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UNIDADE E COERÊNCIA: O PROBLEMA DAS ANTINOMIAS E SUA SOLUÇÃO PELO DIÁLOGO DAS FONTES Fabio Queiroz Pereira Doutorando em Direito Civil pela UFMG Mestre em Direito Civil pela Universidade de Coimbra - Professor de Direito Civil na Faculdade de Direito Milton Campos

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UNIDADE E COERNCIA: O PROBLEMA DAS ANTINOMIAS E SUA SOLUO PELO DILOGO DAS FONTESFabio Queiroz PereiraDoutorando em Direito Civil pela UFMG Mestre em Direito Civil pela Universidade de Coimbra - Portugal Professor de Direito Civil na Faculdade de Direito Milton Campos e no IBMEC

EDITAL

5.4. Teoria Geral do Direito e da Poltica 6. Unidade e coerncia: o problema das antinomias, sua soluo pelo dilogo das fontes.

BIBLIOGRAFIA DO EDITAL

MARQUES, Cludia Lima (Org.). Dilogo das fontes: do conflito coordenao de normas do direito brasileiro. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

ORDENAMENTO JURDICO

Um ordenamento um conjunto de normas. Desse modo, o ordenamento jurdico brasileiro o conjunto de todas as suas normas.

ORDENAMENTO JURDICO E UNIDADE

S se pode falar de unidade do ordenamento jurdico se se pressupe como base do ordenamento uma norma fundamental com a qual se possam, direta ou indiretamente, relacionar todas as normas do ordenamento. O fato de essa norma no ser expressa no significa que no exista.

A norma fundamental atribui aos rgos constitucionais o poder de fixar normas vlidas, impe a todos aqueles aos quais se referem as normas constitucionais o dever de obedec-las. [...] Essa norma nica no pode ser seno aquela que impe obedecer ao poder originrio do qual deriva a Constituio, que d origem s leis ordinrias, que, por sua vez, do origem aos regulamentos, decises judicirias, etc. (BOBBIO, 1993, p. 59) A Constituio legtima legitimamente estabelecida. porque foi

ORDENAMENTO JURDICO COMO SISTEMA

Sistema: uma totalidade ordenada. Um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem. Para se falar de ordem necessrio que os entes que a constituem no estejam somente em relacionamento com o todo, mas tambm num relacionamento de coerncia entre si.

O conceito de ordenamento operacionalmente importante para a dogmtica; nele se incluem elementos normativos (as normas) que so os principais, e no normativos (definies, critrios classificatrios, prembulos, etc.); sua estrutura revela regras de vrios tipos; no direito contemporneo, a dogmtica tende a v-lo como um conjunto sistemtico: quem fala em ordenamento pensa logo em sistema. Corpus Iuris Civilis: no era concebido como sistema (compilao sem preocupao sistemtica sequer era conhecida a

SISTEMA DINMICO

A expresso sistema dinmico provm de Kelsen e, em oposio ao esttico, capta as normas dentro de um processo de contnua transformao. Normas so promulgadas, subsistem no tempo, atuam, so substitudas por outras ou perdem sua atualidade em decorrncia de alteraes nas situaes normadas. A dogmtica capta o ordenamento de forma sistemtica para atender s exigncias da decidibilidade de conflitos.

preciso dizer se estamos ou no diante de uma norma jurdica; se a prescrio vlida. Mas, para isso, preciso integr-la no conjunto. Este conjunto tem de apresentar contornos razoavelmente precisos: a ideia de sistema permite traar esses contornos, posto que sistema implica a noo de limite, esta linha diferencial abstrata que nos autoriza a identificar o que est dentro, o que entra, o que sai e o que permanece fora. (FERRAZ JNIOR, 2003, p. 178)

ORDENAMENTO SISTEMTICO

Diz-se que um ordenamento jurdico constitui um sistema porque no podem coexistir nele normas incompatveis. Aqui, sistema equivale validade do princpio que exclui a incompatibilidade das normas. Se num ordenamento vm a existir normas incompatveis, uma das duas ou ambas devem ser eliminadas. Se isso verdade, quer dizer que as normas de um ordenamento tm um certo relacionamento entre si, e esse relacionamento o relacionamento de compatibilidade, que implica a excluso da incompatibilidade. (BOBBIO, 1995, p. 80)

