dez escolas, dois padrões de qualidade (haguette, andré; pessoa, márcio)

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"A grande inovação dessa pesquisa é mostrar que desejo de aprender, disciplina, tempo letivo devidamente cumprido, cultura escolar, tempo integral e professores e organização administrativa e didática andam de mãos dadas, sendo a variável-chave a vontade de aprender do alunos e de ensinar dos professores. Não se trata de culpabilizar o aluno, mas de afirmar que ele é vítima de uma socialização perversa. E que o bom desempenho escolar depende antes de tudo de lhe dar a alegria do desejo de aprender. Mas como fazer isso em um ambiente escolar inadequado?" (André Haguette e Márcio Pessoa)

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  • 1Dez escolas,dois padres de qualidade

  • Presidente da RepblicaDilma Vana Rousseff

    Ministro da EducaoRenato Janine Ribeiro

    Universidade Federal do Cear - UFC

    ReitorProf. Jesualdo Pereira Farias

    Vice-ReitorProf. Henry de Holanda Campos

    Pr-Reitora de AdministraoProf.a Denise Maria Moreira Chagas Corra

    imprensa Universitria

    Diretor Joaquim Melo de Albuquerque

  • Fortaleza2015

    Dez escolas,dois padres de qualidade

    Uma pesquisa em dez escolas pblicas deEnsino Mdio do Estado do Cear

    Andr HaguetteMrcio K. M. Pessoa

  • Dez escolas, dois padres de qualidade.Uma pesquisa em dez escolas pblicas de Ensino Mdiodo Estado do Cear.Copyright 2015 by Andr Haguette / Mrcio K. M. PessoaTodos os direitos reservados

    Impresso no BrasIl /prInted In BrazIlImprensa Universitria da Universidade Federal do Cear (UFC)Av. da Universidade, 2932 fundos, Benfica Fortaleza Cear

    Coordenao Editorial:Ivanaldo Maciel

    Reviso de Texto:Yvantelmack Dantas

    Normalizao Bibliogrfica:Luciane Silva das Selvas

    Projeto Grfico e Capa:Heron Cruz

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao

    Bibliotecria Luciane Silva das Selvas CRB 3/1022 H147d Haguette, Andr

    Dez escolas, dois padres de qualidade: uma pesquisa em dez escolas pblicas de Ensino

    Mdio do Estado do Cear / Andr Haguete; Mrcio Klber Morais Pessoa - Fortaleza: Imprensa

    Universitria, 2015.

    120 p. ; 21 cm.

    ISBN: 978-85-7485-228-7

    1. Ensino Mdio. 2. Ensino Mdio - Cear. 3. Ensino Secundrio. I. Pessoa, Mrcio Klber Morais.

    II. Ttulo.

    CDD 373.81

  • Sumrio

    Prefcio ..................................................................................9

    Introduo ...........................................................................15

    1 Retrato-sntese de cinco escolas com alto desempe nho

    escolar .................................................................................21

    1.1. Escola Portinari ...........................................................21

    1.2. Escola Alfonso Lopes ..................................................26

    1.3. Escola Mateus ..............................................................30

    1.4. Escola Tarsila do Amaral ...........................................34

    1.5. Escola Antnio Bandeira ............................................39

    2 Caracterizao das escolas de maior desempenho pe

    daggico ..............................................................................45

    2.1. Desejo de aprender .....................................................45

    2.2. Autodisciplina coletiva ..............................................48

    2.3. Tempo letivo ................................................................49

    2.4. Tempo integral ............................................................50

    2.5. Estgio ..........................................................................51

    2.6. Ncleo gestor: eixo pedaggico e planejamento ....52

    2.7. Professores ...................................................................53

  • 2.8. Cultura interna das escolas ........................................55

    2.9. Deficincias e obstculos aprendizagem ..............55

    2.10. Infraestrutura .............................................................57

    2.11. Artes e Esportes .........................................................58

    3 Retrato-sntese de cinco escolas com baixo desempenho

    escolar ..................................................................................61

    3.1. Escola Estrigas .............................................................61

    3.2. Escola Chico da Silva ..................................................66

    3.3. Escola Di Cavalcanti ...................................................70

    3.4. Escola Ademir Martins ...............................................74

    3.5. Escola Tomie Ohtake ..................................................79

    4 Caracterizao das cinco escolas com baixo desempenho

    escolar ..................................................................................85

    4.1. Os alunos no desejam aprender ..............................86

    4.2. Indisciplina ..................................................................88

    4.3. Tempo letivo ................................................................90

    4.4. Escola de turno nico .................................................91

    4.5. Ncleo gestor e professores .......................................92

    4.6. Infraestrutura e pobreza das escolas ........................94

    4.7. Cultura interna ou clima escolar ...............................95

    Concluses ..........................................................................97

    Posfcio Crtico .................................................................103

    Referncias ........................................................................115

  • 7

  • 8

  • Prefcio

    rika Sales RipardoAssistente social

    Vicente CapibaribeSocilogo e professor efetivo do Estado do Cear

    Esta produo um convite sensibilidade e ao exerc-cio cognitivo de pensar sem defesas prvias sobre o que se apresentar aos olhos. Convite a pisar um cho que por certo muitos dos leitores j tero pisado e ainda pisam, viventes que somos dessa vida multifacetada. E pisar descalos de tal forma a perceber o concreto sobre o qual essa constru-o se fez, mas tambm pisando forte de tal forma que os ps possam vir a dar a este cho o contorno e a textura que sabemos ser necessrios. Pisar o cho sem desviar os olhos do universo que o rodeia.

    O esforo em debruar-se sobre a realidade de escolas de Ensino Mdio reconhecidamente exitosas no desempenho do Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM) 2011 e de es-colas com mais baixo desempenho neste mesmo exame, de incio pode levar o leitor a pensar em um objetivo de cons-truo de um perfil ou modelo, mas o presente estudo vai

  • 10 Prefcio

    alm, bem alm disso quando proporciona um trnsito no dia a dia dessas escolas. To delicadamente penetrando no universo cotidiano dessas escolas, quase impossvel no se perceber, adentrando os portes, experienciando todas as sensaes que a apresentao descritiva proporciona e, mais que tudo, desvendando a teia invisvel que perpassa todo o universo escolar.

    A cuidadosa insero na arquitetura escolar, nas dinmicas de um dia letivo incluindo, como no pode-ria deixar de ser, os momentos do recreio , convidam o leitor a uma viagem ao universo estudado. Viagem que, se de um lado destina-se a um mergulho nas escolas, por outro leva na bagagem toda a transversalidade imbuindo a um momento mpar de reflexo sobre a educao e as instituies fundadas em uma sociedade com acesso bem diferenciado aos bens e servios. Isso demonstra clara-mente como toda a forma de organizao dessa sociedade penetra e, mais que isso, encontrase claramente refletida nas instituies escolares ou no.

    A concepo holstica referenciando o estudo e sua forma de abordagem prope um exerccio de integralidade indispensvel fidelidade da realidade explorada. Se por um lado as singularidades so percebidas em suas mais di-versas formas de expresso, por outro, a coletividade con-segue ser reconhecida na construo de sua identidade que tambm carrega consigo todo um conjunto de contradies cujas explicaes no foram objeto do presente estudo, mas que nem por isso foram ocultadas.

    A definio do universo pesquisado no resultou de qualquer enquadramento de perfil organizacional, basean-do-se to somente em seu desempenho naquele exame na-

  • 11Prefcio

    cional. No obstante, para enriquecimento da proposta, o estudo contemplou instituies com georeferenciamento diversificado. Poderseia questionar por que limitarse a um resultado de desempenho. Aos desavisados soa bem recomendar pensar no resultado em seu significado, no que h por trs dos resultados, ou melhor, frente deles; e eis que nesse ponto surgem inmeras questes merecida-mente objetos de reflexo por parte dos autores.

    O estudo, ao contemplar instituies com resultados e dinmicas to diversificadas, apesar de geridas pela mesma secretaria de educao, aponta tambm para a ampliao dos olhares sobre as dinmicas das instituies e da ter-ritorialidade que as referenciam. Em alguns trechos h uma aproximao com a percepo de assepsia que parece envol-ver algumas escolas de localizao central (urbana), impres-so logo desfeita no olhar mais criterioso dos autores.

    A perguntachave que fomentou a realizao do es-tudo: O que as escolas com alto desempenho no exame do ENEM tm que falta s escolas de desempenho precrio? bem demonstra a preocupao dos autores em explorar as possibilidades de um alinhamento no padro de qualidade das instituies educacionais, de forma a referenciar possibilidades de interveno na poltica p-blica educacional. Iniciando pelo retrato-falado das insti-tuies, o trabalho em seguida se amplia na construo de uma tipologia que sintetiza cada grupo. Esta ao dotou de maior visibilidade a heterogeneidade do sistema p-blico do ensino mdio no Cear, heterogeneidade sobre a qual se lanam os pesquisadores sempre na perspectiva de apontar direes construo de polticas pblicas que viabilizem melhorias para os dois grupos.

  • 12 Prefcio

    Neste movimento, as realidades socioeconmicas dos discentes encontram-se claramente retratadas em sua funo de reproduo ou de revoluo do iderio originrio. Em alguns momentos, transparecendo-as em seu papel de mo-bilidade social e, em outros, em sua funo de conformismo ou, pelo menos, de inrcia. Tal destaque feito pelos autores fomenta nos leitores a necessria compreenso das relaes que perpassam o universo escolar, inclusive, a das subjetivi-dades presentes nesta teia.

    Na configurao das caractersticas dos grupos, os auto-res apresentam, com objetividade, variveis que vo desde a subjetividade dos docentes e discentes, a ambincia institu-cional (estrutura e cultura), a organizao da gesto e a pro-posta pedaggica, sem esquecer a realidade socioeconmica que lhes fundamenta a vida. Relacionadas, essas variveis vo aos poucos se configurando em resposta ao leitor em relao indagao dos autores. Incorporando movimentos cognitivos direcionados macro poltica educacional e micropoltica da gesto escolar, o estudo amplia os olhares para alm da condio setorial, convidando o leitor a uma aproximao com as limitaes e as possibilidades de que a escola dispe para cumprir seu papel nesta sociedade, ao tempo mesmo em que conduz a uma reflexo sobre este papel.

    A leitura do material leva o leitor a um dilogo per-manente entre o passado e o presente, antecipando as pos-sibilidades do futuro. Convida-o a pensar sobre todos os nveis de ensino e sobre como estaro presentes nos discen-tes por toda sua vida.

    A dualidade observada gera incessantes movimentos de reflexo no leitor, provocando nele uma inquietao positivamente necessria a qualquer processo de mudana.

  • 13Prefcio

    De que outra forma, seno pelo mtodo adotado pelos au-tores, poder-se-ia chegar a esta percepo to clara que o presente estudo promove?

