nacionais de orientação curricular da educação básica e os voltados para a

formação do professor, amplamente divulgados desde 1997. E aí se apresenta o desafio.

Conta-se com um pedagogo que promova, desde os primeiros passos da criança, uma

educação construtivista, interativa. Algo que, ele mesmo, não teve a oportunidade de

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vivenciar (GATTI, 2009). Em sua escolaridade básica esteve afeto a instituições

educativas marcadas, até materialmente, por organizações tradicionais. Com cadeiras

dispostas em fileiras, mantendo alunos uns atrás dos outros, todos voltados para o

mesmo ponto central e à frente, desvelam-se as condições para relações pedagógicas

ainda centradas no professor, mesmo em tempos ditos pós-modernos. Implica refletir

sobre a dicotomia que se apresenta: a demanda por inovação a partir de alguém que não

a vivenciou, mesmo que dela se aproprie, discursivamente. Como superar esse limite?

O que pode ser criado, didaticamente, para suprir a lacuna deste formando? Vale reiterar

a lembrança de Vitor Paro (2008) quando destaca ensinamento de Paulo Freire para

dizer que o óbvio é bom ponto de partida para um pensamento pedagógico libertador.

A busca por favorecer a ultrapassagem de tal impasse levou à criação e

experimentação de didática diferenciada, deflagrada a partir de proposta de ensino

híbrido articulada aos fundamentos da pedagogia dialógica freriana. Vivenciada em

classes da disciplina de gestão escolar, desde 2013, tal didática foi substrato de pesquisa

cujos resultados (VILHENA, 2014; VILHENA e DUARTE, 2014; SABBA e

VILHENA, 2014), mostrando-se promissores, deram origem às novas articulações.

Assim, prosseguindo e integrando essa primeira pesquisa, deflagrou-se outra a

partir da construção de uma reformulação didática com vistas a contemplar as

especificidades de metodologias do ensino de ciências e de matemática, tanto para a

graduação como para a pós-graduação de pedagogos. Na reestruturação, foram

adicionados aos princípios da aula invertida associada à dinâmica dos Círculos de

Cultura, uma das bases da pedagogia de Paulo Freire (2013), a construção solidária de

fichas de sistematização de estudo e a elaboração de acervo de material didático,

material este a ser utilizado pedagogicamente em futuras regência desses estudantes.

Na proposta ora pesquisada, o trabalho coletivo e compartilhado do material

pedagógico se dá como exercício de aproximação e de amálgama entre os formandos;

ocorre no reconhecimento do outro como alguém complementar, produtor de cultura.

No atual levantamento sobre a constituição do perfil dos alunos das classes

envolvidas, foco desta investigação, confirma-se similitude entre os indicadores

apontados por Gatti (2011, op. cit.), e também os já registrados na etapa inicial desta

proposta didática ao, assim, delinear o universo experimental: 98,5% advêm de escolas

públicas; 36,5% representarão o primeiro diploma universitário em suas famílias; 99%

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contam com computador em casa; e 96% usam Wathsapp. Ainda, 98% são do sexo

feminino. Em relação ao trabalho, 82% estão empregados, sendo que 39% nunca

trabalharam na área da educação. Por fim, 19% contam com algum financiamento

estudantil.

Como dito em trabalho anterior (VILHENA, 2014, p.3):

Articular esses aspectos: um universitário formado em escola pública a quem

se propõe a apropriação de um currículo de maneira reflexiva e crítica, com

vistas a formar um profissional que saiba atuar de maneira construtiva junto a

seus alunos, tem suas implicações. Demanda que o formando seja alguém

capaz de situar e analisar as informações sob perspectivas sociais, históricas,

políticas, culturais e econômicas, e que, diferentemente dos moldes em que

estudou, torne-se um profissional que promova, construtivamente a educação

libertadora de seus futuros alunos.

Ponderações iniciais

Sem desconhecer dinâmicas que permeiam as instituições educativas e que possibilitam,

de alguma maneira, reprodução de diferenças sociais já existentes, denuncia efetivada

em 1970 por Bourdieu e Passeron, como fruto de pesquisa realizada no sistema de

educação francês e com especial foco na universidade, adotou-se aqui, justamente ao

invés: a ambiência educacional como oportunidade de transformação. Penin, em 2006,

já destacava o alinhamento de alguns intelectuais com a conveniência de se atuar

intencional e didaticamente nas brechas de textos e contextos. Assim, reiteramos nós,

pode-se agir também em tempos e espaços, favorecendo, pelo diálogo, de início, a

tomada de ciência das diferenças culturais que carreiam diferenças de oportunidades

(FREIRE 2003, 2013).

Isso implica identificar e reconhecer aquilo que é valorizado por alguns em

detrimento de outros aspectos. Ora, muita vez, são esses aspectos pouco apreciados os

que estão ancorados nas condições de partida dos alunos advindos das camadas mais

pobres, o que acaba por desmascarar o discurso sobre a suposta igualdade de

oportunidades e facilidades que, usualmente, pauta a ascensão social em seus diversos

domínios, inclusive escolar (DUBET, 2004).

Conquanto se reconheça desigualdades, as adversas condições histórico-sociais,

materiais, culturais do sujeito, não se as acata como determinantes de sua vida,

definidoras do porvir. O ser humano é um ser em construção, em contínua

transformação, indeterminado, aberto a possiblidades que podem libertá-lo. Posição esta

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defendida tanto por Piaget, na perspectiva epistemológica genética, como por Paulo

Freire, inclusive nas dimensões social e política.

