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DIALOGICIDADE PARA QUE TE QUERO? DO PENSADO AO REALIZADO
Apresentam-se três pesquisas que, mantendo dialogicidade na formação do pedagogo
como traço comum em cada uma das propostas didáticas inovadoras, mostraram ótimos
resultados, mesmo adotando ambiências e objetos de estudo diferenciados e
complementares. A) Em universidade, investigou-se didática pautada na dinâmica dos
Círculos de Cultura freirianos amalgamada à aula invertida e aspectos do ensino
híbrido, para favorecer a aprendizagem consciente e solidária dos conteúdos teóricos e
práticos planejados institucionalmente. Teorias de aprendizagem e demandas
contemporâneas salientam papel da pessoa ativa, capaz de rapidamente situar-se,
assumir responsabilidades. Implica, então, desenvolver potencial para análise,
conhecimento dos limites e possibilidades pessoais, dos outros e ambientais. Traços não
vivenciados academicamente pelo usual aluno da pedagogia que, dicotomicamente,
deverá desenvolvê-los em seus futuros alunos. Suprir tal lacuna justificou criação da
didática pesquisada. B) Também espaços se constituem como componentes intrínsecos
do desenvolvimento curricular. A crescente permanência temporal, de alunos e
profissionais, nas escolas impacta o uso dos espaços que continuam os mesmos. Buscar
solução didática que conciliasse tempo e espaço destinados à formação profissional e à
alimentação foi desafio assumido por escola de educação infantil paulistana.
Equipamento inadequado à criança, a “Casa da Girafa”, restava mal aproveitada. A
reorganização do espaço, voltando-o às especificidades do adulto, permitiu
disponibilizar local acolhedor aos momentos da alimentação, viabilizando destinação de
ambiente interno para a formação. C) Em outra escola, entende-se a instituição como
primeira estrutura externa à família em que a criança pequena é inserida. Implica,
portanto, profissionais hábeis tanto no acolhimento dos pequenos como no trato com os
arranjos familiares que, muitas vezes, ainda estão se adequando à cultura escolar, cheia
de datas, regras e horários, diferentes dos seus. São diversos atores a inserirem-se,
simultaneamente, em novas relações. A proposta foi adotar, didaticamente, uma gestão
participativa, transformadora dos envolvidos.
Palavras-chave: Formação Dialógica. Espaço Didático. Escola-Família.
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MARCOS DIDÁTICOS DA DIALOGICIDADE NA FORMAÇÃO DE
PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL: A CASINHA DA GIRAFA
Rivania Kalil Duartei
Prefeitura do Município de São Paulo
O presente trabalho reporta-se a alguns dos resultados da pesquisa de doutorado
realizada pela autora, entre 2011 e 2015, na qual foram investigados os projetos, usos e
as transformações nos espaços de três Escolas Municipais de Educação Infantil de São
Paulo - EMEIs, inauguradas em período anterior a 1975. Teve como objetivo conhecer
concepções, significados, interesses e parâmetros que orientam processos decisórios
sobre as intervenções nos espaços escolares, para adaptá-los, para ampliá-los ou
segmentá-los. As questões que instigaram este trabalho voltaram-se aos segmentos
envolvidos nesses processos: quem demanda as intervenções, quem define e efetiva sua
execução, quais elementos mobilizam educadores e a população usuária a buscar essas
transformações, que têm desdobramentos no currículo e no trabalho pedagógico
desenvolvido na escola. Como motivadores das intervenções destacaram-se: o
atendimento ao projeto pedagógico da escola; a funcionalidade dos espaços; a segurança
dos usuários e do prédio público, o bem-estar e saúde dos que nele convivem. O
enfoque no conforto, ludicidade, bem-estar necessários aos processos pedagógicos, que
envolvem os aspectos cognitivos, físicos, imagéticos, expressivos e relacionais para as
crianças de 4 e 5 anos e para os usuários orientou a escolha do espaço: “casinha da
girafa” –área construída, para brincadeiras de faz de conta e para compor espaços
lúdicos da escola. O teto muito alto em relação à área construída fez com que fosse
nomeada “casinha da girafa” e acabou por transformar-se em depósito de materiais
inservíveis. Mais tarde, atendendo ás reivindicações de professores e funcionários,
transformou-se em refeitório para os adultos da escola.
Palavras-chave: Arquitetura e Educação. Projeto Pedagógico. Educação Infantil
Algumas reflexões sobre Arquitetura e Educação
Usamos e vivemos no espaço, como se ele fosse um
simples pano de fundo, de cor neutra, sem
compromisso. No entanto, o espaço é elemento cheio
de significado, que reflete sempre a história e a
cultura de um povo; que revela no seu uso e na sua
disposição, a relação efetiva que está estabelecida
entre as pessoas que nele convivem.
(Mayumi Watanabe de Souza Lima)
A arquitetura escolar será abordada neste trabalho como a define Agustín
Escolano, não apenas como um programa de ensino “silencioso”, mas lugar onde
acontecerão as primeiras experiências espaciais das crianças e que terão
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desdobramentos na percepção e desenvolvimento de seu esquema corporal e de suas
estruturas cognitivas. (FRAGO e ESCOLANO, 1998, p.27). Os autores consideram o
espaço escolar como uma construção social, uma relação sensível de uma realidade
percebida, que pode ser percebida e também modificada, segundo os critérios de quem o
ocupa, transformando-o, a um só tempo em limite e possibilidade. Devido à sua
materialidade, afeta seus usuários em aspectos relacionados ao corporal, material e
relacional, que podem ser diferenciados, mas que sempre se traduz em significados
relacionados e que interagem em conjunto, nas dinâmicas do cotidiano escolar.
A concepção de edificação escolar utiliza como ferramenta a sistematização dos
conceitos e estratégias do projeto arquitetônico, apoiadas nas vivências e usos dos
espaços escolares. Outros parâmetros devem ser considerados, tais como, o
dimensionamento (tamanho), padrões de habitabilidade do espaço físico edificado,
racionalização dos processos de construção respeitadas as condições e especificidades
locais, funcionalidade e identidades com a pedagogia, em seus aspectos teóricos e
práticos, a cultura, conforto ambiental, equipamentos, mobiliário e características
construtivas: de implantação, instalações e infraestrutura. A localização do edifício
escolar e a disposição física ou organização das dependências ou espaços, refletem as
diferentes concepções que se tem sobre sua natureza, papel e funções.
Como os diferentes agentes decisórios: gestores municipais, técnicos das
Secretarias de obras, responsáveis pelas edificações, técnicos das Secretarias de
Educação e MEC, gestores educacionais, professores, funcionários, alunos e
comunidade usuária da escola não discutem, ou ao menos não discutiram em muitos
momentos históricos da educação infantil municipal paulistana, concepções
educacionais, interesses e desejos da população usuária, atendimento à demanda, com
qualidade social, de equipamentos e materiais construtivos e mobiliários, ocorrem, por
vezes distorções que acabam por limitar áreas livres para brincadeiras, atividades livres
e/ou orientadas, reuniões, alimentação e convívio de adultos e crianças.
Procedimentos metodológicos
Foi realizada uma ampla pesquisa, em documentos elaborados pelo MEC, e
Secretarias da Educação de São Paulo, para localizar as principais especificações
normativas vigentes para as edificações escolares, que embasam e orientam os projetos
arquitetônicos para as EMEIs.
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Os documentos destacados foram os que vigem atualmente, como orientadores
para as políticas públicas voltadas à educação infantil, afetos às orientações curriculares,
parâmetros básicos de infraestrutura para instituições de educação infantil e parâmetros
nacionais de qualidade, resultantes de um trabalho coletivo que envolveu educadores,
arquitetos, engenheiros, com a finalidade de planejar, refletir, construir, reformar,
adaptar espaços destinados à pequena infância – crianças de 0 a 5 anos.
A partir dos documentos organizados pelo MEC e enviados às prefeituras, a
PMSP também organizou seus orientadores, por meio da SMESP, que tem servido para
o acompanhamento das diretorias de educação, em relação às instituições públicas e
privadas de educação infantil e para a autorização de funcionamento de novas unidades
educacionais.
Houve um levantamento de obras em livrarias especializadas em educação e em
arquitetura, para que esta pesquisa contasse com contribuições atualizadas de autores
que discutem questões sobre o espaço escolar. Também foi feito um levantamento de
teses e dissertações, na área da educação e da arquitetura.
Esta pesquisa adotou uma abordagem qualitativa, pois: selecionou uma amostra
pequena; coletou dados descritivos, como notas de campo, fotografias, documentos
oficiais, depoimentos, registros de entrevistas; a relação com os sujeitos foi de empatia,
relativa igualdade e baseada na confiança; seguiu um plano progressivo e flexível.
(Bogdan e Biklen, 1994).
O termo qualitativo, segundo Chizzotti (2011) refere-se a um contato “denso”
com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, com a finalidade de
extrair significados apenas perceptíveis por meio de atenção sensível por parte do
pesquisador. Esses significados, atribuídos às coisas e às pessoas, nas interações sociais
e com os objetos podem ser descritos e analisados, não tomando a quantificação
estatística como a única via para se assegurar a validade de generalização.
