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Informativo 613-STJ (08/11/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 613-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR É possível PAD contra servidor público federal que pratica ilegalidade durante sua gestão em fundação privada de apoio à Universidade Federal. DIREITO CIVIL OBRIGAÇÕES Não é possível a cumulação da perda das arras com a imposição da cláusula penal compensatória. ARBITRAGEM O árbitro e a instituição de arbitragem não têm legitimidade para figurarem no polo passivo de eventual ação anulatória. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA Devedor pode ajuizar ação de prestação de contas contra a instituição financeira com o objetivo de se conhecer o resultado da alienação extrajudicial do bem apreendido. USUCAPIÃO A decretação da falência do proprietário do imóvel interrompe o prazo para que o possuidor possa adquirir este bem por usucapião. Se o juízo criminal decretou a perda do imóvel que está sendo pleiteado em ação de usucapião, esta decisão produzir efeitos no juízo cível, devendo a ação ser extinta por perda do objeto. DIREITO DO CONSUMIDOR RESPONSABILIDADE CIVIL Lanchonete não tem o dever de indenizar consumidor vítima de roubo ocorrido no estacionamento externo e gratuito do estabelecimento. DIREITO PROCESSUAL CIVIL CURADOR ESPECIAL Curador especial pode apresentar reconvenção. RECURSOS Se a decisão proferida pelo juiz induzir a parte a interpor o recurso errado, deve-se reconhecer que houve dúvida objetiva, que justifica o princípio da fungibilidade. EXECUÇÃO Penhora de valores depositados em conta bancária conjunta. DIREITO PENAL CRIMES NO ECA Se a infração penal envolveu dois adolescentes, o réu deverá ser condenado por dois crimes de corrupção de menores (art. 244-B do ECA).

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Informativo 613-STJ (08/11/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 613-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE

DIREITO ADMINISTRATIVO

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR É possível PAD contra servidor público federal que pratica ilegalidade durante sua gestão em fundação privada de

apoio à Universidade Federal.

DIREITO CIVIL

OBRIGAÇÕES Não é possível a cumulação da perda das arras com a imposição da cláusula penal compensatória.

ARBITRAGEM O árbitro e a instituição de arbitragem não têm legitimidade para figurarem no polo passivo de eventual ação

anulatória.

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA Devedor pode ajuizar ação de prestação de contas contra a instituição financeira com o objetivo de se conhecer o

resultado da alienação extrajudicial do bem apreendido.

USUCAPIÃO A decretação da falência do proprietário do imóvel interrompe o prazo para que o possuidor possa adquirir este

bem por usucapião. Se o juízo criminal decretou a perda do imóvel que está sendo pleiteado em ação de usucapião, esta decisão produzir

efeitos no juízo cível, devendo a ação ser extinta por perda do objeto.

DIREITO DO CONSUMIDOR

RESPONSABILIDADE CIVIL Lanchonete não tem o dever de indenizar consumidor vítima de roubo ocorrido no estacionamento externo e

gratuito do estabelecimento.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

CURADOR ESPECIAL Curador especial pode apresentar reconvenção.

RECURSOS Se a decisão proferida pelo juiz induzir a parte a interpor o recurso errado, deve-se reconhecer que houve dúvida

objetiva, que justifica o princípio da fungibilidade.

EXECUÇÃO Penhora de valores depositados em conta bancária conjunta.

DIREITO PENAL

CRIMES NO ECA Se a infração penal envolveu dois adolescentes, o réu deverá ser condenado por dois crimes de corrupção de

menores (art. 244-B do ECA).

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CRIME AMBIENTAL Art. 56 da Lei 9.605/98 é crime de perigo abstrato e dispensa prova pericial.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

REMIÇÃO É possível a remição pela participação em coral musical.

DIREITO TRIBUTÁRIO

PIS/PASEP COFINS Lei 10.865/2004 autorizou que decreto reduzisse ou restabelecesse as alíquotas do PIS/PASEP e COFINS, de forma

que o Decreto nº 8.426/2015 é válido.

DIREITO ADMINISTRATIVO

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR É possível PAD contra servidor público federal que pratica ilegalidade durante

sua gestão em fundação privada de apoio à Universidade Federal

Atenção! Concursos federais

É legal a instauração de procedimento disciplinar, julgamento e sanção, nos moldes da Lei nº 8.112/90, em face de servidor público que pratica atos ilícitos na gestão de fundação privada de apoio à instituição federal de ensino superior.

STJ. 1ª Seção. MS 21.669-DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 23/08/2017 (Info 613).

Imagine a seguinte situação hipotética: João é professor concursado da Universidade Federal de Brasília (UNB). Ele foi, então, designado para o cargo de Diretor-Presidente da Fundação de Estudos e Pesquisas em Administração (FEPAD), uma fundação privada, sem fins lucrativos, que presta apoio à UNB. Durante a gestão na fundação privada, João teria praticado atos ilícitos, razão pela qual o Ministro da Educação instaurou processo administrativo disciplinar para apurar a sua conduta. Ao final, foi aplicada pena de demissão contra o servidor. Diante disso, João impetrou mandado de segurança contra o ato do Ministro alegando, entre outros argumentos, que, “tratando-se de atividades realizadas em fundação privada, o poder disciplinar da Administração Pública não pode atingi-las, porquanto aquele só possui alcance quando o comportamento relaciona-se às atribuições do cargo público, o que não é seu caso.” Logo, a instauração do PAD e a punição imposta seriam ilegais. O STJ acolheu o pedido do impetrante? NÃO. Não houve qualquer ilegalidade. O STJ entendeu que:

É legal a instauração de procedimento disciplinar, julgamento e sanção, nos moldes da Lei nº 8.112/90, em face de servidor público que pratica atos ilícitos na gestão de fundação privada de apoio à instituição federal de ensino superior. STJ. 1ª Seção. MS 21.669-DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 23/08/2017 (Info 613).

Os atos praticados por servidor público federal que assumiu cargo de gestão em fundação de natureza privada podem ser apurados no âmbito da Lei nº 8.112/90.

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As fundações de natureza privada são regidas pelo direito privado e possuem o objetivo de propiciar agilidade e autonomia às atividades acadêmicas como um todo, captando e administrando recursos públicos e/ou privados. Embora os atos ilícitos tenham sido perpetrados em uma fundação de apoio de natureza privada, é perfeitamente legal a instauração do procedimento disciplinar, o julgamento e a sanção, nos moldes da Lei nº 8.112/1990, especialmente quando a acusação imputada envolve desvios de recursos públicos oriundos de universidade federal - na qual o impetrante exercia cargo de professor adjunto -, o que contraria os princípios basilares da administração pública. Assim, o fato de passar a integrar também o corpo funcional da fundação não faz com que o impetrante deixe de ser servidor público federal, mantendo-se, portanto, sob o regramento da Lei nº 8.112/90. Em outras palavras, o fato de estar vinculado ao ente de apoio não o exime das sanções previstas no regime jurídico dos servidores públicos civis da União. Ademais, não se pode esquecer que, a despeito do caráter privado da fundação, está-se tratando, na espécie, de entidade para o fim específico de dar apoio a instituição federal, utilizando para isso recursos públicos. Dessa forma, observa-se uma relação intrínseca entre a universidade e a fundação, o que significa que devem ser observados os deveres impostos ao servidor público, esteja ele exercendo atividade na universidade federal ou na própria fundação de apoio, concomitantemente ou não. Logo, eventuais irregularidades praticadas no ente de apoio irão refletir necessariamente na universidade federal e causarão, de algum modo, dano ao erário.

DIREITO CIVIL

OBRIGAÇÕES Não é possível a cumulação da perda das arras

com a imposição da cláusula penal compensatória

Importante!!!

Na hipótese de inexecução do contrato, revela-se inadmissível a cumulação das arras com a cláusula penal compensatória, sob pena de ofensa ao princípio do non bis in idem.

Ex: João celebrou contrato de promessa de compra e venda com uma incorporadora imobiliária para aquisição de um apartamento. João comprometeu-se a pagar 80 parcelas de R$ 3 mil e, em troca, receberia um apartamento. No início do contrato, João foi obrigado a pagar R$ 20 mil a título de arras. No contrato, havia uma cláusula penal compensatória prevendo que, em caso de inadimplemento por parte de João, a incorporadora poderia reter 10% das prestações que foram pagas por ele. Trata-se de cláusula penal compensatória. Suponhamos que, após pagar 30 parcelas, João tenha parado de pagar as prestações. Neste caso, João perderá apenas as arras, mas não será obrigado a pagar também a cláusula penal compensatória. Não é possível a cumulação da perda das arras com a imposição da cláusula penal compensatória. Logo, decretada a rescisão do contrato, fica a incorporadora autorizada a apenas reter o valor das arras, sem direito à cláusula penal.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.617.652-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/09/2017 (Info 613).

CLÁUSULA PENAL

Conceito Cláusula penal é... - uma cláusula do contrato - ou um contrato acessório ao principal

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- em que se estipula, previamente, o valor da indenização que deverá ser paga - pela parte contratante que não cumprir, culposamente, a obrigação. A cláusula penal também pode ser chamada de multa convencional, multa contratual ou pena convencional. Natureza jurídica da cláusula penal Trata-se de uma obrigação acessória, referente a uma obrigação principal. Pode estar inserida dentro do contrato (como uma cláusula) ou prevista em instrumento separado. Finalidades da cláusula penal A cláusula penal possui duas finalidades. • Função ressarcitória: serve de indenização para o credor no caso de inadimplemento culposo do devedor. Ressalte-se que, para o recebimento da cláusula penal, o credor não precisa comprovar qualquer prejuízo. Desse modo, a cláusula penal serve para evitar as dificuldades que o credor teria no momento de provar o valor do prejuízo sofrido com a inadimplência do contrato. • Função coercitiva ou compulsória (meio de coerção): intimida o devedor a cumprir a obrigação, considerando que este já sabe que, se for inadimplente, terá que pagar a multa convencional. Espécies de cláusula penal

MORATÓRIA (compulsória):

COMPENSATÓRIA (compensar o inadimplemento)

Estipulada para desestimular o devedor a incorrer em mora ou para evitar que deixe de cumprir determinada cláusula especial da obrigação principal. É a cominação contratual de uma multa para o caso de mora.

Estipulada para servir como indenização no caso de total inadimplemento da obrigação principal (inadimplemento absoluto).

Funciona como punição pelo retardamento no cumprimento da obrigação ou pelo inadimplemento de determinada cláusula.

Funciona como uma prefixação das perdas e danos, ou seja, representa um valor previamente estipulado pelas partes a título de indenização pela inexecução contratual.

Ex.1: em uma promessa de compra e venda de um apartamento, é estipulada multa para o caso de atraso na entrega. Ex.2: multa para o caso do produtor de soja fornecer uma safra de qualidade inferior ao tipo “X”.

Ex.: em um contrato para que um cantor faça um show no réveillon, é estipulada uma multa de R$ 100 mil caso ele não se apresente.

A cláusula penal moratória é cumulativa, ou seja, o credor poderá exigir o cumprimento da obrigação principal mais o valor da cláusula penal (poderá exigir a substituição da soja inferior e ainda o valor da cláusula penal).

A cláusula penal compensatória não é cumulativa. Assim, haverá uma alternativa para o credor: exigir o cumprimento da obrigação principal ou apenas o valor da cláusula penal.

Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal.

Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor.

