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Informativo 636-STJ (23/11/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 636-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CIVIL DANOS MORAIS É possível a indenização por danos morais em novo processo judicial em razão de descumprimento de ordem judicial em processo anterior, mesmo que tenha sido fixada multa cominatória. DIREITO DO CONSUMIDOR CONCEITO DE CONSUMIDOR Contrato de conta-corrente mantida entre corretora de Bitcoin e instituição financeira: não se aplica o CDC. DIREITO EMPRESARIAL CONTRATO BANCÁRIO Banco que, após notificar a corretora de Bitcoin, decide encerrar contrato de conta-corrente com a empresa não pratica ato que configure abuso de direito. DIREITO ECONÔMICO DIREITOS ANTIDUMPING A retenção de mercadoria importada até o pagamento dos direitos antidumping não viola o enunciado da Súmula 323 do STF ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS A hipossuficiência financeira ou a vulnerabilidade famíliar não é suficiente para afastar a multa pecuniária prevista no art. 249 do ECA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Os honorários advocatícios contratuais não se incluem nas despesas processuais do art. 82, § 2º do CPC/2015. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA A multa de 10% prevista no art. 523, § 1º, do CPC/2015 NÃO entra no cálculo dos honorários advocatícios. RECURSOS Não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido. AGRAVO DE INSTRUMENTO O rol do art. 1.015 do CPC/2015 é de taxatividade mitigada. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO Se ficar comprovada a insuficiência do depósito, a ação deve ser julgada improcedente. Legitimidade do banco de ajuizar ação de consignação em pagamento para pagar dívida que foi gerada contra cliente em virtude de falha bancária.

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Informativo comentado: Informativo 636-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO CIVIL

DANOS MORAIS É possível a indenização por danos morais em novo processo judicial em razão de descumprimento de ordem judicial

em processo anterior, mesmo que tenha sido fixada multa cominatória.

DIREITO DO CONSUMIDOR

CONCEITO DE CONSUMIDOR Contrato de conta-corrente mantida entre corretora de Bitcoin e instituição financeira: não se aplica o CDC.

DIREITO EMPRESARIAL

CONTRATO BANCÁRIO Banco que, após notificar a corretora de Bitcoin, decide encerrar contrato de conta-corrente com a empresa não

pratica ato que configure abuso de direito. DIREITO ECONÔMICO

DIREITOS ANTIDUMPING A retenção de mercadoria importada até o pagamento dos direitos antidumping não viola o enunciado da Súmula

323 do STF

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS A hipossuficiência financeira ou a vulnerabilidade famíliar não é suficiente para afastar a multa pecuniária prevista

no art. 249 do ECA.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Os honorários advocatícios contratuais não se incluem nas despesas processuais do art. 82, § 2º do CPC/2015. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA A multa de 10% prevista no art. 523, § 1º, do CPC/2015 NÃO entra no cálculo dos honorários advocatícios. RECURSOS Não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido. AGRAVO DE INSTRUMENTO O rol do art. 1.015 do CPC/2015 é de taxatividade mitigada. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO Se ficar comprovada a insuficiência do depósito, a ação deve ser julgada improcedente. Legitimidade do banco de ajuizar ação de consignação em pagamento para pagar dívida que foi gerada contra

cliente em virtude de falha bancária.

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ARROLAMENTO SUMÁRIO Para que ocorra a homologação da partilha no arrolamento sumário não se exige prova do cumprimento das

obrigações tributárias principais ou acessórias relativas ao ITCMD. AÇÃO DE EXIGIR CONTAS É cabível ação de prestação de contas proposta contra empresa administradora de consórcio caso a empresa que

promoveu as vendas não tenha concordado com os números apresentados.

DIREITO PENAL

LEI DE DROGAS A condenação pelo art. 28 da Lei 11.343/2006 (porte de droga para uso próprio) NÃO configura reincidência.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA Compete à Justiça Federal conceder medida protetiva em favor de mulher ameaçada por ex-namorado que mora

nos EUA e faz as ameaças por meio do Facebook.

DIREITO TRIBUTÁRIO

IPI Cessionário de crédito-prêmio de IPI não pode suceder o cedente em execução contra a União.

DIREITO CIVIL

DANOS MORAIS É possível a indenização por danos morais em novo processo judicial em razão de descumprimento

de ordem judicial em processo anterior, mesmo que tenha sido fixada multa cominatória

Importante!!!

É cabível o pedido de indenização por danos morais em razão de descumprimento de ordem judicial em demanda pretérita envolvendo as mesmas partes, na qual foi fixada multa cominatória.

A multa cominatória tem cabimento nas hipóteses de descumprimento de ordens judiciais, sendo fixada com o objetivo de compelir a parte ao cumprimento daquela obrigação.

Por outro lado, a indenização visa a reparar o abalo moral sofrido em decorrência da verdadeira agressão ou atentado contra a dignidade da pessoa humana. Encontra justificativa no princípio da efetividade da tutela jurisdicional e na necessidade de se assegurar o pronto cumprimento das decisões judiciais cominatórias.

Considerando, portanto, que os institutos em questão têm natureza jurídica e finalidades distintas, é possível a cumulação.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.689.074-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 16/10/2018 (Info 636).

Imagine a seguinte situação hipotética: Em 2016, João celebrou contrato de mútuo com o Banco “X”. Em março de 2017, o mutuário deixou de pagar as prestações e o banco o inscreveu no cadastro de inadimplentes (SERASA). Em maio de 2017, João ajuizou ação revisional de contrato contra o banco alegando que havia cláusulas abusivas no pacto.

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Em junho de 2017, o juiz concedeu a liminar determinando a retirada do nome de João do cadastro de inadimplentes, sob pena de multa diária de R$ 250,00. Ocorre que, apesar de devidamente intimado, o banco não cumpriu a ordem judicial e não retirou o nome do autor do SERASA. Propositura de nova ação Diante disso, João ajuizou uma nova ação contra o banco, desta vez pedindo a indenização por danos morais em virtude do descumprimento da ordem judicial e não retirada de seu nome do cadastro de inadimplentes. O banco contestou a demanda afirmando que, havendo fixação de multa por descumprimento de ordem judicial em demanda pretérita envolvendo as partes, não há como prosperar a pretensão indenizatória em razão de descumprimento de tal provimento. Isso porque a multa fixada teria caráter compensatório e punitivo. O que decidiu o STJ? João terá direito à indenização? SIM.

É cabível o pedido de indenização por danos morais em razão de descumprimento de ordem judicial em demanda pretérita envolvendo as mesmas partes, na qual foi fixada multa cominatória. STJ. 3ª Turma. REsp 1.689.074-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 16/10/2018 (Info 636).

Multa coercitiva A multa fixada no primeiro processo tinha por objetivo compelir a parte ao cumprimento da obrigação imposta. Encontra justificativa no princípio da efetividade da tutela jurisdicional e na necessidade de se assegurar o pronto cumprimento das decisões judiciais cominatórias. Não por outra razão, é comum encontrar, em doutrina, paralelos entre essa multa e a contempt of court do direito norte-americano. Confira a sua previsão no CPC:

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

Indenização extrapatrimonial A indenização extrapatrimonial, a seu turno, tem por objetivo reparar o abalo moral sofrido em decorrência da verdadeira agressão ou atentado contra a dignidade da pessoa humana. É a reparação da infinita tristeza injustamente imposta pela propositada omissão. Natureza jurídica diferente Os institutos têm natureza jurídica diversa. A multa tem finalidade exclusivamente coercitiva. A indenização por danos morais tem caráter reparatório de cunho eminentemente compensatório. Logo, são perfeitamente cumuláveis. Nesse sentido, veja o que diz o CPC sobre o tema:

Art. 500. A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa fixada periodicamente para compelir o réu ao cumprimento específico da obrigação.

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Dano moral in re ipsa A manutenção da negativação do nome do autor após a determinação judicial, por si só, traduz-se em prática atentatória aos direitos da sua personalidade, capaz de ensejar danos morais. Vale ressaltar, inclusive, que, em caso de inscrição indevida no cadastro de inadimplentes, o dano moral é presumido, salvo constatada a existência de outras anotações preexistentes àquela que deu origem à ação reparatória. Nesse sentido:

Súmula 385-STJ: Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento.

Nos casos de inclusão indevida do nome do consumidor no cadastro de inadimplente o dano moral é presumido. STJ. 3ª Turma. AgRg no AgRg no AREsp 727.829/SC, Rel. Min. Marco Aurélio bellizze, julgado em 3/12/2015.

DIREITO DO CONSUMIDOR

CONCEITO DE CONSUMIDOR Contrato de conta-corrente mantida entre corretora de Bitcoin

e instituição financeira: não se aplica o CDC

Importante!!!

Contrato de conta-corrente mantida entre corretora de Bitcoin e instituição financeira: não se aplica o CDC

A empresa corretora de Bitcoin que celebra contrato de conta-corrente com o banco para o exercício de suas atividades não pode ser considerada consumidora. Não se trata de uma relação de consumo.

A empresa desenvolve a atividade econômica de intermediação de compra e venda de Bitcoins. Para realizar essa atividade econômica, utiliza o serviço de conta-bancária oferecido pela instituição financeira.

Desse modo, a utilização desse serviço bancário (abertura de conta-corrente) tem o propósito de incrementar sua atividade produtiva de intermediação, não se caracterizando, portanto, como relação jurídica de consumo, mas sim de insumo.

Em outras palavras, o serviço bancário de conta-corrente é utilizado como implemento de sua atividade empresarial, não se destinando, pois, ao seu consumo final.

Logo, não se aplicam as normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.696.214-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 09/10/2018 (Info 636).

Veja comentários em Direito Empresarial.

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DIREITO EMPRESARIAL

CONTRATOS BANCÁRIOS Banco que, após notificar a corretora de Bitcoin, decide encerrar contrato de conta-corrente

com a empresa não pratica ato que configure abuso de direito

Importante!!!

Contrato de conta-corrente mantida entre corretora de Bitcoin e instituição financeira: não se aplica o CDC

A empresa corretora de Bitcoin que celebra contrato de conta-corrente com o banco para o exercício de suas atividades não pode ser considerada consumidora. Não se trata de uma relação de consumo.

A empresa desenvolve a atividade econômica de intermediação de compra e venda de Bitcoins. Para realizar essa atividade econômica, utiliza o serviço de conta-bancária oferecido pela instituição financeira.

Desse modo, a utilização desse serviço bancário (abertura de conta-corrente) tem o propósito de incrementar sua atividade produtiva de intermediação, não se caracterizando, portanto, como relação jurídica de consumo, mas sim de insumo.

Em outras palavras, o serviço bancário de conta-corrente é utilizado como implemento de sua atividade empresarial, não se destinando, pois, ao seu consumo final.

Logo, não se aplicam as normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor.

Banco que, após notificar a corretora de Bitcoin, decide encerrar contrato de conta-corrente com a empresa não pratica ato que configure abuso de direito

O encerramento de conta-corrente usada na comercialização de criptomoedas, observada a prévia e regular notificação, não configura prática comercial abusiva ou exercício abusivo do direito.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.696.214-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 09/10/2018 (Info 636).

Criptomoeda Em palavras muito simples (sem tanto rigor técnico, para facilitar o entendimento), criptomoedas (cryptocurrencies) são moedas “digitais” (também chamadas de “moedas virtuais” ou “moedas criptografárias”). É como se fosse um “dinheiro” que não existe fisicamente (só existe virtualmente), mas que, apesar disso, pode ser utilizado para comprar mercadorias ou remunerar serviços. Em uma frase: é um dinheiro virtual. Existem atualmente várias espécies de criptomoedas no mundo. Alguns exemplos: Bitcoin, Ether, Cardano, Litecoin, Stellar etc. Curiosidade: cripto é uma palavra originária do grego Kryptos e significa algo que é oculto, escondido. Daí vem a palavra criptografia, ou seja, que consiste na aplicação de técnicas para tornar a escrita codificada. Ex: o Whatsapp, ao transmitir uma mensagem de um usuário para outro, utiliza técnicas de criptografia, ou seja, durante a transmissão pela internet, a mensagem vai de forma codificada, de modo que, mesmo se alguém conseguir interceptá-la, irá ler apenas códigos (e não a mensagem propriamente). As criptomoedas também se utilizam de técnicas de criptografia. Bitcoin Bitcoin é considerada a primeira criptomoeda criada no mundo, sendo a mais famosa delas. Foi criada em 2008 por uma pessoa que utilizou o pseudônimo de Satoshi Nakamoto e até hoje não se sabe a sua real identidade.

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Este é o símbolo do bitcoin: ₿ Sua abreviatura é: BTC ou XBT. Veja a definição dada por André Luiz Santa Cruz Ramos:

“O bitcoin é uma criptomoeda que utiliza uma tecnologia ponto a ponto (peer-to-peer) para criar um sistema de pagamentos on-line que não depende de intermediários e não se submete a nenhuma autoridade regulatória centralizadora. O código do bitcoin é aberto, seu design é público, não há proprietários ou controladores centrais e qualquer pessoa pode participar do seu sistema de gerenciamento coletivo. Enfim, o bitcoin é uma inovação revolucionária porque é o primeiro sistema de pagamentos totalmente descentralizado.” (Ramos, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial. 8ª ed., São Paulo: Método, 2018, p. 529)

Vale ressaltar que os Bitcoins (e demais moedas virtuais) não são autorizados nem regulamentados pelo Banco Central. Não fazem parte do sistema bancário oficial. De igual forma, as empresas que negociam ou guardam moedas virtuais não são autorizadas nem reguladas pelo BACEN. Juridicamente, podemos dizer que Bitcoin é uma moeda eletrônica? NÃO. A legislação utiliza a nomenclatura “moeda eletrônica” para outra situação. Segundo a Lei nº 12.865/2013, “moeda eletrônica” são os “recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento” (art. 6º, VI). Assim, “moeda eletrônica”, para a legislação brasileira, é o dinheiro, em Reais, mantido em meio eletrônico que permita ao usuário realizar pagamentos. Desse modo, as “moedas virtuais” (como é o caso do Bitcoin) não se confundem com a “moeda eletrônica” prevista na legislação. Quem controla e registra essas transações em bitcoin? Ex: João transfere 10 BTC para Pedro; onde essa operação fica registrada? Onde o saldo de bitcoins das pessoas fica registrado? As criptomoedas em geral e, especificamente o bitcoin, são consideradas moedas descentralizadas. Isso porque adotam um controle descentralizado baseado em uma tecnologia chamada de blockchain ou “protocolo da confiança”. Em uma definição muito rudimentar e simplificada, o blockchain é como se fosse um arquivo virtual (um banco de dados ou livro-registro virtual) onde são registradas todas as transações envolvendo os bitcoins. Existem cópias deste banco de dados em milhares de computadores espalhados pelo mundo, sendo isso distribuído por meio de uma rede virtual ponto-a-ponto (peer-to-peer). Assim, todos possuem uma cópia igual de todo o histórico de transações. Com isso, garante-se que as informações ali contidas não sejam perdidas nem adulteradas. Características principais A partir do que foi exposto, podemos apontar três importantes características das moedas virtuais: 1) incorporeidade; 2) desnecessidade de um terceiro intermediário para realização de transações e 3) ausência de uma autoridade central emissora e controladora. 1) Incorporeidade Trata-se de uma moeda “virtual” (incorpórea), ou seja, não existe lastro físico. 2) Desnecessidade de intermediário Se a pessoa vai comprar um produto pela internet pagando com moeda tradicional (com “Real”), ela precisará de uma instituição financeira intermediária, ou seja, um banco ou operadora de cartão de crédito que irá intermediar essa transação entre o comprador e o vendedor. Funciona assim: o comprador transfere o dinheiro para a instituição financeira e esta repassa ao vendedor. Essa intermediação fica