A opção por realizar entrevistas com educadores e arquitetos deveu-se à
constatação, por parte de todos os autores que pesquisam a dimensão espacial da ação
educativa e daqueles que vivenciam os problemas que se originam da falta de diálogo
entre as áreas, de que a falta de diálogo, a ausência de disciplinas tanto na formação
inicial de arquitetos como de educadores, que ampliem e construam novos
conhecimentos na área de Arquitetura e Educação, tem ocasionado muitos
impedimentos para o desenvolvimentos de projetos pedagógicos libertários e
humanistas, que visem ao bem estar, ao não confinamento, à integração das áreas
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internas e externas da escola e, por fim , à apropriação desse espação como lugar de
convívio saudável, de novas aprendizagens, de experiências significativas e prazerosas
para todos os que compartilham desses espaços.
Todos os segmentos têm que ser comtemplados: é preciso ouvir educadores e
arquitetos
Para a composição do trabalho de doutorado, foi necessário abrir espaço para dar
voz aos arquitetos. Nas escolas, atribuem-se os problemas advindos de materiais e
construções malfeitas, aos técnicos da área de edificações. Mas ouvindo quatro
arquitetos, que tiveram significativa experiência no departamento de edificações
escolares – EDIF, em especial até o início dos anos 2000, em entrevista coletiva, foi
possível constatar que o mesmo desejo de diálogo para aperfeiçoar processos
construtivos e evitar tantos gastos e desgastes com a manutenção dos prédios, estava
presente entre os arquitetos e educadores. Ambos os segmentos detinham o
entendimento de que as modificações em relação às concepções curriculares, à faixa
etária atendida pelas EMEIs, o período de permanência de crianças e professores na
escola, que se ampliou, as ampliações no quadro de funcionários e docentes e as novas
jornadas contemplando horários coletivos de estudo, exigiam novos espaços para novas
e para as antigas escolas também.
É consenso também entre todos: quando a realidade exige, a escola busca e
encontra caminhos. Como os caminhos legais por vezes são morosos e ineficazes, as
escolas acabem por dar os seus “jeitinhos”, como disseram algumas das gestoras
entrevistadas. Esses “jeitinhos”: intervenções nos prédios feitas, por vezes, sem
assessoria, sem critérios nítidos dos desdobramentos em relação à iluminação,
ventilação, metragem de área por ocupantes, interferências físicas que têm impactos
diretos no currículo escolar: cimentar áreas verdes, para facilitar a limpeza e diminuir
possibilidades de contaminação nos tanques de areia, construção de divisórias de
madeira, que não impedem o barulho, mas dificultam a ventilação, a iluminação natural
e mesmo comprometem a estética e a beleza da arquitetura dos prédios.
Entre os espaços mais solicitados entre os educadores entrevistados, destacaram-
se espaços de convívio e de alimentação. Com a ampliação da jornada docente e com
muitos funcionários das áreas de limpeza e merenda, sem opções para se alimentarem
fora da escola, foi levantada, com especial ênfase a necessidade da construção de
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refeitórios para os adultos. Sendo este espaço fundamental para o bom desempenho das
funções pedagógicas e outras correlatas dentro da escola, esses refeitórios foram
criados, sob forma de espaços adaptados e, em geral são demarcados por divisórias de
madeira, dentro do refeitório das crianças.
Na escola selecionada para este artigo, a solução foi diferente das demais. A
escola dispunha de um espaço, construído para a brincadeira das crianças e que se
encontrava inutilizado para a sua finalidade original. Esse espaço vinha sendo utilizado
como depósito de materiais e equipamentos dos quais a escola não poderia se desfazer
sem um processo que confirmasse que já não se encontravam mais em condições de
uso. Como os processos para a “baixa de bens patrimoniais” são complexos e morosos –
e já o foram muito mais, segundo as educadoras informaram, a casinha seguia sem
função para a utilização dos usuários, como local de convívio. Partiu dos funcionários a
solicitação para que a diretora aproveitasse a construção e transformasse a antiga
casinha, em refeitório para professores e funcionários. Havia o argumento da
localização: ficava num espaço contíguo à cozinha, com pouco trânsito de crianças e
com capacidade para abrigar utensílios e equipamentos necessários a um refeitório,
acomodando de quatro a seis funcionários por vez.
Os aspectos destacados pelos entrevistados como relevantes a serem
considerados para a elaboração de projetos arquitetônicos de escolas municipais de
educação infantil resultaram das solicitações das escolas por reformas, ampliações e
adequações nos prédios e, portanto, apresentam itens coincidentes com os levantados
pelas equipes escolares entrevistadas.
Breve relato da pesquisa de campo realizada em três EMEIs de São Paulo
A pesquisa realizada nas escolas possibilitou o confronto do ideal – o que consta
dos documentos legais e orientadores curriculares - e o real, que resulta da ação dos
profissionais que ali trabalham e que precisam resolver questões relativas aos espaços
escolares para dar respostas às dinâmicas do cotidiano, que exigem adequações/
intervenções nos prédios para atender às demandas dos ao projeto político- pedagógicos
das escolas, que devem orientar a ação educativa, no cotidiano da escola.
Mudanças nas políticas educacionais também exigem mudanças, ampliações ou
adaptações nos espaços, como por exemplo, em relação aos profissionais, para atender à
jornada mais ampliada dos professores, seus momentos de estudo e trabalho coletivo,
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suas reuniões com os coordenadores pedagógicos, o maior número de funcionários de
limpeza e merenda, com seus pertences e exigência de maior número de banheiros e
armários. Além dessas adequações, há as exigências legais para que os prédios em
relação às normas para deslocamentos seguros e banheiros para cadeirantes, pessoas
com mobilidade reduzida e baixa visão, entre outras.
As escolas pesquisadas, por contarem com mais de 35 anos de funcionamento, já
se ressentiam de muitos espaços a serem repensados e reorganiz\ados, e outros
construídos.
Participantes da pesquisa
Na visita inicial a cada escola, foi solicitado à equipe gestora que convidasse três
professoras e um funcionário com muitos anos de casa, que tivessem vivenciado um
tempo de experiência espacial direta com a escola e possivelmente, testemunhado algum
tipo de intervenção no prédio escolar.
Também foi indicado que os professores atuassem preferencialmente em cada
um dos turnos da jornada docente: 1º turno: 7h às 11h; 2º turno 11h às 15h; 3º turno:
15h às 19h, pois, como cada turno tem uma dinâmica própria, poderia haver algum
direcionamento do olhar do professor para os espaços mais utilizados durante seu
período de trabalho.
Nas três escolas foram indicadas professoras, uma vez que representam a
maioria, especialmente entre as mais antigas em exercício na RME. Quanto aos
funcionários, nas três EMEIs foram indicadas Agentes Escolares – as mais antigas das
UEs e que, de acordo com as gestoras, acompanhavam de perto as intervenções nos
prédios.
A qualidade deste atendimento vincula-se também ao desempenho dos
profissionais de educação, que precisam ser considerados, assim como as crianças, nas
avaliações que fazem dos espaços nos quais chegam a passar dez horas de seu dia.
Como se estruturou o trabalho de campo
Após a autorização de SME para a realização da pesquisa nas três escolas, que
seria composta por entrevistas, registros fotográficos dos espaços, documentos das
escolas, desenhos dos alunos, teve início a etapa de visitas às escolas. Em cada uma das
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unidades, a pesquisa teve início com uma conversa com a diretora, durante a qual a
proposta de pesquisa foi apresentada e, a permissão para fotografar os espaços foi
obtida.
Em todas as Unidades, as gestoras apresentaram os espaços, destacando seus
problemas, como acústica, iluminação, ventilação, área inadequada para os fins a que se
destina, como espaço pequeno, sem visibilidade para a área externa. Foi programado um
contato com o grupo de professoras e a coordenadora pedagógica, no horário coletivo,
dos professores que cumprem JEIF – Jornada Especial Integral de Formação e
permanece maior tempo na escola, podendo adequar seus horários para a realização das
entrevistas. Após a visita inicial, organizamos um cronograma de encontros para a
realização das entrevistas, para fotografar os espaços, para análise dos projetos
pedagógicos e das plantas das escolas.
Foram entrevistadas sete profissionais de cada unidade, sendo: três integrantes
da equipe gestora, três professoras e uma funcionária em cada EMEI. As entrevistas
seguiram um roteiro e as respostas foram anotadas na hora pela pesquisadora, em todas
as UEs, que contavam com a avaliação dos espaços de espaços destacados para as três
escolas e realizados registros fotográficos sobre os prédios, instalações e equipamentos.
A escola como lugar onde se aprende e se ensina, onde se vive e se estreitam
laços de convivência, tem natureza própria, ou seja, é concebida, projetada, construída,
utilizada e constantemente reorganizada em função dessa finalidade.
Na análise dos espaços transformados, o refeitório para os adultos emergiu como
uma das principais indicações, inclusive para a construção de novas Unidades
Educacionais. Uma das carências do prédio, como as das outras escolas, era um espaço
para as refeições dos adultos. Muitas EMEIs antigas localizam-se distantes de
restaurantes e centros comerciais.
Assim foi adaptado um espaço, o único na escola aqui apresentada, que foi uma
construção transformada. A equipe escolar envolveu-se na adaptação de uma casinha
feita de alvenaria, que deveria ser de uso para as crianças no parque.