Multa moratória = obrigação principal + multa Multa compensatória = obrigação principal ou multa

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ARRAS

O que são as "arras"? Quando duas pessoas celebram um contrato, é possível que elas combinem que uma delas irá pagar à outra um valor em dinheiro (ou em outro bem fungível) como forma de: 1) demonstrar que irá cumprir a obrigação no momento em que chegar o dia do vencimento; ou 2) como uma espécie de valor que será perdido caso ela queira desistir do negócio. Para Sílvio Rodrigues, as arras “constituem a importância em dinheiro ou a coisa dada por um contratante ao outro, por ocasião da conclusão do contrato, com o escopo de firmar a presunção de acordo final e tornar obrigatório o ajuste; ou ainda, excepcionalmente, com o propósito de assegurar, para cada um dos contratantes, o direito de arrependimento” (Direito Civil. Vol. 2, 30ª ed, São Paulo: Saraiva. 2002, p. 279). Se as partes cumprirem as obrigações contratuais, as arras serão devolvidas para a parte que as havia dado. Poderão também ser utilizadas como parte do pagamento. É o que diz o Código Civil:

Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal.

As arras só existem em contratos bilaterais (obrigações para ambas as partes) que tenham por objetivo transferir o domínio (propriedade) de alguma coisa. As arras possuem natureza jurídica de contrato acessório. Finalidades das arras A Min. Nancy Andrighi identifica que as arras têm por finalidades: a) firmar a presunção de acordo final, tornando obrigatório o ajuste (caráter confirmatório); b) servir de princípio de pagamento (se forem do mesmo gênero da obrigação principal); c) prefixar o montante das perdas e danos devidos pelo descumprimento do contrato ou pelo exercício do direito de arrependimento, se expressamente estipulado pelas partes (caráter indenizatório). Espécies de arras A partir do conceito acima dado, é possível identificar duas espécies diferentes de arras e a diferença principal entre elas está no objetivo de cada uma:

Confirmatórias (arts. 418 e 419) Penitenciais (art. 420)

São previstas no contrato com o objetivo de reforçar, incentivar que as partes cumpram a obrigação combinada.

São previstas no contrato com o objetivo de permitir que as partes possam desistir da obrigação combinada caso queiram e, se isso ocorrer, o valor das arras penitenciais já funcionará como sendo as perdas e danos.

A regra são as arras confirmatórias. Assim, no silêncio do contrato, as arras são confirmatórias.

Ocorre quando o contrato estipula arras, mas também prevê o direito de arrependimento.

Se as partes cumprirem as obrigações contratuais, as arras serão devolvidas para a parte que as havia dado. Poderão também ser utilizadas como parte do pagamento.

Se as partes cumprirem as obrigações contratuais, as arras serão devolvidas para a parte que as havia dado. Poderão também ser utilizadas como parte do pagamento.

Se a parte que deu as arras não executar (cumprir) o contrato: a outra parte (inocente) poderá reter as arras, ou seja, ficar com elas para si.

Se a parte que deu as arras decidir não cumprir o contrato (exercer seu direito de arrependimento): ela perderá as arras dadas.

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Se a parte que recebeu as arras não executar o contrato: a outra parte (inocente) poderá exigir a devolução das arras mais o equivalente*.

Se a parte que recebeu as arras decidir não cumprir o contrato (exercer seu direito de arrependimento): deverá devolver as arras mais o equivalente*.

Além das arras, a parte inocente poderá pedir:

indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima;

a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização.

As arras penitenciais têm função unicamente indenizatória. Isso significa que a parte inocente ficará apenas com o valor das arras (e do equivalente) e NÃO terá direito a indenização suplementar. Nesse sentido: Súmula 412-STF: No compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, a devolução do sinal, por quem o deu, ou a sua restituição em dobro, por quem o recebeu, exclui indenização maior, a título de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo.

* Equivalente: significa o valor equivalente das arras que haviam sido dadas. Ex: Mário deu R$ 500 de arras a Paulo; este não cumpriu o contrato; significa que ele terá que devolver as arras recebidas (R$ 500) mais o equivalente (R$ 500), totalizando R$ 1000. Obs: esta devolução deverá ocorrer com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado. Exemplo de arras confirmatórias João está se mudando e combina de comprar o carro de Gabriel, que custa R$ 100 mil; o comprador pede para receber o veículo e pagar o preço só daqui a três meses, quando irá passar a morar na cidade; o vendedor não queria aceitar porque existem outros interessados no veículo e ele desejava vender logo; depois de muita insistência, ele acabou concordando, mas impôs uma exigência, qual seja, a de que João pagasse R$ 10 mil adiantados, como "sinal"; Gabriel explicou que este valor serviria como uma demonstração de que João teria intenção de cumprir o contrato e que não iria desistir; o vendedor explicou, ainda, que, quando o comprador pagasse o preço (R$ 100 mil), ele iria devolver o cheque com o "sinal" de R$ 10 mil. Este "sinal" é chamado, juridicamente, de "arras". Exemplo de arras penitenciais Antônio comprometeu-se a vender seu apartamento para Ricardo. No contrato, havia uma cláusula prevendo que o promitente-comprador deveria dar um sinal de R$ 10 mil reais, valor este que foi pago. Vale ressaltar que o contrato estipulou que as partes tinham direito de desistir do negócio (direito de arrependimento). Antes que a primeira prestação fosse paga, Ricardo resolveu não mais comprar o imóvel. Isso significa que ele irá perder o sinal (arras) que pagou. Em outras palavras, não terá direito de pedir de volta essa quantia. Da mesma forma, Antônio não poderá exigir nenhum outro valor de Ricardo, ainda que tenha tido outros prejuízos decorrentes da desistência. CUMULAÇÃO DAS ARRAS COM CLÁUSULA PENAL

Imagine a seguinte situação hipotética: João celebrou contrato de promessa de compra e venda com uma incorporadora imobiliária para aquisição de um apartamento. João comprometeu-se a pagar 80 parcelas de R$ 3 mil e, em troca, receberia um apartamento. No início do contrato, João foi obrigado a pagar R$ 20 mil a título de arras. No contrato, havia uma cláusula penal prevendo que, em caso de inadimplemento por parte de João, a incorporadora poderia reter 10% das prestações que foram pagas por ele. Trata-se de cláusula penal compensatória. Suponhamos que, após pagar 30 parcelas, João tenha parado de pagar as prestações.

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Neste caso, ele perderá as arras e também os 10% a título de cláusula penal compensatória? É possível a cumulação da perda das arras com a imposição da cláusula penal compensatória? NÃO. Na hipótese de inadimplemento, as arras funcionam como uma espécie de cláusula penal compensatória, representando o valor previamente estimado pelas partes para indenizar a parte não culpada pela inexecução do contrato. A perda das arras, na hipótese, representa o efeito da resolução imputável e culposa. Assim, as arras, a princípio, têm a função de indicar que a obrigação será cumprida. No entanto, ocorrendo a inexecução contratual elas passam a ter função de cláusula penal. Tanto nas arras confirmatórias como nas arras penitenciais, se a parte que deu as arras não executar o contrato, a outra parte (inocente) poderá reter as arras, ou seja, ficar com elas para si. Dessa forma, o que se conclui é que, na hipótese de inadimplemento do contrato, as arras apresentam natureza indenizatória, desempenhando papel semelhante ao da cláusula penal compensatória. Logo, se as arras cumprem a mesma função da cláusula penal compensatória, não é possível que a parte inocente exija da parte culpada tanto as arras como a cláusula penal compensatória. Isso seria bis in idem (dupla condenação a mesmo título), o que é vedado pelo Direito. Qual das duas deverá, então, prevalecer: as arras ou a cláusula penal? Se previstas cumulativamente para o inadimplemento contratual, entende-se que deve incidir exclusivamente a pena de perda das arras, ou a sua devolução mais o equivalente, a depender da parte a quem se imputa a inexecução contratual. Isso porque o art. 419 do CC afirma que as arras valem como "taxa mínima" de indenização pela inexecução do contrato. Assim, em nosso exemplo, como quem praticou a inexecução contratual foi quem deu as arras (João), ele perderá as arras. Em suma:

Na hipótese de inexecução do contrato, revela-se inadmissível a cumulação das arras com a cláusula penal compensatória, sob pena de ofensa ao princípio do non bis in idem. STJ. 3ª Turma. REsp 1.617.652-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/09/2017 (Info 613).

ARBITRAGEM O árbitro e a instituição de arbitragem não têm legitimidade para figurarem no polo passivo de eventual ação anulatória

A instituição arbitral, por ser simples administradora do procedimento arbitral, não possui interesse processual nem legitimidade para integrar o polo passivo da ação que busca a sua anulação.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.433.940-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 26/09/2017 (Info 613).

Em que consiste a arbitragem Arbitragem representa uma técnica de solução de conflitos por meio da qual os conflitantes aceitam que a solução de seu litígio seja decidida por uma terceira pessoa, de sua confiança. Vale ressaltar que a arbitragem é uma forma de heterocomposição, isto é, instrumento por meio do qual o conflito é resolvido por um terceiro.

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Regulamentação A arbitragem, no Brasil, é regulada pela Lei nº 9.307/96, havendo também alguns dispositivos no CPC versando sobre o tema. Convenção de arbitragem As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem (art. 3º). Convenção de arbitragem é o gênero, que engloba duas espécies: • a cláusula compromissória e • o compromisso arbitral. Cláusula compromissória A cláusula compromissória, também chamada de cláusula arbitral, é... - uma cláusula prevista no contrato, - de forma prévia e abstrata, - por meio da qual as partes estipulam que - qualquer conflito futuro relacionado àquele contrato - será resolvido por arbitragem (e não pela via jurisdicional estatal). A cláusula compromissória está prevista no art. 4º da Lei nº 9.307/96:

Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

Compromisso arbitral O compromisso arbitral é... - um acordo (convenção) feito entre as partes - após o conflito já ter surgido, - por meio do qual se combina que a solução desta lide - não será resolvida pelo Poder Judiciário, - mas sim por intermédio da arbitragem. No compromisso arbitral, as partes renunciam ao seu direito de buscar a atividade jurisdicional estatal e decidem se valer da arbitragem. Diferença entre a cláusula compromissória e o compromisso arbitral:

Cláusula compromissória Compromisso arbitral

É uma convenção de arbitragem em que as partes declaram que qualquer conflito futuro será resolvido por arbitragem.

É uma convenção de arbitragem posterior ao conflito. O conflito surgiu e as partes decidem resolvê-lo por arbitragem.

É uma cláusula prévia e abstrata, que não se refere a um conflito específico.

É pactuado após o conflito ter surgido e se refere a um problema concreto, já instaurado.

Em regra, mesmo havendo a cláusula compromissória no contrato, as partes ainda precisarão de um compromisso arbitral para regular como a arbitragem será feita. Exceção: Fredie Didier ressalta que não será necessário o compromisso arbitral se a

Mesmo que não exista cláusula compromissória no contrato, as partes poderão decidir estabelecer um compromisso arbitral para resolver o conflito.

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cláusula compromissória for completa, ou seja, contiver todos os elementos para a instauração imediata da arbitragem (exs.: quem serão os árbitros, o direito a ser aplicável, o tempo de duração etc.).