Em todo seu arcabouço teórico Piaget (FLAVEL, 1975, passim) reitera que o

sujeito se constrói na interação com o meio ao apreender aquilo que suas condições, de

momento, possibilitam e, também, que irá assimilar aquilo que o interessa, uma vez que

é o que corresponde às demandas de necessidade ou prazer e que, dessa maneira, se

transforma, integrando o novo a si próprio, transformado o ambiente. E isso pode ser

entendido, a priori, como coalescente ao que os teóricos da reprodução alegam.

Enquanto essas ideias nada trazem de esperança, Piaget e Freire advogam a contínua

construção e reconstrução do sujeito. Bourdieu e Passeron (1975) ponderam que até os

que conseguiram alcançar nível mais alto de escolaridade, porém passaram ou advieram

de situações apenas básicas de sobrevivência ou, ainda, por elas passaram, são pessoas

que têm menores chances de êxito quando atingem os tais patamares superiores porque

tendem a reproduzir tudo aquilo que aprenderam no sistema social em que estiveram

inseridos. E, dessa maneira, distanciam-se do que, formalmente, se estabelece como um

padrão ótimo de qualidade, mesmo quando detém diploma de valor igual ao de outros.

Piaget ao afirmar sobre o fato de que nenhuma interação se dá fora do meio em

que se encontra e que este é pleno de valores culturais e que, certamente, esses podem

funcionar como filtros, assim, explicita: a “cada momento histórico e em cada

sociedade, predomina determinado quadro epistémico, produto de paradigmas sociais e

que é a origem de um novo paradigma epistémico”. Esse quadro, em que não é

possível dissociar o que é contributo de componente social daquilo constitutivo

intrínseco do próprio sistema cognitivo, condiciona o desenvolvimento posterior. E o

epistemólogo prossegue indicando que a libertação dessas amarras, ou seja, as rupturas

ocorrem em situações “de crise”, quando “se passa a um estado diferente com um novo

quadro espistémico distinto do precedente” (PIAGET, 1987,234).

A didática como uma possibilidade de superação

Em ensaio filosófico educacional, Severino (2013, p.14).), fala da necessidade

da formação integral do profissional da educação, uma vez que o que está em pauta não

é só a habilitação técnica, mas, sobretudo, a formação de uma personalidade integral.

[...] eis que a finalidade central de sua atuação é a de “construir” pessoas. Este

profissional deverá corroborar para o desenvolvimento de um sujeito que vive em um

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mundo interconectado, virtual, ubíquo, em que as demandas e oportunidades surgem e

eclipsam a velocidades cada vez mais rápidas.

Nesse viés, vale observar que a educação se ajusta à sociedade, tanto

reproduzindo suas desigualdades como possibilitando transformações o que requer

refletir sobre as condições efetivas para tal empreitada. Há que se indagar das

possibilidades de inovações que tragam mudanças na composição dessa sociedade. Do

mesmo, o mesmo. Dito de outra maneira: não se alteram as respostas com as mesmas

perguntas. O que pode ser aportado, no ambiente de aprendizagem, que corrobore,

factualmente, para a melhoria da qualidade de vida de todos? As informações, um dos

elementos da construção do conhecimento, hoje proliferam e demandam tirocínio para

sua seleção, classificação e utilização racionalizada. Recursos tecnológicos tornam-se,

paulatinamente, acessíveis e já integram as malhas neuronais dos nativos digitais.

A construção do conhecimento e mesmo o funcionamento de uma escola

assentam-se, enfim, em processos e pessoas em interação. É a didática, por onde se faz a

pedagogia, por onde transita o currículo, que viabiliza a possibilidade da criação

docente e que permite aproximar tempos e espaços, obras e autores, aproximando do

contemporâneo uma educação diferenciada. É pela criação pedagógica que se facilita o

penetrar em brechas que ultrapassam as condições matérias cotidianas de cursos de

graduação e pós-graduação, mesmo situados em construções prediais modernas,

apresentam-se com salas plenas de carteiras enfileiradas e justapostas, dispondo,

basicamente, de giz e lousa e algum recurso audiovisual, e onde se articulam saberes

docentes com as propostas registradas em planos de ensino.

Nessa perspectiva, a primeira opção que se empreendeu foi dispor o mobiliário

em roda, ou “Círculo”, como referia Paulo Freire para que os participantes das aulas

tomassem lugar como nas bordas da figura geométrica do círculo. Nesta configuração,

todos podem se olhar de frente e se ver, horizontalizando as relações intraclasse. A partir

da disposição em círculo, o foco da estruturação do correr curricular nas aulas se

estabelece, incialmente, nas manifestações culturais individuais. “Cultura” sempre

cultura porque nela se desvelam valores, saberes, modos de ver e viver a vida. Nessa

horizontalidade, inserem-se professores e alunos para dialogar sobre suas próprias

culturas que, verbalizadas e refletidas, destacam as realidades sócio-histórico-culturais

de cada um, o que abre caminho para a busca das intervenções no mundo, com vistas às

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transformações libertadoras.

No Círculo de Cultura, em lugar do professor doador, o promotor de debates; em

lugar da tradição discursiva, o diálogo; em lugar do aluno passivo, o partícipe de um

grupo que se reconhece com identidade (FREIRE, 2003, p. 111).

Considerando o panorama contemporâneo, a recriação tão preconizada por

Freire dá-se considerando a democratização do acesso ao mundo virtual. Rotineiramente

é no ciberespaço que os jovens se comunicam, mas dele se utilizam academicamente

apenas para atender tarefas. O sucesso, internacional, de Salman Khan deu-se por

elaborar e disponibilizar vídeos de fácil compreensão que, assistidos fora das aulas,

permitem uso do tempo em classe para resolução de dúvidas, foco no aluno.

