dialogo urbano nº 00

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A revista que que vai apresentar as comunidades, as pessoas e as idéias que podem transformar o futuro da cidade.

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Page 1: Dialogo Urbano nº 00
Page 2: Dialogo Urbano nº 00

Jornalista responsável e editor

Chico Junior

Produção

Isa Regina Vieira

Daniel Reznik

Thaisa Araújo

Projeto gráfico e diagramação

Agência21

Equipe de Arte

Chris Saraiva

Diana Acselrad

Leo Calvão

Roberto Tostes

Colaboradores

Camila Elias

Flávia Domingues

Gizele Martins

Joanna Alimonda

Renata Sousa

Paulo Magalhães

Diálogo Urbano é uma produção realizada em parceria pela CJD Edições e Agência21.

Redação e endereço para correspondênciaAv. Ataulfo de Paiva 1175/603 – Leblon 22440-034 – Rio de Janeiro – RJTel: 2512-2826 | 3904-1386

E-mail: [email protected]

É conversando que a gente se entendeDiálogo todo mundo sabe o que é.

É conversa, né. E todo mundo sabe tam-

bém que quanto mais a gente conversar,

mais dialogar, mais caminhamos para a

paz, para o entendimento, para a con-

solidação da democracia. Sim, porque

a democracia tem que ser consolidada

todos os dias. E dá trabalho.

E diálogo urbano, o que vem a ser?

Bem, no nosso modo de ver – e por isso

estamos lançando esta revista – é fazer

com que as pessoas das várias “cidades”

que existem dentro da cidade conversem,

se entendam, saibam o que está aconte-

cendo de bom e de interessante, princi-

palmente nas comunidades populares do

Rio de Janeiro e Região Metropolitana.

Sim, porque o nosso foco principal

são as comunidades populares do Rio. A

nossa grande missão é mostrar e espalhar

a criatividade e a capacidade de supera-

ção das favelas e outras comunidades po-

pulares. E o nosso desejo é que as idéias

e projetos, que a partir de agora vamos

apresentar e discutir sirvam de direção

para a construção do futuro das cidades.

Arte, cultura, economia, comporta-

mento, empreendedorismo, saúde, tudo

isso e mais alguma coisa fazem parte da

nossa pauta.

Um belo exemplo de empreendedo-

rismo é a Rede Asta, que vende peças de

artesanato produzidas nas comunidades

populares, no sistema de venda direta

por catálogo. As repórteres Flávia Do-

mingues e Camila Alves mostram como

funcionam a rede, criação do Insituto Re-

alice, cujo foco é a economia solidária.

Querem outro? A grife Favela Super

Chique, do Cantagalo-Pavão-Pavãozinho,

Zona Sul do Rio. Uma idéia da ONG Rio

Arte Popular, que reuniu duas cooperati-

vas: a Fábrica do Rabisco, que cria os mo-

delos, e a Corte e Arte, que faz as roupas. A

repórter Gizele Martins, moradora do Com-

plexo da Maré, foi até o Cantagalo para ver

de perto como funciona o negócio.

Rio Cultura de Paz é o nome do projeto

que envolve três ações do Pronasci (Progra-

ma Nacional de Segurança Pública com Ci-

dadania) no Rio de Janeiro. Nesta edição a

repórter Renata Souza, que também mora

na Maré, mostra como atuam as Mulheres

da Paz, um dos braços do projeto. No Rio,

o Pronasci é executado pelo Governo do

Estado, por intermédio da Secretaria de As-

sistência Social e Direitos Humanos.

E mostramos também com funciona o

Trabalho Social do PAC, ação desenvolvi-

da em três comunidades – Complexo do

Alemão, Manguinhos e Rocinha – para

que o Programa de Aceleração do Cresci-

mento possa acontecer, com informações

e desenvolvimento socioeconômico.

Arte e cultura estão presentes nos

complexos do Alemão e da Penha. No

Morro do Alemão, o Raízes em Movi-

mento procura mostrar, dentre outras

coisas, que o grafite pode embelezar a

comunidade, ser manifestação artísti-

ca e até gerar renda. No Complexo da

Penha Otávio Jr. criou o projeto Leia

Favela – Ler é Dez, que estimula em

crianças, jovens e adultos o gosto pela

leitura. O projeto já chegou também no

Complexo do Alemão, mas Otávio quer

mais: “quero levar a leitura para todas

as favelas do Rio de Janeiro”. Até agora,

já atendeu a mais de cinco mil pessoas.

Conte com a gente.

Chico Junior

EDITORIAL

sumário

EXPEDIENTE

Page 3: Dialogo Urbano nº 00

AconteceCurso na Maré, teatro na Rocinha,

percussão no Vidigal

Mulheres da Paz

São da paz, mas guerreiras

em suas comunidades

Raízes em Movimento

Grafite pode ser gerador de renda

no Alemão

Ler é 10 – Leia Favela

Projeto leva o gosto pela leitura

ao Alemão e Penha

Trabalho Social do PAC

Intervenção urbana com

transformação social

Favela ChiqueGrife lança moda no

Cantagalo-Pavão-Pavãozinho

Foto FavelaEm imagens, o cotidiano

de favelas cariocas

Rede AstaLucro e renda com

consumo sustentável

Ponto Final A favela pode, e deve,

ser um ator da economia

Quadrinhos

sumário04 061012162022242728

Page 4: Dialogo Urbano nº 00

Inaugurado há um ano, o projeto Academia do Concurso Público, situado no Centro de Estu-dos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm), Comple-xo da Maré, já permitiu a entrada de pelo menos cinco pessoas nos seus desejados empregos públi-cos. O objetivo do projeto é o de integrar moradores que sempre sonharam em fazer concursos, mas que nunca tiveram condi-ções financeiras para pagar um curso que os preparassem para as provas.

O idealizador, e hoje coorde-nador do curso, Fábio Ramos, 27 anos, pensou em realizar o pro-jeto quando começou a estudar para as provas. “Na época, senti dificuldades de achar um curso barato e de qualidade, então pensei em fazer es-sas turmas. As aulas são ao vivo, via satélite. As dúvidas são tiradas por e-mail, e minutos depois o professor responde”.

Para Jéferson Almeida, 28 anos, morador da Vila do João, monitor e estudante do curso, este é um projeto revolucionário, inovador, e que tem a

finalidade de incluir e estabelecer a igualdade e condições aos mo-radores da comunidade a terem acesso aos cargos públicos.