SISTEMA FECHADO E SISTEMA ABERTOO sistema de direito privado compunha-se como sistema fechado, ou seja, autossuficiente e fundado na crena da coerncia interna das normas que o compem, bem como em sua capacidade de responder de modo eficaz s situaes de fato mediante atividade de interpretao e aplicao das leis. Nova noo de sistema aberto e mvel, mediante o uso de clusula geral, que carece de preenchimento com valoraes, isto , ela no d os critrios necessrios para a sua concretizao, podendo estes se determinar com a considerao do caso

MODERNIDADE

A neutralidade judicial e sua vinculao estrita ao texto da lei so concebidas como limitao do poder do Estado, e sua ingerncia sobre as relaes entre particulares exigiu a formao de uma lgica rigorosa que pressupe a unidade do sistema normativo e a no contradio entre normas pertencentes ao mesmo ordenamento.

DUAS QUESTES TORNAM-SE CENTRAIS

a) de um lado, o estabelecimento de critrios para a soluo de eventuais antinomias, contrariedade entre normas do mesmo sistema jurdico. b) de outro, critrios de identificao e preenchimento de lacunas na lei.

ANTINOMIA1. Contradio entre duas leis ou princpios. 2. Oposio recproca. 3. Conflito entre duas afirmaes demonstradas ou refutadas.

Fonte: FERREIRA, Aurlio Holanda. Novo Dicionrio Portuguesa.

Buarque de da Lngua

ANTINOMIA JURDICA

Definimos antinomia jurdica como aquela situao na qual so colocadas em existncia duas normas, das quais uma obriga e a outra probe, ou uma obriga e a outra permite, ou uma probe e a outra permite o mesmo comportamento. (BOBBIO, 1993, p. 86)

Condies: A) as duas normas devem pertencer ao mesmo ordenamento. B) as duas normas devem ter o mesmo mbito de validade: temporal, espacial, pessoal e material.

CONSISTNCIA DO SISTEMA

Consistncia: inocorrncia ou a extirpao de antinomias, isto , da presena simultnea de normas vlidas que se excluem mutuamente.

O fenmeno da antinomia possui um carter inerentemente danoso ao sistema jurdico, fazendo com que esse perca parte de seu componente lgico e reduzindo sua credibilidade como um todo. esperado, tipicamente, que determinado conjunto de normas jurdicas siga certa ordem e possua carter unitrio e ntegro, fazendo com que incompatibilidades bvias ou difusas confundam os sujeitos e operadores do Direito, dando abertura excessiva para mltiplas interpretaes de uma mesma situao real, segundo seu reflexo no Direito. Por isso, necessrio aplicar solues provindas da teraputica jurdica para resolver estes conflitos e conform-los ao restante do ordenamento.

SOLUO TRADICIONAL PARA AS ANTINOMIAS

A regra tradicional para a soluo da antinomias trazida pela Lei de Introduo s normas do Direito Brasileiro.

LEI DE INTRODUO S NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO

Decreto-Lei n 4.657, de 4 de setembro de 1942 Art. 2. No se destinando vigncia temporria, a lei ter vigor at que outra a modifique ou revogue. 1. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatvel ou quando regule inteiramente a matria de que tratava a lei anterior. 2. A lei nova, que estabelea disposies gerais ou especiais a par das j existentes, no revoga nem modifica a lei anterior. 3. Salvo disposio em contrrio, a lei revogada no se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigncia.

SILOGISMO DE SOLUO DAS ANTINOMIAS

Tese: Lei Antiga Anttese: Lei Nova Sntese: Revogao

CRITRIOS TRADICIONAIS PARA RESOLVER OS CONFLITOS DE LEI NO TEMPOa) cronolgico: entre duas normas incompatveis, prevalece a norma posterior lex posterior derogat priori. b) hierrquico: entre duas normas incompatveis, prevalece a hierarquicamente superior (que tenha maior fora de seu poder normativo) lex superior derogat inferiori. c) de especialidade: entre duas normas incompatveis, uma geral e uma especial, prevalece a segunda lex specialis derogat generali.