Regras para a escolha dos árbitros As regras relacionadas à escolha dos árbitros estão previstas nos arts. 13 a 18 da Lei nº 9.307/96. Quem pode ser árbitro? Qualquer pessoa civilmente capaz e que tenha a confiança das partes (art. 13). As partes que escolhem quem elas querem como árbitro. As partes nomearão um ou mais árbitros, sempre em número ímpar, podendo nomear, também, suplentes. Órgão arbitral institucional ou entidade especializada Em vez de as partes escolherem individualmente os árbitros que irão julgar a causa, elas podem ainda escolher um órgão arbitral institucional ou entidade especializada. Órgão arbitral institucional ou entidade especializada é uma pessoa jurídica constituída para a solução extrajudicial de conflitos por meio da mediação, negociação, conciliação e arbitragem. Também pode ser chamada de “instituição arbitral”. Desse modo, as partes poderão, de comum acordo, estabelecer o processo de escolha dos árbitros ou adotar as regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada (art. 13, § 3º). Escolha de árbitros caso as partes optem por um órgão arbitral institucional ou entidade especializada Se as partes escolherem um órgão arbitral institucional ou entidade especializada para solucionar a causa, a seleção dos árbitros será feita, em princípio, pelas regras previstas no estatuto da entidade. Normalmente, tais entidades possuem uma lista de árbitros previamente cadastrados e a escolha recai sobre um desses nomes. Feita esta revisão sobre o tema, imagine a seguinte situação hipotética: A empresa “BM” mantinha um contrato com a empresa “PP”. No contrato havia uma cláusula compromissória definindo que os litígios que surgissem envolvendo as empresas deveriam ser resolvidos pela “Câmara de Arbitragem Empresarial Norte Sul - CAENS”, uma instituição arbitral, ou seja, uma pessoa jurídica especializada na solução extrajudicial de conflitos por meio da arbitragem. A CAENS julgou o conflito em favor da empresa “BM”. Inconformada, a empresa “PP” propôs contra a empresa “BM” e contra a “CAENS” ação anulatória de processo arbitral sob o argumento de que o consentimento para a instauração da arbitragem não foi dado pelo verdadeiro representante legal da empresa, mas sim por uma gerente que não tinha poderes para tanto. Em contestação, a “CAENS” arguiu preliminar de ilegitimidade passiva argumentando que é apenas uma instituição administradora de procedimentos arbitrais. Sua prestação de serviços restringe-se às atividades de apoio técnico, logístico e operacional às partes e aos árbitros, sendo que sua atuação institucional não envolve quaisquer atos jurisdicionais decisórios, cuja competência é exclusiva do árbitro. A instituição arbitral deve ou não figurar no polo passivo da ação anulatório de processo arbitral? NÃO. O órgão arbitral institucional é uma entidade de natureza essencialmente administrativa e a sua atuação não envolve nenhum ato jurisdicional, cuja competência é exclusiva dos árbitros nomeados pelas partes.

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Informativo 613-STJ (08/11/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10

Vale registrar que, segundo a doutrina especializada, nem mesmo os árbitros, embora prolatores do ato considerado viciado, teriam, em tese, legitimidade para integrar o polo passivo da ação anulatória de sentença arbitral. Logo, com muito mais razão, a instituição arbitral (que só tem funções administrativas) é parte ilegítima. A ação anulatória de sentença arbitral é como se fosse uma ação rescisória de sentença judicial. Em uma ação rescisória, o juiz que prolatou a sentença não figura como réu. O réu da ação rescisória é a parte que figurou na relação original. Esse mesmo raciocínio deve ser transportado para a ação anulatória de processo arbitral. Em suma:

A instituição arbitral, por ser simples administradora do procedimento arbitral, não possui interesse processual nem legitimidade para integrar o polo passivo da ação que busca a sua anulação. STJ. 3ª Turma. REsp 1.433.940-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 26/09/2017 (Info 613).

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA Devedor pode ajuizar ação de prestação de contas contra a instituição financeira com o objetivo de se conhecer o resultado da alienação extrajudicial do bem apreendido

Mesmo antes do advento da Lei nº 13.043/2014, que deu nova redação ao art. 2º do Decreto-Lei nº 911/69, já era cabível o ajuizamento de ação de prestação de contas relativas aos valores auferidos com o leilão extrajudicial de veículo apreendido em busca e apreensão.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.678.525-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 05/10/2017 (Info 613).

Alienação fiduciária “A alienação fiduciária em garantia é um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança, aliena a outra a propriedade de um determinado bem, ficando esta parte (uma instituição financeira, em regra) obrigada a devolver àquela o bem que lhe foi alienado quando verificada a ocorrência de determinado fato.” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. São Paulo: Método, 2012, p. 565). Regramento O Código Civil de 2002 trata de forma genérica sobre a propriedade fiduciária em seus arts. 1.361 a 1.368-B. Existem, no entanto, leis específicas que também regem o tema: • alienação fiduciária envolvendo bens imóveis: Lei nº 9.514/97; • alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro e de capitais: Lei nº 4.728/65 e Decreto-Lei nº 911/69. É o caso, por exemplo, de um automóvel comprado por meio de financiamento bancário com garantia de alienação fiduciária. Nas hipóteses em que houver legislação específica, as regras do CC-2002 aplicam-se apenas de forma subsidiária:

Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial.

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Resumindo:

Alienação fiduciária de bens MÓVEIS fungíveis e

infungíveis quando o credor fiduciário for instituição

financeira

Alienação fiduciária de bens MÓVEIS infungíveis

quando o credor fiduciário for pessoa natural ou jurídica (sem

ser banco)

Alienação fiduciária de bens IMÓVEIS

Lei nº 4.728/65 Decreto-Lei nº 911/69

Código Civil de 2002 (arts. 1.361 a 1.368-B)

Lei nº 9.514/97

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS NO ÂMBITO DO MERCADO FINANCEIRO E DE CAPITAIS (DL 911/69)

Imagine a seguinte situação hipotética: Antônio quer comprar um carro de R$ 30.000,00, mas somente possui R$ 10.000,00. Antônio procura o Banco “X”, que celebra com ele contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária. Assim, o Banco “X” empresta R$ 20.000,00 a Antônio, que compra o veículo. Como garantia do pagamento do empréstimo, a propriedade resolúvel do carro ficará com o Banco “X” e a posse direta com Antônio. Em outras palavras, Antônio ficará andando com o carro, mas, no documento, a propriedade do automóvel é do Banco “X” (constará “alienado fiduciariamente ao Banco X”). Diz-se que o banco tem a propriedade resolúvel porque, uma vez pago o empréstimo, a propriedade do carro pelo banco “resolve-se” (acaba) e o automóvel passa a pertencer a Antônio. O que acontece em caso de inadimplemento do mutuário (em nosso exemplo, Antônio)? Havendo mora por parte do mutuário, o procedimento será o seguinte (regulado pelo DL 911/69): Notificação do devedor O credor deverá fazer a notificação extrajudicial do devedor de que este se encontra em débito, comprovando, assim, a mora. Essa notificação é indispensável para que o credor possa ajuizar ação de busca e apreensão. Confira:

Súmula 72-STJ: A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.

Como é feita a notificação do devedor? Essa notificação precisa ser realizada por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos? NÃO. Essa notificação é feita por meio de carta registrada com aviso de recebimento. Logo, não precisa ser realizada por intermédio do Cartório de RTD. O aviso de recebimento da carta (AR) precisa ser assinado pelo próprio devedor? NÃO. Não se exige que a assinatura constante do aviso de recebimento seja a do próprio destinatário (§ 2º do art. 2º do DL 911/69). Para a constituição em mora por meio de notificação extrajudicial, é suficiente que seja entregue no endereço do devedor, ainda que não pessoalmente. Ajuizamento da ação de busca e apreensão Após comprovar a mora, o mutuante (Banco “X”) poderá ingressar com uma ação de busca e apreensão requerendo que lhe seja entregue o bem (art. 3º do DL 911/69). Essa busca e apreensão prevista no DL 911/69 é uma ação especial autônoma e independente de qualquer procedimento posterior. Concessão da liminar O juiz concederá a busca e apreensão de forma liminar (sem ouvir o devedor), desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor (art. 3º do DL 911/69).

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Possibilidade de pagamento integral da dívida No prazo de 5 dias após o cumprimento da liminar (apreensão do bem), o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus (§ 2º do art. 3º do DL 911/69). Veja o dispositivo legal:

Art. 3º (...) § 1º Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. (Redação dada pela Lei 10.931/2004) § 2º No prazo do § 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus. (Redação dada pela Lei 10.931/2004)

O que se entende por “integralidade da dívida pendente”? Todo o débito. Segundo decidiu o STJ, a Lei nº 10.931/2004, que alterou o DL 911/69, não mais faculta ao devedor a possibilidade de purgação de mora, ou seja, não mais permite que ele pague somente as prestações vencidas. Para que o devedor fiduciante consiga ter o bem de volta, ele terá que pagar a integralidade da dívida, ou seja, tanto as parcelas vencidas quanto as vincendas (mais os encargos), no prazo de 5 dias após a execução da liminar. O devedor purga a mora quando ele oferece ao credor as prestações que estão vencidas e mais o valor dos prejuízos que este sofreu (art. 401, I, do CC). Nesse caso, purgando a mora, o devedor consegue evitar

as consequências do inadimplemento. Ocorre que na alienação fiduciária em garantia, a Lei n. 10.931/2004 passou a não mais permitir a purgação da mora. Vale ressaltar que o tema acima foi decidido em sede de recurso repetitivo, tendo o STJ firmado a seguinte conclusão, que será aplicada em todos os processos semelhantes:

Nos contratos firmados na vigência da Lei 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária. STJ. 2ª Seção. REsp 1.418.593-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/5/2014 (recurso repetitivo) (Info 540).

Resposta No prazo de 15 dias após o cumprimento da liminar (apreensão do bem), o devedor fiduciante apresentará resposta (uma espécie de contestação). Obs1: a resposta poderá ser apresentada ainda que o devedor tenha decidido pagar a integralidade da dívida, caso entenda ter havido pagamento a maior e deseje a restituição. Obs2: nesta defesa apresentada pelo devedor, é possível que ele invoque a ilegalidade das cláusulas contratuais (ex: juros remuneratórios abusivos). Se ficar provado que o contrato era abusivo, isso justificaria o inadimplemento e descaracterizaria a mora. Venda do bem Se houve o inadimplemento ou mora e o bem foi apreendido, o credor (proprietário fiduciário) poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato (art. 2º do DL 911/69).

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O preço da venda, isto é, o valor apurado com a alienação, deverá ser utilizado para pagar os débitos do devedor para com o credor e também para custear as despesas decorrentes da cobrança dessa dívida. Se, após o pagamento da dívida, ainda sobrar dinheiro, esse saldo apurado deverá ser entregue ao devedor. Dever do credor de prestar contas A Lei nº 13.043/2014 alterou o caput do art. 2º do DL 911/69, deixando expresso que o credor, após fazer a alienação do bem, tem o dever de prestar contas ao devedor a fim de que este tenha ciência do valor que foi apurado com a venda e possa fiscalizar para saber se sobrou algum saldo, já que tais recursos lhe pertencem. Compare:

Antes da Lei nº 13.043/2014 Depois da Lei nº 13.043/2014

Art. 2º No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver.

Art. 2º No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas.

Desse modo, depois da venda, caso o credor não tenha informado acerca de eventual saldo, o devedor poderá, inclusive, ajuizar ação de prestação de contas em desfavor da instituição financeira, com o objetivo de se conhecer o resultado da alienação extrajudicial do bem apreendido na forma do DL 911/1969, e se apurar eventual saldo em favor do autor. Essa possibilidade de o devedor exigir prestação de contas do credor somente surgiu com a edição da Lei nº 13.043/2014? NÃO.

Mesmo antes do advento da Lei nº 13.043/2014, que deu nova redação ao art. 2º do Decreto-Lei nº 911/69, já era cabível o ajuizamento de ação de prestação de contas relativas aos valores auferidos com o leilão extrajudicial de veículo apreendido em busca e apreensão. STJ. 3ª Turma. REsp 1.678.525-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 05/10/2017 (Info 613).