De acordo com Elton John, 32 anos, morador do Morro do Tim-bau, e participante do projeto há poucos meses, as aulas e as apos-tilas já lhe ajudaram a passar nos dois concursos que prestou. “Fui aprovado nos concursos para bombeiro e para a Guarda Munici-pal. No momento estou prestando concurso para o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais”. Elton ex-plica ainda a importância que tem

o curso. “Essa é uma oportunidade única. As aulas são ótimas. Já aprendi bastante. E tudo isso vai aju-dar a me estabilizar financeiramente”, completa.

Mais informações: 2561-4604

Duas meninas que engravidam duran-te o período da adolescência. Elas perten-cem a “mundos diferentes”, no que diz res-peito às condições sociais e econômicas. Como uma família do “asfalto” e outra da favela lidam com a gravidez precoce.

Esta é situação que se desenrola du-rante as cenas de Troquei a Barbie pela Paternidade. A peça, de Genivaldo Gomes e Anderson Gomes, que acontece no Can-teiro Social do PAC, na Rocinha, leva ao público as consequências que uma gravi-dez precoce e não planejada traz para a vida de adolescentes e de suas famílias.

Ator há mais de dez anos, Genivaldo tinha o sonho de, por meio do teatro, po-

Valéria, Maria Marlene, Nálya, Julia, Daniel, Genivaldo, Anderson, Cosme e Zé Luiz no elenco de Troquei a Barbie pela Paternidade.

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Por Gizele Martins

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Cerca de 40 meninas se distribuem entre sur-dos de marcação e virado, repeniques, caixas, tim-baus, agogôs e chocalhos. Mas não apenas para tocar. Elas cantam, dançam, interpretam e exibem charme e beleza durante suas apresentações. As-sim é o grupo de percussão feminina As Meninas do Nós, que, sob o comando dos mestres de per-cussão Wellington Soares e Paulo Negueba, traz musicalidade para o Vidigal e por onde passa.

O grupo, formado com alunas do grupo de tea-tro Nós do Morro, seduz pela mistura de som forte à musicalidade do Rio e da Bahia, com elementos do samba-reggae, samba de roda, coco, jongo e dança afro. Com pouco mais de quatro meses de existência, além de apresentações na comunida-de, As Meninas do Nós já abriram alguns shows, como o da Ana Carolina e da banda Eletrosamba, participam da nova campanha publicitária da Aza-leia e comandam a bateria do bloco de carnaval Segue Nós e Vem, do Nós do Morro.

E não para por aí: “Mais do que proporcionar um diferencial às atrizes, que não só atuam mas dançam e tocam, eu quero é que o Vidigal se transforme num cenário musical”, diz Wellington, que já tocou com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elba Ramalho e as bandas Timbalada e O Rappa.

“As Meninas do Nós, as-sim como eu, podem ser uma vitrine. Elas fazem mú-sica e o incomum. Além de mulheres e bonitas, elas to-cam, cantam, giram, abai-xam, levantam. Em breve, vão tocar, ainda, sax e gui-tarras. Vamos tomar o Vi-digal”, completa Negueba, que aprendeu percussão aos 12 anos no AfroReg-gae, em Vigário Geral, foi mestre de quase todos os músicos atuais do grupo, e integrou O Rappa.

der conscientizar sua comunidade sobre proble-mas sociais. No Dia das Mulheres, em 2008, veio a inspiração que ele precisava: “Li uma matéria sobre gravidez na adolescência e, ao sair de casa, vi cerca de quinze grávidas, com idades entre 12 e 19 anos. Nesse momento, tive a certeza de que esse era o tema que eu deveria encenar e comecei a correr atrás da realização, mesmo sem nenhum patrocínio”, conta.

Em agosto, Troquei a Barbie pela Paternidade estreou com plateia lotada, na Associação de Mo-radores (Amab). Após um mês de temporada, o espetáculo ganhou as ruas da Rocinha e, em no-vembro, passou a contar com um espaço no Can-teiro Social do PAC para que o público continue

tendo acesso a estas informações de um modo cênico:

“O teatro é uma boa maneira de conscientizar os jovens. Muitas senho-ras vêm assistir e depois trazem os fi-lhos porque não têm coragem de fa-lar sobre sexo e gravidez com eles. E muitos adolescentes, ao ganhar cami-sinha dos pais, pensam que estão sen-do incentivados a ter relações sexuais. Aqui não. Distribuímos preservativos no final da peça, graças ao apoio da Prosex, mas antes os conscientizamos. Com certeza, eles saem daqui com ou-tro pensamento”, diz Genivaldo.

As Meninas do Nós à frente da bateria do bloco Segue Nós e Vem, no Vidigal.

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mulheres guerreiras

Por renata souza

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ANA DO PEIXE acorda todos os dias às seis horas da manhã para descer o Morro do Timbau, no Complexo da Maré, e levar a neta de cinco anos para a escola. Ao retornar para casa, por volta das 6h30, monta sua bar-raca de peixes e lá trabalha até às 14h30. Às 15h vai até a Ceasa para comprar mais peixes e garantir o “ganha pão” do dia seguinte. Essa rotina só se altera quando Ana encontra um jovem em vulnerabilidade social e o chama para um “papo reto”. Ana é uma das 2.500 guerreiras do Mulheres da Paz, um dos projetos do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), do governo federal.

O Mulheres da Paz, implementado no Rio de Janeiro pela Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos em 19 territórios, está inserido no projeto Rio Cultura de Paz e trabalha com mulheres que são reconhecidas pelas comunidades onde vivem como lideranças. “Esse trabalho permite a emancipação da mulher. Não apenas em termo de gênero, mas em termos de conquista de uma autonomia necessária para que possam agir de acor-do com as demandas da comunidade”, diz a secretária Benedita da Silva.

Cerca de 100 e 150 mulheres trabalham em cada território. Esse número foi definido de acordo com o número de habitantes do local. “As Mulheres da Paz já estão fazendo diferença em seus territórios, encaminhando jovens para cursos profissionalizantes e ampliando o leque de oportunidades para que eles cresçam inseridos na sociedade, como cidadãos produtivos e pro-pagadores da cultura de paz”, prossegue Benedita.