INSUFICINCIA DOS CRITRIOS

Ocorre que essas solues ofertadas pela cincia do direito, com expresso objetivo de assegurar sua validade e autoridade frente ao carter dinmico das relaes da vida sobre as quais deve incidir a norma, perdem atualidade em vista da crescente complexidade da sociedade contempornea e da afirmao dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana como valores superiores do ordenamento jurdico. (MIRAGEM, 2012, p. 71)

Frente complexidade dos fatos sociais e das fontes normativas que os regulam total ou parcialmente porm simultaneamente que se exige mtodo de soluo de antinomias no afetas ao paradigma de mera validade formal do direito, mas que se estabelea a partir de uma interpretao da norma jurdica que no se oriente apenas pelo critrio de compatibilidade/no contrariedade entre normas, mas pelo carter valorativo e promocional do direito. (MIRAGEM, 2012, p. 72)

Assim, a tcnica tradicional para a soluo de antinomias, que importa em geral em um resultado de tudo ou nada, ou seja de revogao tcita, mediante derrogao ou ab-rogao da norma incompatvel revela-se insuficiente para responder ao desafio de coordenao e do complexo de normas existentes nos sistemas jurdicos contemporneos.

RESPOSTA INSUFICINCIA: O DILOGO DAS FONTES

Abdica da soluo de incompatibilidade absoluta entre normas em benefcio de uma coordenao e aplicao simultnea, a uma mesma situao jurdica, informando o fundamento lgico de validade de uma dada norma em relao a outra. Esse fundamento lgico sustenta-se em uma hierarquia axiolgico-normativa, a partir das normas e valores constitucionais que informam a interpretao e aplicao do direito infraconstitucional.

A ERA DA DESCODIFICAO

Natalino Irti Antecedente ao dilogo das fontes. Fuga atravs da descodificao em microssistemas. Cdigo civil apenas com funo residual.

Ausncia de reduo da racionalidade sistmica do direito privado, apesar da multiplicao das leis especiais. Fenmeno da descentralizao da produo normativa: as normas positivas no esto mais concentradas em cdigos nicos ou macrocdigos (como o Cdigo Civil de 2002), mas em microcodificaes, como exemplifica bem o direito do consumidor no Brasil, e em uma variedade grande de leis especiais com diferentes campos de aplicao (Estatuto do Idoso, Estatuto da Criana e do Adolescente, Lei do consrcio, etc.)

TEORIA DO DILOGO DAS FONTESErik Jayme Professor na Universidade de Heidelberg. JAYME, Erik. Identit culturelle et intgration: le droit internationale priv postmoderne. Recueil des cours de lAcademia de Droit International de la Haye. Haye: Martinus Nijhoff, 1995. Direito Internacional Privado.

TEORIA DO DILOGO DAS FONTES NO BRASILRepercusso da Teoria do Dilogo das Fontes por meio dos trabalhos de Cludia Lima Marques. Desenvolve o mtodo do dilogo das fontes tendo por objetivo a interpretao e soluo de eventuais antinomias entre o Cdigo de Defesa do Consumidor e o Cdigo Civil. Professora da UFRGS

PS-MODERNIDADEErik Jayme: filsofo da Ps-Modernidade Com a utilizao da expresso sociofilosfica ps-moderno, procura Erik Jayme demonstrar o carter de mudana, de crise, de variabilidade de nosso tempo e de nosso direito. Trata-se de um fenmeno cultural que supera a modernidade em seus paradigmas e conceitos, desconstruindo as verdades modernas, sobretudo em face da possibilidade de acesso a um nmero imenso de informaes, sem que esta desconstruo se traduza em assimilao e conhecimento das mesmas.

PLURALISMO

caracterstica da ps-modernidade a ateno identidade cultural do indivduo e dos povos, visualizando-se a pluralidade de estilos de vida como um valor jurdico que, somado ao senso de tolerncia entre as pessoas, leva-nos a ser mais sensveis ao diferente.

Pluralismo: a) De fontes legislativas b) Sujeitos a proteger c) Sujeitos ativos

TEORIA DO DILOGO DAS FONTES

Dilogos: di-a-logos Duas leis a seguir e a coordenar um s encontro. Uma coerncia necessariamente a restaurar os valores deste sistema, desta nova ordem de fontes, em que uma no mais revoga a outra (que seria um monlogo, pois s uma lei fala), e, sim, dialogam ambas as fontes, em uma aplicao conjunta e harmoniosa guiada pelos valores constitucionais e, hoje, em especial, pela luz dos direitos humanos.

Pluralismo ps-moderno de fontes legislativas e necessidade de coordenao entre as leis no mesmo ordenamento jurdico sistema eficiente e justo. Coordenao dessas fontes: retirada do sistema ou monlogo de uma norma s convivncia das normas, ao dilogo das fontes.