O interesse do devedor fiduciário para o ajuizamento da referida ação é evidente nos casos de alienação extrajudicial, pois busca saber o quantum da arrecadação e a forma de aplicação dos valores. Se, por um lado, garante-se ao credor uma forma executiva extremamente célere e sem interferência direta do Estado, por outro, tem o devedor, no mínimo, o direito de saber da solução realizada pelo credor, a qual necessariamente afeta seu patrimônio. Ao credor cumpre zelar pela correta destinação da quantia obtida com a alienação extrajudicial. Essa incumbência também está ligada ao patrimônio do devedor, o qual ficará vinculado pela dívida remanescente ou terá saldo a receber. Dessa forma, tem-se por inegável a existência de um vínculo entre o credor e o devedor, sendo que desta relação decorre o interesse de agir (utilidade e adequação) para o devedor fiduciário ajuizar ação de prestação de contas, especificamente quanto aos valores decorrentes do leilão extrajudicial do bem. A alteração promovida pela Lei nº 13.043/2014 teve como objetivo apenas reforçar um direito que o devedor já possuía.

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USUCAPIÃO A decretação da falência do proprietário do imóvel interrompe o

prazo para que o possuidor possa adquirir este bem por usucapião

O curso da prescrição aquisitiva da propriedade de bem que compõe a massa falida é interrompido com a decretação da falência.

Ex: João é possuidor, há 4 anos e 6 meses, de uma área urbana de 200m2, que utiliza para a sua própria moradia. Ele não tem o título de propriedade dessa área, mas lá mora há todos esses anos sem oposição de ninguém. Imagine que foi decretada a falência da empresa que é proprietária desse imóvel. Isso significa que, neste instante, o prazo para João adquirir o bem por usucapião vai ser interrompido, ou seja, vai recomeçar do zero.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.680.357-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/10/2017 (Info 613).

Imagine a seguinte situação hipotética: João é possuidor, há 4 anos, de uma área urbana de 200m2, que utiliza para a sua própria moradia. Ele não tem o título de propriedade dessa área, mas lá mora há todos esses anos sem oposição de ninguém. Vale ressaltar também que ele não tem outro imóvel, seja urbano, seja rural. O imóvel onde mora João pertence à indústria “ZZZ”, mas a empresa, durante todo esse tempo nunca procurou saber do terreno. Em março/2015, João procurou a Defensoria Pública perguntando se ele poderia regularizar o imóvel em seu nome. O Defensor explicou que se ele ficasse mais 1 ano morando lá, completaria 5 anos de posse ininterrupta no imóvel e que, neste caso, poderia ingressar com uma ação de usucapião, conforme previsto no art. 1.240 do Código Civil:

Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Em setembro/2015, foi decretada a falência da indústria “ZZZ”. Em março/2016, João voltou à Defensoria Pública e o Defensor ajuizou ação de usucapião em favor do assistido. Essa ação de usucapião terá êxito? NÃO. Isso porque, com a decretação da falência, houve a interrupção do prazo de usucapião. Em outras palavras, em setembro/2015 recomeçou o prazo necessário para que o possuidor (João) tenha que ficar no imóvel para poder ter direito à usucapião. A sentença declaratória de falência forma a massa falida subjetiva e objetiva. A massa objetiva é a afetação do patrimônio do falido como um todo para o pagamento das dívidas. Vale ressaltar que a sentença declaratória da falência produz efeitos imediatos, tão logo prolatada pelo juízo concursal. Com a decretação da falência, há a constrição geral do patrimônio do falido por meio de um ato de “penhoramento abstrato”. Isso quer dizer que, com a decretação da falência, é como se todos os bens do falido ficassem automaticamente vinculados ao pagamento das dívidas. Essa constrição sobre os bens do falido ocorre independentemente de qualquer ato formal de penhora ou sequestro.

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Desse modo, a pessoa que estava na posse do bem do falido aguardando o prazo da usucapião perde a a posse pela incursão do Estado na sua esfera jurídica. Em suma:

O curso da prescrição aquisitiva da propriedade de bem que compõe a massa falida é interrompido com a decretação da falência. STJ. 3ª Turma. REsp 1.680.357-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/10/2017 (Info 613).

USUCAPIÃO Se o juízo criminal decretou a perda do imóvel que está sendo pleiteado em ação de usucapião,

esta decisão produzir a efeitos no juízo cível, devendo a ação ser extinta por perda do objeto

Há perda de objeto da ação de usucapião proposta em juízo cível na hipótese em que juízo criminal decreta a perda do imóvel usucapiendo em razão de ter sido adquirido com proventos de crime.

João praticou um crime. Com o dinheiro obtido com o delito, ele comprou uma casa. No processo criminal, o juiz decretou, em março/2012, o sequestro da casa comprada. João fugiu e abandonou o imóvel. Em abril/2012, Pedro invadiu a casa e passou a morar lá. Em maio/2017, após mais de 5 anos morando no imóvel, Pedro ajuizou ação de usucapião (art. 1.240 do CC). A ação de usucapião estava tramitando até que, em outubro/2017, transitou em julgado a sentença do juiz condenando João pela prática do crime. Como efeito da condenação, o magistrado determinou o confisco da casa (art. 91, II, “b”, do CP). A ação de usucapião perde o objeto, considerando que este tema foi definido no juízo criminal.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.471.563-AL, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 26/09/2017 (Info 613).

Imagine a seguinte situação hipotética: João praticou um crime. Com o dinheiro obtido com o delito, ele comprou uma casa de 200m2 na favela. Dessa forma, podemos dizer que o imóvel foi adquirido com os proventos do crime, ou seja, com o “lucro” obtido com a prática da infração penal. Ocorre que o delito foi descoberto e João passou a responder a uma ação penal. Neste processo criminal, o juiz decretou, em março/2012, o sequestro da casa comprada, nos termos do art. 125 do CPP. Vale ressaltar que o sequestro torna o bem indisponível, ou seja, ele não poderá ser transferido a outra pessoa. O sequestro, contudo, não priva o uso do bem, isto é, em tese, a pessoa pode continuar utilizando o imóvel. Esta medida serve para que o acusado não se desfaça dele durante o curso da ação penal. João fugiu e abandonou o imóvel. Em abril/2012, Pedro e a sua família invadiram a casa e passaram a morar lá. Em maio/2017, após mais de 5 anos morando no imóvel sem qualquer questionamento, Pedro ajuizou ação de usucapião, com base no art. 1.240 do Código Civil:

Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

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A ação de usucapião estava tramitando normalmente até que, em outubro/2017, transitou em julgado a sentença do juiz condenando João pela prática do crime. Como efeito da condenação, o magistrado determinou o confisco da casa, conforme prevê o art. 91, II, “b”, do Código Penal:

Art. 91. São efeitos da condenação: (...) II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: (...) b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

O que acontece com a ação de usucapião? O juiz poderá julgar esta demanda procedente? NÃO. A ação de usucapião perde o objeto. Independência das instâncias, sistema da separação e sistema da adesão Em regra, as instâncias criminal e cível são independentes. Essa separação, contudo, é relativa. Assim, diz-se que a regra é o “sistema da separação”, mas que existem situações em que o direito adota o “sistema da adesão”. Sistema da adesão significa dizer que em algumas situações uma instância simplesmente adere ao julgamento da outra, ou seja, o resultado de uma instância irá produzir efeitos na outra. Exemplo de adesão do juízo cível ao que foi decidido no juízo criminal:

Código Civil Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

Exemplo de adesão do juízo criminal ao que foi decidido no juízo cível:

Código de Processo Penal Art. 92. Se a decisão sobre a existência da infração depender da solução de controvérsia, que o juiz repute séria e fundada, sobre o estado civil das pessoas, o curso da ação penal ficará suspenso até que no juízo cível seja a controvérsia dirimida por sentença passada em julgado, sem prejuízo, entretanto, da inquirição das testemunhas e de outras provas de natureza urgente.

O exemplo retrata uma situação excepcional em que se deve adotar o sistema da adesão Como já dito, o art. 91 do CP estabelece a perda do proveito do crime como um dos efeitos da condenação. O art. 130 do CPP, por sua vez, prevê que o acusado ou o terceiro que não concordarem com o sequestro deverão impugná-lo por meio de embargos, que serão julgados, em regra, pelo próprio juízo criminal. A análise conjunta dessas duas previsões nos leva à conclusão de que a finalidade da norma foi a de excluir da competência do juízo cível a decisão sobre o destino do bem constrito para fins penais. Assim, pode-se concluir que, após decretado o confisco do bem por meio de sentença penal condenatória transitada em julgado, nada resta ao juízo cível senão curvar-se à decisão exarada pelo juízo criminal. Preste atenção! Não significa que a parte interessada perdeu completamente a causa. Ela poderia, em tese, ter ingressado com embargos de terceiro no juízo criminal para discutir ali se houve ou não usucapião. O que não se pode é continuar essa discussão no juízo cível, sendo que já houve decisão do juízo criminal. Aplica-se, para o presente caso, uma máxima do direito francês, segundo a qual “le criminal tient le civil en etat” (o juízo criminal paralisa o civil no estado em que se encontra).

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Informativo 613-STJ (08/11/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17

Sobre esse ponto, Guilherme de Souza Nucci afirma que "o juízo cível nada tem a ver com a constrição, não lhe sendo cabível interferir na disposição dos bens" (Manual de processo penal e execução penal. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 318). Assim, entendendo-se que o juízo cível está subordinado aos comandos da sentença proferida pelo juízo criminal, impõe-se reconhecer que a ação de usucapião deve ser julgada extinta, sem resolução do mérito, por perda do objeto.

DIREITO DO CONSUMIDOR

RESPONSABILIDADE CIVIL Lanchonete não tem o dever de indenizar consumidor vítima de roubo ocorrido

no estacionamento externo e gratuito do estabelecimento

Importante!!!

A Súmula 130 do STJ prevê o seguinte: a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de DANO ou FURTO de veículo ocorridos em seu estacionamento.

Em casos de roubo, o STJ tem admitido a interpretação extensiva da Súmula 130 do STJ, para entender que há o dever do fornecedor de serviços de indenizar, mesmo que o prejuízo tenha sido causado por roubo, se este foi praticado no estacionamento de empresas destinadas à exploração econômica direta da referida atividade (empresas de estacionamento pago) ou quando o estacionamento era de um grande shopping center ou de uma rede de hipermercado.

Por outro lado, não se aplica a Súmula 130 do STJ em caso de roubo de cliente de lanchonete fast-food, se o fato ocorreu no estacionamento externo e gratuito por ela oferecido. Nesta situação, tem-se hipótese de caso fortuito (ou motivo de força maior), que afasta do estabelecimento comercial proprietário da mencionada área o dever de indenizar.

Logo, a incidência do disposto na Súmula 130 do STJ não alcança as hipóteses de crime de roubo a cliente de lanchonete praticado mediante grave ameaça e com emprego de arma de fogo, ocorrido no estacionamento externo e gratuito oferecido pelo estabelecimento comercial.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.431.606-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 15/08/2017 (Info 613).

Imagine a seguinte situação hipotética: João lanchou na McDonald´s que fica em uma rua próxima à sua casa. Após realizar a refeição, ao retornar ao estacionamento da lanchonete, João foi abordado por dois ladrões armados, que levaram a sua motocicleta. Vale ressaltar que esta unidade da lanchonete não fica dentro de shopping. Importante também esclarecer que o estacionamento oferecido pela lanchonete é externo e gratuito. João ajuizou ação de indenização por danos contra a lanchonete, argumentando, em síntese, que: • a relação entre ele e a empresa é de consumo, de forma que a responsabilidade é objetiva; • houve defeito na prestação do serviço (art. 12 do CDC); • a simples disponibilização de estacionamento (ainda que por cortesia e sem efetivo controle de acesso), por agregar valor e comodidade ao serviço oferecido, enseja a assunção pela lanchonete dos deveres de guarda e vigilância; • há dever de indenizar, nos termos do que preconiza a Súmula 130 do STJ.