De acordo com a coordenadora geral do projeto no estado, Idália Miranda, a iniciativa busca o empoderamento das mulheres a partir do conhecimento. Para isso foram qualificadas em 140 horas em cursos de capacitação. As mulheres receberam aulas de cidadania e noções sobre gênero, direitos humanos e juventude. Ana Lúcia de Jesus, 45 anos, ates-ta a capacitação. “Agora já consigo encaminhar as pessoas para os lu-gares corretos porque li a Lei Maria da Penha e o Estatuto da Criança e do Adolescente. O curso me deu muita base, porque já é de mim ajudar os outros. Quero ser uma assistente social e vou estudar para isso”, diz Ana do Peixe. “O empoderamento dessas mulheres foi tão grande que há mais de um caso de mulheres que enquadraram seus maridos na Lei Maria da Penha. Já nas aulas sobre a lei houve um frisson geral porque a maioria não sabia que existe uma lei que protege as mulheres da violên-cia doméstica”, constata Idália.

guerreira protetoraNa primeira fase do programa foram as Mulheres da Paz

que identificaram os cerca de 2.700 jovens que fariam parte do projeto Protejo, que oferece cursos profissionalizantes do Senac. São habilitações nas áreas de administração, beleza, cultura/lazer, gastronomia, hotelaria e turismo. Além disso, recebem uma bolsa auxílio de R$100. “O trato com os me-ninos se dá muito naturalmente. Eles me respeitam de-mais. E baixam a cabeça quando dou conselhos. Agora uma coisa que não abro mão de fazer é conversar com os pais, porque se esses meninos não têm uma base familiar o trabalho é em vão”, afirma Ana.

Ana do Peixe com jovens do Protejo no Morro do Timbau

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Idália Miranda

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Foto: Thaisa Araújo

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Segundo Maurícia Aguiar Ciscato, coorde-nadora do Protejo, “o trabalho das Mulheres da Paz foi fundamental e estratégico para o projeto porque foi possível identificar os jo-vens que seriam beneficiados, sem discriminar e estigmatizar ninguém. Isso ocorreu porque as mulheres têm uma relação muito próxima aos jovens indicados. Elas se organizam em equipes para acompanhar a frequência dos jovens e são vistas como uma referência e como uma amiga para sempre. Porque, mes-mo terminando o projeto, elas vão continuar em seus territórios e continuarão sendo refe-rência para esses jovens.”

Na área da Maré, um dos territórios atendi-dos pelo Pronasci, os alunos do Protejo escolhe-ram os cursos de administração e turismo. “Eu ainda não decidi qual dos cursos que vou fazer, mas estou gostando muito das aulas que tive até agora. Já sei como me comportar em uma entrevista de emprego porque foi um dos temas apresentados nas aulas”, diz Amanda Queiroz, de 15 anos. As expectativas geradas pelo pro-grama são muitas e a preocupação com o fu-turo desses meninos é algo marcante para as Mulheres da Paz. “O que mais me deixa chate-ada é a possibilidade do programa acabar e os jovens ficarem a ver navios. Eu quero que haja continuidade do trabalho porque não adianta tanto investimento se não houver resultados”, constata Ana.

Na segunda fase da qualificação as Mu-lheres da Paz receberão um aprofundamento das matérias discutidas na primeira fase e tra-

balharão temas demandados por sua prática. “Uma exemplo é que agora elas querem estudar sobre drogas ilícitas. Vamos dar um recorte psicológico nessa segunda fase”, diz Idália. As mulheres recebem uma bolsa mensal de R$150 para continua-rem desempenhando o que já realizavam como referência em seus locais. “Tudo bem que a ajuda de custo é importante e faz diferença, mas não estou no projeto por causa do dinheiro. Sempre me incomodou ver os meninos que vi crescer entrar na vida errada. Tem muita gente que ignora, mas eu não consigo tirar eles da minha cabeça. Eu quero poder dar uma chance de um futuro melhor, com uma vida digna”, diz Ana.

Casa da CidadaniaPara atender melhor os

projetos do Pronasci foram inaugurados locais denomi-nados “Casa da Cidadania”. São casas alugadas nos ter-ritório onde há um suporte técnico básico para atender as demandas dos projetos Mulheres da Paz, Espaços Ur-banos Seguros e o Protejo. Já há esse espaço em Mangui-nhos, Rocinha, Complexo do Alemão, Macaé, São Gonçalo e Nilópolis. Na Maré, segun-do o superintende do territó-rio, Lourenço Cezar da Silva, o projeto encontra uma estru-tura diferente dos outros locais porque ali existe o Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm) que fornece uma estrutura propícia par realização de cursos. “Como o Rio de Ja-

neiro está servindo como um projeto piloto para o Pronasci, a dificuldade que encontramos se re-

fere à estrutura do próprio curso porque nada havia sido testado antes.

Isso significa que temos que criar no cotidiano do curso uma metodo-logia de acompanha-mento do trabalho. Isso também significa que estaremos mais expe-rimentados na segun-da etapa, que começa em julho”.

TERRITÓRIO Nº DE

MULHERES

Itaguaí 100Vila Kennedy 100Nilópolis 100Belford Roxo 140Mesquita 140Complexo do Alemão 200Providência 100Preventório 100São Gonçalo 175Itaboraí 100Macaé 140Queimados 135Rocinha 200Complexo da Maré 100Manguinhos 200Nova Iguaçu 140Duque de Caxias 140São João do Meriti 140Total 2450

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de transformar a realidade de onde vivem levou um grupo de moradores do Com-plexo do Alemão a se organizar e a pensar em possi-bilidades que pudessem promover o desenvolvimento humano, social e cultural nas comunidades locais. Des-sa vontade, veio o pontapé inicial para que surgisse o Grupo Sócio Cultural Raízes em Movimento, que hoje, com oito anos de atividades, é referência na arte do grafite e traz novas opções de vida aos jovens.

Para que alguma transformação acontecesse, Alan Brum, Sadraque Santos e David Amén passaram a se reunir regularmente com outros moradores para uma espécie de laboratório de ideias, onde cada um suge-ria o que poderia ser realizado em benefício da comu-nidade. A primeira ação foi a criação de um banco de preservativos. Logo, o Raízes em Movimento come-

çou a ganhar forma e a trabalhar as potencialidades que já existiam no Complexo do Alemão.

Nessa época o grafite estava em alta na Zona Nor-te e começaram a surgir alguns grafiteiros na comu-nidade, como Mário Bands, que já grafitava e pôde assumir a primeira oficina. Além disso, foram ofere-cidas aulas de desenho, informática, pré-vestibular e oficina da palavra, para incentivar a expressão e a interpretação.

Cores, formas, arte, expressão, opçãoHoje, quem passa pela Avenida Central, no Mor-

ro do Alemão, percebe a variedade de cores, formas e expressões que tomam conta, do início ao fim, da principal via de acesso. As obras, estampadas nos

Arte na Galeria a Céu Aberto, no Morro do Alemão

Grafite também é geração de renda

Por Camila Elias

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Música, arte, hip hop, edu-cação, cultura. Tudo ao mes-mo tempo. Essa é a proposta do Circulando. Um evento que, em parceria com o Observatório de Favelas, recebe, no Complexo do Alemão, pessoas de fora da comu-nidade para mostrar suas criações e participar de oficinas e manifes-tações artísticas como exposições, mutirão de grafite e música.