DILOGOS

Influncias recprocas. Aplicao conjunta das duas normas ao mesmo caso: complementarmente ou subsidiariamente. Opo voluntria prevalente. das partes pela fonte

Soluo mais favorvel ao mais fraco.

VALORES CONSTITUCIONAIS, DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

Direito: insero da pessoa humana em seu centro. Dilogo das normas: para alcanar a sua ratio e a finalidade narrada ou comunicada em ambas, sob a luz da Constituio de seu sistema de valores e dos direitos humanos em geral.

Direitos Fundamentais e os valores constitucionais iluminam a aplicao simultnea e coerente de vrias fontes. Para que esta soluo jurdica se revele razovel, prudente e justa, o intrprete e aplicador do Direito deve perscrutar, sempre, o ncleo de proteo que reveste e caracteriza o bem jurdico em conflito, sempre a partir das regras e princpios Constitucionais.

DILOGO DAS FONTES E CRITRIOS TRADICIONAIS DE SOLUO DE ANTINOMIASA Teoria do Dilogo das Fontes no se confunde com os critrios tradicionais de soluo de conflitos (temporal, hierrquico e especial), na medida em que pode contrarilos, como por exemplo, ao aplicar uma regra prevista no Cdigo Civil em uma relao de Consumo. A rigor, aproxima-se dos mtodos sistemtico e teleolgico da Hermenutica Jurdica, porm se manifesta de modo mais avanado, sem tantos freios literais e mais voltada concretizao da essncia material do bem jurdico respectivo. Em suma, permite a melhor soluo jurdica

OBJETIVOS

Restaurar a coerncia do sistema. Reduzir a sua complexidade. Realizar os valores ideais da Constituio, de igualdade, liberdade e solidariedade na sociedade. Evitar a revogao.

REVOGAORevogao significa tirar a fora obrigatria, a vigncia de uma norma, por incompatvel com as novas normas impostas pelo legislador, significa sua sada definitiva do sistema do direito. A revogao expressa ocorre somente em casos especficos e claros e est cada vez mais rara. Nos demais casos, resta a revogao tcita que exige para a sua determinao um exame atento do intrprete. Maior atuao do intrprete nas hipteses em que a soluo do conflito no advm do

NOVA VISO DOS CRITRIOS TRADICIONAIS

Hierarquia: coerncia dada pelos valores constitucionais e a prevalncia dos direitos humanos. Especialidade: ideia de complementao ou aplicao subsidiria das normas especiais, entre elas, com tempo e ordem nesta aplicao, primeiro a mais valorativa, depois, no que couberem, as outras. Anterioridade: necessidade de adaptar o sistema cada vez que uma nova lei nele inserida pelo legislador.

POSSIBILIDADES DE DILOGOS

Cludia Lima Marques desenvolve o mtodo sustentando trs espcies de dilogos possveis entre as normas do Cdigo Civil de 2002 e do Cdigo Civil, preservando a natureza especial e de fundamento constitucional explcito da legislao de proteo do consumidor.

DILOGO SISTEMTICO DE COERNCIA

Fala-se em dilogo sistemtico de coerncia quando se est diante de uma lei geral e uma lei especial. Aqui, lembrando os microssistemas de Natalino Irti, ter-se-ia que os conceitos e institutos da lei geral devem ser aplicados tambm aos microssistemas, deixando-se diferentemente, a estes a regulamentao dos respectivos conceitos. Uma lei pode servir de base conceitual para outras, especialmente se uma lei geral e a outra especial. Preserva-se o mbito de aplicao de ambas as leis, evitando a sobreposio,

DILOGO SISTEMTICO DE COMPLEMENTARIDADE OU SUBSIDIARIEDADEO chamado dilogo sistemtico de complementaridade e subsidiariedade indica a aplicao complementar ou subsidiria de normas e de princpios no que for necessrio. Sustenta a possibilidade de aplicao de normas do Cdigo Civil s relaes de consumo. Uma lei pode complementar a aplicao de outra, a depender do seu campo de aplicao, tanto suas normas, quanto seus princpios e clusulas gerais podem encontrar uso subsidirio ou complementar.

DILOGO DE COORDENAO E ADAPTAO SISTEMTICASTambm chamado de dilogo das influncias recprocas sistemticas. verificvel por exemplo no caso de eventual redefinio do campo de aplicao de uma lei, como na hiptese de transposio das conquistas da jurisprudncia alcanadas de uma lei para a outra. A jurisprudncia produzida a partir da aplicao das normas de proteo do consumidor serve igualmente interpretao e aplicao das normas civis. Ex.: princpio da boa f objetiva, abuso do direito, etc.

DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS IDOSOS, CRIANAS E CONSUMIDORES HIPERVULNERVEIS

Igualdade material: chega-se igualdade ao se levar em considerao as diferenas. Vulnerabilidade: significa o estado daquele que vulnervel, daquele que est suscetvel, por sua natureza, a sofrer ataques. No Direito, vulnerabilidade o princpio segundo o qual o sistema jurdico brasileiro reconhece a qualidade do agente mais fraco na relao de consumo.

CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDORArt. 4 A Poltica Nacional das Relaes de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito sua dignidade, sade e segurana, a proteo de seus interesses econmicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparncia e harmonia das relaes de consumo, atendidos os seguintes princpios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.

LEIS ESPECIAIS

Leis especiais que regulam situaes de vulnerabilidade potencializada, especial ou agravada. Exemplos: idosos, crianas, adolescentes, ndios, pessoas com necessidades especiais, doentes, etc. Neste caso, trata-se de um dilogo entre valores constitucionais de proteo de sujeitos vulnerveis nas suas relaes privadas, a levar a uma verdadeira eficcia horizontal dos direitos fundamentais, humanizando o direito privado.

Em minha opinio, a hipervulnerabilidade seria a situao social ftica e objetiva de agravamento da vulnerabilidade da pessoa fsica consumidora, por circunstncias pessoais aparentes ou conhecidas do fornecedor, como sua idade reduzida ou sua idade alentada ou sua situao de doente. (MARQUES, 2012, p. 43)

Os hipervulnerveis mencionados nas normas constitucionais se beneficiam do mandamento de proteo constitucional (com efeitos e fora normativa no direito privado), enquanto, por exemplo, os doentes e analfabetos so hipervulnerveis cuja proteo especial depender da atuao ativa do Judicirio e das especificidades do caso concreto. (MARQUES, 2012, p. 48)

DILOGO SEMPRE FAVOR DEBILIS

O mtodo do dilogo das fontes, por respeito aos valores constitucionais e direitos humanos que lhe servem de base, no deve ser usado para retirar direitos do consumidor. O dilogo s pode ser usado a favor do sujeito vulnervel, ou se transformar em analogia in pejus. A lgica da preponderncia da lei menos favorvel ao consumidor no dilogo, aplicao apenas da lei menos favorvel:

Dilogo das fontes sempre a aplicao harmnica e sistemtica das leis especiais e gerais a favor dos direitos fundamentais e dos valores mais elevados, sociais e pblicos. Elevao da viso do intrprete para o telos do conjunto sistemtico de normas e dos valores constitucionais.

DILOGO PREVISTO PELO PRPRIO CDC

O prprio artigo 7 do CDC estabelece esse dilogo: Art. 7 Os direitos previstos neste cdigo no excluem outros decorrentes de tratados ou convenes internacionais de que o Brasil seja signatrio, da legislao interna ordinria, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princpios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.

EXTENSO DO DILOGO PARA OUTRAS REAS DO DIREITO

Pressupostos:

A) primeiro, que se trata de um mtodo de interpretao sistemtico, e que deve ser compreendido segundo as premissas do pensamento sistemtico. B) segundo, de que prope uma interpretao orientada por fundamentos axiolgicos, com vista ao atendimento da finalidade de realizao dos direitos fundamentais expressos na Constituio Federal orientado pelo princpio da dignidade humana.

OBJEES AO DILOGO DAS FONTES

1) No se constitui em um mtodo novo de interpretao e aplicao das leis, mas mera expresso do mtodo sistemtico. 2) O mtodo, ao promover a possibilidade de aplicao simultnea de mais de uma lei a um mesmo fato, d excessiva liberdade ao intrprete, ofendendo os princpios da legalidade e da segurana jurdica. 3) No possui aplicao geral, mas apenas quelas situaes em que exista expressa previso legal (caso do art. 7 do CDC), ou quando se trate de disciplinar materialmente o conflito de leis, como o caso do direito internacional privado.