    Aos autores, Andr Haguette e Mrcio K. M. Pessoa, um pedido apenas: depois de tanto aprendizado, conti-nuem! Continuem a desvendar o vu cinzento do prag-matismo dos dias. Permaneam e transportem para tantas outras instituies a proposta do estudo, porque esta uma proposta que de fato serve poltica pblica em to-das as reas. O agradecimento a vocs no poderia vir seno sob forma de poesia, tomando-se aqui emprestado um poema da poetisa cearense Marly Vasconcelos:

    PUGILATO

    No pugilato cotidiano,no esquecer o jbilo que h na chuva, a rs que se extraviaA malva, o pinho bravo, a andorinha.No pugilato do dia a diano esquecer que embora sangreo serto nunca se amesquinha.

  • 14

  • Introduo1

    A ideia desta pesquisa surgiu a partir da leitura de uma reportagem do jornal fortalezense O Povo, listando as dez es-colas pblicas da rede estadual de Ensino Mdio do estado do Cear com melhor desempenho no exame do Enem de 2011. O texto despertou o interesse de conhecer as razes que leva-ram essas escolas a se destacar em comparao com outras escolas pblicas geridas pela mesma Secretaria de Educao. Uma pesquisa tentaria encontrar o que essas escolas tm que as outras no tm, parafraseando a clebre msica de Car-mem Miranda. Pesquisar dez escolas pareceu muito naquele momento e, sobretudo, talvez fosse suficiente escolher apenas cinco escolas para encontrar as respostas desejadas. Mas logo ficou evidente que a pesquisa se tornaria mais interessante e mais significativa se ela comparasse cinco das dez escolas mais bem sucedidas com cinco escolas das dez com o mais baixo desempenho no mesmo exame. E assim foi feito.

    Apresentamos aqui, portanto, os resultados de um estu-do comparativo de cinco das dez escolas de melhor desempe-nho com cinco das dez escolas de pior desempenho no exame

    1 Os autores agradecem as correes e sugestes da colega Eloisa Maia Vidal.

  • 16 Introduo

    do Enem de 2011. Nunca pensamos obter resultados to signi-ficativos e to autoexplicativos, tamanha a clivagem entre os dois conjuntos de escolas de uma mesma rede escolar.2

    A relao das escolas de melhores resultados compreen-dia escolas de perfil e localizao diferentes. Trs eram escolas militares, seis faziam parte de um projeto de escolas profissio-nalizantes e uma funcionava em tempo integral embora no fosse profissionalizante. Seis se localizavam na capital Forta-leza e quatro, no interior. Selecionamos uma escola militar; a escola de tempo integral que no estava vinculada ao projeto de escolas profissionalizantes; uma profissionalizante, que fun-cionava numa antiga escola renovada as trs localizadas em Fortaleza e duas escolas profissionalizantes no interior. Desta forma teramos a necessria diversidade. Quanto s escolas de fraco desempenho, escolhemos duas na capital e trs no inte-rior, sem muito saber o que nos esperava. Uma dessas revelou--se uma das escolas do campo, objetos de uma programao especial para atendimento a populaes agrcolas assentadas e, consequentemente, diferentes da clientela das escolas comuns. A pesquisa consistiu em visitar essas escolas utilizandose das seguintes metodologias: visitas s escolas; dirio de campo; en-trevistas abertas com o ncleo gestor, com professores dentro da sala dos professores, com funcionrios e com uma turma de alunos na sua maioria do terceiro ano ; alm de aplicar ques-tionrios semiabertos especficos aos professores e aos alunos com quem fizemos as entrevistas.

    2 Os autores no ignoram que o Enem um exame por adeso e isso pode masca-rar os resultados das escolas. A escola pode estimular a que apenas alunos que mostram bom desempenho faam as provas, por exemplo. Ou os resultados ob-tidos no Enem, pelos alunos, estar associados forma como a escola trabalhou a preparao para este exame. Ou ainda, devido s expectativas dos prprios alunos, o Enem no tem relevncia, eles no estudam e muitas vezes, se inscre-vem e no comparecem. Mesmo assim os resultados da pesquisa evidenciam diferenas essenciais entre os dois grupos de escola.

  • 17Introduo

    Vale enfatizar que a pesquisa que ora apresentamos no recebeu nenhum financiamento e foi realizada por puro inte-resse acadmico e social dos autores, que, portanto, arcam com todas as responsabilidades e imperfeies do empreendimen-to. Notvel, todavia, foi a receptividade com que nos receberam as pessoas empenhadas nos afazeres de cada escola e sua deci-so de colaborar conosco. A todos agradecemos e honraremos nossa promessa de voltar s escolas para apresentar e discutir os resultados.

    Esse estudo, portanto, teve um s foco: o que as escolas com elevado desempenho no exame do Enem tm que falta s escolas de desempenho precrio, como dito anteriormente. Isso significa que muitos outros temas relevantes no foram sequer mencionados e ainda menos pesquisados. No nos ha-bilitamos a conhecer a metodologia adotada em salas de aula; no questionamos o currculo nem o seu cumprimento; no acompanhamos o desenvolver das aulas; no aprofundamos os motivos das aprovaes/reprovaes, evaso etc. evi-dente que pesquisas nesses e noutros pontos poderiam ajudar as escolas a ter resultados bem mais expressivos. Mas nosso foco era outro: identificar os componentes que, sem dvida nenhuma, estabelecem diferenas de peso entre os dois gru-pos de escola. Para nossa surpresa chegamos rapidamente a um ponto de saturao, em que as entrevistas, as respostas aos questionrios e as nossas observaes iam se repetindo e se reforando uns aos outros.

    Resolvemos apresentar os dados em quatro partes. A pri-meira descreve rapidamente cada uma das cinco escolas bem sucedidas. Isto , apresentamos uma espcie de retrato fala-do das escolas. O retrato falado, como se sabe, insiste em tra-os mais caractersticos, visando identificar e no retratar com

  • 18 Introduo

    exatido. Por outro lado, o retrato falado, como todo retrato, esttico, enquanto a vida escolar e suas instituies so dinmi-cas, modificandose constantemente. O retrato falado, portan-to, no nem definitivo, nem exato, mas direciona, orienta e tem uma funcionalidade comprovada. Na segunda parte, ela-boramos uma espcie de modelo, uma caracterizao comum ao conjunto das escolas; uma tipologia, um tipo ideal do grupo.

    O mesmo procedimento repetido na terceira e quarta parte. A terceira apresenta um retrato-sntese (a exemplo de um retrato falado) de cada uma das cinco escolas do segun-do grupo, isto , das escolas de fraco desempenho no Enem. Em seguida, na quarta parte, desenhamos uma tipologia desse grupo, pinando caractersticas comuns a todas as escolas. Em concluso, discutimos, comparando-as, as duas tipologias. Fi-cou bvio para ns que estvamos diante de dois padres de estabelecimentos escolares, com caractersticas prprias, indis-farveis e intransferveis, levando a uma concluso clarssima e instigante: no h homogeneidade no sistema pblico de en-sino mdio do Estado do Cear. A heterogeneidade marcante e cruel, explicando perfeitamente os resultados divergentes nos exames do Enem.

    O leitor apressado ou impaciente poder ler a segunda e quarta que so compreensveis e explicativas em si mesmas, desacompanhadas dos retratos falados das escolas. Essas duas tipologias pretendem explicar o bom desempenho de cinco escolas e o aproveitamento insuficiente das cinco outras, con-tendo o eixo central da pesquisa. O leitor poder constatar que saltam aos olhos, aps uma reflexo sobre cada tipo, as diferen-as entre cada conjunto de escolas. Sabe-se com toda evidncia o que um grupo tem que o outro no tem. A partir dessas constataes certamente abre-se a possibilidade de discutir e

  • 19Introduo

    elaborar pragmaticamente um feixe de polticas para a melho-ria da qualidade dos dois grupos de escola.

    Mas, antes de iniciar a apresentao das escolas, convm dizer algumas palavras sobre os aspectos socioeconmicos dos alunos das dez escolas, j que, por sua vez, os professores apre-sentam o perfil e as qualificaes comuns a todos os docentes da rede estadual. Enquanto os alunos da escola militar aber-ta para filhos e familiares de militares e do pblico em geral so recrutados por meio de seleo e so provenientes da clas-se mdia intermediria ou mdia baixa, com poucas excees da classe mdia alta ou da classe trabalhadora, os alunos das outras nove escolas no se diferenciam socioeconomicamente falando, sendo filhos de famlias com renda de menos de dois salrios, a maioria sendo inscrita no Programa Bolsa Famlia e tendo cursado o ensino fundamental pblico. Embora a lei da criao de escolas profissionalizantes permita que 20% dos alunos tenham estudado em escolas privadas no ensino fun-damental, a presena nestas escolas de alunos com esse perfil ainda no comum. De qualquer forma, o que queremos res-saltar aqui que, excetuando a escola militar, no h diferen-a socioeconmica entre os alunos dos dois grupos. A quase totalidade de ambos os tipos de escola de famlia de baixa renda, com a conhecida consequncia que os pais possuem uma escolaridade precria. A renda familiar, portanto, no um fator explicativo do maior ou menor sucesso cognitivo dos alunos dessas nove escolas. Da mesma forma, contrariando o que comumente se pensa, poucos alunos trabalham; a grande maioria apenas estuda. Ficando claro, no entanto, que a pes-quisa se dirigiu a escolas e turmas funcionando pela manh e/ou tarde. A pesquisa nada revela sobre o ensino noturno que certamente o mais crtico.

  • 20

  • 1 Retrato-sntese de cinco escolas com alto desempenho escolar

    1.1. Escola Portinari3

    A escola Portinari se distingue de outras escolas de di-ferentes maneiras. Primeiro, por ser uma escola de ensino regular em tempo integral (das 7h15 s 11h50 e 13h15 s 17h00) por vontade prpria do ncleo gestor e dos profes-sores desde 2006. Segundo, por ser uma das escolas mais antigas do Estado do Cear; o prdio imponente e bonito, com p direito alto, portes altos, paredes largas como no se fazem mais. O prdio impe solidez e confiana; parece ter sido construdo para ter resultados, qualidade e perma-nncia. Terceiro, por estar situado no centro da cidade, no sendo, portanto, de bairro, o que livra a escola de gangues, drogas, violncia, recebendo um alunato com projeto de vida, como disse um professor.

    A conversa com o diretor e a coordenadora pedaggi-ca deixa muito claro que a principal preocupao da escola

    3 Na tentativa de proteger o anonimato das escolas, usamos aleatoriamente nomes fictcios de pintores brasileiros e cearenses famosos.