Dessa experiência, alguns aspectos da metodologia nos pareceram muito

factíveis de serem combinados à organização em Círculo de Cultura para discussões.

Das propostas desse educador adaptaram-se alguns aspectos. Assim, inicialmente,

optou-se pela apropriação estudantil dos conteúdos a partir de suporte de vídeos e

textos, em momento prévio às aulas. Vídeos e textos esses, de livre escolha, abertos,

porém vinculados aos conteúdos institucionalmente indicados. Então, ao aportar à sala

de aula, há a subsequente destinação do tempo, majoritariamente, para exposição do

entendimento que os alunos alcançaram e, por fim, aos debates envolvendo todos da

sala. Dinâmica pautada em fundamentos piagetianos e freireanos que permite, sempre,

balizar-se pelas possibilidades de momento do aluno o que, em última análise, implica

reconhecer que manifestações e entendimentos estão embebidos em traços culturais.

O andamento das manifestações que se faz, inicialmente, tímido, devido aos

anos de “cultura do silêncio”, do calar para não destoar, do medo de errar, pouco a

pouco é superado com demonstrações de empatia, do genuíno interesse pelo outro.

Afigurou-se como acertada a didática de buscar aliar a fácil disponibilidade da

geração de moços para o uso da internet e a apropriação de textos, valendo-se de vídeos

que facilitam uma primeira compreensão. Ainda, ao inverter o momento costumeiro das

discussões em sala de aula, incrementam-se oportunidades de progressão do movimento

de emancipação do estudante na construção de seu conhecimento.

Os debates, as comparações e as interpretações apoiaram-se tanto nos textos

previamente indicados para uso na disciplina, que também deveriam ser lidos em

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ambientes extra universitários, como nos selecionados livremente pelos estudantes. O

mesmo procedimento pautou os vídeos de autores entendidos, pelo docente, como

interessantes para abordar perspectivas e conceitos diferentes e complementares.

Além disso, entrou-se em acordo para produção de material que o grupo

entendeu como pedagogicamente interessante, favorecedor de uma regência com marcas

construtivistas. Assim, os estudantes organizaram-se e distribuíram, entre si tarefas,

aprimoraram conhecimentos; produziram o que almejaram, com apoio do docente.

Nessa perspectiva, o tempo em sala destina-se fundamentalmente, não à

explanação de conteúdos pelo professor, prática a que esses alunos estão submetidos

desde crianças. Ao invés, o momento inicial é voltado à exposição do entendimento

pessoal dos alunos sobre o tema selecionado e apropriado fora do âmbito da

universidade. Ultrapassa-se, assim, a ênfase no conteúdo programático, e mira-se

primeiro na forma de participação de cada um, naquilo que é verbalizado, ou não, por

cada um. Ainda, em classe, ao retomar as técnicas indicadas para anotações de estudo e

confrontar perspectivas, se explicitam aspectos que haviam sido pouco abordados. Na

interação, aumenta-se, gradativamente, a sensibilidade e atenção de um para com o

outro e alargam-se os horizontes. E é assim que se constituiu essa experiência- pesquisa,

uma vertente da chamada “flipped classroom”, ou, sala de aula invertida, originalmente,

proposta por Jonathan Bergmann e Aaron Sams.

Vale dizer que a prática dialogal melhora as condições para que o estudante

assuma as suas escolhas na solução de problemas, exercite ponderações sobre os

diferentes pontos de vista, até por versarem sobre um mesmo tema. Cria, assim,

melhores condições de análise crítica. Encaminha a atenção para notar quem fala, de

que posição o faz, dizendo o quê, o que acaba por favorecer muito o desempenho

acadêmico. Como bem o destaca notório freireano:

Cada vez que se fala de um mesmo tema, ele não é repetitivo, mas expresso

de um modo singular em cada situação, porque, quando o retomamos,

fazemo-lo com nossas disposições do momento, com as aquisições de

leituras, com o saber de experiência feito, com as projeções, aspirações e

ideais incorporados desde sua última apresentação (ROMÃO, 2005, p. 20).

Procedimentos metodológicos

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Nesta pesquisa adotaram-se procedimentos similares aos da investigação

científica matriz desta (VILHENA, 2014), qual seja: os formandos em pedagogia

tomam ciência e são partícipes ativos da proposta didática e da pesquisa correlata.

Nas situações didáticas que envolvem as duas disciplinas semestrais

(Metodologia do Ensino de Ciências e Metodologia do Ensino de Matemática) tem-se

por objetivo, primeiro, conhecer e registrar fenômenos do ensino em curso de pedagogia

com vistas a construir quadro delineado, cientificamente, da prática docente frente às

aproximações que procede ao buscar atender, dentro de nova didática, ao planejado

institucionalmente para a disciplina, tanto no âmbito teórico como no prático.

No processo, viabilizam-se, sistematicamente, as reflexões entre alunos e

professor, em contexto dialogal e investigativo de ensino-aprendizagem.

Discutem-se, a priori, a dinâmica que se pretende implementar no Círculo de

Cultura; estabelecem-se os pontos balizadores como: necessidade da participação de

todos na discussão; rodízio na incumbência dos registros; na captação de materiais...

Dessa maneira, a cada aula, um dos estudantes toma para si o papel de registrar o que

entendeu como manifestações mais significativas nos debates em Círculo. Esses

registros são retomados em reuniões de reflexão, quinzenais e, após novo debate, são

lançados em dimensão escalar na planilha já examinada pelo grupo. Tem-se por

objetivo, com essas notações, a verificação da evolução da quantidade de participações,

de iniciativas e de argumentações. Nesta estratégia os estudantes exercitam a execução

dos registros que balizam uma pesquisa e, também, observam com mais facilidade a

natureza das manifestações, caminhando, paulatinamente, da tomada de consciência

piagetiana para a conscientização freiriana (BECKER,2003).