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registrada e o intermediário recebe por isso. Como essas operações ocorrem em frações de segundos, nós praticamente não percebemos. Com o Bitcoin, não existe essa intermediação. O comprador transfere diretamente o dinheiro virtual para o comprador. É como se o comprador tivesse encontrado fisicamente o vendedor e tivesse entregado a ele o dinheiro, porém feito virtualmente. Isso é chamado de “mercado P2P” (ou seja, entre pessoas, sem intermediários). 3) Ausência de autoridade central O Bitcoin, e as demais criptomoedas, são chamadas de moedas descentralizadas, porque não são controladas por um Banco Central ou por algum órgão governamental, como as moedas tradicionais. O controle e o registro são feitos, em tese, por toda a comunidade, por intermédio da tecnologia de blockchain. Como comprar e vender moedas virtuais (ex: Bitcoins)? É possível comprar Bitcoins diretamente de alguém que possua (em um marketplace), no entanto, a forma mais comum é por meio de corretoras de Bitcoins (exchanges). Assim, existem corretoras, ou seja, empresas que fazem a atividade de compra e venda de criptomoedas. A pessoa interessada entra no site, faz uma conta gratuita e informa quantos Bitcoins deseja comprar. Depois disso, faz a transferência bancária do correspondente valor em reais. Ela, então, irá ter uma carteira digital de Bitcoins, que estará armazenada no blockchain e poderá utilizar livremente esse dinheiro virtual. Desse modo, a corretora é como se fosse uma “casa de câmbio”, onde você vai trocar seu dinheiro por uma moeda estrangeira. No caso, o Bitcoin (uma moeda universal). Atualmente (janeiro de 2019), 1 Bitcoin está valendo, aproximadamente, R$ 14.600,00. Vale ressaltar, no entanto, que é possível comprar menos que 1 Bitcoin. Obviamente, assim como funciona nas casas de câmbio, o valor do Bitcoin na corretora é, em geral, mais caro do que no livre comércio. Algumas pessoas ficaram ricas comprando Bitcoins. Isso porque em 2011, por exemplo, 1 Bitcoin valia R$ 15,00. Se a pessoa acreditou e comprou a moeda naquela época guardando até hoje, terá realizado o lucro de uma grande valorização. Bitcoins e criminalidade As criptomoedas foram uma invenção espetacular e representarão, sem dúvidas, o futuro das transações monetárias no mundo. Ocorre que tudo na vida pode ser utilizado para o bem ou para o mal. Nos pagamentos feitos com Bitcoins, é possível que o comprador permaneça anônimo. Com isso, em tese, a moeda pode ser utilizada para pagamento de crimes e também para lavagem de dinheiro, tendo em vista seu potencial de irrastreabilidade. Desse modo, em tese, seria possível, por exemplo, comprar armamentos, drogas e outros produtos ilícitos por meio de operações feitas na deepweb e com pagamento em Bitcoins. Também seria possível pagar propinas a agentes públicos por meio de Bitcoins. Por essas razões, algumas pessoas, de forma injusta, associam as criptomoedas à criminalidade. No entanto, conforme já explicado, o Bitcoin e as demais moedas não têm, em si, nada de ilegal. A utilização irregular desses instrumentos é que pode vir a ser criminosa. Alguns criminosos utilizam os Bitcoins para praticar delitos assim como utilizam dinheiro real, computadores, celulares, carros etc. Feita esta breve e rudimentar explicação, imagine a seguinte situação enfrentada pelo STJ (com algumas adaptações): Mercado Bitcoin Serviços Digitais Ltda. é uma das principais empresas que oferece o serviço de compra e venda de Bitcoins. Podemos dizer que ela é uma corretora de criptomoedas. Isso porque ela é responsável por intermediar a comercialização de Bitcoin.

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Conforme já explicado acima, a pessoa interessada em Bitcoins faz um depósito na conta bancária da “Mercado Bitcoin” e esta vende o Bitcoin para o usuário. Ex: Felipe deseja comprar 10 Bitcoins. Para tanto, deposita R$ 146.000,00 na conta da “Mercado Bitcoin”. Em compensação, esta empresa irá depositar 10 Bitcoins na conta virtual de Felipe. Desse modo, a empresa “Mercado Bitcoin” precisa, obrigatoriamente, de um conta bancária tradicional para realizar sua atividade econômica, tendo em vista que recebe dinheiro em moeda tradicional em troca de Bitcoins. Durante meses, a empresa utilizou para isso uma conta bancária no Itaú. Ocorre que, determinado dia, o Banco Itaú enviou uma notificação extrajudicial para a “Mercado Bitcoin” informando que sua conta bancária seria encerrada dentro de 30 dias em razão de “desinteresse comercial”, ou seja, a instituição financeira comunicou que não mais tinha interesse comercial em ter a empresa como cliente. Ação de obrigação de fazer Diante disso, a “Mercado Bitcoins” ingressou contra o Banco Itaú S.A. com ação de obrigação de fazer pedindo para que o banco mantenha a conta-corrente encerrada. A autora argumentou que o encerramento da conta configurou prática abusiva e ato ilícito por parte do banco, violando o art. 39, IX, do Código de Defesa do Consumidor, além do configurar abuso de direito (art. 187 do Código Civil):

CDC Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;

Código Civil Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Primeira pergunta: pode ser aplicado, no caso, o Código de Defesa do Consumidor para esta relação jurídica? NÃO.

A empresa corretora de Bitcoin que celebra contrato de conta-corrente com o banco para o exercício de suas atividades não pode ser considerada consumidora. Não se trata de uma relação de consumo. A empresa desenvolve a atividade econômica de intermediação de compra e venda de Bitcoins. Para realizar essa atividade econômica, utiliza o serviço de conta-bancária oferecido pela instituição financeira. Desse modo, a utilização desse serviço bancário (abertura de conta-corrente) tem o propósito de incrementar sua atividade produtiva de intermediação, não se caracterizando, portanto, como relação jurídica de consumo, mas sim de insumo. Em outras palavras, o serviço bancário de conta-corrente é utilizado como implemento de sua atividade empresarial, não se destinando, pois, ao seu consumo final. Logo, não se aplicam as normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor. STJ. 3ª Turma. REsp 1.696.214-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 09/10/2018 (Info 636).

Existem outros precedentes em situações semelhantes:

(...) 3. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza, como destinatário final, produto ou serviço oriundo de um fornecedor. Por sua vez, destinatário final, segundo a teoria subjetiva ou finalista, adotada pela Segunda Seção desta Corte Superior, é aquele que ultima a atividade econômica,

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ou seja, que retira de circulação do mercado o bem ou o serviço para consumi-lo, suprindo uma necessidade ou satisfação própria, não havendo, portanto, a reutilização ou o reingresso dele no processo produtivo. Logo, a relação de consumo (consumidor final) não pode ser confundida com relação de insumo (consumidor intermediário). Inaplicabilidade das regras protetivas do Código de Defesa do Consumidor. (...) STJ. 4ª Turma. REsp 1599042/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/03/2017.

Ok. Não se aplica o CDC. Vamos, então, analisar o tema sob o prisma do Código Civil. Vários bancos têm se negado a fornecer serviço de conta-corrente para as corretoras de Bitcoins. São acusadas de fazer isso para evitar o crescimento das criptomoedas, o que poderia produzir impacto no faturamento das instituições financeiras. Os bancos, ao negarem esse serviço, praticam ato ilícito? A conduta do Banco Itaú, que encerrou a conta-bancária da “Mercado Bitcoin”, foi considerada, pelo STJ, como prática comercial abusiva? NÃO.

O encerramento de conta-corrente usada na comercialização de criptomoedas, observada a prévia e regular notificação, não configura prática comercial abusiva ou exercício abusivo do direito. STJ. 3ª Turma. REsp 1.696.214-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 09/10/2018 (Info 636).

Direito subjetivo O encerramento do contrato de conta-corrente é corolário (uma consequência) da autonomia privada. Trata-se de um direito subjetivo exercitável por qualquer das partes contratantes, desde que observada a prévia e regular notificação. O Conselho Monetário Nacional, conforme prevê a Lei nº 4.595/64, possui a competência para regulamentar o funcionamento dos serviços bancários. O art. 12 da Resolução BACEN/CMN 2.025/1993 permite que o banco ou o cliente, livremente, encerrem o contrato de conta-corrente, observada apenas a necessidade de, previamente, fazer a comunicação do outro. Vale ressaltar que, mesmo em se tratando de relação de consumo, o STJ possui precedentes dizendo que o banco pode encerrar a conta-bancária do cliente sem que isso configure prática abusiva, não se aplicando a regra do art. 39, IX, do CDC aos bancos:

Os contratos bancários envolvem análise de riscos, entre outras peculiaridades, de modo que não há como se impor aos bancos a obrigação de contratar prevista no inciso IX do art. 39 do CDC. Conforme a Resolução BACEN/CMN nº 2.025/1993, com a redação dada pela Resolução BACEN/CMN nº 2.747/2000, podem as partes contratantes rescindir unilateralmente os contratos de conta-corrente e de outros serviços bancários. STJ. 4ª Turma. REsp 1538831/DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 04/08/2015.

A recusa é legítima sob o aspecto institucional Desse modo, é legítima, sob o aspecto institucional, a recusa da instituição financeira em manter o contrato de conta-corrente, utilizado como insumo pela corretora de Bitcoins, no desenvolvimento da atividade empresarial. A recusa também é legítima sob o aspecto mercadológico De igual modo, sob o aspecto mercadológico, também se afigura legítima a recusa em manter a contratação. Como a atividade empresarial da corretora de Bitcoins concorre com as atividades da instituição financeira, não se pode dizer que a recusa do banco em fornecer o serviço a ela seja abusiva. Não há, em princípio, abuso de direito porque se trata de proteção dos interesses comerciais da instituição.

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Informativo comentado

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Infração à ordem econômica Vale ressaltar que, durante os debates, surgiu a discussão sobre a possiblidade de a conduta do banco se enquadrar em infração à ordem econômica, nos termos da Lei nº 12.529/2011. Ocorre que essa Lei não foi prequestionada, de forma que o STJ não poderia fazer a análise do caso com base nela sem que tivesse tido seu enfrentamento pelas instâncias ordinárias.

DIREITO ECONÔMICO

DIREITOS ANTIDUMPING A retenção de mercadoria importada até o pagamento dos direitos antidumping

não viola o enunciado da Súmula 323 do STF

Atenção! Juiz Federal, em especial TRF4

A retenção de mercadoria importada até o pagamento dos direitos antidumping não viola o enunciado da Súmula 323 do STF.

Súmula 323-STF: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

A exigência do pagamento dos direitos antidumping como condição para a liberação das mercadorias importadas não significa apreensão, mas tão somente a sua retenção enquanto se aguarda o desembaraço aduaneiro.

A retenção das mercadorias trazidas para o Brasil e a exigência de recolhimento dos tributos e multa é um procedimento que integra a operação de importação.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.728.921-SC, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 16/10/2018 (Info 636).

Dumping “O dumping consiste na conduta dos agentes econômicos que vendem os seus produtos fora do país abaixo do custo de produção e também por preço inferior aos cobrados no país de origem.” (MASSO, Fabiano Del. Direito Econômico esquematizado. São Paulo: Método, 2ª ed., p. 283). Nas palavras da Min. Regina Helena Costa:

“O termo dumping origina-se do verbo to dump, que significa jogar, desfazer, esvaziar-se. Consiste na prática de medidas com o fim de possibilitar que mercadorias ou produtos possam ser oferecidos em um mercado estrangeiro a preço inferior ao vigente no mercado interno.”

Trata-se, portanto, de uma prática comercial predatória, por meio da qual uma empresa exporta seus produtos por preços inferiores ao custo com o objetivo de fazer com que as indústrias do país importador não consigam competir e, assim, quebrem. Durante um tempo, a empresa exportadora fica suportando o prejuízo de vender suas mercadorias abaixo do custo. No entanto, depois de não ter mais concorrentes no mercado (já que eles faliram por não acompanharem os preços), a empresa que praticou o dumping aumenta absurdamente os preços de seus produtos, considerando que o público consumidor não terá mais opções de outras empresas. É uma forma, portanto, de eliminar a concorrência. Direitos antidumping O dumping é condenado pelos organismos de comércio internacional, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), que possui medidas de combate a essa prática.

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O artigo VI do GATT 47 (Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio) prevê que os países deverão disciplinar medidas para se proteger do dumping. São os chamados direitos antidumping e de compensação. No Brasil, foi editada a Lei nº 9.019/95, que dispõe sobre a aplicação em nosso país dos direitos previstos no Acordo Antidumping e no Acordo de Subsídios e Direitos Compensatórios. Esta Lei prevê que o Governo brasileiro, ao perceber que determinada mercadoria está entrando em nosso país com o objetivo de fazer dumping, deverá exigir, para que haja o desembaraço aduaneiro, o pagamento de um valor que corresponda ao percentual da margem de dumping que está sendo praticado ou dos incentivos que o Governo estrangeiro está dando para aquele exportador. Assim, a Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) investiga possíveis dumpings e, se constatar que está ocorrendo, instaura um processo administrativo e calcula o quanto de “desconto” artificial a empresa estrangeira está fornecendo. Veja o texto da Lei:

Art. 5º Compete à SECEX, mediante processo administrativo, apurar a margem de dumping ou o montante de subsídio, a existência de dano e a relação causal entre esses.

Depois disso, a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) se reúne e pode decidir que o Brasil irá cobrar essa diferença para que a mercadoria entre em nosso país. Com isso, a CAMEX garante que o preço praticado seja justo, evitando que a indústria nacional quebre e que, em médio ou longo prazo, o próprio consumidor brasileiro seja prejudicado. Confira:

Art. 6º Compete à CAMEX fixar os direitos provisórios ou definitivos, bem como decidir sobre a suspensão da exigibilidade dos direitos provisórios, a que se refere o art. 3º desta Lei. Parágrafo único. O ato de imposição de direitos antidumping ou Compensatórios, provisórios ou definitivos, deverá indicar o prazo de vigência, o produto atingido, o valor da obrigação, o país de origem ou de exportação, as razões pelas quais a decisão foi tomada, e, quando couber, o nome dos exportadores.

Esse valor que é exigido como direito antidumping é autorizado pelo art. 1º da Lei nº 9.019/95 e é fixado pela CAMEX por meio de Resoluções. Veja o que diz o art. 1º da Lei nº 9.019/95 em suas partes mais importantes:

Art. 1º Os direitos antidumping e os direitos compensatórios, provisórios ou definitivos, (...) serão aplicados mediante a cobrança de importância, em moeda corrente do País, que corresponderá a percentual da margem de dumping ou do montante de subsídios, apurados em processo administrativo, (...) suficientes para sanar dano ou ameaça de dano à indústria doméstica.

Segundo o parágrafo único do art. 1º, “os direitos antidumping e os direitos compensatórios serão cobrados independentemente de quaisquer obrigações de natureza tributária relativas à importação dos produtos afetados.” Assim, o importador pagará o imposto de importação, o imposto sobre produtos industrializados (se for o caso) e mais os direitos antidumping. Em outras palavras, os direitos antidumping consistem em um valor a mais (fora os tributos) que terá que ser pago pelo importador em virtude de estar trazendo para o país uma mercadoria que está sendo vendida pela empresa no exterior abaixo do preço de custo. Se os direitos antidumping não forem pagos, o importador ficará impedido de realizar o desembaraço aduaneiro e retirar as mercadorias? SIM, isso mesmo. É o que preconiza o art. 7º da Lei nº 9.019/95:

Art. 7º O cumprimento das obrigações resultantes da aplicação dos direitos antidumping e dos direitos compensatórios, sejam definitivos ou provisórios, será condição para a introdução no comércio do País de produtos objeto de dumping ou subsídio.