  • 22 Retrato-sntese de cinco escolas com alto desempenho escolar

    pedaggica, preocupao compartilhada por professores e alunos. Tudo respira estudo e tudo orientado para favorecer a aprendizagem dos alunos. A comear pelo planejamento das atividades, considerado essencial e permitido por causa do tempo integral, que altamen-te valorizado e considerado uma das chaves do sucesso da aprendizagem. O planejamento didtico ocorre trs vezes por semana: s teras, Linguagem e Cdigos; s quartas, Cincias da Natureza e Matemtica; e, s quin-tas, Cincias Humanas. Tudo planejado e pactuado entre o ncleo gestor e os professores. Assim observa-se na escola organizao e disciplina, que no parecem impostas, mas consentidas e compartilhadas. O horrio de incio dos trabalhos escolares, 7h15, respeitado, com cinco minutos de tolerncia. Aps esse tempo, o aluno atrasado no entra na sala de aula. Alunos e professores pouco chegam atrasados. No h correria nos corredores, nem alunos perambulando toa durante as aulas que tm rigorosamente de 45 a 50 minutos de efetivo tempo letivo, no havendo baguna nas aulas, nem durante o almoo num refeitrio improvisado. H tarefas de casa e uma obrigao de leitura de pelo menos nove livros paradidticos por ano. O planejamento visa proteger ao mximo o tempo letivo; por exemplo, festas e comemo-raes no ocorrem em horrio de aula; no h liberao de aluno em dia de prova. Horrio de aula sagrado, repete o diretor. Percebe-se que h um foco: o aluno e a sua aprendizagem, at as refeies e a natao (h uma piscina na escola) so consideradas pedaggicas; a edu-cao fsica ocorre aps as 17 horas para no perturbar com o barulho.

  • 23Retrato-sntese de cinco escolas com alto desempenho escolar

    Mas quem so os alunos? So 560 alunos nas trs s-ries, com aproximadamente 40 alunos por turma. Os alu-nos foram matriculados aps um processo de seleo com entrevista, o que garante alunos diferenciados para a esco-la, isto , alunos comprometidos com os estudos. Eles vm predominantemente de escolas municipais que no pos-suem ensino mdio. Mas h tambm alunos provenientes de escolas particulares, o que presta tributo qualidade da escola, mas que, ao mesmo tempo, provoca um desequil-brio na aprendizagem dos alunos, j que o ensino funda-mental em escolas particulares de melhor qualidade do que o da escola pblica. Assim tambm h entre os alunos um diferencial de renda que amenizado com a obrigao de uma farda. Mesmo assim, o questionrio aplicado aos alunos mostra que a maioria deles mora com os pais, que a renda da famlia gira em torno de dois salrios mnimos, que poucas recebem Bolsa Famlia. H ainda outras que possuem uma renda mais elevada, o que marca a diviso de alunos vindo da escola pblica ou da escola privada.

    um aluno que deseja aprender e est pronto a se de-dicar aos estudos, j que frequenta um colgio de tempo in-tegral e declara estudar em casa at duas horas, em mdia, noite, para cumprir as tarefas passadas pelos professores. So tambm alunos com um objetivo definido: querem entrar no ensino superior aps terminar o ensino mdio e cursar medi-cina, publicidade, educao fsica, administrao, engenharia eltrica ou outros cursos. Segundo um membro do ncleo gestor, 96% dos alunos entraram em universidades pblicas (UECE, IFCE, UFC) em 2012 e 45% em 2013. O motivo dessa queda seria a perda de timos professores. Mudana de pro-fessores muito negativo.

  • 24 Retrato-sntese de cinco escolas com alto desempenho escolar

    Os alunos gostam da escola, destacando a qualidade do ensino, das aulas dinmicas, dos professores; gostam tambm dos colegas, do ambiente e do empenho dos coordenadores e da direo. Em suma, eles prezam a possibilidade que a es-cola oferece de lev-los ao ensino superior. Os alunos no re-clamam de violncia, baguna ou falta dos professores. Eles faltam raramente. Reclamam, todavia, da qualidade da ali-mentao, da falta de manuteno dos laboratrios, da pre-cariedade dos banheiros e, de modo geral, de uma estrutura escolar melhor j que nela passam o dia inteiro.

    A escola Portinari conta, portanto, com uma maioria de alunos de famlias de baixa renda e de alguns com renda mais elevada, com pais com pouca escolaridade; esses alunos no trabalham e, sobretudo, gostam de sua escola e se dispem a estudar por desejarem entrar no curso superior e seguir uma carreira que exige graduao. Isso pode explicar o ambiente da escola favorvel ao estudo quando somado paixo peda-ggica do ncleo gestor.

    E os professores? So 58 ao todo, sendo 41 efetivos e 17 temporrios, todos com a formao tpica do professorado da rede estadual do Cear (graduao completa, muitos com es-pecializao). O interessante, todavia, que o testemunho dos docentes se harmoniza com o dos alunos e do ncleo gestor. Como diferencial da escola, eles destacam: o pblico-alvo, isto , os alunos que vm de famlias estruturadas, no trabalham e estudam; o tempo integral, a disciplina, o planejamento pe-daggico, os conselhos de classe4 e o interesse e a dedicao

    4 Conselho de classe uma instncia que existe em todas as escolas da rede esta-dual. Tem como funo discutir o caso de cada aluno em particular, levando em considerao desempenho, comportamento, participao e, muitas vezes, suas relaes familiares e comunitrias. Geralmente, responsvel pela aprovao/reprovao de alunos em situao crtica em relao a desempenho acadmico.

  • 25Retrato-sntese de cinco escolas com alto desempenho escolar

    do ncleo gestor. No h alunos fora de faixa etria, j que com dezoito anos os possveis alunos so encaminhados para a Educao de Jovens e Adultos (EJA). Por essas razes eles consideram boa a aprendizagem dos alunos. A maioria dos professores trabalha em uma escola somente, com uma carga de trabalho de 40 horas semanais. Mas eles alertam que h uma evaso de professores para outros empregos em busca de maior ganho salarial.

    Essa escola tem uma particularidade, j que trabalha em tempo integral, mas no profissionalizante: os dois expedientes so dedicados aprendizagem das matrias do ensino mdio regular, havendo uma concentrao sobre o contedo.

    Bonito, com sua arquitetura belle poque, o prdio apresenta deficincias e necessita de investimentos em re-forma e manuteno, apesar de ter sido construdo um ane-xo para receber os laboratrios, uma bonita biblioteca, uma cozinha e um refeitrio.

    Como todas as escolas estudadas, essa precisaria re-ceber alunos melhor preparados pela escola fundamental para garantir a qualidade da aprendizagem de seus alunos. A falta de uma boa base dificulta o desenvolvimento cog-nitivo dos alunos. A escola no possui quadra coberta, o que, surpreendentemente, no foi objeto de reivindicao durante a pesquisa. Tambm os pesquisadores acharam que as artes e os esportes no so objetos de grande aten-o, embora tenha uma piscina, aulas de educao fsica e ensino da disciplina curricular artes e educao.

    Fica, portanto, claro o perfil da escola, cuja fora reside num clima de estudos compartilhado por alunos, profes-sores e ncleo gestor, clima construdo sobre o alicerce da

  • 26 Retrato-sntese de cinco escolas com alto desempenho escolar

    dedicao dos alunos e dos professores, da atitude insisten-temente pedaggica do ncleo gestor, do tempo integral, da preservao do tempo letivo integral, da disciplina, do constante planejamento didtico e da organizao adminis-trativa entre outros fatores.

    1.2. Escola Alfonso Lopes

    A escola Alfonso Lopes uma escola militar, uma das trs do Estado do Cear. Uma federal e outras duas so regidas pela rede escolar estadual em colaborao com a Secretaria de Segurana. Essa situao torna a escola pecu-liar entre as 10 estudadas; ela tem todas as caractersticas de uma escola de classe mdia, enquanto as outras rece-bem uma clientela da classe trabalhadora ou mesmo do lumpemproletariado. Primeiro, 50% dos alunos so filhos ou familiares de militares, o que assegura um nvel uniforme de escolaridade e de renda que, embora no seja alto, , pelo menos, de classe mdia baixa. Os outros 50% so de famlias de civis e ostentam maior heterogeneidade, j que vo do filho do juiz at o filho do pedreiro, o que consi-derado positivo por um membro do ncleo gestor. A mis-tura de classe no cria problemas; ela ajuda na formao do carter. Segundo, a escola cobra uma mensalidade de R$ 30,00 para civis e R$ 20,00 para os militares, segundo um interlocutor. Outro depoente, todavia, falou em R$ 25,00 e R$ 12,50, mas as famlias que comprovam no terem con-dies financeiras so dispensadas, isso apesar de a escola ser mantida e financiada por duas secretarias do estado: a Secretaria de Segurana e a de Educao.

  • 27Retrato-sntese de cinco escolas com alto desempenho escolar

    Uma terceira caracterstica que torna a escola de clas-se mdia que ela ministra o Ensino Fundamental I e II, o Ensino Mdio e a Educao de Jovens e Adultos, num total de 1.500 alunos. Isso assegura uma continuidade da qualidade entre o ensino fundamental e o ensino mdio. Outra caracterstica o alto nvel de participao dos pais na escola. As reunies peridicas de pais atraem de 400 a 500 pessoas, frequncia que no ocorre em escolas pblicas. Tipicamente os pais de classe mdia acompanham mais de perto a evoluo escolar de seus filhos, do um forte apoio e exigem mais da escola, o que, sem dvida, se reflete na qualidade da aprendizagem.

    Mesmo assim a escola no de tempo integral, salvo para os alunos do 3o ano e isso apenas desde 2013, e no se destaca pela qualidade do prdio e nem dos equipamentos didticos, que so humildes e at pobres para uma escola de alto gabarito e prestgio. A exceo uma piscina para treinos e campeonatos e uma excelente quadra esportiva coberta que serve tambm para reunir os alunos na hora do intervalo. Os esportes so muito valorizados, atletas do colgio participando de campeonatos, torneios; h vrios times de futsal que alimentam uma excelente seleo. Mas os laboratrios de informtica, fsica, biologia e qumica so bsicos. As salas dos membros do ncleo gestor e dos professores so demasiadamente pequenas e sem conforto.

    H outro fator que distingue essa escola de outras: o fato de os professores serem militares (20 vinculados Secretaria de Segurana) e civis (79 ligados Secretaria de Educao), o que acarreta uma diferena salarial (os civis ganham de 7 a 8 reais por aula e os militares de 20 a 40, segundo a patente) e de existir uma ntida diviso de

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    trabalho entre militares dedicados disciplina juntamente com o ncleo gestor e professores militares e civis encar-regados to somente do aspecto pedaggico. Uma carac-terstica do colgio a separao entre disciplina e sala de aula, a disciplina ficando por conta do ncleo gestor e dos militares. Assim o professor civil ou militar pode se entre-gar totalmente ao trabalho pedaggico, explica um mem-bro do ncleo gestor. Essa diviso das tarefas explicita bem a importncia dada disciplina como fator de formao do corpo e do carter, embora deixe um ambiente tenso e seve-ro na tica do visitante e do pesquisador. Vrios e ubquos so os propostos disciplina. Mas preciso acrescentar que o objetivo no somente uma disciplina favorvel ao es-tudo, mas uma disciplina formadora de militares. Alguns alunos criticam o que eles chamam de militarismo.