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Informativo 613-STJ (08/11/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18

Súmula 130-STJ: A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento.

O pedido de João deve ser acolhido segundo o entendimento do STJ? NÃO. O STJ entendeu que não havia como a lanchonete impedir o roubo da motocicleta, especialmente porque o bem foi subtraído diretamente da vítima e o delito foi praticado por meliantes que fizeram uso de arma de fogo, situação que caracteriza causa excludente de responsabilidade. Não se aplica, no caso, a Súmula 130 do STJ porque aqui não se trata de simples subtração (furto) ou avaria (dano) da motocicleta pertencente ao autor. Houve, na verdade, um roubo praticado por terceiros, inclusive com emprego de arma de fogo, o que evidencia ainda mais a inevitabilidade do resultado danoso. O art. 393 do Código Civil prevê a força maior e o caso fortuito como causas excludentes do nexo causal e, por consequência, da própria responsabilidade civil. O parágrafo único do mencionado dispositivo, por sua vez, dispõe que ambos se configuram na hipótese de fato necessário, cujos efeitos se revelem impossíveis de evitar ou impedir:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

A ideia que esse dispositivo transmite é que o agente não deve responder pelos danos causados na hipótese em que não lhe era possível antever e, sobretudo, impedir o acontecimento, como foi o caso do roubo no estacionamento externo e gratuito da lanchonete. E se o roubo tivesse ocorrido no estacionamento de um grande shopping center? Neste caso, haveria sim o dever de indenizar, conforme já decidiu o STJ: REsp 1.269.691-PB, Rel. originária Min. Isabel Gallotti, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/11/2013 (Info 534). Para o STJ, o fornecedor dos serviços deverá indenizar o consumidor em caso de roubo armado ocorrido em: • Estacionamentos privados (pagos); • Estacionamentos de grandes shopping centers; • Estacionamentos de de grandes redes de hipermercados; Estacionamentos privados (pagos) Se a empresa explora serviço de estacionamento, ela não poderá invocar o argumento da força maior. Isso porque o roubo é algo inerente à atividade comercial que ela explora. Os riscos oriundos de seus deveres de guarda e segurança constituem, na verdade, a própria essência do serviço oferecido e pelo qual ela cobra a contraprestação. Logo, trata-se daquilo que a doutrina e a jurisprudência chamam de fortuito interno. A culpa exclusiva de terceiros somente elide (elimina) a responsabilidade objetiva do fornecedor se for uma situação de “fortuito externo”. Se o caso for de “fortuito interno”, persiste a obrigação de indenizar.

Fortuito interno Fortuito externo

Está relacionado com a organização da empresa. É um fato ligado aos riscos da atividade desenvolvida pelo fornecedor.

Não está relacionado com a organização da empresa.

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Informativo 613-STJ (08/11/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19

É um fato que não guarda nenhuma relação de causalidade com a atividade desenvolvida pelo fornecedor. É uma situação absolutamente estranha ao produto ou ao serviço fornecido.

Ex1: o estouro de um pneu do ônibus da empresa de transporte coletivo;

Ex2: cracker invade o sistema do banco e consegue transferir dinheiro da conta de um cliente. Ex3: durante o transporte da matriz para uma das agências, ocorre um roubo e são subtraídos diversos talões de cheque (trata-se de um fato que se liga à organização da empresa e aos riscos da própria atividade desenvolvida).

Ex1: assalto à mão armada no interior de ônibus coletivo (não é parte da organização da empresa de ônibus garantir a segurança dos passageiros contra assaltos);

Ex2: um terremoto faz com que o telhado do banco caia, causando danos aos clientes que lá estavam.

O fortuito interno NÃO exclui a obrigação do fornecedor de indenizar o consumidor.

O fortuito externo é uma causa excludente de responsabilidade.

Estacionamentos de grandes shoppings centers ou redes de hipermercados O fornecedor deverá indenizar o consumidor com base na aplicação da teoria do risco (risco-proveito). Além disso, se a pessoa é roubada em locais como esse, verifica-se a violação de uma legítima expectativa do consumidor, que imagina que estará seguro frequentando um ambiente como esse. Voltando ao caso da lanchonete No caso de João, ele foi vítima de assalto em um estacionamento aberto, gratuito, desprovido de controle de acesso, cercas ou de qualquer aparato de segurança, circunstâncias que evidenciam que o consumidor não poderia ter legítima expectativa de que estaria completamente seguro em um ambiente como aquele. Em suma:

Em casos de roubo, o STJ tem admitido a interpretação extensiva da Súmula 130 do STJ, para entender que há o dever do fornecedor de serviços de indenizar, mesmo que o dano tenha sido causado por roubo, se este foi praticado no estacionamento de empresas destinadas à exploração econômica direta da referida atividade (hipótese em que configurado fortuito interno) ou quando esta for explorada de forma indireta por grandes shopping centers ou redes de hipermercados (hipótese em que o dever de reparar resulta da frustração de legítima expectativa de segurança do consumidor). Por outro lado, não se aplica a Súmula 130 do STJ em caso de roubo de cliente de lanchonete fast-food, se o fato ocorreu no estacionamento externo e gratuito por ela oferecido. Nesta situação, tem-se hipótese de caso fortuito (ou motivo de força maior), que afasta do estabelecimento comercial proprietário da mencionada área o dever de indenizar (art. 393 do Código Civil). Logo, a incidência do disposto na Súmula 130 do STJ não alcança as hipóteses de crime de roubo a cliente de lanchonete, praticado mediante grave ameaça e com emprego de arma de fogo, ocorrido no estacionamento externo e gratuito oferecido pelo estabelecimento comercial. STJ. 3ª Turma. REsp 1.431.606-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 15/08/2017 (Info 613).

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Informativo 613-STJ (08/11/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20

Temas correlatos

A questão envolvendo furtos e roubos e responsabilidade civil do fornecedor é repleta de casos interessantes e nem sempre a solução dada é a mesma. Veja esse quadro com algumas situações já enfrentadas pela jurisprudência do STJ:

SITUAÇÃO FORNECEDOR

RESPONDE? EXPLICAÇÃO

Furto ou roubo no cofre do banco que estava locado para guardar bens de cliente.

SIM

O roubo ou furto praticado contra instituição financeira e que atinge o cofre locado ao cliente constitui risco assumido pelo banco, sendo algo próprio da atividade empresarial, configurando, assim, hipótese de fortuito interno, que não exclui o dever de indenizar (REsp 1250997/SP, DJe 14/02/2013).

Cliente roubado no interior da agência bancária.

SIM Há responsabilidade objetiva do banco em razão do risco inerente à atividade bancária (art. 927, p. ún., CC e art. 14, CDC) (REsp 1.093.617-PE, DJe 23/03/2009).

Cliente roubado na rua, após sacar dinheiro na agência.

NÃO Se o roubo ocorre em via pública, é do Estado (e não do banco) o dever de garantir a segurança dos cidadãos e de evitar a atuação dos criminosos (REsp 1.284.962-MG, DJe 04/02/2013).

Cliente roubado no estacionamento do banco.

SIM O estacionamento pode ser considerado como uma extensão da própria agência (REsp 1.045.775-ES, DJe 04/08/2009).

Roubo ocorrido no estacionamento privado que é oferecido pelo banco aos seus clientes e administrado por uma empresa privada.

SIM

Tanto o banco como a empresa de estacionamento têm responsabilidade civil, considerando que, ao oferecerem tal serviço especificamente aos clientes do banco, assumiram o dever de segurança em relação ao público em geral (Lei 7.102/1983), dever este que não pode ser afastado por fato doloso de terceiro. Logo, não se admite a alegação de caso fortuito ou força maior já que a ocorrência de tais eventos é previsível na atividade bancária (AgRg nos EDcl no REsp 844186/RS, DJe 29/06/2012).

Cliente, após sacar dinheiro na agência, é roubado à mão armada em um estacionamento privado que fica ao lado, mas que não tem qualquer relação com o banco.

NÃO

Não haverá responsabilidade civil nem do banco nem da empresa privada de estacionamento. A empresa de estacionamento se responsabiliza apenas pela guarda do veículo, não sendo razoável lhe impor o dever de garantir a segurança e integridade física do usuário e a proteção dos bens portados por ele (REsp 1.232.795-SP, DJe 10/04/2013).

Passageiro roubado no interior do transporte coletivo (exs.: ônibus, trem etc.).

NÃO

Constitui causa excludente da responsabilidade da empresa transportadora o fato inteiramente estranho ao transporte em si, como é o assalto ocorrido no interior do coletivo (AgRg no Ag 1389181/SP, DJe 29/06/2012).

Cliente roubado no posto de gasolina enquanto abastecia seu veículo.

NÃO

Tratando-se de postos de combustíveis, a ocorrência de roubo praticado contra clientes não pode ser enquadrado, em regra, como um evento que esteja no rol de responsabilidades do empresário para com os clientes, sendo essa situação um exemplo de caso fortuito externo, ensejando-se, por conseguinte, a exclusão da responsabilidade (REsp 1243970/SE, DJe 10/05/2012).

Roubo ocorrido em veículo sob a guarda de vallet parking que fica localizado em via pública.

NÃO

No serviço de manobrista em via pública não existe exploração de estacionamento cercado com grades, mas simples comodidade posta à disposição do cliente. Logo, as exigências de garantia da segurança física e patrimonial do consumidor são menos contundentes do que aquelas atinentes aos estacionamentos de shopping centers e hipermercados (REsp 1.321.739-SP, DJe 10/09/2013).

Furto ocorrido em veículo sob a guarda de vallet parking que fica localizado em via pública.

SIM

Nas hipóteses de furto, em que não há violência, permanece a responsabilidade, pois o serviço prestado mostra-se defeituoso, por não apresentar a segurança legitimamente esperada pelo consumidor.

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Informativo 613-STJ (08/11/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21

Furto ou roubo ocorrido em veículo sob a guarda de vallet parking localizado dentro do shopping center.

SIM

A ocorrência de roubo não constitui causa excludente de responsabilidade civil nos casos em que a garantia de segurança física e patrimonial do consumidor é inerente ao serviço prestado pelo estabelecimento comercial.

Tentativa de roubo ocorrida na cancela do estacionamento do shopping center.

SIM

A ocorrência de roubo não constitui causa excludente de responsabilidade civil nos casos em que a garantia de segurança física e patrimonial do consumidor é inerente ao serviço prestado pelo estabelecimento comercial (REsp 1269691/PB, DJe 05/03/2014).

Roubo ocorrido em estacionamento externo e gratuito de lanchonete.

NÃO

Constitui verdadeira hipótese de caso fortuito (ou motivo de força maior), de forma que não se aplica a Súmula 130 do STJ.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

CURADOR ESPECIAL Curador especial pode apresentar reconvenção

Importante!!!

O curador especial tem legitimidade para propor reconvenção em favor do réu cujos interesses está defendendo.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.088.068-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 29/08/2017 (Info 613).

Curador especial O CPC prevê que, em determinadas situações, o juiz terá que nomear um curador especial que irá defender, no processo civil, os interesses do réu. O curador especial também é chamado de curador à lide. Hipóteses em que será nomeado curador especial: Estão previstas no art. 72 do CPC. São quatro situações: a) Quando o réu for incapaz e não tiver representante legal; b) Quando o réu for incapaz e tiver representante legal, mas os interesses deste (representante) colidirem com os interesses daquele (incapaz); c) Quando o réu estiver preso; d) Quando o réu tiver sido citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado. Veja a redação legal:

Art. 72. O juiz nomeará curador especial ao: I - incapaz, se não tiver representante legal ou se os interesses deste colidirem com os daquele, enquanto durar a incapacidade; II - réu preso revel, bem como ao réu revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado.