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Feitos os devidos esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética: A empresa “XXX” importou produtos químicos da China. Ocorre que o Governo brasileiro aplicou direito antidumping para esses produtos importados da China. Isso significa que a empresa, além dos tributos decorrentes da importação, terá que pagar os direitos antidumping. Como as mercadorias já estavam no Brasil, elas ficaram retidas pela Receita Federal, que não concluiu o desembaraço aduaneiro. Diante disso, a empresa impetrou mandado de segurança pedindo a liberação das mercadorias sob o argumento de que esta retenção representaria “sanção política”, o que é vedado pela Súmula 323 do STF:

Súmula 323-STF: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

Vamos relembrar o que são sanções políticas (cobrança do tributo por vias oblíquas)? A Fazenda Pública deverá cobrar os tributos em débito mediante os meios judiciais (execução fiscal) ou extrajudiciais (lançamento tributário, protesto de CDA) legalmente previstos. O Fisco possui, portanto, instrumentos legais para satisfazer seus créditos. Justamente por isso, a Administração Pública não pode proceder à cobrança do tributo por meios indiretos, impedindo, cerceando ou dificultando a atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte devedor. Quando isso ocorre, a jurisprudência afirma que o Poder Público aplicou “sanções políticas”, ou seja, formas “enviesadas de constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário” (STF ADI 173). Exs.: apreensão de mercadorias, não liberação de documentos, interdição de estabelecimentos. A cobrança do tributo por vias oblíquas (sanções políticas) é rechaçada por quatro súmulas do STF e STJ:

Súmula 70-STF: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo. Súmula 323-STF: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. Súmula 547-STF: Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais. Súmula 127-STJ: É ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado.

Desse modo, a orientação jurisprudencial do STF e do STJ é a de que o Estado não pode adotar sanções políticas, que se caracterizam pela utilização de meios de coerção indireta que impeçam ou dificultem o exercício da atividade econômica, para constranger o contribuinte ao pagamento de tributos em atraso, estando o ente público vinculado ao procedimento de execução fiscal para a cobrança de seus créditos, no qual é assegurado ao devedor o devido processo legal. Voltando ao caso concreto? O pedido da empresa poderá ser aceito? Houve violação à Súmula 323 do STF? NÃO.

A retenção de mercadoria importada até o pagamento dos direitos antidumping não viola o enunciado da Súmula 323 do STF. STJ. 1ª Turma. REsp 1.728.921-SC, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 16/10/2018 (Info 636).

O pagamento dos direitos antidumping representa condição para a importação dos produtos. Logo, a não liberação da mercadoria em caso de não pagamento dos direitos de antidumping não representa sanção política e não viola a súmula 323 do STF. Isso porque, neste caso, não há apreensão das mercadorias, mas tão somente a sua retenção enquanto se aguarda o desembaraço aduaneiro.

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A retenção das mercadorias trazidas para o Brasil e a exigência de recolhimento dos tributos e multa é um procedimento que integra a operação de importação. Assim, a quitação dos direitos antidumping é requisito para a perfectibilização do processo de importação, sem o qual não pode ser autorizado o despacho aduaneiro. Não houve, portanto, no presente caso, apreensão de mercadorias por parte da autoridade alfandegária. O que ocorreu foi a recusa de se fazer o desembaraço aduaneiro dos produtos advindos da República Popular da China pela falta de pagamento dos direitos antidumping. Não há como liberar pura e simplesmente as mercadorias sem qualquer garantia. TRF4 Fique muito atenta(o) se você estuda para o concurso de Juiz Federal do TRF4. Isso porque esse tema é constantemente apreciado por aquele Tribunal.

ECA

INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS A hipossuficiência financeira ou a vulnerabilidade famíliar não é

suficiente para afastar a multa pecuniária prevista no art. 249 do ECA

O art. 249 do ECA prevê, como infração administrativa:

Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:

Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

Até se admite que, por meio de decisão judicial fundamentada, o magistrado deixe de aplicar a sanção pecuniária do art. 249 e, em seu lugar, faça incidir outras medidas mais adequadas e eficazes para a situação específica.

No entanto, a hipossuficiência financeira ou a vulnerabilidade familiar não é suficiente, por si só, para afastar a multa prevista no art. 249 do ECA.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.658.508-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/10/2018 (Info 636).

Apuração das infrações administrativas O ECA prevê, em seus arts. 245 a 258-C, infrações administrativas. Interessante explicar que, apesar de serem infrações administrativas, elas são apuradas por meio de procedimento conduzido pelo Juiz da Vara da Infância e Juventude, na forma do art. 194 do ECA. Início do procedimento O procedimento para apuração da infração administrativa pode ser início de três modos: 1) por representação do Ministério Público; 2) por representação do Conselho Tutelar; 3) por auto de infração elaborado por servidor ou voluntário credenciado e assinado por duas testemunhas, se possível. Intimação A intimação do requerido será feita: I - pelo autuante (servidor ou voluntário credenciado), no próprio auto, quando o auto de infração for lavrado na presença do requerido;

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II - por oficial de justiça ou funcionário legalmente habilitado, que entregará cópia do auto ou da representação ao requerido, ou a seu representante legal, lavrando certidão; III - por via postal, com aviso de recebimento, se não for encontrado o requerido ou seu representante legal; IV - por edital, com prazo de 30 dias, se incerto ou não sabido o paradeiro do requerido ou de seu representante legal. Defesa O requerido terá prazo de 10 dias para apresentação de defesa, contado da data da intimação. Se não for caso de audiência Se o requerido não apresentar defesa ou mesmo que ele apresente, o juiz poderá entender que não é necessário designar audiência para julgar o caso. Assim, se o juiz entender que não é preciso realizar audiência, ele dará vista dos autos ao MP para que este se manifeste no prazo de 5 dias. Em seguida, o magistrado, também no prazo de 5 dias, profere sentença. Audiência de instrução O juiz pode decidir que é necessária a realização de audiência de instrução. Na audiência, será colhida a prova oral (testemunhas, psicólogas, assistentes sociais, requerido etc.). Após as oitivas, o MP se manifesta por 20 minutos. Em seguida, o procurador do requerido (ou seja, seu advogado ou defensor público) também se manifesta por 20 minutos. Esse prazo pode ser prorrogado por mais 10 minutos, a critério da autoridade judiciária. Em seguida, o juiz profere a sentença. Imagine agora a seguinte situação hipotética: O Conselho Tutelar encontrou uma criança de 5 anos em estado de absoluta desnutrição e abanono. A menina estava sozinha em casa porque a mãe havia saído. Essa situação foi relatada ao Ministério Público. O Promotor de Justiça ingressou, então, na vara da infância e juventude, com “representação civil por infração administrativa” afirmando que a mãe da criança praticou a conduta descrita no art. 249 do ECA e pedindo a sua condenação:

Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar: Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

A Defensoria Pública, que fez a assistência jurídica da mãe, alegou que não se deve aplicar a multa pecuniária, tendo em vista que ficou comprovado que esta família vive em situação de extrema hipossuficiência financeira e vulnerabilidade familiar. Assim, de nada adiantaria a aplicação da sanção. A tese da defesa foi acolhida pelo STJ? NÃO.

A hipossuficiência financeira ou a vulnerabilidade familiar não é suficiente para afastar a multa pecuniária prevista no art. 249 do ECA. STJ. 3ª Turma. REsp 1.658.508-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/10/2018 (Info 636).

A sanção pecuniária prevista no art. 249 do ECA, embora topologicamente distante do art. 129, deve ser interpretada em conjunto com aquele rol.

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A infração do art. 249, além de um cunho essencialmente sancionatório, possui também caráter preventivo, coercitivo e disciplinador. Em última análise, o objetivo é que tais condutas não mais se repitam, a bem dos filhos. Diante disso, em prol do melhor interesse da criança ou do adolescente, a jurisprudência até admite que, por meio de decisão judicial fundamentada, o magistrado deixe de aplicar a sanção pecuniária do art. 249 e, em seu lugar, faça incidir outras medidas mais adequadas e eficazes para a situação específica. Nesse sentido:

(...) 2. Necessidade, na hipótese ora sob julgamento, do afastamento da multa imposta no art. 249 do ECA, porquanto no caso, conforme reconhecido pelo Tribunal de origem, devido as condições econômicas dos pais, a cominação pecuniária apenas agravaria ainda mais a situação material dos interessados, sendo suficiente as demais medidas concomitantemente aplicadas em primeiro grau, e assim, entende-se ser mais eficaz, para o fim que se espera, a aplicação de medida de advertência e de encaminhamento dos pais para tratamento psicológico e programas de orientação, com uma efetiva supervisão, voltada a conscientização de suas responsabilidades inerentes ao poder familiar, sendo inócua a aplicação de qualquer outra penalidade, mormente a financeira, que prejudicará indiretamente a família como um todo. Destacadamente na hipótese de célula que, segundo os autos, detém parcos recursos materiais. 2.1. A sanção, no caso concreto, não surtirá o efeito pretendido, tornando-se apenas uma penalidade gravosa, uma vez improvável a família lograr êxito em realizar o pagamento da multa convencionada sem comprometer o próprio sustento e, se cumprida, provavelmente acarretará o agravamento do seu estado de pobreza. (...) STJ. 4ª Turma. REsp 1584840/RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 23/08/2016.

Isso não significa, contudo, que a multa deverá ser sempre excluída em caso de hipossuficiência financeira ou vulnerabilidade familiar. Em outras palavras, a situação econômica não deve ser o parâmetro determinante para eventual exclusão da multa, devendo-se analisar principalmente se a medida aplicada servirá efetivamente para prevenir e inibir a repetição das condutas censuradas. Daí porque, embora se reconheça que a regra do art. 249 do ECA não possui incidência e aplicabilidade absoluta, podendo ser sopesada com as demais medidas previstas no art. 129 do mesmo Estatuto, é preciso concluir que a simples exclusão da multa, pelo simples fato de haver pobreza, não é a providência mais adequada. Assim, no caso concreto, o STJ determinou a incidência da multa. No entanto, fixou-a em apenas 1 salário-mínimo, ou seja, abaixo do limite previsto no art. 249 do ECA.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Os honorários advocatícios contratuais não se incluem nas

despesas processuais do art. 82, § 2º, do CPC/2015

O § 2º do art. 82 do CPC/2015 prevê que: “a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou.”

O sucumbente deve arcar também com os honorários contratuais que foram pagos pela parte vencedora? Não. O vencido deverá pagar apenas os honorários sucumbenciais.

Os honorários advocatícios contratuais não se incluem nas despesas processuais do art. 82, § 2º, do CPC/2015 (art. 20 do CPC/1973).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.571.818-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/10/2018 (Info 636).

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Imagine a seguinte situação hipotética: João ingressou com execução de título extrajudicial contra Pedro. Depois de citado, Pedro procurou um escritório de advocacia e contratou um advogado (Dr. Bruno) para fazer a sua defesa, combinando de pagar a ele honorários contratuais no valor de R$ 5 mil. Bruno preparou embargos à execução e deu entrada na defesa. O juiz acolheu os embargos à execução e declarou a dívida extinta, condenando o exequente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados estes em 20% sobre o valor da causa estipulado na execução. Pedro recorreu contra a sentença pedindo que o valor dos honorários contratuais também fosse incluído na condenação. Em outras palavras, pediu que o sucumbente também fosse condenado a pagar os honorários contratuais. Segundo Pedro argumentou, o valor de R$ 5 mil referentes aos honorários advocatícios contratuais faz parte do conceito de “despesas processuais” de que trata os arts. 82, § 2º, e 85 do CPC/2015 (art. 20 do CPC/1973):

Art. 82 (...) § 2º A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou.

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

A tese de Pedro é aceita pela jurisprudência? O sucumbente deve arcar também com os honorários contratuais que foram pagos pela parte vencedora? NÃO. Vamos entender com calma. Espécies de honorários advocatícios Os honorários advocatícios dividem-se em: a) Contratuais (convencionados): ajustados entre a parte e o advogado por meio de um contrato. Ex: a União ajuizou ação de desapropriação contra Ricardo. Este procura, então, um advogado e faz com ele um contrato para que o causídico prepare sua defesa e acompanhe a demanda. Ricardo combina de pagar R$ 20 mil reais para Dr. Rui (seu advogado). b) Sucumbenciais: são arbitrados pelo juiz e pagos, em regra, pela parte vencida na demanda ao advogado da parte vencedora, na forma do art. 85 do CPC/2015 (art. 20 do CPC/1973). Ex: Ricardo foi a parte vencedora na ação de desapropriação e, a União, a parte vencida. A sentença que condenou a União a pagar a indenização a Ricardo também deve determinar que a União pague os honorários ao advogado de Ricardo. Quando o dispositivo legal fala que o vencido deverá pagar as despesas que o vencedor antecipou, de que despesas ele está tratando? São as chamadas “despesas processuais”. Trata-se de expressão genérica, que abrange três espécies: a) custas: taxa paga como forma de contraprestação pelo serviço jurisdicional que é prestado pelo Estado-juiz; b) emolumentos: taxa paga pelo usuário do serviço como contraprestação pelos atos praticados pela serventia (“cartório”) não estatizada (as serventias não estatizadas não são remuneradas pelos cofres públicos, mas sim pelas partes); c) despesas em sentido estrito: valor pago para remunerar profissionais que são convocados pela Justiça para auxiliar nas atividades inerentes à prestação jurisdicional. Exs: honorários do perito, despesas com o transporte do Oficial de justiça prestado por terceiros (ex: empresa de ônibus, táxi etc.). Fundamento O fundamento para a condenação do vencido ao pagamento dessas despesas está em evitar que o vencedor seja compelido a arcar com os gastos de um processo para cuja formação não deu causa.

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Em poucas palavras: aquele que vence não deve sofrer prejuízo por causa do processo. Tal fundamento está umbilicalmente ligado ao princípio da sucumbência. Gastos endoprocessuais A jurisprudência interpreta que tais despesas se limitam aos gastos endoprocessuais, ou seja, aqueles necessários à formação, desenvolvimento e extinção do processo. Os gastos extraprocessuais – aqueles realizados fora do processo –, ainda que assumidos em razão dele, não se incluem dentre aquelas despesas às quais faz alusão o art. 82, § 2º, do CPC/2015 (art. 20 do CPC/1973), motivo pelo qual nelas não estão contidos os honorários contratuais, convencionados entre o advogado e o seu cliente, mesmo quando este vence a demanda. Em suma:

Os honorários advocatícios contratuais não se incluem nas despesas processuais do art. 82, § 2º, do CPC/2015 (art. 20 do CPC/1973). STJ. 3ª Turma. REsp 1.571.818-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/10/2018 (Info 636).

RECURSOS EM GERAL Não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido

Importante!!!

É inaplicável a contagem do prazo recursal em dobro quando apenas um dos litisconsortes com procuradores distintos sucumbe.

Nesse sentido existe, inclusive, uma súmula do STF, cujo entendimento continua válido com o CPC/2015:

Súmula 641-STF: Não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido.

Ex: ação de cobrança proposta contra Pedro e Tiago. Na sentença, o juiz julga procedente quanto a Pedro e improcedente no que tange a Tiago. Pedro, única parte sucumbente, não terá direito a prazo em dobro.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.709.562-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/10/2018 (Info 636).

BENEFÍCIO DO PRAZO EM DOBRO

Em que consiste o chamado benefício do prazo em dobro? Quando houver litisconsórcio, seja ele ativo (dois ou mais autores) ou passivo (dois ou mais réus), caso os litisconsortes tenham advogados diferentes, de escritórios diferentes, os seus prazos serão contados em dobro. É o que determina o art. 229 do CPC/2015:

Art. 229. Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento.