    Os professores militares ou civis possuem a titulao tpica dos docentes da rede escolar estadual com a distin-o de que em torno de 90% possuem especializao. Eles dizem ensinar com prazer no colgio, embora, segundo eles, a procura da escola por professores em lotao seja baixa porque nessa escola se trabalha demais; a escola e os pais cobram muito. Um professor confidenciou a um cole-ga que retornaria a sua antiga escola porque aqui ele tra-balha demais.

    Para o ncleo gestor e os professores vrias razes, alm do que foi dito, explicam a qualidade da aprendiza-gem dos alunos. A principal tem a ver com a clientela: os alunos tm vontade de estudar; eles so selecionados por meio de testes desde o ensino fundamental quando se sub-meteram a uma prova para entrar na escola. Por sua vez, os professores acreditam nos alunos e nas suas capacidades

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    de aprender e chegar ao ensino superior. So 6 horas-aula por dia, com o acrscimo de uma 7a como reforo para o SPAECE5 e o ENEM, alm disso h uma ampla grade curri-cular. Dentro da grade, so previstos recreao, programa de sade, natao, defesa civil e, no contra turno, natao, artes marciais, futsal e artes (teatro e msica). Um profes-sor observou que os alunos com problemas (psicolgicos, famlia fragmentada, pais divorciados etc.) so os melhores em artes marciais. H, portanto, atividades curriculares e extracurriculares. No h indisciplina, nem violncia na es-cola e h ainda um rgo interno especializado no combate violncia que a Companhia de Alunos, um grupo de alunos organizado militarmente. Os professores demons-tram compromisso de maneira que os alunos acreditam que possam levlos ao ensino superior e a uma profisso. Os professores podem contar com um ncleo gestor presente e atuante. H uma psicopedagoga trabalhando na escola. A FUNCAP6 oferece bolsas-jnior de cincias e o material didtico bom, resultado de um convnio com um bem conceituado colgio particular. Os professores faltam pouco e, quando faltam, telefonam e indicam o material didtico a ser utilizado por um professor militar substituto, de maneira que os alunos no ficam sem aulas. Um levantamento jun-to a 23 alunos do terceiro ano mostra que suas famlias tm uma renda entre dois e cinco salrios mnimos, quatro delas vivendo com mais de cinco salrios. Mostra ainda que a qua-se totalidade dos pais cursaram pelo menos o ensino mdio

    5 O Sistema Permanente de Avaliao da Educao Bsica do Cear (SPAECE) a principal avaliao externa do estado. Todas as escolas pblicas do Cear devem realizlo anualmente.

    6 Fundao Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico.

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    e que somente duas das famlias esto inscritas no Bolsa Famlia. Enquanto quatro alunos trabalham ajudando os pais e dois fazem bicos, dezessete somente estudam e todos querem continuar os estudos no ensino superior. Enquanto um considera a escola regular, catorze a consideram boa, e oito, tima. Oito dos alunos vivem com a me; um, com o pai; outro, com a av; e treze, com os pais.

    Diante desse quadro, como essa escola poderia me-lhorar ainda mais e rivalizar com as melhores escolas particulares em termos de escores no ENEM? Uma di-ficuldade que as escolas particulares vm garimpar os melhores alunos da escola, oferecendo-lhes vantagens atraentes. Isso diminui a mdia da escola. Tambm a car-ga horria, segundo os professores, menor do que nas escolas particulares, que ainda possuem menos limitaes administrativas. H, ainda, a presena do professor tem-porrio, sempre susceptvel de deixar a escola, atrapa-lhando o andamento dos trabalhos.

    1.3. Escola Mateus

    Um dos vigias dessa escola exerce a profisso h treze anos, tendo trabalhado em diversas escolas da cidade de Fortaleza. Baseado na sua experincia, ele aponta logo o diferencial dessa escola: Os alunos. No h violncia, nem droga. Quem estuda numa escola como essa porque quer estudar, aludindo ao funcionamento da escola em tempo integral. Das 7h10 s 16h40, nove aulas geminadas por dia, na maior disciplina. que existe uma rotina escolar que observada por todos, ajudada pelo fato de no faltar nada.

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    Em outras escolas h alunos que no querem nada. Aqui no. E no falta material, papel, livros, data show, dizem os professores.

    No que a escola seja ideal, longe disso. Ela antiga, uma das mais antigas da cidade. A entrada muito bonita e aconchegante, tendo na frente um vasto estacionamento de terra batida, com rvores frutferas que geram sombras muito apreciadas no calor cearense. Nesse espao h tam-bm uma pequena quadra descoberta e uma espcie de rea de lazer com mesas e cadeiras. Mesmo necessitando de uma melhor manuteno, o espao cria um ambiente altamente favorvel ao processo de ensinoaprendizagem. O prdio foi adaptado (crtico, um professor diz que recebeu uma mo de tinta) para tornarse escola profissionalizante ins-pirada e regida pela filosofia e diretivas do projeto Modelo de Gesto-Tecnologia Empresarial Socioeducacional (TESE), concebido em Pernambuco. A escola limpa, mas envelhe-cida, com moblia antiga. Ela parece uma velha senhora dig-na. H um refeitrio e uma cozinha no muito grande, com cinco cozinheiros e ajudantes; banheiros; uma tima quadra coberta e armrios individuais para o aluno guardar seus pertences. A biblioteca bem iluminada, com um acervo de 8.787 volumes, segundo a responsvel, alm de uma sala de multimeios e outra, muito estreita, que serve de sala de v-deo. Os laboratrios so apenas bsicos e h duas salas de informtica, com 40 computadores cada, em pleno funcio-namento. As salas de aula no possuem refrigerao a no ser as salas do 3o ano, que tm aparelhos de ar condicionado defeituosos. Em suma, uma escola com um charme prprio, mas que precisaria de uma requalificao para tornarse mais atraente e adequada ao trabalho intelectual.

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    Os professores se sentem bem trabalhando na escola. Gostam do ambiente, e da escola destacam vrias caractersti-cas. Em primeiro lugar, o trabalho em conjunto dos docentes; o planejamento, a organizao e o entrosamento entre os pro-fessores das diferentes reas, inclusive das reas tcnicas. H metas a serem atingidas. O tempo integral, tanto dos alunos como dos mestres permite um maior conhecimento e vnculo entre eles e um acompanhamento pedaggico mais intenso, estabelecendo uma rotina de trabalho que no quebrada por indisciplina, baguna nas salas de aula, atrasos ou faltas de alunos e professores. Se um aluno faltar, ele telefona para justificar sua ausncia. Os alunos se dedicam aos estudos. Os professores julgam que os laboratrios no so ideais, j que possibilitam somente o bsico. Segundo declaram, o tempo das nove aulas dirias de cinquenta minutos totalmente consagrado ao ensino, havendo pouca interrupo ou desvio. Caracterstica prpria da escola, que as tarefas de casa so realizadas ao longo do dia na prpria escola, j que a carga ho-rria bastante exigente. Os professores elogiam o projeto do diretor de turma.7 Em suma, os professores no consideram que as condies de trabalho so ideais, mas que a estrutura da escola e sua cultura interna permitem um trabalho srio. Eles avaliam a escola como de boa a regular.

    7 O Projeto Professor Diretor de Turma foi mais uma ideia importada com suces-so nas escolas cearenses. Esse projeto, originalmente executado em Portugal, visa a que cada turma da escola seja acompanhada de perto por um professor, como se esse profissional fizesse o papel de coordenador escolar s daquela tur-ma em especfico. A inteno aproximar os profissionais dos alunos e tentar descobrir dificuldades e potencialidades de cada aluno, personalizando, assim, o ensino. Contudo, algumas crticas so comuns ao projeto porque o professor passa a exercer uma funo que no a de docncia, o que pode se caracterizar como a prtica de profissional polivalente, muito comum na forma de organi-zar o trabalho no toyotismo a fim de superexplorar o trabalhador.

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    A escola possui doze turmas que variam de quaren-ta a quarenta e cinco alunos. O que dizem os alunos? Vale notar antes de tudo que essa escola no de bair-ro. Ela central e recebe alunos de vrios bairros, da periferia ou no, o que, de per se, implica um processo de seleo oculto. Mas existe ainda uma seleo base-ada na anlise do histrico escolar, de maneira que o aluno que no esteja disposto a se dedicar aos estudos eliminado antes mesmo da matrcula. Os professores consideram que o funcionamento da escola em tempo integral j constitui uma seleo, afastando o aluno sem desejo de aprender, cujo destino ser a escola comum, isto , a escola de bairro, como a maioria das que pes-quisamos no grupo das escolas com baixo desempenho no ENEM, e que no so profissionalizantes.

    Os alunos gostam; sentem-se bem em estudar nessa escola que, dizem, possui timos professores dedica-dos, alunos interessados. Elogiam a qualidade do en-sino. Segundo o testemunho de um aluno do terceiro ano: Escola excelente; no me arrependo de ter entra-do nela. Outro anotou no questionrio: Quem faz a escola somos ns, professores e alunos, passem este re-cado para as outras escolas. Questionrios aplicados a 20 alunos de uma turma de 3 ano, interrompendo uma aula no laboratrio de informtica, revelam que 40% dos alunos vivem em famlias segmentadas, o que um nmero elevado. A grande maioria das famlias possui casa prpria e ganha de 2 a 5 salrios mnimos, sendo que apenas trs vivem do salrio mnimo, embo-ra quarenta por cento recebam o Bolsa Famlia. A sur-presa fica por conta da escolaridade dos pais: dez pais

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    terminaram o ensino mdio e um, o ensino superior, en-quanto cinco mes possuem formao superior e nove concluram o ensino mdio, o que retrata uma escolari-zao superior dos pais de outras escolas estudadas. Se trs alunos trabalham informalmente fazendo bico e um ajudando os pais, dezesseis apenas estudam. En-quanto um aluno pretende trabalhar aps a concluso do terceiro ano e outro quer continuar na profisso que est estudando, todos os outros dezoito desejam entrar no ensino superior. Mas o que retrata bem a satisfao dos alunos na escola que cinco a avaliam como tima e doze, como Boa, com justificativas adequadas: ensino de qualidade, professores e gesto comprometidos, in-fluncia crtica etc.

    1.4. Escola Tarsila do Amaral

    Impressiona a descida dos alunos em direo ao re-feitrio aps a sirene de som baixo anunciar o incio do almoo. Por ser uma escola de adolescentes, esperava--se uma corrida desordenada em busca dos primeiros lugares na fila do self service. Nada disso; nem correria, nem gritos, nem empurra-empurra; ao contrrio, mo-as e rapazes deixando suas respectivas salas de aula conversando e descendo uma longa rampa sem nenhu-ma precipitao, na certeza que sero bem atendidos. O momento de tranquilidade e confiana o que pode ser tomado como marca da escola. De fato, nela se res-pira tranquilidade e confiana, a certeza que as coisas esto dando certo e na medida desejada por todos, fun-

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    cionrios, alunos, professores e ncleo gestor. Em vez de tranquilidade e confiana, poderseia dizer ordem e disciplina se essas palavras no fossem associadas a autoritarismo, represso, fiscalizao. Se h, sim, uma preocupao do colegiado com a ordem e a discipli-na, no h necessidade de vigilncia ostensiva; no se constatam sinais exteriores de disciplinamento, j que a tranquilidade flui normalmente na maneira de agir dos alunos e dos mestres.