RESPOSTA S OBJEES

1) o mtodo do dilogo das fontes no se ocupa apenas da interpretao da norma, mas especialmente do resultado de sua aplicao. Logo, no modalidade da interpretao sistemtica. 2) o que coordena e d unidade lgica ao dilogo das fontes a conformidade do resultado concreto da aplicao com direitos e garantias fundamentais previstos na Constituio. 3) desvalorizao da interpretao jurdica, como se as normas possussem um sentido unvoco e incontroverso, bem como devessem ser tomadas individualmente, em

A TEORIA DO DILOGO DAS FONTES PODE SER TRANSPORTADA PARA A TEORIA DA CONSTITUIO?

O prprio conceito de constituio encerra, em si, a existncia de um dilogo entre as fontes normativas que integram o ordenamento jurdico. Como ordem fundamental jurdica da coletividade, essencial que os vrios mbitos interajam entre si, o que pressupe a prtica de um dilogo.

A Constituio s colocada no centro do ordenamento jurdico pelo fato de reconhecer a pessoa como seu fundamento supremo. A necessidade de uma comunicao frutfera entre as fontes normativas decisiva para a manuteno da unidade do ordenamento jurdico, em particular na busca da otimizao da proteo das normas vigentes.

Frente concorrncia de direitos fundamentais, h que se considerar paralelamente os direitos fundamentais concorrentes, desde que outra soluo mais especfica no se deixe resultar da interpretao da constituio. Na linha aqui investigada, pode-se dizer que o dilogo das fontes produz uma sadia concorrncia dentro da prpria constituio, onde diversos princpios concorrem entre si pra prestar uma proteo mais eficiente pessoa. (DUQUE, 2012, p. 145)

JURISPRUDNCIA CONTEMPORNEA possvel afirmar que, hoje, no Brasil, os Tribunais consolidaram o uso do mtodo do dilogo das fontes como caminho para, em casos difceis, assegurar a prevalncia do princpio pro homine e desta eficcia horizontal dos direitos fundamentais, por aplicao do CDC s relaes privadas. Em matria de relaes de consumo no Brasil, o dilogo das fontes permitiu assegurar pessoa humana, consumidora e leiga, uma tutela especial e digna, conforme aos valores e princpios constitucionais de proteo especial do art. 5, XXXII, da Constituio.

DILOGO ENTRE AS FONTES NACIONAIS E INTERNACIONAIS

Consumidor depositrio infiel. Prevalncia dos tratados internacionais de Direitos Humanos (Pacto de San Jos da Costa Rica). Norma mais favorvel ao consumidor. Recurso extraordinrio Gilmar Mendes. 466.343/SP Rel.

EMENTA: PRISO CIVIL. Depsito. Depositrio infiel. Alienao fiduciria. Decretao da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistncia da previso constitucional e das normas subalternas. Interpretao do art. 5, inc. LXVII e 1, 2 e 3, da CF, luz do art. 7, 7, da Conveno Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jos da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE n 349.703 e dos HCs n 87.585 e n 92.566. ilcita a priso civil de depositrio infiel, qualquer que seja a modalidade do depsito.

DILOGO ENTRE O CDC E AS LEIS ESPECIAIS QUE REGULAM O SISTEMA FINANCEIROADI 2.591 DJ. 07.06.2006 Entendo que o regramento do sistema financeiro e a disciplina do consumo e da defesa do consumidor podem perfeitamente conviver. Em muitos casos, o operador do direito ir deparar-se com fatos que conclamam a aplicao de normas tanto de uma como de outra rea do conhecimento jurdico. Assim ocorre em razo dos diferentes aspectos que uma mesma realidade apresenta, fazendo com que ela possa amoldar-se aos mbitos normativos de diferentes leis.

No h, a priori, por que falar em excluso formal entre essas espcies normativas, mas, sim, em influncias recprocas, em aplicao conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja complementarmente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opo voluntria das partes sobre a fonte prevalente. Ministro Joaquim Barbosa

DILOGO ENTRE O CDC E A LEI DE PLANOS DE SADE

A Lei de Planos de Sade de 1996 e o CDC de 1990. Duas leis especiais. H dilogo de coerncia e complementaridade, aplicando-se as duas leis especiais complementarmente e em uma convivncia conforme aos valores da Constituio de 1988.