“O Circulando é uma ferramenta de diálogo da comunidade com o exte-rior. Recebemos pessoas de diversos lugares, da Zona Oeste a Zona Sul, que expõem seus trabalhos aqui e conferem os dos outros. Quando realizamos esse encontro, além da troca e da interatividade, derruba-mos o preconceito”, avalia David Amén, coordenador de Comunica-ção do Raízes em Movimento.

Foto: Sadraque Santos

muros das casas, constituem a Ga-leria a Céu Aberto, um espaço de criação e exposição dos trabalhos dos jovens grafiteiros que trazem um colorido especial ao lugar.

“O grafite trouxe uma transfor-mação visual e muitas cores para a nossa comunidade. Ao invés de mu-ros sem cor e com marcas de tiros, temos arte. Nós pintamos a alegria”, conta Tiago Tosh, grafiteiro e moni-tor do Raízes em Movimento.

“No começo, nem todos enten-diam o que era e nem pareciam simpáticos ao que fazíamos. Mas depois os moradores passaram a se interessar, por ser uma arte livre, de comunicação e de grande influ-ência. Quando a obra inicia, não se vê nada e quando termina é uma magia, todo mundo gosta e pede para pintarmos a fachada de suas casas”, completa Tiago.

Atividade pode ser rentávelSe antes o grafite era uma cria-

ção que se materializava essencial-mente nos muros das ruas, hoje ele passou a compor ambientes fecha-dos, seja em exposições de arte ou em decoração de interiores.

Além de modificar o visual da comunidade e de possibilitar o desenvolvimento artístico, a práti-ca do grafite também é geradora de renda.

Para Mário Bands, coordenador ar-tístico do Raízes em Movimento, essa transformação reflete os novos cami-nhos que o grafite vem percorrendo: “O grafite começa a ser reconhecido como arte e ganha novas alternativas de produção. A partir de uma mani-festação na rua ou numa exposição, surgem encomendas para decorar ca-sas, por exemplo. A partir do retorno financeiro destes trabalhos, podemos comprar material para fazer nossa arte nas ruas”.

Já no final da primeira oficina, a geração de renda foi uma das preo-cupações de Mário: “Sempre pensei na possibilidade de usarmos o grafi-te como atividade rentável. Além de formarmos monitores, criamos um ateliê de produção coletiva para pe-garmos encomendas de telas, faixas, camisas, histórias em quadrinhos, ca-ricaturas e ilustrações. Desta forma, o grafite se tornou uma ferramenta ar-tística e de geração de renda”, disse.

MemóriaAtualmente, outra atuação do

Raízes em Movimento é a capacita-ção em fotografia, com 20 jovens, dos quais 12 serão escolhidos para dar continuidade à profissionaliza-ção e à formação de memória da comunidade.

“Por conta da intervenção urba-nística que o PAC está promoven-

do, surgiu a ideia de documentar-mos o Complexo do Alemão antes, durante e após as obras. Com o apoio da Secretaria de Cultura e do Pronasci (Programa Nacional de Segurança com Cidadania), os alunos participam de aulas de fo-tografia e informática, com os pro-fessores Sadraque Santos, Maycom Brum e Dhani Borges. Ao final do curso, eles terão ajudado a cons-truir a memória da comunidade e serão formados fotógrafos”, conta Ricardo Lessa, coordenador geral do Raízes em Movimento.

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Coordenação do Raízes: Mario Bands, David Amén e Ricardo Lessa.

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Tiago Tosh (sem camisa) e alunos na oficina de grafite.

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Entre uma partida e outra de futebol, Otávio Jr., morador da comunidade do Caracol, no Complexo da Penha, encontrou um livro em uma cai-xa cheia de brinquedos, no lixão ao lado do campi-nho onde jogava. Foi assim, aos 8 anos, que teve seu “primeiro contato” com a literatura. Fascinado pela descoberta, começou a criar formas de incentivar a leitura a outras crianças. Mais tarde, suas ideias se estruturaram no projeto Ler é Dez – Leia favela, que hoje atende as comunidades dos complexos da Pe-nha e do Alemão.

Para o menino, filho de pai pedreiro e mãe dona de casa, cada página significou a descoberta de um novo universo e despertou o desejo de que todos, assim como ele, pudessem desfrutar do que o livro tem a oferecer: “Quando comecei a ler, logo pensei que todos deveriam ter acesso ao livro. Ele é a porta para o conhecimento. Ele nos aguça outras questões sobre o mundo em que vi-vemos e nos faz enxergá-lo de um outro modo, além de nos proporcionar diversão e entreteni-mento”, diz.

Projeto de leitura é sucesso no Alemão e na Penha

Por Camila Elias

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E tem maisNeste primeiro trimestre de 2009, come-çam mais três atividades: “Com a Barra-coteca, o morador poderá solicitar o em-préstimo de livros na casa de um morador. Vou deixar uma estante com cerca de 30 a 40 livros em dez casas, em diferentes lo-cais, e uma criança será a responsável pela administração do acervo. Além disso, vou fazer um ‘talk show’ e dar palestras nas es-colas da comunidade, e a Brinquedoteca, na Grota, vai estimular a leitura através de brinquedos pedagógicos”.

Aos 25 anos, Otávio é só felicidade ao pen-sar em tudo o que o mundo das letras já lhe deu: “Não tem preço ver nos olhos das crianças a alegria que a literatura proporcio-na a elas. E se antes, os livros me transporta-vam para uma viagem imaginária, hoje eles também me levam a viagens reais quando sou convidado a dar palestras em lugares como Cuba, Argentina e Uruguai”.

Quem quiser mais informações ou colabo-rar com o projeto pode procurá-lo no es-paço do Projeto Pátio, na Rua Joaquim de Queiróz, na Grota, terça e quinta, às 15h, ou no Espaço de Leitura Ler é Dez, na rua F, no Parque Proletário, diariamente, das 13h às 18h.

Brinkadileryimaginar/também-brinkadiescrever / comulivropodi

tudio / atébrinkadimisturar(Otávio Jr.)

Já adolescente, começou a estudar teatro e a escrever peças que incentivassem a leitura. Montou um projeto pedagógico e percorreu as escolas da região propondo a encenação de seus textos para os alunos. Sua iniciati-va foi tão bem sucedida que quase todos os diretores o apoiaram e ele pôde interpre-tar seus textos e produzir ce-nários com material reciclável nas escolas.