    Essa mesma situao ordeira constatada durante as aulas, j que no h ningum perambulando pelos corredores e que somente se escuta o murmrio das au-las. A impresso que a situao causa de que cada um est a postos, fazendo o que tem de fazer. Cada um a postos como numa orquestra: as cinco funcionrias en-carregadas da alimentao vestidas de branco cuidan-do de seu ofcio numa cozinha pequena, mas limpa; o ncleo gestor e de apoio nos seus diferentes gabinetes e os professores em sala de aulas com alunos participa-tivos ou na sala dos professores planejando atividades didticas.

    Os dizeres dos alunos so assertivos, tanto oral-mente quanto por escrito, pois demonstram saber o que querem, confirmando e explicando as impresses men-cionadas de tranquilidade, confiana, disciplinamento interior e acrescentam outra virtude: o entusiasmo pelo estudo e pelo colgio, no sem expressar existir certo grau de tenso, ansiedade e at angstia. Gostam da escola pelos seguintes atributos que eles enxergam, de forma quase unnime: qualidade da aprendizagem e do ensino proporcionados por um ncleo gestor e por

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    professores que compem uma equipe focada no aluno; profissionais dedicados, qualificados, responsveis e com gosto para ensinar. Os alunos ainda reconhecem e elogiam o esforo e a aplicao que dedicam ao estudo; alm das nove aulas dirias, aulas de cinquenta minu-tos, dos quais 45 minutos de ensino efetivo, eles decla-ram trabalhar em casa, noite, de duas a trs horas, nas tarefas passadas pelos professores. Apreciam tambm fazer, no ltimo semestre, no perodo da tarde, um est-gio em empresas de sua especializao escolhida entre administrao, informtica, enfermagem, massotera-pia, comrcio, redes de computadores, cursos tcnicos oferecidos atualmente pela escola, e recebendo meio sa-lrio mnimo pago pelo governo do Estado. Apesar de gostar dos cursos tcnicos, 100% desejam ingressar no ensino superior, quer na regio, quer em Fortaleza.

    Quem so esses alunos focados e motivados pelo estudo? So filhos de mes que terminaram: o ensino fundamental I (20%), o ensino fundamental II (18%), o ensino mdio (40%), o ensino superior (10%); uma no estudou e outra nada declarou; e cujos pais concluram o ensino fundamental I (40%), o ensino fundamental II (20%), o ensino mdio (16%), o ensino superior (16%), 1 no estudou e sobre outros 2 no h informao. A maioria dos alunos mora com pai e me (madrasta) (60%), enquanto 30% moram somente com a me. A grande maioria das famlias proprietria da casa onde mora (84%) e tem uma renda de um a dois salrios m-nimos, sendo que 60% recebem o Bolsa Famlia.

    Os depoimentos orais e escritos dos professores vo no mesmo sentido j que apontam a escola como

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    voltada para a qualidade do ensino e da aprendizagem, mantendo foco no aluno. Eles se definem como dedica-dos e entusiastas da escola, embora a maioria seja tem-porria, sendo graduados e com especializao, com sete anos em mdia de atividade no magistrio, qua-tro na rede estadual. A grande maioria trabalha apenas numa escola, entre 30 e 40 horas semanais, no possui outro emprego e ganha at trs salrios mnimos, com uma renda familiar maior, variando de cinco a sete sa-lrios. Os professores consideram boa a qualidade da aprendizagem dos alunos. No entanto, eles se queixam do salrio (no recebem a gratificao prometida por trabalharem em uma escola profissionalizante) e da m gesto governamental, sobretudo no que diz respeito estrutura fsica: salas de aulas quentes e deterioradas; rachaduras nas colunas e paredes; cadeiras, equipa-mentos didticos e tecnolgicos defeituosos. Segundo reportam, no h manuteno verdadeira: tudo ma-quiado. Eles no responsabilizam o ncleo gestor, que elogiam, mas o prprio governo do Estado e sua Secre-taria de Educao. Eles, como os alunos e o ncleo ges-tor, aspiram ter um novo edifcio padro MEC.

    A grande limitao da aprendizagem o fato de os alunos serem oriundos de um curso fundamental pbli-co fraco (no h alunos provenientes de escola privada); os alunos chegam despreparados e a seleo feita se-gundo o currculo que escolas, muitas vezes, maquiam para o aluno entrar. O processo seletivo inadequado, havendo necessidade, no primeiro semestre, de um ni-velamento; os alunos do segundo ano so monitores dos alunos do primeiro. Ningum mencionou que a es-

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    cola deficiente em atividades esportivas e artsticas que se reduzem s aulas de educao fsica e de artes.

    O ncleo gestor confirma os dizeres dos alunos e professores, acrescentando detalhes importantes como: no h violncia, nem drogas na escola; s ocasional-mente alunos e professores atrasam ou faltam; no h carncia de professores; o tempo letivo gira em torno de 45 minutos em cada aula de cinquenta minutos; os professores passam tarefas e os alunos estudam de uma a duas horas em casa, noite; so trinta e sete profes-sores, vinte da base comum, quatro do ncleo gestor. Cinco so efetivos. H onze diretores de turmas para 422 alunos e onze turmas com uma mdia de trinta e nove alunos por sala, embora, no incio do ano, haja quarenta e cinco alunos por sala. A diminuio do n-mero de alunos por sala explicada pelas transfern-cias que ocorrem por diversos motivos: alunos que no conseguem o curso tcnico escolhido em primeira op-o; outros que no se enquadram na dinmica da es-cola ou acham o curso pesado e se transferem; famlias que se mudam, etc. H, a cada ano, mais alunos fazendo o SPAECE e o ENEM.

    O que essa escola precisaria para melhorar seu desempenho na aprendizagem dos alunos, segundo membros do ncleo gestor e professores? Alunos com um preparo melhor vindo do ensino fundamental; um processo seletivo adequado; melhores salrios dos pro-fessores; um novo prdio; melhores equipamentos e la-boratrios; um maior nmero de pessoal de limpeza e mais recursos financeiros. Sem esquecer o bife em vez do repetitivo frango no almoo!

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    1.5. Escola Antnio Bandeira

    Talvez a melhor forma de introduzir esta escola da regio metropolitana passe pelas anotaes de um dos pesquisadores no seu dirio de campo. Ao chegar ao porto principal no havia porteiro e o porto ficava aberto. Isso foi uma surpresa para mim porque estou acostumado a ver escolas com portes sempre fechados por dois motivos, a meu ver: 1) para evitar que a vio-lncia das ruas entre na escola e 2) para evitar que alu-nos fujam das aulas... Ao passar pelo porto, veio mais uma surpresa: a escola estava to silenciosa e calma que cheguei a pensar que no havia aula naquele momen-to. S quando vi alunos atravs das vidraas das salas de aula que percebi que estava tendo aula. No havia nenhum aluno sequer fora de sala, nos corredores. O silncio dessa escola sem vigilncia ostensiva realmente impressiona, bem como a limpeza e belos jardins. Tudo isso transmite um ambiente de tranquilidade e clima de estudo, em que cada um est desenvolvendo suas tare-fas; os professores esto a ensinar, os alunos a estudar, o ncleo gestor a planejar e os outros servidores a fazer a limpeza e a preparar a merenda e o almoo.

    A escola profissionalizante, contando com os cur-sos tcnicos de agroindstria, enfermagem, finanas e informtica. So 473 alunos distribudos em 12 turmas estudando em tempo integral, das 7h00 at as 11h30 e das 13h10 at as 16h40, no final da tarde ou no interva-lo do almoo podendo ter reforo escolar. Alm disso, professores e alunos concordam em dizer que eles estu-

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    dam de uma hora e meia a duas horas em casa noite. Uma me disse: comum meu filho estudar at meia noite, uma hora; morro de pena dele.

    No primeiro ano a escola desenvolve um trabalho de nivelamento do conhecimento dos alunos. Aps um diagnstico desse conhecimento, os professores pas-sam, aproximadamente, um ms revisando assuntos bsicos e h um livro de acompanhamento da apren-dizagem. Esses alunos so filhos de famlias de baixa renda, de at trs salrios mnimos, a mdia girando em torno do salrio mnimo. Consta que 85% das famlias esto inscritas no Bolsa Famlia. Em 2012, trs desses alunos entraram no curso de medicina da UFC, um de uma famlia com bolsa-famlia e dois de famlias rece-bendo um salrio mnimo.

    Os professores, por sua vez, trabalham exclusiva-mente na escola, isso valendo tanto para professores da base regular como da base profissionalizante. So, ao todo, quarenta e um professores e cinco do ncleo gestor, somente cinco sendo professores efetivos, quase todos formados em instituies superiores pblicas. Os professores do vinte e sete aulas e treze horas de pla-nejamento na escola, sendo que uns poucos do vinte trs aulas no horrio normal e quatro aulas de refor-o na hora do almoo. Cada professor tem um pero-do de folga e quem d reforo ganha dois perodos de folga para resolver seus problemas (mdico, dentista, compras, etc.). Vale salientar que os professores so re-crutados por meio de seleo especfica havendo apro-ximadamente trs candidatos por vaga. Houve dois professores que deixaram a escola no ano anterior por

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    acharem o trabalho muito puxado. O professor sem compromisso no consegue ficar, afirma um docente.

    O que de fato constitui o diferencial dessa escola em comparao com outras segundo opinies orais ou escritas do ncleo gestor, dos professores e dos alunos? H aqui um consenso em torno das seguintes caracte-rsticas da escola. Alunos comprometidos com os es-tudos, que querem aprender e se dedicar aos estudos, em tempo integral, inclusive noite, em casa. O tempo integral destacado por todos; vale notar um tempo in-tegral totalmente dedicado a aulas curriculares, reforo e cumprimento de tarefas passadas pelos professores. No h nfase dada aos esportes e s artes alm das aulas de educao e arte e educao fsica. O tempo le-tivo assinalado por todos: as aulas de 50 minutos so totalmente dedicadas ao ensinoaprendizagem, no ha-vendo tempo perdido com a indisciplina. A disciplina, alis, destacada por todos, no havendo nenhuma for-ma de violncia ou baguna na escola. H, sim, uma disciplina consentida e internalizada pelos alunos, j que no existe vigilncia explcita e que todos os por-tes esto constantemente abertos. A escola um am-biente aberto.