Chamo a atenção para essas partes acima grifadas porque elas são cobradas em provas objetivas. Veja: (PGE/AP 2018 FCC) Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, desde que requeiram o benefício tempestivamente. (errado)

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Por que existe esse benefício? Essa regra justifica-se pela dificuldade maior que os advogados dos litisconsortes encontram em cumprir os prazos processuais e, principalmente, em consultar os autos do processo (STJ AgRg no Ag 963.283/MG). Em outras palavras, havendo mais de uma parte e, sendo estas representadas por advogados diferentes, fica mais difícil para os advogados prepararem as peças processuais, já que eles não poderão, em tese, retirar os autos do cartório, considerando que a outra parte pode também querer vê-los. Se os advogados dos litisconsortes forem diferentes, mas pertencerem ao mesmo escritório de advocacia, ainda assim eles terão direito ao prazo em dobro? NÃO. O art. 229 do CPC exige, expressamente, para a concessão do prazo em dobro, que os advogados sejam de escritórios diferentes. Assim, se os litisconsortes tiverem advogados diferentes, mas estes fizerem parte do mesmo escritório, o prazo será simples (não em dobro). Trata-se de uma novidade do CPC/2015. Persiste o prazo em dobro mesmo na hipótese de os litisconsortes serem marido e mulher? SIM, considerando que a Lei não faz qualquer ressalva quanto a isso, exigindo apenas que tenham diferentes procuradores (STJ REsp 973.465-SP). Esse prazo em dobro vale apenas na 1ª instância? NÃO. O benefício abrange também as instâncias recursais. Imagine que são dois réus em litisconsórcio (João e Pedro), representados por advogados diferentes, de escritórios distintos. Ocorre que apenas um deles (João) apresentou defesa, sendo Pedro revel. João continuará tendo prazo em dobro para as demais manifestações nos autos? NÃO. Cessa a contagem do prazo em dobro se, havendo apenas 2 réus, é oferecida defesa por apenas um deles (art. 229, § 1º do CPC 2015). O benefício do prazo em dobro para os litisconsortes vale para processos eletrônicos? NÃO. O § 2º do art. 229 do CPC/2015 determina, expressamente, que não se aplica o prazo em dobro para litisconsortes diferentes se o processo for em autos eletrônicos. Trata-se de novidade do CPC/2015:

O art. 229 do CPC de 2015, aprimorando a norma disposta no artigo 191 do código revogado, determina que, apenas nos processos físicos, os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento. STJ. 4ª Turma. REsp 1693784/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/11/2017.

COMO FICA O PRAZO RECURSAL SE APENAS UM DOS LITISCONSORTES SUCUMBE

Imagine a seguinte situação hipotética João ajuizou ação contra Pedro e Tiago. Vale ressaltar que Pedro e Tiago possuíam advogados distintos, de escritórios de advocacia diferentes. Importante também esclarecer que os autos eram físicos (processo físico). Durante a tramitação, o juiz reconheceu que Pedro e Tiago tinham prazo em dobro, nos termos do art. 229 do CPC/2015. Na sentença, o juiz julgou o pedido procedente quanto a Pedro, condenando-o a pagar determinada quantia ao autor. Por outro lado, o magistrado julgado a demanda improcedente quanto a Tiago. Desse modo, dos dois litisconsortes passivos, apenas um foi sucumbente. Tiago, obviamente, ficou satisfeito e não recorreu. Pedro interpôs apelação. Ocorre que o advogado de Pedro já estava acostumado a ter prazo em dobro e, por isso, imaginou que o prazo da apelação seria também em dobro (ou seja, 30 dias = 15 + 15). Diante disso, o recurso foi interposto no 20º dia do prazo.

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Agiu corretamente o advogado de Pedro? Esta apelação será conhecida? Continua existindo prazo em dobro quando apenas um dos litisconsortes sucumbe? NÃO.

É inaplicável a contagem do prazo recursal em dobro quando apenas um dos litisconsortes com procuradores distintos sucumbe. STJ. 3ª Turma. REsp 1.709.562-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/10/2018 (Info 636).

Nesse sentido existe, inclusive, uma súmula do STF, cujo entendimento continua válido com o CPC/2015:

Súmula 641-STF: Não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido.

É o que também ensina André Roque:

“Para que exista direito ao prazo em dobro, há que se observarem dois requisitos cumulativos: existência de litisconsórcio e de prazo comum para os litisconsortes praticarem o ato processual. (...) Por esse motivo, se na sentença, por exemplo, apenas um dos litisconsortes sucumbir, o prazo será contado de forma simples para a apelação, nos termos da Súmula nº 641 do STF”. (ROQUE, André. et al. Teoria Geral do Processo: Comentários ao CPC de 2015. Parte Geral. São Paulo: Forense, 2015. p. 709).

A norma que prevê o prazo em dobro existe para garantir a paridade de armas no processo, considerando a inevitável dificuldade de acesso aos autos físicos para o pleno exercício do direito de defesa, quando existe mais de um litisconsorte com diferentes escritórios de advocacia. Se apenas um dos litisconsortes é prejudicado e tem interesse de recorrer, não há motivo para se garantir o prazo em dobro.

AGRAVO DE INSTRUMENTO O rol do art. 1.015 do CPC/2015 é de taxatividade mitigada

Importante!!!

O rol do art. 1.015 do CPC/2015 é de taxatividade mitigada

O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.

STJ. Corte Especial. REsp 1704520/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/12/2018 (recurso repetitivo).

Obs: a tese jurídica fixada e acima explicada somente se aplica às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do REsp 1704520/MT, o que ocorreu no DJe 19/12/2018.

Antes da decisão acima, o STJ chegou a admitir o cabimento de mandado de segurança

Com a entrada em vigor do CPC/2015, e antes da decisão do STJ no REsp 1704520/MT, havia dúvida razoável na doutrina e na jurisprudência sobre o cabimento ou não de agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que examinava competência.

Diante disso, era possível a impetração de mandado de segurança contra decisão interlocutória que examinava competência.

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Vale ressaltar, contudo, que essa possibilidade de impetração de MS deixou de existir com a publicação do REsp 1704520/MT (DJe 19/12/2018).

STJ. 4ª Turma. RMS 58.578-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 18/10/2018 (Info 636).

Imagine a seguinte situação hipotética: A sociedade empresária “Aqua Modas” celebrou contrato com a empresa “Terra Confecções”. No pacto, havia a previsão de uma cláusula de eleição de foro: “8.1. Fica eleito o foro da cidade de São Paulo/SP em detrimento de qualquer outro, por mais privilegiado que seja, para dirimir quaisquer dúvidas ou controvérsias oriundas do presente instrumento.” Houve uma divergência entre os contratantes e a empresa “Terra” ajuizou ação de rescisão contratual contra a “Aqua” na comarca de Porto Alegre (RS), sede da autora. Arguição de incompetência A empresa “Aqua” contestou a ação e arguiu a incompetência relativa do foro de Porto Alegre (incompetência territorial) argumentando que a referida cláusula de eleição de foro é válida e não tem nada de abusiva. Vale lembrar que, com o CPC/2015, a incompetência relativa não é mais alegada por meio de “exceção de incompetência”, mas sim como um mero tópico da contestação:

Art. 64. A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada como questão preliminar de contestação.

Decisão interlocutória examinando a competência O juiz deferiu o pedido da empresa “Aqua”, por entender que a cláusula de eleição de foro é válida. Com isso, o magistrado determinou a remessa dos autos para o juízo de São Paulo (SP). Contra esta decisão, a autora “Terra” interpôs agravo de instrumento. O Tribunal de Justiça não conheceu do recurso afirmando que as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento estão previstas taxativamente (exaustivamente) no art. 1.015 do CPC/2015 e que neste rol não existe a previsão de agravo de instrumento contra a decisão relacionada com definição de competência. Veja a lista do art. 1.015 do CPC/2015:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º; XII - (VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei. Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

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Cabe agravo de instrumento neste caso? Na vigência do CPC/2015 cabe agravo de instrumento contra a decisão que examina competência ou se trata de decisão irrecorrível de imediato? Essa questão já foi pacificada, conforme veremos mais à frente. No entanto, durante mais de dois anos houve um intenso debate na doutrina e jurisprudência sobre o tema, tendo surgido duas correntes principais: 1ª) Não cabe agravo de instrumento. Vários Tribunais de Justiça adotaram a tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria, realmente, exaustivo. Logo, a decisão interlocutória que examinasse competência seria irrecorrível de imediato porque esta hipótese não foi prevista expressamente no art. 1.015. 2ª) Cabe agravo de instrumento. Nomes de peso na doutrina e precedentes judiciais sustentaram que, apesar de o rol do art. 1.015 do CPC ser taxativo, seria cabível agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que examinasse competência. A fundamentação para isso variava um pouco de acordo com o doutrinador ou julgado. Enfim, havia uma dúvida razoável acerca da existência de recurso cabível. Imagine agora a seguinte situação que decorreu desta dúvida: O juiz reconheceu, por meio de decisão interlocutória, que era incompetente e remeteu o processo para outra comarca. O autor da ação, que havia proposto a demanda naquele juízo, foi prejudicado pela decisão interlocutória do juiz que reconheceu a incompetência. O advogado do autor, a fim de decidir como iria defender processualmente os interesses de seu cliente, estudou o que fazer pela doutrina, pesquisou a jurisprudência e verificou que havia a polêmica acima exposta. A partir das pesquisas que fez, ele entendeu que a 1ª corrente seria majoritária, ou seja, ele avaliou que a decisão seria realmente irrecorrível, já que não constava no art. 1.015 do CPC. Diante disse cenário, ele pensou: ora, se não cabe agravo e nenhum outro recurso, ou seja, se a decisão é irrecorrível, o único instrumento que me resta para defender os interesses do meu cliente é impetrar um mandado de segurança, conforme autoriza o art. 5º, II, da Lei nº 12.016/2009:

Art. 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: (...) II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;

No mesmo sentido:

Súmula 267-STF: Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição.

Pergunta: é possível aceitar o mandado de segurança neste caso? SIM. O mandado de segurança é uma ação constitucional voltada para a proteção de direito líquido e certo contra ato abusivo ou ilegal de autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (art. 5º, LXIX, da CF/88). Assim, como regra, o mandado de segurança não pode ser utilizado como sucedâneo recursal (ou seja, como substituto de recurso). Exceções. A doutrina e a jurisprudência admitem o manejo do mandado de segurança contra atos judiciais, excepcionalmente, nas seguintes hipóteses: a) contra decisão judicial teratológica; b) contra decisão judicial contra a qual não caiba recurso; c) para imprimir efeito suspensivo a recurso desprovido de tal efeito; e d) quando impetrado por terceiro prejudicado por decisão judicial. No caso em tela, conforme já explicado, havia dúvida razoável acerca da existência de recurso cabível.

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Assim, diante da existência de dúvida razoável sobre o cabimento de agravo de instrumento, o STJ entendeu que foi justificada a conduta da parte que impetrou mandado de segurança contra o ato judicial que afastou a competência. Em suma:

Com a entrada em vigor do CPC/2015, e antes da decisão do STJ no REsp 1704520/MT, havia dúvida razoável na doutrina e na jurisprudência sobre o cabimento ou não de agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que examinava competência. Diante disso, era possível a impetração de mandado de segurança contra decisão interlocutória que examina competência. Vale ressaltar, contudo, que essa possibilidade de impetração de MS deixou de existir com a publicação do REsp 1704520/MT (DJe 19/12/2018). STJ. 4ª Turma. RMS 58.578-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 18/10/2018 (Info 636).

Essa dúvida não existe mais, considerando que o STJ pacificou o tema em recurso especial repetitivo. Diante disso, indaga-se: cabe ou não agravo de instrumento neste caso? Na vigência do CPC/2015, cabe agravo de instrumento contra a decisão que examina competência? Cabe agravo de instrumento. Prevaleceu no STJ o seguinte entendimento: É cabível a interposição de agravo de instrumento contra decisão relacionada à definição de competência, a despeito de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015. Apesar de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015, a decisão interlocutória que acolhe ou rejeita a alegação de incompetência desafia recurso de agravo de instrumento. Vamos entender com calma os motivos. Correntes de interpretação Veja novamente o caput do art. 1.015 do CPC/2015:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: (...)

Surgiram três principais correntes de interpretação a respeito do rol previsto neste artigo:

CORRENTES DE INTERPRETAÇÃO SOBRE O ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015

1) o rol é absolutamente taxativo (deve ser interpretado

restritivamente)

2) o rol é taxativo, mas admite interpretação

extensiva ou analogia 3) o rol é exemplificativo

Houve uma opção consciente do legislador pela enumeração taxativa das hipóteses. Não se pode ampliar o rol do art. 1.015, sob pena, inclusive, de comprometer todo o sistema preclusivo eleito pelo CPC/2015.

Os incisos do art. 1.015 não podem ser interpretados de forma literal. Os incisos devem ser interpretados de forma extensiva para admitir situações parecidas.

O rol é exemplificativo, de modo que a recorribilidade da decisão interlocutória deve ser imediata, ainda que a situação não conste no art. 1.015 do CPC.

Fernando Gajardoni, Luiz Dellore, André Roque, Zulmar Oliveira Jr.

Fredie Didier Jr., Leonardo da Cunha, Teresa Arruda Alvim, Cássio Scarpinella.

William Santos Ferreira e José Rogério Cruz e Tucci.

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Critério adotado pelo legislador foi insuficiente A maioria da doutrina se posicionou no sentido de que o legislador foi infeliz ao tentar criar um rol exaustivo das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento na fase de conhecimento. Isso porque o rol do art. 1.015 do CPC, como aprovado e em vigor, é insuficiente, pois deixa de abarcar uma série de questões urgentes e que demandariam reexame imediato pelo Tribunal. O sistema precisa que exista uma via processual sempre aberta para que tais questões urgentes sejam desde logo reexaminadas, considerando que se a sua apreciação for adiada (diferida), isso poderá causar prejuízo às partes e até mesmo a inutilidade de que o tema seja apreciado no futuro. Em outras palavras, existem questões que não podem esperar e que não estão no rol do art. 1.015 do CPC. A experiência mostra que o mandado de segurança, que era muito utilizado na vigência do CPC/1939 como sucedâneo recursal e que foi paulatinamente reduzido pelo CPC/1973, não é o meio processual mais adequado para se rediscutir a decisão interlocutória.

Legislador não consegue prever, com rol fechado, todas as hipóteses possíveis O objetivo do legislador ao criar o rol do art. 1.015 foi o de prever ali situações urgentes, ou seja, que não poderiam aguardar para que fossem decididas em eventual recurso de apelação. Ocorre que o estudo da história do direito demonstra que um rol taxativo não consegue prever todas as hipóteses possíveis e, situações que têm a mesma razão de existir acabam ficando de fora, gerando inúmeros problemas. O que se percebe em vários países do mundo é que se adota o critério da urgência para a recorribilidade das decisões interlocutórias. Assim, em países como EUA, França, Alemanha, Argentina, com algumas variações, em regra, não se admite recurso contra decisões interlocutórias, salvo quando a espera da decisão final puder causar dano irreparável às partes. Se uma decisão interlocutória precisa ser enfrentada imediatamente, sob pena de a sua espera gerar dano irreparável às partes, deve-se permitir o recurso imediato contra esta decisão, considerando que isso atende o direito à tutela jurisdicional e de efetivo acesso à justiça (princípio da inafastabilidade da jurisdição). Dois exemplos de situações urgentes não contempladas no art. 1.015 e que, se examinadas apenas no recurso de apelação, gerarão prejuízo irreparável às partes: • decisão que decide sobre competência: não é razoável que o processo tramite perante um juízo incompetente por um longo período e, somente por ocasião do julgamento da apelação, seja reconhecida a incompetência e determinado o retorno ao juízo competente. • decisão que indefere o pedido de segredo de justiça: se o juiz indefere o pedido de segredo de justiça e a parte prejudicada não pode recorrer de imediato, significa que não mais adiantará nada rediscutir o assunto na apelação, considerando que todos os detalhes da intimidade do jurisdicionado já foram expostos pela publicidade.

Diante dessa inadequação, qual das três correntes acima expostas foi adotada pelo STJ? Nenhuma. O STJ entendeu que nenhuma das três correntes acima expostas soluciona adequadamente a situação, senão vejamos: A 1ª corrente (taxatividade com interpretação restritiva) é incapaz de tutelar adequadamente todas as questões. Isso porque, como vimos, existem decisões interlocutórias que, se não forem reexaminadas imediatamente pelo Tribunal, poderão causar sérios prejuízos às partes. A 2ª corrente (interpretação extensiva ou analógica) também deve ser afastada. Isso porque não há parâmetro minimamente seguro e isonômico quanto aos limites que deverão ser observados na interpretação de cada conceito, texto ou palavra. Além disso, o uso dessas técnicas hermenêuticas não será suficiente para abarcar todas as situações em que a questão deverá ser reexaminada de imediato. Um exemplo é a decisão que indefere o segredo de justiça. Não há nenhum outro inciso do art. 1.015 no qual se possa aplicar essa hipótese por analogia. Por fim, a 3ª corrente (meramente exemplificativo) não pode ser adotada porque ignora absolutamente a vontade do legislador que tentou, de algum modo, limitar o cabimento do agravo de instrumento.