Quais são os poderes do curador especial? O que ele faz no processo? O curador especial exerce um múnus público. Sua função é a de defender o réu em juízo naquele processo.

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Informativo 613-STJ (08/11/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22

Possui os mesmos poderes processuais que uma “parte”, podendo oferecer as diversas defesas (contestação, exceção, impugnação etc.), produzir provas e interpor recursos. Obviamente, o curador especial não pode dispor do direito do réu (não pode, por exemplo, reconhecer a procedência do pedido), sendo nulo qualquer ato nesse sentido. Vale ressaltar que, ao fazer a defesa do réu, o curador especial pode apresentar uma defesa geral (“contestação por negação geral”), não se aplicando a ele o ônus da impugnação especificada dos fatos (parágrafo único do art. 341 do CPC). Desse modo, o curador especial não tem o ônus de impugnar pontualmente (de forma individualizada) cada fato alegado pelo autor. O curador especial pode apresentar reconvenção? SIM.

O curador especial tem legitimidade para propor reconvenção em favor do réu cujos interesses está defendendo. STJ. 4ª Turma. REsp 1.088.068-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 29/08/2017 (Info 613).

Como já dito, o curador nomeado tem como função precípua defender o réu nas hipóteses legais. Por “defesa”, deve-se entender isso de forma ampla, incluindo, portanto, também a possibilidade de propor reconvenção. Tal orientação é a que melhor se coaduna com o direito ao contraditório e à ampla defesa. A doutrina vai além e afirma que o curador especial pode também propor ações autônomas de impugnação, a exemplo do mandado de segurança contra ato judicial. Este art. 72 é aplicável apenas ao processo (fase) de conhecimento? NÃO. O art. 72 deve ser aplicado em qualquer processo, inclusive no caso de execução.

Súmula 196-STJ: Ao executado que, citado por edital ou por hora certa, permanecer revel, será nomeado curador especial, com legitimidade para apresentação de embargos.

O que essa função de curador especial tem a ver com a Defensoria Pública? A Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/94) estabelece o seguinte:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: XVI – exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei;

Desse modo, o múnus público de curador especial de que trata o art. 72 do CPC deve ser exercido pelo Defensor Público. O CPC/2015 também afirmou isso expressamente:

Art. 72 (...) Parágrafo único. A curatela especial será exercida pela Defensoria Pública, nos termos da lei.

Quando o Defensor Público atua como “curador especial”, ele terá direito de receber honorários? NÃO.

O Defensor Público não faz jus ao recebimento de honorários pelo exercício da curatela especial por estar no exercício das suas funções institucionais, para o que já é remunerado mediante o subsídio em parcela única. STJ. Corte Especial. REsp 1.201.674-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 6/6/2012.

Todavia, ao final do processo, se o réu se sagrar vencedor da demanda, a instituição Defensoria Pública terá direito aos honorários sucumbenciais.

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Informativo 613-STJ (08/11/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23

Desse modo, apenas para que fique claro, o que se está dizendo é que o Defensor Público que atua como curador especial não tem que receber honorários para atuar neste múnus público, considerando que já se trata de uma de suas atribuições previstas em lei. O Ministério Público pode exercer a função de curador especial? NÃO.

RECURSOS Se a decisão proferida pelo juiz induzir a parte a interpor o recurso errado, deve-se reconhecer

que houve dúvida objetiva, que justifica o princípio da fungibilidade

O conceito de "dúvida objetiva", para a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, pode ser relativizado, excepcionalmente, quando o equívoco na interposição do recurso cabível decorrer da prática de ato do próprio órgão julgador.

STJ. 2ª Seção. EAREsp 230.380-RN, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/09/2017 (Info 613).

Princípio da fungibilidade O princípio da fungibilidade recursal também é chamado de “teoria do recurso indiferente”, “teoria do tanto vale”, “princípio da permutabilidade dos recursos” ou “princípio da conversibilidade dos recursos”. Qual é o sentido desse princípio? A parte recorrente não será prejudicada se interpôs o recurso errado, desde que esteja de boa-fé, não tenha sido um erro grosseiro e o recurso incorreto tenha sido manejado no prazo do recurso certo. Previsão no CPC O princípio da fungibilidade não está previsto de forma específica nem genérica no CPC. Apesar disso, a doutrina admite a sua existência. Nesse sentido:

Enunciado 104-FPPC: O princípio da fungibilidade recursal é compatível com o CPC e alcança todos os recursos, sendo aplicável de ofício.

Alguns autores afirmam que o CPC/2015 previu o princípio da fungibilidade de forma específica em dois casos: • recebimento de embargos de declaração contra decisão monocrática em tribunal como agravo interno (art. 1.024, § 3º); • recebimento de REsp como RE e vice-versa (arts. 1.032 e 1.033).

Art. 1.024 (...) § 3º O órgão julgador conhecerá dos embargos de declaração como agravo interno se entender ser este o recurso cabível, desde que determine previamente a intimação do recorrente para, no prazo de 5 (cinco) dias, complementar as razões recursais, de modo a ajustá-las às exigências do art. 1.021, § 1º.

Art. 1.032. Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional.

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Parágrafo único. Cumprida a diligência de que trata o caput, o relator remeterá o recurso ao Supremo Tribunal Federal, que, em juízo de admissibilidade, poderá devolvê-lo ao Superior Tribunal de Justiça. Art. 1.033. Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.

Requisitos Com base na jurisprudência do STJ, para a aplicação do princípio da fungibilidade, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: a) dúvida objetiva a respeito do recurso cabível; b) inexistência de erro grosseiro; c) que o recurso interposto erroneamente tenha sido apresentado no prazo daquele que seria o correto. Nesse sentido: STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1656690/RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 19/10/2017. Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação: João, executado, ingressou com uma espécie de defesa chamada “exceção de pré-executividade”. Podemos vislumbrar dois cenários mais prováveis neste caso: 1) O juiz acolhe a exceção de pré-executividade e extingue a execução: isso é feito por meio de sentença e, caso o exequente não se conforme, poderá interpor como recurso a apelação. 2) O juiz rejeita a exceção de pré-executividade e mantém o prosseguimento da execução: isso é feito por meio de decisão interlocutória e, caso o executado não se conforme, poderá interpor como recurso o agravo de instrumento. Suponhamos que o juiz rejeitou a exceção de pré-executividade de João. Qual seria o recurso que ele deveria interpor? Agravo de instrumento. Ocorre que João se equivocou e interpôs apelação. O Tribunal de Justiça não conheceu da apelação afirmando justamente que João interpôs o recurso errado. João não se conformou e interpôs recurso especial contra o acórdão do TJ. No Resp, João alegou que o TJ deveria ter aplicado o princípio da fungibilidade e que foi induzido em erro pelo juiz. Isso porque o magistrado nomeou a decisão que rejeitou a exceção de pré-executividade como “sentença”. Além disso, a Secretaria da vara teria lançado no sistema a decisão como sentença. Essas circunstâncias geraram uma dúvida objetiva na parte, fazendo com que ela acabasse concluindo que se tratava realmente de sentença e, contra ela, deveria ser interposta apelação. A tese de João foi acolhida pelo STJ? SIM.

O conceito de "dúvida objetiva", para a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, pode ser relativizado, excepcionalmente, quando o equívoco na interposição do recurso cabível decorrer da prática de ato do próprio órgão julgador. STJ. 2ª Seção. EAREsp 230.380-RN, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/09/2017 (Info 613).

Para o STJ, há situações em que os termos em que é redigida a decisão pelo julgador são determinantes para a interposição equivocada do recurso. Na hipótese analisada, embora a decisão do juiz singular não tenha colocado termo ao processo de execução, o referido magistrado deu-lhe verdadeiro tratamento de sentença - assim denominando-a e registrando-a, bem como recebendo e processando o recurso de apelação.

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Dessa forma, o juízo colaborou diretamente para o surgimento da dúvida quanto ao recurso cabível, afastando-se a eventual má-fé da parte na interposição da apelação - o que legitima a aplicação do princípio da fungibilidade. Conforme constou em outro precedente, “tem entendido esta Corte que não pode o jurisdicionado responder por erro induzido pelo magistrado.” (STJ. 2ª Turma. REsp 1349832/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 16/05/2013).

EXECUÇÃO Penhora de valores depositados em conta bancária conjunta

Importante!!!

Se forem penhorados valores que estão depositados em conta-corrente conjunta solidária, o cotitular da conta, que não tenha relação com a penhora, pode tentar provar que a totalidade do dinheiro objeto da constrição pertencia a ele.

Se conseguir fazer isso, o numerário será integralmente liberado.

Se não conseguir, presume-se que os valores constantes da conta pertencem em partes iguais aos correntistas, de forma que se mantém penhorada apenas a parte do cotitular que tenha relação com a penhora (cotitular devedor/executado).

Ex: João ingressou com execução contra Luciana. Foram penhorados R$ 100 mil da conta conjunta solidária. Pedro, marido de Luciana, apresentou embargos de terceiro afirmando que os valores penhorados pertenciam exclusivamente a ele. Se ele tivesse conseguido provar isso, teria todo o dinheiro liberado. Como não conseguiu fazer essa prova, o juiz deverá considerar que apenas metade da quantia pertence a ele, liberando R$ 50 mil.

Assim, em se tratando de conta-corrente conjunta solidária, na ausência de comprovação dos valores que integram o patrimônio de cada um, presume-se a divisão do saldo em partes iguais, de forma que os atos praticados por quaisquer dos titulares em suas relações com terceiros não afetam os demais correntistas.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.510.310-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/10/2017 (Info 613).

STJ. 4ª Turma. REsp 1.184.584-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/4/2014 (Info 539).

Imagine a seguinte situação hipotética: João ingressou com execução contra Luciana. No bojo da ação, foram penhorados R$ 100 mil que estavam na conta-corrente de Luciana. Pedro, marido de Luciana, apresentou, então, embargos de terceiro afirmando que o dinheiro foi penhorado em uma conta bancária conjunta solidária que ele mantém com a esposa. Alegou, ainda, que, apesar de a mencionada conta ser conjunta, os valores penhorados pertenciam exclusivamente a ele. Diante disso, pediu a liberação de toda a quantia. Vale ressaltar que Pedro não apresentou nenhum documento comprovando que o dinheiro pertencia realmente a ele. O que o juiz deverá decidir nesse caso? O pedido de Pedro poderá ser atendido? Em parte. Espécies de conta-bancária Há duas espécies de conta-corrente bancária: 1) individual (ou unipessoal): possui um único titular. 2) coletiva (ou conjunta): possui dois ou mais titulares.