Na quinzena oposta à reunião de reflexão, há a oficina de elaboração de material

didático. Novamente, objeto de anotações lançadas, complementarmente, na planilha.

Ao final do semestre letivo, apresentam-se os dados e compartilham-se impressões,

além da produção didática.

Discussões: debates internos e resultados

Como já citado, num processo dialogal que percorre a tomada de consciência

rumo à conscientização (BECKER, 2003) o estudante, progressivamente se faz falante,

afigura como um aluno ativo, daqueles preconizados discursivamente. Talvez não o fora

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antes porque, até então, pouca oportunidade tivera. Nessa didática, a docência abdica de

sua tradicional investidura. Nesse padrão de relações, o professor se expõe

horizontalmente, constrói estratégias solidárias, aproveita dinâmicas que permitam

transformações pessoais, e abre espaço para uma educação liberta de amarras.

Assim, as discussões em classe que, no primeiro mês tem, usualmente,

participação tímida, detectada na tateante busca pela afirmação do professor, paulatina e

rapidamente são substituídas por questionamentos, propostas criativas, relatos de

saberes e fazeres até então ocultos. A genuína valorização da curiosidade e do cabedal

cultural, de cada um, fomenta a expansão da participação e do compartilhamento.

A aberta tratativa para a adoção de planilha, de uso comum, em que se registra,

a cada sessão de avaliação reflexiva, o desempenho do próprio grupo, acaba se

configurando não só como instrumento de registro dos dados, mas também como base

para análises e redirecionamentos dos próprios partícipes do círculo de cultura.

Dos 348 alunos envolvidos nesta ação, ao longo do semestre letivo,

aproximadamente 14% ainda apresentam dificuldades no trabalho de construção

coletiva e no compartilhamento espontâneo de materiais de estudo. No entanto, nota-se

que por volta de 18% estabelecem maior proximidade com determinados outros com o

fito de prosseguir em parcerias laborativas, mesmo ao final do período letivo.

Descobrem-se, reconhecem-se e complementam-se habilidades e talentos. Os demais

formandos manifestam notório progresso em sua exposição pessoal, na capacidade

argumentativa, na defesa de perspectivas diferenciadas, mesmo quando em minoria.

Nota-se melhora na oralidade que se dá numa fala mais clara, mais intencional.

Há, por fim, praticamente, consenso quanto às vantagens do uso compartilhado

do quadro organizador de estudos. Também há plena aceitação do material produzido

coletivamente, até porque este passa, ao final do processo, por uma revisão geral.

Ainda, últimas ponderações

Mais que disponibilizar informações, cumprir etapas de um planejamento o que,

inegavelmente, deve ser motivo de empenho, há que se fazer a educação como um

processo criativo tanto do professor-pesquisador como do aluno, igualmente

pesquisador. Na relação dialógica de ambos se situa a didática, cerne da vida docente.

Reconhece-se que o desenvolvimento das aulas pautadas nesta experiência

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didática, certamente demandou reconstruções e permitiu vivenciar o que Freire

denomina de dodiscência (FREIRE, 2002, p.31); a docência-discência e a pesquisa,

polos de um mesmo fazer já que são indicotomizáveis, como bem defendem Piaget e

Freire. Enfim, ao se considerar o outro em sua inteireza, a prática se insere num

contexto gnosiológico que suscita a curiosidade, móvel básico do conhecimento.

Assim, nesta investigação, a didática que se pretendeu emancipadora, envolveu

professora e alunos, todos aprendendo e ensinado uns com os outros, pesquisando e

produzindo solidariamente.

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POR QUE AQUI TEM FESTA PARA A FAMÍLIA E NÃO SÓ PARA AS MÃES?

Noeli Talebi Gomes

Este trabalho pretende investigar a importância da atuação das equipes das unidades

escolares, através do estabelecimento de práticas de incentivo à inclusão e participação

de seus usuários independentemente de suas características de gênero, idade, condição

sócio-econômica, etnia etc. A partir da pesquisa no mestrado realizada pela PUC-SP

houve a continuidade do trabalho participativo e comunitário em uma escola municipal

de Educação Infantil da cidade de São Paulo. Os novos arranjos familiares são elementos

em que se assenta o processo educacional. Foco de pesquisa quantiqualitativa demonstra

a viabilidade da gestão participativa, quando se estabelece uma cultura transformadora,

corresponsável entre os envolvidos. Como primeira estrutura externa à família em que a

criança é inserida, a escola de educação infantil, que não dá conta sozinha do processo,

demanda profissionais hábeis tanto no acolhimento dos pequenos como no trato com

esses arranjos familiares que ainda estão se adequando à cultura escolar, cheia de datas,

regras e horários, diferentes dos seus. São diversos atores a inserirem-se,

simultaneamente, em novas relações. É necessário rever os conceitos, mudar a

concepção nas festas e reuniões pedagógicas, romper modelos que privilegiem apenas

um modelo de arranjo familiar. A escola pode propiciar momentos de encontros

intergeracionais, trocas de experiências para assim se tornar um local privilegiado de

convivência e pertencimento. Quanto maior e mais profícuo for o intercâmbio entre

escola e comunidade, mais leve será a carga para a equipe escolar. As rodas de conversa,

círculos de cultura e reuniões de membros da comunidade, propiciam uma melhor

exposição de conflitos para uma possível mediação.

Palavras chave: Escola-família. Convivência. Pertencimento.