Enquanto isso, ele não abriu mão de estudar o que lhe interessava. Sem dinheiro para pagar os cursos, escre-veu cartas para diversas ins-tituições, que tinham aulas de teatro, filosofia, informáti-ca, línguas, e ganhou bolsas de estudo que o auxiliaram em sua formação. Em 2003, aos 18 anos, publicou o seu primeiro livro infanto-juvenil, “As Aventuras do Pássaro Mágico e Outras Histórias”, graças a uma gráfica que imprimiu gratuitamente 200 exemplares. Com os livros, voltou às escolas para dar palestras, que foram batiza-das de “Ler é Dez”, e vender sua publicação.

Diante do aprendizado de como falar com crianças e de um acervo que construiu com doações, ele achou que já es-tava na hora de incentivar o público infanto-juvenil da sua comunidade: “Comecei a des-pertar o interesse das crian-ças da minha rua abordando-as de um modo lúdico. Assim, as convidava para nos reu-nirmos no tapete em que eu colocava alguns livros e cada uma escolhia um para ler”.

Sai do papel e aconteceA partir das atividades

com seus vizinhos, Otávio foi convidado por associações de moradores e ONGs para mostrar o seu projeto. Mas foi em 2006, após participar do quadro Agora ou Nunca, do Caldeirão do Huck (TV Globo), que ganhou um prêmio em dinheiro e pôde se dedicar, estruturar e escrever o projeto Ler é Dez – Leia favela: “Com o dinheiro do programa, eu pude ter mais tempo para de-senvolver o projeto e concreti-zar o meu pensamento de que o Ler é Dez não podia ser um projeto de papel, tinha que acontecer”, lembra.

Hoje, o Ler é Dez – Leia favela oferece atividades como o “Cineminha Literá-rio”, as crianças assistem a filmes adaptados de livros e percebem as diferenças entre a linguagem literária e a cinematográfica; “Lan-chinho Literário”, após um ciclo de leitura, as crianças são convidadas para um lan-che; Biblioteca Ambulante; parte do acervo circula por determinados pontos e fica disponível para empréstimo; Contação de Histórias e pa-lestras.

O projeto já atendeu mais de cinco mil crianças, recebe cerca de 300 por semana, con-ta com o apoio de duas insti-tuições privadas – Afeigraf e Instituto Kinder do Brasil, mas ainda precisa de apoio para continuar crescendo. “Meu so-nho é que o projeto chegue a todas as comunidades da Pe-nha e do Alemão”.

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Por Camila Elias e Joanna Alimonda

Trabalho Social do PAC promove o diálogo nas comunidades

Implosão da antiga fábrica da Poesi, no Complexo do Alemão

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Manguinhos, Complexo do Alemão e

Rocinha são algumas das comunidades que

estão sendo beneficiadas pelo Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo

Federal e realizado em parceria com o

Governo do Estado do Rio de Janeiro. Um dos

objetivos do PAC é a integração das favelas

com a cidade, através da urbanização e do

Trabalho Social que conta com a participação

dos moradores para a construção do

desenvolvimento socioeconômico.

Além de benfeitorias em infraestrutura que vão acontecer até 2011, como a construção de novas casas, escolas, hospitais, centros de lazer e cultura, melhorias de vias de acesso, sistema de esgoto, abastecimento de água e iluminação pú-blica, o programa busca a participação de todos os cidadãos envolvi-dos para que transformações físicas e sociais aconteçam de acordo com as necessidades e as potencialidades identificadas em cada um desses locais.

Diálogo e participação“Um dos diferenciais deste programa, em

relação aos outros já aplicados em comuni-dades populares, é o Trabalho Social. Só com diálogo e participação dos moradores nas discussões, podemos saber o que a comuni-dade realmente precisa, quais as demandas e oportunidades presentes em seu território. Ao invés de ser implantado um plano de desen-volvimento elaborado por pessoas de fora, é a própria comunidade que deve ajudar a construí-lo”, explica Patrícia Daros, gerente geral do Trabalho Social do PAC, no Rio.

O Trabalho Social em açãoO Trabalho Social funciona a partir de duas

frentes de atuação. Uma é conhecida como Gestão de Impacto das Obras (GI). Em reu-

nião, os Comitês Locais, formados por líderes comunitários, expõem que impactos os mora-dores estão sofrendo com as obras, desde ba-rulho, interrupções de ruas e serviços a rema-nejamentos de moradias. Os Comitês Locais discutem formas de reduzir esses transtornos causados pela obra e de aproveitar as opor-tunidades provocadas por ela, como geração de empregos nos consórcios, que reúnem as empresas de construção civil.

A outra frente recebe o nome de De-senvolvimento Sustentável (DS), que busca um maior conhecimento e entendimento

de Manguinhos, Rocinha e Complexo do Alemão. Para isso, além de reu-niões periódicas com os moradores e entidades sociais, foi feito um censo domiciliar e empresarial e foram capacitados jovens pesquisadores para busca-

rem informações mais detalhadas com as organizações locais.

O levantamento destes dados vai mapear o perfil socioeconômico e identificar os pro-jetos sociais, governamentais ou não, destes locais. Este reconhecimento vai subsidiar os próximos encontros com os moradores e en-tidades locais que vão discutir que projetos devem ser priorizados e vão construir o Pla-no de Desenvolvimento Sustentável, voltado para o crescimento socioeconômico e a pre-servação ambiental e cultural.

“Através do Trabalho Social, queremos mos-trar para a comunidade que é possível se orga-nizar, para que ela mesma seja capaz de criar um crescimento sustentável e executar projetos a curto, médio e longos prazos, estabelecendo uma diretriz que pode servir também para as próximas políticas públicas”, diz Patrícia.

Vale lembrar que cada comunidade conta com uma equipe, no Canteiro Social, para trabalhar os transtornos provocados pelas obras, orientar o processo de remanejamento de casas e estabe-lecer um permanente diálogo com os moradores para que eles estejam sempre informados sobre o que está acontecendo e contribuam com suges-tões para o bem-estar de onde moram.

Através do Trabalho Social, o PAC quer

mostrar para a comunidade que

é possível se organizar...

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Entre toques de telefone, rádios e atendimentos ao pessoal da comuni-dade, o sociólogo Alan Brum, de 39 anos, gerencia atividades, informa a população e administra os possíveis conflitos que surgem. Assim traba-lha o gerente técnico do Trabalho Social do PAC no Complexo do Ale-mão, que não deixa a peteca cair em nenhum momento.

Sua dedicação à causa social do Com-plexo do Alemão é compartilhada com o gerente institucional do PAC no Ale-mão, Eduardo Cardoso, de 33 anos.