A pessoa que respondia pela gestão na época de sua construção ocupou-se de
providenciar iluminação e construiu esta casinha num espaço contíguo à área de serviço.
Como o telhado acompanhou a altura do prédio escolar, a casinha ficou muito alta em
relação ao tamanho das crianças e recebeu o apelido de “casinha da girafa”.
As discussões presentes nesta pesquisa poderão favorecer reflexões sobre a
estruturação de novos projetos arquitetônicos e intervenções nas escolas de educação
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infantil, que priorizem a qualidade pedagógica do atendimento, o bem-estar e segurança
dos usuários e o conforto e ludicidade necessários ao desenvolvimento saudável, em
relação aos aspectos cognitivos, relacionais e físicos paras as crianças e todos aqueles
que convivem nesses espaços.
A “Casinha da Girafa”: atual refeitório, que os funcionários consideram
uma conquista coletiva.
– “Casinha da Girafa” Refeitório de professores e funcionários (à esquerda da foto)
Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora Rivania Kalil Duarte. 2014
A localização era ruim para a visualização das professoras e a casinha passou a
ser cada vez menos utilizada, até que se transformou em depósito de bens inservíveis e,
em seguida, foi adaptada para transformar-se em um refeitório, que ficou bem
localizado, pois ficou próximo aos banheiros dos funcionários.
Com mobiliários e equipamentos como geladeira, fogão e forno micro-ondas
doados pelos professores e funcionários e um armário de materiais reformado, foi
constituído um local, cuidado com apreço e zelo por todos os funcionários, onde podem,
além de alimentar-se, compartilhar momentos de descanso e, até mesmo festejar
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aniversários, ou tomar um cafezinho e conversar num intervalo entre seus afazeres.
No caso desta escola, a solução não inviabilizou espaços para as crianças,
garantiu privacidade aos adultos, que têm uma alimentação diferenciada do cardápio
infantil e possibilitou a otimização de uma área que estava sendo mal ocupada, como foi
assinalado por todos.
A disposição e uso do espaço, apropriada por todos na escola, favoreceu a
configuração do espaço do refeitório como lugar. O salto qualitativo do espaço ao lugar
é sua construção coletiva.
O espaço se projeta ou se imagina, o lugar se constrói. Constrói-se
“a partir do fluir da vida e a partir do espaço como suporte; o espaço,
portanto, está sempre disponível e disposto para converter-se em
lugar, para ser construído”. (Viñao Frago e Escolano, 1998:61)
Como lugar, situado em espaço específico, possui uma dimensão espacial que,
ao mesmo tempo, educa.
Considerações Finais
A análise de papéis e competências de educadores, comunidade, gestores
municipais e arquitetos, nas decisões sobre as intervenções nos espaços escolares
destaca elementos que se revelaram como motivadores dessas intervenções: o
atendimento ao projeto pedagógico da escola; a funcionalidade; a segurança, o bem-
estar e saúde dos usuários. Estes elementos foram levantados a partir da análise e
interlocução entre as entrevistas realizadas com os arquitetos e os profissionais das
escolas, com o subsídio do referencial teórico que embasa este trabalho.
A funcionária Dina disse gostar muito de mudar os espaços e gosta de ver a
escola bonita e bem cuidada, mas acha que alguns colegas não respeitam os lugares de
uso coletivo, como a brinquedoteca, que é o lugar que ela mais gosta de arrumar, porque
gosta muito de ver as crianças brincando naquele espaço.
As educadoras disseram saber que, devido ao uso intenso, os espaços demandam
reformas e adaptações periodicamente, em suas áreas internas e externas.
Para a diretora Marta, a forma como os espaços são organizados, a localização e
disposição de equipamentos e mobiliários, os cuidados com os espaços de circulação e
convívio interferem diretamente nas relações, no bem-estar dos usuários e na disposição
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para aprendizagem. Yara, coordenadora pedagógica da escola, considera que, os setores
da prefeitura trabalham sem comunicação e é preciso trocar informações e
conhecimentos para a escola funcionar bem. Os profissionais da escola não entendemos
nada de arquitetura nem de engenharia, mas, às vezes, acabam complicando os espaços,
para fazer com que eles se tornem mais seguros e funcionais.
Kowaltowski (2011) considera que , quando se trata de espaços coletivos, como
é o caso das edificações escolares, a humanização desses espaços, não diz respeito
apenas a padrões objetivos, como: edifícios com muita vegetação, harmonia de cores e
ornamentação, variações de ordem espacial, manutenção e cuidados adequados, mas
focalizam a construção de uma imagem do edifício, associada à cultura local e aos
moradores do entorno, que devem envolver-se com projetos de arquitetura da nova
escola ou de intervenções que se fazem necessárias com o passar do tempo, devido aos
desgastes de uso e às modificações propostas pela educação.
Daí a importância de todos serem ouvidos nos processos de projetos, usos e
intervenções nos espaços escolares. Assim como para que se produzam constantes
avaliações pós-uso, que concorram para a correção e orientação de futuros projetos e
subsidiem as reformas necessárias nos prédios.
Para Escolano (2000), a organização espacial é ferramenta do ofício docente e
contribui para a composição de modelos pedagógicos mais humanistas, configurando
sistemas de preservação e proteção para a infância.
Assim, projetar o espaço de uma escola, que se traduza como um ambiente da
infância, supõe considerá-lo de forma ampla, para que atenda a demandas pela
qualidade pedagógica, arquitetônica, mas também social, cultural e política, utilizando
novos parâmetros, que possibilitem projetar o novo, qualificar as relações, provocar e
promover novas formas de ver, conceber e interpretar a realidade e representá-la com
consciência crítica.
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SOBRE VIVÊNCIAS E SOBREVIVÊNCIAS FREIRIANAS NA EDUCAÇÃO:
POSSIBILIDADES E LIMITES NA FORMAÇÃO DE PEDAGOGOS
Sylvia Paula de Almeida Torres Vilhenaii
Universidade Nove de Julho- Uninove- São Paulo
Neste trabalho evidenciam-se os resultados de uma pesquisa em que se investigam
dimensões vivenciais das relações pedagógicas na formação do pedagogo, com ênfase
em epistemologia que favoreça o desenvolvimento da conscientização do estudante,
tendo como parâmetro o alcance da construção de conhecimentos indicados nos planos
de ensino de disciplinas semestrais e, correlatamente, a apropriação de fundamentos
teóricos e práticos que viabilizem a opção por uma prática pedagógica construtivista,
preconizada nacionalmente desde finais da década de noventa do século passado. A
experiência didática pesquisada foi desenvolvida nos últimos três anos e resulta em
amálgama de uma releitura dos Círculos de Cultura freirianos associada a alguns
aspectos do ensino híbrido e da aula invertida. Nesta proposta a perspectiva adotada se
ancora em arcabouço teórico de desenvolvimento do conhecimento lastreado em
concepções interacionistas. Utilizou-se metodologia qualiquantitativa para a
sistematização dos dados auferidos nas discussões sobre as percepções dos formandos
quanto à sua própria participação na dinâmica da classe, suas possiblidades de
superação das condições presentes e a sua colaboração ativa tanto na construção do
conhecimento, como na elaboração de material didático a ser compartilhado por todos,
até em regências futuras. As reflexões avaliativas, críticas, foram realizadas
quinzenalmente, no bojo das aulas de metodologias de ensino de ciências e de
matemática. O trabalho, envolveu 348 alunos de seis classes de pedagogia de
universidade particular paulistana e, até o momento, evidencia resultados bastante
positivos, em especial, a partir do segundo mês de implementação de cada disciplina.
Palavras-chave: Formação de pedagogos. Círculo de Cultura. Formação construtivista.
A percepção de um problema
A reorganização da política educacional brasileira e os sucessivos dispositivos
legais, e a divulgação de documentos orientadores das questões curriculares registrados,
principalmente, a partir da última década do século passado, refletem as perspectivas e
anseios por uma educação contemporânea que faça frente à dinâmica inerente a um
planeta interconectado, com amplo trânsito de pessoas, valores, culturas e toda a sorte
de informações, problemas e soluções que passam a ter alcance planetário e quase que
simultâneo. Bobbio (1999, p. 19) chama a atenção para o fato de que “as normas
jurídicas nunca existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas com
relações particulares entre si”. Isso implica entender textos em contextos e, na
contemporaneidade, contextos esses que se configuram e reconfiguram em velocidades,
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cada vez mais céleres, e que demandam muita atenção e acompanhamento.
Em âmbito nacional, as sucessivas retomadas das matrizes dos cursos superiores,
e pedagogia é um dos últimos (Resolução CNE/CP 1/2006), também evidenciam a
continuidade das mudanças neste campo. Transformações pautam cursos presenciais,
outros se realizam em ambientes virtuais e, cada vez mais, se faz a inserção de novas
tecnologias no mundo acadêmico como algo inerente ao modus faciendi
contemporâneo. As reconfigurações do perfil do aluno de curso superior também se
aceleraram nas últimas décadas. Já em 2011, era a instrução dos mais jovens que
registrava os maiores índices. Na ocasião, dentre a população do país, 49,3% dos
adultos de 25 anos, ou mais, ainda não detinha o ensino fundamental completo e apenas
11,3% havia concluído o curso superior. No entanto, na faixa de 25 a 29 anos,
evidenciando acentuada queda, registrava o índice de 28,2% como os daqueles que não
contavam com ensino fundamental completo e, também se elevava o registro dos com
superior completo, 13% (IBGE, 2011).