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Qual foi, então, o critério adotado pelo STJ? O STJ construiu a ideia de que o rol do art. 1.015 do CPC/2015 é de taxatividade mitigada. O que significa isso? Em regra, somente cabe agravo de instrumento nas hipóteses listadas no art. 1.015 do CPC/2015. Excepcionalmente, é possível a interposição de agravo de instrumento fora da lista do art. 1.015, desde que preenchido um requisito objetivo: a urgência. O que é urgência? Urgência, para os fins de cabimento de agravo de instrumento, significa que a decisão interlocutória proferida trouxe, para a parte, uma situação na qual ela não pode aguardar para rediscutir futuramente no recurso de apelação. Assim, a urgência decorre da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. Em outras palavras, aquilo que foi definido na decisão interlocutória deverá ser examinado pelo Tribunal imediatamente porque se for esperar para rediscutir na apelação, o tempo de espera tornará a decisão inútil para a parte. Ela não terá mais nenhum (ou pouquíssimo) proveito. Por que esse nome “taxatividade mitigada”? Foi uma expressão cunhada pela Min. Nancy Andrighi. O objetivo da Ministra foi o de dizer o seguinte: o objetivo do legislador foi o de prever um rol taxativo e isso deve ser, na medida do possível, respeitado. No entanto, trata-se de uma taxatividade mitigada (suavizada, abrandada, relativizada) por uma “cláusula adicional de cabimento”. Que cláusula (norma, preceito) é essa? Deve-se também admitir o cabimento do recurso em caso de urgência. E por que se deve colocar essa “cláusula adicional de cabimento”? Por que se deve adicionar essa regra extra de cabimento? Porque, se houvesse uma taxatividade absoluta, isso significaria um desrespeito às normas fundamentais do próprio CPC e geraria grave prejuízo às partes ou ao próprio processo. Logo, tem-se uma taxatividade mitigada pelo requisito da urgência. Tese fixada pelo STJ: Como o tema foi apreciado pela Corte Especial em sede de recurso repetitivo, o STJ fixou a seguinte tese:

O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. STJ. Corte Especial. REsp 1704520/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/12/2018.

Vale ressaltar, mais uma vez, que não é necessário recorrer à analogia ou intepretação extensiva.

O agravo de instrumento será cabível: 1) nos casos previstos expressamente no art. 1.105 do CPC (aqui a urgência foi presumida pelo legislador); 2) mesmo que a situação esteja fora da lista do art. 1.015, desde que verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação (o Tribunal irá analisar se existe urgência ou não para admitir o conhecimento do agravo).

Como fica a questão da preclusão? Se o juiz profere uma decisão interlocutória que se enquadra em um dos incisos do art. 1.015 do CPC, a parte prejudicada poderia interpor agravo de instrumento. Imagine que ela o faz. Isso significa que houve preclusão e ela não poderá mais rediscutir essa decisão em sede de apelação.

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Por outro lado, se o juiz profere uma decisão interlocutória que não se amolda em um dos incisos do art. 1.015, o CPC afirma que, neste caso, como a parte não pode recorrer de imediato, ela deverá sofrer os efeitos da preclusão. Isso significa que a parte poderá impugnar essa decisão ao interpor apelação. É isso que estabelece o art. 1.009, § 1º do CPC:

Art. 1.009 (...) § 1º As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.

Assim, pelo art. 1.009, § 1º, haverá preclusão para a parte se preenchidos dois requisitos cumulativos: • a decisão interlocutória está expressamente prevista no art. 1.015 do CPC; e • apesar disso, a parte não a impugnou por meio de agravo de instrumento. Ex: juiz profere decisão interlocutória excluindo um litisconsorte passivo. Essa decisão se enquadra no inciso VII do art. 1.015. Imaginemos que o autor decida não interpor o agravo de instrumento. Significa dizer que houve preclusão e que ele não mais poderá questionar essa exclusão quando for interpor apelação.

Com essa decisão do STJ, existem decisões interlocutórias que poderão, em tese, ser impugnadas por agravo de instrumento mesmo sem estarem previstas no art. 1.015 do CPC. Como fica a preclusão em tais casos se a parte decidir não interpor agravo de instrumento? Ex: o réu suscita a incompetência do juízo; o magistrado rejeita; pelo critério da taxatividade mitigada, a parte poderia interpor agravo de instrumento mesmo em isso estar previsto no art. 1.015 do CPC; imaginemos, contudo, que a parte não ingressa com o agravo; ela poderá questionar essa decisão na apelação ou terá havido preclusão? A parte poderá questionar essa decisão ao interpor apelação. Não terá havido preclusão. Se o juiz profere uma decisão interlocutória e o conteúdo desta decisão não está expressamente previsto no rol do art. 1.015 do CPC, a parte não tem o ônus de ingressar com agravo de instrumento. Mesmo que a decisão interlocutória proferida gere, em tese, uma situação de urgência, ainda assim será uma opção da parte ingressar com o agravo de instrumento ou aguardar para impugnar essa decisão.

Imagine que o juiz profira uma decisão interlocutória cujo conteúdo não está previsto expressamente no art. 1.015. A parte entende que há urgência e ingressa com agravo de instrumento. O Tribunal, contudo, considera que não existe urgência e não conhece do recurso. Neste caso, terá havido preclusão ou a parte ainda poderá questionar essa decisão na apelação? A parte poderá questionar essa decisão ao interpor apelação. Não terá havido preclusão. O cabimento do agravo de instrumento na hipótese excepcional de “urgência” está sujeito a um duplo juízo de conformidade: • um, da parte, que interporá o recurso com a demonstração de seu cabimento excepcional; • outro, do Tribunal, que analisará se existe ou não essa urgência para fins de admitir o agravo de instrumento fora das hipóteses do art. 1.015. Se a parte não interpuser o agravo ou se ingressar, mas o Tribunal entender que não há urgência (e não conhecer do recurso), isso significa que não houve preclusão e a parte poderá questionar a decisão futuramente na apelação.

Modulação dos efeitos Como havia muita polêmica sobre o tema, o STJ, para fins de garantir a segurança jurídica, decidiu modular os efeitos da decisão. Desse modo, a tese jurídica fixada e acima explicada somente se aplicará às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do REsp 1704520/MT, o que ocorreu no DJe 19/12/2018.

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CUMPRIMENTO DE SENTENÇA A multa de 10% prevista no art. 523, § 1º, do CPC/2015

NÃO entra no cálculo dos honorários advocatícios

Importante!!!

A base de cálculo sobre a qual incidem os honorários advocatícios devidos em cumprimento de sentença é o valor da dívida (quantia fixada em sentença ou na liquidação), acrescido das custas processuais, se houver, sem a inclusão da multa de 10% pelo descumprimento da obrigação dentro do prazo legal (art. 523, § 1º, do CPC/2015).

A multa de 10% prevista no art. 523, § 1º, do CPC/2015 NÃO entra no cálculo dos honorários advocatícios.

A multa de 10% do art. 523, § 1º, do CPC/2015 não integra a base de cálculo dos honorários advocatícios.

Os 10% dos honorários advocatícios deverão incidir apenas sobre o valor do débito principal.

Relembre o que diz o § 1º do art. 523:

Art. 523 (...) § 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.757.033-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 09/10/2018 (Info 636).

O procedimento para execução de quantia pode ser realizado de duas formas: a) execução de quantia fundada em título executivo extrajudicial; b) execução de quantia fundada em título executivo judicial (cumprimento de sentença). Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuíza uma ação de cobrança contra a empresa “XYZ”. O juiz julga a sentença procedente, condenando a empresa a pagar R$ 100 mil a João. A empresa perdeu o prazo para a apelação, de modo que ocorreu o trânsito em julgado.

O que acontece agora? João terá que ingressar com uma petição em juízo requerendo o cumprimento da sentença.

O início da fase de cumprimento da sentença pode ser feito de ofício pelo juiz? NÃO. O cumprimento da sentença que reconhece o dever de pagar quantia, provisório ou definitivo, só pode ser feito a requerimento do exequente (art. 513, § 1º do CPC/2015). Cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante demonstrativo discriminado e atualizado do crédito (art. 524 do CPC/2015). Em outras palavras, o início da fase de cumprimento da sentença exige um requerimento do credor:

Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.

A partir do requerimento do credor, o que faz o juiz? O juiz determina a intimação do devedor para pagar a quantia em um prazo máximo de 15 dias. O prazo de 15 dias, previsto no art. 523 do CPC/2015, é contado em dias úteis ou corridos? Dias úteis. O tema ainda não está pacificado, mas esta é a posição majoritária:

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Enunciado 89 – I Jornada CJF: Conta-se em dias úteis o prazo do caput do art. 523 do CPC.

Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. REsp 1693784/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/11/2017. Se o devedor condenado é intimado para pagar e não efetua o pagamento no prazo de 15 dias, o que acontecerá em seguida? 1) o montante da condenação será automaticamente acrescido de multa de 10% + honorários de 10%; 2) será expedido mandado para que sejam penhorados e avaliados os bens do devedor para satisfação do crédito. Neste momento, inicia-se a execução forçada do título diante do não cumprimento espontâneo. Se for efetuado o pagamento apenas parcial, a multa e os honorários incidirão sobre o restante que faltou (art. 523, § 2º do CPC/2015). A multa de 10% entra no cálculo dos honorários advocatícios? Vimos acima que, na fase de cumprimento de sentença, há pagamento de honorários advocatícios, ou seja, o devedor terá que pagar 10% de honorários advocatícios em favor do credor, nos termos do § 1º do art. 523 do CPC:

Art. 523 (...) § 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.

A dúvida que surge é a seguinte: Opção 1: esses 10% de honorários serão calculados com base apenas na quantia principal da condenação fixada na fase de conhecimento? Ex: os honorários serão de R$ 10 mil (10% de 100.000)? ou Opção 2: esses 10% de honorários serão calculados com base na quantia principal da condenação fixada na fase de conhecimento acrescida da multa de 10% pelo não pagamento no prazo (art. 523, § 1º)? Ex: pega a condenação principal (100 mil) e aplica a multa de 10%. Como resultado, teremos R$ 110.000,00. Os honorários serão calculados com base nesse valor. Logo, os honorários seriam de 10% de 110.000 = R$ 11.000,00. Na opção 1, a multa de 10% não integra a base de cálculo dos honorários advocatícios (dizendo de outra forma: no momento de se calcular os honorários advocatícios não se leva em consideração a multa de 10%). Na opção 2, a multa de 10% integra a base de cálculo dos honorários advocatícios, ou seja, no momento de se calcular os honorários advocatícios, considera-se a quantia principal somada com a multa. Qual das duas opções é a correta? A multa de 10% entra no cálculo dos honorários advocatícios? A opção 1.

A multa de 10% prevista no art. 523, § 1º, do CPC/2015 NÃO entra no cálculo dos honorários advocatícios. A multa de 10% do art. 523, § 1º, do CPC/2015 não integra a base de cálculo dos honorários advocatícios. Os 10% dos honorários advocatícios deverão incidir apenas sobre o valor do débito principal. STJ. 3ª Turma. REsp 1.757.033-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 09/10/2018 (Info 636).

A base de cálculo da multa e da verba honorária é o valor do crédito perseguido na execução da sentença. Ou seja, calcula-se a multa sobre o montante executado e, em seguida, procede-se da mesma forma com os honorários devidos ao advogado. Assim, por exemplo, em caso de execução de R$ 10.000,00 (dez mil reais), será adicionado R$ 1.000,00 (mil reais) a título de multa e R$ 1.000,00 (mil reais) de honorários advocatícios. Portanto, a base de cálculo da multa e dos honorários advocatícios é a mesma, ou seja, ambos incidem sobre o débito.

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Com idêntico raciocínio, confira a seguinte lição doutrinária:

“(...) A base de cálculo sobre a qual incidem os honorários é o valor da dívida, sem a multa de dez por cento, constante do demonstrativo discriminado e atualizado do crédito, que instrui o requerimento do exequente.” (DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. Vol. 5. Execuçãoo. 8ª ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 437)

Pagamento parcial do débito Igual regra vale para as situações de pagamento parcial do débito, caso em que a multa e a verba honorária terão como base de cálculo o saldo remanescente da quantia executada, nos termos do § 2º do art. 523 do CPC/2015:

Art. 523 (...) § 2º Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput, a multa e os honorários previstos no § 1º incidirão sobre o restante.

(...) Ocorrido o pagamento tempestivo, porém parcial, da dívida executada, incide, à espécie, o § 2º do artigo 523 do CPC de 2015, devendo incidir a multa de dez por cento e os honorários advocatícios (no mesmo percentual) tão somente sobre o valor remanescente a ser pago por qualquer dos litisconsortes. STJ. 4ª Turma. REsp 1.693.784/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/11/2017.

AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO Se ficar comprovada a insuficiência do depósito, a ação deve ser julgada improcedente

Importante!!!

Em ação consignatória, a insuficiência do depósito realizado pelo devedor conduz ao julgamento de improcedência do pedido, pois o pagamento parcial da dívida não extingue o vínculo obrigacional.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.108.058-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF da 5ª Região), Rel. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 10/10/2018 (recurso repetitivo) (Info 636).

Pagamento em consignação Se alguém está devendo uma quantia em dinheiro ou tem a obrigação de entregar uma coisa para o credor, a forma “normal” de fazer isso é por meio do pagamento. No entanto, algumas vezes, o devedor, mesmo querendo, não consegue pagar. Isso acontece, por exemplo, quando o devedor não pode ou não quer receber. Também ocorre quando o devedor não tem certeza para quem deve pagar. Em tais situações, o ordenamento jurídico prevê que o devedor deverá fazer o pagamento em consignação. Esse tema é tratado tanto no Código Civil (arts. 334 a 345) como no CPC (arts. 539 a 549). Hipóteses Segundo o art. 335 do CC, o pagamento em consignação ocorre nas seguintes situações: I - se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma; II - se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos; III - se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;

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IV - se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento; V - se pender litígio sobre o objeto do pagamento. Obs: existem outras hipóteses de pagamento em consignação previstas em outras leis, como, por exemplo, no art. 164 do CTN. Espécies A consignação em pagamento pode ser:

a) EXTRAJUDICIAL: É aquela que é feita diretamente pelo devedor, sem propor uma ação judicial para isso. Só cabe consignação extrajudicial em caso de dívida de dinheiro. Está prevista nos §§ 1º a 4º do art. 539 do CPC. Como funciona: - O devedor, ou o terceiro que quer pagar a dívida, vai até um banco situado no lugar do pagamento e deposita a quantia devida. - Em seguida, o banco notifica o credor, por via postal, de que foi feito este depósito e concede um prazo de 10 dias para ele se manifestar. - Se o credor não se pronunciar no prazo, deve-se considerar que o devedor ficou liberado da obrigação. - A quantia fica no banco à disposição do credor, que poderá sacá-la. - Por outro lado, o credor poderá, por escrito, recusar-se a receber o depósito, hipótese na qual o devedor deverá propor, em 1 mês, ação de consignação, instruindo a inicial com a prova do depósito e da recusa. - Não proposta a referida ação no prazo de 1 mês, torna-se sem efeito o depósito.

“O prazo de um mês para o ingresso da ação de consignação em pagamento serve tão somente para que o devedor não sofra os efeitos da mora, de maneira que, transcorrido esse prazo, a propositura da demanda continua possível, desde que o devedor realize a consignação do valor principal acrescido dos juros e devidas correções, que contarão da data de vencimento da obrigação583. Segundo o art. 539, § 3.º, do Novo CPC, após o decurso do prazo legal, o depósito extrajudicial perderá os seus efeitos, o que dá a entender que o autor “devedor” deverá realizar um novo depósito.” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 1.496).

Vale ressaltar que a consignação em estabelecimento bancário (consignação extrajudicial) é uma faculdade do autor, ou seja, ele pode decidir propor diretamente a ação judicial de consignação, não precisando ingressar primeiro com a consignação extrajudicial. b) JUDICIAL Realizado por meio da propositura de ação de consignação em pagamento. Vamos estudar abaixo a ação de consignação em pagamento. Legitimidade Ativa. A ação de consignação em pagamento pode ser proposta: a) pelo devedor; ou b) por terceiro. Passiva. A ação de consignação em pagamento será proposta contra: a) o CREDOR (se ele for certo). Veja o que diz o art. 542, II, do CPC:

Art. 542. Na petição inicial, o autor requererá: II - a citação do réu para levantar o depósito ou oferecer contestação.