    Outros fatores positivos so o compromisso dos professores com o ensino e a aprendizagem. Sua dis-ponibilidade em ensinar at no intervalo do almoo ou aps um longo dia de trabalho. Os professores traba-lham alegres na escola e dela tm orgulho. Isso contribui para um ambiente de estudo. Devem ser citados ainda: a dedicao e bom entrosamento do ncleo gestor com alunos e professores e a nfase dada ao planejamento e

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    organizao, o que cria uma motivao coletiva pelo resultado e um clima amistoso. Tambm um diagns-tico realizado no incio do primeiro ano que identi-fica as carncias; o modelo multidisciplinar adotado em avaliaes, a exemplo do ENEM. Positiva ainda a quase que inexistncia de faltas e atrasos dos professo-res, detalhe que prova interesse pela escola. Para isso contribui o fato de a maioria dos professores morar no municpio e estar com tempo integral na escola, o que aumenta a concentrao dos esforos. O estgio remu-nerado no segundo semestre do 3o ano motiva os alunos e permite a muitos ter um emprego permanente, em-bora estudando noite numa faculdade. Em suma, na escola, todos esto voltados para a sala de aula!

    Mas o que impede a escola de ter resultados ain-da melhores? Sem dvida, a fragilidade do ensino fun-damental que encaminha ao ensino mdio alunos com muitas deficincias, o que dificulta e retarda uma me-lhor e mais completa aprendizagem. A escola precisaria de mais professores de matemtica e de portugus. As-sim como o professor poderia receber uma melhor for-mao durante sua graduao e capacitaes especfi-cas juntamente com uma maior valorizao. O prdio bom, mas no padro MEC e a escola mostra carncias na climatizao das salas de aula, em recursos materiais e tecnolgicos; nem de longe ela se compara com as ino-vaes eletrnicas dos melhores colgios privados.

    O mais interessante que entrevistas e question-rios com os alunos apontam os mesmos pontos positi-vos e negativos apontados pelos professores. Os discen-tes valorizam: a vontade que eles tm de estudar, a qua-

  • 43Retrato-sntese de cinco escolas com alto desempenho escolar

    lidade e dedicao dos professores, a organizao e o planejamento, a disciplina, o respeito aos horrios e s aulas de 50 minutos. As tarefas executadas noite, em casa. Todos ambicionam fazer faculdade e/ou entrar no mercado de trabalho na profisso que esto estudando. Todos acreditam que vo passar.

  • 44

  • 2 Caracterizao das escolas de maior desempenho pedaggico

    2.1. Desejo de aprender

    Talvez a caracterizao de maior relevncia das cin-co escolas acima apresentadas, caracterizao essa pron-tamente apanhada pela observao dos pesquisadores e anotada no dirio de campo, seja a vontade e disposio prtica dos alunos em aprender. Eles desejam aprender e tm satisfao em frequentar uma escola de dois turnos que os incita e leva a aprender. De toda evidncia, os alunos manifestam orgulho de querer aprender e de se preparar para uma profisso que lhes permitir progre-dir na vida. H uma aspirao e uma convico internali-zadas de que o estudo o caminho que vai lhes permitir vencer na vida e ter uma vida melhor do que a vida ca-rente de seus pais. Eles no tm como grupo de refern-cia seus pais; pelo contrrio, apoiados por eles os filhos almejam nveis profissionais e de vida superiores. Essa atitude dos alunos faz com que, na escola, se respire um clima de estudo e de alegria por ter a oportunidade de realmente aprender.

  • 46 Caracterizao das escolas de maior desempenho pedaggico

    Essa caracterstica perceptvel de diversas manei-ras. Nas entrevistas coletivas e nos questionrios indi-viduais, raros so os alunos que dizem querer trabalhar aps o trmino do ensino mdio; mesmo aqueles que as-sim se pronunciam, deixam claro que pretendem conti-nuar os estudos de qualquer maneira. A grande maioria tem como objetivo internalizado, consciente e verbali-zado entrar no ensino superior, formarse e seguir uma carreira profissional. Outros dizem que vo continuar se especializando na profisso que esto aprendendo na escola, no caso das escolas profissionalizantes. Todos de-claram ter uma atitude positiva em face do estudo, o que confirmado pelos professores e pelo ncleo gestor. Em nenhuma dessas escolas os mestres encontram dificulda-de para dar aulas, dever de casa e tarefas escolares. Isso especialmente caracterstica nas escolas que no so militares. Os alunos da escola militar j se comportam como alunos de classe mdia e se dedicam aos estudos sob a influncia e a autoridade no somente do corpo discente, mas, sobretudo, dos pais. Impressionou os pes-quisadores a leveza com que os alunos das quatro outras escolas aceitam nove aulas por dia e ainda o cumprimen-to de tarefas em casa, noite. (Vale aqui relembrar que a escola militar no de tempo integral).

    Em tal ambiente escolar e com o comprometimento dos alunos pelos estudos, no surpreendente que os re-sultados acadmicos apaream e se fortaleam pelos su-cessos obtidos em uma espcie de efeito bola-de-neve.

    Os pesquisadores ficaram por demais surpresos e impressionados pela descoberta de alunos de escolas pblicas se dedicarem com tanta espontaneidade e con-

  • 47Caracterizao das escolas de maior desempenho pedaggico

    sistncia aos estudos. Claramente no essa doce m-sica que se costuma ouvir quando se fala da escola p-blica. Mas talvez se deva dar a seguinte explicao: os alunos dessas escolas, tanto no interior como na capi-tal, so recrutados a partir de um processo seletivo que elimina alunos menos preparados e com atitude menos positiva para com os estudos. Provavelmente, so fi-lhos de pais que, apesar de sua baixa renda e pouca escolaridade, acreditavam que estudar o caminho da mobilidade social. bom frisar, todavia, que anterior seleo dessas escolas, houve uma primeira escolha feita pelas escolas privadas que recebem os alunos com notas mais elevadas e de famlias mais abastadas, o que no significa necessariamente os melhores alunos, se se levar em considerao as qualidades humanas dos jo-vens. Um aluno pobre pode ter maior motivao, maior dedicao e maior perseverana.

    Uma avaliao escolar internacional de grande re-nome o Programa de Avaliao de Estudantes Inter-nacionais (Pisa) mostra com toda evidncia que alu-nos socioeconomicamente privilegiados, cujos pais tm uma escolaridade elevada, possuem uma boa aprendi-zagem escolar e que alunos socioeconomicamente ca-rentes tm um baixo nvel de participao e engajamen-to na escola, um baixo nvel de motivao e dedicao aos estudos e uma baixa autoestima com, portanto, uma aprendizagem deficiente. Mas essas caractersticas no possuem uma fora absolutamente determinante. Al-guns alunos, 6%, apresentam um alto grau de resilin-cia e conseguem quebrar esses condicionantes e igua-lar-se a alunos com alto grau de sucesso. Isso significa

  • 48 Caracterizao das escolas de maior desempenho pedaggico

    que alm de fatores externos ao aluno, tais como, esco-laridade dos pais, situao de classe, ambiente social, h fatores internos, prprios criana e ao adolescente que os levam a desenvolver uma intensa vontade de aprender. Talvez aqui estejamos tratando desses 6% de vitoriosos.

    2.2. Autodisciplina coletiva

    Outra caracterstica chocante e incontornvel que reina nessas escolas uma disciplina capaz de surpre-ender e impressionar as pessoas que se dispuserem a visit-las. O clima de estudo acompanhado por um clima de disciplina, j que se trata de uma disciplina in-teriorizada e sem guardies, nem vigilncia, com exce-o da escola militar que coloca guardas a posto encar-regados de vigiar os alunos e conduzilos gentilmente a suas respectivas sala de aula aps os intervalos. Nas outras no h encarregados da disciplina e tudo corre na mais alta tranquilidade, cada um cumprindo o cami-nho traado, sem corre-corre, sem gritos e sem confu-so. Assim ocorre nos intervalos das aulas e no seu re-comeo, na hora do almoo e nas salas de aulas durante as aulas. O silncio faz parte da composio das escolas. Em duas dessas escolas, o silncio, em pleno horrio das aulas, era tanto que os pesquisadores pensaram que era dia feriado, portanto, sem a presena de alunos.

    Assim sendo, consequncia constatar que no h violncia nessas escolas, nem necessidade de autorita-

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    rismo e punio. Tudo flui da maneira ordeira, prevista e planejada. No h violncia na escola e nem no seu entorno prximo. A localizao dessas escolas talvez explique esse fenmeno. No so escolas de bairro. Elas esto situadas no centro das cidades e recebem alunos de vrios bairros ou distritos o que pode permitir evitar a reunio e o combate de gangues nas escolas. Tambm essas escolas, e talvez pela mesma razo, juntamente com a qualidade dos alunos e de suas famlias, embora no se tenha notado diferenas na composio dessas famlias, desconhecem o uso de drogas.

    Que haja um elevado grau de disciplina em escolas p-blicas surpreende, mas que essa disciplina surja da motiva-o dos alunos surpreende mais ainda e certamente contri-bui grandemente para o elevado nvel de aprendizagem.

    2.3. Tempo letivo

    A motivao dos alunos para a aprendizagem e a in-ternalizao da necessidade da disciplina contribuem sig-nificativamente para que o tempo letivo seja quase que to-talmente cumprido. As nove aulas dirias de 50 minutos utilizam uns 45 minutos de tempo de ensino. J que os alu-nos no vagam pelos corredores e se dirigem de maneira tranquila para as salas de aula aps os intervalos e no ba-gunam dentro da sala, no h descontinuidade no tempo de ensino. O professor pode logo iniciar a lio e aplicar a metodologia que julga conveniente. No h perda de tem-po, descontada a tradicional chamada.

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    A importncia do tempo letivo talvez no seja sufi-cientemente destacada em pesquisas e anlises da quali-dade da aprendizagem e suficientemente levada em con-ta na elaborao de polticas educacionais. Ao contrrio, os pesquisadores julgam o tempo letivo uma varivel ab-solutamente relevante; como aprender se no h tempo adequado de ensino? comum constatar que nas escolas o tempo letivo diminudo pelos mais diversos moti-vos que vo desde o retardo em ganhar a sala de aula, o barulho e a desordem dentro da sala de aula, feriados constantes por motivos absolutamente desnecessrios e desrespeitosos da funo escolar (festa da escola, do di-retor, da padroeira, show na cidade, proco ou prefeito usando a escolas para outros fins etc.), greves, desastres, liberao dos alunos aps provas ou por motivos fteis etc. Poucas escolas utilizam de 40 a 45 minutos dos 50 previstos com um efetivo ensino.