Ainda, a despeito das recentes políticas de cotas adotadas pelas universidades
públicas, são as instituições superiores privadas aquelas que respondem pelo grande
volume de universitários: 73%, segundo o Censo da Educação Superior, de 2013.
Promovem, assim, “uma verdadeira inclusão social educacional” (VILHENA, 2014,
p1), corroboradas pelo Programa Universidade para Todos- Prouni e FIES.
Em pesquisa de âmbito nacional, Gatti (2011) ao investigar quem opta por
pedagogia, identifica alguém que advém dos estratos mais populares, frequentou a
escola pública, e cujos progenitores apresentam baixo nível de escolaridade. Torna-se
explícito que “a professora das crianças” não mais corresponde à ideia da normalista de
meados do século passado.
Paralelamente, tanto o bojo de constituição da matriz do curso de pedagogia,
como a própria distribuição e organização das disciplinas que o constitui, e que busca
formar o pedagogo, cunha discursos que preconizam o estudante ativo, construtor de
seu conhecimento, socialmente participativo, crítico, transformador das condições que
se apresentam injustas, díspares, não inclusivas. Reitera-se, assim, o que evidenciam os
documentos nacionais de orientação curricular da educação básica e os voltados para a
formação do professor, amplamente divulgados desde 1997. E aí se apresenta o desafio.
Conta-se com um pedagogo que promova, desde os primeiros passos da criança, uma
educação construtivista, interativa. Algo que, ele mesmo, não teve a oportunidade de
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vivenciar (GATTI, 2009). Em sua escolaridade básica esteve afeto a instituições
educativas marcadas, até materialmente, por organizações tradicionais. Com cadeiras
dispostas em fileiras, mantendo alunos uns atrás dos outros, todos voltados para o
mesmo ponto central e à frente, desvelam-se as condições para relações pedagógicas
ainda centradas no professor, mesmo em tempos ditos pós-modernos. Implica refletir
sobre a dicotomia que se apresenta: a demanda por inovação a partir de alguém que não
a vivenciou, mesmo que dela se aproprie, discursivamente. Como superar esse limite?
O que pode ser criado, didaticamente, para suprir a lacuna deste formando? Vale reiterar
a lembrança de Vitor Paro (2008) quando destaca ensinamento de Paulo Freire para
dizer que o óbvio é bom ponto de partida para um pensamento pedagógico libertador.
A busca por favorecer a ultrapassagem de tal impasse levou à criação e
experimentação de didática diferenciada, deflagrada a partir de proposta de ensino
híbrido articulada aos fundamentos da pedagogia dialógica freriana. Vivenciada em
classes da disciplina de gestão escolar, desde 2013, tal didática foi substrato de pesquisa
cujos resultados (VILHENA, 2014; VILHENA e DUARTE, 2014; SABBA e
VILHENA, 2014), mostrando-se promissores, deram origem às novas articulações.
Assim, prosseguindo e integrando essa primeira pesquisa, deflagrou-se outra a
partir da construção de uma reformulação didática com vistas a contemplar as
especificidades de metodologias do ensino de ciências e de matemática, tanto para a
graduação como para a pós-graduação de pedagogos. Na reestruturação, foram
adicionados aos princípios da aula invertida associada à dinâmica dos Círculos de
Cultura, uma das bases da pedagogia de Paulo Freire (2013), a construção solidária de
fichas de sistematização de estudo e a elaboração de acervo de material didático,
material este a ser utilizado pedagogicamente em futuras regência desses estudantes.
Na proposta ora pesquisada, o trabalho coletivo e compartilhado do material
pedagógico se dá como exercício de aproximação e de amálgama entre os formandos;
ocorre no reconhecimento do outro como alguém complementar, produtor de cultura.
No atual levantamento sobre a constituição do perfil dos alunos das classes
envolvidas, foco desta investigação, confirma-se similitude entre os indicadores
apontados por Gatti (2011, op. cit.), e também os já registrados na etapa inicial desta
proposta didática ao, assim, delinear o universo experimental: 98,5% advêm de escolas
públicas; 36,5% representarão o primeiro diploma universitário em suas famílias; 99%
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contam com computador em casa; e 96% usam Wathsapp. Ainda, 98% são do sexo
feminino. Em relação ao trabalho, 82% estão empregados, sendo que 39% nunca
trabalharam na área da educação. Por fim, 19% contam com algum financiamento
estudantil.
Como dito em trabalho anterior (VILHENA, 2014, p.3):
Articular esses aspectos: um universitário formado em escola pública a quem
se propõe a apropriação de um currículo de maneira reflexiva e crítica, com
vistas a formar um profissional que saiba atuar de maneira construtiva junto a
seus alunos, tem suas implicações. Demanda que o formando seja alguém
capaz de situar e analisar as informações sob perspectivas sociais, históricas,
políticas, culturais e econômicas, e que, diferentemente dos moldes em que
estudou, torne-se um profissional que promova, construtivamente a educação
libertadora de seus futuros alunos.
Ponderações iniciais
Sem desconhecer dinâmicas que permeiam as instituições educativas e que possibilitam,
de alguma maneira, reprodução de diferenças sociais já existentes, denuncia efetivada
em 1970 por Bourdieu e Passeron, como fruto de pesquisa realizada no sistema de
educação francês e com especial foco na universidade, adotou-se aqui, justamente ao
invés: a ambiência educacional como oportunidade de transformação. Penin, em 2006,
já destacava o alinhamento de alguns intelectuais com a conveniência de se atuar
intencional e didaticamente nas brechas de textos e contextos. Assim, reiteramos nós,
pode-se agir também em tempos e espaços, favorecendo, pelo diálogo, de início, a
tomada de ciência das diferenças culturais que carreiam diferenças de oportunidades
(FREIRE 2003, 2013).
Isso implica identificar e reconhecer aquilo que é valorizado por alguns em
detrimento de outros aspectos. Ora, muita vez, são esses aspectos pouco apreciados os
que estão ancorados nas condições de partida dos alunos advindos das camadas mais
pobres, o que acaba por desmascarar o discurso sobre a suposta igualdade de
oportunidades e facilidades que, usualmente, pauta a ascensão social em seus diversos
domínios, inclusive escolar (DUBET, 2004).
Conquanto se reconheça desigualdades, as adversas condições histórico-sociais,
materiais, culturais do sujeito, não se as acata como determinantes de sua vida,
definidoras do porvir. O ser humano é um ser em construção, em contínua
transformação, indeterminado, aberto a possiblidades que podem libertá-lo. Posição esta
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defendida tanto por Piaget, na perspectiva epistemológica genética, como por Paulo
Freire, inclusive nas dimensões social e política.
Em todo seu arcabouço teórico Piaget (FLAVEL, 1975, passim) reitera que o
sujeito se constrói na interação com o meio ao apreender aquilo que suas condições, de
momento, possibilitam e, também, que irá assimilar aquilo que o interessa, uma vez que
é o que corresponde às demandas de necessidade ou prazer e que, dessa maneira, se
transforma, integrando o novo a si próprio, transformado o ambiente. E isso pode ser
entendido, a priori, como coalescente ao que os teóricos da reprodução alegam.
Enquanto essas ideias nada trazem de esperança, Piaget e Freire advogam a contínua
construção e reconstrução do sujeito. Bourdieu e Passeron (1975) ponderam que até os
que conseguiram alcançar nível mais alto de escolaridade, porém passaram ou advieram
de situações apenas básicas de sobrevivência ou, ainda, por elas passaram, são pessoas
que têm menores chances de êxito quando atingem os tais patamares superiores porque
tendem a reproduzir tudo aquilo que aprenderam no sistema social em que estiveram
inseridos. E, dessa maneira, distanciam-se do que, formalmente, se estabelece como um
padrão ótimo de qualidade, mesmo quando detém diploma de valor igual ao de outros.
Piaget ao afirmar sobre o fato de que nenhuma interação se dá fora do meio em
que se encontra e que este é pleno de valores culturais e que, certamente, esses podem
funcionar como filtros, assim, explicita: a “cada momento histórico e em cada
sociedade, predomina determinado quadro epistémico, produto de paradigmas sociais e
que é a origem de um novo paradigma epistémico”. Esse quadro, em que não é
possível dissociar o que é contributo de componente social daquilo constitutivo
intrínseco do próprio sistema cognitivo, condiciona o desenvolvimento posterior. E o
epistemólogo prossegue indicando que a libertação dessas amarras, ou seja, as rupturas
ocorrem em situações “de crise”, quando “se passa a um estado diferente com um novo
quadro espistémico distinto do precedente” (PIAGET, 1987,234).
A didática como uma possibilidade de superação
Em ensaio filosófico educacional, Severino (2013, p.14).), fala da necessidade
da formação integral do profissional da educação, uma vez que o que está em pauta não
é só a habilitação técnica, mas, sobretudo, a formação de uma personalidade integral.