Considerações sobre o tema

Vivemos em uma época de desenvolvimento tecnológico avançado, grandes descobertas

cientificas e discursos inovadores sobre a complexidade e a aceitação das diferenças

sociais existentes nos usuários das Instituições de ensino. Estas instituições, entretanto,

são paradoxalmente reguladas por diretrizes arcaicas e conservadoras, resultando em

mecanismos de diferenciação, exclusão e até invisibilizaçãoiii

de seus usuários. Muitas

vezes são verificadas atitudes de julgamento até mesmo por parte dos próprios

educadores.

A pergunta utilizada no título foi realizada por uma mãe de criança em uma escola

municipal de Educação Infantil da cidade de São Paulo, que ficou surpresa ao ser

convidada para uma festa da família, com tios, avós e não só mães e ilustra o modelo de

pensamento presente no senso comum. Ela esperava uma homenagem, a preparação de

um número a ser apresentado por seu filho, mas na verdade a escola realizou uma oficina

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coletiva sem nenhuma ênfase à figura materna, já que muitas crianças não possuem esta

figura, sendo criadas por avós, tias, amigas, apenas pelo pai, outros adultos ou em

orfanatos.

É primordial o investimento em uma cultura de gestão transformadora, que considere as

diferenças e dê respaldo aos diferentes e plurais. Assumir o desafio de perpetuar uma

cultura de gestão que respeite e incentive os indivíduos e seus arranjos familiares e

incentivar tais práticas a partir dos próprios educadores como ferramenta de

transformação.

Esta situação se agrava em muitas instituições privadas, onde com freqüência são

priorizadas festas comemorativas, transformando-as em grandes eventos.

Independentemente da escola ser estatal ou privada, os usuários que vivem em arranjos

familiares distintos, como núcleos expandidos, arranjos monoparentais ou reconstituídos

e agrupamentos por amizade, entre outros, podem se sentir excluídos e acabam por

introjetar a culpabilização que lhes é freqüentemente imposta pela equipe escolar ou pela

mídia.

No sentido de se aproximar do verdadeiro significado do termo, a instituição

escolar, com seu corpo de profissionais, precisa se apropriar das estratégias possíveis

para se aproximar de seus usuários externos e, consequentemente, buscar que estes

conheçam, participem e valorizem o trabalho desenvolvido em seu interior e se tornem,

eles também, parceiros e sujeitos no fazer educacional que ocorre no espaço

institucional. Para isso, é preciso colocar os recursos culturais, sociais, educativos da

comunidade ao serviço de todos os usuários, estabelecendo com eles ligações

continuadas, criando redes de apoio ao desenvolvimento e à aprendizagem. É preciso

criar programas escolares com objetivo de promover o relacionamento com a

comunidade. Mas “esses programas necessitam de financiamento e não podem viver sem

profissionais que os coordenem. O amadorismo e o missionarismo podem ajudar a criar

um programa, mas não a dar-lhe continuidade.” (Marques,1997:60)

É necessário que a instituição escolar reconheça os limites e potencialidades de

seus usuários. Vale lembrar que o modelo tradicional de família ainda persiste também

no imaginário das equipes escolares, o que inibe uma ação mais pró ativa e diferenciada

destas para envolver arranjos familiares que não se perfilam mais no modelo tradicional.

A noção de democracia é baseada nos princípios de liberdade e igualdade. Mas,

reconhecer a idéia de igualdade incomoda, pois pode levar à perda de privilégios. Lutar

pelos direitos humanos não é lutar pelos direitos individuais, de um grupo ou até de uma

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categoria, com proposições “particularistas, fatalistas, multifacetárias referenciadas em

micro-discursos locais, étnicos, de gênero” (Carvalho, 1998: 2). É lutar pelos direitos dos

outros, de todos. É lutar para a solidariedade, justiça, paz e tolerância. E nesse sentido,

deve-se ter a capacidade de se indignar com princípios cotidianos, de não se contentar

com o fatalismo.

Não se construirá uma sociedade melhor somente através das ciências políticas e

econômicas. É necessário que se construa uma nova forma de relações sociais. Daí

decorrerão as modificações humanas na economia e na sociedade global.

Para uma efetiva possibilidade de participação nos colegiados e na tomada de

decisões, pequenas intervenções na estrutura física podem ser necessárias para tornar a

escola mais acolhedora. Mas o primordial é a cultura do diálogo.

“Junto com o respeito e os direitos e deveres que encarnam os direitos humanos, o diálogo é

outro dos conteúdos essenciais da Pedagogia da convivência. Não há possibilidade de

convivência sem diálogo. As pessoas crescem e se humanizam graças à linguagem e ao

diálogo. Conviver uns com os outros é um contínuo exercício de diálogo. O diálogo também é

um fator essencial para dar e melhorar a qualidade de vida das relações humanas. Quando se

rompe o diálogo, se está inviabilizando a possibilidade da convivência em geral e de poder

resolver os conflitos, em particular. E não há possibilidade de resolver os conflitos senão por

meio do diálogo, seja diretamente entre as partes que se enfrentam ou através de terceiros que

se coloquem como mediadores ou, ao menos, intermediários. “ Jares, Xesus. 2013.

As rodas de conversa, círculos de cultura, reuniões de membros da comunidade,

propiciam uma melhor exposição de conflitos para uma possível mediação.

Ainda persiste no Brasil uma educação voltada aos valores tradicionais e

consequentemente ao modelo nuclear de família. As crianças provenientes de

agrupamentos diferenciados são por muitas vezes prejudicadas e discriminadas.

Consequentemente ainda se manifesta uma grande resistência para a abertura da

instituição aos seus usuários e à aceitação, até pelos próprios pares, da tentativa de

rompimento do modelo tradicional de família e de sua participação nas instâncias de

poder presentes no cotidiano.