Juntos, Alan e Eduardo estão estrutu-rando a nova ação do Trabalho Social do PAC na comunidade, o Canteiro So-cial Itinerante. Com este projeto, que deve acontecer durante os próximos

Complexo do Alemão | Rua Paranhos 127 Manguinhos | Rua Leopoldo Bulhões, 952 Rocinha | Estrada da Gávea, 486

O Colégio Estadual Luiz Carlos da Vila foi inaugurado, em feverei-ro, com a presença do Presiden-te Lula. A escola tem capacidade para 2.500 alunos dos ensinos médio e profissionalizante.

Entre as obras, ainda estão pre-vistas a elevação da Via Férrea, com a construção de um parque no lugar da atual linha de trem que divide a comunidade; novas moradias; melhorias no sistema de coleta de esgoto, drenagem, abastecimento de água e ilumi-nação pública e alargamento das ruas.

O que está sendo feito e o que vem por aíAs obras.

Complexo do Alemão Manguinhos Rocinha

A antiga fábrica de lingerie, Poesi, foi implodida, em dezembro de 2008, para dar lugar a novas construções, como casas e hospital.

O Complexo do Alemão vai contar também com um teleférico que ligará a estação ferroviária de Bonsucesso ao Morro do Adeus, Morro da Baiana, Morro do Alemão, Itararé/Alvorada e Fazendinha; área esportiva e adminis-tração no Parque da Serra da Miseri-córdia; novas unidades habitacionais; escola de ensino médio de referência; centro de saúde; melhorias nas redes de água e esgoto e sistema de ilumina-ção; abertura e alargamento de ruas.

Está em construção a nova passarela, a única assinada por Oscar Niemeyer, que vai ligar a Via Ápia à Auto-Estrada Lagoa-Barra e trará mais segurança que a anterior. Também o complexo esportivo está em construção.

Além da nova passarela, a Rocinha vai receber novas unidades habitacio-nais; creche-modelo; centro de convi-vência, comunicação e cultura; alar-gamento e pavimentação das ruas; centro de saúde; transporte em plano inclinado; sistemas de abastecimento de água, esgotamento sanitário, dre-nagem de águas pluviais, iluminação pública, lazer e paisagismo.

Construindo o

Canteiros Sociais do PAC

canteiro itinerante

Colégio Estadual Luiz Carlos da Vila, em Manguinhos

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Aos 31 anos, Marat Troina vive a experiência de ser o gerente técnico do Trabalho Social na Rocinha. A sua história com a comunidade vem sendo es-crita antes do início do PAC, já que participou da construção do Plano Diretor da Rocinha e do pla-nejamento do PAC na comunidade.

Arquiteto e urbanista, Marat está de olho tanto na parte social, quanto nas obras. “Estou muito espe-rançoso no Trabalho Social na Rocinha por-que acredito que o bairro pode ser recons-truído e ficar mais forte através da união dos moradores e de suas próprias trans-formações”, diz.

Animado com a união inédita dos líde-res comunitários e dos moradores em prol do bom andamento das ações do

PAC, Marat informa que já foram realizadas 35 reuni-ões com a comunidade, desde julho do ano passado. As

reuniões servem para a coleta de informações sobre as necessidades locais e dar voz aos moradores. “Estamos num momento bem interessante do PAC na Rocinha. Vamos ini-ciar um trabalho forte de mobilização, para convidar mais pessoas a participar deste

planejamento de reconstrução e trans-formação. Tenho esperança de jun-

tar a maior quantidade possível de pessoas, porque acho que quanto mais pessoas unidas e dialogan-do, maior vai ser a informação so-

bre tudo o que está acontecendo e vai acontecer por aqui, e maior será

o avanço da transformação local.”

meses, pretende-se aumentar a par-ticipação da comunidade, que já está sendo satisfatória, disponibilizar mais informações qualificadas sobre o PAC no Alemão, além de incentivar a par-ticipação da população local nas ativi-dades do Programa. “Este trabalho vai trazer mais conhecimento das necessi-dades locais para solucionar as suas di-ficuldades e trazer esclarecimentos às pessoas”, disse Eduardo.

Além do planejamento dos Canteiros Iti-nerantes, Alan e Eduardo estão à frente dos remanejamentos de casas realizados na comunidade. “Logo, vai haver muito trabalho de remanejamento e obras. O trabalho social que estamos realizando vai trazer mais comunicação e informa-ção para a população da comunidade. A ideia é tirar as pessoas de casa e tra-zer para a participação e convivência no canteiro social”, conta Alan.

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Representar a comunidade e mediar problemas inerentes a ela é o que faz atualmente o bem humorado Fabrício Oliveira, 26 anos, nascido e criado em Manguinhos. Cheio de disposição, deixou de lado a profissão de técnico de

informática, para assumir a ge-rência institucional do Trabalho Social no seu bairro.

“Eu levo a maior fé no Trabalho So-cial do PAC”, diz Fabrício. “Estamos traba-

lhando há quase um ano e muita coisa já foi fei-ta, muitas transformações”. Uma das tarefas do jovem gerente é mostrar à população o que está sendo realizado pelo PAC, disseminar as informa-ções e segurar as ansiedades. “Eles querem ver na prática as coisas prometidas”.

Para conter a ansiedade dos moradores, ele faz jus à sua posição de mediador e responde aos questionamentos, medos e inseguranças da co-munidade com muita competência.

Eduardo Cardoso

Marat Troina

Fabrício Oliveira

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Cantagalo e Pavão-Pavãozinho formam novos pólos de moda no Rio de Janeiro. As cooperativas Corte e Arte e Fábrica do Rabisco dão a métrica de como se produz estilo na favela. E com a marca Favela Super Chique, criada em 2006 pela Corte e Arte, essa moda ganhou novos rumos. AfroReggae, Viva Rio e diversas escolas de samba do Rio de Janeiro já experimentaram a nova grife em suas roupas.

Segundo a coordenadora do projeto, Silvia Perro-ne, de 44 anos, a marca Favela Super Chique passou a existir depois que a cooperativa Corte e Arte ofereceu um curso para as mulheres da comunidade. Um novo curso de costura está programado para moradoras das duas comunidades ainda este ano.

Corte e RabiscoA Corte e Arte é uma associa-

ção de costureiras do Cantagalo que produz biquinis, vestidos, uni-formes, camisas, camisetas e vá-rios tipos de adereços.

A Fábrica do Rabisco, criada por jovens que trabalham com a arte naif em cami-setas, uniformes e outras peças, é uma associação de artistas plásticos do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho.