[...] eis que a finalidade central de sua atuação é a de “construir” pessoas. Este
profissional deverá corroborar para o desenvolvimento de um sujeito que vive em um
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mundo interconectado, virtual, ubíquo, em que as demandas e oportunidades surgem e
eclipsam a velocidades cada vez mais rápidas.
Nesse viés, vale observar que a educação se ajusta à sociedade, tanto
reproduzindo suas desigualdades como possibilitando transformações o que requer
refletir sobre as condições efetivas para tal empreitada. Há que se indagar das
possibilidades de inovações que tragam mudanças na composição dessa sociedade. Do
mesmo, o mesmo. Dito de outra maneira: não se alteram as respostas com as mesmas
perguntas. O que pode ser aportado, no ambiente de aprendizagem, que corrobore,
factualmente, para a melhoria da qualidade de vida de todos? As informações, um dos
elementos da construção do conhecimento, hoje proliferam e demandam tirocínio para
sua seleção, classificação e utilização racionalizada. Recursos tecnológicos tornam-se,
paulatinamente, acessíveis e já integram as malhas neuronais dos nativos digitais.
A construção do conhecimento e mesmo o funcionamento de uma escola
assentam-se, enfim, em processos e pessoas em interação. É a didática, por onde se faz a
pedagogia, por onde transita o currículo, que viabiliza a possibilidade da criação
docente e que permite aproximar tempos e espaços, obras e autores, aproximando do
contemporâneo uma educação diferenciada. É pela criação pedagógica que se facilita o
penetrar em brechas que ultrapassam as condições matérias cotidianas de cursos de
graduação e pós-graduação, mesmo situados em construções prediais modernas,
apresentam-se com salas plenas de carteiras enfileiradas e justapostas, dispondo,
basicamente, de giz e lousa e algum recurso audiovisual, e onde se articulam saberes
docentes com as propostas registradas em planos de ensino.
Nessa perspectiva, a primeira opção que se empreendeu foi dispor o mobiliário
em roda, ou “Círculo”, como referia Paulo Freire para que os participantes das aulas
tomassem lugar como nas bordas da figura geométrica do círculo. Nesta configuração,
todos podem se olhar de frente e se ver, horizontalizando as relações intraclasse. A partir
da disposição em círculo, o foco da estruturação do correr curricular nas aulas se
estabelece, incialmente, nas manifestações culturais individuais. “Cultura” sempre
cultura porque nela se desvelam valores, saberes, modos de ver e viver a vida. Nessa
horizontalidade, inserem-se professores e alunos para dialogar sobre suas próprias
culturas que, verbalizadas e refletidas, destacam as realidades sócio-histórico-culturais
de cada um, o que abre caminho para a busca das intervenções no mundo, com vistas às
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transformações libertadoras.
No Círculo de Cultura, em lugar do professor doador, o promotor de debates; em
lugar da tradição discursiva, o diálogo; em lugar do aluno passivo, o partícipe de um
grupo que se reconhece com identidade (FREIRE, 2003, p. 111).
Considerando o panorama contemporâneo, a recriação tão preconizada por
Freire dá-se considerando a democratização do acesso ao mundo virtual. Rotineiramente
é no ciberespaço que os jovens se comunicam, mas dele se utilizam academicamente
apenas para atender tarefas. O sucesso, internacional, de Salman Khan deu-se por
elaborar e disponibilizar vídeos de fácil compreensão que, assistidos fora das aulas,
permitem uso do tempo em classe para resolução de dúvidas, foco no aluno.
Dessa experiência, alguns aspectos da metodologia nos pareceram muito
factíveis de serem combinados à organização em Círculo de Cultura para discussões.
Das propostas desse educador adaptaram-se alguns aspectos. Assim, inicialmente,
optou-se pela apropriação estudantil dos conteúdos a partir de suporte de vídeos e
textos, em momento prévio às aulas. Vídeos e textos esses, de livre escolha, abertos,
porém vinculados aos conteúdos institucionalmente indicados. Então, ao aportar à sala
de aula, há a subsequente destinação do tempo, majoritariamente, para exposição do
entendimento que os alunos alcançaram e, por fim, aos debates envolvendo todos da
sala. Dinâmica pautada em fundamentos piagetianos e freireanos que permite, sempre,
balizar-se pelas possibilidades de momento do aluno o que, em última análise, implica
reconhecer que manifestações e entendimentos estão embebidos em traços culturais.
O andamento das manifestações que se faz, inicialmente, tímido, devido aos
anos de “cultura do silêncio”, do calar para não destoar, do medo de errar, pouco a
pouco é superado com demonstrações de empatia, do genuíno interesse pelo outro.
Afigurou-se como acertada a didática de buscar aliar a fácil disponibilidade da
geração de moços para o uso da internet e a apropriação de textos, valendo-se de vídeos
que facilitam uma primeira compreensão. Ainda, ao inverter o momento costumeiro das
discussões em sala de aula, incrementam-se oportunidades de progressão do movimento
de emancipação do estudante na construção de seu conhecimento.
Os debates, as comparações e as interpretações apoiaram-se tanto nos textos
previamente indicados para uso na disciplina, que também deveriam ser lidos em
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ambientes extra universitários, como nos selecionados livremente pelos estudantes. O
mesmo procedimento pautou os vídeos de autores entendidos, pelo docente, como
interessantes para abordar perspectivas e conceitos diferentes e complementares.
Além disso, entrou-se em acordo para produção de material que o grupo
entendeu como pedagogicamente interessante, favorecedor de uma regência com marcas
construtivistas. Assim, os estudantes organizaram-se e distribuíram, entre si tarefas,
aprimoraram conhecimentos; produziram o que almejaram, com apoio do docente.
Nessa perspectiva, o tempo em sala destina-se fundamentalmente, não à
explanação de conteúdos pelo professor, prática a que esses alunos estão submetidos
desde crianças. Ao invés, o momento inicial é voltado à exposição do entendimento
pessoal dos alunos sobre o tema selecionado e apropriado fora do âmbito da
universidade. Ultrapassa-se, assim, a ênfase no conteúdo programático, e mira-se
primeiro na forma de participação de cada um, naquilo que é verbalizado, ou não, por
cada um. Ainda, em classe, ao retomar as técnicas indicadas para anotações de estudo e
confrontar perspectivas, se explicitam aspectos que haviam sido pouco abordados. Na
interação, aumenta-se, gradativamente, a sensibilidade e atenção de um para com o
outro e alargam-se os horizontes. E é assim que se constituiu essa experiência- pesquisa,
uma vertente da chamada “flipped classroom”, ou, sala de aula invertida, originalmente,
proposta por Jonathan Bergmann e Aaron Sams.
Vale dizer que a prática dialogal melhora as condições para que o estudante
assuma as suas escolhas na solução de problemas, exercite ponderações sobre os
diferentes pontos de vista, até por versarem sobre um mesmo tema. Cria, assim,
melhores condições de análise crítica. Encaminha a atenção para notar quem fala, de
que posição o faz, dizendo o quê, o que acaba por favorecer muito o desempenho
acadêmico. Como bem o destaca notório freireano:
Cada vez que se fala de um mesmo tema, ele não é repetitivo, mas expresso
de um modo singular em cada situação, porque, quando o retomamos,
fazemo-lo com nossas disposições do momento, com as aquisições de
leituras, com o saber de experiência feito, com as projeções, aspirações e
ideais incorporados desde sua última apresentação (ROMÃO, 2005, p. 20).
Procedimentos metodológicos
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Nesta pesquisa adotaram-se procedimentos similares aos da investigação
científica matriz desta (VILHENA, 2014), qual seja: os formandos em pedagogia
tomam ciência e são partícipes ativos da proposta didática e da pesquisa correlata.
Nas situações didáticas que envolvem as duas disciplinas semestrais
(Metodologia do Ensino de Ciências e Metodologia do Ensino de Matemática) tem-se
por objetivo, primeiro, conhecer e registrar fenômenos do ensino em curso de pedagogia
com vistas a construir quadro delineado, cientificamente, da prática docente frente às
aproximações que procede ao buscar atender, dentro de nova didática, ao planejado
institucionalmente para a disciplina, tanto no âmbito teórico como no prático.
No processo, viabilizam-se, sistematicamente, as reflexões entre alunos e
professor, em contexto dialogal e investigativo de ensino-aprendizagem.
Discutem-se, a priori, a dinâmica que se pretende implementar no Círculo de
Cultura; estabelecem-se os pontos balizadores como: necessidade da participação de
todos na discussão; rodízio na incumbência dos registros; na captação de materiais...
Dessa maneira, a cada aula, um dos estudantes toma para si o papel de registrar o que
entendeu como manifestações mais significativas nos debates em Círculo. Esses
registros são retomados em reuniões de reflexão, quinzenais e, após novo debate, são
lançados em dimensão escalar na planilha já examinada pelo grupo. Tem-se por
objetivo, com essas notações, a verificação da evolução da quantidade de participações,
de iniciativas e de argumentações. Nesta estratégia os estudantes exercitam a execução
dos registros que balizam uma pesquisa e, também, observam com mais facilidade a
natureza das manifestações, caminhando, paulatinamente, da tomada de consciência
piagetiana para a conscientização freiriana (BECKER,2003).
Na quinzena oposta à reunião de reflexão, há a oficina de elaboração de material
didático. Novamente, objeto de anotações lançadas, complementarmente, na planilha.