RECURSO ESPECIAL N. 995.995

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AO CIVIL PBLICA. MINISTRIO PBLICO. PLANO DE SADE. INTERESSE INDIVIDUAL INDISPONVEL. REAJUSTE. CLUSULA ABUSIVA. PRESCRIO. ART. 27 DO CDC. INAPLICABILIDADE. LEI 7.34785 OMISSA. APLICAO DO ART. 205 DO CC02. PRAZO PRESCRICIONAL DE 10 ANOS. RECURSO NO PROVIDO. 1. A previso infraconstitucional a respeito da atuao do Ministrio Pblico como autor da ao civil pblica encontra-se na Lei 7.34785 que dispe sobre a titularidade da ao, objeto e d outras providncias. No que concerne ao prazo prescricional para seu ajuizamento, esse diploma legal , contudo, silente.

2. Aos contratos de plano de sade, conforme o disposto no art. 35-G da Lei 9.65698, aplicam-se as diretrizes consignadas no CDC, uma vez que a relao em exame de consumo, porquanto visa a tutela de interesses individuais homogneos de uma coletividade. 3. A nica previso relativa prescrio contida no diploma consumerista (art. 27) tem seu campo de aplicao restrito s aes de reparao de danos causados por fato do produto ou do servio, no se aplicando, portanto, hiptese dos autos, em que se discute a abusividade de clusula contratual. 4. Por outro lado, em sendo o CDC lei especial para as relaes de consumo as quais no deixam de ser, em sua essncia, relaes civis e o CC, lei geral sobre direito civil, convivem ambos os diplomas legislativos no mesmo sistema, de modo que, em casos de omisso da lei consumerista, aplica-se o CC.

5. Permeabilidade do CDC, voltada para a realizao do mandamento constitucional de proteo ao consumidor, permite que o CC, ainda que lei geral, encontre aplicao quando importante para a consecuo dos objetivos da norma consumerista. 6. Dessa forma, frente lacuna existente, tanto na Lei 7.34785, quanto no CDC, no que concerne ao prazo prescricional aplicvel em hipteses em que se discute a abusividade de clusula contratual, e, considerando-se a subsidiariedade do CC s relaes de consumo, deve-se aplicar, na espcie, o prazo prescricional de 10 (dez) anos disposto no art. 205 do CC. 7. Recurso especial no provido. (REsp n. 995.995, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, Dje 16.11.2010)

DILOGO ENTRE O CDC E A LEI 9.870/99

Recurso Especial n. 476.649 Relatora Ministra Nancy Andrighi Dje 25.02.2004.Consumidor. Contrato de prestaes de servios educacionais. Mensalidades escolares. Multa moratria de 10% limitada em 2%. Art. 52, 1, do CDC. Aplicabilidade. Interpretao sistemtica e teleolgica. Eqidade. Funo social do contrato. - aplicvel aos contratos de prestaes de servios educacionais o limite de 2% para a multa moratria, em harmonia com o disposto no 1 do art. 52, 1, do CDC. Recurso especial no conhecido.

DILOGOS ENTRE O CDC, O CDIGO BRASILEIRO DE AERONUTICA E A CONVENO DE VARSVIA DE 1928.

O Superior Tribunal de Justia, ao examinar a permisso de indenizao tarifada (limitada) constante tanto do Cdigo Brasileiro de Aeronutica (Lei 7.565/1986) como na Conveno de Varsvia, em confronto com o princpio da indenizao integral do Cdigo de Defesa do Consumidor (arts. 6., VI, 24, 25, e 51, I). Aps alguma divergncia inicial o STJ deu prevalncia, neste ponto especfico, Lei 8.078/1990.

RECURSO ESPECIAL N 171.506Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar DJ 05.03.2001. RESPONSABILIDADE CIVIL. Transporte areo internacional. Extraviode carga. Cdigo de Defesa do Consumidor. Para a apurao da responsabilidade civil do transportador areointernacional pelo extravio da carga, aplica-se o disposto no Cdigo de Defesado Consumidor. Recurso conhecido pela divergncia, mas desprovido.

Mudaram as condies tcnicas de segurana do vo e tambm semodificaram as normas que protegem o usurio dos servios prestados pelotransportador. O Cdigo de Defesa do Consumidor tem regra expressa,considerando abusiva a clusula que restringe direitos inerentes natureza docontrato, de tal modo a ameaar o equilbrio contratual (art. 51, 1, II, doCDC), como acontece no caso de exonerao ou diminuio excessiva da responsabilidade, ocasionados pelo mau servio. Tenho para mim, portanto, que no prevalecem, diante do CDC, asdisposies que limitam a responsabilidade do transportador areo, quandoofendem o princpio legal de responsabilidade do transportador pelos danos ocasionados durante o transporte.