Vale lembrar que o perfil da família, como nomeada na legislação brasileira já

não é mais o mesmo. A “família” nuclear tradicional, tal como considerada na

Constituição Federal, vem sendo substituída por novos arranjos familiares: arranjos

monoparentais, expandidos, sem filhos etc. O número de casamentos legais diminuiu, ao

passo que as uniões não-legais aumentaram. O número de moças casadas ou unidas

decresce à medida que aumenta seu grau de escolaridade (Berquó,1998). Em termos de

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poder aquisitivo, a média é de uma queda de 20% no caso das mulheres (dados do

Instituto do Trabalho e Sociedade- Iets), mas a tendência é que as relações se tornem

mais horizontais, igualitárias e transparentes.

No artigo “De que famílias vêm nossos alunos”, Heloísa Szymanski (1997)

investiga os significados de família na população de moradores de subúrbio de baixa

renda na cidade de São Paulo, verificando que, no universo então pesquisado, havia duas

“famílias” em questão: a família pensada e a família vivida. A família pensada mostrou-

se como uma união exclusiva de um homem e uma mulher que se inicia por amor, com a

esperança de que o destino lhe seja favorável e que ela seja definitiva. Um compromisso

de acolhimento das pessoas envolvidas, com promessa de cuidados e expectativa de dar e

receber afeto, principalmente em relação aos filhos. Isto dentro de uma ordem e

hierarquia estabelecidas num contexto patriarcal de autoridade máxima e que deve ser

obedecida com base no modelo pai-mãe-filhos estável. Na relação vivida, no cotidiano,

surge uma gama de variações com base no modelo nuclear pai-mãe-filho estável : uniões

anteriores, famílias monoparentais chefiadas pela mãe, núcleo de famílias em torno da

mãe mais velha, núcleo em torno de uma parente ou madrinha e, até mesmo, uma

organização tipo “poligâmica informal”. Trata-se de um conjunto de relações que fogem

às definições formais que geralmente incluem a consangüinidade, casamento civil,

comunidade de nome com condições constitutivas de família. Mesmo sem preencher as

condições formais ou jurídicas de família, aquelas pessoas consideram-se vivendo assim.

Além disso, a instituição escolar muitas vezes é para essas pessoas um mundo

desconhecido, um território que não dominam, um espaço físico que não reconhecem, o

que, associado muitas vezes a uma escolaridade reduzida, quando não mesmo a uma

experiência negativa desta, contribuirá decisivamente para não se sentirem à vontade

neste tal „outro mundo‟. Além disso, normalmente são chamados à instituição por razões

que lhe são desagradáveis. Segundo Szymanski (1997:221) “para essas famílias, as

escolas são ambientes novos e até hostis. As famílias precisam aprender a linguagem da

escola, principalmente a burocrática. Datas e prazos, o próprio tempo é diferente para

elas. O imediatismo da miséria traz seu futuro para hoje à noite ou amanhã”.

Segundo Cunha, 1980,

“quando as professoras, oriundas dessas camadas (não populares), defrontam-

se com crianças que não são portadoras desses padrões culturais, tendem a

discriminá-las (…) os alunos portadores dos padrões culturais “adequados”

vão progredir no sistema escolar (…) e acreditarão que o seu esforço

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individual foi o responsável pelo sucesso; os demais, que não possuem aquele

padrão, fracassarão (…) e interiorizarão as razões da culpa como devidas à sua

própria incapacidade e falta de motivação”.

Para Brougere (2006) a instituição de Educação Infantil causa ainda maior

estranhamento, pois é a primeira estrutura externa à família, o primeiro espaço fora de

casa para a criança; estar em um espaço público requer uma cultura diferente da familiar

e acontece um choque. E como crianças marcadas pela diversidade se adequam a essa

estranha cultura? Como desenvolver uma modalidade para acolhimento das crianças

provenientes de locais e culturas diferentes?

A estrutura escolar, burocrática e formalista, também contribui para o isolamento

dos seus usuários, por vezes utilizando uma linguagem demasiado técnica e muitas vezes

incompreensível para os usuários com baixo nível de escolaridade. “A rede escolar se

comporta como uma rede para si e não para seus usuários, o que produz perversamente

um processo de exclusão de sua clientela” (Instituto Estudos Especiais PUC/SP-1995).

A participação dos usuários da escola em sua gestão parece ser decisiva no

sentido de valorizar e respeitar o Projeto Pedagógico. Mas não se pode esperar plena

participação logo no início. O processo de participação vai lentamente se construindo e

consolidando pelo próprio grupo e requer mudanças culturais e políticas naturalmente

lentas, devido à histórica subordinação.

A gestão participativa é potencializada na medida em que a instituição escolar

possa ser vista como um espaço de pertencimentoiv

, publicização e diálogo, assumindo

um compromisso público. Isso envolve a mudança postural e atitudinal de toda a equipe.

Mesmo assim, algumas pessoas ainda se ressentem de um poder mais autoritário, na

figura do gestor. Práticas participativas são entendidas como permissivas ou

desinteressadas. Segundo Júlio Gomes Almeida ( 2005:46)

....” a escola não conta apenas com um espaço de poder. O poder está em vários

lugares da organização, sendo a sala do diretor apenas mais um desses lugares”.

.... “ reclamava-se a presença de um diretor que centralizasse o poder ,

estabelecesse a ordem antiga.”.... “ O imaginário que privilegia a centralização

do poder, como forma de garantir a ordem, encontra-se presente no cotidiano da

escola”.