    2.4. Tempo integral

    O quadro de tempo efetivamente dedicado ao es-tudo se completa nas escolas estudadas pela adoo do tempo integral em quatro das cinco escolas, mais uma vez a escola militar se diferencia das outras, j que adota o regime de um turno para alunos do primeiro e segun-do anos. Desta forma, as quatro escolas funcionam das 7h10 s 16h40, um regime de nove aulas dirias, com o almoo servido na escola. Alm disso, a pesquisa apu-rou junto aos alunos, aos professores e ao ncleo ges-tor, de forma unnime, que tarefas so passadas para

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    um estudo noturno caseiro de, em mdia, uma hora e meia. Tudo isso pode parecer muito e at excessivo, mas nem os alunos, nem os professores se queixam e julgam demasiado o tempo pedaggico. Vale assinalar ainda a quase inexistente evaso de alunos. Ela ocor-re em pequeno nmero nas escolas profissionalizantes quando o aluno no sucede em estudar no curso tcnico de sua primeira escolha, no se adapta aos dois turnos, no consegue acompanhar o ritmo do ensino, os pais se mudam de moradia, ou so reprovados. A reprovao pode significar um abandono da escola j que no po-dero acompanhar a turma com aquele curso em que esto matriculados. Infere-se que o abandono ou evaso seja inferior quela encontrada em escolas pblicas co-muns, mas no h nmeros cabais a apresentar. Muitas vezes os dirigentes dessas escolas falam em inadapta-o em vez de evaso.

    2.5. Estgio

    As trs escolas profissionalizantes que, alm de ministrar o currculo do ensino mdio comum a todas as escolas do mesmo nvel, formam para uma determi-nada profisso tcnica, ainda acrescentam um instru-mento de qualificao do aluno: um estgio. Os alunos do segundo semestre do terceiro ano fazem um estgio remunerado numa empresa selecionada do ramo de estudo. O estgio supervisionado e ocupa um turno; alm de experincia e consolidao dos conhecimentos, os estagirios recebem meio-salrio pago pelo governo

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    do estado. A aceitao do estgio generalizada, embo-ra, no momento da prova do Enem, possa provocar um acmulo de trabalho e tarefas nos alunos. O estgio visto pelos alunos e pelos professores como instrumen-tal para uma maior qualificao do alunato.

    Estgio, tempo integral na escola, tarefas notur-nas, tempo de aulas cheio, autodisciplina e desejo de aprender em funo de uma mobilidade social podem explicar que alunos de baixa renda venam a barreira da aprendizagem. Mas essas caractersticas no expli-cam tudo.

    2.6. Ncleo gestor: eixo pedaggico e planejamento

    Evidentemente que os fatores de qualidade descritos at o momento no agem independentemente uns dos ou-tros, mas se superpem e criam uma organicidade din-mica. O desejo de aprender e a disciplina, por exemplo, liberam o ncleo gestor para cuidar do essencial: a ateno pedaggica. Conversando e entrevistando o ncleo gestor das escolas ficou enfatizado que a principal tarefa era o bi-nmio ensino/aprendizagem e que no havia tarefa mais importante. A fala dos dirigentes era totalmente voltada para o aspecto pedaggico e didtico, sobretudo aps as escolas obterem no seu quadro a colaborao de um au-xiliar financeiro. Uma consequncia disso que existe um efetivo planejamento das atividades acadmicas e uma or-ganizao administrativa voltada para a tarefa pedaggica da escola. A uma disciplina suave e efetiva, se junta nes-

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    sas escolas uma organizao cuidadosa e um planejamento participativo do ncleo gestor com os professores, o que produz uma grande sintonia entre os dois grupos.

    2.7. Professores

    Os professores, como mencionado acima, ostentam a mesma qualificao da dos colegas de escolas regu-lares (licenciatura, bacharelado, especializao, mes-trado) e recebem os mesmos salrios de acordo com a qualificao e o tempo de servio. Aos professores das escolas profissionalizantes foi prometida uma gratifi-cao que no foi paga at o momento dessa pesquisa. Mas seguramente as condies de trabalho dos profes-sores que trabalham em quatro delas (a escola militar novamente deve ser diferenciada) so diferentes. Em primeiro lugar, a maioria dos docentes trabalha numa nica escola e isso em tempo integral, o que traz uma srie de consequncias, desde o tempo de dedicao ao ensino, o tempo de planejamento e preparo das au-las, o conhecimento e o entrosamento com os alunos e, surpreendentemente, um acmulo de trabalho e um aumento da responsabilidade. O efeito surpresa ficou por conta dos pesquisadores diante dessa situao. Os professores foram unnimes em declarar que a carga de trabalho aumenta quando se trabalha em tempo inte-gral numa nica escola cujos alunos tambm estudam em tempo integral, o que pode explicar o sucesso de tais escolas em termo de aprendizagem. Todos trabalham

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    mais, alunos e professores, e todos vestem a camisa e por isso a responsabilidade aumenta. Os professores almoam junto aos alunos e, durante o tempo reserva-do refeio, no deixam de ser professores, ou seja,

    continuam em situao de trabalho. Outra maneira de conferir esse dado constatar que so poucos os pro-fessores que se candidatam a um posto nessas escolas e que muitos desistem, preferindo ministrar em escolas menos exigentes, isto , escolas que exigem menos de-dicao e menos trabalho. Outro fator diferenciador que os professores convivem e colaboram com profes-sores de disciplinas variadas, j que trs escolas operam tanto no ensino mdio regular quanto em especialida-des tcnicas. Os professores reagem positivamente com esse entrosamento, que julgam enriquecedor.

    Poucos professores exercem outra atividade, o que significa que o ensino desses professores no se cons-titui em um bico, mas realmente uma profisso le-vada a srio, embora mal remunerada e incerta, j que muitos so contratados como temporrios, o que pode obrigar a interromper o trabalho docente em vista de um emprego melhor. H, portanto, a possibilidade de interrupo da dedicao escola. Os professores di-zem sentir necessidade de aperfeioamento, mas um

    aperfeioamento dirigido, preenchendo lacunas da for-mao e adaptao a novas exigncias de conhecimen-to. Apesar disso, o nvel de satisfao com a profisso, a escola e os alunos alto, o que se manifesta tambm pelos baixssimos atrasos e faltas ao trabalho e pelo en-tusiasmo expresso nas entrevistas e nos questionrios.

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    2.8. Cultura Interna das Escolas

    Talvez fosse possvel resumir o que foi descrito at o momento com o uso da categoria clima escolar.

    Na literatura sobre fatores associados ao sucesso es-colar tem sido recorrente o entendimento de que o clima escolar, ou seja, a cultura interna das escolas (Cunha; Costa, 2009) um dos elementos que favorecem o xi-to de estudantes. Estudos realizados na Amrica Latina reiteram que, ao lado de outras variveis, este um ele-mento-chave de efetividade em nvel da escola o cli-ma positivo traduzido como um ambiente agradvel e favorvel aprendizagem, onde professores e alunos esto vontade, vivenciando um entorno ordenado e tranquilo, compartilhando normas sobre o uso do tempo e disciplina (RACZYNSKI; MUOZ, 2006, p. 280, apud VIDAL; VIEIRA, 2014, p. 35).

    As autoras ainda acrescentam a definio de clima escolar dada por Cunha e Costa (2009, p. 2): conjunto das expectativas recprocas compartilhadas pelos agen-tes do espao escolar, o que parece ser o caso das esco-las aqui analisadas, visto que os sujeitos escolares de-monstram coeso em torno dos objetivos da escola, da aprendizagem e da disciplina principalmente.

    2.9. Deficincias e obstculos aprendizagem

    Nem tudo, porm, perfeito nessas escolas, como se poderia esperar. A pergunta que dirigiu a pesquisa

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    quanto s deficincias e aos obstculos foi a seguinte: o que falta ou poderia ser feito para melhorar os resulta-dos acadmicos de cada escola? Entre o ncleo gestor e os professores a resposta, tanto nas entrevistas quanto nos questionrios, foi o Ensino Fundamental. H, com efeito, um grande obstculo a uma melhor aprendiza-gem nessas escolas pblicas de ensino mdio que a baixa qualidade do Ensino Fundamental cursado pelos alunos recrutados. A quase que totalidade deles, com exceo dos alunos da escola militar, cursou o nvel anterior em escolas pblicas municipais, que, como se sabe, oferecem um ensino precrio, que no prepara para o Ensino Mdio, j que diversas pesquisas conclu-ram que, ao terminar o Ensino Fundamental, o aluno sabe o que deveria ter aprendido ao concluir a primeira etapa desse mesmo nvel de ensino. As escolas tentam compensar com um processo de seleo, que, segundo os mesmos entrevistados, no satisfatrio, precisando encontrar uma melhor frmula para realizlo, e, sobre-tudo, com um semestre de nivelamento, que se mostra insuficiente. A situao permanece delicada j que me-lhorar o Ensino Fundamental no est, evidentemente, ao alcance dessas escolas e da rede estadual. O obstcu-lo , portanto, de peso e arrisca ser permanente se no houver uma reao dos diversos municpios encarrega-dos do Ensino Fundamental.

    O despreparo dos alunos que chegam s escolas exi-ge um trabalho redobrado dos responsveis e professo-res e certamente contribui para diminuir a qualidade dos resultados acadmicos obtidos. Essa dificuldade, a falta de base, , declaradamente, o grande entrave das

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    escolas. Podese dizer que o despreparo mina os esfor-os da escola por dentro, de maneira imperceptvel, um pouco como o cupim enfraquece linhas que suportam um telhado.

    2.10. Infraestrutura

    O estudo de Abrcio (2010, p. 263) reconhece que a infraestrutura das escolas exerce efeitos sobre os re-sultados acadmicos dos alunos. Se a infraestrutura das escolas pesquisadas deve ser considerada boa em comparao com a grande maioria das escolas pbli-cas do ensino mdio, ela no satisfatria nos dizeres dos professores, do ncleo gestor e dos alunos. Mesmo havendo quadra poliesportiva coberta, laboratrios de informtica e de cincias e salas de multimeios, eufe-mismo para designar bibliotecas com poucos ttulos e sem bibliotecrios formados, o conjunto da comunida-de escolar clama por mais espao e melhor manuteno dos estabelecimentos em geral e, principalmente, das salas de aulas, que so pequenas, muitas sem refrigera-o e nitidamente precisando de pintura. A manuten-o difcil porque depende da Secretaria de Educao Bsica do Estado e de sua burocracia. De fato, todos se queixam de falta de autonomia da escola para operar o planejamento, o gerenciamento e a manuteno. Quan-to a ter uma escola mais ampla e melhor adequada s necessidades pedaggicas, tudo depende de decises da Seduc, seno do governador.

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    bom que se diga que o governo do Estado est executando um projeto de construo de novas escolas profissionalizantes espalhadas em diversos municpios. Entre as escolas pesquisadas, nenhuma pertence a esse grupo de edifcios recm-construdos.