DILOGO ENTRE O CDC E A LEI 4.591/64

Recurso Especial n 747.768. Rel. Min. Joo Otvio Noronha. DIREITO CIVIL. CONTRATO DE INCORPORAO. CDIGODEDEFESA DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. RESTITUIO DEPARCELAS PAGAS. SMULA N. 7STJ.

1. Em que pese o contrato de incorporao ser regido pela Lei n. 4.59164,admite-se, outrossim, a incidncia do Cdigo de Defesa do Consumidor, devendo serobservados os princpios gerais do direito que buscam a justia contratual, aequivalncia das prestaes e a boa-f objetiva e vedam o locupletamento ilcito. 2. Aplica-se a Smula n. 7 do STJ na hiptese em que a tese versada norecurso especial reclama a anlise dos elementos fticos produzidos ao longo dademanda. 3. Recurso especial no-conhecido.

MONLOGO DE LEI ESPECIAL IN PEJUS

PROCESSUAL CIVIL E BANCRIO. AO CIVIL PBLICA. TTULOSDE CAPITALIZAO. CLUSULA INSTITUIDORA DE PRAZO DECARNCIA PARA DEVOLUO DE VALORES APLICADOS.ABUSIVIDADE. NO OCORRNCIA. 1. A manifestao do Ministrio Pblico aps a sustentao oral realizada pelaparte no importa em violao do art. 554 do CPC se sua presena no processo se dna condio de fiscal da lei. 2. No pode ser considerada abusiva clusula contratual que apenas repercutenorma legal em vigor, sem fugir aos parmetros estabelecidos para sua incidncia.

3. Nos contratos de capitalizao, vlida a conveno que prev, para o casode resgate antecipado, o prazo de carncia de at 24 (vinte e quatro) meses para adevoluo do montante da proviso matemtica. 4. No pode o juiz, com base no CDC, determinar a anulao de clusulacontratual expressamente admitida pelo ordenamento jurdico ptrio se no houverevidncia de que o consumidor tenha sido levado a erro quanto ao seu contedo. Nocaso concreto, no h nenhuma alegao de que a recorrente tenha omitidoinformaes aos aplicadores ou agido de maneira a neles incutir falsas expectativas. 5. Deve ser utilizada a tcnica do "dilogo das fontes" para harmonizar aaplicao concomitante de dois diplomas legais ao mesmo negcio jurdico; no caso,as normas especficas que regulam os ttulos de capitalizao e o CDC, que asseguraaos investidores a transparncia

DILOGO ENTRE O CDC E O CDIGO CIVIL

Contratos de adeso

Cdigo Civil - Art. 423. Quando houver no contrato de adeso clusulas ambguas ou contraditrias, dever-se- adotar a interpretao mais favorvel ao aderente. CDC - Art. 47. As clusulas contratuais sero interpretadas de maneira mais favorvel ao consumidor.

TJMG Apelao Cvel n. 1.0024.07.4631730/001 Relator Desembargador Nicolau Masseli

AO DE INDENIZAO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATO DE SEGURO. PEDIDO DE TRANSPORTE AREO NEGADO. COBERTURA DE ACIDENTE PESSOAL. CLUSULAS CONTRADITRIAS. INTERPRETAO MAIS FAVORVEL AO CONSUMIDOR-ADERENTE. APLICABILIDADE DO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 47 DO CDC E ART. 423 DO CC. DANO MATERIAL DEVIDO. SENTENA PARCIALMENTE REFORMADA. - A interpretao dada s clusulas de um contrato de adeso, em caso de dvida, deve ocorrer de forma mais favorvel ao consumidor-aderente, parte mais fraca da relao, tentando-se extrair delas a maior utilidade possvel, luz da norma prevista no art. 47 do CDC e no art. 423 do CC. - O contrato de seguro no pode ficar adstrito ao pagamento de uma indenizao, mas tambm, e primordialmente, em prestar uma garantia e segurana ao segurado. - O termo a quo dos juros de mora e da correo monetria no valor do dano material, deve ocorrer, respectivamente, a partir da citao e do efetivo desembolso. - A situao apresentada nos autos cinge-se a um mero dissabor, aborrecimento, no sendo capaz de causar um desequilbrio psicolgico do segurado, razo pela qual no h que se falar no instituto do dano moral.

Obrigado pela ateno!

Fabio Queiroz Pereira [email protected]