Ao final do semestre letivo, apresentam-se os dados e compartilham-se impressões,
além da produção didática.
Discussões: debates internos e resultados
Como já citado, num processo dialogal que percorre a tomada de consciência
rumo à conscientização (BECKER, 2003) o estudante, progressivamente se faz falante,
afigura como um aluno ativo, daqueles preconizados discursivamente. Talvez não o fora
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antes porque, até então, pouca oportunidade tivera. Nessa didática, a docência abdica de
sua tradicional investidura. Nesse padrão de relações, o professor se expõe
horizontalmente, constrói estratégias solidárias, aproveita dinâmicas que permitam
transformações pessoais, e abre espaço para uma educação liberta de amarras.
Assim, as discussões em classe que, no primeiro mês tem, usualmente,
participação tímida, detectada na tateante busca pela afirmação do professor, paulatina e
rapidamente são substituídas por questionamentos, propostas criativas, relatos de
saberes e fazeres até então ocultos. A genuína valorização da curiosidade e do cabedal
cultural, de cada um, fomenta a expansão da participação e do compartilhamento.
A aberta tratativa para a adoção de planilha, de uso comum, em que se registra,
a cada sessão de avaliação reflexiva, o desempenho do próprio grupo, acaba se
configurando não só como instrumento de registro dos dados, mas também como base
para análises e redirecionamentos dos próprios partícipes do círculo de cultura.
Dos 348 alunos envolvidos nesta ação, ao longo do semestre letivo,
aproximadamente 14% ainda apresentam dificuldades no trabalho de construção
coletiva e no compartilhamento espontâneo de materiais de estudo. No entanto, nota-se
que por volta de 18% estabelecem maior proximidade com determinados outros com o
fito de prosseguir em parcerias laborativas, mesmo ao final do período letivo.
Descobrem-se, reconhecem-se e complementam-se habilidades e talentos. Os demais
formandos manifestam notório progresso em sua exposição pessoal, na capacidade
argumentativa, na defesa de perspectivas diferenciadas, mesmo quando em minoria.
Nota-se melhora na oralidade que se dá numa fala mais clara, mais intencional.
Há, por fim, praticamente, consenso quanto às vantagens do uso compartilhado
do quadro organizador de estudos. Também há plena aceitação do material produzido
coletivamente, até porque este passa, ao final do processo, por uma revisão geral.
Ainda, últimas ponderações
Mais que disponibilizar informações, cumprir etapas de um planejamento o que,
inegavelmente, deve ser motivo de empenho, há que se fazer a educação como um
processo criativo tanto do professor-pesquisador como do aluno, igualmente
pesquisador. Na relação dialógica de ambos se situa a didática, cerne da vida docente.
Reconhece-se que o desenvolvimento das aulas pautadas nesta experiência
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didática, certamente demandou reconstruções e permitiu vivenciar o que Freire
denomina de dodiscência (FREIRE, 2002, p.31); a docência-discência e a pesquisa,
polos de um mesmo fazer já que são indicotomizáveis, como bem defendem Piaget e
Freire. Enfim, ao se considerar o outro em sua inteireza, a prática se insere num
contexto gnosiológico que suscita a curiosidade, móvel básico do conhecimento.
Assim, nesta investigação, a didática que se pretendeu emancipadora, envolveu
professora e alunos, todos aprendendo e ensinado uns com os outros, pesquisando e
produzindo solidariamente.
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POR QUE AQUI TEM FESTA PARA A FAMÍLIA E NÃO SÓ PARA AS MÃES?
Noeli Talebi Gomes
Este trabalho pretende investigar a importância da atuação das equipes das unidades
escolares, através do estabelecimento de práticas de incentivo à inclusão e participação
de seus usuários independentemente de suas características de gênero, idade, condição
sócio-econômica, etnia etc. A partir da pesquisa no mestrado realizada pela PUC-SP
houve a continuidade do trabalho participativo e comunitário em uma escola municipal
de Educação Infantil da cidade de São Paulo. Os novos arranjos familiares são elementos
em que se assenta o processo educacional. Foco de pesquisa quantiqualitativa demonstra
a viabilidade da gestão participativa, quando se estabelece uma cultura transformadora,
corresponsável entre os envolvidos. Como primeira estrutura externa à família em que a
criança é inserida, a escola de educação infantil, que não dá conta sozinha do processo,
demanda profissionais hábeis tanto no acolhimento dos pequenos como no trato com
esses arranjos familiares que ainda estão se adequando à cultura escolar, cheia de datas,
regras e horários, diferentes dos seus. São diversos atores a inserirem-se,
simultaneamente, em novas relações. É necessário rever os conceitos, mudar a
concepção nas festas e reuniões pedagógicas, romper modelos que privilegiem apenas
um modelo de arranjo familiar. A escola pode propiciar momentos de encontros
intergeracionais, trocas de experiências para assim se tornar um local privilegiado de
convivência e pertencimento. Quanto maior e mais profícuo for o intercâmbio entre
escola e comunidade, mais leve será a carga para a equipe escolar. As rodas de conversa,
círculos de cultura e reuniões de membros da comunidade, propiciam uma melhor
exposição de conflitos para uma possível mediação.
Palavras chave: Escola-família. Convivência. Pertencimento.
Considerações sobre o tema
Vivemos em uma época de desenvolvimento tecnológico avançado, grandes descobertas
cientificas e discursos inovadores sobre a complexidade e a aceitação das diferenças
sociais existentes nos usuários das Instituições de ensino. Estas instituições, entretanto,
são paradoxalmente reguladas por diretrizes arcaicas e conservadoras, resultando em
mecanismos de diferenciação, exclusão e até invisibilizaçãoiii
de seus usuários. Muitas
vezes são verificadas atitudes de julgamento até mesmo por parte dos próprios
educadores.
A pergunta utilizada no título foi realizada por uma mãe de criança em uma escola
municipal de Educação Infantil da cidade de São Paulo, que ficou surpresa ao ser
convidada para uma festa da família, com tios, avós e não só mães e ilustra o modelo de
pensamento presente no senso comum. Ela esperava uma homenagem, a preparação de
um número a ser apresentado por seu filho, mas na verdade a escola realizou uma oficina
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coletiva sem nenhuma ênfase à figura materna, já que muitas crianças não possuem esta
figura, sendo criadas por avós, tias, amigas, apenas pelo pai, outros adultos ou em
orfanatos.
É primordial o investimento em uma cultura de gestão transformadora, que considere as
diferenças e dê respaldo aos diferentes e plurais. Assumir o desafio de perpetuar uma
cultura de gestão que respeite e incentive os indivíduos e seus arranjos familiares e
incentivar tais práticas a partir dos próprios educadores como ferramenta de
transformação.
Esta situação se agrava em muitas instituições privadas, onde com freqüência são
priorizadas festas comemorativas, transformando-as em grandes eventos.
Independentemente da escola ser estatal ou privada, os usuários que vivem em arranjos
familiares distintos, como núcleos expandidos, arranjos monoparentais ou reconstituídos
e agrupamentos por amizade, entre outros, podem se sentir excluídos e acabam por
introjetar a culpabilização que lhes é freqüentemente imposta pela equipe escolar ou pela
mídia.
No sentido de se aproximar do verdadeiro significado do termo, a instituição
escolar, com seu corpo de profissionais, precisa se apropriar das estratégias possíveis
para se aproximar de seus usuários externos e, consequentemente, buscar que estes
conheçam, participem e valorizem o trabalho desenvolvido em seu interior e se tornem,
eles também, parceiros e sujeitos no fazer educacional que ocorre no espaço
institucional. Para isso, é preciso colocar os recursos culturais, sociais, educativos da
comunidade ao serviço de todos os usuários, estabelecendo com eles ligações
continuadas, criando redes de apoio ao desenvolvimento e à aprendizagem. É preciso
criar programas escolares com objetivo de promover o relacionamento com a
comunidade. Mas “esses programas necessitam de financiamento e não podem viver sem
profissionais que os coordenem. O amadorismo e o missionarismo podem ajudar a criar
um programa, mas não a dar-lhe continuidade.” (Marques,1997:60)
É necessário que a instituição escolar reconheça os limites e potencialidades de
seus usuários. Vale lembrar que o modelo tradicional de família ainda persiste também
no imaginário das equipes escolares, o que inibe uma ação mais pró ativa e diferenciada
destas para envolver arranjos familiares que não se perfilam mais no modelo tradicional.
A noção de democracia é baseada nos princípios de liberdade e igualdade. Mas,
reconhecer a idéia de igualdade incomoda, pois pode levar à perda de privilégios. Lutar
pelos direitos humanos não é lutar pelos direitos individuais, de um grupo ou até de uma
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categoria, com proposições “particularistas, fatalistas, multifacetárias referenciadas em
micro-discursos locais, étnicos, de gênero” (Carvalho, 1998: 2). É lutar pelos direitos dos
outros, de todos. É lutar para a solidariedade, justiça, paz e tolerância. E nesse sentido,
deve-se ter a capacidade de se indignar com princípios cotidianos, de não se contentar
com o fatalismo.
Não se construirá uma sociedade melhor somente através das ciências políticas e
econômicas. É necessário que se construa uma nova forma de relações sociais. Daí
decorrerão as modificações humanas na economia e na sociedade global.