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b) contra os POSSÍVEIS CREDORES, em litisconsórcio passivo (se houver mais de uma pessoa que possa ser credora e o devedor não tiver certeza para quem deverá pagar). Está previsto no art. 547 do CPC:

Art. 547. Se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o pagamento, o autor requererá o depósito e a citação dos possíveis titulares do crédito para provarem o seu direito.

Objeto Vimos acima que a consignação extrajudicial somente pode envolver dinheiro (dívidas de valor). A ação de consignação, por outro lado, pode envolver: a) dinheiro (obrigação de pagar quantia certa); b) coisa diversa de dinheiro. Citação e posturas do réu O réu (credor), depois de ser citado, poderá adotar três posturas: a) oferecer contestação; b) requerer o levantamento do valor ou da coisa depositada; c) não fazer nada (ser revel). Contestação Na contestação, o réu poderá alegar que: I - não houve recusa ou mora em receber a quantia ou a coisa devida; II - foi justa a recusa; III - o depósito não se efetuou no prazo ou no lugar do pagamento; IV - o depósito não é integral. Neste caso, a alegação somente será admissível se o réu indicar o montante que entende devido. Sentença Se o juiz julgar procedente a ação consignatória:

Art. 546. Julgado procedente o pedido, o juiz declarará extinta a obrigação e condenará o réu ao pagamento de custas e honorários advocatícios. Parágrafo único. Proceder-se-á do mesmo modo se o credor receber e der quitação.

Se o autor depositou a quantia, mas o réu contestou dizendo que o depósito não foi de tudo que seria devido (o depósito não foi integral). O que acontece neste caso? O autor terá a oportunidade de complementar o depósito:

Art. 545. Alegada a insuficiência do depósito, é lícito ao autor completá-lo, em 10 (dez) dias, salvo se corresponder a prestação cujo inadimplemento acarrete a rescisão do contrato.

Ex: o autor depositou R$ 80 mil; o réu contestou dizendo que a dívida é de R$ 100 mil. Levantamento da quantia depositada Mesmo que o autor decida não complementar o valor, o réu já poderá sacar a quantia depositada e o processo continuará para discutir se a dívida é realmente só de R$ 80 ou se é de R$ 100 mil.

Art. 545 (...) § 1º No caso do caput, poderá o réu levantar, desde logo, a quantia ou a coisa depositada, com a consequente liberação parcial do autor, prosseguindo o processo quanto à parcela controvertida.

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Juiz irá proferir sentença Se o juiz entender que realmente aquilo que o réu falou na contestação estava certo e que o valor oferecido pelo autor foi abaixo da dívida, neste caso, o magistrado irá proferir sentença dizendo o montante devido. Ex: o juiz irá proferir sentença afirmando que a dívida é realmente de R$ 100 mil e que, como o réu já sacou os R$ 80 mil depositados, o autor ainda deve R$ 20 mil. Essa sentença vale como título executivo e o réu (credor) poderá executá-la. É o que prevê o § 2º do art. 545 do CPC:

Art. 545 (...) § 2º A sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido e valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe o cumprimento nos mesmos autos, após liquidação, se necessária.

Por isso, a doutrina afirma que a ação consignatória possui natureza dúplice. Se o autor da ação não depositou o valor integral da dívida, a sentença do juiz será de improcedência ou de procedência parcial? A insuficiência do depósito na ação de consignação conduz à prolação de improcedência ou à prolação de sentença parcialmente procedente (porque houve extinção parcial da obrigação até o montante da importância consignada)? Isso tem grande importância prática. Veja: • se o juiz julga improcedente, significa que o autor deverá pagar os ônus da sucumbência; • se o juiz julga parcialmente procedente, a sucumbência será recíproca, ou seja, deverá ser dividida entre autor e réu. Ademais, em regra, o depósito faz cessar para o devedor os efeitos da mora, inclusive a fluência de juros de mora, salvo se a demanda for julgada improcedente. Desse modo, sendo julgada improcedente em razão da insuficiência do depósito, são restaurados os efeitos da mora, inclusive no que diz respeito à parcela consignada. O autor terá que pagar os juros e correção monetária do período em que o processo ficou tramitando. Mas e aí, qual é a resposta? A insuficiência do depósito na ação de consignação conduz à improcedência do pedido ou à procedência parcial? IMPROCEDÊNCIA do pedido. Se ficar comprovada a insuficiência do depósito, a ação deve ser julgada improcedente e o ônus da sucumbência deverá ser inteiramente imputado ao autor. Por quê? Ora, se o autor deposita um valor insuficiente, ou seja, uma quantia que não paga a integralidade da dívida, isso significa que o credor estava correto ao se recusar em receber o pagamento. Isso porque ninguém pode ser obrigado a receber menos do que aquilo que foi combinado. Veja o que diz o Código Civil:

Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível (ex: dinheiro), não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou.

Assim, se o contrato previa o pagamento de R$ 100 mil no dia 02/02, o credor não pode ser obrigado a receber R$ 80 mil no dia 02/02, com a promessa de que o restante seria pago em outra data. Se o credor se recusa a receber os R$ 80 mil, esta recusa é por uma “justa causa”. A consignação em pagamento tem por objetivo exonerar o devedor de sua obrigação, mediante o depósito da quantia ou da coisa devida. No entanto, essa ação somente poderá ter força de pagamento se o pagamento for feito de forma correta quanto ao objeto e modo (deve pagar tudo e do modo certo). É isso que prevê o art. 336 do Código Civil:

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Art. 336. Para que a consignação tenha força de pagamento, será mister concorram, em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento.

Em suma:

Em ação consignatória, a insuficiência do depósito realizado pelo devedor conduz ao julgamento de improcedência do pedido, pois o pagamento parcial da dívida não extingue o vínculo obrigacional. STJ. 2ª Seção. REsp 1.108.058-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF da 5ª Região), Rel. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 10/10/2018 (recurso repetitivo) (Info 636).

AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO Legitimidade do banco de ajuizar ação de consignação em pagamento

para pagar dívida que foi gerada contra cliente em virtude de falha bancária

A instituição financeira possui legitimidade para ajuizar ação de consignação em pagamento visando quitar débito de cliente decorrente de título de crédito protestado por falha no serviço bancário.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.318.747-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 04/10/2018 (Info 636).

Imagine a seguinte situação hipotética: Edith tinha uma conta-corrente no HSBC. Determinado dia, Maria Aparecida foi até uma agência bancária do HSBC e tentou descontar um cheque que teria sido supostamente emitido por Edith, no valor de R$ 10 mil. O banco recusou o pagamento por falta de fundos. Vale ressaltar que o cheque supostamente emitido por Edith tinha como favorecido o nome de Pedro Carvalho. Maria Aparecida tentou descontar o título no HSBC, mas, por uma falha bancária, ele não foi pago sob a alegação de que estaria sem fundos. Maria Aparecida havia recebido esse cheque por meio de endosso translativo feito pelo favorecido (Pedro Carvalho). Segundo apurou o banco, esse talonário de cheque em nome de Edith teria sido desviado durante o transporte do material feito do depósito até o banco. Isso permitiu que os cheques chegassem nas mãos de eventuais falsários. Em outras palavras, houve uma falha no serviço bancário. Maria Aparecida não quis nem saber e levou o cheque a protesto. Ação de consignação em pagamento cumulada com cancelamento de protesto Diante desse cenário, o banco ajuizou ação de consignação em pagamento em face de Maria Aparecida pedindo que ela receba os R$ 10 mil e que o protesto seja cancelado. O juízo de 1ª instância indeferiu a petição inicial afirmando que o banco não teria legitimidade ativa para a causa, considerando que seria terceiro desinteressado. Agiu corretamente o juiz? NÃO.

A instituição financeira possui legitimidade para ajuizar ação de consignação em pagamento visando quitar débito de cliente decorrente de título de crédito protestado por falha no serviço bancário. STJ. 4ª Turma. REsp 1.318.747-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 04/10/2018 (Info 636).

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O procedimento da consignação em pagamento existe para atender as peculiaridades do direito material. As regras processuais disciplinam apenas o iter (caminho) procedimental para que seja possível o autor efetuar o pagamento e, assim, conseguir a eficácia liberatória especial. Com exceção das obrigações infungíveis ou personalíssimas, nas quais somente o devedor pode cumprir a obrigação, o direito admite que um terceiro venha a pagar a dívida, não se vislumbrando prejuízo algum para o credor que recebe o pagamento de pessoa diversa do devedor, desde que seu interesse seja atendido. Isso porque existe um interesse social de que as obrigações sejam adimplidas, se não diretamente pelo devedor, por outra pessoa. Não se pode afirmar que o banco não tenha interesse jurídico na demanda. Isso porque ele possui o dever legal de não causar e prevenir danos à consumidora (art. 6º, VI, do CDC), especialmente se o problema foi causado por uma falha bancária. Ademais, o art. 305 do CC é expresso em admitir que o terceiro não interessado possa pagar a dívida em seu próprio nome, apenas ressalvando que não se sub-roga nos direitos do credor:

Art. 305. O terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito a reembolsar-se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do credor.

O credor só pode recusar o pagamento de terceiro não interessado em três hipóteses: a) caso exista no contrato expressa declaração proibitiva ao cumprimento da obrigação por terceiro; b) na hipótese de tal cumprimento poder lhe causar prejuízo; e c) na situação em que a obrigação, por sua natureza, somente possa ser cumprida pelo devedor.

ARROLAMENTO SUMÁRIO Para que ocorra a homologação da partilha no arrolamento sumário, não se exige prova do

cumprimento das obrigações tributárias principais ou acessórias relativas ao ITCMD

Novo CPC

No arrolamento sumário não se condiciona a entrega dos formais de partilha ou da carta de adjudicação à prévia quitação dos tributos concernentes à transmissão patrimonial aos sucessores.

Assim, a homologação da partilha no procedimento do arrolamento sumário não pressupõe o atendimento das obrigações tributárias principais e tampouco acessórias relativas ao imposto sobre transmissão causa mortis.

Isso não significa que no arrolamento sumário seja possível homologar a partilha mesmo sem a quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas.

A inovação normativa do § 2º do art. 659 do CPC/2015 em nada altera a condição estabelecida no art. 192 do CTN, de modo que, no arrolamento sumário, o magistrado deve exigir a comprovação de quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas para homologar a partilha e, na sequência, com o trânsito em julgado, expedir os títulos de transferência de domínio e encerrar o processo, independentemente do pagamento do imposto de transmissão.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.704.359-DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 28/08/2018 (Info 634).

STJ. 2ª Turma. REsp 1.751.332-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 25/09/2018 (Info 636).

Inventário Inventário é o procedimento, judicial ou extrajudicial, por meio do qual são arrecadados, descritos, avaliados e liquidados os bens e outros direitos que pertenciam à pessoa morta, e, após serem pagas as dívidas do falecido, o eventual saldo positivo será distribuído entre os seus sucessores (partilha).

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Espécies de inventário • Inventário judicial: é um processo judicial. • Inventário extrajudicial: é o inventário realizado por meio de escritura pública. Somente pode ser feito se não houver testamento e se todos os interessados forem capazes e houver consenso entre eles quanto à divisão dos bens. Inventário judicial: Se o inventário for judicial, poderá ser realizado de três formas: a) inventário comum; b arrolamento sumário (arts. 659 do CPC/2015); c) arrolamento comum (art. 664 do CPC/2015). O arrolamento sumário e o arrolamento comum são considerados como “formas simplificadas” de inventário. Quando ocorre o arrolamento sumário? Ocorre em três hipóteses: a) quando todos os herdeiros forem maiores e capazes e estiverem de acordo quanto à partilha; b) quando houver interessado incapaz, desde que concordem todas as partes e o Ministério Público; c) quando houver herdeiro único. É possível o arrolamento sumário mesmo que o valor da herança seja elevado? SIM. Não importa o valor do patrimônio transmitido. Apresentação da partilha No arrolamento sumário, são os próprios herdeiros que apresentam ao juiz a partilha, inclusive a quitação de tributos. Há intervenção do Ministério Público? No arrolamento sumário, em regra, não ocorre a intervenção do Ministério Público, porque não há interesse socialmente relevante nem direitos individuais indisponíveis. Exceção: se houver interessado incapaz, o arrolamento sumário somente poderá ser realizado com a concordância do Ministério Público (art. 665 do CPC/2015). Jurisdição voluntária Como não há conflito de interesses no arrolamento sumário, a doutrina classifica esse procedimento como sendo de jurisdição voluntária. Petição de inventário por meio de arrolamento sumário Na petição inicial do inventário, os herdeiros irão: 1) requerer ao juiz a nomeação do inventariante. Três observações quanto a isso: a) o nome do inventariante já vem indicado pelos próprios herdeiros na inicial. b) não há necessidade de aplicação da ordem legal do art. 617 do CPC/2015 (primeiro o cônjuge, depois o herdeiro que estiver na posse dos bens etc.). c) o inventariante não precisa prestar compromisso. 2) declarar os títulos dos herdeiros e os bens do espólio.

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3) atribuir valor aos bens do espólio, para fins de partilha. Tributos que devem ser “analisados” em uma sucessão causa mortis A sucessão causa mortis, independentemente do procedimento processual adotado, abrange: 1) os tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas (esses tributos compõem o passivo patrimonial deixado pelo de cujus – suas “dívidas”); e 2) constitui fato gerador dos tributos incidentes sobre a transmissão do patrimônio propriamente dita, dentre eles o ITCM. ITCMD (ou ITCM) é a sigla de Imposto sobre a transmissão causa mortis e doação. Trata-se de um imposto de competência dos Estados e do DF, previsto no art. 155, I, da CF/88. O fato gerador do ITCMD é... - a transmissão, - por causa mortis (herança ou legado) ou - por doação, - de quaisquer bens ou direitos. A prova de quitação dos tributos relacionados com a transmissão patrimonial aos sucessores (item 2 acima) é condição necessária prévia para a entrega dos formais de partilha ou da carta de adjudicação?

CPC/1973: SIM CPC/2015: NÃO

O CPC/1973, em seu art. 1.031, em conformidade com o art. 192 do CTN, exigia: • a prova de quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas como condição para a homologação da partilha e • o pagamento de todos os tributos devidos, aí incluído o ITCMD, para o encerramento do processo, com a expedição e a entrega dos formais de partilha.

O CPC/2015, em seu art. 659, § 2º, trouxe uma significativa mudança normativa no tocante ao procedimento de arrolamento sumário ao deixar de condicionar a entrega dos formais de partilha ou da carta de adjudicação à prévia quitação dos tributos concernentes à transmissão patrimonial aos sucessores.

No arrolamento sumário não se condiciona a entrega dos formais de partilha ou da carta de adjudicação à prévia quitação dos tributos concernentes à transmissão patrimonial aos sucessores. STJ. 1ª Turma. REsp 1.704.359-DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 28/08/2018 (Info 634).

Veja o dispositivo do CPC/2015:

Art. 659. (...) § 2º Transitada em julgado a sentença de homologação de partilha ou de adjudicação, será lavrado o formal de partilha ou elaborada a carta de adjudicação e, em seguida, serão expedidos os alvarás referentes aos bens e às rendas por ele abrangidos, intimando-se o fisco para lançamento administrativo do imposto de transmissão e de outros tributos porventura incidentes, conforme dispuser a legislação tributária, nos termos do § 2º do art. 662.

De acordo com o CPC/2015, no caso de arrolamento sumário, a partilha amigável será homologada de plano pelo juiz e, transitada em julgado a sentença, serão expedidos os alvarás referentes aos bens e rendas por ele abrangidos. Somente após, será o Fisco intimado para lançamento administrativo do imposto de transmissão e de outros tributos porventura incidentes. Assim, verifica-se que a homologação da partilha amigável pelo juiz, no procedimento de arrolamento sumário, não se condiciona à prova da quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas.