    2.11. Artes e Esportes

    Quando se pensa em escolas de tempo integral, ge-ralmente se tem em mente um turno reservado a aulas e estudos e outro, a atividades diversas, incluindo artes e esporte. No o caso das cinco escolas pesquisadas. A escola militar, como foi dito, trabalha em turno ni-co; outra escola tem dois turnos de estudos regulares em sala de aula e trs dividem os dois turnos entre o currculo comum ao ensino mdio e a formao tcni-ca, havendo somente as aulas regulares de educao e artes e educao fsica. No se observa nenhuma nfase nas artes e nos esportes (alis, h uma ausncia total de equipamento e instrumentos artsticos e esportivos) e ningum parece sentir falta disso, j que esta ausncia no foi notada ou apontada por nenhum integrante das escolas. A falha, se falha houver, de concepo j que nada foi previsto nesse sentido. Tambm no se imagi-na em que momento uma ampliao da formao arts-tica e esportiva poderia ocorrer j que a jornada escolar ocupa todas as manhs e tardes, entrando na noite.

    Assim se completa o quadro sinptico de cinco es-colas pblicas cearenses. Sem dvida elas constituem um avano extremamente significativo e destoam am-

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    plamente das ideias correntes aceitas a respeito das escolas pblicas e de suas qualidades pedaggicas. No meio de um mar de descrdito da escola pblica bra-sileira elas representam um progresso inquestionvel, capaz de atrair filhos de famlias da classe mdia alta, o que poderia ajudar a melhor-las ainda mais. Assim se vislumbra o fim do apartheid social da escola pblica.

    Mas infelizmente, essas escolas no so a nica realidade da escola pblica de ensino mdio e nem a maioria. Pelo contrrio, elas se distinguem nitidamente da grande maioria das escolas que podemos chamar de escolas regulares, comuns ou ordinrias que povoam o universo escolar cearense. So para elas que nos vol-tamos agora, na segunda parte de nosso dptico.

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  • 3 Retrato-sntese de cinco escolas com baixo desempenho escolar

    3.1. Escola Estrigas

    A pesquisa da Escola Estrigas foi muito reveladora das dificuldades do Ensino Mdio em escolas estaduais de bairro que no so profissionalizantes e que compem a grande maioria das escolas do Estado. Logo no primeiro contato se percebe que a estrutura da escola no boa e que h falta de espao. No ptio havia um espao livre que foi coberto e improvisado como quadra, que ficou, por este motivo, contgua s salas de aula. Nas faltas frequentes de professores, os alunos no tm outra opo seno a de se refugiar na quadra, ensurdecendo alunos e professores em salas de aula. Mas tambm choca ver que em todas as por-tas e janelas h grades de ferro, no se sabendo se para fins de proteo externa ou interna. O ambiente, de qualquer forma, no de alegria e leveza, mas , seno assustador, pelo menos intimidador.

    A escola se encontra com um ncleo gestor recm--eleito quase por unanimidade e empossado h um ms, o que torna a administrao da escola um grande desafio,

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    visto o histrico de a escola ser frequentada por pesso-as mal acostumadas, alm da ausncia de professores e de alunos desestimulados. Aos poucos est sendo implantada uma nova filosofia de trabalho, com mais participao, mais disciplina e menos atrasos e faltas por parte de professores e alunos, o que chama ateno para a descontinuidade de polticas adotadas nas esco-las. A mudana de ncleo gestor pode acarretar, para o bem como para o mal, prticas escolares diferenciadas, com problemas de adaptao nas passagens de um para outro, j que no parece haver rotinizao de atitudes e comportamentos.

    Uma estratgia adotada para reformar a escola reduzir as matrculas do Ensino Fundamental, aumen-tando as do Ensino Mdio. A escola matriculou cento e noventa alunos nos 2o e 3o anos, e cento e vinte no 1o ano, sendo 80 no turno noturno. J existe uma conquista na viso da nova direo: a escola conseguiu inscrever 98% dos alunos do 3o ano e 70% dos alunos do 2o no ENEM, embora a inscrio no signifique comparecimento ao local da prova. Aos sbados, professores aceitaram re-alizar aulas extras de preparao para o ENEM. Trinta alunos comparecem sobre cento e noventa, o que visto como mudana de atitude e colaborao de professores e alunos a um novo projeto pedaggico. Mas nem todos aderiram ao novo projeto, que tem a finalidade de ala-vancar a escola. Quarenta por cento dos professores so temporrios, considerados pela direo, comprometi-dos. Se pudesse, efetivaria todos.

    A escola carente. H um laboratrio de Cincias novo, mas com falta de material. Para aulas de qumica e

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    fsica se utiliza material de outras escolas! Os aparelhos de pontos digitais esto quebrados. Esta escola pobre e deficiente est localizada em um bairro carente, com alto ndice de criminalidade, o que explica o gradeamento de toda a escola; ela ensina aos alunos do bairro e ao mesmo tempo se esconde da populao. O que faz o ncleo ges-tor e os professores julgarem seus alunos como sendo ca-rentes em muitos aspectos. Segundo seus depoimentos, os pais tm baixa renda e escolaridade; no frequentam a escola, nem nas reunies; no incentivam os filhos a estudar. Eles ainda consideram que muitos alunos che-gam escola com fome, sem nenhuma disposio para o estudo e com graves deficincias de aprendizagem por causa de um Ensino Fundamental altamente defeituoso. Eles confessam que a falta de motivao dos alunos para a aprendizagem provoca neles professores uma desmoti-vao, alm de sentirem que sua formao universitria os deixou despreparados para a prtica escolar. O re-mdio amargo o saber experiencial (TARDIF, 2012), que um professor definiu como: Professor se faz no dia a dia e no no banco da faculdade. Tardif realiza discusso acerca do saber docente e destaca que ele no provm apenas da formao escolar, emanando de v-rias fontes: disciplinares, curriculares, profissionais e ex-perienciais. As trs primeiras tm origem em instituies formais: currculo, universidade, secretaria de educao etc. J a ltima se relaciona com a experincia profissio-nal na escola. Assim, pode-se entender que o saber do-cente plural. Contudo, no caso analisado neste estudo, os professores valorizam os saberes experienciais em de-trimento dos demais.

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    Se eles elogiam o projeto do Professor Diretor de Turma, eles admitem que o tempo letivo de uma aula de 50 minutos no passa de 30 minutos e dizem no de-finir tarefas de casa, j que os alunos no estudam em casa e nem sequer levam os livros didticos escola por terem um peso excessivo. Eles acreditam que uma boa medida seria ter turmas menores, de 20 a 30 alunos. Mas estranho e preocupante ver os professores qualificar a escola como boa e regular. Se nenhum professor a avalia como tima, em contrapartida nenhum a classifica como ruim ou pssima. No haveria aqui, como em ou-tras escolas estudadas, uma condescendncia exagerada, possivelmente inibidora de iniciativas e progresso? Con-descendncia ou mais propriamente uma incompreen-so da verdadeira finalidade de uma escola.

    O depoimento dos professores parece levantar a se-guinte questo de fundamental importncia e que deve ser respondida por todas as pessoas engajadas na ad-ministrao e ministrao do Ensino Mdio: vale a pena gritar e se desgastar para ministrar aulas em ambiente insalubre para o exerccio da profisso, em um ambien-te imprprio para o aprendizado, com alunos distra-dos, desconcentrados, sem motivao para o estudo? A resposta pode ser mais difcil do que parece. Ela certa-mente complexa e abrange muitos aspectos e variveis.

    Mas o que dizem de si mesmos e da escola os prin-cipais interessados, a saber, os alunos? Vinte e um alu-nos de uma turma do turno da manh, do segundo ano, foram entrevistados coletivamente e responderam indi-vidualmente a um questionrio. A exemplo dos alunos de todas as escolas estudadas, eles pertencem a famlias

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    da classe trabalhadora, onze (52%) ganhando o salrio mnimo e treze (61%) inscritas no Bolsa Famlia. A es-colaridade do pai e da me se divide quase que igual-mente entre ter terminado o Ensino Fundamental I, o Fundamental II e o Ensino Mdio. Como os jovens de outras escolas, dezesseis (80%) declaram no trabalhar, apenas estudam. No entanto, somente dois preten-dem trabalhar depois do Ensino Mdio e dois estudar em cursos tcnicos profissionalizantes. Os outros dese-jam continuar os estudos no Ensino Superior, nas mais diversas profisses.

    Apesar dessas semelhanas com jovens das outras escolas, os jovens dessa escola se distinguem em di-versos aspectos importantes. Eles so mais velhos; so alunos do segundo ano, com uma mdia de 17 anos. Somente sete moram com pai e me; dez, com a me; e quatro, com tios ou cunhado, o que caracteriza famlias desagregadas que geralmente levam os pais a se desli-gar dos estudos dos filhos. Eles (80%) avaliam que no h violncia na escola e se dividem igualmente sobre haver pouca ou muita baguna durante as aulas. En-quanto 33% declaram nunca estudar em casa, 66% afir-mam estudar de uma a trs horas por dia, enquanto os professores afirmam no passar tarefas de casa j que os alunos no as cumprem!

    H um dado intrigante. Enquanto dois consideram a escola pssima e um, regular, dezoito a classificam como boa ou mesmo tima (6). Da surgir uma per-gunta: o que esses alunos pensam que uma escola ? Professores e alunos se enganariam a respeito das fina-lidades de uma escola?

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    3.2. Escola Chico da Silva

    O retrato da escola Chico da Silva no fcil de ser elaborado j que ela apresenta muitas contradies e ambiguidades que a tornam interessante do ponto de vista analtico. A escola se localiza numa rua movimen-tada, separada por uma estreita calada. O porto de entrada fica a no mais de 4 metros da rua e um guarda vestido de policial controla a entrada, o que assusta e deixa uma impresso negativa no visitante. Logo esse visitante notar que todas as portas da escola, de salas de aula e outras, so reforadas por grades. Se de fora a escola parece acanhada, apertada, pequena, por dentro essa sensao se potencializa tal a falta de espao, ainda mais porque a quadra poliesportiva separada da es-cola, e seu acesso externo, saindo da escola e andando uns 20 metros para aceder porta de entrada. que entre a escola e a quadra h um galpo cheio de sucata, habitat ideal do inseto da dengue. Realmente os alunos no tm onde ficar quando no esto em salas de aula que, alis, so pequenas. Nessa falta de espao, pesso-as vo e vm, acostumadas com um barulho constante proveniente das salas de aulas e da fala de alunos nos corredores. falta de espao, ao barulho e s grades, preciso acrescentar um ambiente sombrio, sem lumino-sidade, logo na Terra do Sol!

    Uma contradio que vrios professores e alunos elogiam, nas entrevistas e nos questionrios, a estrutura da escola enquanto outros reclamam da falta de espao. Tudo se passa como se muitos professores e alunos no

  • 67Retrato-sntese de cinco escolas com baixo desempenho escolar

    conhecessem prdios escolares de melhor qualidade ou se acostumaram de forma acrtica a essa escola onde trabalham e de que aprenderam a gostar.

    A escola possui um nmero reduzido de alunos no ensino mdio, duzentos e setenta, curso que funciona pela manh. tarde, a escola abre para alunos do Ensino Fun-damental, mas fechou suas atividades noite por falta de alunos. Ela tipicamente uma escola de bairro, atendendo a uma clientela de