Para uma efetiva possibilidade de participação nos colegiados e na tomada de
decisões, pequenas intervenções na estrutura física podem ser necessárias para tornar a
escola mais acolhedora. Mas o primordial é a cultura do diálogo.
“Junto com o respeito e os direitos e deveres que encarnam os direitos humanos, o diálogo é
outro dos conteúdos essenciais da Pedagogia da convivência. Não há possibilidade de
convivência sem diálogo. As pessoas crescem e se humanizam graças à linguagem e ao
diálogo. Conviver uns com os outros é um contínuo exercício de diálogo. O diálogo também é
um fator essencial para dar e melhorar a qualidade de vida das relações humanas. Quando se
rompe o diálogo, se está inviabilizando a possibilidade da convivência em geral e de poder
resolver os conflitos, em particular. E não há possibilidade de resolver os conflitos senão por
meio do diálogo, seja diretamente entre as partes que se enfrentam ou através de terceiros que
se coloquem como mediadores ou, ao menos, intermediários. “ Jares, Xesus. 2013.
As rodas de conversa, círculos de cultura, reuniões de membros da comunidade,
propiciam uma melhor exposição de conflitos para uma possível mediação.
Ainda persiste no Brasil uma educação voltada aos valores tradicionais e
consequentemente ao modelo nuclear de família. As crianças provenientes de
agrupamentos diferenciados são por muitas vezes prejudicadas e discriminadas.
Consequentemente ainda se manifesta uma grande resistência para a abertura da
instituição aos seus usuários e à aceitação, até pelos próprios pares, da tentativa de
rompimento do modelo tradicional de família e de sua participação nas instâncias de
poder presentes no cotidiano.
Vale lembrar que o perfil da família, como nomeada na legislação brasileira já
não é mais o mesmo. A “família” nuclear tradicional, tal como considerada na
Constituição Federal, vem sendo substituída por novos arranjos familiares: arranjos
monoparentais, expandidos, sem filhos etc. O número de casamentos legais diminuiu, ao
passo que as uniões não-legais aumentaram. O número de moças casadas ou unidas
decresce à medida que aumenta seu grau de escolaridade (Berquó,1998). Em termos de
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poder aquisitivo, a média é de uma queda de 20% no caso das mulheres (dados do
Instituto do Trabalho e Sociedade- Iets), mas a tendência é que as relações se tornem
mais horizontais, igualitárias e transparentes.
No artigo “De que famílias vêm nossos alunos”, Heloísa Szymanski (1997)
investiga os significados de família na população de moradores de subúrbio de baixa
renda na cidade de São Paulo, verificando que, no universo então pesquisado, havia duas
“famílias” em questão: a família pensada e a família vivida. A família pensada mostrou-
se como uma união exclusiva de um homem e uma mulher que se inicia por amor, com a
esperança de que o destino lhe seja favorável e que ela seja definitiva. Um compromisso
de acolhimento das pessoas envolvidas, com promessa de cuidados e expectativa de dar e
receber afeto, principalmente em relação aos filhos. Isto dentro de uma ordem e
hierarquia estabelecidas num contexto patriarcal de autoridade máxima e que deve ser
obedecida com base no modelo pai-mãe-filhos estável. Na relação vivida, no cotidiano,
surge uma gama de variações com base no modelo nuclear pai-mãe-filho estável : uniões
anteriores, famílias monoparentais chefiadas pela mãe, núcleo de famílias em torno da
mãe mais velha, núcleo em torno de uma parente ou madrinha e, até mesmo, uma
organização tipo “poligâmica informal”. Trata-se de um conjunto de relações que fogem
às definições formais que geralmente incluem a consangüinidade, casamento civil,
comunidade de nome com condições constitutivas de família. Mesmo sem preencher as
condições formais ou jurídicas de família, aquelas pessoas consideram-se vivendo assim.
Além disso, a instituição escolar muitas vezes é para essas pessoas um mundo
desconhecido, um território que não dominam, um espaço físico que não reconhecem, o
que, associado muitas vezes a uma escolaridade reduzida, quando não mesmo a uma
experiência negativa desta, contribuirá decisivamente para não se sentirem à vontade
neste tal „outro mundo‟. Além disso, normalmente são chamados à instituição por razões
que lhe são desagradáveis. Segundo Szymanski (1997:221) “para essas famílias, as
escolas são ambientes novos e até hostis. As famílias precisam aprender a linguagem da
escola, principalmente a burocrática. Datas e prazos, o próprio tempo é diferente para
elas. O imediatismo da miséria traz seu futuro para hoje à noite ou amanhã”.
Segundo Cunha, 1980,
“quando as professoras, oriundas dessas camadas (não populares), defrontam-
se com crianças que não são portadoras desses padrões culturais, tendem a
discriminá-las (…) os alunos portadores dos padrões culturais “adequados”
vão progredir no sistema escolar (…) e acreditarão que o seu esforço
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individual foi o responsável pelo sucesso; os demais, que não possuem aquele
padrão, fracassarão (…) e interiorizarão as razões da culpa como devidas à sua
própria incapacidade e falta de motivação”.
Para Brougere (2006) a instituição de Educação Infantil causa ainda maior
estranhamento, pois é a primeira estrutura externa à família, o primeiro espaço fora de
casa para a criança; estar em um espaço público requer uma cultura diferente da familiar
e acontece um choque. E como crianças marcadas pela diversidade se adequam a essa
estranha cultura? Como desenvolver uma modalidade para acolhimento das crianças
provenientes de locais e culturas diferentes?
A estrutura escolar, burocrática e formalista, também contribui para o isolamento
dos seus usuários, por vezes utilizando uma linguagem demasiado técnica e muitas vezes
incompreensível para os usuários com baixo nível de escolaridade. “A rede escolar se
comporta como uma rede para si e não para seus usuários, o que produz perversamente
um processo de exclusão de sua clientela” (Instituto Estudos Especiais PUC/SP-1995).
A participação dos usuários da escola em sua gestão parece ser decisiva no
sentido de valorizar e respeitar o Projeto Pedagógico. Mas não se pode esperar plena
participação logo no início. O processo de participação vai lentamente se construindo e
consolidando pelo próprio grupo e requer mudanças culturais e políticas naturalmente
lentas, devido à histórica subordinação.
A gestão participativa é potencializada na medida em que a instituição escolar
possa ser vista como um espaço de pertencimentoiv
, publicização e diálogo, assumindo
um compromisso público. Isso envolve a mudança postural e atitudinal de toda a equipe.
Mesmo assim, algumas pessoas ainda se ressentem de um poder mais autoritário, na
figura do gestor. Práticas participativas são entendidas como permissivas ou
desinteressadas. Segundo Júlio Gomes Almeida ( 2005:46)
....” a escola não conta apenas com um espaço de poder. O poder está em vários
lugares da organização, sendo a sala do diretor apenas mais um desses lugares”.
.... “ reclamava-se a presença de um diretor que centralizasse o poder ,
estabelecesse a ordem antiga.”.... “ O imaginário que privilegia a centralização
do poder, como forma de garantir a ordem, encontra-se presente no cotidiano da
escola”.
O incentivo à participação toca inevitavelmente na questão da liderança e da
criação de interlocução com a comunidade educativa. Torna-se de fundamental
importância o tipo de liderança exercida pela equipe técnica da escola, no sentido de
fazer parcerias com seus usuários. O tipo de liderança educativa impulsionada pela
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equipe gestora vai dizer até que ponto se está perante um verdadeiro modelo de parceria,
com uma distribuição de poderes pela comunidade educativa, ou apenas uma nova
versão, mais profissional, do modelo de delegação de poderes. Se o modelo de escola for
de uma organização burocrática, agência do poder central; se o gestor se colocar na
posição de funcionário do poder, assistir-se-á não só a uma diminuição da autonomia dos
professores, como a um esvaziar das possibilidades de construção de uma real cidadania
dos alunos, dos pais e dos outros membros (vizinhos e colaboradores) representantes nos
órgãos colegiados que a escola possa possuir (Conselho de Escola, Associação de Pais e
Mestres, Grêmio Estudantil), através da “pseudo-participação”. Por outro lado, “se o
diretor defender um modelo de escola de parcerias, não burocrático, baseado no princípio
de que o sucesso para todos só é possível com a participação de todos, iremos assistir a
uma verdadeira partilha de poderes que tornará a escola mais ligada à comunidade e
menos dependente das burocracias do Ministério da Educação” (Marques,1996: 42-44).
O despojamento e mudança de mentalidade envolvem inclusive o
reconhecimento das lideranças não institucionalizadas (líderes comunitários, alunos que
se sobressaem) como membros tão importantes no processo como os líderes
institucionais.
“Os líderes locais, por terem acesso a ambientes diferentes,
podem contribuir muito como mediadores entre as famílias e os
educadores das escolas e das ONGs de desenvolvimento infanto-
juvenil, para deixar a família mais à vontade no desenvolvimento
escolar” (UNICEF/CENPEC- 1999:49).
A transformação atitudinal passa pela oferta combinada de outras políticas sociais
que complementem o processo educacional, pela formação contínua dos professores e
pela mudança na forma de lidar com o envolvimento escola-famílias. Seria necessário
flexibilizar os rituais e as normas administrativas das escolas, acreditando nos benefícios
do envolvimento dos usuários.