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A homologação da partilha no procedimento do arrolamento sumário não pressupõe o atendimento das obrigações tributárias principais e tampouco acessórias relativas ao imposto sobre transmissão causa mortis. STJ. 2ª Turma. REsp 1.751.332-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 25/09/2018 (Info 636).

Isso significa que no arrolamento sumário é possível homologar a partilha mesmo sem a quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas? NÃO. Não é isso. O novo CPC apenas desvinculou o encerramento do processo de arrolamento sumário à quitação dos tributos gerados com a transmissão propriamente dita, permitindo que, com o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, sejam expedidos desde logo os respectivos formais ou a carta de adjudicação. Contudo, essa inovação normativa do § 2º do art. 659 do CPC/2015 em nada altera a condição estabelecida no art. 192 do CTN, de modo que, no arrolamento sumário, o magistrado deve exigir a comprovação de quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas para homologar a partilha e, na sequência, com o trânsito em julgado, expedir os títulos de transferência de domínio e encerrar o processo, independentemente do pagamento do imposto de transmissão. Assim, para que haja a homologação da partilha, mesmo no caso de arrolamento sumário, continua sendo indispensável que haja a prévia quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas. Essa exigência, como já dito, tem como fundamento o art. 192 do CTN, que continua em vigor e deve ser interpretado em conjunto com o art. 659, § 2º do CPC:

Art. 192. Nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será proferida sem prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio, ou às suas rendas.

Desse modo, segundo o que dispõe o art. 192 do CTN, a comprovação da quitação dos tributos referentes aos bens do espólio e às suas rendas é condição sine qua non (indispensável) para que o magistrado proceda a homologação da partilha.

AÇÃO DE EXIGIR CONTAS É cabível ação de prestação de contas proposta contra empresa administradora de consórcio

caso a empresa que promoveu as vendas não tenha concordado com os números apresentados

É cabível a propositura de ação de prestação de contas para apuração de eventual saldo, e sua posterior execução, decorrente de contrato relacional firmado entre administradora de consórcios e empresa responsável pela oferta das quotas consorciais a consumidores.

Caso concreto: a empresa 1 celebrou contrato com a empresa 2, por meio do qual a empresa 1 organizaria e administraria um consórcio e a empresa 2 ficaria responsável por oferecer e comercializar as quotas consorciais aos consumidores. Vale ressaltar que, depois que o consumidor firmava o contrato, ele deveria efetuar os pagamentos das prestações diretamente para a empresa 1. A empresa 2 seria remunerada com um percentual dos pagamentos.

Ao se analisar o ajuste celebrado, percebe-se que se trata de relação contratual que configura típico contrato de agência, previsto no art. 710 do CC.

No contrato de agência, tanto uma parte como a outra possuem o dever de prestar contas:

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O vínculo contratual colaborativo originado do contrato de agência importa na administração recíproca de interesses das partes contratantes, viabilizando a utilização da ação da prestação de contas e impondo a cada uma das partes o dever de prestar contas a outra.

Vale ressaltar, por fim, que, mesmo que a empresa 1 já tenha, extrajudicialmente, prestado contas para a empresa 2, ainda assim persiste o interesse de agir de propor a ação. Isso porque a apresentação extrajudicial e voluntária das contas não prejudica o interesse processual da promotora de vendas, na hipótese de não serem elas recebidas como boas, ou seja, caso ela não tenha concordado com os valores demonstrados.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.676.623-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 23/10/2018 (Info 636).

Em direito civil/empresarial, o que é um consórcio? O consórcio ocorre quando um grupo de pessoas (físicas ou jurídicas) se reúne com o objetivo de comprar um determinado tipo de bem (móvel ou imóvel) ou adquirir um serviço. O exemplo mais comum é o consórcio para compra de veículos, mas existem para diversas outras espécies de bens, inclusive para imóveis. Cada pessoa que faz parte do consórcio pagará parcelas mensais e, todos os meses, haverá a possibilidade de um ou mais integrantes do consórcio serem contemplados. A contemplação pode acontecer de duas formas: por meio de sorte ou pelo maior lance. Sorteio é a escolha de um dos participantes que será beneficiado por meio da sorte (este sorteio é normalmente feito pela Loteria Federal). O lance consiste na possibilidade de os participantes do consórcio oferecerem um valor para serem logo contemplados. É uma espécie de “leilão” para ser logo contemplado. Ex: o consórcio é de R$ 100 mil e a pessoa dá um lance de R$ 50 mil, ou seja, ela aceita pagar R$ 50 mil de suas parcelas adiantado em troca de ser logo contemplada. Aquele que oferece o maior lance no mês será contemplado. Quando a pessoa é contemplada, ela recebe um crédito no valor do bem objeto do consórcio. Isso é chamado de “carta de crédito”. Ex: João aderiu ao consórcio de um carro da marca XX, modelo YY, no valor de R$ 100 mil. Isso significa que, durante um determinado período (48, 60, 90 meses etc.), ele pagará uma prestação mensal e todos os meses um ou mais participantes do consórcio serão sorteados ou poderão dar lances. Caso a pessoa seja sorteada ou seu lance seja o maior, ela receberá o crédito de R$ 100 mil e poderá, com ele, comprar aquele carro ou outro bem daquele mesmo segmento de sua cota (outro veículo de modelo diferente). Os consórcios são indicados para pessoas que querem comprar determinado bem, mas não precisam dele de imediato e têm certa dificuldade de economizar. Assim, sabendo que possui aquela prestação mensal, a pessoa fica obrigada a poupar e, um dia, será contemplada, seja por sorteio, seja por decidir dar um lance. Para a maioria dos economistas, o consórcio não é um bom negócio, salvo se a pessoa for contemplada logo no início ou se, como já dito, ela não tiver disciplina para economizar sozinha. Uma curiosidade: o consórcio é um tipo de compra/investimento que foi criado no Brasil, tendo surgido na década de 60, por iniciativa de um grupo de funcionários do Banco do Brasil que se reuniu para comprar carros por meio dessa “poupança coletiva”.

Legislação

O sistema de consórcios é atualmente regido pela Lei n. 11.795/2008, sendo essa atividade regulada pelo Banco Central, que edita circulares para disciplinar o tema. A atual é a Circular 3.432/2009.

O que é uma administradora de consórcio? A administradora de consórcio é uma pessoa jurídica que é responsável pela formação e administração de grupos de consórcio. Em outras palavras, é ela quem organiza o consórcio.

Imagine a seguinte situação hipotética (com adaptações): Rodobens administradora de consórcios Ltda. e Promocasa promotora de vendas Ltda. celebraram um contrato, por meio do qual a Rodobens organizaria o consórcio e a Promocasa ficaria responsável por oferecer e comercializar as quotas consorciais aos consumidores.

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Vale ressaltar que, depois que o consumidor firmava o contrato, ele deveria efetuar os pagamentos das prestações diretamente para a Rodobens. A Promocasa teria, todos os meses, direito a um percentual das parcelas pagas pelos consorciados. Depois de alguns anos, o contrato chegou ao fim. A Promocasa, analisando o balanço, entendeu que a Rodobens não havia repassado todos os valores corretos que ela teria direito e que havia, ainda, um saldo a receber. No entanto, a Promocasa não dispunha de todos os dados dos clientes, considerando que essa informação ficava com a outra empresa. Logo, a Promocasa não tinha o valor exato deste eventual saldo. Diante disso, a Promocasa ajuizou ação de prestação de contas (ação de exigir contas) contra a Rodobens com o objetivo de apurar eventual saldo credor decorrente do contrato mantido entre elas, uma vez que a ré teria deixado de apresentar os valores recebidos em razão de quotas consorciais comercializadas pela autora. Em contestação, a ré alegou que o contrato firmado não transferiu à Rodobens a administração de bens ou interesses da Promocasa, mas sim a administração de valores dos consumidores que adquiriram as quotas consorciais. Desse modo, a administradora não teria a obrigação de prestar contas à sua parceira, cuja atuação era estritamente de intermediação, remunerada por comissão. Além disso, afirmou que apresentou uma planilha com todos os cálculos e que, portanto, a autora não teria interesse de agir. O que o STJ decidiu? É cabível ação de exigir contas neste caso? SIM.

É cabível a propositura de ação de prestação de contas para apuração de eventual saldo, e sua posterior execução, decorrente de contrato relacional firmado entre administradora de consórcios e empresa responsável pela oferta das quotas consorciais a consumidores. STJ. 3ª Turma. REsp 1.676.623-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 23/10/2018 (Info 636).

Vamos entender os motivos. Ação de exigir contas (ação de prestação de contas) No CPC 1973, havia a previsão de um procedimento especial chamado de “ação de prestação de contas”. O CPC 2015 alterou o nome para “ação de exigir contas” (art. 550). Administração de interesses de terceiros Para saber se é cabível ou não ação de prestação de contas (ação de exigir contas), é necessário analisar a relação jurídica de direito material envolvida e identificar se ela consiste ou não em administração de interesses de terceiros. A ação de exigir contas (ação de prestação de contas) tem por objetivo fazer com que alguém que está administrando em nome de outra pessoa demonstre o resultado dessa administração. Assim, na ação de prestação de contas (ação de exigir contas), é fundamental a existência, entre autor e réu, de relação jurídica de direito material em que um deles administre bens, direitos ou interesses alheios. Sem essa relação, inexiste o dever de prestar contas. Encargo de administrar traz consigo o dever de prestar contas Ao aceitar o encargo de administrar interesses jurídicos de terceiros, nasce também, por decorrência lógica, o dever de prestar ao titular do direito todas as informações necessárias a respeito da administração, especialmente aquelas que se referem a pagamentos e recebimentos realizados em seu nome e que demonstram o efetivo resultado da administração realizada.

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Contrato de agência Ao se analisar o ajuste celebrado entre a Rodobens e a Promocasa, percebe-se que se trata de relação contratual que configura típico contrato de agência, previsto no art. 710 do CC:

Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.

No contrato de agência, tanto uma parte como a outra possuem o dever de prestar contas, conforme afirmou o STJ:

O vínculo contratual colaborativo originado do contrato de agência importa na administração recíproca de interesses das partes contratantes, viabilizando a utilização da ação da prestação de contas e impondo a cada uma das partes o dever de prestar contas a outra. STJ. 3ª Turma. REsp 1.676.623-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 23/10/2018 (Info 636).

Mesmo a ré tendo apresentado extrajudicialmente os cálculos, ainda assim a autora teria interesse de agir para propor a ação de exigir contas? SIM. O procedimento da ação de exigir contas é composto de duas fases: na primeira, discute-se se o réu tem ou não o dever de prestar as contas. Se ficar constatado que ele tem este dever, inicia-se a segunda fase, que é a apresentação das contas em si e a discussão sobre elas.

“É preciso notar, porém, que não se está diante de dois processos distintos, tramitando simultaneamente nos mesmos autos. O processo, em verdade, é único, embora dividido em duas fases distintas. Há, pois, o ajuizamento de uma única demanda, contendo um único mérito. A análise deste, porém, é dividida em dois momentos: o primeiro, dedicado à verificação da existência do direito de exigir a prestação de contas, o segundo, dirigido à verificação das contas e do saldo eventualmente existente.” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 21ª ed., 2014, p. 391).

Desse modo, se a empresa, extrajudicialmente, prestou contas, mas a outra sociedade empresária não concordou com os valores, ela tem sim interesse de ingressar com a ação e que pode resultar, ao final, na constatação de que existe saldo remanescente. Como decidiu o STJ:

A apresentação extrajudicial e voluntária das contas não prejudica o interesse processual da promotora de vendas, na hipótese de não serem elas recebidas como boas. STJ. 3ª Turma. REsp 1.676.623-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 23/10/2018 (Info 636).

DIREITO PENAL

LEI DE DROGAS A condenação pelo art. 28 da Lei 11.343/2006 (porte de droga para uso próprio)

NÃO configura reincidência

O porte de droga para consumo próprio, previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006, possui natureza jurídica de crime.

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O porte de droga para consumo próprio foi somente despenalizado pela Lei nº 11.343/2006, mas não descriminalizado.

Obs: despenalizar é a medida que tem por objetivo afastar a pena como tradicionalmente conhecemos, em especial a privativa de liberdade. Descriminalizar significa deixar de considerar uma conduta como crime.

Mesmo sendo crime, o STJ entende que a condenação anterior pelo art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (porte de droga para uso próprio) NÃO configura reincidência.

Argumento principal: se a contravenção penal, que é punível com pena de prisão simples, não configura reincidência, mostra-se desproporcional utilizar o art. 28 da LD para fins de reincidência, considerando que este delito é punido apenas com “advertência”, “prestação de serviços à comunidade” e “medida educativa”, ou seja, sanções menos graves e nas quais não há qualquer possibilidade de conversão em pena privativa de liberdade pelo descumprimento.

Há de se considerar, ainda, que a própria constitucionalidade do art. 28 da LD está sendo fortemente questionada.

STJ. 5ª Turma. HC 453.437/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 04/10/2018.

STJ. 6ª Turma. REsp 1672654/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/08/2018 (Info 632).

Reincidência A definição de reincidência, para o Direito Penal, é encontrada a partir da conjugação do art. 63 do CP com o art. 7º da Lei de Contravenções Penais. Com base nesses dois dispositivos, podemos encontrar as hipóteses em que alguém é considerado reincidente para o Direito Penal (inspirado no quadro contido no livro de CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 401):

Se a pessoa é condenada definitivamente por

E depois da condenação definitiva pratica novo(a)

Qual será a consequência?

CRIME (no Brasil ou exterior)

CRIME REINCIDÊNCIA

CRIME (no Brasil ou exterior)

CONTRAVENÇÃO (no Brasil)

REINCIDÊNCIA

CONTRAVENÇÃO (no Brasil)

CONTRAVENÇÃO (no Brasil)

REINCIDÊNCIA

CONTRAVENÇÃO (no Brasil)

CRIME NÃO HÁ reincidência. Foi uma falha da lei.

Mas gera maus antecedentes

CONTRAVENÇÃO (no estrangeiro)

CRIME ou CONTRAVENÇÃO NÃO HÁ reincidência

Contravenção no estrangeiro não serve aqui.

A reincidência é uma agravante da pena Se o réu for reincidente, sofrerá diversos efeitos negativos no processo penal. O principal deles é que, no momento da dosimetria da pena em relação ao segundo delito, a reincidência será considerada como uma agravante genérica (art. 61, I, do CP), fazendo com que a pena imposta seja maior do que seria devida caso ele fosse primário.

Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I - a reincidência;

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Porte de droga para consumo pessoal A Lei nº 11.343/2006 prevê o crime de posse/porte de droga para consumo pessoal, nos seguintes termos:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Tese de que o art. 28 não seria crime Assim que a Lei de Drogas foi editada, Luis Flávio Gomes defendeu a tese de que o porte/posse de droga para consumo pessoal havia deixado de ser crime. Em outras palavras, LFG sustentou que o art. 28 não traria a definição de crime, já que ele não prevê pena privativa de liberdade nem multa. Logo, estaria “fora” do conceito de crime trazido pela Lei de Introdução ao Código Penal (DL 3.914/1941):

Art. 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

O STF aceitou essa tese? NÃO. O STF decidiu que o art. 28 da Lei de Drogas, mesmo sem prever pena privativa de liberdade, continua definindo conduta criminosa. Assim, não houve uma descriminalização da conduta (abolitio criminis), mas sim uma despenalização. A despenalização ocorre quando o legislador prevê sanções alternativas para o crime que não sejam penas privativas de liberdade. Confira a ementa do julgado no STF:

(...) 1. O art. 1º da LICP - que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII). 2. Não se pode, na interpretação da L. 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo "rigor técnico", que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado "Dos Crimes e das Penas", só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30). (...) 4. Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30). 6. Ocorrência, pois, de "despenalização", entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade. 7. Questão de ordem resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis (C.Penal, art. 107). (...) STF. 1ª Turma. RE 430105 QO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 13/02/2007.

Assim, não há dúvidas de que o art. 28 da Lei de Drogas possui natureza jurídica de CRIME.