Para Silvia, o objetivo de toda a produção dessas peças é a de divulgar, valorizar e fazer com que to-dos reflitam sobre a realidade dos moradores de fa-vela. De acordo com ela, este é um projeto de médio a longo prazo, e que precisa de um tempo para se es-truturar. “O nosso trabalho ainda é informal. Levará um tempo para nos organizarmos melhor”, diz. Silvia fala ainda dos sonhos do grupo: “O nosso sonho é o

de aumentar a produção e o estoque. Futuramente queremos formalizar parcerias com lojas do Rio e fa-zer com que a nossa confecção vire moda não só nas favelas, mas em várias cidades do país. Além disso, queremos que os turistas venham comprar nossas roupas, mas não porque vão sentir pena das costu-reiras e dos artistas, mas sim porque o nosso produ-to é bonito e bem feito”, diz.

Orgulho e rendaPara a costureira Maria Lúcia, de 54 anos, que par-

ticipa da Corte e Arte desde o início, é um orgulho tra-balhar na produção das peças. Ela lembra o quanto o projeto a ajudou no sustento dos filhos: “Gosto muito de estar aqui. É muito bom aprender e ensinar. Tenho

certeza de que vai dar tudo cer-to na construção desse projeto. Ele me ajudou quando mais pre-cisei. Meus filhos eram muito pequenos quando entrei aqui. Lembro que na época eu não tinha como trabalhar fora de

casa. Criei meus filhos com esse trabalho. E, hoje, eles fazem os desenhos das camisas que vendemos”, conta.

Além das cooperativas, duas instituições fazem parte do projeto. Uma delas é a Asplande, criada em 2002, para assessorar e planejar projetos ligados à questão da mulher das periferias. A outra é a Rio Arte Popular, responsável por produzir e divulgar grupos das comunidades ligados à cultura local.

De acordo com Silvia, atualmente as cooperativas estão estocando camisetas para empresas que gos-taram do trabalho.

O nosso trabalho ainda é

informal. Levará um tempo para

nos organizarmos melhor

Por Gizele Martins

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Silvia (segunda a p

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com costureiras da Favela Super Chique

Mais informaçõesSilvia Perrone: (21) 8859-3204 e 3813-3033

[email protected]

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O sonho de ser modelo virou realidade para Thais, moradora da Rocinha. Hoje ela faz parte do cast da Dream Models.

Foto: Thaisa Araújo

Foto: Thaisa Araújo

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Foto: Sadraque Santos

Foto: Sadraque Santos

Com apenas 7 anos, Kalleb co-meçou a dar os primeiros sopros na vida. Mas foi na escola de mú-sica da Rocinha que encontrou a oportunidade para entrar no mundo musical. Sax é o seu ins-trumento principal, mas também toca bateria, guitarra e flauta.

ParticipeMande sua foto para [email protected] Resolução: 300 DPI

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Com ganho de 22% para as revendedoras, rede carioca aquece de ven-das diretas por catálogo de peças de artesanato, moda e decoração.

O sistema funciona num esquema bem parecido ao tra-dicional mercado de vendas porta a porta de cosméticos e produtos de limpeza no Brasil. Só que os produtos são peças de artesanato, moda e decora-ção criados em comunidades populares do Rio de Janeiro e vendidos, principalmente, ao público das classes A e B.

É assim que trabalha a Rede Asta, a primeira rede brasileira de venda direta desses produ-tos, que desde 2007 está unin-do revendedores autônomos a pequenos grupos de produ-tores de artesanato, moda e decoração de comunidades populares do Rio na comercia-lização de produtos sustentá-veis. A iniciativa de criar a rede foi do Instituto Realice, ONG carioca que atua na busca de novas formas de fomentar o empreendedorismo social e a geração de renda em comuni-dades populares, criando pon-te entre elas e o mercado.

REDE ASTA Consumo sustentável gera renda e dá lucroPor Flávia DominguesFotos: Thaisa Araújo

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Uma revendedora, que na Rede Asta é chamada de conselheira, já que são consideradas responsáveis pela promoção do consumo cons-

ciente, vai até a casa ou local de tra-balho do interessado com um catálo-

go e faz a apresentação dos produtos, orientando a compra e tirando dúvidas. O

pedido é feito à conselheira que entra em contato com a central de distribuição. Em 15

dias, o produto chega na casa do cliente.“Quem geralmente consome os produ-

tos Asta é o público das classes A e B. A nos-sa força de venda é muito grande na Zona

Sul do Rio, pelo conceito e pela história de cada peça produzida”, informa Ali-

ce Freitas, coordenadora executiva do Instituto Realice.

Drible na sazonalidade

A criação da Rede Asta vai ao encontro de um dos maiores problemas enfrentados por pequenos grupos artesãos: a sazonalidade dos pedidos. Em 2003, o Ins-tituto Realice criou o projeto Mãos Brasil apoiando a formação de dois grupos produtivos, um em Campo Grande e outro em São Gonçalo, que utilizavam ma-teriais reaproveitados para fazer suas peças, principal-mente o jornal e papelão. Além de capacitar, o projeto apoiava no escoamento da produção, o que garantia a sustentabilidade a curto prazo.

Essa experiência fez com que o Instituto Realice buscasse novas formas para que esses grupos pudes-sem ter vendas constantes e se tornassem autossus-tentáveis.

“Muitas vezes os produtos também ficavam esque-cidos em lojas de artesanatos. Percebemos que, para vender, era preciso divulgar todo o conceito que es-tava por trás das peças, contar a história e estar mais próximos do consumidor”, conta Alice Freitas.

Foi nesse momento que surgiu a ideia de criar a Rede Asta, uma rede de venda direta que unisse re-vendedores autônomos com os grupos de artesãos, criando uma força de vendas para a marca basea-da na sustentabilidade, atendimento personalizado e confiança.

A sede do Instituto Realice funciona como estoque de produtos para atender prontamente as demandas que chegam. Toda a divisão de custos é transparente. 50% é de custo do produto; 22% é a comissão da con-selheira e 28% fica para a gestão da rede.

“Nossa meta é chegar a ter 500 conselheiras até 2011. É um grande desafio, mas não impossível. Hoje a atividade da rede gira em torno de 40% e gera ren-da de algo em torno de R$ 300,00 por mês. Quando atingirmos a marca de 500 conselheiras, esta receita subirá para R$ 2 mil por mês para cada grupo”, infor-ma Alice.

Hoje 28 grupos produtivos fazem parte da rede, 250 artesãos trabalham diariamente e existe um ca-dastro de profissionais reservas, de 270 pessoas, para grandes demandas. O número de conselheiras é de 101, que atuam em todo o Estado do Rio.