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A conta-corrente bancária coletiva ou conjunta, por sua vez, pode ser: 2.a) fracionária: é aquela que é movimentada por intermédio de todos os titulares, isto é, sempre com a assinatura de todos. Ex: conta aberta em nome de todos os herdeiros, para administrar os bens do falecido antes da partilha. 2.b) solidária: cada um dos titulares pode movimentar a integralidade dos fundos disponíveis, em decorrência da solidariedade ativa em relação ao banco. O que significa essa palavra “solidária”? Quando se fala em conta-corrente conjunta solidária, isso quer dizer que existe uma relação obrigacional solidária dos correntistas com o banco. Assim, os correntistas são credores solidários do banco quando há saldo, ou seja, cada um dos dois pode exigir o dinheiro todo da instituição financeira. Ao mesmo tempo, os correntistas também são devedores solidários do banco caso exista alguma tarifa ou outra despesa relacionada com a conta. Vale ressaltar, no entanto, que essa solidariedade não existe em relação a terceiros. Assim, por exemplo, se um dos correntistas emite um cheque sem fundos, o outro correntista da conta não tem qualquer responsabilidade perante o beneficiário do cheque. Ele não é devedor solidário juntamente com o emitente do cheque. Voltando ao nosso exemplo: é possível a penhora de valores que estejam em uma conta bancária conjunta mesmo que a dívida seja apenas de um dos correntistas? SIM. A penhora de valores contidos em conta bancária conjunta é admitida pelo ordenamento jurídico. No entanto, a constrição não pode se dar em proporção maior que o numerário pertencente ao devedor da obrigação, devendo ser preservado o saldo dos demais cotitulares. Em outras palavras, deve ser penhorado apenas o dinheiro que pertence ao executado. Ônus da prova é do cotitular que não era devedor Quando se penhora o valor constante em conta bancária conjunta solidária, deve-se permitir que o cotitular prove que a quantia penhorada pertence a ele. Logo, Pedro poderia ter provado que o dinheiro penhorado pertencia inteiramente a ele. Nesse caso, a verba seria integralmente liberada. Ressalto, mais uma vez, o ônus da prova cabe ao cotitular que não é devedor. O credor consegue a penhora e o cotitular da conta, que não tinha nada a ver com a dívida, é quem terá que provar que o dinheiro que foi penhorado pertencia exclusivamente a ele. E se o cotitular não conseguir provar que o dinheiro pertencia inteiramente a ele, o que acontecerá? Se o cotitular não executado não conseguir provar que a verba penhorada pertencia inteiramente a ele, deve-se presumir que a quantia existente na conta bancária era dividida igualmente entre os cotitulares. Em outras palavras, como Pedro não conseguiu provar que o dinheiro era todo dele, deve-se considerar que dos R$ 100 mil, R$ 50 mil eram seus e a outra metade era de Luciana. Dessa forma, em nosso exemplo, como não houve prova de que o dinheiro era todo do embargante, o juiz deverá manter penhorados R$ 50 mil e desbloquear os R$ 50 mil que, presumidamente, são de Pedro. Confira um julgado do STJ que espelha esse entendimento:

A penhora de valores depositados em conta bancária conjunta solidária somente poderá atingir a parte do numerário depositado que pertença ao correntista que seja sujeito passivo do processo executivo, presumindo-se, ante a inexistência de prova em contrário, que os valores constantes da conta pertencem em partes iguais aos correntistas. STJ. 4ª Turma. REsp 1.184.584-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/4/2014 (Info 539).

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DIREITO PENAL

CRIMES NO ECA Se a infração penal envolveu dois adolescentes, o réu deverá ser condenado

por dois crimes de corrupção de menores (art. 244-B do ECA)

Importante!!!

A prática de crimes em concurso com dois adolescentes dá ensejo à condenação por dois crimes de corrupção de menores.

Ex: João (20 anos de idade), em conjunto com Maikon (16 anos) e Dheyversson (15 anos), praticaram um roubo. João deverá ser condenado por um crime de roubo qualificado e por dois crimes de corrupção de menores, em concurso formal (art. 70, 1ª parte, do CP).

STJ. 6ª Turma. REsp 1.680.114-GO, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 10/10/2017 (Info 613).

Imagine a seguinte situação hipotética: João (20 anos de idade) convidou Maikon (16 anos) e Dheyversson (15 anos) para praticarem um roubo. Dessa forma, os três, em conjunto, mediante grave ameaça, subtraíram a carteira e o celular de uma mulher que esperava o ônibus na parada. João foi denunciado e o juiz o condenou pelos crimes de roubo qualificado e de corrupção de menores (por duas vezes), em concurso formal (art. 70, 1ª parte, do CP). A condenação foi, portanto, a seguinte: • Roubo circunstanciado (art. 157, § 2º, II, do CP); • Corrupção de menores (art. 244-B do ECA) (2 vezes). Veja os dispositivos legais:

Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. (...) § 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade: II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;

Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Concurso formal Art. 70. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior. Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código.

O réu recorreu pedindo para afastar o concurso formal entre os dois crimes de corrupção de menores, alegando que deveria ser reconhecido crime único. Em outras palavras, João afirmou o seguinte: eu deveria ter sido condenado por roubo em concurso com uma só corrupção de menores (e não com duas). Houve um só crime de corrupção de menores, mesmo tendo havido a participação de dois adolescentes.

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Informativo 613-STJ (08/11/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28

No que isso interfere? No quantum da pena. Isso porque, segundo o STJ (HC 319.513/SP), o critério para a escolha do aumento de pena previsto no art. 70 do CP é o número de crimes praticados: 2 crimes – aumenta 1/6 3 crimes – aumenta 1/5 4 crimes – aumenta 1/4 5 crimes – aumenta 1/3 6 crimes – aumenta 1/2 Logo, pela decisão do juiz (três crimes: um roubo e duas corrupções de menores), o aumento fica em 1/5; pela tese da defesa (sendo apenas 2 delitos), o aumento do art. 70 ficaria em 1/6. A sentença do juiz foi mantida? SIM.

A prática de crimes em concurso com dois adolescentes dá ensejo à condenação por dois crimes de corrupção de menores. STJ. 6ª Turma. REsp 1.680.114-GO, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 10/10/2017 (Info 613).

O bem jurídico tutelado pelo art. 244-B do ECA é a formação moral da criança e do adolescente a fim de que eles não ingressem ou permaneçam no mundo da criminalidade. Se o bem jurídico tutelado pelo crime de corrupção de menores é a formação moral da criança e do adolescente, caso duas crianças/adolescentes tiverem seu amadurecimento moral violado, em razão de estímulos a praticar o crime ou a permanecer na seara criminosa, dois foram os bens jurídicos violados. Da mesma forma, dois são os sujeitos passivos atingidos, uma vez que a doutrina é unânime em reconhecer que o sujeito passivo do crime de corrupção de menores é a criança ou o adolescente submetido à corrupção. O entendimento perfilhado também se coaduna com os princípios da prioridade absoluta e do melhor interesse da criança e do adolescente, vez que trata cada criança ou adolescente como sujeitos de direitos. Ademais, seria desarrazoado atribuir a prática de crime único ao réu que corrompeu dois adolescentes, assim como ao que corrompeu apenas um.

CRIME AMBIENTAL Art. 56 da Lei 9.605/98 é crime de perigo abstrato e dispensa prova pericial

O crime previsto no art. 56, caput, da Lei nº 9.605/98 é de perigo abstrato, sendo dispensável a produção de prova pericial para atestar a nocividade ou a periculosidade dos produtos transportados, bastando que estes estejam elencados na Resolução nº 420/2004 da ANTT.

Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.439.150-RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 05/10/2017 (Info 613).

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Informativo 613-STJ (08/11/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 29

Imagine a seguinte situação hipotética: João estava dirigindo seu caminhão quando foi parado pela Polícia Rodoviária Estadual, que constatou que ele transportava Dimilin, Vitavax-Thiram e Carbomax, espécies de fungicida, produtos considerados perigosos pela Resolução nº 420/2004 da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT). Esta Resolução faz uma série de exigências para que tais produtos sejam transportados. Ocorre que João estava transportando os produtos sem cumprir as exigências, ou seja, em desacordo com a Resolução. Diante disso, ele foi denunciado pelo Promotor de Justiça pela prática do crime tipificado no art. 56 da Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais):

Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

A defesa de João pediu que fosse realizada perícia nos produtos apreendidos com o objetivo de se aferir se eles são realmente nocivos ou não ao meio ambiente. O juiz indeferiu a perícia e condenou o réu. O condenado interpôs recurso alegando que houve cerceamento de defesa. Agiu corretamente o magistrado? A sentença condenatória deverá ser mantida? SIM.

O crime previsto no art. 56, caput, da Lei nº 9.605/98 é de perigo abstrato, sendo dispensável a produção de prova pericial para atestar a nocividade ou a periculosidade dos produtos transportados, bastando que estes estejam elencados na Resolução nº 420/2004 da ANTT. STJ. 6ª Turma. REsp 1.439.150-RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 05/10/2017 (Info 613).

Norma penal em branco O art. 56 da Lei nº 9.605/98 é uma norma penal em branco. Repare na parte final do dispositivo: “em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos”. Assim, a conduta ilícita prevista no dispositivo depende da edição de outras normas, que definam o que venha a ser o elemento normativo do tipo “produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde pública ou ao meio ambiente”. No caso de transporte de tais produtos ou substâncias, o complemento do art. 56 é o Regulamento para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos (Decreto nº 96.044/1988) e a Resolução n. 420/2004 da ANTT. Tais normas indicam os produtos e substâncias cujo transporte rodoviário é considerado perigoso. Crime de dano e de perigo Existe uma classificação dos delitos que os distinguem em crimes de dano e de perigo. a) Crimes de DANO: somente se consumam com a efetiva lesão do bem jurídico (ex: homicídio). b) Crimes de PERIGO: são aqueles que se consumam com a mera possibilidade de dano. Em simples palavras, não precisa que ocorra dano para a consumação, basta que se verifique o perigo de dano. Crimes de perigo abstrato e de perigo concreto Os crimes de perigo dividem-se em: b.1) Crimes de PERIGO ABSTRATO (PRESUMIDO): consumam-se com a simples prática da conduta, não se exigindo a comprovação de que o bem jurídico esteve exposto a perigo. Há uma presunção absoluta de que, se ocorreu a conduta, houve perigo ao bem jurídico. Exs: tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº

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11.343/2006), posse e porte de arma de fogo (arts. 12 e 14 da Lei nº 10.826/2003), embriaguez ao volante (art. 306 do CTB). b.2) Crimes de PERIGO CONCRETO: para que haja a consumação, é indispensável que se comprove, no caso concreto, que o bem jurídico foi colocado em uma situação de perigo. Ex: perigo à vida ou à saúde de outrem (art. 132 do CP). Os crimes de perigo abstrato são inconstitucionais? NÃO. Existe uma importante corrente doutrinária que defende que os crimes de perigo abstrato são inconstitucionais porque violariam o princípio da ofensividade. O STJ e o STF, contudo, afirmam que os crimes de perigo abstrato são constitucionais (STF HC 109269/MG). Os crimes de perigo abstrato existem por razões de política criminal. O legislador decide que determinadas condutas devem ser consideradas crimes mesmo que não produzam risco efetivo ou dano. Qual é a natureza jurídica do art. 56? O art. 56 da Lei nº 9.605/98 é um crime de perigo abstrato, ou seja, para a sua consumação não é necessário provar a ocorrência de efetivo risco. No que se refere ao art. 56, caput, da Lei nº 9.605/98, o legislador foi claro em não exigir a geração concreta de risco na conduta ali positivada. Poderia fazê-lo, mas preferiu contentar-se com a deliberada criação de um risco para o meio ambiente ou mesmo a um número indeterminado de pessoas por quem transporta produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos. Logo, o crime materializado no art. 56, caput, da Lei nº 9.605/98, possui a natureza de crime de perigo abstrato, não se exigindo a criação de ameaça concreta a algum bem jurídico e muito menos lesão a ele. Desse modo, sendo crime de perigo abstrato, não é necessária a constatação, via laudo pericial, de que os produtos transportados oferecem perigo ou nocividade. Isso porque eles já constam no rol da Resolução nº 420/2004 da ANTT etiquetados como "produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva para a saúde humana ou o meio ambiente".

DIREITO PROCESSUAL PENAL

REMIÇÃO É possível a remição pela participação em coral musical

Importante!!!

O reeducando tem direito à remição de sua pena pela atividade musical realizada em coral.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.666.637-ES, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/09/2017 (Info 613).

NOÇÕES GERAIS SOBRE A REMIÇÃO

O art. 126 da Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84) estabelece:

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.