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Se um indivíduo é condenado, com trânsito em julgado, pelo delito de porte de drogas para consumo próprio (art. 28 da Lei nº 11.343/2006) e depois pratica outro delito, ele será considerado reincidente na dosimetria desse segundo crime? NÃO. A condenação por porte de drogas para consumo próprio (art. 28 da Lei nº 11.343/2006) NÃO gera reincidência. Mas você não acabou de dizer que o art. 28 da LD é crime...? Sim. O art. 28 da LD é crime. No entanto, para o STJ, mesmo sendo crime, não gera reincidência. Por quê? O STJ apresenta a seguinte linha de argumentação: • a condenação anterior por contravenção penal não gera reincidência, ou seja, um indivíduo condenado por contravenção penal, se praticar em seguida um crime, quando for julgado, não se aplicará a ele a agravante da reincidência. Isso porque o art. 63 do Código Penal é expresso ao se referir à pratica de novo crime, ao dispor:

Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. (veja que o agente tem que ter sido condenado por crime anterior)

• em outras palavras, como vimos na tabela acima, se a pessoa é condenada definitivamente por CONTRAVENÇÃO e, depois desta condenação, pratica um CRIME, ao ser julgada por esta segunda infração não sofrerá os efeitos da reincidência. Se a primeira infração praticada foi uma contravenção, não há reincidência. • a contravenção é punida com prisão simples e/ou multa (art. 5º, do DL 3688/41). • o art. 28 da LD é punido apenas com “advertência sobre os efeitos das drogas”, “prestação de serviços à comunidade” e “medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”. Em nenhuma hipótese, a prática do crime do art. 28 da LD poderá gerar condenação que leve à prisão. • desse modo, comparando a pena das contravenções penais com a do crime do art. 28 da LD, chega-se à conclusão de que as penas previstas para as contravenções são mais gravosas (mais duras) do que as sanções cominadas para o art. 28 da LD. • diante disso, se as sanções do art. 28 da LD são menos graves que as das contravenções, não se mostra proporcional considerar que o art. 28 da LD gera reincidência se a contravenção penal não tem esse efeito negativo. • em suma: - o crime do art. 28 da LD tem sanções menos graves que uma contravenção; - a contravenção não gera reincidência; - logo, é desproporcional que o crime do art. 28 da LD (sendo menos grave que a contravenção) gere reincidência. Discussão sobre a constitucionalidade do art. 28 da LD O STJ utilizou, ainda, um outro argumento: ele afirmou que a constitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas será decidida em breve pelo STF no RE 635.659 e que existem alguns Ministros do Supremo que já se manifestaram dizendo que este tipo penal seria inconstitucional por violar a intimidade e a vida privada. É o caso do Relator do RE, Ministro Gilmar Mendes, que votou pela descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, consignando que “a criminalização da posse de drogas para uso pessoal é

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inconstitucional, por atingir, em grau máximo e desnecessariamente, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, em suas várias manifestações, de forma, portanto, claramente desproporcional.” Assim, como existe esse questionamento acerca da proporcionalidade do direito penal para o controle do consumo de drogas, não deve o art. 28 da Lei nº 11.343/2006 constituir causa geradora de reincidência. Resumindo:

O porte de droga para consumo próprio, previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006, possui natureza jurídica de crime. O porte de droga para consumo próprio foi somente despenalizado pela Lei nº 11.343/2006, mas não descriminalizado. Obs: despenalizar é a medida que tem por objetivo afastar a pena como tradicionalmente conhecemos, em especial a privativa de liberdade. Descriminalizar significa deixar de considerar uma conduta como crime. Mesmo sendo crime, o STJ entende que a condenação anterior pelo art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (porte de droga para uso próprio) NÃO configura reincidência. Argumento principal: se a contravenção penal, que é punível com pena de prisão simples, não configura reincidência, mostra-se desproporcional utilizar o art. 28 da LD para fins de reincidência, considerando que este delito é punido apenas com “advertência”, “prestação de serviços à comunidade” e “medida educativa”, ou, seja, sanções menos graves e nas quais não há qualquer possibilidade de conversão em pena privativa de liberdade pelo descumprimento. Há de se considerar, ainda, que a própria constitucionalidade do art. 28 da LD está sendo fortemente questionada. STJ. 5ª Turma. HC 453.437/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 04/10/2018 (Info 636). STJ. 6ª Turma. REsp 1672654/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/08/2018 (Info 632).

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA Compete à Justiça Federal conceder medida protetiva em favor de mulher ameaçada por ex-

namorado que mora nos EUA e faz as ameaças por meio do Facebook

Importante!!!

Compete à Justiça Federal apreciar o pedido de medida protetiva de urgência decorrente de crime de ameaça contra a mulher cometido por meio de rede social de grande alcance, quando iniciado no estrangeiro e o seu resultado ocorrer no Brasil.

STJ. 3ª Seção. CC 150.712-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 10/10/2018 (Info 636).

Imagine a seguinte situação hipotética: Gabriela foi fazer intercâmbio na cidade de Pembroke Pines, na Flórida (EUA). Lá conheceu Jack, um rapaz de 22 anos, com quem começou a ter um relacionamento amoroso. Ocorre que Jack era muito ciumento e possessivo e começou a agredir fisicamente Gabriela por crises de ciúme. Com medo de que o rapaz pudesse acabar ceifando-lhe a vida, Gabriela retornou à São Paulo, onde fica sua casa. Mesmo voltando ao Brasil, a agonia de Gabriela não teve fim. Isso porque Jack ficou enviando e-mails e mensagens no Facebook ameaçando a moça e dizendo que ele iria até o Brasil matá-la.

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Diante disso, Gabriela procurou a Delegacia da Mulher, que registrou a notícia do crime. A Delegada preparou também um pedido para a concessão de medidas protetivas em favor de Gabriela. No entanto, a Juíza de Direito da Vara de Violência Doméstica (Justiça Estadual) declinou da competência em favor da Justiça Federal argumentando que, por se tratar de crime à distância, a competência para apurar o delito seria da Justiça Federal, de sorte que a competência para deferir as medidas protetivas também seria da Justiça Federal. Agiu corretamente a Juíza? SIM.

Compete à Justiça Federal apreciar o pedido de medida protetiva de urgência decorrente de crime de ameaça contra a mulher cometido por meio de rede social de grande alcance, quando iniciado no estrangeiro e o seu resultado ocorrer no Brasil. STJ. 3ª Seção. CC 150.712-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 10/10/2018 (Info 636).

Segundo o art. 109, V, da Constituição Federal:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

Encontrando-se o suposto autor das ameaças em território estrangeiro, uma vez que não se tem notícia do seu ingresso no país, temos um possível crime à distância, tendo em vista que as ameaças foram praticadas nos EUA, mas a suposta vítima teria tomado conhecimento do seu teor no Brasil. O crime de ameaça contra mulheres é previsto em tratado ou convenção internacional? Não. A ameaça contra mulheres não é, propriamente, crime previsto em tratado ou convenção internacional. Isso porque, embora o Brasil seja signatário de acordos internacionais que asseguram os direitos das mulheres – a exemplo da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, 1994) e Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979), promulgada pelo Decreto n. 84.460/1984 – tais convenções não descrevem tipos penais (não preveem crimes, mas apenas medidas de proteção). Assim, essas convenções apenas apresentam conceitos e recomendações sobre a erradicação de qualquer forma de discriminação e violência contra as mulheres. Entretanto, o STF, ao analisar os crimes de pedofilia na Internet, já decidiu entendendo que o crime não precisa estar previsto em tratado ou convenção internacional. Basta que o Brasil tenha se comprometido a combater essa prática descrita no tratado ou convenção internacional. Veja:

(...) 1. À luz do preconizado no art. 109, V, da CF, a competência para processamento e julgamento de crime será da Justiça Federal quando preenchidos 03 (três) requisitos essenciais e cumulativos, quais sejam, que: a) o fato esteja previsto como crime no Brasil e no estrangeiro; b) o Brasil seja signatário de convenção ou tratado internacional por meio do qual assume o compromisso de reprimir criminalmente aquela espécie delitiva; e c) a conduta tenha ao menos se iniciado no Brasil e o resultado tenha ocorrido, ou devesse ter ocorrido no exterior, ou reciprocamente. (...) STF. Plenário. RE 628624, Relator p/ Acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 29/10/2015.

Desse modo, à luz do entendimento firmado pelo STF, embora as Convenções Internacionais firmadas pelo Brasil não tipifiquem ameaças à mulher, a Lei Maria da Penha, que prevê medidas protetivas, veio concretizar o dever assumido pelo Estado Brasileiro de proteção à mulher.

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Ademais, no caso concreto, é evidente a internacionalidade das ameaças que tiveram início nos EUA e, segundo relatado, tais ameaças foram feitas para a suposta vítima e seus amigos, por meio da rede social de grande alcance, qual seja, pelo Facebook. Logo, a competência é, de fato, da Justiça Federal de 1ª instância.

DIREITO TRIBUTÁRIO

IPI Cessionário de crédito-prêmio de IPI não pode suceder o cedente em execução contra a União

Apenas concursos federais!

Não é possível a sucessão processual em razão de cessão de crédito de título judicial, referente a crédito-prêmio de IPI, com a finalidade de oportunizar a compensação tributária pela cessionária.

STJ. 1ª Seção. EREsp 1.390.228-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 26/09/2018 (Info 636).

Crédito-prêmio de IPI Crédito-prêmio de Imposto de Produtos Industrializados (IPI) foi um incentivo fiscal instituído pela União, em 1969, em favor das empresas exportadoras. O objetivo era estimular as exportações. A empresa que exportasse produtos manufaturados teria, como “prêmio”, ou seja, como presente, recompensa, direito a créditos que poderiam ser utilizados para quitar tributos. Veja a redação do art. 1º do Decreto-Lei nº 491/69:

Art. 1º As empresas fabricantes e exportadoras de produtos manufaturados gozarão, a título estimulo fiscal, créditos tributários sobre suas vendas para o exterior, como ressarcimento de tributos pagos internamente.

O crédito-prêmio deixou de vigorar em 05/10/1990, por força do disposto no § 1º do art. 41 do ADCT da CF/88 (STF. Plenário. RE 561485, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 13/08/2009). Imagine agora a seguinte situação hipotética: A sociedade empresária “A1 Ltda.” ajuizou ação ordinária contra a União pedindo para que fosse reconhecido que ela (autora) tinha direito ao crédito-prêmio de IPI. O juiz julgou procedente o pedido e declarou que a autora tinha direito ao crédito-prêmio por operações de exportação realizadas pela empresa entre 27/10/1989 e 05/10/90. Essa sentença transitou em julgado. A empresa “A1 Ltda” iniciou a execução deste título executivo. Logo após, a “A1 Ltda”, por meio de escritura pública, cedeu esses créditos tributários (crédito-prêmio de IPI) para a empresa “B2 Ltda”. Diante disso, a “B2 Ltda” veio aos autos da execução e pediu a sucessão processual, ou seja, explicou que houve a cessão do crédito e pediu para entrar no lugar da empresa “A1” no polo ativo da execução. Em outras palavras, sai a empresa “A1” como exequente e entra a “B2” (cessionária do crédito). A empresa “A1” concordou com o pedido, que foi baseado no art. 778, § 1º, III, do CPC/2015:

Art. 778. (...)

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§ 1º Podem promover a execução forçada ou nela prosseguir, em sucessão ao exequente originário: (...) III - o cessionário, quando o direito resultante do título executivo lhe for transferido por ato entre vivos; (...) § 2º A sucessão prevista no § 1º independe de consentimento do executado.

O juiz, com base na jurisprudência do STJ, deverá acolher o pedido de sucessão? NÃO.

Não é possível a sucessão processual em razão de cessão de crédito de título judicial, referente a crédito-prêmio de IPI, com a finalidade de oportunizar a compensação tributária pela cessionária. STJ. 1ª Seção. EREsp 1.390.228-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 26/09/2018 (Info 636).

Em regra, é possível a sucessão processual, na fase de execução, no caso de cessão de créditos de precatórios, com base no art. 778, § 1º, III, do CPC. O STJ entende, contudo, que essa permissão não pode ser estendida para o caso de cessão de crédito-prêmio de IPI. Isso porque, conforme vimos acima, o crédito-prêmio tinha natureza de incentivo fiscal e possuía como único objetivo favorecer a exportação de mercadorias por seu titular originário (exportador). Autorizar a sucessão processual neste caso seria aceitar que as empresas envolvidas fizessem uma manobra jurídica com o fim de burlar a legislação tributária tanto referente ao estímulo fiscal quanto à compensação tributária. Assim, o crédito-prêmio somente pode ser utilizado pela empresa que obteve a decisão judicial e não por terceiro que adquiriu esse crédito. Não há previsão legal autorizando a utilização de créditos de terceiros para quitação de débitos da agravante. Pelo contrário, o art. 74 da Lei nº 9.430/96 expressamente menciona que os créditos apurados perante a Secretaria da Receita Federal poderão ser utilizados na compensação de débitos próprios (e não de terceiros).

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) É cabível o pedido de indenização por danos morais em razão de descumprimento de ordem judicial em

demanda pretérita envolvendo as mesmas partes, na qual foi fixada multa cominatória. ( ) 2) A empresa corretora de Bitcoin que celebra contrato de conta-corrente com o banco para o exercício de

suas atividades pode ser considerada consumidora. ( ) 3) O encerramento de conta-corrente usada na comercialização de criptomoedas, mesmo que observada a

prévia e regular notificação, configura exercício abusivo do direito. ( ) 4) (Juiz Federal TRF3) Sobre bitcoin, assinale a alternativa CORRETA:

A) É moeda eletrônica. B) Não é regulada pelo Bacen (Banco Central do Brasil). C) As empresas que negociam ou guardam as chamadas moedas virtuais em nome dos usuários, pessoas naturais ou jurídicas, são autorizadas a funcionar pelo Bacen. D) É valor mobiliário.

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5) A retenção de mercadoria importada até o pagamento dos direitos antidumping não viola o enunciado da Súmula 323 do STF. ( )

6) A hipossuficiência financeira ou a vulnerabilidade familiar não é suficiente para afastar a multa pecuniária prevista no art. 249 do ECA. ( )

7) Os honorários advocatícios contratuais não se incluem no conceito de despesas processuais que devem ser pagadas pelo vencido. ( )

8) É aplicável a contagem do prazo recursal em dobro mesmo quando apenas um dos litisconsortes com procuradores distintos sucumbe. ( )

9) (PGE/AP 2018 FCC) Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, desde que requeiram o benefício tempestivamente. ( )

10) (DPE/RS 2018 FCC) Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento, não se aplicando tal regra, todavia, aos processos eletrônicos. ( )

11) O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. ( )

12) A multa de 10% (dez por cento) prevista pelo art. 523, § 1º, do CPC/2015 não integra a base de cálculo dos honorários advocatícios. ( )

13) Em ação consignatória, a insuficiência do depósito realizado pelo devedor conduz ao julgamento de improcedência do pedido, pois o pagamento parcial da dívida não extingue o vínculo obrigacional. ( )

14) A instituição financeira não possui legitimidade para ajuizar ação de consignação em pagamento visando quitar débito de cliente decorrente de título de crédito protestado por falha no serviço bancário. ( )

15) No arrolamento sumário condiciona-se a entrega dos formais de partilha ou da carta de adjudicação à prévia quitação dos tributos concernentes à transmissão patrimonial aos sucessores. ( )

16) É cabível a propositura de ação de prestação de contas para apuração de eventual saldo, e sua posterior execução, decorrente de contrato relacional firmado entre administradora de consórcios e empresa responsável pela oferta das quotas consorciais a consumidores. ( )

17) Compete à Justiça Federal apreciar o pedido de medida protetiva de urgência decorrente de crime de ameaça contra a mulher cometido, por meio de rede social de grande alcance, quando iniciado no estrangeiro e o seu resultado ocorrer no Brasil. ( )

Gabarito

1. C 2. E 3. E 4. Letra B 5. C 6. C 7. C 8. E 9. E 10. C

11. C 12. C 13. C 14. E 15. E 16. C 17. C