Pedro Pontual (2000:3) ressalta a necessidade de um processo educativo para a
efetiva participação, cujo alcance vai depender da inserção das pessoas no conjunto do
processo e da “extensão e profundidade das ações formativas/ capacitação que
possibilitem o acesso a um maior nível de conhecimentos” sobre a participação. É
ilusório acreditar que a escola conseguiria sozinha, com equipes geralmente reduzidas e
todo o seu trabalho cotidiano, dar conta de todo esse conjunto de ações. Faz- se
necessária a busca de saídas emancipatórias, como a criação de colegiados ou sub-
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comissões entre os usuários da escola e da comunidade. (Pontual, 2000:7). Os “clubes de
mães”, comuns nas décadas de 60/70 tiveram, em sua maioria, uma avaliação positiva
“no sentido de vincular as mulheres às políticas públicas, ao trabalho, à convivência com
outras mulheres de sua comunidade”, ampliando seu universo de relações, informação e
cultura, aumentando o engajamento dessas mulheres em outros movimentos de
reivindicação e melhorias para o bairro e refletindo sobremaneira na melhoria do
desempenho escolar de seus filhos (Carvalho,1998 b).
Evidenciam-se aqui algumas dificuldades na implementação de um sistema
democrático de educação em uma sociedade em que o modelo participativo preconizado
ainda não se incorporou às instâncias decisórias. Por vezes não basta querer acertar, é
necessário um respaldo legal, moral e psicológico para se lidar com as necessárias
situações de conflito geradas pelos fóruns de interlocução (necessárias porque o
consenso é sempre precedido do conflito). E as equipes escolares das escolas estatais,
frequentemente incompletas e sem a necessária formação para a hierarquia
horizontalizada, se ressentem também de acompanhamento especializado por
profissionais inexistentes nos quadros das escolas, absolutamente necessários para um
efetivo trabalho profissional de qualidade.
Outra dificuldade é a questão da descontinuidade administrativa e até das
lideranças (casos em que a continuidade do trabalho depende da permanência de
determinada pessoa no grupo e cujo trabalho se dissolve após a saída desta pessoa ou
grupo de determinada instituição escolar). Nenhum trabalho participativo se concretiza
em pouco tempo: só a coesão do grupo faz o trabalho participativo sobreviver às
mudanças de governo, chefia, membros do grupo e às tempestades de modo geral.
Quanto maior e mais profícuo for o intercâmbio entre escola e comunidade, mais leve
será a carga para a equipe escolar. Podemos contar hoje com verdadeiras redes de
solidariedade que se formam ao redor da escola que, se bem aproveitadas, trarão
inúmeros benefícios à comunidade escolar. Pais, mães, avós, vizinhos, empresários,
profissionais autônomos do bairro têm sempre alguma colaboração. Para ajudar a escola
ou até como canal de divulgação de suas próprias atividades podem ser mobilizados a
colaborar. Cabe à equipe criar canais de fluxo de comunicação para que isso aconteça:
murais, jornal, subcomissões, redes de apoio aos alunos etc. Isso requer habilidade e um
certo despojamento de todos os participantes da escola, no sentido de perceber que a
instituição escolar não é hoje a única fonte de informação e, portanto não está acima de
qualquer outra instituição fora de seu patamar. Perante este novo cenário, as famílias se
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apresentam revestidas de novas responsabilidades e poderes, sendo-lhes possível
participar na tomada de decisões.
A participação em colegiados é o momento privilegiado de trazer à ação os
usuários que ainda permaneciam alheios ao processo e mostrar-lhes o trabalho escolar;
“arrebanhar” mais membros requer paciência, resignação, atitude de escuta e
reconhecimento de que essa é uma necessária fase do processo. Segundo evidenciado na
dissertação de mestrado desta pesquisadora, a migração crescente de alunos das escolas
privadas para a escola pública tem trazido questionamentos e críticas que acabam
pressionando a melhoria da qualidade.
As crianças e jovens só poderão compreender o mundo e atribuir-lhe algum
sentido quando a escola atravessar seus próprios muros e se abrir para os usuários, reais
ou potenciais. Enquanto isso, a comunidade poderá procurar a escola para conhecer suas
dificuldades e atuar em conjunto com sua equipe para a resolução de problemas comuns.
A escola precisa investir nas relações com sua comunidade para conquistar sua
legitimidade e força, tornando-se um espaço de pertencimento enraizado nessa
comunidade, transformando as “reuniões de pais” em espaços de reflexão, para que os
membros da comunidade possam recuperar a autoconfiança em sua capacidade de educar
e interferir positivamente. Também é necessário que os professores incentivem a
participação de alunos e pais nos órgãos colegiados da escola, tendo o cuidado de não
expor os que participam. A educação nos apresenta a possibilidade da construção de um
sujeito coletivov, que não exclui a ascensão social individual, mas visa a melhoria da
qualidade de vida para todos. Relações baseadas na confiança mútua, cooperação, ações
afirmativas e parceria trazem ganhos de legitimidade no próprio fórum de interlocução.
A transformação atitudinal passa pela oferta combinada de outras políticas sociais
que complementem o processo educacional, pela formação contínua dos educadores e
pela mudança na forma de lidar com o envolvimento escola-usuários.
Note-se que as políticas públicas brasileiras ainda preconizam freqüentemente o
ideal da “família estruturada”; assim como muitos educadores e autores atuais e ainda
vêem a pobreza e modelos diferenciados de família como um sério problema:
“Os problemas sociais sintetizam-se e sincretizam-se na família; por isso cresce e
agrava-se o problema dos „meninos de rua‟ ou da favela: problema que se
acentua pela falta ou degradação da família.”....” Sem condições dignas de vida,
a família se desestrutura.” ( Rangel, 2005, p.140
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Mas ainda é muito presente a fórmula de sucesso ligada aos arranjos
estruturados! Nesse sentido, é essencial analisar a temática educacional da gestão
participativa e comunitária sob a ótica da diversidade cultural e dos novos arranjos
familiares.
No trabalho de conscientização dos usuários da escola, deve-se começar sempre
pela prática e nunca pela teoria. Atividades de socialização, lazer e cultura, leituras,
debates servem como motivação à busca de conhecimentos. O aprendizado se faz
quando um grupo se propõe a analisar e refletir sobre sua vida cotidiana. E nesse
sentido, os programas emancipatórios de fortalecimento de arranjos familiares são
“elementos energizadores” que permitem um distanciamento das pessoas participantes
por algumas horas da dura realidade que as circunda, “para que, fortalecidas e
renovadas, possam voltar a confrontá-la”. (CENPEC, 1999: 53). As famílias estariam se
conhecendo de maneira agradável e informal e poderiam interagir numa perspectiva de
descontração, lazer e troca, com o principal objetivo de educar os filhos. É importante
que se estude o cotidiano, o que iluminará a reflexão de problemas de conhecimento.
Conclusão:
A participação dos usuários implica necessariamente em seu envolvimento na
tomada de decisões da escola, através de um contínuo fluxo de informações que possa
reduzir possíveis incertezas. E o direito à informação é um dos direitos fundamentais do
Homem. Relações baseadas na confiança mútua, cooperação, ações afirmativas e
parceria trazem ganhos de legitimidade no próprio fórum de interlocução.
É necessário rever os conceitos, mudar a concepção nas festas e reuniões
pedagógicas, romper modelos que privilegiem apenas um modelo de arranjo familiar. A
escola pode propiciar momentos de encontros intergeracionais, trocas de experiencias
para assim se tornar um local privilegiado de convivencia e pertencimento.
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i Doutora em Educação– Programa de Pós- Graduação em Educação: Currículo – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo - PUC/SP
ii Professora e Doutoranda da Universidade Nove de Julho – Uninove- São Paulo.
iii É aqui adotado o conceito dado por J. Brougere, em sua atual pesquisa sobre a invisibilidade das
crianças estrangeiras na educação francesa. Considera-se, nessa ótica, que todas as crianças são iguais
e têm de ter a mesma educação, independentemente de seus antecedentes e culturas completamente
diferentes.
iv Como define Carvalho, 1998: “Um espaço de pertencimento é sempre um espaço de referência, de
criação de vínculos e inclusão em redes de sociabilidade que se tecem na escola e se expandem
articulando-se a outras redes relacionais no meio circundante: dão ancoragem ao processo de ser, fazer,
conviver, aprender na e para além da escola”.
v Entende-se por sujeito [coletivo] popular uma agregação humana que compartilha condições semelhantes
de vida, acredita e faz experiências dos mesmos valores a partir dos quais constrói a sua unidade e a sua
atuação na sociedade, um conjunto de pessoas que reconhece ter raízes culturais e religiosas comuns e uma
meta política e social comum a ser alcançada. O sujeito [coletivo] popular qualifica uma agregação de
pessoas e enquanto não absorvidas no anonimato da massa mas formam uma realidade social que vive uma
experiência de unidade e solidariedade, dotada de identidade própria e capaz de iniciativa no seio da
sociedade civil, no interior da qual vai elaborando as etapas sucessivas do projeto comum para uma nova
convivência social.” (Petrini 1984:90 apud Silva, 1998: 93).
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