O art. 126 da LEP trata, portanto, da remição (ato de remir). O que é a remição? Remição é...

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- o direito que possui o condenado ou a pessoa presa cautelarmente - de reduzir o tempo de cumprimento da pena - mediante o abatimento - de 1 dia de pena a cada 12 horas de estudo ou - de 1 dia de pena a cada 3 dias de trabalho. É uma forma de estimular e premiar o condenado para que ocupe seu tempo com uma atividade produtiva (trabalho ou estudo), servindo, ainda, como forma de ressocialização e de preparação do apenado para que, quando termine de cumprir sua pena, possa ter menos dificuldades de ingressar no mercado de trabalho. O tempo remido será considerado como pena cumprida, para todos os efeitos (art. 128). Obs: a remição de que trata a LEP é com “ç” (remição). Remissão (com “ss”) significa outra coisa, qual seja, perdão, renúncia etc., sendo muito utilizada no direito civil (direito das obrigações) para indicar o perdão do débito.

Remição pelo TRABALHO Remição pelo ESTUDO

A cada 3 dias de trabalho, diminui 1 dia de pena.

Obs.: somente poderão ser considerados, para fins de remição, os dias em que o condenado

cumprir a jornada normal de trabalho, que não pode ser inferior a 6h nem superior a 8h (art. 33).

A cada 12 horas de estudo, diminui 1 dia de pena.

Obs.: as 12 horas de estudo deverão ser divididas

em, no mínimo, 3 dias.

Somente é aplicada se o condenado cumpre pena em regime fechado ou semiaberto.

Obs.: não se aplica se o condenado estiver

cumprindo pena no regime aberto ou se estiver em livramento condicional.

Pode ser aplicada ao condenado que cumpra pena em regime fechado, semiaberto, aberto ou,

ainda, que esteja em livramento condicional.

Atenção: perceba a diferença em relação à remição pelo trabalho.

É possível a remição para condenados que cumprem pena em regime aberto? Remição pelo trabalho: NÃO. Remição pelo estudo: SIM. Outras regras importantes sobre a remição:

As atividades de estudo poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino à distância e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados (§ 2º do art. 126).

É possível que o condenado cumule a remição pelo trabalho e pelo estudo, desde que as horas diárias de trabalho e de estudo sejam compatíveis (§ 3º do art. 126).

O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos, continuará a beneficiar-se com a remição (§ 4º do art. 126).

O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) caso o condenado consiga concluir o ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena (§ 5º do art. 126).

A remição pode ser aplicada para a pessoa presa cautelarmente (§ 7º do art. 126). Assim, se o indivíduo está preso preventivamente e decide trabalhar, esse tempo será abatido de sua pena caso venha a ser condenado no futuro.

A remição será declarada pelo juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa (§ 8º do art. 126).

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REMIÇÃO DA PENA PELA ATIVIDADE MUSICAL REALIZADA EM CORAL

Imagine a seguinte situação hipotética: João, cumprindo pena privativa de liberdade, participou, durante 1 ano, do coral musical do presídio. O apenado requereu, então, a remição da pena. O juiz indeferiu o pedido alegando que o desempenho de atividades no coral do presídio, de natureza eminentemente artística, não remunerada e de cunho não empresarial, não pode ser considerada para fins de remição. Houve, então, sucessivos recursos do apenado, até que a questão chegou ao STJ. O STJ concordou com o pedido de João? A música, mais especificadamente o canto em coral, pode ser considerado como trabalho ou estudo para fins de remição da pena? SIM. O STJ concordou com o pedido do condenado e decidiu que:

O reeducando tem direito à remição de sua pena pela atividade musical realizada em coral. STJ. 6ª Turma. REsp 1.666.637-ES, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/09/2017 (Info 613).

Em se tratando de remição da pena, é possível que seja conferida interpretação extensiva das hipóteses legais em favor do preso e da sociedade. A norma do art. 126 da LEP, ao possibilitar a abreviação da pena, tem por objetivo a ressocialização do condenado, sendo possível o uso da analogia in bonam partem para permitir a concessão do benefício mesmo em caso de atividades que não estejam expressamente previstas no texto legal. Concluiu-se, portanto, que o rol do art. 126 da LEP não é taxativo, pois não descreve todas as atividades que poderão auxiliar no abreviamento da reprimenda. Aliás, o caput do citado artigo possui uma redação aberta, referindo-se apenas ao estudo e ao trabalho. A intenção do legislador ao permitir a remição pelo trabalho ou pelo estudo é incentivar o aprimoramento do reeducando, afastando-o do ócio e da prática de novos delitos. Ao fomentar o estudo e o trabalho, pretende-se a inserção do reeducando ao mercado de trabalho, a fim de que ele obtenha o seu próprio sustento, de forma lícita, após o cumprimento de sua pena. Dessa forma, o meio musical satisfaz a todos esses requisitos, uma vez que além do aprimoramento cultural proporcionado ao apenado, ele promove sua formação profissional nos âmbitos cultural e artístico.

DIREITO TRIBUTÁRIO

PIS/PASEP E COFINS Lei 10.865/2004 autorizou que decreto reduzisse ou restabelecesse as alíquotas

do PIS/PASEP e COFINS, de forma que o Decreto nº 8.426/2015 é válido

O Decreto nº 8.426/2015, que restabeleceu as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre receitas financeiras, conforme limites previstos no art. 27, § 2º, da Lei nº 10.865/2004, não ofende o princípio da legalidade.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.586.950-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Gurgel de Faria, julgado em 19/09/2017 (Info 613).

Os chamados PIS e COFINS são duas diferentes “contribuições de seguridade social”. Atualmente, o PIS é chamado de PIS/PASEP.

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PIS/PASEP O sentido histórico dessas duas siglas é o seguinte:

PIS: Programa de Integração Social.

PASEP: Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público. O PIS e o PASEP foram criados separadamente, mas desde 1976 foram unificados e passaram a ser denominados de PIS/PASEP. Segundo a Lei nº 10.637/2002, a contribuição para o PIS/Pasep incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. COFINS Significa Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social. A COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) é uma espécie de tributo instituída pela Lei Complementar 70/91, nos termos do art. 195, I, “b”, da CF/88. A COFINS incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil (art. 1º da Lei nº 10.833/2003). Decreto nº 8.426/2015 O Decreto nº 8.426/2015 restabeleceu as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não-cumulativa das referidas contribuições. Veja o que disse o art. 1º do Decreto:

Art. 1º Ficam restabelecidas para 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento) e 4% (quatro por cento), respectivamente, as alíquotas da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS incidentes sobre receitas financeiras, inclusive decorrentes de operações realizadas para fins de hedge, auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não-cumulativa das referidas contribuições.

Diversos contribuintes ingressaram com ações judiciais questionando a validade deste Decreto. Afirmaram que ele teria violado o princípio da legalidade, considerando que teria majorado tributos por meio de ato infralegal (decreto), quando o correto seria fazer isso por lei em sentido estrito. O argumento foi aceito pelo STJ? O Decreto nº 8.426/2015 viola o princípio da legalidade? NÃO. As contribuições ao PIS e à COFINS, de acordo com as Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, incidem sobre todas as receitas auferidas por pessoa jurídica, com alíquotas de 1,65% e 7,6%, respectivamente. No ano de 2004, entrou em vigor a Lei nº 10.865/2004, que autorizou o Poder Executivo a reduzir ou restabelecer as alíquotas sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime não cumulativo, de modo que a redução ou o restabelecimento poderiam ocorrer até os percentuais especificados no art. 8º da referida Lei. Veja a redação da Lei nº 10.865/2004:

Art. 27. (...) (...) § 2º O Poder Executivo poderá, também, reduzir e restabelecer, até os percentuais de que tratam os incisos I e II do caput do art. 8º desta Lei, as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não-cumulatividade das referidas contribuições, nas hipóteses que fixar.

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O Decreto nº 5.164/2004 reduziu a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de incidência não cumulativa das referidas contribuições. O Decreto nº 5.442/2005 manteve a redução das alíquotas a zero. O Decreto nº 8.426/2015, por sua vez, restabeleceu as alíquotas, fixando-as em 0,65% (para o PIS/PASEP) e 4% (para a COFINS). Assim, considerada a constitucionalidade da Lei nº 10.865/2004, permite-se ao Poder Executivo tanto reduzir quanto restabelecer alíquotas do PIS/COFINS sobre as receitas financeiras das pessoas jurídicas. Dessa forma, o Decreto nº 8.426/2015, que restabeleceu as alíquotas em patamar inferior ao permitido pelas Leis nº 10.637/2002 e 10.833/03, agiu dentro do limite previsto na legislação, não havendo que se falar em ilegalidade. Em suma:

O Decreto nº 8.426/2015, que restabeleceu as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre receitas financeiras, conforme limites previstos no art. 27, § 2º, da Lei nº 10.865/2004, não ofende o princípio da legalidade. STJ. 1ª Turma. REsp 1.586.950-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Gurgel de Faria, julgado em 19/09/2017 (Info 613).

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) É legal a instauração de procedimento disciplinar, julgamento e sanção, nos moldes da Lei nº 8.112/90,

em face de servidor público que pratica atos ilícitos na gestão de fundação privada de apoio à instituição federal de ensino superior. ( )

2) Na hipótese de inexecução do contrato, revela-se inadmissível a cumulação das arras com a cláusula penal compensatória, sob pena de ofensa ao princípio do non bis in idem. ( )

3) A instituição arbitral é litisconsorte passiva necessária na ação de anulação de arbitragem. ( ) 4) Somente com o advento da Lei nº 13.043/2014, que deu nova redação ao art. 2º do Decreto-Lei nº

911/69, tornou-se possível o ajuizamento de ação de prestação de contas relativas aos valores auferidos com o leilão extrajudicial de veículo apreendido em busca e apreensão. ( )

5) O curso da prescrição aquisitiva da propriedade de bem que compõe a massa falida é interrompido com a decretação da falência. ( )

6) Há perda de objeto da ação de usucapião proposta em juízo cível na hipótese em que juízo criminal decreta a perda do imóvel usucapiendo em razão de ter sido adquirido com proventos de crime. ( )

7) A incidência do disposto na Súmula 130 do STJ não alcança as hipóteses de crime de roubo a cliente de lanchonete praticado mediante grave ameaça e com emprego de arma de fogo, ocorrido no estacionamento externo e gratuito oferecido pelo estabelecimento comercial. ( )

8) O curador especial tem legitimidade para propor reconvenção em favor do réu cujos interesses está defendendo. ( )

9) O conceito de "dúvida objetiva", para a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, pode ser relativizado, excepcionalmente, quando o equívoco na interposição do recurso cabível decorrer da prática de ato do próprio órgão julgador. ( )

10) Em se tratando de conta-corrente conjunta solidária, na ausência de comprovação dos valores que integram o patrimônio de cada um, os atos praticados por quaisquer dos titulares em suas relações com terceiros afetam os demais correntistas. ( )

11) A prática de crimes em concurso com dois adolescentes não enseja a condenação por dois crimes de corrupção de menores, sendo hipótese de crime único. ( )

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12) O crime previsto no art. 56, caput, da Lei nº 9.605/98 é de perigo abstrato, sendo dispensável a produção de prova pericial para atestar a nocividade ou a periculosidade dos produtos transportados, bastando que estes estejam elencados na Resolução nº 420/2004 da ANTT. ( )

13) O reeducando não tem direito à remição de sua pena pela atividade musical realizada em coral, considerando que não se enquadra nem como trabalho nem como estudo. ( )

Gabarito

1. C 2. C 3. E 4. E 5. C 6. C 7. C 8. C 9. C 10. E

11. E 12. C 13. E