O incentivo à participação toca inevitavelmente na questão da liderança e da

criação de interlocução com a comunidade educativa. Torna-se de fundamental

importância o tipo de liderança exercida pela equipe técnica da escola, no sentido de

fazer parcerias com seus usuários. O tipo de liderança educativa impulsionada pela

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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equipe gestora vai dizer até que ponto se está perante um verdadeiro modelo de parceria,

com uma distribuição de poderes pela comunidade educativa, ou apenas uma nova

versão, mais profissional, do modelo de delegação de poderes. Se o modelo de escola for

de uma organização burocrática, agência do poder central; se o gestor se colocar na

posição de funcionário do poder, assistir-se-á não só a uma diminuição da autonomia dos

professores, como a um esvaziar das possibilidades de construção de uma real cidadania

dos alunos, dos pais e dos outros membros (vizinhos e colaboradores) representantes nos

órgãos colegiados que a escola possa possuir (Conselho de Escola, Associação de Pais e

Mestres, Grêmio Estudantil), através da “pseudo-participação”. Por outro lado, “se o

diretor defender um modelo de escola de parcerias, não burocrático, baseado no princípio

de que o sucesso para todos só é possível com a participação de todos, iremos assistir a

uma verdadeira partilha de poderes que tornará a escola mais ligada à comunidade e

menos dependente das burocracias do Ministério da Educação” (Marques,1996: 42-44).

O despojamento e mudança de mentalidade envolvem inclusive o

reconhecimento das lideranças não institucionalizadas (líderes comunitários, alunos que

se sobressaem) como membros tão importantes no processo como os líderes

institucionais.

“Os líderes locais, por terem acesso a ambientes diferentes,

podem contribuir muito como mediadores entre as famílias e os

educadores das escolas e das ONGs de desenvolvimento infanto-

juvenil, para deixar a família mais à vontade no desenvolvimento

escolar” (UNICEF/CENPEC- 1999:49).

A transformação atitudinal passa pela oferta combinada de outras políticas sociais

que complementem o processo educacional, pela formação contínua dos professores e

pela mudança na forma de lidar com o envolvimento escola-famílias. Seria necessário

flexibilizar os rituais e as normas administrativas das escolas, acreditando nos benefícios

do envolvimento dos usuários.

Pedro Pontual (2000:3) ressalta a necessidade de um processo educativo para a

efetiva participação, cujo alcance vai depender da inserção das pessoas no conjunto do

processo e da “extensão e profundidade das ações formativas/ capacitação que

possibilitem o acesso a um maior nível de conhecimentos” sobre a participação. É

ilusório acreditar que a escola conseguiria sozinha, com equipes geralmente reduzidas e

todo o seu trabalho cotidiano, dar conta de todo esse conjunto de ações. Faz- se

necessária a busca de saídas emancipatórias, como a criação de colegiados ou sub-

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6557ISSN 2177-336X

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comissões entre os usuários da escola e da comunidade. (Pontual, 2000:7). Os “clubes de

mães”, comuns nas décadas de 60/70 tiveram, em sua maioria, uma avaliação positiva

“no sentido de vincular as mulheres às políticas públicas, ao trabalho, à convivência com

outras mulheres de sua comunidade”, ampliando seu universo de relações, informação e

cultura, aumentando o engajamento dessas mulheres em outros movimentos de

reivindicação e melhorias para o bairro e refletindo sobremaneira na melhoria do

desempenho escolar de seus filhos (Carvalho,1998 b).

Evidenciam-se aqui algumas dificuldades na implementação de um sistema

democrático de educação em uma sociedade em que o modelo participativo preconizado

ainda não se incorporou às instâncias decisórias. Por vezes não basta querer acertar, é

necessário um respaldo legal, moral e psicológico para se lidar com as necessárias

situações de conflito geradas pelos fóruns de interlocução (necessárias porque o

consenso é sempre precedido do conflito). E as equipes escolares das escolas estatais,

frequentemente incompletas e sem a necessária formação para a hierarquia

horizontalizada, se ressentem também de acompanhamento especializado por

profissionais inexistentes nos quadros das escolas, absolutamente necessários para um

efetivo trabalho profissional de qualidade.

Outra dificuldade é a questão da descontinuidade administrativa e até das

lideranças (casos em que a continuidade do trabalho depende da permanência de

determinada pessoa no grupo e cujo trabalho se dissolve após a saída desta pessoa ou

grupo de determinada instituição escolar). Nenhum trabalho participativo se concretiza

em pouco tempo: só a coesão do grupo faz o trabalho participativo sobreviver às

mudanças de governo, chefia, membros do grupo e às tempestades de modo geral.

Quanto maior e mais profícuo for o intercâmbio entre escola e comunidade, mais leve

será a carga para a equipe escolar. Podemos contar hoje com verdadeiras redes de

solidariedade que se formam ao redor da escola que, se bem aproveitadas, trarão

inúmeros benefícios à comunidade escolar. Pais, mães, avós, vizinhos, empresários,

profissionais autônomos do bairro têm sempre alguma colaboração. Para ajudar a escola

ou até como canal de divulgação de suas próprias atividades podem ser mobilizados a

colaborar. Cabe à equipe criar canais de fluxo de comunicação para que isso aconteça:

murais, jornal, subcomissões, redes de apoio aos alunos etc. Isso requer habilidade e um

certo despojamento de todos os participantes da escola, no sentido de perceber que a

instituição escolar não é hoje a única fonte de informação e, portanto não está acima de

qualquer outra instituição fora de seu patamar. Perante este novo cenário, as famílias se

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apresentam revestidas de novas responsabilidades e poderes, sendo-lhes possível

participar na tomada de decisões.