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Maria Evangelista, Ma-ria de Fátima, Francisca e Nilde são a Cerâmica Negra, um dos grupos de artesanato que in-tegra a Rede Asta. Na Vila do João, Comple-xo da Maré, há seis anos produzem peças de decoração, acessó-rios de moda e utilitá-rios. Tudo na cor preta, obtida a partir de um peculiar processo de combustão. Além do prazer de fazer arte e de ter o trabalho reco-nhecido, a atividade gera renda para estas artesãs, com idades entre 33 e 57 anos.

As quatro foram alu-nas da primeira oficina de cerâmica da Ação Comunitária da Maré. Hoje, dão aulas e che-gam a produzir mais de 200 peças por mês, em série ou exclusivas.

Cada uma das artesãs desen-volveu uma criação: peças de decoração mais ousadas, vasos decorativos, estatue-tas e linha de produ-ção, cujo carro-chefe é a miniatura do Cris-to Redentor, que está no catálogo da Rede Asta. Segundo Nilde, um diferencial das obras é a coloração: “A maioria das cerâmi-cas negras que existem é pintada. As daqui não. A pigmentação se dá a partir de uma combinação de serra-gem, fogo e fumaça”.

Embora o processo de produção seja tra-balhoso e minucioso, já que são elas que tratam a argila desde o estado bruto até o produto final, ele com-

pensa: “Antes eu traba-lhava fazendo faxina em um prédio. Aqui é mais gratificante. Ao invés de uma rotina de tarefas, eu tenho a liberdade de poder criar”, conta Francisca.

Elas já expuseram o seu trabalho no Sesc Tijuca, no Copacabana Palace, na Casa Cor, no Crea e no Fashion Business. Em 2006, ganharam o prêmio Top100 de artesanato do Sebrae. Além da Rede Asta, as peças são comercializadas no Pão de Açúcar e na Vitrine Social, loja recém-inaugurada das ONGs Ação Comunitá-ria e Ressurgir, no Sho-pping da Gávea.

Seleção criteriosaA Rede Asta faz um crite-

rioso processo seletivo para escolher os grupos de arte-sãos. Para fazer parte, é pre-ciso ter pelo menos três pes-soas trabalhando, não são aceitos profissionais que tra-balham sozinhos. “Queremos que a renda gerada possa fo-mentar o comércio local nas comunidades”, afirma Alice. É necessário também que o grupo tenha a capacidade de produção de 200 peças por mês, que atue em áreas de baixo poder aquisitivo e os produtos têm que ter poten-cial de mercado. “Não capaci-tamos os grupos. Existe uma equipe técnica que avalia produto por produto que vai entrar no catálogo”, explica.

Em 2009, a pretensão é que sejam feitos quatro ca-tálogos. A partir de abril, a Rede Asta estará selecio-nando novos grupos. Os ar-tesãos interessados em par-ticipar devem enviar fotos dos produtos para o e-mail: [email protected].

A arte da cerâmica negra Mais informações:

Instituto Realicewww.realice.com.brRede Astawww.redeasta.com.brProjeto Mãos Brasilwww.maosbrasil.com

Alice Freitas

Por Camila Elias

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A favela ocupa um lugar importante na ci-dade, sob o ponto de vista político, social e cultural. A identidade cultural carioca, como

o samba, o hip hop, o funk, o futebol, são marcas identificatórias da favela associada à cidade.

Mas a favela está também articulada economica-mente à vida da cidade, através de múltiplas dinâ-micas econômicas - desde “reservatório” de mão de obra, como “cidade dormitório” da força de trabalho e mesmo como mercado consumidor.

Apesar da presença do Estado não se reduzir à ação policial repressiva, sua presença é pontual, de baixa qualidade e não massiva. Sendo assim não re-define as biografias dos seus moradores, perpetuan-do-a como local da pobreza.

Ao mesmo tempo, há dinamismo econômico. Mul-tiplicam-se atividades bastante diversificadas - desde os botequins até pequenas indústrias de “fundo de quintal”. Atualmente as lan houses proliferam nesses territórios. Em algumas favelas, como a Rocinha, está instalado comércio sofisticado e agências bancárias.

Mesmo com estas potencialidades, é necessário chamar atenção para alguns aspectos relevantes da vida econômica da favela.

Primeiro, devemos chamar a atenção para certo número de atividades econômicas “informais” domi-nadas por um conjunto restrito de pessoas morado-ras dessas localidades. As atividades de distribuição de gás de cozinha, de televisão a cabo clandestina, dos transportes de moto e em vans, entre outras, são dominadas por estes “atores”.

Assim, à pobreza e à miséria da grande maioria associa-se um grupo com enorme poder econômico e financeiro. Dessa forma, a riqueza produzida na favela não se distribui de forma equitativa, gerando uma grande “concentração de renda” e reproduzindo o padrão prevalecente na cidade.

Por outro lado, a favela é um fenômeno diversifica-do. Existem favelas, como a Rocinha, onde há uma in-tensa atividade econômica e um entorno (São Conrado) desenvolvido. Em outras favelas (Complexo do Alemão) são locais desindustrializados com um entorno pobre e com baixa atividade econômica. Na grande maioria das favelas prevalece pobreza, miséria e desesperança.

Nesse sentido a favela ainda é o local da pobreza, prevalecendo as atividades informais e, mais ainda, incluindo-se de forma subalterna na economia da ci-dade. Um conjunto de atividades econômicas promis-soras prevalecentes na favela não pode ser tomado como indicador de um futuro coletivo promissor.

Para que o futuro seja promissor é necessário um re-forço às políticas emergentes, como a proposta, ainda nos seus primeiros passos, das instituições responsáveis pela implementação do PAC Favelas na cidade – Caixa, Governo do Estado e Prefeitura. Trata-se de, alavancado pelos inves-timentos em obras de infraestrutura e urbanização, defla-grar um ciclo virtuoso de desenvolvimento sustentável.

O ponto de partida da proposta é o aumento do “Capital Social” destas comunidades. Tendo como primeiro objetivo “gerir de forma participativa os im-pactos positivos e negativos da obra”, conduzir a um processo de organização da sociedade civil local em fóruns e comitês que funcionem como instâncias de diálogo com o poder público e as empreiteiras.

Espera-se que os resultados deste primeiro ciclo de gestão compartilhada comecem a gerar empode-ramento e autonomia na busca de soluções para os problemas do território.

Em seguida a proposta estabelece como objetivo principal a construção de um Plano para o Desen-volvimento Sustentável da Comunidade, entendido como geração de riqueza e garantia de direitos e be-nefícios pata todos os cidadãos.

Paulo Magalhães SOCIÓLOGO

PontoFinal

Foto: Chico Junior

Favela da Grota, Complexo do Alemão, comércio intenso.

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