A participação em colegiados é o momento privilegiado de trazer à ação os

usuários que ainda permaneciam alheios ao processo e mostrar-lhes o trabalho escolar;

“arrebanhar” mais membros requer paciência, resignação, atitude de escuta e

reconhecimento de que essa é uma necessária fase do processo. Segundo evidenciado na

dissertação de mestrado desta pesquisadora, a migração crescente de alunos das escolas

privadas para a escola pública tem trazido questionamentos e críticas que acabam

pressionando a melhoria da qualidade.

As crianças e jovens só poderão compreender o mundo e atribuir-lhe algum

sentido quando a escola atravessar seus próprios muros e se abrir para os usuários, reais

ou potenciais. Enquanto isso, a comunidade poderá procurar a escola para conhecer suas

dificuldades e atuar em conjunto com sua equipe para a resolução de problemas comuns.

A escola precisa investir nas relações com sua comunidade para conquistar sua

legitimidade e força, tornando-se um espaço de pertencimento enraizado nessa

comunidade, transformando as “reuniões de pais” em espaços de reflexão, para que os

membros da comunidade possam recuperar a autoconfiança em sua capacidade de educar

e interferir positivamente. Também é necessário que os professores incentivem a

participação de alunos e pais nos órgãos colegiados da escola, tendo o cuidado de não

expor os que participam. A educação nos apresenta a possibilidade da construção de um

sujeito coletivov, que não exclui a ascensão social individual, mas visa a melhoria da

qualidade de vida para todos. Relações baseadas na confiança mútua, cooperação, ações

afirmativas e parceria trazem ganhos de legitimidade no próprio fórum de interlocução.

A transformação atitudinal passa pela oferta combinada de outras políticas sociais

que complementem o processo educacional, pela formação contínua dos educadores e

pela mudança na forma de lidar com o envolvimento escola-usuários.

Note-se que as políticas públicas brasileiras ainda preconizam freqüentemente o

ideal da “família estruturada”; assim como muitos educadores e autores atuais e ainda

vêem a pobreza e modelos diferenciados de família como um sério problema:

“Os problemas sociais sintetizam-se e sincretizam-se na família; por isso cresce e

agrava-se o problema dos „meninos de rua‟ ou da favela: problema que se

acentua pela falta ou degradação da família.”....” Sem condições dignas de vida,

a família se desestrutura.” ( Rangel, 2005, p.140

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Mas ainda é muito presente a fórmula de sucesso ligada aos arranjos

estruturados! Nesse sentido, é essencial analisar a temática educacional da gestão

participativa e comunitária sob a ótica da diversidade cultural e dos novos arranjos

familiares.

No trabalho de conscientização dos usuários da escola, deve-se começar sempre

pela prática e nunca pela teoria. Atividades de socialização, lazer e cultura, leituras,

debates servem como motivação à busca de conhecimentos. O aprendizado se faz

quando um grupo se propõe a analisar e refletir sobre sua vida cotidiana. E nesse

sentido, os programas emancipatórios de fortalecimento de arranjos familiares são

“elementos energizadores” que permitem um distanciamento das pessoas participantes

por algumas horas da dura realidade que as circunda, “para que, fortalecidas e

renovadas, possam voltar a confrontá-la”. (CENPEC, 1999: 53). As famílias estariam se

conhecendo de maneira agradável e informal e poderiam interagir numa perspectiva de

descontração, lazer e troca, com o principal objetivo de educar os filhos. É importante

que se estude o cotidiano, o que iluminará a reflexão de problemas de conhecimento.

Conclusão:

A participação dos usuários implica necessariamente em seu envolvimento na

tomada de decisões da escola, através de um contínuo fluxo de informações que possa

reduzir possíveis incertezas. E o direito à informação é um dos direitos fundamentais do

Homem. Relações baseadas na confiança mútua, cooperação, ações afirmativas e

parceria trazem ganhos de legitimidade no próprio fórum de interlocução.

É necessário rever os conceitos, mudar a concepção nas festas e reuniões

pedagógicas, romper modelos que privilegiem apenas um modelo de arranjo familiar. A

escola pode propiciar momentos de encontros intergeracionais, trocas de experiencias

para assim se tornar um local privilegiado de convivencia e pertencimento.

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i Doutora em Educação– Programa de Pós- Graduação em Educação: Currículo – Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo - PUC/SP

ii Professora e Doutoranda da Universidade Nove de Julho – Uninove- São Paulo.

iii É aqui adotado o conceito dado por J. Brougere, em sua atual pesquisa sobre a invisibilidade das

crianças estrangeiras na educação francesa. Considera-se, nessa ótica, que todas as crianças são iguais

e têm de ter a mesma educação, independentemente de seus antecedentes e culturas completamente

diferentes.

iv Como define Carvalho, 1998: “Um espaço de pertencimento é sempre um espaço de referência, de

criação de vínculos e inclusão em redes de sociabilidade que se tecem na escola e se expandem

articulando-se a outras redes relacionais no meio circundante: dão ancoragem ao processo de ser, fazer,

conviver, aprender na e para além da escola”.

v Entende-se por sujeito [coletivo] popular uma agregação humana que compartilha condições semelhantes

de vida, acredita e faz experiências dos mesmos valores a partir dos quais constrói a sua unidade e a sua

atuação na sociedade, um conjunto de pessoas que reconhece ter raízes culturais e religiosas comuns e uma

meta política e social comum a ser alcançada. O sujeito [coletivo] popular qualifica uma agregação de

pessoas e enquanto não absorvidas no anonimato da massa mas formam uma realidade social que vive uma

experiência de unidade e solidariedade, dotada de identidade própria e capaz de iniciativa no seio da

sociedade civil, no interior da qual vai elaborando as etapas sucessivas do projeto comum para uma nova

convivência social.” (Petrini 1984:90 apud Silva, 1998: 93).

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